Teologia para vida - v. II, nº 1

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ISSN 1808-8880

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Volume II - nยบ 1 - Janeiro - Junho 2006


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EDUCAÇÃO TEOLÓGICA: Rev. Wilson Amaral T Edo OLO G I A P AFilho R A V(Presidente), I D A – V O L UPb. M E Adonias I I – N ÚCosta M E R Oda 1 Silveira (Vice-Presidente), Pb. Wagner Winter (Secretário), Rev. Arival Dias Casimiro (Tesoureiro), Rev. Paulo Anglada, Rev. Sérgio Victalino e Pb. Uziel Gueiros.

DE

JUNTA REGIONAL DE EDUCAÇÃO TEOLÓGICA: Pb. Amaro José Alves (Presidente), Rev. Reginaldo Campanati (Vice-Presidente), Pb. Ivan Edson Ribeiro Gomes (Secretário), Rev. Marcos Martins Dias e Rev. Rubens de Souza Castro. DIRETORIA DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL REV. JOSÉ MANOEL DA CONCEIÇÃO: Pb. Dr. Paulo Rangel do Nascimento (Presidente), Pb. José Paulo Vasconcelos (Vice-Presidente), Pb. Haveraldo Ferreira Vargas (Secretário) e Rev. Jones Carlos Louback (Tesoureiro). CONGREGAÇÃO DO SEMINÁRIO TEOLÓGICO PRESBITERIANO REV. JOSÉ MANOEL DA CONCEIÇÃO: Rev. Paulo Ribeiro Fontes (Diretor), Rev. Onezio Figueiredo (Deão), Rev. Daniel Piva, Rev. Donizete Rodrigues Ladeia, Rev. George Alberto Canelhas, Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa, Maestro Parcival Módolo, Rev. Wilson Santana Silva, Rev. Fernando de Almeida, Sem. José Renato do Rosário, Rev. Alderi Souza de Matos e Rev. Márcio Coelho. CONSELHO EDITORIAL: Rev. Ageu Cirilo de Magalhães Junior, Rev. Daniel Piva, Rev. Donizete Rodrigues Ladeia, Rev. George Alberto Canelhas, Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa, Maestro Parcival Módolo, Rev. Paulo Ribeiro Fontes e Rev. Wilson Santana Silva. EDITOR: Rev. Ageu Cirilo de Magalhães Junior VERSÃO

PARA O INGLÊS:

Andréa A. D. Carvalho

REVISÃO: Flávia Fornazari Toledo CAPA

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PROJETO GRÁFICO: Idéia Dois Design

GRAVURA DA CAPA: Entretien de Robert Olivétan avec le jeune Calvin [Robert Olivetan em conversa com o jovem Calvino] de H. Van Muyden. As outras gravuras da obra são do mesmo artista. Teologia Para Vida / Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição. — São Paulo: Vol. 2, n. 1 (jan./jun.2006) — Seminário JMC, 2006 — Semestral ISSN 1808-8880 1.Teologia — Periódicos. I. Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição. CDD 21ed. – 230.0462 280 ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição Rua Pascal, 1165, Campo Belo, São Paulo, SP, CEP 04616-004 Telefone: 5543-3534 – Fax: 5542-5676 Site: www.seminariojmc.br E-mail: seminariojmc@seminariojmc.br Os artigos da revista são escritos pelos membros do Conselho Editorial, professores e alunos do Seminário. Ex-professores e ex-alunos poderão escrever, quando convidados pelo Conselho. A revista Teologia para Vida é uma publicação semestral do Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição. Permite-se a reprodução desde que citados fonte e autor.

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SUMÁRIO E D I T O R I A L ................................................................................................. 05 A

RT I G O S

Presbíteros e Diáconos: servos de Deus no corpo de Cristo (Final) Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa ............................................................. 09 Pregação com propósito: a importância de se ter um propósito claro para cada sermão. Rev. George Alberto Canelhas ............................................................................ 41 Abraão - a importância de seu chamado e sua obediência: uma análise bíblico-teológica de Gênesis 12.1,2 Rev. Daniel Piva ...................................................................................................... 53 Relatório pastoral do Rev. Alexander Latimer Blackford (Edição Diplomática) Rev. Wilson Santana Silva ................................................................................... 73 Calvino e Aquino (Parte I) Rev. Donizete Rodrigues Ladeia ......................................................................... 89 A música na igreja (Parte II) Maestro Parcival Módolo .................................................................................. 107 R

E S E N H A

O Poder Pastoral: Uma Análise do Poder Pastoral na Igreja Rev. Ageu Cirilo de Magalhães Jr. ................................................................... 131 ARTIGOS

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S E R M Õ E S

D O S

A L U N OS

A ressurreição de Cristo é digna de crédito Sem. Guilherme Rafael Rios Alcântara ......................................................... 147 Lembranças para uma nova vida: Deuteronômio 8 Sem. Amós Cavalcanti Pereira Farinha ......................................................... 163

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EDITORIAL

A REVISTA TEOLOGIA Para Vida nasceu com o objetivo de falar não somente com pastores e teológos, mas principalmente com a liderança e com o povo da Igreja. Como sugere o nome da revista, entendemos que a Teologia só é autêntica se produz vida, se edifica. Desta forma, apresentamos aos irmãos uma edição que pode ser lida e aproveitada por toda a igreja, desde os jovens e adolescentes até os adultos, chegando aos diáconos, presbíteros regentes e docentes. Jovens e adolescentes aprenderão muito lendo o artigo do Maestro Parcival Módolo. Nele o Maestro mostra quais as conseqüências da música sobre o corpo, e, especificamente, a relação entre ritmo, melodia e harmonia com as partes que compõem o cérebro do ser humano. Leitura urgente. Os adultos, de uma forma geral, poderão aproveitar bastante os artigos do Rev. Hermisten, em que ele conclui seu estudo sobre as características necessárias ao presbiterato, bem como o relatório pastoral do Rev. Blackford e o material escrito pelos seminaristas, no final da revista. Todos muito edificantes. Já os oficiais da igreja poderão aprofundar o seu conhecimento lendo, além dos artigos já citados, o artigo do Rev. Daniel Piva, sobre o chamado de Abraão, o artigo do Rev. Donizete, sobre Calvino e Tomás de Aquino e a resenha que, dentre outras coisas,

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trata sobre o sistema de governo presbiteriano. Aqueles que pregam e ensinam poderão encontrar uma boa ajuda no artigo do Rev. Canelhas, sobre pregação com propósito. Esperamos em Deus que esta edição da Revista Teologia Para Vida seja uma bênção na vida de toda a Igreja e que todos nós “conheçamos e prossigamos em conhecer ao SENHOR” (Os 6.3) cada dia mais, até o dia de nosso glorioso encontro com Ele. Amém! O editor

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Departa mento de Teologia Sistemática

PRESBÍTEROS E D IÁCONOS : S ERVOS DE D EUS NO C ORPO DE C RISTO f i n a l

REV. HERMISTEN MAIA PEREIRA

DA

COSTA

Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Licenciado em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Pós-graduação: Estudo de Problemas Brasileiros pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Pós-graduação: Didática do Ensino Superior pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Mestre em Teologia e História pela Universidade Metodista de São Paulo Doutor em Teologia e História pela Universidade Metodista de São Paulo Pastor da Igreja Presbiteriana Ebenézer, em Osasco

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PRESBÍTEROS E D IÁCONOS : S ERVOS DE D EUS NO C ORPO DE C RISTO f i n a l

Resumo No terceiro e último artigo da série, com boa exposição bíblica e abundante bibliografia, Rev. Hermisten analisa onze características que devem ser encontradas na vida daquele que aspira ao Presbiterato. Pa l av r a s - c h av e Eclesiologia; Ofícios; Presbiterato. Abstract In this third and last article of the series, Rev. Hermisten offers a good biblical exposition together with plenty bibliography, analyzing eleven characteristics which ought to be found in the life of those who aspire to the eldership. Keywords Ecclesiology; Roles; Eldership.

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II. PRESBÍTERO 8) Apto para ensinar: (didaktiko/j) (1Tm 3.2; 2Tm 2.24; Tt 1.9). “Hábil para ensinar”, “tenha didática” (2Tm 2.24). Não se exige do presbítero um profundo conhecimento de Teologia; no entanto, ele deve estar habilitado a sustentar as principais doutrinas bíblicas;1 que tenha conhecimento da Palavra e seja capaz para transmitir o ensino visando a edificação do povo de Deus. Não é suficiente que uma pessoa seja eminente no conhecimento profundo, se não é acompanhada do talento para ensinar. Há muitos, seja por causa da pronúncia defeituosa, ou devido à habilidade mental insuficiente, ou porque não estejam suficientemente em contato com as pessoas comuns, o fato é que guardam seu conhe2

cimento fechado em seu íntimo.

No enunciado de Paulo sobre o critério para o presbiterato, observa-se a relevância da pregação na edificação da igreja. O princípio de Paulo é simples: se um membro da igreja não tivesse evidenciado habilidade no manuseio da Palavra, não estaria apto para o presbiterato. A igreja sempre necessitou de líderes que soubessem manusear bem as Escrituras. Sabemos, contudo, que é Deus mesmo quem os chama e os capacita. Os falsos mestres, privados da verdade,3 procuram desviar-nos do caminho pervertendo os ensinamentos da Palavra. Paulo cita dois de seu tempo, Himeneu4 e Fileto, que, seguindo ensinamentos gnósticos, com uma linguagem corrosiva, eliminavam a esperança na ressurreição futura, pervertendo a fé de alguns: “Além disso, a linguagem deles corrói como câncer (ga/ggraina);5 entre os quais se incluem Himeneu e Fileto. Estes se desviaram da verdade (a)lh/qeia), asseverando que a ressurreição 1

Ver: MILLER, Samuel. O Presbítero Regente: Natureza, Deveres e Qualificações, p. 42-43. CALVINO, João. As Pastorais (1Tm 3.2), p. 87. “Altercações sem fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade (a)lh/qeia), supondo que a piedade é fonte de lucro” (1Tm 6.5). 4 Paulo se referira a este como que alguém que naufragou na fé (1Tm 1.19-20). 5 Esta palavra só ocorre aqui em todo o Novo Testamento. É deste termo que provém palavra gangrena. 2 3

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já se realizou, e estão pervertendo a fé a alguns” (2Tm 2.17-18). Por causa dos falsos mestres o caminho da verdade será infamado. Pedro, alertando a igreja quanto aos falsos ensinamentos os quais deveriam ser verificados à luz da Palavra, demonstra que assim como houve falsos profetas, surgiriam na igreja, seus sucessores, uma versão atualizada: os falsos mestres que introduziriam heresias, arrastando após si muitos crentes: Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas (yeudopro6

fh/thj), assim também haverá entre vós falsos mestres (yeudodida/skaloj), os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição. E muitos seguirão as suas práticas libertinas (a)se/lgeia), e, por causa de7

les, será infamado (blasfhme/w) o caminho da verdade (2Pe 2.1-2).

O presbítero como pastor do rebanho deve estar em condições de alimentar o seu rebanho com a Palavra e, também, saber combater aqueles que tentarão seduzir os fiéis com “palavras fictícias (plasto/j)” (2Pe 2.3). O ponto de partida do assunto está no conteúdo. Mais do que conhecer teoricamente bem a Palavra, o que difere aquele que é “apto para ensinar” (didaktiko/j) dos “falsos mestres” (yeudodida/ skaloj) não é a pedagogia em si, mas o conteúdo do que é transmitido. O falso mestre é aquele que ensina a mentira, o engano, com “palavras fictícias (plasto/j)” (2Pe 2.3), ou seja: cria imagens 6

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Jesus Cristo já nos alertara sobre eles. Vejam-se: Mt 7.15; 24.11,24; Lc 6.26. O apóstolo João falaria mais tarde de sua realidade presente (1Jo 4.1). O verbo Blasfhme/w, que tem o sentido de “injuriar”, “difamar”, ”insultar”, “caluniar”, “maldizer”, “falar mal”, “falar para danificar”, etc., é formado de duas palavras, Bla/yij derivada de Bla/ptw = “injuriar”, “prejudicar” (* Mc 16.18; Lc 4.35) e Fhmi/ = “falar”, “afirmar”, “anunciar”, “contar”, “dar a entender”. A Blasfêmia tem sempre uma conotação negativa, de “maldizer”, “caluniar”, “causar má reputação”, etc., contrastando com Eu)fhmi/a (“boa fama” * 2Co 6.8) e Eu)/fhmoj (“boa fama” * Fp 4.8) (Eu)/ & fh/mh). No Fragmento 177 de Demócrito, lemos: “Nem a nobre palavra encobre a má ação, nem é a boa ação prejudicada pela má palavra (Blasfhmi/a)”. Paulo diz que o mal testemunho dos judeus contribuía para que os gentios blasfemassem o nome de Deus (Rm 2.24, citando Is 52.5). Compare este fato com a orientação de Paulo, 1Tm 6.1; Tt 2.5. A falsa doutrina propicia a prática da blasfêmia (1Tm 6.3,4), bem como os falsos mestres (2Pe 2.1-2,10-12).

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que nada são para corromper seus ouvintes, conduzindo-os a negar o próprio Senhor Jesus Cristo e, também, à viverem libertinamente (a)se/lgeia), ou seja, de modo dissoluto e lascivo.8 Por causa disso, o caminho das boas-novas seria caluniado, reprovado, “blasfemado”. A mensagem desses falsos mestres consiste numa corrupção do evangelho. Plasto/j tem o sentido aqui de palavras artisticamente elaboradas, moldadas, sugestivas, porém falsas, forjadas em seu próprio proveito, e, que por isso mesmo estão em oposição à verdade. Curiosamente esta é a palavra de onde vem o termo “plástico”.9 O ensino cristão envolve arte, mas não “arte plástica” para com a verdade. Como já citado, o que distingue o verdadeiro do falso “mestre” é o conteúdo da mensagem. Na igreja só é apto para ensinar aquele que transmite a verdade. Esta “aptidão’ está associada ao conhecimento das Escrituras e à prática das demais exigências enumeradas por Paulo. O biógrafo de Calvino, William Wileman († 1944), escreveu: “Como expositor da Escritura, a Palavra de Deus era tão sagrada para ele como se a tivesse ouvido dos lábios de seu Autor”.10 Na introdução das Institutas (1541), referindo-se às Escrituras e aos que a ensinam, Calvino escreveu: Portanto, o ofício dos que receberam mais ampla iluminação de Deus que os outros consiste em dar aos simples o que lhes é necessário neste assunto e em saber estender-lhes a mão para os conduzir e os ajudar a encontrar a essência do que Deus nos quer ensinar em Sua Palavra. Ora, a melhor maneira de fazer isso é com as passagens que tratam dos assuntos principais e, por conseguinte, as que estão contidas na filosofia cristã”.

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A)se/lgeia ocorre nos seguintes textos do Novo Testamento: Mt 7.22; Rm 13.23; 2Co 12.21; Gl 5.19; Ef 4.19; 1Pe 4.3; 2Pe 2.2,7,18; Jd 4. A palavra grega plastiko/j é derivada do verbo pla/ssw, cujo advérbio utilizado por Pedro é plasto/j. A palavra plástico vem do grego (plastiko/j) passando pelo latim (plasticus), sempre de forma transliterada, significando aquilo “que tem propriedade de adquirir determinadas formas sensíveis, por efeito de uma ação exterior”. 10 WILEMAN, William. John Calvin. His Life, His Teaching & Influence, John Calvin Collection, (CDROM), (Albany, OR: Ages Software, 1998), p. 100. 11 CALVINO, João, As Institutas (1541), Introdução. 9

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Os ministros devem ter consciência da graça de Deus em seu ministério; eles são servos como os demais, tendo, contudo, uma tarefa especial: Ministros são aqueles que colocam seus serviços à disposição de Cristo, para que alguém possa crer nele. Além do mais, eles não possuem nada propriamente seu do quê se orgulhar, visto que também não realizam nada propriamente seu, e não possuem virtude para excelência alguma exceto pelo dom de Deus, e cada um segundo sua própria medida; o que revela que tudo quanto um indivíduo venha a possuir, sua fonte se acha em outrem. Finalmente, ele os mantém todos juntos como por um vínculo comum, visto 12

que tinham necessidade do auxílio mútuo.

O ensino da Palavra é uma responsabilidade: consiste em partilhar com o próximo as riquezas que o Espírito nos concede: Quando o Senhor nos abençoa, também nos convida a seguirmos seu exemplo e a sermos generosos para com o nosso próximo. As riquezas do Espírito não são para serem guardadas para nós mesmos, mas sempre que alguém as recebe deve também passá-las a outrem. Isto deve ter uma aplicação especial aos ministros da Palavra, mas também tem uma aplicação geral a todos os homens, a 13

cada um em sua própria esfera.

Mesmo a igreja tendo a oportunidade de ler as Escrituras individualmente, aos presbíteros compete a tarefa de ensinar a Palavra com sistematicidade, simplicidade e profundidade, adequando o ensino ao nível do seu público. Calvino traduz a metáfora usada

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CALVINO, João. Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5), p. 102-103. Exposição de 1 Coríntios, “Não lograremos progresso a menos que o Senhor faça próspera a nossa obra, os nossos empenhos e a nossa perseverança, de modo a confiarmos à sua graça a nós mesmos e tudo o que fazemos” [CALVINO, J. Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.7), p. 106]. 13 CALVINO, João. Exposição de 2 Coríntios. (2Co 1.4). São Paulo: Parakletos, 1995, p. 17.

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por Paulo, “maneja bem” (o)rqotome/w)14 (2Tm 2.15) por “dividindo bem”, fazendo a seguinte aplicação: Paulo (...) designa aos mestres o dever de gravar ou ministrar a Palavra, como um pai divide um pão em pequenos pedaços para alimentar seus filhos. Ele aconselha Timóteo a ‘dividir bem’, para não suceder que, como fazem os homens inexperientes que, cortando a superfície, deixam o miolo e a medula intactos. O que está expresso aqui serve como uma aplicação geral e como uma referência à judiciosa ministração da Palavra, a qual é adaptada para o

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O verbo o)rqotome/w – “cortar em linha reta”, “endireitar” –, que só ocorre neste texto, é formado por o)rqo/j (“direito”, “reto”, “certo”, “correto”) (At 14.10; Hb 12.13) e te/mnw (“cortar”), verbo que não aparece no Novo Testamento. Na LXX o)rqotome/w é empregado em Provérbios 3.6 e 11.5 com o sentido de endireitar o caminho. Analogias e aplicações variadas são possíveis, tais como a idéia de lavrar a terra fazendo os sulcos em linha reta; construir uma estrada em linha reta a fim de que o viajante alcance com facilidade o seu objetivo sem se desviar por atalhos; o alfaiate que corta o tecido de forma correta a fim de fazer a roupa (Paulo, como fabricante de tendas, estava acostumado a este serviço no que se refere ao corte dos tecidos de pelo de cabra); o pedreiro que corta a pedra de forma correta para o seu perfeito encaixe, etc. A partir de 2 Timóteo 2.15 várias analogias são feitas, tais como a idéia de conduzir a Palavra pelo caminho correto para atingir de modo eficaz seu objetivo, manuseá-la bem, ministrá-la conforme o seu propósito, expô-la de maneira correta, ensinar correta e diretamente a Palavra, etc. [Vejam-se, entre outros: KÖSTER, Helmut. o)rqotome/w: In: FRIEDRICH, G. & KITTEL, Gerhard, eds. Theological Dictionary of the New Testament 8.ed. Grand Rapids, Michigan: WM. B. Eerdmans Publishing Co., (reprinted) 1982, Vol. VIII, p. 111-112; THAYER, Joseph H. “Thayer’s Greek-English Lexicon of the NT”, The Master Christian Library, Verson 8.0 (CDROM), (Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Vol. 2, p. 270; BARNES, A. “Notes on the Bible”, The Master Christian Library, Verson 8.0 (CD-ROM), (Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Vol. 15, p. 795; CLARK, Adam. “Commentary the New Testament”, Master Christian Library, Verson 8.0 (CD-ROM), (Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Vol. 8, p. 222-223; KLÖBER, R. Retidão: In: BROWN, Colin, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1983, Vol. IV, 217-219; ARNDT, William F. & GINGRICH, F.W. A GreekEnglish Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature. Chicago: University of Chicago Press, 1957, p. 584; CHAMPLIN, Russel N. O Novo Testamento Interpretado. Guaratinguetá: A Voz Bíblica, (s.d.), Vol. 5, p. 379; STOTT, John R.W. Tu, Porém – A mensagem de 2 Timóteo. São Paulo: ABU Editora, 1982, p. 59-60; KELLY, J.N.D. 1 e 2 Timóteo e Tito: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova/Mundo Cristão, 1983, p. 170; HENDRIKSEN, William. 1 Timóteo, 2 Timóteo e Tito. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 323-324; WHITE, Newport J.D. Second Epistle to Timothy: In: NICOLL, W. Robertson, ed., The Expositor’s Greek Testament. Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1983 (Reprinted), Vol. 4, p. 165; p. 798799; LENSKI, R.C.H. Commentary on the New Testament. Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1998, Vol. 10, p. 425; TAYLOR, W.C. Dicionário do Novo Testamento Grego. 5.ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1978, p. 152-153; ROBERTSON, A.T. “Word Pictures in the New Testament”, The Master Christian Library, Verson 8.0 (CD-ROM), (Albany, OR: Ages Sofware, 2000, Vol. 4, p. 703; BARCLAY, William. El Nuevo Testamento Comentado. Buenos Aires: La Aurora, 1974, Vol. 12, (2Tm 2.15-18, p. 183].

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proveito daqueles que a ouvem.

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Há quem a mutile, há quem a

desmembre, há quem a distorce, há quem a quebre em mil pedaços, e há quem, como observei, se mantém na superfície, jamais penetrando o âmago da doutrina. Ele contrasta todos esses erros com a boa ministração, ou seja, um método de exposição adequado à edificação. Aqui está uma regra pela qual devemos julgar cada interpretação da Escritura.

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Calvino acentuou a responsabilidade do Presbítero: Deus se dignou em nos consagrar a si mesmo “as bocas e línguas dos homens, para que neles faça ressoar Sua própria voz.”.17 Portanto, os pastores não estão a seu próprio serviço, mas de Cristo; eles não buscam discípulos para si mesmos, mas para Jesus Cristo: A fé não admite glorificação senão exclusivamente em Cristo. Segue-se que aqueles que exaltam excessivamente a homens, os privam de sua genuína grandeza. Pois a coisa mais importante de todas é que eles são ministros da fé, ou seja: conquistam seguido18

res, sim, mas não para eles mesmos, e, sim, para Cristo”.

A esfera da autoridade do presbítero é derivada da Palavra: “A primeira regra do ministro é não tentar fazer coisa alguma sem estar baseado nalgum mandamento”.19 “A Escritura é a fonte de toda a sabedoria, e os pastores terão de extrair dela tudo o que eles expõem diante do seu rebanho”.20 Todo o ofício do Presbítero gira em torno da Palavra: Porque devemos ter como coisa resolvida que todo o ofício deles se limita à administração da Palavra de Deus, toda a sua sabedoria 15

Este era o seu princípio pedagógico: “Um sábio mestre tem a responsabilidade de acomodar-se ao poder de compreensão daqueles a quem ele administra o ensino, de modo a iniciar-se com os princípios rudimentares quando instrui os débeis e ignorantes, não lhes dando algo que porventura seja mais forte do que podem suportar” (CALVINO, João. Exposição de 1 Coríntios (1Co 3.1). São Paulo: Parakletos, 1996, p. 98-99). 16 CALVINO, João. As Pastorais (2Tm 2.15). p. 235. 17 CALVINO, João, As Institutas, IV.1.5, (grifos meus). 18 CALVINO, João. Exposição de 1 Coríntios, (1Co 3.5), p. 101-102. 19 CALVINO, João. As Institutas, (1541), IV.13. 20 CALVINO, João. As Pastorais, (1Tm 4.13), p. 123.

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consiste somente no conhecimento dessa Palavra, e toda a sua eloqüência ou oratória se restringe à pregação da mesma. Se se afastarem dessa norma, serão tolos em seus sentidos, gagos em seu falar, traiçoeiros e infiéis em seu ofício, sejam eles profetas, ou bispos, ou mestres, ou pessoas estabelecidas em dignidade mais alta.

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Sem a Palavra, o púlpito torna-se um lugar que no máximo serve como terapia para aliviar as tensões de um auditório cansado e ansioso em busca de alívio para as suas necessidades mais imediatamente percebidas. Ele pode conseguir o alívio do sintoma, mas não a cura para as suas reais necessidades. Os presbíteros foram chamados por Deus não para pregarem suas opiniões, mas, o Evangelho de Cristo. E mais, o Evangelho deve ser anunciado em sua inteireza, sem misturas, adições e cortes: Isso nos distingue essencialmente dos falsos mestres: “A verdade do evangelho” deve ser considerada como sendo sua genuína pureza ou, o que vem a ser a mesma coisa, sua pura e sólida doutrina. Pois os falsos apóstolos não aboliam totalmente o evangelho, mas o adulteravam com suas noções pessoais, de modo que ele logo passava a ser falso e mascarado. Isso é sempre assim quando nos apartamos, mesmo em grau mínimo, da simplicidade de Cristo. Quão impudentes, pois, são os papistas ao se vangloriarem de que possuem o evangelho, pois ele não só é corrompido por uma infinidade de invenções, mas também é mais que adulterado por dogmas infindáveis e pervertidos.

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9) Cordato: (e)pieikh/j) 1Tm 3.3. “Equânime”, “paciente”, “gentil”, “amável” (Fp 4.5; Tt 3.2; Tg 3.17 “indulgente”; 1Pe 2.18). Esta característica é uma das marcas da sabedoria concedida por Deus (cf. Tg 3.17). Esta palavra, aplicada à autoridade constituída, denota eqüidade, magnanimidade. Na literatura clássica este termo era empregado para representar... 21 22

CALVINO, João. As Institutas, (1541), IV.15. CALVINO, João. Gálatas, (Gl 2.5), p. 52.

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o caráter daqueles que têm mente nobre, do sábio que permanece meigo diante dos insultos, do juiz que é clemente no julgamento, e do rei que é bondoso no seu reino. Desta forma, aparecem freqüentemente em retratos do soberano ideal, e em elogios acerca 23

de homens de alta posição.

É a palavra que reconhece que há ocasiões nas quais a aplicação pura e simples da lei seria injusta; feriria o próprio princípio da lei. Os gregos diziam que “a epieikeia devia ter lugar naqueles casos em que a estrita justiça se tornava injustiça por sua generalização”.24 “Epieikeia é a qualidade do homem que sabe que as leis e prescrições não são a última palavra; do homem que sabe quando não se deve aplicar a letra da lei.”25 Aquele que tem a consciência de que legalidade não é necessariamente sinônimo de legitimidade. O que está certo do ponto de vista legal pode estar equivocado do ponto de vista moral.26 10) Governe bem a sua própria casa: A palavra para governar é proi/sthmi, que significa também, “administrar”, “reger”, “liderar”, “presidir”. 1Tm 3.4,5,12; Tt 1.6.27 A palavra era empregada no grego clássico no sentido de “proteger”, “guardar” e ajudar” (Eurípides, Demóstenes, Políbio). Os presbíteros que “presidem bem” a igreja devem ser honrados proporcionalmente (1Tm 5.17).28 O governar bem está associado ao que Paulo escreveu aos Romanos: “o que preside, com diligência (spoudh/)” (Rm 12.8). A palavra traduzida por diligência (spoudh/), indica um comportamento que se esforça por fazer todo o possível para alcançar o seu objetivo. No Novo Testamento, ela está relacionada à solicitu23

BAUDER, W. Humildade. In: BROWN, Colin. ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol. II, p. 383-386. 24 BARCLAY, William. Op. Cit., Vol. 11, (Fp 4.4,5), p. 85. 25 BARCLAY, William. Op. Cit., Vol. 11, (Fp 4.4,5), p. 85-86. 26 Ver: TRENCH, Richard C. Synonyms of the New Testament. London: Macmillan and Co., 1871, § 43, p. 146. 27 Rm 12.8; 1Ts 5.12; 1Tm 5.17;Tt 3.8,14. 28 Vd. CALVINO, João. As Pastorais (1Tm 5.17), p. 147-149; CALVINO, João. As Institutas, II.8.35.

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de fraterna: Paulo, preso em Roma pede a Timóteo esta urgência em encontrá-lo (2Tm 4.9,21). Depois, em outro contexto, solicita o mesmo a Tito (Tt 3.12). Paulo descreve a amizade benfazeja de Onesíforo, quem o procurou solicitamente quando muitos de seus amigos o haviam abandonado: Estás ciente de que todos os da Ásia me abandonaram; dentre eles cito Fígelo e Hermógenes. Conceda o Senhor misericórdia à casa de Onesíforo, porque, muitas vezes, me deu ânimo e nunca se envergonhou das minhas algemas; antes, tendo ele chegado a Roma, me procurou solicitamente (spoudai/wj) até me encontrar. O Senhor lhe conceda, naquele Dia, achar misericórdia da parte do Senhor. E tu sabes, melhor do que eu, quantos serviços me prestou ele em Éfeso (2Tm 1.15-18).

Paulo pede a Tito que encaminhe a Zenas e a Apolo, orientando-o para que nada falte àqueles irmãos: “Encaminha com diligência (spoudai/wj) Zenas, o intérprete da Lei, e Apolo, a fim de que não lhes falte coisa alguma” (Tt 3.13). Ainda falando sobre diversos deveres da vida cristã e, em especial descrevendo a fraternidade, Paulo recomenda: “No zelo (spoudh/), não sejais remissos; sede fervorosos de espírito, servindo ao Senhor” (Rm 12.11; 2Co 8.7,8). Essa palavra tem implicações éticas, visto que está associada, por exemplo, ao esforço que os crentes devem despender em manter a unidade do Espírito (Ef 4.3); ao zelo em socorrer a outros irmãos (Gl 2.9,10; 2Co 8.7,8,16); em corrigir uma injustiça (2Co 7.11,12). Ela também está relacionada ao crescimento espiritual com um fim escatológico. O escritor de Hebreus, referindo-se a alguns heróis da fé que viveram na esperança da promessa de Deus quanto ao descanso futuro, e de outros homens que foram incrédulos, expressa: “Esforcemo-nos (Spouda/zw), pois, por entrar naquele descanso....” (Hb 4.11). Quanto à esperança da vinda de Cristo e à nossa maneira de viver hoje, Pedro escreve: “Esperando e apressando (speu/dw) a vinda do Dia de Deus, por causa do qual os céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos abrasados se derreterão” (2Pe 3.12). A intenção aqui expressa, não é a de que

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possamos modificar o dia do regresso de Cristo. A palavra traduzida por “apressar” (speu/dw) indica um desejo intenso pelo que virá, envolvendo a idéia de diligenciar com zelo, solicitude, urgência, etc. Ela revela uma pressa prazerosa daquilo que terá de ocorrer. Pedro orienta os crentes de como devem usar os meios de graça: Por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência (spoudh/), associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; por isso, irmãos, procurai, com diligência (Spouda/zw) cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum (2Pe 1.5,10).

O Cristianismo é essencialmente um caminho de vida, fundamentado na prática do evangelho, conforme ensinado por Jesus Cristo. A santificação é um desafio a perseguirmos neste caminho, empenhando-nos por fazer a vontade de Deus. Por isso, a santificação exerce a influência de sempre andarmos em direção ao alvo proposto por Deus, com os nossos corações humildes, desejosos de agradar a Deus, de fazer a sua vontade com o sentimento adequado. Daí a exortação de Pedro de que nos esforcemos por ser achados pelo Senhor “sem mácula”: “Por essa razão, pois, amados, esperando estas coisas, empenhai-vos (spouda/zw) por serdes achados por ele em paz, sem mácula e irrepreensíveis” (2Pe 3.14). Paulo diz aos tessalonicenses do seu esforço para poder visitálos (1Ts 2.17). Pedro demonstrou a própria diligência em ensinar o evangelho às igrejas (2Pe 1.15). Judas revela o mesmo ao escrever a sua Epístola (Jd 3). Paulo roga a Timóteo que procure, esforce-se por apresentar-se a Deus como obreiro aprovado (2Tm 2.15). Deste modo, Paulo afirma que o presbítero deve ter empenho semelhante na administração dos negócios da igreja. 11) Criando seus filhos com disciplina e respeito: 1Tm 3.4. Disciplina, obediência (u(potagh/) (2Co 9.13; Gl 2.5; 1Tm 2.11) tem o sentido de “submissão” e respeito (semno/thj = respeito,

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reverência, dignidade). 1Tm 2.2; 3.4; Tt 2.7). Esta palavra indica uma atitude correta, nobre e honrada, acompanhada de ordem e decência.29 Deste modo, a educação com disciplina e obediência, envolve uma combinação harmoniosa entre dignidade e cortesia, independência e humildade, disciplina e amor. No Antigo Testamento a educação foi amplamente praticada dentro do lar e os mestres eram os próprios pais (Êx 10.2; 12.26; 13.8). A família sempre desempenhou um papel fundamental na educação judaica, sendo extremamente preventiva e orientadora. Mesmo dentro de um processo evolutivo, o ensino familiar jamais foi substituído ou preterido. A instrução dos filhos era algo prioritário e constante, considerando em seu currículo os grandes feitos de Deus na História. Na instituição da Páscoa, Deus já os instrui a respeito do que aconteceria e como os pais deveriam ensinar seus filhos: Guardai, pois, isto por estatuto para vós outros e para vossos filhos, para sempre. E, uma vez dentro na terra que o SENHOR vos dará, como tem dito, observai este rito. Quando vossos filhos vos perguntarem: Que rito é este? Respondereis: É o sacrifício da Páscoa ao SENHOR, que passou por cima das casas dos filhos de Israel no Egito, quando feriu os egípcios e livrou as nossas casas. Então, o povo se inclinou e adorou (Êx 12.24-27).

A educação judaica tinha como elemento de extrema relevância as perguntas, as quais certamente eram estimuladas, feitas pelos filhos aos pais ou aos sacerdotes: “Quando vossos filhos vos perguntarem: Que rito é este? Respondereis....” (Êx 12.26); “Naquele mesmo dia, contarás a teu filho, dizendo....” (Êx 13.8); “Quando teu filho amanhã te perguntar: Que é isso? Responder-lhe-ás....” (Êx 13.14); “Quando teu filho, no futuro, te perguntar, dizendo: Que significam os testemunhos, e estatutos, e juízos que o SENHOR, nosso Deus, vos ordenou? Então, dirás a teu filho....” (Dt 6.20,21);

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Vd. TRENCH, Richard C. Op. Cit., § XCII, p. 325-329.

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Passai adiante da arca do SENHOR, vosso Deus, ao meio do Jordão; e cada um levante sobre o ombro uma pedra, segundo o número das tribos dos filhos de Israel, para que isto seja por sinal entre vós; e, quando vossos filhos, no futuro, perguntarem, dizendo: Que vos significam estas pedras?, então, lhes direis... (Js 4.5,6).

“As doze pedras que tiraram do Jordão, levantou-as Josué em coluna em Gilgal. E disse aos filhos de Israel: Quando, no futuro, vossos filhos perguntarem a seus pais, dizendo: Que significam estas pedras?, fareis saber a vossos filhos, dizendo...” (Js 4.20,21). Antes do povo entrar na terra prometida, Deus, por meio de Moisés, exorta a Israel: “Tão-somente guarda-te a ti mesmo e guarda bem a tua alma, que te não esqueças daquelas coisas que os teus olhos têm visto, e se não apartem do teu coração todos os dias da tua vida, e as farás saber a teus filhos e aos filhos de teus filhos. Não te esqueças do dia em que estiveste perante o SENHOR, teu Deus, em Horebe, quando o SENHOR me disse: Reúne este povo, e os farei ouvir as minhas palavras, a fim de que aprenda a temer-me todos os dias que na terra viver e as ensinará a seus filhos” (Dt 4.9,10). Deus orienta aos pais a usarem de vários meios para ensinar seus filhos a Lei a fim de que não se esquecem de Deus, nem de Seus atos soberanos na história: Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te. Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas. Havendo-te, pois, o SENHOR, teu Deus, introduzido na terra que, sob juramento, prometeu a teus pais, Abraão, Isaque e Jacó, te daria, grandes e boas cidades, que tu não edificaste; e casas cheias de tudo o que é bom, casas que não encheste; e poços abertos, que não abriste; vinhais e olivais, que não plantaste; e, quando comeres e te fartares, guarda-te, para que não esque-

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ças o SENHOR, que te tirou da terra do Egito, da casa da servidão (Dt 6.4-12). (Do mesmo modo: Dt 11.18-20).

Cada cultura tem o seu modelo de homem ideal e, portanto, a educação visa formar esse homem, a fim de atender às expectativas sociais. Paulo sabia muito bem disso; ele mesmo declarara durante a sua defesa em Jerusalém que fora instruído por Gamaliel, o grande mestre da Lei. “Eu sou judeu, nasci em Tarso da Cilícia, mas crieime nesta cidade e aqui fui instruído (paideu/w) aos pés de Gamaliel, segundo a exatidão da lei de nossos antepassados...” (At 22.3). De igual modo, Estevão, descrevendo a vida de Moisés, fala de sua formação, declarando: “E Moisés foi educado (paideu/w) em toda a ciência dos egípcios, e era poderoso em palavras e obras” (At 7.22). Cito um fato elucidativo. Quando Virgínia e Maryland assinaram um tratado de paz com os Índios das Seis Nações, como demonstração da generosidade do homem branco, seus governantes mandaram cartas aos índios solicitando que enviassem alguns de seus jovens para estudarem em seus colégios. Seguem abaixo extratos da resposta dos chefes indígenas: (...) Nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o bem para nós e agradecemos de todo o coração. (...) Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa. (...) Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltavam para nós, eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar o inimigo e construir uma cabana, e falavam nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, como caçadores ou como conselheiros. (...) Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão oferecemos aos nobres senhores de Virgínia que nos enviem alguns dos

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seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos, deles, homens”.

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Se olharmos, ainda que de relance, o tipo de formação desde a Antigüidade, poderemos constatar que o seu ideal variava de povo para povo e, até mesmo, de cidade para cidade, daí a diferença entre os “currículos”, visto que este é o caminho, a “corrida” para se atingir o objetivo proposto. Assim, temos, ainda que, grosso modo, diversas perspectivas educacionais:31 • CHINA: A educação visava conservar intactas as tradições. Portanto o currículo está voltado apenas para o conhecimento e preservação das tradições, seguindo sempre o seu modelo. A originalidade era proibida. • EGITO: Preparar o educando para uma vida essencialmente prática, que o levasse ao sucesso neste mundo e, através de determinados ritos, alcançasse o favor dos deuses, e a felicidade no além. • ESPARTA: Homens guerreiros, mas que fossem totalmente submissos ao Estado. Neste processo estimula-se até mesmo a delação como modo de evidenciar a sua lealdade ao Estado.32 Certamente, essa Esparta dos séculos VIII-VI é, antes de tudo, um Estado guerreiro (...). O lugar dominante ocupado em sua cultura pelo ideal militar é atestado pelas elegias guerreiras de Tirteu, que ilustram belas obras plásticas contemporâneas, consagradas, como elas, à glorificação do herói combatente.

33

Ao atingir sete anos, o jovem espartano é requisitado pelo Estado: até à morte, pertence-lhe inteiramente. A educação propriamente 30

Apud BRANDÃO, Carlos R. O Que é Educação, 6ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 8-9. Veja-se um bom sumário disso em GILES, Thomas Ransom, Filosofia da Educação, São Paulo: EPU., 1983, p. 60-92. 32 GILES, Thomas Ransom. Filosofia da Educação, p. 64. 33 MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antigüidade, São Paulo: E.P.U. (5ª reimpr), 1990, p. 35. 31

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dita vai dos sete aos vinte anos; ela é disposta sob a autoridade direta de um magistrado especial, verdadeiro comissário da Educa34

ção nacional, o paidono/moj.

• ATENAS: Treinamento competitivo entre os homens a fim de formar cidadãos maduros física e espiritualmente com capacidade de exercitarem a sua liberdade. • SÓCRATES (469-399 a.C.) / PLATÃO (427-347 a.C.): Formar basicamente através da música e da ginástica, homens capazes de vencer a injustiça reinante.35 A educação tinha um forte apelo moral através do conhecimento e prática das virtudes. A sabedoria está associada à vida virtuosa. • OS SOFISTAS:36 Pedagogia elitizada,37 propícia e adequada apenas a quem pudesse pagá-los. Partindo do relativismo e subjetivismo, tinha38 como objetivo convencer,39 persuadir o

34

MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antigüidade, p. 42. PLATÃO, A República, 376e ss. p. 86ss. A palavra “sofista” provém do grego Sofisth/j, que é derivada de Sofo/j “sábio”. Originariamente, ambas as palavras eram empregadas com uma conotação positiva. É importante lembrar que foram os próprios sofistas que se designaram assim. 37 “Já desde o começo a finalidade do movimento educacional comandado pelos sofistas não era a educação do povo, mas a dos chefes. No fundo não era senão uma nova forma da educação dos nobres (...). Os sofistas dirigiam-se antes de mais nada a um escol, e só a ele. Era a eles que acorriam os que desejavam formar-se para a política e tornar-se um dia dirigentes do Estado” (JAEGER, Werner. Paidéia: A Formação do Homem Grego, 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 236). 38 A Retórica Sofística, inventada por Górgias (c.483-c.375 a.C.), era famosa. Górgias dizia: “A palavra é uma grande dominadora que, com pequeníssimo e sumamente invisível corpo, realiza obras diviníssimas, pois pode fazer cessar o medo e tirar as dores, infundir a alegria e inspirar a piedade (...) O discurso, persuadindo a alma, obriga-a, convencida, a ter fé nas palavras e a consentir nos fatos (...) A persuasão, unida à palavra, impressiona a alma como quer (...) O poder do discurso com respeito à disposição da alma é idêntico ao dos remédios em relação à natureza do corpo. Com efeito, assim como os diferentes remédios expelem do corpo de cada um diferentes humores, e alguns fazem cessar o mal, outros a vida, assim também entre os discursos alguns afligem e outros deleitam, outros espantam, outros excitam até o ardor os seus ouvintes, outros envenenam e fascinam a alma com persuasões malvadas” (GÓRGIAS, Elogio de Helena, 8, 14). “Quanto à sabedoria e ao sábio, eu dou o nome de sábio ao indivíduo capaz de mudar o aspecto das coisas, fazendo ser e parecer bom para esta ou aquela pessoa o que era ou lhe parecia mau.” (Palavras de Protágoras, conforme, PLATÃO, Teeteto, 166d). “Mas deixaremos de lado Tísias e Górgias? Esses descobriram que o provável deve ser mais respeitado que o verdadeiro; chegariam até a provar, pela força da palavra, que as cousas miúdas são grandes e que as grandes são pequenas, que o novo é antigo e que o velho é novo” (PLATÃO, Fedro, 267). 39 “A sofística, que caracteriza os últimos cinqüenta anos do século V, não designa uma doutrina, mas uma maneira de ensinar. Os sofistas são professores que vão de cidade em cidade em busca 35 36

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seu oponente independentemente da veracidade do argumento.40 • ARISTÓTELES (384-322 a.C.): Formar homens moderados, que tivessem zelo pela ética e estética.41 • RENASCENÇA: Formar homens eruditos que soubessem ler e escrever em grego e latim, tendo um estilo erudito, que pudessem contribuir para a criação do novo, tendo o homem como “medida de todas as coisas”. • ATUALIDADE: Formar homens competitivos, que alcancem o sucesso a qualquer preço. É claro que isto sofrerá alterações em cada área de estudo e, também, será diferente entre os países, contudo, esta visão geral nos parece pertinente. Todo currículo está comprometido, consciente ou não, com determinada compreensão da realidade que, deste modo, determina metas a serem alcançadas. Os pais cristãos devem instruir os filhos dentro dos princípios bíblicos: a Bíblia também é a verdade no campo educacional. Ela deve ser a norma de todo o pensar e agir. Paulo fala especificamente aos pais: “E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor” (Ef .6.4). Os pais têm a responsabilidade de não provocar a sua ira, com predileções, falta de apoio, menosprezo, provocações, ironias, excesso de proteção, etc.42 (Gn 25.28; 37.3,4; 2Sm 14.13,28; 1Rs

de auditores e que, por preço convencionado, ensinam os alunos, seja por lições pomposas, seja por uma série de cursos, os métodos adequados a fazer triunfar uma tese qualquer. À pesquisa e à manifestação da verdade substitui-se a preocupação do êxito, baseado na arte de convencer, de persuadir, de seduzir” (BRÉHIER, Émile. História da Filosofia, São Paulo: Mestre Jou, 1977, I/1 p. 69-70). 40 Vd. PLATÃO, Teeteto, 166c-167d; Sofista, 231d; Mênon, 91c-92b; Fedro, 267; Protágoras, 313c; 312a; Crátilo, 384b; Górgias, 337d; A República, 336b; 338c. 41 ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, Vol. IV), 1973, V.2, 1130b, 26-27. p. 324 42 Hendriksen faz uma lista de erros comuns cometidos pelos pais. Vd. HENDRIKSEN, William. Exposição de Efésios (Ef 6.4). São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1992, p. 325-326.

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1.6; Cl 3.21; Hb 12.9-11). A palavra “criai-os” (e)ktre/fw)43 (Ef 6.4) em contraposição à “ira”, indica que devemos criá-los ternamente, com brandura e amor, sem contudo, excluir a disciplina (paidei/a) e admoestação (nouqesi/a)44 no Senhor. O caráter de toda a educação e disciplina dos filhos – pelas palavras e atos – é no Senhor. “O que caracteriza a criação cristã não é o método educacional, mas, sim, o propósito que se visa com ele”.45 A educação cristã visa conduzir a criança ao Senhor. A admoestação (nouqesi/a) apresenta a idéia de educar por meio da palavra, usando deste recurso para aconselhá-lo, estimulá-lo e encorajá-lo quando for o caso e, também, se necessário, fazer uso do mesmo meio para censurar, reprovar e repreender com firmeza (compare: 1Sm 2.24;1Sm 3.13). Paulo diz que passou três anos em Éfeso não deixando incessantemente de “admoestar (nouqete/w),46 com lágrimas, a cada um” (At 20.31). Já a disciplina (paidei/a) é uma palavra mais ampla, abrangendo a educação não apenas verbal mas também, através de atos que podem envolver rigidez com o objetivo de corrigir e ensinar.47 Notemos, que a disciplina sendo mais abrangente – envolvendo a instrução e correção –, vinha primeiro. Já a admoestação parece ser após a execução da tarefa. Primeiro instruímos; depois, se necessário, exortamos e repreendemos ou, encorajamos conforme as circunstâncias. Em 1982, o então secretário geral da INTERPOL (Organização Internacional de Polícia Criminal), declarou: “... quando os jovens

43

Ocorre apenas duas vezes no Novo Testamento, unicamente em Efésios 5.29 e 6.4. A palavra apresenta a idéia de alimentar, sustentar, nutrir, educar. Calvino diz que este verbo “inquestionavelmente comunica a idéia de gentileza e afabilidade” (CALVINO, João. Efésios (Ef 6.4), p. 181). 44 Ocorre três vezes no Novo Testamento: 1Co 10.11; Ef 6.4; Tt 3.10. 45 SELTER, F. Exortar: In: BROWN, Colin. ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol. II, p, 176. 46 At 20.31; Rm 15.14; 1Co 4.14; Cl 1.28; 3.16; 1Ts 5.12,14; 2Ts 3.15. A prática da admoestação deve ser natural entre os crentes visando a sua correção (Rm 15.4; 1Ts 5.14; 2Ts 3.15) e aperfeiçoamento (Cl 1.28); no entanto ela deve ser feita com amor (1Co 4.14; 2Ts 3.15) e sabedoria (Cl 3.16). Considerando que esta é também uma tarefa dos líderes da igreja, aqueles que se esforçam neste serviço devem ser estimados pela igreja (1Ts 5.12). 47 Platão (427-347 a.C.) faz também a combinação de Paidei/a com Nouqesi/a, sendo traduzidas por “ensinamento e admoestação” (PLATÃO. A República. 7.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 399b. p. 128). Vd. TRENCH, Richard C. Op. Cit., § XXXII, p. 104-108.

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não têm mais noção de disciplina, noção do que deve ou não ser feito, noção das regras a serem seguidas, a família desaparece”.48 No Antigo Testamento, Eli foi repreendido por Deus porque os seus filhos que transgrediam a lei (1Sm 2.22-25), não foram repreendidos por ele: “Porque já lhe disse que julgarei a sua casa para sempre, pela iniqüidade que ele bem conhecia, porque seus filhos se fizeram execráveis, e ele não os repreendeu (nouqete/w)” (1Sm 3.13). Salomão, por sua vez, instrui: “A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina (LXX: paidei/a) a afastará dela” (Pv 22.15). Calvino (1509-1564) comenta: O tratamento bondoso e liberal conserva a reverência dos filhos para com seus pais, e aumenta a prontidão e a alegria de sua obediência, enquanto que uma severidade austera e inclemente suscita sua obstinação e destrói seu respeito.

Mais à frente continua: ... Deus não quer que os pais sejam excessivamente brandos com seus filhos, ao ponto de corrompê-los, poupando-os demais. Que sua bondade seja temperada, a fim de conservá-los na disciplina do Senhor, e corrigi-los também quando se desviarem. Essa idade requer freqüente admoestação e firmeza com as rédeas, no caso de se soltarem.

49

12) Bom testemunho dos de fora: 1Tm 3.7. “De fora” aqui, aplica-se aos que não são da igreja, os incrédulos (e)/cwqen = de fora, exterior).50 Os líderes da igreja, em especial numa sociedade pagã, estariam sempre sob os olhares inquisidores e investigativos de seus contemporâneos. Portanto, eles precisavam ter um bom

48 49 50

Revista Veja, 17/02/82, nº 706, p. 6. CALVINO, João. Efésios (Ef 6.4), p. 181. Mt 23.25,27; 23.28; Mc 7.15,18; Lc 11.39,40; 2Co 7.5; 1Tm 3.7; 1Pe 3.3; Ap 11.2 (2 vezes); 14.20.

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testemunho dentro da igreja (a eleição por si só já evidenciaria isso) e fora. Ninguém deveria ter do que acusá-los.51 É grande ingenuidade imaginar que o que importa é somente a nossa consciência diante de Deus ou, no máximo, diante de nossos irmãos. Sabemos que em última instância, ainda que sejamos injustiçados e caluniados, o que prevalece é a nossa convicção de uma boa consciência diante de nosso Deus.52 Contudo, isso não significa que não devamos ser cautelosos com a aparência no mal. Definitivamente, não devemos nos colocar em situações suspeitas simplesmente porque “Deus conhece o nosso coração”. É preciso que mantenhamos diante de Deus e, quando possível, diante dos homens, de fora e de dentro da igreja, uma postura condizente com o que acreditamos. Paulo, quando levou a oferta dos cristãos da Macedônia e da Acaia para os pobres de Jerusalém, ele não o fez sozinho (1Co 16.1-4; 8.16-24; Rm 15.22-33). Você teria dúvida quanto à honestidade de Paulo? Eu não. Mas não estou seguro quanto a poder dizer o mesmo a respeito da opinião dos judeus ou da totalidade dos crentes de Corinto. Paulo agiu com sabedoria e prudência. Ele instrui: “Pois o que nos preocupa é procedermos honestamente, não só perante o Senhor, como também diante dos homens” (2Co 8.21). Calvino comenta: A primeira preocupação é sem dúvida a de ser uma boa pessoa, e isto é verificado não só pelos feitos externos, mas também por uma consciência íntegra; porém, a segunda preocupação consiste no fato de que as pessoas no meio das quais você vive devem reconhecer que de fato você é uma boa pessoa. (...) O cristão deve sempre ter o cuidado de viver uma vida que produza a edificação de seu próximo e tomar cuidadosas precauções para que os ministros de satanás não encontrem desculpas para caluniá-los, trazendo com isso a desonra de Deus e a ofensa dos homens de bem.

51

53

Vd. MILLER, Samuel. Op. Cit., p. 46-47. “A má consciência [é] a mãe de todas as heresias” (CALVINO, João Calvino. As Pastorais (1Tm 1.19), p. 50). 53 CALVINO, João. Exposição de 2 Coríntios (2Co 8.21), p. 181,182. 52

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É preciso entender que a depravação total é uma doutrina da qual não se pode esquecer nas relações: todos os homens são pecadores. Deus deseja ser ouvido através dos pregadores. Portanto, a necessidade de fidelidade na transmissão da mensagem e, ao mesmo tempo, uma vida de santidade é fundamental: “A doutrina será de pouca autoridade, a menos que sua força e majestade resplandeçam na vida do bispo como o reflexo de um espelho. Por isso ele diz que o mestre seja um padrão ao qual os discípulos possam seguir.”54 A Palavra deve ser previamente gravada em nossos corações, visto que: “Pode acontecer que o homem desempenhe seus deveres de acordo com suas melhores habilidades, porém, se seu coração não está naquilo que faz, lhe falta muito para chegar à sua meta”.55 Portanto, precisamos examinar-nos a nós mesmos: Aqueles que pregam não devem balbuciar com o externo de sua língua, nem fazer comentários ligeiros, nem ainda falar por falar; senão que, de acordo ao que lhe há sido ensinado por Deus isso deveria comunicar aos que estão a seu cargo, isto é o que há sido gravado em seu interior. Se quisermos servir a Deus com pureza em nosso ofício, sobre tudo devemos controlar nossa língua, para que não fale nada senão o que está gravado em nosso coração. (...) Sempre que falamos Deus quer ser ouvido por meio de nós. Posto que nos concedeu uma tão grande honra, ao menos deveríamos ter sua doutrina gravada em nós, e ali deveria lançar raízes, e logo nossa boca deveria testificar de que a conhecemos. (...) Especialmente quando pregamos, que não só lhe preguemos a outros; senão que nos incluamos entre eles. (....) Quando uma pessoa fala a Palavra de Deus sem que ela mesma sinta o seu poder, que outra coisa está fazendo senão mero palavreado? E, que sacrílego é isso! Que corrupção da Palavra de Deus! Deste modo então, pensemos diligentemente em

54 55

CALVINO, João. As Pastorais, (Tt 2.7), p. 331. CALVINO, João. A Verdadeira Vida Cristã, p. 39.

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nós mesmos; e, cada vez que formos ao púlpito meditemos bem na lição que aqui se nos dá, ou seja, que a retidão de nosso coração se 56

manifeste em nossa língua.

Continua: Aqueles que têm o ofício de pregar a palavra de Deus têm que praticar tanto melhor o que eu disse, ou seja, de ser instruídos eles mesmos antes de expor algo, de maneira que seu coração fale antes de suas bocas. Para fazer isso, peçam a Deus que se digne tocá-los de tal maneira no mais íntimo, que possam ter Sua Palavra bem arraigada na alma, que possam ser capazes de servir a seus semelhantes e perceber que não estão avançando inadvertidamente por eles mesmos, senão que são dirigidos pelo Espírito Santo”.

57

Comecemos por pregar para nós mesmos. Pregando sobre o livro de Jó, Calvino disse: “Quando eu subo ao púlpito não é para ensinar os outros somente. Eu não me retiro aparte, visto que eu devo ser um estudante, e a Palavra que procede da minha boca deve servir para mim assim como para você, ou ela será o pior para mim”.58 Como a pregação pertence a Deus, que é o seu autor,59 deveríamos ter “sido ensinados por Deus antes que possamos ser senhores e mestres”.60 Somente assim poderemos ser genuínos mestres, já que, como vimos, “Mestre é aquele que forma e instrui a Igreja na Palavra da verdade”.61 “O alvo de um bom mestre deve ser sempre converter os homens do mundo para que voltem seus olhos para o céu”.62 56

CALVINO, Juan. Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 205-206. CALVINO, Juan. Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 208. 58 Sermão 95 Apud COTTRET, Bernard. Calvin: A Biography, Michigan/Cambridge, U.K./Edinburgh: Eerdmans/T& T. Clark, 2000, p. 294. 59 “Deus, o autor da pregação!” (CALVINO, João. As Institutas, IV.1.6). 60 CALVINO, Juan. Autoridad y Reverencia que Debemos a la Palabra de Dios: In: Sermones Sobre Job, p. 206. 61 CALVINO, João. Exposição de Romanos, (Rm 12.7), p. 432. 62 CALVINO, João. As Pastorais, (Tt 1.2), p. 301. 57

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O ministro deve cuidar criteriosamente da doutrina e de sua vida pessoal: Um bom pastor deve ser criterioso acerca de duas coisas: ser diligente em sua doutrinação e conservar sua integridade pessoal. Não basta que ele amolde sua vida de acordo com o que é recomendável e tome cuidado para não dar mau exemplo, se não acrescentar à vida santa uma diligência contínua na doutrinação. E a doutrinação será de pouco valor se não houver uma correspondente retidão e santidade de vida.

63

Ao ministro compete não apenas ensinar fielmente, mas, viver de modo digno. Portanto os pastores devem ensinar com fidelidade sendo ele mesmo um exemplo de vida para os fiéis: “A doutrina é a mãe pela qual Deus nos gera”.64 “Ela [a doutrina] só será consistente com a piedade se nos estabelecer no temor e no culto divino, se edificar nossa fé, se nos exercitar na paciência e na humildade e em todos os deveres do amor”.65 Deste modo, cabe ao Ministro, aprender na “Escola de Deus” esta lição de vida: A Palavra foi-nos concedida para que pratiquemos os mandamentos de Deus: as especulações para nada servem: ... não há na escola de Deus lição que deva ser mais prudentemente aprendida do que o estudo de uma vida santa e perfeita. Em suma, a instrução moral é muito mais importante do que as especulações ingênuas, as quais são de nenhum uso óbvio ou prático, à luz do texto: “Toda Escritura é inspirada por Deus é útil... a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado 66

para toda boa obra” [2Tm 3.16-17].

13) Amigo do bem: (fila/gaqoj) Tt 1.8. Amigo do que é bom. Denota devoção a tudo que é moralmente bom no sentido de re-

63

CALVINO, João. As Pastorais. São Paulo: Paracletos, 1998, (1Tm 4.16), p. 125. CALVINO, João. Galatas, (Gl 4.24), p. 141. CALVINO, João. As Pastorais, (1Tm 6.3), p. 164-165. 66 CALVINO, João. As Pastorais, (1Tm 5.7), p. 136. 64 65

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sultado da sua atividade; excelente. Neste sentido, o presbítero deve ser amigo daquilo cuja “beleza” pode não ser a prioridade; no entanto, é algo essencialmente bom para a igreja. Na administração da igreja nem sempre tomamos atitudes que sejam consideradas esteticamente “belas”. No entanto, devemos agir e procurar o que é essencialmente bom. O “bom” nem sempre é imediatamente agradável, mas é o melhor. A educação e a disciplina não têm, num primeiro momento, como ingrediente fundamental, a satisfação de quem por elas é exercitado, no entanto, o fruto disso é o bem individual e o da igreja de Cristo (Hb 12.4-13). Paulo, quando escreve aos romanos, diz que a vontade de Deus é “boa” (Rm 12.2). Falar que a vontade de Deus é boa pode sugerir uma série de conceitos diferentes e até equivocados. O que Paulo está querendo dizer quando declara que a vontade de Deus é boa? A idéia de “bem” pode estar circunscrita a uma série de circunstâncias que nos fazem avaliar o seu significado de forma diferente. Por exemplo, quando digo que uma faca é boa para cortar carne e, ao mesmo tempo, falo para o meu filho pequeno não mexer nela porque ela é perigosa... neste caso, usei o mesmo objeto, todavia, fiz declarações antagônicas, porque o classifiquei dentro de referenciais diferentes: a faca é boa para cortar carne, todavia, por ser afiada (justamente o que a torna boa para aquele propósito), traz perigo para uma criança manuseá-la. Isto significa que o que torna alguma coisa boa para determinada tarefa, pode ser justamente o que a desqualifica para outra. Há também a questão do bem individual e do bem coletivo. Quantas vezes estamos dispostos a julgar “bom” aquilo que é melhor para a coletividade e não para nós, especificamente? Há também caminhos que seguimos que nos parecem ser os melhores, contudo, depois descobrimos que eles tinham apenas uma aparência “boa” mas que, de fato, não eram; as próprias circunstâncias nas quais estávamos facultou um tipo de ilusão, uma deficiência na interpretação do fenômeno... Agora, depois de muitas dificuldades, podemos perceber o nosso erro e nos arrepender do rumo que tomamos.

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Então, o que significam as palavras de Paulo? O termo usado por ele para descrever a vontade de Deus, denota o que é moral e praticamente bom. A vontade de Deus é boa (a)gaqo/j) porque ele é bom (Lc 18.19). Deus é bom essencialmente; a sua vontade também o é. Por Deus ser bom é que ele se comunica com todas as suas criaturas de modo terno, generoso e benevolente. A vontade de Deus é boa em si mesma, não depende de épocas ou circunstâncias; ela é proveniente de um Deus eterno e absolutamente bom. O que muitas vezes ocorre conosco é que queremos “ensinar” a Deus o nosso “bem” momentâneo: assim, neste afã, a igreja ora para que certo político seja eleito, sugere determinadas soluções para Deus nos dirigir em nossa vida pessoal, encaminha alguns procedimentos, solicitando o aval de Deus, etc. Temos, quando muito, uma visão momentânea de “bem” e, mesmo assim, bastante ofuscada pelos nossos pecados e contingências – interesses, predileções, falta de discernimento, entre outras coisas; no entanto, ainda assim, queremos que Deus faça a nossa vontade... A resposta de Deus sempre é boa e, ela é justamente o que desejaríamos, se tivéssemos um perfeito discernimento espiritual. 67 Quando oramos: “seja feita a tua vontade”, estamos de fato, confiando na vontade bondosa de Deus, sabendo que ela não é boa apenas naquele momento, naquelas circunstâncias, ou para os nossos interesses egoístas; mas é boa em sua própria natureza, sendo harmônica com o ser de Deus, que é bom, santo, justo, amoroso, fiel. Moisés, consciente disso, diz ao povo: “O SENHOR nos ordenou cumpríssemos todos estes estatutos e temêssemos o Senhor, nosso Deus, para o nosso perpétuo bem, para nos guardar em vida, como tem feito até hoje” (Dt 6.24). Portanto, os presbíteros devem ser amantes do que é bom. A vontade de Deus que é boa em si mesma deve ser a sua paixão em todas as suas decisões.

67

Cf. HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Hagnos, 2001, p. 1540.

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14) Justo: (di/kaioj = reto) Tt 1.8.68 A justiça denota a conformidade com a lei de Deus e dos homens, vivendo em harmonia com elas,69 procurando vivenciar a lei de Deus entre os homens. 15) Piedoso: (o)/sioj) Tt 1.8.70 “Devoto”, “santo”. Enquanto que a justiça ressalta a atitude do homem na sociedade, a “piedade” destaca o seu relacionamento com Deus.71 16) Domínio próprio: (e)gkrath/j) Tt 1.8. “Autocontrole”, “disciplina”. Significa um total autodomínio, controlando as suas paixões, impulsos e apetites; subordinando os seus pensamentos e emoções à vontade de Deus. A palavra é empregada referindo-se ao apetite sexual (1Co 7.9) e ao treinamento do atleta que em tudo precisa se dominar a fim de preparar-se adequadamente para a com-

68

Mt 1.19; 5.45; 9.13; 10.41 (três vezes); 13.17, 43,49; 20.4; 23.28,29,35 (duas vezes); 25.37,46; 27.19; Mc 2.17; 6.20; Lc 1.6,17; 2.25; 5.32; 12.57; 14.14; 15.7; 18.9; 20.20; 23.47,50; Jo 5.30; 7.24, 17.25; At 3.14; 4.19; 7.52; 10.22; 22.14,15; Rm 1.17; 2.13; 3.10,26; 5.7,19; 7.12; Gl 3.11; Ef 6.1; Fp 1.7; 4.8; Cl 4.1; 2Ts 1.5,6; 1Tm 1.9; 2Tm 4.8; Tt 1.8; Hb 10.38; 11.4; 12.23; Tg 5.6,16; 1Pe 3.12,18; 4.18; 2Pe 1.13; 2.7,8 (2 vezes); 1Jo 1.9; 2.1; 2.29; 3.7 (duas vezes), 12; Ap 15.3; 16.5,7; 19.2; 22.11. 69 A palavra “justiça” tinha um amplo emprego na literatura secular e nas Escrituras: A) na literatura secular: Analisando o substantivo dikaiosu/nh dentro do seu emprego secular, observamos que ele significava, originalmente, uma atribuição concedida por Zeus (deus grego) aos homens – aos quais, diferentemente dos animais –, fora conferida a capacidade de agir justamente, a fim de poderem viver em sociedade. A palavra evoluiu, tomando outros sentidos, tais como: (a) A estrutura do Estado, que visa o acordo e a amizade. Para Platão (427-347 a.C.) a dikaiosu/nh é fundamental ao Estado e à alma humana. Ainda que nesta existência a vida dos justos nem sempre seja tranqüila, aqui e no além os deuses se lembrarão deles. (b) A principal das virtudes humanas, que se manifesta, também, na obediência às leis do Estado. Esta virtude é útil na paz e na guerra. A palavra também passou a significar a qualidade do homem justo, que se harmonizava com os padrões de sua sociedade, cumprindo suas obrigações para com os deuses e para com os homens. Sendo este homem “di/kaioj”, isto é: “justo”, “reto”. B) no sentido bíblico: A palavra “justiça” adquire na Bíblia o sentido de “retidão”. Proceder justamente significa agir conforme o caráter de Deus, aquele que é justo absolutamente: “... Deus é fidelidade, e não há nele injustiça: é reto e justo (LXX: di/kaioj)” (Dt 32.4). O Antigo Testamento, indicando a justiça de Deus manifesta em seu Reino, declara, numa linguagem figurada, que: “Justiça (LXX: dikaiosu/nh) e direito são o fundamento do teu trono; graça e verdade te precedem” (Sl 89.14). A justiça é o fundamento do seu governo: “... justiça (dikaiosu/nh) e juízo são a base do seu trono” (Sl 97.2). Deste modo, o homem justo é aquele que está comprometido com os preceitos de Deus. (Ver: COSTA, Hermisten M.P. O Pai Nosso. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001). 70 At 2.27; 13.34,35; 1Tm 2.8; Tt 1.8; Hb 7.26; Ap 15.4; 16.5. 71 Vd. CALVINO, João. As Pastorais (Tt 1.8), p. 312-313.

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petição (1Co 9.25).72 Pedro inter-relacionando algumas das virtudes cristãs, estabelece uma conexão imediata entre o conhecimento, o domínio próprio e a perseverança (2Pe 1.6). Sem dúvida, o progresso no conhecimento de Deus (2Pe 1.8) – pela utilização dos meios que Deus tem-nos fornecido para o nosso crescimento espiritual (2Pe 1.3)73 –, associa-se ao domínio próprio e à perseverança (u(pomonh/)74 em resistir às tentações, fazendo a vontade de Deus. Lembre-se de que o domínio próprio (e)gkra/teia) é um fruto do Espírito (Gl 5.23). Deste modo, o presbítero, como todo o crente, deve estar humildemente consciente de que a modelagem de seu caráter dependerá sempre de sua submissão ao Espírito Santo. Deus nos instrui por meio da sua graça. Quem é educado por Deus sempre revela os frutos dessa divina pedagogia (Tt 2.11,12). 17) Apegado à Palavra: (a)nte/xomai)75 Tt 1.9. “Reter”, “suster”; servir, no sentido de lealdade (Mt 6.24 = Lc 16.13). Nota-se que todas as qualificações exigidas para o presbiterato e o diaconato

72

A palavra utilizada é e)gkrateu/omai, a qual ocorre em ambos os textos com exclusividade em todo o Novo Testamento. 73 Ver: COSTA, Hermisten M.P. A Palavra e a Oração como Meios de Graça: In: Fides Reformata, São Paulo: Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, 5/2 (2000), 15-48. 74 O substantivo u(pomonh/ (perseverança) e o verbo u(pome/nw [u(pome/nw (u(po/ = “sob” & me/nw = “permanecer, ficar, esperar, aguardar”)] (perseverar), têm o sentido de persistir, permanecer, firmeza, constância, paciência, resistência, “permanecer debaixo de”; “manter-se firme debaixo de”. Os termos descrevem não simplesmente uma atitude passiva de deixar os fatos acontecerem, mas, sim, um comportamento ativo que enfrenta as dificuldades, tendo uma perspectiva que ultrapassa a simples visão adversa do momento; é, portanto, uma perseverança viril na prova: aceita os embates da vida porém, ao aceitá-los, transforma-os em novas conquistas. A palavra quer dizer uma resistência persistente, a despeito das circunstâncias difíceis. Uma fé que se fortalece ainda mais no meio das adversidades.(Vd. BARCLAY, William. Palavras Chaves do Novo Testamento, p. 101). Esta paciência é uma perseverança corajosa, que aceita os desafios de sua fé e permanece fiel ao seu Senhor; ela é uma qualidade espiritual, o produto de um andar submisso e guiado pelo Espírito. Por isso ela pode ser descrita como “a graça para suportar”. Esta resistência se alicerça sobre a fé. A fé consiste na entrega da alma a Cristo, confiando inteiramente nos seus cuidados. Tal consagração confere ao crente a disposição e o poder de suportar dificuldades provenientes de sua lealdade irrestrita a Cristo. A nossa fé, portanto, se evidencia em nossa paciência em suportar as adversidades... E assim, a vida cristã vai sendo lapidada, aprimorada em seus contornos através das dificuldades comuns a todos aqueles que querem permanecer fiéis ao Senhor: “A tribulação produz perseverança” (u(pomonh/) (Rm 5.3); é a fé provada que produz a “constância” (Tg 1.3). “Com efeito, tendes necessidade de perseverança (u(pomonh/), para que, havendo feito a vontade de Deus, alcanceis a promessa” (Hb 10.36). 75 Mt 6.24; Lc 16.13; 1Ts 5.14; Tt 1.9.

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só poderão ser cumpridas, mediante o apego irrevogável e devotado à Palavra. “Este é o principal dote do bispo que é eleito especialmente para o magistério sagrado, porquanto a igreja não pode ser governada senão pela Palavra”.76 18) Apto para exortar e convencer: Tt 1.9. Na Palavra encontramos os recursos que nos tornam “aptos”, “poderosos” (dunato/j = “poder”, “capaz”, “força”)77 para “exortar” (parakalei=n78 = “exortar”, “encorajar”, “rogar”, “admoestar”) pelo “reto ensino” (u(giai/nw = “estar são”, “estar com saúde” e didaskali/a = “doutrina”) e “convencer” (e)le/gxw = “reprovar”, “repreender”)79 aos que se opõem, gostam de contradizer a Palavra. As Escrituras são adequadas para isso (2Tm 4.2): ela edifica os crentes, anima-os, exorta-os e rebate os ataques dos que se aprazem em contradizer, em ser do contra.80 Nota-se que a fonte da autoridade do presbítero

76

CALVINO, João. As Pastorais (Tt 1.9), p. 313. Mt 19.26; 24.24; 26.39; Mc 9.23; 10.27; 13.32; 14.35,36; Lc 1.49; 14.31; 18.27; 24.19; At 2.24; 7.22; 11.17; 18.24; 20.16; 25.5; Rm 4.21; 9.22; 11.23; 12.18; 15.1; 1Co 1.26; 2Co 10.4; 12.10; 13.9; Gl 4.15; 2Tm 1.12; Tt 1.9; Hb 11.19; Tg 3.2 78 O verbo parakale/w tem o sentido de: implorar (Mt 8.5; 18.29), suplicar (Mt 18.32); exortar (Lc 3.18; At 2.40; 11.23); conciliar (Lc 15.28); consolar (Lc 16.25; 15.32; 1Ts 5.11; 2Ts 2.17); confortar (2Co 1.4; 7.6); contemplar (2Co 1.4); convidar (At 8.31); pedir (At 9.38; 1Co 4.13; 16.15); pedir desculpas (At 16.39); fortalecer (At 20.2,12); solicitar (At 25.2; Fm 9,10); chamar (At 28.20); admoestar (1Co 4.16; Hb 10.25); recomendar (1Co 16.12; 2Co 8.6; 9.5; 1Tm 6.2). O escritor de Hebreus orienta os irmãos a exortarem-se mutuamente, para que todos perseverem firmes em sua fé: “...Exortai-vos (parakale/w) mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado” (Hb 3.13); “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns; antes, façamos admoestações (parakale/w) e tanto mais quanto vedes que o Dia se aproxima” (Hb 10.25). Notemos que todos nós, irmanados na mesma fé e propósito, devemos estar comprometidos com o consolo, conforto, admoestação e estímulo aos nossos irmãos. Como família de Deus (Ef 2.19) estamos todos juntos e dependemos uns dos outros para permanecermos firmes, não desanimando. A fraternidade cristã revela-se nesta atitude cooperante. Hoje exercitamos com o nosso irmão o conforto; amanhã somos alvo dessa palavra grandiosa e necessária em nossa caminhada. Judas escreveu com este propósito: “Amados, quando empregava toda a diligência em escrevervos acerca da nossa comum salvação, foi que me senti obrigado a corresponder-me convosco, exortando-vos (parakale/w) a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3). 79 Mt 18.15; Lc 3.19; Jo 3.20; 8.46; 16.8; 1Co 14.24; Ef 5.11,13; 1Tm 5.20; 2Tm 4.2; Tt 1.9,13; 2.15; Hb 12.5; Tg 2.9; Jd 15; Ap 3.19. 80 “É um notável tributo à Palavra de Deus, quando o apóstolo diz que ela é adequada não só para governar os que se deixam instruir, mas também para quebrantar a oposição obstinada de seus inimigos. O poder da verdade divina é tal que facilmente prevalece contra todas as falsidades.” (CALVINO, João. As Pastorais (Tt 3.9), p. 314). 77

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PRESBÍTEROS

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DIÁCONOS: SERVOS

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para poder exortar e convencer, está na Palavra. Uma advertência para todos nós é: não tentemos realizar a nossa função fora da Palavra; a autoridade e poder provêm da Palavra de Deus. Não confundamos nossas opiniões com as Escrituras; a fonte do nosso pensar e agir deve ser a Escritura, não simplesmente a nossa experiência de homens amadurecidos e práticos. A Palavra de Deus é útil e suficiente para o ensino e, também para corrigir, para refutar o erro e repreender o pecado (2Tm 3.16). O termo usado aqui para “convencer” (Tt 1.9) já possuía um rico emprego na literatura secular,81 significando, de modo especial: a) A exposição lógica e objetiva dos fatos de uma matéria, com o alvo de refutar os argumentos de um oponente; daí a idéia de refutar e convencer. b) A correção do modo de viver dos homens, feita pela consciência, pela verdade ou por Deus. Uma idéia embutida na palavra grega é a de evidenciar o erro, expô-lo e trazê-lo à luz, com o propósito de corrigi-lo. Há na palavra o sentido de “disciplina educativa”; a educação e a correção devem caminhar juntas (Pv 3.11,12; Hb 12.5; Ap 3.19). Por isso, Paulo recomenda a Timóteo que pregue a Palavra, porque é de fato útil para a correção: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige (e)le/gxw), repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina” (2Tm 4.2). Paulo insiste com Tito para que repreenda os falsos mestres a fim de que eles tenham uma fé sadia: “Portanto, repreende-os (e)le/gxw) severamente, para que sejam sadios na fé” (Tt 1.13).82

CONCLUSÃO Ao término dessa seqüência de artigos, a pergunta é: quem pode habilitar-se para estes ofícios? Quem de nós se considera apto para

81

Vd. BÜCHSEL, H.M.F. E)le/gxw: In: KITTEL, G. & FRIEDRICH, G. eds. Theological Dictionary of the New Testament Vol. II, p. 475; LINK, H.-G. Culpa: In: BROWN, Colin. ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol. I, p. 572. 82 Para um estudo mais detalhado desta palavra, ver: COSTA, Hermisten M.P. O Pai Nosso. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001.

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fazê-lo? Certamente, depois de verificarmos aspectos das exigências bíblicas, é possível que nenhum de nós, a começar por mim, se sinta capacitado para o presbiterato ou diaconato. Creio que esta sensação, ainda que por si só não capacite alguém a exercer esses ofícios, é um sintoma que pode indicar a nossa real consciência da responsabilidade de servir à igreja de Deus como Presbítero e Diácono. Acredito que a ausência do sentimento de incompetência e pequenez diante desta missão aponta para a ausência de compreensão de sua abrangência e responsabilidade. A palavra de um teólogo contemporâneo é muito pertinente: Quando Paulo alista as qualificações dos presbíteros, é importante o fato de ele ajuntar requisitos concernentes a traços do caráter e atitudes íntimas com requisitos que não podem ser preenchidos em curto espaço de tempo, senão em um período de muitos anos 83

de vida cristã fiel.

Por outro lado, Samuel Miller (1769-1850) enfatiza: Quanto mais profundo for o seu senso de inadequação, muito mais provavelmente se aplicará incessante e insistentemente em buscar o auxílio do alto; e quanto mais próximo viver do trono da graça, muito mais amplamente partilhará da sabedoria e do fortalecimento de que necessita.

83 84

84

GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 768. MILLER, Samuel. Op. Cit. , p. 42.

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IMPORTÂNCIA DE SE TER UM

PROPÓSITO CLARO PARA CADA SERMÃO

REV. GEORGE ALBERTO CANELHAS Bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul Mestre em História Eclesiástica pelo Centro Presbiteriano de Pós-graduação A. A. Jumper Pastor da Igreja Presbiteriana da Lapa

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PROPÓSITO CLARO PARA CADA SERMÃO

Resumo O presente artigo trata de um elemento essencial no sermão bíblico: o propósito. Mostra o autor que pregar sem propósito é como atirar flechas para várias direções esperando acertar alguém. Pa l av r a s - c h av e Homilética; Pregação; Educação. Abstract The present article deals with an essential element in a biblical sermon: The purpose. The author shows that preaching without a purpose is like firing arrows in all directions, hoping to hit someone. Keywords Homiletic; Preaching; Education.

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INTRODUÇÃO Haddon W. Robinson, em um dos seus livros sobre homilética, conta a história de um pregador que, todo sábado à noite, fazia a prédica que pregaria no domingo pela manhã para sua esposa. Depois de um destes treinos, ela lhe fez uma pergunta inquietadora: “Diga-me, por que você vai pregar este sermão?” Se alguém nos perguntasse o mesmo acerca dos nossos sermões, nós teríamos uma resposta pronta e clara? Será que entendemos que os nossos sermões são como flechas e precisam ser atiradas na direção certa? Ou imaginamos que pregar é atirar para todos os lados para tentar acertar alguém? Qual é a importância de ter um alvo para os meus sermões? Em que isso pode ajudar-me como pregador? Será que a Escritura tem propósitos e, segundo ela, minha pregação também deve têlos? E, se assim é, como descobrir o objetivo do sermão que vou pregar? É para responder a perguntas como estas que escrevi este artigo. Espero que ele lhe seja útil na tarefa maior que você tem como pastor ou líder de sua comunidade: pregar a Palavra de Deus.

1. O

PROPÓSITO DAS

ESCRITURAS

Quando falamos sobre este assunto, é bom começar lembrando que a Bíblia foi escrita com propósito definido e, conseqüentemente, ao pregá-la, devemos atentar para ele. Bryan Chapell, no livro “Pregação Cristocêntrica”, escreveu: “Não devemos conjeturar se existe um propósito para o texto. A Bíblia nos assegura que há uma razão para cada passagem nela contida, e ela claramente nos afirma a natureza básica desse propósito”. 1 A própria Bíblia é claríssima ao falar desta verdade. Lemos em Isaías 55.11: “Assim será a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para que a designei”(Is 55.11).

1

CHAPELL, Bryan. Pregação Cristocêntrica. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, p. 43

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COM PR OPÓSITO

Bryan Chapell assevera que toda a Bíblia faz referência a Cristo, e que este é o assunto central de toda a Escritura. O trabalho do pregador é encontrar este sentido e expô-lo com clareza: No seu contexto, cada passagem possui uma ou mais das quatro focalizações redentoras. Cada texto revela seu caráter profético quanto à obra de Cristo, preparatório para a obra de Cristo, refletivo da obra de Cristo e/ou resultante da obra de Cristo.

2

Ele explica que os textos proféticos são os que fazem menção específica de sua vinda pessoal ou de sua obra; que os preparatórios buscam organizar previamente seu povo para entender alguma faceta de sua pessoa, vida ou obra; que os textos refletivos respondem à pergunta de como aquele texto mostra a natureza de Deus ou dos homens; e como aquelas demonstrações estão relacionadas com a pessoa, vida e obra de Cristo. O resultado é a evidência nas Escrituras de que só temos virtudes, boas obras, etc., em conseqüência da obra de Jesus em nosso favor. Além desse importante propósito, relacionado com Cristo, é Deus mesmo quem esclarece o propósito da Escritura voltada aos homens, quando Paulo escreve: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2Tm 3.16). Jay Adams no livro “O Manual do Conselheiro Capaz”, ensina: ... as Escrituras têm o poder de fazer quatro coisas: 1. ensinar (isto é, estabelecer as normas de fé e de vida); 2. repreender (isto é, mostrar de modo convincente, aos crentes que errarem, que estão laborando em erro); 3. corrigir (epanorthosin, que significa “endireitar novamente”; pois após derrubar-nos por terra, as Escrituras nos firmam novamente, para que caminhemos pela vereda da justiça. Elas ferem, desarraigam e derrubam por terra o pecado em nossas vidas, por meio da repreensão; e curam, plantam a se-

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Idem, ibidem, p. 298

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mente e lançam o alicerce da retidão, por meio da correção); 4. disciplinar (treinamento estruturado) na justiça (as Escrituras continuam operando em nós, estruturando as nossas vidas mediante a disciplina diária, conduzindo-nos à piedade; cf. 1Tm 4.7) (grifos dele).

3

Adams denomina as quatro ações da Escritura de atividade aquilatadora (emitir juízo de valores sobre as coisas); atividade convencedora (levar ao arrependimento pelo erro cometido); atividade transformadora (erguer-nos e colocar-nos no sentido correto da vontade de Deus para nossa vida); e atividade estruturadora (treinamento daquilo que o Senhor quer que façamos). É importante destacar a afirmação de Paulo: “a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.17). Isto significa que tudo o que o Pai deseja para o cristão é produzido pela Bíblia por meio destas quatro atividades. Há indícios claros nas Escrituras acerca do propósito da pregação?

2. O

PROPÓSITO DA PREGAÇÃO

Jay Adams escreve sobre este assunto em um de seus livros e afirma que muitos de nós não sabemos exatamente o propósito da pregação4 : A. A glória de Deus: Em sua carta aos Tessalonicenses, o apóstolo Paulo descreve sua pregação: Pois a nossa exortação não procede de engano, nem de impureza, nem se baseia em dolo; pelo contrário, visto que fomos aprovados por Deus, a ponto de nos confiar ele o evangelho, assim falamos, não para que agrademos a homens, e sim a Deus, que prova o nosso coração... Também jamais andamos buscando glória de homens, nem de vós, nem de outros. (1Ts 2.3,4,6)

3 4

ADAMS, Jay. O Manual do Conselheiro Capaz. São Paulo: Fiel, 1982, p. 96 – 97. ADAMS, Jay. Preahcing With Purpose. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1982, p. 3.

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COM PR OPÓSITO

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O Rev. Hernandes Dias Lopes faz sua consideração sobre o assunto: Segundo João Calvino, o alvo da pregação deve ser honrar a Deus, restaurar vidas (...) O propósito do pregador é dirigido em primeiro lugar para Deus. Ele prega a fim de que Deus possa ser glorificado. O próprio ato de declarar o evangelho é um louvor e exaltação 5

a Deus em seus poderosos feitos.

B. O anúncio da obra de Deus em Cristo: Além de ser para a glória de Deus, a pregação visa comunicar os atos poderosos de Deus em Cristo, como relata o apóstolo Paulo: Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da pregação. Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios; mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus” (1Co 1.21-24).

“A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3.8). C. A salvação do homem: Paulo, ao afirmar que “com a boca se confessa a respeito da salvação”, faz algumas perguntas retóricas, cujo significado é evidente, que são muito importantes para fixarmos este princípio: “Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão se não há quem pregue?” (Rm 10.14). Se queremos um sumário dele mesmo, que não nos deixa nenhuma dúvida, veja o que ele escreveu aos coríntios: “... aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da pregação” (1Co 1.21). 5

LOPES, Hernandes Dias. A Importância da Pregação Expositiva para o Crescimento da Igreja. São Paulo: Candeia, 2004, p. 99.

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D. Ensinar: Isso foi declarado por Jesus, na ordem missiológica dada aos discípulos, quando ele determinou: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt 28.19,20 – grifos meus). Também o apóstolo Paulo enfatizou aos presbíteros de Éfeso: “porque jamais deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20.27). E. Equipar: É isto que o apóstolo Paulo registra em Efésios 4.11,12: “E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço...” F. Edificar a igreja e trazer conforto e encorajamento: Na continuação do texto citado no item anterior, o apóstolo Paulo afirma que Cristo deu dons aos homens “... para a edificação do corpo de Cristo...” (Ef 4.12). E, ao falar sobre o dom de profecia, que nós cremos ser sinônimo de pregação, ele esclarece: “Mas o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando” (1Co 14.3).

3. DEFINIÇÃO

DO PROPÓSITO PARA O SERMÃO

Haddon W. Robinson ressalta que “o propósito declara aquilo que esperamos que aconteça com o ouvinte, como resultado da pregação deste sermão” e, citando Henry Ward Beecher, escreve: “O sermão não é como um rojão que se solta, por causa do barulho que faz. É a espingarda do caçador, e a cada tiro, ele deve olhar para ver sua caça cair”.6

4. A

IMPORTÂNCIA DO PROPÓSITO NO SERMÃO

Muitos pregadores lêem o texto da Escritura e percorrem toda a Bíblia, pela Geografia, História, Política, experiências pessoais, sem encontrar nenhum nexo que una estas coisas todas. O propósito é 6

ROBINSON, Haddon W. Pregação Bíblica. São Paulo: Shedd Publicações, 2002, p. 117-118.

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exatamente este elo. Quando eu me pergunto por que vou usar tal texto e não este outro, a ilustração “a” e não a “b”, o que tem aquele argumento a ver com o texto que estou expondo, etc., tudo fica relacionado a um pensamento central e unificador. Outros pregadores não conseguem falar pouco e padecem da dificuldade de selecionar seu material: aproveitam tudo o que encontram sem saber o que é melhor para ser usado. O que define isso é o objetivo. Enquanto seleciono o material que servirá de substância ao meu sermão, tenho que me perguntar continuamente o que melhor se ajusta ao meu objetivo. Pode ser que encontre muita coisa boa, mas eu tenho que me perguntar o que, entre tudo que achei, pode atingir melhor meu alvo. Outros pregadores falam de tanta coisa, ao mesmo tempo, que não fica claro para ninguém onde eles querem chegar. O propósito preciso na mente do pregador, quando ele construir seu esboço e selecionar seus argumentos, impedirá que isso aconteça. Neste sentido, gosto muito da história de um pregador famoso que perguntou a um pregador muito simples, quase analfabeto, como era sua homilética. Sua resposta pode ser tida como clássica: “eu começo dizendo sobre o que vou falar, falo, e então digo sobre o que falei e o que isso tem a ver com nossa vida.” A pregação moderna carece de aplicação prática e incisiva. Muitos pregadores expõem com fidelidade e clareza o texto, mas não mostram como ele se aplica a nossa vida hoje, aqui, agora. Grande parte dessa falha deve-se ao fato de não sabermos o que queremos alcançar com nosso sermão. Assim, quando chega o momento de responder: “como isso se relaciona com nosso viver?”, nós não temos a resposta suficientemente clara para expô-la com força e pertinácia. Se o propósito é importante, devemos aprender a descobri-lo e a colocá-lo em prática.

5. COMO

DESCOBRIR E ELABORAR O PROPÓSITO DO SERMÃO

Se já estamos convencidos de que Deus tem um objetivo para cada texto da Bíblia, de que nossos sermões precisam ter propósito e de que isto vai nos auxiliar grandemente: como fazer isto?

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Os autores usam diferentes terminologias para falar sobre este assunto, e a idéia central de alguns deles será resumida nesta parte do nosso trabalho. A primeira pergunta que temos que fazer é: qual era o propósito do Espírito Santo ao inspirar o autor deste texto para escrevê-lo naquela época, neste livro, nesta seção do livro, e como os primeiros leitores entenderam o que lhes foi escrito? Para isso, é importante saber a identidade dos primeiros leitores, a época em que viveram, a razão pela qual o livro foi escrito e como a parte do texto sobre a qual vamos pregar se encaixa no argumento geral do livro e, particularmente, na seção onde ele está colocado. Em outras palavras, temos que ter em nossa mente a seqüência dos argumentos usada pelo autor, e como a parte que vamos expor se encaixa no todo do livro, e como o todo se reflete na parte. Um outro ponto importantíssimo que precisamos considerar pode ser resumido com a seguinte pergunta: “Qual é o problema ou pergunta à qual o texto responde?” “De que problema o texto está tratando e como ele o resolve?” “Qual o ensino deste texto e como ele é apresentado?” Estes são pontos fundamentais que precisam ser considerados. Depois deste exercício de entendimento do texto, eu preciso extrair a verdade ou o princípio geral, que pode ser aplicado em todos os tempos e em todas as culturas. É isto que torna a Palavra de Deus eterna. Ela trata da história da redenção, por meio de eventos e fatos, e não vem como um livro sistematizado. Entretanto, através de eventos ou fatos, ela indica princípios e verdades gerais que podem ser aplicados em qualquer cultura, em todos os tempos. Bryan Chapell define o “Foco na Condição Decaída” como “... a condição humana recíproca que os crentes contemporâneos compartilham com aqueles ou aquele a quem o texto foi escrito que requer a graça da passagem”, explicando que ele não precisa ser alguma coisa da qual somos culpados. Simplesmente precisa ser um aspecto da condição humana decaída que

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pede a instrução, admoestação e/ou conforto da Escritura” e que “ao identificar a semelhança da condição dos nossos ouvintes com a do escritor bíblico, do assunto, e/ou do auditório, determinamos por que o texto foi escrito, não apenas para os tempos bíblicos, 7

mas também para o nosso tempo.

Para fazer a aplicação das verdades à minha época, eu preciso conhecer as pessoas para quem vou pregar. Por isso, é importante que o pastor tenha uma cultura geral razoável e se preocupe em ler jornais e revistas, bem como autores modernos e até poetas (como escreveu um amigo num livro não publicado: “quem mais conhece a alma de um povo do que seus poetas?”) e, principalmente, em termos de sua congregação local, conviver com as pessoas, saber de seus sonhos, angústias e frustrações, conhecer seus ideais, lutas e tentações. Haddon Robinson assim se expressa: Procuramos aproximar nossas cadeiras de onde se assentavam os escritores bíblicos. Procuramos enveredar-nos, buscando atrás o mundo das Escrituras, para entender bem a mensagem original (...) Precisamos conhecer as pessoas, bem como a mensagem, e para adquirir esse conhecimento, fazemos exegese tanto da Escritura quanto da congregação (...) Nossos sermões expositivos hoje serão ineficazes, a não ser que reconheçamos que nossos ouvintes também existem num endereço específico e têm mentalidade própria deles.

8

Para ter certeza de que entendi perfeitamente o propósito do texto e que meu sermão vai ter o mesmo propósito aplicado para pessoas no século 21, eu devo ser capaz de elaborar uma sentença que indique o que espero dos meus ouvintes em termos de mudança de atitude mental, ética, moral; o abandono de algo errado, prejudicial, herético e o recebimento do que é correto, benéfico, verdadeiro e bíblico. 7 8

CHAPELL, Bryan. Op. cit., p. 44,46,47. ROBINSON, Haddon W. Op. cit., p. 26, 29, 30.

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Este propósito deverá ser transcrito, em meu esboço ou sermão escrito, logo depois da menção do texto que será exposto, e deve ser um guia para todo o material que vou selecionar para o sermão, para o tempo que vou gastar com cada parte do mesmo e, principalmente, para as aplicações que vou fazer.

CONCLUSÃO Espero que as idéias apresentadas acima possam ser úteis em seu trabalho como pregador e, se algo não ficou completamente claro, indico-lhe os livros que estão citados nas notas de rodapé, principalmente os de Haddon Robinson e Bryan Chapell, que são, no meu entendimento, os melhores livros sobre homilética publicados no Brasil.

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IMPORTÂNCIA DE

SEU CHAMADO E SUA OBEDIÊNCIA

UMA

ANÁLISE BÍBLICO-TEOLÓGICA DE

GÊNESIS 12.1,2

REV. DANIEL PIVA Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Presbiteriano Rev José Manoel da Conceição Licenciatura Plena em Letras (Português e Inglês) pela FSA – Faculdade Santo André Mestrando em Antigo Testamento, Literatura do Mundo Bíblico.

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ANÁLISE BÍBLICO-TEOLÓGICA DE

GÊNESIS 12.1,2

Resumo Neste artigo o autor faz uma análise bíblico-teológica do chamado de Abrão. Por meio da exegese, Rev. Daniel Piva extrai do texto elementos importantes para a compreensão da história e os aplica a situações do nosso dia-a-dia. Pa l av r a s - c h av e Teologia Bíblica; História de Israel; Abraão; Aliança; Vida Cristã. Abstract In this article the author offers a biblical-theological analysis of Abram’s call. Rev. Daniel Piva extracts important elements from the text, through exegesis, for a better understanding of history, and applies it to our daily situations. Keywords Biblical Theology; Israel’s History; Abraham; Covenant; Christian Life.

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Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; 2 de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção!

‘&a’ r)< a> ; rv<aï ] #r<ahÞ’ -’ la, ^ybia_ ’ tyBemä Wi ^ßTd. l> A; M)mWi ^ïcr. a> m; e ^±l-. %l, ~r”bê a. -; la, ‘hw”hy> rm,aYOwÝ : 1 ‘hk’(r”B. hyEßh.w< ^m<+v. hl’ÞD>g:a]w: ^êk.r<b’äa]w: lAdêG” yAgæl. ‘^f.[,a,(w> 2 INTRODUÇÃO Fé e religiosidade permanecem continuamente juntas, porém nem sempre estão em plena harmonia, independentemente dos seus conceitos. É bem possível alguém se julgar religioso, mas não exercer sua fé; muitas pessoas tem atitudes religiosas, até mesmo criando sua própria religiosidade sem crer verdadeiramente naquilo que fazem. A Palavra de Deus, tanto no Antigo como no Novo Testamentos, demonstra exatamente o que é fé, não por trazer a própria conceituação em si, mas por mostrar como esta fé se efetiva. O texto de Hebreus 11.1 diz: “Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem.” Entretanto, no decorrer do cotidiano, poucas são as vezes em que realmente se verifica esta fé tão bem conceituada, lembrada e principalmente exercida em todas as áreas da vida. Na Bíblia há muitos relatos de homens tementes a Deus que, a despeito de circunstâncias, paixões pessoais, medo, ansiedade, ou incertezas humanas, obedeceram a Deus no exercício concreto desta fé nele. A partir do exemplo de Abraão, ainda com seu primeiro nome, Abrão, o texto esclarece as bases para uma fé genuína, límpida, consciente e verificável em atitudes de desprendimento para obedecer a Deus, bem com alcançar a bênção para a própria vida e ser bênção para outras pessoas também. Abrão simplesmente creu no Senhor (Gn 15.6).

1. O

CONTEXTO VIVENCIAL DE

ABRÃO

NO MOMENTO

DE SEU CHAMADO

Quantas pessoas atenderiam prontamente a um chamado desta natureza? De uma vez, Deus exige que Abrão deixe tudo para trás

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I M P O RT Â N C I A D E S E U C H A M A D O E S U A O B E D I Ê N C I A

e vá para um lugar completamente desconhecido, ainda que este fosse revelado pouco a pouco. Abrão sai de uma terra idólatra, tendo em vista que o nome “Ur dos Caldeus” designava um cidade em que era adorada a divindade da lua. Num paralelo com a posterior saída do Egito, Deus quer ser adorado da forma que quer e no local que deseja. Assim como o povo teve que sair do Egito para adorar em Israel, naquele momento anterior já havia uma necessidade de estar no local que Deus mostraria. A idéia de uma “viagem” sempre está presente para indicar uma mudança permanente. Por isso mesmo o caráter deste deslocamento é de “ir para não mais voltar”, pois o estado proposto é definitivo e inaugura um tempo diferente do anterior, uma nova fase. Uma questão contextual aqui é muito importante. A questão da família e da terra. Atualmente, principalmente no mundo ocidental, todos recebem seus sobrenomes, ou nomes de família, entretanto, a importância da família é reduzida, ou se não, a prática da vida em família com um grande número de pessoas é rara. A própria dinâmica de convivência nos grandes centros é diferente de décadas atrás. Algumas pessoas vivem sozinhas e casais sem filhos estão longe dos seus familiares. A família era a própria identidade de uma pessoa assim como seu círculo de realidade vivencial em todas as áreas, como amparo para a vida, nas áreas psicológica, emocional, matrimonial, profissional, etc. Vários compromissos assumidos na família, tais como zelar pela mãe, caso fosse viúva, irmãs mais novas solteiras, etc., não se alteravam mesmo quando o homem se casava. Deste modo, Abrão deixar sua família, não era meramente mudar de cidade como se faz hoje, ainda que com alguma tristeza. Não levar a família consigo seria deixar um passado, uma tradição, todo este suporte de vida. Era desligar-se de toda uma vida construída até aquele momento. Como Deus exige que um homem abandone tudo o que tem, principalmente quando se pensa que a família foi algo instituído

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por Deus? É claro que Abrão não iria só, certamente levaria sua esposa, pois não foi pedido que rompesse seus votos. No sentido mais amplo, a noção de família inclui todos os parentes, mas por outro lado o conceito de família mais restrito e proposto por Deus é justamente homem e mulher, onde nem mesmo os filhos são contemplados, pois um dia estes também deixarão o lar e mais uma vez a célula mínima homem-mulher volta a ser uma realidade concreta. “Por isso, deixará o homem a seu pai e mãe e [unir-se-á a sua mulher]” (Mc 10.7). “Eis por que deixará o homem a seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, e se tornarão os dois uma só carne” (Ef 5.31). Além do contexto vivencial, a família também contribuía para a identidade da pessoa (Gn 11.31; 23.8; 24.15; Êx 6.25; Nm 1.115; Is 1.1; 7.1; Mt 13.55; Mc 1.19; At 20.4). Outros textos bíblicos comprovam este tipo de identidade pessoal. Abrão tem sua filiação registrada em Gênesis 11.26. Certamente, a necessidade de Abrão sair de sua família era o fato de pertencer a uma família idólatra, e que não poderia compartilhar dos planos de Deus para aquele momento (Js 24.2, 14). Abrão possuía um relacionamento muito forte e próximo com Deus, e não deixou que sua família interferisse em sua devoção diante de Deus. Circunstâncias e contextos não eram decisivos na vida de Abrão, mas sim suas atitudes. Outro contexto considerável é a questão da terra e a ligação da pessoa com a mesma. Sair da terra também significava abandonar o que foi suporte para a sua vida até então. Vida e terra são coisas que permanecem intimamente ligadas (Gn 17.18; 35.12; Sl 105.11; Pv 12.11; 13.23; 28.19; Ec 10.17). Desistir da posse da terra é renunciar tudo o que era confiável, certo e seguro, bem com a própria localização da família citada anteriormente, tanto que a ordem de Deus para Abrão é justamente sair da “terra” para depois deixar a “parentela”. Verifica-se um crescente afunilamento e especificação da ordenança divina para marcar até que ponto seria esta separação “terra/parentela/casa de teu pai”. O que Deus preparava para Abrão era muito superior a tudo quanto ele já possuía, por melhor que

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fosse, e muito mais amplo do que jamais ele conquistaria pessoalmente se continuasse a sua vida como ela era. A terra era um elemento tão importante para marcar a bênção divina, que é justamente o presente que seria dado a Abrão para seu desenvolvimento próprio, para o crescimento de todo um povo, que mais tarde seria uma nação. Posteriormente, todas as pessoas que cressem, participariam do Israel espiritual, ou seja todos os homens, de todos os tempos e de todas as localidades do mundo que compartilhassem da mesma fé: E recebeu o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé que teve quando ainda incircunciso; para vir a ser o pai de todos os que crêem, embora não circuncidados, a fim de que lhes fosse imputada a justiça, e pai da circuncisão, isto é, daqueles que não são apenas circuncisos, mas também andam nas pisadas da fé que teve Abraão, nosso pai, antes de ser circuncidado. Não foi por intermédio da lei que a Abraão ou a sua descendência coube a promessa de ser herdeiro do mundo, e sim mediante a justiça da fé (Rm 4.11-13).

2. A

IMPORTÂNCIA DO CHAMADO

A expressão “e disse o Senhor...” (rm,aYOÝw:) é encontrada tanto no chamado de Abrão, como no de Noé (Gn 6.3; 7.1), Isaque (Gn 26.2; 28.13), Moisés (Êx 10.12) e de forma abundante no livro de Números. Justamente pela sua grande ocorrência no texto bíblico, ela é vista como uma espécie de fórmula introdutória aos ditos diretos da parte de Deus para o homem, seja para ser transmitido ao povo, seja no chamamento individual de homens ao longo do Antigo Testamento. O substantivo específico de Deus que aparece no texto, traduzido por “Senhor” é o nome inefável, isto é inexprimível em palavras, de Deus (hw”hy>). Agora o homem sabe que não pode conhecer Deus plenamente. Numa analogia com a expressão “e disse o Senhor ...”, o nome de Deus tem uma grande ocorrência no Antigo Testamento. Na maio-

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ria das vezes em que aparece, existe uma forte ligação com a Aliança que Deus fez com o homem, que foi manifesta ao longo da História com todas as personagens bíblicas do Antigo Testamento. O fato do nome mais sublime ser utilizado para se relacionar com ofensor, mostra o contraste e separação entre Deus e o homem, e, ao mesmo tempo, revela o grande amor e fidelidade aos seus decretos. Esta palavra tem sua raiz no verbo hyh (ser), mostrando que Deus possui e é todas as perfeições. O texto clássico para os nomes de Deus é o de Deuteronômio 10.17, onde vemos o constaste de hw”hy> com ~ynIdoa]h’ ynEdoa. Este chamado e os seus termos inclusos, traz todos os elementos próprios para a formação de uma Aliança. Esta, realizada com Abraão, efetiva a promessa que está em Gênesis 3.15. Deus criou o ser humano e deseja um relacionamento com ele, mesmo que o homem tenha desistido desta intimidade, o que ocorreu no Jardim do Éden. Deus estabeleceu uma relação vital, que assinala uma ligação entre ele mesmo e a humanidade, quando criou Adão à sua imagem e semelhança. Essa relação é um aspecto essencial do pacto de Deus.

1

Toda a manutenção da Aliança seria dada por Deus (2Sm 7.24; Dn 9.4). Ao homem cabe o cumprimento do que foi determinado no ato do firmamento da Aliança, numa plena harmonia entre a soberania de Deus e a liberdade do homem. No momento em que Deus faz a Aliança com Abraão, ele concede a manutenção (Gn 12-1.3). Na Criação, Deus coloca o homem no Paraíso com todas as condições para que este tivesse todo o conforto e possibilidades para o exercício de todas as suas potencialidades. Tudo o que Deus faz tem uma razão, um objetivo, ainda que seja desconhecido em sua totalidade pelo homem. Com o Pacto 1

GRONINGEN, Gerard Van. Revelação Messiânica no Velho Testamento. Campinas: Luz Para o Caminho, 1995, pp. 95-96.

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não foi diferente. Verifica-se que Abrão não tinha somente sido o alvo da redenção de Deus. Ele foi justamente o representante de todos aqueles que ainda haveriam de ser incluídos historicamente no Pacto. Não somente representante, mas paradigma de como se efetiva esse Pacto na vida do homem. No Antigo e Novo Testamentos há textos que afirmam que é pela fé que o justo viverá (Hc 2.4; Rm 1.17; Hb 10.38). Ora, foi justamente isto o que Abraão fez: creu (Gn 15.6). Diante desta representabilidade nota-se que a Aliança é um meio ordinário, estabelecido pela vontade e poder divinos para a redenção de um homem, de um povo e de todos quantos Deus quiser chamar ao longo da história, até o fim dos tempos. Como o relacionamento com Deus garante direitos e deveres, a Aliança é canal de administração de Deus diretamente com seu povo e também com toda a humanidade. 2.1. A obediência ao chamado Como já foi abordado, Abrão teve de deixar sua terra. Este “deixar” não era simplesmente “sair de viagem”, mas envolvia um total desligamento de sua origem. A expressão ^±l.-%l, explica o fato, pois o verbo %lh traz a idéia de “sair para não mais voltar”, tanto pela intenção, como pela própria distância. É exatamente isso que Abrão deveria fazer. Tendo em vista o seu contexto vivencial e familiar diante de uma obra tão grandiosa que realizaria, era necessário que ele rompesse com tudo que não fosse útil, ou compartilhasse da mesma natureza da nova etapa em sua vida. De maneira prática, o chamado divino é realmente para mudança e transformação radicais. Muitas vezes, ouvimos o chamado divino para o cumprimento de determinada tarefa, mas insistimos em desculpar-nos e justificar toda a nossa demora, ou então aceitamos cumprir o chamado apenas parcialmente, como se Deus não soubesse o que havia pedido, ou se contentasse com menos. Os termos usados aqui, tanto para a introdução, como para o nome de Deus, ressaltam a fonte de onde vem o chamado e qual a

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importância deste. Seja o chamado eficaz para a vida eterna, seja dentro da vida cristã, no momento que Deus convoca a pessoa para esta ou aquela obra, não se pode perder de vista o autor do chamado. Se estes elementos não receberem prioridade, a vida perde completamente o foco, pois passa a ser centralizada apenas nos desejos humanos, planos, conceitos e tudo o que for realizado parecerá bom (Pv 14.12), quando, na verdade, é um grande erro. Não se deve fazer juízo pelo que não aconteceu na história, mas numa reflexão sobre a representatividade de Abrão para toda a raça humana, e principalmente para os eleitos, tente imaginar se ele não tivesse obedecido. E se ele fizesse como muitas vezes fazemos? Se fosse omisso? Se tivesse se acovardado diante do “desconhecido” e humanamente incerto? Quantos homens na Palavra de Deus erram justamente nestes elementos, e como sofreram e fizeram outros padecer. É exatamente assim que acontece quando o filho de Deus não atenta para a voz do seu Mestre e decide realizar o que a loucura do coração lhe diz ser melhor (Jr 17.9). Fazer uma Aliança ou ter um relacionamento com Deus não é simplesmente assumir novas coisas, mas implica na desistência de algumas outras, mesmo que tão queridas ou aparentemente necessárias. Para que Adão pudesse explicitar a sua obediência, ele precisava desistir de seus anseios mais internos e potentes, isto é, o comer do fruto, o desobedecer. E foi exatamente isto que ele decidiu não fazer. Lutar contra o próprio desejo é praticamente tarefa diária, na qual haverá sempre o dilema entre seguir o que Deus determina, e acompanhar o que eu quero no meu íntimo. O texto bíblico não relata o que se passou no coração e mente de Abrão, ao ouvir o seu chamado, mas certamente como homem que era, não foi uma resposta fácil, como também é difícil para o filho de Deus obedecê-lo prontamente. Temos muita dificuldade em desistir das nossas coisas, como se realmente fossem nossas, mas temos ainda mais dificuldade de desistir de nós mesmos, pois normalmente nos consideramos mais preciosos do que tudo. Seja como for, Abrão tinha esta primeira

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missão a cumprir, antes mesmo da viagem, a missão de desistir de coisas que lhe eram importantes. 2.2. A garantia do sustento Apesar desta desistência que Abrão teve de fazer, a ele estava plenamente garantida a manutenção e uma vida melhor, mas também pesava sobre os seus ombros toda a responsabilidade de obedecer para que historicamente os fatos acontecessem, mostrando assim a soberania divina em determinar e fazer acontecer. Posteriormente, em Gênesis 15.1 Deus conversa novamente com Abrão sobre outros elementos desta relação que se aprofundava e se confirmava cada vez mais. Diante da limitação humana e incredulidade dolosa, própria do ser humano, Deus, com toda paciência e misericórdia, conforta Abrão exatamente naquilo que precisava para o momento: certeza da vitória, segurança de que o próprio Deus seria o maior prêmio que Abrão poderia ganhar com a Aliança, fruto de sua obediência, mesmo porque naquele momento ele não tinha nada de fisicamente concreto para ver, tocar ou perceber de alguma maneira. Mais a frente é feita uma rememoração, juntamente com mais promessas e garantias de que o chamado de Deus não havia sido esquecido. Abrão não estava desamparado, pelo contrário, depois da dificuldade, haveria de vir a vitória (Gn 15.7-21). Deus assegura a Abrão e dá cinco garantias de que tudo quanto foi dito haveria de se cumprir. Van Groningen escreve: Primeiro, uma grande nação se desenvolveria a partir de Abraão. (...) Segundo, Yahveh garantiu a Abraão que uma terra onde ele deveria fazer sua habitação lhe seria mostrada. (...) Terceiro, foi dada a garantia do bem-estar e prosperidade. (...) Quarto, Abraão recebeu a garantia de que, embora na posição de estranho em um terra ainda não conhecida, ele seria reconhecido como pessoa importante. (...) Quinto, Yahveh garantiu a Abraão que ele seria um canal de bênção aos “povos da terra”. 2

2

GRONINGEN, Gerard Van. Criação e Consumação: O Reino, a Aliança e o Mediador. Volume I. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 2002, pp. 241-242.

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Enquanto Abrão não tinha nada para ver, olhou somente para o autor do chamado, o seu Deus com quem tinha um relacionamento. Foi assim que ele manifestou a sua fé. Como filhos de Deus, a grande prova de nossa fé não se dá quando cantamos, lemos, ou dizemos crer, mas sim, nas atitudes em momentos críticos, ou mesmo quando precisamos tomar novos rumos em nossa vida. É neste momento que muitos falham, e isso acontece porque sua fé era algo ainda incipiente, apenas conceitual. Contudo, a situação pode ser revertida ao fazer do momento de grande tensão e pressão, uma ocasião para crescimento, crendo que Deus está acima de todas as coisas. Deus não chama e abandona, ou deixa sem orientação. A força da expressão “que eu te mostrarei” (&’a<)r>a;), traz a idéia de que Deus faria com que Abrão tivesse o suficiente para ver e entender o necessário para chegar e descobrir a terra. Nota-se que a atitude responsável de Abrão é exigida, e por outro lado a Providência divina fica imediatamente clara, sendo a base para a realização do chamado. Com essa certeza na nossa mente e coração quando as circunstâncias difíceis aparecerem há mais ânimo para realizar o que for preciso. Quando nossos olhos não enxergarem nada, Deus mostrará no tempo devido; quando seus pés não sentirem o chão, saiba que Deus sustenta o tempo todo; quando as forças desaparecerem, Deus providenciará exatamente o necessário. Lembre-se das palavras do apóstolo Paulo: “tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.13). O homem, por natureza, quer apenas dar passos segundo o seu próprio conceito de segurança. Tudo o que não pode ser tocado ou visto e for inseguro demais, não se deve querer isto para a vida. Quando não é possível desistir, ou fugir de uma determinada situação, a tendência é a ansiedade e a propensão de cometer vários erros. A mulher de Abrão comete um erro, com o consentimento do marido, quando este se esqueceu da promessa. Sem poder ter filhos, Sara oferece sua escrava e Abrão aceita (Gn 16; Gl 4.22). Deus não coloca de lado sua promessa por causa da falta de fé do homem, nem em virtude do seu erro; entretanto, não deixa seus filhos sem castigo, ou nem sempre elimina a conseqüência de seus erros.

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Certamente a ansiedade é um dos problemas que acompanha o homem em todos os tempos, com manifestações mais ou menos intensas conforme as circunstâncias, mas sempre presente. Por isso, Cristo disse para que não andássemos ansiosos (Mt 6.25; 6.28), assim como fez Paulo (Fp 4.6) e Pedro, inclusive chamando à memória o cuidado paternal de Deus (1Pe 5.7). No caso da terra que Abrão haveria de “ver”, vários passos e elementos seriam necessários até que todas as coisas se concretizassem. Ele não sairia de viagem em um dia, e depois de apenas alguns dias chegaria ileso e sem esforço no seu objetivo. Não foi assim e não é assim conosco também. O que era tão esperado de fato aconteceria, pois num determinado tempo, ele efetivamente “viu” a terra prometida. É exatamente isto que a raiz do verbo “ver” (har) significa: “ver fisicamente”, “com os próprios olhos” (Gn 17.8). 2.3 A conseqüência do chamado 2.3.1. Um povo A partir de Abrão seria “feito um povo”. O sentido de fazer um povo é bem amplo: implica em um local geográfico concreto onde estas pessoas estejam, em uma cultura e muitos outros pontos que compõem a estrutura de um povo. O verbo “fazer” utilizado aqui (hf[) traz a idéia de criar, mas não a partir do nada, mas sim “a partir de algo”, neste caso de “alguém”. Ele pode também significar “completar uma obra e não apenas começá-la”. Isto não tira a dignidade divina, nem se trata de uma espécie de sinergismo entre Deus e o homem. Deus é o Criador de todas as coisas e as fez para o seu próprio uso e instrumento de glorificação. Deste modo, Abrão é o início de um povo, mas que tem sua raiz em Adão, produzido do barro, que fora, por sua vez, criado do nada por Deus (arB). O que o autor ressalta é a instrumentalidade de Deus no uso de Abrão: apenas um homem mortal para concretizar ao longo da história os seus intentos. Isto promove uma alegria e gratidão ao serviço, e gera comoção e ação para a obra de Deus, pois em nada os filhos de Deus são diferentes de Abrão.

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Se um dia Deus escolheu um simples homem para uma tarefa grandiosa, e ela foi efetivamente realizada, significa que também podemos e devemos nos dispor a trabalhar e a obedecer tudo quanto aquilo que Deus nos colocar para que façamos. A Abrão coube iniciar um povo, a cada um caberá o que Deus tiver determinado. Por isso, o exercício da fé é indispensável, pois não podemos olhar para a pequenez humana ou para a grandiosidade da obra, mas sim para a imensidão e poder do autor do chamado, Deus Todo Poderoso. Ao se começar um povo, o ideal é requerer certa humildade dada a limitação da própria existência humana. Abrão iniciaria um povo, mas não o veria concretizado em toda a sua plenitude, pois morreria antes disto. Isto prova como os planos de Deus e suas obras são maiores do que os instrumentos que ele usa. O que Deus faz sempre é maior do que o homem, já que ele é o próprio Criador do ser humano, do céu e da terra. Abrão deveria se submeter às leis ordinárias de Deus quanto a tempo, espaço físico, circunstâncias, etc., sem perder de vista o cumprimento histórico e certeza da manutenção divinos. Esta promessa vai diretamente contra o coração imediatista do homem que gosta de colher sem plantar, ou se plantar colher o quanto antes. De modo geral, o homem não tem o costume de planejar a longo prazo, pois tudo que está distante, parece inexistente e quase impossível. A Abrão caberia fazer somente o que Deus havia determinado e nada mais. Um exemplo que deve ser seguido. Muitas pessoas se cansam de trabalhar na obra de Deus pois não vêem os resultados que queriam enxergar (ainda que nobres e procedentes). Normalmente são pessoas que realmente se entregam e se dão na obra, mas motivadas apenas pelo que podem “ver”, “tocar” e saber que conseguiram o que haviam planejado. As motivações precisam ser as corretas para não estar sujeito ao erro de achar que Deus tem de fazer as coisas como se quer ou quando se quer. Abrão não podia imaginar o raio de ação de sua obediência. Para conseguir isso é preciso abandonar o egoísmo. Ora, de tantas coisas que Abrão teve de abandonar, um elemento interno seria o seu próprio egoísmo, até mesmo porque ele não apenas não

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teria condições de ver o desfecho completo e pleno de sua obra, como também precisaria desistir de sua vida de então para que este objetivo fosse conquistado. Todo aquele que decide responsavelmente obedecer a Deus, tem seus horizontes ampliados e sua mente clarificada. Em contra partida, todo aquele que decide caminhar em sentido oposto ao determinado por Deus, apenas se vê enredado pelas suas próprias iniqüidades. Que dizer do exemplo do profeta Jonas? No que sua fuga planejada o ajudou e o aproximou de uma maior santidade e alegria de vida? Em absolutamente nada. Abrão, no ato de sua obediência, mostra que sabia enxergar além do que os olhos humanos poderiam perceber, até porque, naquele momento ele não tinha nada para ver, senão Deus e seu comando. A atitude da obediência, em última instância é um procedimento não só de humildade, mas também de inteligência para com Deus e para com a vida, mesmo quando ela é tomada de modo resoluto e contrária à própria vontade. Quanto à formação deste “povo”, uma palavra utilizada neste texto é yAg. Esta destaca o ajuntamento de pessoas em termos formais, ou seja, líderes, camadas sociais, diferentes funções pessoais. Isto quer dizer que o povo que seria formado não era diferente de outros povos, no sentido de todo e qualquer aspecto diferencial. A grande diferença do povo de Israel era o seu Deus e de como estes se relacionavam. Existe certa tendência sem se dizer que o povo de Deus não era chamado de yAg, mas apenas de ~[;, cujo significado seria uma identificação com nação, descendência, etc... Esta distinção realmente existe, mas não é restritiva, e sim complementar, isto é, há momentos que certos pontos de vista do conceito de “povo” em Israel precisam ser destacados e para tanto se utiliza yAg, enquanto em outras circunstâncias, outros aspectos estão em questão e utilizase o termo ~[;. Em um sentido mais amplo, e posterior ao tempo de Abrão, principalmente no Novo Testamento, o v. 3 utiliza um outro termo (txoïP.v.mi) para denotar o alcance desta promessa, que são todas as “famílias” da terra, ou seja, a despeito de qualquer conceito de povo.

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2.3.2. Um povo grande, com uma grande bênção A idéia de grandeza deste povo é a mais completa possível, pois o termo lAdêG” significa tanto a grandeza numérica (quando aplicado ao caso de elementos, aqui, pessoas), como a grandeza de importância (quando em comparações desta natureza). Por que aqui não deve ser feita uma opção por uma das duas acepções deste adjetivo? Simplesmente porque no texto e em seu contexto não existem outros elementos que restrinjam o termo lAdêG”. Aliás, pelo contrário, justamente pela sua amplitude de significado (é uma palavra primária na língua hebraica) deve ser contemplado todo o seu campo de significância. No contexto, verifica-se nos outros relatos que Israel haveria de ser um povo, uma nação com grandes diferenciais. Quando houveram reis que governavam “segundo o coração do Senhor” as coisas foram bem, o povo prosperava, e Israel era tido como padrão das nações; quando aconteciam ataques, na tentativa de destruí-lo, contavam com a bênção de Deus e sua proteção e sempre saíam vitoriosos na batalha. Quando houve um distanciamento de Deus, também foram atacados, mas com a diferença que eram destruídos, desterrados, pois não contavam com a proteção divina. Israel haveria de ser um povo grande em número e em importância, como a própria Criação foi feita para ter este status. De modo análogo, como a Criação caiu, Israel igualmente falhou em sua tarefa de ser um povo exemplar em todos os momentos. Em contrapartida, o significado de Israel espiritual, principalmente à luz do v. 3, não falha nesta missão, pois mesmo na terra vai se cumprindo o número dos eleitos que adentram ao Reino da Luz, mais plenamente na eternidade, com um novo corpo haverá de ser grande para a glória de Deus. A bênção prometida não é específica em área alguma. Na verdade, o termo utilizado para designar bênção (krb), da mesma maneira é amplo, pois “grande” também, neste contexto, significa “toda sorte de bênção”. Para que a promessa se cumprisse e tudo fosse completado, era indispensável que tudo fosse suprido por Deus, e haveria de ser assim. Não se pode restringir esta bênção somente como o “chegar ao final ou ao objetivo”, pois ela transcende em

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muito os fatos comprováveis pelo homem; ela está diretamente ligada a providência divina com que Deus age para com o ser humano, que este nem sempre tem a plena idéia de todos os livramentos que obteve e nem da dimensão da própria bênção em si. É com isto que contamos para seguirmos nossa carreira aqui, nesta vida. Assim como Deus sustentou e abençoou Abrão pela sua fé e obediência, ele também nos sustenta e abençoa, sendo isto uma verdadeira prova de seu contentamento para conosco. Não que Deus aja conforme nossas iniqüidades (Sl 103.10), ou esforço por santificação, mas por outro lado, é inegável que ele se agrada de nossa fidelidade a ele, e nos abençoa por isso. 2.3.3. Um povo com nome Qual o significado do nome ser “engrandecido”, como foi dito? Não parece ser algo que vai contra o princípio da humildade que já foi tratado, mesmo partindo do próprio Deus? Para uma melhor compreensão do assunto é preciso considerar o sentido e o valor do “nome” para o contexto. Atualmente, os nomes já parecem não possuir mais a importância que anteriormente tinham nas civilizações mais antigas e até mesmo no Brasil. Agora, o que se vê é muito mais uma união de fonemas que são julgados belos dentro de uma determinada cultura ou gosto particular. Entretanto, no período bíblico e do hebraico bíblico, os nomes são um modo de revelar algo do próprio ser que o recebe. Isto pode ser visto quando Deus ordena ao homem que nomeie ao que ele próprio criou, mostrando assim que quem qualifica tem direitos, ou está em algum nível superior da coisa nomeada. Vemos por exemplo, que todos os nomes de Deus são revelados na Escritura por ele mesmo. Isto é verdade no Novo Testamento a respeito do nome Qeój, que foi autoritativamente assumido para ser o nome que haveria de designar o ser de Deus. Em outras palavras, engrandecer o nome de Abrão, era elevar em dignidade o povo que haveria de vir a partir dele, e conseqüentemente fazendo isto, seria elevar em honras o autor de todas as coisas, o próprio Deus, e não o instrumento Abrão.

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Assim como o povo seria grande em todos os sentidos, o nome de Abrão seria lembrado, bem como o povo, e em um sentido amplíssimo, todos os que possuírem a mesma fé que Abrão teve. Na verdade, ele foi lembrado e serve de exemplo neste próprio que foi escrito e é lido, e haverá de ser assim até o fim dos tempos. Que prêmio. Que alegria o ser instrumento hábil nas mãos de Deus. Este deve ser o nosso desejo: sermos grandes para que reflitamos a grandeza do nosso Deus, e não nossa pecaminosa pequenez.

CONCLUSÃO Ao atender o chamado para uma nova etapa de vida, Abrão se vê diante de um comissionamento. Ele mesmo, com sua pessoa deveria ser um instrumento de bênção. É preciso notar que ele não foi chamado para “ter um tempo de bênção” ele foi chamado para “ser”, pois o verbo presente é o que indica a essência de algo (hyh). O próprio nome de Deus, o “eu sou” tem sua origem neste verbo. Uma outra tradução, de caráter interpretativo, ou mesmo uma paráfrase, poderia ser “torne-se uma bênção”. Diante de tudo o que lhe foi apresentado, e de todo o suporte divino que ele teria, o fato de ser uma bênção em sua essência, em todos os aspectos de sua vida, deveria ser praticamente uma conseqüência natural. Mas nem sempre é assim. Prova disto é que o que foi dito está no modo imperativo, ou seja, mesmo sendo esperado não seria feito de modo natural. Tendo em vista todas as bênçãos que recebemos de Deus, sua manutenção, e chamado para sermos responsáveis, por que não o somos? Certamente nossa natureza não obedece, mesmo tendo tudo propício para que o façamos. Assim como Abrão, o pai da fé, recebeu uma ordem, também nós hoje a recebemos para sermos instrumentos de bênção em todas as áreas que Deus nos colocar, não somente onde e quando quisermos, mas principalmente para o que ele nos comissionar. Ser canal de bênção não é ser superior a ninguém, mas sim é ser submisso a Deus e considerar-se menor do que todos (Fp 2.3). Ser

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instrumento de bênção é se dispor nas mãos do hábil Mestre. Sigamos esta ordenança, firmados no autor do chamado, no seu poder e força sem perder de foco e nosso objetivo de vida: glorificar a Deus em todas as situações.

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REV. WILSON SANTANA SILVA Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição Licenciado em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Bacharel em Filosofia pelas Faculdades Associadas Ipiranga (FAI) Pós-graduação: Estudos Brasileiros pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Pós-graduação: História do Brasil do Século 20 pelas Faculdades Associadas Ipiranga (FAI) Mestre em História e Teologia pela Universidade Metodista de São Paulo Doutorando em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pastor da Igreja Presbiteriana do Jardim Marilene

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RELATÓRIO PASTORAL REV. ALEXANDER LATIMER BLACKFORD EDIÇÃO DIPLOMÁTICA

Resumo A história da implantação do Protestantismo em nosso país é rica e emocionante. Homens deixaram o conforto de seus lares e vieram para o nosso país com o único objetivo de ver a expansão do Reino de Deus. Um destes homens foi Alexander Latimer Blackford (1829-1890), cunhado de Simonton, cujo relatório pastoral apresentamos nesta edição. O relatório pastoral do Rev. Blackford é parte da “Coleção Carvalhosa”, conjunto de documentos primários reunidos e compilados pelo Rev. Modesto Perestrello Barros de Carvalhosa (1846-1917), encontrados no Arquivo Histórico da IPB, a quem, novamente, agradecemos a gentileza da cessão. Pa l av r a s - c h av e História da Igreja; História da Igreja Presbiteriana do Brasil; Coleção Carvalhosa; Rev. Modesto Perestrello Barros de Carvalhosa; Rev. Alexander Latimer Blackford. Abstract The history of the planting of the Protestant church in our country is both rich and moving. Men left the comfort of their homes and came to our country with the sole purpose of seeing the expansion of God’s kingdom. One of those men was Alexander Latimer Blackford (1829-1890), Simonton’s brother-in-law whose pastoral report is presented in this article.

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Rev. Blackford’s report is part of the “Carvalhosa Collection”, which is group of primary documents compiled by the Rev. Modesto Perestrello Barros de Carvalhosa (18461917). These documents are found in the Historical Archive of the Presbyterian Church of Brazil to whom we are grateful for giving us access to said documents. Keywords Church History; Presbyterian Church of Brazil History; Carvalhosa Collection; Rev. Modesto Perestrello Barros de Carvalhosa; Rev. Alexander Latimer Blackford.

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Relatorio sobre o começo do Evangelho na cidade e provincia de S. Paulo. O Snr Simonton viajou nes- • 5 ta provincia de Desembro de 1860 até Março de 1861. Em Septembro de 1861, visitei a cidade de S. Paulo, tendo em vista os arranjos necessarios para a trans- • 10 ferencia de nossa missão pa lá. Foi porém abandonada esta ideia. Em Janeiro de 1862 o Snr Scheneider foi para a provincia, e estabeleceu-se em S. João do Rio Cla- • 15 ro, com o fim especial de trabalhar entre as colonias Allemães. Cabe a elle por tanto este relatoro especial. No dia 9 de Outubro de 1863,


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chegamos a S. Paulo, a fim de estabelecer uma missão naquella cidade. Achamos só uma familia, a do Sr. W. D. Pitt que tinha • 5 sympathia com o nosso intituito. O Snr. M. Pereira Bastos, um empregado da Sociedade Biblica Americana, tinha-nos procedido alguns dias para vender Bi- • 10 blias. Elle continuou neste serviço quasi dous annos, trabalhando com zelo e sucesso, quando voltou para o Rio de Janeiro. Em Outubro e Novembro de • 15 1863 fiz uma viagem até Rio Claro – estando então no Rio o Snr Schneider. Nésta viagem deu-me a conhecer J. M. Conceição, que quasi um anno de- • 20 pois uniu-se definitiva e pu-


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publicamente connosco, aqui nesta cidade, e que agora é nosso conservo amado no ministerio do Evangelho. • 5 No fim de Novembro de 1863 comecei a prégar em Portugez, estando presentes as vezes não mais de 5 a 6 pessoas, e umas poucas de vezes faltando • 10 assistentes. Durante o anno de 1864, não obstante varias interrupções, o numero de assistentes tinha chegado ás vezes a mais de 30 pessoas. Salvo pou– • 15 cas occasiões, o numero tem excedido a isto até agora. Porém o numero que tem ouvido prégar o Evangelho é consideravel. Em março de 1865 forão • 20 recebidas na Igreja por profissão


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de sua fé 6 pessoas. Em Março de 1866 forão recebidas por profissão 8 pessoas, e em Junho do mesmo foi recebida do mesmo • 5 modo mais uma pessôa. O numero actual dos membros da Igreja na cidade de S. Paulo é de 15 pessoas. Além do culto regular dos • 10 Domingos e 4as feiras em minha casa, tem havido por algum tempo 3 reuniões em varias partes dos arrebaldes com assistencia animadora. Tem-se pré- • 15 gado o Evangelho em certos logares fóra da cidade de 1 a 8 leguas, por varias vezes com boa aceitação A obra tem progredido alli • 20 como parece lentamente. Não


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tem havido até hoje a menor perturbação, nêm qualquer impedimento official. Julgo impossivel avaliar ou conhecer o todo • 5 do resultado. O espirito publico vão-se acostumando ao Evangelho, e certas ideas e impressões antes desconhecidas, vão lavrando no animo do povo. • 10 A presença naquella cidade dos estudantes da faculdade de Direito, dá uma importancia especial a tudo quanto se consegue lá. A profissão de um entre • 15 elles e a declaração franca e aberta de um outro a favor do Evangelho, tem chamado e está chamando a uma religião differente de seus pais. A prégação • 20 em S. Paulo vai assim fazendo


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echo em partes remotas do Imperio. Em Fevereiro de 1865 visitei pela 1ª vez a villa e o distri- • 5 to de Brotas, onde pelas conversas e influencia do nosso irmão Conceição e um numero considerável de Biblias, livros e folhetos alli espalhados • 10 e lidos, achei um movimento extraordinario a favor do Evangelho. Tive por tanto o privilegio de prégar varias vezes com grande aceitação. Em Março e • 15 Abril os Snr. Simonton e Chamberlain tambem forão lá, e tirando resultados ainda mais sensiveis. Em Junho do mesmo an- • 20 no, o Snr Bastos visitou o lugar


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com livros e trabalhou com successo. Em Outubro e Novembro desse anno, Conceição e eu passamos alguns 20 dias pregando e • 5 ensinando constantemente na villa e nos sitios do Districto. Muitos ouvirão com grande alegria, e aceitarão sem reserva as bôas notícias; outros ouvirão • 10 com gosto, porém com receio Havia-se suscitado na opposição forte e acredaparte do vigario e seu partido, sem todavia abafar ou impedir a obra. • 15 No dia 13 de Novembro foi organinasada uma igreja, sendo recebidas por profissão de sua fé 11 pessoas, com as quaes celebrá- mos a ceia do Senhor. • 20 O Snr Schneider tem visitado


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este lugar por varias vezes durante este anno. Em Abril e maio os Snrs. Chamberlain e Conceição tambem lá estiverão. A estes • 5 Snrs compete relatar o acontecido. No ultimo semestre de 1865 o Snr Chamberlain acompanhado pelo Snr Trajano, visitou com livros • 10 a cidade de Bragança e os lugares intermediarios, e em seguida ás cidades e villas no caminho de S. Paulo para o Rio de Janeiro. Não me é possivel apreciar o re- • 15 sultado déstas visitas e trabalhos. No principio de Janeiro foi para Bragança, onde préguei por 3 vezes com a mais feliz aceitação. O Delegado do lugar inter- • 20 viu para impedir-me na pré-


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pregação. As auctoridades superiores da capital responderão promptamente ao officio do Delegado, e a meu requerimento, reprovan- • 5 do-lhe o procedimento, e prohibindolhe qualquer intervenção no fucturo. Nos fins de Maio tornei a ir lá, onde encontrei Conceição. Por 5 dias seguidos pré- • 10 gamos, assistindo pelo que se póde julgar de 100 a 200 pessoas, que prestaram a mais avida attenção. Não houve perturbação da parte do povo • 15 nem intervenção official. Nos fins de Fevereiro, Conceição principiou os seus trabalhos itinerarios, que estão relatados por elle, e que dão pro- • 20 messa de fructos.


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Em Abril segui seu rumo até Sorocaba, e achei em quasi toda parte resultados os mais animadores e esperan- • 5 ças desta sua missão especial. Em Sorocaba preguei 2 vezes de 30 a 50 pessoas, e achei 2 familias já desejosas seguir o caminho da vida. • 10 Acho em toda a parte, onde tenho ido, um espirito de espectação da parte do povo, sem elle saber o que é que espera ha um sentimento profundo • 15 de desgosto com a actualidade e de desejo indeferido de alguma cousa melhor do que tem: ha de facto fome e sede da palavra de Deos – Ha 1 ou 2 an- ·• 20 nos para cá se está pronunci-


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ando um descontentamento todo descommunal com os padres e uma opposição firme e amarga a seus desregramentos. • 5 Precisamos quanto antes de mais trabalhadores. De toda a parte hou-ve uma vôz clamando: “Vinde para soccorrer-nos.” Cumpre notar que em Bra- • 10 gança é unico lugar em que tenho encontrado qualquer tentativa para impedir, quer da parte do povo, quer das auctoridades. Cumpre-me tambem • 15 mencionar com prazer, gratidão e sympathia, o apoio e ajuda que tem prestado a causa e a nossos trabalhos e planos, tanto na cidade de S. Paulo, como em ou- • 20 tras partes o Snr W. D. Pitt, mem-


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membros da igreja Evangelica fluminense désta côrte, mas residente em S. Paulo. Appresentado e lido, em • 5 S. Paulo, digo, na Sessão do Presbyterio do Rio de Janeiro do dia 10 de Julho de 1866. Rua do Regente nº 42 – A Rio de Janeiro. • 10 Assignado, A. L. Blackford.


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REV. DONIZETE RODRIGUES LADEIA Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição Licenciatura Plena em Filosofia, História e Psicologia pelas Faculdades Associadas Ipirangas (FAI) Mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana de São Bernardo do Campo

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Resumo Neste artigo, o autor apresenta, por meio de visão comparativa, a dinâmica filosófica de Tomás de Aquino que se transforma em fator de influência em sua visão interpretativa da Bíblia. Começando por uma breve panorâmica sobre a matéria hermenêutica, e examinando os contextos de dois pensadores intimamente ligados à interpretação dos textos bíblicos (os dois são referencial para reformados no caso de Calvino e para católicos no caso de Aquino), o autor pretende mostrar o quanto a escolástica e o humanismo podem ressaltar o dinamismo que a História da Filosofia aponta para os líderes em seus devidos momentos. Pa l av r a s - c h av e Hermenêutica, Escolástica, Humanismo, Tomás de Aquino, João Calvino. Abstract By employing a comparative vision the author presents the philosophical dynamic of Thomas Aquinas which became the influence in the way he interpreted the Bible. Starting with a short overview on hermeneutics and examining the context of two thinkers who are intimately connected to the interpretation of biblical texts (John Calvin for the Reformed Faith and Thomas Aquinas for the Catholic Faith), the author’s aim is to show how much both the scholastic and the humanistic can highlight the dynamism that the history of philosophy offers to leaders in their own contexts. Keywords Hermeneutics; Scholastics; Humanistic; Tomas Aquinas; John Calvin.

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INTRODUÇÃO O objetivo do artigo é apontar o valor da visão protestante de interpretação bíblica à luz de uma comparação entre pontos hermenêuticos, por meio de um prisma histórico, cultural e filosófico. O texto na revista tem duas partes: essa primeira demonstra as possíveis influências (ou não) de cada período na vida dos dois estudiosos, Calvino e Aquino, em suas devidas épocas. As informações da assimilação, ou não, tanto de Aquino como de Calvino se darão na utilização comparativa na hermenêutica da Idade Média e da Renascença da segunda parte.

1. A

MATÉRIA HERMENÊUTICA E SUA APLICABILIDADE

A palavra hermenêutica, que significa “interpretar”, deriva do nome do deus grego Hermes, que servia de mensageiro dos deuses, “transmitindo e interpretando suas comunicações aos seus afortunados ou, com freqüência, desafortunados destinatários”.1 Hermenêutica origina-se-se do grego que, por sua vez, se deriva do verbo hermeneuo. Segundo Louis Berkhof, a palavra hermeneutike foi usada pela primeira vez com a expressão “techne” por Platão.2 Passou-se a usar de forma técnica a expressão hermenêutica, estabelecendo a designação: “Hermenêutica é a ciência que nos ensina os princípios, as leis e os métodos de interpretação.”.3 A hermenêutica é vista de maneira mais particular como a ciência e arte de interpretação bíblica.4 Tal ciência é importante, pois é base teórica da exegese que é o fundamento da Teologia, e, de

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VIRVLER, Henry A. Hermenêutica: Princípio e Processos de Interpretação Bíblica. 6.ed. São Paulo: Vida, 1996, p. 9. Em outro lugar encontramos: “Mercúrio (Hermes), filho de Júpiter e de Maia, era o deus do comércio, da luta e de outros exercícios ginásticos e até mesmo da ladroeira; em suma, de tudo quanto requeresse destreza e habilidade. Era o mensageiro de Júpiter e trazia asas no chapéu e nas sandálias”. Cf. BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia: Histórias de Deus e Heróis. 24.ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 14. (grifos meus). BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. Rio de Janeiro: JUERP, 1994, p. 11. Idem, Ibidem. Vd. VIRVLER, Henry A.. Op. Cit., p. 9. , Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 497.

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maneira mais aplicativa à pregação5 . Tendo em vista que todo leitor é um interprete6 surge uma necessidade clara, abrangente da interpretação das Escrituras.7 O uso da hermenêutica deve ter uma seriedade fundamentada por aquele que é amante da verdade, dentro da responsabilidade que exige o o texto bíblico analisado: Assim como para apreciar devidamente a poesia se necessita possuir um sentido especial para o belo e poético, e para o estudo da Filosofia é necessário um espírito filosófico, assim é da maior importância uma disposição especial para o estudo proveitoso da Sagrada Escritura. Como poderá uma pessoa irreverente, inconstante, impaciente e imprudente, estudar e interpretar devidamente um livro tão profundo e altamente espiritual como a Bíblia? Necessariamente, tal pessoa julgará o seu conteúdo como o cego as cores. Para o estudo e boa compreensão da Bíblia necessita-se, pois, pelos menos, de um espírito respeitoso e dócil, amante da verdade, paciente no estudo e dotado de prudência.

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Na história da Teologia, no mesmo espírito do texto citado, a hermenêutica recebeu consideração tão comum à sua importância. Discussões que giraram em torno de perguntas como: Qual o ponto de vista prevalecente a respeito das Escrituras? Qual a concepção dominante do método de interpretação?9 criaram posições diversas desde os judeus da palestina, passando pela Escola Alexandrina, Escola de Antioquia, no período da Idade Média, na Reforma e atualmente.

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ANGLADA, Paulo R. B.. Orare et Labutare: A Hermenêutica Reformada das Escrituras. In Fides Reformata, São Paulo: Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, Vol. II, nº 1, Janeiro-Junho, 1997, p. 106. Idem, Ibidem. Conforme Berkhof “no estudo da Bíblia, não é bastante que entendamos o sentido de autores secundários (Moisés, Isaías, Paulo, João); temos que entender a mente do Espírito”. BERKHOF, Louis. Op. Cit., p. 12. NELSON, P. C., LUND, E. Hermenêutica. 15.ed. São Paulo: Vida, 1999, p. 13. BERKHOF, Louis. Op. Cit., p. 15.

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As opiniões alternativas de interpretação, ou mesmo a validez de interpretação, a dupla autoria e o Sensus Plenior, chegando finalmente no item interpretação das escrituras (literal, figurativa e simbólica) são outros pontos pertinentes que ressaltam o quanto o assunto é importante e controvertido. Afinal, da interpretação das Escrituras temos a estruturação da humanidade, não somente ao olhar para o passado, mas ao compreender o nosso presente e objetivando o futuro. Como escreve o Rev. Augustus Nicodemus: Muitos estudiosos modernos, cansados do método histórico-crítico, têm proposto novos métodos de interpretação que levem em conta o caráter divino das Escrituras. Defendem princípios de interpretação que estejam atentos não somente aos aspectos humanos da Bíblia como literatura religiosa, mas especialmente às implicações da sua divina origem e natureza, bem como da nossa dupla condição de humanos e pecadores. (...) A dupla natureza da Bíblia provoca um distanciamento temporal e espiritual que precisa ser transposto, para que possamos chegar à sua mensagem. Porém, isso não isenta de buscarmos compreender de forma mais exata e completa a revelação que Deus fez de si mesmo. Com a graça de Deus, o estudo da interpretação da Bíblia feita pela igreja cristã e outros grupos através da história, pode nos servir de auxílio oportuno para aprendermos com os erros e acertos dos que vieram antes de nós...

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No diálogo entre um dos maiores doutores da Idade Média, Tomás de Aquino, e aquele que é chamado de exegeta da Reforma, João Calvino – ambos, homens da igreja em suas devidas épocas – destaca-se a grande importância da hermenêutica na Teologia. Serão estudadas aqui as questões históricas filosóficas dos dois grandes nomes, um da Igreja Católica e outro da Reforma, na tentativa de considerar a diferenciação das épocas por meio do elemento unificador. 10

LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e Seus Intérpretes: Uma breve história da interpretação. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 29.

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2. UM

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DOUTOR ANGELICUS

Tomás de Aquino nasceu em 1224 ou 1225. Era filho de Landolfo de Aquino, senhor de Roccasecca, no reino de Nápoles. Em 1230, o jovem de cinco anos, é confiado ao abade do mosteiro de Sinnibaldi11 . Em 1236 ou 1239, Tomás chega à Faculdade de Artes da jovem Universidade12 de Nápoles, onde provavelmente teve um primeiro contato com o aristotelismo. Entre 1243 ou 1244, Aquino toma a decisão de ser dominicano. De 1248 a 1252, Tomás de Aquino estuda em Colônia sob direção de Alberto Magno.13 Em 1252 chega a Paris e o ensino será sempre sua ocupação. De 1259 a 1269, acompanha a corte pontifícia a Itália. De 1269 a 1272, ensina de novo em Paris. Em 1272, regressa a Nápole. Morre em 7 de março de 1274, quando se dirige ao Concílio de Lião. Obras de Tomás de Aquino: Comentários bíblicos; Comentários filosóficos ou teológicos (sobre as Sentenças de Lombardo) (1254-1256), os Opúsculos Teológicos de Boécio (1257-1258), os Nomes Divinos do Pseudo-Dionísio (1260), o Livro das Causas (1271-1272), sobre a maior parte dos escritos de lógica, de física e 11

Cf. JEAUNEAU, Édouard. A Filosofia Medieval. Lisboa: Edições 70, 1963, pp. 22-24. Há que se enfatizar a importância das instituições de ensino da Idade Média: Jeauneau faz um bom resumo ao mostrar a importância do contexto sociológico. Ele ressalta que não se pode abstrair a história da Filosofia medieval sem falar da história da cultura e essa por sua vez deve estar ligada a história das escolas. Ele identifica três tipos de escolas que a Idade Média conheceu: • As escolas monásticas são um fruto maduro do período feudal. É uma adaptação das estruturas que regem a Europa medieval até perto do final do século 11. Nessa época tem-se o domínio do senhor feudal e o mosteiro torna-se um centro seguro para a atividade do espírito. • Mas no fim do século 11 e princípio do século 12 o comércio se desenvolve e, paralelamente, cresce a importância das cidades, e os centros passam a formar escolas urbanas, mesmo não desaparecendo as escolas monásticas. • Quando as cidades se unificam há um grande movimento urbano (séc. 13) e, desta forma, a universidade passa a ser o centro de aptidão para a capacitação que será elementar tal como o império e o papado. O conhecimento passa por um ambiente sociológico tal que aponta para a dubiedade entre o silêncio dos monastérios e as grandes agitações dos centros urbanos. Desta forma, tem-se os dois pontos de vistas ressaltados com o contexto sociológico da época. Jeauneau faz uma observação importante quanto a sua obra: destaca que seria muito ingênuo tentar falar de tantos séculos com apenas um apontamento sociocultural. Mas é evidente que pelo que apresenta temos uma pequena amostra do valor das faculdades. Cf. JEAUNEAU, Édouard. Op. Cit., pp. 22-24. 13 Segundo David E. Cooper, Tomás de Aquino tornou-se discípulo de Alberto Magno, de quem herdou a admiração por Aristóteles. Cf. COOPER, David, E. As Filosofias do Mundo. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 190. 12

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de metafísica de Aristóteles; Questões disputadas e questões quodlibéticas; Opúsculos sobre diversos assuntos, por exemplo, o De Ente et Essentia (1250-1256), o De Aeternitate Mundi (1270), etc.; duas sumas: Suma contra Gentios (1259-1264) e Suma Teológica (1266-1274).14 Tomás destacou-se na história da Filosofia medieval. Ele foi um dos responsáveis pela série de opúsculos sobre Aristóteles15 ; suas obras teológicas revelam grande teor filosófico, como no caso da Suma Contra os Gentios.16 2.1. Teologia e razão Para ele, a Teologia era uma ciência que direcionava a todas as outras. Existem dois tipos de ciência: uma parte de princípios evidentes em si, desse tipo temos a aritmética e a geometria17 . Outras surgem à luz de uma ciência superior: assim a perspectiva deriva

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Aquino não teve contato com os originais, por não conhecer o hebraico, nem o grego, e nem o árabe. Cf. MATTOS, Carlos Lopes de. Sto. Tomás. São Paulo: Abril S. A. Cultural e Industrial, 1972, p. 146. 15 H. Bettenson compreende a importância da questão aristotélica no período de Tomás de Aquino: O escolasticismo alcançou seu clímax nos escritos do frade dominicano Tomás de Aquino, o “Doutor Angélico”. A exposição sistemática da fé católica em termos da Filosofia aristotélica produziu uma revolução no pensamento cristão, pois Agostinho e Anselmo, e os pensadores cristãos em geral antes do Aaquinate, consideraram o platonismo como sendo a Filosofia especialmente cristã. As obras de Aristóteles se tornaram conhecidas no século 13 através dos escritos dos filósofos árabes Avicena e Averróis e do filósofo Maimônides, e pelas traduções e comentários de homens com Alberto de Colônia e Roberto Grosseteste, bispo de Lincoln. No começo, os seguidores de Aristóteles eram encarados como “averroístas” (uma heresia cujo principal erro era a redução de Deus a uma simples Primeira Causa, latente no Universo incriado e eterno), mas o aristotelismo modificado, que era o fundamento da monumental Summa Theologica de Tomás de Aquino, logo mereceu aceitação e os ensinamentos do Aquinate foram propostos por Leão XIII como sendo a exposição da doutrina católica.” Cf. BETTENSON, H. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: Aste, 2001, p. 228. 16 É relatada na Suma Contra os Gentios, por D. Odilon Moura, a origem da escrita: “Desejando (São Raimundo de Penaforte) ardentemente a conversão dos infiéis, rogou ao exímio doutor das Sagradas Escrituras e mestre de Teologia, o irmão Tomás de Aquino, da mesma ordem, considerando, depois do filósofo doutor Alberto Magno, o maior dentre todos os sábios deste mundo, que escrevesse uma obra contra os erros dos infiéis, de modo que fosse afastada a escuridão das trevas e que a doutrina do verdadeiro sol se abrisse para os que queriam o saber. O mestre executara aquilo que a humildade rogativa de tão grande pai lhe fizera, e compôs uma suma intitulada Contra os Gentios, que foi considerada como não tendo igual naquela matéria.” MOURA, D. Odilon. Introdução à Suma Contra os Gentios. In. AQUINO, Tomás. Suma Contra os Gentios. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Universidade de Caxias do Sul, Livraria Sulina Editora, 1990, p. 5. 17 Cf. JEAUNEAU, Edouard. Op. Cit., p. 79.

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de princípios conhecidos pela geometria, a música que procede de princípios conhecidos pela aritmética. É por esta segunda forma que a Teologia se define como uma ciência. Os princípios da Teologia constituem, pois, aquilo a que se chama “artigos de fé”.18 A partir daí, o teólogo pode construir uma ciência análoga a essas ciências do segundo tipo que foi citado, onde a razão se exerce com todo o rigor e precisão. Ele reserva um amplo lugar à razão. Como diz na Suma Teológica: o conhecimento da essência de Deus, sendo efeito da graça, só os bons o podem ter; mas, o conhecimento de Deus pela razão natural podem-no ter tanto bons como os maus.

19

Mas sabe que não é

possível perdi-lhe aquilo que ela (razão) não pode dar.

20

Desta

forma, certas verdades que pertencem a Deus ultrapassam literalmente o poder de entendimento da capacidade humana.

21

Etiene escreveu: Uma dupla condição domina o desenvolvimento da Filosofia tomista: a distinção entre a razão e a fé, e a necessidade de sua concordância. Todo o domínio da Filosofia pertence exclusivamente à razão; isso significa que a Filosofia deve admitir apenas o que é acessível à luz natural e demonstrável por seus recursos. A Teologia baseia-se, ao contrário, na revelação, isto é, afinal de contas, na autoridade de Deus. Os artigos de fé são conhecimentos de origem sobrenatural, contidos em fórmulas cujo sentido não nos é inteiramente penetrável, mas que devemos aceitar como tais, muito embora não possamos compreendê-las. Por tanto, um filósofo sempre argumenta procurando na razão os princípios de sua argumenta-

18

Cf. JEAUNEAU, Edouard. Op. Cit., p. 79. AQUINO, Tomás. Suma Teológica. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Universidade de Caxias do Sul, Livraria Sulina Editora, 1980, p. 105. 20 JEAUNEAU, Edouard. Op. Cit., p. 79. 21 Como o dogma da Trindade por exemplo. Cf. JEAUNAEU. Op. Cit., p. 80. 19

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ção; um teólogo sempre argumenta buscando princípios primeiros 22

na revelação”.

A razão para Tomás possui uma autonomia suficiente, “deste modo, ele exclui tanto a tese da “iluminação divina”23 , defendida pelos franciscanos, como a tese do “único intelecto”, sustentada pelo árabes”.24 É na verdade uma autonomia alienada.25 Mondin deixa claro, ao analisar o escolástico, que a razão pode prestar um precioso serviço a fé: demonstrando aquelas coisas que são preâmbulos da fé; ilustrando, por meio de certas semelhanças, as coisas que pertencem a fé; opondo-se às coisas que são ditas contra fé.26 Na alma racional não há princípio por meio do qual esta possa desenvolver a sua operação natural; e seria isso que aconteceria se admitíssemos que apenas existe um só intelecto agente27 quer chame Deus ou inteligência, como pensavam os árabes. Para ele, cada homem tem um intelecto agente particular. É na verdade, dentro desta autonomia, que o homem se faz animal racional. O problema metodológico entre fé e razão é assim visto. Da questão do intelecto agente para, depois a doutrina da criação, que introduz o assunto metafísico. 2.1.1. Da criação Neste tema, o pensamento de Aristóteles não foi utilizado, já que este não reconhecia os princípios bíblicos da criação. Quando o filósofo falava sobre esse assunto honrava as suas qualidades de

22

GILSON, Etienne. Filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 2001, pp. 655-656. Cf. JEAUNEAU, Edouard. Op. Cit., p. 80. 24 Idem, Ibidem, p. 80-81. 25 Idem, Ibidem, p. 80-81. 26 Cf. MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. 12.ed. São Paulo: Paulus 2003, Vol. I, p. 173. 27 A própria alma racional existe, de fato, em potencial relativamente às espécies das coisas sensíveis; essas espécies lhe são apresentadas nos órgãos dos sentidos a que elas chegam, órgãos materiais em que representam as coisas com suas propriedades particulares e individuais. Portanto, as espécies sensíveis só são inteligíveis em potencial, não em ato. Inversamente há na alma racional uma faculdade ativa capaz de tornar as espécies sensíveis atualmente inteligíveis: aquela que se chama intelecto possível. Essa decomposição das faculdades da alma permite-lhe ao mesmo tempo entrar em contato com o sensível como tal e fazer dele um inteligível. Vd. GILSON, Etienne. Op. Cit., p. 668. 23

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metafísico. Para Aquino, basta dizer que o mundo é criado e que tudo tem sua origem no ser divino. Só Deus possui, por si só o ser. Ele é o próprio ser subsistente – “Ipsum esse subsistens” – aquele cuja essência implica a existência; aquele que é. 2.1.2. A metafísica do ser Para Tomás de Aquino “ser” encontra-se à luz da razão. Ele indica cinco vias; cada uma destas tem um ponto de partida diferente: o movimento, a causalidade eficiente, a contingência, os graus de perfeição, a ordem ou finalidade dos seres, mas a linha de chegada é sempre a mesma, Deus. Só ele existe por si. “Todo o resto não existe senão por seu intermédio”.28 Como conseqüência religiosa da metafísica do ser, Deus está presente em todas as coisas. Desta forma, Tomás move-se pelo plano do ser. A distinção real entre essência e existência dos seres criados – o que ele não encontrou em Aristóteles, mas sim em Avicena. Contudo, foi em Aristóteles que ele achou a definição fundamental entre ato e potência. Por isso, o ser apresenta-se em dois aspectos: Perfeição realizada (ato) e capacidade de perfeição (potência). Dois princípios fundamentais regem as relações do ato e da potência: 1. Nenhum ser passa da potência ao ato sem a intervenção do ser que já esteja em ato; 2. O ato só é finito e multiplicado se for recebido numa potência. 2.1.3. O conhecimento Para Aristóteles a única fonte de conhecimento, mesmo o mais elevado, é a realidade sensível e nesta encontra-se um elemento inteligível, a “forma”, que é como a idéia divina realizada e concretizada na matéria. Existe, o inteligível nas coisas, mas é o inteligível “em potência”. Para que este se torne inteligível “em ato”, é

28

Cf. JEAUNEAU, Edouard. Op. Cit., p. 82.

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preciso que intervenha uma faculdade ativa, aquele que precisamente se designa por “intelecto agente”. Este opera não diretamente sobre a coisa, mas sobre os dados, antecipadamente adquiridos, do conhecimento sensível. Isto ocorre nos níveis: • Externo pela sensação; • Interno pela imagem (fantasma) 2.1.3.1. Intelecto conhecedor “Trabalhando sobre as imagens (fantasmas)29 , o intelecto agente descobre o nó inteligível. E é este núcleo inteligível (ou idéia) que o intelecto paciente “assimila”30 . Quando o intelecto agente recebe a imagem sensitiva do objeto particular, ilumina e leva-o para a universalidade no intelecto possível. Assim, o intelecto humano apresenta-se com possibilidade e torna-se intelecto conhecedor. O ato só é limitado e multiplicado desde que seja recebido numa potência. Deus está no cume, “ato puro”, que não limita-se por nenhum poder; é infinito e único. No outro extremo está a matéria, potência pura. Entre os dois, tudo é composto de ato e potência. Enquanto em Deus a existência (ato) não é limitada por nenhuma essência (potência), em toda a criatura existe composição e distinção reais entre essência e existência. Se só existe esta composição (essência-existência), temos o espírito puro, quer dizer, o anjo. Mas, mesmo ao nível da essência, é concebível outra composição: matéria (potência) e forma (ato). 2.1.4. A moral A moral tomista é uma adaptação da ética de Aristóteles. O homem deve desejar o bem; este, para Aristóteles, está intimamente ligado a questão da inteligência. Como o ato mais elevado da consciência é a contemplação do divino, que para Aquino realiza-se dentro dos limites da existência terrena, em condições precárias. A ética gira em torno do bem e, para Tomás, o bem se identifica no ser, sendo sempre a perfeição. “O bem de um ser consiste em 29 30

AQUINO, Tomás. Op. Cit., I, 1,9. Idem, Ibidem.

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comportar-se de conformidade com a sua natureza”.31 “Em Deus haurem as naturezas o que elas são como tais; e falham na medida em que se afastam do plano do Mestre que as concebeu”.32 Diante das considerações expostas, nota-se que Aquino tem uma forte base filosófica, própria de sua época, que redescobriu a função organizacional de Aristóteles, e faz com a Teologia seja, junto com a Filosofia, uma tentativa de responder as questões fundamentais da existência humana. Nota-se que a Teologia Católica, até hoje, fundamenta-se na teologia tomista. Contudo, faz-se necessário verificar que os calvinistas têm, em Calvino, um modo de entender a compreensão existencial, por meio do homem que ajudou o mundo defendendo a Reforma, o poderoso feito de Deus, o qual chamamos de Reforma Protestante.

3. CALVINO

E SUA ÉPOCA: FATORES PROVIDENCIAIS PARA

UMA NOVA HERMENÊUTICA

Estudar Calvino é conhecer a vida de um homem de fé que viveu numa época de grandes embates na estrutura, ou até mesmo na consolidação da Reforma, principalmente em seu contexto genebrino. Calvino, mesmo antes de ser o paladino de Genebra, já era o grande estudioso, que por defender o chamado protestantismo, foi perseguido na França e em outros países. Entende-se que uma análise da formação das perspectivas hermenêuticas de Calvino tem por base o contexto de sua época.33 Tymothy George des31 32 33

AQUINO, Tomás. Op. Cit., I, II, 71, 1. AQUINO, Tomás. Op. Cit., I, II, 18,6. Nesta parte se faz necessário uma busca pela compreensão do contexto geral, da história, da decadência da Idade Média. “A Reforma surgiu num contexto Humanista e Renascentista, tendo inclusive alguns pontos em comum, como exemplo disto citamos o fato de que a ênfase humanista no retorno às fontes primárias fez com que os humanistas cristãos se despertassem para o estudo dos originais da Bíblia, o que ocasionou a verificação de uma evidência cada vez mais forte: as diferenças existentes entre os princípios do Novo Testamento e a religião romana. Contudo, as diferenças são mais profundas do que as semelhanças; e a Reforma também não foi sintética em termos dos valores cristãos e pagãos: Lutero (1483 –1564), e mais tarde todos os reformadores, não se deixaram limitar por uma visão puramente humanista, antes, pelo contrário; Lutero, Zwinglio (1484–1531) e Calvino (1509–1564), apesar das divergências de compreensão, de ênfase de estilo, estavam acordes quanto a centralidade da Palavra de Deus; na Escritura como sendo a fonte, para se pensar acerca de Deus”. COSTA, Hermisten M. P. Reforma Protestante e Secularismo. 2002, JMC, Texto apresentado em sala de aula. pp. 9,10.

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tacou alguns itens sobre a percepção de Calvino, enquanto esteve em Montaigu: • “Ocupava-se das minúcias da lógica nominalista ou das questões da Teologia escolástica”.34 • Calvino “adquiriu uma aversão pelo método escolástico de fazer Teologia”.35 • Ele movia-se nos círculos do humanismo francês. • Em outro lugar, Timothy disse que Calvino descreve um curso de Teologia escolástica como mera sofística, e sofística tão distorcida, revirada, tortuosa e enigmática, que a Teologia escolástica poderia muito bem ser descrita como um tipo de magia esotérica. Quanto mais densa a escuridão em que alguém ocultava um assunto e quanto mais enigmaticamente envolvia a si mesmo e aos outros em raciocínios absurdos, 36

maior sua fama com perspicaz e culto.

3.1. O Humanismo Como diz Hermisten: “Podemos dizer no sentido mais pleno da palavra que Calvino (1509-1564) era um genuíno humanista, estando profundamente interessado pelo ser humano”.37 A Idade Média tornou-se motivo de pesquisas e de questionamentos. Quanto às Escrituras, e diante da nova fase do humanismo, Calvino foi o responsável por utilizar técnicas lingüísticas textuais humanistas para a interpretação das Escrituras, uma forma de Humanismo, a qual ele encontrou em Orleans e Bourges como diz McGrath.38 Portanto, ele tornou-se o responsável pela nova visão interpretativa da Bíblia depois da Idade Média, com uma estruturação segura, clara e pautada nos seu contexto, sem perder o valor pela realidade da Palavra de Deus.

34

GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Edições Vida Nova, 1994, p. 170. GEORGE, Timothy. Op. Cit., p. 170. Calvin’s Tract and Treatises, Trad. por Henry Beveridge. Grand Rapids: Eerdmans, 1958, 1, p. 1x. apud. GEORGE, Timothy. Op. Cit., p. 170 37 COSTA, Hermisten M. P. A Experiência Religiosa na Teologia de Princeton, p. 26. 38 McGRATH, Alister. A Vida de João Calvino. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 76. 35 36

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Em outro lugar, aponta-se que Calvino, ao estudar direito civil em Orleans e Bourges, teve contato direto com os humanistas.39 Tal encontro foi de grande valia para a estrutura jurídica da Reforma, principalmente em Genebra, pois ele foi capaz de “utilizar seu conhecimento do conjunto do direito civil clássico (Corpus Iuris Civilis) para modelos de contratos, direitos patrimoniais e procedimento judiciário”.40 Isto por que é forte a influência recebida por Calvino de Gaillaume Budé (1467-1540)41 , que via a ligação entre direito e literatura, que fez com Calvino em outros momentos empregasse os métodos e fontes humanistas. 3.1.1. Palavra de Deus: fonte do conhecimento O estudo de Calvino sobre o conhecimento fundamenta-se na revelação e que o conhecimento desta fora ofuscado pela preocupação filosófica 42 : a razão toma o lugar da revelação. O Renascentismo e o Humanismo são focos da nova compreensão do mundo da época de Calvino. O Humanismo dos séculos 15 e 16 estava convencido da grandeza do ser humano, de sua capacidade intelectual que o levaria a ponto de estabelecer a verdade pelo próprio homem. Logo depois, na condução deste movimento, chega-se ao Renascimento formando dois momentos interligados, ambos com a finalidade da sustentação da dignidade da natureza humana e na devastação de seu conhecimento, visto a concepção de dois fortes filósofos Aristóteles (384–322 a. C.) e S. Tomás de Aquino (1225–1274), que marcaram a Idade Média. No Renascimento o dizer de Protágoras que “o homem é a medida de todas as coisas”, da existência das que existem e da não existência das que não existem”43 , é um antropocentrismo refletido, um otimismo com o próprio homem. É como se dissesse ao 39

Idem, Ibidem, 77. McGRATH, Alister. Op. Cit., p. 77. COSTA, Hermisten M. P. Op. Cit., p. 27. Conforme registra Hermisten, Guillaume Budé, que era chamado de “Prodígio da França”, e, juntamente com Erasmo (c. 1469-1536) e Juan Luis Vives (1492-1540), foi considerado o “triuvirato do humanismo europeu”. 42 COSTA, Hermisten M. P. Reforma Protestante e Secularismo, p.11. 43 Platão – Teeteto-Crátilo, p.15 40 41

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homem que deixasse de olhar para as alturas e verificasse em si mesmo os segredos do universo. Naquele período, o homem passa a ser analisado como tema geral, desde a dissecação de cadáveres por grupos de artistas até a estrutura da sociedade na preocupação pelo comportamento humano, objetivada pela educação, daí o conhecimento quanto ao desenvolvimento do ser humano. Esta busca desenfreada pelo ser humano cria um ativismo que leva o homem à busca pelo prazer. Ele quer recriar e, para isso, vai buscar a superação de seus limites. O homem se torna sensual, pois o renascimento é sensual.44 A metafísica dá lugar à introspecção, e o ser humano naquele momento passa a contemplar a sua beleza, sua racionalidade. Realmente o homem passa a ser o centro de todas as coisas. As descobertas de Copérnico (1473–1543) e Galileu Galilei (1564–1642) revolucionaram e apontaram para a compreensão da vitória do humanismo. 3.1.2. Os embates de uma época O período vivido por Calvino de embates contra Roma não faz com que o seu pensamento seja analisado apenas como um simples apologista da fé dos reformados, mas antes de tudo deve-se têlo como um pensador que irá influenciar o mundo de maneira social, cultural e política na Europa e no Ocidente.45 Mesmo tendo em vista que no Renascimento a razão toma o lugar da revelação, tal visão não foi assim compreendida pelo homem que viveu, e sofreu todos os ventos de sua época: Para Calvino “o homem não é medida de todas as coisas”; ele baseia a valorização do homem na sua dignidade de ter sido criado à imagem de Deus: “o homem deve ser respeitado, amado e ajudado porque é a imagem de Deus”.46 A metafísica é retomada de manei-

44

DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascentismo. Lisboa: Editorial Estampa, Vol. I, 1984, p. 23. A tese desenvolvida por André Bielér é justamente sobre a influência de Calvino no pensamento socioeconômico e sua influência no mundo ocidental (ver BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990 e BIÉLER, André. A Influência de Calvino no Mundo Ocidental. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990. 46 CALVINO, João. A Verdadeira Vida Cristã. São Paulo: Novo Século, 2000, pp. 37-38. 45

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ra sólida e irá compor o pensamento de todos os observadores e praticantes do princípio regulador: a Revelação.47 As motivações governamentais de Calvino em Genebra serão apoiadas em alguns pontos: o ser humano como administrador segundo a imagem e semelhança de Deus, e o homem como ser de valor, caído e depravado sim; mas com a dignidade restaurada por Cristo, que o capacitará a condição de adorador, de alguém que se relaciona com Deus e com o seu próximo. A regra tomada por Calvino para estes relacionamentos está na Palavra de Deus. Na continuidade desse artigo, será abordado o estudo de Calvino frente ao seu pensamento baseado em sua hermenêutica. O objetivo do texto é o diálogo com um pensador, fato que se verifica na perspectiva apontada por Tomás de Aquino.

47

O editor Sabatini Lalli demonstra a atualidade do pensamento de Calvino quando ressalta na apresentação da tradução do livro de André Biéler o seguinte: “Os problemas que o homem cria e com os quais convive estão inseparavelmente ligados à sua natureza. Por isso, qualquer Filosofia ou ideologia que ignore a verdadeira natureza do homem segundo a concepção bíblica, jamais poderá resolver os seus problemas fundamentais. Quer como produto do Renascimento, do Iluminismo, do Liberalismo ou de qualquer outro “ìsmo”, o homem não consegue superar as limitações de seu próprio ser, não obstante ter conseguido avançar extraordinariamente no campo de suas conquistas científicas e tecnológicas ao longo de sua acidentada história. (...) Portanto, conhecer hoje o Pensamento Econômico e Social de Calvino, calcado nos textos das Santas Escrituras e nos textos escritos da vasta obra de Calvino, nos habilitará inclusive a contestar, com conhecimento de causa, as acusações feitas contra o Calvinismo, especialmente por Max Weber, de que o Calvinismo é responsável pelos desmandos do capitalismo selvagem que hoje conhecemos no Ocidente. Nada mais inverídico, nada mais falso!” Sabatini Lalli in BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, pp. 19, 22.

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MAESTRO PARCIVAL MÓDOLO Regência na Westfälische Landeskirchenmusikschule, em Herford, Alemanha Mestrado com especialização em música dos séculos 17 e 18 também na Westfälische Landeskirchenmusikschule Bacharel em Teologia pela Escola Superior de Teologia do Instituto Presbiteriano Mackenzie Mestrando em Ciências da Religião pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie Titular da Orquestra de Sunden, Westfalia Direção da Orquestra Sinfônica Municipal de Americana por 14 anos Regente regular da Orquestra Filarmônica de Rio Claro, SP, e da Orquestra Sinfônica da UNICAMP Maestro convidado da Orquestra Sinfônica e da Orquestra de Câmara de Goiânia, GO, bem como da Sinfônica de Belém, PA Maestro visitante da Orquestra Sinfônica de San Diego, USA “Gastdirektor” da Orquestra do Teatro da Ópera de Bielefeld, Alemanha

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Resumo Neste segundo artigo que trata sobre a música na igreja temos uma bela análise dos efeitos da música sobre o organismo humano. Maestro Parcival expõe com clareza o resultado dos estudos realizados por cientistas no cérebro humano e os efeitos da música sobre as partes que constituem este órgão. Pa l av r a s - c h av e Música; Música Sacra; Efeitos da Música sobre o Corpo; Cérebro; Culto. Abstract In this article we have a beautiful analysis which deals with music in the life of the church and its effects upon the human body. The conductor Mr. Parcival explains with clarity the results of scientific studies upon the human brain and the effects music has upon its different parts. Keywords Music; Sacred Music; The effects of Music upon the Human Body; Brain; Worship.

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Palestra apresentada pelo maestro Parcival Módolo, durante o 4º Encontro de Líderes da IPCB, em 04/07/96, com acréscimos e adaptações para esta edição.

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INTRODUÇÃO A primeira parte do estudo abordou a função da música no culto e de como cada um dos seus elementos pode agir no organismo humano. O presente texto aprofundará a ação da música, na tentativa de entender como isso acontece. O artigo complementará o que já foi exposto, e é importante que o leitor conheça o conteúdo da revista anterior para uma melhor compreensão. Atualmente, a ação da música no organismo humano pode ser bem entendida utilizando-se os resultados de recentes pesquisas científicas. Considerando que os sons musicais afetam o corpo e que diferentes elementos da música – ritmo, melodia, harmonia – apelam para diferentes partes do organismo – músculos, emoções, intelecto – compreender como agem conhecendo-os à luz da ciência, será valioso para aqueles que querem utilizar melhor esse excelente veículo, tanto a serviço da comunidade quanto no seu próprio dia-a-dia.

1. SONS

MUSICAIS AFETAM O ORGANISMO HUMANO

Todos as pessoas, consciente ou inconscientemente, sabem que a música pode agir sobre o organismo humano e alterar a disposição e as emoções. Há músicas que alegram mais e outras que entristecem; umas podem despertar e estimular, outras podem relaxar e levar ao repouso. Essa influência pode ser tão efetiva a ponto de curar enfermidades físicas, mas também, por outro lado, podem causar doenças e males. Além disso, ela exerce efeitos positivos ou negativos, facilmente verificáveis, também sobre os animais e os vegetais. É por ter tal virtude, a de influenciar profundamente tanto os seres humanos, quanto a outros seres vivos, plantas e animais, que o fenômeno musical chama a atenção dos cientistas, provocando-os a estudá-lo mais seriamente. Alguns desses efeitos pareciam muito subjetivos no início das pesquisas. Verificou-se que um mesmo tipo de música pode, por exemplo, despertar e estimular um certo grupo de indivíduos e, curiosamente, relaxar um outro grupo, levando-o até mesmo ao sono. Percebeu-se, porém, que as enormes diferenças culturais en-

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tre os grupos participantes da experiência explicava a discrepância. As razões culturais, sociais e étnicas precisam ser consideradas: diversos grupos sociais, com diferentes experiências históricas, culturais, estabelecem vínculos aprendidos com uma ou outra forma musical e reagem a ela de acordo com sua “programação cultural”. Uma mesma música poderá entusiasmar um cidadão europeu de classe média que freqüenta teatros e salas de espetáculo, enquanto poderá levar ao sono o membro de uma tribo desconhecida, perdida em algum lugar do globo terrestre. Além das questões culturais, há que se pensar no intérprete: até mesmo música de boa qualidade, executada de forma tecnicamente má, é certamente desinteressante. A mais estimulante música, se for mal tocada ou cantada, poderá levar o auditório ao sono. Nos meios musicais profissionais, uma provocadora frase atribuída a Petit-Senn2 é muito conhecida: “Os cantores que, apesar de boa voz têm um canto monótono, podem levar uma audiência ao sono. De Orfeu a Morfeu3 não tem mais que uma letra.”

2. INFLUÊNCIA

SUBJETIVA X INFLUÊNCIA OBJETIVA

A questão preliminar apresentada na primeira parte do estudo4 foi: será que existe um tipo de música objetivamente bom para o ser humano e um outro objetivamente mau, independentemente de cultura, idade, origem, preferência e grupo étnico? Haveria uma música boa para todos os organismos vivos, independentemente do gosto ou da preferência pessoal? Nesse caso, haveria também uma música objetivamente má, perniciosa a qualquer ser humano? Será que música boa faz bem ao organismo mesmo que ele não goste dela, e que música má prejudica o organismo mesmo que ele goste dela?5 Haveria uma mesma música boa, ou ruim, tanto 2 3

4 5

Jean-Antoine Petit-Senn, suíço, foi escritor do século 19. Orfeu, personagem de um mito descrito de maneira diferente por vários poetas gregos, destacase sempre por ser o músico por excelência, que com sua lira domina a todos: elementos da natureza, homens e deuses. Por analogia simboliza a boa música. Morfeu é o deus dos Sonhos, filho de Sono e de Noite. Aqui obviamente é símbolo de bom sono... Vide Teologia Para Vida, vol 1, nº 2, p. 116. Idem, p. 117.

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para o homem das Américas e da Europa quanto para o membro da tribo perdida no interior da África ou para um monge tibetano? Ou, ainda, tão boa ou tão ruim para qualquer ser humano quanto para seu cãozinho doméstico, ou para seu canteiro de hortaliças no jardim? Nesse caso tratar-se-ia de Música objetivamente boa ou objetivamente ruim, e não de música que um grupo cultural aprendeu a gostar ou a rejeitar; nem música bem ou mal tocada ou cantada. Para tratar sobre o assunto, é necessária a tentativa de compreender como o cérebro processa as informações sonoras que se transformam nas reações físicas e emocionais do organismo humano.

3. ESTUDANDO

O CÉREBRO

Um bom número de cientistas entende que o cérebro humano é como uma estrutura dividida em partes distintas, com diferentes responsabilidades e diversas formas de ação. Comprovou-se que cada uma das partes também é especializada em “decodificar” e “assimilar” cada um dos três mais importantes elementos da música: ritmo, melodia e harmonia. Como cada porção do cérebro é responsável por uma fração específica do organismo humano, basicamente músculos, emoções e intelecto, entende-se melhor como e por que cada elemento constituinte da música age em diferentes estruturas dos organismos vivos: ritmo aciona os músculos, melodia influencia as emoções e harmonia é processada pelo intelecto.6 Nas décadas de 40 e 50, duas operações neurológicas marcaram grandes avanços no conhecimento do cérebro humano. A primeira foi a comissurotomia, o corte cirúrgico do corpo caloso, estrutura que une os dois hemisférios cerebrais. Tal cirurgia foi desenvolvida pelos cientistas, Roger Wolcott Sperry e Egas Muniz, ao estudarem pessoas portadoras de epilepsia. Estas sofriam ataques epilépticos severos, que acometiam todo o corpo e músculos respiratórios, levando freqüentemente à morte por insuficiência respiratória mecânica. Naquela época, como não dispunham de drogas efeti6

Idem, p. 120 ss.

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vas para o controle da epilepsia, os dois cientistas passaram a fazer a cirurgia que cortava a ligação nervosa entre ambos hemisférios cerebrais, o corpo caloso. Dessa forma tentavam restringir o foco epiléptico para apenas um lado do cérebro e, assim, impedir a progressão do surto. Após o corte, os dois hemisférios ficavam separados funcionalmente, como se fossem independentes. Roger Sperry e Egas Muniz ganharam o prêmio Nobel de Medicina em 1981 pelos estudos neurofisiológicos. Hoje, tal operação é absolutamente ultrapassada e contra-indicada. Mas tais experiências mostraram vários aspectos de como o órgão funciona e descobriram muito do que hoje se sabe sobre os dois hemisférios chamados “cérebro direito” e “cérebro esquerdo”. A segunda cirurgia importante, a chamada lobectomia pré-frontal, é vulgarmente conhecida como lobotomia. Foi conseqüência das observações que Alexandr Luria7 , um neurofisiólogo russo, fez com soldados sobreviventes de diversas batalhas. Alguns tinham a cabeça atingida por estilhaços, por projéteis que cortavam seu cérebro, numa profundidade em torno de dois centímetros, de orelha a orelha, separando a região superior do encéfalo em duas metades, a anterior e a posterior. Viu-se que tais indivíduos tinham dramáticas mudanças de caráter e conduta quando sobreviviam a tais lesões. Logo, a lobotomia tornou-se um procedimento médico usado para sedar pacientes psicóticos com agitação psicomotora. Tal procedimento hoje é totalmente ultrapassado e reprovável; mais de 30 mil pessoas já foram operadas por essa técnica. Apesar disto, aprendeu-se que o cérebro anterior, ligado ao neocórtex, é o cérebro do pensar e imaginar, enquanto o posterior, unido às estruturas cerebrais mais primitivas como cerebelo, bulbo e tronco, é do agir e reagir. Essas descobertas foram o ponto de partida para a compreensão do cérebro tripartido, ou triúnico, o qual será usado no presente texto. Assim, as duas cirurgias, tanto a comissurotomia quanto a lobectomia pré-frontal, eram profundas incisões no cérebro, mas em sentidos diferentes: a primeira no sentido longitudinal, da frente 7

Luria, Alexandr Romanovich (1902-77) The Human Brain and Psychological Processes (1963).

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para trás, a segunda, na direção transversal, da esquerda para a direita.

4. OS

DOIS HEMISFÉRIOS DO CÉREBRO

A partir dos resultados das comissurotomias aprendeu-se que os dois hemisférios do cérebro têm responsabilidades diferentes e formas variadas de funcionamento. No hemisfério esquerdo situa-se a inteligência lingüística, lógica e racional. Ele é sistemático, detalhista. Já no hemisfério direito localiza-se a inteligência visual, abstrata e intuitiva. Ele é mais intuitivo, artístico, holístico, poético, criativo e imaginativo. Sinteticamente, pode-se afirmar que o esquerdo é primordialmente o hemisfério do conhecimento aprendido, das regras, do raciocínio lógico, da cognição; e que o hemisfério direito é o da espontaneidade, das artes, da criatividade. Qualquer pessoa poderá, por exemplo, pintar um quadro se aprender os princípios técnicos de como fazê-lo: o hemisfério esquerdo processará os conhecimentos de perspectiva, de luz e sombra, de mistura e combinação de cores, e o resultado, a pintura, poderá ser bastante razoável. Mas só uma “dose enorme” de hemisfério direito “criará” uma Mona Lisa. Da mesma forma, qualquer pessoa poderá escrever um bom texto ou criar um poema: o hemisfério esquerdo acumulará conhecimentos, desde a própria escrita até forma, sintaxe, semântica, métrica... Mas só com uma grande “colaboração” do hemisfério direito poderá produzir uma obra-prima da literatura. Há muito que considerar sobre os dois hemisférios do encéfalo. Mas no presente artigo, interessa muito o chamado cérebro triúnico.

5. O

CÉREBRO TRIÚNICO: REPTILIANO, MAMAL E HUMANO

Desde os estudos do Dr. Paul MacLean, chefe da Brain Evolution for the National Institute of Mental Health, e considerando-se os resultados de certas lobectomias pré-frontais, passou-se a descrever o

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encéfalo humano como triúnico, isto é, três cérebros em um8 . De acordo com esse conceito, o cérebro humano consiste de três sistemas fisiologicamente independentes, cada um funcionando de forma semi-autônoma, mas simultânea com os outros. Ele seria, então, uma espécie de “composição” de três camadas de cérebros em um. As camadas, ou “cérebros”, foram chamadas Sistema Reptiliano, Sistema Límbico e Neocórtex, ou também Cérebro Réptil, Cérebro Mamal e Cérebro Humano. Cada “cérebro” desses seria mais habilitado para determinadas funções, embora todos os três interajam o tempo todo. Esse modelo também pode ser descrito como três computadores biológicos interconectados, cada um com sua própria inteligência, com sua subjetividade específica, com sua própria noção do conjunto espaço-tempo e com sua própria memória. Todos eles funcionam harmoniosamente, mas, em determinadas situações limites, um ou outro tem primazia, tomando a dianteira e “bloqueando” a ação dos outros dois.9 Cérebro (neocórtex) Corpo caloso Sistema límbico (mamal)

Complexo eptiliano Cerebelo

5.1. Cérebro réptil ou complexo reptiliano É a fração mais interna do sistema nervoso, constituído pelo tronco cerebral, o cerebelo e boa parte do início da medula espinhal. Nestes locais ocorrem os padrões automáticos, os hábitos, as rotinas, especialmente aquelas destinadas à sobrevivência. Situam-

8

MACLEAN, Paul D. Mind of Three Minds: Educating the Triune Brain. 77º ano do Yearbook of the NSSE, Parte II. Chicago: National Society for the Study of Education, 1978. 9 MACLEAN, Paul D. The Triune Brain in Evolution. Nova York: Plenum Press, 1990.

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se nesta porção os centros respiratórios, de controle térmico, digestivo e reprodutivo, a circulação sanguínea e os batimentos cardíacos. Seu propósito é manter a sobrevivência física do corpo. É o cérebro réptil que cuida dos movimentos e da preparação daquela postura chamada “luta ou fuga” nos momentos de grande stress. Por causa da sua função de manter a vida a todo custo, as reações que ele provoca tem muito em comum com o comportamento e com as reações dos animais irracionais quando a questão é a sobrevivência. 5.2. Cérebro mamal ou sistema límbico O sistema límbico, o segundo cérebro, abriga os centros da emoção. Área mais intermediária, que recobre o tronco cerebral, mas não alcança os hemisférios, inclui a amídala, que é fundamental para associar eventos com emoção, e o hipocampo, que atua convertendo informação em memória e depois em lembrança. É no hipocampo que se organizam os arquivos de memória: como o ser humano não necessita reter cada detalhe das informações que recebe, o hipocampo ajuda a selecionar quais memórias devem ser arquivadas com maior eficiência. Alguns cientistas acreditam que, para isso, talvez acrescente a estas uma “marca emocional”, tornando-as mais facilmente recordáveis. A amídala atua em situações onde predominam as sensações de medo, raiva, vergonha. Nessa região cerebral encontram-se o tálamo e o hipotálamo, centros ligados às respostas à dor e ao prazer. O sistema límbico está associado a atividades primais como o alimento, a procriação, as ações relacionadas com a expressão e à mediação de emoções e sentimentos. É a região mais particularmente ligada ao olfato. Todos os órgãos do corpo estão conectados com centros localizados no sistema límbico, numa indicação plena de que todos os pensamentos emocionais podem influir na função desses órgãos. O inverso também é verdadeiro: todos os órgãos podem afetar as emoções humanas. 5.3. Cérebro humano (neocórtex) É a parte mais externa do sistema nervoso, a porção superior do cérebro, freqüentemente confundida como sendo

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o próprio órgão. Constitui mais de três quartas partes de todo o nosso conjunto cerebral e é responsável pela linguagem, que inclui os processos de fala e de escrita, o raciocínio formal e o lógico, e também permite imaginar e planejar o futuro. A rigor, é a fração do encéfalo que se divide nos hemisférios direito e esquerdo. O cérebro humano se reveste, bem externamente, pela camada cinzenta, zona densa em neurônios altamente especializados e capazes de múltiplas tarefas simultâneas. É como se ali ficassem os chips do computador biológico. Cada uma das partes do cérebro tem funções e reações específicas, algumas independentes, mas freqüentemente simultâneas.

6. COMO

FUNCIONA E COMO AGE O CÉREBRO TRIÚNICO

Se nosso cérebro é uma espécie de conjunto de três cérebros em um, ou se essas são apenas partes específicas de um único órgão, não importa muito para nosso estudo. O que nos interessa aqui é conhecer melhor essas três partes, tentando compreender como a música age em cada uma delas. 6.1. O cérebro réptil O ser humano, além dos répteis e dos mamíferos irracionais, possui um sistema nervoso maravilhosamente especializado. É preciso observar como esta parte do cérebro humano, em comum com os répteis, comporta-se de forma muito semelhante ao deles. Nos animais, ele é responsável pelos comportamentos condicionados e reativos; nos seres humanos pelos comportamentos irracionais e pelas “reações impensadas”. Diferentes dos répteis, porém, seres humanos têm regiões superiores do cérebro que permitem agir racionalmente. Entretanto, quanto mais os nossos sistemas básicos são estimulados a agirem, menos permitem que os sistemas mais evoluídos funcionem. É como se fossem sistemas de emergência: entram em ação nas situações mais críticas e, quando estão em plena função, inibem os centros superiores. Quando somos impelidos a agir por esse cérebro costumamos dizer que “agimos por instinto”, “sem pensar”. Nas catástrofes, as pessoas tipicamente reagem

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“com cérebro réptil” e podem tomar atitudes que, analisadas racionalmente, parecerão estúpidas. Veja exemplos10 : Durante incêndios em grandes edifícios, pessoas pulam, para a morte certa, de andares altíssimos, quando a situação não estava tão trágica naquela região do prédio em chamas, ignorando a aproximação do helicóptero de resgate ou da escada salvadora. É bem conhecido o fato de que, em situações de pânico, conflitos em estádio de futebol, desastres de avião, naufrágios, as pessoas agem de forma instintiva e irracional, nem sempre tomam as melhores decisões.

Por que é que os seres humanos reagem desta forma? É porque nessas horas eles reagem ao estímulo do seu “primeiro cérebro”, o cérebro réptil, que foi feito para o ataque ou para a fuga, para garantir a sobrevivência a qualquer custo, mesmo que se engane na decisão. Esse cérebro não é lógico e, aparentemente, não muito esperto, porém extremamente poderoso: faz com que a pessoa detone uma ação ou reação apenas por reflexo ou instinto de sobrevivência. 11 Bombeiros, policiais especializados, profissionais que trabalham em salvamentos, são treinados insistentemente para manterem sua racionalidade nas situações de emergência e para controlarem seu cérebro réptil, o que não é muito fácil. Nas relações interpessoais, no primeiro contato entre pessoas desconhecidas, o cérebro réptil permanece sempre completamente ligado e alerta. Ele não só fica muito atento como é o primeiro que responde, pois verifica se há alguma ameaça ou risco no encontro. Nessas horas, esta parte do cérebro pergunta: “Confio ou não confio?” A resposta é do tipo “tudo ou nada”, sim ou não, sem nuanças. Se confio, deixo que a comunicação continue até alcançar níveis superiores de processamento; se não confio, a comunicação pára por aqui. Não importa o que a outra pessoa faça ou diga, há uma quebra de confiança e, portanto, simplesmente o 10

11

Este e os dois próximos exemplos que se seguem foram formulados pelo Dr. Nelson Spritzer em seu livro O Novo Cérebro. 3.ed. São Paulo: L&PM, 1996. CAINE, Renate Nummela and CAINE, Geoffrey. Making Connections: Teaching and the Human Brain. Nashville: Incentive Publications, 1990.

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conteúdo da mensagem não importa mais. Lembre-se: é uma reação irracional. No cérebro réptil estão localizados os centros processadores de quatro dos cinco sentidos: paladar, tato, visão e audição. Apenas o olfato está no cérebro mamal. 6.2. O cérebro mamal Esse “segundo cérebro” fica logo acima do tronco cerebral. Até os três ou quatro anos de idade “funcionamos” só até aqui, isto é, agimos e reagimos comandados por nossos cérebros réptil e mamal, somente. No cérebro mamal são processadas basicamente as emoções. É nele que são criadas e fermentadas as raivas, as paixões, as relações amor-ódio, assim como os medos, as tristezas, as fobias, as ansiedades, as angústias, a busca do prazer e o afastar-se da dor. O vulcão das emoções tem seu endereço nesta parte do nosso sistema nervoso. Como já foi citado, é no cérebro mamal que se localiza o sentido do olfato. Os mamíferos irracionais também têm esta parte do cérebro – répteis não – e, em momentos de extrema tensão emocional, o comportamento deles e o nosso são muito semelhantes. Quando não há uma situação extrema, de risco imediato e iminente de vida e, portanto, o cérebro réptil não está tão ativado, o próximo a dar respostas, por ordem de importância, é o cérebro mamal. Pode-se dizer que situações de risco moderado são as que freqüentemente ativam este sistema. Se estamos sozinhos, por exemplo, em um lugar arriscado e escuro à noite, numa cidade desconhecida, o coração bate mais depressa, começamos a suar e a respiração se altera. Aparece uma série de respostas fisiológicas conhecidas, como medo ou ansiedade. Tudo isso é “controlado” pelo cérebro mamal. Para o sistema límbico não há diferença entre o real e o imaginário. Ele responde com emoção tanto aos estímulos do mundo exterior quanto aos da nossa mente. Você está, por exemplo, assistindo um filme de terror. De repente soa uma música sinistra, a tela escurece e, subitamente, o monstro aparece para atacar a mocinha. Você salta da sua poltrona, pára de respirar, seu coração pula acelerado e sua garganta se aperta. Seu cérebro racional sabe

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muito bem que se trata só de um filme, que aqueles são efeitos especiais, que são atores fazendo bem seus papéis. No entanto, mesmo sabendo de tudo isso, você reage emocionalmente e se assusta. Por quê? Porque o sistema límbico, o cérebro mamal, não “raciocina”: para ele é tudo real e faz você pular. Em outro filme você poderia, quem sabe, acompanhar a história de um menino doente, que vai morrer em poucos dias. Ele é focalizado despedindo-se dos amigos, da mãe, do pai, dos irmãos. Eles choram, você chora, o público que está no cinema se emociona. Acontece que todos sabem muito bem que aquele menino é um ator. Pai, mãe, vizinhos, todos são. Ninguém está nem um pouco doente. Se estivessem não estariam fazendo o filme. Você sabe que o menininho está ganhando um belo cachê para representar a personagem e que, ao invés de morrer, vai passar férias no Caribe. Não importa. Seu racional é fraco frente a tanta emoção: você chora. O que dizer da pessoa que fica apavorada em lugares fechados, salas, elevadores e aviões? Não consegue explicar a razão, acha ridículos seus medos, mas não adianta: na hora de entrar em um elevador fica mal e acaba subindo pelas escadas. Viagens maiores, de avião, nem pensar. Não adianta racionalizar, ouvir falar da segurança, ler estatísticas e dados provando que é mais arriscado andar nas ruas de uma cidade grande do que de elevador ou avião. Não importa. Não é racional, é pura emoção irracional. Nesses casos nem precisa do estímulo real: basta pensar em entrar num elevador ou avião e lá estão as sensações e reações desagradáveis. É que o sistema límbico, o cérebro mamal, predomina sobre o cérebro racional. Na área dos relacionamentos interpessoais, o cérebro mamal costuma perguntar: “Eu gosto dessa pessoa?” A resposta já não é tão radical quanto no cérebro réptil. Existem várias respostas possíveis, que podem ser “gostar”, “gostar muito”, “não gostar”, “detestar”... Nos relacionamentos cotidianos, se a resposta for gostar muito, permite que o cérebro superior receba todas as mensagens que virão do exterior a partir daquele momento. Se for não gostar, e quanto menos se gostar do interlocutor, mais as informações serão filtradas. O “ter-

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ceiro cérebro”, humano, racional, analítico, ainda não agiu. Aguarda que o sistema límbico deixe passar a informação. Em uma comparação, sem ofensas, é claro, as reações são muito parecidas com as de um cãozinho doméstico. Ou será que os mamíferos irracionais também não amam e odeiam? Não reagem sempre “sem pensar”, abruptamente atacando ou fugindo? O cão não ama incondicionalmente seu dono, enquanto odeia, também incondicional e irracionalmente, o carteiro? 6.3. O cérebro humano O Cérebro Humano é uma exclusividade do homem, feito à imagem e semelhança do Criador. É a parte do cérebro da pessoa que faz com que ela seja quem é; que a distingue dos animais irracionais. Nem répteis, nem mamíferos irracionais o têm tão evoluído, só os seres humanos. Esta é a parte dividida nos dois hemisférios que já foram citados. É o cérebro que argumenta, raciocina, cria obras de arte, constrói edifícios e máquinas, programa o futuro, pensa na vida após a morte, intui Deus e decide como quer relacionar-se com ele. Tudo o que o ser humano é e compreende está condicionado a experiências passadas, conceitos e convicções futuras, mas também ao “seu frágil cérebro”, um órgão complexo, ainda pouco conhecido. Steve Williamson afirmou: “Entender tudo isso, ajuda explicar comportamentos irracionais, como por exemplo a violência com que “gangues” de adolescentes defendem seu território, o que aparentemente não faz o menor sentido”.12 Estimulado pelos elementos que constituem o fenômeno musical, o cérebro humano reagirá de forma a influenciar, positiva ou negativamente, o corpo, o que ajuda na compreensão de como a música objetivamente má ou objetivamente boa age no organismo.

7. MÚSICA:

RITMO, MELODIA E HARMONIA

Quando o tema música é abordado neste artigo, é preciso esclarecer que se faz referência ao fenômeno sonoro em si, independen12

WILLIAMSON, Steve. Entrevista com Elaine De Beauport. Dromenon Magazine, Fall 1995.

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temente de texto. Somente os sons musicais são pensados, e não nas palavras que podem ser acrescentadas a eles. São os sons que agem sobre o nosso sistema orgânico, venham eles acompanhando palavras ou não. Uma música objetivamente má associada ao texto de um Salmo bíblico, por exemplo, continuará sendo perniciosa ao organismo humano, independentemente do texto. Ao se tentar uma definição desse complexo fenômeno chamado música, procura-se isolar os elementos que a compõem, ao menos os fundamentais: ritmo, melodia e harmonia. Há outros, secundários, não menos importantes, mas esses três estão presentes sempre que música soa no ambiente. Cada um deles relaciona-se estreitamente com uma das partes do cérebro que já foi estudada.

8. O

RITMO13 E O CÉREBRO RÉPTIL

Ritmo vem do grego rhytmós e significa “movimento metódico e medido”. Em música, ritmo é a marcação da passagem do tempo, mas também o agrupamento dos valores desse tempo, de forma que se estabeleça uma sucessão regular de acentos fortes e fracos. O ritmo mexe com todos os músculos, inclusive coração e outros sistemas autônomos ou semi-autônomos como digestão, respiração e pulso sanguíneo. É o cérebro réptil que “decodifica” o ritmo. É por isso que os répteis, que também possuem essa parte do cérebro, são tão sensíveis às estruturas rítmicas. Observe um réptil movendo-se na areia, pense no seu coração batendo: trata-se de ritmo. Dos três elementos da música, o ritmo é o único que pode ser “apreciado” pelos répteis. A serpente que sai da cesta do faquir, não pode absolutamente ser atraída pela melodia da flauta pois não é apta e nem está aparelhada para entendê-la. Ela é, antes, “encadeada” pelo movimento ritmado, constante da flauta e, eventualmente, pelas estruturas rítmicas resultantes da melodia que sua refinada sensibilidade às vibrações das alterações rítmicas pode perfeitamente captar. 13

Para “O que é ritmo?”, vide Teologia Para Vida, vol 1, nº 2, p. 120.

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No caso dos seres humanos não é muito diferente: o cérebro réptil é estimulado pelo ritmo, o que afeta todo o sistema orgânico muscular. Quando ouvimos uma música e ela nos estimula a mover os músculos, a balançar os ombros, a bater palmas, a dançar, é o ritmo em ação, decodificado pelo cérebro réptil. O problema é que quanto mais esse cérebro é estimulado, menos funcionam os outros. O cérebro réptil detona os comportamentos irracionais dos seres humanos, como se fossem sistemas de emergência. Entra em ação nas situações mais críticas de superestimulação e quando está em plena função inibe os centros superiores. Nessas ocasiões costuma-se dizer que o homem “age por instinto”. A ênfase exagerada no ritmo, assim, leva a um bloqueio de partes superiores e racionais do cérebro. Por isso, o ritmo é um dos mais valiosos elementos musicais para os diferentes transes alcançados nos centros de umbanda, ioga, zen budismo, etc. Um “mantra”, por exemplo, nada mais é do que uma pequena melodia ou frase, repetida tantas vezes que perde seu significado lógico, intelectual, melódico, emocional, tornando-se apenas ritmo e, conseqüentemente, processado pelo cérebro réptil, podendo bloquear os outros. Excesso de ritmo bloqueia os cérebros mamal e humano e leva as pessoas a pararem de pensar. Assim, por essas duas características do ritmo: mexe com os músculos e leva a um desligamento do intelecto, muita gente tem, mesmo inconscientemente, grande dificuldade em aceitar, na música litúrgica cristã, uma maior ênfase rítmica.

9. MELODIAS14

E O CÉREBRO MAMAL

Tecnicamente, melodia é uma sucessão qualquer de sons musicais. Ela é o “soprano” da música, a parte mais perceptível, mais cantável da estrutura musical. Melodias alteram nossas emoções e agem sobre elas. É no cérebro mamal, o centro das emoções, que as melodias são compreendidas e processadas. 14

Para “O que é melodia?”, vide Idem, p. 121.

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Como já abordado, todos os mamíferos têm essa parte do cérebro, o que quer dizer que também os irracionais são sensíveis a melodias. Eles, assim como os seres humanos, têm sensações de amor e ódio e, por serem “irracionais”, reagem a elas irracionalmente. Do mesmo modo, freqüentemente o ser humano age “irracionalmente”. É que, assim como o cérebro réptil pode bloquear os outros nas situações de pânico, o cérebro mamal, igualmente, quando sobrepõe-se ao réptil, consegue reagir, com rapidez, antes da razão. Isso significa que a razão, localizada no cérebro humano, só irá se impor e “tomar as rédeas” das atitudes se tanto o cérebro réptil quanto o cérebro mamal o permitirem. Mas os seres humanos têm, pelo menos, a possibilidade de lutar contra o irracional utilizando seu “terceiro cérebro”. É neste “cérebro” que se decodificam e arquivam as melodias musicais. Mas é nessa parte, como já tratado, que se localiza o sentido do olfato. É por isso que a “memória melódica” é tão parecida com a “memória olfativa”. Se, por exemplo, passamos um dia por certa experiência enquanto sentimos determinado perfume, mesmo que se passem muitos anos até sentirmos aquele perfume novamente, naquele instante nos lembraremos da experiência pela qual passamos na primeira vez que o sentimos. O mesmo se dará se, ao invés do perfume, ouvimos determinada música durante a experiência: até o fim de nossa vida, se voltarmos a ouvir aquela música, nos lembraremos da experiência pela qual passamos na primeira vez em que a ouvimos. A memória olfativa e a memória melódica são poderosas pois não só nos recordamos do fato experimentado, como também revivemos a cena: nosso organismo reproduz a sensação original, quer seja ela de medo, prazer, insegurança ou bem-estar. Se a música original tivesse um texto, certamente as palavras retornariam à nossa mente, mesmo que tivessem ficado por décadas aparentemente esquecidas. Daí nossa grande preocupação com os textos das canções que as crianças e os jovens cantam, mesmo dentro da igreja. Temos cantado nossa fé? Nossas canções cantam nossa doutrina e refletem nossa Teologia? Ou cantamos qualquer coisa, desde que nos deixe felizes, emocionados e animados? É importante destacar que jamais nos esquece-

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remos de textos memorizados com a ajuda de melodias, pois serão “arquivadas” no cérebro mamal e sua memória é impossível de se apagar. Tudo o que foi examinado sobre o funcionamento do cérebro mamal é aplicável às nossas reações às melodias que ouvimos. Exagero melódico pode ser um problema: músicas com melodias de forte apelo emocional, que despertam e superestimulam o cérebro mamal, farão com que o cérebro racional, o cérebro humano, seja bloqueado. E de forma semelhante ao efeito da cena do filme descrito, poderemos “parar de pensar” e agir apenas emocionalmente. Poucas horas depois, de “cabeça fria”, podemos nos arrepender das atitudes então tomadas.

10. HARMONIA15

E O CÉREBRO HUMANO

A harmonia pode ser definida simplesmente como melodias (ao menos duas) tocadas ou cantadas simultaneamente. Nas quatro vozes de um coral, por exemplo, cada uma canta uma melodia e a combinação delas é a harmonia. Ela relaciona-se com o intelecto, é processada no córtex cerebral, no cérebro humano, propriedade e habilidade exclusivas da raça humana. Os mamíferos, embora sejam sensíveis a melodias individuais, não conseguem “entender” harmonia e nem são aptos para decodificá-la. É verdade que quanto mais elaborada e complicada a harmonia, mais difícil de ser apreciada e entendida. Compreender uma complexa estrutura harmônica é resultado de estudo, aprendizado, raciocínio lógico, concentração, características próprias e exclusivas da raça humana. Cada vez que um desses elementos é muito enfatizado, há detrimento dos outros, como já foi destacado na primeira parte. Uma música que destaca demais o elemento harmônico, por exemplo, aparentemente descuida da melodia. De forma semelhante, uma grande ênfase melódica provocará tão intensamente nossas emoções que podemos ser, algumas vezes, “impedidos de pensar”. Realçar o elemento rítmico, em detrimento da melodia e da harmonia, 15

Para “O que é harmonia?,” vide Idem, p. 122.

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certamente terá forte apelo físico, muscular, mas dificilmente emocional ou intelectual. O exagero rítmico poderá “desligar” parcialmente instâncias superiores do nosso cérebro. Entende-se que o excesso de ritmo leva pessoas a pararem de pensar. Essas características da música provocam as mesmas reações em qualquer ser humano, seja qual for a cultura, raça, experiência prévia ou preferência individual.

CONCLUSÃO Existe, sim, um tipo de música objetivamente bom para o organismo humano, e um outro objetivamente mau, independentemente da cultura do indivíduo, da sua idade, origem, preferências pessoais ou de seu grupo étnico. Considerando que mente, cérebro, emoções, órgãos vitais, saúde, estão em absoluta sintonia, é fácil deduzir que a música, com ação nos corpos e mentes, altera as emoções, move o intelecto, modifica os impulsos, influencia diretamente o organismo humano, positiva ou negativamente. Hoje afirma-se com segurança que música boa faz bem ao organismo humano mesmo que ele não goste dela, e que música ruim faz mal ao organismo mesmo que ele goste dela.16 Certamente há uma mesma música boa tanto para o homem das Américas ou da Europa, quanto para o membro de uma tribo no interior da África ou para um monge tibetano, mesmo que nunca a tenham ouvido antes e nem se identifiquem com ela ao ouvi-la. E há música tão ruim para qualquer ser humano quanto para o cãozinho doméstico ou para o canteiro de hortaliças no jardim. Quando reflete-se em um culto integral a Deus, de corações e mentes, deve-se procurar um tipo de música de boa qualidade, criativa, equilibrada. Cada elemento da música aciona parte diferente do nosso organismo, o que faz com que ela nos atinja integralmente, quer queiramos ou não, quer a ouçamos conscientemente ou não, quer sejamos perfeitamente hábeis auditivamente ou não: a música consegue ser ouvida epidermicamente e age também em 16

Vide Idem, p. 117.

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organismos de deficientes auditivos, alterando seus sinais vitais e, conseqüentemente, seu comportamento. Todos, com maior ou menor habilidade, podem – e por isso devem – analisar os textos das músicas cantadas em nossas igrejas, avaliando-os criteriosamente – nos itens como gramática, beleza poética, Teologia, doutrina... Talvez devêssemos perguntar se os textos das canções que hoje são entoados passam num “teste de qualidade total”. Não é muito fácil analisar criticamente uma “canção sacra”, pois o fazemos com certo respeito, como fosse “palavra inspirada”. Além disso, algumas nos acompanham há muitos anos, participaram de tantos eventos especiais de nossa história pessoal, apelam às nossas emoções de tal forma, que torna-se difícil criticá-las com isenção. Porém, tente fazê-lo. Há uma enorme quantidade de música nova em produção, surgindo dos festivais, divulgadas pela mídia, vendendo milhares de discos, mas com letra e música de qualidade, no mínimo, questionáveis. É evidente que também existem músicas novas de boa qualidade e, por outro lado, nem tudo o que está impresso nos hinários é sempre bom. Como líderes, preocupados com a saúde de nossas comunidades – e aqui não me refiro só a saúde física – devemos ao menos cuidar dos textos das canções, sejam elas as novas ou as dos hinários, evitando os maus, preferindo os bons, os que refletem a nossa fé, os que concordam com as nossas crenças, os que revelam a nossa doutrina e que proclamam as nossas diferenças. De outro modo, como pretender que nossa canção seja “um novo cântico”, que produza transformação, o “Canto de Sião” soando nesse pós-moderno mundo globalizado? “aqueles que nos levaram cativos nos pediam canções, e os nossos opressores, que fôssemos alegres, dizendo: Entoai-nos algum dos cânticos de Sião” (Sl 137.3).

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PODER PASTORAL:

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ANÁLISE DO PODER

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REV. AGEU CIRILO

DE

MAGALHÃES JR.

Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição Mestrando em Teologia Sistemática pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper Mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie Pastor da Igreja Presbiteriana de Vila Guarani

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OLIVEIRA, Cornélio Póvoa de. O Poder Pastoral: Uma Análise do Poder Pastoral na Igreja – Estudo de caso. Londrina: Descoberta Editora, 2004, 160 pp. Esse livro foi originalmente uma dissertação de mestrado apresentada na Faculdade Teológica Sul Americana - FTSA, em Londrina, PR, publicada na forma de livro em agosto de 2004. O autor, Cornélio Póvoa de Oliveira, é pastor da Igreja Presbiteriana do Champagnat, em Curitiba, PR, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Pastoral pela Faculdade Teológica Sul Americana. O livro apresenta-se na capa como um estudo de caso, porém, os elementos requeridos para este tipo de trabalho como pesquisa em campo, coleta de dados, entrevistas, triangulação de dados, etc, não são encontrados na obra. A tese principal do livro está na página 145: “O poder pastoral exercido no sistema presbiteriano está longe de ser um modelo de poder bíblico ou comunicativo”. Dividido em quatro capítulos, o primeiro traz o referencial teórico do trabalho. O autor baseia-se nos conceitos de poder desenvolvidos por Michel Foucault e Jürgen Habermas. O último, Habermas (1929- ) é sociólogo e filósofo alemão. Quanto ao primeiro, Foucault, seria interessante ao leitor conhecer mais sobre sua vida, obra e conseqüências de seu pensamento na História: Foucault, Michel (1926-1984), filósofo francês. Introdutor de conceitos que desafiaram as convicções tradicionais sobre prisões, polícia, segurança, cuidado aos doentes mentais, modelos de poder, direitos dos homossexuais e bem-estar social. Os autores que mais influenciaram seu pensamento foram Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger. Sua filosofia se desenvolveu em três etapas. Na primeira, no livro Loucura e civilização (1960), refletiu como, no mundo ocidental, a loucura chegou a ser considerada uma enfermidade mental cuja força criativa tinha sido reprimida. Sua segunda etapa corresponde à redação de As palavras e as coisas (1966). A última começou com a publicação de Vigiar e punir (1975) e pros-

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seguiu com História da sexualidade, Volume I: Introdução (1976), O uso do prazer (1984) e A preocupação com si mesmo (1984), parte de uma história da sexualidade.

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Pelo relato exposto, é possível perceber que Foucault tratou bastante sobre sexualidade. Não sem propósito. Peter Jones escreve: As explicações da realidade, dizem os desconstrucionistas, não têm conexão com o modo como as coisas realmente são, mas somente servem para justificar o status quo daqueles no poder. A verdade não é verdadeira. É poder social. É o que os vencedores usam para escrever a História e estruturar a sociedade. O filósofo francês Michel Foucault procurou justificar sua homossexualidade mostrando que a heterossexualidade não era mais do que uma construção social. Pensadores feministas radicais procuraram minar a civilização ocidental, rotulando-a como uma fraude usada somente para justificar o patriarcado (...) Não é de se admirar que uma importante voz na desconstrução contemporânea do Cristianismo ocidental fosse um homossexual francês, Michel Foucault. Foucault procurou desconstruir o sistema de valores da heterossexualidade ao argumentar que a verdade é somente poder e que os valores heterossexuais são um jogo de poder que a maioria impõe sobre a minoria homossexual.

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Para Foucault, a moral não era absoluta, mas relativa, determinada pela imposição daqueles que estavam no poder. Gene Edward Veith Jr, esclarece o assunto: Conceitos como responsabilidade moral e liberdade individual são portanto ilusões também, formatadas por nossa própria cultura burguesa. Foucault foi até o ponto de argumentar que “o conceito da liberdade é uma invenção das classes reinantes”.

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"FOUCAULT, Michel”, Enciclopédia® Microsoft® Encarta 99. JONES, Peter. A Ameaça Pagã. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2002, pp. 53, 233. 3 VEITH, Gene Edward. Tempos Pós-Modernos. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001, p. 70. 2

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Depois de conhecermos estes fatos, fica difícil compreender a afirmação, repetida algumas vezes no livro, contudo sem comprovação, de que “o conceito de poder pastoral, elaborado por Foucault, possui fundamentos bíblicos” (p. 22). O segundo capítulo do livro denomina-se “A teologia bíblica do poder pastoral no Novo Testamento” e alguns textos do Novo Testamento que falam sobre diaconia, serviço, são trabalhados. A tese do autor nesta parte é que “os santos são aperfeiçoados para, com o pastor, pastorear o mundo” (p. 53). Todos os crentes são pastores e “o chamado para o serviço pastoral é para toda a comunidade, diante disso o poder pastoral pertence à toda a comunidade” (p. 49). No capítulo terceiro, o autor confrontará as idéias até aqui desenvolvidas com o que ensina a Igreja Presbiteriana do Brasil. O capítulo começa com certa imprecisão de termos. Na p. 75 o autor diz que “da Suíça, o Presbiterianismo se espalhou para os Países Baixos, França, Escócia e Inglaterra”, quando o correto deveria ser “da Suíça, a Reforma Protestante se espalhou para os Países Baixos, França, Escócia e Inglaterra”. O Presbiterianismo nasceu na Escócia e não na Suíça. Na mesma página, o autor diz que “antes de Simonton houveram (sic) tentativas para estabelecer o Presbiterianismo, mas nenhuma delas teve êxito”. O correto seria dizer que “antes de Simonton houve tentativas para se estabelecer o Calvinismo” e não o Presbiterianismo. Os franceses e os holandeses que vieram para o nosso País não eram presbiterianos, mas calvinistas. Na seqüência do texto o autor faz críticas aos reformadores no que diz respeito a forma de governo da igreja. O autor afirma que Calvino e Lutero deram um grande passo por meio desta doutrina, infelizmente eles não conseguiram compreender a dimensão real do passo que estavam dando e tal erro fez com que a figura do pastor continuasse sendo praticamente a mesma imposta pela Igreja Católica Romana (p. 78).

Na mesma página o escritor sustenta que a confissão auricular do catolicismo foi substituída pelo aconselhamento pastoral do protestantismo (p. 78) e que Calvino “embora buscasse tirar o

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poder das mãos do clero da Igreja Romana, trabalhava para manter o poder nas mãos de um novo clero” (p. 80). Voltando ao Novo Testamento, numa crítica à ordenação pastoral, o autor afirma que “não encontramos no ministério de Jesus nenhuma referência de que ele tenha ordenado (no sentido técnico que usamos hoje) alguém” (p. 83). Depois escreve: “nenhuma ordenação ou ato cerimonial são mencionados na Bíblia” (p. 83). Perguntamos: e a escolha de Matias? O autor responde: “Matias foi escolhido por meio de um ato de jogo de sorte, e, novamente, nenhum cerimonial, nenhuma menção sobre ordenação” (p. 83). Sobre o texto de 1 Timóteo 5.22 “A ninguém imponhas precipitadamente as mãos”, ele declara: Quanto à ordenação de presbíteros, não há nem um texto específico (sic) a respeito desse tema. Muitos dizem que as palavra (sic) de Paulo a Timóteo (1Tm 5.22) referem-se à ordenação de presbíteros. (...) Porém, em vista do contexto, é talvez mais provável que tais palavras se refiram à recepção de penitentes de volta à comunhão; basta lermos o início do verso vinte (20) (p. 84).

Para o escritor, uma das falhas do governo representativo é a falta de preparo dos presbíteros regentes: Por outro lado, corremos um risco também quanto aos presbíteros regentes, uma vez que estes possuem poder e responsabilidades para as quais nem sempre estão preparados a exercerem. Os presbíteros regentes podem se tornar problemas nas igrejas pois, pela falta de conhecimento teológico, muitas vezes passam a defender práticas costumeiras como se estas fossem verdades absolutas inalteráveis (p. 87).

Encerra-se o terceiro capítulo com críticas à forma de governo exposta em nossos Símbolos de Fé: Nenhum teólogo está isento da influência de seus dias. O mesmo ocorreu com os teólogos, que participaram da elaboração dos Sím-

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bolos de Fé, ao buscarem libertar-se do julgo (sic) da Igreja Católica e responderem aos Arministas (sic) que atacavam as doutrinas de Calvino (...) Nossas perguntas são: nós, presbiterianos, não idolatramos esses Símbolos de Fé? Eles não se tornaram mais importantes do que as Escrituras para nós? Nosso Manual Presbiteriano, que foi baseado nesses Símbolos de Fé, não se tornou a única regra de fé da igreja? (p. 107).

No quarto capítulo, o autor usa o conceito de Habermas quanto à legitimidade de uma instituição, na análise do Presbiterianismo. Para o escritor, uma Igreja Presbiteriana é legítima quando a) mantém sua práxis originária, b) permanece fiel ao povo e c) tem suas práticas regulamentadas pela lei (p. 115). Percebe-se que a análise do autor é social e não teológica. Em decorrência disso, na opinião do escritor: “A Igreja Presbiteriana deixa de ser lígitima (sic) ao fechar-se para o diálogo” (p. 118). Oliveira critica o tradicionalismo definindo-o assim: Os tradicionalistas normalmente são os legalistas, pessoas que se agarram às diversas tradições: religiosas (horário de culto, festas religiosas, liturgia, etc.), jurídicas (constituição da igreja), doutrinárias (predestinação, perseverança dos santos, ordenação só de homens, etc.) como se elas fossem divinas, e por isso intocáveis (p. 118).

Tratando do segundo critério de Habermas sobre a legitimidade, “permanecer fiel ao povo”, o autor equivoca-se, esquecendo-se que a fidelidade de qualquer oficial da igreja deve ser a Deus e não ao povo. Conta um caso em que os presbíteros da igreja mudaram de opinião, quanto a uma decisão, depois que o pastor lhes explicou de modo diferente e ajuíza: Esse caso exemplifica como os presbíteros decidem, por conta própria sem levar em conta a vontade daqueles que os elegeram, e o pior, de como são instáveis e inseguros em suas posições quando questionados (p. 123).

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Analisando o terceiro critério de Habermas, “práticas regulamentadas pela lei”, o autor sustenta que a IPB apresenta crise de legitimidade jurídica (p. 128). Para fundamentar sua tese, cita o trabalho de Júlio P.T. Zabatiero, “O Desafio da Legitimidade”: No âmbito do Presbiterianismo, em particular, a crise jurídica se percebe no crescimento e fortalecimento de atitudes congregacionalistas por parte das igrejas locais: cada um fazendo seu próprio programa de trabalho sem levar em consideração as demais igrejas do seu Presbitério (p. 128).

Algumas páginas atrás, o autor disse exatamente o contrário: “embora cada igreja local tenha seu conselho, este não possui autonomia, isto é, não possui faculdade para governar por si mesmo. Seus atos estão amarrados a decisões do Presbitério” (p. 105). Afinal, o Conselho da igreja local tem ou não autonomia? Explicando a suposta incompatibilidade entre as decisões do Supremo Concílio e as necessidades da igreja local o autor afirma que “as leis baixadas pelos Concílios superiores não são ‘bíblicas’, isto é, não são teologicamente aceitas por um determinado grupo, na denominação” (p. 129). Seguindo este critério, a verdade deixa de ser o que a Bíblia diz, para ser o que o povo aprova. No final deste capítulo, o escritor comenta sobre o poder “praticamente nulo” da assembléia (p.130) e relaciona algumas propostas para que a IPB supere suas “crises”. Cito algumas: espaço para dialogar a respeito de nossas doutrinas, para que o nosso corpo doutrinário seja a expressão daquilo que a maioria dos pastores da IPB crê (p. 133); sujeição das decisões do Conselho à assembléia da igreja (p. 133); repensar o papel do ministro dentro do sistema presbiteriano (p. 134); debater as posições teológicas da Igreja e a CI-IPB, com todos os pastores, quadrienalmente (p. 134); harmonizar “a liberdade com a disciplina sem cairmos em nenhum dos extremos” (p. 136). Na conclusão do livro, o autor afirma que a Igreja Presbiteriana “não tem estado muito atenta aos princípios da renovação, mostrando-se opressora e autoritária” (p. 145). Para ele “hoje não há

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liberdade para determinados diálogos. Exemplo disso está no modo como vem sendo tratados assuntos como: ordenação de mulheres, exclusividade dos sacerdotes ordenados na ministração dos sacramentos, participação das crianças na ceia” (p. 145). Algumas destas questões serão respondidas nos próximos tópicos desta resenha. Reforma pela disciplina ou pelo ensino? No decorrer da obra, o escritor acusa Calvino de não ter compreendido o que fazia em seu momento histórico e ter criado um sistema de governo parecido com o do catolicismo (pp. 78, 80). Diz que seu método para reformar Genebra foi a disciplina (p. 96) e que esta foi a forma de ele e seus presbíteros conservarem o poder (p. 98). Será que estas críticas procedem? Atentando para a História da Reforma vemos que a base da Reforma Protestante, bem como a da reforma de Genebra, não foi a disciplina, mas o ensino da Palavra de Deus. Gary Crampton escreve que “Calvino acreditava que apenas a Bíblia era a Palavra de Deus, a única regra para toda e qualquer área da vida. O papel das instituições sociais deveria ser determinado por nada além das Escrituras Sagradas”.4 Ronald Wallace, em seu livro “Calvino, Genebra e a Reforma”, mostra que a Palavra de Deus foi a grande responsável no processo de reforma daquela cidade: Quando as autoridades genebrinas convidaram-no para voltar, deixaram claro que queriam que a Palavra de Deus tivesse um lugar central dentro da vida civil. Isso significava que elas compartilhavam com ele a crença de que todas as tentativas de melhoria na área social deviam ter como principal inspiração e como fonte de 5

poder o próprio evangelho. (35)

Calvino reformou Genebra pelo ensino da Palavra. Ele não era um ditador, mas um pregador, um expositor das verdades de Deus. 4

CRAMPTON, W. Gary. What Calvin Says. Maryland: The Trinity Foundation, 1992, p. 10. WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, p. 35.

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Alister McGrath esclarece: Genebra não estava disposta a ser governada por algum ditador, a menos que este estivesse em condições de provocar enormes pressões de ordem econômica e militar que fossem insustentáveis. Como conseqüência, foram impostas severas restrições às ações de Calvino. Sua expulsão de Genebra, em 1538, demonstra que o poder político permanecia firme nas mãos do conselho municipal. A noção de que Calvino foi o “ditador de Genebra” é, como deveremos demonstrar, 6

totalmente despida de qualquer fundamento histórico.

J. I. Packer, escrevendo sobre Calvino, explica que “O conceito popular sobre ele ainda é o de um intelectual frio e arrogante – apesar do fato de que nenhum líder da Reforma foi mais consistentemente prático em seu ensino, ou mais humilde e piedoso em seus pensamentos sobre Deus”.7 Calvino não foi um tirano. O governo de Genebra não estava em suas mãos, mas nas mãos do Consistório. Seu governo não foi “teocrático” como alguns insinuam. McGrath comenta: Na verdade, tem-se sugerido, freqüentemente, que o pensamento político de Calvino é profundamente teocrático. Entretanto, é importante esclarecer o que esse termo sutil possa significar. Ele é popularmente tido por algo que implica em um regime político, no qual a autoridade civil é dominada pelo clero, ou por algum outro instrumento de poder ligado à igreja; nesse sentido, pode-se demonstrar com facilidade que Calvino nunca conseguiu estabelecer e, de qualquer forma, nunca pretendeu estabelecer uma teocracia em Genebra, a despeito das declarações de Huxley em sentido contrário.

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O método de Calvino não era o da opressão, mas o da pregação. Quando retornou a Genebra, após três anos no exílio em 6

MCGRATH, Alister. A Vida de João Calvino. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 106. PACKER, J.I. Calvin the Theologian, In: G. E. Duffield, ed., John Calvin (Grand Rapids, Michigan, WM. B. Eerdmans Publishing Company, s/d), p. 150. 8 MCGRATH, Alister. Op. cit., p. 128. 7

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Estrasburgo, ele nada disse a respeito da injustiça que lhe fora cometida no passado, mas abriu sua Bíblia diante da congregação exatamente no texto que havia interrompido há três anos e continuou a expô-lo.9 É a IPB uma aristocracia? Diversas vezes o autor sustenta que Calvino instituiu uma aristocracia e não um governo representativo (pp. 88, 98, 100, 103). Veja um dos trechos: Essa estrutura fez com que o poder fosse tirado do povo para uma classe ordenada, em vez de democracia, foi implantada uma aristocracia, neste caso os aristocratas (nobres) são os presbíteros (...) Nesse sistema de governo Calvinista, apenas os nobres (presbíteros) são ouvidos para tratar de disciplina, exclusão de membros, para tratar de ordenação, e de outros assuntos. Esses nobres possuem em suas mãos o poder judiciário, executivo e legislativo (p. 88).

Em outros lugares, o escritor defende que Calvino criou um sistema híbrido, isto é, uma mistura de aristocracia e democracia (pp. 89, 145) e que esta forma de organização não foi tirada da Bíblia, mas criada por Calvino, por circunstâncias históricas. Uma vez que a IPB possui o sistema representativo, é preciso averiguar se há mesmo equívocos, ao seguir uma forma que não tem o apoio das Escrituras. Observe a explicação de aristocracia. A palavra aristocracia, do grego “a)ristokrati/a”, vem da junção de dois termos: “a)/ristoj”, excelente, o melhor, e “kra/toj”, força, poder, governo. O termo indica o governo dos melhores. Segue uma definição mais abrangente do conceito: A aristocracia representava genericamente o governo das pessoas que se destacavam por seu valor, nobreza de berço ou sabedoria. Platão, em sua República, apresenta a aristocracia como tipo ideal de estrutura política do Estado, sob a direção de filósofos. Para 9

WALLACE, Ronald. Op. cit., p. 217.

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Aristóteles, “a virtude define a aristocracia, como a riqueza define a oligarquia”. Posteriormente, confundiram-se os dois termos e passaram a ser erroneamente usados como sinônimos. A hereditariedade, contudo, passou a ser, no decorrer dos tempos, a conotação básica da aristocracia. Os eupátridas (bem-nascidos) de Atenas, os patrícios romanos, os brâmanes da Índia, e os nobres da Europa medieval, constituíram diferentes formas do mesmo conceito de aristocracia, que perpetuava privilégios transmitidos de geração a geração. Modernamente, o termo costuma ser aplicado aos grupos dirigentes: aristocracia industrial, financeira, intelectual.

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Portanto, o conceito de aristocracia, no decorrer da história, esteve ligado à hereditariedade. Hoje em dia, o termo se confunde com governo de elites, burguesia. Sendo assim, pergunta-se: em que sentido a forma de governo da IPB pode ser considerada como aristocracia? Na IPB é a assembléia, isto é, todos os membros da igreja, que elege seus pastores e oficiais (artigos 9, 50, 53, 108, 109, 110 da CI-IPB). Como isso pode ser chamado de aristocracia? Além do mais, Calvino não criaria um sistema aristocrático pois ele não o aceitava na igreja. Nas Institutas, o reformador protesta duramente contra a tirania do papado pelo fato deste ter retirado do povo o direito de escolher seus líderes: Já foi alijado todo aquele direito do povo em eleger o bispo. Votos, assentimentos, endossos e todas as coisas dessa natureza desapareceram: somente aos membros do cabido foi transferida toda a autoridade. Esses conferem o episcopado a quem querem; logo a seguir o conduzem à presença do povo, mas para ser adorado, não para ser examinado. Com efeito, Leão protesta que nenhuma razão permite isso e declara ser imposição violenta. (...) Mas, ainda que nenhum outro mal houvesse, no entanto, como poderão desculpar que tenham despojado a igreja de seu direito? Dizem que a corrupção dos tempos, uma vez que entre o povo e os magistra-

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Aristocracia. In: Enciclopédia Universo. Rio de Janeiro: Editora Delta & Editora Três, 1973, p. 366.

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dos, em se proverem de bispos, mais valiam os ódios e os favoritismos do que o reto e são juízo, assim exigia que o arbítrio desta matéria fosse deferido a uns poucos. Incontestavelmente, este foi remédio extremo do mal em circunstâncias deploráveis. Quando, porém, o medicamento se mostrou mais danoso que a própria doença, por que não se acudiu também a este novo mal? (...) Afirmo que o povo de outrora possuía ótimo cânon, a quem a Palavra de Deus prescrevia convir que o bispo seja irrepreensível, um mestre, não briguento, etc. [1Tm 3.1-7; Tt 1.7-9]. Logo, por que foi do povo transferida para estes a função de eleger? (...) Mentem, porém, quando dizem que isto foi engendrado como um remédio. Lemos que outrora as cidades eram freqüentemente tumultuadas ao elegerem-se bispos; entretanto, ninguém jamais ousou cogitar de eliminar dos cidadãos seu direito, pois tinham outras vias com as quais ou eliminassem esses vícios, ou corrigissem os já admitidos. O fato real é que, como o povo começasse a ser mais negligente em promover a escolha, e como, sendo menos congruente, deferisse esta incumbência aos presbíteros, esses abusaram desta ocasião para usurpar para si uma tirania, que depois solidificaram, 11

promulgando novos cânones.

Nota-se que o Reformador cria no que prescreve a Palavra, a saber, que os líderes devem ser escolhidos pelo povo de acordo com os critérios estabelecidos nas Escrituras, em textos como 1 Timóteo 3.1-7 e Tito 1.7-9. Foi esse o padrão bíblico que Calvino seguiu e é este o que a IPB acompanha. Nossa Constituição é injusta? Muitas são as acusações do autor quanto a supostas injustiças que o sistema de governo da IPB abriga, em decorrência do que prescreve a Constituição da denominação. Veja, na tabela, que estas acusações não procedem e que são feitas, na maioria das vezes, por desconhecimento de nossa CI-IPB.

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CALVINO, João. As Institutas (1541), IV.5.2.

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Resposta da CI-IPB

A IPB constrange pessoas a exercerem cargos (pp. 58, 67).

Arts. 28 e 29.

Os pastores recebem todo o poder sobre a igreja (p. 82).

Arts. 4º, 8º, 25, 26, 30, 36 alínea “g”, 50, 52.

O membro não tem a quem recorrer de uma decisão do seu Conselho (p. 89).

Arts. 64 e 70 alínea “i”.

O membro não tem a quem recorrer de uma decisão de seu Presbitério (p. 89).

Arts. 64 e 70 alínea “i”.

O Sínodo manda representação ao Supremo Concílio (p. 105).

Arts. 90 e 95.

O Conselho não possui autonomia para governar a igreja (p. 105).

Arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 8º, 25, 30, 50, 61, 75, 77, 83.

Não há mecanismos para avaliação dos oficiais eleitos (p. 125).

Arts. 9º parágrafo 1º, 56 alíneas “c”, “d” e “e”, 108.

No Presbitério, as igrejas maiores têm mais representantes do que as igrejas menores (p. 126 e 127).

Arts. 51 alínea “h”, 83 alínea “f”, 85 parágrafo único.

A atuação legislativa do Presbitério é muito pequena. Sua atuação é basicamente disciplinar (p. 129).

Art. 88.

O poder da assembléia é quase nulo (p. 130).

Arts. 3º, 9º, 110, 111, 112.

Os presbíteros regentes “não possuem força alguma para fazer nada” (p. 131).

Arts. 4º, 8º, 25, 26, 30, 36 alínea “g”, 50, 51, 52, 59, 66, 75, 85, 89, 90, 91.

O pastor deve tratar com honra seus colegas de concílio (p. 141).

Art. 35 (Regimento Interno para os Presbitérios)

Não há liberdade para diálogo. Questões como ordenação feminina, exclusividade dos sacerdotes ordenados na ministração dos sacramentos, e participação das crianças na ceia não podem ser debatidas (p. 145).

Arts. 139 e 140.

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A Constituição da denominação ensina que a IPB é uma federação de igrejas locais e, portanto, tem relativa autonomia de governo, como ficou evidente nos artigos expostos anteriormente. Possui um governo representativo, formado por presbíteros regentes e docentes eleitos pela assembléia, iguais em poder e distintos em algumas funções. As decisões que emanam deste conselho de presbíteros aceitam recursos, tendo como foros legítimos os concílios superiores. Desta forma, verifica-se que a CI-IPB não é injusta, no sentido de privar os membros das igrejas de exercerem seus direitos. O que ocorre é que, muitas vezes, o sistema é atacado porque os próprios oficiais, presbíteros docentes e regentes, não conhecem as leis da denominação.

CONCLUSÃO Concluo esta resenha destacando os aspectos editoriais e expressando minha opinião sobre a obra. O livro apresenta muitos erros ortográficos. Lendo a obra, sem importar-me com revisão, anotei mais de 60 erros ortográficos. Percebi também muitos erros de estilo. O trabalho de um copydesk tornou-se altamente desejável nesta obra. Veja, por exemplo, na página de agradecimentos, a repetição da palavra “curso”. Algumas citações estão sem a referência bibliográfica (pp. 51, 91) e há uma citação direta, sem aspas, como se fosse citação indireta (106). Além disso, há viúvas no trabalho (veja o final da p. 76) e muitos parágrafos com espaçamento condensado. Aspectos que a editora poderá resolver facilmente em novas edições. Sobre o conteúdo do trabalho, é muito louvável a preocupação do autor quanto ao cuidado com o rebanho. Aponta para um servo de Deus com coração de pastor. Certamente as ovelhas que o Senhor confiou às suas mãos têm sido beneficiadas com seu pastorado. Pena que o trabalho ficou prejudicado por causa do referencial teórico eivado de pressuposições desconstrucionistas e das aplicações repletas de acusações aos reformadores e à IPB, carentes de fundamentação bíblica e constitucional.

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Resumo Numa época em que tantos ataques têm sido feitos à história de Jesus Cristo, seria digna de crédito a sua ressurreição? Sem. Guilherme faz uma análise dos evangelhos que relatam este acontecimento e prova, com argumentos convincentes, que não pode haver dúvidas quanto a este fato. Pa l av r a s - c h av e Cristologia; Ressurreição; Vida Cristã. Abstract In times when the biblical narratives about Jesus Christ have constantly been under attack the following question may be asked: Is it worth giving credit to what Scripture says about His resurrection? Through an analysis of the Gospels, theology student Guilherme proves, with convincing arguments, that there cannot be any doubt upon this fact. Keywords Christology; Resurrection; Christian life.

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INTRODUÇÃO Nos dias atuais e em todas as épocas, muitas pessoas não somente questionam, mas até mesmo ridicularizam a fé cristã atacando os seus fundamentos, tais como o nascimento virginal de Jesus, sua divindade, os milagres que praticou, seu sacrifício expiatório e ressurreição, tomando-os como lendas ou fábulas. No presente artigo, a ressurreição de Cristo será abordada, defendendo-a como fato digno de crédito. Para os cristãos, este evento revela que há um Salvador que os pode redimir e que essa redenção é completa, pois Jesus Cristo satisfez a justiça de Deus, reconciliando os seus eleitos com o Pai. Ele venceu a morte e intercede por eles em suas fraquezas. E este mesmo Jesus que um dia foi assunto aos céus haverá de regressar e, à semelhança dele, seus servos ressuscitarão e desfrutarão da vida eterna com um corpo glorificado. Mas esta mensagem grandiosa tem recebido muitos ataques ao longo dos anos. Não falta quem questione a veracidade da ressurreição de Cristo e não é difícil perceber por que Satanás tem todo o interesse nisso. Ora, se a ressurreição de Jesus é um mito, a fé e a pregação cristã é vã e sem esperança “... somos os mais infelizes de todos os homens... comamos e bebamos, que amanhã morreremos” (1Co 15.19, 32). Todavia, se a ressurreição de Jesus foi algo verdadeiro, os cristãos devem ter esperança, viver a fé dignamente como filhos de Deus e proclamar o evangelho da salvação eterna. Quando alguns indivíduos tentaram Jesus, pedindo-lhe um sinal do céu, ele respondeu que nenhuma prova seria dada àquela geração, senão o indício de Jonas, porque assim como aquele profeta esteve três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim o Filho do homem haveria de ficar três dias e três noites no coração da terra (Mt 12.38-40; Lc 11.29, 30). Jesus referia-se aos eventos de seu sepultamento, morte e ressurreição. E este é o grande sinal de Deus. A salvação em Cristo depende da crença na ressurreição do Senhor; quem não pode crer na ressurreição dos homens, não é capaz de crer em nenhum outro milagre e não pode ser salvo.

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O objetivo desta análise é demonstrar, por meio do exame das Escrituras, que a ressurreição de Jesus é real a despeito dos ataques que recebe. Para tanto, lançar-se-á mão de provas bíblicas que fundamentam o assunto. São, pelo menos, três os motivos para se afirmar que “a ressurreição de Cristo é digna de crédito”:

1. PORQUE

É FATO MIRACULOSO

É possível fazer um paralelo da ressurreição com a morte de Jesus, pois quando Cristo morreu também aconteceram coisas extraordinárias. O sol escureceu e houve trevas sobre a terra. Mateus diz que “o véu do santuário se rasgou em duas partes de alto a baixo; tremeu a terra, fenderam-se as rochas; abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos, que dormiam, ressuscitaram” (Mt 27.51,52). Episódios tão impressionantes ocorreram que o centurião e os que com ele estavam guardando a Jesus glorificaram a Deus e disseram: “Verdadeiramente este era Filho de Deus” (Mt 27.54); “este homem era justo” (Lc 23.47). O texto de Lucas 24.1-12 mostra que as mulheres ali citadas, sem dúvida, tinham muitas qualidades. Elas estiveram atentas em todo o momento da crucificação de Cristo. Depois que ele morreu, se dispuseram a preparar aromas e bálsamos a fim de ungi-lo, não esquecendo de observar o mandamento da guarda do sábado, conforme Lucas 23.55,56. De fato, muitas delas foram importantes no ministério de Jesus Cristo, como as que testemunharam sua ressurreição. Apesar disso, tais mulheres tinham uma perspectiva equivocada assim como os demais discípulos de Jesus. Elas estavam a caminho do túmulo e esperavam encontrar o corpo de Cristo enrolado nos lençóis e talvez até mesmo em um estado inicial de decomposição. Segundo o evangelho de Marcos, elas discutiam a respeito de quem lhes removeria a pedra que fora posta na frente do sepulcro, já que este havia sido selado e estava vigiado por uma escolta romana a pedido dos sacerdotes judaicos (Mc 16.3; Mt 27.64,65). Tratava-se de uma pedra muito grande e pesada. As mulheres não teriam força para afastá-la. Mesmo assim resolveram ir até o túmulo

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de Jesus. Ao chegar lá, constataram que a pedra já havia sido retirada (Mc 16.4; Lc 24.2). Havia um episódio diferente e elas ainda não sabiam que era algo sobrenatural. A respeito dessa sobrenaturalidade, o evangelho de Mateus narra que houve um grande terremoto e que um anjo do Senhor desceu do céu, removeu a pedra e assentou-se sobre ela. E, ao descrever o anjo, Mateus diz que o seu aspecto era como um relâmpago e suas vestes eram alvas como a neve (Mt 28.2,3); na descrição de Lucas eram vestes resplandecentes (Lc 24.4), de tal forma que os guardas ficaram apavorados e as mulheres, perplexas, foram tomadas de medo e temor (Mt 28.4; Lc 24.5). Marcos afirma que elas estavam surpreendidas, atemorizadas e possuídas de assombro (Mc 16.5,8). É interessante observar que os anjos são sempre mencionados em momentos decisivos do ministério de Jesus. Quando ele nasceu, anjos glorificavam a Deus nas maiores alturas e anunciavam as boas novas aos homens (Lc 2.9-14). Quando Jesus venceu a tentação do diabo, as Escrituras relatam: “Eis que vieram anjos e o serviram” (Mt 4.11). Quando Jesus estava no Getsêmani, momentos antes da crucificação, Lucas conta que um anjo de Deus descia do céu e o confortava (Lc 22.43). Quando Jesus é preso ele afirma que se quisesse poderia invocar legiões de anjos que viriam em seu favor (Mt 26.53). Quando Jesus ressuscita, anjos de Deus aparecem mais uma vez para anunciar que ele ressuscitara (Mt 28.2; Mc 16.5; Lc 24.11; Jo 20.12). Quando Jesus ascende aos céus, lá estão os anjos novamente para dizer que o mesmo Jesus que subia aos céus haveria de voltar da mesma maneira como foi (At 1.10,11). Por fim, a Palavra de Deus faz referência de que quando Cristo retornar, anjos de Deus virão com ele e reunirão os seus escolhidos (Mt 24.31; Mc 13.27). Sobre essa característica dos anjos, Louis Berkhof diz o seguinte: Sua atividade é mais proeminente nos grandes pontos de transição da economia da salvação, como nos dias dos patriarcas, na época da entrega da lei, no período do cativeiro e da restauração, e no nascimento, na ressurreição e na ascensão do Senhor. Quando cessou o período da revelação especial de Deus, cessou o serviço

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extraordinário dos anjos, a ser retomado somente por ocasião da volta do Senhor.

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Percebe-se que a presença dos anjos destaca o caráter miraculoso de todos estes eventos, dentre eles, a ressurreição, que envolve a pessoa e a obra de Cristo. Freqüentemente, quando Deus intencionava autenticar a sua revelação e o seu mensageiro, muitas vezes o fazia por meio de milagres. Os acontecimentos sobrenaturais que se vêem nas Escrituras, dentre outras finalidades, cumpriam o papel de apontar para o servo de Deus e para a veracidade daquilo que ele proclamava. Foi por causa dos milagres que aconteceram por ocasião da morte de Cristo, por exemplo, que aquele centurião creu que Jesus era verdadeiramente o Filho de Deus (Mt 27.54). Ora, nenhum dos seguidores de Jesus esperava que ele fosse ressuscitar, embora isto já lhes tinha sido dito. Portanto: Algo aconteceu para dar origem à fé, demonstrada pelos discípulos, na ressurreição de Jesus. Nisso reside o tema crucial. Não foi a fé dos discípulos que criou as histórias da ressurreição; ao contrário, foi um evento por trás dessas histórias que deu origem à fé.

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E este evento, na verdade, se constituiu no maior de todos os milagres que Deus operou na história. Assim, levando-se em consideração a função dos episódios miraculosos, os fatos sobrenaturais que se deram na ressurreição de Jesus, sendo a própria ressurreição o maior de todos os milagres, são evidências de que a ressurreição de Cristo é digna de crédito.

2. PORQUE

É FATO ANUNCIADO PELAS

ESCRITURAS

Outro elemento que confere credibilidade à ressurreição de Cristo é o fato de que a mesma é anunciada pelas Escrituras. De acordo com Stott, Jesus Cristo... 1 2

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990, p. 137. LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2003, p. 459.

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sabia que ia morrer porque era isto o que estava escrito nas Escrituras acerca do Messias. Pois o Filho do homem vai, como está escrito a seu respeito (Marcos 14:21). Deveras, referindo-se ao testemunho profético do Antigo Testamento, ele tinha a tendência de ligar a morte e a ressurreição, os sofrimentos e a glória do Messias. Pois as Escrituras ensinavam a ambos. E o Senhor ainda insistia 3

sobre este assunto mesmo depois de haver ressurgido.

Quando as mulheres foram ao túmulo, os anjos as interpelaram: Porque buscais entre os mortos ao que vive? Ele não está aqui, mas ressuscitou. Lembrai-vos de como vos preveniu, estando ainda na Galiléia, quando disse: Importa que o Filho do Homem seja entregue nas mãos de pecadores, e seja crucificado, e ressuscite no terceiro dia (Lc 24.5-7).

E diz o texto que as mulheres se recordaram dessas palavras (Lc 24.8). Ora, Jesus Cristo fez alusão a estes acontecimentos em várias oportunidades. Certamente estas mulheres estavam presentes em um ou em alguns desses momentos e puderam, assim, lembrarse dessa predição. De semelhante modo, quando os crentes, muitas vezes, enfrentam momentos difíceis e estão mergulhados em problemas, se esquecem das promessas de Deus, das palavras confortadoras das Escrituras Sagradas. As mulheres não encontraram o corpo de Jesus e os anjos lhes lembraram de suas palavras. Era uma predição feita por Cristo, destacando o que já vinha sendo propagado pela Palavra de Deus há muito tempo e isso não é difícil de ser amplamente constatado. No momento em que Pedro e o discípulo amado foram ao sepulcro, eles entraram, viram os lençóis e ficaram admirados, pois, segundo o texto de João 20.9, eles ainda não tinham compreendido as Escrituras, que era necessário Jesus ressuscitar dentre os mortos, ou seja, a Palavra já dizia sobre o assunto; o problema é que os discípulos ainda não haviam compreendido estas coisas. 3

STOTT, John. A Cruz de Cristo. São Paulo: Editora Vida, 1991, p. 23.

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Quando Jesus Cristo já ressurreto estava com dois de seus discípulos no caminho de Emaús, episódio que Lucas detalha, diz o texto que eles conversavam sobre os últimos acontecimentos e de como as autoridades entregaram Jesus, o profeta poderoso de Deus para ser crucificado. Aqueles discípulos demonstravam desânimo, porque aquele que eles esperavam que traria libertação a Israel agora estava morto e para piorar, ironicamente, o seu corpo não fora mais sequer encontrado na sepultura. Então, Jesus diz: “Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória?” (Lc 24.25). Jesus mostra que os profetas falavam a seu respeito, de sua morte e ressurreição. “E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras” (Lc 24.27). Logo, as palavras de Jesus afirmando que convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória, estão aludindo à sua morte e ressurreição e é exatamente a respeito disto que ele passa a discorrer. Jesus não estava dizendo algo novo, mas ressaltando tudo o que a Bíblia já havia relatado desde os escritos de Moisés e de todos os profetas. Salientando este aspecto, Van Groningen comenta: Sem dúvida, uma experiência gratificante no estudo do conceito messiânico no Velho Testamento tem sido a compreensão de como Deus, por meio de sua palavra falada, de seus atos soberanos, bem como de um sem-número de pessoas, fatores e acontecimentos simbólicos e típicos, inspirou, convocou, dirigiu e conduziu seu povo, à medida que progressivamente manifestava suas promessas, planos e metas para seu reino e para o povo do pacto, todos os quais deverão concretizar-se pela vinda e obra daquele que é a completa expressão do conceito – o próprio Messias. Esse Messias, ao caminhar pela estrada de Emaús, recordou a seus dois companheiros, e a todos os que lêem a narrativa, que as Escrituras do Velho Testa4

mento, do começo ao fim, falam dele.

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GRONINGEN, Gerard Van. Revelação Messiânica no Velho Testamento. Campinas: Luz Para o Caminho, 1995, p. 856.

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É por isso que os cristãos reformados defendem veementemente que Cristo é o centro da Bíblia, porque toda a Escritura apontava para ele como o Messias Libertador, como o Redentor dos homens e é evidente que este papel de Jesus estava ligado aos eventos de sua morte e ressurreição. Somente se Cristo morresse e ressurgisse, ele poderia ser de fato o Salvador que o Antigo Testamento anunciara. Mais adiante, o Senhor aparece aos seus apóstolos: A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras; e lhes disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia... (Lc 24.44-46).

Todas as partes da Palavra dão testemunho de Cristo e era necessário que todas as profecias se cumprissem para que o propósito de Deus em Cristo fosse levado adiante.

3. PORQUE

É FATO COMPROVADO POR TESTEMUNHAS

Além da ressurreição de Cristo ser digna de crédito por se tratar de um fato miraculoso anunciado pelas Escrituras, ela também foi comprovada por testemunhas. Ao se estudar os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João vê-se as primeiras de muitas pessoas que foram testemunhas da ressurreição de Jesus Cristo, a começar pelos soldados que guardavam o corpo e que Mateus descreve como tremendo espavoridos diante do ocorrido, muito embora depois fossem subornados a fim de relatar que o corpo do Senhor foi roubado pelos discípulos enquanto eles, os soldados, dormiam (Mt 28.4;11-15). Em seguida, têm-se as mulheres, Maria Madalena, Joana, Maria, mãe de Tiago e outras que estavam com elas, as quais contaram estas coisas aos apóstolos. O relato do quarto evangelho conta que Pedro e João, o discípulo amado, saíram e correram até o se-

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pulcro, porém não encontraram mais do que os lençóis de linho e o lenço que cobria a cabeça de Jesus (Jo 20.3-8). Tal detalhe é muito importante, pois se o corpo de Jesus tivesse sido roubado por alguém, este com certeza seria retirado com as faixas e com os lençóis. Quem desenrolaria o corpo de um defunto, já se decompondo e mal cheiroso, com a finalidade de transportá-lo? Isto é ainda mais evidente quando se pensa no contexto judaico, onde aquele que tocava um morto era considerado imundo (Nm 19.11; 31.19) Assim, o relato dos discípulos encontrando apenas os lençóis não se dá por acaso. Os escritores mostram o óbvio, preparam seus leitores para narrar a ressurreição de Jesus. Mesmo os discípulos quando viram aquela cena, estavam sendo preparados para crer que Jesus ressurgira de fato, coisa que ainda não havia acontecido. Talvez Lucas já indique o início desse processo, porque ele diz que Pedro, não tendo visto mais nada senão os lençóis de linho, retirou-se para casa maravilhado do que havia acontecido (Lc 24.12). Posteriormente, Cristo aparece a dois de seus discípulos em Emaús e aos demais apóstolos, inclusive estes são censurados por não terem dado crédito aos que primeiro lhes anunciaram a ressurreição (Mc 16.14). Mesmo Tomé, que não esteve entre eles na primeira aparição de Jesus, não creu até que Cristo voltou a aparecer aos apóstolos e ele pôde tocar as mãos e o lado de Cristo, que chegou até mesmo a comer com eles. Falavam ainda estas coisas quando Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: Paz seja convosco! Eles, porém, surpresos e atemorizados, acreditavam estarem vendo um espírito. Mas ele lhes disse: Por que estais perturbados? E por que sobem dúvidas ao vosso coração? Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho. Dizendo isso, mostrou-lhe as mãos e os pés. E, por não acreditarem eles ainda, por causa da alegria, e estando admirados, Jesus lhes disse: Tendes aqui alguma coisa que comer? Então, lhe apresentaram um pedaço de peixe assado [e um favo de mel]. E ele comeu na presença deles (Lc 24.36-43).

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Assim, aqueles homens e aquelas mulheres estavam capacitados a proclamarem Jesus porque foram testemunhas de sua morte, sepultamento e ressurreição (Mt 27.55, 56, 61; Lc 23.48,49; Jo 19.23-25; 35-37). No livro de Atos, quando os servos de Deus se reúnem para a escolha do apóstolo que substituiria Judas Iscariotes, por se tratar de um ministério especial e de altíssima responsabilidade, um dos critérios para a escolha era que o indivíduo tivesse sido testemunha da ressurreição de Cristo. Surgem então mais dois nomes além dos já citados. É necessário, pois, que, dos homens que nos acompanharam todo o tempo que o Senhor Jesus andou entre nós, começando no batismo de João, até ao dia em que dentre nós foi levado às alturas, um destes se torne testemunha conosco da sua ressurreição. Então, propuseram dois: José, chamado Barsabás, cognominado Justo, e Matias (At 1.21-23).

Portanto, a idéia é que José e Matias também foram testemunhas da ressurreição de Jesus e, por isso, estavam habilitados para exercer esta função. Matias foi o escolhido (At 1.26). Algum tempo depois, o apóstolo Paulo escreve a respeito destas testemunhas no texto de 1 Coríntios 15.3,4: “Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras”. Além disso, ele também assevera que a ressurreição de Cristo já era anunciada nas Escrituras: E apareceu a Cefas e, depois, aos doze. Depois, foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais a maioria sobrevive até agora; porém alguns já dormem. Depois, foi visto por Tiago, mais tarde, por todos os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora de tempo (1Co 3.5-8).

Com estas afirmações, Paulo dá credibilidade à sua mensagem, já que ele, igualmente, viu o Cristo ressurreto.

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Calvino também atesta a importância do testemunho não apenas daqueles que criam em Jesus, como dos que tentaram garantir que qualquer investida ocorresse no sentido de se construir um boato por meio de uma fraude, mostrando que o relato da ressurreição de Cristo não pode ser tido, de forma alguma, como mentiroso: Portanto, na verdade, com o seu [próprio] sinete selou Pilatos a ressurreição de Cristo e [aqueles] que foram postados junto ao sepulcro [como] guardas, calando-se ou mentindo, arautos se fizeram da mesma ressurreição. Entrementes, retumbou a voz dos anjos: “Ressurgiu; não está aqui” [Mt 28.6; Mc 16.6; Lc 24.6]. O celeste esplendor [de que se revestiam] mostrou diafanamente que eram não homens, mas anjos. Depois disto o próprio Cristo, se algo de dúvida ainda persistia, dissipou[-a]. Viram-nO os discípulos não uma só vez, e até [Lhe] apalparam os pés e as mãos [Lc 24.40; Jo 20.27], e sua incredulidade foi pouco proveitosa para confirmar-nos a fé. Discorreu no meio deles acerca dos mistérios do Reino de Deus [At 1.3]; por fim, à vista deles, subiu ao céu [At 1.9]. Nem apenas aos onze Apóstolos foi esta visão exibida, mas “apareceu [Ele] a mais de quinhentos irmãos de uma vez” [I Co 15.6].

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Dessa maneira, segundo as Escrituras, a ressurreição de Cristo é digna de crédito também porque é fato comprovado por muitas testemunhas.

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E A VIDA PRÁTICA

Tendo em vista os argumentos apresentados, há razões plausíveis e suficientes para crer na ressurreição de Cristo. Existem registros de milagres, de antigas profecias que se cumpriram e relatos de testemunhas. Diante de tudo o que se afirmou até aqui, surge uma questão fundamental: uma vez que a ressurreição de Cristo é digna de cré-

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CALVINO, João. As Institutas ou Tratado da Religião Cristã. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985, Volume III, pp. 454-455.

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dito, que diferença isto deve fazer na vida, na fé e na prática de cada crente, hoje? Primeiramente, a ressurreição de Jesus mostra que ele triunfou sobre a morte e que vive e reina para todo o sempre. Sua doutrina maravilhosa, seu exemplo extraordinário, podem eficazmente exercer poder na vida dos indivíduos. Cristo governa sobre todas as coisas e pode reinar nos corações dos homens, mas se Jesus não tivesse ressuscitado, o Cristianismo não teria razão de existir; certamente os crentes não poderiam ser alegres, nem louvar e agradecer a Deus por um homem comum que, na verdade, estaria morto atrás de um pedra, dentro de um sepulcro, esquecido, abandonado. Como bem nos diz Ladd: A vinda de Jesus de Nazaré foi o ápice dessa série de eventos redentores; e sua ressurreição é o ponto que valida tudo o que dantes acontecera. Se Cristo não ressuscitou dentre os mortos, a longa jornada dos atos redentores de Deus para salvar seu povo terminou em uma rua sem saída, em um túmulo. Se a ressurreição de Cristo não é realidade, então não temos segurança de que Deus é o Deus vivo, pois a morte seria a palavra final. A fé é inútil, porque o objeto dessa mesma fé não vindicou a si próprio como o Senhor da vida. A fé cristã, portanto, está aprisionada no túmulo, juntamente com a mais elaborada e final auto-revelação de Deus em Cristo 6

– se Cristo, realmente, estiver morto.

Certamente, não haveria motivação para servir a um Cristo assim, mas a perspectiva muda quando constata-se que não se pode achá-lo dentre os mortos, porque ele está vivo. Por isso é que foi tão impactante para aquelas mulheres que dirigiram-se ao túmulo esperando encontrar Jesus morto, ouvir dos anjos: “Por que procuram entre os mortos aquele que vive?” Muitos agem assim nos dias atuais. Procuram encontrar Jesus como se ele ainda estivesse morto. Buscam encontrá-lo na religiosidade fria e hipócrita, em

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LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2003, p. 457.

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rituais e tradições de homens, em procissões e romarias sem sentido, mas Jesus Cristo está vivo. Uma outra realidade que a ressurreição de Cristo mostra é que os crentes também serão ressuscitados e há muitos textos bíblicos que exemplificam o assunto. Logo, os cristãos têm grande consolo diante da morte. Ressuscitarão como Cristo ressuscitou, porque ligados a ele também são vitoriosos. A sua ressurreição é penhor da ressurreição de todos que nele crêem. Ele foi o primeiro para mostrar que o mesmo fenômeno ocorrerá com os seus. Tal realidade é contestada por pessoas materialistas, que encaram a doutrina da ressurreição como um mito, uma farsa. Isso não é novidade, pois desde os tempos de Cristo já existiam aqueles que duvidavam deste fato. Há, entretanto, muitos que até acreditam na ressurreição de Cristo e na ressurreição final de todos os homens, mas vivem como se isto não fosse verdade, como se não tivessem que comparecer diante de Deus para prestar contas. Para os crentes, saber que Cristo ressuscitou é motivo de muita alegria, pois estes crêem em Jesus e sabem que ressuscitarão para a vida eterna, mas para os incrédulos, para aqueles que não crerem em Jesus, será terrível, pois ressuscitarão também, porém, para vergonha e horror eternos (Dn 12.2; Jo 5.28,29). Por vezes, os próprios crentes são tomados por outra faceta desta visão materialista ao esquecerem de que aqui são forasteiros e que seus olhos devem estar voltados para o ponto culminante da história, quando todos os homens ressuscitarão e comparecerão diante de Deus. Soma-se a isso o fato de que a ressurreição de Cristo deve incentivar a igreja a propagar o evangelho; a proclamar as boas novas do Reino de Deus. Depois que Jesus Cristo ressuscitou, antes de ascender aos céus, ele decretou que o evangelho fosse pregado a todas as nações. Ordenou que a Igreja fizesse discípulos e que os batizassem em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. E fez a promessa grandiosa de estar com os seus todos os dias até a consumação dos séculos (Mt 28.18-20). A igreja não poderia ter recebido nenhum estímulo maior do que este para desempenhar o seu papel.

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A pregação feita em nome de Jesus, e a transformação operada por Deus na vida dos homens, também é evidência de que Jesus ressurgiu, porque nada que continuasse morto poderia exercer tanta influência como o nome do Senhor exerce. Enfim, a ressurreição de Jesus deve servir de motivação para todos os cristãos, pois enquanto pregam a Cristo dizem que ele ressurgiu histórica e verdadeiramente e agora pode fazer as pessoas morrerem para o pecado e ressurgirem para Deus (Rm 6.11) Agora, os homens podem crer, porque Jesus venceu, triunfou sobre a morte e concede vida a todos os que crêem em seu nome. É pelo fato da ressurreição de Cristo ser real que a igreja pode proclamar como Paulo o fez em Atenas que não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam; porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos (At 17.31).

CONCLUSÃO Assim, a ressurreição gloriosa de Cristo é digna de crédito, porque é um episódio miraculoso. É digna de crédito porque é um acontecimento anunciado pelas Escrituras. É digna de crédito porque é fato comprovado por testemunhas. E uma vez que a ressurreição de Cristo é fato verídico, todos são exortados a reconhecer que ele vive e reina; os crentes são consolados em saber que também ressuscitarão à sua semelhança e são estimulados a pregar e viver com fervor o evangelho.

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Sermão

LEMBRANÇAS

PARA

UMA NOVA VIDA DEUTERONÔMIO 8

Sermão pregado no Seminário.

SEM. AMÓS CAVALCANTI PEREIRA FARINHA Aluno do 3º ano do diurno do Seminário JMC

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INTRODUÇÃO Você já esqueceu a chave de casa? A chave do carro, dentro dele? Eu já. Você já esqueceu a caneta em algum lugar que você não sabe onde? Já esqueceu o celular na casa de um amigo? Você já esqueceu onde colocou um livro emprestado? De devolver a fita ou o DVD na locadora? Onde colocou o remédio, os óculos, o telefone de alguém importante, a revista da Escola Dominical? Você já esqueceu onde parou o carro num estacionamento lotado? Ou já esqueceu o próprio carro e voltou a pé? Já esqueceu de um compromisso importante que você tinha marcado; o nome de uma pessoa que sempre cumprimenta-o pelo nome? Você já esqueceu do aniversário da esposa? De casamento? Você já esqueceu seu filho na escola, ou na igreja? Ou em casa? Você já esqueceu seu nome? Sua data de nascimento? Sua nacionalidade? As pessoas podem esquecer-se de diversas situações ou objetos. Para alguns acontecimentos houve a invenção de marcas que nos lembram na hora certa: o despertador para não esquecer de acordar; o marca página, o calendário, a foto, o post-it, as agendas. Existem os que usam meios mais heterodoxos para se recordarem do que não querem esquecer, mas sabe-se que, para não sofrer a penalidade de ter esquecido algo realmente importante, deve-se criar uma forma de lembrar. O ser humano é assim: vive esquecendo. No entanto, certas situações são inesquecíveis. Elas estão tão arraigadas no nosso ser que esquecê-las é deixar de ser quem somos. Salvo problemas de enfermidade, ninguém costuma esquecer o nome, o sexo, a nacionalidade, a idade (essa, alguns preferem nem recordar). Estas coisas nos lembram quem somos. Sem elas perdemos a identidade. Mas há quem esqueça. Para estas pessoas, as marcas têm que ser mais profundas, as dores mais fortes, as cores mais vibrantes, as experiências mais marcantes.

CONTEXTUALIZAÇÃO O povo de Israel tinha esse “problema” de memória. Mesmo em sua breve história como povo livre, ele já tinha se esquecido quem o livrara, quem o protegia dia e noite com colunas de nuvem

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e fogo; das pragas, do Mar Vermelho aberto diante deles, do maná, da água no deserto. Deus, em sua soberana sabedoria ordena as palavras que estão no texto de Deuteronômio. Este livro é uma das marcas que Deus criou para que seu povo não se esquecesse do que realmente valia a pena ser lembrado. O povo estava prestes a entrar na terra prometida. Quarenta anos de deserto haviam passado e esta geração não era a que saiu do Egito. Portanto Deus aconselha Moisés a fazer a configuração da mentalidade do povo de acordo com a lei que fora dada no passado. Ele orienta o patriarca a falar ao povo das desventuras de seus pais, de como foram duros de coração e de como isto os matou no deserto. Traz à memória as bênçãos prometidas aos seus antepassados, que estes as esqueceram ao se deparar com as dificuldades, e os compromissos que estas bênçãos trazem. Mas principalmente, Deus quer lembrá-los quem são, a quem eles servem, para onde vão, para quem e para que foram criados. Da mesma forma que nós vivemos mais e melhor se lembrarmos do que é importante, Deus sabia que, para que o povo pudesse entrar na terra e ser vitorioso, e para que nós possamos viver da melhor maneira possível, devemos nos recordar de três coisas:

1. A

LEI DE

DEUS

Primeiramente, o povo de Israel tinha que se lembrar da lei de Deus. O versículo 1 fala que o povo deveria não somente rever, mas recordar com a finalidade de obedecer à lei de Deus, pois ela era a condição para o futuro vitorioso de Israel. Isso é repetido mais duas vezes, nos vs. 6 e 11, e em outros versículos de forma indireta. A recordação da lei de Deus era muito importante para que o povo pudesse sobreviver dentro das promessas de Deus. Israel deveria obedecer à lei porque pertencia a Deus. A lei refletia o caráter do Senhor e para que o povo fosse realmente dele, sua marca deveria estar na vida desta comunidade. O povo tinha que ter o aspecto de Deus. Esta era a marca da possessão de Deus, pois de outra forma ele se assemelharia aos demais povos da região, que tinham

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diversos deuses e viviam alheios à vontade de Deus. Eles foram escolhidos em Abraão de uma forma especial, formados pelo Senhor que, de um homem, fez uma nação. A gênese de Israel estava em Deus, a história deste povo começava com a vontade dele e, portanto, esquecer a lei de Deus era não pensar em sua própria história, natureza e sua razão de ser. Deus lembra Israel de guardar a sua lei porque sabia que no dia em que a deixasse de lado, eles seriam destruídos, pois foi sobre ela que o povo foi construído, nascido de uma aliança: entre Deus e Abraão. Era esta união que mantinha Israel vivo, pois Deus criou este povo por meio da aliança. A própria existência deles era um cumprimento da aliança. Em Gênesis 12.2ss Deus diz a Abraão que dele nasceria um povo e que este abençoaria todas as famílias da terra. Nesta aliança, o Senhor promete fazer deste um povo forte e poderoso, mas se Israel quebrasse a aliança com Deus, sofreria as penalidades desta escolha. Quebrar a aliança provocaria as mais terríveis conseqüências. O povo não poderia viver feliz sem obedecer a lei de Deus, pois não foi para isso que ele foi feito. Por outro lado, as mais graciosas bênçãos foram prometidas ao povo que obedecesse a lei de Deus. A expressão “para que”, no início do texto, indica a finalidade e os motivos da obediência: para viver, ou seja, a desobediência implica em morte; para que se multipliquem, o que é sinal da graça de Deus, principalmente no contexto judaico, onde o número de descendentes demonstra a bênção divina para a família. Este era o drama de Sara e Raquel, o qual foi divinamente solucionado. Para entrar na terra prometida: esta era a parte mais difícil até então. Deus não abençoaria e nem lutaria com um povo rebelde. O Senhor não compactua com a iniqüidade nem com a rebeldia, pois o seu ser é santo e puro, e não daria, como não deu aos que saíram do Egito, a oportunidade de entrar sem a lei no coração. E para possuir a terra, uma vez que a promessa não se limitava em estar na terra, mas incluía a posse dela. Diversos povos habitavam aquela região e não estavam dispostos a sair de seus territórios a qualquer preço. O povo de Deus poderia até conseguir um “espaço” entre eles e se acomodar ali, mas a promessa do Senhor não era para fazer de Israel um inquilino em terra alheia, mas para

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serem os donos, proprietários, o que implicava na total expulsão daqueles povos, situação que não era nada fácil, porque eram fortes e muitos. Esta é a extensão da promessa do Pai, sem contar os detalhes decorrentes da prosperidade futura. Portanto, estas bênçãos só viriam se o povo fosse fiel à lei de Deus. Isso aplica-se nos dias de hoje. Não se constrói a vida longe da Palavra de Deus. Não se volta as costas ao Senhor para construir os próprios sonhos, pois a vontade do Pai é a essência da existência. Isso é para o ser humano em geral e, principalmente para o seu povo, a sua igreja. No texto, Deus se dirige a Israel, e nós, como povo de Deus na terra, temos o prazer e as obrigações que implicam a vontade de Deus. A igreja que se distancia da Palavra de Deus está fadada ao fim, pois ela foi criada para manter um relacionamento com o Senhor e torná-lo conhecido no mundo. Deus não compactua com a rebeldia e nunca apoiará aquele que se afasta da verdade. Nós que somos nação santa, sacerdócio real, só conseguiremos proclamar as virtudes daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz por meio da Palavra. O povo de Deus é conhecido pela pregação da Bíblia. Ela é o padrão não apenas na teologia confessional, mas no dia-a-dia. Precisamos levar a Palavra para o nosso mundo particular, para as nossas horas de sermos nós mesmos. Necessitamos lembrar da Palavra nos momentos mais triviais da vida. Como está no Salmo 119, apenas o amor e a obediência à palavra nos livram de tropeçar. Devemos resgatar os princípios reformados e amarmos a Palavra de Deus continuamente.

2. A

PROVAÇÃO

Deus tem uma maneira toda peculiar de nos instruir. Como professor por excelência, ele sabe exatamente o que fazer para que possamos aprender o que ele quer nos ensinar. Isto também aconteceu com o povo de Israel. O v. 2 começa com uma exortação para que o povo se recorde de tudo o que aconteceu na viagem dele pelo deserto. De certa forma, Israel sofreu muito neste percurso. Familiares morreram no deserto, lutas, privações, sofrimento. Foram

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anos de muita dor. Deus fala que foi um período de humilhação. Mas então, por que se lembrar de todo esse sofrimento? Por que trazer à memória tanta dor? Como já citado, alguns precisam de métodos mais heterodoxos para se lembrar das coisas. O povo de Israel era assim. Ele não estava com o coração limpo, livre de influências e pronto para ouvir a guardar a Palavra de Deus. Ele foi escravo no Egito por 400 anos e este tempo fez cicatrizes no coração e na alma de maneira que toda a forma de ver o mundo e a obra do Senhor na vida dele era muito diferente do esperado. Mesmo fora do Egito o povo carregou o Egito no coração. Portanto, a provação do deserto foi a escola de Deus para o povo. Por meio desta provação, Deus faria um trabalho de limpeza de coração. O Pai ia preparar Israel para poder constituir uma nação verdadeiramente sua. Deus levou o povo à mais dura provação para que as raízes amargas e as mazelas fossem retiradas e tratadas. Ele deixa isso claro, quando diz que a humilhação e a provação foram para sondar o coração e para ver se o povo obedeceria a Deus. Todas estas marcas serviram para afastar do coração de Israel as imagens do Egito. Quatrocentos anos de dominação não se esquecem da noite para o dia. As provas tinham o caráter de quebrar a dureza de coração do povo, para que este estivesse submisso à vontade de Deus. A provação ensinou o povo a ser mais humilde. Ao contrário do que possa parecer, a humilhação de ser escravo não tornou o povo mais modesto diante de Deus. Os milagres não foram suficientes por si mesmos para mostrar ao povo o cuidado e o carinho do Pai para com ele. Ainda havia naqueles corações muita altivez; Moisés que o diga! A provação ensinou o povo a depender de Deus, ainda que por meios forçados. O Senhor sabia que Israel só sobreviveria se aprendesse a depender de Deus. Enquanto o povo não tivesse a total confiança nele não poderia e nem conseguiria vencer os desafios a que seriam lançados. Se o povo não entendesse que foi Deus quem os tirou do Egito, que os sustentou no deserto e que providenciou tudo para que ele pudesse entrar e possuir a terra, com certeza o povo passaria para dentro da terra como se a força dele os tivesse garantido.

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No v. 5 Deus fala que o grande motivo da provação deles era o seu amor para com eles. A provação tinha um caráter benéfico, como um remédio amargo que se toma para alcançar o resultado desejado. O Senhor zelava pelo crescimento de Israel e somente pela provação seria possível formar o caráter de um povo realmente dependente do Pai. Da mesma forma, o texto em Tiago 1.2-5 diz que a provação deveria ser um motivo de alegria, pois ela proporciona experiência; o povo de Deus estava amadurecendo no deserto. Isso era uma grande prova do amor e do cuidado de Deus para com seu povo. Infelizmente, também não estamos naturalmente acostumados a depender de Deus. É comum olharmos para o povo de Israel e pensar nele como possuidor de um coração duro, como se o nosso não o fosse. Como se nós não caíssemos nos mesmos erros constantemente. Também não vemos com bons olhos o fato de passarmos por momentos difíceis, ainda que estes nos tragam crescimento; todos querem crescer sem dor. Ninguém gosta de sofrer, mas se desejamos alcançar a plenitude da estatura de Cristo, temos que nos desvencilhar de certos hábitos e pecados que só podem ser abandonados por um tratamento de choque que Deus o faz para o nosso bem. A nossa geração tem sido assolada com uma Teologia que prega o prazer, o dinheiro e o sucesso como marcas da benção, da fé e do cuidado do Pai. É comum não se lembrar de que é pela provação que Deus nos ensina, nos faz crescer, amadurecer e aprender a depender dele, o que de outra forma seria muito difícil. Esquecemos de que o Senhor prova o seu amor para conosco por meio de certas dificuldades que nos aproximam dele. Quem nunca passou por uma luta e pôde ver que por meio dela Deus o tornou mais fiel, mais dependente, mais íntimo dele? Esse é o meio que o Pai usa para nos lembrar de que ele zela por nós.

3. A

PROVIDÊNCIA

Como já abordado, não podemos nos esquecer da Palavra de Deus, a sua lei; e de que ele nos prova para o nosso bem. Vemos no

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texto que devemos nos lembrar que é ele quem providencia todas as coisas para o seu povo. Nos versículos 10 em diante, o Senhor exorta o povo, por meio de Moisés, a não se esquecer dele depois que a benção financeira lhes sobreviesse. O objetivo desta exortação era preparar e ensinar o povo para que ele não fosse traído por seu próprio coração. 3.1. Tudo vem de Deus Israel não poderia esquecer que tudo o que tinha e o que teria futuramente vinha diretamente das mãos de Deus. Ele os lembra que o povo seria tirado de um lugar onde era cativo para uma terra que ele estava lhe dando. Ninguém dá o que não lhe pertence. O Senhor daria a terra ao povo porque pertencia a Deus, e não aos povos que nela estavam alojados. Mais do que a terra, o Pai prometeu a abundância e a multiplicação. A promessa de Deus era de prosperidade, a qual viria dele, da mesma forma que a terra. A própria terra era abundante. Nos vs.7-10, o Senhor mostra que eles eram passivos na posse da terra, pois Deus “os fazia entrar” e a terra na qual eles passariam para dentro era de muitas riquezas naturais, segundo Deus anunciou. Ele esclarece que toda a terra pertence a ele; todos os povos estão debaixo de seu controle e ele os governa de acordo com os seus propósitos. 3.2 Deus capacita o seu povo Israel não era completamente passivo nesta empreitada. Deus capacita o seu povo para tomar posse da terra e ser abençoado nela. Deus não apenas dava o peixe, mas ensinava a pescar. Isso é muito importante notar, pois futuramente o povo poderia pensar que a parte que lhes coube fazer, o esforço que eles fizeram, garantiram a prosperidade na terra. Ele precisava entender que o Pai o capacitara para as vitórias, alcançadas para as que ainda teriam, e que Deus estava no controle, agindo com ou até mesmo sem a interferência de Israel. O versículo 18 diz que o povo deveria se lembrar de Deus, porque ele estava dando forças a ele. O verbo usado no original dá a idéia de continuidade da ação. Deus não daria forças, mas já estava dando e continuaria fortalecendo o povo.

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O Senhor ensina ao povo que de fato ele é fraco, limitado e pequeno. Deus o escolhe soberanamente e o conduz de forma a tornar realidade a promessa que fez a Abraão. O texto de Deuteronômio 10.15 mostra que o pano de fundo da benção e da capacitação de Deus é a escolha dele. O Pai não era obrigado a abençoá-los, como alguns acreditam hoje, mas Deus os abençoava simplesmente porque queria, e Israel não tinha mérito nenhum nisso. Nada fazia dele um povo especial sobre a terra, a não ser a escolha do Senhor. Isto mostra que o cuidado providente de Deus era fruto da vontade soberana dele . Da mesma forma que o povo precisava entender que tudo provinha das mãos do Pai, inclusive a capacitação para realizarem o trabalho, nós também necessitamos resgatar essa visão. Enquanto não atentarmos para o Senhor como um Deus providente, que cuida dos que lhe pertencem, que zela de tudo, nos mínimos detalhes, não teremos uma visão correta de Deus. Ele queria que o povo conhecesse exatamente o Deus a quem servia, como ele espera que o seu povo hoje saiba também. Quando nos esquecemos da providência de Deus, a nossa corrida é por aquilo que não vale a pena. Jesus alerta para que não nos entreguemos às preocupações da vida, pois se Deus tem a atenção de cuidar desde a menor flor, quanto mais dos seus filhos que são preciosos aos seus olhos. O resgate da perspectiva de um Deus providente faz o ser humano aprender a descansar no que a palavra chama de verdadeira paz. Certa menina estava em uma embarcação quando esta foi atacada por uma grande tribulação. Todos os que estavam no barco ficaram desesperados, temendo pelas suas vidas, quando alguém encontrou a garota, quieta, num canto do barco, como se nada acontecesse. A pessoa perguntou para a menina: “Você não está com medo?”. Ela respondeu “Eu não. Meu pai é o comandante”. Esta confiança leva-nos a pensar da mesma forma. O povo de Israel poderia descansar porque o seu Deus estava no controle. O que nós devemos lembrar é que o nosso Pai está sempre no controle.

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APLICAÇÃO É muito fácil olhar para o povo de Israel e julgá-lo como um povo rebelde. Mas ao examinarmos as nossas atitudes, há muitas semelhanças. Quantas vezes não lembramos de buscar a Deus em sua Palavra? Ou de priorizar a Palavra de Deus em nossas vidas? Quantos compromissos assumidos sem levar em conta o que Deus diz? Estamos realmente dispostos a obedecer ao Senhor tão prontamente como certas vezes pensamos? Para vivermos os planos de Deus para a nossa vida devemos nos lembrar da sua Palavra e de obedecê-la irrestritamente. Nunca obedeceremos a Deus enquanto a Palavra dele ocupar um lugar secundário em nossa vida. Enquanto você não colocar a Palavra de Deus como o seu prumo, seu referencial, você nunca conseguirá obedecer a Deus como ele deseja. Não se iluda. Não há como barganhar com o Pai. A Palavra alerta para as bênçãos decorrentes da obediência a Deus, mas para aqueles que a desprezam conscientemente, ele pesará a sua mão, pois ninguém que faz pouco caso da Palavra do Senhor ficará sem punição. No final do capítulo somos exortados a zelar pela verdade de Deus, pois no dia em que dela nos afastarmos, seremos destruídos. No dia em que nos esquecermos da Palavra de Deus, começaremos a construir novos deuses, e com certeza, seremos reprovados pelo Pai. Em Jesus vemos como ser obedientes, como valorizar a Palavra de Deus, como honrar o Pai zelando pela sua Palavra. Para vivermos os planos de Deus devemos olhar para Jesus, como o nosso paradigma de obediência, pois assim nunca nos esqueceremos de como devemos obedecer ao Senhor . Também devemos lembrar de que Deus nos prova para o nosso bem. Como disse Tiago, os momentos de provação devem ser enfrentados com alegria, porque vemos por trás das lutas a mão de Deus a nos formar e tirar o “Egito do nosso coração”. Como muitas vezes é preciso dar marretadas para acertar e corrigir certo metal, assim somos nós. Muitas vezes Deus tem que acertar “marretadas” para encontrarmos o caminho. Essa é a estratégia que Deus usa para nos lembrar e para aprender a sermos humildes e dependen-

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tes dele. É por isso que ele diz que humilha os exaltados, para lhes mostrar o caminho da felicidade na dependência e humildade diante do Pai. O homem nunca vai ser feliz enquanto não se humilhar diante de Deus. Você nunca vai viver os planos de Deus para a sua vida enquanto não aprender que ele é o Senhor e você o servo. No reino de Deus não há espaço para outros senhores; só tem espaço para um único Senhor, mas muitos outros servos. Para que você aprenda isso, Deus usará todos os meios possíveis, ainda que cause dor. Essa é a demonstração do amor de Deus, pois de outra forma, ele sabe que você nunca aprenderá a depender e se humilhar como servo e, conseqüentemente, nunca experimentará dos planos do Senhor para você. Deus tem prazer nos humildes, por isso o Filho de Deus é o nosso modelo de humildade. Paulo fala que ele se humilhou até a morte de cruz, tendo em vista que a sua própria encarnação já era uma humilhação. Ele é o padrão de submissão e dependência. Olhe para Jesus para se lembrar de como é ser humilde, de como é depender de Deus de verdade. O Senhor é um Deus providente. Enquanto não levarmos em conta que ele trabalha por aqueles que ama, nunca chegaremos à paz que o Pai nos promete. Enquanto você continuar a sua vida sem levar em conta que Deus é que dá o que você tem, e é ele que capacita-o a conquistar, que produz crescimento, você sempre correrá atrás do vento, prendendo a atenção com aquilo que ele disse que você não precisa se preocupar. Deus queria que o seu povo aprendesse a confiar nele. Nunca poderemos servir verdadeiramente a Deus se não confiarmos nele integralmente; se não entendermos que ele cuida de cada um de nós como um pai cuida do filho. Nunca poderemos amá-lo sinceramente se duvidarmos do seu cuidado. Igualmente, nunca poderemos viver os planos de Deus enquanto não lembrarmos de que a capacitação vem dele. Muitas vezes somos levados ao chão por crer que a nossa mão fez alguma coisa. O orgulho nos impede de ver a providência de Deus em nossas vidas e, enquanto não entendermos o seu completo domínio sobre nós e sobre as circunstâncias que nos rodeiam, nunca descansaremos em seus braços e nem seremos gratos pelo que recebemos.

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Nunca compreenderemos a graça de Deus em nossas vidas, e não existe nada mais sem graça do que uma vida que não experimenta a graça de Deus. Quando entendermos a providência de Deus em nossas vidas a resposta será diferente da que o jovem rico esboçou diante do desafio de Jesus, em Lucas 18.23. O jovem se entristeceu ao ter o seu amor ao dinheiro confrontado com o seu amor a Deus. Quando entendermos a providência de Deus, confiaremos a ele o que temos, pois veio dele, e é para a glória dele que o usaremos e desfrutaremos da verdadeira vida abundante que ele promete a todas as pessoas.

CONCLUSÃO O que eu poderia dizer ao pai do jovem que se esqueceu de por o cinto de segurança e morreu em um acidente de carro? Como explicar o esquecimento de uma mãe, que não se lembrou de desligar o gás e viu seu filho morrer na explosão da sua casa? Como explicar à equipe de alpinismo que viu seu companheiro morrer na queda por ter esquecido de apertar um nó? Esquecimentos podem ser fatais. Deus sabe disso, por isso nos exorta a lembrarmos sempre da sua Palavra, o que nos ajuda a obedecê-lo irrestritamente; das provações, que nos fazem ser mais humildes e dependentes dele; e da sua providência, que nos ensina a ser mais gratos e confiantes no seu cuidado. No dia em que o povo de Deus esquecer da sua Palavra, das didáticas provações e do cuidado providente de Deus, com certeza deixará de ser uma bênção para as nações.

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REVISTA TEOLOGIA PARA VIDA Projeto Gráfico e Capa – Idéia Dois Design Formato – 16 x 23 cm Tipologia – Arrus BT Papel – Off-set 90g e Couchê 90g Tiragem – 1.000 exemplares Impressão – Prol Editora Gráfica Ltda. Impresso no Brasil / Printed in Brazil

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ISSN 1808-8880

Seminário Rev.

José

Teológico Manoel

Volume II - nº 1 - Janeiro - Junho 2006

Volume II - nº 1 - Janeiro - Junho 2006

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da

Conceição

teologia para vida

“Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentem com conhecimento e com inteligência.” (JR 3.15)

Untitled-3

Presbiteriano

12/8/2013, 11:23


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