P U B L I C A Ç Ã O t r i m e s t r al • 2 0 5 • j a n / f e v / m a r ‘ 1 4
FARMÁCIA PORTUGUESA pediatria As grandes diferenças dos pequenos gestos
Entrevista
conversa com
cefar
mário Cordeiro: «Amar não é dar coisas...»
Diogo de lucena: Sobre o poder sedutor da mudança
20 anos de pioneirismo na evidência farmacoepidemiológica
Eu posso sentir -me bem por fazer parte de uma equipa empenhada de funcionários, todos igualmente responsáveis por garantir a , qualidade dos nossos produtos não importa em que parte do mundo são fabricados.
Eu posso...
porque, o controlo de qualidade da Mylan cumpre ou excede os padrões da indústria. As nossas equipas conduzem revisões contínuas por forma a assegurar a qualidade e integridade dos nossos medicamentos do princípio ao fim do processo, assim como assegurar a melhoria contínua para optimização da qualidade e consistência.
Veronique Diretora Sénior Fábrica Mylan
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FARMÁCIA PORTUGUESA • 205 • jan/fev/mar‘14
ÍNDICE
04
última Hora
05
editorial
06
noticiário
24
cefar Vinte anos de pioneirismo na evidência farmacoepidemiológica
29
45
Linhas trocadas?
48
congresso FIP Acesso ao medicamento: FIP destaca importância da mediação farmacêutica
11 31 conversa com
Diogo de Lucena : Sobre o poder sedutor da mudança
16
As grandes diferenças dos pequenos gestos
54
32 56
política associativa
Consequência e causa da evolução profissional
Propriedade
Diretora Dr.ª Maria da Luz Sequeira
Mário Cordeiro: «Amar não é dar coisas – é dar amor e apoiar no crescimento»
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Coordenadora Redatorial Dr.ª Rosário Lourenço Email: rosario.lourenco@anf.pt
consultoria fiscal
Entre nós Sair da crise
Dossier: Grávida e bebé: Quatro anos de fidelização na farmácia
Assinaturas
Consultora Comercial Sónia Coutinho soniacoutinho@newsengage.pt Tel.: 961 504 580
1 Ano (4 edições) - 50,00 euros Estudantes de Farmácia - 27,50 euros
ProDUÇÃO
Contactos Telef.: 21 340 06 50 Fax: 21 340 06 74 Email: anf@anf.pt
conselho editorial Dr. Nuno Vasco Lopes Dr.ª Filipa Duarte-Ramos Dr. Duarte Santos Coordenadora do Projeto Dr.ª Maria João Toscano
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entrevista
anf: indicadores de gestão
anf: sifarma
consultoria jurídica
O novo IRC
Sifarma.Gest: Apoio à decisão com base na evidência
20
Flashes
Contrato Coletivo entre a ANF e o SNF: Revisão de 2014
Recalibrar o regime de remuneração do setor
18
Política profissional
A terapêutica e a toxicodependência
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em foco: Pediatria
programa troca de seringas
Periodicidade: Trimestral Tiragem: 3 000 exemplares Distribuição gratuita aos associados da ANF Edifício Lisboa Oriente Av. Infante D. Henrique, 333 H, 37 1800-282 Lisboa Tel.: 218 504 060 - Fax: 210 435 935
Impressão e acabamento RPO - Produção Gráfica, Lda.
Depósito Legal n.º 3278/83 Isento de registo na ERC ao abrigo do artigo 9.º da Lei de Imprensa n.º 2/99, de 13 de janeiro Distribuição
FARMÁCIA PORTUGUESA é uma publicação da Associação Nacional das Farmácias Rua Marechal Saldanha, 1, 1249-069 Lisboa
www.anf.pt 3
última hora
Consultoria de Gestão em Farmácia
ANF lança novo serviço em maio Consultoria em moldes clássicos, mas vocacionada para a atividade específica da farmácia e com tudo o que implica a assinatura ANF: esta é a proposta de um novo serviço na área da Gestão a lançar no próximo mês de maio. Não é de hoje, mas as dificuldades por que o setor atravessa, vieram sublinhar a importância da Gestão para um exercício salutar da farmácia e pôr a descoberto as enormes e urgentes necessidades de apoio que existem neste âmbito. Diagnosticado o problema, a ANF tem vindo a concertar esforços no sentido de criar instrumentos que permitam auxiliar as farmácias a um desempenho mais eficiente nesta área, como é o caso do Sifarma.Gest, de que falamos mais à frente nesta edição, na página 18. Mas não só. Em desenvolvimento encontra-se um novo serviço, denominado de Consultoria de Gestão às Farmácias
e que, conforme avança Nuno Morgado, responsável pelo projeto, tem o seu nascimento marcado para maio, num piloto de 12 meses junto de uma amostra voluntária de 5% do universo.
Know how único ao serviço do setor A área da consultoria em Gestão não é propriamente uma novidade no mercado, «existe já alguma oferta», nota Nuno Morgado, «mas, a haver, serão muito poucas as organizações com o conhecimento tão profundo sobre o setor como o da ANF, e absolutamente diferen-
A equipa Muitos dos 16 rostos que constituem as oito equipas de consultoria que fazem, para já, parte do projeto, com dois elementos cada, são bem conhecidos das farmácias. Outros terão permanecido ocultos, tendo apenas por cartão-de-visita o seu extenso trabalho na ANF. Conheça os seus nomes: Ana Torres (DAA), Ana Sofia Rito (DAA), André Sousa (Escola), Carlos Silva (Delegação Norte), Fernando Malosso (Finanfarma), Filipa Santos (CEDIME), Hélder Ferreira (Glintt), Jorge Capela (Glintt), Margarida Pacheco (DAA), Mário Costa (Glintt), Miguel Couto (DAA), Nuno Rosa (Glintt), Ricardo Ferreira (Delegação Centro), Rita Cordeiro (Glintt), Rute Horta (Serviços Farmacêuticos) e Teresa Faria (Sistemas de Informação). O projeto é liderado por Nuno Morgado (Glintt) e terá o apoio administrativo e de secretariado de Sara Matos (Recursos Humanos). 4
ciador é o facto de certamente nenhuma outra ter por fundamental desígnio a defesa dos seus interesses». Esta filosofia materializa-se na constituição de um quadro multidisciplinar de consultores, profissionais experientes provenientes de diferentes estruturas da própria ANF – Departamento de Apoio ao Associado, Escola de Pós-Graduação em Saúde e Gestão, Delegações, Finanfarma, Cedime, Glintt, Serviços Farmacêuticos, Sistemas de Informação, Recursos Humanos -, que terão por objetivo «ajudar as farmácias a conhecer melhor a realidade particular do seu negócio, para que as mesmas possam daí extrair uma maior capacidade de intervenção sobre as áreas estratégicas para a sua atividade». «Não vamos gerir farmácias. Vamos apoiar a farmácia na gestão da sua atividade», reforça, explicando que as equipas de consultores irão debruçar-se sobre variáveis tão díspares como «a qualidade do atendimento, os procedimentos de compra ou a política de recursos humanos», procurando a todo o tempo perceber os pontos fortes e fracos e ajudar na identificação de ameaças e oportunidades. «Estabeleceremos uma relação com a farmácia através de um serviço de continuidade»; no fundo, uma parceria.
EDITORIAL
O vanguardismo virtuoso das farmácias O sol permanece tímido, e mesmo nos dias em que consegue romper as nuvens ou, raramente, dominar num céu azul, o calor que emana continua a ser insuficiente para aquecer os ânimos do setor. A crise perdura no país, apesar dos anúncios de uma dita recuperação económica que tarda em chegar às pessoas, assim como às farmácias. Nestes tempos que, com ou sem o sol, nos trazem mais sombrios, tendemos a enaltecer os aspetos mais negativos, não valorizando os bons e marcantes trabalhos desenvolvidos no nosso percurso profissional e associativo, e que muito nos orgulham. As farmácias, unidas na sua Associação, foram e continuam a ser pioneiras em muitos projetos. O Cefar - Centro de Estudos e Avaliação em Saúde, que este ano celebra o seu vigésimo aniversário, é um desses casos. Fomos o primeiro setor privado, e único até ao momento, a criar uma equipa especializada na produção de estudos nas áreas da Farmacoepidemiologia e Farmacoeconomia, disciplinas que hoje, na Era do custo efetividade, reúnem muito interesse, mas a que na altura pouca importância era atribuída. Vinte anos antes do resto do país e de boa parte do mundo, a ANF desenvolveu condições para que fosse possível conhecer melhor a utilização que é feita do medicamento e os seus resultados, reforçando o discurso das farmácias desde sempre apoiado na evidência, em contraponto a um Estado de decisões avulsas. Fomos igualmente precursores na área da informática, numa época em que uma larga maioria dos portugueses nunca havia visto ou sequer sonhado com um computador, tal como o fomos com a nossa participação num dos mais importantes e aclamados programas de Saúde
Pública, como o foi o Programa de Troca de Seringas. Infelizmente, neste âmbito, o Governo optou por não criar condições para a continuação da colaboração das farmácias no mesmo, e praticamente um ano após o seu “redesenho”, os poucos sinais que chegam do projeto apontam para a sua fraca vitalidade, ameaçando seriamente os bons resultados alcançados durante 20 anos de parceria. Uma triste realidade, fruto deste período por demais nubloso, que serve apenas para sublinhar o valor da intervenção das farmácias, pois, de resto, nada de positivo se pode daqui retirar ou adivinhar. O setor permanece vivo, aberto a diferentes tipos de colaboração com a sociedade onde se insere e, acima de tudo, mantém-se ativo na busca por mais e melhores soluções para que possa, dentro da sua missão, continuar a servir bem as populações. Está demasiado habituado a níveis de excelência para se satisfazer com o quanto baste, pelo que, mesmo atravessando momentos de maior conturbação, insiste na promoção do vanguardismo. Dessa marca de identidade nasceu o Prémio João Cordeiro – Inovação em Farmácia, cujo presidente do Júri, o Prof. Diogo de Lucena, entrevistamos nesta edição. E nas suas palavras acerca desta iniciativa, que tem de muito singular e benemérito o facto de não procurar distinguir projetos passados, mas estimular o aparecimento de novos e diferentes, podemos resumir um pouco aquilo que tem sido o vanguardismo do setor e que deveria servir mais amiúde de exemplo ao próprio país: ao longo da nossa história, empenhámo-nos sempre em causas que têm mérito para além dos nossos próprios interesses diretos e imediatos. Temos efetivamente, e certamente continuaremos a ter, muito de que nos orgulhar.
Maria da Luz Sequeira 5
noticiário Grande Corrida de Sacos Valormed 2013/2014
Farmácias dinamizam ação pedagógica e ambiental Termina em abril o período de competição da edição 2013/2014 da Grande Corrida de Sacos da Valormed, este ano estendida a 300 escolas do 1.º ciclo. O projeto que no ano passado foi distinguido com o galardão máximo na categoria de Responsabilidade Social dos prémios Eficácia da Comunicação, tem por objetivo alertar a comunidade escolar, desde os alunos aos seus pais, passando pelo pessoal docente e auxiliar, para a necessidade e importância da entrega de embalagens vazias e medicamentos fora de uso nas farmácias, para que seja feita a sua separação e classificação e,
depois, a valorização e reciclagem dos materiais recolhidos. Os materiais são depois pesados nas farmácias e os valores registrados no site da iniciativa, sendo que às cinco escolas que mais resíduos de medicamentos entreguem será atribuído um parque infantil. O caso da Farmácia Oliveira Carrasco, em Serpa, exemplifica bem o envolvimento das farmácias nesta iniciativa. Para além de um conjunto de apresentações realizadas junto da população das escolas locais, dinamizou o tema em eventos desportivos, na sua página na rede social Facebook e através da elaboração de uma montra temática.
Dois anos de DCI
ANF faz um balanço positivo Em março de 2012 foi publicada a lei que determinou a prescrição e dispensa de medicamentos por Denominação Comum Internacional (DCI), promovendo-se, assim, uma verdadeira reestruturação no sistema de prescrição, dispensa e comparticipação de medicamentos. Decorridos dois anos, existe um amplo consenso sobre os benefícios da nova legislação, sendo um dos reflexos mais evidentes o crescimento do mercado de genéricos, que em março de 2012 tinha uma quota do mercado SNS de 34,2% e atualmente é de 40,1%. Os doentes passaram a ter maior poder de intervenção na gestão 6
da sua despesa com medicamentos, economizando recursos que, de outra forma, não conseguiriam economizar. As farmácias, por seu turno, tiveram de se adaptar aos novos direitos dos doentes. Para a ANF, a evolução tem sido francamente positiva, mas há ainda um longo caminho a percorrer, considerando que o mercado de genéricos pode crescer mais e mais depressa, e destaca a função reguladora e fiscalizadora do INFARMED, no garante da melhoria da aplicação da lei de prescrição e dispensa por DCI por parte de todos os intervenientes no circuito do medicamento.
A Associação recorda que as farmácias constituem um dos setores de atividade mais auditados e fiscalizados no nosso país, e revela que um relatório recentemente divulgado pelo INFARMED, relativo a uma operação de fiscalização, no âmbito do cumprimento desta lei, evidencia um elevado grau de cumprimento por parte das farmácias. Facto notável, num setor que atravessa a maior crise económica e financeira de todos os tempos. A ANF faz, por isso mesmo, um balanço positivo destes dois primeiros anos de aplicação da nova legislação.
FARMÁCIA PORTUGUESA • 205 • jan/fev/mar‘14
Novidades do Congresso Português de Hipertensão Arterial 2014 No decurso do 8.º Congresso Português de Hipertensão e Risco Cardiovascular Global, promovido, recentemente, pela Sociedade Portuguesa de Hipertensão (SPH), foram avançadas as novas recomendações clínicas das Sociedades Científicas americanas e europeias na área da hipertensão arterial, da dislipidemia e do risco cardiovascular.
Destaque, na área da hipertensão arterial, para a existência de um objetivo terapêutico unificado na pressão arterial sistólica, para a grande maioria dos doentes, inferior a 140mmHg e o facto de o JNC 8 (Eight Joint National Committee, JAMA, dezembro 2013) declarar que existe suficiente evidência para considerar como objetivo terapêutico, para doentes com 60 ou mais anos,
valores inferiores a 150/90mmHg. No que à dislipidemia concerne, salienta-se a existência de objetivos terapêuticos para o c-LDL de acordo com o RCV global (SCORE), baixo, moderado ou alto. Para mais informações sobre os temas principais deste congresso, que teve lugar, de 20 a 23 de fevereiro, em Vilamoura, consulte o ANFOnline.
Colaboradores da ANF promovem campanha de recolha de brinquedos e vestuário Cumprindo o espírito de solidariedade característico da quadra natalícia, os colaboradores da ANF promoveram, uma vez mais, uma campanha de recolha de brinquedos, jogos, livros e vestuário, que foram entregues à Liga Portuguesa Contra o Cancro. O gesto solidário foi assinalado através de uma cerimónia de entrega dos donativos, no dia 30 de janeiro, e que contou com a presença de Helena Brito e Jorge
Abrantes, da Liga Portuguesa Contra o Cancro, e de Maria da Luz Sequeira, em representação da ANF. A ação enquadra-se na razão de ser da Plataforma Saúde em Diálogo, instituição particular de solidariedade social que representa doentes crónicos, consumidores de cuidados de saúde, promotores e profissionais de saúde, da qual tanto a ANF como a Liga Portuguesa Contra o Cancro são membros fundadores.
ANF disponibiliza simulador de preços e margens O Decreto-Lei n.º 19/2014, de 5 de fevereiro, vem alterar as margens máximas de comercialização da distribuição para os MSRM e os MNSRM comparticipados. Assim,
para auxiliar as farmácias na análise dos novos preços, a ANF disponibilizou, através do ANFOnline, um simulador que determina, automaticamente, através do preen-
chimento do campo “preço atual (com IVA)”, o preço novo e o PVA novo, bem como as novas margens dos grossistas e das farmácias e a respetiva variação. 7
NOTICIÁRIO
hmR inicia atividade em Espanha A hmR - Health Market Research, empresa de estudos de mercado do setor da saúde, criada em 2009 pela ANF, iniciou neste passado mês de fevereiro a sua atividade comercial em Espanha, oficializando o arranque do processo de internacionalização com duas sessões de apresentação nas cidades de Madrid e Barcelona, que beneficiaram de forte cobertura por parte da Comunicação Social. Em Portugal, a hmR detém a liderança do mercado, trabalhando atualmente com mais de 140 empresas da indústria farmacêutica, e para o seu diretor-geral, esta expansão ao país vizinho é uma consequência natural do crescimento e êxitos alcançados
a nível nacional, bem como a resposta a uma necessidade cada vez maior de se trabalhar com dados da Península Ibérica. A experiência, qualidade e filosofia de negócios da hmR foram, para Carlos Mocho, os ingredientes-chave do sucesso da empresa, que se propõe agora replicar em Espanha. «A missão da hmR é a de proporcionar aos clientes conhecimento atualizado sobre os mercados em que operam, com recurso a fontes de informação relevantes, de confiança e baseadas nas últimas soluções tecnológicas, aliadas a um serviço de alta qualidade», diz em comunicado, acrescentado que «uma das vantagens das
informações geradas pela hmR prende-se com a origem dos dados sobre dispensa e venda de medicamentos e produtos de Saúde, que provêm diretamente das farmácias, tornando-os mais relevantes, completos e fiáveis. Além disso, a sua metodologia de trabalho permite-lhe obter informações do mercado atualizadas diariamente e a análise mensal logo nos primeiros dias do mês seguinte».
museu da farmácia
Uma ponte para momentos históricos retratados no cinema Um Almofariz datado do século XVII, feito de pedra ágata e prata dourada, e um desenho em aguarela, da autoria do prisioneiro britânico Jack Chalker, representando a sala de operações do hospital do campo de prisioneiros Nakhon Pathom (Tailândia sob o domínio japonês), ambos em exposição no polo de Lisboa do Museu da Farmácia, foram recentemente motivo de notícia por estarem intimamente ligados a duas histórias reais agora adaptadas ao cinema. O Almofariz faz parte de um conjunto vasto de peças resgatadas no final da II Guerra Mundial, no decurso de uma operação especial dos aliados com vista a salvar, recuperar e devolver cerca 8
de mil anos de arte e cultura europeia que os nazis tinham roubado. A história destes heróis improváveis encontra-se retratada no filme “The Monuments Men - Os Caçadores de Tesouros”, realizada e interpretada por George Clooney. Mais recente é o desenho de Jack Chalker que partilhou sorte idêntica à de Eric Lomax, oficial do exército britânico aprisionado num campo de trabalho japonês durante a Segunda Guerra Mundial, aquando da construção do caminho-de-ferro de Burma, e em cuja autobiografia se baseia a história de “The Railway Man - Uma Longa Viagem”, interpretada por Colin Firth e Nicole Kidman.
P R É M I O
UM PRÉMIO ÚNICO
EM PORTUGAL
PROCURAMOS PROJETOS ORIGINAIS,NO ÂMBITO DA INTERVENÇÃO E DO CONHECIMENTO EM SAÚDE CANDIDATURAS ATÉ 30 DE JUNHO DE 2014
Mais informações
www.premiojoaocordeiro.pt Iniciativa
Apoio
Email: premiojoaocordeiro@anf.pt
NOTICIÁRIO
Governo inquirido sobre venda de acesso à base de dados do INFARMED O grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) perguntou ao Ministério da Saúde se tem conhecimento de que o INFARMED terá sido contactado por duas empresas que pretendiam ter acesso à sua base de dados, tendo este referido que tal só seria possível perante o paMuseu farmácia gamentoda de 2.500 euros. Esta situação, que o BE considera «inusitada»,
«intrigante» e merecedora de «cabal esclarecimento», terá ocorrido na sequência da apresentação de uma aplicação para telemóveis que visa permitir aos utentes verificar qual o preço mais baixo do medicamento que pretendem adquirir. Os deputados do BE questionam se o Governo considera adequado que um instituto público permita acesso
às suas bases de dados e se é usual que os institutos públicos o façam. Perguntam, também, quais os institutos públicos que venderam o acesso a bases de dados nos últimos dois anos, a que entidades e por que valores, e se essas vendas foram alvo de aprovação por parte da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).
Banco Farmacêutico recolhe 10 mil medicamentos doados por utentes A VI Jornada de Recolha de Medicamentos, promovida pelo Banco Farmacêutico no passado dia 8 de fevereiro, foi um sucesso: os utentes das farmácias aderentes doaram cerca de 10 mil medicamentos e produtos de saúde, os quais serão agora entregues a 72 instituições que prestam apoio a mais de 56 mil pessoas. Tal como aconteceu nos últimos cinco anos, as farmácias e a ANF associaram-se a esta iniciativa de
reconhecido mérito, que contribui para minimizar as desigualdades no acesso ao medicamento por parte das populações mais carenciadas. Este ano estiveram envolvidas 123 farmácias de 11 distritos - Lisboa, Setúbal, Évora, Portalegre, Beja, Faro, Leiria, Santarém, Aveiro, Castelo Branco e Vila Real -, valores que refletem a tendência de crescimento, em toda a linha, desta ação de responsabilidade social.
Em comunicado, o Banco Farmacêutico não só dá conta dos bons resultados, que superaram os alcançados em 2013, mas enaltece «a generosidade de todos aqueles que contribuíram com o seu donativo, em tempos em que se vivem bastantes dificuldades», e agradece «a todas as farmácias aderentes, farmacêuticos, instituições e voluntários [500 este ano]» que os tornaram possíveis.
AEFFUL celebra 100 anos A Associação de Estudantes da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (AEFFUL) celebrou, no dia 23 de janeiro, o seu centésimo aniversário, efeméride que será assinalada ao longo de todo este ano através de um conjunto de iniciativas que pretendem evocar o seu per10
curso histórico e importância no plano associativo e de formação de futuros profissionais. As comemorações arrancaram no dia 24 de janeiro com uma cerimónia de abertura no auditório da FFUL, seguindo-se um vasto programa durante 2014, coordenado por uma comissão compos-
ta por cerca de 50 ex-dirigentes associativos, a CENTAEFFUL. Estão previstos diferentes momentos de homenagem a personalidades que colaboraram com a AEFFUL ou que para ela contribuíram no desempenho das suas funções, assim como a edição de um Livro do Centenário.
conversa com... Diogo de Lucena, presidente do Júri do prémio João cordeiro - Inovação em farmácia
Sobre o poder sedutor da mudança Saber identificar as oportunidades quando elas surgem e correr o risco de as agarrar poderia ser só uma boa forma de sumarizar a filosofia com que Diogo de Lucena, com quem conversámos esta edição, enfrenta as suas decisões profissionais, mas é também um bom modo de resumir o repto que deixa às farmácias, na sua condição de presidente do Júri do Prémio João Cordeiro – Inovação em Farmácia. Depois da metáfora no nome da iniciativa, descobrimos em Lucena uma segunda metáfora personificada para os seus objetivos: arriscar mudar!
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conversa com...
«Incentivar as pessoas a arriscar, a fazer as coisas e ver no que dá, é algo que faz falta a Portugal»
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Diogo de Lucena tinha um plano para a sua vida. Aliás, tinha muitos e bons, só que «nunca fiz nada do que planeei!». É o que têm as oportunidades: quando surgem, a vida pode partir noutras direções. A mestria está «em estarmos atentos e agarrá-las. Acho que foi isso que me aconteceu». Formou-se em Engenharia Eletrotécnica, «na altura Correntes Fracas», em 1972, no Instituto Superior Técnico, mas queria ter sido físico ou matemático. Não seguiu nenhuma das vias diretas, porque optou por seguir o conselho de um amigo do pai; um físico, precisamente! «Fez-me ver que eram cursos mais estreitos e que tinha opções igualmente interessantes que me permitiriam,
se assim o desejasse, doutorar-me depois em Física. Eu achei que era um argumento inteligente e adotei-o. Entretanto, fui para o Técnico porque, na altura, funcionava um pouco melhor que a Faculdade de Ciências, e escolhi Engenharia Eletrotécnica porque era o curso que tinha mais Matemática e Física no currículo». Conta que, depois, hesitou sobre o que queria fazer. «Queria estudar mais e fazer o doutoramento lá fora, mas decidi não ir logo porque encontrei um emprego que me fez mudar de rumo», e em mais que um sentido. «Fui trabalhar para o que na altura se chamava o Gabinete de Planeamento da Secretaria de Estado da Indústria, onde o Eng.º João Cravinho era diretor. Estive lá dois anos e gostei muito do que fiz. Fui completamente seduzido pela ideia de aplicar sistemas que vêm da área da Engenharia em programas sociais». Foi assim que, em 1973, com uma bolsa atribuída pelo Instituto para a Alta Cultura, equivalente à hoje Fundação para a Ciência e Tecnologia, partiu para se doutorar na Universidade de Stanford, não em Física, não em Engenharia, mas em Economia, área para onde o seu interesse havia, nesses dois anos, transitado. «Não me arrependo». Regressa em 1978, «muito porque tinha assumido esse compromisso como bolseiro de, após a formação, aceitar trabalhar num período mínimo de cinco anos em Portugal dentro da especialidade». Retornou à Universidade «e ainda ponderei se deveria voltar ao estrangeiro por mais um tempo ou não. Profissionalmente, o que me fez decidir ficar foi esta Faculdade», ou seja, a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
Estar onde se pode fazer a diferença Em 1979, a Faculdade de Economia na Nova estava a nascer e, conforme testemunha Diogo de Lucena, «participar na génese de
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uma instituição não é uma oportunidade que muita gente tenha aos 29 anos, e isso foi muito sedutor. Percebi, evidentemente, que havia um preço a pagar, porque as facilidades de investigação continuam a não ser as mesmas cá que nos Estados Unidos, e em 1979 o hiato era enorme. Mas também temos de considerar a nossa dimensão: lá, eu seria só mais um, e em Portugal tinha a oportunidade de participar, com outras pessoas, na fundação de uma Faculdade. No fundo, aqui fizemos um bocadinho mais de diferença!». Recorda que em torno da criação da instituição se juntaram outros que, como ele, tinham estado recentemente em escolas nos Estados Unidos. «Foi muito interessante, porque havia muita cumplicidade entre nós e isso fez com que este tivesse sido um projeto muito vivido. Éramos 10 e trazíamos, todos, traços vincados da nossa experiência americana e que pusemos ao serviço da nossa escola, para que resultasse em algo com uma filosofia inovadora relativamente ao que se fazia então em Portugal. Isso fez parte do prazer do projeto». Até 1999, a Faculdade foi a sua base. «Participei noutras coisas, desenvolvendo projetos e dando consultoria, fiz parte de órgãos sociais de empresas, quer em conselhos de administração quer em conselhos consultivos, mas nunca aceitei um cargo executivo. Não era o que eu gostava. Sempre foi importante para mim manter uma ligação ao mundo empresarial, mas a Faculdade era o meu lugar». Porém, nessa altura, «recebi um convite para ir para a Fundação Gulbenkian, e a minha vida mudou completamente. Fui fazer administração em full time, que era aquilo de que andava a fugir, mas tratava-se de uma instituição muito especial! Fui para trabalhar na área da Educação primeiro, e nas Ciências depois, e ambas me atraíam muito…
Era uma oportunidade única». Fez três mandatos, 15 anos no total, e o que mais reteve desse período foi a imediata impressão – «senti isso logo à chegada!» de uma «cultura muito forte de qualidade, transversal a todas as pessoas. Ninguém ali se sente satisfeito se o que estiver a fazer não for excelente. Isso é mérito da instituição». Entretanto, «depois de 15 anos, senti que já não tinha a mesma capacidade de inovar e mudar coisas, que era importante haver rotatividade. A minha saída seria benéfica para a instituição, mas também para mim. Aos 65 anos é uma altura boa para voltar a ter uma mudança na vida e a verdade é que a Faculdade, com a qual consegui manter a ligação, está com projetos muito ambiciosos que me são aliciantes, e eu gosto de ensinar e de estudar».
Ensinar é um prazer cuja recompensa maior «é diferida», comenta. «Os alunos não vêm ter connosco no final de uma aula para nos dizer que fizemos a diferença na sua vida, mas acontece, por vezes, tempo depois, encontrarmo-nos e expressarem-nos que fomos
A visão de um economista «A Farmácia está num processo de mudança sobre cujo fim não arrisco hipóteses», diz Diogo de Lucena, lembrando, contudo, que a sua é uma abordagem sobre a evolução do setor própria dos economistas. A sua incerteza prende-se com o facto de «a viabilidade do setor depender muito da relação de forças políticas, de onde emanam as regras. Durante muitos anos, a ANF foi mestra na gestão dessa relação a favor das farmácias, conseguindo impor condições que protegeram o seu negócio que, até há pouco tempo, era muito seguro, muito controlado e com barreiras à entrada historicamente plurais. Convencer o Estado que era assim que deveria ser foi mérito da Associação. No entanto, esta crise alterou as regras do jogo, inverteu-as. O aperto que se fez nas margens foi tão grande, que as farmácias se encontram a lutar para sobreviver. Por norma, a resposta dos setores económicos é o desaparecimento do mercado daqueles que não superam as dificuldades e o ganho de quota por parte dos sobreviventes, que continuam a assegurar as prestações. Mas está provado que não é assim que vai funcionar com as farmácias». Sobre o desenlace, contudo, prevalecem demasiadas incógnitas, «não são só as forças económicas que vão atuar; depende brutalmente do ambiente político, de quem são os ministros, do tipo de regulação que vier a estabelecer-se… são coisas muito difíceis de prever». 13
conversa com... parte da sua mudança. Isso é muito gratificante. Neste momento estou a ensinar as cadeiras do primeiro ano e nesta etapa, em particular, é muito fácil perceber que os estudantes entram e um ano depois são pessoas bastante distintas na maturidade, na capacidade de pensar, de analisar, etc. Vejo-me como uma peça dessa evolução, como o são o ambiente da nossa instituição, os outros docentes… daí gostar tanto desta escola! Mas reconheço que 50% do sucesso está nos próprios alunos, na sua qualidade. Temos uma massa muito boa, dá prazer ensinar as pessoas, porque elas estão interessadas, são boas».
Incentivo ao atrevimento «Estava eu neste processo de transição e um dia recebo um telefonema do presidente da Associação Nacional das Farmácias, o Dr. Paulo Duarte: queria desafiar-me para algo novo e explicou-me o que era. Só apresentei uma condição: pensar nisso a partir de janeiro. Se isso fosse possível, o desafio era aceite. E assim foi, deste modo simples, que passei a presidir o Júri do Prémio João Cordeiro – Inovação em Farmácia». Diogo de Lucena justifica a facilidade da sua decisão com «um sentimento de obrigação. A ANF está a investir o seu empenho em algo que tem mérito para além dos interesses diretos e imediatos. Este Prémio não pretende distinguir iniciativas passadas, mas estimular o aparecimento de projetos diferentes, e essa ideia de incentivar as pessoas a arriscar, a fazer as coisas e ver no que dá, é algo que faz falta a Portugal. Gerar estes mecanismos de motivação é mesmo muito importante, por isso, quando o esforço que nos é exigido não é demasiado e julgamos que seremos capazes de o cumprir, acho que temos o dever de participar». Conforme nota, «a qualidade dos 14
prémios é muito a qualidade dos candidatos», pelo que «espero que consigamos suscitar boas candidaturas e esta se torne numa iniciativa de prestígio». Há áreas que aparentemente serão mais óbvias, mas confessa que «estou cheio de esperança de ser surpreendido», até porque «o setor, neste momento, está numa fase de transição, assim como o próprio sistema de saúde está a passar por uma mudança gradual na sua organização. A Farmácia tem de estar atenta e pensar qual vai ser
o seu papel nessa nova forma de organização. De repente, pode até não ser exatamente o tradicional, e isso representar um caminho para dar a volta por cima, contribuindo muito seriamente para melhorar o sistema de saúde. Espero que os projetos possam, também, ajudar a perceber isso mesmo». Aos que estão no terreno, «a trabalhar nas farmácias, e têm ideias que julgam possam ser úteis à Farmácia ou ao Sistema de Saúde», deixa, por isso um convite: «Arrisquem e concorram. Sejam atrevidos!».
Notas curriculares Diogo José Fernandes Homem de Lucena nasceu em Lisboa, a 8 de março de 1949. É engenheiro eletrotécnico pelo Instituto Superior Técnico (1972), tendo obtido o Master of Science (1976) e o Ph.D. (1978) pela Universidade de Stanford. Ao longo da sua carreira académica colaborou com o Instituto Superior Técnico e com a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, da qual é Professor Catedrático, aposentado. Foi ainda Professor Visitante na Universidade de Stanford. As suas principais áreas de interesse centraram-se, primeiro, na Economia da Incerteza e de Informação e na Economia das Telecomunicações e, depois, nas questões da Economia do Estado Providência, em particular o financiamento da Saúde, Educação e Segurança Social. Fez parte da Comissão Instaladora da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, onde desempenhou os cargos de diretor do Programa do MBA, presidente dos Conselhos Pedagógico e Científico e de diretor. Foi membro da Comissão Instaladora da Faculdade de Direito da mesma Universidade, onde exerceu também as funções de vice-reitor. Foi presidente do Conselho Científico das Ciências Sociais e Humanas da Fundação para a Ciência e Tecnologia. É membro do Conselho Nacional de Educação. Foi eleito Académico Correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, em 2007. Foi consultor, e participou em Conselhos Consultivos de diversas instituições públicas e privadas. Participou nos órgãos sociais de várias empresas e fundações, tendo sido vogal do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian entre janeiro de 1999 e janeiro de 2014. É presidente do Conselho de Administração da Espírito Santo Saúde, membro do Conselho de Gestão do Instituto Gulbenkian de Ciência, e vogal do Conselho Diretivo da Fundação Aljubarrota. Integra os Júris do Prémio Pessoa e do Prémio Saúde Sustentável.
política associativa
Decreto-Lei n.º 19/2014, de 5 de fevereiro
Recalibrar o regime de remuneração do setor Foi recentemente publicado o Decreto-Lei n.º 19/2014, de 5 de fevereiro, que veio alterar as margens dos grossistas e das farmácias. Considera-se esta uma medida positiva, no sentido em que vem reduzir a degradação da margem por via da descida contínua dos preços, contudo, no que respeita à remuneração global do setor, os seus efeitos são neutros. Em suma: muito há ainda a fazer para que se possa garantir a sustentabilidade das farmácias.
A principal alteração introduzida com a publicação do Decreto-Lei nº 19/2014, de 5 de fevereiro, reflete-se no princípio de a margem das farmácias passar a ser constituída, em todos os escalões, por uma componente percentual e por uma componente fixa (Ver Tabela 1), pois o que acontecia até então era que no escalão de preço mais baixo não 16
havia componente fixa e o mais elevado não tinha uma componente percentual. Conforme faz notar Paulo Cleto Duarte, presidente da Direção, «a ANF sempre se debateu por esta alteração, por entender que ela reduz a degradação da margem resultante da descida contínua dos preços, pelo que vê neste novo
regime um primeiro esforço de recalibragem das medidas altamente penalizadoras para o setor que foram tomadas nos últimos anos».
O efeito corretivo Importa recordar que, até 2012, a remuneração das farmácias estava totalmente dependente do
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preço dos medicamentos e que a alteração desse sistema constava no memorando com a Troika, que apontava para que, à luz da experiência de outros Estados-membros, a margem de lucro do setor fosse calculada com base num preço regressivo acrescido de uma taxa fixa que promovesse a dispensa dos medicamentos mais baratos. O objetivo era reduzir, no decurso de um ano, a despesa pública com a Distribuição em 50 milhões de euros. Mas, ao contrário da recomendação da Troika, Portugal não se baseou na experiência evidenciada noutros países-membros, e o sistema de cálculo da remuneração da Distribuição constituiu mais uma originalidade nacional. Assim, no primeiro escalão os operadores ficaram a ganhar exatamente o mesmo que ganhavam no sistema anterior, e nos restantes a margem diminuiu. Concomitantemente, foram tomadas outras medidas, como a redução dos PVP dos genéricos e a alteração do sistema de referenciação
externa, provocando uma quebra acentuada nos preços que se tornou constante. A combinação das diferentes medidas teve um resultado catastrófico, operando em cascata sobre a farmácia e promovendo um profundo desequilíbrio nas suas contas. Ao fim do ano de vigência estabelecido pela Troika, o valor da redução de margens alcançado apenas nas farmácias já excedia o valor previsto no MoU como objetivo para todo o setor da Distribuição, e seguir-se-iam ainda mais dois anos de medidas de austeridade, que trouxeram as farmácias à situação de colapso atual. O rearranjo do sistema remuneratório que agora é promovido através do Decreto-Lei nº 19/2014, de 5 de fevereiro, traduz, no entender da ANF, um sinal de reconhecimento da crise que o setor atravessa e, nesse âmbito, um primeiro esforço corretivo feito pelo Governo no sentido de o defender contra os riscos associados à degradação dos preços.
Tabela 1
PVA
Novas margens das farmácias
Igual ou Inferior a €5
5,58%, calculada sobre o PVA, acrescido de €0,63
De €5,01 a €7
5,51%, calculada sobre o PVA, acrescido de €1,31
De €7,01 a €10
5,36%, calculada sobre o PVA, acrescido de €1,79
De €10,01 a €20
5,05%, calculada sobre o PVA, acrescido de €2,80
De €20,01 a €50
4,49%, calculada sobre o PVA, acrescido de €5,32
Superior a €50
2,66%, calculada sobre o PVA, acrescido de €8,28
calendário Entrada em vigor do DL
1 de março de 2014
Data limite para a Indústria colocar em grossistas e farmácias medicamentos marcados com preços antigos
31 de março de 2014
Entrada em vigor dos novos preços decorrentes da atualização das margens máximas de comercialização
1 de abril de 2014
Data limite de escoamento pelos grossistas de medicamentos marcados com preços antigos
30 de abril de 2014
Data limite de escoamento pelas farmácias de medicamentos marcados com preços antigos
30 de maio de 2014
Evolução das margens da Distribuição -187,6 M€
200,0 150,0 100,0
-97,5M€
50,0
-28,8 M€
0,0 2011
2012
farmácias
2013 grossistas
A margem do setor da Distribuição (Farmácias e Grossistas) reduziu 313,9 milhões euros apenas em três anos. O objetivo definido pela Troika era 50 milhões de euros. Fonte: Sistema de Informação hmR / Análise CEFAR
A neutralidade Não obstante, em termos da remuneração global das farmácias, Paulo Cleto Duarte lembra que «o novo regime é neutro, ou seja, não irá permitir um aumento das margens, mas espera-se que no médio prazo possa fornecer alguma estabilidade às mesmas, pois permitirá que o setor não esteja tão dependente do preço do medicamento e das suas permanentes variações, exatamente porque a sua remuneração passa a ser composta em 80% por uma componente fixa». Esta é uma solução, reforça o presidente da ANF, «que está ainda muito aquém das necessidades para garantir a sustentabilidade» do setor, pelo que «continuaremos a lutar por soluções que devolvam às farmácias condições mínimas para prestarem às populações o serviço público que, por lei, lhes está confiado». De notar que o novo regime prevê, também, que a dispensa de medicamentos genéricos possa ser objeto de remuneração adicional às farmácias em condições a definir em portaria a publicar posteriormente. 17
anf: indicadores de gestão
Sifarma.Gest
Apoio à decisão com base na evidência
Talvez nunca como agora, nesta realidade de frágeis equilíbrios onde o erro pode representar um custo muito elevado, a farmácia tenha sentido tanto a necessidade de decidir com base na melhor evidência. As contingências económicas e financeiras que o setor enfrenta exigem uma gestão da atividade com o maior grau de robustez possível, sendo, no entanto, essencial que os processos para o conseguir sejam simples e acessíveis. Foi com base nestes pressupostos que a ANF desenvolveu o Sifarma. Gest, uma nova ferramenta que estará em breve ao dispor de todas as farmácias e que visa, através da monitorização de um conjunto de 18
indicadores referentes à evolução do seu negócio, produzir informação relevante para suporte às decisões de gestão. Perceber qual a margem bruta, em valor ou percentagem, que se obtém num produto ou numa categoria de produtos; qual a rentabilidade de cada colaborador ou posto de trabalho, em termos globais ou por produto, por segmento, por laboratório…; qual é a performance hoje quando comparada com a de há dois meses, três, um ano, 18 meses… As respostas a todas estas e outras tantas questões residiam, até aqui, dispersas, fragmentadas em dados produzidos pela própria farmácia em
diferentes suportes não comunicantes. Encontrá-las passa apenas por agregar numa só plataforma esses mesmos dados, consolidá-los, sobrepô-los, e “beber” daí um universo de múltiplas leituras, que passam a ser facilmente alcançáveis. No fundo, explica Miguel Lança, chief information officer da ANF, «falamos de um novo aplicativo web que estará acessível através do ANFOnline às farmácias que o desejem, e que vai disponibilizar indicadores de performance através do input e cruzamento automático de dados de três fontes distintas: o Sifarma, a informação de mercado da hmR e os dados contabilísticos da própria farmácia».
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Aplicações Sifarma Farmácia
Health Market Research
Farmácia 1 Farmácia 2 Farmácia 2
Por se tratar de um software que corre na Internet, foram tomadas especiais cautelas para garantir a confidencialidade dos dados das farmácias e Miguel Lança assegura que «estão implementados todos os mecanismos de segurança e encriptação necessários à salvaguarda» dos mesmos. Por outro lado, diz, e por se tratar de uma aplicação web, «o acesso ao mesmo, via ANFOnline, pode ser feito a partir de qualquer local - na farmácia, em casa, onde se entender! -, o que é uma grande vantagem para o utilizador».
O último grande teste Algumas farmácias já estão a experimentar o Sifarma.Gest, nomeadamente as que, tendo participado em alguma das sessões que ainda decorrem do roadshow para apresentação do programa, quiseram desde logo subscrevê-lo. Considera-se esta uma última fase de testes, a terminar em finais de abril, depois de um primeiro piloto que envolveu vários utilizadores de diferentes perfis. «O objetivo, para nós muito importante, é que as farmácias experimentem a aplicação, a ponham à prova, e
g
g
AGRUPAMENTOS
serviços
Dados farmácia
g
Serviços dados contabilísticos ANF Online
nos deem o seu feedback, seja sob a forma de comentários ou sugestões, propostas ou apontado eventuais incorreções, de modo que a nossa equipa de desenvolvimento possa encontrar a melhor forma de expressão dessas expectativas no próprio programa». Uma vez disponível a todo o universo associado, aceder a esta nova ferramenta será simples. «A farmácia terá uma funcionalidade no Sifarma que lhe permitirá declarar a sua vontade de utilizar o Sifarma. Gest. Cinco dias depois, o aplicativo fica ativo no ANFOnline, já com os dados do Sifarma da farmácia a que se acrescentarão os dados de mercado gerados pela hmR. A única etapa que, obviamente, não é automática é a do carregamento dos dados contabilísticos da farmácia, que terá de ser feita pelo utilizador numa plataforma criada para o efeito no próprio ANFOnline». O chief information officer da ANF realça o caráter friendly do sistema, sustentado pelas experiências recolhidas no decurso do piloto. «Estamos em crer que para trabalhar com este aplicativo a formação necessária será mínima. Ou seja, em poucas horas a farmácia
ficará apta para poder interagir com o mesmo». Todavia, realçou também que «a maior ou menor qualidade dos dados obtidos na origem (Sifarma) condiciona a qualidade dos indicadores disponibilizados na plataforma». Miguel Lança afirma-se convicto de que, pelas óbvias vantagens que o produto apresenta, a adesão das farmácias que já dispõem do Sifarma será de 100%. «Eu diria que, no espaço de um ano, todas as farmácias estarão a tirar partido da sua utilização».
«A farmácia terá uma funcionalidade no Sifarma que lhe permitirá declarar a sua vontade de utilizar o Sifarma.Gest. Cinco dias depois, o aplicativo fica ativo no ANFOnline» 19
anf: sifarma
Consequência e causa da evolução profissional A informática tornou-se uma realidade nas farmácias em 1986, com o lançamento da primeira versão do Sifarma, criada com o propósito de gerar eficiência nos processos que envolviam as operações quotidianas da atividade. Foi um marco verdadeiramente revolucionário na história do setor, e não só pelos motivos mais óbvios, tendo-lhe o pioneirismo valido, do ponto de vista da imagem pública, uma aura de vanguardismo única. Passaram-se, entretanto, 28 anos e há muito que a versão “clássica” do Sifarma foi ultrapassada em modernidade, mas só agora chegou ao fim.
No decurso do ano 2013, as cerca de 300 farmácias que ainda operavam com o Sifarma Clássico migraram o seu sistema para a versão 2000. A última acabaria por acontecer já em janeiro de 2014, altura em que se assinala o término formal do programa. Foi um longo processo de migração, que 20
teve início em abril de 2000, com o arranque do Sifarma 2000, e cujo fim já havia sido anunciado pela Direção da ANF. Afinal, não se trata apenas de uma alteração num programa informático, mas da expressão de uma mudança mais profunda: o próprio paradigma da profissão.
Pela independência das farmácias Em meados dos anos 80, bastava um olhar sobre as farmácias para perceber a absoluta necessidade de modernização e organização do seu funcionamento. A informática, a dar os primeiros passos fora de
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Apresentação do projeto Intelfarma, com Sifarma Clássico, em 1991
fronteiras, parecia uma boa solução para lidar com a imensa burocracia. Cedo se percebeu, porém, que a ainda muito esparsa oferta que começava a aparecer no mercado nacional, muito à imagem do que acontecia noutros países, representava um risco à independência das farmácias, por ser um recurso das estratégias comerciais dos seus fornecedores. Efetivamente, estes ofereciam a instalação de equipamentos, mas os softwares que usavam condicionavam a si as encomendas, não sendo depois compatíveis com o relacionamento com outros operadores. Percebendo isto e as suas implicações, a ANF resolveu envolver-se na informatização, de modo a garantir que ela seria feita em função da independência das farmácias e dos seus interesses, e não dos de terceiros. Para isso, era preciso implementar um protocolo transversal, que teve de ser criado. Se se disser que, na altura, um computador era, para a generalidade da população, o equivalente a uma nave espacial e encontrar uma agulha num palheiro era tarefa simples quando comparada com encontrar um programador, é fácil compreender a empreitada que esta decisão significou.
Mas o Sifarma nasceu, pensado por e para farmacêuticos; uma ferramenta que conseguia ir ao encontro das necessidades mais prementes das farmácias - aquisição de mercadorias, gestão de stocks, venda e comparticipação de medicamentos… - e, acima de tudo, simples de usar, sem implicar muitos recursos do ponto de vista da aprendizagem. Para além disso no caso das farmácias, chegava aos utilizadores como sendo um serviço “chave na mão”: o equipamento e sistema eram instalados, a atualização dos dicionários era garantida, assim como a manutenção e desenvolvimento do software e a manutenção do hardware. A conjugação destes fatores contribuiu para a sua rápida massificação, tendo-se operado uma transformação de fundo no setor que acompanhou a sua imagem na opinião pública. Farmácia tornava-se sinónimo de vanguardismo tecnológico e nela muitos portugueses contactaram, pela primeira vez, com um computador.
Quando muda o paradigma profissional Na década de 1990, passadas já que estavam as fases mais conturbadas da reorganização da profissão, colhiam-se os frutos de uma
intensa aposta na formação contínua e aprofundamento dos conhecimentos técnicos farmacêuticos, bem como da modernização operada nos processos de trabalho, tendo-se desenhado uma viragem no foco de atenção da Farmácia, que se desloca do medicamento e se recentra no utente. O paradigma profissional mudava, traduzido no surgimento de novos serviços, como o programa de troca de seringas, a substituição narcótica, a medição de parâmetros ou o desenvolvimento de múltiplas campanhas de saúde pública. Urgia que as ferramentas de trabalho das farmácias acompanhassem
O Sifarma nasceu, pensado por e para farmacêuticos; uma ferramenta que conseguia ir ao encontro das necessidades mais prementes das farmácias e, acima de tudo, simples de usar 21
anf: sifarma O Sifarma está a progredir no sentido de promover uma abertura segura ao relacionamento com outros aplicativos
este reposicionamento, para o qual o Sifarma não estava minimamente apetrechado. Assim se decidiu a criação do Sifarma 2000, lançado no primeiro ano do novo milénio. Para além dos aspetos técnicos, aquilo que claramente demarca o primeiro, que passou a designar-se por “Clássico”, do Sifarma 2000 é o modo de abordar a atividade da farmácia: o utilizador deixa de ser alguém que dispensa um medicamento para passar a ser alguém que, no global do atendimento, presta um serviço a uma pessoa. Na prática, o 2000 não só assegura todas as operações do sistema anterior, como também permite fazer o seguimento e gestão da relação da farmácia com cada um dos seus utentes, possibilitando a recolha e registo de dados relativos às suas características físicas, clínicas e de consumo, e prestando um apoio proativo ao aconselhamento.
Abertura e integração numa rede mais vasta Mais de uma década se passou entretanto, e tudo o que então foi tido por válido para o lançamento do Sifarma 2000 continua a ser verdade, só que, novamente, 22
tornou-se insuficiente para permitir uma caminhada a par e passo com a evolução da profissão. Hoje, a farmácia, mantendo-se focada no utente, assume-se como parte de um todo mais vasto que presta cuidados de saúde à população, e prossegue no sentido de uma cada vez maior integração de serviços e colaboração interdisciplinar. Por outro lado, o conhecimento e usufruto de ferramentas tecnológicas massificou-se, e atualmente a informação e a sua exploração são feitas numa base de multiplataformas, tirando-se partido simultâneo das mesmas através da partilha de dados. O Sifarma, contudo, permanecia fechado sobre si próprio: fazia tudo, de uma ponta a outra, gerando todos os dados referentes à atividade das farmácias, mas sem dialogar ou permitir o diálogo com ninguém. É pois no sentido de promover uma abertura segura ao relacionamento com outros aplicativos, permitindo-lhe integrar e integrar-se no meio envolvente, que o Sifarma está a progredir, numa mudança que significará num futuro não muito longínquo assumir-se como uma estrutura base, com um conjunto de funcionalidades base, mas flexível
e permissiva a que outros sistemas, em segurança, possam, de modo conjugado, complementá-la. Assim, a farmácia terá ao seu alcance a possibilidade de comunicar melhor com todos os seus parceiros, tirando melhor partido também dos seus dados e de dados terceiros. O essencial já está assegurado: toda a infraestrutura necessária para que se possa percorrer este caminho está criada e em fase de migrar para as farmácias. Não é, no entanto, algo que se veja ou que se sinta acontecer. Depois, paulatinamente, começarão a surgir novidades no Sifarma e, paralelamente, serão implementados alguns módulos autónomos, de que o programa de indicadores de gestão é exemplo. Uma coisa é certa: nenhuma das melhorias irá significar um corte abrupto como aconteceu na passagem do Clássico para o 2000. A mudança será gradual, com início em áreas periféricas da aplicação, permitindo ao utilizador uma adaptação confortável às mesmas e aos programadores um trabalho ponderado. Em suma, os processos desenvolver-se-ão de modo tão natural como a evolução da própria farmácia.
cefar
Vinte anos de pioneirismo na evidência farmacoepidemiológica
O Cefar celebra, este ano, o seu vigésimo aniversário, e o facto de o arranque dos estudos em Farmacoepidemiologia e Farmacoeconomia em Portugal assinalarem o mesmo tempo de vida não é coincidência. João Cordeiro, João Silveira, Ana Paula Martins e Suzete Costa, quatro pilares essenciais na criação, desenvolvimento e consolidação do Centro de Estudos e Avaliação em Saúde, explicam porquê. 24
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Na década de 1990, as farmácias, lideradas pela ANF, passam por uma fase de mudança no seu paradigma profissional, abrindo o que tradicionalmente era o foco da sua atenção no medicamento a outras áreas, de modo a melhor poder recentrar-se no utente. João Cordeiro, então presidente da Direção, recorda que «uma das nossas ambições era criar novas valências para a profissão farmacêutica», o que implicava conhecer a fundo a realidade do país e em áreas que não eram, elas próprias, ainda exploradas. A escassa informação que existia em Portugal sobre os medicamentos na fase pós comercialização era recolhida numa perspetiva de farmacovigilância, debruçando-se sobre os seus mecanismos de ação quando tomados em ambientes não controlados, e o saber sobre o modo como eles eram, ou não, consumidos era meramente empírico, assim como era ainda pouco estudado o valor acrescentado que traziam em termos de resultados em saúde e impacte económico sobre o sistema. Em suma, «havia uma enorme lacuna no nosso país no que respeitava a estudos de Farmacoepidemiologia e Farmacoeconomia», conceitos que, conforme sublinha João Silveira, à época elemento da Direção da ANF, «mesmo a nível global, eram ainda muito recentes». E assim, na procura de um meio para atingir um fim, descobre-se que o meio pode significar um fim em si mesmo. Percecionado o vazio, «considerámos que o envolvimento dos farmacêuticos nestas áreas do conhecimento seria importante, e não apenas numa perspetiva profissional, mas também política», conta João Cordeiro, corroborado por João Silveira, que acrescenta que «conhecer melhor o que se faz e como, com o medicamento, com que resultados, com
«São precisos muitos anos para preparar uma equipa como a do Cefar. Não se recrutam simplesmente profissionais, é preciso formá-los numa linguagem nova»
Ana Paula Martins
que problemas, com que custos… permitir-nos-ia fazer um diagnóstico da nossa realidade e, a partir daí, traçar caminhos e agilizar os nossos planos de ação profissional. E ganhar uma outra capacidade de diálogo não apenas com o Estado, no sentido de influenciar positivamente a política do medicamento, mas também com a indústria, com um discurso mais creditado, ou seja, baseado na evidência». Deste modo tomava corpo uma ideia, cuja concretização carecia, contudo, de algo muito importante e raro: profissionais farmacêuticos com o conhecimento adequado para agarrar e desenvolver o projeto. «Descobrimos a Dra. Ana Paula Martins».
“Base zero” Ana Paula Martins estava a concluir um mestrado em Epidemiologia e, «claramente, o meu objetivo era fazer investigação sobre o medicamento nesta área. Imaginava-me, por isso, a trabalhar ou na agência regulamentar ou num
centro académico, pelo que o desafio que o Dr. João Cordeiro e o Dr. João Silveira me lançaram foi uma surpresa. Até porque se tratava de algo completamente inovador: continuo sem ter conhecimento de nenhum outro centro na Europa com as características do Cefar, isto é, quase exclusivamente financiado por um setor privado, no caso as farmácias. Obviamente, não havia nada, era começar do zero». Aceite o repto, o primeiro passo foi, mais uma vez, encontrar as pessoas certas, «não só com as competências técnico-científicas necessárias em Farmácia, Epidemiologia e Estatística, mas basicamente gente de mente aberta, capaz de trabalhar numa área diferente e que tivesse a capacidade de produzir, desde logo, um ou dois projetos num tempo não muito longo». Não foi fácil. Foi preciso fazer formação, numa altura em que, tal como nota João Silveira, «contavam-se, e ainda se contam pelo dedos, no mundo, os centros de conhecimento nestas áreas». 25
cefar Assim, «durante algum tempo, a equipa fui eu mais duas pessoas, sendo que uma delas nos dava apoio em termos de consultoria. E nem poderia ter sido de outra forma, já que cada elemento era acolhido de modo particular, com um plano de formação muito bem definido. É certo que parte do conhecimento é adquirido no decurso do trabalho, na pesquisa e experimentação de novos métodos, mas há uma outra que implica um acompanhamento obrigatório, sistematizado e intenso da discussão científica em termos internacionais». Canadá, Estados Unidos e alguns, poucos, países europeus fizeram parte do roteiro de formação e, em 1994, nascia o Cefar - Centro de Estudos de Farmacoepidemiologia, mais tarde reposicionado como Centro de Estudos e Avaliação em Saúde, já com um capital de contactos importante. «Tratando-se de um meio globalmente muito reduzido, as ações de formação no estrangeiro permitiram-nos, por si só, aceder a uma network mundial e, quase desde o momento zero, estar em comunicação com os principais centros de conhecimento e desenvolvimento nestas matérias», refere João Silveira.
A afirmação Ana Paula Martins, hoje diretora de assuntos externos na Merck Sharp Dohme, esteve no Cefar durante 13 anos, até 2006. «Foi o projeto da minha vida. Para além dele, fiz outras coisas de que me orgulho profundamente, mas a construção do Cefar foi determinante, na medida em que me transformou na pessoa que sou. Aprendi muito com os outros sobre tudo e sobre mim mesma; exigiu muito de mim e dos meus recursos, da minha criatividade, e obrigou-me a crescer sempre mais. Isso é muito compensador. Devo o meu 26
«Uma das nossas ambições era criar novas valências para a profissão farmacêutica e considerámos que o envolvimento dos farmacêuticos nestas áreas do conhecimento seria importante, não só profissional, mas também politicamente» João Cordeiro
desenvolvimento pessoal à equipa com quem trabalhei e à confiança da ANF e das farmácias». Durante esse tempo, destaca três projetos muito importantes. «Aquele que fez com que o Cefar “acontecesse” foi o estudo sobre a automedicação em populações rurais e urbanas. Um segundo momento relevante, e que projetou o Cefar para lá do que se poderiam considerar ser as suas fronteiras naturais, foi a quantificação do desperdício no uso do medicamento, pesquisa desenvolvida em colaboração com as Faculdades de Farmácia e Medicina da Universidade de Coimbra. O terceiro, em coautoria com a Exigo, foi a monitorização dos resultados obtidos com a implementação do sistema de preços de referência em Portugal. Foram momentos extraordinários, em que o Cefar fez história». Com o tempo, o Cefar começou a transformar-se num centro de avaliação económica de resultados em saúde e patient reported outcomes. «O Centro cresceu e afirmou-se de uma forma incontestável em todos os meios, académicos e científicos, políticos e económicos. Depois, com a saída da Dra. Paula
Martins, passou por uma fase de algum reajustamento, o que é natural, já que não é fácil substituir alguém de um nível científico e técnico elevadíssimo e que tinha desenvolvido o projeto desde o início e o conhecia por dentro e por fora». Não foi imediato, continua João Silveira, «deambulou-se um bocado». O momento político era também ele complexo, foi uma fase de grandes mudanças no setor que levou a uma reorganização da própria ANF. «E então tomou-se a decisão extraordinária e inteligente de convidar a Dra. Suzete Costa para assumir a liderança do Cefar, uma mulher com grande visão e sensibilidade para o futuro da profissão, e com um sentido estratégico apurado, que permitiu reposicionar o Centro no seu caminho de desenvolvimento e dar um salto qualitativo».
A expansão A atual diretora técnica do Cefar testemunha que a sua entrada, em 2008, «foi coincidente com a altura da sua empresarialização. Havia interesse por parte do
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mercado nos nossos serviços e a Direção da ANF decidiu que fazia sentido rentabilizar algum do nosso know how. Foi um marco na história do Cefar, na medida em que deixou de ter o seu foco exclusivo no cliente interno, permitindo reduzir o peso dos nossos custos para as farmácias. Mas, mais importante, é que isso respondeu a um objetivo estratégico, no sentido de posicionar a rede de farmácias como elementos estratégicos na obtenção de informação». A este propósito, Ana Paula Martins diz acreditar ter sido esse sempre um dos propósitos perspetivados para o Cefar. «Creio que os líderes históricos da ANF, o Dr. João Cordeiro e o Dr. João Silveira, quando tiveram a ideia de criar o Cefar, pensaram que mais tarde ou mais cedo Portugal haveria de se tornar num país onde se produzisse conhecimento para a tomada de decisão com base em evidência, e a farmácia poderia estar nesse radar, porque tem, de facto, informação que é única relativamente à utilização dos medicamentos». E a verdade é que o setor onde o Cefar se insere está em franco crescimento. Esta é a época da tónica colocada na relação custo/efetividade dos medicamentos e, como exemplifica Suzete Costa, «os Estados estão a condicionar a comparticipação dos produtos à prova de resultados, por um lado, e por outro a pedir às empresas que apresentem para todos os medicamentos que entraram no mercado após 2013 um plano de gestão de risco, o que implica muitas vezes a apresentação de estudos de segurança após AIM». Acresce que, tal como enfatiza Ana Paula Martins, ainda que «o Cefar não tenha o exclusivo de trabalhar dados epidemiológicos sobre medicamentos, a maior parte do que o Centro faz não é
«Para mim sempre foi claro que o Cefar era o projeto estrategicamente mais importante para as farmácias»
João Silveira
feito por mais ninguém, porque são precisas grandes quantidades de informação, que têm de ser recolhidas em tempo útil e junto da população». Em suma, «as oportunidades para validar a liderança da farmácia enquanto centro de recolha de informação sobre o consumo e o uso de medicamentos são, por isso, imensas», conclui Suzete Costa.
A consolidação Vinte anos após o seu nascimento, o Cefar é composto por uma equipa de 11 pessoas. Fez um longo caminho desde 1994. «São precisos muitos anos para preparar uma equipa como a do Cefar. Não se recrutam simplesmente profissionais, é preciso formá-los numa linguagem nova, cross-functional, é preciso ter prática de trabalho no setting, isto é, a farmácia, e fazer experimentação de métodos de recolha de informação, criar metodologias…», explica Ana Paula Martins. De resto, conforme assinala Suzete Costa, «boa parte do nosso trabalho é possível porque temos
uma plataforma informática criada pelo setor, ainda com grande potencial de exploração. Criámos uma base de dados que arrancou com um painel de 80 farmácias e foi crescendo ao longo dos anos permitindo, por exemplo, o surgimento de uma outra empresa, a hmR - e esperamos poder vir a ter, muito em breve, uma base de dados populacional com dimensão que nos permita, em determinados grupos de doentes, fazer o tracking longitudinal da utilização do medicamento». De igual peso são as parcerias, cujo estabelecimento foi inicialmente muito exigente, confessa Ana Paula Martins, «muito porque estávamos baseados na ANF. Não por má reputação, que nunca existiu, mas por alguma reserva dos outros stakeholders, dada a enorme exposição que a Associação tinha do ponto de vista político. Muitas vezes o Dr. João Cordeiro me disse que “o que conta são as pessoas”, e em 70% dos casos isso é verdade». Uma vez ultrapassadas as resistências iniciais, acrescenta Suzete Costa, «as pessoas perceberam a seriedade do trabalho do Cefar, e a credibilidade, a isenção e 27
cefar
«As oportunidades para validar a liderança da farmácia enquanto centro de recolha de informação sobre o consumo e uso de medicamentos são imensas»
Suzete Costa
o rigor da sua informação nunca foram colocadas em causa, nem interna nem externamente, e isso é um capital destes 20 anos de trabalho». Fundamental, porém – continua -, é a própria rede de farmácias. «Não falamos de centros de investigação formais, mas a verdade é que as farmácias se envolvem e recrutam
A equipa que constitui, atualmente, o Cefar 28
doentes para participar em estudos, e algumas até já desenvolveram competências nesta área. A sua participação é essencial». Hoje o Cefar apresenta-se como «uma mix entre CRO, Contract Research Organization, que trabalha por projeto contratado, prestando serviços de estudo e consultoria
na avaliação de medicamentos, e aquilo a que chamamos o observatório da farmácia e da política do medicamento, para suporte interno e ao setor, onde estão englobados todos os estudos regulares sobre a farmácia, desde a monitorização da evolução do mercado ao impacto das novas margens versus as anteriores, e a área da economia da saúde, da farmacoepidemiologia e de outcomes research». João Silveira recorda que «a esmagadora maioria das pessoas não percebeu, na altura, a importância da criação deste departamento na ANF, mas, para mim, foi sempre claro que este era o projeto estrategicamente mais importante para as farmácias. Inacreditavelmente, continua-se a fazer política em Portugal como há 20 anos, mas o Cefar vai ter uma função cada vez mais importante, não apenas de suporte à política associativa e à reposta na intervenção profissional, mas terá, do meu ponto de vista, uma importância determinante no diálogo com os decisores políticos».
congresso FIP
Acesso ao medicamento
FIP destaca importância da mediação farmacêutica Este ano, a FIP escolheu a Tailândia e a cidade de Banguecoque para palco do seu Congresso Mundial de Farmácia e Ciências Farmacêuticas, que terá lugar entre os dias 31 de agosto e 4 de setembro. “Garantir hoje o acesso ao medicamento e ao farmacêutico para a obtenção de melhores resultados em saúde amanhã” é o grande mote de um programa cujo roteiro nos é deixado por Ema Paulino e Luís Lourenço.
Ema Paulino, FIP professional secretary, dá-nos conta de que a expressão chave no tema escolhido para esta edição do congresso da Federação Internacional é «acesso». Conforme explica, «a FIP tem vindo a usar a expressão “uso responsável do medicamento”, em detrimento de “uso racional” do mesmo, por considerar que esta última peca por circunscrever algo, que é mais amplo, ao
âmbito da prescrição e dispensa. De facto, o que a FIP pretende significar é a necessidade de se assumir, globalmente, uma responsabilidade extra sobre o uso que é feito do medicamento, e que tem de ir para além de quem prescreve e quem dispensa, abarcando também quem produz, quem utiliza e quem paga». É de um jogo de equilíbrios entre estas diferentes variáveis que se consegue obter o resultado pretendido
da equação: «o garante do acesso» ao medicamento. Por outro lado, a aproveitando o facto de os trabalhos decorrerem na Ásia, «onde, em muitos países, à imagem do que acontece também, por exemplo, na América Latina, não existe a obrigatoriedade da existência de farmacêuticos nas farmácias, vamos reforçar que esse uso responsável passa pelo acesso a uma mediação profissional especializada e de qualidade. 29
congresso FIP
«A FIP crê e defende que só da conjugação do acesso ao medicamento através do acesso ao farmacêutico podem derivar os melhores resultados em saúde no futuro», atesta Ema Paulino No fundo, a FIP crê e defende que só da conjugação do acesso ao medicamento através do acesso ao farmacêutico podem derivar os melhores resultados em saúde no futuro».
Transversalidade sinónima de riqueza Dito assim, pode soar “a pouco europeu”, mas Ema Paulino, assumindo embora a necessária transversalidade de um congresso mundial, onde naturalmente os países se encontram em diferentes estádios de desenvolvimento profissional, recorda que o programa é vasto e que dentro de cada temática, haverão sessões focadas para sistemas mais maduros. «Basta pensarmos, por exemplo, que quando falamos em acesso ao farmacêutico estamos a abranger igualmente o 30
acesso aos serviços por ele prestados, onde se enquadram temas relacionados com modelos de intervenção já implementados ou em implementação, ou com a sua remuneração. Assim como estamos a abarcar o acesso à informação sobre saúde e as importantes diferenças que existem entre informação, conhecimento e sabedoria, graduadas através do profissional de farmácia». Luís Lourenço, secretário da secção de Farmácia Comunitária da FIP, sublinha ainda a principal fonte de riqueza da FIP e, em particular, dos seus congressos, é precisamente essa multiculturalidade e mesmo esse desencontro de momentos evolutivos. «Estamos a falar do mais internacional dos eventos farmacêuticos que se organizam por todo o mundo, onde confluem, com um enorme potencial de partilha, as diferentes experiências de cerca de três mil participantes. Aprendemos muito uns com os outros, não só no decurso dos trabalhos, mas também nas ocasiões de convívio, e isso permite-nos, a todo o momento, relativizar a nossa realidade, assim como alimentar a nossa fé na profissão, já que há de facto gente muito boa a trabalhar em farmácia, com práticas realmente fantásticas e que são uma mais-valia conhecer».
Questões muito nacionais No que se refere ao acesso ao medicamento, serão muitas as sessões gerais a decorrer durante o congresso que abordarão temáticas como as comparticipações, os formulários nacionais, questões relacionadas com patentes, investigação, com a disponibilização dos medicamentos ao nível hospitalar e ambulatório, etc. Os dois interlocutores destacam desta panóplia um assunto que, como diz Ema Paulino, «está muito em voga em Portugal, que é a rutura de stocks, embora seja um problema de nível internacional». Cá, as
«Há de facto gente muito boa a trabalhar em farmácia, com práticas realmente fantásticas e que são uma mais-valia conhecer», nota Luís Lourenço
atenções prendem-se muito ao fenómeno do comércio paralelo, mas, conforme nota Luís Lourenço, «há países onde a falta de medicamentos é real por problemas nas fábricas ou porque a indústria opta por descontinuar a sua produção por inviabilidade ou fraca atratividade comercial». Mas há outras temáticas de especial interesse nacional, «em particular as relacionadas com o custo/efetividade tanto dos medicamentos como dos serviços que estão a ser e podem ser prestados pelo farmacêutico», aponta a FIP professional secretary. Por fim, diz Ema, o congresso será um espaço onde se fará prova, com base em evidência de casos internacionais, dos bons resultados obtidos em saúde através desta conjugação do acesso ao profissional de saúde farmacêutico e ao medicamento.
pediatria
em foco
As grandes diferenças dos pequenos gestos Gerar e ter um filho é dos momentos mais belos, misteriosos e assustadores pelos quais a humanidade passa. No decurso da gravidez e durante os primeiros anos do bebé, a vida dos pais é dominada por duas certezas: a certeza de incontáveis e intermináveis dúvidas, de que deriva a certeza de uma busca incessante pela segurança. A farmácia, pelo seu capital de confiança, é muitas vezes vista por esta população como um porto de abrigo, um ponto de referência de qualidade que, pelo seu aconselhamento profissional disponível, permite aceder a algo tão almejado nesta fase como o é a tranquilidade na tomada de decisão. Bem trabalhado, este apoio é precioso para os pais, e por ele recompensarão a farmácia com a sua lealdade. 31
pediatria
entrevista Mário cordeiro
«Amar não é dar coisas – é dar amor e apoiar no crescimento» “Sherlock Holmes da Pediatria”, “Dr. Spock à portuguesa”, “jornalista que, infelizmente, nunca chegou a ser”. Três apelidos - dois atribuídos, um autoproclamado -, todos pertencentes a Mário Cordeiro, um dos mais prestigiados pediatras nacionais, com quem falámos sobre crianças e famílias, políticas intrínsecas e a ausência das mesmas nos dias que correm. Longe de ter sido uma conversa “cor-de-rosa”, é no plano do mais belo que se resume a sua essência: num apelo ao retorno aos afetos, que são, afinal, aquilo que temos de mais íntimo e verdadeiro.
Farmácia Portuguesa - As pessoas estão hoje mais pressionadas para a perfeição no seu papel de pais? Mário Cordeiro - A pressão para se alcançarem estados considerados quase perfeitos é transversal a todas as nossas condições. Confunde-se algo, que me parece absolutamente legítimo, que é o rigor, a vontade 32
de fazer e de estar bem, com o ser-se perfeito, fazer tudo e tudo sem nunca falhar, a todos os níveis: laboral, pessoal, familiar… Esta exigência gera um enorme stress sobre as pessoas e acaba por se repercutir, por várias razões, nos filhos. Hoje há uma maior ponderação na decisão da parentalidade e os casais
têm poucos filhos, não porque não quisessem ter mais, mas pela forma como esse desejo entra em conflito com o modo como está organizada a nossa sociedade, onde escasseiam, gritantemente, políticas de apoio à família. É um sinal de responsabilidade, mas não deixa de ter um travo de amargura.
FARMÁCIA PORTUGUESA • 205 • jan/fev/mar‘14
Os casais veem-se, assim, numa permanente gestão de equilíbrios entre dois polos, onde se por um lado não faz sentido - e assumem-no que as crianças absorvam por completo a sua vida, por outro querem estar envolvidos de uma forma completa na vida dos seus filhos, o que, diga-se, acho ótimo. Julgo que a relação entre pais e filhos é atualmente muito melhor do que foi em gerações anteriores. Mesmo neste ambiente de crise global os pais acompanham mais as crianças, estão mais com elas e dão mais de si. Há 40, 30 ou 20 anos, a distância entre pais e filhos era geralmente grande e não existia algo importante, a que a Ciência deu um precioso contributo, que é o reconhecimento de que as crianças têm sentimentos e que podem, por exemplo, estar tristes, perplexas, atemorizadas, deprimidas. Os sentimentos eram território cativo e exclusivo dos adultos e havia a ideia de que a noção sistémica e global da vida também devia ser a das crianças. FP - Diria que, no extremo oposto, estamos agora superprotetores dos miúdos? MC - Não posso generalizar, mas esse é um dos riscos de as crianças viverem únicas e assim absorverem por completo a energia da família. Entenda-se bem que únicas são sempre, no sentido de que são irrepetíveis e insubstituíveis, conceitos que é bom que tenham presente durante toda a sua vida, pois são fundamentais para a sua autoestima. O que acontece é que temos cada vez menos filhos e, consequentemente, há cada vez menos irmãos ou primos, tornando as crianças no polo convergente de todas as atenções dos adultos. Nós, adultos, já atravessamos naturalmente uma fase da nossa vida, sobretudo cerca dos 15, 18 meses de idade, em que somos altamente narcísicos, em que o mundo gira em torno do nosso umbigo e nos julgamos omnipotentes.
Com o crescimento, essa faceta vai sendo controlada, mas também é modelada pelos pais, e aquilo a que assistimos hoje é a muitos pais que têm medo de educar os filhos e têm medo de os frustrar com receio de lhes provocar traumas. Com meninos que acham que, à partida, podem e têm direito a tudo, e pais que têm medo de dizer “não”, as famílias estarão a gerar verdadeiros tiranos. O “não” ajuda a crescer, ajuda a aprender a relativizar e a dar mais valor ao “sim”. É importante que as pessoas reflitam que amar não é dar coisas, não é permitir tudo. Amar também é ensinar, ajudar a aprender, educar. Por vezes, castigar… FP - Falávamos na falta de políticas direcionadas para a família e infância. É uma causa ou uma consequência da crise? MC - Ambas. Em Portugal, o discurso sobre a família tem a particularidade de estar associado a uma forte conotação ideológica e religiosa, que não é de agora, tem raízes históricas. Repare que alguém que diz ter muitos filhos é imediatamente classificado como sendo um católico de direita, o que é - desculpe a expressão forte - uma perfeita “imbecilidade”. Defender a família não é algo que seja, quanto a mim, nem da esquerda nem da direita, dos católicos, muçulmanos ou judeus. É das pessoas, é natural e instintivo. Por outro lado, o discurso político atual aparenta ser, em tudo, um convite - umas vezes mais explícito, outras menos - a que as pessoas não tenham filhos. Basta a redução de um salário, por exemplo, para uma família não poder mudar de casa e não ter mais filhos porque não tem espaço, resultado para o qual concorre também a subida do preço dos infantários e a falta de apoio público ao pré-escolar… À baixa natalidade entre a população residente, temos agora de juntar os efeitos da enorme emigração de casais em idade fértil, o que terá um custo elevado, porque
«A mudança passará, primordial e essencialmente, pela vontade política de mudar. Não seria inédito! Temos bons exemplos no nosso país, como a espetacular baixa na mortalidade infantil e perinatal» essas pessoas vão sem a nostalgia do regresso - vão para não regressar. E não são apenas os portugueses que se vão embora, são também as famílias imigrantes que estavam cá radicadas que se estão a ir embora, e tudo isto tem contribuído para a enormíssima queda da natalidade. Estas famílias estrangeiras representaram, há três anos, cerca de 16% de todos os nascimentos. Portugal está a envelhecer e vamos ter um tecido social muito fragmentado que comportará enormes dificuldades, não apenas ao nível da dúvida sobre “quem irá pagar as futuras pensões”, mas porque uma sociedade só é saudável se for composta por idosos, adultos, adolescentes e crianças, e em convívio. A “fertilização” das várias camadas sociais e geracionais é profundamente útil para a nossa evolução cultural e civilizacional, misturando a criatividade, a informação, o conhecimento, a experiência e a sabedoria. FP - É uma visão pessimista. Em seu entender, por onde passaria a mudança? MC - Sou uma pessoa profundamente otimista, mas sei ler a realidade! A mudança passará, primordial e essencialmente, pela vontade política de mudar. Não seria inédito! Temos bons exemplos no nosso país, como a espetacular baixa na 33
pediatria
entrevista mortalidade infantil e perinatal, em que Portugal conseguiu passar de um dos piores países da Europa nos anos de 1980 para, neste momento, o terceiro melhor do mundo. A então ministra da Saúde, Leonor Beleza, quando confrontada, pelo Prof. Otávio Cunha, com a realidade miserável da rede de prestação de cuidados às grávidas e crianças no decorrer de uma visita ao Hospital de Santo António, no Porto, optou por se interessar, por se envolver, e por criar as condições que levariam à construção da mudança. Não olhou a cores políticas ou questões partidárias, como aliás mostra o convite feito ao Prof. Albino Aroso para liderar um grupo de trabalho de pediatras e obstetras, todos eles afetos a partidos de esquerda, e que ficou encarregue de desenhar um programa para a reorganização da rede de cuidados. É um entre vários exemplos. Tudo depende, sempre, da vontade de fazer as coisas. FP - E do dinheiro, que o discurso de crise parece anunciar inacessível? MC - Quando, há 22 anos, a APSI (Associação para a Promoção da Segurança Infantil) - que tive a honra de fundar e que tanto apoio teve da ANF - lutou pela obrigatoriedade do uso das cadeirinhas para transporte das crianças nos automóveis, para sustentar a ideia, que era vista como uma bizarria, apresentou a evolução que tinha ocorrido na Suécia com a sua implementação. Os comentários foram os costumeiros: “ah, mas a Suécia é a Suécia, nós somos do sul, somos latinos, somos um país pobre…”. Argumentos vazios, que revelavam, para além do resto, ignorância. A Suécia foi profundamente pobre, conheceu lutas sociais intensíssimas no início do século XX e, nos anos de 1950, tinha um índice de acidentes rodoviários igual ou até superior ao de Portugal. Ou seja, a maravilha sueca não surgiu por eles serem suecos, mas porque uma iniciativa de pediatras se estendeu a 34
«Os nossos filhos sentem que são em tudo dependentes dos nós, têm medo do abandono, que deixemos de gostar deles. É preciso verbalizar algo que para nós é evidente, que é o nosso amor por eles» outros setores da sociedade e entrou no sistema político, tendo o depois primeiro-ministro Olof Palme à cabeça; porque houve, enfim, vontade de mudar! Nós podemos “ser suecos” e eles “já foram portugueses”. Há 15 anos, no primeiro Governo de António Guterres, houve uma tentativa para se olhar a criança e a família numa perspetiva mais ampla, através da criação da Comissão Nacional dos Direitos da Criança, a qual reunia representantes da Saúde, da Educação, da Justiça, da Segurança Social, organismos como a UNICEF, o Instituto de Apoio à Criança, etc. Foi um trabalho muito interessante, que resultou na produção de um relatório sobre a infância e a adolescência, retratando a nossa realidade e identificando as carências e necessidades. Na mesma altura procurou-se também instituir a figura do Provedor da Criança, como havia na Noruega, o qual, aliás, esteve cá e chegou a reunir com o nosso primeiro-ministro. A ideia era instituir uma figura que pudesse analisar o impacte, junto das crianças e famílias, das medidas estruturais propostas antes da sua implementação, para que o poder legislativo pudesse agir depois com base nesse conhecimento. Contudo, houve uma mudança de Governo, o relatório, que foi discutido
nas Nações Unidas como era obrigação de Portugal, não teve, que eu saiba, seguimento, e a provedoria caiu no esquecimento. Não se quis mudar, mas podia ter-se dado um passo de gigante. FP - Regressemos às famílias, no seu aspeto menos macro, e partamos do pressuposto que ser pai/ mãe significa cuidar de uma criança agindo em três campos: no plano dos afetos, da educação e físico. Sobre o primeiro, não haverão certamente fórmulas mágicas, mas neste tempo em que as dúvidas existenciais dos pais parecem ser maiores que nunca, o que é que, para si, é realmente importante lembrar? MC - O plano dos afetos é, entre todos, o essencial para um bom desenvolvimento. Mas não só: a ciência tem demonstrado que, em situações limite, o maior fator protetor de uma pessoa é sentir-se amada, querida (do verbo querer), desejada. O que é importante que os pais entendam é que, no caso das crianças, essa perceção não é apenas intuída, é preciso ser-lhes dita e transmitida. É preciso verbalizar-lhes, explicitamente, que são amadas. Os nossos filhos sentem que são em tudo dependentes dos nós, têm medo do abandono, que deixemos de gostar deles. É preciso verbalizar algo que
pediatria
entrevista «Para mim, as farmácias são o sistema de saúde que melhor funciona no nosso país» para nós é evidente, que é o nosso amor por eles. Um amor oblativo, que não cobra, que não exige, que “apenas é”. Por outro lado, e isto cruza já com o segundo aspeto, acho importante educarmos os filhos para a autonomia, logo desde que nascem. As crianças têm sentimentos e angústias que precisam aprender a gerir e os pais não devem passar o tempo a “pôr paninhos quentes” ou “chuchas”, ou seja, a contornar os obstáculos ou ignorá-los. É preciso descodificar os medos, para que os miúdos aprendam a superá-los e percebam que têm força suficiente para os vencer. Não se negam os papões e fantasmas; aprende-se é a ignorá-los, domá-los ou vencê-los. FP - E no plano físico, como vê hoje a relação dos pais portugueses com a saúde dos seus filhos? MC - Julgo que os pais estão hoje mais avisados, até porque foi percorrido um grande caminho no sentido da promoção da saúde, da prevenção de acidentes e de doenças, assim como houve avanços ao nível do diagnóstico atempado e dos tratamentos. No global, as crianças portuguesas estão cada vez mais saudáveis, as patologias pediátricas graves tiveram uma descida dramática com a instituição da vacinação e de muitas outras medidas sanitárias, e as mais graves são, apesar de tudo, raras e felizmente diagnosticadas cada vez mais cedo. 36
A maior parte das situações que existem encaixam-se nos chamados “ranhos e febres baixas”, que são naturais e até contribuem para uma melhor imunidade, mas que obviamente causam aos pais dúvidas e inquietações. FP - Muitas dessas dúvidas desaguam nas farmácias. Que opinião tem sobre o desempenho dos farmacêuticos comunitários perante este público tão especial? MC - Antes de mais devo dizer que, para mim, as farmácias são o sistema de saúde que melhor funciona no nosso país. Isto apesar de nos depararmos hoje com uma grande dificuldade, que é a de passarmos uma receita com três ou quatro medicamentos e as pessoas andarem em romaria à procura dos mesmos. Não obstante estas contingências atuais, as farmácias têm, para começar, uma coisa extraordinária e de que só nos apercebemos quando comparamos com outros serviços, que é o facto de não precisarmos de esperar! O atendimento é profissional, simpático – humanizado! - e muito completo, pois para lá dos produtos, prestam ainda bons serviços acessórios. Depois, estão em todo o lado. Numa altura em que vários apoios à população estão a fechar, não apenas na Saúde mas noutras áreas também, como na Justiça, por exemplo, é justo dizer-se que as farmácias permanecem acessíveis em todo o território nacional. Finalmente, e ao longo de todos estes anos, aquilo a que tenho assistido, mesmo presencialmente quando estou na condição de utente, é a um atendimento e aconselhamento aos pais de perfeito bom senso, salvo um ou outro caso. As pessoas procuram e confiam nos farmacêuticos. Hoje, a informação está facilmente acessível, mas isso não é necessariamente o bastante. Uma mãe que precise de saber mais sobre o nariz entupido do seu bebé vai
à Internet e, num clique, fica assoberbada com milhões de artigos, entre os quais ainda encontra as histórias assustadoras do “Zézinho, que começou com obstrução nasal e afinal tinha um cancro no nariz”… Faz falta bom senso e faz falta pragmatismo, alguém que apenas diga àquela mãe “ponha soro no nariz da criança”. Esse alguém podem ser as farmácias, porque são de confiança, estão próximas, são acessíveis e são práticas e perfeitamente capazes de dar resposta em situações do dia-a-dia: o nariz tapado, a tosse, o bebé que não faz cocó há três dias… Se mais alguma coisa poderia ser feita ao seu nível, eu diria que seria trabalhar na identificação de um top de 20 ou 30 das dúvidas mais recorrentes nos pais para que se harmonizassem as respostas ao nível do país. De resto, quando penso que todos os dias há um quarto de milhão de portugueses que passam pelas farmácias, não consigo deixar de ver nisso uma oportunidade de ouro para o desenvolvimento de políticas de saúde pública. Não há nenhum outro local que receba a visita de tantas pessoas por dia e predispostas a acolher pequenas informações, as quais podem gerar grandes diferenças. Isso é igualmente verdade no que respeita à saúde da mulher e da criança, e a programas de prevenção ou outras iniciativas. Enfim. Creio que, com vontade política, medidas simples, assertividade e a opinião dos técnicos tida como boa, poderemos, mesmo com a malfadada crise, mesmo com limitações e constrangimentos, dar saltos qualitativos que permitam melhor saúde e mais bem-estar às crianças portuguesas. Tudo depende, contudo, de se passar das palavras aos atos, e não vejo, com toda a franqueza, que essa seja a vontade dos políticos que atualmente nos governam… Todavia, os ventos da História dão sempre razão à Razão, mais cedo ou mais tarde.
pediatria
dossier
Grávida e bebé
Quatro anos de fidelização na farmácia Os cuidados de saúde antes, durante e após a gravidez são muito importantes para o bem-estar da mulher e do bebé. Enquanto grávida, a mulher deve estar bem informada acerca dos cuidados a ter, de forma a ultrapassar os obstáculos que possam surgir e diminuir a ansiedade e os medos, tão compreensíveis nesta fase da sua vida. Neste sentido, o farmacêutico, como elemento privilegiado da equipa de saúde pelo contacto direto com os utentes, pode ter um papel determinante no aconselhamento, na divulgação de informação e no seguimento da grávida logo desde a fase de confirmação da gravidez, durante as 40 semanas, em média, e nos três primeiros anos de vida do bebé. Estamos a falar de um mercado com grande potencial de fidelização para a farmácia, pois são garantidos, pelo menos, quatro anos de consumo muito ativo.
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pediatria
dossier
GRÁVIDA Teste de Gravidez O teste de gravidez, dispensado e habitualmente efetuado na farmácia, baseia-se na deteção da hormona gonadotrofina coriónica (HGC) na urina. No caso de suspeita de gravidez, a mulher pode ter a confirmação logo desde o 12º dia de ovulação, através da aquisição e realização do teste. Este deve ser realizado com a primeira urina da manhã, uma vez que tem maior concentração de HGC.
Cuidados com a Pele A grávida está sujeita a mudanças hormonais, vasculares e imunológicas que se refletem na sua pele. É importante ter em conta: Higiene e Hidratação: a pele da grávida é mais suscetível a irritações decorrentes do uso de cosméticos, desodorizantes e perfumes. Recomendações: evitar banhos demorados e com água muito quente, utilizar produtos neutros de limpeza e hidratar bem a pele após o banho.
Quadro 1
Guia para o aumento de peso ideal na gravidez Estado Ponderal
IMC (kg/m2)
O aumento de peso pode chegar a:
Aumento de peso a partir do 3º trimestre
Magreza
IMC <19,8
12,5 - 18Kg
500g/semana
Peso Normal ou Recomendável
IMC 19,8 – 26
11,5 - 16Kg
400g/semana
Excesso de peso
IMC > 26 – 29
7 - 11,5Kg
300g/semana
Obesidade
IMC > 29
Até 7Kg
-
Gravidez de gémeos
15,9 - 20,4Kg
700g/semana
Adaptado de Associação Portuguesa dos Nutricionistas, American Dietetic Association, 2008
Nota: não é recomendável fazer dietas e o aumento de peso é inevitável na gravidez. 38
Manchas (melasma, cloasma ou pano): estudos demonstram que cerca de 70% das mulheres grávidas podem apresentar manchas castanhas escuras no rosto, bochechas, nariz e buço. O melasma pode aparecer no primeiro trimestre de gravidez, acentuando-se nos últimos meses, quando os níveis hormonais são mais elevados. Recomendações: aplicar diariamente protetores solares (SPF≥30 e UVA) no rosto e evitar a exposição solar, pois pode agravar o problema. Acne: durante o primeiro trimestre da gravidez, é normal que a pele sofra algumas alterações devido a alterações hormonais, que promovem o aparecimento de maior oleosidade da pele e favorecem a produção de sebo. Recomendações: Lavar a pele com produto neutro e suave duas vezes por dia, aplicar uma loção tónica sempre após lavar e secar o rosto, aplicar um hidratante não oleoso, em pequena quantidade, no rosto (de manhã, pode optar-se por um hidratante que já contenha fator de proteção solar). Estrias: cerca de 90% das grávidas desenvolvem estrias. Estas podem surgir no abdómen, nas coxas e nas mamas, e geralmente aparecem entre o sexto e o sétimo mês de gestação, devido ao aumento da tensão e estiramento da pele, que origina rutura de fibras elásticas e de colagénio. Recomendações: Manter o peso apropriado, beber muita água e aplicar emolientes (cremes hidratantes ou cremes gordos) em movimentos circulares, uma a duas vezes por dia. Celulite: aumenta consideravelmente devido ao aumento de concentração das hormonas que promovem a acumulação de gordura e a retenção de líquidos. Recomendações: Fazer caminhadas, dieta equilibrada e beber 2 litros de água. Nota: Atenção a todos os produtos cosméticos a recomendar à grávida
FARMÁCIA PORTUGUESA • 205 • jan/fev/mar‘14
Quadro 2
Desconfortos mais comuns durante a gravidez DesconfortosA
Causas
RecomendaçõesB
Azia e refluxo gastro-esofágico*
Compressão gástrica e retorno do conteúdo do estômago para o esófago, pelo relaxamento da cárdia provocado pelos elevados níveis de progesterona em circulação.
Fazer refeições ligeiras e mais frequentes | Não se recostar nem deitar após as refeições | Evitar alimentos muito frios ou muito quentes | Evitar alimentos com muita gordura, picantes e condimentados, chocolate, bebidas com cafeína, gaseificadas e alcoólicas | Pode recorrer-se a antiácidos (medicamento não sujeito a receita médica - MNSRM) – contendo cálcio, magnésio e alumínio. Nota: Os sais de magnésio são preferíveis aos de alumínio na grávida obstipada. O bicarbonato de sódio é de evitar pelo risco de alcalose metabólica e retenção hídrica.
Cãibras
Fadiga, falta de vitamina B, de cálcio e de magnésio e grande pressão exercida pelo útero sobre os vasos pélvicos.
Evitar o alongamento muscular excessivo ao acordar, em especial dos pés | Evitar ortostatismo e a posição sentada por longos períodos na gravidez avançada | Nas crises: aplicar calor local, fazer massagens na zona afetada e movimentação passiva de extensão e flexão
Congestão nasal e epistaxes
Alterações hormonais que provocam vasodilatação, aumento da vascularização e edema do tecido conjuntivo.
Aplicar soro fisiológico | Comprimir a base do nariz para parar a hemorragia | Aplicar hemostático tópico para absorver o sangue e ajudar a parar pequenas hemorragias do nariz (gaze de celulose oxidada).
Edemas*
Retenção de líquidos, ingestão excessiva de sal, ficar de pé muito tempo, roupas apertadas e falta de exercício.
Evitar alimentos ricos em sódio ou sal | Fazer caminhadas regulares | Não usar roupa apertada | Mudar de posição com frequência, evitar estar muito tempo em pé | Elevar as pernas acima do tronco | Usar vestuário e calçado confortável e de tamanho adequado | Usar meias de compressão.
Gengivites
Grande fragilidade das gengivas, havendo sangramento com frequência.
Higiene dentária adequada é fundamental para prevenir esta situação | Utilizar uma escova dos dentes mais macia | Utilizar uma pasta dentífrica para gengivas frágeis | Consultar o dentista pelo menos uma vez durante a gravidez, para limpeza dentária e tratamento de cáries.
Hemorróidas*
Obstipação e alterações vasculares.
Alimentação variada, rica em fibras (fruta, legumes e cereais integrais) | Evitar o uso de condimentos | Beber muita água (2 litros/dia) | Aplicar anti-hemorroidal tópico (MNSRM): células vivas de levedura + óleo de fígado de tubarão | Só devem ser dispensados com indicação médica: cinchocaína, dobesilato de cálcio + lidocaína, óxido de zinco + dióxido de titânio + tetracaína, policresaleno + cinchocaína, ruscogenina + trimebutina, apesar de serem MNSRM.
Lombalgias
Aumento do útero associado ao relaxamento das articulações da sínfise púbica e sacroilíacas (pelas alterações hormonais).
Reduzir os esforços físicos | Manter as costas na posição correta | Usar sapatos de salto baixo mas não rasos | Alternar períodos de repouso com atividade | Prevenção das dores no abdómen: cinta de sustentação.
Náuseas e vómitos*
Alterações hormonais, cheiros desagradáveis e estado emocional (habituais no 1º trimestre).
• Fazer 5/6 refeições por dia | Não comer alimentos de difícil digestão (fritos, molhos, gorduras) | Evitar cheiros desagradáveis | Só deve ser dispensado com indicação médica: dimenidrinato apesar de ser MNSRM.
Obstipação*
Redução ou ausência de atividade física, crescimento do bebé, suplementos pré-natais (que contêm ferro) e alimentação pobre em fibras.
Alimentação variada, rica em fibras (fruta, legumes e cereais integrais) | Beber muita água (2 litros/dia) | Exercício físico ligeiro e exercício do pavimento pélvico | Estabelecer e manter hábitos intestinais regulares | Aplicar laxantes de contacto (MNSRM): citrato de sódio + laurilsulfoacetato de sódio, gelatina + glicerol e glicerol; Só devem ser dispensados com indicação médica: bisacodilo, bisacodilo + sene, cascara + sene e outras associações, maçã reineta + manitol + sene, picossulfato de sódio, sene, senosido A + senosido B, apesar de serem MNSRM.
Infeção urinária
Aumento dos níveis de progesterona e obstrução mecânica originada pelo útero.
Esvaziar totalmente a bexiga quando urinar | Urinar assim que sentir vontade e depois das relações sexuais | Limpar a área vaginal da frente para trás | Beber diariamente, pelo menos, 1,5 litros de água | Usar produtos de higiene íntima com pH e formulações adequadas | Utilizar roupa interior de algodão | Evitar roupas demasiado justas.
Varizes*
Hereditárias, distensão das paredes das veias pela própria gravidez, permanecer em pé durante muito tempo.
Elevar as pernas mais que o tronco | Usar vestuário e calçado confortável, de tamanho adequado | Usar meias de compressão | Massajar na direção do tornozelo para a coxa (com auxílio de um gel ou creme para pernas cansadas) | Mudar de posição com frequência, evitar estar muito tempo sentada ou em pé.
A O médico pode prescrever medicamentos sujeitos a receita médica (MSRM) em qualquer das situações, sempre que necessário. Existem fármacos que podem ser nocivos na gravidez. O farmacêutico deve informar a grávida para os perigos da automedicação. * Nos desconfortos relacionados com a alimentação recomenda-se o serviço de nutrição na farmácia para adequar a alimentação da grávida B
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pediatria
dossier - evitar o uso de qualquer produto que contenha retinoides. Alimentação Para a mulher grávida manter um estado nutricional saudável, é necessário conhecer a alimentação mais adequada neste período, bem como os nutrientes de interesse para a mãe e para o bebé, designadamente: ácido fólico, ferro e iodo e, não menos importante, o cálcio, a vitamina D, os ácidos gordos essenciais e a fibra. O médico pode recomendar a toma destes suplementos alimentares, podendo o serviço de nutrição na farmácia ser também uma mais-valia nesta fase. Como saber se a grávida está a comer bem e quantos quilos pode aumentar?
Os indicadores de estado nutricional materno, parcialmente correlacionados com o peso do bebé ao nascer, são o IMC (Índice de Massa Corporal) pré-gestacional e o ganho de peso durante a gravidez. (Ver Quadro 1) Bons hábitos alimentares: • Comer um pouco mais, mas não “por dois”; • Tomar sempre o pequeno-almoço; • Fazer cinco a sete refeições/dia (não estar mais do que três a três horas e meia sem comer); • Comer calmamente e mastigar muito bem; • Iniciar as refeições principais com sopa; • Consumir alimentos ricos em fibra, como os cereais integrais, leguminosas, produtos hortícolas, frutos; • Evitar os açúcares simples (bo-
los, açúcar de mesa, doces, bebidas açucaradas, entre outros); • Optar por métodos de confeção saudáveis (grelhados, cozidos, cozidos a vapor, estufados e assados em pouca gordura) evitando os menos saudáveis (fritos); • Comer diariamente carne, peixe ou ovos, para ter aporte adequado de proteínas; • Evitar o sal e gordura para temperar, e preferir o azeite e os óleos polinsaturados; • Beber dois litros de água/dia; • Não consumir bebidas alcoólicas; • Limitar o consumo de café e chá. MAMÃ E BEBÉ Depois de tantos meses de espera, finalmente o bebé nasce. Muito frequentemente a mãe recorre à
Quadro 3
Problemas mais comuns com a Amamentação Problemas e sintomas associados
Recomendações*
Dor e Inflamação
• Paracetamol: encontrado no leite materno em quantidades reduzidas, comparativamente às doses administradas em crianças, pelo que é considerada uma escolha segura. • Ibuprofeno (MNSRM): é também uma opção segura em doses usuais, pois as concentrações encontradas no leite materno e consequentemente transferidas para o bebé são muito baixas.
Fissuras nos mamilos (Mamilos dolorosos e gretados)
• A maioria das vezes, a dor desaparece logo que a pega do bebé é corrigida. • Aplicar uma gota de leite no mamilo e aréola, após o banho e após cada mamada – isto facilita a cicatrização. • Usar produtos com lanolina, de aplicação tópica e mamilos de silicone. • Nos casos mais graves, pode recomendar-se a toma de um analgésico (ex. paracetamol).
Ingurgitamento mamário “subida do leite” (Mamas quentes, pesadas e duras)
• Envolver as mamas em compressas humedecidas em água morna ou molhá-las abundantemente com água morna (chuveiro). • Fazer massagens circulares com ajuda de um creme. • Retirar o leite da mama, colocando o bebé a mamar ou com extração manual ou bomba manual ou elétrica, devendo retirar-se com a frequência necessária para que as mamas fiquem mais confortáveis e até que o ingurgitamento desapareça. • No final, aplicar frio. • Pode recorrer-se ao uso de discos de hidrogel para aliviar o desconforto.
Bloqueio dos ductos (Nódulo ou inchaço doloroso e avermelhado numa parte da mama)
• Amamentar em diferentes posições de modo a esvaziar todas as partes da mama (ex. colocar o bebé a mamar de baixo do braço). • Usar roupas largas e um soutien que apoie, mas não comprima.
Mastite (Parte da mama avermelhada, quente, com tumefação e dolorosa. Febre alta e grande mal-estar)
• Consultar o médico. • A mãe deve repousar. • Retirar o leite manualmente ou com a bomba. • Continuar a amamentar no lado não afetado.
* No que diz respeito à toma de medicamentos na amamentação, é importante não esquecer que alguns fármacos podem ser excretados no leite materno e causar, por exemplo, alteração na sua composição e produção. Para evitar possíveis complicações, a mãe deve consultar o médico. O médico pode prescrever medicamentos sujeitos a receita médica (MSRM) em qualquer das situações, sempre que necessário.
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farmácia para pedir conselhos sobre a amamentação, fórmulas infantis, produtos para o bebé, acessórios de puericultura e para resolver os problemas mais comuns que surgem nesta fase. Aleitamento materno De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a UNICEF, recomenda-se que: • As crianças façam aleitamento materno exclusivo até aos seis meses de idade; • A partir dos seis meses de idade todas as crianças recebam alimentos complementares (sopas, papas, entre outros) e mantenham o aleitamento materno; • As crianças continuem a ser amamentadas, pelo menos até completarem os dois anos de idade. A amamentação favorece a saúde da mãe e do bebé e é, também, vantajosa em termos económicos, práticos e emocionais. Etapas do leite materno O leite materno evolui ao longo do tempo. Colostro: aparece nos primeiros dias, é um “leite” amarelado, espesso, doce e rico em proteínas e anticorpos; “Leite de transição”: aparece geralmente entre o terceiro e 14º dia, é um “leite” mais alaranjado, fluido e menos rico em proteínas, mas mais rico em lactose, lípidos e cálcio; Leite “maduro”: surge no final da segunda semana, é um “leite” branco-azulado e ligeiramente transparente. Este leite muda de cor e consistência de semana para semana e ao longo do dia, sendo mais rico em lactose de manhã, lípidos ao meio do dia e proteínas à noite. Durante a mamada, o leite materno adapta-se às exigências do bebé. No início é transparente, rico em água e açúcar e, à medida que decorre a mamada, torna-se mais espesso e mais rico em lípidos e proteínas. No final, o nível de lípidos aumenta, fa-
surgir com a amamentação. (Ver Quadro 3)
vorecendo a sensação de saciedade. Verifica-se ainda que a produção de leite aumenta com a frequência das mamadas ou com a extração de leite. A conservação segura do leite materno em casa é uma dúvida que surge muitas vezes às mães que amamentam. Pode conservar-se leite materno no frigorífico ou no congelador, em recipientes próprios: sacos de congelação, para curtos períodos de tempo (72h); recipientes de plástico rígido ou vidro, com tampa, para períodos de tempo alargados. Cuidados com as mamas A mulher a amamentar necessita de ter uma higiene diária e cuidados adequados com as mamas, tais como: • Lavar apenas com água no duche diário; • Após cada mamada aplicar delicadamente uma gota de leite materno no mamilo; • Andar com a mama ao ar sempre que possível; • Utilizar discos protetores e soutien de tamanho adequado; • Usar conchas protetoras de mamilos para prevenção de mamilos gretados; • Aplicar creme protetor dos mamilos (apenas os que são compatíveis com a amamentação ex. lanolina), de forma a prevenir alguns problemas que podem
Leites e fórmulas infantis Por vezes a mãe não tem possibilidade de amamentar, sendo necessário recorrer a alternativas para alimentar o bebé - leites e fórmulas infantis -, cujas características se aproximam às do leite materno. Também é possível combinar, se necessário, o aleitamento materno com leites e fórmulas infantis. De acordo com as fases de desenvolvimento e as diferentes necessidades das crianças, estão disponíveis: • Leites para lactentes (leite 1), destinados a crianças até aos quatro/seis meses; • Leites de transição (leite 2), destinados a partir dos quatro meses de idade, como complemento de uma alimentação diversificada do bebé aos 12 meses; • Leites de crescimento (leite 3), destinados a crianças a partir dos 9/12 meses até aos 36 meses; • Leites para lactentes e leite de transição com indicações particulares: leites hipoalergénicos, antiobstipantes, anticólicas, saciedade e desconforto digestivo; Leites e fórmulas para fins medicinais específicos: fórmulas de soja (isentas de proteínas de vaca), leites sem lactose ou antidiarreicos, antirregurgitação, para prematuros ou recém-nascidos de baixo peso, dietas elementares e semielementares. Diversificação alimentar Segundo a Sociedade Portuguesa de Pediatria, a introdução de novos alimentos, que não o leite, nunca deve ocorrer antes dos quatro meses e, preferencialmente, aos seis meses de idade, e é baseada no desenvolvimento das capacidades do bebé. Recomenda-se: • Começar com quantidades pequenas de alimentos e aumentar a quantidade conforme o bebé vai crescendo; 41
pediatria
dossier Quadro 4
Problemas mais comuns no bebé até um ano de vida
A equipa da farmácia é muitas vezes confrontada com pais que procuram aconselhamento para resolver um problema dos seus filhos. Alguns dos problemas mais comuns no bebé até um ano de vida podem ser resolvidos com a ajuda da farmácia. Problemas
Sinais e sintomas
Recomendações
Cólica do Lactente Dor abdominal súbita, irritabilidade prolongada que acontece repetidamente durante vários dias. Ocorre normalmente entre as duas semanas e os três ou quatro meses de vida
Choro intenso, flexão das pernas sobre o abdómen e, por vezes, gases, geralmente à noite. Entre os episódios, os lactentes estão bem.
Na amamentação, o bebé deve ter uma boa pega. Se já toma biberão, utilizar biberões com válvula antissoluço ou com sistema anticólica | A tranquilidade, o uso de chucha e as massagens suaves na barriga aliviam as cólicas | Fazer desobstrução nasal antes da amamentação ou alimentação (com soro e aspiração nasal) | Administrar antiflatulento (MNSRM): simeticone | Exemplos de substâncias posicionadas no mercado para auxiliar o funcionamento normal do meteorismo do lactente, isoladas ou combinadas: probióticos (Lactobacillus, Saccharomyces, Bifidobacterium), prebiótico (inulina, betaglucano, frutoligossacaridos), plantas com papel nas perturbações gastrointestinais espasmódicas, entre outros.
Dermatite da Fralda condição inflamatória localizada na região do períneo, nádegas, abdómen inferior e coxas (zona de contacto com a fralda).
Área da fralda está vermelha, com pequenas bolhas ou feridas. Se existem pequenas lesões, avermelhadas, pruriginosas com manchas escamosas brancas, frequentemente nas áreas das pregas, e a criança tem também “sapinhos”, o mais provável é ter uma infeção por Candida.
Manter a área da fralda limpa e seca, mudando frequentemente as fraldas e limpando com água morna ou óleo de amêndoas doces a cada muda. Deixar o bebé sem fralda, o maior tempo possível | Não usar: óleo mineral, pelo risco de foliculite e irritação; pó de talco, pelo risco de inalação do pó e problemas respiratórios | Aplicar pomadas não perfumadas à base de vaselina, pastas de água com óxido de zinco ou cremes barreira com óxido de zinco e/ ou dexpantenol que são úteis na prevenção de recorrências e tratamento das formas ligeiras | No caso de sobreinfeção por Candida albicans, aplicar antifúngicos tópicos isolados ou combinados com corticoides (MNSRM): clotrimazol e miconazol + hidrocortisona, respetivamente.
Dermatite Seborreica ou crosta láctea aparece geralmente nas primeiras semanas de vida, desaparecendo por volta dos sete meses.
Aparecimento de escamas oleosas e amareladas no couro cabeludo e raramente nas sobrancelhas e pestanas.
O bebé deve ser mantido fresco e seco, pois a transpiração agrava a situação | Pele (rosto e corpo) - aplicar óleos emolientes ou óleo de amêndoas doces | Couro cabeludo - Lavar com champô normal (uma vez por dia), escovar com escova de pelos macios (banho) | Massajar com óleo e depois lavar com champô (três a quatro vezes por semana) | Para situações mais persistentes, poderão recomendar-se loções ou champôs específicos para a eliminação das placas escamosas | Se o couro cabeludo estiver inflamado, vermelho ou irritado, o médico pode receitar hidrocortisona tópica.
Dentição processo geralmente doloroso que leva à formação e à erupção natural dos dentes. Os primeiros dentes costumam aparecer por volta dos seis meses.
Irritabilidade, salivação abundante, morder as mãos constantemente, problemas de sono, rejeição do biberão, gengivas doridas e inchadas e raramente febrícula, fezes um pouco mais moles que o normal e eritema da fralda.
Oferecer bebidas frescas e alimentos duros como côdea de pão ou cenoura (se tiver mais de 12 meses e com vigilância) e ou anéis de dentição específicos | Para a prevenção de cáries dentárias, mesmo dos dentes de leite: evitar dar a chupeta embebida em açúcar ou mel, como dantes se fazia, instituir rotinas de higiene oral (lavagem e escovagem dos dentes com pasta adequada, de preferência após cada refeição, pelo menos duas vezes por dia) | Aplicar gel de massagem gengival (MNSRM): salicilato de colina | Existem produtos cosméticos no mercado para alívio dos sintomas da erupção dos primeiros dentes | Para a “dermatite da baba”, o bebé pode necessitar de um creme protetor e regenerador da zona peribucal. Nota: O médico pode prescrever MSRM em qualquer das situações, sempre que necessário.
• Aumentar a consistência e variedade dos alimentos gradualmente conforme o crescimento do bebé; • Oferecer um alimento de cada vez e introduzir um único tipo de alimento a cada dois a sete dias. Importa ainda reforçar que a decisão de iniciar a diversificação alimentar deve ser do pediatra. 42
Cuidados com o Bebé A pele do bebe apresenta um pH neutro desde o nascimento. Ao fim de três a quatro dias, o grau de acidez vai aumentando e o pH torna-se ácido durante a primeira semana de vida, igualando o do adulto no final do primeiro mês - pH 5. A pele apresenta-se menos pigmentada, menos espessa e menos hidratada, estando
sujeita a sofrer lesões, que conduzem muitas vezes à perda de água e calor, contribuindo para o desequilíbrio hidroelectrolítico e térmico e, consequentemente, para o risco de infeções. Por toda esta especificidade, os cuidados com a pele do bebé são de extrema importância. O banho de imersão pode dar-se
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logo nos primeiros dias, mesmo antes da queda do coto umbilical. Contudo, há alguns procedimentos que devem ser tidos em conta: • A banheira deve estar limpa e a água morna (37ºC); • Encher a banheira com pouca água (5 dedos de altura); • A temperatura ambiente deve oscilar entre os 22 e os 25ºC; • Lavar primeiro a cabeça, depois o corpo e membros e por fim a área genital; • Limpar o bebé, sem esfregar, tendo especial atenção às pregas e às regiões interdigitais. • Após o banho, a pele do bebé deve ser massajada e hidratada com óleos ou cremes hidratantes/emolientes para repor a camada protetora. Os produtos a usar devem ser todos da mesma marca: creme lavante, creme hidratante, água de limpeza, creme barreira e pomada para lesões da área genital. • Existem alguns cuidados específicos com algumas zonas do corpo do bebé, tais como: Olhos: limpar com compressas esterilizadas (uma para cada olho) embebidas em soro fisiológico, de fora para dentro e para baixo; Pavilhões auriculares (orelhas): limpar com compressa embebida em soro fisiológico, não esquecendo as dobras e a parte de trás das orelhas. Nunca usar cotonetes no canal auditivo; Nariz: aplicar soro fisiológico no
Quadro 5
Lista de produtos/material necessário para grávida, mamã e bebé Bebé
Grávida e Mamã
Creme hidratante para o rosto (de acordo com o tipo de pele)* | Creme hidratante para o corpo* | Creme antiestrias | Creme anticelulítico | Gel pernas cansadas/inchadas | Cinta de sustentação da gravidez | Cuecas descartáveis | Pensos higiénicos e com abas (máxima absorção)* | Soutiens de amamentação (um número acima do que a mulher vestia Equipamento no final da gravidez)* | Discos Termómetro digital | 2 Chupetas BPA free (em gota ou de amamentação reutilizáveis anatómica)* | Porta-chupetas | Corrente para a chupeta | ou descartáveis* | 2 Conchas Intercomunicador | Luz de presença | Cortina protetora do sol protetoras de mamilos* | para automóvel Creme protetor dos mamilos* | Bomba tira-leite | Cinta pósAlimentação -parto* | Pilula de amamen4 Biberões BPA free | 6 Tetinas BPA free | Detergente de tação | Kit de criopreservação biberões e tetinas | Doseador de leite em pó | Esterilizador | Escovilhão para lavar biberões | Aquecedor elétrico de biberões | de células estaminais* Contentores isotérmicos para papa | Prato e talheres de refeição *Mala da maternidade: incluir os produtos Outros assinalados com (*). Nebulizador/aparelho de aerossóis | Sistemas de segurança (protetores de cantos, de fecho de portas e de tomadas elétricas) | Bacio | Redutor para sanita | Porta bebés ou pano | Brinquedos Nota: livre de bisfenol-A (BPA didáticos adaptados a cada fase de desenvolvimento do bebé free)
Produtos de Higiene Água de limpeza | Óleo de amêndoas doces | Fraldas descartáveis ou reutilizáveis* | Toalhitas descartáveis ou reutilizáveis* | Creme para muda da fralda (barreira)* | Soro fisiológico, em unidoses | Compressas 5x5 esterilizadas | Álcool a 70º (coto umbilical) | Compressas 10x10 tecido não esterilizadas | 1 Gel de banho (corpo e cabelo)* | Termómetro de água | Esponja natural (opcional) | 1 Hidratante* | Escova suave para o cabelo ou pente* | Tesoura de pontas redondas | Lima de papel | Aspirador nasal
Nota: O médico pode prescrever MSRM em qualquer das situações, sempre que necessário.
nariz, se necessário aspirá-lo com aspirador nasal; Unhas: cortar idealmente após o banho. Devem estar sempre limpas e curtas para evitar arranhões na pele. Utilizar uma tesoura de pontas redondas ou uma lima de papel; Coto umbilical: limpar com compressa esterilizada embebida em álcool etílico a 70% V/V, após cada muda de fralda e até 72 horas após
a sua queda ou até ao décimo dia de vida. Não usar ligaduras, cintas nem adesivos. Geralmente, o coto umbilical cai entre o sétimo e o 14.º dia de vida. Colocar a fralda com uma dobra, deixando o coto umbilical de fora. Este artigo foi elaborado pelo Departamento de Serviços Farmacêuticos, com os contributos do Cedime e do Cefar
Deans A., A Bíblia da Gravidez, Editorial Estampa; 2005 | Decreto-lei n.º217/2008 de 11 de novembro (formulas para lactentes e fórmulas de transição) | Direção Geral da Saúde. Amamentação e Extração de Leite Materno. Programa Nacional de Saúde Reprodutiva, 2008 | Direção-Geral da Saúde. Aporte de iodo em mulheres na preconceção, gravidez e amamentação. Orientação da Direção-Geral da Saúde n.º 11/2013 de 26 agosto | Guimas AS. Leites. Farmácia Portuguesa 2008, nº 173: 40-49 | Mahan LK, Escott-Stump S: Krause´s Food § Nutrition Therapy. Saunders, Elsevier.12ª Ed. | Oliva M, Salgado M. Cuidados básicos de puericultura ao recém-nascido. Saúde Infantil 2003; 25(2):5-12 | Serviço de Neonatologia do Hospital de Santa Maria. Guia dos cuidados ao Recém-Nascido. Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE | T. Berry Brazelton, M.D., O Grande Livro da Criança, 7º ed., Editorial Presença; 2004 | American Academy of Pediatrics : www. aap.org (2013) | Armando Fernandes – Pediatra: http://cptul.alojamentogratuito.com/Pediatria.html (2013) | Associação Portuguesa dos Nutricionistas: http://www.apn.org.pt/scid/webapn/ (2013) | British Nutrition Foundation: http://www.nutrition.org.uk/nutritionscience/life/pregnancy-and-pre-conception (2013) | Infarmed: www.infarmed.pt/infomed/pesquisa.php (2014) | Maternidade Alfredo da Costa: www.mac.min-saude.pt (2010) | Nestlé: http://www.nestlebebe.pt/ | Ministério da Saúde: www.portaldasaude.pt (2013) | Plano Nacional de Vacinação 2012: http://www.dgs.pt/upload/membro.id/ficheiros/i016790.pdf (2013) | UNICEF: http://www.unicef.org/programme/breastfeeding/baby.htm (2013) | British Dietetic Association: http://www.bda.uk.com/ (2013) 43
pediatria
dossier
Bebé e Mamã O Mercado Bebé e Mamã representou, no acumulado do ano de 2013, um total de 43,3 milhões de €, que corresponde 4,5 milhões de embalagens vendidas. Este mercado representou 1,4% em volume e em valor do total de vendas nas farmácias, no período em análise. Uma análise comparativa das vendas do ano de 2013 versus 2012 mostra, contudo, um decréscimo, quer em volume (-9,1%) quer em valor (-8,4%). Em 2013, analisando o mercado Bebé e Mamã por segmento, verifica-se que o maior peso recai na “Limpeza e cuidado infantil” (40,0% em volume e 39,1% em valor), seguido da “Alimentação infantil” (33,5% em volume e 32,7% em valor) (Figura 1). Destaca-se ainda que o segmento “Mamã” registou um maior peso em valor (10,7%), comparativamente com o volume (5,2%).
2012 -16,0%
5,2% 21,3%
40,0%
-13,7%
1,0
0,5
-12,4%
Acessórios de puericultura
Alimentação infantil
Limpeza e cuidado infantil
Mamã
20,0 -0,9%
2012 2013
16,0 -13,3%
12,0 8,0
-11,9% -11,3%
0,4 0 Acessórios de puericultura
Alimentação infantil
Limpeza e cuidado infantil
Mamã
valor em 2013 (euros)
10,7%
17,4%
No Top 10 dos produtos do Universo Bebé e Mamã mais dispensados, em valor (2013), encontram-se representadas marcas como Halibut®, Libenar®, Narhinel® e Nutribén®.
39,1% 33,5%
Top 10 dos produtos do Universo Bebé e Mamã 32,7%
Acessórios de puericultura
Limpeza e cuidado infantil
Alimentação infantil
Mamã
Na análise do mercado por segmento, verifica-se que o número de embalagens dispensadas decresceu em 2013 face a 2012 em todos os segmentos, exceto no de “Limpeza e cuidado infantil” (+1,3%). O segmento de “Alimentação infantil” teve um decréscimo mais acentuado, tanto em volume (-16,0%) como em valor (-13,3%) (Figura 2). 44
2013
1,5
Figura1: Repartição do mercado, em segmentos, em volume e valor Volume em 2013 (embalagens)
1,3%
2,0
0
Volume- Milhões de euros
Mercado
Volume- Milhões de embalagens
Figura 2: Crescimento homólogo de 2013 vs 2012, em volume e valor por segmento
Rank Nome
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Halibut® Derma Promo Creme 100g + Oferta 50% Libenar® Sol Unidose25X5ml Narhinel® Rex Flexível Descart 8 Nutribén® Continuação Leite Pó Transição 900g Nutribén® Natal 1 Pó LAct 900G Nutribén® Natal AR Pó LAct 900G Creme Gordo Barral® Creme Óleo de Amêndoas Estrias 200ml Mitosyl® Pda Protect 65g Nutraisdin® Af Pda Miconazol 50 ml Aptamil® Confort 1 Pó Adap 800G Fonte: Sistema de Informação hmR/Análise CEFAR
programa troca de seringas
Linhas trocadas? Em agosto de 2012, a ANF comunicou por escrito ao Ministério da Saúde a impossibilidade de as farmácias continuarem a colaborar em iniciativas em que a sua participação não era reconhecida e recompensada, caso do Programa Troca de Seringas, disponibilizando-se, porém, para encetar negociações no sentido de assumirem esse e/ou outros desafios em termos de programas nacionais de saúde pública, e a sua justa remuneração. Passaram-se 20 meses e a missiva continua sem resposta, embora muito se diga em contrário.
O Programa de Troca de Seringas (PTS), “Diz não a uma seringa em segunda mão”, teve início em 1993, na sequência de uma parceria entre a Comissão Nacional de Luta Contra a Sida e a Associação Nacional das Farmácias (ANF), com o objetivo de prevenir a transmissão do VIH entre os utilizadores de drogas injetáveis (UDI), através da distribuição do material esterilizado e da recolha e destruição do material utilizado. O contexto económico do setor era então muito diferente, e o
envolvimento gratuito das farmácias foi assumido, com todos os riscos e incertezas da época - acrescidos da inexistência de experiência internacional, por se tratar de um programa pioneiro -, como um retorno do reconhecimento que o Estado fazia à sua intervenção. Para além de participarem garantindo a acessibilidade aos materiais, as farmácias faziam-no também através da Farmacoope, contratada para a gestão e operacionalização do PTS. De notar que,
também aqui, o trabalho foi desenvolvido sem fins lucrativos. Bem pelo contrário, parte dos encargos com os recursos humanos que lhe estavam alocados foram desde sempre cobertos pela ANF. O sucesso, embora trabalhoso e não isento de percalços, não tardou, e só nos primeiros oito anos de existência do PTS a colaboração das farmácias foi valorizada numa poupança superior a 400 milhões de euros para o Estado e, mais importante, em mais de 7.000 infeções por VIH 45
programa troca de seringas evitadas por cada 10.000 utilizadores de drogas injetáveis. No total, até outubro de 2012, as farmácias recolheram perto de 33 milhões e meio de seringas usadas, precisamente 33.447.377.
Duas décadas depois Nos últimos anos as farmácias viram-se mergulhadas na mais grave crise da sua história, obrigadas a empreender restruturações profundas para subsistir face à violência das medidas que lhes foram impostas e à degradação espiralante da sua economia. A envolvente em que operavam alterou-se, assim, por completo, o que levou a ANF a comunicar ao Ministério da Saúde, em agosto de 2012, a impossibilidade de as farmácias continuarem a colaborar em iniciativas em que a sua participação não era reconhecida e recompensada, disponibilizando-se, porém, para encetar negociações no sentido de assumirem esse e/ou outros desafios em termos de programas nacionais de saúde pública, e a sua justa remuneração. Por outro lado, e assim sendo, deixava também de fazer sentido continuar a gerir o programa através da Farmacoope e, uma vez que o contrato bianual, que consecutivamente vinha sendo renegociado e firmado entre esta e o Ministério da Saúde, terminava em novembro desse ano, a ANF vinha dar conta da sua decisão atempadamente, a valer para ambas as situações. Cristina Santos, diretora do departamento de Serviços Farmacêuticos da ANF, responsável pela coordenação interna do PTS, refere que, desde então, «nem a direção do Programa nem a Direção-Geral da Saúde (DGS) alguma vez nos abordaram no sentido de sequer encetarmos negociações sobre eventuais cenários», o que diz não conseguir entender, uma vez que «não havia nada a perder e tudo a ganhar, pois, no limite, o Estado poderia 46
dizer que não tinha sido possível chegar a acordo». Houve, no entanto, contactos subsequentes. «A DGS e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) solicitaram-nos que continuássemos a assegurar a gestão do programa para além do final do contrato, até fim de dezembro. Fizemo-lo, e fizemo-lo sem cobrar mais nada pela gestão. Mais: garantimos que havia stock de materiais até ao início do ano seguinte, que, juntamente com o funcionamento do posto móvel, foram as únicas coisas que a direção do programa teve de pagar. A Associação tratou, inclusive, da recolha dos materiais das farmácias e disponibilizou-se para os realocar onde o Ministério indicasse, e disponibilizou o programa informático, que ela própria havia custeado, para que se continuasse a fazer a gestão do programa. Em suma, da nossa parte, a colaboração foi total». Acrescente-se ainda que, conforme foi dado a conhecer à ANF, algumas farmácias foram contactadas diretamente pela DGS, pelas ARS ou pelos ACES, para retomarem a participação no PTS, tendo as mesmas referenciado a Associação como entidade a contactar para discussão de propostas. Nem isso aconteceu, «nem tão pouco, depois de 20 anos de intervenção ativa, esmerada, esforçada e gratuita, as farmácias receberam um agradecimento pela sua cooperação».
Realidades paralelas Entretanto, a vida continua. A 9 de janeiro de 2013, numa audição na Comissão Parlamentar da Saúde, António Diniz, diretor do Programa VIH/sida, explicou aos deputados que o que antes era assegurado pelas farmácias passaria a sê-lo pelos centros de saúde, sob orientação dos departamentos de saúde pública e em colaboração com os serviços partilhados
do SNS. Segundo o responsável, o programa iria também ser aplicado nos centros de resposta integrada, na dependência das Administrações Regionais de Saúde (ARS), e seriam reforçadas as parcerias em algumas zonas mais problemáticas, como é o caso do distrito de Setúbal, avançando também a vontade de alargamento do PTS às autarquias e às Juntas de Freguesia, que já teriam começado a ser contactadas e nisso teriam alegadamente mostrado interesse. Quanto à gestão da aquisição e distribuição das seringas, passaria a ser feita pelos SPMS. Dois meses depois, em março, o mesmo anunciava, numa entrevista ao “Tempo Medicina”, que a troca de seringas já tinha arrancado em oito dezenas de centros de saúde das regiões Centro e Algarve e que até ao final desse mês estaria disponível em centros de saúde também no Norte, Alentejo e Lisboa e Vale do Tejo. Tinham passado, entrementes, oito meses sobre a carta da ANF dando conta da decisão das farmácias de interromper a sua participação no PTS nos moldes até então seguidos, e disponibilizando-se para negociar os termos da sua participação. A resposta continuava a ser o silêncio. Abril traz, por isso, uma surpresa: o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Leal da Costa, diz na Comissão Parlamentar da Saúde que era possível que as farmácias voltassem a fazer parte do projeto, e que isso mesmo iria muito provavelmente acontecer até ao final do ano, não obstante a troca de seringas se manter também nos centros de saúde, onde alegadamente «está a correr bem». No início de outubro, a “TVI” abordava o tema do PTS. Em resposta ao pedido de comentário, a ANF dava conta de que a ausência de propostas da tutela se mantinha. O Ministério da Saúde, todavia, afirmava que «as duas partes estão a rever os pontos em que se pode
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colaborar», e garantia não ter intenção de abandonar o projeto, apesar de reconhecer «dificuldades no processo, pois a posição da ANF prevê um pagamento por serviço». Mais assegurava que a DGS estava mandatada para discutir uma forma ampla de colaboração com as farmácias em matérias de saúde pública. Cristina Santos comenta a este propósito que, de facto, «em julho de 2013, a ANF enviou uma proposta ao Ministério da Saúde com um pacote de serviços que
se julga deverão ser remunerados, entre os quais estava o PTS. Provavelmente, era a isso que o Ministério da Saúde se referia, sendo certo que até ao momento não recebemos nenhuma informação sobre essa proposta. A mesma foi discutida com a DGS, que ficou de formar um grupo de trabalho para reunir até ao final do ano passado, mas isso ainda não aconteceu». Entretanto, a 9 de outubro, Leal da Costa dizia na Comissão Par-
A bota e a perdigota Sobre como têm de facto corrido as coisas no PTS, Cristina Santos diz que poucos dados há que permitam avaliar a realidade com grandes certezas. «Os grupos parlamentares colocaram várias questões ao Governo, mas as respostas nunca foram claras. As elações que tiramos são da leitura de dados dispersos. Por exemplo, o Sr. secretário de Estado adjunto e da Saúde disse que entre janeiro e agosto haviam disso distribuídas 539.972 seringas, e isso representa um decréscimo nas trocas de 31,5% relativamente a igual período do último ano em que o programa esteve nas farmácias. O que significa também a maior quebra de sempre». «Dados apresentados pelo Ministério numa sessão pública indicam que as unidades de saúde de cuidados primários trocaram menos que o posto móvel, ou seja, a carrinha. As 35 ONG que participam trocam muito mais que as unidades de cuidados. Também trocavam mais que as farmácias, mas a diferença não se compara: os centros de saúde trocam menos de 10% que as ONG. Ou seja, o programa hoje é, basicamente, assegurado pelas ONG». Para além disto, há reportes de utilizadores dizendo que têm dificuldades de acesso à troca de seringas no Norte, mas são desmentidas pelo Ministério da Saúde, e estão publicados dados referentes a horários fixos para atendimento no Alentejo, indicando que há centros de saúde que têm o programa apenas disponível das 15h00 às 17h00, das 14h00 às 15h00… «Isto revela um desajustamento total da realidade em que o PTS se insere». Quanto a custos diretos, ou melhor, poupanças, «é difícil avaliar, pois se, por um lado, antes os custos de distribuição eram residuais, porque ela era feita na sua grande parte pelos distribuidores grossistas, que eram parceiros das farmácias no PTS, por outro lado, como há agora menos locais de recolha e menos tempo disponível em cada local, as trocas são menos, são precisos menos kits, menos pontos de distribuição, recolhem-se menos seringas, portanto há menos despesa com incinerações… Mais importantes serão os custos indiretos e, sobre esses, as dúvidas adensam-se cada vez mais». Certo é que, sem a colaboração das farmácias o risco de esboroamento dos resultados já alcançados é cada vez mais uma evidência, assim como o é um cada vez maior afastamento do Estado do cumprimento da missão a que se propôs para esta área.
lamentar da Saúde que «o Governo foi capaz de encontrar uma resposta satisfatória para este programa, do qual a ANF, por vontade própria, se retirou», dando conta que entre janeiro e agosto haviam sido distribuídas 539.972 seringas ao abrigo do PTS. Não obstante, «o Governo está disposto a recuperar a colaboração da ANF, como de resto sempre dissemos nesta Comissão». Mas deixava o aviso: «não vamos tornar um serviço gratuito, que funciona bem, em algo que traga custos para o erário publico». Já este ano, a 22 de janeiro, o mesmo responsável e no mesmo local respondia às perguntas dos deputados, reforçando que o acordo com as farmácias no PTS não tinha terminado por vontade do Governo, e sim devido a uma decisão unilateral da ANF, a qual, frisou, nem sequer teria avisado o Governo da mesma, nem tão pouco se teria mostrado interessada em negociar. Segundo continuou a explicar Leal da Costa, mais tarde, com o novo presidente, a ANF teria mostrado outra abertura, mas por que o próprio Governo teria tomado a iniciativa de falar. O facto de o Governo não ter ficado parado e de ter conseguido recuperar «até 87% da capacidade de resposta antes existente», não implicaria, contudo, que as negociações com a ANF não prosseguissem, lembrando, todavia, e distintamente, que «o programa antes era gratuito e as farmácias entendem agora que devem ser ressarcidas por ele, apesar de nada ter mudado no mesmo e de tanto os contentores como as seringas serem fornecidas pelo Estado». Passaram-se 20 meses sobre a carta da ANF dando conta da decisão das farmácias de interromper a sua participação no PTS nos moldes até então seguidos, e disponibilizando-se para negociar os termos da sua participação. A resposta continua a ser o silêncio. 47
Política profissional
A terapêutica e a toxicodependência 1,2,3
Introdução O abuso de drogas e medicamentos representa um importante problema de saúde. O United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) reportou, em 2010, que cerca de 5% da população mundial abusava de uma droga ilícita e 27 milhões de pessoas (~0,6% da população adulta mundial) podiam ser classificados como consumidores problemáticos de drogas de abuso. Os estudos existentes encontraram uma elevada correlação entre o abuso de drogas na adolescência e a pro48
babilidade de se tornar um toxicodependente em adulto.
O que são psicotrópicos? Os psicotrópicos, ou substâncias psicoativas, são compostos (sejam eles xenobióticos ou endobióticos) que atuam primeiramente no sistema nervoso central (SNC), alterando temporariamente a perceção, o humor, o estado de consciência e o comportamento. Podem, de acordo com o estado sócio legal, exibir uso lícito (psicofármacos; que podem
Elaborado por: Ricardo Jorge DINIS-OLIVEIRA
também estar sujeitos a abuso) e ilícito (drogas de abuso). A adição (i.e. dependência psicológica) é a sensação que impele ou motiva, de forma compulsiva, à obtenção e ao consumo da “droga”, para manter determinado nível de atividade, euforia ou de bem-estar, mesmo em face das consequências negativas. Pode existir sem que se verifique dependência e apenas uma percentagem dos consumidores a desenvolvem, o que é facilmente demonstrado no decurso da terapêutica analgésica com opioides.
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A dependência (i.e. dependência física) corresponde à adaptação fisiológica ao consumo habitual da “droga”. Está relacionada com fenómenos de tolerância (resposta adaptativa; o contrário de sensibilização) e com a síndrome de abstinência (“sinal” cardinal de dependência resultante da paragem abrupta no consumo, originando efeitos opostos aos originalmente causados pela droga). Estes efeitos ocorrem invariavelmente com o consumo crónico (mesmo que para fins terapêuticos) e apenas no indivíduo dependente (seja ele ou não adicto). Trata-se com programas terapêuticos de redução gradual das doses da substância psicoativa. A literatura é vasta em matéria de substâncias psicoativas e pouco harmonizada. Uma possível classificação agrupa as drogas de abuso, tendo em conta a utilidade clínica e os seus efeitos mais importantes ao nível do SNC (ver tabela).
Algumas substâncias psicoativas de consumo lítico e ilícito Depressores do sistema nervoso central: Nos últimos anos, as agressões sexuais facilitadas por drogas tornaram-se uma preocupação crescente entre os profissionais de saúde e estão sinalizados mais de 50 potenciais xenobióticos ou endobióticos. O flunitrazepam é uma das benzodiazepinas mais implicadas no uso ilícito, nomeadamente nas agressões sexuais. Por este motivo, é conhecida como pertencente ao grupo das “drogas da violação”, “drogas predadoras” ou “drogas recreativas”, tendo adquirido “popularidade” em clubes de dança, discotecas e bares. O flunitrazepam é similar ao diazepam, mas cerca de 10 vezes mais potente. Deixa a pessoa incapaz de resistir, não respondedora, provoca amnésia anterógrada (que pode durar oito horas) dificultando a investigação por fal-
O ópio é obtido da Papaver somniferum
ta de dados fornecidos pela vítima. Pelo facto de não conferir cor, cheiro e sabor às bebidas onde é adicionado, incluiu-se um corante nos comprimidos que tinge as bebidas claras de um tom azulado, uma cerveja de verde e conferem um tom “nebuloso” a bebidas escuras. O revestimento origina uma dissolução lenta do comprimido, o que facilita a sua deteção. Dentro ainda dos depressores, é importante alertar para o uso ilícito do endobiótico γ-hidroxibutírico (GHB), sendo este a verdadeira droga da violação. Na farmacologia é disponibilizado como oxibato de sódio (sal sódico do GHB) para o tratamento de vários distúrbios do sono, como narcolepsia. Tanto as intoxicações com GHB como o flunitrazepam podem ser fatais quando misturadas com o etanol, apesar de isoladamente o flunitrazepam ser menos propenso que o GHB a fatalidades. Estimulantes: Os estimulantes reduzem a sensação de fadiga mental (aumento o estado de alerta) e física (aumento a atividade motora) e podem exacerbar a esquizofrenia e causar adição e dependência. Os protótipos dos estimulantes do SNC são as d-anfetaminas. Dos usos clínicos (largamente limitados pelos seus efeitos adversos) destaca-se a administração crónica para o trata-
mento da narcolepsia em adultos, o tratamento da síndrome de défice de atenção e hiperatividade em crianças, que compromete o desempenho escolar e desenvolvimento social, e apresentam reduzida eficácia como supressores do apetite no tratamento da obesidade. Existem numerosos métodos descritos para a síntese de anfetaminas. Classicamente utilizam l-efedrina (presente em suplementos estimulantes e para a perda de peso) ou d-pseudoefedrina (presente em vários fármacos descongestionantes) puros, como reagentes de partida para se obter d-metanfetamina. Tal é simples de se conseguir, pois a pseudoefedrina e a metanfetamina são quimicamente diferentes em apenas um único átomo de oxigénio. Muito recentemente foi introduzido no mercado uma nova formulação de pseudoefedrina (Nexafed®) que usa utiliza uma mistura de polímeros para reduzir a extração e conversão de pseudoefedrina em metanfetamina, através da formação de uma massa gelatinosa quando combinados com solventes. Isoladamente a d-pseudoefedrina é também alvo de abuso. Neste tópico é de salientar também o derivado anfetamínico, “ecstasy” pois exibe elevado consumo na realidade Portuguesa, sobretudo no contexto 49
Política profissional
de festas rave. Têm sido descritas associações com o sildenafil, tadalafil e vardenafil para aumentar o desempenho sexual entre os utilizadores desta droga, sem que tenham qualquer tipo de disfunção erétil. O metilfenidato é um outro derivado anfetamínico indicado como psicoestimulante no tratamento adjuvante da síndrome de défice de atenção e hiperatividade ou da narcolepsia. Tem sido usado ilicitamente pelos jovens em período de exames por aumentar as capacidades cognitivas. Também existe a crença instalada entre os jovens que a associação de metilfenidato e etanol permite que maiores doses sejam consumidas de etanol e como tal festas mais longas.
Opioides São substâncias psicoativas com grande potencial para causar dependência e adição, o que não deve, no entanto, impedir que os doentes com quadros dolorosos importantes sejam adequadamente tratados. A morfina continua a ser o padrão contra o qual todos os fármacos que têm ação analgésica forte são comparados. A codeína (ou metilmorfina) tem apenas 15% da potência analgésica da morfina e, ao contrário desta, causa pouca euforia e raramente desenvol50
CLASSIFICAÇÃO DAS DROGAS DE ABUSO Opioides Utilizados sobretudo como analgésicos, antitússicos e antidiarreicos; Inclui a morfina e outros alcaloides do ópio (codeína), derivados semissintéticos (hidromorfona), bem como substâncias sintéticas semelhantes à morfina e compostos endógenos; Outros exemplos importantes incluem fármacos como o dextrometorfano, metadona, buprenorfina, fentanilo, tramadol, etc. Alucinogénios Fenciclidina (PCP) cetamina, dietilamida do ácido lisérgico (LSD), mescalina, psilocibina, psilocina, 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA, “ecstasy”), etc. Depressores do SNC Etanol, γ-hidroxibutírico, benzodiazepinas, barbitúricos, etc. Estimulantes do SNC Cocaína, anfetaminas (d-anfetamina, metanfetamina, metilfenidato, MDMA, etc.), cafeína, nicotina, efedrina, etc. Derivados da cannabis Marijuana, haxixe, óleo de haxixe, etc.; O xenobiótico presente em todos estes é o delta-9-tetrahidrocanabinol (Δ9- THC) Inalantes Voláteis inalados acidentalmente ou intencionalmente; Butano, hexano, propano, tolueno, benzeno, gasolina, acetona, óxido nitroso, etc.
ve adição. A morfina metaboliza-se via CYP2D6 e é esta a grande responsável tanto pelo feito terapêutico como adverso (e.g. adição). A heroína (ou 3,6-diacetilmorfina) é frequentemente considerada como um pró-fármaco que atua principalmente através dos seus metabolitos, já que não tem praticamente nenhuma afinidade para os recetores µ. A utilização terapêutica da 3,6-diacetilmorfina injetável tem-se mostrado mais eficaz que a metadona no tratamento da dependência por heroína. Devido às semelhanças estruturais e disponibilidade legal, a morfina é uma importante fonte de síntese ilícita de heroína, bastando para isso anidrido acético ou cloreto de acetilo para acetilar morfina isolada do ópio. Outro opioide, a codeína, tem também sido utilizada clandestinamente para a síntese da “desomorfina das ruas” (ou “dihidrodesoximorfina - D”, “krokodil” (crocodilo) ou “heroína russa”), sendo hoje considerada uma das mais graves drogas em comercialização. O tramadol tem um mecanismo de ação diferente dos clássicos opioides. É um agonista parcial dos recetores μ mas também inibe da recaptação da 5-HT e NA. Grande parte do seu efeito terapêutico e tóxico é conseguida pela metabolização via CYP2D6, a O-desmetiltramadol, o qual é muito mais ativo que o tramadol. Ignorar a farmacogenómica da CYP2D6 e o risco de síndrome serotoninérgico com a associação de inibidores da recaptação da serotonina (e.g. fluoxetina) pode resultar em fatalidades. O dextrometorfano tem núcleo morfinamo e por esse motivo é discutido por conveniência neste tópico. Tem sido descrita a sua utilização como droga recreativa e facilitadora da agressão sexual. Em doses elevadas pode mesmo exercer efeitos alucinogénios dissociativos, como a cetamina e a fenciclidina, tendo alguns consumidores reportado completa dissociação da mente do corpo.
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Alucinogénios Representam um grupo de xenobióticos não aditivos, ou seja, exibem mecanismos de ação que não estão relacionados com a ativação ou inibição do sistema de recompensa da DA, também não induzem dependência e não são usados de modo compulsivo nem por períodos prolongados. São drogas capazes de alterar a perceção da realidade, humor e pensamento em baixas doses, sem causarem marcada estimulação psicomotora ou depressão. São assim designados porque provocam alucinações, mas nem sempre tal ocorre. Deste grupo serão abordados dois compostos, a cetamina e a LSD. A cetamina é um anestésico geral dissociativo capaz de promover perda sensorial e analgesia, causar amnésia e paralisia, intensa sensação de dissociação do meio, mas sem perda real da consciência e dos reflexos protetores. Está disponível em farmácia comunitária com anestésico de uso veterinário, e o facto de não causar uma depressão correspondente de reflexos autonómicos e centros vitais do cérebro, faz da cetamina uma poderosa droga facilitadora de agressões sexuais. A LSD é o mais potente alucinogénio conhecido. Na sua síntese clandestina usa-se sobretudo ácido lisérgico como reagente, o qual é, por sua vez, produzido a partir da ergotamina ou ergometrina disponível em vários medicamentos. Os grandes problemas relacionados com a LSD são o facilitar o suicídio, homicídio, acidentes, taquicardia, hipertensão, euforia, ilusões, sinestesias.
Planta Cannabis sativa num campo de girassóis
Canabinoides O Δ9- THC é o principal constituinte psicoativo de vários derivados da Cannabis sativa, como a marijuana, o haxixe e o óleo de haxixe. Alguns agonistas dos recetores canabinoides (CB1), como o dronabinol (designação para a forma sintética do Δ9-THC) e a nabilona (mistura racémica), estão licenciados para uso clínico em alguns países como estimulantes do apetite (dronabinol) e antieméticos na quimioterapia (ambos os fármacos). Particularmente convincentes são os resultados pré-clínicos e clínicos que suportam o uso de agonistas do recetor CB1 no tratamento da dor neuropática e na melhoria da espasticidade, espasmos musculares, tremor ou dor associada à esclerose múltipla ou de lesões na medula espinhal. Estas aplicações terapêuticas estão limitadas caso
existam sinais prévios de adição a canabinoides. O rimonabant é um antagonista (ou agonista inverso) dos recetores CB1 (cerca 1000 vezes maior afinidade que para CB2) que está indicado para o tratamento da obesidade e da dependência pelo tabaco, pois bloqueia a libertação de DA no núcleo accumbens.
Considerações finais Este artigo explora o potencial ilícito de alguns xenobióticos, muitos dos quais utilizados primeiramente como fármacos. Importa, neste comentário final, relembrar que a toxicodependência é uma doença neurológica (e não um comportamento criminoso ou uma desordem do comportamento) multifatorial, podendo ter variáveis relacionadas com o agente (droga de abuso), o hospedeiro (toxicodependente) e o ambiente.
INFACTS - de Investigação e Formação Avançada em Ciências e Tecnológica, Departamento de Ciências, Instituto Superior de Ciências da Saúde Norte, CESPU, CRL, Gandra, Portugal. 2 Departamento de Medicina Legal e Ciências Forenses, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, Porto, Portugal. 3 REQUIMTE, Laboratório de Toxicologia, Departamento de Ciências Biológicas, Faculdade de Farmácia, Universidade do Porto, Porto, Portugal. 1
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flashes Farmácias são o setor da saúde mais bem visto junto dos doentes A Farmácia Comunitária é, entre os diferentes setores da Saúde a nível internacional, aquele que goza de melhor reputação junto dos doentes. A conclusão consta do relatório de um estudo recentemente divulgado, financiado pela consultora britânica PacientView, que procurava avaliar a reputação das grandes companhias farmacêuticas junto de 800 grupos de doentes em 43 países diferentes. Os inquéritos de opinião foram conduzidos entre novembro e dezembro do ano passado e os dados são referentes a 2013, colocando as farmácias no
lugar cimeiro da tabela dos “8+”, onde 61,9% dos inquiridos consideram ser a sua reputação “boa” ou “excelente”. Em segundo lugar - sete pontos percentuais abaixo - surgem as companhias de dispositivos médicos (54,9%), seguidas dos serviços de saúde do setor privado (51,1%), dos sistemas de comparticipação estatais (42,8%), dos fabricantes de genéricos (41,5%), das companhias de biotecnologia (40,6%), das multinacionais farmacêuticas (35.4%) e, por fim, das seguradoras de saúde (26,7%). Newsletter ANF nº 150, 21-02-2014
Relatório do Banco Mundial alerta
Viabilidade económica das farmácias em Portugal está em risco O Banco Mundial publicou o relatório do estudo que realizou sobre o tema “Aprendendo com as Crises Económicas: Como Melhorar a Avaliação, o Acompanhamento e a Mitigação do Impacto no Setor da Saúde”, onde se inclui o estudo de caso “Alterações em um Setor da Saúde sob Crise Económica e Auxílio Financeiro: Portugal”, elaborado pelo economista Pedro Pita Barros. É referido no relatório que as medidas políticas implementadas no setor farmacêutico em Portugal tiveram como resultado a diminuição da despesa pública com saúde. O objetivo de poupança no mercado ambulatório foi alcançado, o que não aconteceu com o mercado hospitalar, em que foi 52
necessário efetuar devoluções ao Estado, conforme protocolado no acordo entre o Ministério da Saúde e a APIFARMA. É também mencionado que a despesa pública com medicamentos em ambulatório diminuiu consideravelmente nos últimos anos, tendência que se iniciou ainda antes do plano de resgate financeiro. Segundo o documento, a redução do preço dos medicamentos em ambulatório e das margens de distribuição farmacêutica causaram dificuldades económicas às farmácias. As estimativas atuais sugerem que a receita das farmácias por cada prescrição médica dispensada é inferior ao seu custo marginal. Por conseguinte, reduções adicionais de preços de
medicamentos vão colocar em risco a rede de farmácias. Como é expectável que os preços dos medicamentos continuem a sofrer uma pressão descendente, o autor sugere a alteração da forma como as farmácias são remuneradas pela dispensa de medicamentos, para evitar o desmembramento da rede existente. Como comentário final ao estudo de caso sobre Portugal, Pedro Pita Barros chama a atenção para o cada vez maior número de casos de insolvência de farmácias e para a necessidade de avaliar o risco de inviabilidade económica da rede de distribuição de medicamentos à população. Newsletter ANFOnline, 10-01-2014
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Tribunal de Justiça a favor da venda exclusiva de todos os MSRM na farmácia O Tribunal de Justiça (TJ) da UE decidiu que as farmácias devem manter a reserva exclusiva de venda de todos os medicamentos sujeitos a receita médica (MSRM), inclusive dos que não são comparticipados pelo SNS, considerando que a lei italiana em vigor é consistente com o Tratado da UE. O caso tem origem nos pedidos de decisão prejudicial submetidos pelo tribunal administrativo regional da Lombardia, no âmbito de três processos contra o Ministério da Saúde italiano, em relação à interpretação do artigo 49.° do Tratado da UE, que consagra os princípios da liberdade de estabelecimento, da não discriminação e da proteção da concorrência. Os pedidos foram apresentados
por três farmacêuticas inscritas na Ordem dos Farmacêuticos de Milão e proprietárias de parafarmácias, a respeito da proibição imposta às parafarmácias de vender MSRM não comparticipados pelo SNS, cujo custo é totalmente suportado pelo utente. A argumentação dos juízes baseia-se, entre outros aspetos, na necessidade de garantir a estabilidade económica da rede de farmácias. Consideram que a possibilidade de certos MSRM serem vendidos pelas parafarmácias, sem que estas ficassem sujeitas ao requisito de planificação territorial, permite antever uma concentração de parafarmácias nas localidades consideradas mais rentáveis. Ainda segundo os juízes,
daqui resulta o risco de provocar a diminuição da clientela das farmácias dessas localidades e, assim, de retirar às mesmas uma parte importante dos seus rendimentos, podendo levar eventualmente ao encerramento definitivo de certas farmácias e, consequentemente, a uma situação de escassez no fornecimento seguro e de qualidade de medicamentos. O TJ considera que a legislação italiana em causa é adequada e não vai além do necessário para assegurar o fornecimento de medicamentos à população em condições de segurança e qualidade, garantindo, consequentemente, a proteção da saúde pública. Newsletter ANFOnline, 03-01-2014
Farmácia Comunitária com papel fundamental na gestão da terapêutica em lares
O National Institute for Health and Care Excellence (NICE) do Reino Unido considera a Farmácia Comunitária essencial no processo de gestão da terapêutica dos residentes em lares, conforme está descrito no documento sobre Boas Práticas que se encontra atualmente em consulta pública.
A Ordem dos Farmacêuticos Britânica (Royal Pharmaceutical Society) pronunciou-se favoravelmente sobre este documento referindo que concorda com esta recomendação, reforçando que o farmacêutico deve ser responsável pela gestão da terapêutica de todos os residentes dos lares, uma vez que
nestes locais deve ser garantido aos residentes o mesmo rigor e segurança na utilização da terapêutica que é usual ao nível hospitalar. As orientações do NICE vão no sentido de a Farmácia ser o elemento central na otimização, revisão e reconciliação da terapêutica dos residentes dos lares, com vista a proporcionar melhores cuidados aos doentes e reduzir os erros de medicação, evitando nomeadamente, os (re)internamentos. Em Portugal, as farmácias têm também disponíveis serviços farmacêuticos no âmbito da gestão da terapêutica e do tratamento de afeções menores. Newsletter ANF nº 147, 3-01-2014
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consultoria jurídica
Contrato Coletivo entre a ANF e o SNF
Revisão de 2014
Em 16 de maio de 2012, a ANF e o SNF – Sindicato Nacional dos Farmacêuticos celebraram um novo Contrato Coletivo de Trabalho (CCT 2012) aplicável aos farmacêuticos de oficina, o qual consubstancia o único instrumento de regulamentação coletiva de âmbito nacional exclusivo do setor das farmácias de oficina que regula as relações laborais relativas àqueles profissionais. O CCT 2012, para além de diversas modificações introduzidas ao regime convencional anterior (constante do CCT celebrado em 2010), que visaram ajustar o contrato coletivo ao novo quadro legal decorrente do Código do Trabalho, veio prever, concomitantemente, para além de outros aspetos, um conjunto de mecanismos de vigência temporária, 54
com o duplo objetivo de fazer face, no contexto laboral, à grave situação económica e financeira com que muitas farmácias se estavam a confrontar e, no mesmo passo, facilitar a sustentabilidade do emprego gerado pelo setor. Nessa linha de orientação, o CCT 2012 veio permitir “ex novo”, nomeadamente, a possibilidade das farmácias ajustarem temporariamente, por acordo com o farmacêutico, os seus custos salariais, por via da redução da remuneração sem alteração da categoria profissional. Recorda-se que a diminuição da retribuição base apenas pode ocorrer nos casos expressamente previstos na lei laboral ou nos casos previstos na contratação coletiva, sendo que a lei apenas
permite a redução da remuneração, decorrente de acordo entre empregador e trabalhador, se a mesma resultar de mudança para categoria inferior e mediante autorização da ACT – cf. art.º 129º, nº1, d) e art.º 119º, ambos do Código do Trabalho). Uma outra medida contemplada no CCT 2012, esta visando – através da redução dos custos diretos salariais - incentivar a criação de novos postos de trabalho, mesmo na conjuntura extremamente adversa com que as farmácias se estavam a confrontar, consistiu em passarem a prever-se duas tabelas salariais de remunerações mínimas: uma (a Tabela A) a aplicar aos farmacêuticos admitidos até 26 de junho de 2012 (inclusive) e outra (a Tabela B) com remunerações inferiores àquela (na ordem dos 11%), destinada a abranger os farmacêuticos que fossem admitidos após aquela data. Ficou, porém, desde logo definido que, quer os acordos de redução de remuneração quer a Tabela B, teriam como data limite de vigência o dia 31 de dezembro de 2013, sendo que, após essa data, passaria a ser aplicável a todos os farmacêuticos abrangidos pelo CCT, independentemente da sua data de admissão na farmácia, a Tabela A. Não podemos deixar de notar que, ao que sabemos, este é o único caso em que, no período económico e social dificílimo que Portugal está a atravessar e em que a problemática do ajustamento dos níveis remuneratórios tem sido identificada como tema relevante para a sustentabilidade das
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empresas e para a dinamização do mercado de emprego, os parceiros sociais setoriais (no caso a ANF e o SNF) conseguiram convergir numa convenção coletiva de trabalho em que tal matéria foi efetivamente concretizada. Acordou-se, também, no CCT 2012, que o aumento de dois para três anos do período de progressão entre categorias profissionais previsto no CCT só entraria em vigor a partir de 1 de janeiro de 2014, continuando a manter-se, em 2012 e 2013, o prazo de progressão que vinha vigorando, de dois anos para o acesso à categoria superior. Como é sabido, a situação económica e financeira do setor das farmácias de oficina continua a ser extremamente grave. Nesse contexto, a ANF e o SNF encetaram, no final do ano transato, um processo negocial com o objetivo de prorrogar a vigência dos vários regimes de natureza temporária que foram consignados no CCT 2012. Dessas negociações resultou um acordo de revisão parcial do CCT entre a ANF e o SNF (CCT 2014), cujo texto foi objeto, nos termos legais, de publicação no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 4, de 29 de janeiro de 2014 (acessível in http://bte.gep.msess.gov.pt/) e que, como se disse, teve por objetivo essencial proceder à prorrogação, até 31 de dezembro de 2014, de todas as disposições de natureza temporária previstas no CCT 2012 (e que, segundo este, caducavam em 31 de dezembro de 2013), a saber: • Tabela Salarial B A Tabela Salarial B prevista no CCT 2012, aplicável aos farmacêuticos admitidos após 26 de junho de 2012, nomeadamente aos farmacêuticos Grau V, continuará a vigorar até 31 de dezembro de 2014 (cf. cláusula 41ª, nº 1 e 2 e cláusula 66ª do CCT 2014).
• Acordos de redução da remuneração Continua a ser viável, até ao final do ano de 2014, a celebração e vigência de acordos de redução da remuneração, sem alteração da categoria profissional do farmacêutico (cf. cláusula 66ª, nº 2 CCT 2014). Saliente-se que, nos termos do CCT, a redução da remuneração tem como limite a remuneração mensal prevista na Tabela Salarial B para a categoria profissional detida pelo farmacêutico (cf. cláusula 41ª, nº 3 do CCT 2014); Por outro lado, aos farmacêuticos que acordem a redução da sua remuneração continuará a ser garantido um dia adicional de férias, podendo as partes acordar o aumento de mais um outro dia de férias. Porém, nos casos em que da redução do montante da remuneração resulte um valor coincidente com a remuneração mensal prevista na Tabela B para a categoria profissional detida pelo farmacêutico, este continuará a ter direito a três dias adicionais de férias (cf. cláusula 41ª, nº 4 e nº 5 do CCT 2014). De notar que os acréscimos de dias de férias remuneradas a que atrás se aludiu não conferem direito a qualquer correspondente aumento do subsídio de férias (cf. cláusula 41ª, nº 6 do CCT 2014). • Progressão profissional O período de progressão profissional continuará, em 2014, a ser de dois anos (cf. cláusula 66ª, nº 4 do CCT 2014). Para além dos aspetos acima referidos, o CCT 2014 veio ainda consagrar algumas regras especialmente concebidas para evitar eventuais dúvidas de aplicação do CCT no que concerne ao cálculo de determinados créditos ou compensações a que haja lugar no ano em vigorem acordos de redução de remuneração e em que, portanto, poderá a remuneração base
mensal do farmacêutico ter diferentes valores ao longo do ano. Assim: • Subsídio de férias e subsídio de Natal (cf. cláusula 41ª, nº 9 do CCT 2014) Para efeitos de cálculo do montante do subsídio de férias e do subsídio de Natal que se vençam na vigência de acordo de redução da remuneração dever-se-á ter em conta a média das remunerações mensais relevantes para o respetivo cálculo, auferidas ou a auferir no ano a que respeite o subsídio de férias e o subsídio de Natal. • Cessação do contrato de trabalho - créditos e compensação legal (cf. cláusula 41ª, nº 10 e nº11). No caso de cessação do contrato de trabalho por facto não imputável ao trabalhador (por exemplo, por despedimento coletivo ou por despedimento por extinção do posto de trabalho), que se concretize na pendência de acordo de redução, os créditos laborais decorrentes de tal cessação referentes ao subsídio de férias já vencido e que não tenha ainda sido recebido, serão calculados tendo por base a média das remunerações calculadas nos termos do ponto anterior. Já no que respeita ao cálculo dos proporcionais do subsídio de férias e de natal relativos ao ano da cessação (e vencidos por força da cessação do contrato de trabalho), deverão os mesmos ser calculados tomando em conta a média das remunerações mensais, relevantes para o efeito, auferidas no ano da cessação do contrato e até à data em que esta se verificar. No que respeita à compensação legal por cessação do contrato de trabalho, a mesma deverá ser calculada com base na remuneração que o farmacêutico auferia anteriormente à redução operada por acordo. Elaborado por Nuno Guedes Vaz, advogado PLMJ – Sociedade de Advogados 55
consultoria fiscal
O novo IRC Limitações de espaço aconselham-nos a centrar a nossa atenção, apenas, no que mais diretamente nos afeta: a evolução das taxas para os próximos anos. Os inúmeros pedidos de esclarecimento chegados à ANF, nestas últimas semanas, sobre a aplicação do regime de transparência fiscal, justificam o comentário feito no ponto 3. 1. Diminuição da taxa do IRC Relativamente ao período de tributação de 2014, a taxa do IRC passará, dos atuais 25%, para 23%, ponto de partida para uma diminuição progressiva que, segundo se anunciou, a levará para valores próximos dos 17 a 19% 1. Esta diminuição, que acompanha a tendência hoje verificada globalmente, tem de ser vista como um instrumento de competitividade a que o país recorre para estimular a captação do investimento externo. Refira-se que nos países da OCDE e do G20, a taxa média de tributação do rendimento sobre as sociedades desceu, nos últimos vinte e poucos anos, perto de 15 pontos percentuais 2. Os sujeitos passivos que exerçam, diretamente, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e que obtenham a qualificação de “pequena ou média empresa”3, beneficiarão ainda da aplicação da taxa de 17%, aos primeiros €15 000,00 de matéria coletável. Exemplo: Matéria coletável: €21 000,00 15 000,00 a 17% = 2 550,00 6 000,00 a 23% = 1 380,00 IRC € 3 930,00 (taxa média ponderada: 18,71%)
Para as pequenas e médias empresas com matéria coletável superior a €15 000,00, a taxa média ponderada de IRC será tanto mais baixa quanto a matéria coletável se aproximar desse valor, sendo de 17% quando não ultrapasse os €15 000,00. No limite, estas empresas terão, com a criação deste primeiro escalão, um benefício de €900,00 de IRC (6% de 15 000,00) Prevê ainda a Lei nº 2/2014, de 16 de janeiro, que a taxa de IRC possa evoluir para 21% já em 2015 e, em 2016, para uma taxa entre 17 a 19%, caminho que dependerá da evolução da situação económica e financeira do país e da ponderação que será feita por uma comissão de monitorização da reforma (comissão a constituir 4), sobre os resultados da reformulação dos regimes do IVA e do IRS, especialmente no que diz respeito ao impacto que uma eventual redução das suas taxas poderá produzir.
A derrama estadual 5
Sobre a parte do lucro tributável que exceda os 1 500 000,00 (para a atividade de farmácia, situação praticamente inatingível), incidem, ainda, as taxas adicionais seguintes: • 3%, na parte do lucro tributável entre 1 500 000,00 e 7 500 000,00
• 5%, na parte do lucro tributável entre 7 500 000,00 e 35 000 000,00 • 7%, na parte do lucro tributável que ultrapasse os 35 000 000,00 O aumento de arrecadação que se julga alcançável vai fazer-se, fundamentalmente, por via da criação da nova taxa de 7%, correspondente ao 3º escalão. No período de tributação anterior (2013) era aplicada a taxa de 5% a tudo o que excedia €7 500 000,00 de lucro tributável.
2. A TAXAS DE TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA Embora associadas ao processo de liquidação do IRC, as taxas de tributação autónoma não se enquadram no âmbito da tributação do rendimento. Trata-se, isso sim, de tributação incidente sobre determinados factos (gastos efetuados) que ocorrem dentro do mesmo período de tributação. No que particularmente respeita aos gastos com viaturas ligeiras de passageiros, as alterações trazidas pela Lei nº 2/2014, em matéria de tributação autónoma, agravam, de forma significativa, a que é incidente sobre os gastos associados a viaturas de valor elevado 6.
Pagamentos por conta: Como são calculados com base no imposto liquidado, relativamente ao período de tributação imediatamente anterior, nada de essencial se irá alterar. 2 As taxas de tributação das sociedades nos 41 países da OCDE e nos do G20 desceram, em média, nos últimos 23 anos, de 41 para 26% (Relatório da Comissão de Reforma IRC). 3 A qualificação de pequena ou média empresa é feita de acordo com o previsto no D.L. nº 372/2007, de 6 de novembro. Como se trata do diploma da certificação, poderá entender-se que o registo e a certificação feitos nesse âmbito são também requisitos exigíveis. 4 Artigo 8º da Lei nº 2/2014 1
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FARMÁCIA PORTUGUESA • 205 • jan/fev/mar‘14
As taxas a aplicar passaram a ser as seguintes: • 10% para viaturas com custo de aquisição inferior a €25 000,00; • 27,5% para viaturas com custo de aquisição igual ou superior a €25 000,00 e inferior a €35 000,00; • 35% para viaturas com custo de aquisição igual ou superior a €35 000,00. Estas taxas - que continuam a ter um agravamento de 10 pontos percentuais quando, no respetivo período de tributação, se apresente prejuízo fiscal - não se aplicam aos gastos relativos a veículos movidos a energia elétrica. Nos termos do nº 6, do artigo 88º, CIRC, não haverá lugar a tributação autónoma se, por via contratual, a viatura for atribuída a um empregado ou a membros dos órgãos sociais, caso em que os respetivos benefícios cairão na sua esfera de tributação (rendimento em espécie). Até 2013, a exclusão da tributação autónoma nestas circunstâncias contemplava, apenas, a que incidia sobre as depreciações ou, no caso da locação financeira ou do renting, sobre as rendas faturadas pelo locador. A partir deste ano, fica também fora da tributação autónoma a que incide sobre os demais encargos. Esta exclusão implica que, para efeitos de IRS, se tenha de imputar ao empregado ou ao membro dos órgãos sociais, a título de rendimento do trabalho dependente (categoria A), o valor anual correspondente a 0,75% do custo de aquisição da viatura, multiplicado pelo número de meses de utilização (nº5 do artigo 24º, CIRS), adivinhando-se, aqui, o propósito de estimular a transferência indireta dos encargos com viaturas das empresas para os empregados que
beneficiem da sua utilização parcial, através da sua conversão em rendimento do trabalho dependente. Este rendimento (rendimento em espécie) não está sujeito a retenção na fonte.
3. SOCIEDADES DE PROFISSIONAIS – TRANSPARÊNCIA FISCAL O regime de transparência fiscal 7 a que as “sociedades de profissionais” estão sujeitas é caracterizado, no essencial, pela imputação dos rendimentos, determinados pela sociedade de acordo com as regras previstas no Código do IRC, aos respetivos sócios, como se estes os tivessem produzido no momento em que são gerados pela sociedade. Isto, independentemente de ter havido, ou não, distribuição de lucros. Essa imputação faz-se com a repartição desse rendimento por todos os sócios (sejam eles pessoas singulares ou coletivas), de acordo com o que resulta do respetivo ato constitutivo ou, na falta deste, em partes iguais. Com a sua transferência para a titularidade dos sócios, os rendimentos da sociedade (sociedade transparente) deixam de ser tributados em IRC. Para este efeito, deve entender-se por “sociedade de profissionais” a que é constituída para o exercício de uma atividade de natureza profissional de entre as que constam da lista referida no artigo 151º do Código do IRS (CIRS) e que a Portaria 1011/2001, de 21 de agosto, elencou exaustivamente. As sociedades proprietárias de farmácias estão sujeitas ao regime de transparência? O artigo 6º do CIRC (regime de transparência fiscal) tem objetivamente
como alvo as sociedades de profissionais, isto é, as sociedades constituídas por pessoas que, se fossem tributadas a título individual, como prestadoras de serviços, se enquadrariam numa das atividades constantes da tabela referida no artigo 151º do CIRS. Os farmacêuticos aí referidos (no caso, código 1335, da lista referida no artigo 151º, CIRS), são os que exercem atividades remuneradas, de natureza profissional, sem qualquer dependência hierárquica com a entidade adquirente dos seus serviços (trabalho independente, vg, “recibos verdes”). As farmácias exercem, a coberto de um alvará concedido pelo INFARMED, uma atividade de natureza comercial ou industrial, à qual se atribui o código CAE 47 730 constante da tabela respeitante à classificação das atividades económicas (comércio a retalho de produtos farmacêuticos em estabelecimentos especializados”). Não nos parece, por isso, que as sociedades comerciais, constituídas sob forma comercial, possam, para este efeito, vir a ser consideradas sociedades transparentes . Se assim não fosse: • As sociedades com a atividade de “comércio a retalho de produtos farmacêuticos em estabelecimentos especializados” (CAE 47730) já seriam, há muito, sociedades transparentes; • As empresas individuais com essa mesma atividade, em vez de codificadas pela tabela de Classificação das Atividades Económicas (CAE), como sempre foram, teriam sido codificadas pela lista referida no artigo 151º, CIRS. J. A. Campos Cruz, Consultor ANF
Pagamento adicional por conta: porque são pagamentos por conta da derrama estadual, o seu cálculo tinha, necessariamente, de ser reformulado em conformidade com os efeitos que são obtidos com a alteração feita à derrama estadual. 6 A alteração é aplicável aos factos tributários ocorridos a partir de 01/01/2014. 7 Artigo 6º, CIRC 8 Opinião pessoal 5
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Entre nós
Sair da crise A economia da farmácia é atualmente a principal preocupação de todos nós. Estamos a sofrer as consequências de um conjunto de decisões erradas que afetaram o País como um todo, os portugueses, principalmente os mais desfavorecidos e, no setor da saúde, as farmácias em particular. O mercado do medicamento contraiu 25% em três anos e permanece em situação de rutura. A nossa responsabilidade impede-nos de assistir passivamente ao desenrolar da crise. Temos de lutar por todos os meios ao nosso alcance pela melhoria da situação. É isso que estamos todos a fazer, quer ao nível individual quer ao nível associativo. Não temos alternativa. Tudo ou quase tudo à volta das farmácias se altera constantemente, desde os preços às comparticipações e, de uma forma geral, à regulamentação da atividade. O sistema só não claudicou porque as farmácias foram capazes, com grande esforço, de se modernizar tecnicamente para responder às exigências sempre crescentes do sistema de saúde. Trabalhámos bem nesse domínio. Mais do que nunca, temos que estar absolutamente concentrados em também fazer o que depende de cada um de nós e da nossa estrutura associativa. Melhorar a gestão das farmácias deve continuar a ser para todos nós uma preocupação, um objetivo, diria mesmo uma obsessão. O ano de 2014 ficará marcado pelo nosso esforço coletivo nesse sentido. Os associados passarão a dispor, 58
em tempo real, de indicadores de gestão das suas farmácias, ao nível das compras e vendas, inventários, stocks, qualidade profissional, dados de mercado, dados financeiros e outros, que lhes permitirão melhorar qualitativamente a sua atividade. Passarão também a dispor de novos serviços de suporte técnico para otimização da sua gestão. Estamos igualmente a preparar um serviço de consultoria de gestão, já em fase de projeto-piloto, que corresponde a uma necessidade manifestada pelos nossos associados. É um projeto no qual está envolvida uma vasta equipa de dirigentes e colaboradores da ANF. Temos de continuar a ter esperança no futuro. O nosso principal objetivo é o de recuperar a sustentabilidade do setor da farmácia. Lutamos todos os dias para esse fim, mas temos de reconhecer que, apesar de sentirmos os primeiros resultados, estes ainda são insuficientes. A estratégia de diálogo que temos prosseguido tem dado os seus frutos, embora a um ritmo muito aquém das necessidades de preservar a rede de farmácias no nosso País. Foram meses e meses à procura de uma nova estrutura para as margens das farmácias. Conseguimos finalmente essa nova estrutura, mas os resultados ficaram aquém do necessário. A nova solução é um sinal de esperança, mas não resolveu ainda o problema do atual modelo económico da farmácia, que diversos estudos
académicos têm demonstrado ser insustentável. Temos por isso, caros colegas, de continuar todos a lutar para que a situação das nossas farmácias melhore no futuro. Temos tido o apoio incondicional dos associados. Sentimos que a nossa unidade, marca de fortes tradições no nosso sector, continua sólida, apesar das dificuldades de todos nós. Julgamos, por isso, que há condições para manter esperança no futuro e sair da crise que atravessamos. O balanço que fazemos é cauteloso. Há uma consciência coletiva de que as farmácias não aguentam mais austeridade, sendo este um aspeto positivo. Temos de continuar todos a tomar iniciativas para reforçar essa consciencialização da sociedade, dos agentes políticos e dos partidos. Continuamos a sentir dificuldades em retificar medidas inequivocamente exageradas ou mal concebidas. A coragem que houve para as adotar foi maior do que a coragem evidenciada para as alterar, sendo este um aspeto negativo. O diálogo é a melhor via para encontrar soluções, por isso essa será a via que continuaremos a prosseguir. Temos pela frente uma corrida de fundo pela sustentabilidade das farmácias. Contamos com todos, porque o esforço tem de ser coletivo.
Paulo Cleto Duarte