Farmacia Portuguesa 208

Page 1

Farmacêuticos dos bairros problemáticos de Lisboa

Luzes da Cidade VÍRUS ÉBOLA:

TUDO O QUE PRECISA SABER

PUBLICAÇÃO trimestral • 208 • outubro | novembro | dezembro • 2014

FARMÁCIA PORTUGUESA


rm

ul a a NoV Fó

rm

NoVa Fó

Força de ViVer ul a

18

www.nutricia.pt

Avenida D. João II lote 1.17.02 15º piso, Torre Fernão de Magalhães, 1998-025 Lisboa Telf.: 21 425 96 00 . Fax: 21 418 46 19


editorial

O património colectivo da farmácia

Maria da Luz Sequeira

portas à população toxicodependente, vista como portadora de todas as maleitas e misérias do mundo, quando mais ninguém o quis fazer, foi um acto não só nobre, mas de grande responsabilidade social. Durante os 20 anos seguintes, a nossa intervenção obteve resultados excelentes, que foram além da evidente diminuição dos problemas associados ao consumo de drogas. Representámos, para muitos, uma porta aberta a diferentes alternativas e à possibilidade de reestruturação das suas vidas. Ninguém duvida que o sucesso se ficou a dever, em parte, ao facto de as farmácias, distribuídas por todo o território nacional, serem o serviço de saúde mais acessível e próximo da população. Mas as duas

décadas de experiência no Programa Troca de Seringas vieram também dar provas cabais da nossa competência técnica e científica para a participação activa e interventiva em campanhas de saúde pública e de combate ao alarmismo.

O nosso carácter inovador vai muito para lá das tecnologias Agora, como muitas e muitas vezes fizeram desde então, as farmácias voltam a dar disso

exemplo, ao colaborarem com a Direcção-Geral da Saúde no plano de comunicação para a prevenção do ébola. Temos um histórico que, sublinho, nos credibiliza, mas podemos igualmente orgulharmo-nos de, com as mudanças que iniciámos no passado, termos criado condições para novas mudanças no presente e no futuro. Afinal, como lembrou ainda João Cordeiro, a inovação é parte do património colectivo das farmácias em Portugal e, em parte, é isso que faz de cada uma delas, um resistente! Estamos em época natalícia, no alvor de um novo ano. A terminar, deixamos os votos da “FARMÁCIA PORTUGUESA” de um feliz Natal e que 2015 seja o tão desejado e merecido ponto de viragem para o nosso sector.

FARMÁCIA PORTUGUESA

Aquando da entrega do Prémio com o seu nome, João Cordeiro afirmou que inovar implica coragem para assumir riscos. Nas nossas farmácias, há muito que vimos dando provas desta verdade absoluta. Este sector não é apenas aquele onde os portugueses contactaram, pela primeira vez, com um computador. O nosso carácter inovador vai muito para lá das tecnologias. Foi preciso bastante bravura e lucidez para, em 1993, as farmácias aceitarem fazer parte de um programa de saúde pública como o Programa Troca de Seringas, numa altura em que se olhava para a sida como os nossos antepassados o haviam feito para a lepra. Os mitos eram então mais prevalentes do que os factos, e abrir as

3


prontuário

Propriedade

Directora Maria da Luz Sequeira conselho editorial Nuno Vasco Lopes Filipa Duarte-Ramos Duarte Santos Projecto Departamento de Comunicação da ANF Carina Machado Carlos Enes (Responsável) José Luís Martins Nuno Esteves Paulo Martins Produção

06 Edifício Lisboa Oriente Av. Infante D. Henrique, 333 H, 44 1800-282 Lisboa T. 218 504 060 - Fax: 210 435 935 Coordenadora de publicidade Sónia Coutinho soniacoutinho@newsengage.pt T. 961 504 580 Assinaturas 1 Ano (4 edições) - 50,00 euros Estudantes de Farmácia - 27,50 euros Contactos T. 213 400 650 • Fax: 213 400 674 Email: anf@anf.pt Periodicidade: Trimestral Tiragem: 3 000 exemplares

42

47

Distribuição gratuita aos associados da ANF Impressão e acabamento RPO - Produção Gráfica, Lda. Depósito Legal n.º 3278/83 Isento de registo na ERC ao abrigo do artigo 9.º da Lei de Imprensa n.º 2/99, de 13 de janeiro

FARMÁCIA PORTUGUESA

Distribuição

4

FARMÁCIA PORTUGUESA é uma publicação da Associação Nacional das Farmácias Rua Marechal Saldanha, 1, 1249-069 Lisboa

www.anf.pt

36


32 03 – EDITORIAL – MARIA DA LUZ SEQUEIRA

36 – ENTREVISTA A LUC BESANÇON

06 – LUZES DA CIDADE – GRANDE REPORTAGEM

O Secretário-Geral e CEO da Federação Internacional Farmacêutica avalia os problemas e oportunidades que a crise trouxe ao sector.

O serviço de Grande Reportagem “Farmácias Reais” visita os bairros problemáticos de Lisboa, que só aparecem nas notícias por causa da droga e do crime violento. Como se instalam os farmacêuticos em territórios onde a polícia chega a ser corrida a tiro e à pedrada? Conheça o Raspa, um homem de talento que renasceu aos 50 anos. Recorde como as farmácias enfrentaram a sida, quando Portugal tinha medo.

18 – SERVIÇOS FARMACÊUTICOS NA EUROPA

42 – MUSEU DA FARMÁCIA A revolução dos microscópios.

44 – CONSULTÓRIO FISCAL 47 – FARMACÊUTICO CONVIDA A Madeira, como nunca a viu - e provavelmente nem ouviu falar.

O que fazem as farmácias pelos asmáticos belgas e doentes hipocoagulados franceses? Quanto poupam ao poderoso National Health Service inglês? O que combinaram fazer com o Governo espanhol? Notícias sobre a evolução do conceito de Farmácia na Europa.

58 – CONSULTÓRIO JURÍDICO

20 – ÉBOLA

62 – ENTRE NÓS – PAULO CLETO DUARTE

Dossier CEDIME, com a informação científica actualizada para farmacêuticos e população.

O Presidente da ANF discorre sobre o exemplo de Odette Ferreira para as farmácias e a sociedade portuguesa.

60 – MEMÓRIA André da Silva Campos Neves, Catedrático da Universidade de Coimbra, fundador apaixonado da Académica.

32 – PRÉMIO JOÃO CORDEIRO

Esta revista segue a norma ortográfica anterior ao acordo.

FARMÁCIA PORTUGUESA

O que fica para o futuro da cerimónia de atribuição de prémios. E os projectos vencedores.

5


6

FARMÁCIA PORTUGUESA


FARMÁCIA PORTUGUESA

7


farmácias reais

FARMÁCIA PORTUGUESA

A GRAÇA DO BAIRRO TRISTE

8

Há pouca gente na farmácia. Carlos, blusão sem marca, camisola preta, pequeno piercing na orelha, entra direito ao encontro da mulher morena de bata branca. Chama-se Graça Miranda e é a directora técnica da farmácia do Bairro Madre Deus, território de vidas encravadas, que nunca ganhou as marchas de Lisboa. Os olhos negros da farmacêutica já viram muitas coisas. Ele dobra-se sobre o balcão e trocam palavras em voz baixa, como se fossem segredos de amigos. É evidente que se conhecem há muito, a confiança salta à vista. Carlos não parece ter mais de 40 anos, mas não devem ter sido fáceis. Graça trata-o pelo nome. Pergunta-lhe como tem aguentado os múltiplos problemas de saúde. Hoje é dia de fazer a medição da glicémia. Por este serviço ainda cobra, outros são gratuitos. «É uma forma de poder ajudar. Não ficaria mais rica com isso», sentencia Graça Miranda. Medir a tensão arterial e administrar, de graça, as vacinas da gripe, não é sina do nome de baptismo, mas do alvará para um bairro problemático. A maioria da população vive de pensões de sobrevivência, subsídios de desemprego, ou mesmo do rendimento social. A farmácia responde aos problemas sociais com responsabilidade. Nada mais natural para a farmacêutica do bairro. «Muitas destas pessoas passaram a fazer parte da minha vida», justifica. A zona de influência do serviço de saúde é fértil em desemprego, pobreza, exclusão social, toxicodependência e toda a sorte de problemas urbanos. Integra bairros como Madre Deus, do Grilo e Quinta do Ourives, passagem directa para Chelas. Muita gente combate a dor e a doença graças ao crédito na farmácia. «Chego a acordar com as pessoas pagarem cinco euros por mês. E quando não podem, fica

A maioria da população vive de pensões de sobrevivência, subsídios de desemprego, ou mesmo do rendimento social para o mês seguinte». A farmácia existe desde os anos 60. Mas ela, quando chegou em 2005, teve de provar o que valia. Conquistou o respeito do bairro investindo em serviço: rastreios gratuitos de osteoporose, hipertensão, cancro da próstata. E até os folhetos, sobre estilos de vida, foram importantes. Carlos também já teve dias em que passou pela farmácia e levou os medicamentos sem ter dinheiro para os pagar: «Estou desempregado há quatro anos», lamenta. Fazia restauro de arte, a crise matou-lhe o pequeno negócio. «Agora, vivo com o subsídio de rendimento social, que não ultrapassa os 120 euros. Nem sempre chega para os

medicamentos», confessa. Nos meses mais difíceis, já sabe, pode contar com a farmacêutica do bairro. Graça Miranda tem convicções firmes, como as feições do rosto. Garante que «nunca» se arrependeu, mesmo quando os clientes não voltaram. «Lembro-me de uma mãe que tinha vindo do hospital com duas filhas com dificuldades respiratórias. Não tinha dinheiro, nem para a bomba, nem para a medicação. Deixei-a levar tudo o que precisava. Nunca mais voltou», relata, sem ponta de ressentimento. «Pergunta-me se me arrependo? Salvei duas crianças!». Carlos despede-se: «então, até amanhã».


A filha da farmácia Na Farmácia Madre Deus todos conhecem Helena Oliveira, doente hemodialisada, que espera a qualquer momento um transplante de rim. Tem 40 anos, mas apenas parte da vida pela frente. A outra perdeu-a quando foi atirada para uma reforma de invalidez, na sequência de um AVC. Um acontecimento inesperado e trágico, que deixou marcas.

«Fiquei com o lado direito todo imobilizado, nem sequer conseguia andar», recorda Helena com o desgosto estampado no rosto. «Houve uma altura em que cheguei a pensar que me ia morrer», desabafa Graça Miranda. Guarda religiosamente, na farmácia, o dossier clínico da “sua” doente, uma espécie de filha adoptada. Helena passou a ser acompa-

nhada na farmácia. Era ali que fazia, todos os dias, durante dois anos, o controle da tensão arterial. «Se não fosse a doutora Graça, não sei o que teria sido de mim, com duas filhas para criar! Faz ideia de quantas vezes já cá veio a casa visitar-me?». Um dia levou-lhe uma bola para ganhar força muscular, noutro os medicamentos que não tinham

sido levantados na farmácia, noutros apenas dez dedos de conversa, uma companhia contra o destino. Passaram meses, passaram anos. «É como se fosse minha mãe! Já a vi chorar por mim! Não estou a mentir, pois não, doutora?». A doutora disfarça, mas apenas o constrangimento: «Eu achava que nesses dias tinha conseguido disfarçar».

O CÓDIGO É PARA PRATICAR sentar-se com ela à mesa do café. Esse pequeno gesto quotidiano foi decisivo na avaliação da farmacêutica. Os bairros de Lisboa colam-se à pele, os mais problemáticos cravam mais fundo. Têm um código, que é preciso conhecer e praticar. «Se formos extremamente educados, se dermos os bons dias e pedirmos por favor, as pessoas também o são», lembra constantemente à sua equipa.

FARMÁCIA PORTUGUESA

«Quando morre alguém é quase como se fosse a morte de um familiar», afirma Graça Miranda. Há três meses, morreu alguém muito especial, que ajudou Graça Miranda a integrar-se. «Quando aqui cheguei, há nove anos, era uma outsider! Foi graças a António Almeida que consegui tocar muitos dos meus utentes». António, contabilista reformado, era muito respeitado no bairro. Aproximou-se, fizeram amizade. Ele e a mulher costumavam

9


farmácias reais

«Portas-te bem? Não te faço mal» Farmácia Madre Deus, 15 de Abril de 2007, hora de almoço. A porta estava aberta. Dois homens encapuzados entraram de armas apontadas. Um ameaçou o técnico de farmácia que se encontrava ao balcão, outro invadiu o gabinete de Graça Miranda. «Portas-te bem? Não te faço mal. Portas-te bem? Não te faço mal», repetia, como um disco riscado. Dois anos depois, a mesma cena 15 minutos mais a norte da cidade, na Farmácia Bela Vista. «Enche!», ordenou o homem de pistola em riste, apontando para a caixa. Há pouco mais de um ano, segundo assalto. «Um miúdo perdido na vida», descreve a proprietária, Margarida Vasconcelos. Cara descoberta, arma branca, começou por pedir uma embalagem de Centrum. Um colaborador tentou oferecer resistência. A farmacêutica disse-lhe para manter a calma e abrir a caixa.

Como se reconciliam as farmacêuticas com o bairro, o serviço e a vida quotidiana, depois de um acontecimento traumático? «Foi no mesmo dia», responde de rajada Graça Miranda. Ainda lá estava a polícia e apareceram utentes. «Há pessoas para atender, que não têm culpa nenhuma», disse aos funcionários. «Nós conversamos para desdramatizar as coisas. Temos de estar psicologicamente preparados, porque é provável que se repitam», afirma Margarida Vasconcelos. As duas seguem a mesma estratégia de só deixar «um mínimo» de dinheiro acumular-se em caixa. Com a crise, a medida nem sequer obriga a muitas idas ao banco. Os assaltantes levam pouco dinheiro, mas não roubam a tranquilidade. «Temos de seguir em frente», explica Graça Miranda. «São dez da noite e estou na farmácia sozinha. Não tenho medo», garante Margarida Vasconcelos.

FARMÁCIA PORTUGUESA

A CADA FARMÁCIA O SEU POETA

10

É raro encontrarmos uma farmácia que não tenha livros ou cadernos de poemas guardados, em regra de autores locais desconhecidos. Portugal é um país de poetas e as farmácias um ponto de encontro. É frequente, no campo ou na cidade, juntarem-se nelas as pessoas a conversar. Nos cafés, as tertúlias tornaram-se cada vez mais raras. Na Farmácia Bela Vista, enquanto estávamos em reportagem, apareceu Manuel Coelho. É o antigo proprietário do armazém frigorífico, que em tempos esteve a funcionar mesmo ao lado da primeira farmácia de Margarida Vasconcelos. Veio visitar a amiga, como de costume. Mas hoje trazia um exemplar do seu novo livro de poemas.


UMA JANELA PARA O MUNDO para mim», conta Maria da Conceição. O receio era infundado. Margarida Vasconcelos, cinco anos depois, ainda continua a acompanhar, ao domicílio, oito utentes do antigo bairro. A farmácia mudou-se, mas a farmacêutica aproximou-se mais.

«Quando a doutora se foi embora, pensei que o mundo iria acabar para mim» Claro que as duas mulheres se tornaram grandes amigas. «Conto-lhe tudo, até mesmo o que faço ao meu dinheirinho», revela Maria. A falência das pernas deixou-a dependente e com medo. «É ela que me vale! Nem que seja de noite, continua a trazer-me os medicamentos». Depois, cada domicílio é ocasião para uma boa conversa, daquelas que arquivam a solidão na terrina da mesa da sala. «Às vezes, o marido da doutora a apitar lá em baixo e nós aqui a conversar», ri-se a doente. Maria da Conceição não sabe ler nem escrever. Toma 13 medicamentos por dia. Organizava as tomas em função das cores das embalagens, mas este critério torna-se difícil, porque o arco-íris não tem tantas cores assim. A farmacêutica ensinou-lhe um código mais prático. «A doutora prepara sempre tudo, até as horas a que os tenho de tomar. Quando os coloca dentro de uma chávena, já sei que são os comprimidos da manhã. Se estiverem num prato, os da hora do almoço. Sabe o que lhe digo? Há pessoas que nunca deveriam morrer».

FARMÁCIA PORTUGUESA

As escadas são íngremes e velhas. Precisam de obras há muito. Chiam e ameaçam derrocar. Poucos, mesmo poucos, se atrevem a subir ao primeiro andar da casa de Maria da Conceição. A mulher habituou-se a ver o Mundo pela janela, porque as pernas já quase não dão para sair à rua. Da janela de casa, vê a Mata da Madre Deus, lá longe, perder-se no horizonte. Ao perto, mesmo em frente, um armazém frigorífico abandonado. Mais um obrigado a fechar. A paisagem é deserta. Resulta difícil imaginar que, noutros tempos, havia vida nas ruas. Todos foram embora. As fábricas foram encerrando, como as lojas e cafés. Os toxicodependentes do bairro da Curraleira foram mudados para outras paragens. A farmácia do bairro também fechou as portas para sempre. A desertificação não é só no Interior. Quando ataca nas cidades torna-se ainda mais insuportável à vista. Maria da Conceição, 81 anos, vive só. Passa os dias a ver televisão e a recordar o tempo que viveu, enquanto olha pela janela. Muitas vezes é lá que espera, ansiosa mas segura, a chegada da farmacêutica, uma das raras visitas de casa. Margarida Vasconcelos sabe de cor o som de cada degrau e sobe atrás da alegria com que é sempre recebida. Era a proprietária da antiga farmácia, abandonada. «Foi a minha primeira farmácia, construída nos anos trinta. Estive aqui durante 14 anos», recorda. A farmácia não conseguiu sobreviver à desertificação. «Fui obrigada a procurar outros destinos», explica Margarida. Hoje tem a Farmácia Bela Vista, em Marvila. A mudança aterrorizou a doente. «Quando a doutora se foi embora, pensei que o mundo iria acabar

11


farmácias reais

«vir aqui É como ir ao padre»

FARMÁCIA PORTUGUESA

O passo é lento, de quem não esconde as dificuldades próprias da idade e de uma vida difícil. O relógio marca duas da tarde. Maria Odete, 74 anos, dirige-se pela segunda vez à farmácia. Já lá tinha ido de manhã cedo, para falar do assalto à mão armada que acordou toda a vizinhança. «Aqui na farmácia podemos falar de tudo, mesmo daquelas coisas que nem às paredes da casa confessamos. É como irmos ao Padre!». O assunto nasceu de metralhadora na mão. Três encapuzados assaltaram a carrinha do tabaco. O bairro estava cercado pela Polícia. Nada que surpreenda os boavisteiros da freguesia de Benfica. No Bairro da Boavista, um dos mais problemáticos de Lisboa, a maioria das fotografias só captam miséria. Casas construídas com paredes de chapa de zinco, misturadas com o amarelo sujo dos prédios sociais, construídos há cerca de 18 anos. Em cada esquina há adolescentes perdidos, sem projectos para o dia seguinte, quanto mais sonhos. Só a toponímia, com uma ironia quase sádica, recorda que uma cidade pode

12

ser um jardim. Rua das Margaridas, dos Narcisos, das Violetas, das Açucenas. E dos Manjericos, que isto também é Lisboa. É na rua das Magnólias que está plantada, num rés-do-chão, a Farmácia da Boavista. É uma das flores do bairro, que muitos moradores trazem na lapela do coração. «É como se fosse a minha segunda casa. Aqui desabafo, choro, aconselho-me», descreve Maria Odete. Metro e meio de mulher entroncada, mas de uma fertilidade que já não existe. Foi mãe de oito filhos e já conta 23 netos e 15 bisnetos. Todos criados no bairro da Boavista. «Venho aqui todos os dias, às vezes mais do que uma vez. Agora, por exemplo, venho ver a tensão arterial». E ainda bem que veio. O aparelho apita uma má notícia: 18/10. Andreia Silva, uma das farmacêuticas de serviço, pede a Maria Odete para voltar uma terceira vez ao final da tarde, depois de tomar a medicação: «É muito importante fazermos esta vigilância. Assim conseguimos controlar o estado de saúde dos nossos utentes e prevenir o mais possível doenças graves».


ROSA DA BOAVISTA «Nós aqui fazemos um pouco de tudo, só não escrevemos cartas aos namorados». É com um sorriso iluminado que António Melo, o farmacêutico proprietário, apresenta o serviço de saúde do bairro. Trata pelo nome todos os que ali procuram ajuda. Conhece cada um deles e as famílias. Nunca lhe falta o tempo, nem o assunto. Ninguém se esquece do dia em que expôs na farmácia um painel de azulejos, feito pela filha do varredor das ruas da Boavista. Maria João Duarte tinha 18 anos e uma mão cheia de sonhos perdidos num bairro sem oportunidades. «Foi o doutor

Melo que mostrou publicamente o que a menina sabia fazer. Ela hoje já não vive cá, provavelmente saiu para perseguir o seu sonho”, conta Maria Luísa, utente da farmácia. E desata a contar histórias. Como a da Dona Natalina, a quem o farmacêutico, para espanto geral, curou uma ferida que há anos tinha na perna. António Melo foi “desenterrar” uma pomada de óxido de zinco, velha receita do século XVIII, e curou-a da úlcera que ela já julgava que ia ser para a vida. «Lembro-me bem da Natalina, saia rodada, com lenço atado na cabeça. No dia em que foi

Painel em azulejo de Maria João Duarte, quando tinha 18 anos

viver com o filho para Vila Franca de Xira, veio cá despedir-se com uma rosa branca». Partiu, mas reconhecida. “É para pagar tudo o que fez por mim», disse ao farmacêutico.

Aquelas palavras simples ficaram gravadas no coração de António Melo. E numa placa que colocou logo à entrada da farmácia: «Foi a melhor paga que tive até hoje! Uma rosa branca...».

O HOMEM QUE QUIS MUDAR O BAIRRO Fartou-se de protestar, em vão. Em 2000, mudou-se para o edifício onde actualmente está instalada a farmácia: «Um espaço sem vidros nas montras, sem portas, chão em terra, paredes e tectos em tijolo». O sonho era reerguido, com obras profundas de raiz. O problema é que os contentores do lixo foram atrás. E lá estão eles, mesmo em frente à farmácia. António Melo já nem se lembra quantas vezes voltou a protestar. «Os políticos esquecem-se que não é a minha farmácia, mas a nossa farmácia», lamenta, inconformado.

Nestes 23 anos, a farmácia levou ao bairro rastreios de hipertensão, glicémia, colesterol, oftalmologia, osteoporose. Ensinou jovens mães a cuidarem dos bebés. Ajudou as mulheres a terem cuidados com o corpo e o cabelo. Os elogios a António Melo ecoam por todo o bairro. «Ele é um dos nossos», dizem-nos, a uma só voz, na Associação de Reformados e Idosos. Foi duas vezes homenageado pelo bairro. António Melo quis mudar o bairro. E mudou, muito. Aos 82 anos, sente que cumpriu a missão.

FARMÁCIA PORTUGUESA

Foi num pré-fabricado branco, sobressaindo no meio das barracas, que a farmácia da Boavista abriu pela primeira vez as portas ao público, em 1991. «Na altura gastei cerca de 4.000 contos. E apesar de ser um pré-fabricado, respirava saúde e higiene. Até tínhamos ar condicionado», afirma com orgulho António Melo. A farmácia ficou assim instalada durante 10 anos. Nunca aceitou foi a decisão da Câmara Municipal de Lisboa de colocar os contentores do lixo mesmo em frente ao serviço de saúde.

13


farmácias reais

O GRANDE PINTOR DA FARMÁCIA PORTUGUESA

FARMÁCIA PORTUGUESA

Era conhecido como “o Raspa”, desde a infância na Casa Pia. Deambulava por todas as esquinas do bairro à procura de mais um copo, o único remédio que conhecia contra aquela dor infinita que trazia com ele. Era um homem moreno, musculado, que de barba ou bigode parecia desenhado. Mas naquela época antes parecia outra coisa.

14

«Ainda me lembro das mãos dele a tremer. Vivia afogado no álcool», recorda António Melo. O memorável encontro deu-se a meio da década de noventa. A Farmácia da Boavista abrira há quatro anos, mas já era o mais poderoso serviço social do bairro. Entre conhecer o “Raspa” e ganhar nele o «grande amigo Domingos», foi um ai que deu a António Melo. São assim os grandes caçadores de talentos. «Conversávamos muito», recorda o farmacêutico. «Possivelmente fui a única pessoa com quem partilhou as amarguras de uma vida, que o levaram a dormir debaixo da ponte». Essas, ficam guardadas. O que importa é que “o Raspa”, quando se conheceram, já tinha 50 anos. Era o que de mais parecido pode

haver com um caso perdido. Os talentos aprendidos na infância na Casa Pia estavam sepultados num coração desesperado e num corpo comandado pelo vício. Domingos e António estabeleceram uma relação de confiança, como só podem homens de carácter forte, com teimosia para coisas impossíveis. «Consegui convencê-lo a procurar ajuda num centro para alcoólicos», recorda o farmacêutico. «Nesse dia, nasceu um novo Domingos». Um homem talentoso, que afinal ainda só tinha 50 anos. As primeiras tintas e pincéis foram um presente de António Melo. Domingos merecia. Venceu o vício e recomeçou a pintar. Seguiu-se uma série de obras sobre os monumentos da Freguesia de Benfica. A primeira exposição, no Salão Paroquial do Bairro da Boavista. E logo outra, no Espaço da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Domingos Manuel Duarte morreu no dia 19 de Setembro de 2012, com 67 anos. Nessa altura, estava a pintar a História da Farmácia Portuguesa. «Eu tive o privilégio e depois a tristeza de compartilhar com ele o resto e o fim da sua vida», recorda António, com 17 anos de amizade íntima a pesarem-lhe na voz. Ficaram guardadas na farmácia algumas pinturas, mas também centenas de poemas que Domingos escrevia em papéis de guardanapo. Todos os olhos que entram no estabelecimento são atraídos para o belíssimo painel alusivo a São Cosme e São Damião, padroeiros dos farmacêuticos. Pintura sobre placas revestidas a gesso, encontradas na rua.

POEMA DE UM LOUCO “ Tenho uma vida tão cheia De amargura recalcada... Vida dura, desprezada, Tempo perdido para nada; É todo o meu pé-de-meia. Ao longo da minha vida Juntei aquilo que achei, Pois toda a dor que encontrei Ficou p´ra mim e guardei Na minha alma empedernida. Não tenham pena de mim, Mas inveja, também não, Pois trago no coração O pecado sem perdão De gostar de ser assim.” Domingos Manuel Duarte, o Raspa


A FRASE mágica DO CÓMICO DO BONECO A história de Domingos Duarte e António Melo parece a realização de uma frase poderosa, que circulou como um vírus por ocasião da morte de Gabriel García Márquez - e ainda lhe é atribuída na internet:

«Aprendi que um homem só tem direito a olhar outro de cima para baixo para o ajudar a levantar-se».

FARMÁCIA PORTUGUESA

Na realidade, a frase é um excerto do poema “A Marioneta”, de Johnny Welch, um cómico e ventríloquo mexicano licenciado em Direito, que se define a si próprio como «membro do show business». Foi estreada na televisão, num programa de grande audiência do Chile. Johnny proferiu-a pela boca do seu boneco Mofles, que podemos ver na imagem. Em 1999, García Márquez estava em Los Angeles, a tratar-se de um cancro linfático, quando soube que a frase circulava em todo o Mundo como sendo sua. Foi então que disse, numa conferência de imprensa, que não morreria da doença, mas de lhe ser atribuído «um poema tão extravagante». A verdade é que a frase resistiu ao desmentido e continuou a ganhar influência, a maioria das vezes associada ao colombiano. Anos mais tarde, García Márquez quis conhecer o verdadeiro autor. O cómico, surpreendido, recebeu-o em casa, na Cidade do México. «Cometi um erro ao falar de “um poema extravagante” numa conferência de imprensa, mas eu não o tinha ouvido ainda», desculpou-se o escritor. Segundo Johnny Welch, a conversa foi leve e divertida, com o boneco pelo meio. E García Márquez terminou dizendo: «Mas depois de ouvir o poema decidi que era chegado o momento de me sentar a escrever as minhas memórias».

15


farmácias reais

FARMÁCIA PORTUGUESA

QUANDO AS FARMÁCIAS DISSERAM “NÃO” À SIDA

16

Desde a gripe espanhola que uma doença professora Odette Ferreira disponibilizou-se O posto móvel começou a trocar uma não aterrorizava tanto a sociedade portu- logo para ir ao local e ajudar a encontrar uma média de 2.500 seringas por dia. O serviguesa. «Lembro-me que havia quem mu- solução», conta Anabela Madeira, uma das ço era assegurado por 12 estudantes de dasse de passeio só para não se cruzar responsáveis da ANF pela implementação Farmácia, que faziam turnos dois a dois. comigo. Na faculdade, o director não queria do programa. A coordenadora da Comissão Mas a população do bairro reagiu mal, dique eu trabalhasse, com zia que a carrinha trazia medo que eu infectasse má fama. Odette Ferrei«O Farmacêutico de oficina, na sua Farmácia, é considerado alguém. As pessoas achara e as farmacêuticas internacionalmente como o Técnico de Saúde com maior poder de vam que se transmitia com destacadas pela ANF intervenção junto das populações. um aperto de mão. E, nos respondiam com pedacafés, multiplicaram-se gogia: mau para o bairro Não esqueçamos que diariamente passam pelas 2.500 Farmácias os copos de plástico para era haver seringas esdo País, meio milhão de portugueses». evitar contágios», recorpalhadas pelas ruas, em da Odette Ferreira, na sua que qualquer criança ou biografia “Uma Luta, Uma adulto poderia por aciVida”, acabada de lançar dente infectar-se. Mas (Sopa de Letras, 2014). os traficantes também A coordenadora da Comisnão gostaram do servisão Nacional de Luta Contra ço, que atraía demasiaa Sida lançou às farmácias da polícia. portuguesas o desafio. DeE foi assim que, um dia, veriam atacar de frente o víum magote de gente rus que a todos metia medo apareceu com um ma– e atrair aos seus balcões çarico para incendiar a a população toxicodepencarrinha. Foi chamada a dente. O programa “Diz Não polícia, que fez um cora Uma Seringa em Segunda dão de segurança. AnaMão” foi lançado em Outubela Madeira lembra-se bro de 1993. Era para durar bem daquele impasse. três meses, mas provou de A ambulância, um anel imediato ser indispensável. de polícia, uma roda de O “kit” disponibilizado gragente. Foi quando disse tuitamente pelas farmácias ao oficial de serviço que tinha uma seringa, um preteria de afastar os seus servativo e um toalhete. homens, caso contrário Na Farmácia Elma, na Meia os utilizadores de drogas Laranja, coração do Canão se aproximariam sal Ventoso, foi o fim do para trocar as seringas. Mundo. Os utilizadores de «Não se preocupe, doudrogas injectáveis faziam tora”, disse-lhe o homem. fila de manhã à noite. A E virou-se para a mulANF colocava nas farmátidão com uma ordem: cias aderentes contentores, «Quem é toxicodepenOdette Santos Ferreira para a recolha das seringas dente, avance». Coordenadora da Comissão Nacional de Luta Contra a Sida usadas, de quatro litros de O programa avançou. capacidade. Nesta farmáUma avaliação indepenin Primeiro Manual do Programa cia, os contentores eram dente, encomendada “DIZ NÃO A UMA SERINGA EM SEGUNDA MÃO”, Outubro de 1993. de 20 litros e enchiam-se pela CNLCS, concluiu vários por dia. Era preciso que evitou 7.000 infecum funcionário a tempo inteiro para fazer Nacional de Luta Contra a Sida num dia fazia ções por cada 10.000 utilizadores de drogas as trocas. O alarme chegou através da linha o diagnóstico, no outro arranjava logo uma injectáveis, só nos primeiros oito anos de verde criada pela ANF exclusivamente para terapia. No caso, uma velha ambulância da existência. O Estado poupou 400 milhões de o programa. Cruz Vermelha, que foi adaptada para servir euros em tratamentos. O sofrimento evitado Era preciso encontrar uma solução. «A de posto móvel no Casal Ventoso. ninguém foi ainda capaz de medir.


Alívio de tosse irritativa seca, dores de garganta e rouquidão

Para adultos e crianças a partir de 1 ano de idade Não provoca sonolência

r

nt

ho

te

a

aro

fresco ma

lã-pi me

•sem sacarose •sem álcool •sem glúten •sem lactose Dispositivo médico.

Musgo-da-Islândia O Musgo-da-Islândia (Cetraria islandicus) é uma planta medicinal também conhecida como Líquenda-Islândia ou Cetrária, utilizada para combater a tosse e as dores de garganta. Existe principalmente nos países nórdicos. O seu efeito é devido ao alto teor de mucilagens que contém (secreção viscosa rica em polissacarídeos).

Saiba mais sobre

em www.ampliphar.com

Graças às suas propriedades adesivas, as mucilagens atuam sobre as mucosas, aderindo e criando uma película protetora com efeito barreira, que evita o contacto com agentes irritantes. Paralelamente, têm um efeito lubrificante e hidratante sobre as mucosas e o muco, atenuando as inflamações. São muito eficientes nos casos de tosses ocasionadas pela irritação das mucosas.


internacional

Serviços farmacêuticos na Europa O acordo assinado em Julho entre o Ministério da Saúde e a ANF para a implementação de programas de saúde pública nas farmácias, embora inédito em Portugal, segue uma tendência a nível europeu. A proximidade às populações, a acessibilidade e o profissionalismo das farmácias, colocam-nas numa posição privilegiada para apoiar os Estados. Não apenas na implementação das suas políticas de saúde, mas também na racionalização de custos com o medicamento. Neste artigo, apresentamos exemplos de programas em vigor, alguns deles já com tempo de execução suficiente para uma avaliação dos resultados.

Espanha: Pacto para a Saúde

FARMÁCIA PORTUGUESA

O Acordo Quadro para o “Pacto para a Saúde, o Desenvolvimento Profissional e a Gestão Clínica”, assinado em 6 de Dezembro de 2013 pelo Ministério da Saúde, Serviços Sociais e Igualdade, e o Conselho Geral dos Colégios Oficiais de Farmacêuticos (Ordem dos Farmacêuticos), tem como objectivo a melhoria do sistema de saúde, o desenvolvimento do farmacêutico e da gestão da Farmácia de Oficina. Prevê, entre outros aspectos, a participação activa das farmácias nas políticas de saúde pública, na promoção da saúde e prevenção da doença, cooperação interprofissional e gestão clínica na farmácia.

18

O Pacto da Saúde destaca o papel do farmacêutico como agente activo do SNS, nomeadamente na assistência à população, apelo ao uso responsável e racional

dos medicamentos e dos recursos de saúde e luta contra a falsificação dos medicamentos. No âmbito do desenvolvimento profissional do farmacêutico, prevê o desenvolvimento de competências, novos serviços farmacêuticos e a sua normalização na prática farmacêutica. No que respeita à gestão clínica, será potenciado o trabalho em rede em favor de uma assistência integrada e interligada com os restantes profissionais de saúde. Para o acompanhamento e a avaliação do acordo, está prevista a nomeação de uma Comissão de Seguimento, integrando membros de ambas as partes na sua composição e em igualdade de pares. Segundo a presidente do Conselho Geral dos Colégios Oficiais de Farmacêuticos, Carmen Peña, este acordo «materializa a missão e visão da Farmácia espanhola, avançando um novo modelo de Saúde, adequado às novas necessidades dos cidadãos». A sua celebração, tendo em conta as dificuldades sentidas nas farmácias, revela-se de extrema importância, sendo seu objectivo resolver os problemas de hoje e apostar na construção do futuro. Sublinhe-se a posição da então ministra da Saúde, Ana Matos, que destacou a importância do apoio à profissão farmacêutica na sua adaptação às mudanças e exigências da sociedade. Como tal, defendeu a conveniência da promoção da farmácia como meio de assistência ao doente e em benefício da saúde pública.

bélgica: Formação aos doentes com asma

Na Bélgica, em Outubro de 2013, foi lançado o serviço de seguimento de doentes crónicos em início de terapêutica. O primeiro programa visa beneficiar os doentes com asma que iniciam inaladores (corticosteróides). Prevê-se igualmente que este novo serviço, remunerado, seja alargado a outras doenças crónicas. O serviço prevê duas visitas/ doente/ ano (15-20 minutos cada). A intervenção da farmácia consiste na informação sobre a asma, correcta utilização dos medicamentos e ensino da técnica de utilização dos inaladores, aumentando a probabilidade de controlo mais efectivo da doença.


frança: Seguimento de doentes crónicos O novo contrato de remuneração das farmácias francesas inclui, desde 2013, a monitorização de doentes crónicos. O primeiro destes serviços a ser implementado e remunerado foi a monitorização de doentes em terapêutica de longa duração com anticoagulantes orais, estando previsto o alargamento a outras áreas terapêuticas. Um dos objectivos centrais passa por maximizar a adesão nos doentes com varfarina, de forma a evitar a necessidade de recurso a novos anticoagulantes, de preços superiores. A avaliação efectuada pelo serviço nacional de saúde francês no final de um

ano indica uma boa implementação, com 65% das farmácias a prestar o serviço e

índices de satisfação de qualidade por parte dos doentes muito positivos.

inglaterra: Mil milhões de poupança no SNS De acordo com um estudo da Royal Pharmaceutical Society (RPS), o tratamento de afecções menores por farmacêuticos comunitários pode levar à poupança de mil milhões de libras no SNS. Os valores demonstram que o custo do tratamento de uma afecção menor por doente é de 29£ (cerca de 34€) nas farmácias comunitárias, valor que dispara, no caso de os doentes serem tratados

nos serviços de urgência, para 147£ e para 82.37£, no caso de serem tratados por médicos de família. Estima-se que 3% das consultas realizadas nos serviços de urgência e 5% pelos médicos de família podem ser realizadas por farmacêuticos comunitários. Isto significa que das idas aos serviços de urgência, 650.000 podem ser redirecionadas para a farmácia, assim como mais de 18 milhões de visitas ao médico de família podem

FARMÁCIA PORTUGUESA

ser redireccionas para as farmácias. Os investigadores concluem que, com base nos números apurados, se o actual modelo de tratamento de afecções menores em prática nas farmácias comunitárias escocesas fosse implementado na Inglaterra, o SNS poderia poupar 1,1 mil milhões de libras. São quatro as afecções menores mais comuns nos serviços de urgência e que revelaram ser passíveis de tratamento nas farmácias comunitárias: dor músculo-esquelética; desconforto ocular; problemas gastrointestinais e problemas do aparelho respiratório (dores de garganta, tosse, gripe e sinusite). Clifford Mann, presidente do College of Emergency Medicine, sublinha que os doentes têm de perceber onde recebem o melhor tratamento de acordo com os seus sintomas. O tratamento de afecções menores por farmacêuticos será um grande passo, que apenas responderá de forma adequada e eficaz através da maximização das competências dos farmacêuticos. O presidente da Royal Pharmaceutical Society, Ash Soni, defende a necessidade do SNS ser mais estratégico e mudar o tipo de oferta aos doentes, de modo a retirar o maior valor possível do seu capital humano.

19


ébola

Maior surto de sempre

FARMÁCIA PORTUGUESA

RISCO MUITO BAIXO EM PORTUGAL

20

O ano de 2014 assistiu ao maior surto de doença por vírus ébola de que há memória: nos primeiros nove meses do ano verificaram-se mais casos do que desde a descoberta do vírus, em 1976. O actual surto da África Ocidental lavra na Libéria, Serra Leoa e Guiné-Conacri e teve o seu início neste último país. O diagnóstico tardio, aliado às condições socioeconómicas, de saúde e higiene foram suficientes para a disseminação do vírus. Até Dezembro o ébola já tinha infectado mais de 17.000 pessoas e vitimado mais de 6.000. Em alguns países não endémicos houve igualmente

transmissão, como nos Estados Unidos ou na vizinha Espanha. Sem vacina ou tratamento específico - e com uma taxa de letalidade na ordem dos 50% - o ébola é uma preocupação mundial e tem o estatuto de “Public Health Emergency of International Concern” pela OMS. Até Novembro de 2014, surgiram em Portugal oito casos suspeitos, mas nenhum se confirmou. Tal como na restante Europa, tendo em conta o contexto socioeconómico, o sistema de saúde português, os meios disponíveis para detecção e isolamento de casos e as condições sanitárias gerais, o

O risco de surgirem casos em Portugal aumenta se Angola, Moçambique, Cabo Verde ou Guiné Bissau forem afectados

risco de transmissão de ébola é extremamente baixo. A importação de casos a partir de países afectados é, no entanto, possível - e tanto mais real quanto mais disseminada for a epidemia. Pelas suas relações próximas com os países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP), o risco de importação de casos aumenta significativamente se algum destes países for afectado. Segundo Pigott et al. (2014) Angola e Moçambique reúnem condições para o alojamento de nichos do vírus e sua transmissão zoonótica. A Guiné Bissau está geograficamente próxima dos focos de infecção por ébola.


21

21 21

FARMÁCIA PORTUGUESA

21

21


ébola

portugal PREVINE A DOENÇA E O ALARMISMO O Presidente da ANF, Paulo Cleto Duarte, colocou a rede de farmácias associadas à disposição da Direcção-Geral da Saúde (DGS). Em resposta à disponibilidade manifestada, a DGS solicitou à ANF a divulgação de material informativo por todas as farmácias do país, tornando-as parte do Plano de Comunicação de Resposta ao Ébola. O Director-Geral da Saúde, Francisco George, comunicou

FARMÁCIA PORTUGUESA

O DirectorGeral da Saúde, Francisco George, decidiu que as farmácias, pela sua natureza, devem seguir as orientações estratégicas para serviços de saúde relativas à doença por vírus ébola

22

à FARMÁCIA PORTUGUESA ter decidido também que as farmácias, pela sua natureza de serviços de saúde, devem cumprir as orientações estratégicas para serviços de saúde relativas à doença por vírus ébola. A ANF

contou ainda com a colaboração da DGS na realização de três sessões de esclarecimento, em Lisboa, Porto e Coimbra. As farmácias são o serviço de saúde mais próximo da maioria esmagadora da população:

70% dos portugueses têm uma farmácia a 10 minutos de casa. Para além da proximidade, as competências dos farmacêuticos enquanto profissionais de saúde qualificam-nos para informar a população e combater

o alarmismo. A partir de agora, os farmacêuticos partilham também responsabilidades na identificação precoce de casos suspeitos, bem como na sua correcta orientação para os hospitais de referência.


O que as farmácias devem fazer perante um caso suspeito Pela sua proximidade privilegiada à população, as farmácias são, muitas vezes, os primeiros locais onde as pessoas se deslocam quando estão doentes. Para que seja possível uma resposta rápida e eficaz, toda a equipa deve estar informada sobre os procedimentos, a localização das máscaras e da zona de isolamento (zona confortável e de fácil desinfecção). De acordo com o Director-Geral da Saúde, as farmácias deverão cumprir as orientações 019/2014 e 012/2014 da DGS. Se surgir na farmácia um doente com critério clínico e epidemiológico: 1. O farmacêutico deve conduzir o doente suspeito de forma

tranquila e discreta para a zona de isolamento. Se isso não for possível, mantê-lo a uma distância mínima de dois metros. 2. Se o doente não apresentar dificuldades respiratórias, fornecer-lhe uma máscara cirúrgica. Como o farmacêutico não contacta com o doente, não necessita de equipamento de protecção individual. 3. O farmacêutico valida o caso suspeito pela Linha de Apoio ao Médico da DGS (300 015 015) e segue as instruções fornecidas.

Isolar o doente, colocar-lhe uma máscara cirúrgica e ligar para a Linha de Apoio ao Médico: 300 015 015

Durante a permanência na farmácia, o doente não deve ser medicado, especialmente

com salicilatos ou ibuprofeno, que podem agravar hemorragias. Após a sua adequada

evacuação pelo INEM, o espaço deve ser encerrado. Para facilitar a resposta do farmacêutico e garantir a segurança de todos os intervenientes, foram disponibilizados no ANFOnline um protocolo de actuação, uma checklist detalhada de procedimentos e um questionário para recolha de informação útil. As orientações da DGS poderão ser consultadas no sítio da internet da DGS dedicado ao ébola (http://www.ebola.dgs.pt/ home.aspx). A evolução da epidemia a nível mundial poderá ser acompanhada no sítio online da OMS (em português) ou do CDC.

FARMÁCIA PORTUGUESA

*

Disponível no ANFOnline.

23


ébola

Como ataca o vírus

FARMÁCIA PORTUGUESA

As manifestações clínicas relacionam-se com a rápida e extensiva replicação do vírus no organismo: o ébola é pouco selectivo e tem a capacidade de infectar diferentes tipos celulares, originando uma doença multifactorial. Após contágio, verifica-se a infecção de macrófagos e células dendríticas, que disseminam o vírus por todo o organismo. O vírus fixa-se em órgãos como o fígado, baço e timo, onde se multiplica e induz necrose tecidular. Como consequência, libertam-se diversos mediadores

24

A principal particularidade do ébola é a sua capacidade de diminuir a resposta imune adaptativa do doente

pró-inflamatórios que são responsáveis pela febre, mal-estar, vasodilatação e hipotensão observados nos doentes. As hemorragias características da infecção por ébola são desencadeadas directa e indirectamente por diminuição da síntese de factores de coagulação hepáticos, alterações das vias da coagulação e pela coagulação intravascular disseminada resultante da destruição das células endoteliais e que consome plaquetas e factores de coagulação. Sem desvalorizar as anteriores, a principal particularidade do

ébola é a sua capacidade de diminuir a resposta imune adaptativa do doente, o que torna esta doença tão severa e letal. Quando infectadas, as células dendríticas perdem a sua capacidade de maturação e de apresentação de antigénios, impedindo a produção de anticorpos específicos. Simultaneamente, em resposta aos mediadores inflamatórios ocorre apoptose de linfócitos. A deterioração gradual do estado de saúde dos doentes acaba por culminar na falência multiorgânica, hipovolémia acentuada, choque séptico fulminante e morte.


DIAGNÓSTICO Para haver suspeita de doença por vírus ébola são necessários dois critérios: 1) Clínico – apresentação da sintomatologia característica 2) Edipemiológico – Viagem para zona endémica e/ou contacto próximo com doente, animal ou cadáver infectados O diagnóstico definitivo é feito por diagnóstico diferencial de outras doenças como malária ou febre tifóide e por confirmação laboratorial. A metodologia mais frequentemente usada demora entre duas a seis horas e consiste no isolamento e detecção de RNA viral por

RT-PCR. Os métodos serológicos são normalmente usados para monitorizar a resposta imunológica do doente. As amostras para confirmação laboratorial são recolhidas entre o 3º e o 10º dia após início dos sintomas, quando a virémia é detectável. A inexistência de testes rápidos para o ébola favoreceu a sua disseminação. Cientes desta necessidade, muitas unidades de investigação têm desenvolvido esforços para a criação de kits que permitam a confirmação ou exclusão de ébola no local, com quantidades reduzidas de amostra e de forma rápida, segura e económica.

carga viral

Prognóstico A resposta imunitária ao vírus parece ser um dos principais preditivos do prognóstico: a maioria dos doentes que morre por ébola não desenvolve uma resposta imunitária humoral, enquanto os sobreviventes desenvolvem anticorpos protectores que lhes conferem imunidade durante, pelo menos, dez anos. Os anticorpos aumentam durante a segunda semana de infecção, altura em que o estado clínico começa a apresentar melhorias.

TRATAMENTO

• Reposição de fluídos e equilíbrio electrolítico – O volume de fluídos necessário pode ser muito elevado (10-20L/dia, podendo atingir os 30L/dia);

• Manutenção da oxigenação e da pressão arterial; • Tratamento de infecções oportunistas – O uso de rotina de antibióticos não está aconselhado, mas as infecções devem ser tratadas logo que detectadas; • Promoção do bem-estar do doente – Controlo da dor e suporte nutricional. A adopção de medidas de suporte adequadas desde as fases iniciais da doença aumenta a probabilidade de sobrevivência.

FARMÁCIA PORTUGUESA

Não existem medicamentos aprovados para o ébola, pelo que o tratamento é apenas de suporte. As medidas terapêuticas postas em prática dependem das manifestações clínicas apresentadas pelos doentes:

25


ébola

TRANSMISSÃO

A transmissão do vírus ocorre por contacto directo das mucosas (olhos, nariz, boca, etc.) ou de pele lesionada com fluídos corporais de doentes, cadáveres ou animais infectados. A transmissão também pode ocorrer por agulhas contaminadas ou pelo contacto com superfícies e objectos contaminados (menos provável dada a baixa resistência do vírus no meio). Os fluidos corporais são tão mais contagiosos quanto maior a sua carga viral. A transmissão nos humanos apenas ocorre quando presentes os sintomas e cessa quando há resolução da doença. Não há

evidência que o vírus se transmita através do ar, água ou por picada de insectos. Os grupos de risco são os cuidadores de doentes (profissionais de saúde, familiares), operadores de laboratório, preparadores de cadáveres, habitantes e viajantes para zonas afectadas, confeccionadores e consumidores de carne de animais selvagens. O contacto com pessoas assintomáticas ou o contacto casual com doentes (ex. partilhar divisão) representa um risco mínimo ou inexistente.

Podem os ANIMAIS DOMÉSTICOS representar um perigo? À data não estão descritos casos de transmissão de animais de companhia a humanos. Não obstante, é desconhecida a viabilidade do ébola nestes animais e as suas possíveis formas de transmissão, pelo que o contacto dos animais com fluídos corporais de doentes deve ser evitado. Nos países não endémicos, como Portugal, não se considera o risco de transmissão por animais domésticos significativo. Ainda assim, se um doente tiver um animal doméstico este deve ser testado para o vírus e avaliada a necessidade de quarentena ou outras medidas.

FARMÁCIA PORTUGUESA

transmissão aérea

26

A transmissão aérea do ébola é altamente improvável nos humanos. Contrariamente às doenças respiratórias, como por exemplo a gripe, o ébola não se transmite por aerossóis, mas apenas por gotículas formadas a partir de vómito ou diarreia explosiva e que não têm a capacidade de permanecer no ar ou atingir distâncias superiores a um metro.


Viajar para zonas afectadas sรณ em caso de necessidade

FARMร CIA PORTUGUESA

27


ébola

Plano nacional de resposta

No actual contexto, considera-se que o risco para Portugal é extremamente baixo, mas o risco de importação de casos é real e aumenta se surgirem casos nos PALOP. Tendo em conta a evolução internacional do surto e o grau de risco para o nosso país, foi activado um Plano Nacional de Resposta ao Ébola, no âmbito do qual foram criadas a Plataforma de Resposta à Doença por Vírus Ébola (reforça mecanismos de detecção precoce de casos importados e minimiza cadeias de transmissão), o Comité de Biossegurança (elabora orientações e protocolos de actuação nacional) e a Comissão Interministerial de Coordenação da Resposta ao Ébola (prepara a tomada de decisões políticas urgentes e de forma concertada). Para assegurar a capacidade de resposta, o ministro da Saúde, Paulo Maced, deu garantias de reforço adicional do orçamento para a saúde em caso de necessidade.

FARMÁCIA PORTUGUESA

PROCEDIMENTOS DE RESPOSTA

28

Em Portugal, os procedimentos de resposta são coordenados pela Direcção-Geral da Saúde que está em permanente contacto com as autoridades nacionais e internacionais. Os procedimentos gerais indicam que: • As pessoas que cumpram o critério clínico e epidemiológico devem contactar a Linha de Saúde 24 (808 24 24 24). Esta linha está disponível 24 horas por dia para aconselhamento e encaminhamento

apropriado dos casos suspeitos. Os profissionais de saúde que identifiquem um caso suspeito devem contactar a Linha de Apoio ao Médico da DGS (300 015 015), para sua validação. • Se houver validação de caso provável o INEM é contactado pela DGS para a promoção do transporte em segurança do doente, que em caso algum se deve deslocar pelos próprios meios para os cuidados de saúde. • Os casos prováveis são encaminhados para um dos três hospitais de referência: Hospital de S. João (Porto), Hospital de Curry Cabral e Hospital de D. Estefânia (Lisboa). Estes hospitais possuem instalações, equipamentos e profissionais de saúde especialmente preparados para responder a casos de ébola. • A confirmação laboratorial é feita no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) em cerca de quatro horas. O recurso a uma técnica experimental que encurta a duração para duas horas está preconizado, caso a situação o justifique. • Caso seja necessário, as Autoridades de Saúde estão preparadas para fazer a vigilância dos contactos. • Pela inexistência de ligações aéreas directas para os países afectados pelo ébola, nos aeroportos portugueses não é feito o rastreio da doença à chegada. A qualidade da resposta nacional e a articulação dos vários profissionais de saúde foi destacada positivamente pelos técnicos de ECDC nos 3 simulacros feitos e que tiveram nota positiva.


Importante distinguir gripe do ébola Na época das gripes e constipações é considerável a possibilidade de surgirem nas farmácias doentes com sintomas sugestivos de ébola. Os sintomas iniciais que podem ser observados em ambas as doenças são muito semelhantes: febre, dores de cabeça, ou

02

musculares, e fadiga. A diferença está na etiologia: o ébola afecta múltiplos sistemas (vómitos e diarreia, rash cutâneo e hemorragias), mas apenas a gripe é uma doença respiratória (tosse, dores de garganta, pingo do nariz).

21

-

Anuncio Fortimel 20x180.indd 1

23/06/14 19:03

FARMÁCIA PORTUGUESA

Força DE VIVEr

29


ébola

As novas armas de combate ao ébola

Segurança

Disponibilidade

Plasma

Transfusões de sangue de sobreviventes contendo anticorpos neutralizantes contra o vírus.

Desconhece-se se o título de anticorpos desenvolvido é suficiente para tratar/prevenir a doença.

Depende da boa gestão dos bancos de sangue usados.

A logística associada pode trazer problemas.

Preparados híper imunes de globulinas

Concentrado de anticorpos neutralizantes, produzidos em animais ou humanos infectados.

Anticorpos mostraram-se protectores quando administrados 48h após exposição ao vírus.

Normalmente seguros. Têm sido usados com sucesso em humanos contra outros agentes infecciosos.

Não são esperadas grandes quantidades até meados de 2015.

Três anticorpos monoclonais específicos para a glicoproteína do envelope viral que impedem a ligação à célula-alvo.

Em primatas não-humanos mostra uma taxa de sobrevivência favorável.

Sem problemas de segurança quando administrado a alguns doentes em uso compassivo.

São esperadas centenas de doses para o final de 2014-início de 2015.

Pela técnica de RNA de interferência, silencia dois genes importantes para a replicação do vírus.

Em primatas não humanos verificou-se uma elevada taxa de sobrevivência quando administrado 48h após a infecção.

Efeitos secundários com doses elevadas (humanos saudáveis). Melhor tolerado nas doses consideradas para tratamento.

São esperadas cerca de 900 doses no início de 2015.

Sequência de nucleótidos que interfere na síntese da VP24 viral (proteína que contribui para a inibição da resposta imune do doente).

Taxa de sobrevivência de 60-80%, com tratamentos de 14 dias em primatas não humanos.

Tolerabilidade demonstrada em humanos.

Prevê-se a disponibilidade de uma centena de tratamentos no início de 2015.

Análogo de nucleótido que inibe selectivamente a RNA polimerase viral impedindo a replicação do vírus.

Eficaz em ratinhos, mas menos promissora em primatas não humanos. Está a ser avaliado um novo esquema posológico.

Aprovado para a gripe no Japão. Para o ébola serão necessárias doses superiores, o que pode alterar o perfil de segurança.

Dependendo das doses determinadas, podem estar disponíveis mais de 10 000 tratamentos.

Análogo da adenosina que atua como inibidor da RNA polimerase viral, impedindo a replicação do vírus.

Em roedores mostra 83-100% de eficácia. Eficaz contra Marburg (vírus hemorrágico da família do ébola).

Não há estudos disponíveis em humanos.

Necessários estudos em primatas não humanos antes do uso no Homem ser ponderado.

Induz e regula a resposta imunitária do indivíduo.

Em primatas não humanos mostra um prolongamento da sobrevivência. Administração precoce aumenta a efetividade.

Há vários interferões aprovados para o tratamento da hepatite crónica e da esclerose múltipla.

Actualmente disponível. Necessário avaliar que interferão usar, quando e em que dose.

Vacina que utiliza como vector o serótipo 3 do adenovírus do chimpanzé.

Dose única de vacina protegeu 100% dos animais.

Muitas pessoas receberam vacinas similares sem problemas de segurança.

Espera-se cerca de 15.000 doses para final de 2014-início de 2015.

Vacina que utiliza como vector o vírus da estomatite vesicular.

Dose única de vacina protegeu 100% dos animais.

Segura em animais com sistema imunitário debilitado e num investigador.

Já produzidas 800 doses (doadas à OMS) e são esperadas mais.

ChAd3 (GSK)

Interferões

TKM-100802 (Tekmira

ZMapp (Mapp Biopharmaceutical Inc.)

Eficácia

AVI 7537 (Sarpeta Therapeutics)

tratamentos fossem alvo de uso compassivo, um regime de utilização de medicamentos não autorizados e exclusivo para casos em que há risco de vida e não há alternativa terapêutica. De acordo com a OMS, são consideradas prioritárias as seguintes alternativas:

Favipivavir/T-705 (Toyama ChemFuji Film)

maior financiamento público e privado às empresas. Segundo o Grupo Consultivo de Ética da Organização Mundial de Saúde (OMS) é aceitável o recurso a alternativas terapêuticas promissoras em laboratório e em modelos animais relevantes. Tal permitiu que alguns

O que é? Como actua?

rVSV (NewLink Genetics)

FARMÁCIA PORTUGUESA

30

introdução da Glicoproteína de superfície do ébola num vírus não patogénico para o homem. Nos últimos meses têm sido feitos avanços de anos, apenas possíveis pela estreita cooperação das entidades envolvidas no desenvolvimento, ética e regulamentação, bem como pelo

BCX4430 (Biocryst)

As novas terapias e vacinas em estudo encontram-se em diferentes fases de desenvolvimento, sendo a informação sobre eficácia e segurança em humanos muito limitada. As vacinas em estudos de fase I foram obtidas por técnicas de RNA recombinantes pela



prémio joão cordeiro

«Farmácias são sinónimo de futuro» 15 de Outubro é uma data de significado especial para a Associação Nacional das Farmácias. É o dia da sua fundação e, por esse mesmo motivo, foi o escolhido pela Direcção para a entrega do “Prémio João Cordeiro – Inovação em Farmácia”. A iniciativa pretende homenagear a visão e o empreendedorismo do líder histórico João Cordeiro, incentivando o surgimento e dando apoio à implementação de novos projectos no sector. Na leitura do presidente da ANF, este é mais um modo de «afirmar o futuro da Farmácia, em perfeito equilíbrio com os valores do passado».

FARMÁCIA PORTUGUESA

Depois de uma curta, mas emocionante actuação do Coro Juvenil de Lisboa, dirigido pelo maestro Nuno Margarido Lopes, Paulo Cleto Duarte deu as boas-vindas aos muitos que participaram na cerimónia na sede da ANF, em Lisboa. No seu discurso, o presidente da ANF sublinhou o papel social das farmácias enquanto «maior rede nacional de combate à desertificação do Interior e à solidão nas grandes cidades», e o seu permanente sentido de vanguardismo, que fizeram delas

32

pioneiras em tantos projectos. Acerca de João Cordeiro, disse tratar-se «das raras personalidades da nossa democracia que fez grande serviço público e grande serviço privado», e com quem «aprendemos a ser corajosos, solidários e portugueses de mérito. Nunca esqueceremos a melhor lição que nos deixou: as farmácias portuguesas foram sempre sinónimo de futuro, pelo que as farmácias portuguesas serão sempre sinónimo de futuro. Por isso, o Prémio João Cordeiro se chama Inovação em Farmácia».


A partir da próxima edição, o “Prémio João Cordeiro – Inovação em Farmácia” passará a distinguir projectos no âmbito da responsabilidade social

«Inovação é património colectivo» do sector Presente na cerimónia de entrega dos Prémios com o seu nome, João Cordeiro lembrou que o sentido de inovação «é algo que faz parte do património colectivo das farmácias em Portugal», as quais, ao longo dos anos, o demonstraram no seu dia-a-dia, «sempre com o objectivo concreto de melhorar a qualidade dos seus serviços em benefício da população».

O líder histórico da ANF felicitou a Direcção pela iniciativa da criação do Prémio e pelo facto «de terem associado o meu nome ao mesmo», assim como as personalidades que aceitaram fazer parte do Júri, «todas elas de reconhecido mérito». Aos vencedores assegurou que «se a ANF diz que para o ano o projecto está implementado, então podem acreditar que assim acontecerá».

FARMÁCIA PORTUGUESA

33


prémio joão cordeiro

Vencedores do Prémio João Cordeiro Foco na comunicação com o utente A primeira edição do “Prémio João Cordeiro – Inovação em Farmácia” teve como grande vencedor uma aplicação móvel. O projecto DigitalPharma tem, na opinião do Júri da iniciativa, presidido por Diogo de Lucena, potencial para revolucionar a relação dos utentes com a sua farmácia, por facilitar o acesso ao medicamento, a adesão à terapêutica e a farmacovigilância. E foi precisamente a viabilidade de cada uma das 22 candidaturas para apoiar efectivamente as farmácias a prestar um melhor serviço que, segundo Diogo de Lucena, o Júri valorizou na escolha que fez.

DigitalPharma: serviço pré e pós-dispensa Luís Antunes, líder da equipa que desenvolveu a aplicação, explicou que a DigitalPharma permite iniciar a prestação do serviço antes de o utente chegar à farmácia, assim como possibilita que o mesmo se estenda para além do atendimento. «A ideia foi tirar partido das tecnologias móveis para potenciar esta relação. O telemóvel é parte integrante e cada vez mais

importante na vida das pessoas e, através dele, podemos criar um canal de comunicação directa entre farmácia e utentes. Tentámos, assim, em 2014, antecipar algumas das tendências apontadas para o ano 2017». Entre as diferentes funcionalidades da “app” estão a possibilidade de o utente informar previamente a sua farmácia sobre o medicamento ou produto de

FARMÁCIA PORTUGUESA

Evolufarma: fidelizar o utente

34

Na categoria de “Instrumentos de Gestão”, o vencedor foi o projecto Evolufarma, uma das candidaturas internacionais a concurso. Trata-se de uma ferramenta de comunicação marketing multicanal, que permite às farmácias diferenciar a sua identidade e trabalhar na fidelização dos seus utentes.

Luis Arimany, CEO da Evolufarma, defendeu que esta possibilita aos utentes estarem sempre a par de novos programas de saúde pública, bem-estar e promocionais criados pela sua farmácia, através dos canais da sua preferência: email, SMS, aplicações móveis, ou qualquer outra plataforma Web.

saúde de que necessita, ou calendarizar e receber, no seu telemóvel, avisos relativos aos momentos adequados para proceder às tomas da sua medicação. A DigitalPharma é uma criação da HealthSystems, Lda., uma empresa spin off nascida na Universidade do Porto e que reúne profissionais das Faculdades de Ciências e de Medicina.


PROTEÇÃO PROFUNDA DA PELE E XC L U S I VO DA B O O T S L A B O R AT O R I E S

O verdadeiro cuidado anti-envelhecimento COMEÇA NAS CAMADAS PROFUNDAS DA SUA PELE

Na Boots Laboratories, sabemos que a radiação UV (UVR) pode provocar danos até nas camadas mais profundas da pele, causando o envelhecimento cutâneo prematuro: perda de firmeza e elasticidade, rugas e manchas cutâneas. Os novos Cremes de Dia da Serum7 contêm a inovadora e exclusiva Proteção UVR MultidermalTM, que protege a superfície e também as camadas profundas da sua pele, para uma aparência visivelmente mais jovem. SERUM7 | Pele visivelmente mais jovem. À venda na sua farmácia. Boots Laboratories Portugal | www.boots-laboratories.com


FARMÁCIA PORTUGUESA

36

«Farmácias vão ser centros de prestação de cuidados» Luc Besançon, Secretário-Geral e CEO da Federação Internacional Farmacêutica (FIP), em entrevista.


entrevista FARMÁCIA PORTUGUESA Teve oportunidade de visitar alguma farmácia em Portugal? LUC BESANÇON - Sim. Ao visitar um país, é um hábito meu conhecer como as farmácias se apresentam e funcionam. Embora as farmácias em Portugal sejam de menor dimensão que em outras partes da Europa, elas são muito profissionais. FP - Qual a sua opinião sobre o modelo português de farmácia? LB - É positiva. As farmácias em Portugal têm sido pioneiras no desenvolvimento de serviços farmacêuticos. Por exemplo, o vosso país foi dos primeiros na Europa a fornecer imunizações, daí advindo resultados positivos que podem inspirar outros países. Como na maioria dos países latinos da Europa, o envolvimento das farmácias também inclui a promoção da saúde – conforme definido na Carta de Otava, em 1986, incluindo a redução de danos. Por exemplo, a troca de seringas e a supervisão da administração de metadona – e o engajamento activo com a população.

FP - Como avalia o acordo que a ANF assinou este ano com o Governo português?

FP - O que devem as farmácias propor aos governos, como o português, que estão focados em controlar a despesa pública com saúde? LB - Em 2012, a FIP revelou que quase 500 mil milhões de dólares, isto é, cerca de 8% do orçamento da saúde, poderiam ser poupados anualmente a nível global, se o uso responsável do medicamento fosse alcançado. Quando a IMS Health analisou as diferentes soluções – considerando a sua rapidez de execução, o seu impacto e os recursos necessários – identificou os farmacêuticos como a solução número um para alcançar essa poupança. Os farmacêuticos são fundamentais para garantir que os investimentos feitos pelos governos através da comparticipação de medicamentos resultam realmente em melhores resultados em saúde. FP - Como podem os farmacêuticos demonstrá-lo? LB - Através dos serviços que já prestam, mas também de novos. Um dos problemas a ultrapassar é os orçamentos da saúde serem muitas vezes construídos em função do tipo de estabelecimento de saúde. Por exemplo, se as intervenções de um farmacêutico implicam um pequeno aumento da despesa com medicamentos, mas têm como resultado a diminuição das admissões hospitalares, a correlação entre estes

dois dados não é facilmente detectada. E os farmacêuticos podem ser responsabilizados pelo aumento da despesa com medicamentos, sem serem reconhecidos pela diminuição das admissões hospitalares.

«O acordo entre a ANF e o Ministério da Saúde é uma oportunidade única para a profissão. Farmacêuticos portugueses têm de demonstrar o valor acrescentado das suas contribuições»

FP - A crise financeira internacional vai ficar para a história como um momento de destruição ou de reforço da intervenção das farmácias europeias? LB - A crise económica tem um impacto elevado na saúde de todos os cidadãos. Em alguns casos, os farmacêuticos têm ajudado a amortecer o impacto, mas a situação tem sido particularmente difícil em países sujeitos a grande recessão, especialmente quando esta foi combinada com um modelo de remuneração dos farmacêuticos principalmente assente em margens. De facto, para muitos governos, uma das soluções foi reduzir o preço dos medicamentos, o que resultou, indirectamente, na diminuição da rendibilidade das farmácias. Por outro lado, em alguns países, essa situação desfavorável também iniciou um processo de transformação da nossa profissão. FP - Na sua opinião, como será a Farmácia daqui a 15 anos? LB - Acredito que, no futuro próximo, mais farmácias serão centros de prestação de cuidados de saúde locais, de base comunitária e de confiança, bem integrados no sistema de saúde. Já estamos a ver progressos nesse sentido. Por exemplo, em Espanha, as farmácias são definidas pela lei como entidades privadas de interesse para a saúde pública. De facto, com base na preferência do doente, as farmácias podem actuar como portas de entrada no sistema de saúde. Também disponibilizam soluções para prevenir ou tratar doenças e sintomas, principalmente através dos medicamentos, mas ainda pela via da educação dos doentes.

FARMÁCIA PORTUGUESA

FP - Que fragilidades e mais-valias reconhece ao modelo de farmácia português? LB - A situação económica de Portugal nos últimos anos tem tido um grande impacto nas farmácias. Apesar das grandes dificuldades financeiras, é preciso reconhecer que a profissão tem conseguido cumprir os deveres de assegurar o acesso e uso responsável dos medicamentos. No entanto, se for prolongada, esta situação representa um risco para a população, especialmente aqueles que são mais marginalizados ou estão mais isolados, os quais poderão perder o acesso ao conhecimento do farmacêutico e a produtos farmacêuticos de qualidade garantida.

LB - Esse foi um desenvolvimento interessante porque é uma oportunidade única para a profissão demonstrar que está disposta e é capaz de responder às necessidades da população. Mas toda a comunidade dos farmacêuticos portugueses tem de perceber que é preciso estar pronta a demonstrar o valor acrescentado das suas contribuições. Se a experiência for positiva, serão abertas novas portas para o desenvolvimento sustentável da profissão em Portugal.

37


entrevista FP - Como surgiram as Ciências Farmacêuticas na sua vida? LB - Enquanto estudante, interessei-me sempre muito pelas Ciências Farmacêuticas, tendo estado depois envolvido na área da investigação, designadamente no campo das vacinas contra o rotavírus, ao nível da sua formulação e dos efeitos clínicos. O meu interesse é mantido vivo através do trabalho que faço na FIP. Esta organização é única porque engloba os farmacêuticos e os cientistas farmacêuticos. A Farmácia e as Ciências Farmacêuticas complementam-se. Por exemplo, no Japão os farmacêuticos também são descritos como cientistas da comunidade.

FARMÁCIA PORTUGUESA

FP - Como foi a sua carreira na FIP até chegar a CEO e Secretário-Geral? LB - Em 2008, fui abordado pela FIP para ser coordenador de projecto para a prática e ciências farmacêuticas. Três anos depois, tornei-me gestor de projecto. Pouco tempo depois, o Ton Hoek, Secretário-Geral e CEO da FIP, começou o tratamento do cancro. Ele pediu-me para o apoiar e fiquei assessor do CEO, com foco nas actividades estratégicas da FIP – profissionais e científicas. Infelizmente, o Ton faleceu em Julho de 2012. Eu fui nomeado Secretário-Geral Interino para os assuntos profissionais, científicos e externos. Mais tarde, em Agosto de 2013, tornei-me Secretário-Geral e CEO.

38

FP - Por que escolheu a FIP como prioridades a reforma do ensino, a qualidade da prática e a colaboração interprofissional? LB - A FIP reconhece que a Farmácia difere muito de país para país. As diferenças assentam em razões históricas, nas necessidades dos doentes e no modelo de sistema de saúde. Apesar dessas diferenças, acreditamos que alguns pontos em comum irão desempenhar um papel central no apoio ao

desenvolvimento sustentável da nossa profissão. Factores como a reforma do ensino, a qualidade da prática, e possibilitar um ambiente e práticas de colaboração

actuais da população, mas devem também servir de base para o crescimento planeado das contribuições dos farmacêuticos para o sistema de saúde.

«Interacção com os outros profissionais é crucial»

FP - Como avalia a evolução destes objectivos? LB - Ao longo dos anos, tem havido um interesse crescente em garantir que todos os aspectos relacionados com o medicamento têm a sua qualidade assegurada. Começou com a produção e, em seguida, com a distribuição. Chegará naturalmente aos serviços farmacêuticos. Na verdade, à medida que a nossa profissão se orienta para a prestação de mais serviços aos doentes, os pagadores desses serviços – sejam eles o Governo, as seguradoras de saúde ou os doentes

interprofissionais. É por isso que são prioridades para a FIP. Por exemplo, com a evolução da intervenção do farmacêutico, um aspecto-chave é assegurar que haja farmacêuticos competentes em número suficiente. As suas competências devem ir ao encontro das necessidades

– pretendem que a qualidade dos mesmos seja assegurada. Quanto ao ambiente propício, a remuneração não é simplesmente um meio para garantir que a rede de farmácias é sustentável para fornecer os produtos e serviços necessários à população. A remuneração também pode servir como um importante motor para a mudança. FP - E qual a razão do foco nas práticas de colaboração interprofissional? LB - Se queremos que as farmácias estejam verdadeiramente integradas nos sistemas de saúde, a interacção com os outros profissionais é crucial. Não só é fundamental para preservar a relevância da nossa profissão, mas também para garantir o melhor tratamento aos doentes.


FP - É plausível pensar que, nos sistemas de saúde mais desenvolvidos, a farmácia tem legitimidade para querer ser a porta de entrada e o referenciador do doente nos sistemas de saúde? LB - A intervenção deve ter por base as competências actualizadas dos farmacêuticos para garantir o que chamamos de “triagem farmacêutica”, já reconhecida em alguns países. Por exemplo, no Reino Unido, o Governo pretende que os doentes visitem as farmácias, em vez dos serviços de urgência. Da mesma forma, esta função de gatekeeper é suportada economicamente pelas principais seguradoras de saúde na Suíça. O objectivo da “triagem farmacêutica” não é fazer um diagnóstico, mas sim um prognóstico, e determinar se um doente necessita de ser referenciado a outro profissional de saúde ou se os seus sintomas podem ser tratados por um farmacêutico. FP - Que práticas conhece que possam exemplificar o desempenho deste papel já hoje? LB - Um exemplo vem do Quebeque, no Canadá, onde desenvolveram a “prescrição colectiva”. Trata-se de um protocolo de cuidados, desenvolvido em

conjunto pelos médicos e pelos farmacêuticos, que define os critérios de inclusão e de exclusão. Após avaliar que todos os critérios de inclusão são cumpridos e que não se verificam

«No Reino Unido, o Governo pretende que os doentes visitem as farmácias, em vez dos serviços de urgência» critérios de exclusão, o farmacêutico pode registar o nome do doente e dispensar um medicamento sujeito a receita médica. Esta prática também significa que, quando um doente apresenta um critério de exclusão e é referenciado, o médico já sabe que esse doente pode precisar de ser visto o mais rapidamente possível. A “prescrição colectiva” está a ser aplicada a condições

tais como infecções e náusea na gravidez. Outro exemplo vem da Escócia, onde, em certas condições, os farmacêuticos dispensam medicamentos que não necessitam de receita, e são financiados pelo Estado por essa prática. Mesmo nos países em desenvolvimento, estamos a ver os farmacêuticos a desempenhar esse papel. Por exemplo, na Índia, os farmacêuticos estão envolvidos num programa que visa a identificação de doentes com suspeita de tuberculose, para os referenciar. FP - Como avalia o papel da FIP no desenvolvimento da Farmácia nos diferentes países e de que modo percepciona esse contributo efectivo localmente? LB - A FIP existe para facilitar o desenvolvimento da profissão através de standards e normas, assistência técnica, partilha das melhores práticas, e estímulo à discussão e intercâmbio entre as organizações-membro. Através do nosso trabalho de advocacia, as políticas internacionais estão a reconhecer melhor as contribuições dos farmacêuticos. Mas, em última análise, as nossas ferramentas destinam-se a ser utilizadas pelas associações nacionais, pois são elas

que conhecem verdadeiramente as necessidades locais, actuais e futuras. Para a FIP, é um feito digno de registo ver que muitas das nossas organizações-membro usam a nível nacional o nosso trabalho. O reconhecimento mais importante do trabalho da FIP não é a visibilidade da organização, mas sim a evolução da profissão apoiada no nosso trabalho. FP - Que drivers, como a remuneração por exemplo, podem reforçar a intervenção da farmácia no sistema? LB - As prioridades da FIP que descrevi são drivers evidentes. Mas acrescento que há um grande interesse em determinar as expectativas dos farmacêuticos, com os decisores políticos e outros parceiros. Essas expectativas são cruciais para assegurar que a nossa profissão pode planear o desenvolvimento para atender às necessidades. Em algumas partes do mundo, como a Irlanda do Norte, os governos têm tomado parte num diálogo construtivo com a profissão e elaborado planos nacionais que definem as expectativas e objectivos de desenvolvimento da profissão para os próximos cinco anos.

FARMÁCIA PORTUGUESA

39


entrevista

As escolhas de Luc Pedimos ao nosso entrevistado que nos revelasse como gosta de passar o tempo livre. Tratando-se de um francês, da Borgonha, quisemos também saber quais as suas sugestões gastronómicas.

«Sou um admirador de escultura. Nesta arte, mais que em outros tipos de arte, quem observa a obra tem um papel fundamental. A forma como se olha para uma peça – de cima, de baixo, à direita ou à esquerda – determina a nossa percepção. De certa forma, tornamo-nos o produtor do espectáculo. Também sou um entusiasta de História e de viagens.»

FARMÁCIA PORTUGUESA

INTRODUÇÃO À COZINHA FRANCESA Cinco tentações de um borgonhês:

40

• Crepes da Bretanha: «Deliciosas» panquecas salgadas • Coelho com mostarda: «Típico da minha região, a Borgonha» • Ratatouille (guisado de legumes provençal) • Pastelaria: «Vá a qualquer pâtisserie em França e experimente de tudo!» • Chocolate: «Qualquer um…»



museu da farmácia

Microscópio

Imagens que mudaram o mundo Por João Neto, director do Museu da Farmácia Quando, na década de 1590, Hans e Zacarias Janssen, pai e filho, modestos fabricantes de óculos, construíram o primeiro microscópio da História, estariam longe de imaginar a revolução científica que daí adviria. Embora extremamente rude, tanto na qualidade da imagem como na capacidade de ampliação (9x), a invenção destes holandeses veio, pela primeira vez, tornar visível um mundo até então oculto aos olhos humanos. O microscópio provocou uma expansão da realidade conhecida e abriu caminho à construção de novas bases científicas, que puseram em causa conceitos mágico-religiosos antigos, entre eles, o da doença como castigo e as suas

Microscópio composto, modelo de Edmund Culpeper Bronze, madeira, pele de raia e pergaminho Tem uma gaveta na base, onde estão guardados alguns acessórios, como porta amostras e lentes objectivas de diferentes distâncias focais Fabricado por Thomas Wright, Inglaterra, 1720

supostas origens sobrenaturais. Se houve um instrumento capaz de revolucionar mentalidades e o próprio rumo da História, esse instrumento foi o microscópio. Agora, o Comité Nobel vem atestar que ele continua a romper as barreiras do conhecimento, permitindo ver, em tempo real, o que biologicamente acontece a um nível nanomicrológico. Eric Betzig, Stefan Hell e William Moerner foram distinguidos, este ano, com o Prémio Nobel da Química, pelo desenvolvimento de técnicas de observação e estudo do comportamento de partículas 500 vezes mais finas do que o cabelo humano, barreira que parecia impossível de ultrapassar pela ciência microscópica.

42

Das primeiras publicações de observações realizadas com um microscópio composto, a mais significativa seria a do inglês Robert Hooke, de 1665. “Micrographia” é notável pelas ilustrações minuciosas e vários relatos de exames a todos os tipos de objectos e matérias, desde flocos de neve a navalhas. Eram desenhos e textos que falavam de coisas a todos acessíveis, mas descritas de um ponto de vista tão diferente, tão pormenorizado, que adquiriam um carácter quase fantástico. Os minúsculos pêlos

descobertos nas pulgas e os poros da cortiça, aos quais decidiu chamar de «células», encontravam-se entre os mais impressionantes. Depressa circularam relatos sobre a incrível pulga gigante, gerando um enorme interesse nas pessoas. A organização de eventos para observações tornou-se moda entre as camadas mais altas da sociedade e pouco demorou até que os microscópios passassem a ser parte integrante dos espectáculos itinerantes de curiosidades.

Colecção particular

FARMÁCIA PORTUGUESA

A incrível pulga gigante

Imagem de “Micrographia”, de Robert Hooke, 1665


Foi precisamente um fã de “Micrographia” o responsável pelo grande salto evolutivo na microscopia. Anton van Leeuwenhoek (1632-1723), um comerciante de tecidos e fabricante de chapéus, cujo sucesso do negócio permitiu reunir a maior colecção de lentes do mundo, conseguiu criar um microscópio de lente única, com um poder de ampliação de 270x. Leeuwenhoek, contemporâneo de Hooke, relatou um universo inteiro de vida microscópica, de que fazem parte protozoários, nematódeos, rotíferos, e muitos, muitos mais, tornando-se assim pioneiro em

diversos campos de estudo. Actualmente é considerado o pai da Microbiologia. Foi também este chapeleiro holandês, improvável cientista, quem fez algumas das descobertas mais importantes para a área da Saúde: identificou bactérias, glóbulos vermelhos no sangue, espermatozoides, confirmou a existência de um sistema circulatório. A publicação das múltiplas cartas que enviou à Royal Society de Londres, e a sua respectiva tradução, serviram de incentivo a muitos outros ao prosseguimento de investigações em diferentes campos, permitindo que se avançasse

Colecção particular

O chapeleiro que descobriu as bactérias

Ilustrações de algumas das observações de Leeuwenhoek no conhecimento do próprio corpo humano, mas também

do modo como o mundo exterior com ele interage e o afecta.

Portabilidade e luz Durante um largo período, foram sendo feitas melhorias incrementais no design dos microscópios. Alguns tornaram-se mais pequenos e portáteis, o que facilitou o seu transporte pelos investigadores em viagens exploratórias e lhes permitiu a

Madeira, pele de raia e vidro Alemanha, Nuremberga, 1750

expedições científicas, especialmente pelos botânicos. Só na segunda metade do séc. XIX os microscópios voltaram a registar avanços tecnológicos, com a incorporação de melhorias assentes em teorias desenvolvidas quase 200 anos antes pelo físico e matemático inglês Isaac Newton. Amigo de Robert Hooke, Newton dedicou-se à compreensão dos problemas relacionados com a óptica e a natureza da luz, e publicou em 1704 a obra “Opticks”, onde expôs a sua teoria sobre os fenómenos da refracção, reflexão e dispersão. Seriam estes que viriam a ser aplicados na melhoria das lentes dos microscópios, com os trabalhos do engenheiro alemão Carl Zeiss e do vidreiro Otto Schott, apoiados na colaboração do matemático Ernst Abbe.

Microscópio Invertido, para estudos químicos Bronze e madeira França, Paris, 1880 Marca Nachet & Fils

FARMÁCIA PORTUGUESA

Microscópio miniatura

análise, in loco, de novos microrganismos, mas também a identificação de novas espécies animais e vegetais. Do espólio do Museu da Farmácia fazem parte nove microscópios datados dos séc. XVII e XVIII, provenientes da Alemanha, Inglaterra e França, um deles, portátil, de enroscar, muito utilizado em

43


consultoria fiscal

Transformação de empresa individual em sociedade

O Imposto do Selo

FARMÁCIA PORTUGUESA

Por J. A. Campos Cruz, Consultor ANF

44

1. CONTEXTO O agravamento da tributação pessoal sobre os rendimentos empresariais verificado nos últimos anos, e o sinal que tem sido dado no sentido de dar continuidade ao desagravamento, já iniciado em 2014, da tributação do rendimento das pessoas colectivas, tem levado muitas empresas em nome individual (ENI), detentoras de farmácias, a transformarem-se1 em sociedades comerciais. Outras irão, previsivelmente, seguir o mesmo caminho, a não ser que o actual quadro legal aplicável sofra alterações que invertam essa tendência. Na maioria dos casos, a solução adoptada tem passado pela transformação da ENI em

sociedade unipessoal por quotas (SU), por se entender que é essa a melhor forma de evidenciar, e transmitir a quem as possa vir a auditar, a ideia de continuidade2, que os artigos 38º, do CIRS e 86º, do CIRC têm subjacente na concepção do regime de neutralidade fiscal. Por se tratar de matéria de relativa complexidade técnica, que requer uma análise fina e casuística, não vamos, aqui, tratar do regime de neutralidade fiscal e das condições que têm de ser observadas para que a sua aplicação3 se faça com segurança. Falaremos, apenas, do imposto do selo que os notários e conservadores têm considerado devido, e aplicado, aquando da celebração dos contratos de sociedade

ou do seu registo. Isto, pela importância que esse encargo assume no cômputo geral dos custos a suportar com a realização deste projecto societário. 2.1. Competência para liquidar o imposto Nos actos e contratos em que tenham intervenção directa, os notários e conservadores são os responsáveis pela liquidação do imposto e pela sua entrega ao Estado4, podendo, se o imposto não estiver assegurado, retirar a eficácia desses actos ou contratos. Por liquidação, aqui em sentido amplo, entenda-se a avaliação dos pressupostos associados à definição do facto gerador e a quantificação do imposto e respectivo valor tributável.

2.2. Posição dos notários e conservadores Na generalidade dos casos, os notários e conservadores têm entendido que a constituição de uma sociedade comercial, com o capital realizado em espécie através da transferência, para a sociedade, do património até aí afecto à ENI, é, para efeitos de imposto do selo, um “trespasse” considerando essa operação sujeita a esse imposto, por aplicação da verba 27.1., da Tabela (5% sobre o valor do património transferido). Defendem os notários e conservadores que o conceito de “trespasse de estabelecimento comercial …”, previsto na verba 27.1 da tabela, não se circunscreve ao trespasse de um


estabelecimento arrendado, considerando que o legislador pretendeu, com a ausência de uma definição expressa de trespasse, dar maior abrangência a esse conceito. Com base nesta interpretação, entendem enquadráveis na verba 27.1, da tabela, não só os trespasses em sentido jurídico como, também, os trespasses em sentido económico5 (sem a transferência dos direitos de arrendamento). 2.3. Posição da Autoridade Tributária Quando chamada a tomar posição sobre este assunto e a ter de dar resposta escrita a pedidos de informação com carácter vinculativo, a AT tem tido posição diferente, considerando que só há trespasse e consequente sujeição a imposto do selo quando, com o restante património, se transferem, também, direitos de arrendamento. Consequentemente, não há sujeição a imposto nos casos em que a farmácia exerce a sua actividade em prédio próprio e não altera a afectação do imóvel depois da transformação em sociedade. Defende e sustenta a AT que,

não tendo o legislador feito a definição legal de trespasse, “a transmissão de um estabelecimento comercial em espaço não arrendado não se reconduz ao instituto de trespasse”. Isto, porque não se verifica, nesse caso, o elemento específico que está associado a essa figura (a transmissão da posição de locatário para o trespassário). Com base nesta interpretação, o imposto do selo, previsto na verba 27.1, da tabela, só é devido quando a universalidade do património transmitido, inclui, também, os direitos de arrendamento6. CONCLUSÃO Para quem tem em projecto a transformação da sua ENI em sociedade, dois caminhos se colocam: • ou se paga, no momento da celebração e registo do contrato de sociedade, o imposto do selo exigido pelo notário ou conservador, reclamando-se7, posteriormente, dessa liquidação; • ou se apresenta à AT, antecipadamente, um pedido de informação vinculativa, celebrando-se o contrato de sociedade só depois de obtida a resposta a esse pedido.

FARMÁCIA PORTUGUESA

(1) O termo “transformarem-se” não é juridicamente rigoroso. É aqui utilizado, apenas, para facilidade de comunicação e compreensão. (2) A constituição de outro tipo de sociedade não prejudica a aplicação do regime de neutralidade fiscal, desde que o anterior empresário individual detenha, no mínimo, 50% do capital da sociedade constituída. (3) Para a não tributação das mais-valias resultantes da transferência do património da ENI para a sociedade. (4) Os notários e conservadores são sujeitos passivos do imposto do selo nos termos da alínea a), do nº1 do artigo 2º, do CIS. (5) Acórdão do Tribunal do Comércio de Lisboa nº1413876, de 10-09-2009. (6) Parecer nº522/2007, da DSJC/DGCI, Parecer 23/2013 do CEF/AT e Informação da DSIMT/AT, de 13-01-2014. (7) Junto da AT e com a utilização dos meios de defesa previstos na LGT e CPPT.

45



farmacêutico convida

Madeira Sérgio Magro, de 32 anos, é adepto de desportos náuticos. Farmacêutico irreverente, convida os colegas a redescobrir o que os navegadores quatrocentistas encontraram no Atlântico.

Sérgio Magro assume a direcção técnica da Farmácia da Madalena, no Caminho de Santo António, no Funchal, freguesia que viu nascer Cristiano Ronaldo. Moderna e luminosa, dotada de parque de estacionamento, a farmácia aposta nos serviços, nos horários alargados e no bom ambiente que reina na equipa. É propriedade da empresa familiar de que também faz parte a mãe. Presença activa na farmácia que abriu há 27 anos, então na Penteada, Maria Cecília Magro criou três filhos. Sérgio é o mais novo. Ligado à família, andou pelo Porto e por Lisboa, onde completou o curso. Regressou às origens já lá vão sete anos. Delegado Regional da ANF, elege como hobby de eleição o windsurf. Farmacêutico bem-disposto e solidário conhece bem os recantos da Madeira. Em especial as praias onde iça a vela e se lança na prancha. Não se pense que as tradições da região lhe são estrahoje se situa a farmácia.

FARMÁCIA PORTUGUESA

nhas. O avô produzia vinho na quinta onde

47


farmacêutico convida

FARMÁCIA PORTUGUESA

um GUIA DA MADEIRA ALTERNATIVA

48

Não fomos à Madeira ver as vistas no Teleférico do Funchal, conhecer as casas de colmo de Santana ou descer a encosta nos cestos do Monte. Testemunhámos outra Madeira, mais alternativa, guiados por Sérgio Magro. O farmacêutico mostra-nos o que mais ama na ilha, sempre ao ar livre. De preferência através de passeios pedestres, para desfrutar do panorama e ganhar saúde. A Levada de Piornais, no Funchal, é íngreme e cheia de precipícios, mas não nos mete medo. Os inúmeros picos são poucos para abraçar horizontes tão vastos e contemplar a beleza rara que justifica os epítetos de “pérola do Atlântico” e “jardim flutuante do Atlântico”. Ou paraíso do Atlântico. Começamos pelo fim. É na zona piscatória do Paúl do Mar que Sérgio Magro mais gosta de passar o final da tarde, a ver o pôr-do-sol. A esplanada do surf bar Maktub serve mojitos e passa reggae junto à praia da Ribeira das Galinhas. Aqui pratica a arte do windsurf. Dentro de água, afiança, a perspectiva da terra é bem diferente, acentuada por uma escarpa, que esconde trilhos de BTT. Local sossegado, ideal para retemperar forças, longe do stress. A natureza reserva-nos um espectáculo no Seixal, a Sudeste do Porto Moniz, passando pelas Grutas de São Vicente. Com vinha nas encostas, peixe-espada e facaio no mar, é terra de contraste entre a serra verdejante e o azul do oceano. É aqui que nos deslumbramos com as cascatas entre rochedos. O “Óscar das quedas de água” vai para o Véu da Noiva, que brota de altura considerável e se precipita com força em pleno mar, formando um véu branco de espuma. Ainda no Seixal, há tempo para admirar as piscinas naturais, formadas por pedra vulcânica


de cor negra. Pequenos lagos no mar, que a lava criou. Apesar da forte concorrência quando procuramos uma vista panorâmica sem igual, não há que enganar na escolha. Requalificado em 2012, com um skywalk semelhante ao do Grand Canyon, agora vale ainda mais a pena observar a paisagem a partir do miradouro do Cabo Girão. Avista-se praia e mar, desde a baía do Funchal ao Estreito de Câmara de Lobos, assim como as Ilhas Desertas. Na nova varanda de vidro transparente do segundo maior promontório do mundo e o mais alto da Europa, temos a sensação de estar suspensos no ar. É local eleito para saltar de parapente e pára-quedas. Impressiona como, no sopé da falésia, o homem cultiva pequenos terrenos entre rochas, a que chamam fajãs.

A vista oferece puros momentos de contemplação e respira-se ar perfumado pela vegetação

LAURISSILVA ENCANTOU DARWIN Caso raro de beleza natural, a Madeira é mencionada diversas vezes em “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin, devido à preciosidade das suas espécies, com realce para as flores exóticas. O naturalista britânico explica que a ilha possui características que a distinguem como lugar único, sendo a maior e mais bem conservada mancha de Laurissilva da Macaronésia, onde sobressaem o loureiro, o barbuzano, o castanheiro e a nogueira. Abrangendo cerca de dois terços do território da ilha, o Parque Natural da Madeira é área protegida, pela riqueza do seu património natural. Com grande variedade de jardins e parques cuidadosamente mantidos, não estranha que o Funchal tenha recebido um galardão de ouro e sido intitulado a “Cidade Florida Europeia de 2000”, por ser um dos mais belos jardins do mundo.

FARMÁCIA PORTUGUESA

Da Eira do Serrado vemos o Curral das Freiras, vila assim chamada por ter servido de refúgio às freiras do Convento de Santa Clara, que fugiam dos corsários franceses, no século XVI. À distância de 500 metros, parece um enorme presépio. Cravado no fundo de um vale isolado, foi cratera dos vulcões que há milhões de anos deram origem à ilha. A vista proporciona puros momentos de contemplação e respira-se ar perfumado pela vegetação abundante. Talvez pelo clima subtropical que dá a sensação de Primavera

permanente, proporcionada por temperaturas médias anuais superiores a 20o, esta é uma ilha de pessoas felizes, que parece estar sempre em festa. Seja por altura do Carnaval ou do Festival do Atlântico, seja nas festas da flor, cereja, banana, lapa e vinho. Sérgio Magro personifica o espírito dos conterrâneos, sempre de bem com a vida. Nem as desgraças, como o temporal de Fevereiro de 2010 que provocou a aluvião na parte baixa do Funchal, quebram o espírito desta gente. A Madeira não é só rica em alegria. É riquíssima em recursos naturais, fauna, flora, artesanato e gastronomia. Entre os produtos que a notabilizam, como banana, frutos tropicais, batata-doce, poncha ou bordados e obras de vime, merece destaque o Vinho da Madeira, produzido nas encostas íngremes. O segredo do sabor distintivo reside não só no rico solo vulcânico e clima ameno, mas também na variedade de vinhas, do processo de fortificação único, da maturação em casco e das principais castas, Sercial e Tinta Negra. As cores deste vinho licoroso vão do âmbar ao dourado e os aromas revelam baunilha, caramelo e frutos secos.

49


farmacêutico convida

FARMACÊUTICO rendido ao WINDSURF «É uma sensação de libertação. Esqueço tudo quando estou dentro de água». Em apenas duas frases, Sérgio Magro revela o que mundo do windsurf lhe proporciona. Com 1.370 metros de altitude média, entre falésias e picos montanhosos superiores a 1.800 metros no norte, a acidentada Madeira oferece vales profundos, ideais para a prática de ciclismo de montanha, BTT ou mesmo para vertiginosas descidas downhill. Cada vez mais, porém, há quem prefira actividades náuticas, como mergulho e canoagem. E sobretudo surf, paddle e kitesurf, tão na moda.

FARMÁCIA PORTUGUESA

Os amigos telefonam-lhe a avisar quando encontram boas condições para o windsurf, mas a farmácia «rouba muito tempo»

50

Naturalmente, como bom aficionado do windsurf, Sérgio Magro aproveita cada pedaço da extensa costa da ilha, que totaliza cerca de 160 km, e a temperatura da água do mar, a qual varia entre 17 graus no Inverno e 26 no Verão. Pouco lhe importa que as praias de areia fina se contem pelos dedos. Até já está habituado às marcas e cortes que pedras e calhaus lhe infligem nos pés e nas pernas. São «ossos do ofício», reconhece, sorridente. Salvaguardas as distâncias, lembra os sacrifícios que

o madeirense João Rodrigues passou para ser campeão mundial e europeu e participar em seis Jogos Olímpicos (entre 1992 e 2012), em prancha à vela - RS:X. «Promovendo a nossa região por todos os cantos do mundo onde compete», diz, com indisfarçável vaidade da sua terra. Sérgio Magro vai para o mar em qualquer ponto da costa sul: no Funchal, a oeste – Paúl do Mar e Calheta são escolhas habituais – ou a leste – onde opta pela Prainha do Caniçal (a única de areia de origem vulcânica natural na ilha), Santa Cruz (por baixo da pista do aeroporto) ou Praia dos Rei Magos (que reúne factores favoráveis de proximidade e bom vento). Isto, desde que saiba que sopra de feição e a maré ajuda. Os amigos telefonam-lhe a avisar quando encontram boas condições para o windsurf, mas a farmácia «rouba muito tempo». Raramente consegue juntar-se a eles, lamenta.

medo do guincho Garrett McNamara, o destemido surfista norte-americano de ondas gigantes, também surfou no Paúl do Mar. Foi a convite do Turismo de Portugal, para promover a região. Na altura, em Outubro deste ano, comparou a Madeira ao Havai, por ter imensos pontos perfeitos para a modalidade. «É o céu para fazer surf», constatou. A paixão de Sérgio Magro pelo freestyle, vertente recreativa do windsurf que privilegia acrobacias e criatividade, surgiu após o curso de iniciação, aos 16 anos, a que se seguiu outro, já de aperfeiçoamento. Antes, foi acometido pela febre do basquetebol, que praticou no Clube Desportivo Nacional,


inspirado pelo ídolo Michael Jordan. Interrompeu os mergulhos nos anos de estudo na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, porque, confidencia, «a minha mãe tinha pânico que eu fosse para a Praia do Guincho», em Cascais, conhecida pelo vento forte, mas também pelo mar revolto. Retomou a prática há quatro anos, «para não mais parar». Às 13 horas de domingo, quando a farmácia fecha, é comum vê-lo a sair na carrinha branca Hyundai de nove lugares, de 2001, que comprou já usada, por 3.500 euros. Riscada e com autocolantes brancos do imaginário surfista, é nos seus bancos rebatidos que transporta as pranchas, também em segunda mão. Rumo à liberdade.

FARMÁCIA PORTUGUESA

Sérgio Magro até já está habituado às marcas e cortes que pedras e calhaus lhe infligem nos pés e nas pernas

51


farmacêutico convida

FARMÁCIA PORTUGUESA

ENGENHO QUE É MUSEU em plena laboração

52

Com o declínio da indústria açucareira madeirense, os canaviais que moldam a paisagem do litoral agrícola foram reaproveitados para a produção de aguardente e mel. Dos oito engenhos (unidades industriais que transformam a cana sacarina) que funcionaram na ilha, subsistem quatro. Com orgulho nas tradições da sua terra, Sérgio Magro insistiu para que visitássemos o principal, o Engenho da Calheta. Situa-se na costa oeste, no caminho descendente para o porto da vila. Desde há 62 anos e com origens que remontam há 113, o mel e a aguardente de cana e seus derivados são produzidos nesta fábrica durante um mês, sempre após a Semana Santa. O engenho, outrora movido apenas a água, usa agora também a força do vapor para destilar a

cana-de-açúcar cultivada localmente. O esforço das máquinas é suportado por uma equipa de cerca de 40 pessoas.

Em Julho passado, abriu ao público o único espaço museológico da cana-de-açúcar na Madeira O processo é simples. Os molhos de canas-de-açúcar descarregados por camionetas são cortados ao meio e entram na máquina de trituração. O sumo de cana resultante do processo ferve em

tanques de fermentação e forma-se, nos alambiques, o produto final: aguardente de cana, com graduação entre 40o e 50o. Quando não está a laborar, este espaço agro-industrial e turístico vende aguardente e mel de cana, e produz as broas e os afamados bolos de mel, confeccionados com mel de cana da Calheta e frutos secos, segundo uma receita original. É nesta época que se pode visitar as instalações e conhecer a maquinaria, bem como provar os deliciosos produtos tradicionais. O Engenho funciona, assim, como museu ao vivo, a que o visitante se associa.

Ponto incontornável de atracção turística local, o Engenho da Calheta não tem parado de se expandir, como comprova a criação da loja e sala de provas e, já neste século, da adega e da área de produção agrícola. Desta forma, integra todas as fases do processo: cultura, colheita, transporte, trituração, fermentação, destilação, engarrafamento e comercialização de aguardente sacarina. Em Julho deste ano, abriu ao público o único espaço museológico da cana-de-açúcar na Madeira, no qual recria a sua própria história, através de engenhos e artefactos industriais dos séculos XIX e XX.

CALHETA Avenida D. Manuel I, 29 T. 291 822 264 pt-pt.facebook.com/sociedadedosengenhosdacalhetalda


um copo de PONCHA ENTRE CARTÕES DE VISITA No concelho da Ribeira Brava, uma mercearia com quase 70 anos alberga a Taberna da Poncha, também conhecida por “A Poncha da Serra d’Água”, em cujo vale se situa. Ponto de encontro de início ou fim de noite – está aberta das 6h à 1h da manhã – é de passagem obrigatória para madeirenses e forasteiros, seja no minúsculo espaço interior, seja na esplanada coberta por parras de videira. É aqui que, há três décadas, se prova a verdadeira poncha da Madeira. Fresca ou natural, com teor alcoólico entre 18o e 25o. O local é diferente de tudo o que se conhece, com elementos de tempos idos, como rádios e uma balança antigos. O mais curioso são as paredes, e também já par-

caipirinha. Actualmente, é feita com sumo de laranja e de limão espremidos, mel e aguardente de cana – tudo bem mexido com o pau da poncha, de madeira. Derivações mais recentes incluem novos sabores como o kiwi, só limão, frutos vermelhos ou maracujá, este muito procurado no Verão, com gelo. A ponchinha de eleição de Sérgio Magro é a de tangerina, que por vezes toma no regresso de uma ida ao norte da ilha para fazer windsurf, «se calha em caminho». te do tecto, forrados com milhares de cartões de visita e notas antigas, inclusive de países de outros continentes, afixados pelos clientes. O ambiente, animado e familiar, junta os pequenos copos de poncha aos amendoins.

Manda a tradição que as cascas sejam atiradas para o chão e os clientes cumprem. A poncha, bebida tradicional da região que remonta à época dos Descobrimentos, chegou à Índia e ao Brasil, onde deu origem à

SERRA DE ÁGUA Sítio da Lage T. 291 952 312 www.facebook.com/poncha.serra.agua

qual ESPETADA? vamos nas TRUTAS RECHEADAS! e cozinhado segundo a receita original da casa. Bem condimentado, com pimentos vermelhos, cebola, orégãos e muita salsa, é acompanhado de tiras crocantes de saboroso milho frito. Conselho para acompanhar: um delicioso vinho de mesa do Seixal: Terras do Avô, branco, da casta verdelho. Sérgio Magro prefere a cerveja Coral, da empresa madeirense que também produz os refrigerantes Brisa. Para sobremesa, pudim de maracujá. Não podia faltar o típico bolo do caco, entrada sugerida pelo nosso farmacêutico. Ainda quentinho e com manteiga de alho derretida no pão de trigo, tradicionalmente cozido em pedra de basalto a escaldar.

SEIXAL Chão da Ribeira T. 291 854 559 www.casadepastojustiniano.com

FARMÁCIA PORTUGUESA

Espetada assada em pau de louro ou bife de atum. Poderia ser uma destas a proposta gastronómica, mas Sérgio Magro optou por uma ementa menos conhecida. A iguaria selecionada foi a truta recheada, servida na Casa de Pasto Justiniano. Localizado num sítio rural da freguesia do Seixal – concelho do Porto Moniz, no noroeste da Ilha – o espaço é genuinamente rústico, em madeira escura aquecida pela lareira da sala principal. A vista é de serra, ou não estivéssemos num vale tranquilo do parque natural da laurissilva, classificada pela UNESCO como Património da Humanidade, em 1999. Entra-se e dá-se de caras com o atencioso proprietário, que empresta o nome à casa, e com o “Certificado de Excelência” de 2014 da TripAdvisor (4,5). Talvez por isso, enche sempre ao fim-de-semana. Aqui, o peixe é fresco, capturado num viveiro local

53


farmacêutico convida

FARMÁCIA PORTUGUESA

Não há pôr-do-sol como este

54

«É no jardim principal da Estalagem da Ponta do Sol que se pode observar um dos mais fantásticos pores-do-sol na Madeira», garante Sérgio Magro, que fez questão de nos levar ao local, para provar que não estava a exagerar. E não estava! Por volta das cinco e meia da tarde, vimos o mar devorar rapidamente o sol, mesmo antes de ser alcançado pelas nuvens que se aproximavam. Belo espectáculo, o que o nosso farmacêutico aconselhou. Não se pense que é só a vista privilegiada para o pôr-do-sol que a estalagem oferece. Na verdade, é muito mais que uma estalagem cool, este design hotel estilizado que adoptou o nome da pacata vila piscatória

que o acolhe. Com a serra atrás, o deck e a piscina de beiral infinito sobre o oceano Atlântico são de cortar a respiração, tal como a sala de refeições panorâmica. Aliás, todos os espaços foram pensados de forma a maximizar a vista para o mar: desde a sauna ao jacúzi, passando pela piscina interior e pelas varandas dos quartos. Depois de conhecer todos os recantos da estalagem, não conseguimos deixar de pensar como é perfeita a fusão que consegue com a natureza. Suspensa numa falésia da costa sul da Madeira, está rodeada por encostas de bananeiras, com altitude muito superior. O miradouro do jardim dá ampla vista para o mar e para uma

pequena praia de calhau, de águas calmas, com calçada portuguesa nos acessos. Para sentir sem pressa, numa escapadela de sonho de um qualquer fim-de-semana. Resultado da renovação de uma quinta tradicional, em 2001, a estalagem pode gabar-se de gozar do melhor clima e do maior número de horas de sol na ilha. A luminosidade ímpar chama-nos para um fim de tarde nos pufes do jardim, espaço que acolhe festas, eventos temáticos e, no Verão, concertos intimistas. PONTA DO SOL Quinta da Rochinha T. 291 970 200 www.pontadosol.com


A TRADIÇÃO DE NATAL AINDA É O QUE ERA Todos os anos, a 23 de Dezembro, Sérgio Magro marca presença na Noite do Mercado, no Funchal. Como milhares de madeirenses, faz compras nas ruas à volta do Mercado dos Lavradores e aproveita as barraquinhas para comer sandes

de carne de vinho e alhos, beber uma nikita e sentir o sumo das tangerinas da região. A noite começa pelas 19 horas e só termina às 10 da manhã, animada por ranchos folclóricos e bandas. À meia-noite, as pessoas juntam-se no Mercado

a entoar cânticos de Natal. A partir do dia da Imaculada Conceição (8 de Dezembro), ocorre uma das mais antigas marcas da cultura rural do arquipélago: a matança do porco. Passado à mesa, é um dia de festa, que reforça laços com familiares, amigos e vizinhos. Mas as celebrações da “Festa”, como o povo designa o Natal, só têm início com as nove Missas do Parto, de 16 a 24 de Dezembro. Manifestação de fé cristã só existente na Madeira e no Porto Santo, evoca a gravidez da Virgem Maria. O ritual – religioso, mas também pagão – envolve convívios nos adros das igrejas, depois da missa. Canta-se ao desafio, ao som de acordeões e castanholas. A atenção dos turistas concentra-se na decoração das ruas e na iluminação da baixa do Funchal. Presas em árvores e postes de iluminação, figuras de Natal e 400 mil lâmpadas coloridas tornam mágica a quadra. Com destaque para a Avenida Arriaga, povoada de presépios, onde se exibem coros. O ponto alto da tradição natalícia madeirense são os presépios. Conhecidos por “lapinhas”, são de dois tipos. A “escadinha” deve o nome à escadaria em

madeira sobre a qual é feita. No cimo está o Menino Jesus e em cada degrau é colocada fruta. Como decoração, a cabrinha e searas, vasos com sementes de trigo e milho, que ao espigarem exaltam a lapinha. Já a “rochinha” representa o nascimento do Menino numa gruta (lapa), rodeada de casario, veredas e quedas de água.

Missas do Parto são um ritual que só existe na Madeira e no Porto Santo Na mesa da noite de consoada, carne e canja de galinha madeirense, que Sérgio Magro não dispensa. Ao almoço do dia 25, é a vez do peru recheado ou da carne de porco frita marinada em vinho e alhos. Bebe-se licores caseiros e vinho da Madeira. Doçarias eleitas: bolo de família e broas de mel. Na casa do farmacêutico, pela influência continental do pai, é servido bacalhau cozido no dia 24. Só depois da Missa do Galo são abertos os presentes.

SEM FOGO-DE-ARTIFÍCIO NEM O ANO PASSA música, com postos de queima no anfiteatro natural da cidade, na baixa, na orla marítima, em pleno mar e na ilha do Porto Santo. Os miradouros das zonas altas são os mais procurados para avistar o fogo. Já os paquetes e navios de cruzeiro, carregados de turistas, fazem soar os seus apitos e saem para o mar, beneficiando de uma perspectiva única. Sérgio Magro começa a celebrar o fim do ano a 30 de Dezembro, em festas espalhadas pelo Funchal. No dia 31, é em casa, com a família e os amigos, que mais

gosta de mirar o fogo e seguir a tradição de comer 12 passas e beber champanhe. Os festejos continuam nos eventos públicos que duram toda a noite. Ciente da “mina de ouro” que tem ao seu dispor, o Governo Regional despende este ano três milhões de euros nas festas de Natal – mais de um milhão reservado à animação da noite de fim do ano. É certo que se trata de um montante muito elevado, para mais em época de crise e contenção, mas Alberto João Jardim vê-o como investimento no turismo da região.

FARMÁCIA PORTUGUESA

O mais importante cartaz turístico da Madeira é a festa de fim do ano. Milhares de estrangeiros assistem ao espectáculo de fogo-de-artifício, o maior do mundo, como atesta o Livro Guiness dos Recordes. O estatuto foi adquirido na noite de S. Silvestre de 2006/2007, graças a toneladas de fogo-de-artifício e a 66.326 foguetes, lançados a partir de 37 pontos. Ano após ano, a explosão de cores que iluminam a baía do Funchal repete-se. Um show pirotécnico de apenas oito minutos, sincronizado e ao som de

55


farmacêutico convida

FARMÁCIA PORTUGUESA

Um cais que perdura

56

Poderia “O Último Cais” ser igual se não se desenrolasse na Madeira? É pouco provável. Faltar-lhe-ia a alma da ilha: o agreste e o florido, o precoce cosmopolitismo do Funchal, a profunda influência estrangeira. Traços de “carácter” que perduram, volvidas décadas sobre o período em que a obra incide. A tardia estreia literária da jornalista Helena Marques, em 1992, situa-nos na “boa sociedade” funchalense que ajudou a moldar o arquipélago, no caso entre a segunda metade do século XIX e os alvores do seguinte. História de amor, é afinal pretexto para seguir o percurso de uma família com raízes no exterior,

que vive entre quintas senhoriais e hotéis, como o Reid’s, cujo glamour o tempo não desfez. Uma família patriarcal por peso da tradição e, todavia, sensível aos ventos da igualdade entre sexos que começam a soprar. Uma família antiesclavagista e republicana (o romance até alude, en passant, às tertúlias numa farmácia, onde se discutia o fim da monarquia). Suspeitará o leitor que o madeirense anónimo não tem espaço neste quadro. Puro engano: o povo não faz a História, mas sem ele a História não se faria. Nesse tempo em que as classes mais humildes chamavam lorde a qualquer estrangeiro que falasse inglês, as velhas criadas vindas do “campo” eram o elo de ligação entre gerações de famílias abastadas. «0 que faríamos nós sem elas, sem Felismina, Ludovina, Rosa, Madalena?», interroga-se a infortunada Raquel,

presente até à última página, apesar de a morte a ter levado na flor da idade. “O Último Cais” evoca uma cidade ainda percorrida por carros de bois e uma região dizimada pela mortalidade materna e infantil.

É a irreprimível tentação de descobrir o que há para lá do oceano que mais associa a obra à Madeira Onde os dolorosos trabalhos de parto – por vezes fatais para mães e recém-nascidos – podiam prolongar-se por dois dias. É um tempo outro, bem se sabe. Já povoado, contudo, por paisagens e lugares imutáveis – o húmido Monte, a esplendorosa baía do Funchal, a ponta do Garajau, as “mantas” junto à costa – ou celebrações onde o religioso, sempre presente, se veste de profano. Como o Natal, que não

prescinde do bolo de mel, do presépio, da Missa do Parto. Mais: quisesse o romance assumir-se como manual da flora madeirense para leigos e não desmereceria esse estatuto, polvilhado que está de buganvílias e madressilvas, gerberas e lírios. Dois símbolos da identidade madeirense, o “Diário de Notícias” do Funchal e os Vicentes Photographos, marcam presença. Contudo, é a irreprimível tentação de descobrir o que há para lá do oceano, de construir a diáspora, que mais associa a obra à Madeira. As solidariedades imperam, porque «nas ilhas, mais do que noutro local, as pessoas alimentam-se umas das outras até ao limite da saciedade e da decência». Mas Marcos, o protagonista, foge sempre que pode da monotonia da ilha, para não sufocar. «O caminho do mar torna-se a opção do desalento, a curva das mágoas, o antídoto do tédio». o último cais Helena Marques Leya Primeira Edição: 1992



consultoria jurídica

Motivos justificativos para a celebração de contratos a termo

FARMÁCIA PORTUGUESA

Por Eliana Bernardo, PLMJ-Sociedade de Advogados

58

Contrariamente ao que se possa pensar, os contratos de trabalho a termo não são uma “alternativa” à celebração de contratos de trabalho sem termo, constituindo antes uma situação excepcional que, pelas suas características e objectivos, permite que sejam contratados trabalhadores apenas por limitado período de tempo. Na verdade, e salvo casos excepcionais principalmente relacionados com políticas de emprego, os contratos de trabalho a termo só podem ser celebrados para satisfação de uma necessidade temporária da empresa e pelo tempo estritamente necessário à satisfação dessa mesma necessidade. Estes contratos de trabalho podem ser celebrados a termo certo ou a termo incerto, consoante no momento da sua celebração, seja possível determinar a data em que os mesmos irão cessar ou esta cessação dependa de um acontecimento futuro que ainda não seja possível precisar quando irá ocorrer. O Código do Trabalho dá-nos alguns exemplos de motivos que podem justificar a celebração de contratos de trabalho a termo, sendo identificados no quadro 1 os motivos que podem ser

Os contratos de trabalho a termo só podem ser celebrados para satisfação de uma necessidade temporária da empresa e pelo tempo estritamente necessário

invocados nos contratos a termo certo e/ou incerto. Não basta, porém, indicar um dos motivos justificativos aí referidos, tendo o contrato que mencionar os concretos factos que integram esse motivo, bem como estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado no contrato ou nas suas renovações, sob

pena de o contrato de trabalho se considerar celebrado sem termo. Para além de outros requisitos legalmente previstos, os contratos de trabalho a termo têm sempre que ser reduzidos a escrito. Duração dos contratos de trabalho a termo A duração mínima e máxima dos contratos de trabalho a termo depende do motivo justificativo invocado para a sua celebração, bem como do facto de o contrato ser celebrado a termo certo ou incerto. A duração dos contratos de trabalho a termo incerto não pode exceder seis anos. Os contratos de trabalho a termo certo podem ser renovados até três vezes e, consoante o motivo justificativo invocado, podem estar sujeitos a uma duração mínima de seis meses e a uma duração máxima que pode ser de dezoito meses, dois anos ou três anos. Os contratos de trabalho a termo certo que atinjam o limite máximo da sua duração até ao dia 8 de Novembro de 2015 podem ser objecto de duas renovações extraordinárias, desde que:


Contrato a termo certo

Contrato a termo incerto

Substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar; de trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude de despedimento; de trabalhador em situação de licença sem retribuição.

ü

ü

Substituição de trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial por período determinado.

ü

û

Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima.

ü

ü

Acréscimo excepcional de actividade da empresa.

ü

ü

Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro.

ü

ü

Execução de obra, projecto ou outra actividade definida e temporária, incluindo a execução, direcção ou fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração directa, bem como os respectivos projectos ou outra actividade complementar de controlo e acompanhamento.

ü

ü

Lançamento de nova actividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 750 trabalhadores.

ü

û

Contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego, em situação de desemprego de longa duração ou noutra prevista em legislação especial de política de emprego.

ü

û

Motivos justificativos

QUADRO 1

FARMÁCIA PORTUGUESA

(i) A duração total destas renovações não exceda doze meses; (ii) A duração de cada renovação extraordinária não seja inferior a um sexto da duração máxima do contrato ou da sua duração efectiva, consoante a que for inferior; (iii) O limite de vigência do contrato objecto de renovação extraordinária não ultrapasse o dia 31 de Dezembro de 2016. Considera-se sem termo o contrato de trabalho a termo que exceda o limite de duração ou renovações acima referidos.

59


memória

André da Silva Campos Neves

FARMÁCIA PORTUGUESA

(1926-2014)

60


Recto, senhor de um profundo sentido de hierarquia, disciplina e dever, exigente, conciliador: é assim que Maria Luísa Sá e Melo recorda André Campos Neves, catedrático jubilado da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra (UC) falecido a 20 de Novembro, aos 88 anos. Perfil que ajudará a explicar a sua pacífica transição entre regimes políticos, apesar de ter sido deputado sob o salazarismo. Afinal, cultivou amizades «nos mais diversos quadrantes políticos». «Privilegiou sempre a Ciência e o ensino», assegura o filho mais velho, que herdou o seu nome. Embora tivesse «pensamentos de Direita», foi aquele princípio que toda a vida o guiou. «Considerava que a faculdade é para ensinar; não para fazer política. Por isso, não foi minimamente incomodado» após o 25 de Abril de 1974, afirma André Neves, hoje ligado a uma empresa do grupo Medinfar, de que o pai foi um dos fundadores, em 1970. Maria Luísa Sá e Melo, docente universitária à beira da jubilação, foi amiga e discípula do homem cujo contributo para o ensino da Farmácia extravasou largamente a condição de professor e investigador. Sua sucessora na direcção do

Laboratório de Química Farmacêutica da Faculdade de Farmácia da UC, atribui-lhe o talento de ter criado «a atmosfera certa e o entusiasmo pela síntese de esteróides, que os seus colaboradores prosseguiram». A professora testemunha a influência do mestre noutros dois planos: o papel «absolutamente determinante», enquanto deputado, na restauração das faculdades de Farmácia de Lisboa e de Coimbra, e na reforma do ensino de 1978, que «alterou completamente» a estrutura dos cursos. Conta como se envolveu neste processo, com Pinho de Brojo e Cardoso do Vale. Exímio guitarrista de fado de Coimbra, Brojo fora colega de Campos Neves, quer como estudante quer como docente. Em 2000, um ano após a sua morte, o amigo rendeu-lhe homenagem, ao coordenar “Olhares de Saudade”, obra editada pela ANF, com introdução de António Almeida Santos e capa desenhada pela sua mulher, Maria Teresa.

Um Nobel na orientação André da Silva Campos Neves nasceu em Cepos, concelho de Arganil, em 12 de março de 1926. Admitido, em 1945, na Escola de

Campos Neves foi dos poucos docentes que integrou o Senado da Universidade de Coimbra antes e depois da Revolução Graças a bolsas de estudo do Instituto de Alta Cultura e dos laboratórios Glaxo, começou na Universidade de Londres a preparar a dissertação, intitulada “Studies of Steroid Series”. Obteria o PhD em 1957 na Universidade de Glasgow, para onde se transferiu o seu orientador, Derek Barton. Trata-se do Nobel da Química de 1969, cuja oração de elogio Campos Neves proferiu em 1971, quando a Universidade de Coimbra lhe concedeu o grau de Doutor Honoris Causa.

Em 1970, quando ascendeu a catedrático, já funcionava de novo a Faculdade de Farmácia da UC, pela qual tanto se batera na Assembleia Nacional, entre 1965 e 1969. No campo da investigação, também deixou marcas. Membro de várias sociedades científicas, entre as quais a Royal Chemical Society e a American Chemical Society, assinou estudos sobre Química e Farmacologia. Empenhou-se na criação do Laboratório de Química na Escola de Farmácia e não baixou os braços quando foi preciso recomeçar do zero, após o incêndio que atingiu as instalações, em 1967. Foi dos poucos docentes que integrou o Senado da UC antes e depois da Revolução. Ex-vereador da Câmara de Coimbra (1970-1974), liderou, em 1990, a Comissão Cultural das Comemorações do 7.º Centenário da Universidade. A sua vasta biografia regista ainda a presidência da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra e do Conselho Científico da Faculdade, mandatos como dirigente da Associação Cristã da Mocidade e do Rotary Club e ligações à indústria farmacêutica, já que fundou os laboratórios Euro-Labor e Medinfar, e foi sócio dos Infar-Laboratórios Andrade.

FARMÁCIA PORTUGUESA

Católico praticante, a outra “devoção” de Campos Neves era a Académica de Coimbra. Sócio n.º9, amigo do n.º1 – o falecido Veiga Simão, como ele um “barra” em Química, ministro dos dois regimes – exerceu cargos durante quase 30 anos, em órgãos como a Assembleia Delegada, a Assembleia-Geral e o Conselho Académico. Para a História da “Briosa”, fica uma intervenção sua, como sempre apaziguadora, em 1984: promoveu, com Ricardo Roque, então presidente da Associação Académica, Jorge Anjinho, presidente do Conselho Académico, e Rui Alarcão, reitor da UC, a reunião que levaria o Clube Académico de Coimbra a passar a Associação Académica de Coimbra, como Organismo Autónomo de Futebol.

Farmácia da UC, então um curso profissional, licenciou-se em Farmácia pela Universidade do Porto. Antes de se doutorar nesta área, obteve o mesmo grau em Química, na Grã-Bretanha.

61


entre nós

Odette Ferreira

FARMÁCIA PORTUGUESA

Odette Ferreira é uma das maiores referências da profissão farmacêutica, a nível nacional e internacional. Foi considerada uma das 100 Grandes Mulheres do Século XX pela revista Cosmopolitan (1999). A sua dimensão como investigadora e agente no domínio do VIH/Sida ultrapassou a profissão farmacêutica e mesmo o domínio da saúde. Notável professora universitária e investigadora, fez parte da equipa do Professor Luc Montagnier, do Instituto Pasteur de Paris, que identificou o VIH tipo 2, uma descoberta da maior relevância para o estudo da epidemiologia e diagnóstico da Sida. Foi pioneira em Portugal da investigação e do combate à doença.

62

Paulo Cleto

Foi lúcida e corajosa na presidência da Comissão Nacional de Luta Contra a Sida. Ultrapassou barreiras e tabus pela sua extraordinária determinação na defesa da saúde pública. Onde via uma dificuldade, construía uma ponte, procurava uma escada ou encontrava uma saída para um caminho alternativo. Haverá muito poucas pessoas com a sua capacidade agregadora, federadora de vontades, profissões, sectores, estratos, culturas e até religiões. Algo só possível pela sua capacidade de concretização - e pelo exemplo permanente que demonstra em cada uma das suas actividades. Inteligência, determinação e muito trabalho, são os atributos que definem a personalidade de Odette Ferreira. Tomou iniciativas arriscadas, sem precedentes, convocando todos a participarem no combate à Sida. O Programa Troca de Seringas, que idealizou e desenvolveu com as farmácias portuguesas, transformou-se num exemplo elogiado internacionalmente, com grandes benefícios para os doentes. A troca de seringas nas farmácias convocou os farmacêuticos portugueses para a primeira linha do combate à doença, ao medo e ao preconceito social. Nos primeiros oito anos de existência, a troca de seringas evitou mais de 7.000 novas infecções por VIH, por cada 10.000 utilizadores de drogas inDuarte jectáveis.

Criado para durar três meses, temos hoje a convicção que esse programa durará até ao dia da erradicação da doença. Odette Ferreira é uma personalidade com responsabilidade social, no mais nobre sentido da expressão.

É uma lutadora, como as farmácias são. Não temeu as dificuldades, como nós não tememos Acumulou homenagens e condecorações de Instituições e Governos, designadamente o Governo português, o Governo espanhol e o Governo francês. É um privilégio raro ser seu aluno e colaborador. Com a Professora Odette as relações verdadeiras nunca terminam. Tem-nos inspirado durante toda a vida, pelo seu exemplo. Vejo algumas semelhanças entre a vida de Odette Ferreira e a vida dos farmacêuticos de oficina. É uma lutadora, como as farmácias são. Não temeu as dificuldades, como nós não tememos a crise das farmácias. Esteve sempre ao lado dos doentes, como as farmácias também sempre estiveram. Foi uma mulher de esperança, como esperança têm hoje os farmacêuticos de oficina. Esteve sempre connosco, nos momentos bons e menos bons do sector. Continua hoje a fazer-nos acreditar que vale a pena lutar por aquilo em que acreditamos. Odette Ferreira é uma Senhora

de princípios e valores que muito admiramos. É um privilégio raro ser seu amigo. A sua biografia “Uma Luta. Uma Vida”, recentemente publicada, é um testemunho notável e um retrato fiel da sua personalidade e de uma dimensão mais privada até hoje desconhecida de muitos. Registei, no dia da justa homenagem proporcionada pela FFUL, mais uma das suas lições, num conselho ao seu neto: na vida não há caminhos mais fáceis para a verdadeira realização pessoal e colectiva. Essas opções não são caminhos. São atalhos. Minha Querida Professora Odette: Recordo com muita saudade os nossos momentos no Conselho Directivo da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, na Comissão Nacional de Luta Contra a Sida, na vida que fomos partilhando desde 1991. Ter sido um companheiro, como costuma dizer, de muitas das suas lutas é um dos pilares fundamentais da minha formação pessoal e profissional. Em nome das farmácias quero testemunhar-lhe neste momento a nossa gratidão pelo que fez pelo prestígio do nosso país, da profissão farmacêutica e das farmácias. Do fundo dos nossos corações desejamos-lhe que continue a longa e nobre caminhada que a trouxe até aqui. Muito obrigado por tudo o que nos deu e muitos parabéns pela publicação da sua biografia. Muito obrigado, acima de tudo, pelo exemplo. As farmácias portuguesas estarão sempre, incondicionalmente, ao seu lado. Um grande beijinho do Paulo


Eu posso estar confiante de que são administrados aos doentes medicamentos genéricos de elevada qualidade.

Eu posso...

porque Sabemos que fornecer medicamentos de qualidade aos doentes é essencial para o sucesso. A Mylan cumpre os critérios de teste comprovados e utiliza diversos sistemas de teste e de monitorização avançados para garantir que os doentes recebem de forma consistente produtos da mais elevada qualidade. Na Mylan todos temos a mesma prioridade: você e os seus doentes.

Visite: YourMylan.com

Philippe


Robôs Rowa

®

soluções automatizadas seminovas de baixo custo

Para mais informações sobre robôs fale connosco! HelpDesk +351 808 200 419 / glinttarma@glintt.com

PORTUGAL | ESPANHA | POLÓNIA | ANGOLA | BRASIL


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.