Farmácia Portuguesa 211

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Entrevista Ramalho Eanes

pré-publicação livro

PUBLICAÇÃO trimestral • 211 • julho | agosto | setembro • 2015

REDE solidária Farmácias lançam comparticipações sociais


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editorial

TRADIÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Maria da Luz Sequeira

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poderia inspirar o Estado, partidos políticos e a sociedade em geral neste momento de tantas incertezas e dificuldades. O livro é o resultado de uma investigação séria e isenta. Também fala dos erros, dos falhanços, do que não correu bem. Nada mais natural. Quando se trabalha, se arrisca, quando se tem ambição e coragem para tentar inovar permanentemente, os sucessos superam os fracassos e permitem-nos contar a história sem complexos. O exemplo das farmácias mostra que os portugueses são capazes de se organizar e fazer as coisas bem. Se nos soubermos unir, se todos colocarmos o nosso melhor esforço no lugar de polémicas estéreis, seremos seguramente capazes de encontrar um caminho para Portugal. Significativamente, a ANF aproveitou o seu 40.º aniversário para lançar um grande programa de responsabilidade social, com vista a criar um fundo de apoio

à aquisição de medicamentos por parte dos mais necessitados. O dossier “Farmácias Reais” mostra como há muitos portugueses que não conseguem adquirir todos os medicamentos receitados pelos seus médicos. Os farmacêuticos têm uma grande tradição de responsabilidade social. O crédito, a conta aberta na farmácia, muitas vezes até a oferta de medicamentos, são instituições. Paralelamente a este trabalho anónimo, diário e solidário em todo o país, o sector como um todo soube oferecer à sociedade portuguesa múltiplos benefícios. Desde logo, o Programa Troca de Seringas, que tirou o VIH/sida do destino de milhares de jovens portugueses. Mas também o programa de substituição com metadona; a recolha de radiografias em favor da AMI; o projecto Valormed, que deu a milhões de embalagens usadas e de restos de medicamentos um destino amigo do ambiente;

o programa da diabetes, no qual, durante anos, as farmácias abdicaram das suas margens para que a população criasse hábitos de controlo da doença; e, claro, o Banco Farmacêutico. A generosidade dos farmacêuticos não vai mudar nunca. O problema é que não se pode ter sol na eira e chuva no nabal. Na última década, as farmácias foram vítimas de uma dose tóxica de medidas punitivas, injusta e insensível. Como resultado, passaram elas próprias a ter de lutar pela sobrevivência. A rede de farmácias não tem recursos financeiros para resolver por si própria, como gostaria, os problemas de acesso ao medicamento que envergonham a Democracia. Mas os farmacêuticos não perderam a imaginação, a ambição e a tradição de responsabilidade. E, por isso, chamam agora as instituições públicas, de solidariedade social, as empresas e os portugueses, todos, a apoiar quem de nós mais precisa.

FARMÁCIA PORTUGUESA

amalho Eanes põe o dedo na ferida, na importante entrevista que publicamos nesta edição: a Democracia ainda não conseguiu criar um projecto realista e mobilizador para Portugal, para pôr no lugar do antigo projecto imperial. Partidos políticos, instituições do Estado e sociedade em geral têm andado a «navegar à vista», na expressão certeira do ex-Presidente da República e embaixador do novo programa de responsabilidade social das farmácias portuguesas. Sendo esta a tradição do país, até parece estranho como, neste mesmo período, as farmácias planearam sempre o futuro, unidas em torno da ANF. O livro Uma História das Farmácias, que temos a honra de pré-publicar, documenta com grande detalhe essa virtuosa obsessão com o plano. Como os antigos navegadores, o sector navegou sempre de mapa na mão e bem orientado. Este livro bem

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prontuário

Propriedade

Directora Maria da Luz Sequeira conselho editorial Nuno Vasco Lopes Filipa Duarte-Ramos Duarte Santos Projecto Departamento de Comunicação da ANF Ana Abrunhosa Carina Machado Carlos Enes (Responsável) Filipe Mendonça José Luís Martins Nuno Esteves Paulo Martins

CHEGOU A REVISTA Imagine uma revista revolucionária, com respostas para todos os portugueses com vontade de mudar de vida para melhor - e coragem para isso. Chama-se Saúda, vai encontrá-la todos os meses na sua farmácia.

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Produção

FARMÁCIAS REAIS: A REDE Edifício Lisboa Oriente Av. Infante D. Henrique, 333 H, 44 1800-282 Lisboa T. 218 504 060 - Fax: 210 435 935 Coordenadora de publicidade Sónia Coutinho soniacoutinho@newsengage.pt T. 961 504 580

Farmácias desafiam sociedade civil a criar comparticipações sociais na aquisição de medicamentos. Mas o apoio a quem precisa já é uma tradição antiga e uma prática diária dos farmacêuticos.

Assinaturas 1 Ano (4 edições) - 50,00 euros Estudantes de Farmácia - 27,50 euros Contactos T. 213 400 650 • Fax: 213 400 674 Email: anf@anf.pt Periodicidade: Trimestral Tiragem: 3 000 exemplares Distribuição gratuita aos associados da ANF Impressão e acabamento RPO - Produção Gráfica, Lda. Depósito Legal n.º 3278/83 Isento de registo na ERC ao abrigo do artigo 9.º da Lei de Imprensa n.º 2/99, de 13 de janeiro

FARMÁCIA PORTUGUESA

Distribuição

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FARMÁCIA PORTUGUESA é uma publicação da Associação Nacional das Farmácias Rua Marechal Saldanha, 1, 1249-069 Lisboa

www.anf.pt

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Esta revista segue a norma ortográfica anterior ao acordo.


UMA CAPA ESPECIAL A capa desta edição foi pensada por Cristina Massena, com base no conceito de “Rede Humana”. Este conceito inspirou a instalação vídeo comemorativa dos 40 anos da ANF. Invoca a história de confiança e cumplicidade das farmácias com a população, bem como o aprofundamento dessa relação no futuro, através do novo programa de responsabilidade social. As fotografias são de Júlio Barulho.

«O papel das farmácias é insubstituível» António Ramalho Eanes, embaixador da Associação Dignitude, em entrevista.

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Farmacêutico com vida Telmo Teixeira, de Vouzela, inaugura uma rubrica dedicada aos senadores das farmácias. Claro, a história dele é emocionante, mas o que faz hoje, aos 90 anos, não impressiona menos.

Farmacêutica convida: Oeste Filipa Freitas traça um roteiro que percorre a Costa de Prata, o património classificado da Batalha e de Alcobaça e a vila literária de Óbidos.

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Reportagem de Filipe Mendonça | Ilustrações de Carlos Ribeiro | Fotografias de Pedro Mensurado e Carla Bessa

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DE MÃOS DADAS As farmácias desafiam a sociedade portuguesa a dar um salto civilizacional no acesso ao medicamento. O objectivo é acabar com o drama dos doentes que não podem levar para casa tudo o que o médico receita por falta de dinheiro. Os farmacêuticos todos os dias resolvem problemas destes. Retrato do país visto do balcão das farmácias.

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Carla Bessa

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FARMÁCIA AVEIRENSE, aveiro

«Elisa lava escadas aos 80 anos para comprar medicamentos» São 10h30 numa das principais ruas da baixa de Aveiro. Elisa chega com um carrinho de compras feito em pano, como se carregasse todo o peso do tempo. Na cara, as marcas de quem, aos 80 anos, continua a lavar escadas para pagar as contas. «Ai doutora, hoje já posso dormir descansada. Está tudo legal. Está tudo legal», desabafa minutos depois de saldar a dívida

mensal na Farmácia Aveirense. As contas são fáceis de fazer. Dos 500 euros de reforma, subtraia-se 250 euros de renda e 180 de despesa com medicamentos. Sobram 70 euros para viver ao lado de um marido doente. À doença e às contas que a vida teima em querer ajustar, Elisa responde com trabalho numa idade em que já ninguém devia trabalhar. «Se não tivesse crédito aqui na farmácia, não podia levar os meus remédios», explica, com um sorriso.

Paula Camões, directora técnica da farmácia, também sorri. Nasce um silêncio terno na ombreira da porta enquanto trocam olhares que dizem o resto. «Se há gente séria é a dona Elisa. Está sempre a perguntar quanto é que deve e todos os meses, sem falhar, vem cá pagar», recorda a proprietária. Num distrito muito massacrado pelo desemprego, a crise colocou a nu a pobreza que noutros tempos estava mais envergonhada. Os pedidos de ajuda chegam quase todos os dias. Os créditos representam entre 8% a 10% da facturação mensal e a junta de freguesia

foi obrigada a criar um programa de emergência social. «Tínhamos aqui uma cliente que de um momento para o outro ficou desempregada e o filho também. Durante algum tempo, ajudámos como podíamos, mas depois reencaminhámos o assunto para a junta de freguesia», recorda. Como este, há dezenas de casos que chegam todos os dias às farmácias, um pouco por todo o país. «O que é que nós vamos fazer? Temos de dar resposta a estas coisas. Ser farmacêutico é isto mesmo. Se nós não facilitarmos, as pessoas ficam sem tomar a medicação. Seria


um vazio se não fosse capaz de responder a estas solicitações», explica Paula Camões. Esta é talvez a frase mais ouvida durante os dias em que andámos em reportagem pelo país, pelo Portugal visto do balcão da farmácia. «Se eu não facilitar, eles não tomam a medicação», podia estar escrito na bata de todos os farmacêuticos com quem conversámos. «Há gente que fica semanas

sem tomar a medicação porque não tem dinheiro. Eu digo-lhes sempre: não deixem de tomar os medicamentos porque eu estou aqui para ajudar», conta a farmacêutica. Na Farmácia Aveirense chegou a haver contas abertas com quase dois anos, mas o apoio mais importante nem sempre é feito através do crédito. Há o resto que é tudo. «Fazemos os testes da glicemia, colesterol

e tensão de forma gratuita. Depois, para os doentes que não podem vir à farmácia, arranjamos forma de levar os medicamentos a casa. Dividimo-nos por zonas e entre nós, eu e os meus funcionários, vamos fazendo esse trabalho. Esse é que é o verdadeiro serviço

social das farmácias», explica a mulher que se não fosse farmacêutica, seria farmacêutica.

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Farmรกcia em Loures

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Um fio de ouro por uma caixa de medicamentos

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Pedro Mensurado


Vamos chamar-lhe Maria, porque não quer dar a cara, nem revelar o nome. Sentada na sala do laboratório, recorda o dia em que aquele homem cruzou a porta da farmácia. «Estava desempregado. Tinha acabado de ser despedido. Pediu tudo o que tinha na receita e no final, como não tinha dinheiro para pagar, queria dar o fio de ouro em troca. O meu marido não aceitou. Não conseguimos virar as costas a quem precisa, por mais que isso represente para nós, tantas vezes, muito sacrifício», recorda. Os olhos de Maria brilham, num brilho que mistura quase tudo: a alegria de ajudar, a tristeza de ver o negócio perder-se todos os dias em impostos, margens reduzidas e falta de clientes. Lá fora, junto à caixa, a filha, de 37 anos, responde ao pedido de mais um homem do bairro. «Doutora, meta lá aí na caixinha como é para tomar». Mãe e filha partilham, sozinhas, o balcão da farmácia. Não há dinheiro para dar emprego a mais ninguém. Os tempos são difíceis para todos nos arredores de Lisboa, num cadinho de etnias, a cerca de 500 metros dum bairro social. «Não podemos ter uma linha de crédito aberta para toda a gente. Não é possível ajudar todos. Às vezes o coração fica a sangrar, mas não é possível. Continuamos a vender fiado a quem sabemos que precisa e que paga no final do mês. As pessoas cumprem. Quando recebem a reforma, normal-

aguentam a dor, porque não há dinheiro para tudo», conta a farmacêutica de 39 anos. Maria continua sentada à mesa, às voltas com algumas lágrimas que vão caindo ao ritmo em que pensa no futuro. «As farmácias sempre serviram o país o melhor que sabem e podem, mas o poder não reconhece

de ouro. «Quando recebeu a indemnização do despedimento veio cá pagar a dívida. O meu marido perguntou-lhe quanto tinha recebido. Fizemos as contas e aquilo não dava para nada. Não aceitámos o pagamento. O meu marido pediu-lhe que fosse dar de comer à família e que só voltasse quando

do Portugal real. «Esta gente tem muita dificuldade no acesso ao medicamento. O centro de saúde não funciona bem. Ora tem médico, ora não tem. Depois, se trazem uma receita com antibiótico, anti-inflamatório e Ben-u-ron, levam só o antibiótico e

o nosso trabalho». O desabafo é interrompido pela entrada da filha. «A minha mãe é muito emocional. Eu sou mais pragmática». As paredes da farmácia estão forradas com armários de madeira escura, cheira a anos 70 e a vidas, como aquela do homem desempregado que queria trocar a saúde por um fio

estivesse mesmo em condições de pagar. Assim foi». O homem virou costas e saiu. Ou não. É que parece que ainda há qualquer coisa dele ali. Uma memória que se renova a cada pedido de ajuda aos quais Maria tenta responder: «A minha farmácia não foi, não é, nem nunca será só uma loja de medicamentos».

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mente ao dia 10, vêm pagar», explica Maria. Os dias de trabalho servem para pagar impostos e facturas. As noites de serviço, uma vez por mês, são autênticos pesadelos.

Maria e o marido não querem pensar. Ela pinta, ele faz contas. Fazem de conta. Passam-se meses que não atendem um cliente nas noites de serviço. Lá vai o tempo em que a farmácia fazia de posto de correios e disponibilizava o telefone. Hoje, num país a tentar curar as feridas da austeridade, a farmácia é a porta

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«Se não facilitar,

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Pedro Mensurado

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«A doutora foi ali ao café, mas já vem». Na rua, o eléctrico marca o ritmo da Calçada do Combro, no coração de Lisboa. É a fronteira entre o ontem e o hoje. Entre o Bairro Alto, a Bica e Santa Catarina, e o novo Cais do Sodré dos escritórios e das empresas. A porta da farmácia afaga o amarelo do 28. Lá vai ele, «franzino e cheio de graça», carregado de turistas, gente indiferente às estórias encurraladas nas pequenas ruelas da grande cidade. «Tenho aqui muita gente que nem sabe ler e passa por muitas dificuldades. Se eu não facilitar, esta gente não toma a medicação», explica Vanda Luz.

Na zona, com mais ou menos turistas aconchegados no eléctrico, há uma Lisboa que não fica nas fotografias. «Fechou o centro de saúde. Há muita gente sem médico de família e que precisa de apoio. Mas eu não faço nada de especial. Não faço nada que outros farmacêuticos não façam». As palavras de Vanda parecem deslizar sobre carris até esbarrarem na realidade. A verdade é que faz entrega de medicamentos ao domicílio, vai a casa dos mais idosos medir a tensão, também de forma gratuita, e tem mais de trinta fichas de clientes com crédito. Sim, ao contrário do

jargão tatuado em muitos azulejos e pratos de barro: Quem fia, está e quem está fia. Quando ficou com a farmácia, há quinze anos, Vanda herdou cerca de 300 fichas de gente que «levava agora e pagava depois». A esse número juntaram-se os clientes que tinham créditos noutras farmácias da zona e que entretanto fecharam. A lógica do “fiado” faz parte da cultura do Bairro, mas Vanda quis mudar o paradigma. «Quero ajudar as pessoas que precisam mesmo e por isso tive de reduzir os créditos. Comecei a perceber que quem tinha mais dificuldades é que estava mais

preocupado em pagar as dívidas», explica a directora técnica. Aos poucos, o número de fichas de clientes que podem pagar no final do mês foi sendo reduzido. «São mais ou menos cinquenta». Ainda assim, o peso do “fiado” na facturação mensal representa cerca de 15%. «Se eu deixasse de vender a crédito, seria uma desgraça para esta gente». Vanda Luz conhece bem o bairro onde está: «Nós não temos mais nada para oferecer


Não tomam a medicação» a não ser isto. E isto é o que nós somos: a nossa conversa, a nossa companhia, a nossa boa disposição. Isto aqui é só rir. Até há clientes que ligam para cá só para conversarem». Curiosidades que os turistas desconhecem, mas de que certamente o 28 já ouviu falar.

farmácia moz teixeira, Lisboa

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«Esta gente farmácia São Roque da Lameira, porto

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Carla Bessa

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«Eu conheço a vida desta gente melhor do que ninguém». Alda Gonçalves tem a porta aberta, na rua São Roque da Lameira, no Porto, há mais de duas décadas. «Esta zona há 22 anos já era pobre. Continua pobre e envelhecida porque não há jovem nenhum que queira ficar aqui». É assim que a farmacêutica caracteriza a freguesia de Campanhã. Os autocarros passam praticamente vazios. Os passeios têm homens à espera que o tempo passe.

Na Farmácia São Roque da Lameira não há crédito para ninguém. Alda Gonçalves cansou-se dos abusos e acredita que esse não é o caminho para ajudar quem realmente precisa. «Estou atenta aos casos que me vão aparecendo aqui ao balcão e reencaminho-os para a junta de freguesia», explica a directora técnica. Sentada no laboratório, Alda desabafa contra os descontos, os horários, os impostos e as margens cada vez mais reduzidas. Mas a revolta que traz no peito não abafa o sentido de missão. «Há aqui de tudo. A avó


tem fome» que sustenta os filhos, os netos e a quem eu tenho de dar 50 euros para ir ao supermercado porque esta gente tem fome», denuncia com o sotaque de quem diz tudo numa só palavra: «Carago!» Foi assim várias vezes ao longo da conversa. O discurso vagueia entre a revolta e a angústia de perceber que é preciso fazer mais. Por exemplo, na sensibilização das famílias das pessoas que vivem sozinhas.

«Sabe lá, sou eu que tenho de dizer aos familiares coisas como: tem se aproximar da sua tia, olhe que ela está com a diabetes descontrolada». Num país onde cerca de 40 mil idosos vivem sozinhos, de acordo com dados do “Censos Sénior”, o papel de Alda Gonçalves ganha contornos decisivos. «No pico do Inverno, quando não conseguem sair de casa, somos nós que lá vamos ver a receita, porque eles não conseguem lê-la ao telefone, depois voltamos para buscar os medicamentos, a seguir vamos lá levar.

Fazemos várias viagens para que não lhes falte nada. Claro que não lhes cobro», conta a farmacêutica. A tarde vai avançando, indiferente aos desabafos. Na zona mais sombria do Porto, há vidas que se escondem entre a solidão do lar e o aconchego da farmácia. «Se há trabalho social a fazer, é aqui», refere Alda Gonçalves, mostrando disponibilidade para fazer mais se o Estado ajudar e reconhecer o seu trabalho. Os dados estão lançados. Ideias não faltam. O cenário traçado pela Organização Internacional do Trabalho não deixa margem para dúvidas: «Portugal é dos países da Europa onde as pessoas idosas são mais abandonadas, com menos profissionais a elas dedicados e menos dinheiro alocado».

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A REDE SOLIDÁRIA DO MEDICAMENTO Textos de Carlos Enes

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As farmácias portuguesas vão lançar em 2016 um grande programa de responsabilidade social, com a finalidade de garantir o acesso aos medicamentos pelos cidadãos com dificuldades económicas. O projecto será implementado em parceria com instituições particulares de solidariedade social e aberto à contribuição de todos - cidadãos e empresas. A gala de aniversário da ANF, realizada no dia 15 de Outubro, no Convento do Beato, em Lisboa, garantiu a primeira receita, simbólica, de um fundo destinado a comparticipar os fármacos de doentes com necessidades económicas. «O nosso sonho é que este projecto represente um salto de consciência cívica e um ganho qualitativo no nosso património colectivo», afirma Joana Carvalho, da Direcção

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da ANF. «A sociedade portuguesa tem a oportunidade de garantir a si própria que não há crise, nem tragédia pessoal, que possam pôr em risco o direito de alguém à Saúde», concretiza a farmacêutica.

para angariar recursos de forma permanente», descreve o secretário-geral da ANF. De acordo com Nuno Flora, as farmácias vão criar condições para o nascimento de uma «rotina de entreajuda». Nos balcões de todo

«A sociedade portuguesa tem a oportunidade de garantir a si própria que não há crise, nem tragédia pessoal, que possa pôr em risco o direito à Saúde de ninguém» O fundo estará permanentemente aberto à contribuição de qualquer cidadão, sem limites mínimos ou máximos. «Infelizmente, não podemos resolver de uma vez para sempre as necessidades económicas de toda a gente. Por isso, temos de criar condições

o país existirá «um canal simples, para que contribuir possa ser tão fácil e rotineiro como tomar um café». Financiadores institucionais e empresas também serão convidados a planificar contribuições regulares. As farmácias chamarão a si a complexa

responsabilidade logística de manter o fundo activo, sem interrupções. A dimensão da rede de farmácias e a sua distribuição homogénea no território, com maior densidade no interior, é estratégica para o objectivo de garantir um salto qualitativo na equidade do acesso ao medicamento. «Como as farmácias são o serviço mais próximo da população, podem evitar a suprema injustiça de alguém ser excluído em razão da sua morada», refere Nuno Flora. Os critérios de selecção dos beneficiários serão determinados pelas instituições públicas e privadas especializadas. As misericórdias, as instituições particulares de solidariedade social e as mutualidades têm «as competências certas nesse domínio, pela experiência diária dos seus profissionais no terreno».


«TODOS TÊM DIREITO ÀS MESMAS FARMÁCIAS» «O nosso objectivo é combater, sem tréguas, qualquer discriminação dos portugueses no acesso ao medicamento, bem como a exibição de caridade no sector», escreveu o presidente da ANF aos associados. Paulo Cleto Duarte aproveitou o convite para a gala de aniversário da ANF, primeira

receita do futuro programa nacional de acesso ao medicamento, para assegurar que «Portugal não precisa de farmácias para pobres». Na visão do líder associativo, a rede de farmácias «existe para garantir que todos têm direito a um serviço farmacêutico de elevada qualidade, nos mesmos balcões e com os mesmos profissionais».

Nasceu a Associação Dignitude. A nova IPSS, apresentada

na gala de aniversário da ANF, desenvolverá «programas de apoio solidário para um melhor acesso de populações com necessidades específicas a programas que promovam a qualidade de vida e o bem-estar». A Dignitude assume ainda como objectivo estatutário «um modelo articulado de apoio directo e efectivo a um universo de beneficiários, que lhes faculte o acesso nas farmácias aos medicamentos de que comprovadamente careçam». O ex-Presidente da República Ramalho Eanes e a farmacêutica e investigadora Odette

Ferreira são os primeiros embaixadores da Dignitude, que terá sede em Coimbra. A ANF assumirá os custos de investimento e exploração, mas sempre em articulação com instituições do sector social. Foram já realizados muitos contactos com vista à reunião dos promotores necessários ao sucesso desta missão: Plataforma Saúde em Diálogo, Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), Associação Nacional de Municípios, Cáritas Portuguesa, União das Misericórdias, União das Mutualidades, Confederação Nacional das Instituições

de Solidariedade e a Associação Mutualista Montepio.

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Homem Cardoso

DIGNITUDE: DE COIMBRA PARA PORTUGAL

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entrevista

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O GENERAL

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SOLIDÁRIO Embaixador do programa de responsabilidade social das farmácias portuguesas, António Ramalho Eanes abraça a causa da Associação Dignitude em nome do direito constitucional à Saúde. Texto de Ana Abrunhosa e Carlos Enes Fotografias de Tiago Machado

Farmácia Portuguesa – O que recorda de Alcains, a sua terra natal? ramalho eanes – Saí de Alcains com dois anos de idade. Éramos quatro irmãos e logo que o primeiro foi admitido no liceu, os meus pais mudaram para Castelo Branco. Entenderam que, residindo em Alcains, não lhes seria fácil acompanhar, como desejavam, os filhos nem suportar as exigências financeiras resultantes de terem quatro filhos no liceu. Não tenho, pois, memória gerada a partir da observação pessoal directa, sobre a minha aldeia. Tenho memória, sim, do que me foi transmitido pelos meus pais e do que observava quando, em férias, ali fazia curtas estadias na propriedade onde nasci – uma casa de residência, construída pelo meu pai, um pomar de laranjeiras com outras árvores de fruto,

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Évora, 18 de Junho de 1976. O General Ramalho Eanes está em campanha eleitoral para as primeiras eleições presidenciais democráticas. Nisto, ecoam tiros. Eanes sobe de imediato para o tejadilho de um carro, dando literalmente o corpo às balas. Este homem, que chegou a Presidente com espírito de missão, amor à pátria e sentido de Estado, é também marido, pai e avô. António Ramalho Eanes, 80 anos, recebe-nos no seu gabinete de trabalho, com simplicidade, simpatia e até sentido de humor. Antes de responder às perguntas da entrevista, expõe a sua visão da política e, sem reservas, partilha algumas estórias vividas com os netos. Essas palavras não foram, naturalmente, registadas nem tão-pouco serão transcritas. Mas revelaram o homem por trás do General.

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entrevista

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com bonitas “noras de cantaria” de tracção animal, e um espaço adjacente, murado, com um palheiro, “cómodos” para o gado, galinheiros e pocilga. Um elevado número de homens era o que se chamava de “artistas” – canteiros, carpinteiros, pintores e marceneiros – e trabalhavam na construção, sobretudo em Castelo Branco. Alguns deles, pelas suas qualidades, converteram-se em empresários de construção – empreiteiros ou construtores civis –, como foi o caso do meu pai. Os outros homens, maioritariamente, viviam da agricultura e da pecuária; quatro ou cinco eram, para o tempo e lugar, grandes proprietários, e os restantes viviam de “amanhar” a terra, como pequenos proprietários ou jornaleiros. Relevante era o papel da mulher para os labores domiciliares tradicionais, e para cuidar das leiras de terra que quase todos possuíam, e que notória contribuição tinham para a economia doméstica.

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FP – Na última década fecharam três em cada quatro escolas do primeiro ciclo, 1.500 postos de correio, 763 extensões de centros de saúde, a generalidade dos serviços de urgência básica. Quando lutou pela Democracia no 25 de Novembro ou, mais tarde, na Presidência da República, imaginou os índices de envelhecimento da população e de desertificação que enfrentamos? RE – Estudos, de cuidada e competente reflexão, havia sobre a já anunciada crise demográfica e as suas previsíveis e nefastas consequências: na emigração, na transferência dos jovens para o litoral, no envelhecimento das gentes do interior e na sua desertificação. A verdade é que, tanto então como depois, não se cuidou de encontrar uma resposta, nacional, para estas prefiguradas ameaças, não fomos capazes de estabelecer um modelo estratégico de renovamento do país,

economicamente modernizador, socialmente justo, que a todos – em especial aos jovens com mais qualificações – oferecesse futuro, não necessariamente no seu lugar de nascimento, mas em cidades próximas, planeadamente eleitas, com grandes centros de dinamização económica, social, cultural e, até, política. Aliás, não espanta que assim tenha acontecido num país que, enterrado que fora o seu projecto imperial, de quase cinco séculos, não cuidou – não cuidaram o Estado, os partidos políticos e a sociedade civil – de o substituir por um novo projecto, realista e popularmente su-

no país e pelo estrangeiro. Sem norteamento estratégico global, mobilizador da vontade popular, teremos, pois, colectivamente, “navegado à vista”, o que, sendo sempre consabidamente mau, muito perigoso se tornou num tempo de globalização desregulada do capitalismo financeiro, que tudo tende a subordinar à tirania da economia e do mercado e a impermeabilizar, nas vestes do “pensamento único”, as políticas económicas e sociais. Assim, reduzidos ficámos, também, a uma democracia sem verdadeira vocação libertadora do homem (como definida por Touraine, por exem-

«Sem norteamento estratégico global, mobilizador da vontade popular, teremos, colectivamente, “navegado à vista”, o que muito perigoso se tornou num tempo de globalização desregulada do capitalismo financeiro, que tudo tende a subordinar à tirania da economia e do mercado e a impermeabilizar, nas vestes do “pensamento único”, as políticas económicas e sociais» gestivo, de presente e futuro. Mesmo na fase de consolidação democrática e no tempo ulterior, quando já existiam condições políticas objectivas para se produzir um acordo, entre a maioria dos portugueses, nos domínios julgados essenciais para o presente e futuro da soberania da nação – de soberania participada, é certo –, não fomos capazes, na verdade, de elaborar um novo projecto sugestivo de vida em comum e de estabelecer a decorrente estratégia, inteligente, realista e mobilizadora, que nos permitisse utilizar, de forma virtuosa e integrada, os recursos disponíveis e disponibilizáveis

plo), apenas com um mínimo configurável e operacional democrático, com instituições democráticas formais, concorrência entre partidos políticos, governo de maioria e império da lei – uma democracia em que a conquista do poder leva os partidos políticos a dedicar especial atenção e cuidados aos mercados de influência eleitoral. FP – Que papel devem ter as farmácias no combate pela saúde pública? RE – Um papel relevante e, em minha opinião, insubstituível. As farmácias portuguesas conseguiram, vencendo

não poucos obstáculos, organizar-se, constituindo, hoje, com a sua Ordem e a sua Associação, um dos mais emblemáticos “corpos intermédios” da sociedade civil. Contribuído terão, até por isso, para a realização, parcial com certeza, do grande objectivo da democracia, da verdadeira democracia pós-moderna: não ser só uma forma de governo mas, sim, a forma e o fim da sociedade, que não pode deixar de ter na sociedade civil a sua fonte, motor e juízo. E as farmácias são um dos mais emblemáticos “corpos intermédios” da sociedade civil também porque são autónomas perante o Estado, mantendo, com ele, um diálogo de colaboração exigente, de informado profissionalismo, de saber técnico, científico e tecnológico actualizado e, até, quando necessário, de pública reivindicação. Ora, este diálogo de excelência, sendo alargado a outras organizações na área da saúde – organizações económicas de produção e distribuição de medicamentos e equipamentos, médicos e outros actores da área da saúde, autarquias, governo, Parlamento e associações da sociedade civil ligadas à saúde e, mesmo, os próprios utentes –, pode propiciar condições para reformas deliberadas introduzidas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) que garantam a sua sustentabilidade financeira e o seu objectivo sociopolítico genético, que é o de garantir aos cidadãos, a todos os cidadãos, um verdadeiro direito à saúde. E este é um diálogo de realística e actualizada informação, e acuidade, porque as farmácias dispõem de uma presença efectiva e oferecem acessibilidade e equidade em todo o território nacional; porque todos estes «espaços privilegiados da saúde pública» – nas palavras de Aranda da Silva – são credores de uma merecida confiança popular, sustentada pela confiança gerada pela


qualidade e responsabilidade dos profissionais, pela qualidade das instalações e pelos serviços prestados, e pela eficácia com que respondem a qualquer pedido de medicamentos autorizados no país. Aliás, as doenças crónicas, que, obviamente, não dispensam o acompanhamento médico, têm no farmacêutico um acompanhamento psicoterapêutico – o farmacêutico vizinho é aquele que ouve, dá ânimo, informa, e, inclusivamente, aconselha a voltar a visitar o médico.

FP – Que novos serviços gostaria de encontrar nas farmácias? RE – Antes de mais, gostaria de ver uma reforma, deliberada, como se impõe, com urgência,

«Gostaria de dispor de mais tempo para acompanhar os meus netos, o trabalho e as preocupações sociais da minha mulher, para fazer jardinagem, alguma pequena agricultura biológica, ler e assistir a manifestações culturais que muito me agradam, em especial, ballet, concertos e cinema»

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FP – Aproveita o aconselhamento farmacêutico? RE – Sim, até por hábito adquirido desde jovem. O meu pai, antes de me levar ao médico, levava-me à farmácia do Dr. Mourato Grave, um “senhor”, no trato e na confiança que a todos merecia. E recordo uma situação em que uma erupção cutânea generalizada em ambas as mãos levou a minha mãe a optar por uma ida directa ao médico. Concordava o meu pai com a ida ao médico, mas depois de passar pelo Dr. Grave. E acabámos por já não ir ao médico. Tratava-se de uma mera reacção alérgica à seiva da figueira. Deu-me, então, um frasco com uma substância vermelha para “pintar” as mãos, o que fiz, com relutância mas rápido sucesso. Relatar-lhe-ia um outro caso, recente, de aconselhamento farmacêutico. Uma revista, aliás, de prestígio, notificava, há dias, que tinha sido posta à venda, em Portugal, uma “droga maravilha”, «um estimulante cognitivo» que «desempenha funções essenciais ao nível do sono, da atenção, da aprendizagem e da motivação». Entusiasmado fiquei com a notícia. Como sabe, à medida que a idade vai avançando, as pessoas começam a preocupar-se com os lapsos de memória… Obedecendo a um velho hábito, como já referi, consultei um familiar farmacêutico, que me disse que este era um fármaco recente nas farmácias,

aprovado pelo Infarmed, com possíveis efeitos secundários, que o tornavam não só desaconselhável mas até perigoso. E disse-me, ainda, que, face a isto, me ia mandar um email com um resumo das suas características. Escusado será referir que, lida a mensagem, decidi esquecer a “droga maravilha”, mas não a lição…

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entrevista que permitisse que todas as potencialidades que as farmácias contêm, e beneficiando das experiências estrangeiras de sucesso, fossem aproveitadas e lhes fossem atribuídas novas funções, que elas bem poderiam desempenhar, com proveito tanto para as finanças públicas como para a saúde dos doentes e para a prevenção da saúde, enfim, para a realização eficaz, equitativa e mais humanizada do direito, indeclinável, de todos os cidadãos à saúde. Acredito, pois, que se pode beneficiar muito com o desenvolvimento de serviços farmacêuticos de proximidade, muito para além do aconselhamento apenas sobre medicamentos, como hoje acontece e que é – e continuará a ser – essencial. Se as farmácias puderem, por exemplo, ajudar a monitorizar e a controlar as doenças crónicas, apoiar o SNS em programas de saúde pública, orientar a população para regimes alimentares e estilos de vida mais saudáveis, é óbvio que todos ganharão com isso, todo o país ganhará, certamente.

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FP – Recusou uma promoção a marechal, em 2000, e mais tarde não aceitou receber quase um milhão de euros a que tinha direito da sua reforma

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como general. De onde lhe vem a força para resistir à tentação do dinheiro? RE – Recusei ambas por uma mera questão de coerência relativamente ao que a vida me ensinou ser a minha responsabilidade social, de homem e de cidadão, de homem que comandou homens – e que alguns, que nunca esquece, viu morrer –, de homem e cidadão que participação teve na governação política do país. Não creio que a aceitação de qualquer delas trouxesse benefícios para o país – e, mesmo, para a sua instituição militar –. E esta decisão de recusa foi reflectida e, até, apoiada pela minha mulher e pelos meus filhos. Um esclarecimento devo acrescentar, socorrendo-me do meu grande mestre da Universidade de Navarra, Rafael Alvira, que cito de memória: «O dinheiro é necessário e é um grande bem, mas convertido em bem fundamental corrompe tudo e, assim, deixa de servir o homem e a sociedade». FP – Que conselhos daria a um jovem que pretendesse assumir responsabilidades políticas? RE – Começaria por felicitá-lo porque, apesar de tudo, continuo a entender, na senda dos clássicos e dos seus

«As farmácias são um dos mais emblemáticos “corpos intermédios” da sociedade civil também porque são autónomas perante o Estado, mantendo, com ele, um diálogo de colaboração exigente, de informado profissionalismo, de saber técnico, científico e tecnológico actualizado e, até, quando necessário, de pública reivindicação»

ensinamentos, que a Política é uma ciência mestra, uma ciência arquitectónica da vida em sociedade organizada, para procurar, com verdade, garantir a paz e a justiça, a igualdade diferenciada pelo mérito, para, com verdade também, proporcionar a liberdade cidadã e erigir a cidadania da solidariedade; e para tudo isto manter em crescimento sucessivo, através de um virtuoso diálogo entre a sociedade civil e o Estado, através de reformas deliberadas, prudenciais e oportunas, evidentes e consensualizantes na definição, e transparentes na execução. E quando falo de crescimento não me refiro apenas ao crescimento com sucesso nas modernizações, mas, também, do crescimento que implica o próprio desenvolvimento social e, em síntese conclusiva, a libertação real dos homens e a sua felicidade – esta, inevitavelmente, sempre ameaçada e finita –. Ao jovem que pretendesse assumir responsabilidades políticas, conselhos não lhe daria, considerando as exigências da política, que procura, com verdade e competência, ética também, o bem comum. Recordar-lhe-ia, apenas, a resposta de Sócrates a Alexandre quando este o interrogou sobre os seus mestres: «As próprias coisas o instruíram e não lhe ensinaram a mentir». E o que são estas “coisas”? São a formação académica e a acção profissional, que, bem-sucedida, ensina que não há liderança real sem interacção de antropológica índole e preocupação, sem competência, verdade e exemplo – o exemplo de sempre pôr acima do próprio interesse, por legítimo que seja, o interesse da nação. FP – O que julga essencial mudar nas regras eleitorais, ou na actividade dos partidos, para credibilizar a actividade política junto dos portugueses? RE – Percebo a pertinência e actualidade da pergunta. Creio, eu também, que nas leis

eleitorais e no comportamento dos partidos razões, muitas, há para a actual e sentida descredibilização da actividade política entre os portugueses. Mas o mal tem outras origens e razões agravantes, endémicas, que resposta não terão se não houver uma correcta definição, em justa interacção, de um grande propósito comum, com regras (simples, justas, competentes), instituições (modernas e bem lideradas), e valores (o valor ético, do bem comum sobretudo, a orientar a política, esta o direito e este a economia) bem definidos. Para lhe responder com um mínimo de suficiência, ocuparia muito espaço,


que a revista não tem e tempo de que os leitores não disporão. Assim, a quem tiver interesse em obter uma resposta simples, mas bem interessante, suficiente e acessível, aconselharia a leitura da segunda parte de um pequeno livro daquela colecção da Fundação Francisco Manuel dos Santos, da autoria de Paulo Trigo Pereira: Portugal: dívida pública e défice democrático. FP – O que lê actualmente? Quer partilhar com os leitores essa experiência? RE – Para além das leituras novas e da revisitação de obras necessárias à elaboração de textos que me

comprometo a redigir, costumo ter três livros “de serviço”: um romance, um livro cujo tema seja sobre questões da actualidade que me interessem, e um livro para “ir lendo” diariamente e ter tempo de me interrogar… Nesta altura, o romance é Caminho como uma casa em chamas, do António Lobo Antunes – para mim, escritor e mestre que, em cada novo trabalho, me surpreende, impressiona, encanta. O livro de actualidade, por causa do Bosão de Higgs, é A teoria de tudo – A origem e o destino do universo, de Stephen Hawking. E o livro para “ir lendo”, de diálogo e interrogação, é Textos-chave

«Se as farmácias puderem ajudar a monitorizar e a controlar as doenças crónicas, apoiar o SNS em programas de saúde pública, orientar a população para regimes alimentares e estilos de vida mais saudáveis, é óbvio que todos ganharão com isso, todo o país ganhará, certamente»

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entrevista de ética, cujos coordenadores são Norbert Bilbeny e Martha Palacio. FP – Como gosta de ocupar hoje em dia o seu tempo? RE – Gostaria de dispor de mais tempo para acompanhar os meus netos, para acompanhar, também, o trabalho e as preocupações sociais da minha mulher, para fazer jardinagem, alguma pequena agricultura biológica, ler e assistir a manifestações culturais que

trabalho de escrita dos textos cujas “encomendas” aceitei. E vou tentando ter, pelo menos, um dia no fim-de-semana mais reservado à família e para mim. FP – O que o faz aceitar o desafio de ser embaixador Dignitude? RE – Sabemos – e sabem e sentem-no, diariamente, os farmacêuticos – que muitos são os nossos concidadãos excluídos, de facto, socialmente, do medicamento por

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«Como poderia eu – que tanto tenho escrito e defendido o papel da sociedade civil no diálogo exigente e reivindicativo com o Estado, que tanto tenho apelado à responsabilidade social de todos – recusar colaboração à Dignitude?»

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muito me agradam, em especial ballet, concertos e cinema. Mas não tenho conseguido libertar-me para que tudo isto pudesse fazer sossegadamente. O trabalho de gabinete ocupa-me as manhãs – despachar correspondência, receber pessoas, manter-me informado sobre o país, Espanha e o resto da Europa em especial, e o mundo em geral, responder à Comunicação Social, tentar resolver problemas graves que me são apresentados, com frequência, por cidadãos. Depois do almoço, preparo-me para escrever, ou escrevo, textos destinados a satisfazer compromissos que, em vão, tenho tentado reduzir (conferências, intervenções de outra índole, artigos, prefácios, etc.). E, depois de jantar e de ver as notícias na televisão, converso com a minha mulher sobre questões do nosso dia-a-dia, dos nossos filhos, do país e do mundo. A seguir, retomo o

falta de recursos financeiros. E a verdade é que o Estado não tem vindo a responder a este direito cidadão. Ora, o meritoso e empenhado esforço de muitas organizações não-governamentais e os resultados significativos na efectivação real, como diz Habermas, de uma «solidariedade cidadã», não têm tido, contudo, suficiência erradicativa. Perante tão infeliz e nefasta, quão inaceitável situação, foi criada a Associação Dignitude, de que são promotores diversas instituições credíveis, que bem conhecem esta realidade. Assim, como poderá cidadão algum recusar à Dignitude a sua colaboração possível? Como poderia eu – que tanto tenho escrito e defendido o papel da sociedade civil no diálogo exigente e reivindicativo com o Estado, que tanto tenho apelado à responsabilidade social de todos – recusar colaboração à Dignitude?

FP – Que significado tem para si o facto de a sociedade civil e a rede de farmácias se organizarem para garantir o acesso universal da população ao medicamento? RE – Significa, em minha opinião, que o Estado se mostrou incompetente para garantir a todos os cidadãos um direito constitucionalmente consagrado: o direito à saúde. E significa, também, que a sociedade civil capaz não foi de estabelecer com o Estado um diálogo reivindicativo eficaz

que o levasse a garantir o direito à saúde. Ora, a sociedade civil deve sempre, e em especial em situações crísicas, em diálogo com o Estado, exigir-lhe que assegure o bem comum. Mas não deve esgotar a sua acção nesse diálogo: deve, se necessário, mobilizar-se para suprir, até ao limite das suas possibilidades, essa falta do Estado. E deve fazê-lo para responder à sua responsabilidade social, empenhando, nessa resposta, o maior número de cidadãos.

O Presidente de todos os portugueses António dos Santos Ramalho Eanes nasce em Alcains a 25 de Janeiro de 1935. Segue a carreira militar e integra a geração de oficiais que faz toda a guerra colonial. A 25 de Abril de 1974 está em Angola e não participa nas operações que derrubam o Estado Novo, mas é imediatamente chamado a Lisboa. Em 1975, já no Estado-Maior General das Forças Armadas, fica ligado ao grupo de militares moderados, conhecido por “Grupo dos Nove”. É encarregado de preparar os planos operacionais de repressão de uma tentativa de golpe pela facção radical. Cumpre a missão com sucesso a 25 de Novembro de 1975. E assume a chefia do Estado-Maior do Exército. Por razões que noutras circunstâncias seriam obstáculos – o estatuto de militar e de independente, a inexperiência política – torna-se o candidato presidencial mais forte, com o apoio dos militares moderados e dos principais partidos (PS, PSD e CDS). A vitória nas presidenciais de 1976 (61,6%), com uma derrota clara de Otelo Saraiva de Carvalho (16,5%) legitima o fim do PREC – Processo Revolucionário em Curso, já militarmente derrotado meses antes. Ramalho Eanes é o primeiro Presidente da República eleito na vigência da actual Constituição. Na tentativa de esbater divisões radicalizadas – como as que originam confrontos a tiro, de que resulta um morto, durante a sua deslocação em campanha a Évora – afirma que quer ser «Presidente de todos os portugueses», mote retomado pelos sucessores. Cumpre dois mandatos como Presidente da República, de 1976 a1986. Actualmente, é conselheiro de Estado (vitalício) e continua a intervir em assuntos que considera de relevância, especialmente cívica e cultural.



revista saúda

Agarre a nova atitude Saúda Jovem e descontraída, credível e educativa. A Revista Saúda, o novo projecto editorial das farmácias portuguesas, vai promover a saúde, a vitalidade, o equilíbrio e a boa disposição.

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Texto de Ana Abrunhosa

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A nova Revista Saúda está a chegar à sua farmácia. Trata-se de uma publicação mensal, cuja estrutura editorial se baseia em quatro áreas temáticas: saúde, vitalidade, equilíbrio e boa disposição. Combina rigor e clareza no tratamento dos assuntos, com o objectivo de dar conselhos seguros e práticos sobre saúde, prevenção da doença, alimentação e estilos de vida saudáveis. Uma revista que se entende e com a qual se aprende. Dedicada a todas as idades e escolaridades, para reforçar a aliança das farmácias com os portugueses. «Cada português com vontade de viver melhor e coragem para isso terá no seu farmacêutico um personal trainer, com um sorriso Saúda», explica a directora da revista, Sílvia Rodrigues. As farmácias abraçaram a missão da vida saudável. Além de estarem na primeira linha de prevenção da doença, ajudam os cidadãos a cuidar de si com maior atenção. «O farmacêutico de aldeia ou de bairro, profissional de saúde de acesso mais fácil, será sempre cúmplice de quem decide ser mais feliz», sublinha o presidente da ANF, Paulo Cleto Duarte. A Revista Saúda #01, edição

de Novembro de 2015, apresenta-se com grafismo apelativo e informação científica descodificada. Na capa, uma cara bem conhecida, que “entra” diariamente em nossas casas: Manuel Luís Goucha. Em entrevista, Goucha revela que o seu suplemento de energia é ser feliz no que faz, conta os planos para o futuro depois da televisão... e muito mais. De seguida, a secção “Heróis Saúda”, dedicada aos portugueses que melhor superam a doença. A primeira protagonista,

e tratamento de várias doenças, a primeira das quais a gripe – uma vez que estamos no período da recomendada vacinação. Os artigos têm a chancela de credibilidade do Centro de Informação do Medicamento (Cedime). Assim também acontece na secção “Automedicação”, que destaca a actual campanha Tratar de Mim, lançada em conjunto pelas mais relevantes organizações nacionais de saúde e do medicamento: ANF, Apifarma, Direcção-Geral da Saúde, Infarmed,

«A atitude Saúda é jovem, mas com raízes na sabedoria mais antiga. A proposta Saúda é descontraída, mas para ser levada a sério» Paulo Cleto Duarte, presidente da ANF Helena, tetraplégica, apresenta-se a sorrir, apesar de todas as dificuldades de quem está há 12 anos totalmente paralisada do pescoço para baixo. O discurso é lúcido e objectivo. A força de viver inspiradora. «Os farmacêuticos, profissionais de saúde mais bem espalhados pelo território, conhecem, um a um, os melhores portugueses e as histórias de superação mais exemplares», esclarece Sílvia Rodrigues. E essas histórias merecem ser partilhadas e divulgadas publicamente. A rubrica “Saúde com ciência” informa sobre prevenção

Ordem dos Farmacêuticos, Ordem dos Médicos e Valormed. No tema vitalidade, focam-se várias modalidades de desporto – começando pela maratona, prova rainha do atletismo, através do exemplo de Isabel Silva, a “Belinha” da TVI. E recomendam-se bons princípios para uma nutrição e suplementação saudáveis. Para falar de equilíbrio, tomam a palavra mães e pais, farmacêuticos de profissão, que partilham as suas estratégias para

prevenir e tratar doenças em família. Dermocosmética e sexualidade são outros temas abordados sob uma perspectiva técnico-científica, designadamente para desconstruir mitos. Segue-se um último tema, essencial ao bem-estar individual e colectivo: a boa disposição. Convidam-se os leitores a visitar um destino nacional, guiados pela mão dos farmacêuticos que conhecem os recantos mais belos do país. Explicam-se as melhores práticas para cuidar dos animais de estimação. E ensinam-se cuidados de saúde às crianças e jovens, com a ajuda das personagens do Clube da Sara: o Kápsula e a Ampola, farmacêuticos, o Cãoprimido e a Sara, a serpente que tudo cura e tudo sara – um projecto educativo do Museu da Farmácia. Corpo são? «Só em mente saudável, como escreveu há dois mil anos o romano Juvenal», responde Paulo Cleto Duarte. E acrescenta: «A atitude Saúda é jovem, mas com raízes na sabedoria mais antiga. A proposta Saúda é descontraída, mas para ser levada a sério».


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Grafismo de Tiago Machado

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revista saúda

Sílvia Rodrigues

«Seremos a revista referência Está no momento zero da sua carreira, mas já tem muitas expectativas a superar. Texto de Carina Machado | Fotografia de Tiago Machado

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Desafiada a assumir a direcção editorial da nova Revista Saúda, Sílvia Rodrigues conta que a perspectiva foi, num primeiro instante, «assustadora. Contudo, e isso foi algo que me ensinaram nesta casa, não devemos ter uma atitude derrotista e

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baixar os braços perante os desafios. Achei que se estudasse um bocado iria conseguir, e a verdade é que tem sido uma experiência muito interessante». Diz que não sabia nada sobre o mundo das publicações, e que pouco mais sabe hoje, apesar do muito que considera ter vindo a aprender. Mas conhece as farmácias e o modo como a grande maioria se quer mostrar e quer ser vista actualmente

pelos seus utentes. «Até aqui tínhamos um outro projecto editorial, a Farmácia Saúde, a qual foi extremamente importante enquanto veículo para a edução em saúde em Portugal». Porém, a realidade mudou e esse ciclo da revista encerrou sem que ela tivesse conseguido dar o necessário salto evolutivo. Consequentemente, era agora um produto desacreditado junto das farmácias. «A Farmácia Saúde deixou de ser sentida e vista pelos farmacêuticos como uma ferramenta de comunicação com os seus utentes, e o seu significado histórico exigia um fim digno, pelo que entendeu a Direcção da ANF que esta era a altura certa para darmos um passo em frente, fazer um upgrade profundo da revista e integrá-la na dinâmica do cartão Saúda».

Promotora do farmacêutico Novo nome, nova roupagem, novos conteúdos, na verdade uma nova revista. «Queremos chegar facilmente às pessoas para rapidamente passarmos a ser procurados por elas». Assim dito parece simples, mas implica trabalhar em várias frentes. A primeira, a conquista das farmácias. «Como farmacêutica e directora da revista, preocupo-me muito com o modo

«A Saúda serve de extensão e apoio ao cartão Saúda, está pensada para gerar rotinas de procura, mas isso só acontecerá se os colegas “agarrarem” o projecto» como ela vai ser recebida e com o encaixe que vai ter nas farmácias. A Saúda serve de extensão e apoio ao cartão Saúda, está pensada para gerar rotinas de procura, mas isso só acontecerá se os colegas “agarrarem” o projecto». Em desenvolvimento está já material de apoio para suportar a revista nas farmácias, de modo a que possa também distanciar-se das demais publicações que concorrem pelo espaço. Dizemos distanciar-se e não diferenciar-se, porque a diferença é assumida desde logo como uma característica intrínseca à Saúda. «Esta é uma publicação muito moderna, com uma imagem muito clean e conteúdos muito informativos, mas ao mesmo tempo simples. Apostamos em capas apelativas que servem de gancho a um interior que, estamos certos, irá conquistar as pessoas, não só na sua condição de leitores, mas também de clientes Saúda, com vales de desconto, campanhas específicas, etc.». Aliás, «as revistas vão ser distribuídas gratuitamente aos

nossos utentes nas farmácias, mas acho que podemos ir pelo mínimo exigível, que é a contrapartida de a pessoa ter o seu cartão Saúda». Por outro lado, reforça, este é assumidamente um veículo de promoção da profissão. «Temos conteúdos assinados por farmacêuticos e artigos com o seu aconselhamento, o que só é natural! Somo procurados, diariamente, para resolver questões em temas que vão de A a Z, e está provado que somos, em muitos


na área da saúde e bem-estar» Conheça a origem e as ambições para a nova Revista Saúda nas palavras da sua directora.

casos, o primeiro local a que as pessoas se dirigem em busca de uma solução para os seus problemas de saúde. Temos muita formação, é óbvio que devemos ser nós os interlocutores principais desta revista!». Por último, para que a revista se torne num vício saudável faltará a colaboração dos parceiros comerciais. «A Saúda vai ser a publicação gratuita de maior tiragem no país e acreditamos que a melhor entre as publicações do seu segmento. Estamos no que considero ser um excelente ponto de partida, mas queremos que o mercado olhe para a Saúda como a revista de referência na área da saúde e bem-estar». Este é um produto bom, «muito bom. É os olhos desta casa!». Não é uma fé, é uma certeza, tão grande que se ambiciona outro destino. «Não é no curto prazo, mas vamos parar à banca».

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PublirePortagem

PublirePortagem

MÁrIO SOUSA

ESPECIALIStA EM GINECOLOGIA E OBStEtríCIA

Bem-estar e qualidade de vida na menopausa O impacto da menopausa na mulher portuguesa não é em nada diferente ao das mulheres ocidentais, assim se a menopausa é sintomática a presença destes sintomas pode alterar o seu comportamento no dia-a-dia, pois o aparecimento de calores, suores, irritabilidade, ansiedade, dificuldade de concentração e de memória, alterações do sono, astenia, adulterações da sua imagem corporal e a secura vaginal que se instala alterando a sua vida sexual, têm quando presentes um impacto negativo na vida da mulher diminuindo a sua qualidade de vida. Quando a mulher entra nesta fase da sua vida deve recorrer ao seu médico e referir os seus sintomas, expor as suas dúvidas e angústias e perguntar quais os tratamentos e modificações do seu estilo de vida a seguir. Sem dúvida que este a vai aconselhar, medicar se esse for o caso, para além de aconselhar a prática de exercício físico regular, uma dieta equilibrada, redução do consumo de álcool, abstinência de nicotina e se for sintomática, estiver entre os 50 e os 60 anos de idade (menopausa recente) e não apresentar contraindicações, tem indicação para a prescrição de uma terapêutica hormonal na dose mais baixa eficaz adaptada ao seu caso pessoal (terapêutica hormonal personalizada). temos claramente a noção do baixo número de mulheres tratadas, mas de um elevado número de mulheres mal informadas e também sem tratamento e mesmo até sem aconselhamento, o que nos causa preocupação pois esta fase da vida da mulher inicia o aumento de fatores de risco para uma série de patologias graves, tais como doença cardiovascular, sem dúvida a maior causa de morte da mulher neste grupo etário, assim como o aumento de risco para a osteoporose com risco elevado para a fratura do colo do fémur e outras.

Quer a mulher seja sintomática ou não, os efeitos da carência estrogénica estão sempre presentes, podendo causar sintomas, pelo que deveremos prevenir e tratar as doenças mais prevalentes neste grupo etário, procurando ter como objetivo a melhoria de qualidade de vida nesta terceira fase da vida das mulheres. temos hoje à disposição para tratar a mulher em menopausa desde a terapêutica hormonal da menopausa, sem dúvida o gold standard do tratamento para as mulheres sintomáticas em menopausa recente, sem contraindicação e que aceitam esta medicação, temos ainda várias alternativas que atuam como efeito secundário de medicamentos para outras patologias tais como alguns antidepressivos, analgésicos, anti-hipertensores e outros. Nas mulheres que não podem e/ou não querem fazer terapêutica hormonal ou abandonaram esta, para as que não toleram os efeitos secundários da medicação alternativa e por vezes difíceis de suportar, existe para estas mulheres o recurso aos fitoestrogénios (SErM`s naturais) que para além de aliviar os sintomas vasomotores atuam favoravelmente a nível ósseo e cardiovascular, contudo deveremos ter atenção à sua composição e dosagem eficaz, também temos à nossa disposição e em associação aos fitoestrogénios produtos que contêm ómega 3 e 6, vitamina E, A e D3 cujos efeitos benéficos estão bem estudados e demonstrados e ainda associados a probióticos e a luteína, complementando e melhorando a absorção e aumentando assim os efeitos benéficos dos fitoestrogénios, estas características permitem a sua prescrição também para as mesmas mulheres em fase de perimenopausa já com sintomatologia, será sempre o nosso objetivo primordial o de melhorar a qualidade de vida das mulheres em menopausa.


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livro

A História da ANF Exposição de motivos, bastidores as realizações mais surpreendentes da Texto de Paulo Martins Já ouviu falar do “Grupo de Cascais”, constituído por jovens farmacêuticos que em 1974 impulsionaram a conversão do velho Grémio Nacional das Farmácias em ANF? Conhece a evolução do LEF, primeiro laboratório privado a avaliar a qualidade dos medicamentos? Sabe que o Cefar supriu uma lacuna, em matéria de informação sobre medicamentos na fase pós-comercialização? Sabe que a Farmácia Esperança, de Arronches, estreou em Portugal

a emissão de receitas electrónicas? Que a milésima farmácia informatizada foi a Nova de Valbom, em Gondomar? Ou que as peças da lisboeta Farmácia Liberal, reproduzida no Museu da Farmácia, jamais podem ser alienadas, porque lhe foram deixadas em testamento? Em larga medida, escrever sobre a História da ANF – ou, mais modestamente, contribuir para o seu conhecimento – é escrever sobre a História das farmácias portuguesas. Daí

uMa

história das

FarM áC i as Carina MaChado Paulo Martins

que tenham presença signifi- da profissão e do próprio sector cativa no livro evocativo do 40.º da saúde. Assim se justifica que aniversário da organização, o primeiro capítulo recue ao peapresentado a 15 de Outubro, ríodo do Grémio. Sob o salazarismo, a organização não detinem Lisboa. Não é um registo laudatório, ha influência na definição das longe disso, o que se privile- políticas de saúde, nem revelava gia nesta obra. Seria, por certo, tal pretensão. Ao introduzir uma olhada com desconfiança, se visão profissional da farmácia, o pejada de auto-elogios. O es- “Grupo de Cascais” alterou esse forço empreendido pelos au- paradigma. tores consistiu em invocar a A matriz da Associação, que História tal como ocorreu – va- ainda hoje perdura, germinou lorizando causas pelas quais no conturbado período pósa ANF se bateu, como a intro- -revolucionário: independência dução de genéricos, e inova- face ao Estado, já que nunca ções de que foi responsável, dependeu de subsídios; preocucomo a informatização, mas pação com a perspectiva protambém projectos que não fissional, de defesa dos interesalcançaram o sucesso es- ses das farmácias, articulados perado. O leitor avaliará se com os interesses da populao objectivo foi concretizado. ção; gestão de crises através Prefaciado por João Cordei- da identificação de oportuniro, dirigente histórico da dades, ainda que seguindo o Associação, o livro organi- caminho mais difícil. Esta esza-se por blocos temáticos, tratégia tornou a ANF um interencerrando com uma cro- locutor do poder político tanto nologia, em vez de proce- mais válido quando mais ciender a um relato diacrónico. tificamente fundamentadas se farma- posições. ns suas stituído por jove apresentam as A opção, passível Cascais, con de obripode mio Já ouviu falar do Gru Gré o velh do são conver se afirmou como instigar a avanços e recuos naram aAssim impulsiona cêuticos que, em 1974, as que áci farm nas foi que ia indispensável ao funcioleitura,al deriva doaspropósiem ANF? Sabtuição Nacion das Farmáci o com um comeiro contactdo o prim teve namento sistema de saúde, to ma deiori garantir uma melhor es ues tug por a dos a éricos no merodução de àgendisponibilidade pela intrgraças eu bat para compreensão da forma se F AN a Que putador? is de 1993 e 2001, a , entre finaa s 80? Queajudar ano os de resolver problemas como evoluíram os prindes al ion nac cado es pelo de 7200 novas infecçõ as evitou maisque extravasam a ? sua cipais eixos de áci actuação o das farm Que dimenintervençã veis ctá inje gas dro de es utilizadorsão cadaé,dez poristo de associação sectorial. da demilcon/SIDA – VIHANF Tin acêuticos. ha das doações de farm a nasceu fundamental solidação do ácipapel das Vertente o Museu da Farm anos, da sua longo dos últimos 40 diversas vezes, ao por sociedade anoção de que na actuação, a responsabilidade farmácias ticip par com s mento ram acesso a medica os os portugueses só tive ram perante a sociedade é desenportuguesa. orta sup , ção ocia as, através da sua Ass a dos porque as farmáci tóriRecordahis a re volvida no Capítulo 2. sob r reve esc a medida, dos mesmos? Em larg os arg Daí enc as. De fio a pavio -se o envolvimento ácias portugues nas batare a história das farm o da ANF é escrever sob ani-da DCI, cativo do 40. ou evogenéricos lhas dos o, livr te nes significativa que tenham presença A criação da ANF a progressiva prestação de ão.repreversário da organizaç sentou um corte radi- novos serviços pelas farmácal com o passado e cias, parcerias estratégicas, marcou profundamente como a consubstanciada na a construção do futuro Plataforma Saúde em Diálogo.


é a História das farmácias e pré-publicação de um livro factual, que relata rede de farmácias, mas também o que correu mal. Mas também se contam as peripécias da complexa relação financeira com o Estado, desde os tempos do fornecimento de medicamentos a crédito até à criação da Finanfarma, passando pelo acordo de centralização de pagamentos na ANF, que tanto contribuiu para reforçar o seu poder. As especificidades da estrutura orgânica da ANF, que evoluiu no sentido de aumentar a participação dos farmacêuticos, são o objecto do Capítulo 3. A dimensão associativa contempla também vertentes como a solidária, materializada no Montepio Nacional da Farmácia, primeira instituição mutualista constituída no Portugal democrático. O quarto capítulo concentra-se na abordagem profissional. As reuniões Difarma, fórum de reflexão sobre o papel do

farmacêutico como especialista do medicamento, merecem destaque. Tanto como a formação contínua e as unidades científicas – Centro de Informação do Medicamento, Laboratório de Estudos Farmacêuticos e Centro de Estudos e Avaliação em Saúde. À intervenção no domínio da evolução tecnológica é dedicado o Capítulo 5. Foca-se no longo processo de apetrechamento tecnológico, em particular na informatização das farmácias. Desde o início encarada como instrumento de suporte à actividade profissional, contribuiu para a modernização dos serviços da administração pública neste plano. O Capítulo 6, sobre a aposta na cultura, sublinha a preocupação da ANF em preservar a memória da profissão farmacêutica e

defender o património histórico. Daí que incida no Museu da Farmácia, único do género no mundo que é propriedade de uma associação patronal. Intitulado “Empresarialização e sectores de investimento”, o Capítulo 7 aborda as motivações que conduziram à criação do universo empresarial da ANF, bem como as parcerias estabelecidas e as participações sociais do grupo, hoje reunidas na Farminveste. As quotas detidas em empresas, como a José de Mello Saúde, a Alliance Healthcare, a Glintt e a hmR, enquadram-se neste bloco. Pelas suas características, os dois capítulos finais obedecem a uma abordagem mais cronológica. O oitavo compreende o período entre 2002 e 2013, percorrido por tendências liberalizadoras, com forte impacto no

modelo tradicional da farmácia de oficina. Termina com as movimentações contestatárias das farmácias, mergulhadas numa crise económico-financeira sem precedentes, e com a saída de João Cordeiro da liderança da ANF. Já no Capítulo 9, que grosso modo corresponde à presidência de Paulo Cleto Duarte, o tema dominante é a superação da crise, através da construção de um novo modelo, que pressupõe a valorização do acto farmacêutico.

A Assembleia Geral Extraordinária do Grémio, realizada em Coimbra a 27 de Julho de 1975, aprovou os estatutos da ANF

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livro

A longa e desgastante guerra dos genéricos

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Excerto do capítulo 2 - Responsabilidade perante a sociedade

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A introdução de genéricos constou do programa de todos os governos desde a década de 90. Usufruiu sempre de consenso alargado entre os partidos e era recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Porém, apesar de comprovadamente proporcionar a poupança de verbas que podem ser afectadas à inovação terapêutica, a programas de prevenção e à modernização de tecnologias de diagnóstico, só em 2012, por imposição da troika, a medida seria posta em prática. «A guerra dos genéricos foi uma guerra longa, de grande desgaste, muito dura», avalia João Cordeiro. «Hoje, é com satisfação que verificamos que o monopólio de intervenção do médico está quebrado e que os doentes podem efectivamente

tomar decisões sobre questões que são mais económicas do que técnicas», diz. Não esconde, contudo, que embora a defesa dos genéricos correspondesse aos interesses dos doentes, foi também encarada como um meio de aumentar a intervenção profissional dos farmacêuticos. «Fui o primeiro presidente do Grupo Farmacêutico da União Europeia a falar de genéricos, do seu interesse em termos económicos e da profissão farmacêutica.» João Silveira puxa pelos galões, mas acrescenta que «quando revisitamos o tema, vemos que, sendo nós os grandes defensores dos genéricos, sempre que tocávamos no assunto gerávamos tantos anticorpos que ele andava para trás!» Ainda assim, está convencido de que a Associação «exagerou no discurso» do preço dos

medicamentos. «Hoje, quando nos queixamos de que está demasiado baixo, recordam‑nos logo, com malícia, que era isso que defendíamos.» Voltemos a 1989. O anúncio da decisão política de avançar com os genéricos, no início do ano, desencadeou uma vasta polémica. A Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma) pronunciou‑se abertamente contra. Em carta aberta à ministra da Saúde, Leonor Beleza, publicada em Março, sustentou que a qualidade dos genéricos não estava assegurada. «A destruição da relação médico‑doente será um facto», vaticinou, alegando que

A ANF saudou a aposta na introdução de medicamentos genéricos, que a então ministra Leonor Beleza confirmou no II Congresso, em 1989 o objectivo era retirar ao médico e ao doente o poder de decisão e incentivar o farmacêutico a substituir o medicamento na farmácia, mediante retribuição — um «acto leviano», na sua óptica. Foi também desta natureza a reserva suscitada pela Ordem dos Médicos, embora, depois de uma primeira reacção desfavorável, tenha acabado por

«Sendo nós os grandes defensores dos genéricos, sempre que tocávamos no assunto gerávamos tantos anticorpos que ele andava para trás!»


reconhecer que os genéricos eram inevitáveis. Única condição: que fosse preservada a decisão do prescritor. Por sua vez, a ANF apoiou a intenção governamental. Indisponível para pactuar com a «manipulação da opinião pública», defendeu a realização de estudos de biodisponibilidade e lembrou que a experiência já estava a fazer caminho em vários países estrangeiros. Os genéricos, ajuizava, deveriam servir de instrumento de contenção da despesa com medicamentos. Mas não bastava lançar a figura; era necessário dinamizar o mercado, para que ganhasse dimensão. Em Abril, a Direcção debateu o assunto em reunião alargada. Doravante, o dossiê concentraria as atenções. «A opinião pública foi há alguns meses bombardeada com toda a espécie de informações contraditórias sobre os

medicamentos genéricos», afirmou a ministra da Saúde no 2.º Congresso Nacional das Farmácias, em Novembro de 1989. Leonor Beleza reiterou o propósito de encetar a reforma, com vista a permitir a dispensa de genéricos, já utilizados em meio hospitalar, pelas farmácias de oficina. «Ciente de que por essa via será possível não só diminuir, sem qualquer perda de qualidade, os custos dos medicamentos para os cidadãos e para o Estado — isto é, de novo para os cidadãos — como também contribuir para o reforço da indústria portuguesa de medicamentos pela produção de genéricos». A palavra de ordem no desenvolvimento do processo seria «prudência». De forma a garantir a segurança, a ministra anunciou que seria criado um circuito institucionalizado de controlo de medicamentos (o Infarmed

Na apresentação do relatório sobre 15 anos de actividade, João Cordeiro assumiu, sem rodeios, o objectivo de produzir genéricos só seria fundado em 1993). O conclave ficou também marcado por uma revelação do presidente da ANF, que provocou, como seria de esperar, uma reacção adversa da Indústria Farmacêutica. Na apresentação do relatório sobre 15 anos de actividade, João Cordeiro assumiu sem rodeios o objectivo de produzir genéricos, retomando uma tradição interrompida

no início do século XX, quando a farmácia abandonou, progressivamente, a manipulação de medicamentos. (….) «Os estudos estão concluídos e os parceiros seleccionados, esperando‑se que o Governo assuma em breve uma política de medicamentos genéricos adequada ao nosso país, o que nos permitirá uma intervenção no domínio da produção e distribuição desses medicamentos», disse João Cordeiro. A ANF preparava‑se, portanto, para entrar em todas as áreas (produção de medicamentos, controlo de qualidade, distribuição grossista e dispensa ao público), assim fechando um «círculo», como abertamente proclamou. (…) O projecto abriu uma crise interna. Pelo menos 60 associados exprimiram a sua discordância, por considerarem que a Associação não deveria envolver‑se na produção de medicamentos ou, simplesmente, por recearem dar um passo que julgavam ser maior do que a perna. Com os parceiros, «foi uma polémica danada, uma guerra com médicos e indústria, com acusações de que as farmácias iriam verticalizar o sector», lembra João Silveira.

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João Silveira foi o primeiro presidente do PGEU, cargo que assumiu em 1993, a colocar na agenda a questão dos genéricos

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livro

Plano de informatização nasceu no I Congresso Excerto do capítulo 5 - A Evolução tecnológica

O Plano Director de Informática dominou o 1.º Congresso Nacional das Farmácias, em Dezembro de 1981

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Dominado pelo debate em torno do Plano Director de Informática, o 1.º Congresso Nacional das Farmácias, realizado em 1981, sinalizara a prioridade conferida ao apetrechamento tecnológico. Aos olhos de João Silveira, a abordagem então feita não acertou no alvo — passados mais de 30 anos,

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diz mesmo que se traduziu num «equívoco». Isto porque, preocupada com a problemática da facturação, a ANF concebeu a informatização, inicialmente, na perspectiva do relacionamento com o SNS, financiador do sistema de saúde, e não logo como suporte à gestão e intervenção profissional das farmácias. «Só mais tarde emendou a mão, ao criar o Sifarma», observa, referindo‑se ao sistema informático, (…) Ficou desde logo traçada uma meta muito ambiciosa: participar no processo de «informatização global do sector da Saúde», que naturalmente seria vantajoso para o utente, o Estado e as farmácias. É certo

que a execução do projecto pressupunha a concertação com outras instituições – a começar pela Secretaria de Estado da Saúde, da qual a Associação esperava várias iniciativas. A saber: a criação e manutenção do ficheiro de medicamentos, a normalização de um sistema de taxas de comparticipação, a reformulação do circuito de registo de novos produtos e, por último, a legislação específica com vista à codificação de embalagens. Como o Serviço de Informática da Saúde, dependente daquele departamento governamental, estava a desenvolver o Projecto de Informatização da Conferência de Facturas, a colaboração entre a ANF e o Ministério da Saúde foi muito intensa nessa fase, em particular ao longo do ano de 1982. De acordo com documentação da época, o Plano Director de Informática não foi concebido pela ANF como um fim em si, mas como instrumento de planeamento, apontando para um horizonte de médio prazo. Depressa tomou consciência de que deveria concentrar‑se em garantir condições de utilização de um sistema de gestão automatizada, em áreas‑chave — informatização de vendas, facturação a entidades, reaprovisionamento, gestão de stocks, contabilidade, gestão de pessoal e informações farmacêuticas.

(…) À medida que o processo evoluiu, a ANF percebeu que teria de actuar em diversas vertentes, a começar pela interna. Refira‑se que em 1985, quando Leonel de Almeida assumiu funções de consultor — viria a desempenhar o cargo de secretário técnico para a informática —, a Associação não dispunha de um único computador. «Propus à Direcção que não fosse adquirida mais nenhuma máquina de escrever», recorda o então director de projecto da Portugal Telecom. O primeiro programa informático, que visou organizar o processamento às farmácias dos pagamentos das entidades comparticipadoras, começaria a ser desenvolvido no ano seguinte. Porém, em 1989, ano em que Miguel Lança, hoje chief information officer da ANF, iniciou a sua colaboração, só funcionavam na casa dois computadores de secretária. Ao serviço do Cedime, os aparelhos destinavam‑se a preparar dicionários, ainda apenas com informação administrativa sobre produtos, que eram depois distribuídos pelas farmácias. (…) A ausência de respostas, em Portugal, para o avanço da informatização nos moldes pretendidos — isto é, capaz de corresponder às necessidades específicas da Farmácia de Oficina — impeliu a Associação a procurar alternativas fora de portas. «Cedo se percebeu que a escassa oferta que começava a aparecer no mercado nacional representava um risco para a independência do sector, por ser uma expressão de estratégias comerciais dos grossistas», conta João Silveira. As


reservas dos dirigentes da ANF, que sempre quiseram salvaguardar, neste plano, a liberdade de escolha das farmácias, eram amplamente justificadas: o software dos equipamentos que instalava nas farmácias limitava as encomendas ao grossista fornecedor, uma vez que não era compatível com o recurso a outros operadores. Urgia libertar as farmácias desse condicionamento. «Analisámos vários sistemas e descobrimos um francês que parecia ser o

que mais se ajustava às nossas necessidades», diz João Silveira. O desenvolvimento do sistema, negociado ao longo de 1985, foi adjudicado em Dezembro desse ano a um consórcio luso‑francês, constituído pela Pharmex‑Societé de Participation Informatique e pela PA — Consultores de Gestão e Organização, cujo director‑geral era Fernando Costa Freire que, como já vimos, viria a exercer funções governativas durante o consulado de Leonor Beleza no Ministério. A parceria, que permitiu a “alavancagem” inicial, reclamou a permanente colaboração de representantes da ANF. Silveira, Leonel de Almeida e Ricardo Ferreira, engenheiro da PA encarregado de coordenar a

programação, passavam de 15 em 15 dias fins‑de‑semana em Paris, para trabalharem na “portugalização” do sistema francês, tomando em consideração especificidades do funcionamento do sector — questões como a ANF codificação de medicamentos e a comparticipação tinham de ser contempladas. A Assembleia Geral de Delegados de Abril de 1986 procedeu ao primeiro balanço da fase de arranque da informatização. Em três dias de “maratona” no Vimeiro, com 120 participantes, foram discutidos os critérios a adoptar para a selecção das dez primeiras farmácias onde o sistema seria testado. O objectivo

de informatizar 100 até ao final de 1987 revelou‑se demasiado ousado. Em 1987, seriam equipadas apenas seis — a Silmar, em Lisboa, propriedade de Canaveira Paula de Campos, membro da Direcção da ANF, protagonizou a estreia. Em 1988, foram contempladas 54 e só no ano seguinte se atingiram as 102.

O projecto de informatização das farmácias desenvolvido pela ANF contribuiu para a modernização do Estado neste plano

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livro

“Compromisso” negociado até ao limite

FARMÁCIA PORTUGUESA

Farmácia Distribuição

Excerto do capítulo 8 - Crise do modelo de farmácia

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Corre o ano de 2006. Correia de Campos reassume a pasta da Saúde e a ANF senta‑se à mesa, como parceira do chamado “Compromisso com a Saúde”, que consagrará, entre outras medidas, alterações no domínio da propriedade. Não é matéria constante do programa de Governo, nem a Associação aceita a invocação de normas comunitárias — defende que os governos não estão, neste caso, vinculados à orientação da Comissão Europeia e sublinha casos de estados‑membros que a ignoram, como a Alemanha, a Áustria, a Dinamarca, a Espanha e a Finlândia. Contudo,

depressa percebe que José Sócrates está determinado a levar a sua avante. «A partir do momento em que constatei que a ideia de combate aos lóbis era uma obsessão do primeiro‑ministro, não valia a pena entrar em conflito», admite hoje João Cordeiro. A complexa negociação do documento prolonga‑se pelo mês de Maio. Cordeiro diz que o chefe do Governo queria introduzir mudanças

preservando um certo equilíbrio, por reconhecer que o sector «funcionava bem e prestava um serviço de qualidade às populações». Mas pairava nas reuniões a ideia de que a ANF «mandava em tudo e em todos», alimentada, na óptica do então presidente, pela Indústria Farmacêutica. «Enquanto a ANF afirmava alto e bom som aquilo que pensava, com uma estratégia transparente, a indústria estava sempre calada. Movimenta‑se nos gabinetes. Tem meios muito mais sofisticados e grande capacidade de influência, mas nunca se expõe», comenta. A versão final só ficou fechada à meia‑noite do dia 25, véspera da data prevista para a assinatura. Segundo Paulo Cleto Duarte, tal aconteceu porque continuava em aberto

O “Compromisso com a Saúde”, de 2006, consagrou a liberalização da propriedade, mudança histórica no sector um ponto onde o acordo era mais difícil de alcançar: a instalação em hospitais de farmácias de atendimento ao público. «Esteve quase para não haver acordo algum, porque nós queríamos que fosse dado direito de preferência às farmácias comunitárias, enquanto o Governo defendia uma banalização quase total. Imagine‑se o que seria a abertura de 100 farmácias em 100 hospitais públicos! Era o mesmo que acabar com o sector! Acabou por ser aprovada uma versão mista


entre o que nós queríamos e as pretensões do Governo», recorda o actual presidente, então secretário-geral. A intervenção de José Sócrates é encarada

como decisiva. Segundo João Cordeiro, «o acordo teria sido muito diferente» se não tivesse mediado a negociação. É que as relações com o ministro da Saúde mantiveram‑se tensas. Cordeiro não o faz por menos: Correia de Campos movia‑se por uma «agenda pessoal». «A propriedade das farmácias vai deixar de ser um exclusivo dos licenciados em Farmácia. Termina assim um regime de condicionamento reconhecidamente anacrónico que perdurou tempo demais.» O anúncio feito por José Sócrates no debate mensal na Assembleia

da República, na manhã de 26 de Maio de 2006, surge integrado numa lista de medidas (no essencial, vertidas no “Compromisso com a Saúde”), que também incluem o objectivo de criar cerca de 300 novas farmácias. Exactamente o mesmo que Maria de Belém traçara sete anos antes. Oficialmente intitulado “Princípios para a liberalização da propriedade de farmácia, melhoria da acessibilidade aos medicamentos e preservação da qualidade e assistência farmacêutica”, o acordo entre o Ministério da Saúde e a ANF só parcialmente concretizou a liberalização da propriedade, que historicamente combatera. A lei de 2007, cujo conteúdo será desenvolvido adiante, limita a quatro farmácias a titularidade, exploração ou gestão. A ANF cedeu, no pressuposto de que avançariam outras matérias do seu interesse vertidas no “Compromisso”. Em 2009, perceberia que não era bem assim.

Paulo Cleto Duarte, então secretário-geral, recorda as incidências do processo negocial que conduziu à assinatura do acordo com o Governo

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«Imagine‑se o que seria a abertura de 100 farmácias em 100 hospitais públicos! Era o mesmo que acabar com o sector!»

João cordeiro, à época presidente da anf, sublinha a dificuldade de negociar com sócrates, que via na associação um lóbi poderoso

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livro

Carina Machado e Paulo Martins

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«Há um grande preconceito em relação à ANF»

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Entrevista de Filipe Mendonça | Fotografia de Pedro Mensurado


colocavam reservas, a Indústria Farmacêutica também, mas foi a Associação que lutou para que hoje haja genéricos nas farmácias. FP - O que é que ficou por escrever? CM – Tanta coisa… Temos ali os principais marcos dos 40 anos da ANF, mas depois há muita coisa que só se pôde apanhar pela rama. Quantas páginas é que nós temos? PM – Cerca de 300 de conteúdo útil. Se seguíssemos a linha inicial, só o primeiro capítulo teria 160 páginas (gargalhadas), imaginem… CM – Eu até arrisco dizer que conseguiríamos fazer mais uns quatro ou cinco livros de dimensão igual e todos muito interessantes. Houve histórias que ficaram de fora e gente que não conseguimos ouvir. FP - Quem é que gostavam de ter ouvido e não foi possível? CM – Muitas pessoas. Além dos que morreram, há muita gente que está viva e bem viva e que não tivemos oportunidade de chegar até ela, porque a partir de certa altura o projecto entrou numa velocidade muito grande e foi preciso parar a parte da investigação e começar a escrever. PM – É preciso dizer que os depoimentos enriquecem um livro como este, na medida em que têm memória e impressões. Se assim não fosse, seria uma coisa muito institucional…

«Conseguiría‑ mos fazer mais uns quatro ou cinco livros de dimensão igual e todos muito interessantes»

«Houve total liberdade de execução. Ninguém nos disse: não falem disto ou daquilo, escrevam isto e não escrevam aquilo» Citadas no livro devem estar cerca de 15 pessoas. FP - Como é que se organizaram para escrever um livro a quatro mãos? PM – Fazer um livro a quatro mãos é normalmente difícil, mas neste caso nem por isso. Aliás, teve uma vantagem: a Carina conhece profundamente o sector e eu tenho uma visão exterior. Quando comecei não sabia nada de Farmácia, nem do sector em concreto e hoje ainda sei pouco (risos). Portanto, por um lado há o conhecimento técnico e por outro há o olhar exterior de quem tenta distinguir o que é relevante do que não é. CM – O facto de ele ser alguém de fora desta caixa [do sector] obrigou-me a repensar muita coisa. Isso foi bastante interessante e enriquecedor. Trabalhámos muito bem em conjunto. FP - Qual foi a principal dificuldade? CM – A segmentação dos temas, porque tudo se toca, e a quantidade de informação dispersa. É muita coisa: são 40 anos! No arranque do projecto tivemos uma ajuda enorme do senhor Santos Costa, um dos maiores adeptos do livro, mas que, infelizmente, não conseguiu ficar entre nós para o ver materializar-se. Tenho muita

pena. O senhor Santos Costa sabia onde as coisas estavam, sabia os números de cor, os nomes completos, os documentos, conhecia as ligações entre as pessoas… era um arquivo vivo. Quando ele morreu, ficou tudo um pouco mais difícil. Tenho aqui este armário cheio só com livros, dossiês e actas ainda do Grémio e dos primórdios da Associação. Conhecemos cada uma das suas páginas. PM – Por exemplo, estes são dois dos vários dossiês de genéricos, na prática lá dentro têm uma montanha de cartas que nada têm a ver directamente com genéricos. Ou seja, as coisas estão cá, mas onde? Isso é que foi difícil. FP - Houve alguma coisa que vos surpreendeu verdadeiramente durante a investigação? PM – Surpreendeu-me alguns domínios que têm ver com a capacidade da ANF ser inovadora, nomeadamente na área da informatização. A ideia não foi fazer um livro de auto-elogio, mas evidentemente que há alguns aspectos que me surpreenderam e que estão relacionados com esse pioneirismo das farmácias, com uma certa capacidade para arriscarem. CM – Mesmo para quem conhece o sector, há muitas histórias que surpreendem, nomeadamente aquelas que têm a ver com a relação com o Estado e os governos. O que me admirou verdadeiramente foi o grau de veracidade da palavra da ANF em muitas ocasiões em que se poderia julgar o seu discurso exagerado, assim como uma certa ingenuidade, uma demasiada boa-fé que esta casa tem nos interlocutores e na garantia de concretização dos compromissos passados ao papel. De resto, para nós ficou clara aquela que será, talvez, a sua maior virtude: a capacidade de, com muito trabalho, transformar as crises em oportunidades.

FARMÁCIA PORTUGUESA

Farmácia Portuguesa - Que ideia gostariam que as pessoas guardassem depois de lerem este livro? Paulo Martins – Gostávamos que este livro, sendo institucional, fosse encarado como um livro respeitável, no sentido em que não é uma obra para dizer que tudo correu bem, até porque há aspectos onde assim não aconteceu e essas histórias são contadas. É um livro real e eventualmente mais citável por isso mesmo. Independentemente daquilo que nos foi pedido, é preciso explicar que a estrutura do livro foi proposta por nós e houve total liberdade de execução. Ninguém nos disse: não falem disto ou daquilo, escrevam isto e não escrevam aquilo. Carina Machado – Seria também importante que as pessoas de fora do sector desmontassem aquela ideia maliciosa de que a ANF é um lóbi poderoso, num sentido quase mafioso. Esta casa obviamente defende os interesses das farmácias, isso nunca foi escondido, mas teve sempre o cuidado de os alinhar com os interesses dos seus utentes. Claro que se fizeram disparates, são 40 anos de história. Mas há feitos extraordinários que não são reconhecidos ou sequer conhecidos porque há um grande preconceito em relação à ANF. Julgo que, de um modo geral, não se tem noção da real importância que as farmácias tiveram ao longo destes 40 anos. Por exemplo, durante muito tempo, as pessoas levaram para casa medicamentos comparticipados unicamente porque as farmácias suportaram os custos totais. Aliás, isso ainda acontece, veja-se o que se passa nas ilhas. Outro exemplo, o impacto do seu envolvimento no Programa de Troca de Seringas… PM – Ou da defesa dos genéricos, por exemplo. A ANF é que se bateu pelos medicamentos genéricos contra as outras classes profissionais. Os médicos

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farmacêutico com vida

FARMÁCIA PORTUGUESA

Reportagem de Filipe Mendonça | Fotografias de Júlio Lobo Pimentel

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O FARMACÊUTICO DA CIDADANIA «O senhor sabe quantos anos tenho? 90, concluídos. Aos poucos vou-me lembrando que os tenho, mas não os sinto. Palavra de honra. Não sinto mesmo». O sorriso de Telmo Teixeira dá o mote para horas de conversa. A memória parece a de quem viveu tudo ontem, ou quase. «Faltam-me os nomes. Agora começo a ter esse problema. Faltam-me os nomes», desabafa.

Musical Vouzelense, foi presidente da Assembleia Municipal, lançou o Externato São Frei Gil, fundou a Gráfica Vouzelense, cedeu o terreno para a construção do Cine-Teatro Municipal de Vouzela e lançou a Cooperativa da Rádio Vouzelense, a menina dos seus olhos. É quando conta a história da Rádio que os suspiros e os silêncios se atropelam. Os olhos de Telmo brilham quando fala da 94.6, mas é um brilho que mistura orgulho e preocupação. Já lá vão 28 anos como director da Vouzela FM, quase três décadas de luta. «Está no ar 24 horas por dia. Chega até à Guarda. Tem sido muito difícil aguentar aquela casa, a publicidade está cada vez pior. Tínhamos quatro profissionais, passámos a dois. Despedir é sempre uma coisa dolorosa», confessa. A dor é a de um homem assumidamente de Esquerda, herdeiro da tradição de uma família republicana, anti-regime. «Não sou um revolucionário. Nunca tive coragem para isso», explica enquanto recorda as tertúlias na farmácia da família. Foi lá que aprendeu a gostar da ideia de servir a terra. A farmácia foi o berço da sua cidadania.

«Hoje, já nem uma receita posso dispensar porque não sei»

«Sou muito feliz. Quando me perguntam qual é o segredo da minha longevidade digo sempre que não há segredos. Acordo sempre bem-disposto, talvez seja esse o segredo»

FARMÁCIA PORTUGUESA

Acorda todos os dias «entre as oito e as nove horas da manhã» e não vai para a cama cedo. De casa à farmácia são 100 metros mal medidos, ligeiramente a subir na rua principal de Vouzela. Telmo Teixeira faz este caminho todos os dias, mas está cansado. «Estou farto daquilo. Tenho lá gente muito competente e que sabe muito mais do que eu. Hoje, já nem uma receita posso dispensar porque não sei». Maria José, uma das duas farmacêuticas a quem Telmo Teixeira confia a farmácia, desmonta as palavras do “Doutor”. «Só a vinda dele à farmácia, todos os dias, já é importante. Quando ele está de férias, a farmácia não é a mesma. As pessoas dizem sempre: ai o que vai ser disto quando o Dr. Telmo morrer?» A morte é coisa estranha para quem adora viver. «Sou muito feliz. Quando me perguntam qual é o segredo da minha longevidade eu digo sempre que não há segredos. Acordo sempre bem-disposto, talvez seja esse o segredo». Talvez por isso, em Vouzela, é difícil encontrar colectividade que não tenha dirigido, ou cargo que tenha deixado por desempenhar. Foi presidente dos Bombeiros e até comandante, presidiu à Associação “Os Vouzelenses”, passou pelo Conselho Fiscal da Santa Casa da Misericórdia, pela Sociedade

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farmacêutico com vida

A Farmácia da Liberdade Mais de 120 anos no mesmo local. Rua Conselheiro Morais de Carvalho, Vouzela. A 15 de Maio de 2010 fechou as portas e foi instalar-se cinquenta passos acima. A história da Farmácia Teixeira confunde-se com o património da terra e da família. Primeiro o avô, Cesário Teixeira, depois o filho, Eduardo de Souto Teixeira, agora o neto, Telmo, pai de três filhos e com quatro netos. Telmo Teixeira cresceu na Farmácia das tertúlias e dos manipulados. Por lá passaram dezenas de homens de vários quadrantes políticos, gente das ideias que queria discutir o futuro da terra, do país e do mundo. As conversas prolongavam-se noite dentro e só eram interrom-

pidas, de quando em quando, pela necessidade de um utente que chegava à procura de ajuda. Telmo lembra-se do ambiente da farmácia. «Eram contra o regime. Um dia, a polícia veio buscar o meu avô e o meu tio e a população levantou-se e não deixou que os levassem presos. Ainda rasgaram um casaco a um polícia», conta orgulhoso, apesar de confessar que o episódio foi causa de pesadelos durante algum tempo. Da farmácia das tertúlias so-bram as fotografias. Onde ontem os homens discutiam o futuro, hoje opera um robot com capacidade para 30 mil embalagens. Mais do que funcional, é simbólico. Diz muito sobre a cabeça de Telmo Teixeira, um

homem da terra, mas com os olhos no mundo. Comprou o primeiro carro em 1949, um Vauxhal. Custou-lhe 48 contos, mas não foi com ele que chegou a Coimbra, na companhia do amigo Ribeiro Simões, para a reunião que lançou as sementes da ANF. «Claro que um indivíduo com esta coisa toda tinha de estar no desenvolvimento do associativismo da Farmácia cá em Portugal», sorri. Passaram mais de 40 anos, muitos deles como delegado distrital por Viseu. Sentado no Café Central, na mesa do canto que não troca por outra, o farmacêutico da terra prega o olhar na janela e confessa: «Nunca acreditei que a Associação pudesse crescer assim».

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Da farmácia das tertúlias sobram as fotografias. Onde ontem os homens discutiam o futuro, hoje opera um robot com capacidade para 30 mil embalagens. Mais do que funcional, é simbólico. Diz muito sobre a cabeça de Telmo Teixeira

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Oeste A “capital da onda”, Peniche, é o ponto de partida para um roteiro que percorre a Costa de Prata e o património histórico da região Oeste. A farmacêutica Filipa Freitas convida.

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Texto de Ana Abrunhosa | Fotografia de Tiago Machado

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farmacêutica convida A mais antiga recordação de Filipa é ver o pai partir para as Berlengas num barco semi-rígido que desaparecia nas ondas do Atlântico. «Uma senhora de preto gritava para a minha mãe ‘ai que eles morrem!’ Eu tinha três anos e ficava em pânico». Mas Pedro regressava sempre são e salvo (e com peixe fresco). Filipa Freitas conta agora 31 anos e há quatro que dirige a Farmácia Central, na zona histórica de Peniche. Com ela, descobrimos as rotas do surf da Costa de Prata, o património classificado dos mosteiros da Batalha e de Alcobaça e a vila literária de Óbidos. Quando D. Afonso Henriques conquistava território aos mou-ros, Peniche era ainda uma

ilha. Contam os relatos da época que os cruzados francos pararam aqui, então a 800 passos da costa, para “fazer aguada”, ou seja, abastecer os barcos com água potável. Hoje, a cidade mais ocidental da Europa Continental está implantada numa península com cerca de dez quilómetros de perímetro. As formações rochosas ao longo da costa revelam a acumulação de sedimentos que juntou os dois pedaços de terra. Durante muitos anos, a principal actividade económica foi a pesca. O Porto de Peniche é, aliás, um dos mais importantes do país. A povoação foi elevada a vila em 1609, pela afirmação da autonomia da classe piscatória face ao poder municipal

Filipa assume o lugar da mãe na direcção da Farmácia Central – «ainda hoje há quem me chame pelo nome dela» – e representa a quarta geração de farmacêuticos da família Freitas

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da Atouguia da Baleia, e ganhou estatuto de cidade em 1988. Hoje é o turismo o motor do desenvolvimento local, para o que contribui a realização, desde 2009, de uma das onze etapas do Circuito Mundial de Surf. Peniche é a “capital da onda” e recebe anualmente o campeonato Rip Curl Pro, o evento internacional de surf mais antigo do país. A próxima etapa está marcada para o final de Outubro, na Praia Supertubos. «É a mais conhecida, mas também a mais mal concessionada», alerta Filipa. Melhor será entrar pela Praia da Consolação, que lhe

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é contígua e cujos acessos são menos congestionados. As duas praias somam quatro quilómetros de extensão. Mas é no meio que está a virtude: um areal imenso e praticamente deserto. O turismo aumenta exponencialmente durante a competição, mas a cidade em si pouco beneficia. «Não se sente grande impacto, porque as pessoas que chegam escolhem as residenciais e hostels mais perto das praias», esclarece Filipa. No centro histórico, proliferam os anúncios de quartos, rooms, chambres, zimmer.

São inúmeras as vezes que nos sentimos impelidos a encostar o carro para observar as formações rochosas que se precipitam sobre o Atlântico. Um quadro majestático, único


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farmacêutica convida

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O turismo é o motor do desenvolvimento local, para o que contribui a realização, desde 2009, de uma das onze etapas do Circuito Mundial de Surf. Peniche é a “capital da onda” e recebe anualmente o campeonato Rip Curl Pro, o evento internacional de surf mais antigo do país

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Improvisados em folhas soltas ou pedaços de cartão, nas mãos de senhoras de todas as idades, sentadas na beira da estrada e nos bancos de rua. Entre as praias atlânticas e o maciço de Montejunto, a região Oeste forma um ondulado de colinas e vales. É coroada a Norte pela imensa massa calcária das serras de Aire e Candeeiros e pela mancha verde do pinhal de Leiria e, a Sul, pelo vale do Tejo. A paisagem natural regista uma diversidade notável, com destaque para o arquipélago das Berlengas, classificado Reserva de Biosfera da Unesco, a uma hora de viagem de barco de Peniche. «Geologicamente, esta costa é muito rica. Temos, por exemplo, o rasto de bombas vulcânicas na Papoa e o granito rosáceo nas Berlengas», explica Pedro Freitas, pai de Filipa. Arquitecto de formação, torna-se técnico de farmácia por

registo de prática quando a sua mulher adoece. Mais tarde, Filipa assume o lugar da mãe na direcção da Farmácia Central – «ainda hoje há quem me chame pelo nome dela» – e representa a quarta geração de farmacêuticos da família Freitas. A Farmácia Central fica numa ruela vedada ao trânsito. Mas ali era outrora o centro de Peniche, o que explica a designação. «A população é muito pobre e 65% não tem médico de família, por isso temos muitos créditos, que as pessoas pagam quando recebem as reformas», explica Filipa. «Há muita solidão entre as pessoas mais velhas e a farmácia é a sua zona de conforto, o local de desabafo». E há ainda muita falta de informação, sobretudo ao nível do planeamento familiar: «temos em Peniche uma avó com 26 anos». Acresce que o serviço hospitalar no concelho é insuficiente e por isso as

pessoas também recorrem aos farmacêuticos para resolver pequenos acidentes. «Vêm cá tratar-se de tudo, até de mãos furadas com pregos». Preocupada com a falta de formação, Filipa organizou para si e para os seus funcionários um curso da Associação Portuguesa de Tratamento de Feridas. Com bons resultados. «No ano passado curámos uma úlcera venosa a um doente em três meses. E só lhe cobrávamos o material». Em pleno século XXI, esta jovem farmacêutica acaba por preservar o papel social dos seus antepassados das sociedades rurais, em que se venerava o padre, o médico e o boticário. E não se incomoda nada com isso. «Como estava a contragosto na licenciatura, estive lá dez anos, mas agora adoro a farmácia!». Pedro olha para a filha com uma ponta de comoção.


O dia está perto de cair e prosseguimos para o Baleal, península contígua a Peniche, e que também foi ilha, onde o turismo tem sotaque predominantemente lisboeta. O troço de estrada que nos conduz até lá, demasiado estreito para congregar dois sentidos de trânsito, é ladeado pela(s) praia(s). Em períodos de marés mais vigorosas pura e simplesmente submerge sob as águas

do mar. Ali perto, distingue-se o Surfers Lodge, com estrutura de betão forrada a madeira. É um hotel de quatro estrelas, que disponibiliza aulas de surf, festas sunset no terraço e, não menos relevante, a gastronomia do chef Manuel Dias, que em tempos passou pelo El Buli. Manuel é amigo de infância de Filipa. «O Baleal começou a mudar e de há três anos para cá é só surf. De

Maio a Outubro temos sempre muito trabalho», afirma. Na sua carta destacam-se os produtos regionais e frescos. Degustamos uma salada de lulas com ervas frescas e limão (entrada) seguida de atum braseado com sésamo e vegetais (prato principal). Antes dos cafés, uma sobremesa de pêssego com iogurte, limão, bolacha de noz e aveia. Tudo no ponto, sem mácula.

Em Óbidos, 50 escritores de várias nacionalidades vão tentar criar uma nova entrada no dicionário para o verbo “literar”

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farmacêutica convida Agendamos para o dia seguinte uma visita ao outro marco da rota do surf internacional da Costa de Prata: Nazaré, a vila piscatória que ganhou novo alento turístico desde a chegada do campeão das ondas gigantes, o americano Garrett McNamara. Em Novembro de 2011, surfou uma “montanha de água” com altura estimada em 27,5 metros, que viria ser a distinguida nos Billabong XXL Awards – uma espécie de óscares do surf. Chegamos numa tarde de sol quente. Na marginal em frente à praia da zona sul impera o turismo de massas. Rumamos prontamente à Praia do Norte, junto ao Farol e ao

Centro de Alto Rendimento de Surf. O acesso é difícil e não há vigilância balnear. Apesar do vento forte, o mar apresenta-se flat e o areal pertence às gaivotas. Não por coincidência, McNamara está fora de Portugal – os comerciantes locais garantem-nos que quando o surfista avisa nas redes sociais que há previsão de ondas grandes a Praia do Norte rebenta pelas costuras. Filipa optou por montar casa em Óbidos, que dista cerca de 25km de Peniche, também para manter alguma privacidade. As ruas são estreitas e as barras, ora ocre ora anil, sobressaem nas paredes alvas. Descobrimos

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Alcobaça preserva a mais bonita história de amor da monarquia portuguesa. Um amor proibido que remonta ao séc. XIV e está imortalizado nos túmulos de D. Pedro I e Inês de Castro

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O Mosteiro da Batalha é uma das primeiras manifestações do estilo manuelino, patente na geometria das bases, na exuberância naturalista e nos pormenores dos pórticos várias livrarias que se espalham por museus, galerias, adegas e até igrejas – são sete no total, algumas com serviço de biblioteca e uma com alfarrabista e mercado de produtos biológicos. Realiza-se este ano um festival literário internacional. Com curadores como José Eduardo Agualusa ou Nuno Artur Silva, o FOLIO – Festival Literário Internacional de Óbidos – conta receber mais de 50 escritores de várias nacionalidades, que vão tentar criar uma nova entrada no dicionário para o verbo “literar”. Música, teatro, performance, cinema, tertúlias, mesas-redondas e exposições completam o cartaz do evento,

que decorre entre 15 e 25 de Outubro. Deixamos Óbidos com a promessa de voltar nessas datas. E preparamos nova viagem, desta feita a Alcobaça, cidade que preserva a mais bonita história de amor da monarquia portuguesa. Um amor proibido que remonta ao séc. XIV e está imortalizado nos túmulos de D. Pedro I e Inês de Castro. A nobre galega por quem o infante se apaixonou, foi executada em 1355, em Coimbra, por ordem do rei D. Afonso IV. Mas D. Pedro I, cujo reinado teve início em 1360, reabilitou a memória da sua amada fazendo-a sepultar no Mosteiro de Alcobaça, hoje Património


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Mundial da Unesco. O túmulo de Inês tem representadas cenas da vida e da morte de Cristo e o juízo final sela a narrativa, com a salvação dos inocentes e a condenação dos culpados. A arca tumular de Pedro narra a vida de São Bartolomeu, seu santo protector, e uma representação da roda da vida simboliza o seu amor por Inês de Castro. As cidades e vilas da região Oeste atestam o esplendor da História de Portugal, existindo um vasto e rico conjunto monumental, cujo expoente máximo é o Mosteiro da Batalha. Originalmente designado Mosteiro de Santa Maria da Vitória, resultou de uma promessa feita por D. João I (Mestre de Avis) à Virgem Maria, em agradecimento pela vitória na Batalha de Aljubarrota, que lhe assegurou o trono e garantiu a independência dos portugueses face aos castelhanos. Inscrito no Património Mundial da Unesco (em 1983), e eleito (em 2007) uma das sete maravilhas de Portugal, o Mosteiro da Batalha é um exemplo da arte gótica e uma das primeiras manifestações do estilo manuelino, patente na geometria das bases, na exuberância naturalista e nos pormenores dos pórticos. Foi construído inicialmente como local de culto dominicano – com igreja, sala de reunião dos frades, dormitório, refeitório e cozinha –, tornando-se depois o primeiro panteão autónomo em Portugal (e na Península Ibérica), ao acolher o túmulo de D. João I, na Capela do Fundador. A célebre abóbada da Sala do Capítulo, abóbada de estrela de um só voo (com diâmetro correspondente a três telhados), não estava prevista no projecto inicial. No livro A Abóbada, Alexandre Herculano – poeta, romancista, historiador e ensaísta português do século IXX – conta que foi o arquitecto Afonso Domingues a desenhar a complexa abóbada para o mosteiro. Mas, como

fica cego antes de a edificar, o rei D. João I contrata para terminar a obra um arquitecto irlandês, mestre Ouguet, que altera o projecto. Uma das abóbadas desaba e a outra ainda hoje lá está. Mas a de quem? Herculano garante que a abóbada de Ouguet se desmorona e que o português Domingues

orienta a reconstrução, recuperando a sua ideia original. Morre após três dias e três noites de jejum, sentado no centro da Sala do Capítulo, e as suas últimas palavras são «A abóbada não caiu… a abóbada não cairá!». Versão diferente terão porventura os historiadores actuais, mas privamo-nos de aqui

a revelar, para não subtrair protagonismo a Herculano. À saída do mosteiro, uma placa indica o kartódromo Euroindy. Trata-se de uma pista especialmente sinuosa, leia-se divertida. Estão disponíveis karts com cilindrada entre 200cc e 390cc, projectados ali mesmo e já apresentados com sucesso no Salão


Internacional do Automóvel de Frankfurt, o maior do mundo. Arriscamos os modelos mais rápidos. Aviso: uma experiência para espíritos audazes. Findos não mais de 15 minutos de condução, tornamos ao nosso utilitário (com direcção assistida...) para regressar ao ponto de partida e ao hotel que nos

degradados, mas estrategicamente colocados para criar novos (e inesperados) miradouros. Um grupo de pescadores, que ainda se reúne regularmente num destes locais, explica-nos que é uma tradição antiga, iniciada por brincadeira e transmitida de geração em geração. Tradição essa que está

No dia 25 de Abril de 1974, o avô Freitas conduziu uma coluna militar até ao Forte de Peniche porque os soldados não sabiam o caminho em vias de extinção – na Praia da Consolação, as autoridades já retiraram as peças e vedaram as arribas, por questões de segurança. Na história de Peniche há inúmeras referências a assaltos de piratas e ocupações de potências estrangeiras, até ser construída a Praça-forte ou fortaleza. Mandado edificar por D. João III (em 1557) e concluído por D. João IV (em 1645), o Forte de Peniche viu o seu espaço utilizado de acordo com as necessidades e as vicissitudes de cada época: praça militar estratégica até ao final do século IXX; abrigo de refugiados no início do século XX; cárcere de prisioneiros da Primeira Guerra Mundial; prisão política do Estado Novo; alojamento provisório para famílias chegadas do Ultramar; e, a partir de 1984, Museu Municipal. Actualmente, funcionam também no seu interior o Estúdio Municipal de Dança e o Atelier Local de Artes. Neste mesmo lugar, Filipa e Pedro contam-nos que no dia 25 de Abril de 1974 o avô Freitas conduziu uma coluna militar até ao Forte de Peniche porque os soldados não sabiam o caminho. Nisto, a lua toma o lugar do sol. E as gaivotas sobrevoam as muralhas.

MH Peniche Avenida Monsenhor Bastos, Peniche www.facebook.com/HotelMHPeniche reservas.mhpeniche@mh-hotels.pt 262 780 500 Surfers Lodge Avenida do Mar, 132, Baleal www.surferslodgepeniche.com info@surferslodgepeniche.com 262 700 030 Peniche Surf Guide www.penichesurfguide.com info@penichesurfguide.com 938 707 248 Restaurante Profresco Estrada Marginal Norte, Peniche 262 785 186 Mosteiro de Alcobaça Praça 25 de Abril, Alcobaça www.mosteiroalcobaca.pt geral@malcobaca.dgpc.pt 262 505 120 Mosteiro da Batalha Largo Infante D. Henrique, Batalha www.mosteirobatalha.pt geral@mbatalha.dgpc.pt 244 765 497 Euroindy Kartódromo da Batalha Estada de D. Maria I 783, Batalha www.euroindy.com info@euroindy.com 244 769 450 Folio Festival Literário Internacional de Óbidos Edifício dos Paços do Concelho, Largo de S. Pedro, Óbidos www.foliofestival.com davidvieira@foliofestival.com 262 955 500 Posto de Turismo de Peniche Rua Alexandre Herculano, Peniche turismo@cm-peniche.pt 262 789 571 Farmácia Central Rua José Estevão, 16 R/CH, Peniche 262 782 135

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acolhe, o MH Peniche. Situado a 300 metros da beira-mar e com acesso directo à praia, é um espaço moderno e minimal, com muito branco e algum vidro. E onde não falta um simulador sui generis: uma prancha de surf sobre uma estrutura móvel frente a um ecrã gigante oferece bons momentos de lazer a “surfar” ondas virtuais. Quem visita Peniche deve seguramente guardar algum tempo para percorrer a estrada marginal norte. São inúmeras as vezes que nos sentimos impelidos a encostar o carro para observar as formações rochosas que se precipitam sobre o Atlântico. Um quadro majestático, único, de extraordinária beleza. No outro lado da estrada, este totalmente descaracterizado, encontramos a peixaria-restaurante ProFresco. A experiência é singular: ir à peixaria escolher os peixes e mariscos que pouco depois nos são servidos à mesa. Os percebes do Baleal, o mexilhão de Peniche (ao vapor) e o lingueirão da Figueira da Foz merecem pontuação máxima. Ainda na marginal norte, avistam-se cadeiras, sofás ou simples encostos cravados no meio das rochas sobranceiras ao oceano. Naturalmente

bula

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consultoria jurídica

Redução de custos laborais

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Por Nuno Morgado, PLMJ - Sociedade de Advogados

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São conhecidas as duras medidas impostas ao sector com vista à redução dos encargos com medicamentos e os seus efeitos sobre a situação económica e financeira das farmácias. Tais medidas inserem-se no quadro de um programa de redução da despesa pública, o qual, entre outros, incidiu sobre a generalidade de trabalhadores e funcionários ao serviço de entes públicos. O Estado não dotou, porém, as entidades patronais privadas de mecanismos similares de contracção da despesa com pessoal, deixando-lhes a tarefa, quase impossível, de se ajustarem conforme pudessem. Nas farmácias, tal tarefa resulta particularmente dificultada, uma vez que o principal problema, no domínio dos recursos humanos, não será em muitos casos um sobredimensionamento do quadro de pessoal (excesso de trabalhadores face aos níveis de actividade), mas antes níveis salariais incompatíveis com a situação económico-financeira de um número relevante de farmácias. Perante estas limitações, parece-nos importante revisitar algumas medidas passíveis de serem adoptadas, com vista à redução de encargos com trabalhadores.

Apoios à contratação Existem diversas medidas de apoio às empresas na área do emprego, usualmente ligadas à admissão de trabalhadores (ex: apoios financeiros, ajustamentos nas contribuições a cargo do empregador para a Segurança Social), que devem ser exploradas, sobretudo no contexto da renovação de quadros que tem vindo a ocorrer nas farmácias portuguesas. Organização de tempos de trabalho É essencial que as farmácias aproveitem os instrumentos de flexibilidade na organização dos tempos de trabalho, de modo a conseguirem poupanças significativas, por exemplo, no dimensionamento do quadro de pessoal, nos custos decorrentes de trabalho suplementar e na concessão de descansos compensatórios. A título de exemplo, refere-se a importância de adequar a distribuição dos horários de trabalho ao período de funcionamento, bem como aos picos de actividade programados. Se não for feita em função das necessidades de volume de trabalho, os custos (designadamente com trabalho suplementar) serão seguramente mais elevados.



consultoria jurídica

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É ainda importante aproveitar mecanismos como o Banco de Horas ou a Adaptabilidade, para ajustar a prestação de trabalho aos padrões de actividade.

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Acordo para a redução temporária de remuneração, ao abrigo do contrato colectivo de trabalho com o SNF O Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a ANF e o Sindicato Nacional dos Farmacêuticos (SNF) prevê a possibilidade de, por acordo entre empregador e trabalhador, ser parcialmente reduzido o salário. De notar que (i) esta

medida apenas se aplica aos trabalhadores filiados no SNF que desempenhem funções previstas no CCT, ou que tenham acordado com a farmácia a aplicação daquele ou ao mesmo tenham aderido nos termos da lei, e que (ii) a medida tem aplicação até 31 de Dezembro de 2015. Acordo para a redução de categoria profissional com redução de remuneração O Código do Trabalho prevê a possibilidade de empregador e trabalhador reduzirem, por acordo escrito, a categoria profissional e, do mesmo passo, a

remuneração do trabalhador. Tal acordo deve ser devidamente fundamentado em razões prementes da empresa ou do trabalhador. Podem constituir motivos atendíveis, por exemplo, a situação económico-financeira da farmácia, inserindo-se esta medida na tentativa de mitigar os efeitos de tal situação e, simultaneamente, manter os níveis de emprego. De notar que as partes são livres de, por exemplo, limitarem temporalmente os efeitos desta redução ou de disporem que a reposição funcional e salarial ocorrerá logo que estejam

verificados determinados níveis de rentabilidade. Importa, ainda, assinalar que este mecanismo apenas poderá ser implementado após aprovação pela Autoridade para as Condições de Trabalho. O elenco de medidas descritas visa apenas identificar algumas das situações susceptíveis de serem adoptadas num quadro de racionalização de custos e melhoria da eficácia da gestão. Naturalmente que qualquer decisão sobre a matéria deverá sempre ter em atenção a situação concreta e os objectivos a atingir.



memรณria

Antรณnio Belmiro Gomes Pais

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Um homem de causas

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António Pais, Tóni para os amigos, partiu precoce e inesperadamente, deixando um vazio imenso no coração dos que lhe eram próximos e uma brecha na profissão, difícil de suplantar. Texto de Carina Machado

«Dedicado, empreendedor, metódico, mestre, consensual». Era com esta lista de adjectivos que António Belmiro Gomes Pais era apresentado a quem visitasse o site da Farmácia Confiança, na Branca (Albergaria-a-Velha), de que era proprietário e director técnico. Victor Sousa, da Farmácia Brandão Alves, engrossa a lista de atributos do seu «amigo do peito», descrevendo-o como «rigoroso, honesto, ponderado». Mas, «acima de tudo, o Pais era uma boa pessoa». E de voz embargada, enfatiza o “boa”. De facto, todos os que com ele lidaram lhe reconhecem as características, apontam-lhe as fortes convicções e elogiam-no pela sempre defesa e muito trabalho em prol da classe farmacêutica. Natural de Paços de

Brandão, António Pais pertenceu à estrutura da ANF enquanto director da Delegação do Centro de 2008 a 2011, delegado do círculo n.º 3 desde 1996 e, antes disso, como delegado distrital. «Envolveu-se sempre nas causas da Farmácia», testemunha Carlos Jorge Silva Machado, da Farmácia Machado, reforçando os traços de liderança e a capacidade que o amigo tinha para motivar os outros. «As assembleias de círculo que organizava eram muito concorridas, porque era um mobilizador. Por outro lado, tinha um humor fantástico, com ele havia sempre alegria e boa disposição. Era uma presença forte e notável, e estou convencido que também a sua ausência será sentida por todos». Mesmo os colegas menos chegados não têm dúvidas em afirmar a perda que a sua morte representa para a classe. Manuel João, da Farmácia Paiva, assegura, sem hesitação, que António era «alguém

António Pais era «um farmacêutico com letra grande, que sempre pôs a ética acima de tudo e sempre tentou fazer da profissão uma profissão ativa na sociedade, em todos os aspectos»

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muito empenhado naquilo em que se envolvia e que fazia as coisas com paixão». Era, recorda Victor Sousa, «um farmacêutico com letra grande, que sempre pôs a ética acima de tudo e sempre tentou fazer da profissão uma profissão activa na sociedade, em todos os aspectos». Às causas que escolhia, entregava-se inteiro. A última, uma tentativa desesperada de resgate da Cofanor. «Chegou à cooperativa quando ela já estava numa situação muito precária, mas esperançado num novo rumo, porque sabia a importância que tinha para todos os farmacêuticos do norte», conta Carlos Machado, secundado por Manuel João: «Até nisso ele se envolveu! Tentou que a Cofanor não tivesse o desfecho que teve». Em vão. A sua grande preocupação, sublinha Victor Sousa, foram as pessoas. «O Pais era alguém que pensava muito nas coisas e consumia-o a incerteza sobre o futuro dos funcionários e das suas famílias». A Cofanor, vaticina Carlos, «terá sido a frustração da sua vida». Em tudo deu muito de si. «Costuma dizer-se que não há insubstituíveis, mas há pessoas cuja falta se sente, porque realmente tinha uma visão que outros colegas não têm». António Belmiro Gomes Pais faleceu no dia 18 de Agosto. Tinha 63 anos.

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entre nós

O compromisso das Farmácias

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om as recentes eleições legislativas, Portugal entrou em novo ciclo da sua vida económica, social e política. A economia dá sinais positivos mas continua a revelar grandes debilidades. O Estado social está fragilizado e evidencia dificuldades de recuperação. O sistema político parece bloqueado, incapaz de gerar soluções governativas estáveis e coerentes.

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O último acto eleitoral gerou dúvidas em vez de certezas, minorias em vez de maiorias, instabilidade em vez de estabilidade, dificuldades em vez de facilidades. Sem um rumo à vista, os portugueses entreolham-se à espera do que vai acontecer. A única ideia que parece emergir deste estado de coisas é de compromisso, diálogo e flexibilidade negocial. Compromisso, diálogo e flexibilidade entre as forças políticas e entre estas e os parceiros sociais. Estamos de acordo. O nosso modelo de desenvolvimento deverá assentar numa lógica de uns com os outros e não numa lógica de uns contra os outros. O país está cansado de soluções impostas, maniqueístas e inconsequentes. É necessário criar pontes de diálogo na sociedade portuguesa, que possam conduzir a soluções estáveis, capazes de devolver aos portugueses

Paulo Cleto Duarte

a esperança num futuro melhor. As Farmácias têm demonstrado a sua disponibilidade para o diálogo e para o compromisso. Apesar da crise profunda que se abateu sobre elas e que continua a devastar o sector, têm mantido um permanente espírito de compromisso com o Governo da nação. Só o diálogo e a negociação responsáveis podem conduzir a soluções estáveis e duradouras. Mas este espírito tem de ser a atitude de todos, incluindo o Estado. Se os partidos políticos pedem capacidade negocial, é exigível que eles próprios a pratiquem. Se os governos pedem compreensão aos portugueses, é natural que eles próprios devam ser os primeiros a dar o exemplo. Infelizmente, nem sempre é assim, com prejuízos para a coesão nacional e o desenvolvimento económico e social do país. Os partidos e os governos não se podem lembrar de Santa Bárbara apenas quando troveja. Quem declara que a rede de Farmácias é indispensável ao sistema de saúde deve ser consequente com essa afirmação. Quem celebra com as Farmácias um contrato social deve respeitá-lo. O Estado celebrou connosco acordos que não está a cumprir. Não podemos continuar à deriva. Queremos conhecer os princípios, as regras e os objectivos de quem governa. As Farmácias não subsistem com margens de remuneração sem critério, que nasceram de decisões casuísticas dos governantes. Somos o único sector da Saúde

Apesar da crise profunda que se abateu sobre elas e que continua a devastar o sector, as farmácias têm mantido um permanente espírito de compromisso com o Governo da nação que é remunerado sem critério. É necessário espírito de diálogo e de compromisso dos governantes quanto aos Serviços que as Farmácias podem disponibilizar aos cidadãos. Não podemos carpir mágoas pela fragilidade do Estado Social e, ao mesmo tempo, impedir iniciativas que o defendem e desenvolvem. A implementação de novos Serviços nas Farmácias representa uma oportunidade para o Serviço Nacional de Saúde poder disponibilizar cuidados de proximidade e qualidade aos cidadãos. Saudamos as afirmações sobre os tempos de compromisso que vivemos, vindas de diferentes quadrantes da sociedade portuguesa. Com esse espírito, que esperamos ver correspondido, daremos a nossa colaboração ao Governo do país.



Todos nesta farmácia têm um plano Mas nem todos têm um Plano Reforma MONAF

Junte-se a uma das mais importantes Associações Mutualistas de Portugal e comece a planear o seu futuro. Agora todos os colaboradores efetivos de farmácia também podem ser novos Associados do MONAF. Há mais vantagens em fazer parte desta família.

Montepio Nacional da Farmácia, A.S.M. Rua Marechal Saldanha, 1 | 1249-069 Lisboa | Telf.: 213 400 690 - 213 400 693 monaf@monaf.pt | www.monaf.pt


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