#286 MARÇO/ABRIL
O CAMINHO A SEGUIR
Os economistas Samuel Pessoa e Nelson Marconi apresentam duas visões sobre o recente desenvolvimento do país e explicam como e por que chegamos onde estamos.
ENTREVISTA
ARTIGO
REPORTAGEM
Romy Calderón, economista-chefe da Alide, mostra a força do fomento ao crescimento na América Latina.
O professor Ricardo Dathein aponta a importância do Estado forte como indutor da economia.
O Sistema Nacional de Fomento reflete sobre o desenvolvimento regional.
2016
SUMÁRIO
MARÇO/ABRIL 2016
#286
AO LEITOR
São tempos estranhos aqueles que não nos permitem acompanhá-los, vivê-los em sua plenitude. Assim está o Brasil de hoje, difícil de entender, complicado ao olhar, mas promissor no longo prazo. Para tentar decifrar os caminhos futuros do país, a Rumos conversou com os economistas da Fundação Getulio Vargas, Samuel Pessoa, no Rio de Janeiro, e Nelson Marconi, em São Paulo, que falam sobre como enxergar a trajetória do desenvolvimento brasileiro e os maus passos que nos levaram até aqui, onde estamos hoje. Em continuidade às comemorações dos 40 anos da revista, um mergulho na década de 1990, cujo mote foi uma especial atenção ao desenvolvimento, em suas mais diversas abrangências: econômica, social e humana. Também nesta edição, seis correspondentes internacionais contam o que veem, vivem e narram para seus conterrâneos sobre o que acontece no Brasil. Por fim, o artigo do professor do curso de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ricardo Dathein, expõe os pensamentos da economia em relação aos possíveis caminhos para o desenvolvimento nacional. Enfim, ainda que esteja difícil entender o Brasil de hoje, nas páginas da Rumos não faltarão fatos, dados e ideias para que cada um formule a sua visão sobre o desenvolvimento do país. Boa leitura!
NESTA EDIÇÃO
04 Um mergulho na MEMÓRIA
essência
06 08 12 14
OPINIÃO
Antonio Delfim Netto
Realidade imaginária
28 36 38
CAPA | Entrevistas
EXPERTISE
Romy Calderón Alcas
Estímulo ao desenvolvimento latino-americano REPORTAGEM
O filme vai começar EM DIA
Luiz Gamboa Felipe Salgado
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ARTIGO | Ricardo Dathein
O desenvolvimentismo no Brasil de hoje
REPORTAGEM
Assim é... (se lhes parece) REPORTAGEM
Crédito para o agronegócio ARTIGO
Fernanda Feil Andrej Slivnik
Ajustes (des)necessários
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O caminho a seguir
A fratura no tabuleiro geopolítico
Thais Sena Schettino Editora
RUMOS
DESTAQUES
ARTIGO
Ênio Meinen
Cooperativismo e desenvolvimento socioeconômico
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REPORTAGEM | FÓRUM SNF
Protagonismo regional
SEÇÕES
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LIVROS
FOMENTO
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MEMÓRIA
Um mergulho na essência Um aprofundamento no debate sobre o desenvolvimento, em especial o regional – foi com esse mote que a revista Rumos atravessou a década de 1990, mergulhando ainda mais fundo no tema que a define. POR THAIS SENA SCHETTINO*
Democracia reconquistada e estabilidade econômica a caminho, os anos de 1990 trouxeram para as páginas da revista professores, políticos e especialistas nos temas do desenvolvimento. Não seria novidade que esse assunto fosse o norte dos debates, visto a publicação ser voltada para discutir os caminhos para o crescimento do país com a garantia do bem-estar, mas a década de 1990 aprofundou os debates, tendo o complexo cenário econômico e social brasileiro como o fio condutor. O interessante é que não foram ouvidos só economistas ou políticos, que tiveram, como não antes, edições especiais dedicadas a apresentar suas ideias para a concertação de um país então imberbe na democracia e namorador da estabilidade da moeda; foi um momento de ouvir cientistas sociais, educadores, administradores, enfim, uma pluralidade de profissionais que permitiram um desfile de visões diferentes. UM PROJETO NACIONAL A economista Tânia Bacelar abria os debates da década (1990, Ano 14, nº 84) chamando a atenção para as políticas de desenvolvimento regional. Embora tratasse dessa questão específica, pensando nos instrumentos disponíveis à época, a fala da economista tinha uma sinalização maior do que fazer para trazer o Norte e o Nordeste aos padrões econômicos e sociais do Sul e do Sudeste. “Para mim, o Brasil não tem, verdadeiramente, um projeto de desenvolvimento nacional. Se tivesse, não teria perdido as chances que perdeu, nos últimos anos, de estimular o desenvolvimento de outros subespaços do território nacional, como é o caso do Nordeste. ” Ainda sobre essa questão – desenvolvimento –, mas com outra abordagem, em meados dessa década, o geógrafo Milton Santos (1997, Ano 21, nº 121) insistia que, para enfrentá-la, o país devia ter “um 4
projeto de nação – e nós não te- Promover o mos. Por meio dele, poderíamos debate sobre o traçar um destino. Não quero di- desenvolvimento do zer que seja necessário guardá-lo país, diante de qualquer para sempre. Esse projeto pode cenário nacional ou mudar, adaptar-se. Mas, se eu tenho um destino claro, para o qual internacional, pois, me encaminho, não vou entregar ao fim e ao cabo, a meu futuro à decisão de tal ou liberdade de expressão qual empresa, nacional ou estran- é a conquista maior de geira, que não tem qualquer preum projeto de nação ocupação ou compromisso, a não soberana. ser com seus próprios interesses”. São palavras que completarão vinte anos e que nos levam a reflexões atuais. Ele continua: “tendo um norte comum, é possível pedir à sociedade pausas no crescimento para realizar determinadas políticas consideradas fundamentais para o coletivo, estabelecer prazos para solucionar problemas de interesse nacional.” Já a globalização foi o tema da entrevista com o economista francês Robert Castel (1998, Ano 22, nº 148 ), em passagem pelo Brasil. Indagado sobre como seria o futuro, considerando os movimentos políticos de esquerda e de direita, ele frisou: “Podemos sonhar com um futuro maravilho ou catastrófico, mas ele depende de decisões que são tomadas ou não no nível político”. Ainda que a referida década tenha proporcionado aos brasileiros fortes oportunidades de participação política, com eleições bianuais, um plebiscito sobre o sistema de governo, além do próprio processo que levou ao impeachment do primeiro presidente eleito por voto direto após a ditadura, os anos de 1990 foram paradigmáticos por deixar ao país o fim da inflação. E, no caso da revista, o legado foi a expressão máxima da democracia, com a liberdade de trazer às páginas brancas da publicação a impressão de vozes plurais, de variados espectros econômicos ou políticos, que amalgamaram o compromisso da Rumos com sua essência: promover o debate sobre o desenvolvimento do país, diante de qualquer cenário nacional ou internacional, pois, ao fim e ao cabo, a liberdade de expressão é a conquista maior de um projeto de nação soberana. * Editora da revista Rumos e Gerente de Comunicação Social da ABDE. Formada em Comunicação Social, com mestrado e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ).
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Desenvolvimento como projeto nacional Em um momento complexo da vida econômica do país, o desenvolvimento foi o tema mais constante nas páginas da Rumos. Abaixo, algumas imagens que demonstram que o termo esteve, literalmente, na capa da revista.
Julho/Agosto - 1990
Setembro/Outubro - 1990
Maio/Junho - 1991
Maio/Junho - 1992
Julho/Agosto - 1992
Março/Abril - 1993
Janeiro/Fevereiro - 1995
Março - 1996
Fevereiro - 1999
RUMOS
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OPINIÃO
Realidade imaginária
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1988, reeleito para um segundo mandato, nomeia Rocard, primeiro-ministro que reintroduz o “rigor na solidariedade”. Era tarde. O fim do governo foi lamentável e, logo depois, tudo foi reprivatizado. Por que continuamos sensíveis ao autoengano das belas narrativas que sugerem o caminho fácil para a sociedade civilizada? Por que, diante das dezenas de malfadadas experiências cerebrinas enterradas no século XX, resistimos a aprender que a realidade acaba dominando nossas crenças e esperanças? O pior é que a verdade quando chega é sempre tarde demais para evitar os danos colaterais! No Brasil de hoje há uma maioria significativa que “sente” que o poder Executivo não sabe o que fazer e, se soubesse, não teria poder para fazê-lo, porque tem dentro de si uma contradição insanável: um corporativismo fantasiado de “esquerda” que apenas defende as vantagens que extraiu da maioria despercebida. Se o poder Executivo não enfrentar e se livrar dessa oposição interna e reassumir o seu protagonismo, apresentando e trabalhando para aprovar no Congresso as reformas constitucionais e as medidas infraconstitucionais que assegurem, num horizonte razoável, que a estabilidade fiscal estará garantida, vamos continuar afundando, porque a lei de Thomas recomenda a atitude defensiva: sentar e esperar! No caso de sucesso da ação do Executivo, o “sentimento” mudará rapidamente. Voltarão a confiança e, com ela, o investimento, e o crescimento, porque a lei de Thomas recomendará uma atitude ofensiva: aproveitar as oportunidades oferecidas pelo crescimento possível e que, pela resposta de todos, se tornará real.
ANTONIO DELFIM NETTO Marcelo Correa
Os eventos que ocorrem no Brasil apenas confirmam a famosa lei de Thomas que controla o nosso comportamento. Temos tratado dela algumas vezes nesta coluna. O que diz a lei de Thomas? Apenas que “se alguém define ou sente a sua situação como real, ela será real nas suas consequências”. Em outras palavras: reagimos ao que pensamos (ou sentimos) ser a realidade externa, não importa se ela é real ou imaginária. A lei de Thomas ajuda a entender os eventuais sucessos de narrativas convincentes de líderes que “vendem o lago azul” no futuro (a felicidade esteve no passado e voltará no futuro, mas nunca estará no presente) pela força ou, pacificamente, pela construção de um pensamento hegemônico majoritário que os leva ao poder. Quem não lembra da “abertura do novo tempo”, a eleição de François Mitterrand na França, em 1981, um presidente socialista, depois de 23 anos de domínio da “direita”? A vague rose elegeu, também, 50% da Assembleia Nacional. Lionel Jospin afirmou em outubro de 1981, no Congresso Socialista de Valence: “Estamos diante da missão gloriosa e ameaçadora de criar um precedente bem-sucedido de uma grande première, engajar, praticamente, um país industrialmente avançado e de tradição democrática, no caminho do socialismo democrático”. Começou com uma grande festa: Mitterrand aumentou em 10% o salário mínimo, ampliou a assistência social para famílias, criou o salário mínimo para a velhice, aumentou a bolsa-aluguel, elevou o salário-desemprego, criou uma bolsa para os agricultores menos eficientes, diminuiu o tempo de trabalho (para 39 horas semanais), nacionalizou o sistema bancário, cinco grandes grupos industriais e criou empregos públicos para combater o desemprego... Como todo político (ignorou a lei de Tancredo: a esperteza, quando é muita, costuma comer o dono) fez tudo aquilo contra a opinião de seus ministros, socialistas, mas economistas qualificados. O de Finanças, Jacques Delors, o aconselhava a ter “rigor na solidariedade e vigilância no crescimento” e Michel Rocard, do Planejamento, insistia em “limitar a estatização das empresas a 51%”. A resposta foi sua prepotência: “Por enquanto, eu faço a política. O rigor, veremos mais tarde”. No final de seu primeiro ano de mandato, começou a colher frutos amargos: um crescimento medíocre, taxa de inflação de 13% e déficit externo. Exatamente o que seus ministros tinham aprendido nos “reacionários” livros de macroeconomia! Em
Professor emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP), exministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento.
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EXPERTISE
Divulgação
Estímulo ao desenvolvimento latino-americano
Quais os caminhos para o desenvolvimento da América Latina e seu financiamento? Quais as possibilidades de intercâmbio regional e melhores práticas de inovação no continente? Como as instituições financeiras podem aproveitar os desafios e oportunidades impostos nesse momento para promoverem um desenvolvimento sustentável, competitivo e inclusivo? Em conversa com a Rumos, o economista-chefe Associação Latino-americana das Instituições Financeiras de Desenvolvimento(Alide), Romy Calderón Alcas, discute essas e outras questões fundamentais para o progresso da região. POR ANA REDIG
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O recente contexto favorável dos mercados internacionais permitiram à região da América Latina e Caribe alcançar avanços importantes, principalmente no que tange à inclusão econômica e social, acúmulo de reservas internacionais significativas, implementação de políticas macroeconômicas prudentes e, de forma ainda incipiente, investimentos em infraestrutura. No entanto, a expectativa para os próximos anos é diferente. Esta é a avaliação do mestre em Finanças pela Universidade do Pacífico do Peru, atual economista-chefe da Associação Latino-americana das Instituições Financeiras de Desenvolvimento(Alide), Romy Calderón Alcas. “Já é possível observar uma desaceleração da China e o crescimento norte-americano entrou no estilo ‘stop and go’. Além disso, a recuperação da Eurozona parece incerta, os preços do petróleo e das matérias-primas estão em queda e o comércio internacional cresce abaixo do PIB mundial. Estas tendências, somadas à crescente importância da agenda ambiental, impõem desafios significativos para a região”, avisa o economista. Então, o que deve ser feito para fomentar o desenvolvimento da América Latina, especialmente frente a esses desafios futuros? O economista-chefe da Alide faz questão de deixar claro que não há modelos únicos. “A história econômica mostra que os países se desenvolvem seguindo modelos diferentes. Tudo depende das particularidades de cada país, da conjuntura internacional do momento, se há ou não recursos naturais disponíveis, da qualidade do capital humano, além da existência ou não de políticas públicas para estimular o investimento privado e público. Enfim, uma confluência de diversos fatores”, resume o especialista. Por essa razão, as instituições financeiras latino-americanas vêm atuando em diferentes frentes para apoiar as políticas e medidas orientadas a induzir mudanças de natureza estrutural no aparato produtivo. A primeira frente atende às demandas básicas da empresa e do empreendedor, e engloba o apoio à infraestrutura, a modernização das empresas, a diversificação produtiva, o surgimento de empresas inovadoras, além do fortalecimento e entrada das micro, pequenas e médias empresas nos mercados internacionais, o apoio à inovação e ao desenvolvimento tecnológico e das cidades sustentáveis, bem como ao conhecimento e à inovação. Uma segunda frente é a capacitação do capital humano, com melhoria da formação básica e técnica, e visão RUMOS
empreendedora. A terceira “É necessário criar um frente, mais estruturante, ecossistema favorável envolve uma maior internacionalização das Instituições para que a empresa Financeiras de Desenvolvi- recém-criada possa mento (IFDs), com a aber- tornar-se competitiva, tura de agências, sucursais e com potencial de seguir escritórios de representação crescendo de forma para acompanhar as empresignificativa com base sas latino-americanas, captar na diferenciação e na recursos e atrair investimentos. A ideia é poder estabe- inovação.” lecer acordos de cooperação com bancos e agências de financiamento nacionais e internacionais, a fim de promover o comércio bilateral e prestação de assistência técnica. “A quarta frente de atuação é o apoio ao financiamento de projetos ambientais que busquem desenvolvimento sustentável”, revela o especialista. Romy Calderón explica que, apesar da conjuntura econômica internacional pouco favorável e dos ecos suscitados pela crise mundial de 2008, a visão sobre o fomento ao desenvolvimento mudou. “Hoje se aceita uma maior intervenção do Estado com políticas ativas, e não como simples observador do que o mercado está fazendo. Sabemos que o mercado tem falhas e algumas delas ele não consegue superar sozinho. Isso tende a perpetuá-las. É aí que o Estado deve ter presença ativa”, defende o economista. Ele afirma que este fenômeno pode ser observado com maior força e clareza logo depois da crise, mas que segue acontecendo atualmente na maior parte das regiões e países que estão tendo dificuldades para tornar seu crescimento. INOVAÇÃO Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil é o país da América Latina que mais realiza investimentos (1,16% do Produto Interno Bruto - PIB) em produtos inovadores para promover o desenvolvimento. A Argentina vem em segundo lugar, com 0,58% do PIB, seguidos México, com 0,50% e Chile, 9
0,36%. Colômbia e Equador estão impulsionando importantes programas de pesquisa, mas os esforços verificados na região ainda não chegam perto dos níveis de investimentos praticados por Israel (4,5%), Coreia do Sul (3,4%), e do conjunto dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que apresentam uma média de 2,4%. Ainda há, portanto, muito trabalho a ser feito. “O Brasil conta com todo um sistema nacional de inovação, com recursos orientados para o fomento da pesquisa e do desenvolvimento. Neste processo, é fundamental a presença ativa do Estado, por meio da atuação de instituições como o BNDES, a Finep e o Sebrae”, elogia o economista. Segundo ele, o Innova Chile e o Start-Up Chile também são bons exemplos de promoção da inovação pelo poder público local. “Neste sentido, o trabalho de fomento que a Corporação de Fomento da Produção (Corfo) realiza é de grande importância, já que atua em estreita coordenação com o Ministério da Economia e também toma como referência as pautas do Conselho de Inovação para a Competitividade e da Política Nacional de Inovação”, avalia Calderón. As iniciativas implementadas na Colômbia também mereceram destaque por parte do especialista. A Colombia.Apps.co é uma aceleradora de startups tecnológicas financiada com fundos públicos, que fornece capacitação, mentoring e construção de modelos de negócios de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC). Uma particularidade estrutural – a criação de um fundo de inovação – permitiu utilizar parte dos royalties do carbono e do petróleo em plataformas de inovação, por exemplo. Já o INNpulsa Colômbia é um programa especial do Banco de Desenvolvimento Empresarial da Colômbia (Bancoldex) que busca fortalecer um ecossistema que facilite a criação de empreendimentos dinâmicos e de alto impacto na cadeia de empreendimentos. Em julho de 2014 a INNpulsa Colômbia tinha 18 novos instrumentos de cofinanciamento criados para injetar nas etapas iniciais dos projetos. Também ajudou a impulsionar incubadoras nacionais, que passaram de 15 para 31 organizações naquele país. O programa ainda promoveu mais de 50 grupos de pesquisa para transferência tecnológica. MICRO E PEQUENAS A Colômbia também conta com o Fundo de Modernização e Inovação Empresarial INNpulsa Mipyme, programa especial que apoia – por meio da 10
alocação de recursos de co- “A transmissão dos financiamento de não reemconhecimentos e a bolsáveis – projetos que facilitem o aumento de receitas, aquisição das habilidades a redução de custos, o desen- é a perfeita combinação volvimento de novos produ- entre a teoria e a prática. tos e serviços ou a melhoria Está provado que uma dos já existentes, abertura de educação de boa qualidade novos mercados e canais de aumenta as possibilidades comercialização e geração de de desenvolvimento de um novos empregos nas micro, pequenas e médias empresas país.” participantes. O México é outro país que caminha nessa direção: em 2013, criou o Instituto Nacional do Empreendedor (Inadem) para fornecer apoio a empreendedores e MPEs, impulsionando sua inovação, competitividade, projeção nacional e internacional. O Inadem também realiza o processo de reconhecimento das aceleradoras e incubadoras do México e tem, atualmente, 244 delas registradas e disseminadas por todo o país. Há fundos que provêem capital semente, capital de risco e private equity, por meio de programas que dirigem investimentos para projetos empreendedores e para fundos. Todas as experiências citadas têm grande valor, mas ainda há um longo caminho a ser trilhado, alerta Romy Calderón “Não podemos ignorar a existência de 175 milhões de pobres na América Latina e Caribe. Independente do progresso alcançado por estes países nessa área, todos devem avançar em políticas de investimentos, dado que ainda há muito o que fazer”, recomenda Calderón. O Brasil, por exemplo, possui um dos sistemas institucionais de financiamento de investimentos para o desenvolvimento mais completos da América Latina. O problema é que o país é muito grande, e coexistem realidades diferentes em suas distintas regiões. “Isso impõe uma necessidade de mobilizar uma quantidade maior de recursos para atender às demandas insatisfeitas”, observa o economista. Na área de estímulo às micro, pequenas e médias empresas aconteceram importantes mudanças na visão das políticas de financiamento. Hoje entende-se que é preciso ir além, fornecendo apoio integral às empresas e aos empresários. Atualmente o mercado compreende a necessidade de estar presente nas diferentes etapas do desenvolvimento dessas empresas, acompanhando sua demanda, e de integrá-las na cadeia de valor. “As companhias precisam entrar nos programas e cumprir as exiMARÇO | ABRIL 2016
Criada em 1968, a Alide é o organismo internacional que representa os bancos de desenvolvimento da América Latina. Possui sede em Lima, no Peru, e conta com mais de 80 membros ativos na região, além de membros associados na Alemanha, Canadá, China, Espanha, Portugal, Suécia e Rússia. Entre seus associados estão importantes instituições brasileiras, como o BNDES, a Finep, a Caixa Econômica Federal e o Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae). A organização tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento regional, a cooperação financeira e os negócios, impulsionando setores econômicos na América Latina. Para isso, a associação busca estimular o intercâmbio, a disseminação e a reprodução de experiências e práticas financeiras. Também divulga informações sobre produtos e serviços, normas e procedimentos, investimentos e oportunidades de negócios, entre outras facilidades que entidades nacionais e internacionais ofereçam em matéria de financiamento, fomento, cooperação técnica e capacitação. Além disso, a Alide oferece soluções educacionais presenciais e a distância voltadas à melhoria da capacidade técnica e gerencial de dirigentes e colaboradores das instituições associadas e afins. Também realiza consultorias e assistência técnica em temas afetos a microfinanças e desenvolvimento, entre outros. Igualmente organiza fóruns, reuniões técnicas e seminários setoriais, regionais e sub-regionais. Promove, ainda, a realização de acordos e convênios, o desenvolvimento de programas e projetos e a criação de instituições financeiras. Este ano, a Alide realiza a 46ª Reunião Ordinária da sua Assembleia Geral no Brasil. O encontro tem como tema central uma pergunta instigante: “Para onde vai a América Latina e o Caribe? Crescimento, Investimento, Finanças e Bancos de Desenvolvimento”. Especialistas da comunidade financeira latino-americana e internacional vão analisar, entre os dias 18 a 20 de maio, no Rio de Janeiro, os possíveis caminhos para o desenvolvimento e seu financiamento, as possibilidades de intercâmbio regional, bem como os desafios e oportunidades que permitam às instituições financeiras promoverem um desenvolvimento sustentável, competitivo e inclusivo. Cerca de 300 representantes das principais instituições vinculadas ao financiamento e à promoção do desenvolvimento de mais de 20 países da América Latina e Caribe devem participar do evento. Também estão confirmadas as presenças de representantes de banqueiros, economistas e executivos de entidades países de outras regiões que mantêm relações de cooperação e de negócios com bancos de desenvolvimento. Na assembleia, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho e o presidente do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Enrique García, entre outras dezenas de palestrantes, vão abordar quatro pontos principais: a transformação produtiva para o desenvolvimento sustentável; a promoção do desenvolvimento e da ampliação dos mercados internos, regionais e mundial; infraestrutura como novo vetor de crescimento; e a integração como fator de estabilização do desenvolvimento das economias latino-americanas.
RUMOS
gências de desenvolvimento da sua atividade sob as condições de sustentabilidade ambiental, e precisam de apoio continuado”, lembra o economista-chefe da Alide. A capacitação e formação de empresários e empreendedores é uma ferramenta que permanece essencial para o desenvolvimento. “A transmissão dos conhecimentos e a aquisição das habilidades é a perfeita combinação entre a teoria e a prática. É essencial adquirir conhecimento e poder aplicar na realidade. Está provado que uma educação de boa qualidade aumenta as possibilidades de desenvolvimento de um país”, defende Calderón. Ao longo de seus 48 anos de existência, a associação tem reafirmado a importância da cooperação técnica, econômica e financeira, assim como a troca de conhecimentos, a capacitação e o fortalecimento permanentes. “Quanto maior for a participação dessas instituições de desenvolvimento sólidas e bem geridas, maior serão as garantias de promoção do desenvolvimento na América Latina e Caribe”, finaliza Romy Calderón Alcas.
Para Romy, os processos de inovação são fundamentais para as instituições financeiras de desenvolvimento.
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SOBRE A ALIDE
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O filme vai começar O Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) completa 55 anos com histórico de apoio ao audiovisual brasileiro; da produção independente à gestão do Fundo Setorial do Audiovisual. POR DANILE REBOUÇAS
Atual agente financeiro do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), a história do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) com o setor vem de longa data, exatamente na década de 1970, quando pouco se falava em leis de incentivo à cultura no país. Em 1972, o recurso destinado para o filme Ela tornou-se freira marcou o início da filmografia da Teixeirinha Produções Artísticas, produtora cujas obras marcaram a produção cinematográfica brasileira à época. O longa metragem foi o primeiro, de um total de dez filmes produzidos pela empresa criada pelo cantor Teixeirinha, um produtor independente, no Rio Grande do Sul. A Guerra dos Pelados (1970); A morte não marca tempo (1973); Ana Terra (1970); e Pontal da Solidão (1971) também são títulos produzidos na Região Sul que tiveram o financiamento do BRDE. “O aporte, mesmo não sendo de 100%, ajudou para que o filme fosse concluído com qualidade e com honra no cumprimento de todos os compromissos financeiros assumidos pela empresa. Isto, sem dúvidas, tem ex12
Noel Joaquim Faiad
REPORTAGEM
pressivo valor, pois estas produções envolvem equipe técnica e material de qualidade para que chegue ao mercado qualificando o cinema nacional”, disse Gessi Elizabeth Teixeira, diretora-executiva da Fundação Vitor Mateus Teixeira, que preserva e divulga o acervo artístico de Teixeirinha, além de desenvolver projetos nas áreas cultural e social. Este ano, o banco comemora 55 anos de atuação e destaca-se no cenário nacional na área cultural, por valorizar a cultura como fonte de geração de renda, emprego e desenvolvimento. O BRDE foi credenciado para atuar com FSA em junho de 2012, junto com a Agência Nacional de Cinema (Ancine) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). E, antes mesmo de completar quatro anos dessa parceria, os números merecem destaque. Ao menos 933 projetos foram contemplados e 607 já foram contratados, até o mês de março de 2016. A cada ano, aumentam os contratos emitidos pelo banco e a quantidade de projetos inscritos. Em 2013, por exemplo, houve 1.591 projetos inscritos. MARÇO | ABRIL 2016
Em 2014, aumentou para 2.277. Os resultados de 2015 serão divulgados no decorrer do ano de 2016, quando se realizam os procedimentos para contratação dos projetos contemplados. “Esses números são motivo de orgulho para o BRDE, pois mostram a capacidade da instituição de enfrentar desafios e entregar resultados”, afirma o superintendente de Planejamento do banco, Maurício Mocelin. Nos últimos anos, o nome do banco pôde ser visto em projetos de grande projeção nacional, obras que tiveram investimento do FSA, com apoio e operacionalização do BRDE. Como exemplo, citam-se os filmes Faroeste Caboclo, Copa de Elite, Os homens são de Marte... e é pra lá que eu vou!, e projetos de televisão como As Canalhas e Assunto de Família. “Tudo o que fazemos tem sempre o objetivo de promover o desenvolvimento socioeconômico. O setor audiovisual é representativo na economia brasileira e na Região Sul. Na medida em que o banco contribui para que a indústria se desenvolva, gerando emprego e renda nos diferentes segmentos de sua cadeia produtiva, acreditamos estar cumprindo nossa missão”, ressalta o superintendente. RESULTADOS Maurício Mocelin atribui o crescimento da atuação do BRDE nessa área à consolidação do FSA como instrumento de fomento à produção audiovisual. “Os valores aportados ao fundo têm aumentado ano a ano e isso, certamente, chama a atenção do mercado, atraindo um número cada vez maior de interessados’’, diz. Desde que iniciou a atuação como agente financeiro do FSA, o BRDE e a Ancine lançaram, em conjunto, 39 chamadas públicas, totalizando mais de R$ 1 bilhão em financiamento. Em 2012, as chamadas públicas contaram com um orçamento de R$ 205 milhões. Em 2013, esse valor foi para R$ 407 milhões. Nos anos de 2014 e 2015, atingiram, respectivamente, cerca de R$ 232 milhões e R$ 234 milhões. Outro fator importante para o crescimento da procura foi a diversificação das modalidades de apoio do FSA. Entre as novas modalidades, destaca-se o apoio ao desenvolvimento de projetos e as linhas destinadas à produção de conteúdo para a televisão pública, com editais regionalizados. O desafio está no atendimento dessa demanda crescente. Para corresponder, o banco e a Ancine procuram aperfeiçoar os processos, aumentando a produtividade do pessoal envolvido. “Um fator chave é o desenvolvimento dos sistemas utilizados na operação. A cada chamada pública são identificadas oportunidades de melhorias nos sistemas, o que tem sido fundamental para que possamos prestar um bom serviço ao fundo”, acrescenta Maurício Mocelin. Os editais do FSA contemplam os diversos segmentos do setor audiovisual – produção, distribuição/comercialização, exibição e infraestrutura de serviços. As diretrizes e as áreas prioritárias para a aplicação dos recursos do fundo são estabelecidas pelo Comitê Gestor do FSA, que é formado por representantes do Ministério da Cultura, da Ancine, do agente financeiro e do setor audiovisual. As chamadas para o FSA focam nas diferentes regiões brasileiras, com ações que incentivam a produção audiovisual conforme a realidade do local. O superintendente de Planejamento do BRDE reforça que, ao longo RUMOS
de sua história, a instituição tem dedicado tempo e atenção para pensar, avaliar e propor soluções importantes para o desenvolvimento da economia da Região Sul. “É nesse contexto que apoiamos a produção de filmes nos anos 1970. Foi uma ação inovadora e já vista como importante para a economia da cultura na região e no país”, completa. OUTRAS AÇÕES A atenção especial à área cultural acompanha a trajetória do banco, não somente com o audiovisual e o FSA. No campo da literatura, Maurício Mocelin destaca o programa criado em 2001 para financiamento da indústria do livro, com foco em micro e pequenas empresas. Em Porto Alegre, o BRDE mantém um “Balcão Literário”, que capta e disponibiliza livros para interessados do banco e da comunidade, em parceria com algumas editoras locais e com o Banco de Livros, que compõe os Bancos Sociais da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs). Além disso, possui nas agências de Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba bibliotecas especializadas e atualizadas em temas ligados ao desenvolvimento, abertas ao público. O BRDE apoia, via patrocínio ou concessão de incentivos fiscais, a publicação de livros com temas regionais. Nas agências também mantém Espaços Culturais com realização de eventos e mostras, em calendários próprios ao longo dos anos. “Essas ações, que são anteriores ao FSA, mostram que o banco valoriza e apoia a cultura nas suas diversas formas de manifestação”, orgulha-se Maurício Mocelin. Quanto ao FSA, o superintendente ressalta que o retorno positivo recebido das empresas motiva ainda mais a realização do trabalho. E o principal desafio é atender da melhor forma possível a demanda. O FSA propicia também ao BRDE aprimoramento na gestão de um fundo federal, qualificando-o para participação em outros fundos semelhantes. “Uma de nossas bandeiras, inclusive, é a criação de um fundo federal para o desenvolvimento da Região Sul do Brasil, nos moldes dos já existentes para as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste”, revela. E acrescenta: “Acreditamos que a ampliação dos recursos do Fundo, por si só, já representa ampliação de nossa atuação na área cultural. Porém, estamos sempre abertos a novas oportunidades e a área cultural, evidentemente, é do interesse do BRDE”. 13
EM DIA
A fratura no tabuleiro geopolítico: o petróleo no fundo do poço
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vez desde 1975 e, em dezembro, o Congresso norte-americano suspendeu a proibição que, por 40 anos, impediu o país de exportar petróleo. Em fevereiro de 2016, o país alcançou o maior nível de óleo cru estocado nos últimos 80 anos: 503 milhões de barris. Os EUA foram os primeiros a desenvolver tecnologia economicamente viável para explorar as formações rochosas de folhelho (sítio com jazidas de fósseis). À medida que a técnica do fraturamento hidráulico (ou fracking) começou a ser utilizada, em 2008, os EUA aumentaram sua oferta em 1 milhão bpd a cada ano desde 2009: em 2005, produziam 6,9 milhões bpd; em 2014, 11,6 milhões bpd. Por sua vez, as importações caíram de 13,4 milhões bpd, em 2004, para 7,3 milhões bpd em 2014. Segundo a IEA, o Brasil – líder no desenvolvimento em águas ultraprofundas – será responsável pelo segundo maior aumento da produção de petróleo fora da Opep até 2021. A despeito dos desafios tecnológicos e logísticos, a Petrobras atingiu 1,091 milhão de barris de óleo equivalente por dia (boe/d) na camada pré-sal em fevereiro de 2016. O campo de Libra (a maior província petrolífera descoberta no país), na Bacia de Santos, terá o primeiro óleo extraído em 2017. Diante da maior crise financeira e institucional da história da Petrobras (dívida de US$ 127,5 bilhões no 3° trimestre de 2015), foi aprovada a mudança do marco regulatório do pré-sal. A flexibilização da legislação retira a exclusividade e obrigatoriedade de a companhia participar de todos os consórcios de exploração com pelo menos 30%. A decisão alivia o impacto econômico sobre a empresa, abre o mercado para investimentos no setor e confere fôlego à cadeia produtiva. LUIZ GAMBOA É geólogo, mestre em geociências pela UFRS e Ph.D em Geofísica Marinha pela Columbia University (EUA). Atua como consultor sênior de óleo e gás e docente na UFF. Trabalhou durante 30 anos na Petrobras.
FELIPE SALGADO Felipe Salgado é jornalista, com pós-graduação em Gestão Ambiental e MBA em Economia de Petróleo e Gás, ambos cursados na Escola Politécnica da UFRJ. Divulgação
O mercado global pode se “afundar em excesso de oferta”, alertou a Agência Internacional de Energia (IEA). A organização prevê que a sobreoferta de 1,5 milhão de barris por dia (bpd) deve durar pelo menos até o fim de 2016. Nesse caso, a solução mais rentável pode ser armazenar petróleo em navios-tanques em alto-mar, já que a capacidade de estocagem em terra está saturada. Motivada pelo excesso de oferta no mercado e o enfraquecimento da demanda global, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) manteve os níveis de produção de seus membros e derrubou a cotação do barril do tipo brent para assegurar seu market share, a fim de deter o avanço dos Estados Unidos da América (EUA) com o shale gas/oil (gás não convencional) e atenuar o crescimento da produção dos países que não integram o cartel – que devem ter uma baixa de 720 mil bpd de petróleo. O preço do brent – que em junho de 2014 era negociado a US$ 115 – chegou a ficar abaixo de US$ 27 em janeiro de 2016 (menor valor desde 2003). De acordo com a consultoria Wood Mackenzie, 68 projetos em fase inicial no setor de óleo e gás avaliados em US$ 380 bilhões foram adiados, causando um impacto da ordem de 27 bilhões de barris de óleo equivalente (petróleo e gás associados) na curva de produção. O relatório da Baker Hughes (empresa fornecedora de serviços de petróleo) afirma que, em janeiro de 2016, o número de sondas de perfuração em operação no mundo alcançou o menor nível desde 2009: 1.891. Se, em particular, a baixa cotação do barril afetou a receita dos países exportadores do “ouro negro”, ela tornou-se um problema para o desempenho da economia mundial a tal ponto que Arábia Saudita, Rússia, Venezuela e Qatar concordaram em congelar a produção aos níveis de janeiro de 2016 para conter o efeito da derrocada. Em julho de 2015, os EUA se tornaram os maiores produtores de commodities no mundo pela primeira
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ENTREVISTA - CAPA
O caminho a seguir Os economistas Samuel Pessoa e Nelson Marconi, da Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro e São Paulo, apresentam duas visões sobre o recente desenvolvimento do país e explicam como e por que chegamos onde estamos. POR MARCO ANTONIO A. DE ARAUJO LIMA, THAIS SENA SCHETTINO E JADER MORAES
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Noel Joaquim Faiad
Nesta edição, a Rumos apresenta duas visões distintas – e mesmo antagônicas em alguns aspectos – a respeito do desenvolvimento brasileiro. Os economistas Samuel Pessoa e Nelson Marconi, ambos professores da Fundação Getulio Vargas (FGV), defendem seus pontos de vista sobre quais são as ações necessárias para que o Brasil volte a crescer e o desenvolvimento novamente esteja no horizonte futuro do país. Indústria, serviços, câmbio, juros, inovação, direitos sociais, setor público, iniciativa privada. Esses e outros temas estão nesse debate, em que, entre muitos dissensos, há uma ideia que parece encontrar abrigo nas duas visões: as Instituições Financeiras de Desenvolvimento continuarão a ter papel importante para a economia, qualquer que seja o caminho que o país resolva trilhar.
RUMOS
Samuel Pessoa é doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), bacharel e mestre em física pela mesma instituição, e especialista em crescimento, flutuações e planejamento econômico. Atua na FGV do Rio de Janeiro. Nelson Marconi, graduado em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é doutor em Economia de Empresas pela FGV- SP, tendo realizado bolsa sanduíche na Sloan School of Management, em Boston. Nas próximas páginas, eles discutem o futuro desejado para o país e os erros e acertos da política presente. Confira!
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Acertos e desacertos: o ajuste do contrato social O economista Samuel Pessoa, professor assistente da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro (EPGE/FGV) e chefe do Centro de Crescimento Econômico do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), é enfático ao dizer que as escolhas da sociedade brasileira, pós-Constituição de 1988, nos cobram o caro preço dos juros altos. Nesta entrevista, Pessoa analisa o cenário econômico atual e pontua: não há atalhos para o desenvolvimento.
POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO Uma das questões que mais me intriga é como que recuperamos, por volta de 2008 e 2009, o nacional desenvolvimentismo, que, na minha visão, era algo passado, que já tinha dado o que tinha que dar, pois a agenda de desenvolvimento naquele momento era outra completamente diferente. Penso como nós revivemos erros do passado. Como que isso voltou? Estávamos em uma agenda de melhora institucional, no período que chamo de “Malocci”, que são os anos dos ex-ministros Pedro Malan e Antonio Palocci no Ministério da Fazenda. O que foi essa agenda? O que a sociedade delegou na Constituição de 1988: um Estado em que carga tributária é alta, pois a sociedade decidiu que teríamos um Estado de bem-estar social, padrão europeu continental; uma decisão legítima. E me parece que para implementar essa decisão – ou seja, consiguir implantar um Estado de bem-estar social em uma sociedade em que a poupança é estruturalmente baixa – seria preciso promover a liberalização dos mercados, reduzindo a intervenção 18
direta do Estado na economia. No período “Malocci” estávamos construindo o que me parecia possível, dada a escolha da nossa sociedade, que é: poupamos pouco, então somos uma sociedade em que a taxa de juros é estruturalmente alta e a de poupança é estruturalmente baixa, o que faz com que políticas de desenvolvimento sejam sempre muito caras. E política de desenvolvimento, de alguma forma, acaba envolvendo alocação da poupança. No caso asiático foi muito claro; se olharmos as experiências de políticas de desenvolvimento na América Latina também. Quer dizer, políticas de desenvolvimento passam em algum momento por intervenção do Estado na alocação da poupança nacional e com algum tipo de subsídio. Ora, em uma economia, como é o caso dos asiáticos, que produz em equilíbrio taxa de poupança expressiva e taxa de juros muito baixa, o custo dessa política é muito menor do que em uma sociedade em que a taxa de poupança é muito baixa e, portanto, para o equilíbrio, a taxa de juros é muito alta. Por uma série de razões, estávamos num caminho que era o possível seguir, dadas as escolhas da sociedade, e estava gerando resultados, que não eram brilhantes, mas eram bons. MUDANÇAS NA POLÍTICA ECONÔMICA Tivemos um choque externo, que foi a crise de 2008. Tivemos outro choque externo, que foi a descoberta do pré-sal, que gerou uma sensação de que não tínhamos mais restrição orçamentária. E tivemos um terceiro choque externo, que foi uma resposta da comunidade de economistas acadêmicos internacionais à crise de 2008, gerada por conta de excessos de liberalismos desde os anos 1980, que estão na raiz da crise da bolha imobiliária dos EstaMARÇO | ABRIL 2016
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dos Unidos, em que houve uma falha regulatória cavalar. O reconhecimento da comunidade de que houve esse excesso e de que tínhamos que corrigir, portanto aumentar a regulação do Estado nesses setores, foi lido aqui, internamente, como um sinal verde para o país pisar o pé no acelerador do intervencionismo estatal. Isso promoveu uma mudança de agenda. É interessante entender por que houve essa mudança, porque isso explica muito dos problemas que estamos vivendo hoje. Passamos, provavelmente, pela pior crise econômica dos últimos 120 anos. Não é exagero: no Centro de Crescimento Econômico do Ibre, analisamos as taxas médias de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita brasileiro, por quadriênio, desde 1904, e o pior até agora é o período entre 1981 e 1984, quando o PIB per capita caiu 9,5%. Se as nossas estimativas para esse ano estiverem corretas, e nós estamos longe de sermos a ponta pessimista do mercado, no quadriênio 2014-2017, o PIB per capita vai recuar 10%. E o mais impressionante é que temos esse recuo, com essa ordem de grandeza, com a situação externa absolutamente em equilíbrio, o que é um fato absolutamente novo. A crise dos anos 1980 foi uma crise de balanço de pagamento, como em geral são as crises brasileiras, tanto que até produziram aquela famosa frase, que eu acho que é do economista Mário Henrique Simonsen: “a inflação aleija, o câmbio mata”. A origem dessa frase é que as grandes crises brasileiras tradicionalmente são de balanço de pagamento: o país não consegue mais pagar suas contas externas, não dá para entrar insumos importados, a economia para, e o que acontece é um estrangulamento dramático do setor produtivo, o setor real da economia. Agora, temos um recuo no PIB per capita de 10% sem esse estrangulamento. Pelo contrário, há um processo de ajuste de balanço de pagamento muito rápido. Em 2014, RUMOS
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tivemos um déficit de US$ 104 bilhões nas transações correntes e esse ano devemos ter um déficit de US$ 8 bilhões, um ajuste de 96 bilhões de dólares em apenas 24 meses. É algo espetacular, e quem está promovendo este ajuste é, por um lado, a forte desaceleração da economia, que gera, pelo canal de importação, uma redução muito grande da balança comercial; e por outro, o ajuste do câmbio, que já se faz sentir um pouco nas exportações, mas, principalmente, no item viagens internacionais, dentro da conta de serviços.
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INDÚSTRIA E SERVIÇOS No desenvolvimentismo, o ponto de partida é a ideia de que a indústria manufatureira é um setor especial da economia e o crescimento é puxado por esse setor. Essa é uma visão do desenvolvimento econômico que eu não compartilho. Tenho uma visão mais liberal, ou o que podemos chamar de “novo institucionalista”, muito influenciado pelas ideias do historiador econômico Douglas North, que faleceu ano passado, e vê o desenvolvimento não a partir de um setor que cresce; ou seja, tem uma visão menos tecnológica para o desenvolvimento, e mais institucional. O desenvolvimento é um fenômeno institucional. Do ponto de vista contábil, sem olhar as causas últimas, o subdesenvolvimento brasileiro é um fenômeno do setor de serviços. O Brasil é pobre porque a produtividade de serviços é pobre. Se compararmos Brasil e Coreia, a diferença de produtividade entre o nosso setor manufatureiro e o coreano, e o setor de serviços brasileiro e o coreano, veremos que a diferença de produtividade relativa é muito maior no setor de serviços do que no setor manufatureiro. Ao analisarmos o diferencial de produtividade por subsetores – varejo, saúde, educação –, observaremos essa diferença em cada um desses. Ou seja, o subdesenvolvimento brasileiro é um fenômeno de baixa produtividade no setor de serviços, especialmente na educação. Outro fator de desenvolvimento da Coreia é contar com um Estado muito eficiente tanto para ofertar infraestrutura, quanto para fazer política de desenvolvimento. Sou um economista liberal, mas entendo que para diversificar uma economia é possível que se tenha que passar por uma fase de maior intervencionismo. Essa discussão está ocorrendo agora no Chile. Mas, para isso, precisa-se de um Estado muito competente. O nosso era razoável nos anos 1970, hoje é um desastre. Entender o crescimento coreano é muito fácil: uma sociedade que estuda o que eles estudam, trabalha o que eles trabalham, poupa o que eles poupam, investe o que eles investem, vai ficar rica. O problema é que fazer o que eles fazem é extremamente caro.
O professor Pessoa acredita que um dos fatores primordiais para o desenvolvimento da Coreia é a produtividade do setor de serviços, especialmente a educação: “uma sociedade que estuda o que eles estudam, trabalha o que eles trabalham, poupa o que eles poupam, investe o que eles investem, vai ficar rica.”
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INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS DE DESENVOLVIMENTO Há lugar para os bancos de desenvolvimento. Mas não o que foi feito nos últimos 10 anos. Banco de desenvolvimento é nicho, para pegarmos tecnologia, incubadora, setores que o mercado não resolve, e auxiliar o setor privado. É menos dinheiro, mais instituições, regras e apoio. Escolhe-se uma atividade produtiva sofisticada que não existe na região, que aquela região tem uma vantagem para aquela atividade, e o privado sozinho é difícil de fazer. Está aí o espaço para o banco de desenvolvimento, não tenho nenhuma dúvida. Estávamos no caminho certo, os juros estavam baixando. Enquanto estávamos naquele mundo de superávit primário, o período “Malocci”, com superávits primários elevados e política macroeconômica sólida, os juros estavam caindo. É lento o processo, sei que é exasperante ficar produzindo superávits primários de 3% do PIB durante muitos anos, ter aquela inflação que não para, aquele juro que vai caindo aos pouquinhos. Entendo o desejo dos operadores e dos políticos para baixar os juros na marra, pôr o pé no freio. Mas não funciona. Não tem atalho para o desenvolvimento econômico. Há custos, não adianta não querer pagar o preço. REEQUILIBRAR O PAÍS De 1992 até hoje, a cada ano, o gasto primário da União, excluindo transferências para estados e municípios, aumenta 0,4% do PIB. Se não encaminharmos uma solução para esse desequilíbrio estrutural fiscal, não vamos sair do buraco. Acredito que esse desequilíbrio tenha duas origens: uma é o que estamos chamando de contrato social; outra é a hipersensibilidade do sistema político brasileiro àquela lógica da ação coletiva do economista Mancur Olson – os grupos de pressão pequeno-organizados têm um poder muito grande de colocar na legislação um favorecimento para si, com o custo sendo jogado no interesse difuso, na forma de aumentos graduais na carga tributária, que incide sobre todos. Todas as democracias têm essa falha, mas há algo específico da democracia brasileira que faz com que sejamos muito mais sensíveis a essa lógica. A soma disso tudo gerou um Estado grande, disfuncional e quebrado. Apesar de considerar que uma parte grande da desaceleração brasileira é fruto das medidas desastrosas da nova matriz econômica, outra parte importante da desaceleração é queda de demanda. O investimento despencou porque o desequilíbrio fiscal estrutural fez com que seja muito difícil um cálculo de taxa interna de retorno em qualquer investimento nesse país. Sabemos que vai ter ajustamento lá na frente, pois a situação atual é explosiva, mas a natureza desse ajustamento é totalmente desconhecida, portanto não dá para investir em um país que tem grave problema fiscal e que não está clara, nem delineada, qual vai ser a solução para esse problema. RUMOS
“Banco de desenvolvimento é nicho, para pegarmos tecnologia, incubadora, setores que o mercado não resolve, e auxiliar o setor privado. É menos dinheiro, mais instituições, regras e apoio. ”
Autores citados Douglas North Economista norte-americano (19202015). Ele ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1993. Autor de Institutions, Institutional Change and Economic Performance (1990), dentre outros títulos. Mancur Lloyd Olson Economista norte-americano (1932-1998). Autor de vários livros, dentre eles, A Lógica da Ação Coletiva (Edusp, 1999).
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Em busca do equilíbrio perfeito: juros e câmbio Nelson Marconi, economista e coordenador do curso de graduação em economia da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas (FGV-EESP), explica o pensamento do novo desenvolvimentismo e aponta os caminhos para a concertação política. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
HISTÓRIA ECONÔMICA No começo dos anos 1970, o desenvolvimento brasileiro tinha uma estratégia baseada no modelo de substituição de exportações, que foi importante para um grande período da nossa economia, mas se esgotou depois daquela década e tivemos uma crise em meados da década seguinte. Não estou penalizando o modelo de exportações; ao contrário, ele teve um papel muito importante na economia, mas até certo período. Algo que ajudou muito nos anos 1970 foi o começo da exportação mais intensa de manufaturados, elevando a participação deles no total de exportações até meados da década de 1990. Tivemos uma crise por causa da inflação, mas conseguiu-se manter essa participação crescente de manufaturados em nossas exportações, com a indústria desempenhando um papel relevante na economia até o começo dos anos 1990. É quando o nosso modelo de desenvolvimento começa a patinar bastante. Houve a crise dos anos 1980, que logicamente foi uma crise macroeconômica muito importante; mas do ponto de vista de modelo de desenvolvimento, enquanto estávamos tendo um papel importante das exportações de manufaturados e da indústria no crescimento, o país estava indo numa direção correta – não em termos ma22
croeconômicos, mas em termos da questão geral de desenvolvimento. Em 1990, o país fez uma abertura comercial, que eu entendo como correta, mas promoveu uma abertura financeira também, que de certa forma não existia antes. A abertura comercial acabou sendo mais orientada para as importações do que para colocar as exportações em condições de continuar concorrendo com o resto do mundo. E a abertura financeira, que foi importante para trazer uma série de recursos para o país, ao mesmo tempo fez com que a política monetária e a cambial perdessem certo grau de liberdade. O fluxo de capitais começou a influenciar a condução da política monetária e a taxa de câmbio. Desse período para a frente, assistimos a um período de valorização da taxa de câmbio, que começou em 1994 e se estendeu, com algumas mudanças, até 2014 fundamentalmente. Esse binômio juros e câmbio altos durante um longo tempo atrapalhou, do ponto de vista macroeconômico, o desenvolvimento da nossa estrutura produtiva. A indústria começou a sofrer nesse processo. Na década passada e no começo dessa, até 2013, tivemos um avanço considerável dos produtos importados na composição da nossa demanda interna, e isso contribuiu para solapar a nossa indústria. INDÚSTRIA O problema do nosso desenvolvimento é que, a partir de certo momento, deixamos de olhar para a indústria. Não apenas a traMARÇO | ABRIL 2016
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dicional, mas também uma indústria com estrutura mais associada ao setor de serviços, especialmente ao que hoje chamamos de “serviços modernos”. Essa combinação entre indústria e serviços é a chave do processo de desenvolvimento. No momento em que deixamos de ter uma política macroeconômica que auxiliasse a indústria, ela começou a sofrer muito. O setor de serviços foi se tornando mais sofisticado, mas não conseguiu evoluir porque ficou faltando a indústria, e então nós deixamos de crescer de forma consistente. Enfim, o país fez uma política muito errada, inclusive fiscal, que nos levou a esse quadro de estagnação. O Brasil vem nesse processo de desindustrialização desde a década de 1980, por causa da inflação alta; depois na década de 1990, em função da abertura comercial e financeira; e nos anos 2000, em virtude da valorização da moeda. Ou seja, há uma série de eventos que fizeram com que a participação da indústria no PIB tenha caído nos últimos anos. Eu não entendo esse processo como irreversível. Quando o Brasil voltou a exportar manufaturados em 2004 e 2005, a indústria começou a ter um fôlego e a mostrar um sinal, pelo menos, de estabilidade. Com a nova queda das exportações de manufaturados e do desempenho da indústria, ocorreu uma nova perda de espaço. Mas isso significa que se esboçou um início de recuperação da indústria. Esse processo, normalmente, vai começar pela recuperação da produção de bens manufaturados, que é o que está acontecendo agora. A quantidade de exportações de manufaturados vem se recuperando nos últimos meses – ano passado, nesse mesmo período, a variação era negativa de 15%, hoje está positiva em 8%. É preciso, agora, deixar o câmbio no lugar, com a taxa no patamar que está hoje, e esse é um dos problemas mais sérios no curto prazo: se houver uma mudança no cenário político e a equipe econômica deixar a taxa de câmbio se 23
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Para o economista, um país nunca terá produtividade alta se desenvolver apenas camisa ou café. É preciso aumentar a produção de bens que possuem maior valor agregado.
valorizar, todo o ganho que tivemos até agora em termos de exportação em manufaturados pode ser abortado.
PRODUTIVIDADE E INVESTIMENTO A produtividade deixou de crescer fundamentalmente porque o investimento estagnou. É fundamental que os trabalhadores sejam mais qualificados, isso é óbvio. Mas se não houver investimento, esses trabalhadores não vão ter emprego e também não terão estímulo para se capacitar, justamente porque não abrirão vagas em setores mais qualificados. Além disso, com uma mão de obra qualificada, mas sem uma sofisticação maior também do ponto de vista da estrutura do capital, da estrutura produtiva, esses trabalhadores estarão subutilizados. O segredo do desenvolvimento é o país ser capaz de produzir os bens que já produz com maior eficiência, assim como produzir bens mais sofisticados ao longo da cadeia produtiva. Um país nunca terá produtividade alta se desenvolver apenas camisa ou café. E por que o setor que produz computador tem o valor adicionado mais alto do que o setor que produz camisa ou café? Porque demanda trabalho mais qualificado. O país tem que ter trabalho mais qualificado na economia, mas para isso é preciso que o setor demande isso, caso contrário não conseguirá empregar esses trabalhadores mais qualificados, nem aumentar o valor adicionado per capita, e a economia fica estagnada. Então, o processo de desenvolvimento deve fazer com que a estrutura produtiva caminhe na direção da produção de bens que têm maior valor adicionado per capita. Quando observamos os países asiáticos, eles começaram com indústrias de menor valor adicionado e foram para as de maior valor adicionado. O Brasil, ao contrário, está parado no setor de menor valor adicionado e acaba gerando empregos de baixa qualidade. Isso é produtividade baixa. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS DE DESENVOLVIMENTO Se a taxa de juros cair, o câmbio ficar no lugar certo e o cenário da economia melhorar, há condições de recuperar a indústria. O papel das agências de fomento e bancos de desenvolvimento vai ser importante para subsidiar esse processo por meio do desenho de estratégias. Desenhar estratégias de desenvolvimento é um papel que essas instituições deviam fazer. Pensar em modelos de financiamento, desenhar os programas de inovação etc. são tarefas fundamentais; mas acredito que a ação mais importante que essas instituições de desenvolvimento deviam fazer agora seria desenhar um plano nacional de desenvolvimento, uma estratégia clara de desenvolvimento, e entregar para o governo. A retomada exige financiamento, recursos para desenvolvimento e principalmente para exportar, e subsídios no sentido de formulação de políticas de inovação. As agências podem ter um papel muito importante nisso, tanto para canalizar recursos, como para ajudar no desenvolvimento de programas de inovação e financiarem esse tipo de atividade, que é importante para o desenvolvimento. Há um papel grande para ser executado.
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NOVO DESENVOLVIMENTISMO O novo desenvolvimentismo é uma teoria que possui um conjunto de ideias e de estratégias que entendemos adequadas para países de nível de renda médio e que precisam aumentá-lo para poder se tornarem ricos e realizarem o chamado catching up. Primeiro, entendemos que a política macroeconômica deve estar muito bem azeitada e bem administrada para que o país possa atingir o crescimento. A política macroeconômica ganha um peso como antigamente dava-se, no desenvolvimentismo, para a questão da intervenção do Estado na estrutura produtiva, pois não adianta criar política industrial se a política macroeconômica estiver desequilibrada. A taxa de câmbio, por exemplo, tem que estar num patamar que seja competitivo, inclusive para produzir bens de capital internamente e não importado. A taxa de juros também deve estar em um patamar baixo. A política fiscal tem que gerar um resultado equilibrado, e nisso temos uma discordância com as pessoas de perfil mais desenvolvimentista, que neste momento dizem que o governo deveria fazer política fiscal expansionista. O Estado precisa recuperar a capacidade de investir, claro, mas isso significa, nesse momento, cortar gasto corrente. O governo pode adotar uma série de medidas para ser mais eficiente na gestão dos recursos públicos, o que abrirá espaço para aumentar os investimentos. Além disso, entendemos que o país tem que estar inserido na economia mundial, as exportações dos manufaturados são fundamentais para o processo de desenvolvimento. O processo de substituição de importações já acabou há muito tempo, então temos que abrir a economia do ponto de vista comercial, mas privilegiando as exportações de manufaturados fundamentalmente, para poder importar e desenvolver a nossa indústria. O mercado tem um papel importante nesse processo e o governo deve regular essa intervenção, mas são duas coisas que andam juntas: o mercado e o Estado. Em resumo, o grau de intervenção do Estado na economia é um pouco menor para nós do que pensam os desenvolvimentistas; temos uma preocupação fiscal maior, uma compreensão da taxa de câmbio diferente etc. No debate, vemos claramente que eles dão um peso maior para a política industrial e, nós, à política macroeconômica. Se a política macroeconômica se ajustar, a política industrial pode voltar a ter papel importante.
“Acredito que a ação mais importante que as instituições de desenvolvimento deviam fazer neste momento seria desenhar um plano nacional de desenvolvimento, com uma estratégia clara, e entregar ao governo.”
CONCERTAÇÃO POLÍTICA Eu sempre torço pela concertação, porque seria a melhor opção para o país. Mas existem alguns pontos que são muito importantes para nós. Sempre há um campo de negociação, mas de alguns princípios não se abre mão, e, neste sentido, algo fundamental é manter a taxa de câmbio num patamar competitivo. Logo, qualquer estratégia de desenvolvimento sustentável e de longo prazo passa por privilegiar as exportações de manufaturados, com uma política específica, o que tem relação fundamental com a taxa de câmbio. Agora, em outros pontos é possível negociação sim. Como o ajuste na política fiscal, uma série de reformas que precisam ser feitas. Se disserem: “Vamos acabar com os bancos de desenvolvimento e agências de fomento”, não temos acordo sobre isso; é algo que para nós, os novos desenvolvimentistas, é impensável. Ter instituições de financiamento é fundamental, o Estado tem um papel im-
portante nesse processo. Ou seja, com uma agenda muito liberal não haveria um acordo. De um lado, há correntes que defendem o aumento do gasto público, o que somos contrários; e do outro lado, tem aqueles mais liberais. Os novos desenvolvimentistas ficam numa situação menos conservadora e mais progressista, mas em um meio do caminho entre essas duas visões. Portanto, há uma capacidade de concertação grande, mas também possuímos os princípios que não abrimos mão. 25
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O desenvolvimentismo no Brasil de hoje No conceito de desenvolvimentismo de Pedro Cezar Dutra Fonseca¹ há uma série de elementos que se devem considerar como centrais ao Brasil atual. Há a necessidade de políticas econômicas (o mercado entendido, assim, como insuficiente, em termos teóricos e empíricos, para o desenvolvimento econômico), sendo o Estado instituição essencial, como agente da ação social, com um governo que elabora e executa uma estratégia para reverter o status quo (portanto, promovendo intencionalmente a mudança estrutural). O objetivo é, sob a liderança do setor industrial, alcançar maior produção e produtividade, com difusão de progresso técnico, de forma a transformar a sociedade a partir de um projeto de futuro (ou seja, de uma ideologia inconformada com a realidade vigente), em uma economia de mercado (logo, com níveis adequados de rentabilidade). A partir dessa concepção, um primeiro ponto a se destacar é a necessidade de um Estado capaz, com um governo com suficiente força política e econômica. Isso inclui a obrigação do mesmo de propor e de executar estratégias de desenvolvimento e macroeconômicas coerentes, interagindo com agentes relevantes. Financeiramente, o Estado precisa estar relativamente saneado, de forma a poder tomar iniciativas, inclusive contracíclicas no curto prazo, mas também para ampliar e financiar gastos de investimento. Ou seja, precisa privilegiar a liberdade de ação de longo prazo, assim como a liberdade de ação coletiva, em contradição com a liberdade absoluta de ação individual no mercado. 26
Observe-se que, mesmo de um ponto de vista liberal, o Estado precisa ser forte, tanto para fazer os investimentos governamentais nos casos de falhas de mercado, como a partir da noção de credibilidade. E a melhor forma de adquirir credibilidade é sua capacidade de liderança. Ou seja, este Estado precisa ser capaz de liderar um projeto de desenvolvimento, de definir estratégias para alcançar esse fim, de criar instrumentos institucionais e de administrar os conflitos inerentes ao processo de mudança estrutural. Resumidamente, a capacidade de planejamento deve ser forte. A taxa de investimento da economia brasileira tem sido muito baixa, insufiO Estado precisa ciente para um processo de catching up, ser forte, tanto para comparando-se com outros países. Assim, fazer os investimentos um objetivo prioritário de uma política de governamentais nos casos desenvolvimento deve ser a elevação desde falhas de mercado, sa taxa. Além disso, a taxa de investimencomo a partir da noção de tos governamentais é pequena, devendo credibilidade. avançar muito, principalmente em infraestrutura. Esse objetivo deve ser alcançado em parceria com os investimentos privados. Neste sentido, o Sistema Nacional de Fomento possui um papel fundamental de alavancagem. O setor industrial sempre é prioritário em um processo de desenvolvimento, tendo em vista os efeitos de encadeamento para a frente e para trás nas cadeias produtivas (incluindo os crescentes encadeamentos entre indústria e serviços de alta qualificação), por suas maiores economias de escala e de escopo, pela sua maior intensidade de inovação, pelos seus mais consistentes impactos no sentido de liberar restrições de Balanço de Pagamentos, além de proporcionar maior potencial de integração regional. Ou seja, o que leva ao desenvolvimento como um todo é a mudança da estrutura produtiva no sentido de construção de uma indústria madura, com capacidade de inovação e de inserção internacional dinâmica. MARÇO | ABRIL 2016
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câmbio, taxa de salários e taxa de inflação). Especificamente sobre a taxa de câmbio, a experiência recente dos países do leste asiático mostra que nenhum país que almeja o catch up pode admitir essa taxa como variável de ajuste. O regime de metas de inflação e de metas de superávit primário é o verdadeiro elemento de rigidez que bloqueia a possibilidade de políticas de longo prazo. E isso traz, por consequência, problemas de curto prazo, impedindo o adequado equilíbrio macroeconômico. Assim, é necessário um novo regime macroeconômico, que permita melhor desempenho de curto e de longo prazo, abandonando-se o fetiche do regime do tripé. Além disso, é básica a adoção de uma reforma tributária que diminua os custos de produção, com menor tributação indireta, compensada por maior tributação direta. Essa reforma deve ter também um caráter redistributivo, conectando os objetivos econômicos aos políticos e sociais. Investimentos geradores de crescimento necessitam de lucratividade adequada. Para isso, os preços básicos devem estar razoavelmente ajustados ao longo do tempo. Mas, além disso, são necessárias políticas de longo prazo, incluindo os investimentos governamentais e das estatais, com seu efeito crowding in, fazendo surgir novas oportunidades de lucro e “criando mercados”. Por fim, deve-se levar em conta que o crescimento econômico provoca impactos distributivos concentradores. Como o desenvolvimento econômico deve promover melhorias sociais, políticas redistributivas se impõem, tanto de renda quanto de riqueza. Do mesmo modo que as políticas industriais devem ser coerentes com as políticas macroeconômicas, as políticas sociais devem ser compatibilizadas com as políticas econômicas de curto e de longo prazo, e devem ser executadas concomitantemente ao crescimento econômico. 1
FONSECA, P. C. D. Desenvolvimentismo: a construção do
conceito. In: DATHEIN, R. (Org.). Desenvolvimentismo: o conceito, as bases teóricas e as políticas. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2015.
RICARDO DATHEIN Arquivo Pessoal
As empresas estatais devem ser consideradas instrumentos essenciais no projeto de desenvolvimento, pois dinamizam setores estratégicos, têm capacidade de realização de grandes blocos de investimentos, podem estimular fortemente cadeias produtivas, são instrumentos do mecanismo básico de compras governamentais (importante para viabilizar a capacidade inovadora de terceiros), são elas próprias fundamentais para aumentar a taxa de inovação da economia, além de instrumentos de política regional. Na maioria dos países hoje desenvolvidos e nos que estão em processo acelerado de desenvolvimento, as grandes empresas (públicas ou privadas) tiveram e têm papel central. Isso ocorre porque elas possuem elevada capacidade de investimentos, de inovação e de estimular cadeias produtivas, além de serem as maiores exportadoras em mercados menos voláteis. Internacionalmente, a capacidade de criar e comandar cadeias globais de valor está nas mãos de grandes grupos econômicos. Possuir uma economia dominada por empresas multinacionais, como o Brasil, gera produção e modernização, mas não capacidade de aprendizado e capacitações para inovações e, com isso, para exportações dinâmicas. Esses elementos são produzidos por empresas nacionais. Não por acaso, os principais países do leste asiático constituem seus próprios grandes grupos econômicos, com capacidade de expansão internacional criadora de comércio e de cadeias de valor. Assim, um objetivo de política econômica, certamente complexo, deve ser estimular grupos industriais nacionais. As micro, pequenas e médias empresas possuem papel muito importante, na maioria dos setores econômicos, por sua permeabilidade e capacidade de gerar empregos. Mas também, e fundamentalmente, trabalhando em redes com grandes empresas. Para que as políticas de longo prazo (industrial, tecnológica e de comércio exterior, mais os investimentos em infraestrutura) funcionem adequadamente como geradores de crescimento, é necessário que as políticas macroeconômicas de curto prazo estejam em sintonia. Para que a produção seja prioridade, é necessário que o processo de financeirização seja controlado, pois esse amplifica atividades rentistas que passam a comandar a economia. O Brasil possui um problema grave de contradição entre políticas de curto e longo prazo. O tripé macroeconômico impede um ajuste adequado dos preços básicos (taxa de lucro, taxa de juros, taxa de
Economista, doutor em Economia pelo IE/Unicamp, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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NOEL JOAQUIM FAIAD
REPORTAGEM
Assim é... (se lhes parece) O Brasil sempre foi um país complexo e a atual crise institucional só potencializou a complexidade, tornando ainda mais difícil o entendimento, até mesmo para os brasileiros. O que dizer dos jornalistas estrangeiros que cobrem o país e dos brasilianistas, que procuram nos entender para poder explicar o Brasil para o mundo, muito além dos estereótipos do país do samba e do futebol. Ao contrário do que imagina o orgulho nacionalista, o Brasil não é um país conhecido e é difícil para outros povos compreenderem o que se passa por esta banda dos trópicos, como atestam os seis correspondentes internacionais – um deles também brasilianista – ouvidos nesta reportagem. Eles alegam que o distanciamento acaba ajudando a obter uma visão mais objetiva da realidade. POR CARMEN NERY E THAIS SENA SCHETTINO
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Decifrar os caminhos futuros do país está cada vez mais desafiador para nós, brasileiros, imagine então para aqueles que, por dever de ofício, precisam informar aos estrangeiros como funciona o Brasil. Essa tarefa cabe aos correspondentes internacionais que, nos últimos anos, ganharam mais espaço na arena nacional, seja entrevistando políticos ou empresários, seja servindo de fonte de informações para os próprios brasileiros. Segundo a Associação de Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil (ACIE), são 125 jornalistas-membros atuando no país para 136 veículos internacionais, entre agências de notícias, rádios, jornais, revistas, sites e canais de televisão. Mas esses números podem ser maiores, visto que muitos profissionais trabalham de forma freelancer, ou seja, sem vinculação direta com um veículo de imprensa. Para esses jornalistas nem sempre é fácil compreender a notícia de momento sem saber um pouco da história do país, o antes e o depois que fizeram com que os fatos acontecessem dessa ou daquela forma. Para tanto, muitos incluem em sua rotina o acompanhamento da imprensa local, mas também reservam espaço para entrevistas exclusivas, seja com pessoas comuns ou políticos. Nesse especial momento da vida brasileira, com tantos dados novos no cenário político, os correspondentes têm dado mais atenção à Constituição brasileira e às fontes alternativas de informação para fazer com que seus leitores entendam o que acontece no Brasil. Um dos mais famosos correspondentes em atuação no país é o premiado jornalista norte-americano Glenn Greenwald, que, mesmo morando no Brasil desde 2005, afirma que não consegue compreender como uma presidente eleita com 54 milhões de votos e contra quem não há, efetivamente, nenhuma acusação concreta de corrupção, está sofrendo um processo de impeachment. Em outro extremo, Dom Phillips, correspondente do jornal Washington Post, o mais importante jornal da capital da principal potência do planeta, diz que não consegue entender como uma agremiação envolta em denúncias de corrupção, como o Partido dos Trabalhadores (PT), ainda possui tantos seguidores. Greenwald e Phillips são exemplos da legião de jornalistas altamente qualificados que chegaram ao Brasil nos últimos anos atraídos pelo boom econômico do país, como descreveu Gareth Chetwynd, presidente da Associação de Correspondentes da Imprensa Estrangeira e correspondente do jornal norueguês Upstream, especializado na cobertura do setor de óleo e gás. Ele destaca que o Brasil está vivenciando um ciclo que justifica o interesse de toda a mídia global. Há dois anos vieram diversos profissionais de imprensa para o Brasil, pois era um período bem rico para jornalistas cobrirem um país em transformação, com Copa do Mundo de Futebol, Olimpíadas, grandes movimentos sociais e, agora, o período político turbulento. “Muitos jornalistas são freelancers e dependem do que os seus editores acham interessante cobrir. O fato é que estão todos felizes por poderem trabalhar em um ambiente muito rico nos esportes, na sociedade e na cultura”, descreve. “Os correspondentes perceberam que o cenário é mais complexo do que a revolta da população para exigir o combate à corrupção. As matérias ficaram mais amplas e com mais nuances em relação aos jogos de poder e dos interesses dos dois lados. Todo munRUMOS
Segundo a Associação de Correspondentes de Imprensa Estrangeira no Brasil (ACIE) são 125 jornalistas-membros atuando no país para 136 veículos internacionais, entre agências de notícias, rádios, jornais, revistas, sites e canais de televisão. do precisou melhorar a sua compreensão sobre a Constituição e as instituições brasileiras”, analisa. O jornalista destaca que, neste momento especial do cenário político do Brasil, novamente a imprensa internacional tem um certo distanciamento. Há uma abertura maior para perceber que há elementos incorretos e preocupantes nos processos criminais da Justiça, como prender preventivamente, promover o vazamento de informações. Uma das iniciativas da Associação dos Correspondentes Internacionais para checar os fatos foi realizar uma coletiva de imprensa com o deputado federal Wadih Damous, do PT fluminense, para explicar aos correspondentes o que estava acontecendo. “Ele ficou surpreso ao perceber que os correspondentes internacionais estavam muito mais abertos a escutar. Logo após essa coletiva, o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula chamaram os correspondentes. Eles perceberam que havia não necessariamente um apoio, mas uma predisposição para escutar seus argumentos”, conta Chetwynd, lembrando que no início do governo o PT achava que os correspondentes internacionais eram hostis às causas nacionalistas. Agora parece que essa visão mudou, pois perceberam que o correspondente internacional tem uma postura um pouco mais aberta. “Nós temos liberdade de buscar a nossa própria interpretação, até pela distância que temos das redações”, explica. Chetwynd chegou ao país em 1993, ficou quatro anos entre Rio de Janeiro e de São Paulo cobrindo o setor financeiro, foi para Portugal, onde ficou um ano e meio, e voltou para a Inglaterra. Em 1998, com a abertura do setor de petróleo no Brasil, o interesse do mundo sobre o segmento 29
no país aumentou e ele recebeu a proposta do jornal Upstream. “É um setor fechado, mas com o tempo vamos conquistando as fontes. É muita informação em off e leva tempo para construir essa relação de confiança”, sinaliza Chetwynd. Ele explica que, hoje em dia, em função da operação da Lava-Jato, da Polícia Federal, e da importância do pré-sal para a economia, o interesse pelo setor aumentou bastante. Há alguns anos havia muitos assuntos interessantes que eram cobertos apenas por ele e poucos jornalistas especializados. “Agora ficou mais competitivo, mas o tempo de relacionamento conta nesses momentos. Obviamente, muitas das fontes estão envolvidas com essa operação, dos dois lados, tanto acusados quanto acusadores e delatores”, ressalta. Ele diz que, inevitavelmente, é preciso olhar o que os jornais locais estão publicando, mas se fosse apenas reproduzir o que outros jornalistas escrevem, seu trabalho não sobreviveria. Os leitores da Upstream pagam uma assinatura que não é barata. Então, além de informações de valor, querem fatos exclusivos. “Encontro com pessoas da Petrobras, com acusados e delatores, para buscar informações exclusivas”, reitera. Embora tenha consciência de que ao investidor internacional interessa o fim do regime de partilha e da Petrobras como operadora única do pré-sal, o correspondente observa que não se interessa pelo que o leitor quer, se um sistema aberto de leilões livres ou o modelo fechado da Venezuela. O que ele procura fazer é a busca permanente pela realidade dos fatos. Mas pondera que qualquer mídia tem interesses: “querem mais vender seu produto do que melhorar o mundo”. Ele conta que quando era estudante na Inglaterra a imprensa era muito tendenciosa pró-Margareth Thatcher e antitrabalhista. Porém, o jornalista estrangeiro em geral mantém um distanciamento um pouco mais objetivo, pois não viveu a história do país. Chetwynd observa, ainda, que o correspondente também tem experiência internacional. Então, quando relata questões políticas, é porque já viu que outros países passaram pela mesma situação. Percepção semelhante tem Tom Hennigan, correspondente do principal jornal irlandês, The Irish Times. Ele diz que procura entender a parte complexa do mundo e explicar o que se passa para os leitores. Qualquer pauta de economia ou política procura mostrar a realidade brasileira sem estereótipos. 30
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CRÍTICAS O jornalista Glenn Greenwald venceu os prêmios Esso e Pulitzer com as matérias sobre as denúncias de espionagem de Edward Snowden, analista de sistemas e ex-administrador de sistemas da Agência Central de Inteligência e ex-contratado da Agência de Segurança Nacional (NSA), que tornou públicos detalhes de vários programas que constituem o sistema de vigilância global da agência norte-americana, provocando forte crise dipomática e obrigando o governo dos Estados Unidos a rever sua política de espionagem. Com esse currículo, ele também tem feito duras críticas à mídia nacional, a quem acusa de incitar os protestos e agir como ferramenta de propaganda da oposição. O correspondente norte-americano atendeu a Rumos brevemente, momentos antes de uma de suas, entre tantas, viagens. Ele disse que, no início de seu trabalho no país, respeitava a mídia dominante e chegou a fazer trabalhos para diversas publicações. Mas agora considera que a imprensa nacional não tem comportamento jornalístico e sim político-partidário. Ele disse que o mais difícil de explicar sobre o Brasil é a forma como o país é dividido em classes, assim como o racismo – o que contraria nosso mito de democracia racial. Para Greenwald, foi muito impressionante o desenvolvimento econômico do país no governo Luís Inácio Lula da Silva. “Tudo estava melhorando, inclusive a perspectiva e as esperanças da população. Os brasileiros estavam otimistas, enquanto os americanos estavam pessimistas. Esse clima mudou nos últimos dois anos por conta da crise, mas o Brasil tem força para superar este momento. O maior problema é a ameaça à democracia com troca de partidos e políticos corruptos”, disse Greenwald. RUMOS
REPRODUÇÃO
Hennigan afirma que o Brasil não é um país muito importante para a Irlanda, não por falta de relevância do país para o mundo, mas porque estão mais preocupados com o que acontece na União Europeia e nos EUA, que são os maiores investidores na economia irlandesa. Para muitos dos seus conterrâneos foi difícil entender como todo o mundo estava fascinado pelo Brasil e, em um piscar de olhos, tudo mudou. “Entre 2008 e 2010 o país estava ‘bombando’, mas ainda com grandes problemas estruturais, e nós, correspondentes internacionais, tínhamos a percepção de que, sem enfrentar esses problemas, seria difícil sustentar o crescimento”, analisa Hennigan. Para ele, os escândalos envolvendo a Petrobras e a instabilidade no Brasil deixam claro que o país precisa de uma reforma política, mas ninguém está falando disso. Para ele, esse ciclo está esgotado, e o mais preocupante é que ninguém fala em reformas. Hennigan observa que o país tem uma imprensa conservadora e o correspondente tem que ter a capacidade de ver onde há lacunas e buscar a informação em outro local. Um fato positivo é que há uma imprensa alternativa atuante, e isso fica claro principalmente na periferia. Ele faz um paralelo entre o momento atual e as eleições de 1989, quando a população não teve acesso a outra imprensa que não fosse a maior rede televisiva do país. “Hoje tem. O correspondente estrangeiro deve acessar essas novas fontes de informação”, defende.
A percepção sobre o Brasil mudou ao longo do tempo, na visão de uma das mais prestigiadas revistas de economia do mundo.
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“Entre 2008 e 2010 o país estava ‘bombando’, mas ainda com grandes problemas estruturais, e nós, correspondentes internacionais, tínhamos a percepção de que, sem enfrentar esses problemas, seria difícil sustentar o crescimento.”
FOTOS: LUIGI SPERA
Tom Hennigan, The Irish Times
Durante as manifestações de 2013, no Rio de Janeiro, o jornalista e correspondente internacional Luigi Spera, fez uma série de registros que serão publicado em livro, nas versões em inglês e italiano. As fotos mostram um Rio de Janeiro noturno, entremeado pelas luzes da cidade e pelo vulto daqueles que resolveram ocupar o espaço urbano.
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Já Dom Phillips, do Washington Post, observa que a corrupção é um problema enraizado no Brasil em todos os segmentos da sociedade. E explica que, em países da Europa, a possibilidade de ter um presidente da Câmara que é réu no Supremo Tribunal Federal e enfrenta outros casos de denúncias contra ele seria inacreditável. “Conversei com um correspondente alemão e ele disse que um fato como esse é claramente impossível de ocorrer na Alemanha. Sobre o PT, trata-se de um partido que promoveu avanços muito importantes de justiça social, tirando 30 milhões de pessoas da linha da pobreza, e eu tive a oportunidade de constatar essa pobreza com meus olhos em vários lugares do Brasil. Mas acho muito interessante, por exemplo, a Mídia Ninja, que, pela sua independência, foi muito importante nas manifestações de 2013, agora defendendo esse partido que enfrenta a questão do impeachment e um escândalo de corrupção que é um dos maiores da história”, contrapõe. Phillips diz que o Brasil é importante para os americanos porque é um país muito grande e a maior potência nas Américas depois dos Estados Unidos. Aos leitores do Washington Post, o mais importante jornal da capital da maior potência do planeta, interessa entender o que se passa na economia e na política. Mas eles não querem saber tudo, querem saber, em linhas gerais, o que está acontecendo; como a sociedade está reagindo; qual a abrangência e a importância das investigações; e qual o impacto da corrupção no país. “Em dezembro de 2015, entrevistei o advogado da MARÇO | ABRIL 2016
Odebrecht, Nabor Bulhões, e relatei suas críticas sobre a violação à Constituição; também mostrei o impacto que o juiz Sergio Moro estava dando ao caso. É importante lá fora saber que um juiz está sendo saudado como herói pela classe média. A percepção que se tem do Brasil é que todo mundo sabe que há uma crise gigante de corrupção. As pessoas, no entanto, não conhecem os detalhes, sabem que a economia está sofrendo e que o quadro é preocupante”, descreve Phillips. Ele, que já trabalhou para algumas das mais importantes publicações globais como The Guardian, Bloomberg, The Times, Financial Times, diz que não se baseia apenas no que a mídia local reporta. Procura ter suas próprias fontes de apuração, conversa com as pessoas comuns e com os políticos e vai às ruas durante as manifestações. Ele informa que não tem sido difícil o acesso às fontes. “Pelo fato de ser estrangeiro, tenho mais mobilidade na sociedade que as outras pessoas. Se vou a uma comunidade do Rio ou ao Congresso, consigo conversar com pessoas e trato todos com o mesmo respeito”, diz Phillips. Para ele, a fonte mais difícil de falar é a corporativa. “Já trabalhei para o Financial Times e uma vez fiz um especial sobre consumo. Tentei falar com o representante de uma grande rede de supermercados e não fui atendido. A empresa não autorizou ninguém a falar. Achei absurdo”, lamenta. Phillips é inglês, e escreve no mínimo uma vez por semana para o Washington Post, mas pode fazer cobertura diária, dependendo do que está acontecendo no Brasil e no mundo. Se há um ataque terrorista em Paris, o Brasil vai ter que esperar. O jornal tem uma sessão internacional que já teve 66 milhões de acessos.
protestos contra a Copa do Mundo que renderam reportagens para diversas publicações, como o portal Il Fatto Quotidiano. Há alguns anos, Spera vem estudando o Brasil e já se considera um brasilianista, tendo investigado a fundo o programa das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Esse trabalho rendeu uma série de reportagens publicadas no portal Gli Occhi Della Guerra e o livro Crime e Favela – Tráfico, violência institucional e políticas de segurança pública no Rio de Janeiro desde a fundação até a pacificação olímpica, lançado em italiano e em inglês pela editora Eiffel Edizioni. Ele diz que o Brasil é complexo para se entender e que infelizmente muitos jornalistas italianos baseiam-se apenas no que diz a mídia dominante sobre o momento atual, mas em todas as suas matérias tem procurado denunciar as irregularidades do processo. “Estou muito preocupado com o Brasil”, finaliza Spera.
GRANDES OBRAS O jornalista Mario Osava cobre os grandes projetos de infraestrutura na América Latina para a agência de notícias Interpress, formada nos anos 1960 por jornalistas exilados do continente e da Europa. Brasileiro, ele morou muitos anos fora do país como exilado, tendo regressado em 1979 com a Anistia. Ele diz que a agência pratica um jornalismo explicativo e há seis anos identificou na América Latina um boom de grandes obras, o que passou a explicar o desenvolvimento da região a partir dos grandes projetos de infraestrutura, como hidrelétricas, ferrovias e, no Brasil, também a transposição do rio São Francisco. “Procuro ouvir muitas pessoas e dar voz àqueles que não são ouvidos nas favelas, nas periferias, nos movimentos sociais e nas Organizações Não Governamentais (ONGs) e o terceiro setor em geral. A ideia é sair do mainstream, ouvindo muito pouco as empresas e muito a sociedade civil”, diz Osava. Andando muito pelo Brasil, ele conta que é visível a transformação no Nordeste nos governos petistas. A imigração se inverteu e as pessoas estão fazendo o caminho de volta. Mas ele diz que no extremo oposto, no interior de São Paulo, a crise do álcool deixa claro o porquê do movimento anti-PT. Já o italiano Luigi Spera tem uma visão crítica dos investimentos na Copa do Mundo de Futebol e nas Olimpíadas. Jornalista freelancer que atua para diversas publicações na Europa, como o jornal de negócios italiano Il Sole 24 Ore, ele é especializado em cobertura de conflitos e em segurança pública e judiciária. Em 2014, esteve no Brasil para cobrir os RUMOS
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FOTOS: NOEL JOAQUIM FAIAD
REPORTAGEM
Protagonismo regional Fórum do Sistema Nacional de Fomento discute desafios e propõe ações para que as agências de fomento e os bancos de desenvolvimento se consolidem como principais parceiros dos estados na execução das políticas regionais. POR JADER MORAES
Durante dois dias, as agências de fomento e os bancos de desenvolvimento debateram as necessidades e os desafios para que o Brasil volte a crescer e para que o faça por meio da redução de sua histórica desigualdade regional. Realizado nos dias 27 e 28 de abril, na sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro, o Fórum do Sistema Nacional de Fomento, organizado pela Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), com o apoio do Banco Interamericano e do BNDES, foi a oportunidade para que os executivos das Instituições Financeiras de Desenvolvimento pensassem em estratégias e metas para aumentar a qualidade de vida e a revitalizar a realidade econômica de suas regiões. Na abertura do evento, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, lembrou que o debate sobre as disparidades entre as diferentes regiões do país tem relação com o surgimento da nação e, mesmo com os avanços obtidos na última década, é preciso intensificar essa agenda. “O Brasil nasceu desigual, estamos tratando então de um desafio mul34
ticentenário. Houve de fato uma desconcentração nos últimos anos, com o crescimento do Norte e do Nordeste acima da média brasileira, mas a atualidade demanda de nós a imaginação para sustentarmos os vetores que propiciaram esse ciclo de redução das desigualdades e também para pensarmos em novas maneiras de desenvolvimento nessas regiões”, afirmou Coutinho, listando entre os motivos para o crescimento das regiões citadas os investimentos induzidos no Norte, como no caso da energia, e as decisões de políticas sociais e econômicas acertadas em relação ao Nordeste – com o exemplo da construção de mais de um milhão de cisternas, que permitiu que a região passasse sem maiores efeitos por um recente período de secas prolongadas. O presidente do BNDES lembrou ainda que mesmo nas regiões mais desenvolvidas e nas grandes metrópoles existem áreas desiguais. Por isso, destacou a importância das instituições que atuam em diferentes partes do país estarem unidas, em torno da ABDE e do fórum especificamente, deMARÇO | ABRIL 2016
batendo a questão. “O Sistema Nacional de Fomento é repositório do conhecimento e pode identificar as oportunidades para atuarmos sobre essa situação”, finalizou. O presidente da ABDE, Milton Luiz de Melo Santos, lembrou das articulações recentes com o Banco Central e os ministérios da Fazenda e do Planejamento, que colaboram para a missão da Associação de atuar em prol do desenvolvimento do país. As instituições financeiras controladas por estados da federação, defendeu Santos, são decisivas para a melhoria do quadro econômico brasileiro. “São instituições diretamente ligadas aos problemas de suas regiões que podem destravar a questão do desenvolvimento do país. O BNDES é o órgão mater desse sistema, evidentemente, mas as agências de fomento e os bancos de desenvolvimento estão intimamente ligados às políticas públicas de cada um dos estados, às políticas de desenvolvimento necessárias para o crescimento de todas as partes do país”, destacou ele, que também preside a Agência de Desenvolvimento Paulista (Desenvolve SP). Os debates sobre o desenvolvimento regional contaram ainda com a participação do vice-presidente do BNDES, Wagner Bittencourt, do presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Marco Aurélio Crocco, da consultora do Departamento Econômico do Banco Central, Katherine Henning, do especialista líder do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Luciano Schweizer, e da economista do BNDES Ana Cláudia Além. MODELOS PARA AGÊNCIAS DE FOMENTO O segundo dia de debates foi dedicado à apresentação de um estudo contratado pela ABDE e pelo BID, elaborado por Jorge Ávila, professor de Planejamento e Gestão Governamental na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e ex-diretor da Finep, sobre a situação atual e perspectivas para as agências de fomento e bancos de desenvolvimento
estaduais e regionais no Brasil. O documento propõe modelos para a consolidação dessas instituições enquanto atores fundamentais para as políticas de desenvolvimento de estados e municípios. A pesquisa apontou a necessidade de um posicionamento mais claro das instituições em relação ao nicho no qual devem operar. Para isso, é preciso solucionar muito dos problemas que elas enfrentam, entre eles a baixa capitalização e a captação insuficiente de recursos para repasse, além de dificuldades regulatórias. “As agências de fomento e os bancos de desenvolvimento são fundamentais para financiarem o polo privado do desenvolvimento traçado pelos estados em suas políticas. Assim como o BNDES no plano federal, são as instituições que melhor têm capacidade de entender os planos estaduais e apoiarem, financiando a participação da iniciativa privada”, explicou Ávila, que foi irá propor no estudo, encomendado pela Associação e pelo BID, soluções aos desafios encontrados pelas instituições. No documento apresentado aos presentes, Ávila faz uma série de proposições para que, em determinado espaço temporal, as instituições de fomento superem os desafios e se consolidem como órgão primordial para o desenvolvimento de seus estados. O plano tem por objetivo propiciar maior nivelamento entre as agências, respeitadas as diferentes realidades de cada região. “Inicialmente, a proposta do estudo era menor, de um diagnóstico sobre a situação das agências. Mas avançamos justamente porque vimos que muitos dos problemas elencados têm soluções possíveis”, explicou o consultor. Para comentar e validar o estudo, executivos das instituições de fomento associadas à ABDE participaram de uma série de mesas de debate, ao longo do segundo dia do evento.
Milton Luiz de Melo Santos, presidente da ABDE, e Luciano Coutinho, presidente do BNDES .
RUMOS
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Leonardo Melo Pereira da Rocha/Embrapa
REPORTAGEM
Crédito para o agronegócio Responsável por importante fatia do mercado de crédito regional, o Banco da Amazônia atua para a promoção do agronegócio sustentável no norte do Brasil. POR SARAH BARROS Com uma carteira de clientes que engloba, ao menos, 70% dos financiamentos realizados pelo agronegócio na região amazônica e R$ 10,5 bilhões aplicados atualmente em empreendimentos rurais na região, o Banco da Amazônia tem se consolidado como opção para produtores tanto da agricultura familiar quanto do agronegócio empresarial. Eles movimentam a economia regional, nacional e até mesmo internacional pela comercialização de seus produtos e também investem em inovações e melhorias que garantem frutos no futuro. Os dados fechados de 2015 confirmam que o segmento representa 65% da carteira de financiamentos do banco, configurando um aumento significativo em comparação com o patamar de 36% verificado em 2013. O bom desempenho em termos de penetração no mercado do agronegócio amazônico se deve à presença de 124 agências localizadas nos principais municípios dos estados onde o banco atua. Outra estratégia é o estabelecimento de parcerias com as entidades ligadas à cadeia produtiva do agronegócio e com os órgãos estaduais e municipais. “Esse é um 36
patamar satisfatório, dado o expressivo crescimento da carteira, com destaque para o agronegócio empresarial, que, em 2013, totalizou R$ 1,3 bilhão, chegando a R$ 2,4 bilhões em 2014 e R$ 2,2 bilhões em 2015”, avalia a gerente executiva de Pessoa Física da instituição, Márcia Mithie. A expansão da carteira em relação aos outros segmentos atendidos pela instituição é atribuída à simplificação da concessão do crédito de curto prazo, como custeio agrícola e pecuário e recria e engorda de animais bovinos, com a inclusão da análise de limite pré-aprovado, não havendo mais necessidade de elaboração de projetos para essas finalidades. A principal fonte de recursos do Banco da Amazônia nos financiamentos rurais é o Fundo Constitucional do Norte (FNO), com taxa de juros prefixada que varia de 6,50% ao ano a 10,50% ao ano, já com Bônus de Adimplência. Considerando apenas as contratações com recursos do FNO destinadas ao agronegócio nos últimos três anos, MARÇO | ABRIL 2016
foram distribuídos cerca de R$ 4,9 bilhões em 6.592 operações. O produto com maior volume de contratação é o FNO Amazônia Sustentável, que atende às finalidades de custeio e investimento, agrícola e pecuário. Além dele, os clientes do agronegócio amazônico têm à disposição outras opções como o FNO ABC (Agricultura de Baixo Carbono) e o FNO Biodiversidade, que financiam a recuperação de áreas degradadas e cultivo de plantas nativas. Assim como em todas as demais operações do banco, os critérios de análise cadastral e de crédito seguem as diretrizes da política desenhada pela instituição, além de cumprir as normas de cada tipo de recurso e legislações ambientais. “Os impactos macroeconômicos estimados para a ação creditícia do Fundo no exercício de 2015 ratificam a sua importância como principal instrumento econômico-financeiro propulsor do desenvolvimento regional sustentável, bem como o papel do Banco da Amazônia como agente executor das políticas, planos e programas do governo federal para a região”, destaca Márcia. Além do FNO, o banco alimenta suas linhas de crédito com recursos oriundos do BNDES, da Poupança Rural, de aplicações em Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e por meio de Recurso Obrigatório, de tal forma que os depósitos dos clientes no banco retornam como investimento à sociedade. GANHOS A estimativa é de que os efeitos multiplicadores dos financiamentos realizados pelo Banco da Amazônia relacionados ao FNO incrementem em R$ 35,4 bilhões o valor bruto da produção regional e expandam o PIB da Região Norte em R$ 18,75 bilhões. Para o poder público, as operações fomentadas contribuem para o reforço às contas públicas, levando-se em consideração o valor dos tributos gerados em decorrência dos negócios necessários para implementar os projetos financiados, correspondente a R$ 5,2 bilhões. “Outro aspecto relevante a ser considerado como efeito dos financiamentos do FNO refere-se à qualidade de vida dos trabalhadores, com expansão da massa salarial em, aproximadamente, R$ 3,8 bilhões, mediante a criação de aproximadamente 644 mil novos postos de trabalho diretos, indiretos ou induzidos, tanto no campo como nas cidades”, enumera a gerente executiva do banco. Os principais tomadores do crédito da instituição para fomento do agronegócio são de produtores de pequeno porte – que possuem faturamento anual de até R$ 16 milhões, como empreendimentos rurais dos agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais. Quanto à atividade, destaca-se na produção agrícola o cultivo do milho, soja e arroz, e, na pecuária, a produção de leite e de corte. Estes representam 80% da carteira do agronegócio, em consonância com as políticas públicas federais e com a missão do banco em promover o desenvolvimento sustentável da região. Para a instituição, o foco é estimular o atendimento às normas regulamentares da legislação ambiental, atuando no fortalecimento das boas práticas sustentáveis e conscientização do produtor rural quanto à necessidade de implementação das práticas inovadoras, tecnológicas e sustentáveis, como forma de preservar a riqueza ambiental e ainda otimizar a receita da atividade rural. RUMOS
Mesmo que concentrado, sobretudo, nos pequenos negócios, essa característica não inibe a atuação da instituição junto aos demais atores do setor, com incentivos também voltados para empreendedores agroindustriais de médio e grande portes, fato que tem contribuído para a inserção competitiva do segmento nos mercados nacional e internacional. “Um exemplo é a produção do biocombustível na Amazônia, cuja atividade tem envolvido e beneficiado centenas de famílias que estão diversificando a base produtiva da região por meio do aprimoramento da produção do biodiesel”, aponta Márcia. Além de atuar diretamente junto aos produtores, com projetos estruturados que englobam a industrialização e a comercialização de insumos produzidos pelos agricultores familiares, envolvendo todo ciclo da cadeia produtiva, o banco de desenvolvimento também tem criado oportunidades e benefícios ao financiar grandes projetos de infraestrutura. Tais iniciativas contribuem para a geração de renda e de emprego e ainda solucionam problemas logísticos, reduzem custos de produção e, com isso, viabilizam o aumento da comercialização e, inclusive, a exportação dos grãos. Para o Banco da Amazônia, o resultado final de sua ação creditícia ratifica a importância do FNO como principal instrumento econômico-financeiro indutor do desenvolvimento sustentável da Região Norte, contribuindo significativamente para a redução das desigualdades intra e inter-regionais. Os impactos incluem aspectos sociais como a melhoria da qualidade de vida da população regional, a criação de novas oportunidades de trabalho, com a decorrente diminuição do êxodo rural, a mitigação da pobreza e a inclusão social. Em termos econômicos, o apoio do banco permite o surgimento de um agronegócio fortalecido, paralelamente ao desenvolvimento das micro e pequenas empresas, a expansão do turismo e o incremento do valor bruto da produção e do PIB regionais, com a elevação da arrecadação tributária dos estados. “Prospecta-se que os créditos do FNO contribuirão para a elevação do produto, da renda, do emprego, dos salários e da arrecadação tributária nas regiões onde se efetivam os empreendimentos financiados, bem como em outras regiões com as quais são estabelecidos fluxos econômicos, por meio do efeito transbordamento”, completa Márcia. 37
ARTIGO
Ajustes (des)necessários A década de 1980 assistiu a mudanças consideráveis no âmbito econômico, com a emergência da doutrina liberal, defendida por Ronald Reagan (EUA) e Margaret Thatcher (Inglaterra), no debate econômico mundial. O discurso de Estado mínimo alcançou os sistemas financeiros e conformou um novo espaço regulatório. Como argumentou o economista Paul Singer em entrevista à Rumos na primeira edição de 1994, havia uma pressão muito forte por parte do mercado para a implantação de programas a la Tatcher e a la Menem (este último, em referência ao então presidente argentino Carlos Menem). Paralelamente à emergência desta nova doutrina, o período foi marcado, no Brasil, por baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), grave crise fiscal e aceleração inflacionária, configurando o que ficou conhecido como a “década perdida”. Como resposta às dificuldades enfrentadas neste contexto, muitos estados recorreram às instituições financeiras públicas que controlavam, com o intuito de financiar seus déficits orçamentários. Além dos bancos federais, o Brasil contava com outras 45 Instituições Financeiras de Desenvolvimento Regional, cuja utilização no financiamento a seus controladores acabou gerando graves problemas patrimoniais. Se a década de 1980 originou tais desafios, a década seguinte consolidou as políticas destinadas a sua solução. A combinação entre onda liberalizante e a crise doméstica levou à busca por alternativas que refletiam a tendência de redução da participação do Estado 38
na economia, inclusive no setor financeiro. A desestruturação das Instituições Financeiras de Desenvolvimento (IFDs) não passaria despercebida, tornando-as parte importante das reformas propostas para tirar a economia brasileira da crise. Concomitantemente, a estabilização monetária alcançada com o Plano Real acarretou problemas de rentabilidade ao Sistema Financeiro Nacional (SFN), que tinha no imposto inflacionário grande parte de suas receitas. As instituições financeiras, inclusive as IFDs, enfrentaram dificuldades em promover os ajustes necessários para sua sobrevivência, situação que ensejou uma profunda reforma no SFN. Os problemas enfrentados pelas instituições privadas foram equacionados com a criação do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), cujo objetivo principal era evitar uma crise sistêmica por meio de uma linha especial de assistência financeira. Os bancos federais passaram por um processo de reestruturação e saneamento no âmbito do Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais (Proef ), sendo preservados, mas com atuação voltada primordialmente para a função de bancos comerciais e redução considerável em sua função de agentes de desenvolvimento. Por fim, o saneamento das instituições públicas regionais foi endereçado com o Programa de Incentivo à Redução do Setor Público Estadual na Atividade Bancária (Proes), por meio do qual os estados controladores puderam privatizar, extinguir ou sanear suas instituições financeiras. Em consonância com as políticas liberalizantes do período, estes programas objetivavam a drástica redução do setor público no SFN. Este movimento não poderia ficar fora das páginas da Rumos, que publicou artigos e entrevistas de políticos, economistas e membros da autoridade monetária, favoráveis e contrários às reformas. Entre defensores e opositores ferrenhos, a compleMARÇO | ABRIL 2016
RUMOS
governador do Amapá, ressaltou a importância das IFDs regionais para as economias locais. Segundo ele, “o Brasil são dois países em um” e as políticas públicas deviam levar em conta os diferentes estágios de desenvolvimento entre as regiões do país, sendo as IFDs regionais mais capacitadas para alavancar o desenvolvimento local, justamente por conhecerem melhor os desafios econômicos de suas regiões. Para Capiberibe, a onda neoliberal que invadira o país podia eventualmente atender às necessidades do Sul e do Sudeste, mas ameaçava a oferta de crédito para os estados periféricos. Como desejavam os reformistas, houve expressiva redução da presença do setor público no SFN, em decorrência da retração operacional dos bancos federais e da extinção da maioria das 45 IFDs regionais até então existentes. Ainda que esta tendência tenha se estabilizado a partir de 2003, foi com a crise de 2007/2008 que as IFDs voltaram a ter protagonismo, em função da relevância de sua atuação anticíclica, pondo em questão o aparente sucesso daquelas reformas e fortalecendo o argumento dos que defendem maior presença do Estado no SFN. Entre idas e vindas, o aspecto crucial do problema permanece em aberto e parece estar no cerne do impasse que molda os contornos da crise atual. A melhor coordenação entre o público e o privado no financiamento ao desenvolvimento, desejada por Luciano Coutinho em 1995, é ainda um sonho distante, possivelmente pelos mesmos motivos apontados pelo economista, 21 anos atrás: as taxas de retorno dos títulos de curto prazo seguem elevadas e continuam constituindo um impeditivo para o fortalecimento do mercado privado de crédito de longo prazo no Brasil.
FERNANDA FEIL É formada em economia pela USP, mestre na mesma área pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e gerente de Estudos Econômicos da ABDE.
ANDREJ SLIVNIK Noel Joaquim Faiad
xidade da questão era tema suficientemente polêmico para gerar opiniões de variadas tonalidades, formando um verdadeiro mosaico de ideias. Em entrevista à edição janeiro/ fevereiro de 1995, o economista e então professor da Unicamp, Luciano Coutinho, lembrou que no Brasil o mercado de médio e longo prazo sempre foi dependente do Estado. Para ele, a reforma deveria buscar uma melhor coordenação entre o público e o privado, o que estávamos ainda longe de alcançar. Isso ocorria porque o mercado privado não estava disposto a correr risco de longo prazo, uma vez que a taxa de retorno dos títulos de curto prazo era bastante alta, devido às elevadas taxas de juros. O posicionamento de Coutinho não era simplesmente favorável à presença do Estado no SFN: “obviamente não estou querendo, com isso, colocar-me contra o sistema financeiro. Apenas estou tentando dizer que é preciso avançar ainda muito, e que esse avanço requer a presença do setor público, não de maneira tradicional”. “Imagine-se o absurdo que seria propor a privatização do BNDES...” Roberto Saturnino Braga concordava. Na edição março/abril de 1995, o ex-senador defendeu que o Estado tinha papel fundamental no processo de desenvolvimento econômico, e parte importante desse papel era a intermediação financeira – “o financiamento desenvolvimentista é a prioridade número um, junto com a educação”. Saturnino argumentou que o SFN era o aparelho circulatório da economia, o sistema de irrigação de todo o desenvolvimento. Para ele, as IFDs sofreram sobremaneira com a onda liberalizante e as instituições que sobraram acabaram se desviando de suas funções principais. Era preciso manter fortes agências estatais, por meio das quais o poder público recobrasse o controle sobre o sistema, de forma estratégica. Para a Rumos, o destino das IFDs com vocação regional era tema particularmente sensível. Ao abordar a questão, Saturnino Braga ressaltava sua importância para projetos em âmbito local, com menor envergadura. Coutinho aprofundava o argumento, afirmando que a relevância dos bancos comerciais estaduais refletia sua capacidade de alavancar sinergias locais, identificando polos de desenvolvimento e de aglomeração de determinadas vocações industriais e de serviços. Para ambos, as reformas pretendidas deveriam buscar boas práticas administrativas, que garantissem eficiência e sustentabilidade às IFDs regionais. Mas o ideal seria restaurá-las, não extingui-las. Na mesma edição, João Alberto Capiberibe, então
É economista, formado pela Universidade de Campinas, e mestrando pela mesma instituição. Atua como técnico da Gerência de Estudos Econômicos da ABDE.
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ARTIGO
Cooperativismo e desenvolvimento socioeconômico “O cooperativismo, dada a multifuncionalidade que o caracteriza, tem abertas todas as possibilidades de criar bem-estar em qualquer atividade econômica, social, cultural etc., desde que mantenha independência em relação ao Estado e a outras doutrinas ou instituições eventualmente conflitantes com os seus valores e princípios” (Roberto Rodrigues, Revista Saber Cooperar, edição especial OCB 45 anos).
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ÊNIO MEINEN Advogado, pós-graduado em direito e em gestão estratégica de pessoas. É diretor de operações do Banco Cooperativo do Brasil (Bancoob). Divulgação
As organizações de natureza cooperativa são as únicas iniciativas socioeconômicas alicerçadas em doutrina de aplicação universal, baseada em valores e princípios cujas diretrizes convergem para a edificação de um mundo mais equitativo ( justo) e inclusivo. Nesse modelo empresarial, que se origina de uma necessidade da sociedade, o ser humano é o centro das atenções, enquanto o capital é mero insumo para a construção de soluções de uso compartilhado entre os donos do empreendimento coletivo. Os resultados, orientados pelo equilíbrio e pela isonomia, são de cada um na proporção de seu esforço e de sua fidelidade à organização. Em síntese, nesse formato não se cogita a transferência de renda ou riqueza do menos para o mais favorecido, uma vez que inexiste separação – o antagonismo clássico – entre dono do negócio/do capital (empresário) e cliente (consumidor). Têm-se, numa mesma pessoa, proprietário e usuário. Por isso, não se fala em “lucro”. Todos, enfim, como empreendedores cooperativos, prosperam segundo a intensidade de sua cooperação ou de seu trabalho. Diante de sua inserção comunitária, uma vez que as cooperativas são empresas do lugar, de proximidade, o cooperativismo está naturalmente vocacionado para fazer o bem nos locais em que está estabelecido, rigorosamente em linha com o 7º princípio universal do movimento (“interesse pela comunidade”). Há, pois, uma preocupação de gerar progresso conforme a aptidão das populações e de acordo com o potencial econômico da região assistida (a cooperativa atua como braço econômico do núcleo social), compromisso que leva à melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos lá fixados, associados ou não. Ou seja, o fato de a cooperativa impulsionar o
desenvolvimento local e de assegurar o reinvestimento dos recursos nas comunidades de origem, criando um círculo virtuoso, leva à geração de novos empregos, ao aumento do consumo e, por via da elevação das receitas tributárias, amplia a capacidade de investimento em saúde e na educação das populações residentes. Nesse sentido, levantamento conduzido pela Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB (www.ocb.org. br), tendo como referência dados divulgados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), autoriza a concluir que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) apresenta melhores resultados em municípios nos quais o cooperativismo se faz presente. Em projeção nacional, os estudos indicam um IDH médio de 0,701 para o conjunto de municípios atendidos por cooperativas e de 0,666 para os não servidos (a referência é 1 – quanto mais alto, melhor). As cooperativas lideram, ainda, inúmeras iniciativas de caráter sociocultural. É até mesmo difícil imaginar um evento cultural, um encontro esportivo ou uma mobilização para arrecadar fundos com propósitos humanitários, sem o engajamento de associados, dirigentes e colaboradores de alguma cooperativa presente nessas comunidades. E o apoio jamais se limita à simples entrega de fundos financeiros. Na maioria das vezes, a própria organização é confiada aos representantes das cooperativas. Em síntese, como uma empresa, a cooperativa caracteriza-se por aliar diretamente, na mesma organização, dois aspectos fundamentais do desenvolvimento sustentável: a racionalidade econômica e o sentido da solidariedade social.
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Um ideólogo do desenvolvimento e da industrialização. Assim foi definido o industrial e intelectual brasileiro Roberto Simonsen, figura decisiva para o processo de desenvolvimento brasileiro nas primeiras décadas do século XX, durante o lançamento da biografia que conta a sua história. O evento, organizado pela Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE) e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), reuniu economistas, cientistas sociais e público diverso para debater a obra e o legado do industrial, à luz do livro Roberto Simonsen – Prelúdio à Indústria, de Luiz Cesar Faro e Mônica Sinelli. Com 303 páginas e prefaciado pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o livro conta a trajetória de Simonsen desde estudos como aluno da Escola Politécnica de São Paulo, até chegar à posição de principal líder empresarial do Brasil, já na década de 1930. Tendo passado por setores diversos, como construção civil, mineração, bancário e frigorífico, além de dirigir instituições de ponta e órgãos governamentais, o biografado foi uma figura influente no governo de Getúlio Vargas e transformou-se – caso raro – em sinônimo de, simultaneamente, “capitão de indústria e intelectual de proa”, como definem os autores do livro. Para a economista Vera Cepêda, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que defendeu sua tese de doutorado sobre o personagem, Simonsen inaugura a tradição da economia política no Brasil. Ela destacou a inovação contida no pensamento do biografado e seu papel de criador das instituições modernas da economia brasileira, como o Sistema S, a Escola Livre de Sociologia e Política da Universidade de São Paulo (USP) e a Federação das Indústrias. “É impossível entender o processo de industrialização do país 42
sem considerar a presença de Simonsen. Não só por sua teoria, mas também pela experiência histórica, em que ele foi protagonista de processos muito importantes para o desenvolvimento do Brasil”, afirmou a economista. Presidente do Centro Internacional Celso Furtado, o ex-senador Saturnino Braga lembrou que Simonsen foi precursor ao enfrentar a ideia dominante em sua época de que o desenvolvimento brasileiro se daria com base no setor agrícola. Mesmo originário dos setores agrícolas, ele foi um dos grandes formuladores das direções que o Brasil deveria tomar, via industrialização, e influenciou toda uma geração de economistas, políticos e intelectuais. “Por isso, vim prestar minha homenagem a uma figura de dimensão tão grande para o país”, disse o ex-senador. Na mesma linha, o economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, afirmou que a leitura do livro lhe deu “alegrias intelectuais”, por relembrar de um autor que compreendeu que a economia não deve ser lida separadamente, mas sim em permanente diálogo com outros saberes, principalmente a história. Para ele, o livro será extremamente importante às novas gerações, para ajudar o Brasil a sair da crise em que se encontra. “Hoje vivemos uma crise política, ancorada em uma crise econômica, mas sou otimista: no interior dessa crise está sendo gerado um novo protagonismo. É para esta nova geração, sobretudo, que o livro será útil, pois Simonsen é um personagem que pode nos ajudar a pôr novamente em discussão o desenvolvimento das forças produtivas brasileiras”, avaliou Lessa. A importância de resgatar esse legado foi destacada pelo secretário-executivo da ABDE, Marco Antonio Lima, que no encerramento do evento recordou que todas as questões fundamentais sobre as quais são realizadas os debates econômicos hoje, estão contempladas na trajetória concreta e intelectual do personagem. “Estamos em um momento em que precisamos, urgentemente, discutir o desenvolvimento e fazer com que o país volte a trilhar por essa rota. Simonsen pode nos inspirar”, finalizou.
DDIVULGAÇÃO/ BNDES
RECUPERAR O LEGADO
Os autores do livro durante o lançamento.
Roberto Simonsen – Prelúdio à Indústria. Luiz Cesar Faro e Mônica Sinelli. Insight, 303 p., 2016. MARÇO | ABRIL 2016
A HISTÓRIA DA DÍVIDA
Dívida: os primeiros 5.000 anos David Graeber Três Estrelas, 704 p., 2016.
Escrito pelo antropólogo americano David Graeber, o livro Dívida: os primeiros 5.000 anos apresenta em nova perspectiva a história da dívida e do crédito, bem como da origem do dinheiro. A obra, que vem sendo considerada uma das mais importantes de história e antropologia econômicas dos últimos tempos, ganhou edição brasileira no início de 2016, pela editora Três Estrelas, com tradução de Rogério Bettoni. A análise de Graeber, autor de outros seis livros ainda não traduzidos para o português, questiona alguns dos mitos dos estudos econômicos, como o de que o dinheiro teria sido inventado para substituir o escambo. O antropólogo demonstra que, antes mesmo da criação da moeda, existiram civilizações que lidaram com elaborados siste-
mas de endividamento e comércio. O aparecimento do dinheiro, defende o autor, trouxe graves consequências para as sociedades, e a dívida, antes ligada à reciprocidade e à troca de favores, tornou-se um instrumento de escravização, dominação e guerra. O professor de antropologia na London School of Economics e doutor pela Universidade de Chicago, que teve participação destacada no movimento Occupy Wall Street, em 2011, foi eleito uma das personalidades do ano pela revista Time. Graeber apresenta em mais de setecentas páginas uma fascinante história da civilização, com ênfase na dimensão social das relações econômicas e na crítica radical ao modo como o capitalismo, por meio do endividamento, é capaz de produzir controle e destruição.
MARKETING NA REDE
#Socialholic – Tudo o que você precisa saber sobre marketing nas mídias sociais Fernando Polo e Juan Luis Polo Senac, 398 p., 2016. RUMOS
As redes sociais transformaram substancialmente a forma como as pessoas se comunicam neste novo século. Essas transformações, em escala global e cada vez mais abrangente, afetam, também, a maneira como a indústria e os serviços são solicitados e avaliados por seus consumidores e pela sociedade em geral. Composto por quatro partes, que tratam de uma nova era do atendimento ao cliente, da empresa enquanto meio de comunicação e da importância da inovação nas redes, entre outros temas, o livro mostra como as organizações estão utilizando as plataformas digitais para escutar o público e superar suas expectativas. Com a explosão de aplicativos que facilitam a identificação da oferta e a comparação de preços de diferentes forne-
cedores, e que permitem a postagem de opiniões de clientes sobre sua satisfação ou frustração ao consumir um artigo, as empresas enxergaram a necessidade de, também elas, lançarem suas próprias plataformas. As redes sociais ganharam uma dimensão jamais vista nas relações entre consumidores, clientes e seus fornecedores e a obra aponta os caminhos futuros para essa nova relação. Os autores, Fernando Polo e Juan Luis Polo, possuem grande experiência em Marketing 2.0 e são sócios na agência de consultoria Territorio Creativo, especializada em transformação digital, com presença em quatro países: Espanha, Inglaterra, Colômbia e México. Os irmãos também são professores em diversas escolas de negócios e palestrantes em congressos. 43
Arnaldo Alves/ANPr
FOMENTO
MT FOMENTO CRIA LINHA DE CRÉDITO PARA CAMELÔS A Agência de Fomento de Mato Grosso (MT Fomento) vai desenvolver uma linha de crédito específica para o segmento dos camelôs, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Industrial e Comercial (Fundeic). A previsão é de que a linha de crédito seja apresentada ao setor ainda neste mês. A ação faz parte dos eixos centrais que serão trabalhados pelo governo do estado para fomentar a atividade. A definição ocorreu durante reunião realizada entre o secretário de Desenvolvimento Econômico (Sedec), Seneri Paludo, o presidente da Associação dos Camelôs do Shopping Popular, Misael Galvão, o presidente da MT Fomento, Mário Milton Ferreira Mendes, e a equipe técnica da agência.
BB LIBERA CRÉDITO PARA EMPREENDEDORES SEM CONTA BANCÁRIA O Banco do Brasil lança um serviço inovador para liberação de recursos de Microcrédito Produtivo Orientado (MPO): o Conta Fácil MPO. A solução busca atender empreendedores não bancarizados, oferecendo uma forma simplificada e ágil para obtenção de crédito. Por meio de conta cartão pré-paga, operada diretamente pelo celular, o empreendedor pode acessar o crédito, sem necessidade de abrir uma conta corrente. “O Banco do Brasil, ao oferecer a inovadora solução do Conta Fácil MPO, busca simplificar e ampliar o acesso ao crédito, que conta com orientação financeira no local do empreendimento por agentes capacitados, favorecendo a educação financeira do empreendedor e a obtenção do crédito conforme as necessidades e condições de seu empreendimento”, afirma Osmar Dias, vice-presidente de Agronegócios e Micro e Pequenas Empresas do Banco do Brasil. A expectativa é liberar 30 mil operações de MPO, via Movera, ao longo do ano, totalizando R$ 63 milhões, sendo 30% desse montante por meio do BB Conta Fácil MPO. 44
GOIÁSFOMENTO OFERECE CURSO SOBRE PLANO DE NEGÓCIOS Os tomadores do crédito produtivo junto à Agência de Fomento de Goiás (GoiásFomento) passam a receber capacitação para que os empréstimos atinjam seus objetivos junto aos setores do empreendedorismo a que se destinam. O crédito foi disponibilizado pelo governo de Goiás por meio da Superintendência de Micro e Pequenas Empresas, e tem a GoiásFomento como agente financeiro. O recurso poderá ser realizado em 600 mil operações com valor médio de R$ 1,4 mil e manter perto de 125 mil postos de trabalho. O curso, desenvolvido juntamente com o Serviço Nacional das Micro e Pequenas Empresas de Goiás (Sebrae-GO), ensina técnicas de planejamento empresarial e de mercado, que servirão de apoio na gestão da empresa ou empreendimento. Os recursos, oriundos do programa Produzir, financiam valores de até R$ 30 mil, em até 36 meses, através do agente financeiro GoiásFomento, a juros subsidiados pelo governo do estado de 0,8% ao mês, que totalizam 9,6% ao ano. São quatro edições oferecidas do curso, nas cidades de Goiânia, Ipameri, Silvânia e Acreúna. MARÇO | ABRIL 2016
SXC
CAIXA ASSINA CONTRATO DE R$ 550 MILHÕES PARA A DUPLICAÇÃO DA BR-050 A Caixa irá liberar R$ 550 milhões para obras de duplicação e manutenção da BR-050 entre Cristalina (GO) e Delta (MG), na divisa entre Minas Gerais e São Paulo. Pelo trecho sob concessão da MGO Rodovias circula uma média diária de 55 mil veículos. O contrato de financiamento é o primeiro do banco dentro da primeira fase do Programa de Investimentos em Logística (PIL), que construiu cinco mil quilômetros de rodovias entre maio de 2014 e setembro de 2015. A segunda etapa, lançada em junho do ano passado, prevê investimentos de R$ 69 bilhões em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos até 2018.“É um momento muito importante para a Caixa e para o governo federal, que dinamizam o seu investimento. Estamos falando em R$ 550 milhões que vão ajudar a desenvolver os estados de Goiás e Minas Gerais”, afirmou o vice-presidente de governo da Caixa, Paulo José Galli.
Responsável por mais da metade da produção científica brasileira, São Paulo é berço das empresas mais inovadoras do país. Aproveitando toda essa matéria-prima, a Agência de Desenvolvimento Paulista (Desenvolve SP) lançou a websérie “Caminhos da Inovação”. São histórias de empreendedores visionários que transformaram suas ideias em negócios inspiradores. Dividida em sete capítulos, a websérie será apresentada toda sexta-feira pela especialista em inovação Martha Gabriel e revelará como essas empresas foram capazes de impactar positivamente a sociedade ao transformar conhecimento em riqueza e desenvolvimento. “Todos têm uma história para contar, e as mais interessantes são contadas pelos visionários, aqueles que enxergam as oportunidades”, diz Martha. Toda semana tem uma nova história de empreendedores de sucesso. Os episódios estão disponíveis no site www.caminhosdainovacao.com.br. RUMOS
JUROS DO FNO SÃO REDUZIDOS PARA SETOR NÃO RURAL O Banco Central, por meio da Resolução nº 4.470, do Conselho Monetário Nacional (CMN) de março deste ano, definiu os encargos financeiros e o bônus de adimplência a quem pagar em dia as operações contratadas com recursos dos Fundos Constitucionais de Financiamento para projetos do setor não rural. O benefício alcançará quem realizar contratações até 31 de dezembro de 2016. A medida beneficiará os tomadores do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), principal crédito de fomento da região, administrado pelo Banco da Amazônia em todo o Norte do país. “É uma redução bastante significativa. A decisão do governo contribuirá para a estabilização e recuperação da economia, através do estímulo ao crédito. Com taxas de juros reduzidas, mais projetos tornam-se viáveis, promovendo uma cadeia de desenvolvimento, através da geração mais empregos e renda”, explica Roberto Batista Schwartz (foto), gerente de Planejamento, Políticas e Normas de Crédito do Banco da Amazônia, instituição que nos últimos cinco anos investiu R$ 11,9 bilhões em créditos de fomento direcionados ao setor não rural. 45
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Cultura Transferi minha residênsia para Santos (São Paulo) e gostaria de voltar a receber a revista, cujo conteudo é sempre um banho de cultura. Consulto tambem se posso receber edições/ números dos últimos dois anos, pois estive afastado e não recebia a revista em minha moradia em Maceió. O. Carvalho Números Anteriores Recebemos periodicamente o título Rumos, porém verificamos que não recebemos os seguintes números a partir de abril de 2014 e as demais até a data de hoje. Solicitamos que, por gentileza, e se possível nos sejam enviados os números faltantes, pois este Título é de suma importância para o enriquecimento de nosso acervo. Ivonete Almeida Serafim Duran. Associação Prudentina de Educação e Cultura (APEC) Presidente Prudente (SP).
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Conselho Editorial Milton Luiz de Melo Santos, João Paulo dos Reis Velloso, Maurício Borges Lemos e Thais Sena Schettino. Publicação bimestral ISSN 1415-4722 Ano 40 - nº 286
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