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UMA REVOLUÇÃO POSITIVA DA JUSTIÇA

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CALMARIA À MESA

CALMARIA À MESA

EX-PRESIDENTE DO TJ-PR ANALISA SUA TRAJETÓRIA PESSOAL E DEFENDE A CONCILIAÇÃO E O DIÁLOGO EM TEMPOS DE JUDICIALIZAÇÃO

“O QUE A sociedade mais precisa é de diálogo.” Essa é uma frase do ex-presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, José Laurindo de Souza Netto. O desembargador recebeu a TOPVIEW para uma conversa exclusiva sobre justiça, conjuntura e carreira próximo do fim de seu mandato à frente da mais alta corte do estado. Leia na íntegra! Qual foi o maior desafio à frente do Tribunal de Justiça do Paraná?

O maior desafio foi se adaptar às circunstâncias com autoconhecimento. Enfrentamos a pandemia e fomos capazes de desenvolver ações baseadas na transparência e na eficiência, na capacitação dos magistrados e servidores, no uso responsável dos recursos e na valorização do ser humano. Aproximamos a Justiça das pessoas. Fechando um ciclo de 35 anos de carreira, digo que estou satisfeito.

O TJPR aumentou a transparência?

A transparência foi um dos pilastros [palavra do italiano] da gestão. Demos divulgação às ações para a sociedade. O grande salto foi na capacitação e na inovação. Como professor, entendo que o conhecimento é uma ferramenta de transformação e aproximação. Sempre tive uma visão humanista do Direito, base para dar o melhor em nome da coletividade. Sou da construção conjunta. Uma gestão colaborativa e transparente foi determinante. polarizada, entre construções e narrativas, mas a comunicação não violenta facilita o convívio. Hoje, no Brasil, o que a sociedade mais precisa é de diálogo.”

Sua carreira tem como marca a defesa da conciliação. Está fácil chegar a esse ponto em um Brasil polarizado?

Nós construímos convivendo e dialogando. Cito a filosofia africana milenar chamada "Ubuntu", que tem a concepção de que juntos somos mais fortes. Tudo o que vem parar na Justiça tem um problema de fundo. É preciso atuar nessa realidade. Para cada caso, existe o remédio apropriado. Vão existir conflitos inerentes que vão ter que ser decididos por um juiz, mas existem outros que serão decididos por meio da conciliação. A Justiça não pode ser prêt-à-porter [pronta para usar]. O juiz é o alfaiate dedicado aos ajustes.

E como foram essas ações no Paraná?

Criamos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania com especialistas para questões de família, empresas, saúde, entre outros. A conciliação está ligada às ondas renovatórias da Justiça, das quais tenho orgulho de ter participado, como a criação da Lei dos Juizados Especiais. A sociedade se encontra fragmentada, polarizada, entre construções e narrativas, mas a comunicação não violenta facilita o convívio. Hoje, no Brasil, o que a sociedade mais precisa é de diálogo.

Conflitos de qualquer natureza estão sendo levados à Justiça. Como combater o fenômeno da judicialização?

Desjudicializando e desprocessualizando. O acesso à Justiça não é o acesso ao Poder Judiciário e, sim, o acesso a uma ordem jurídica justa, à cidadania, à solução de problemas e à prestação de serviços. É preciso aplicar o princípio da justiça distributiva. Quem perde um processo tem que pagar as custas. O Poder Judiciário dá concretude aos direitos fundamentais.

E quanto ao ativismo judicial?

— José Laurindo de Souza Netto

Ativismo judicial ideológico, cheio de ranço, é incompatível com o Direito. Defendo a segurança jurídica. Não pode existir o juiz viciado em si mesmo, da justiça cega. A atuação jurídica deve ser pautada nas leis e na Constituição. É de sua autoria um livro sobre lavagem de dinheiro amplamente citado no julgamento do Mensalão. Como foi viver esse episódio?

Foi interessante [risos]. Eu fazia doutorado na Europa. É um tema que pesquisei em bibliotecas da Itália, da França, de Portugal e da Espanha. Quando morei fora, tive contato com casos de lavagem de dinheiro. Acabei escrevendo o pri - meiro livro sobre esse assunto no Brasil [ Lavagem de Dinheiro: Comentários da Lei 9.613 ]. Na época do Mensalão, não existiam obras sobre esse tema. Então, aqueles que atuavam no caso citavam o livro, como o ex-ministro [do Supremo Tribunal Federal] Joaquim Barbosa. Uma vez, um colega me ligou e disse: “Zé Laurindo, estão falando de você na TV!" [risos]. Foi um livro emblemático. Relembrando sua trajetória pessoal e profissional, prestes a iniciar uma nova etapa, qual é o sentimento? Sou autor de uma obra só. Escrevo e estudo o que faço há 35 anos: o Direito. Se você me perguntar qual é o melhor curso que já fiz, te direi: "o da vida". Após me formar, fiquei oito anos no exterior, casei e tive três filhos maravilhosos – todos adeptos da travessia em mar aberto e da natação. Sou um homem do mundo, do universalismo. Passei pelo interior até chegar ao TJ-PR, viajei, me interessei por idiomas e pelo conhecimento. Meu pai foi um mestre de balizamento e sabedoria. Os aprendizados que tive estiveram ligados ao ser humano como centro da Justiça. Te digo que o Direito é um sacerdócio.

Apenas uma alma pode julgar uma alma. " Cor ad cor loquitur " [do latim: o coração fala ao coração ]. A um jovem, diria que, apesar das telas, o conhecimento se sedimenta com caneta. Que eloquência, inteligência, astúcia e destreza defendem bem uma causa, mas que, sobretudo, você precisa saber ser. É preciso ter coragem de ser humano. Tem uma canção italiana que diz: " Credo negli esseri umani/ che hanno coraggio/ coraggio di essere umani " [ Acredito no ser humano/que tem coragem/ coragem de ser humano ]'. x

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