Farmácia Portuguesa 203

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P U B L I C A Ç Ã O t r i m e s t r al • 2 0 3 • j U L / A G O / SET ‘ 1 3

FARMÁCIA PORTUGUESA

geriatria

como dar vida aos anos

entrevista

reuniões profissionais

ANF

henrique martins: Desmaterialização da receita médica

CONGRESSO FIP 2013: Trabalhar já o futuro da profissão

Difarma 3.0: O Retorno a uma receita de sucesso


2


ÍNDICE

04 05 06 10

última Hora Last Minute

editorial

20

40

geriatria

Como dar vida aos anos? Geriatrics How to give life to the years?

11.º Congresso Nacional das Farmácias 11st National Pharmacy Congress

22

Congresso FIP 2013 FIP Congress 2013

48

noticiário News

anf

Difarma

entrevista

17 28

João Gorjão Clara: «Envelhecer não é sinónimo de adoecer!» João Gorjão Clara: « Ageing is not synonymous for illness! »

52

em foco

54

Envelhecimento ativo Active aging

56

Diretora \ Dr.ª Maria da Luz Sequeira

Coordenadora do Projeto Dr.ª Maria João Toscano Coordenadora Redatorial Dr.ª Rosário Lourenço Email: rosario.lourenco@anf.pt

58

Assinaturas

Consultora Comercial Sónia Coutinho soniacoutinho@newsengage.pt Tel.: 961 504 580

1 Ano (4 edições) - 50,00 euros Estudantes de Farmácia - 27,50 euros

ProDUÇÃO

Contactos Telef.: 21 340 06 50 Fax: 21 340 06 74 Email: anf@anf.pt

conselho editorial \ Dr. Nuno Vasco Lopes Dr.ª Filipa Duarte-Ramos \ Dr. Duarte Santos

Periodicidade: Trimestral Tiragem: 3 000 exemplares

Distribuição gratuita aos associados da ANF Edifício Lisboa Oriente Av. Infante D. Henrique, 333 H, 37 1800-282 Lisboa Tel.: 218 504 060 - Fax: 210 435 935

POLÍTICA PROFISSIONAL

CONSULTORIA JURÍDICA

CONSULTORIA FISCAL

Comprovação das despesas Proof of expenditure

Gestão geracional Generational management

Propriedade

Henrique Martins: Desmaterialização da receita médica Henrique Martins: Dematerialization of prescription

Alterações ao Regime de Proteção Social Amendments to Rules of Social Protection

conversa com...

consultoria de gestão

entrevista

Campanha vacinação 2013 Vaccination campaign 2013

38 João Goulão: Retrocesso nas políticas comporta riscos efetivos João Goulão: Backward policies involves risks

REUNIÕES PROFISSIONAIS

Impressão e acabamento RPO - Produção Gráfica, Lda.

entre nós Between us

Depósito Legal n.º 3278/83 Isento de registo na ERC ao abrigo do artigo 9.º da Lei de Imprensa n.º 2/99, de 13 de Janeiro Distribuição

FARMÁCIA PORTUGUESA é uma publicação da Associação Nacional das Farmácias Rua Marechal Saldanha, 1, 1249-069 Lisboa

www.anf.pt

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última hora Prescrição e dispensa por DCI

Poupança de 553 milhões de euros em 15 meses Quinhentos e cinquenta e três milhões de euros é quanto o Estado e os doentes já pouparam desde que, em junho do ano passado, entrou em vigor a prescrição e dispensa por DCI. Porém, a este valor poderiam ter acrescido mais 180,1 milhões de euros, não obstante as dificuldades sentidas pelas farmácias na disponibilização de medicamentos. A possibilidade de optar por um medicamento genérico em detrimento de um de marca permitiu que, só em 2013 (dados Cefar, de janeiro a agosto), se tivessem poupado 303,2 milhões de euros, valor, todavia, abaixo do potencial de mercado, que aponta para uma oportunidade perdida de economizar mais 100,4 milhões de euros no mesmo período. Estes resultados traduzem um trabalho estreito e conjunto entre doentes, farmácias, farmacêuticos e médicos, que tem contribuído para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e para a garantia do acesso da população aos medicamentos, apesar das contrariedades

sentidas pelas farmácias na disponibilização de muitos fármacos, quer por razões associadas à sua situação económica quer por dificuldades no circuito de distribuição. A análise do Cefar ao comportamento do mercado indica ainda que, no período correspondente à primeira quinzena de setembro, as farmácias não conseguiram adquirir 2.329.168 embalagens de medicamentos, relativamente a 8.970 apresentações. De notar que o TOP 20 dos medicamentos cujas dificuldades de aquisição foram mais reportadas compreende tanto produtos de marca como genéricos. No que diz respeito em exclusivo a estes

últimos, as farmácias não conseguiram adquirir 487.663 embalagens de medicamentos, relativamente a 4.822 apresentações. Do TOP 20 dos medicamentos genéricos cujas dificuldades de aquisição foram mais reportadas (Ver quadro), 60% tem um dos cinco preços mais baratos. Assinale-se, também, a verificação de que não foram fornecidas pela indústria ao mercado 2.829 apresentações de medicamentos genéricos em grupo homogéneo, ou seja, 40%. Destas, 1.534 (54,2%) encontravam-se entre os medicamentos com os cinco preços mais baixos, em cada grupo homogéneo.

TOP 20 DOS MEDICAMENTOS GENÉRICOS EM FALTA Embalagens em falta

PVP (€)

% de farmácias com faltas

Levotiroxina sódica Ratiopharm MG, 100 mcg x 60 comp

21.561

2,85

57,9

Bisoprolol Aurobindo MG, 5 mg x 28 comp revest

16.409

2,08

41,3

Levotiroxina sódica Ratiopharm MG, 25 mcg x 60 comp

10.641

3,18

35,1

Trazodona Generis MG, 100 mg x 60 comp

10.098

8,23

42,8

Levotiroxina sódica Ratiopharm MG, 50 mcg x 60 comp

8.071

3,38

32,4

Bisoprolol Generis MG, 5 mg x 60 comp revest

7.586

5,68

26,0

Trazodona Mepha MG, 100 mg x 60 comp

7.087

8,23

29,3

Rabeprazol Bravet MG, 20 mg x 60 comp gastrorresistente

6.388

15,00

24,6

Buprenorfina Azevedos MG, 8 mg x 7 comp sl

5.165

10,87

18,9

Ebastina Generis 10 mg Comprimidos Revestidos MG, 10 mg x 20 comp revest

5.117

4,18

20,3

Sertralina Ratiopharm MG, 50 mg x 60 comp revest

4.924

6,15

17,9

Bisoprolol Aurobindo MG, 2,5 mg x 60 comp revest

4.908

5,02

24,7

Cefixima Labesfal 400 mg Comprimidos Revestidos MG, 400 mg x 8 comp revest

4.861

8,33

17,8

Tomim MG, 325/37,5 mg x 20 comp revest

4.636

3,41

12,7

Trazodona Mepha MG, 150 mg x 60 comp

4.513

8,30

20,2

Sinvastatina Ratiopharm MG, 10 mg x 60 comp revest

4.434

4,97

19,0

Atorvastatina Sandoz MG, 10 mg x 56 comp revest

4.351

9,46

16,6

Mirtazapina Alter 15 mg Comp Orodispersíveis MG, 15 mg x 60 comp orodisp

4.334

11,72

21,9

Indapamida Sandoz MG, 1,5 mg x 30 comp lib prol

4.268

4,75

11,6

Nebivolol Mepha MG, 5 mg x 28 comp

4.105

3,42

13,4

Nome comercial

Fonte: Cefar


EDITORIAL

Nobres exemplos Sendo a classe farmacêutica eminentemente feminina, foram precisos cem anos, mais um, para que uma mulher lograsse alcançar um lugar de topo no Board of Pharmaceutical Practice da FIP. O facto enche-nos, claro, de orgulho, tanto mais por se tratar de uma colega portuguesa que acresce ser a mais jovem entre os restantes membros, sinal inequívoco da sua competência e, atrevo-me a considerar, reflexo da qualidade de todo o nosso setor. Contudo, não posso deixar de me questionar acerca dos motivos que levam a que as farmacêuticas continuem arredadas dos papéis de destaque e decisores da sua profissão. Estando, desde logo e de um modo geral, afastadas quaisquer dúvidas quanto à sua capacidade, será falta de oportunidade, simples desinteresse ou tabus da nossa sociedade? Até que seja encontrada uma resposta, vamo-nos regozijando com os nossos nobres exemplos, como são os casos agora de Ema Paulino, na FIP; de Matilde Castro, diretora da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, instituição que acaba de receber da Ordem dos Farmacêuticos a sua Medalha

de Honra; ou da nossa sempre querida Prof.ª Odette Ferreira, que ainda há bem pouco tempo juntou ao seu já vasto e distintíssimo palmarés o Prémio Nacional de Saúde 2012. Aproveito também este editorial para subscrever inteiramente as palavras do Sr. Bastonário Maurício Barbosa na atribuição da outra Medalha de Honra da Ordem dos Farmacêuticos ao colega João Silveira, atual Presidente da Mesa da Assembleia da nossa Associação. O seu mérito é, efetivamente, elevado, assim como tem sido inquestionavelmente extraordinário o seu contributo para a valorização da atividade farmacêutica. Exemplo disso foi a sua direta responsabilidade na criação, há mais de trinta anos, de uma iniciativa que a Direção da ANF resolveu agora reativar: os Encontros Difarma. O balanço desta primeira edição Difarma em formato 3.0 é muito positivo e esperamos que, à semelhança do que foi a fulcral importância estrutural que este evento teve para o desenvolvimento do nosso setor nos anos 80, possa, igualmente, em 2013, apontar caminhos para um novo e mais próspero ciclo da Farmácia em Portugal.

Maria da Luz Sequeira 5


noticiário Candidaturas abertas até 31 de outubro

Prémio Inovação Bluepharma / Universidade de Coimbra A Bluepharma e a Universidade de Coimbra criaram o Prémio Inovação Bluepharma / Universidade de Coimbra 2013, um prémio internacional que distingue os melhores projetos científicos desenvolvidos na área das Ciências da Saúde. Os trabalhos devem ser submetidos por equipas de investigação e ter sido realizados total ou parcialmente em instituições portuguesas.

São critérios de avaliação, entre outros, o mérito, a originalidade, a inovação e o contributo dos projetos científicos com elevado potencial de transformação em produtos ou serviços com real interesse para a sociedade. Os trabalhos a concurso devem ser submetidos até ao dia 31 de outubro de 2013, através de formulário disponível em www. bluepharma.pt/innovationaward ou no site da UC.

Plano de Incentivo & Crescimento “Programa Farmácias Portuguesas”

Farmácias Premiadas Terminado o período de avaliação do quarto e último trimestre do Plano de Incentivo & Crescimento “Programa Farmácias Portuguesas”, que decorreu entre abril e junho últimos, dedicado ao crescimento da frequência de visita mensal por cliente, chega a altura de premiar as equipas e as farmácias que mais se destacaram. Relembramos que são premiadas as cinco farmácias com maior crescimento apresentado nas regiões Norte e Centro vs. o trimestre homólogo, e as cinco farmácias com maior crescimento nas regiões Sul e Ilhas vs.

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o trimestre homólogo. De igual forma, foram identificadas as três farmácias vencedoras do Prémio Excelência, por terem atingido, no trimestre em causa, o maior valor de compra média por cliente. Assim, congratulamos os seguintes vencedores: NORTE/CENTRO • Farmácia Central - Guarda • Farmácia Teixeira - Aveiro • Farmácia Espinho PetrucciViseu • Farmácia Costa - Viseu • Farmácia do Alva - Guarda

SUL/ILHAS • Farmácia Jaime de Matos Lisboa • Farmácia Jardim - Portalegre • Farmácia Bastos de Andrade - Lisboa • Farmácia Lopes - Santarém • Farmácia D’Aldeia - Santarém PRÉMIO EXCELÊNCIA • Farmácia Jaime de Matos Lisboa • Farmácia Costa - Viseu • Farmácia Lopes - Santarém


NOTICIÁRIO

Prescrição com denominação comercial

Governo questionado sobre exceções que impedem a substituição do medicamento

O grupo parlamentar do PCP apresentou uma pergunta escrita ao Ministério da Saúde sobre a «aplicação da prescrição por denominação comum internacional, segundo a Lei n.º 11/2012, de 8 de Março». Segundo as deputadas Paula Santos e Carla Cruz, têm chegado ao grupo parlamentar do PCP informações de que algumas das três exceções que impedem a substituição do

medicamento prescrito com denominação comercial estarão a ser «aplicadas de forma desajustada». Segundo as autoras da pergunta, um dos exemplos comuns é excecionar ao abrigo da continuidade de tratamento superior a 28 dias, mas prescrevendo um medicamento com 16 ou 20 unidades. Assim, o PCP questiona o Governo sobre a avaliação que faz da aplicação da Lei n.º 11/2012 e se esta corresponde aos objetivos estabelecidos, nomeadamente no que respeita ao mercado de genéricos. Pergunta, ainda, que ações de fiscalização têm sido desenvolvidas para garantir o cumprimento daquela lei e quais os resultados obtidos. Por fim, pergunta que situações de incumprimento da lei foram identificadas e quais as medidas adotadas para assegurar o cumprimento da lei.

Edição em Lisboa e Porto - Incrições Abertas

Programa Avançado para Técnicos Auxiliares de Farmácia Terão início a 4 novembro, em Lisboa, e a 11 de novembro, no Porto, novas edições do Programa Avançado para Técnicos Auxiliares de Farmácia, cuja finalidade é formar pessoal devidamente habilitado a integrar o quadro não farmacêutico das farmácias . A formação, desenvolvida pela Escola de Pós-graduação em

INCP Prof. Fernando de Pádua

Cartão Coração Mais O Instituto Nacional de Cardiologia Preventiva (INCP) Prof. Fernando de Pádua disponibiliza um cartão de saúde para todos os seus doentes, que permite o acesso a uma redução até 50% da tabela dos serviços prestados no INCP. A subscrição do cartão é feita mediante o pagamento de 10€ anuais e a utilização é imediata, sem limite de idade e de atos clínicos utilizados. Os serviços incluídos vão desde consultas de cardiologia, clínica geral, medicina interna, hipertensão, etc., a exames complementares de diagnóstico, tais como, electrocardiogramas, ecocardiogramas, prova de esforço e ECG de 24 horas, ou registo de tensão arterial de 24h e, ainda, esclarecimentos por e-mail (sos. prevencaoesaude@incp.pt) sobre prevenção e saúde, promoção da saúde e apoio à cessação tabágica, entre outros. O cartão Coração Mais é pessoal e intransmissível, sendo os dados constantes do cartão confidenciais. Para mais informações, consulte o site www.incp.pt ou contacte o INCP pelo telefone 217220560.

Saúde e Gestão, aborda as várias temáticas relacionadas com a Farmácia, tem a duração de 16 semanas (594 horas) e decorre em regime de alternância da componente teórica presencial com a componente teórico-prática em Farmácia. Para mais informações, consulte o site da Escola (www.escolasaudegestao.pt). 7


NOTICIÁRIO Dia do Farmacêutico 2013

"A profissão pode e deve dar mais" Tal como todos os anos, a Ordem dos Farmacêuticos (OF) voltou a dedicar uma semana de celebração em torno da efeméride que se assinala no dia 26 de setembro, o Dia do Farmacêutico. Presente na Sessão Solene das comemorações, o ministro da Saúde resolveu aproveitar o seu discurso para um “puxão de orelhas” aos resistentes à DCI. O programa, subordinado ao tema “Farmacêutico: Por si, onde mais precisa”, foi desta feita desenvolvido pela Secção Regional de Lisboa, culminando numa Sessão Solene no próprio dia de S. Cosme e S. Damião, no Salão Nobre da Associação Comercial de Lisboa, a qual teve como conferencista convidado o Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, e contou com intervenções do bastonário Maurício Barbosa e do ministro da Saúde, Paulo Macedo. O desperdício social No seu discurso, o bastonário da OF lembrou que os farmacêuticos são os profissionais de saúde mais próximos da população e que, nas diferentes áreas da sua intervenção, têm participado na primeira linha do desenvolvimento do sistema de saúde. «É inegável que a profissão tem uma importante quota-parte de responsabilidade em muitos dos sucessos alcançados», mas «todo o seu valioso e intangível capital profissional é muito superior à utilização 8

efetiva que a sociedade dele faz». Esse «desperdício social», como intitula, deriva de diversas ordens de razões, «como o enquadramento legal e a vontade política, que se impõe rever e alterar. Importa continuar a apostar e investir no reforço das competências legais do farmacêutico e no alargamento da sua intervenção no sistema de saúde», designadamente na participação efetiva «das farmácias e laboratórios de análises clínicas nos cuidados primários de saúde e no acompanhamento dos doentes crónicos, num quadro de gestão integrada da doença e, em particular, de gestão da terapêutica». Maurício Barbosa voltou a focar a questão da crise, que se «revela complexa e persistente», e tem afetado «de modo grave e particularmente preocupante» os operadores, alertando que apesar de algumas medidas estruturais implementadas pelo atual Governo, cujos resultados são ainda pouco visíveis, têm sido mantidas as condições propiciadoras da espiral deflacionista dos medicamentos. «O Governo tem

apresentado este quadro como um exemplo de sucesso das suas políticas, mas os efeitos colaterais não têm sido devidamente considerados», muito particularmente no caso das farmácias, que veem ameaçada a sua própria existência. Os recados do ministro Paulo Macedo começou por afirmar que a sua presença naquela ocasião era prova «do compromisso e empenho em dar público testemunho e visibilidade à intervenção fundamental» dos farmacêuticos no sistema de saúde, enfatizando depois que «o momento particularmente difícil que atravessamos coloca-nos a todos especiais exigências éticas e de solidariedade», resumidas no primado da proteção dos doentes e da saúde pública. Referindo-se à política do medicamento, repetiu que «defendemos objetivamente a preservação do acesso dos portugueses a medicamentos, gerando também significativas poupanças nos encargos privados», e que «estamos conscientes das dificuldades e dos ajustamentos


impostos às atividades do setor», e reafirmou os valores que suportam a tese de um maior acesso aos fármacos: «em 2012 venderam-se mais de 242 milhões de embalagens de medicamentos, com um aumento de 2,5% face a 2011; no mesmo ano os portugueses consumiram mais de 139 milhões de embalagens comparticipadas pelo SNS, um dos valores mais elevados dos últimos cinco anos; já em 2013, continua a aumentar o número total de embalagens de medicamentos vendidas, em especial os comparticipados pelo SNS; e continuam a ser dispensadas, todos os meses, mais de 6 milhões de receitas de medicamentos. Está por demonstrar a existência de uma, por vezes anunciada, falta generalizada medicamentos!». Para que se alcançassem estes resultados foram necessárias medidas exigentes, disse, destacando a prescrição e dispensa por DCI. Sobre esta acrescentou que parecem ainda fazer-se sentir «dificuldades e resistências na sua completa implementação», pelo que sublinhou o empenho do Ministério nesse sentido,

«exigindo-se a todos os envolvidos a assunção das suas responsabilidades: quer na prescrição quer na dispensa de medicamentos. Recordo, e repito, que o Ministério da Saúde será intransigente com qualquer intervenção que retire ou limite a oportunidade de uma poupança racional dos utentes decorrente da utilização dos medicamentos mais baratos que respondam à sua necessidade em saúde». As obrigações, avisou, «são claras e inequívocas: compete ao médico prescrever racionalmente atendendo exclusivamente às necessidades terapêuticas do doente e compete ao farmacêutico dispensar medicamentos, nomeadamente de entre os mais baratos, que cumpram a prescrição. Em nenhuma das responsabilidades de qualquer destes profissionais de saúde cabe uma exclusividade ou predomínio em relação à defesa dos interesses dos doentes. Ou seja, tal como não são aceitáveis exceções à prescrição por DCI que não correspondam a uma necessidade clínica, também não são aceitáveis situações em que ocorra uma dispensa de medicamentos mais

caros do que aqueles que decorreriam da aplicação da lei». Por fim, os recados de Paulo Macedo: «não pautamos as nossas intervenções por polémicas ou pseudopolémicas que em nada contribuem para o esclarecimento e confiança da população. O Ministério da Saúde não cede a pressões de qualquer dos parceiros ou atores do setor da saúde», o que significa que «não aceitamos que os preços baixos sejam argumento para retirada de medicamentos do mercado; não permitimos que a entrada de novos medicamentos seja norteada por campanhas mediáticas; não daremos cobertura a situações de conflito de interesses na advocacia do uso do medicamento; não aceitamos que se exija que o SNS suporte encargos com medicamentos sem olhar aos seus custos, ou sem que estes sejam sequer conhecidos; não toleramos que os legítimos interesses dos doentes sejam instrumentalizados por interesses corporativos à volta de um negócio em Portugal de mais de 3,5 mil milhões; e não assumiremos responsabilidades que não possamos cumprir».

Medalha de Honra da Ordem dos Farmacêuticos

João Silveira homenageado por mérito extraordinário

Este ano, a Ordem dos Farmacêuticos decidiu homenagear com a sua Medalha de Honra João Silveira, presidente da Mesa da Assembleia Geral da ANF, iniciativa justificada, nas palavras do bastonário, «pela grande dedicação à profissão farmacêutica, o elevado mérito amplamente reconhecido e o extraordinário contributo para a valorização da atividade farmacêutica em Portugal e para o prestígio da Ordem dos

Farmacêuticos, que constituem referências e exemplos para todos nós e, em particular, para os mais jovens». A mesma honraria foi atribuída a uma instituição, a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, na pessoa da sua diretora, Matilde Castro, «pela sua ação extraordinária na formação de várias gerações de farmacêuticos, com particular destaque e reconhecido mérito, e ainda por contribuir de modo extraordinário para a valorização e o progresso das Ciências Farmacêuticas e para a valorização da atividade farmacêutica no seio da sociedade e por se ter distinguido, de modo extraordinário, nacional e internacionalmente, na área da Saúde». Foram ainda, como habitualmente, distinguidos neste dia os colegas que este ano completam 50 anos de exercício profissional, bem como atribuído o Prémio Sociedade Farmacêutica Lusitana aos jovens farmacêuticos que concluíram a sua formação académica com as classificações mais elevadas das suas instituições. 9


ANF

Difarma 3.0 o retorno a uma receita de sucesso Situações difíceis exigem respostas à altura. Foi com essa convicção que a Direção da ANF reativou um modelo de trabalho usado no início da história da Associação e que tem provas dadas de sucesso, para, em conjunto com os associados, “Perspetivar o Novo Modelo de Farmácia”.

No fim de semana de 14 e 15 de setembro, o Hotel Golf Mar, no Vimeiro, experimentou um regresso ao passado. Trinta e três anos depois dos primeiros nas suas instalações – terceiros na ordem de realização -, os Encontros Difarma voltaram, agora com nova roupagem, novos temas, mas com a 10

mesma filosofia, o mesmo espírito, e até mesmo algumas mesmas personagens!

Iniciativa com memória A história desta iniciativa remonta ao início dos anos 80, altura em que na recém-criada ANF se

discutia qual o papel que a Farmácia poderia e deveria desempenhar enquanto parte do sistema de saúde nacional, e se debatia, internamente, o alargamento dos serviços a prestar aos associados, tendo então surgido no seu seio, mas com total autonomia da Direção, o Departamento


FARMÁCIA PORTUGUESA • 203 • jUL/AGO/SET‘13

de Divulgação e Informação Farmacêutica, vulgo Difarma. A missão do Difarma era pensar a Farmácia na sua componente profissional e, em consonância, dotá-la de ferramentas adequadas, pelo que as suas funções convergiam para a formação, informação técnica e científica, farmacovigilância e racionalização da gestão da farmácia. Foi da operacionalização destas funções que nasceram os Encontros, inspirados nas reuniões do Grupo de Farmacêuticos da Indústria, cujos elementos eram os chamados GRUFI’s e que se vinham reunindo desde os tardios anos 70, propondo-se a refletir sobre o papel do farmacêutico na Indústria à luz do que havia sido, nos Estados Unidos, a aprovação das Good Manufactoring Practices. Os aspetos metodológicos aplicados nas suas reuniões foram, à época, totalmente disruptivos, pressupondo uma intervenção ativa de todos os participantes, motivo pelo qual acabaram importados, com inegável sucesso, pelo Difarma para os Encontros e foram agora, passadas mais de três décadas, reativados. Importa acrescentar que a este modo de pensar a Farmácia se devem projetos como o CEDIME, a Formação Contínua, a informatização das farmácias, etc… que, como nos mostra a história do setor, foram não só estruturantes, mas

determinantes para a evolução e o sucesso profissional alcançados, e, estando o setor, em 2013, muito à semelhança do passado, confrontado com a imperiosa necessidade de se reposicionar na rede de cuidados de saúde, foi essa mesma força estruturante que a Direção da ANF pretendeu captar com a primeira edição da versão 3.0 destes Encontros, dedicada ao tema “Perspetivar o Novo Modelo de Farmácia”.

Metodologia de trabalho Manteve-se, portanto, a forma: arranque dos trabalhos com palestras subordinadas a um tema principal; posterior divisão de todos os participantes em dez grupos de trabalho, sendo atribuída a cada um destes um tema para debate, de um conjunto de cinco identificados: Modelo de Negócio, Cadeia de Abastecimento, Produtos e Serviços, Integração com Cuidados de Saúde Primários, Concorrência; e, por fim, apresentação das conclusões ao plenário, entretanto novamente reunido. Pelo meio, o convívio estreito entre colegas e respetivas famílias. Brainstorming e Team Building, inglesismos bem a calhar para descrever, em suma, o Difarma! A manhã do dia 14 arrancou, assim, com uma viagem por diferentes modelos internacionais de Farmácia,

designadamente dos Estados Unidos da América, do Reino Unido, da Suíça, da Holanda e da Austrália, para, à tarde, se reunirem os grupos de trabalho em torno de diferentes temas. Nesta primeira edição, houve quem se dedicasse a perspetivar diferentes modelos de negócio, quem analisasse a cadeia de abastecimento, quem se focasse em novos produtos e serviços, quem pensasse na integração nos cuidados de saúde primários e quem ponderasse sobre a futura concorrência. A cada grupo coube a responsabilidade de preparar uma apresentação com as suas conclusões, as quais foram partilhadas, na manhã seguinte, com todos os colegas.

A Direção da ANF pretendeu captar com a primeira edição da versão 3.0 destes Encontros, dedicada ao tema “Perspetivar o Novo Modelo de Farmácia", a mesma força estruturante do passado. 11


ANF

Da Suíça, as seguradoras Marcel Mesnil, secretário-geral da PharmaSuisse, associação de farmacêuticos suíços, partilhou no Vimeiro a forma como se encontra organizado o mercado helvético, que descreveu como «tão livre como o americano, onde há cantões, por exemplo, em que os médicos prescrevem e dispensam os medicamentos, mas com um sistema de segurança social muito europeu: todos os cidadãos têm de estar, obrigatoriamente, cobertos por um seguro de saúde». As farmácias têm procurado ficar independentes do preço dos medicamentos, tendo um sistema de remuneração misto, de fee mais margem, e trabalham para se posicionar como prestadoras de serviços, apostando nos valores da competência e qualidade. Mesnil trouxe também para o Vimeiro a experiência que decorre neste momento no programa Netcare, e tem uma característica interessante no que concerne à remuneração da farmácia, pois as seguradoras estão a pagar-lhe agora algo que antes apenas acontecia se feito por um médico: a triagem de um grupo de 24 sintomas. «Os utentes têm pago ao farmacêutico sem grandes problemas e estão satisfeitos com o serviço». No dia seguinte, já em período de apresentação de conclusões e debate, José Furtado da Farmácia Neves Furtado, assinalaria que Portugal poderia seguir um caminho idêntico de responsabilização das seguradoras na comparticipação de alguns serviços, acrescendo Ema Paulino (Presidente 12

Marcel Mesnil partilhou a forma como se encontra organizado o mercado helvético, que descreveu como «tão livre como o americano» A holandesa Maayke Fluitman testemunha que no país dos canais está a emergir um farmacêutico novo, mais focado na terapia individual do doente

da Secção Regional de Lisboa da Ordem dos Farmacêuticos), que «a experiência internacional diz que quando há seguradoras nos sistemas de proteção de saúde da população, as farmácias são incluídas mais cedo nos processos de cuidados, porque elas fazem contas e percebem que há poupanças que compensam o investimento feito na remuneração aos profissionais. A Suíça tem um sistema de seguradoras, mas a Austrália, onde existe um modelo de SNS, também está muito virada para a demonstração de resultados». Logo, defende, «esta é uma oportunidade para ganharmos mais espaço, dadas as debilidades do SNS, e que tem sido pouco explorada».

Da Holanda, a diferenciação profissional Maayke Fluitman, da direção da Royal Dutch Pharmacists Association, veio apresentar a realidade do seu país no Difarma, a qual considera não ser «assim tão diferente da portuguesa». Em declarações à “Farmácia Portuguesa”, disse considerar que «estamos, talvez, um pouco mais à frente na forma como trabalhamos com outros profissionais de saúde, mas a verdade é que enfrentamos os mesmos problemas na definição do nosso papel no circuito da Saúde, no modo como o Governo interpreta as margens e prazos… O que difere, de facto, quanto a mim,


FARMÁCIA PORTUGUESA • 203 • jUL/AGO/SET‘13

Rostos familiares

é que na Holanda o nosso modelo de negócio está num nível de evolução diferente, e julgo que cá também se irá caminhar para a coexistência de vários modelos de farmácia, em que o papel dos farmacêuticos será o mesmo, mas a forma como o seu conhecimento será oferecido aos consumidores e aos outros profissionais de saúde será diferente». Na sua exposição, Maayke testemunhou que no país dos canais está a emergir um farmacêutico novo, mais focado na terapia individual do doente, na sua segurança e resultados, o que se traduz em respostas de serviços personalizados com recurso às novas tecnologias de informaçãoção. Por outro lado, este novo farmacêutico é muito mais cooperativo com outros

profissionais de saúde, promovendo trocas efetivas de informação, permitindo o estabelecimento de verdadeiras parcerias. Mas nesta que é também a nação das tulipas há outra experiência que, segundo defende, pode ser aproveitada por Portugal: as farmácias diferenciam-se segundo um perfil de qualidade, apurado através dos serviços que estão capacitadas a prestar, e que está exposto na Internet. A holandesa reconhece que se trata de um passo que não é fácil de tomar, mas alerta: «o setor pode ser muito conservador, mas o mundo já não o é. As farmácias na Holanda também tiveram de fazer uma mudança e penso, por isso, que é muito positivo que os farmacêuticos em Portugal estejam tão dispostos a ouvir falar e a aprender com as

Ana Bela Brilhante faz parte de um leque de repetentes nos Encontros Difarma, sendo que, no seu caso, acompanha a iniciativa desde a sua primeira edição, em 1981. A colaboradora da ANF sublinha a crucial importância para o desenvolvimento do setor que estas reuniões tiveram no passado e partilha connosco que este é «um reviver muito agradável! O ambiente mantém-se bom, embora, claro, um pouco diferente, até porque muitas das crianças que vinham com os pais e naquela altura andavam por aí, a correr pelos corredores, encontram-se hoje aqui, na sala, a debater as questões da profissão». Assim acontece, por exemplo, com Joana Carvalho, atualmente elemento da Direção da ANF e que em criança acompanhava a mãe nestes Encontros. «É muito engraçado ver os miúdos a correr de um lado para o outro, porque me lembro de mim, do João Godinho Silveira, das filhas do Dr. Basso… Tem sido bom reviver essa experiência, embora haja diferenças assinaláveis. O grupo, antes, era mais reduzido, mais familiar, mas tem sido muito positivo encontrarmo-nos para discutir ideias acerca do futuro da farmácia». Também nos oradores encontramos rostos familiares. Dennis Helling teve a sua estreia no Difarma em 1983, «há 30 anos!», sublinha, «e nessa altura não estávamos a debater questões tão progressistas. Estou entusiasmado com as atuais discussões, sobre a cadeia de abastecimento e modelo de negócio. Há 30 anos as pessoas estavam mais atentas ao que os outros vinham contar que faziam, do que propriamente a fazer. Hoje não é assim e nota-se que a Farmácia em Portugal está a tentar ser muito mais focada no cliente, e não tanto no medicamento». 13


ANF

diferentes realidades». A sugestão não terá passado ao lado dos grupos de trabalho e Marta Pinto, da Farmácia Marta, que havia ficado no Grupo que discutiu a integração da Farmácia na rede de cuidados primários, faria notar, a propósito, no debate matutino do dia 15, que «as farmácias podem e devem ser classificadas em relação aos requisitos que preenchem, mas não podemos continuar a confundir farmácias com farmacêuticos. A atribuição de competências tem de ser feita individualmente pela Ordem dos Farmacêuticos». A mesma deixaria ainda um alerta aos colegas: «a Indústria Farmacêutica está a estabelecer protocolos para ensaios de fase três nas farmácias, é um serviço pago, e devíamos todos agarrar isto». 14

Do mundo anglo-saxónico: planeamento e métricas Terry Scicluna, da Boots Healthcare, fez uma preleção sobre a Farmácia no Reino Unido, e Nibhay Nand veio falar sobre o modelo australiano, ambos muito focados na prestação de serviços, deixando, este último, aos colegas portugueses aquele que considera ser um conselho de ouro nesta matéria: «façam o registo de todas as ações, pois para além de ficarem com uma boa base de dados, permite-vos provar perante as autoridades que os serviços foram realmente prestados». Essa seria, aliás, a pedra de

toque na oração seguinte, a cargo de Dennis Helling, professor de Farmácia Clínica na Universidade do Colorado e que, a par de Donald Hoscheit, representou os Estados Unidos da América. Na sua dissertação, intitulada “Desempenho farmacêutico de sucesso nos cuidados de saúde”, onde reportou e explanou o caso dos serviços prestados pela rede Kaiser Permanente, Helling lembrou que, «ao olhar para a minha carreira, para o que foi, e não foi, bem-sucedido, vejo que quando me comecei a dirigir aos líderes, focava o discurso na qualidade. Reconheço agora que o timing não foi correto: o que os líderes queriam era um custo reduzido, pelo que não me ouviram. Foi só


FARMÁCIA PORTUGUESA • 203 • jUL/AGO/SET‘13

Terry Scicluna, da Boots Healthcare, fez uma preleção sobre a Farmácia no Reino Unido

Dennis Helling é mais um dos rostos familiares do Difarma. «A minha primeira vez nestes encontros foi em 1983, e nessa altura não estávamos a discutir questões tão progressistas» «Não rejeitem coisas como os serviços e a Internet, porque se não os desenvolvermos, outros o farão», afirmou Donald Hoscheit, dos EUA

quando mudei de estratégia e passei a falar no fornecimento de serviços que levavam a uma redução de custos que eles me escutaram e, com a sua atenção assegurada, somei a questão da qualidade. É isso que sugiro às farmácias em Portugal, que levem ao Governo propostas de

serviços que reduzam custos, e que, quando o fizerem, sejam muito claras na história que vão apresentar tenham um planeamento estratégico. Ter uma visão sem um plano de implementação é apenas uma alucinação, e as farmácias precisam de um plano com boas métricas».

Donald Hoscheit estreou-se no Difarma com uma exposição sobre categorias de produtos, no entanto, à nossa revista, confessaria já no final da iniciativa que o que mais o havia deixado agradado foi «ouvir algo que tem andado arredado das farmácias por todo o mundo, pois elas tendem a falar muito de si mesmas e esquecem-se do consumidor, quando, afinal, é dele que depende a remuneração. Repare-se que se há uns anos se perguntasse se a imunização poderia ser feita nas farmácias, e a pagar, elas diriam que não, e hoje fazem-no rotineiramente». Seguindo a mesma lógica, o seu repto ao setor é que «não rejeite coisas como novos serviços, novos modos de prestação, novos produtos ou a Internet, porque se não nos envolvermos e os desenvolvermos, outros o farão». Hoscheit dir-nos-ia ainda que «é essencial que as farmácias comuniquem e trabalhem umas com as outras, e percebam que têm de mudar, que têm de se adaptar não apenas à realidade da própria profissão, mas também de outras no espetro da saúde, bem como aos sistemas de reembolso. Noto muita frustração nos farmacêuticos quando os ouço dizer que têm de ser pagos, mas a verdade é que têm de o justificar». A resposta, defende, pode estar em situações como as propostas pelo bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, também presente neste Encontro, e que falou «na criação do farmacêutico de família, à imagem do que acontece com os clínicos gerais, e no alargamento de serviços e papéis desempenhados pelos farmacêuticos. Por todo o mundo, o sistema de saúde está assoberbado, há muita gente a exigir serviços sem obter respostas, sendo que entre os profissionais de saúde, o farmacêutico é o menos utilizado nas redes de saúde. Ele tem competências elevadas, a 15


ANF Nibhay Nand veio falar sobre o modelo australiano, muito focado na prestação de serviços

«A mudança tem de começar a acontecer dentro de cada uma das nossas farmácias », afirmou Paulo Duarte no encerramento dos trabalhos

dificuldade é levar o resto das profissões a compreender e aceitá-las, e esse é o grande desafio». Trata-se, portanto, em grande medida, «de um problema de comunicação, a qual tem de assentar em provas dos resultados que conseguimos. Conforme afirmou Dennis Helling, o fundamental está em demonstrar, com métricas». Sobre a oportunidade de diversificação no portfólio de produtos e serviços disponibilizados pelas farmácias portuguesas, Hoscheit considera que a maior ameaça à sua concretização se prende com o espaço físico de que estes obrigatoriamente precisam para serem implementados. «Grande parte das farmácias é muito pequena e antiga, pelo que tem grandes dificuldades na obtenção de condições para fornecer outros serviços ou produtos relacionados. A nossa 16

realidade, nos EUA, é muito diferente e não penso que o nosso modelo se adapte a Portugal. Vamos ter cá, no futuro, farmácias maiores, pela necessidade de vender mais bens e serviços, mas não será uma tendência generalizada».

Alinhamento entre o que pode e o que deve ser feito Paulo Duarte fechou os trabalhos, agradecendo aos participantes no Difarma 3.0 «por diversas razões: por investirem para estar aqui, por fazerem parte da nossa família, por despenderem do vosso tempo para nos ajudar a definir o que deverá ser o nosso futuro e nos deixarem um caderno de encargos que nos enche de energia. Muitas das vossas pistas têm a ver com o que eram já ideias nossas,

Ideias avulsas recuperadas às brainstorms • Formas de financiamento alternativas para a aquisição de medicamentos, procurando retirar à tesouraria da farmácia e passar para instituições comerciais o ónus das situações de crédito. • Transparência na relação entre a farmácia e o grossista pressupõe o acesso a informação sobre os stocks. • Criação de um grupo de trabalho para a recolha de documentação, junto de todas as farmácias do país, relativa a todos os serviços aí prestados. • Laboratórios deveriam ser obrigados a informar o INFARMED, quando à beira de uma rutura de stocks, de que iriam entrar em sistema de rateio. • Criação de uma marca própria das farmácias. • Criação de serviço de compliance, potencialmente comparticipado pela Indústria Farmacêutica.

e é bom sentir esse alinhamento, entre o que nós pensamos que poderia ser feito e aquilo que as farmácias pensam que deve ser feito». O presidente da ANF deixou também algumas considerações sobre os debates que tiveram lugar, lembrando que «nenhum dos modelos de farmácia que visitámos tinha menos concorrência que o nosso. O mercado está cada vez mais competitivo, será necessário que se realize uma mudança, mas é dentro de cada uma das farmácias que ela tem de começar por acontecer».


conversa com...

João Goulão, diretor-geral do Serviço de Intervenção nos comportamentos Aditivos e nas IDT

Retrocesso nas políticas comporta riscos efetivos A luta contra a toxicodependência e as doenças infetocontagiosas a ela associadas sofreu um revés com a saída e suspensão dos programas de troca de seringas e substituição opiácea nas farmácias. A repercussão do golpe na proximidade, de que dependia, em grande parte, o sucesso das políticas implementadas, está ainda por avaliar, mas o diretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas IDT (SIDAC) não tem ilusões, e considera que os riscos de retrocesso são reais. Lá em cima, no oitavo andar, a luz do sol matinal reflete-se na alvura das paredes, facultando um ambiente distante de cenários mais negros com que, obrigatoriamente, o nosso entrevistado desta

edição teve de lidar. João Goulão esperava-nos para uma conversa, de onde se concluiria, pragmaticamente, que as misérias encerradas no submundo das dependências ameaçam regressar à tona e

ensombrar a realidade solarenga tão duramente conquistada. Portugal tem para contar uma história de sucesso no combate ao flagelo da toxicodependência e doenças infecciosas, na qual a 17


conversa com...

rede de farmácias foi de suma importância. «Muito do êxito destas políticas passa por respostas de proximidade. Lidamos com uma população com alguma dificuldade de mobilidade, pelo que o recurso às farmácias, que têm uma rede geográfica extensa, era uma mais-valia», tanto no que se refere aos programas de substituição opiácea como à troca de seringas, «a qual permitiu inverter os dados catastróficos que tínhamos em relação à infeção pelo VIH e pela Hepatite C entre utilizadores de drogas injetáveis». Mas permitiu também, «por outro lado, uma maior aceitação, por parte da restante população, deste problema». A saída ou suspensão destes programas nas farmácias constitui, por isso, uma «perda significativa» do investimento feito junto destes utentes e que poderá vir a traduzir, no caso da substituição opiácea, um «aumento de recaídas».

Passos atrás

Hábitos de consumo Os hábitos de consumo, de facto, alteraram-se. O uso de drogas, diz João Goulão, está relacionado com um de dois motivos: «ou a busca de potenciar o prazer ou a busca de aliviar o desprazer. A cocaína ou o ecstasy encaixam-se na categoria das drogas de festa, e quando a motivação é o alívio do desprazer, encontramos o consumo clássico da heroína». Esta substância já foi «o inimigo público número um em Portugal e, embora haja algumas recaídas, elas são essencialmente de antigos utilizadores, fruto dos fatores já mencionados. Trata-se de uma droga que está associada a um cenário de degradação social, e foi criado um estereótipo que não atrai os jovens». Por isso, atualmente, as preocupações alargam-se a outras substâncias aditivas, como o álcool, «que é a substância lícita mais usada para “afogar mágoas”, num consumo muito diferente daquele associado aos festejos». 18

Ou seja, para o responsável do SICAD, «tudo o que seja recuar numa proximidade arduamente conquistada poderá implicar um sério retrocesso no que tem sido a evolução nos últimos anos». E, apesar de não ter «forma de o objetivar no imediato» e «embora não pretenda assumir a certeza de um cenário catastrófico», atesta que «a probabilidade de ele acontecer é grande». O programa de troca de seringas é assegurado, numa parte importante, por equipas de rua e passou a ser desenvolvido nos centros de saúde, mas «a rede está longe de ser tão extensa como a das farmácias». Quanto mais rica e diversificada esta for, melhores resultados


FARMÁCIA PORTUGUESA • 203 • jUL/AGO/SET‘13

A saída ou suspensão destes programas nas farmácias constitui uma «perda significativa» do investimento feito junto destes utentes e que poderá vir a traduzir, no caso da substituição opiácea, um «aumento de recaídas»

se obterão, diz, acrescentando que «ter a expectativa que os toxicodependentes se mobilizem para ir aos centros de saúde fazer a troca de seringas» é algo arriscado. Porém, há uns anos seria impossível, sublinha. Temos «um trabalho de educação e de informação que perdura» e que não deve ser descurado e, hoje, «as pessoas dispõem-se a ir trocar as seringas, num esforço ou sacrifício que não seriam capazes de fazer há dez anos, pois têm maior consciência dos riscos». Em suma, «há que esperar para ver o que acontece».

Os excluídos entre os excluídos Vivemos uma época de crise e, num contexto de dificuldades sociais, a população toxicodependente «constitui um núcleo de excluídos entre os excluídos. São dos mais afetados», diz João Goulão. Conforme explica, as políticas

portuguesas são conhecidas mundialmente pelo êxito na empregabilidade de toxicodependentes em recuperação, para o que contribuiu, em muito, a descriminalização dos consumos, mas não só! «Com o recurso a respostas de proximidade, introduziram-se novos hábitos e alguma disciplina» e, agora, «perdeu-se essa contiguidade, que facultava a administração, à porta das suas casas ou do emprego, de um fármaco que faz falta a estes doentes no dia-a-dia. Os circuitos, em termos de horários e da parte prática da sua vida, complicam-se», até porque entre os apoios que foram cortados, encontram-se os «subsídios para transportes, que permitiam aos doentes deslocarem-se. Agora, além de não terem subsídio, o custo dos transportes aumentou e há faltas sucessivas que levam a falhas no tratamento e a recaídas». E, frisa, «não é fácil manter uma atividade profissional a par da dependência», o que pode levar a uma espiral de desemprego e, «como são pessoas que não lidam bem com a frustração e a dificuldade, ficam criadas as condições para o aumento das hipóteses, mais uma vez, de uma recaída». Acresce que, hoje, é mais difícil defender programas como o Vida-Emprego, que promove a reintegração no mercado de trabalho de toxicodependentes. «Temos uma taxa de desemprego tão elevada, que tenho a consciência de que se insistir muito nesta questão, vou acirrar a opinião pública contra esta população, que é, afinal, aquela que pretendo defender». Não obstante esta soma «de múltiplas pequenas coisas, que leva a entropias no sistema», o responsável do SICAD recorda que,

Mudar mentalidades As conversas são-no verdadeiramente quando se sentem soltas e fluidas, e assim aconteceu. Em dado ponto, falávamos com João Goulão sobre a importância da comunicação na prevenção da toxicodependência e rapidamente se concluiu sobre a necessidade de uma nova abordagem ao assunto. «O modo como apresentamos o tema das drogas é, frequentemente, diabolizante, com conotações de pecado, numa mensagem curta de que se trata de algo mau e que mata. O problema é que, muitas vezes, a informação não coincide com o resultado de uma primeira experimentação, que pode ser algo muito agradável, deitando por terra os anteriores argumentos!». Urge então uma mudança no discurso, que deve ser «mais factual e científico», alertando para as consequências devastadoras a «médio e longo prazo».

«em boa verdade, apesar de tudo e considerando o cenário atual de crise, o Governo manteve níveis de investimento bastante bons nesta área». Assusta-o, porém, a alteração da perceção social para a problemática da toxicodependência, «que pode levar a uma alteração na noção da “bondade” do investimento nesta área». 19


GERIATRIA

dossiê

Envelhecer

Como dar vida aos anos?

A população mundial está a envelhecer, mas os mais velhos estão a ficar mais novos. A demografia está a impor constrangimentos e as implicações do envelhecimento das populações constituem uma preocupação global. Segundo dados de 2012 das Nações Unidas, o índice de idosos com 80 ou mais anos foi de 14% em 2012, prevendo-se que seja de 20% em 2050. Se essa projeção se concretizar, haverá 402 milhões de pessoas com 80 anos ou mais, ou seja, 3,5 vezes mais do que hoje. O número de centenários irá também aumentar, sendo que os 343.000 em 2012, se estima que passarão para 3,2 milhões em 2050. 20

À semelhança de outros países, também em Portugal a população tem vindo a evoluir nas últimas décadas para um contínuo envelhecimento demográfico, como consequência da diminuição da fecundidade e aumento dos índices de longevidade. Assim, o número de idosos em relação ao número de jovens está a aumentar, pelo que as políticas a adoptar terão de consolidar e contribuir para estilos de vida saudáveis. O envelhecimento e as doenças crónicas associadas serão um dos grandes desafios globais que se colocarão à sociedade segundo uma nova realidade e que irá requerer uma mudança fundamental de

ordem económica, cultural e organizacional. Os decisores políticos terão de se preocupar sobre a forma como os padrões de vida serão afetados e a forma como cada indivíduo terá de contribuir para garantir as necessidades de um número crescente de idosos dependentes. São os profissionais de saúde que promovem a qualidade de vida e, consequentemente, possuem um papel ativo na promoção da saúde no idoso. O farmacêutico, como elemento privilegiado da equipa de saúde, pelo contacto direto com os utentes, particularmente os mais idosos, tem um papel determinante na promoção de um Envelhecimento Ativo.


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GERIATRIA

entrevista

João Gorjão Clara, coordenador de consulta de geriatria do hospital pulido valente

«Envelhecer não é sinónimo de adoecer!»

Assim como a infância ou a idade adulta não definem um estado de saúde, também a velhice não é sinónimo de doença. Mas, quando é de doença que se trata, ter 15, 50 ou 80 anos faz diferença, porque o nosso organismo não reage do mesmo modo nem aos agentes agressores nem aos meios terapêuticos. Disso nos dá conta João Gorjão Clara, responsável pela consulta de Geriatria do Hospital Pulido Valente, enquanto nos guia pelas subtilezas da idade e nos fala do quanto ainda há a fazer no que respeita aos cuidados apropriados aos doentes idosos. 22


FARMÁCIA PORTUGUESA • 203 • jUL/AGO/SET‘13

Farmácia Portuguesa – Para a OMS, idosas são todas as pessoas, independentemente da sua condição física, com mais de 65 anos de idade. No entanto, essa classificação etária parece estar, hoje, afastada da realidade. Por isso, perguntamos: no seu entender, o que é que define alguém como idoso? João Gorjão Clara - Essa é uma questão dificílima de responder e que quando é colocada em termos estritamente pessoais, dá origem a réplicas engraçadas: idoso é todo o indivíduo 15 anos mais velho que eu, por exemplo! [Risos] Em termos de evolução fisiológica, idosa será aquela pessoa que ultrapassou um determinado grau a partir do qual tem mais propensão para adoecer por comprometimento da sua homeostasia, ou seja, o seu organismo vai perdendo a capacidade que tinha para se autorregular e adaptar às mudanças bruscas e agressões externas, e mais facilmente entra em desequilíbrio. É por isso que tantas pessoas idosas morrem quando há golpes de calor ou de frio, porque não conseguem regular corretamente a sua temperatura corporal, assim como se vai deteriorando a sua imunidade, levando a que, quando em contacto com uma bactéria ou um vírus, as doenças se manifestem mais precoce e mais intensamente. É a perda de capacidade de resposta a estímulos máximos, por comprometimento dos mecanismos finos de regulação; é essa fragilidade que acompanha o passar dos anos que, para mim, define o idoso, e não propriamente as rugas ou outras coisas. Importa ainda sublinhar que uma homeostase deficiente não significa que se é doente, mas tão só que haverá uma maior propensão para a doença. O mesmo é dizer que ser velho não é ser doente. Os idosos podem ser saudáveis até ao fim (ou quase) da

sua vida. Envelhecer não é sinónimo de adoecer! Não devemos, portanto, falar das doenças dos idosos, mas nas doenças nos idosos, sendo certo que algumas têm maior prevalência, como acontece, aliás, nas crianças. FP - Que doenças são essas? JGC - Aquilo a que os médicos geriatras chamam de grandes sintomas geriátricos, por serem mais frequentes nos idosos, são o desequilíbrio e as quedas, a incontinência urinária ou fecal, as úlceras de pressão, a incapacidade motora, o delirium, as alterações cognitivas que podem apresentar-se como défices ligeiros, moderados ou demências graves, como a Doença de Alzheimer. Estes são os problemas mais prevalentes.

«Não é a idade que define o doente geriátrico, mas a complexidade do seu quadro clínico. » FP - Um doente idoso é o mesmo que um doente geriátrico? JGC - Esse é, precisamente, um dos fatores que mais confusão gera nos profissionais atualmente. Serão todas as pessoas com mais de 65 anos doentes geriátricos? A resposta é não. Se um homem com 65 anos, saudável, tiver uma doença aguda, por exemplo uma pneumonia, não tem nenhuma indicação para ser considerado doente geriátrico. Mas se esse mesmo homem que apresenta um quadro de pneumonia também

sofrer de hipertensão, diabetes, insuficiência cardíaca, se tiver anemia de causa oculta e deficiência cognitiva com alterações comportamentais, aí sim, pode ser um doente geriátrico. Ou seja, não é a idade que define o doente geriátrico, mas a complexidade do seu quadro clínico. FP - Lá fora, a Geriatria é reconhecida como especialidade médica, mas em Portugal isso não acontece, certo? JGC - Sim, dos países ditos evoluídos da Europa, Portugal e Grécia são as exceções. Mas temos vindo a dar passos importantes nesse sentido. No Ensino, por exemplo, até 2010 a Geriatria não era lecionada, como disciplina obrigatória, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e passou a sê-lo a partir de então. Muito recentemente, a 31 de maio deste ano, a Ordem dos Médicos reconheceu a competência em Geriatria. Isto é importante, na medida em que qualquer especialista com competência em Geriatria, por exemplo, um oftalmologista com competência em Geriatria, estará melhor informado das particularidades de um doente idoso ou muito idoso e poderá otimizar o tratamento das suas doenças oftalmológicas. E, no fundo, é isso mesmo que se pretende com a Geriatria: a otimização da assistência ao idoso, através do conhecimento da fisiopatologia do envelhecimento, das manifestações específicas das doenças no idoso, da existência de múltiplas doenças em simultâneo, da hierarquização dos sintomas e sinais e da abordagem terapêutica, porque há medicamentos que muitas vezes são inapropriados para o idoso, aspeto em que a farmácia tem muita importância. 23


GERIATRIA

entrevista

FP - Criou a primeira consulta de Geriatria em Portugal em moldes internacionais, onde, aliás, trabalha em estreita colaboração com farmacêuticos. Como tem sido essa experiência? JGC - A nossa consulta de Geriatria no Hospital Pulido Valente está montada de modo que o doente é visto de uma maneira holística, global, muito à semelhança do que uma médica inglesa, chamada Marjory Warren, inventou [ver caixa pág. 25]. Temos uma vasta equipa multidisciplinar, constituída por médicos, psicólogos, enfermeiros, dietistas e nutricionistas, fisioterapeutas, assistentes sociais e farmacêuticas, com a particularidade de que, à exceção de mim mesmo, todos são voluntários. A farmacêutica é um elemento tão fundamental como todos os outros participantes na Consulta de Geriatria. Na minha consulta faço-me sempre acompanhar de uma farmacêutica, a Dra. Ana Matias, e agora também pela Dra. Margarida Morais, doutoranda, cuja tese de doutoramento é na área da terapêutica inapropriada do idoso. A intervenção da Farmacêutica é muito importante. O organismo do idoso é muito diferente do de uma criança ou de um indivíduo adulto, e quando prescrevemos um fármaco temos de nos lembrar que a sua absorção não é igual, assim como a sua metabolização e ação biológica. Se não tivermos isto em conta, podemos estar a prescrever um medicamento inapropriado quando existem alternativas mais inócuas e eficazes. É para estes aspetos que as farmacêuticas me alertam, colaborando na otimização da terapêutica farmacológica, evitando a terapêutica inapropriada, e corrigindo a prescrição medicamentosa inapropriada que os doentes trazem quando nos chegam pela primeira vez. 24

FP - É comum, a prescrição e toma de terapêutica inapropriada nos nossos idosos? JGC - A realidade é assustadora. Há uns anos, a Prof.ª Maria Augusta Soares, da Faculdade de Farmácia, fez uma tese de doutoramento, de que fui o arguente, que muito me sensibilizou para esta problemática, pois verificou, num inquérito a idosos que iam às farmácias levantar as suas receitas, que 36% aviavam medicamentos inapropriados. Foi o meu primeiro alerta. Recentemente, a Dra. Margarida Morais concluiu que 74% dos primeiros 100 doentes que entraram na enfermaria de um serviço de medicina tomavam pelo menos um medicamento inapropriado. Perante este resultado, a Dra. Ana

«As farmacêuticas colaboram na otimização da terapêutica farmacológica, evitando a terapêutica inapropriada, e corrigindo a prescrição medicamentosa inapropriada que os doentes trazem.»


FARMÁCIA PORTUGUESA • 203 • jUL/AGO/SET‘13

A consulta de Geriatria Matias, usando critérios de estudo diferentes, foi avaliar os primeiros 100 doentes que chegaram à nossa consulta medicados de fora, e concluiu que o mesmo acontecia em 54% dos casos. Ou seja, quer um quer outro estudo apontam para uma percentagem de terapêutica inadequada sempre superior a 50%. Estes resultados vão ser apresentados, em outubro, em Veneza, no principal congresso europeu na área da Geriatria, ao qual vamos levar 10 comunicações. Curiosamente, a maioria dos trabalhos que vamos apresentar são sobre terapêutica farmacológica. FP - Ou seja, os doentes idosos são autênticos campos de guerra química. JGC - Num dos estudos que fizemos, a Dra. Teresa Fonseca e eu, numa população de idosos hipertensos (só hipertensos) ou que além de hipertensão tinham outras patologias, encontrámos doentes a tomar 16 fármacos! Mas o mais espantoso é que, desses 16, só quatro ou cinco é que seriam realmente necessários, assim como eram frequentes as duplicações e triplicações de substâncias ativas... FP - E o universal comprimido para proteger o estômago! JGC - Sim, sim, isso é comum nos polimedicados e constitui um disparate científico, porque para além de não proteger nada, ainda interfere com a metabolização dos outros e, no caso do idoso, facilita a ocorrência de infeções mais graves. Na minha consulta esbarro

A consulta de Geriatria do Hospital Pulido Valente abriu em março de 2011 e o seu responsável explica-nos como funciona. «Na prática, quando o doente chega à nossa consulta, é iniciado num percurso, que tem como ponto de partida o gabinete das enfermeiras. Aí é submetido a um conjunto de escalas de avaliação para aferir a sua independência para as atividades quotidianas, como a sua capacidade para se lavar, vestir, sair à rua… tratar de si; há uma outra escala que avalia a sua capacidade instrumental, isto é, se é capaz de ir ao banco levantar dinheiro, se sabe usar o telemóvel, comprar e tomar os remédios… É também avaliada a saúde nutricional, o seu estado cognitivo e o seu estado emocional. Segue depois para a fisioterapia, onde é visto o seu equilíbrio e autonomia para a marcha; passa pela assistente social que procura conhecer as condições sociais do idoso (habitação, ambiente familiar, condição económica, violência…) e, por fim, vai ao médico, que tenta diagnosticar as doenças que tem, orienta para as várias áreas complementares de diagnóstico e analisa os resultados do percurso, para, em função dos mesmos, o direcionar para os profissionais mais indicados. Por exemplo, se houver um défice cognitivo, é encaminhado para a psicóloga, que avalia o grau desse défice e, se necessário, redireciona para psiquiatria; se a avaliação revelar má nutrição, é enviado à nutricionista e dietista para correção dos erros alimentares, se tem grave risco de queda passa a ser seguido na Medicina Física e de Reabilitação, etc. A visita domiciliária A visita domiciliária é outra das

componentes da consulta de Geriatria e arrancou em junho 2011. «São as enfermeiras ou a assistente social que, na consulta, através da avaliação geriátrica global, definem a vantagem de uma visita domiciliária. Por vezes, é preciso conhecer com maior grau de pormenor a vida das pessoas. De nada serve prescrever uma medicação correta a alguém que depois não tem dinheiro para a comprar ou vive numa casa onde chove ou faz frio. Esta visita serve para avaliar esses e outros riscos que o idoso corre na sua casa. Por exemplo, vê-se se o tapete escorrega, se a coberta da cama é muito comprida e a pessoa pode tropeçar nela quando se levanta, se o interruptor da luz está à mão, se os alimentos no frigorífico são os mais corretos do ponto de vista dietético, se existem obstáculos na casa que possam originar quedas, se a banheira é segura, se cumpre a medicação, se alguns parâmetros da doença ou doenças que são seguidas na consulta estão bem, como por exemplo a glicémia, a pressão arterial. A unidade hospitalar Ainda por concretizar, esta é, no entanto, a ideia da vida de Gorjão Clara e que completaria este ciclo. «Há muitos anos que persigo o objetivo de ter uma enfermaria dedicada aos doentes idosos com múltiplas patologias, ao verdadeiro doente geriátrico. Lá fora elas são há muito uma realidade. Em Espanha, por exemplo, existem há 30 anos, com provas dadas de eficiência, pois para além da otimização da terapêutica e do benefício para o idoso, têm largas vantagens económicas». 25


GERIATRIA

entrevista

«Há pessoas que acreditam que quantos mais fármacos tomam, mais probabilidades têm de ter saúde, mais hipóteses têm de viver mais anos, o que é uma perversidade absoluta.»

muito com estas situações e uma das primeiras medidas implementadas é a redução do número de medicamentos que o doente toma ao mínimo necessário de eficácia. No entanto, isto nem sempre é bem aceite, porque há pessoas que acreditam que quantos mais fármacos tomam, mais probabilidades têm de ter saúde, mais hipóteses têm de viver mais anos, o que é uma perversidade absoluta. FP - A realidade é que são raras as soluções ajustadas. Diria que ainda é incipiente a investigação farmacológica em idosos? JGC - Na verdade, sim. Todos os grandes ensaios foram realizados em grupos etários de meia-idade, com uma idade média de 50, 55 anos. Mas há razões que o

explicam, pois se por um lado, a existência de uma população idosa é um fenómeno relativamente recente, por outro, é difícil reunir um grupo apto a participar nos ensaios. Isto é, suponha que quero avaliar a eficácia de um medicamento no tratamento da hipertensão arterial. Os indivíduos da amostra têm de ser hipertensos, mas todos os que sofrerem de outras doenças têm

de ficar de fora, para evitar o enviesamento dos resultados. Só por aqui já dá para perceber a dificuldade de encontrar um homem de 80 anos que seja hipertenso puro, sem apresentar já outras fragilidades para as quais não esteja a tomar outro tipo de remédios. É muito difícil selecionar uma população para qualquer estudo em Geriatria.

Geriatria versus Gerontologia Estamos no foro da Geriatria, mas amiúde surge um outro termo: Gerontologia. Segundo explica Gorjão Clara, «a palavra que primeiro foi criada foi Gerontologia, e define o estudo e o conhecimento dos Gerontes, 26

uma expressão de origem grega que significa idosos. O seu objeto é o homem velho e o seu processo normal de envelhecimento nos seus mais variados contextos - a sua situação familiar, social, espiritual, etc. -, e não necessariamente

na doença. Alguns anos mais tarde surgiu a expressão Geriatria, criada pelo austríaco-americano Ignatz Nascher, para designar o estudo do idoso doente ou das doenças no idoso. São, portanto, conceitos diferentes».


27


GERIATRIA

em foco

Envelhecimento Ativo

O Contributo da Farmácia

O paradigma do Envelhecimento Ativo foi introduzido em 2002 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), tendo sido entendido como processo de cidadania plena e definido “como processo de otimização das oportunidades para a saúde, participação e segurança, para melhorar a qualidade de vida das pessoas que envelhecem”. A manutenção da autonomia e da independência, e a valorização das competências são os condutores do envelhecimento ativo. Envelhecer permanecendo ativo constitui um dos desafios das sociedades modernas, tanto a nível individual como coletivo. A Direção Geral de Saúde (DGS), em 2004, emitiu o Programa Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas para promover dinâmicas da saúde, e cuidados de prevenção, que aumentem a longevidade, melhorem os 28

ganhos em saúde e a qualidade de vida nas diferentes fases do ciclo de vida com redução do peso da doença e racionalizando os recursos da sociedade. Neste programa, a DGS, alerta para a necessidade do modelo atual de prestação de cuidados de saúde estar mais organizado para responder aos episódios agudos de doença, tornando-se desadequado para responder às necessidades de saúde de uma população em envelhecimento e para a necessidade de orientar os prestadores de cuidados para novas competências que recorram a abordagens multidisciplinares e intersetoriais. Este Plano dá ênfase ao envelhecimento ativo no sentido de obtenção de ganhos em anos de vida com independência; adicionalmente a estratégia nacional do envelhecimento ativo visa criar condições para se dar sentido aos ganhos tidos em termos de tempo de vida.


FARMÁCIA PORTUGUESA • 203 • jUL/AGO/SET‘13

O envelhecimento ativo é um paradigma interiorizado a nível político. Uma política de envelhecimento ativo exige a intervenção de vários setores da vida pública e de sistemas de proteção social, sendo que a abordagem intersetorial significa estratégias locais, nacionais e globais em todas as idades. Os sistemas de saúde existentes estão preparados para atuar, essencialmente, ao nível das situações agudas e prevenção de infeções grave. A maioria dos especialistas em saúde concorda que os modelos atuais não são sustentáveis face à evolução das necessidades de saúde das populações. A saúde depende cada vez mais de parcerias estabelecidas entre o paciente e os cuidadores. As farmácias desempenham um papel de enorme importância na prestação de cuidados à população e são, assim, um dos principais agentes da prestação de saúde em Portugal, parte integrante do modelo organizacional do sistema de saúde português. No âmbito do envelhecimento ativo, cabe ao farmacêutico participar no encorajamento da população idosa em atividades que promovam a sua saúde através da estreita colaboração com outros profissionais de saúde.

Alterações fisiológicas associadas ao envelhecimento:

Aumento do pH gástrico

Esvaziamento gástrico mais lento

Diminuição da função renal

Diminuição do débito cardíaco

Aumento do tecido adiposo

Alterações fisiológicas características do envelhecimento

Redução da massa muscular

O envelhecimento é um processo dinâmico, progressivo e irreversível de declínio da capacidade funcional do organismo, não sendo possível determinar o seu início, uma vez que está dependente de fatores biológicos, psíquicos e sociais. Estes fatores são determinantes no processo de envelhecimento, pois aceleram ou retardam o aparecimento de patologias. O envelhecimento fisiológico inclui um conjunto de alterações das funções orgânicas, devido exclusivamente aos efeitos da idade, o que leva à perda da capacidade do organismo em manter o equilíbrio homeostático e à diminuição gradual de todas as funções fisiológicas. Assim, os órgãos e sistemas perdem progressivamente a capacidade de manter a homeostase face às situações de stress a que estão sujeitos, levando ao aparecimento de doenças. As alterações fisiológicas características do envelhecimento condicionam a efetividade e segurança dos medicamentos e, por isso, obrigam a um cuidado especial na seleção dos medicamentos e suas doses.

Redução volume total de água

Diminuição da atividade enzimática

Fluxo sanguíneo capilar mais lento

Diminuição da perfusão de alguns órgãos (ex.: cérebro, rins e fígado) Redução albumina plasmática

Diminuição da área total de absorção 29


GERIATRIA

em foco

Os medicamentos e o idoso Sabe-se que à medida que a idade avança, o número de medicamentos consumidos tende a aumentar. Existem dados que referem que quatro em cada cinco indivíduos com 75 ou mais anos toma, pelo menos, um medicamento prescrito, e 36% toma quatro ou mais medicamentos – polimedicação. A polimedicação constitui um fator de risco para o aparecimento de reações adversas, interações, duplicações não intencionais e para as readmissões hospitalares de pessoas idosas após a alta hospitalar. A evidência mostra que 65% dos doentes com 60 ou mais anos tem duas ou mais doenças crónicas e que a taxa de adesão à terapêutica neste grupo etário é de 60% ou menos.

Alterações na absorção, distribuição, metabolismo e eliminação dos medicamentos

redução do volume total de água características dos idosos conduz a alterações significativas do volume de distribuição e da semi-vida de alguns fármacos. No caso dos fármacos lipossolúveis (ex.: benzodiazepinas lipofílicas), o volume de distribuição está aumentado, levando a um aumento da semi-vida e da duração de ação. A redução da albumina plasmática modifica a ação dos medicamentos que se distribuem apenas no espaço extracelular ou que se liguem fortemente à albumina (ex.: varfarina, fenitoína, digoxina), havendo aumento do seu efeito.

Metabolismo A redução da metabolização leva a um aumento da semi-vida de muitos medicamentos, como, por exemplo, as benzodiazepinas, e exacerbação das reações adversas. Refere-se, por exemplo, que a semi-vida do diazepam é de 20h no adulto jovem, atingindo as 90h no idoso.

Eliminação

Apesar das alterações gastrintestinais presentes nos idosos, a absorção intestinal da maioria dos medicamentos não sofre alterações apreciáveis. No entanto, a absorção de algumas vitaminas e minerais pode estar diminuída, nomeadamente do ferro, cálcio, Vitamina B12 e Vitamina D. O risco de um fármaco afetar a absorção de outro está aumentado devido à polimedicação. Esta situação pode ser prevenida com um intervalo de 2 a 4 horas entre a toma dos fármacos (ex.: antiácidos contendo magnésio, cálcio ou alumínio podem afetar a absorção de quinolonas, tetraciclinas e ferro).

A eliminação está reduzida no idoso, essencialmente devido à diminuição da função renal. A função renal reduz progressivamente com a idade, independentemente da presença de patologia. Contudo, patologias como a diabetes, a hipertensão e a insuficiência cardíaca contribuem, também, para a diminuição da função renal. No idoso, a influência da diminuição da função renal na eliminação é notória. A dose dos fármacos com margem terapêutica estreita, como, por exemplo, a digoxina e os aminoglicosídeos, deve ser cuidadosamente estabelecida e os doentes monitorizados. Refere-se também que qualquer patologia aguda (ex.: infeção respiratória, enfarte do miocárdio), especialmente se acompanhada por desidratação, pode levar à redução rápida da clearance renal, com aparecimento de efeitos adversos. Esta situação é particularmente importante no caso da toma de fármacos com uma margem terapêutica estreita.

Distribuição

Reações Adversas

A distribuição dos medicamentos pode estar alterada. A redução da massa muscular, o aumento do tecido adiposo e a

As reações adversas são, geralmente, mais frequentes e mais graves nos doentes idosos. Cerca de 20% dos

As alterações fisiológicas características do envelhecimento podem afetar as propriedades farmacocinéticas dos medicamentos, algumas com significado clínico.

Absorção

30


Exemplos de reações adversas comuns nos idosos

› Digoxina Toxicidade por insuficiência renal

› Aminoglicosídeos › Teofilina

Ototoxicidade

› Aminoglicosídeos › Benzodiazepinas

Hipotensão postural

› Antidepressivos tricíclicos › Diuréticos › Levodopa

Hiponantremia

› Diuréticos

Hemorragia gastrointestinal

› Aspirina e outros anti-inflamatórios não esteróides › Haloperidol

Sintomas extrapiramidais

Retenção urinária aguda

internamentos hospitalares de pessoas idosas e 18% das mortes hospitalares neste grupo etário deve-se a reações adversas a medicamentos. As alterações nas propriedades farmacocinéticas dos medicamentos facilitam a obtenção de concentrações mais elevadas de muitos fármacos e, portanto, o aparecimento de reações adversas. Por outro lado, o comprometimento dos órgãos-alvo (ouvido, rim, SNC, coração, etc.), torna os idosos mais vulneráveis às reações adversas relacionadas com estes órgãos. São várias as queixas associadas à toma de medicamentos, nomeadamente confusão (associada a inúmeros fármacos), obstipação (ex.: anticolinérgicos), hipotensão postural e quedas (ex.: diuréticos e psicotrópicos).

Anticolinérgicos Os idosos são mais sensíveis aos efeitos centrais (ex.: confusão) e periféricos (ex.: boca seca, olhos secos,

›Neurolépticos em geral › Anticolinérgicos › Diuréticos

obstipação, retenção urinária) dos fármacos com efeitos anticolinérgicos, como, por exemplo, antidepressivos, antieméticos, antiespasmódicos urinários, relaxantes musculares, anti-histamínicos.

Depressores do Sistema Nervoso Central

Os doentes idosos apresentam maior sensibilidade às reações adversas causadas por fármacos depressores do Sistema Nervoso Central (ex.: psicofármacos, anti-histamínicos). As benzodiazepinas têm vindo a ser utilizadas por longos períodos de tempo pelos doentes idosos para tratamento da ansiedade e insónia, apesar das recomendações para utilização de curta duração. As reações adversas mais comuns das benzodiazepinas incluem sedação, sonolência diurna, hipotensão, perturbações do funcionamento cognitivo, dificuldades de memória e deterioração do desempenho psicomotor. O uso crónico destes fármacos causa dependência e aumenta o risco de quedas e fraturas nos doentes idosos. 31


GERIATRIA

em foco 1. Promoção do envelhecimento ativo ao longo da vida; Lista das 10 Interações mais graves no idoso

2. Identificação de indivíduos suspeitos de doenças crónicas;

1. Varfarina – Anti-inflamatórios não esteróides a)

3. Promoção do uso correto, efetivo e seguro dos medicamentos.

2. Varfarina – Medicamentos derivados da sulfamida

3. Varfarina – Macrólidos 4. Varfarina – Quinolonas b) 5. Varfarina – Fenitoína 6. IECAs – Suplementos de potássio 7. IECAs – Espironalactona 8. Digoxina – Amiodarona 9. Digoxina – Verapamil 10. Teofilina - Quinolonas b) a) Não inclui os Inibidores seletivos da Cox-2 b) Ciprofloxacina, enoxacina, norfloxacina e ofloxacina

Anti-inflamatórios não esteróides A hemorragia gastrintestinal associada à aspirina e a outros anti-inflamatórios não esteróides é mais comum nos idosos e tem consequências mais graves, muitas vezes fatais.

Interações A American Society of Consultant Pharmacist conduziu uma iniciativa multidisciplinar num lar de 3ª idade com o objetivo de identificar as 10 interações mais importantes no doente idoso. A lista inclui, por ordem decrescente, as interações mais frequentes e com potencial significado clínico mais grave.

Intervenção farmacêutica Existem oportunidades de intervenção junto das pessoas idosas ao nível das seguintes áreas: 32

A intervenção farmacêutica deve realizar-se de forma articulada com outros profissionais de saúde, nomeadamente com o médico, assegurando o respeito mútuo pelas fronteiras de cada profissão e, ainda, com o próprio doente, para que o impacto das intervenções conjugadas se traduza na obtenção mais eficiente de ganhos em saúde positivos.

Promoção do envelhecimento ativo Tendo em vista a promoção do envelhecimento ativo, a intervenção farmacêutica passa por recomendar: • Estilos de vida saudáveis: › Alimentação saudável; › Atividade física moderada e regular; › Controlo de peso; › Cessação tabágica; › Atividade intelectual; › Controlo de fatores de stress; › etc. • Higiene oral adequada; • Utilização de produtos de saúde e conforto; • Consulta médica para avaliar necessidade de prescrição da vacina contra doenças pneumocócicas; • Consultas médica de rotina; • Consulta de nutrição; • Leitura e entrega de folheto(s) iSaúde, como complemento da informação verbal.

Identificação de indivíduos suspeitos de doenças crónicas A intervenção farmacêutica assume também importância na identificação de indivíduos idosos suspeitos de doenças crónicas, com aconselhamento à consulta médica, tendo em vista o diagnóstico o mais precoce possível. Esta área de intervenção assenta na avaliação de fatores de risco, de queixas apresentadas por parte do doente (ex.: poliúria, polidipsia, feridas de cicatrização difícil) que podem ser sinais de alerta de doenças crónicas e, ainda, na determinação de parâmetros na farmácia – Serviço CheckSaúde -, de acordo com as necessidades de cada doente. A determinação de parâmetros deverá ser realizada de acordo com as recomendações constantes no Guia Prático


FARMÁCIA PORTUGUESA • 203 • jUL/AGO/SET‘13

CheckSaúde 2ª ed., nomeadamente no que se refere a: • Tipo de equipamento, plano de calibração e controlo de qualidade; • Execução da técnica correta; • Valores de referência à consulta médica. A farmácia tem à sua disposição um conjunto de ferramentas e materiais de suporte à intervenção profissional neste âmbito: Para o farmacêutico • Sifarma • Registo de Parâmetros* • Carta para o Médico Para o doente • Cartão CheckSaúde (Registo de Parâmetros) • Folhetos iSaúde

Promoção do uso correto, efetivo e seguro dos medicamentos A farmácia tem um papel importante na informação e aconselhamento do doente idoso sobre o uso correto, efetivo e seguro dos medicamentos ao nível dos seguintes domínios: • Dispensa de medicamentos; • Prestação de Serviços de Revisão da Terapêutica ou Gestão Terapêutica / Gestão da Doença.

Dispensa de medicamentos Em cada dispensa de medicamentos, sujeitos e não sujeitos a receita médica, deve ser fornecida informação ao doente que garanta o uso correto, efetivo e seguro dos medicamentos, numa linguagem simples e acessível. Esta informação é particularmente relevante no caso de medicamentos que vão ser utilizados pela primeira vez – 1.ª dispensa. Como orientação para o tipo de informação a dar ao doente sobre cada medicamento, podem ser utilizadas as cinco questões seguintes: • Para que serve? • Como e quando tomar? • Durante quanto tempo? • Que cuidados especiais devo ter? • Que possíveis efeitos adversos e o que fazer se ocorrerem? Estas questões são utilizadas internacionalmente pelos farmacêuticos no âmbito das recomendações propostas pelo EuroPharm Forum para a promoção do uso correto, efetivo e seguro dos medicamentos. A informação a dar ao doente sobre cada medicamento deve observar, em primeiro lugar, as indicações constantes na receita médica e as recomendações do médico ao doente. Em caso de dúvidas, o farmacêutico deve contactar o médico ou sugerir ao doente clarificação junto do mesmo.

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GERIATRIA

em foco Serviço de Revisão da Terapêutica

Campanha “Viver mais, viver melhor, conhecendo os seus medicamentos” Campanha desenvolvida em 2007 por 1487 farmácias. No âmbito desta iniciativa, foram avaliados pelos farmacêuticos 5008 doentes, com idade igual ou superior a 65 anos e a tomar quatro ou mais medicamentos. Em média, cada doente tomava 7,3 medicamentos, sendo que os farmacêuticos identificaram problemas em 46,8% dos doentes, correspondendo 22,1% a problemas de adesão, 21,6% problemas com a toma, 13,2 suspeita de reações adversas, 11,6% duplicação não intencional da terapêutica e 7,3% tinha medicamentos fora do prazo de validade. Os farmacêuticos reportaram ao médico 21,3% dos doentes.

É importante explicar ao doente a importância da adesão à terapêutica e o que fazer no caso de se esquecer de tomar algum medicamento. No caso dos dispositivos terapêuticos (ex.: dispositivos de inalação e de administração de insulina) há que ensinar a técnica correta ao doente e verificar, de seguida, se o doente sabe utilizar os dispositivos. Por fim, é importante entregar ao doente um registo de todos os medicamentos que está a tomar, documento que pode ser impresso a partir do Sifarma ou, em alternativa, pode utilizar o Cartão “Os meus Medicamentos”. O doente deve ser informado sobre a necessidade de atualizar este registo cada vez que inicia/altera a terapêutica e, ainda, motivado a mostrar o documento sempre que vai ao médico e à farmácia. No caso das dispensas de repetição, importa verificar se o doente adere à terapêutica e se sente melhor, se existem problemas de segurança relevantes, valores de determinação de parâmetros na farmácia alterados (se aplicável) e se o doente tem dúvidas sobre os medicamentos que toma. Pode haver necessidade de prestar um Serviço de Revisão da Terapêutica ou Gestão da Terapêutica/Gestão da Doença na farmácia para avaliar com mais detalhe a terapêutica ou referenciar o doente à consulta médica.

Serviços de Revisão da Terapêutica e Gestão da Terapêutica / Gestão da Doença Estes serviços destinam-se a doentes com necessidade de análise mais detalhada da terapêutica - saco dos 34

medicamentos. São prestados apenas por farmacêuticos, normalmente não estão associados à dispensa, sendo habitualmente realizados durante uma visita programada do doente à farmácia para análise do Saco dos Medicamentos. O Serviço de Revisão da Terapêutica é mais generalista, não implica formação específica do farmacêutico e tem como objetivo identificar situações como, por exemplo: • Problemas de adesão à terapêutica; • Problemas com a toma; • Duplicação não intencional da terapêutica; • Reações adversas; • Medicamentos fora de prazo de validade; • Outros. Este serviço dirige-se aos doentes a tomar quatro ou mais medicamentos (polimedicação) e prevê o esclarecimento de todas as questões do doente sobre os medicamentos que toma, incluindo o ensino com demonstração do uso de dispositivos terapêuticos, caso se aplique. Prevê, ainda, o registo dos dados do doente e da intervenção no Sifarma ou em suporte de papel e a referência à consulta médica ou a outro profissional de saúde, quando necessário. À semelhança do que acontece na dispensa de medicamentos, também no âmbito deste serviço o farmacêutico deve entregar ao doente um registo de todos os medicamentos que toma. O Serviço de Gestão da Terapêutica / Gestão da Doença é um serviço diferenciado, prestado por farmacêuticos com formação específica, e tem por finalidade última a obtenção de resultados em saúde positivos.


FARMÁCIA PORTUGUESA • 203 • jUL/AGO/SET‘13

Mercado

Produtos para os Idosos Os produtos existentes nas farmácias mais relacionados com esta temática estão contemplados nas seguintes áreas: Suplementos Alimentares 50+, Dermocosmética para peles maduras e antirrugas, Higiene Oral do idoso (produtos relacionados com o cuidados das próteses / conforto), Produtos para Incontinência, Antiescaras e outras Ajudas Técnicas de mobilidade. Estas categorias representam 0,8% em volume (1,3 milhões embalagens) e 1,6% em valor (24,6 milhões

de €), do mercado total de dispensas nas farmácias, durante o primeiro semestre de 2013. Uma análise comparativa das vendas do primeiro semestre de 2013 versus primeiro semestre de 2012, revela que apenas os suplementos 50+ cresceram, 16% em volume e 19% em valor (gráficos 1 e 2). Ainda que os produtos de higiene oral dos idosos sejam os mais dispensados, os produtos de dermocosmética apresentam um valor de vendas (€) mais elevado.

Embalagens 450.000

Euros

300.000

12.000.000

250.000

10.000.000

1º semestre 2012

2.000.000

Incontinência

4.000.000

Higiene Oral

Dermocosmética

6.000.000

0

1º semestre 2013

1º semestre 2012

Gráfico 1 – Crescimento homólogo em volume

Antiescaras

0

8.000.000 Suplementos

Antiescaras

Incontinência

50.000

Higiene Oral

100.000

Dermocosmética

150.000

Suplementos

200.000

Outras ajudas de mobilidade

350.000

Outras ajudas de mobilidade

400.000

1º semestre 2013

Gráfico 2 – Crescimento homólogo em valor

No Top 10 dos suplementos 50+ mais dispensados, em valor, no 1.º semestre de 2013, encontram-se representadas marcas como Centrum Select 50+®, Optimus® e BioActivo Glucosamina Duplo® (tabela 1). A Liftactiv Derme Source® e a Lierac

Coherence® foram as marcas mais valorizada neste conjunto de produtos. Corega Super® e Corega® foram as marcas de fixadores de próteses mais frequentemente utilizadas no período de tempo em análise.

Suplementos 50+

Dermocosmética

Higiene Oral

Centrum Select 50+®

Liftactiv Derme Source®

Corega Super®

2

Optimus®

Lierac Coherence®

Corega®

3

BioActivo Glucosamina Duplo®

Neovadiol GF®

Kukident Pro Complete®

4

Structomax®

Caudalie® Vinexper

Protefix®

5

Movendo®

Endocare®

Novafix®

6

Condotril®

Innéov Massa Capilar®

Kukident Pro®

7

JointCare Activo Plus®

Lierac Premium®

Corega Ultra®

8

Libifeme®

Galenic Biophycee®

Aderyn®

9

Prelox®

Idéalia®

Super Corega®

10

Mobiflex®

Serum7 Lift®

Kukident®

RANK 1

Tabela 1 – Top dos Suplementos 50+, Dermocosmética e Higiene Oral

Fonte: Sistema de Informação hmR/Análise CEFAR

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GERIATRIA

em foco Este Serviço prevê o seguimento de doentes pelo farmacêutico, em estreita articulação com o médico e o próprio doente, com recurso ao método internacional SOAP para prevenção, identificação e resolução de Problemas Relacionados com Medicamentos (PRMs), através de intervenção farmacêutica junto do doente e/ou reporte ao médico e posterior monitorização dos resultados da intervenção. A comunicação com o médico é particularmente importante no âmbito deste serviço. A via de comunicação com o médico a utilizar (contacto pessoal, telefone ou carta) depende do relacionamento interprofissional já em vigor na farmácia e/ou da gravidade do assunto em causa. O Serviço de Gestão da Terapêutica / Gestão da Doença dirige-se aos doentes idosos com maior risco de desenvolver problemas relacionados com medicamentos, nomeadamente os doentes: • A tomar de 4 ou mais medicamentos (polimedicação); • Com problemas relacionados com medicamentos identificados previamente; • Com idade superior ou igual a 75 anos; • Com alta hospitalar recente; • Com uma alteração recente no estado de saúde. A farmácia tem à sua disposição um conjunto de ferramentas e materiais de suporte à intervenção profissional neste âmbito: Para o farmacêutico: • Sifarma; • Registo da Terapêutica; • Registo de Parâmetros; • Carta para o Médico.

Para o doente: • Cartão “Os meus medicamentos”; • Cartão CheckSaúde (Registo de Parâmetros); • Folhetos iSaúde.

Este dossiê foi elaborado pelo Departamento de Serviços Farmacêuticos, com os contributos do CEDIME e CEFAR.

Bibliografia • • • • • • • • • • •

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DGS. (2004). Programa Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas. Retrieved from http://www.portaldasaude.pt/NR/ rdonlyres/1C6DFF0E-9E74-4DED-94A9-F7EA0B3760AA/0/i006346.pdf Eurostat. (2013). Projected old-age dependency ratio. Eurostat. Retrieved August 11, 2013, from http://epp.eurostat.ec.europa. eu/tgm/table.do?tab=table&init=1&language=en&pcode=tsdde511&plugin=1 Fernandes, A. A. (2008). Questões demográficas. Demografia e Sociologia da População. Edições Colibri. Fernandes, A. A., & Botelho, M. A. (2007). Envelhecer ativo, envelhecer saudável: o grande desafio. Cesnova, 11–16. Retrieved from http://forumsociologico.fcsh.unl.pt/PDF/FS17-Art.1.pdf Fonseca, An. M. (2004). O envelhecimento - uma abordagem psicológica. Universidade Católica. Nordstokka, K. (2012). Innovating better ways of living in later life: Context, Examples and Opportunities. Retrieved from http://socialinnovationexchange.org/ideas-and-inspiration/finance/articles/innovating-better-ways-living-later-life-context-examples-and OMS. (2007). Guia Global das Cidades Amigas das Pessoas Idosas. Fundação Calouste Gulbenkian. Saúde, E. reguladora da. (2012). Estudo para a carta Hospitalar. Entidade Reguladora da Saúde (p. 13). Porto. Sullivan, C. O., Mulgan, G., & Vasconcelos, D. (2010). Innovating better ways of living in later life Context , Examples and Opportunities, (May). Taylor, D., & Gill, J. (2012). Active Ageing : Live longer and prosper, (April). Candeias V. Gorduras alimentares. Direção Geral de Saúde


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consultoria de gestão

Gestão Geracional

De negócio de família a estrutura empresarial Sou a quarta geração de uma família de farmacêuticos, dona de uma farmácia no Porto há mais de 100 anos. Quando terminei a licenciatura e a pós-graduação em Gestão e Marketing, o meu pai, atual proprietário da farmácia, entregou-me a pasta da gestão operacional e de recursos humanos, ficando ele com toda a vertente de gestão financeira. Tenho uma farmácia típica de cidade com um volume de faturação médio-baixo. O meu grande objetivo era gerir a farmácia de forma mais profissional, convertendo um negócio de família numa estrutura empresarial, com foco nos resultados, sem nunca esquecer a vertente ética que nos orienta. Comecei por tentar perceber qual 38

era o perfil de clientes da farmácia, adequando o espaço, o segmento de produtos e a oferta à tipologia de clientes. Para tal, realizei um inquérito cujo objetivo era recolher informação sobre os nossos clientes, as suas rotinas, hábitos de consumo e as suas necessidades. A minha estratégia estava sustentada em princípios básicos, mas que necessitavam de uma intervenção de fundo e de uma mudança de paradigma e mentalidades na equipa. Foram conduzidas alterações ao nível das seguintes vertentes: • Seleção e avaliação de Fornecedores; • Otimização de produtos cosméticos e de higiene corporal; • Criação do Plano de marketing;

• Redução de stock de MNSRM e outros produtos, sustentada na formação de um Grupo de Compras. Iniciei esta intervenção pela alteração de fornecedores: tinha três fornecedores preferenciais, mas não atingia o volume de compras para maximização de desconto e vantagens comerciais; a solução passou por concentrar 90% das minhas compras num fornecedor principal, com o qual conseguia atingir poder negocial, tendo um segundo fornecedor para o restante volume de compras. De seguida, avancei para uma gestão otimizada dos produtos cosméticos e de higiene corporal: analisei o stock dos respetivos lineares no que respeita a rotação, custos e


FARMÁCIA PORTUGUESA • 203 • jUL/AGO/SET‘13

respetivos proveitos; adaptei a oferta às preferências dos meus clientes (eliminando "monos"), deixei de trabalhar as marcas integrais e comecei a trabalhar gamas em cada marca; as compras são feitas para 30 dias, permitindo maior flexibilidade e agilidade na escolha dos produtos; e foi criada uma estratégia de vendas específica para estes produtos partilhada com os Laboratórios (campanhas, ofertas, montras, animações em gôndolas, etc). Elaborei, igualmente, um plano de marketing onde é apresentada uma análise da situação atual da farmácia e do mercado, das tendências e da conjuntura, e que inclui a definição da estratégia de vendas para o ano, o plano de ações e objetivos para a farmácia e para a equipa. O principal propósito deste plano é a partilha de informação com a equipa e a sua orientação e motivação para, em conjunto, atingir os objetivos comuns da farmácia. O plano de objetivos individuais é adaptado a cada colaborador da farmácia, havendo total transparência no que diz respeito à evolução da farmácia e respetiva contribuição individual. Este plano tornou-se uma ferramenta essencial para a gestão da equipa e da farmácia – permite criar alinhamento, “educar” e sensibilizar todos os colaboradores para a obtenção dos resultados (que produtos e marcas devem trabalhar, que produtos são geradores de margem, que produtos devem ser comercialmente alavancados, técnicas de cross-selling, utilização do Sifarma 2000, etc). Este plano é criado anualmente, revisto e apresentado à equipa trimestralmente, sendo um momento de reunião interna na farmácia. Depois de ter uma equipa alinhada, a minha grande preocupação passou a ser a redução de stocks. Para atingir os escalões máximos de compra, necessitava de comprar para 3 ou 4 meses. Logo, era premente iniciar um trabalho de análise e otimização de stocks, no sentido de reduzir custo de stock e maximizar o fluxo de

Equipa da Farmácia Alves da Silva

«Esta mudança de paradigma não alterou os princípios básicos destes 115 anos de história: não investir para além dos limites, arriscar com segurança e utilizar os proveitos para gestão da farmácia e não para “engordar” o património individual.»

tesouraria. Constitui um pequeno grupo de compras com seis farmácias, que foi crescendo, contando atualmente com 26 farmácias e do qual sou administrador. O Grupo de compras foi, sem dúvida, uma ferramenta essencial para os meus objetivos de redução de custo de stock, com o benefício de comprar à unidade ao mais baixo preço de mercado. No entanto, o retorno só é obtido porque existe alinhamento estratégico entre a equipa de compras, que adquire os produtos, e a equipa da farmácia, que os trabalha. Hoje a farmácia tem stock para 15 dias e trabalha com uma

margem muito mais interessante. Paralelamente, iniciei um processo de redução de custos, adaptando as práticas e investimentos da farmácia à realidade atual, e de análise e reporte mensal de resultados: vendas, stocks, desempenho dos colaboradores, análises da concorrência, entre outros. Todo o processo de transformação e implementação destas medidas foi moroso, complexo e difícil… quando, em 2006, apresentei o meu primeiro plano de marketing e objetivos, a equipa mostrou alguma resistência na sua aceitação. Hoje é uma ferramenta de trabalho reconhecida por todos. Afirmo, com total certeza, que estas iniciativas foram críticas para o atual desempenho da farmácia, para a sua estabilidade financeira e para a obtenção dos atuais resultados, que no panorama geral são claramente positivos. Concluo revelando que esta mudança de paradigma não alterou os princípios básicos destes 115 anos de história: não investir para além dos limites, arriscar com segurança e utilizar os proveitos para gestão da farmácia e não para “engordar” o património individual. Estes princípios servem-me de bússola para honrar os meus compromissos ético-profissionais. Autor: João Correia da Silva, Farmácia Alves da Silva (Porto) 39


reuniões profissionais

11º Congresso Nacional das Farmácias

O Novo Contrato Social para a Farmácia A definição de um Novo Contrato Social entre a Farmácia e o Estado é o tema do 11º Congresso Nacional das Farmácias, que terá lugar nos dias 18 e 19 de outubro, no Centro de Congressos de Lisboa. No horizonte dos trabalhos está o desenho de um modelo que redefina o setor, em prol de um sistema de saúde sustentável.

Nos próximos dias 18 e 19 de outubro realiza-se, em Lisboa, o 11º Congresso Nacional das Farmácias, onde o presente e o futuro do setor serão discutidos sob o mote de um “Novo Contrato Social para a Farmácia”. O ponto de partida dos trabalhos será a realidade vivida atualmente 40

no setor, já antes vulnerabilizado pelo impacto de sucessivas decisões políticas, e que não ficou incólume às duras e em muito desproporcionadas medidas que lhe foram impostas nesta Era de resgate financeiro. A rutura do equilíbrio entre os deveres das farmácias e a sua retribuição teve como

consequência o caducar do contrato social que antes existia entre o setor e o Estado, e é preciso, agora, desenhar um novo compromisso. Serão os contornos desse compromisso o motor da grande reflexão que se fará no decorrer deste 11º Congresso, no sentido de se debaterem os caminhos possíveis para


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Workshops orientados para a prática profissional o setor, que lhe permitam continuar a prestar serviços de excelência de um modo sustentável e gerador de sinergias positivas. Pretende-se que esta seja, efetivamente, uma grande plataforma de recolha de contributos para a construção de um novo modelo para o setor e, nesse sentido, é imperativa a participação ativa das farmácias.

Construir a mudança O momento é de mudança e isso mesmo será espelhado na própria orgânica do Congresso, que arranca com o painel intitulado “Uma Saúde Sustentável para Portugal”, composto por dois colóquios: “O caminho para a efectividade e eficiência dos sistemas de saúde”, pelo representante do Observatório Europeu dos Sistemas e das Políticas de Saúde, e “Financiamento e resultados em saúde no período pós-Troika”, por Miguel Gouveia, Professor na Universidade Católica Portuguesa. Esta primeira parte, de âmbito mais alargado, termina com o debate com os representantes dos partidos políticos que têm assento na Assembleia da República, o qual decorre habitualmente no último dia, mas tem, este ano, honras de abertura. O segundo painel começa a afunilar o âmbito dos trabalhos e o medicamento será soberano, estando em análise o seu contributo para uma saúde sustentável. Moderado por Francisco Batel Marques, Diretor da Unidade de Avaliação de Tecnologias de Saúde – AIBILI, este período conta igualmente com duas exposições prévias: “Política do Medicamento Baseada na Evidência”

Os participantes do 11º Congresso terão também oportunidade de participar nas workshops que se desdobram na tarde do segundo dia de trabalhos – cada uma delas foi pensada numa perspectiva de partilha de experiências entre pares com vista a aplicação prática no dia-a-dia da farmácia. Os temas propostos são muito diversificados no sentido de ir ao encontro das necessidades das farmácias. Assim, dois dos temas abordam a intervenção farmacêutica, um sobre nutrição e outro na área da grávida e do recém-nascido, sendo a gestão abordada em outras duas workshops, concretamente a gestão de recursos humanos e a gestão da farmácia com a análise dos indicadores de performance. Por último, o novo ANFOnline é um dos temas das workshops onde estará em foque as funcionalidade desta nova ferramente ao dispor das farmácias.

Oportunidade de divulgação de trabalhos de investigação Tal como vem sendo habitual, o 11º Congresso Nacional das Farmácias irá contar com um espaço para divulgação de posters relativos a serviços farmacêuticos ou ações de intervenção farmacêutica desenvolvidos recentemente ou em curso nas farmácias associadas. Desta forma, será possível perceber mais detalhadamente muito do trabalho desenvolvido no e pelo setor e, ao mesmo tempo, divulgar iniciativas pioneiras aos colegas farmacêuticos. Este ano, a Comissão Científica, presidida por Jorge Gonçalves, da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, e composta também por Ana Miranda, consultora científica do CEFAR; Margarida Caramona, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra; Maria Sofia Oliveira Martins, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa; Filipa Duarte-Ramos, da Direção da ANF; Cristina Santos, do Departamento de Serviços Farmacêuticos; e Suzete Costa, do CEFAR, tem a seu cargo a avaliação de 35 trabalhos.

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e “Acessibilidade e Uso Racional do Medicamento”, a primeira a cargo de Hubert Lefkens, professor catedrático de Farmacoepidemiologia e Presidente da Agência Holandesa do Medicamento, e a última do vice-presidente do INFARMED, Hélder Mota Filipe. O dia chega ao fim com um debate, onde intervêm Paulo Duarte, presidente da ANF, Carlos Maurício Barbosa, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, João Almeida Lopes, presidente da Apifarma, Paulo Lilaia, presidente da Apogen, e ainda um representante da Ordem dos Médicos, da Escola Nacional de Saúde Pública e da Plataforma Saúde em Diálogo.

As melhores práticas No sábado: a Farmácia, e o seu contributo para uma Saúde Sustentável. A moderação do painel estará a cargo do presidente do INFARMED, Eurico Castro Alves, e as diferentes

A rutura do equilíbrio entre os deveres das farmácias e a sua retribuição teve como consequência o caducar do contrato social que antes existia entre o setor e o Estado. comunicações procurarão, acima de tudo, servir como exercício de benchmarking, onde sejam exploradas as melhores práticas que possam ser replicadas para um novo modelo de farmácia. António Vaz Carneiro, do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, irá centrar a sua preleção na forma de “Acelerar a transição para os Cuidados de Saúde Primários

e de Proximidade”; Alexandre Lourenço, da Administração Central de Sistemas de Saúde, falará sobre “Contratualização e modelos de pagamento nos Cuidados de Saúde Primários”; Kate Mulvenna, representante do NHS, fará uma apresentação do “Modelo de contratualização do Estado com as Farmácias na Irlanda”. Inseridas no mesmo painel, duas últimas palestras, uma a cargo de José Luis Biscaia, da USF de São Julião da Figueira, que trará o tema “Unidades de Saúde Familiar e Farmácias: Uma aposta de futuro”, e outra, com Pedro Pita Barros, da Nova School of Business and Economics, que irá apontar “Um novo modelo de remuneração para as Farmácias”. O debate será então alargado a todos os congressistas, assim se encerrando os trabalhos, ficando o ponto final dos mesmos à responsabilidade de Paulo Duarte, numa sessão presidida pelo ministro da Saúde, Paulo Macedo.

Expofarma 2013

“Valorizar a Saúde” Com a assinatura “Valorizar a Saúde”, a Expofarma 2013 decorre, novamente, em simultâneo com o 11º Congresso Nacional das Farmácias e, de acordo com o diretor do certame, Filipe Mota Rebelo, «existirá uma maior interação» com o mesmo, «promovendo uma maior dinâmica para os congressistas e demais visitantes». Até porque, acredita, «este será um Congresso com grande afluência. Os momentos conturbados tendem a promover mais ligação e diálogo entre quem tem dificuldades comuns, como é o caso atualmente das Farmácias em Portugal. O facto de ser o primeiro Congresso do Dr. Paulo Duarte como presidente da ANF é outro fator que fará aumentar o número de participantes nestes dois eventos». Em suma, são esperados, durante os três dias da exposição, cerca de oito mil profissionais de saúde, validando

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a assinatura de maior feira do mercado farmacêutico realizada em Portugal, onde estarão representadas as principais empresas do setor. Uma das novidades da Expofarma 2013 é a realização de uma conferência, no final do primeiro dia de trabalhos do Congresso intitulada «Eu posso!», a cargo de Adelino Cunha, orador motivacional e «certezacional», conforme gosta de se descrever. Esta conferência conta com o patrocínio da Mylan. Outra das apostas da Expofarma foi na criação de um novo site, «com uma nova imagem e mais intuitivo», bem como uma maior interação com os interessados na «nova página de Facebook, locais onde será possível seguir a par e passo toda a construção da Expofarma 2013: www.expofarma.pt e www.facebook. com/expofarma2013».


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FIP’ 2013

Trabalhar já o futuro da profissão Modelos de remuneração para as farmácias hospitalar e comunitária

Dublin, capital irlandesa, foi a cidade escolhida para a realização do 73º Congresso da Federação Internacional Farmacêutica (FIP), que teve lugar de 31 de agosto a 5 de setembro. Cerca de três mil farmacêuticos, oriundos de todo o mundo, reuniram ali, sob o mote “Towards a Future Vision for Complex Patients – Integrated care in a Dynamic Continuum”. No seu discurso de abertura dos trabalhos, o presidente da FIP, Michel Buchman, começou por apresentar o novo secretário-geral e CEO da FIP, o francês Luc Besançon, e retomou um tema abordado na cimeira ministerial realizada no ano passado, em

Amesterdão: a contribuição dos farmacêuticos para a redução dos custos com o medicamento, nomeadamente no combate ao desperdício que, se calcula, custe mais de 500 mil milhões de dólares por ano aos Estados. Para Buchman, existe aqui uma «oportunidade central para

Depois de, em outubro de 2012 ter sido criado um grupo de trabalho para definir os modelos de remuneração para as farmácias hospitalar e comunitária, foram agora apresentadas as linhas orientadoras que passam pelo respeito pela individualidade de cada país. E porque pode ainda passar por procurar identificar outros mercados para além do relacionado com o medicamento, nos quais as farmácias possam capturar valor, considerou-se importante identificar não só quais os modelos de remuneração, mas também o impacto que exercem em ganhos em saúde.

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Ema Paulino

Primeira mulher do Executivo da FIP é portuguesa

Eleita Secretária Profissional do Board of Pharmaceutical Practice (BPP) em março deste ano, Ema Paulino representa agora o «braço prático» dentro da estrutura da FIP, que engloba ainda a vertente da Investigação. A farmacêutica portuguesa, que contou com o apoio da OF e da ANF na sua candidatura, venceu

utilizar as competências, conhecimentos e experiência profissional dos farmacêuticos», devendo-se, para tal, apostar na construção de um road map de ações que o patenteei. Sob o olhar atento de James Reilly, ministro da Saúde Irlandês presente na ocasião, o presidente da FIP sublinhou a importância do trabalho em equipa entre farmacêuticos e com outros profissionais, assinalou uma «inevitável multidisciplinaridade» na 44

a oponente chinesa, e passa agora a ser, «em 101 anos, a primeira mulher do Executivo da FIP, a primeira portuguesa e o membro mais jovem». Para si, esta eleição é «fruto da continuidade do trabalho que vinha desenvolvendo no seio da FIP», derivando de ter «estado sempre envolvida na organização, apesar de ser um trabalho voluntário que ocupa muito tempo». A partir de agora, Ema Paulino terá a seu cargo funções de «representatividade da organização», mas há desafios maiores. Segundo conta, «a FIP está a redesenhar-se, de acordo com a visão que estabeleceu para 2020. A Federação assumiu que a Educação e a própria capacitação do farmacêutico eram aspetos fundamentais no desenvolvimento de competências, e isso levou ao surgimento, ainda precoce, de um novo “braço”, além do da Prática e do da Investigação, que é o da Educação, e que em breve motivará uma alteração aos Estatutos. Além disso, há ainda o desafio da coordenação da vertente Prática com a Ciência, de forma que a Ciência alimente a Prática e a Prática se baseie na Ciência». E quanto à pergunta provocadora de para quando uma candidatura à presidência da FIP?, Ema apenas diz que «gosto de estar nas posições em que sinto que posso dar um contributo importante e que, de algum modo, influencio as decisões. Se o momento se proporcionar…», pois que não voltará costas!

Portugal esteve representado no Congresso da FIP de múltiplas maneiras, e este ano com uma delegação significativa: 135 participantes.

prestação de cuidados e relembrou, por isso, em jeito de apelo, que é fundamental que «todos os parceiros falem a mesma língua e se entendam». «Não há reconhecimento profissional sem comprometimento e envolvimento profissional», avisou, deixando claro para os líderes das associações nacionais o quão determinante é o seu papel no desenvolvimento das estratégias traçadas para a profissão farmacêutica.


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FIP Statement of Policy

Intervenção farmacêutica na saúde materna e infantil No decorrer deste Congresso, o Council aprovou uma recomendação sobre o aumento da efetividade da intervenção farmacêutica na melhoria da saúde materna e infantil, a qual será endereçada aos Governos e outras instituições. O processo agora culminado teve início em setembro de 2011, com a aprovação de um relatório de referência sobre esta matéria, tendo sido posteriormente criado um grupo de trabalho com o objetivo de elaborar um documento que explanasse o modo como os farmacêuticos contribuem para as metas de desenvolvimento estabelecidas pelas Nações Unidas para o milénio, particularmente no que se refere à redução da mortalidade infantil e melhoria da saúde materna. Foi assente nesses dados que se construiu a recomendação. Nesta pode ler-se que para a FIP «é evidente que através de uma educação de saúde pública efetiva, da distribuição de medicamentos, da gestão terapêutica, da própria performance profissional e melhoria da efetividade dos cuidados, os farmacêuticos podem desempenhar um papel vital na otimização de resultados em saúde, económicos e humanos». São, então, recomendações da FIP: › Que o papel já desempenhado pelos farmacêuticos na melhoria da saúde maternal e infantil seja promovido a nível mundial; › Que, individualmente, cada um dos farmacêuticos assuma uma maior responsabilidade nesta área,

Forte aposta na Educação A FIP está apostada numa reforma das Ciências Farmacêuticas, a começar pelo Ensino. Michel Buchman afirmou-o também no seu discurso, defendendo que, uma vez que a evolução da profissão farmacêutica é determinada pela criação de competências, «há que fazer o investimento apropriado no 46

tendo em conta o seu enquadramento profissional nacional; › Que se envolvam na investigação, que desenvolvam a ciência e a prática nesta área; › Que trabalhem alinhados com as intervenções identificadas pelo OMS; › Que os currículos académicos e a formação contínua inclua estas matérias; › Que as organizações membro desenvolvam padrões específicos de prática no seu âmbito nacional, incluindo, por exemplo, a preparação de medicamentos que não estejam disponíveis a nível comercial; › Que se assegure o inventário e armazenamento de todos os produtos adequados para que estejam sempre disponíveis para fornecer a mães e crianças; › Que as organizações membro defendam e apoiem as políticas nacionais, desenvolvendo programas e serviços que respondam às estratégias desenhadas pelos governos neste âmbito; › Que as organizações respondam a necessidades específicas do seu país, e priorizem as ações necessárias para ir ao encontro da visão do contributo do farmacêutico nesta matéria, tanto na Farmácia Comunitária como Hospitalar; › Que os governos reconheçam e apoiem o papel dos farmacêuticos e organizações farmacêuticas na melhoria da saúde materna e infantil, através da implementação de um quadro legislativo adequado.

desenvolvimento da formação». Foi neste sentido que foi aprovada e adotada a FIP Education Iniciative (FIPEd) 2014-2018 – Global Education Action Plan, que tem por objetivo, ao longo de cinco anos, estimular as alterações necessárias no Ensino na área farmacêutica, por forma a responder às atuais e futuras necessidades, bem como motivar o incremento da formação em países onde há falta de profissionais.

Espera-se que, no final deste período de cinco anos, se consiga ter alcançado um currículo universal e consensual, que permita que sempre que a expressão “farmacêutico” for utilizada, haja partilha de um entendimento comum sobre o significado da mesma; e ter uma metodologia validada e instrumentos que suportem a mudança na formação. Mas não só! Pretendese o estabelecimento de uma


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O contributo dos farmacêuticos para a redução de custos com medicamentos pode ser fulcral, designadamente no combate ao desperdício, avaliado em mais de 500 mil dólares por ano.

A Delegação Portuguesa da FIP constituída por Paulo Duarte, Carlos Maurício Barbosa e Ema Paulino

plataforma de entendimento global através da formação, de modo que se atinja um tal padrão que permita demonstrar, efetivamente, perante os governos que a ele deve corresponder a devida remuneração. Mais: como os novos modelos de remuneração, que se encontram em estudo na FIP, estarão estritamente associados, para além de a resultados, a necessidades de aquisição de novas competências, exige-se, desde já, um investimento em treino e formação.

Presença portuguesa Tal como vem sendo hábito, Portugal esteve representado no Congresso da FIP de múltiplas maneiras, e este ano com uma delegação significativa: 135 participantes. Entre estes, destaque para as presenças de Paulo Duarte, presidente da Direção da ANF, e

Carlos Maurício Barbosa, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos. Na ordem de trabalhos, realça-se a participação de Suzete Costa, do Cefar, no painel “The complexity of health challenges in 2020: Are we ready?”, com uma apresentação intitulada “Non-Communicable Diseases (NCD) and Pharmacy-Based Programs”, onde descreveu o contributo e envolvimento das farmácias portuguesas em ações de proteção e promoção da saúde e gestão da doença, como a campanha de determinação do risco cardiovascular e a intervenção na DPOC. Margarida Caramona, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, marcou presença na sessão dedicada às “Short oral presentations of the FIP Community Pharmacy Section”, expondo o trabalho de investigação apresentado no poster “The Beliefs about Medicines

Questionnaire utility as a tool in medication review”. De notar que foram aprovados ao Congresso 39 posters portugueses. Distinção feita, por fim, a duas outras participações nacionais: Ema Paulino, que viu a sua eleição recente como Secretária Profissional do Board of Pharmaceutical Practice (BPP) ratificada neste Congresso (Ver caixa), foi moderadora no painel “Best Practice in Integrating Drug Therapy and Patient care”; e Luís Lourenço, agora eleito para o cargo de secretário da Secção de Farmácia Comunitária, que dirigiu o painel “Trends in Community Pharmacy: Debating the Future of the Profession”. Para o ano, Banguecoque, na Tailândia, será o cenário da realização da 74ª edição do congresso da FIP, que terá lugar de 30 de agosto a 4 de setembro de 2014. Aproveite, e reserve já estes dias na sua agenda! 47


ENTREVISTA

Henrique Martins, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde

Desmaterialização da receita médica

Vem aí uma nova realidade relacional com os utentes A prescrição e dispensa eletrónicas serão, muito em breve, uma realidade incontornável e que, para muitos, peca apenas por tardia. As vantagens do sistema são muitas mas, conforme alerta Henrique Martins, presidente do Conselho de Administração dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, a sua implementação trará também desafios para as farmácias, designadamente ao nível da relação com os utentes. Tudo será mais digital! FARMÁCIA PORTUGUESA – Tem-se vindo a trabalhar na implementação de um circuito de suporte à desmaterialização da receita eletrónica. Em que ponto estão os trabalhos? Henrique Martins – Em termos conceptuais, começámos agora a usar a expressão “receita sem papel”, 48

porque traduz, para os utentes, de forma mais fácil, o que é o projeto. O conceito de desmaterialização é percetível para os médicos e farmacêuticos, mas o utente não o entende muito bem. Por outro lado, temos vindo, desde há algum tempo, a usar os termos prescrição eletrónica para

denominar o que é apenas a utilização de um software para a produção de uma folha entregue depois pelo médico ao utente, permanecendo todo o restante circuito em papel. O alargamento da desmaterialização à totalidade desse circuito, que vai desde o momento de prescrição


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até à faturação, está, de facto, ainda em progresso, sendo necessárias alterações legislativas para que o processo seja efetivamente implementado e passe a haver, realmente, uma prescrição e dispensa sem papel. FP - Que alterações legislativas são essas? HM - Alguns passos importantes já foram dados, como é o caso da criação, pelo INFARMED, do Código Nacional para a Prescrição Eletrónica de Medicamentos (CNPEM), por princípio ativo e por tipo de embalagem, mas, de resto, o quadro normativo que existe respeita ainda ao circuito em papel. Está-se a trabalhar na modificação da portaria de prescrição e da portaria de faturação das farmácias ao Centro de Conferência de Faturas. São pontos importantes do projeto que estão a avançar e, aliado à vontade da Tutela na sua implementação, há agora trabalho a fazer baseado nos resultados obtidos através dos projetos-piloto no terreno. Os principais indicadores foram recolhidos na Unidade de Saúde Familiar do Alto Minho e no agrupamento de Centros de Saúde de Setúbal, mas o software está também a ser utilizado ao nível de alguns hospitais, como o Hospital da Figueira da Foz, o Hospital de Tondela/ Viseu e o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Mensalmente, articulamos com as associações de farmácias, nomeadamente com a ANF, que é a que tem maior expressão, para limar arestas em termos de software. FP - Que balanço é possível fazer desses pilotos? HM - Os ensaios correram muito bem, embora em alguns casos, como o do Hospital Tondela/Viseu, as exigências técnicas tenham atrasado o processo. Entenda-se, aqui, por piloto, um local onde, ao longo do percurso, todo o processo é digital. A prescrição é feita pelo médico, recorrendo ao cartão de cidadão (CC) para a validar e, embora a receita ainda seja impressa, já existe uma

versão eletrónica recebida pela farmácia através do seu software próprio, que comunica com a base de dados central, sendo logo feita a validação da fatura. Durante os meses de abril, maio e junho testámos a faturação eletrónica e chegámos a uma margem de erro muito baixa – menos de 3%.

«Temos montada uma estrutura online, o Portal do Utente - em funcionamento há pouco mais de um ano e que conta com perto de 900 mil pessoas inscritas e já autenticadas»

FP - De quantas receitas estamos a falar? HM - Cerca de 10 mil. Nem todas foram emitidas através do sistema totalmente eletrónico, porque há médicos que não usam o leitor do CC para fazer a receita, nem todos os utentes têm CC e nem todos os que têm se fazem acompanhar dele. A nossa ideia é, a partir de outubro, alargar o projeto-piloto para o resto do país. FP - Ou seja, alargar o campo de estudo. O que falta, em termos técnicos, para a sua implementação efetiva? HM - Temos de fornecer a todos os médicos do SNS um leitor do CC – os Serviços Partilhados já os adquiriram centralmente – e promover junto dos utentes a informação de

que quem tem CC – são já perto de 90% os que o possuem – terá vantagens com este tipo de prescrição e dispensa de medicamentos. FP - Dentro dos 10% que ainda não possuem o cartão do cidadão encontram-se as pessoas com Bilhete de Identidade (BI) vitalício, idosos que são também eles grandes consumidores de medicamentos. Como será resolvida esta situação? HM - A implementação do projeto da receita sem papel é urgente, mas temos de ter em consideração algumas limitações existentes do lado dos utentes, como a que refere em relação ao CC, para além das legais, já mencionadas. No caso do CC, é necessário que haja um esforço conjunto, da Administração Interna e da Tutela, no sentido de promover a substituição dos BI vitalícios pelos CC. Apesar de serem apenas 10%, temos de ter em atenção que estas pessoas correspondem, de facto, aos grandes consumidores e podem significar 50% do total das receitas. FP - Existe alguma data prevista para o desaparecimento definitivo do papel no circuito? HM - Tecnicamente, é possível deixar, já, de haver papel. Temos montada uma estrutura online, o Portal do Utente - em funcionamento há pouco mais de um ano e que conta com perto de 900 mil pessoas inscritas e já autenticadas –, que pode servir de plataforma a todo o circuito de comunicação. Ali acede-se a informação sobre os medicamentos, e seria facilmente exequível, com o CC do utente, o farmacêutico aceder aos dados sobre a sua “conta” de fármacos, assim podendo ter uma melhor perceção do que é realmente necessário dispensar. O que ficaria a faltar seria o acesso ao guia do tratamento por parte do utente, mas que pode ser conseguido por duas vias: ou utilizando o Portal do Utente, que permite 49


ENTREVISTA

consultar e imprimir o guia em casa, ou ser a própria farmácia a fazer a impressão das instruções na hora da dispensa do medicamento. Ou seja, tecnicamente, os dois cenários serão possíveis e na prática o que irá acontecer certamente, durante algum tempo, será a sua coexistência, até porque a impressão em papel representa uma segurança, em especial para alguns utentes. E, depois, não há pressa para a total implementação da primeira hipótese, porque já se conseguirá um sistema eletrónico eficaz e efetivo, que vai reduzir custos operacionais às farmácias e ajudar os utentes a terem mais flexibilidade. FP - Refere uma maior flexibilidade para os utentes. Como é que isto se traduz na realidade? HM - Traduz-se na possibilidade de poder levantar, por exemplo, metade da receita numa farmácia e o restante em outra. Isto será um grande desafio também para as farmácias, porque irá transformar o mercado concorrencial. Ou seja, a partir do momento em que a receita deixa de ser uma folha que fica guardada numa farmácia, eu posso querer levantar dois itens na farmácia a que me dirijo no momento e guardar os restantes na base de dados para uma aquisição posterior e que pode ser realizada numa farmácia diferente. FP - Que outros tipos de desafio podem as farmácias esperar com a prescrição eletrónica? HM - Do ponto de vista do suporte tecnológico, as farmácias possuem atualmente tudo o que é necessário para lidar com a receita sem papel, e os recursos humanos estarão também preparados para trabalhar nesta nova realidade. Onde acreditamos que haverá dificul50

dade é na adaptação dos utentes nos primeiros meses, designadamente no facto de muitos não se fazerem acompanhar do seu CC ou de não perceberem a importância da implementação deste projeto. No fundo, é um desafio de comunicação para levar a uma mudança de hábitos. Outro desafio é ao nível relacional, uma vez que a relação deixará de ser baseada no documento em papel, mas nos cartões. Passa a ser uma filosofia semelhante ao multibanco, onde se vai fazer o levantamento, mas neste caso de medicamentos.

«O farmacêutico passa a estar mais envolvido na informação clínica do doente, pois, se o sistema estiver a funcionar bem e desde que o utente o autorize, será possível o seu acesso a alguma informação clínica básica. » Isto implica o surgimento de uma relação diferente com os utentes, pois se, por um lado, as farmácias deixam de ter de se preocupar com a burocracia do papel, o que até lhes traz uma tranquilidade acrescida, porque já não existe a preocupação com a perda de faturação, por outro, as farmácias têm ainda uma vida digital muito fraca. Excetuando o software fornecido pelas associações, o contacto com estas ferramentas de comunicação é ainda fraco. Muitas não têm sequer site ou representação nas redes sociais,

e julgo que a implementação deste sistema vai por a nu alguma fragilidade ao nível da pegada digital e da interação com os utentes por esta via. Acredito que, uma vez totalmente implementado este sistema, os utentes vão passar a exigir serviços mais digitais, e isto não se prende apenas com a receita eletrónica, mas com situações como poder enviar um email a questionar sobre um determinado medicamento ou o horário de funcionamento, e obter uma resposta rápida. FP - Em termos gerais, quais considera que são as principais vantagens da implementação de um sistema deste tipo? HM - Uma enorme vantagem para o médico e para o utente é o permitir que o clínico fique a saber se o medicamento foi realmente dispensado. Uma das grandes falhas do sistema atual é os médicos apenas conhecerem o que prescrevem, mas nunca terem a certeza se o doente realmente levantou o medicamento na farmácia. Apesar de isto não garantir que o utente efetivamente o tomou, a sua dispensa na farmácia é por si só um indicador positivo. Mas o inverso também é verdade, e o farmacêutico passa a estar mais envolvido na informação clínica do doente, pois, se o sistema estiver a funcionar bem e desde que o utente o autorize, será possível o seu acesso a alguma informação clínica básica. Em suma, esta será uma grande mais-valia para a relação da Farmácia com o utente e o restante setor Saúde, e que permitirá ganhos em saúde e até poupanças. Mais: contrariamente ao que se possa julgar, esta realidade está mais distante do ponto de vista legal, do que do ponto de vista técnico. Aliás, a deliberação da


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Comissão Nacional da Proteção de Dados ainda não incluiu o farmacêutico, porque, numa primeira fase, a Plataforma de Dados de Saúde partilha dados entre os Centros de Saúde, os Hospitais e o Portal do Utente apenas dentro do universo do SNS. Outro aspeto onde se espera um enorme contributo do sistema será no combate à fraude. A possibilidade de controlar todo o circuito é atualmente muito reduzida e, com o circuito digital da receita, vai conseguir perceber-se determinadas situações em tempo real. FP - Qual será aqui o papel do Centro de Conferência de Faturas? HM - Tal como até agora, ficará no fim do circuito. A grande diferença é que a faturação será também digital e pode, no caso do controlo de fraude, aceder a informação sobre a prescrição e a dispensa.

vertentes e irá avançar também nessa direção. Atualmente, está igualmente em fase de implementação o sistema de prescrição eletrónica de cuidados respiratórios domiciliários. A aplicação eletrónica antiga existente está a ser substituída por uma que permitirá aos médicos prescrever oxigénio, câmaras ventiladoras ou ventiladores ao domicílio, num módulo inserido dentro deste software. Em relação aos exames de diagnóstico, também está a ser trabalhado um circuito de desmaterialização completo, para passar a ser 100% digital.

FP - Mas é legítimo pensar que, uma vez que todos os processos sejam eletrónicos, o trabalho humano ficará muito reduzido? HM - A conferência das receitas e da faturação torna-se mais fácil, daí que também seja mais rápida. Algo que interessará certamente às farmácias, que lidam diariamente com a preocupação da gestão do tempo que decorre entre a conferência e a devolução de algumas receitas. Este sistema vai igualmente permitir conferir outro tipo de dados, que são negligenciados por vezes.

FP - Em caso de falha do sistema, quais os cenários de contingência que estão estudados? HM - Os Serviços Partilhados têm um apoio de 24 horas para as farmácias-piloto e para os médicos. Se houver uma falha no sistema, no caso de não se conseguir gerar a receita eletrónica, o médico simplesmente fará uma em papel. No caso de haver problema na ligação do software da farmácia ao serviço de dados central, a farmácia liga para o help-desk e, através de um atendimento específico, é partilhado o número da receita e o pin da guia do utente, que permitirá a dispensa dos medicamentos. Outro ponto que está a ser trabalhado é o da redundância geográfica: temos um servidor no Porto e outro em Lisboa, que servem de backup no caso de um deles falhar, com toda a informação salvaguardada.

FP - Para já o projeto contempla a prescrição de medicamentos. E no caso de meios complementares de diagnóstico, perspetiva-se a sua inclusão neste sistema? HM - O processo de prescrição eletrónica está a avançar em várias

FP -A Portaria definia que o sistema teria de estar implementado até 30 de novembro. O prazo será cumprido? HM - A prescrição eletrónica por DCI está já na fase de roll-out em todo o SNS.

«A grande diferença é que a faturação será também digital e o Centro de Conferência pode, no caso do controlo de fraude, aceder a informação sobre a prescrição e a dispensa.» Quanto à dispensa para todas as pessoas nas farmácias através do CC, não me parece realista que seja em novembro. É possível que, na prática, até arranque antes, mas pressupondo uma adesão voluntária. Ou seja, numa primeira fase, permitindo que seja o utente a escolher se quer, ou não, aderir à receita sem papel. 51


política profissional

Campanha Vacine-se contra a Gripe na sua Farmácia 2013

Aumentar a cobertura vacinal Desde a publicação da Portaria n.º 1429/2007, de 2 de novembro, que as farmácias disponibilizam aos seus utentes o serviço de administração de vacinas não incluídas no Plano Nacional de Vacinação (PNV) e promovem, anualmente, uma campanha nacional de vacinação contra a gripe. Este ano, a palavra de ordem é uma ainda maior divulgação do serviço e sensibilização da população, em particular os grupos de risco, sobre a importância da vacinação contra a gripe, para uma maior cobertura vacinal. 52


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À semelhança dos anos anteriores, cerca de duas mil farmácias vão participar na campanha de vacinação contra a gripe. Os objetivos estabelecidos para 2013 passam por sensibilizar os utentes para a importância da vacinação contra a gripe, ao mesmo tempo que se pretende contribuir para o aumento da cobertura vacinal nos grupos de risco. Igualmente importante é a dinamização nas farmácias do serviço de administração de vacinas não incluídas no PNV, conforme aponta Rute Horta, do Departamento de Serviços Farmacêuticos da Associação Nacional das Farmácias, que reforça a importância de toda a equipa estar empenhada na divulgação do serviço tendo em vista a administração da vacina a todos os utentes com receita médica que optarem por se vacinar nas farmácias. As vantagens da prestação deste serviço nas farmácias são diversas. Características como a sua distribuição geográfica, facilidade

de acesso e diálogo próximo com a população servem de trunfos às farmácias no alcance dos objetivos preconizados. A estes juntam-se outras vantagens, como a «disponibilidade do serviço durante um horário mais alargado do que noutros locais e sem necessidade de marcação prévia», refere Rute Horta, acrescentando, à laia de sublinhado, que nas farmácias está garantida a manutenção da rede de frio, «desde a produção até à administração da vacina». Por outro lado, a aquisição e administração da vacina no mesmo espaço de saúde «representa mais conforto e conveniência para os utentes». Importa referir que « as farmácias devem divulgar este serviço e o respetivo preço, de forma visível, nas suas instalações. », recomenda Rute Horta, lembrando que, no âmbito do Programa Farmácias Portuguesas, «está previsto o rebate de 65 pontos para o Serviço de Administração de Vacinas nas farmácias onde o serviço estiver disponível».

Relativamente aos registos no Sifarma, é importante que as farmácias que prestam este serviço registem a venda e os dados do Serviço de Administração de Vacinas, procedimento com vantagens diversas para a farmácia e para a avaliação do serviço pelo CEFAR. Este ano foram desenvolvidas novas funcionalidades no Sifarma, que para além de permitirem a avaliação pelo CEFAR, adequam o registo da venda e do Serviço de Administração de Vacinas à rotina do dia-a-dia da Farmácia.. Todas as farmácias, inclusive as que não prestam o serviço de vacinação, podem colaborar na avaliação deste importante serviço, através da resposta rápida a duas questões simples geradas pelo Sifarma no momento da venda da vacina contra a gripe (Questão 1: Vai administrar a vacina? Questão 2: A vacina contra a gripe adquirida destina-se a um utente com idade igual ou superior a 65 anos?).

Preferência pelas farmácias em crescendo De acordo com a estimativa máxima do Centro de Estudos e Avaliação em Saúde da ANF (CEFAR), que avalia anualmente este serviço, a taxa de vacinação contra a gripe nas farmácias na época 2011/2012* foi de 49%, o que representou um crescimento de 4,8% face ao ano anterior e comprovou a crescente preferência dos utentes pelas farmácias. A cobertura vacinal atingiu 43,3% na população com 65 ou mais anos e «as farmácias podem ter contribuído entre 9,5% e 13,7% para a concretização deste valor», revela Rute Horta. Logo no primeiro ano em que as farmácias puderam vacinar (2008/2009), um Estudo do CEFAR sobre

uma amostra de doentes vacinados nas Farmácias referiu um grau de satisfação com o novo serviço de 98,2%, sendo que 97,9% voltaria a repetir a escolha da farmácia na próxima época e 98% recomendaria o serviço a terceiros. O Relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) sobre a vacinação antigripal da população portuguesa em 2011/2012 veio confirmar estes dados, identificando a farmácia como o local mais frequentemente escolhido pelos portugueses para a administração da vacina (55,1%), inclusive os indivíduos com idade superior ou igual a 65 anos, quando considerados isoladamente (57,0%).

*Relativamente à época 2012/13, o INSA não publicou o habitual Relatório da Vacinação Anti-Gripal na População Portuguesa 2012/13, desconhecendo-se, assim, a estimativa oficial do INSA de cobertura vacinal em Portugal relativa à época passada.

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consultoria jurídica

Alterações ao Regime de Proteção Social

No passado dia 1 de fevereiro de 2013 entraram em vigor dois diplomas de alcance e destinatários distintos, mas que têm em comum o alargamento/ reforço de mecanismos de proteção social na eventualidade de desemprego – o Decreto-Lei n.º 12/2013 e o Decreto-Lei n.º 13/2013. O Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25 de janeiro foi aprovado na sequência do compromisso do atual Governo assumido com os parceiros da Concertação Social, tendo em vista a aprovação de uma prestação subsídio por cessação de atividade - aos trabalhadores independentes que prossigam uma atividade 54

empresarial, bem como aos membros de órgãos estatutários de pessoas coletivas. Para este efeito, o diploma considera “trabalhadores independentes com atividade empresarial”, (i) os empresários em nome individual com rendimentos decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial ou industrial nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 3.º do Código do IRS; (ii) os titulares de Estabelecimentos Individuais de Responsabilidade Limitada; e (iii) os cônjuges destes trabalhadores independentes que com eles exerçam efetiva atividade

profissional com caráter de regularidade e permanência. Por outro lado, são considerados membros de órgãos estatutários aqueles que exerçam funções de administração e gerência e que não estejam vinculados à empresa por contrato de trabalho. Para este diploma, a eventualidade de desemprego significa toda a situação de perda de rendimento decorrente de encerramento de empresa ou de cessação de atividade profissional de forma involuntária do beneficiário, com capacidade e disponibilidade para o trabalho, e inscrito para emprego no centro de


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emprego. A atribuição de subsídios de cessação de atividade (integral ou parcial) visa, portanto, compensar a perda de rendimentos em consequência da cessação de atividade profissional por motivos justificados que determinam o encerramento da empresa. A atribuição de subsídios por cessação de atividade depende da verificação cumulativa de cinco condições: (i) encerramento da empresa ou cessação da atividade profissional de forma involuntária; (ii) cumprimento do prazo de garantia; (iii) situação contributiva regularizada perante a Segurança Social, tanto da empresa como do colaborador; (iv) perda de rendimento que determine a cessação de atividade; e (v) inscrição no centro de emprego da área de residência. A lei considera a cessação de atividade ou o encerramento de empresa como involuntária, designadamente, sempre que decorra de: a) redução significativa do volume de negócios que determine o encerramento da empresa ou a cessação da atividade para efeitos de IVA; b) sentença de declaração de insolvência, nas situações em que seja determinada a cessação da atividade dos gerentes ou administradores ou em que o processo de insolvência culmine com o encerramento total e definitivo da empresa; c) motivos económicos, técnicos, produtivos e organizativos que inviabilizem a continuação da atividade económica ou profissional; d) motivos de força maior determinante da cessação da atividade económica ou profissional; ou de e) perda de licença administrativa sempre que esta seja exigida para o exercício da atividade e essa perda não seja motivada por incumprimentos contratuais ou pela prática de infração administrativa ou delito imputável ao próprio. O prazo de garantia exigido no âmbito deste diploma é de 720 dias de exercício de atividade profissional, com

O requisito de manutenção do nível de emprego qualificado considera-se verificado com a contratação de novo trabalhador mediante contrato de trabalho sem termo

o correspondente registo de remunerações num período de 48 meses imediatamente anteriores à data de cessação da atividade. O montante de subsídio por cessação de atividade é equivalente a 65% da remuneração de referência (que por sua vez é apurada com base nos últimos 12 meses civis que precedem o 2.º mês anterior ao da cessação da atividade), calculado segundo uma base de 30 dias por mês. O requerimento tendente à atribuição destes subsídios (em modelo próprio) deve ser apresentado no prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do encerramento da empresa ou da cessação da atividade profissional em causa, no centro de emprego da área da residência do beneficiário ou no website da Segurança Social. No mais, deve ser instruído com toda a documentação comprovativa do caráter involuntário do encerramento da empresa ou da cessação da atividade profissional. Noutro âmbito, importa sublinhar a importância do Decreto-Lei 13/2013, de 25 de janeiro, que aditou um artigo 10.º-A ao Decreto-Lei 220/2006, de 3 de novembro, que por sua vez regulamenta o regime jurídico de proteção no desemprego dos trabalhadores por conta de outrem. Nesta matéria, foi celebrado entre o Governo e os Parceiros Sociais, no início de 2012, um Acordo sobre o

Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego, tendo ficado estabelecida a adoção de medidas que visem o reforço da capacidade técnica das empresas, através de uma renovação dos seus quadros técnicos, a cujos postos de trabalho corresponda o exercício de atividade de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponha uma especial qualificação, mantendo, no entanto, o nível do emprego qualificado nas empresas. Assim, este diploma veio considerar também como desemprego involuntário, para efeitos de acesso às prestações sociais por desemprego, todos os casos de cessação do contrato de trabalho por acordo que tenham por fundamento o reforço da qualificação e da capacidade técnica das empresas, desde que estas cessações não diminuam o nível de emprego qualificado na empresa. Para tal, o requisito de manutenção do nível de emprego qualificado considera-se verificado com a contratação de novo trabalhador mediante contrato de trabalho sem termo e a tempo completo, para posto de trabalho a que correspondam atividades de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham certo nível de qualificação, até ao final do mês seguinte ao da cessação do contrato de trabalho. Os acordos de cessação feitos ao abrigo deste diploma não estão sujeitos aos limites estabelecidos para as cessações de contratos de trabalho fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho, não tendo de respeitar as quotas impostas por lei para cada triénio para haver acesso ao subsídio de desemprego. Elaborado por: Eduardo Nogueira Pinto e Eliana Bernardo, advogados PLMJ – Sociedade de Advogados 55


consultoria fiscal

Comprovação das despesas 1. ÂMBITO Para que um gasto se possa aceitar como custo fiscal 1, a lei e a doutrina estabelecem dois requisitos essenciais: a comprovação (justificação) e a indispensabilidade (relação com os ganhos). Apenas os aspetos relacionados com a verificação do primeiro desses requisitos (aspetos formais da comprovação) caberão no âmbito deste trabalho, ficando fora dele todas as questões ligadas à qualificação/dedutibilidade dos gastos e ao juízo de indispensabilidade que lhe terá de estar, sempre, associado.

2. DESPESAS DE SAÚDE EM IRS: SUA COMPROVAÇÃO É dedutível à coleta do IRS, até ao limite de duas vezes o IAS2 , uma importância correspondente a 10% das despesas de saúde que sejam isentas de IVA ou estejam sujeitas à taxa reduzida3 . Para que essa dedução à coleta seja fiscalmente admissível e possa ser levada em conta, pela Administração Tributária e Aduaneira (AT), na quantificação final do imposto a pagar ou a recuperar, é necessário que4 : a) o adquirente desses bens ou serviços integre o agregado familiar5 alvo de tributação; 1 2 3

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b) o número de identificação fiscal (NIF) do adquirente conste da respetiva declaração de rendimentos; c) exista, e possa ser exibido quando solicitado pela AT, um suporte documental (fatura) fiscalmente válido. É à volta desta última condição – existência dos requisitos de ordem formal que conferem, ou retiram, validade fiscal ao documento de suporte – que mais dúvidas se têm levantado e mais situações de controvérsia se têm gerado. Refere-se no nº 66 do artigo 78º, CIRS que as deduções só podem ser realizadas: a) Mediante a identificação fiscal dos dependentes, ascendentes, colaterais ou beneficiários a que se reportem, feita na declaração a que se refere o n.º 1 do artigo 57.º; b) Mediante a identificação, em fatura emitida nos termos legais, do sujeito passivo ou do membro do agregado a que se reportem, nos casos em que envolvam despesa. A redação encontrada para estas duas alíneas, coloca-nos perante uma distinção clara entre o que se considera exigível na alínea a) e o que se tem como obrigatório na alínea b). Enquanto para a declaração de rendimentos (alínea a) se exige a “identificação fiscal” do adquirente, para as faturas (alínea b), exige-se,

simplesmente, a “identificação”. Estes dois termos – “identificação fiscal” e, apenas, “identificação” – traduzem conceitos diferentes e têm significados que não podem ser confundidos. O “NIF” é o elemento essencial do primeiro e o “nome” o elemento essencial do segundo. Por “fatura emitida nos termos legais” (expressão utilizada alínea b)), deve entender-se fatura emitida com observância de todos os requisitos previstos no artigo 36º do Código do IVA, especialmente, os que são mencionados no seu nº 5. Como a alínea a) desse nº 5 dispensa a indicação do NIF quando o adquirente não seja um sujeito passivo, as faturas emitidas a particulares sem a indicação do seu NIF não deixarão de ter forma legal. Isto se, dessa fatura, constarem todos os restantes elementos previstos nesse nº 5 (nome e morada do adquirente7 , nome e morada da farmácia, Nº sequencial, data, quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, taxa de IVA aplicada, etc.)8 Em conclusão: uma fatura emitida a um particular (consumidor final), sem a indicação do seu NIF, mas com todos os outros requisitos obrigatórios, é válida e servirá para comprovação das despesas de saúde, em IRS9 .

Ou, no caso do IVA, para que o imposto suportado seja dedutível Indexante dos apoios sociais (atualmente, € 419,22) Artigo 82º, CIRS. Deve ter-se, também, em conta o limite geral previsto no nº7 do artigo 78º (teto em função do respetivo rendimento coletável) Ver Nº6 do artigo 78º do CIRSv Limite para a aplicação do regime especial de isenção – artigo 53º, CIVA. Agregado familiar no conceito definido no artigo 13º, CIRS Número aditado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro A indicação da identificação e domicílio do adquirente é, em geral, dispensável nas faturas de valor inferior a € 1 000,00 (nº15 do artigo 36º, CIVA). Todavia, para a comprovação das despesas de saúde, a identificação (nome) será sempre necessária (nº6 do artigo 78º, CIRS). Neste mesmo sentido, despacho de 31 de outubro de 2011, SEAF


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3. ATIVIDADE EMPRESARIAL 3.1. Tributação do rendimento (IRC ou categoria B do IRS) Para além da qualificação que se queira atribuir e do juízo de indispensabilidade que, à luz dos critérios enunciados no artigo 23º, CIRC10 , se possa formular, apenas se aceitam como gastos para efeitos fiscais, as importâncias que, tendo sido devidamente contabilizadas, constem de documentos emitidos em forma legal. Por fatura em forma legal deve entender-se: • a fatura emitida com todos os requisitos previstos no artigo 36º, do CIVA, ou • a fatura simplificada emitida nos termos do artigo 40º do mesmo 9

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código, sendo, em ambos os casos, exigível a indicação do NIF do transmitente ou prestador e, também, do adquirente11 . Com efeito, o artigo 45º do CIRC nega a aceitação e rejeita a comprovação dos gastos “… não devidamente documentados” o que pressupõe a existência de um documento emitido com observância de todos os requisitos legais.

3.2. IVA: Exercício do direito à dedução O IVA dedutível12, quando suportado em aquisições de bens e serviços afetos à realização de operações sujeitas, constitui o elemento negativo (valor a deduzir) do cálculo do imposto a entregar ao Estado ou a recuperar

(neste último caso, sob a forma de “excesso a reportar” ou de pedido de reembolso). O documento com base no qual se exerce o direito à dedução (normalmente, uma fatura) é equiparável a um título de crédito sobre o Estado, uma vez que habilita o seu portador, se for sujeito passivo do imposto, a abater, diretamente, o IVA aí mencionado ao que liquidou e repercutiu aos seus clientes. Daí que a AT seja particularmente rigorosa quando tem de fazer a avaliação da validade e credibilidade dos suportes que estão associados ao IVA dedutível. Essa avaliação faz-se à luz do que dispõe o artigo 19º do CIVA que, pelo seu nº2, apenas considera dedutível o imposto mencionado “em faturas passadas na forma legal;” sendo assim consideradas as “que contenham os elementos previstos nos artigos 36.º ou 40.º, consoante os casos” (nº 6 do artigo 19º13 ). Com o aditamento deste nº 6, passou a admitir-se como comprovante para a dedução do IVA: • a fatura emitida com todos os requisitos previstos no artigo 36º, do CIVA, ou • a fatura simplificada emitida nos termos do artigo 40º do mesmo código, sendo, em ambos os casos, exigível a indicação dos NIF do transmitente/prestador e do adquirente. J. A. Campos Cruz (Consultor ANF)

A posição de prudência defendida pela ANF no início do ano ao considerar não aceitável, para comprovação das despesas de saúde, a fatura simplificada com o NIF do adquirente, deve ser vista como resultado de uma interpretação defensiva ao disposto na alínea b) do nº6 do artigo 78º. Sabe-se, hoje, que uma fatura simplificada, com a indicação do NIF do adquirente, pode servir para comprovação dessas despesas. Isto porque, através do NIF, se pode chegar aos restantes elementos de identificação do adquirente. Aplicável ao IRS por força da remissão prevista no artigo 32º, CIRS. Como se refere no ponto 1, não cabe no âmbito deste trabalho a avaliação sobre a qualificação do custo e a sua aceitação para efeitos fiscais. Artigo 82º, CIRS. Deve ter-se, também, em conta o limite geral previsto no nº7 do artigo 78º (teto em função do respetivo rendimento coletável) Só é dedutível o IVA que tenha incidido sobre os bens ou serviços adquiridos pelo sujeito passivo para a realização de operações tributáveis (artigo 20º, CIVA). Exclui-se, todavia, do direito à dedução o IVA associado às despesas referidas no artigo 21º, CIVA (despesas com viaturas, combustíveis, alojamento, transportes e viagens de negócios, etc.) Nº aditado pelo Decreto-Lei nº 197/2012, de 24 de agosto. 57


Entre nós

De Consciência Tranquila O 11.º Congresso Nacional das Farmácias, que se realiza nos dias 18 e 19 de outubro, será um momento de reflexão, livre e construtivo, sobre o setor do medicamento. As farmácias encaram essa reflexão de consciência tranquila. Trabalharam arduamente nas últimas décadas para elevar a qualidade dos serviços prestados à população. Investiram avultados recursos próprios, sempre recursos próprios, ao longo dos últimos 40 anos, na sua modernização.Trabalharam ao mais baixo custo em toda a Europa. Nenhuma responsabilidade lhes cabe, pois, na crise em que estão mergulhadas. É uma crise imposta para a qual em nada contribuíram. As farmácias dispensaram nos últimos 40 anos os medicamentos que outros prescreveram, com os preços e comparticipações que outros definiram. Avisámos reiteradamente que a política eleitoralista na área da Saúde era insustentável. Sabíamos que a insustentabilidade dessa política iria abater-se sobre as farmácias. Iniciámos, na década de 90, praticamente sozinhos, com a hostilidade de muitos e a indiferença do Estado, um combate responsável pela criação do mercado de medicamentos genéricos, que demorou um quarto de século a dar os primeiros resultados. Alertámos vezes sem conta para a grave injustiça do regime de preços dos medicamentos em Portugal, em que o Estado trata uns como filhos e outros como enteados. Os filhos beneficiam de critérios europeus para a formação dos preços. Os enteados não beneficiam de critério nenhum. 58

Esta iniquidade teve e tem como consequência mais despesa pública que os portugueses suportaram e continuam a suportar através dos impostos. O Estado, durante décadas, gastou sem limites como se o País vivesse na maior das abundâncias. Quando acordou, estava falido. Valeram ao País os credores internacionais, mas isso custa caro. Para suportar esse custo, o Ministério da Saúde lançou-se numa política descontrolada de reduções de preços e margens dos medicamentos, sem racionalidade e sem avaliação das consequências. Tudo feito à pressa para “ganhar credibilidade”, diziam, junto dos credores internacionais. Na ânsia de “ganhar credibilidade”, o Governo foi muito além do exigido. A Troika exigia das farmácias 50 milhões de euros, mas o Governo retirou-lhes 330 milhões de euros. Chegámos, assim, à situação atual. É sobre ela e sobre o nosso futuro que deve incidir a reflexão no próximo Congresso. Prioritariamente, uma reflexão sobre o acesso dos cidadãos ao medicamento e toda a problemática que lhe está subjacente. Esta reflexão diz respeito a todos os setores económicos e profissionais com responsabilidades na área do medicamento, com os quais temos mantido um diálogo permanente, que desejamos intensificar no futuro. A rutura na assistência farmacêutica às populações tem causas que é preciso analisar e combater. O Estado foi rápido e pouco cuidadoso a tomar medidas, mas revela-se hesitante e excessivamente cauteloso a corrigi-las. As hesitações do Estado são sinais negativos dados àqueles

que querem fazer parte da solução e sinais positivos àqueles que querem fazer parte do problema. Uma reflexão também sobre a rede de farmácias e a sua função no futuro. As farmácias têm competências e estão preparadas para assumir mais responsabilidades do que as atuais. O Estado tem dado sinais de que está interessado em atribuir-lhes essas responsabilidades. Mas, é preciso passar das palavras aos atos. Como sempre temos dito, orgulhamo-nos do passado, mas agora o mais importante é construir o futuro. Não podemos continuar a varrer para debaixo do tapete os problemas do setor, porque isso nada resolve. Abrir farmácias enquanto outras fecham pode ser politicamente tentador, mas só agrava o problema. Temos trabalhado intensamente para promover consensos com o Governo sobre a sustentabilidade do setor. Ninguém nos pode acusar de recusa ao diálogo ou de falta de espírito construtivo. As farmácias estarão no próximo Congresso disponíveis para iniciar a construção de um novo relacionamento com o Estado que beneficie os doentes, reduza a despesa pública e promova a sustentabilidade do setor. Acreditamos que o Estado, mais cedo ou mais tarde, também estará disponível para esse novo relacionamento. É isso que desejamos e é para isso que vamos trabalhar todos no próximo Congresso.

Paulo Duarte




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