Revista VARAU #7 - Março de 2018

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Nยบ7-2018


Nº7-2018

Brasília | fevereiro | 2018 | ISSN 2359-0084


Nº7-2018

EDITOR CHEFE CONSELHO EDITORIAL

Marcio Oliveira Aline Zim | Carolina da R. L. Borges

PROJETO GRÁFICO

Daniel C. Brito | Thiago P. Turchi

COLABORADORES

Foto capa: Ilustração Paul Klee - Sonne im Thor - 1923 | Editoração eletrônica: André Gruhn Melo | Thiago Turchi| Perfil: Carolina Borges | Yara Regina | Barbara Tavares| Henrique Gonçalves | Artigos: Carolina Borges | Brahyner Figueiredo | Bruna Póvoa | Débora Dantas | Marcílio Sudério | Matheus Gorovitz | Explicando: Aline Zim | Relatos: Yara Regina | Acontece no CAU: | ArqCartoon: Daniel C.

ISSN

Brito | Thiago P. Turchi

Brasília | fevereiro | 2018 | ISSN 2359-0084

Revista CAU/UCB | 2018 | Editorial


PERFIL JOSÉ CARLOS COUTINHO

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ARTIGOS 1- A CONCINNITAS, O DECORO E A CIDADE 2- ARQUITETURA CIVIL E RELIGIOSA NO PERÍODO COLONIAL EM BELÉM, PARÁ 3- CIDADE E CIDADANIA - SOBRE O RECONHECIMENTO DE BRASÍLIA COMO FATO ESTÉTICO – ENSAIO DE INTERPRETAÇÃO

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EXPLICANDO FALANDO SOBRE A PERSPECTIVA INVERSA

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RELATOS NOS PASSOS DE UM TEMPO ENCONTRADO, NA CIDADE DO MÉXICO: ENTRE ARTE E NATUREZA

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ACONTECE NO CAU 1- ANOTAÇÕES DA APRESENTAÇÃO DA AULA MAGNA DO PROFESSOR JOSÉ CARLOS COUTINHO (22/08/2017) 2- RELATO DE EXPERIÊNCIA

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ARQCARTOON VIDA DE ARQUITETO

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Fig 1 - Professor José Carlos Coutinho

COUTINHO: Eu gosto muito dessa pergunta, pois ela me remete a muitos fatos que aconteceram na minha vida, como a decisão de sair de Porto Alegre, onde eu vivia e estava começando uma vida profissional, com escritório. Trabalhava no setor de planejamento do Estado e estava começando a lecionar. Precisava tomar a decisão: “vou ou não vou para Brasília?” Mas o motivo era apaixonante. Tinha um colega, uma figura excepcional, um líder de cabeça arejada, Miguel Pereira. Ele liderou movimentos de estudantes e professores pela reforma do ensino de arquitetura lá. Exatamente no momento

Carolina Borges | Yara Regina | Bárbara Tavares | Henrique Gonçalves

Primeiramente, quero agradecer em nome do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Brasília pela sua disponibilidade e generosidade em nos conceder essa entrevista. Para começar a nossa conversa, gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a sua chegada a Brasília e o processo de entrada na UnB como professor.

ENTREVISTA PROF. JOSÉ CARLOS COUTINHO

PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB):

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que eu estava começando, e aqui em Brasília estavam passando por uma grande crise – é importante contextualizar, pois era o momento da ditadura se instalando em 1965. A universidade estava começando a funcionar em 1962, então três anos mais tarde passava por uma grande crise onde 200 professores, quase totalidade, pede demissão em solidariedade a um grupo que foi perseguido pela ditadura. Eu conheço alguns desses professores, o Edgar Graeff, por exemplo, foi um mestre para mim. Ele já tinha me convidado para vir à Brasília, e eu dizia a ele: “o que eu vou fazer no meio daquela poeira?” Eu não tenho o entusiasmo dele. Ele era uma pessoa fantástica. Mas em 1968, com a crise que se estabeleceu aqui em 65, criouse um vazio, um vácuo com a demissão dos grandes nomes, entre eles o Graeff e Athos. Os estudantes se revoltaram e criou-se uma liderança muito forte também no movimento estudantil. Então eles se organizaram e deram um ultimato para Reitoria da Universidade, que nessa época estava na mão do civis tutelados pela ditadura e alguns até apoiadores da ditadura, que eles entrariam em greve e fechariam a faculdade de arquitetura e artes. E foi a razão do convite que me fizeram na época. Os estudantes encarregam o Miguel Pereira para articular uma estratégia para a reabertura dos cursos, e a ideia que surgiu foi fazer um seminário nacional aqui em Brasília entre aquelas escolas que tinham feito movimento para reforma de ensino. Na última noite do seminário, todos se preparando para voltar e os estudantes Revista CAU/UCB | 2017 | Perfil

pedem uma reunião e perguntam: “quem que vai coordenar isso agora?” E ninguém podia aceitar no momento, e quando chegou a minha vez, um dos estudantes apontando o dedo para mim falou: “você fica?” E eu tremendo, na hora me veio um lampejo, essas coisas que a gente não sabe explicar que vem de repente. E eu disse: “eu fico”. Eu era solteiro na época, tinha 33 anos, a mesma idade que Jesus foi crucificado, nunca vou esquecer. Será que foi uma coincidência? Brasília era o sonho da minha geração. Eu me formei em 60, no ano de inauguração de Brasília. É como se eu tivesse predestinado. O destino me conduziu para Brasília. É como já dizia Vinicius de Moraes: “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB): Como foi ser professor na UnB naquele momento de ditadura, em que você fazia parte de um grupo que tinha uma postura de resistência? COUTINHO: O nosso trabalho de lá para cá se resumiu a implantar as propostas e retomar o plano de Darci Ribeiro, e não é por acaso que eu me tornei professor de teoria da arquitetura, que era a disciplina do Edgar Greaff, e criamos aqui a matéria de teoria e história da arquitetura – pois não adianta estudar só a teoria, temos que contextualizar os fatos. Estudávamos também urbanismo, pois só o edifício não basta. E outra coisa foi a integração entre

disciplinas. Nós odiávamos a ideia de cada professor no seu feudo. Nas nossas reuniões de programações didáticas, fazíamos em conjunto com os estudantes, onde o número de estudantes era igual ao número de professores. O lema era “paridade com responsabilidade”. O curioso é que no processo criativo e dinâmico como esse, as soluções vão aparecendo com as próprias dificuldades. Nós íamos estudar o problema habitacional brasileiro na favela: nós pegávamos uma turma e colocávamos no ônibus e íamos estudar em campo. Material humano vivo para trabalharmos, uma experiência que para eles era completamente nova. Os estudantes eram de classe média que morava no plano piloto, muitos deles nunca tinham colocado o pé em um lugar assim. As soluções que os moradores da favela davam aos problemas eram muito bonitas, havia um toque de beleza e sensibilidade incrível. Era um repertório novo muito enriquecedor. Eu acho que o ensino moderno deve ser o ensino que se faz no próprio processo, onde estudantes e professores aprendem juntos no processo da descoberta. E eu, como professor, tenho um monte das minhas ideias alteradas e enriquecidas pelos meus alunos Eu costumava dizer para eles: “não acreditem em tudo que eu disser, pois eu posso mudar de opinião amanhã”. PROF. YARA REGINA (CAU/UCB): Em relação à constituição hoje do ensino do Distrito Federal, qual a sua opinião sobre aos cursos de arquitetura?

COUTINHO: Eu nem sei exatamente o que se passa dentro da sala de aula, não conheço todas as escolas e os cursos, e hoje temos 11 cursos de Arquitetura em Brasília. Na minha época de estudante, nós tínhamos 8 no Brasil inteiro. Em São Paulo nós tínhamos a USP e o Mackenzie, que era mais técnico. A USP era mais conceitual, nós debatíamos mais, então havia uma rivalidade, inclusive. Aqui em Brasília eu conheço as vertentes que os cursos tomam. O CEUB, por exemplo, tem uma vertente mais prática, é um bom curso de arquitetura. A UnB está uma mélange, mas a minha esperança é que existem muitos professores da minha geração ainda hoje, e eu confio muito nesses professores que herdaram do espírito. A Católica eu conheci pouco, mas eu gostei muito dos espírito dos alunos. PROF. YARA REGINA (CAU/UCB): Você acha que existe um movimento arquitetônico e/ou artístico que nasceu da UnB? COUTINHO: Na época que Brasília foi feita, ela não representava a arquitetura brasileira, representava uma parte da arquitetura brasileira, que era a arquitetura do Rio de Janeiro. A maior parte dos Arquitetos que trabalhavam aqui eram do Rio de Janeiro, muitos deles associados ao grupo do Oscar. Nesse mesmo momento, havia em São Paulo uma outra linha da cultura Revista CAU/UCB | 2018 | Perfil

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“Na época que Brasília foi feita, ela não representava a arquitetura brasileira, representava uma parte da arquitetura brasileira, que era a arquitetura do Rio de Janeiro.” Coutinho

brasileira que me parecia mais promissora, mas carregada de ideias novas. Brasília ainda é muito herança do passado, a legitimidade de Brasília, eu acho, vem da evolução da arquitetura brasileira. Lúcio Costa, além de ser arquiteto mestre da vanguarda brasileira, era um homem que conhecia profundamente a história da arquitetura, era o maior conhecedor da arquitetura brasileira. Ele passou por todas as experiências da cultura brasileira – arquitetura portuguesa, arquitetura de transição que foi o ecletismo,... Ele foi um arquiteto eclético, que militou nessa transição com José Mariano, que foi grande propagandista do neocolonial brasileiro, cujo o lema era “se é para copiar, copiamos o que é nosso”. Eu acho que o arquiteto que merece mais visibilidade é o Artigas. Ele é um arquiteto completo, um autor que escreveu muito bem, um grande mestre, ele fez a escola em São Paulo. Eu costumava dizer que o Artigas fez discípulos, o Oscar fez imitadores. O pessoal do Artigas era formado por pensadores, o próprio Paulo Mendes da Rocha seguiu ensinamentos do Artigas porém com ideias próprias. Ele conseguiu transmitir ideias, e não desenhos. Por isso que eu digo que Brasília não é expressão da arquitetura brasileira, é a expressão de uma cultura brasileira. Havia uma rivalidade na arquitetura de São Paulo e Rio. A arquitetura brasileira peca pela falta de unidade, pois são muitas influências, muitos pensamentos e muito pragmatismo no Brasil e em Brasília. A arquitetura hoje é dominada pelo mercado imobiliário, e os arquitetos hoje são poucos os que têm

uma carreira solo. Muitos deles fazem uma arquitetura razoável, mas é uma arquitetura sem caráter, muitas vezes se ignora a cultura brasileira, talvez por conta dos materiais modernos. É muito alumínio, muitas fachadas envidraçadas, muita maquiagem. É como o Artigas dizia: “isso é alta costura, não é arquitetura”. Eu acho que a arquitetura hoje é produzida pelos fabricantes de materiais, só se faz cristaleiras. A arquitetura hoje está muito marcada pelo capital, pois só quem tem dinheiro para fazer arquitetura são as grandes empresas. Hoje se faz poucas casas e as casas hoje já não têm mais as expressões que tinham antigamente. PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB): O que merece destaque na arquitetura de Brasília atualmente? COUTINHO: Na paisagem de Brasília hoje, o que merece destaque como arquitetura é prédio do SEBRAE, que é um bom projeto, mas é a arquitetura paulista inserida em Brasília; o prédio da Associação de Transportes Aquáticos, que é um prédio com material industrial; tem o prédio do Pedro Paulo Saraiva para o CONFEA, também de material Industrial que ele soube explorar bem. Tem o prédio do setor militar da Poupex, do Danilo Matoso, que é um prédio muito correto, um bom projeto. Perto do Jardim Botânico tem uma casa do Renato Barbieri, que ele comprou do proprietário original e respeitou o projeto do Mateus Gorovitz, um espaço interno Revista CAU/UCB | 2018 | Perfil

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contínuo com desníveis, que tinha sido de um colecionador de arte e ele fez na casa um museu. PROF. CAROLINA BORGES (CAU/UCB): A divisão do Plano Piloto em escalas, separando o monumental e o cotidiano, o público e o privado, guarda o ideal de que tal separação física poderia resultar numa separação “funcional”, gerando uma sociedade mais democrática e igualitária. Como o senhor vê esse idealismo e utopia no projeto de Lúcio Costa? COUTINHO:

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Existe um mal-entendido de que Lúcio Costa era um arquiteto elitista, que previu a divisão de classes, que projetou a cidade para elite, e no máximo para classe média. E onde ficam os pobres? O Lucio Costa era uma pessoa da maior sensibilidade para isso. Era um sujeito que não era comunista, nem socialista, mas tinha uma sensibilidade social muito aguda e não ignorava esse problema. No relatório, ele menciona a gradação social, e Brasília deveria abrigar as diversas gradações sociais. Mas como tudo nesse país acontece como a dinâmica incontrolável, no processo de construção de Brasília, precisou-se fazer as cidades dormitórios em sua volta para abrigar o excedente de população, que na verdade não era excedente, era um excedente da camada de população que não tinha onde morar aqui no plano. Isso não foi porque não foi previsto pelo Lucio Costa, Revista CAU/UCB | 2017 | Perfil

mas porque o mercado imobiliário não permitiu que essas pessoas usufruíssem de uma renda capaz de pagar um aluguel aqui dentro. No Relatório, ele fala que é preciso projetar apartamentos de diversos tamanhos na mesma quadra para não haver estratificação social, ou seja, ele fala nessa gradação social que estaria gradualmente integrada. Além disso, os blocos das quadras não eram suficientes para receber essa gradação social, daí ele resolve acrescentar uma faixa de quadras que não estava prevista no plano, que são as 400 –blocos econômicos que não tinham elevador e alguns nem pilotis, se permitindo a ocupação do térreo. Mas a dinâmica gera um sistema discriminatório, excludente e concentrador de renda. De repente começou a se ter uma alta de preço no mercado imobiliário e os moradores vendiam esses apartamentos por um preço que eles jamais teriam trabalhado, e foram para as satélites. Lúcio Costa pensou até o alcance do possível, e uma vez ocupado Plano Piloto, seriam construídas as cidades satélites com as mesmas características e qualidades do Plano Piloto, mas esse processo foi atropelado pela realidade. Esse processo de centrifugação da população não atinge só o pobre, mas atinge também a classe média, que no processo de envelhecimento de Brasília, as quadras estão sendo abandonadas, a população envelheceu. No apartamento onde morava uma família, hoje mora dois velhos, não tem crianças na quadra. As escolas são para filhos de empregadas domésticas. A cidade mudou

em sua estrutura, em sua constituição e população. PROF. YARA REGINA (CAU/UCB): Existe algum lugar fora do Plano Piloto com a mesma qualidade de vida no Distrito Federal? COUTINHO: O Plano Piloto é inigualável, apesar de que entre as duas asas a gente já sente um pequeno desnível, mas é comparável a qualidade. Asa Sul tem o privilégio de ter nascido primeiro, então tem uma vegetação mais abundante, mais florida. As quadras 700 se tornaram muito feias, muito degradadas, mas tem espaço e ventilação. Fora daqui, temos alguns condomínios, que é preciso ser justo, são muito agradáveis. Está acontecendo esse processo onde quem tem meio de locomoção próprio, pode escolher onde morar – o Altiplano Leste é um local seleto. Mas nós temos que nos preocupar é com os lugares onde os moradores não tem escolha de localização. Hoje em dia ainda é um privilégio poder morar perto de um hospital e de uma linha de ônibus, mas já é um grau de pobreza. O Plano Piloto é um paraíso, temos que nos dar conta do privilégio em termos mundiais. A Carla Osório, que é uma promoter de arte, fez uma Bienal de Arquitetura junto com o IAB, e me pediram para fazer o programa educativo da Bienal e treinar monitores para acompanhar escolas e grupos que iam visitar. Então o que

podemos dizer de uma Bienal que premiou palácios de uma arquitetura rica, e nós temos que conduzir por aí estudantes que moravam em Samambaia e na Ceilândia? Então eu tive a oportunidade de mostrar que o que se faz, na verdade, não é só do dono que constrói, aquilo pertence à rua por onde eu passo e que aquilo tem obrigação de ser belo. Não pode ser uma coisa qualquer, pois aquilo me pertence também, está na minha paisagem. Ao terminar a visita, eu pedia para os estudantes desenharem o espaço onde eles vivem, crianças que estavam pegando no lápis pela primeira vez. O resultado foi surpreendente! Quando eu pedi para uma criança desenhar a planta da casa, a criança desenhou uma casa com telhado de duas águas com uma palmeira da frente. Aquela criança entendeu a proposta, ela desenhou o que se identificava na casa. Isso é uma forma de lutar contra a exclusão. Existem aqueles que dizem que Brasília é o plano piloto. Não! Brasília é tudo. De Brasília até Ceilândia, é o Céu Azul. Isso é Brasília com todas suas contradições. Existem as próprias pessoas da Ceilândia que dizem que não fazem parte de Brasília. Fazem sim! Existem pessoas no Plano Piloto que lutam pela integração da Ceilândia. Então existe a Brasília boa e a Brasília que não presta, eu só admito esse tipo de divisão. Eu acho essa discussão super importante, pois esse separatismo gera uma agressividade entre as cidades. Outro dia eu tive uma discussão com uma aluna de comunicação que mora na Samambaia. Ela só ia para a Unb para Revista CAU/UCB | 2018 | Perfil

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assistir aula e depois voltava para casa. Ela dizia “ eu sou de Samambaia, não sou daqui, isso aqui não me diz respeito” e eu disse para ela “ você está enganada, você é daqui sim, e você tem responsabilidade com tudo o que acontece aqui, como nós temos responsabilidade com tudo que acontece lá”. Eu acredito que existe um ressentimento do pessoal da Ceilândia, de como se formou a Ceilândia, que foi realmente um processo de expulsão dos moradores. Eu tive a oportunidade de ver essa relocação, que foi quase que uma operação de guerra. Eu vi os barracos serem levados em caminhões da limpeza urbana, você quer algo mais simbólico do que isso? Isso é dramático. Isso cria ressentimento, e esse ressentimento gera a criação de guetos. O que mais me surpreende na Ceilândia não é a pobreza das construções, mas a falta de vegetação, você não vê uma arvore. A cidade é uma só: Brasília. O resto são bairros. Brasília hoje é uma cidade metropolitana, que está além dos limites do Distrito Federal. O nosso sistema centrifuga as pessoas pobres para cada vez mais longe. O transporte público é a força que pode combater essa centrifugação da população.

“Existe um mal-entendido de que Lucio Costa era um arquiteto elitista, que previu a divisão de classes, que projetou a cidade para elite, e no máximo para classe média. E onde ficam os pobres? O Lucio Costa era uma pessoa da maior sensibilidade para isso.” Coutinho

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Palavras-chave: Vitrúvio, Alberti, decoro, concinnitas.

Carolina Borges | Professora do CAU/UCB

Fachadas de templos que ornamentavam a cidade clássica formavam cenários, onde pilares e estuques eram configurados com o objetivo de engrandecer essas arquiteturas, e consequentemente, o poder do Estado. No tratado do arquiteto romano Marco Polo Vitrúvio, a arquitetura era entendida do ponto de vista da cidade, e esta deveria ter tal configuração que indicasse uma ordem e um decoro. Nesse sentido, a arquitetura teria um papel cívico, atuando diretamente em questões éticas, que são inseparáveis da estética.

A CONCINNITAS, O DECORO E A CIDADE

Fig 2 - Templo E em Selinunte, Sicilia. 490 a.C. Fonte - http://www.arquiteturaclassica.com.br/o-templo-grego/

RESUMO

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INTRODUÇÃO As categorias que estruturam o tratado de Vitrúvio – firmitas, utilitas e venustas – deveriam ter tal integração numa obra, que nela só haveria beleza caso esta tivesse uma utilidade não decorativa, do mesmo modo em que a estrutura só seria apropriada caso fosse proporcional e bela. Entendemos como “utilidade” não somente aquelas de função prática, mas também as que revelam elementos conceituais – nesse sentido, a “função” pode ser abstrata e subjetiva.

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Os templos gregos funcionavam mais como um cenário da vida urbana do que um espaço de abrigo. As cerimônias e festejos religiosos eram realizados diante daqueles cenários. A cidade, com seus espaços públicos, era efetivamente usada. Os espaços internos dos templos serviam como invólucro para a estátua sagrada, sendo que o local de permanência era externo, permeável e ornamentado pelas fachadas. O espaço externo era racional – infinito, constante e homogêneo – em uma cidade que era estrutura (desenho urbano), utilidade (espaços públicos) e beleza (ornamentos/ fachadas). No texto de Vitrúvio, em vários momentos a arquitetura era tratada do ponto de vista da cidade, onde as fachadas das edificações serviriam como elementos delimitadores dos espaços vazios formados pelas ruas e praças. Tais edifícios deveriam seguir uma ordenação, com ornamentos comedidos para não comprometer a sobriedade do conjunto, uma vez que a Revista CAU/UCB | 2017 | Artigos

arquitetura não era vista prioritariamente como uma unidade, mas como parte que compunha a cidade. A composição e o ordenamento tinham um propósito – o belo em si não era o principal objetivo. A arquitetura deveria conferir um caráter ao espaço urbano, assim como o ornamento deveria conferir um caráter à arquitetura. Assim como no texto Vitrúvio, várias passagens do tratado de Alberti autorizam uma leitura da arquitetura e da cidade enquanto um discurso. Para Françoise Choay (Choay in Alberti, 2004, pag.20), por ter se baseado na tríade vitruviana (firmitas, utilitas e venustas), o texto de Alberti se divide em três partes – necessidade, conveniência e prazer. Alberti faz da tríade vitruviana não só o seu próprio postulado arquitetônico, mas o utiliza na estruturação do seu texto. Com relação à beleza, Alberti distingue duas categorias: a pulchritudo vaga, uma beleza na estrutura, inata, inerente, e a pulchrituo adhaerens, uma beleza acrescentada (ornamento). Em arquitetura, a beleza inerente constitui-se de formas expressivas próprias da estrutura. A beleza acrescentada interliga monumento e cidade, além de ser um instrumento que identifica os edifícios, aprimorando suas formas e conferindo caráter e dignidade. A composição ordenada na cidade e na arquitetura dos templos, bem como a perfeita integração entre forma e conteúdo, entre beleza e funcionalidade, contribuem para a formação de um discurso claro e coerente. A beleza só existia na medida em que era dotada de um conteúdo que

traduzia o ideário e as aspirações daquela sociedade da antiguidade clássica, além da busca de um caráter de cidadania. O Decoro e o Conveniente

É importante destacar que a segurança, a glória e o decoro do Estado se devem, em grande parte, ao arquiteto (...). Consequentemente, não se pode negar que temos de louvar e honrar o arquiteto e inclui-lo entre os maiores benfeitores da humanidade, pelo agrado e leveza que suscitam suas obras, pela necessidade, vantagem e utilidade das suas invenções, e pelos benefícios que delas obtém a posteridade.1 (ALBERTI, 1988, pag.32) 1

(...) Let it be said that the security, dignity, and honor of the republic depend greatly on the architect: it is he is responsible for our delight, entertainment, and heath while at leisure, and our profit and advantage while at work, and in short, that we live in a dignified manner, free from any danger. In view then of the delight and wonderful grace of his works, and of how indispensable they have proved, and in view of the benefit and convenience of his inventions, and their service to posterity, he should no doubt be accorded praise and respect, and be counted among those most deserving of mankind`s honor and recognition. (ALBERTI, 1988, pag.5)

Decorum é a tradução latina para o que a Grécia antiga designava “o conveniente” – é adequação ou conveniência entre as partes em si e o todo da obra, que para ser (ou parecer) verdadeiramente bela, deve estar em conveniente conformação com sua natureza, função e circunstâncias (Camarero, 2000, pag.106). A adequação entre a forma e o caráter (função) é fundamental para se alcançar o decoro, além da adequação às circunstâncias de tempo e de lugar. Dizemos ainda que o decoro é a aparência isenta de erros de uma composição, obtida por meio da obediência às normas e aos costumes, ou por meio da adequação à natureza. À Minerva, Marte e Hércules são erigidos templos dóricos, pois devido à sua virilidade, é adequado que em honra a esses deuses sejam construídos templos sem adornos. À Vênus, Flora, Prosérpina e às ninfas são erigidos templos coríntios, os quais parecem ter as qualidades adequadas em razão de sua suavidade característica. Em templos no estilo jônico dedicados a Juno, Diana e Baco, é preciso levar particularmente em consideração sua posição, porque a ornamentação desses templos está longe da rudeza do estilo dórico e da graciosidade do coríntio. O uso das ordens arquitetônicas não se limitaria apenas ao uso dos edifícios, mas também à sua implantação (cidade ou campo, montanha ou vale...). No tratado de Alberti, a implantação e o nome do local eram considerados parte do “ornamento”.

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co, onde o, homem no centro do universo e no centro da perspectiva, passa a ser o mais importante expectador daquele ponto de fuga central. Nos dizeres de Giedion (2004, pag. 58), “com a invenção da perspectiva, a moderna noção de individualismo encontrou sua contrapartida artística. Numa representação em perspectiva, cada elemento acha-se relacionado com um único ponto de vista, o do espectador”.

Fig 3 - Templo de Netuno. Paestum, século V a.C.

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O ornamento, além de decorativo, possuía uma utilidade prática, uma função de decoro e uma justificativa ética. A beleza do ornamento poderia resguardar a cidade de invasões de inimigos, servindo assim aos interesses políticos e desempenhando um papel ativo de persuasão. O ornamento não é somente um elemento estético, mas também um atributo de caráter cívico. Tanto em Vitrúvio como em Alberti, é clara a importância da relação de comodidade dos elementos da arquitetura em si (enquanto forma e função) e desta com a cidade. Para ambos os arquitetos, o decoro faz parte da beleza, que é entendido como uma ordem que também é diretamente relacionada ao caráter de cidadania. O ornamento é um elemento que diferencia os edifícios entre si, e para que Revista CAU/UCB | 2017 | Artigos

esse diálogo se estabeleça de uma forma harmônica, este deve ser comedido. O espaço privado se torna público na medida em que as fachadas (das casas, principalmente) são voltadas para rua, logo, estas devem ser ordenadas e providas de decoro.

O ideal renascentista de que o homem é o centro do universo faz valer essa nova noção espacial, onde todo o espaço de uma praça, por exemplo, é configurado para ser visto por esse único observador, estático em um ponto central. A praça renascentista, que geralmente era limitada por arcadas, constituindo assim um espaço finito, era coroada pela igreja, edifício principal. Essa igreja fecha uma perspectiva com seu ponto de fuga central coincidindo com o ponto de fuga de toda a praça, de onde terá um local privilegiado no qual este conjunto será melhor percebido. A tentativa em estabelecer eixos visuais comuns a todos e uma única lei reforça a ideia de perenidade das coisas, da constância da vida e a da demonstração de uma verdade – a matemática e a geometria na sua exatidão.

Fig 4 - Filippo Brunelleschi. Capela Pazzi, Florença, 1430

Uma diferença fundamental entre Vitrúvio e Alberti está relacionada à espacialidade. Alberti demonstra uma maior preocupação em relação às perspectivas e vistas do sujeito dentro dessa ordenação no espaço urbano. A mudança do conceito do desenho a partir do século XIV é fundamental para esse entendimento. O desenho passa a ser um meio de se chegar a uma ideia, e não um fim em si. O desenho e a geometria tinham não só uma importância na percepção espacial, mas também possuíam um valor simbóliRevista CAU/UCB | 2018 | Artigos

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Por outro lado, ao mesmo tempo em que o homem é celebrado na sua humanidade, ele também é reduzido ao seu caráter generalista, pois todos os elementos do espaço são configurados para serem vistos por esse homem estático – o local já é determinado, assim como as vistas. Nesse sentido, esse espaço que cria um cenário com suas fachadas e simultaneamente considera o homem como expectador e ator principal, desconsidera o seu caráter enquanto individuo, ao submeter às mesmas leis qualquer um que esteja ali. O artista tem autonomia, o homem que irá se apropriar daquele espaço, não.

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Essa perspectiva criada num espaço da praça, por exemplo, que é linear e homogênea, transforma espaços reais em espaços matemáticos, ideais e infinitos, que não correspondem ao mundo real, pois geralmente não existem realidades que contenham em si um centro privilegiado. Podemos dizer que essa condição do espaço cria um cenário com um “pequeno mundo” dentro de outros “mundos”, onde existem fachadas, praças e um homem solitário. A arquitetura e o espaço urbano da cidade renascentista, com sua racionalidade, geometria e matemática, se tornam obras “fechadas” num sentido ideológico. A ciência aparamente resolveria todas as questões, e a arquitetura seria uma manifestação desse novo ideário. O sujeito com conhecimento para a leitura dessa arquitetura deveria ter um conhecimento prévio, logo, um homem “educado”, e não o homem comum, que Revista CAU/UCB | 2017 | Artigos

constituía a maioria da população. Nesse sentido, a catedral gótica seria mais popular e acessível para leitura, assim como a barroca, que tem ornamentos mais evidentes e até apelativos, que procuram convencer por um discurso mais sedutor e menos demonstrativo e racional que o renascentista. A Concinnitas A concinnitas, conceito desenvolvido por Alberti, é o princípio da beleza onde as partes da obra se articulam proporcionalmente entre si e com o conjunto. Tal conciliação resultante da fusão entre a beleza e funcionalidade, gera uma harmonia. A função se refere não somente ao atendimento das necessidades individuais dos homens, mas aos princípios de ética e moral, que faz da arquitetura um agente de mudança de consciência do homem e, consequentemente, de transformação da sociedade. O objetivo ultimo era pensado do ponto de vista da sociedade. A atenção que se poderia dar ao indivíduo acontecia na medida em que este, com seus pares, teria condições de formar uma sociedade “decorosa”. Do mesmo modo como a arquitetura em si era menos importante que a cidade.

Mas se devêssemos assinalar uma arte, por sua natureza indispensável, e que conseguisse conciliar também a conveniência prática com o agrado e o decoro, a meu ver nessa categoria dever-se-ia incluir a arquitetura; visto que é demasiadamente vantajosa para a comunidade e para os particulares, especialmente agradável ao gênero humano (...).2 (ALBERTI, 2012, pag.29)

A concinnitas, para Alberti, busca uma maior liberdade do que a da correspondente noção clássica vitruviana da eurritmia – “forma exterior elegante e aspecto agradável na adequação das diferentes porções” (grifo nosso – Vitrúvio, 2009, pag. 38). A eurritmia está muito mais ligada ao aspecto formal e de dimensões que a concinnitas, que envolve também as relações culturais e sociais. Para Vitrúvio, 2

If, however, you were eventually to find any that proved wholly indispensable and yet were capable of uniting use with pleasure as well as honor, I think you could not omit architecture from that category: architecture, if you think the matter over carefully, gives comfort and the greatest pleasure to making, to individual and community alike, nor does she rank last among the most honorable of the arts. (ALBERTI, 1988, pag.2 e 3)

a eurritmia acontece quando as partes da obra são proporcionais, de uma forma harmônica, na altura em relação à largura e nesta em relação ao comprimento, ou seja, quando todas as partes correspondem às respectivas comensurabilidades (Vitrúvio, 2009, pag. 38). Assim como o corpo humano possui uma relação de proporção entre partes, existe na arquitetura uma relação das partes com o conjunto (ex. – raio da coluna com as dimensões do tríglifo). De acordo com Brandão (2013, pag.348), “a concinnitas é também uma correspondência entre o instante e a duração, entre o contexto presente e a história, entre a forma e o caráter daquilo que edificamos (o decoro), entre o indivíduo e o cidadão, entre este e a polis e entre a polis e o bene beateque vivendum” (uma vida boa e feliz). Ainda para Brandão, Alberti pensa a concinnitas como uma ferramenta que gera um discurso, a partir da forma, digno das necessidades humanas que a obra abriga. E “esse decoro, essa proporcionalidade existente entre a aparência estética e o conteúdo ético que o discurso arquitetônico se define como Belo, traça seus objetivos e edifica-se como um valor”. (Brandão, 2000, pag.198) O oposto da concinnitas também é citado por Alberti em outros textos literários, relacionando o conceito com a literatura e com a retórica. A inconcinnitas3 – esti3

In contrasto con Cicerone che si esprimeva con uno stile ampio, articolato, ricco di subordinazione, Sallustio preferisce un discorso irregolare, pieno di asimmetrie, antitesi e variazioni di costrutto; tale Revista CAU/UCB | 2018 | Artigos

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lo muito usado pelo historiador, orador e político romano Tácito – diz respeito à irregularidade, dissonância, ausência de melodia e de simetria. No trecho abaixo, Alberti descreve sensações ligadas à concinnitas na literatura:

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Não existem vozes e cantos tão suaves nem consoantes conjunções que possam se igualar à concinnitas da elegância de um verso de Omero, de Virgílio ou de outros poetas tão bons quanto. Não existe espaço tão deleitoso e florido tanto quanto gratos e amenos, como uma oração de Demostenes, de Tullio, de Lívio ou Senofonte ou de outros igualmente suaves (...)4.(tradução nossa ALBERTI, 1994, pp 72,73)

stile prende nome di inconcinnitas (disarmonia). (http://it-it.abctribe.com/Wiki/versioni_latino/inconcinnitas_e_particolarit_agrave/_gui_335_11) 4 Non è sí soave, né sí consonante coniunzione di voci e canti che possa aguagliarsi alla concinnità ed eleganza d`un verso d`Omero, di Virgilio o di qualunque degli altri ottimi poeti. Non è sí dilettoso e sí fiorito spazio alcuno, quale in sé tanto sia grato e ameno quanto la orazione di Demostente, o di Tullio, o Livio, o Senofonte, o degli altri simili soavi (…). (Alberti, 1994, pp 72,73) Revista CAU/UCB | 2017 | Artigos

O belo simplesmente para fruição desinteressada era algo impensável para Alberti. O belo se estrutura por si mesmo (discurso, texto ou arquitetura) e só existe na medida em que possui um propósito cívico de gerar uma “vida boa e feliz” aos homens. Ao mesmo tempo, o belo era considerado mais do ponto de vista de quem frui do que do criador. A preocupação de Alberti estava em uma beleza “conveniente” e “necessária” pensada do ponto de vista da virtu, e era pela “utilidade” que a arte teria a sua legitimação. Comentários Conclusivos

Tanto na cidade clássica quanto na renascentista, se os edifícios públicos deveriam representar um ideário do Estado, era conveniente que o ornamento fosse austero e comedido, uma vez que a arquitetura era pensada do ponto de vista da coletividade. O gosto individual e a subjetividade na arte pouco importava e o caráter universal da arquitetura estava em primeiro lugar. A importância dada à geometria, ao desenho e à matemática revelam este aspecto mais objetivo da arte, mas sempre com o propósito de gerar uma beleza e de servir como ferramenta para seus devidos fins de ordenação.

Vitrúvio era um patrício e dedica seu tratado ao César. Alberti, por sua vez, estava ligado à Igreja Católica. Em seus tratados, ou de outro tratadista desses períodos, não se fala em habitações populares ou melhoria das condições de vida das pessoas menos favorecidas. Essa não eram uma preocupação. O pensamento de ambos os arquitetos, estruturado no conjunto da sociedade e não no individuo, talvez entendesse que o escravo e o camponês eram necessários para que a sociedade se desenvolvesse plenamente. De qualquer modo, o “bene beateque vivendum” (uma vida boa e feliz) que Alberti prega, não tinha como finalidade a melhora da vida do homem comum. Por outro lado, a cidade era ocupada por todos, e a arquitetura religiosa e os espaços públicos eram de uso comum. Não se preocupavam com as necessidades dos menos favorecidos, mas ambos os tratados consideram a arquitetura, privada ou pública, como um meio de se criar uma cidade ordenada.

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Palavras-chave: Engenho; Pará, História;

Brahyner L. Figueiredo, Bruna L. Póvoa, Débora Dantas e Marcílio Sudério | CAU/UCB

O artigo busca apresentar edifícios de diferentes períodos da história de Belém até o século XIX, ressaltando as características da região do Pará e principais edifícios públicos, focando em suas características arquitetônicas e nas diferenças presentes nos projetos. Além disso, são apresentadosperíodos como o barroco, rococó e o neoclássico tanto no Brasil quanto no exterior.

ARQUITETURA CIVIL E RELIGIOSA NO PERÍODO COLONIAL EM BELÉM, PARÁ

Fig 5 - Ihreja em Belém. Fonte: http://www.ideiasedicas.com/dicas-turisticas-de-belem-para/igreja-em-belem-pa/

RESUMO

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O edifício que servia como residência aos governadores do estado do Pará era um casarão velho que possuía problemas de estrutura e, apesar das reformas, o local não resistiu – algumas de suas paredes e a escadaria caíram. Os arquitetos, a partir de uma vistoria, resolveram então demolir o edifício e construir um novo para abrigar a sede do estado do grão Pará e Maranhão que se transferia de São Luís para Belém. Foram algumas tentativas de negociação com a coroa para a liberação de verba para que fosse efetuado tal ação, mas somente após alguns anos, conseguiu-se completar a obra, no final do século XVIII.

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O edifício possui uma planta retangular de 58,25x16,25 metros e é coberto por um telhado de quatro águas. Apresenta uma longa fachada de dois andares, enquadrada por cunhais rusticados, com um corpo central de três panos delimitados por pilastras também rusticadas, rematado por frontão triangular. Ao corpo central adossa-se um pórtico, vazado por três arcos redondos e encimado por varanda com balaustrada, para a qual abrem três porta-janelas. No piso térreo rasgam-se 14 janelas com molduras de tipo pombalino e uma porta central; no piso superior 15 porta-janelas com grandes em ferro, rematadas por frontões triangulares, à excepção da central com frontão contra curvado. (MAYER, 2003, P. 381)

Fig 6 - Antônio José Landi, primeiros projetos para o palácio dos governadores, Belém, Pará, plantas e cortes, desenho à pena.

Arquitetura Civil Colonial

O arquiteto Antônio José Landi foi designado para a construção do palácio dos governadores (figura 6).

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Fig 7 - Antônio José Landi, segundo projetos para o palácio dos governadores, Belém, Pará, planta baixa, desenho à pena.

Landi;

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Na posposta final do projeto (figura 8) para o palácio, poucas modificações acontecem: o corpo central passa a ser saliente em relação à restante fachada e em vez do frontão triangular, encontramos um pequeno frontão elevado de perfil semicircular, centrado por ornato em forma de anel, a escadaria anteriormente no corpo central é transferida para ala direita e aparece duas escadas menores, de serviço. Ambos os pavimentos contemplavam soluções eruditas “bebidas” em palácios

notáveis dos engenhos eram: a fábrica, a casa do proprietário (conhecida como casa-grande), a capela e a senzala, como era nomeada a habitação dos escravos.

Arquitetura do Açúcar

O engenho do Murutucu foi um dos mais prósperos engenhos de açúcar da região norte, fundado por João Manuel Rodrigues, e em 1766 o engenho tornou-se propriedade do arquiteto italiano Antônio José Landi, arquiteto que exerceu um papel crucial para a formação da cidade de Belém. Na época de sua construção, o sítio era situado em uma área distante do centro da cidade, a ação do tempo e

No século XVII, as fazendas de plantação de cana já eram populares no território brasileiro, porém, devido ao alto custo de implantação do mecanismo de moagem da cana, nem todas as fazendas que faziam esse tipo de cultura possuíam um engenho. Algumas fazendas que possuíam engenho eram verdadeiros povoados, com moradias distintas, capelas, estribarias oficinas e olarias. Os edifícios mais

Fig 8 - Antônio José Landi, proposta final do projeto para o palácio dos governadores, Belém, Pará, alçado principal e cortes, desenho à pena.

do homem transformou-o em ruínas, do qual restam apenas as paredes da capela que formava o complexo da propriedade rural (Figura 9) e depois a residência desse arquiteto. A arquitetura do engenho do Murutucu

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Fig 10 - Engenho Murutucu

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italianos, principalmente o segundo, possuindo alas abobadadas. As janelas presentes no pavimento térreo apresentam as molduras pombalinas.

Fig 9 - Antônio José Landi, segundo projetos para o palácio dos governadores, Belém, Pará, alçado principal e cortes, desenho à pena.

Na planta baixa (figura 7) é possível observar que possui um átrio, no qual dá acesso a porta principal.

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possui semelhança com os demais engenhos do brasil (Figura 10), construídos na mesma época, porém, apresenta ornatos e emprego de materiais da região mesclados aos tradicionais materiais que compõem a estrutura em taipa de pilão. Os beirais alongados foram a solução para o escoamento das grandes chuvas, o que formou uma grande varanda na fachada principal. A varanda funcionava como uma área de transição, um espaço semiprivado que permitia a ventilação e a proteção contra chuvas e insolação. A senzala era um conjunto de cubículos com apenas um ambiente interno, sem janelas com uma única porta voltada para a galeria que circundava a edificação. Sobre a capela, Isabel Mayer a define como:

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em diversos locais, principalmente nas colônias, acarretando uma nova maneira de expressar a beleza e a simplicidade levando em conta que em razão da pressa de se ter edificações públicas que representassem a igreja e atraíssem fiéis na Europa e fora dela, nas colônias. No Brasil, esse movimento se iniciou na Bahia e se estendeu por todo o litoral brasileiro, porém, como este trabalho tem foco Belém, iremos falar do maior ícone religioso deixado pelos jesuítas na cidade, a igreja de Santo Alexandre. A igreja de Santo Alexandre se encontra na praça frei Caetano Brandão, cidade velha. Essa igreja teve a participação dos índios na decoração e na elevação de suas paredes, sendo assim resultado de um processo de cristianização de sucesso. No texto, a arquitetura dos jesuítas no Brasil, Lucio Costa compara a Igreja de Santo Alexandre com a São Roque na Bahia:

A capela (...) tem planta retangular, uma nave de três ramos delimitado por pilastras e uma pequena capela-mor Aquilo que em Salvador é da mesma largura separada da nave por colunas adossa- medida, apuro e distinção, no das que serviam de apoio ao Pará se traduz de uma forma tosca e meio bárbara, com arco triunfal. (2003, P.504) certos elementos tão fora de Arquitetura Jesuítica escala que chegam mesmo a parecer brutais. O que, enA movimentação jesuíta se inicia em um período turbulento para a igreja católica, tretanto, não deixa de ter a

sua beleza, assim como um autêntico fruto da terra, em contraste com a arquitetura mais recente da cidade, tanto religiosa como civil. (COSTA, 2014, P. 148) A igreja possui características do barroco, já que este era o período artístico e arquitetônico desta época. Sua fachada,

como é mostrada na figura 11, possui duas torres onde duas volutas se encostam e se contraem; seu volume vertical é estendido negando a pequeneza do prédio; compacto e robusto ainda se encontra uma semelhança com o renascimento (sendo de um período inicial do movimento ainda possuindo uma fachada lisa) porém com várias aberturas.

A planta da igreja possui uma nave central e tem a forma de uma cruz latina com quatro capelas de cada lado, formando ao total oito capelas que comunicantes com a sacristia. Estas capelas são feitas por arcos redondos que se apoiam em pilastras. Na nave da igreja há a presença de púlpitos que foram construídos em madeira em forma de pirâmides e de decoração exacerbada característica do barroco. Estes púlpitos foram feitos com a junção de conchas, volutas com anjos, atlantes e figura de olhos vendados. Além disso, há a existência da grandiosa capela-mor, a

já que o protestantismo tinha acabado de surgir. A Igreja Católica necessitava de fiéis, e em busca de uma nova forma de atrai-los, iniciou uma série de missões

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qual é feita em talha, a sacristia, e apoiando-se nas pilastras das grandiosas capelas, estão as tribunas, as quais eram utilizadas pelas pessoas com maior poder aquisitivo na época para assistirem as celebrações. (DERENJI, 2009. P. 117, 118.) Barroco Brasileiro Em 1640 surgia o primeiro convento dos religiosos de Nossa Senhora Mercês (figura 13), com sua fachada principal voltada à praça Visconde do Rio Brando (Largo das Mercês), no bairro da Campina, Belém. Originalmente construído em taipa, foi

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Fig 11 - Museu de Arte Sacra, Belém.

Fig 13 - Igreja e Convento das Mercês, Belém, Pará, fachada principal.

substituído pelo atual, que teve início da sua construção em 1748, planejado pelo arquiteto Antônio José Landi em estilo de barroco primitivo, no dia 15 de setembro de 1763. No ano de 1791, o convento foi extinto, transferindo os religiosos ali presente para o convento do Maranhão e os seus bens incorporados na coroa. Em 1796, o convento passa a ser então a instalação da alfandega e um quartel, não fixando no lugar.

O edifício possui dois claustros quadriculares, a nascente da igreja, um deles incompletos. Na frontaria ressalta o corpo central, convexo, enquadrado por duas pilastras em ressalto, que se prolongam no frontões mistilíneo, acima de um entablamento com tríglifos. Ladeando esse corpo arredondado, as duas torres surgem recuadas, com faces encimadas por frontes triangulares, com cúpulas bolbosas e vazadas por óculos. Três portais e três janelas vazadas por janelas. O portam principal, em pedra liós,

Fig 12 - Planta Baixa da Igreja, Belém.

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aproxima-se do portal da Sé - o mesmo tipo de frontão, as mísulas em forma de volutas, apenas variando a verga polilobada. Os portais laterais, no mesmo material, mostram óculos cegos no tímpano de um frontão de chaveta. (MAYER, 2003, P. 298) Como demonstrado na planta baixa (figura 14), seu interior é composto por uma única nave central, antecedida de um coro estribado em três arcadas e dois tramos, com abobadas de arestas. Em cada um dos alçados laterais da nave, rasgamse três capelas profundas, encimada por tribunas com balaustradas arqueadas, que se segue uma capela mais funda e elevada, antecedida de duplas pilastras

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continuando até os capiteis do arco triunfal. Rococó Brasileiro O rococó brasileiro possui diversas características regionais, como as esculturas produzidas por artistas brasileiros que colocavam características nacionais em suas representações religiosas. “No final do século XVIII a superficialidade decorativa do rococó tornou-se cenário dos altares mineiros e litorâneos, e também do modo de vida dos poderosos.” (MENDES, 2007, P.65)

Do conjunto de suas obras (Landi) de arquitetura religiosa, destacam-se as fron-

Fig 14 - Igreja e Convento das mercês, Belém, Pará, planta baixa.

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compósitas, construindo uma espécie de transepto inscrito. A sacristia possui uma ampla sala retangular no topo da capela-mor, a qual é profunda e estreita, seu acesso se dá através dos lados do arco triunfal que rasgam-se portais de remate elaborada. Tanto a nave como a capela são cobertas por falsas abóbadas redondas em madeira, e um friso moldurado separa os dois pisos dos alçados da nave interrompido apenas nas capelas maiores,

tarias das Igreja da Nossa Senhora do Carmo e da Nossa Senhora das Merces, de Belém, essas igrejas encontravam-se inacabadas e suas fachadas projetadas por Landi apresentam nítida feição rococó com curvas sequenciais nos frontões e na própria disposição da fachada da igreja do Carmo. (MENDES, 2007, P. 67) A igreja da nossa senhora do Carmo possui uma fachada com características do período Rococó, reconstruída por Landi na década de 60. No interior da igreja há uma nave principal com três tramos delimitados por colunas compósitas adossadas, sobre as quais se assentam o embasamento com um friso. Entre as colunas rasgamse capelas pouco profundas inscritas em vãos de arcos arredondados).

Na planta de Landi é repreFig 15 - Igreja da Nossa Senhora do Carmo - Ilustração; IPHAN

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sentado o corpo da fachada que causara os problemas (compreendendo o Nártex com coro alto sobreposto, ladeado pelas torres sineiras), e o novo corpo de planta em cruz latina a ela adossado. Apesar de Landi ter previsto no corte longitudinal uma eficaz junção dos dois corpos tal não aconteceu na obra construída. (MAYER, 2003, P. 389) 38

As características do Rococó podem ser vistas na leveza dos traçados na fachada, na influência de elementos orgânicos, como plantas e conchas que se distribuem no frontão. Apesar de não ter sido realizado em sua integridade, a fachada possui características do período rococó. Metodologia O método usado foi a leitura e interpretação de mapas e textos (artigos, livros, monografias, entre outros), utilizando ainda marcações para evidenciar detalhes técnicos sobre os projetos mencionados e alterações ocorridas com o tempo. Além disso, desenvolveu-se comparações entre períodos artísticos da história entre nacionais e internacionais presente nos séculos apresentados.

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Conclusão Belém do Pará é uma cidade histórica que possui um conjunto de edifícios com estilos e partidos arquitetônicos distintos, que refletem a história da cidade, o costume de seus habitantes, sua relação com a metrópole e a influência de outros países. Através das pesquisas foi possível concluir que o trabalho do arquiteto Antônio José Landi foi essencial para o desenvolvimento de projetos e reformas que alteraram e valorizaram a arquitetura local. A análise das características arquitetônicas revela que apesar da grande influência estrangeira, Belém incorporou, mesmo que sutilmente, seu próprio traçado tornando as obras presentes na região originais e únicas. BIBLIOGRAFIA AMARAL, Ribeiro do. Fundação de Belém do Pará: jornada de Francisco Caldeira de Castelo Branco, em 1615-1616. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004. 108 p. -- (Edições do Senado Federal) COSTA, Graciete; Revista Eletrônica EXAMÃPAKU | ISSN 1983-9065 | V. 07 – N. 02 | Maio. Agosto/2014 CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico e suas denominações 1898, 2ª Edição, Belém, CEJUP, 1992, p.1-23 CRUZ, Ernesto. As Edificações de Belém 1783 a 1911. 1ª Edição, Belém, Concelho Estadual de Cultura, 1971, p.1-29

CRUZ, Ernesto. História de Belém - 1783 a 1911. 1ª Volume, Belém, Universidade Federal do Pará, 1973, p.1-53 CRUZ, Ernesto. História de Belém - 1783 a 1911. 2ª Volume, Belém, Universidade Federal do Pará, 1973, p.1-53 CRUZ, Ernesto. Ruas de Belém: significado histórico e suas denominações 1898, 2ª Edição, Belém, CEJUP, 1992, p.1-23 CRUZ, Ernesto. As Edificações de Belém 1783 a 1911. 1ª Edição, Belém, Concelho Estadual de Cultura, 1971, p.1-29 CRUZ, Ernesto. História de Belém - 1783 a 1911. 1ª Volume, Belém, Universidade Federal do Pará, 1973, p.1-53 CRUZ, Ernesto. História de Belém - 1783 a 1911. 2ª Volume, Belém, Universidade Federal do Pará, 1973, p.1-53 DERENJI, Jussara da Silveira. Igrejas, palácios e palacetes de Belém / Jorge Derenji e Jussara da Silveira Derenji. Brasília, DF: Iphan / Programa Monumenta, 2009. MAYER, Isabel. Antônio José Landi (1713/1791) um artista entre dois continentes. 2003 MENDES, Chico.; BITTAR, William S. M.; Veríssimo, Francisco S. Arquitetura no Brasil: de Cabral a D. João VI. 1. ed. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2007. PANITZ, Briane. Arquitetura na formação do Brasil. Revista CAU/UCB | 2018 | Artigos

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Palavras-chave: Brasília, Cidadania, Estética.

SOBRE O RECONHECIMENTO DE BRASÍLIA COMO FATO ESTÉTICO – ENSAIO DE INTERPRETAÇÃO Matheus Gorovitz

Apreciada como fato estético, fruto da imaginação artística, Brasília refere-se ao mundo não tal como é, mas como se quer que seja, expressa antes as aspirações do que as realizações de uma determinada civilização, prevalece o sentido de Utopia. Suscita a questão da liberdade diante das limitações sociológicas e psicofisiológicas. O grau de integridade ou desintegração social do contexto que a origina não é determinante. Descrita como obra de arte será ajuizada pela beleza, a decodificação não depende de fatores extrínsecos ao objeto, mas da reunião das partes compondo um todo autônomo, único e coerente com o sentido geral intencionado e objetivado pelo projeto. Invariavelmente o sentido geral encerra uma proposta de convivência. Como fator de sociabilidade, ao promover a intersubjetividade pela partilha do sensível, Brasília contribui, no plano da criação artística e no quadro do ideário moderno, para engendrar a cidadania.

CIDADE E CIDADANIA

Fig 16 - Vista aérea de Brasília - Joana França

RESUMO

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ROTEIRO À GUISA DE SUMÁRIO Para embasar a hipótese acima formulada sigo este encadeamento de idéias: • Cidadão é quem reconhece, é reconhecido e se reconhece; a cidadania é tributária desta reciprocidade; • Reconhecimento e identidade andam juntos e para que algo possa ser reconhecido este algo deve manifestar-se enquanto identidade; • A identidade modela o reconhecimento na igualdade mediante o que é comum: tradição, hábitos, normas jurídicas e institucionais. E o reconhecimento modela a identidade na diferença, pelo que é singular: a beleza da obra;

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• Identificar - reconhecer visa ao “relativamente a si mesmo” unido à distinção do “relativamente a outra coisa que si mesmo” (RICOEUR, 2006, 38). Trata-se da dialética da alteridade, a consciência de Si, minha identidade se afirma pela diferença constitutiva de um Outro; • Autoconsciência, autonomia e identidade são termos correlatos, pressupõem a abertura ao Outro; condição que permite ao sujeito discernir seus próprios interesses dos interesses dos outros. Distinguir o coletivo do privado é o princípio instaurador da cidadania; • Identidade é o que permanece o mesmo enquanto ocorre a transformação de outras características, atributos, estados e se distingue de qualquer outra coisa; Revista CAU/UCB | 2017 | Artigos

• A identidade da obra de arte é consubstanciada pela racionalidade intrínseca ao processo de unificação de todos os componentes através da composição plástica enquanto técnica de objetivação do sentido geral, e é a garantia do caráter de permanência; • Promover a cidadania é o sentido geral da proposta de Lucio Costa, para tanto o traçado discerne e identifica o coletivo do privado por escalas apropriadas para, em seguida entrosá-las em um todo harmônico. Urbs e Civitas Considero aqui o fator ético ao ajuizar Brasília pela beleza – a cidade como fato esteticamente qualificado. Enquanto obra de arte, ao promover a intersubjetividade pela partilha do sensível1, contribui na construção da consciência de cidadania. O sentido ético reside na relação desinteressada de um com um outro como precondição para o exercício da liberdade, Honneth assim exprime:

Se a realização da liberdade individual é ligada à condi1

Marx: “A sensibilidade só através do outro existe como sensibilidade humana” (MARX, 1978,14). Jacques Rancière: “Pelo termo de constituição estética deve-se entender aqui a partilha do sensível que dá forma à comunidade. Partilha significa duas coisas: a participação em um conjunto comum e, inversamente, a separação, a distribuição em quinhões. Uma partilha do sensível é portanto, o modo como se determina no sensível a relação entre um conjunto comum partilhado e a divisão de partes exclusivas” (RANCIÈRE, 1995, 7).

ção da interação porque os Ela deve ser concebida não sujeitos não podem expericomo simples organismo camentar-se a si mesmos como paz de preencher satisfatorialivres nos seus limites que mente e sem esforço as funem frente de um parceiro ções vitais próprias de uma humano, então é necessário cidade moderna qualquer, que valha para o conjunto da não apenas como urbs, mas esfera da etnicidade o princí- como civitas, possuidora dos pio segundo o qual ela deve atributos inerentes a uma caconsistir em práticas de copital (COSTA, 1995, 283). mércio intersubjetivo (HON- Cidadania e Modernidade NETH, 2008, 87). Para Lucio Costa: “Cidade é a expressão palpável da humana necessidade de contato, comunicação, organização e troca” (COSTA, 1995, 277). O convívio interativo – a “troca” – distingue a Civitas da Urbs: a aglomeração de pessoas coabitando o mesmo território motivadas pelos interesses da economia prática. Da mesma forma é somente pela ação recíproca que o habitante se qualifica como cidadão. O sentido particular e contingente da Urbs afere-se, valoriza-se e se esgota no uso e desfrute das funções primordiais da cidade preconizadas pela Carta de Atenas: trabalhar, circular, morar, recrear. Ao relatar o projeto de Brasília Lucio Costa distingue a Urbs da Civitas:

Prevalece no mundo antigo o caráter “abstrato” de Cidadania, sentido jurídico da isonomia herdada da Polis, a cidade-estado da Grécia, e consagrada pelo Direito Romano. Por não confundir a ideia de cidadania com a existência concreta do indivíduo, o cidadão qualifica-se pela semelhança (homoioi), pela igualdade civil, jurídica e política – mesmos direitos e deveres. A condição moderna de Cidadania alicerça-se no advento do indivíduo como princípio e como valor. Implica em reconhecer a condição particular do indivíduo concreto – a pessoa, considerada como sujeito consciente da capacidade de agir motivado pelos atributos sensíveis, éticos, racionais e volitivos da subjetividade. A consciência de si engendra a consciência do ser coletivo, membro da sociedade ci-

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Brasília insere-se neste percurso por distinguir e reunir pelo traçado os suportes físico espaciais dos âmbitos da existência cotidiana, os que correspondem à vida pessoal dos indivíduos e os que correspondem à vida coletiva, seja nos aspectos cívicos como nos de caráter convivial: “Brasília compreende três partes devidamente entrosadas, o eixo monumental, o eixo rodoviário-residencial e, finalmente sobre o cruzamento deles, a plataforma” (COSTA, 1962, 306). Como urbanista Lucio Costa se incumbe de desenhar uma cidade onde os interesses dos indivíduos enquanto habitantes e enquanto cidadãos não são necessariamente incompatíveis: 2

“O reconhecimento de todo indivíduo enquanto subjetividade autônoma, capaz de determinar por si mesmo os fins e os meios de suas ações, capaz também de julgar por si de seu interesse próprio e do interesse do todo, e portanto instancia igualmente crítica suscetível de julgar a legitimidade de toda ordem política e institucional” (FISCHBACH apud HONNETH, 2008, 11).

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Os interesses do homem como indivíduo nem sempre coincidem com os interesses desse mesmo homem como ser coletivo; cabe ao urbanista procurar resolver, na medida do possível, esta contradição fundamental (COSTA, 1975, 277).

Fig 17 - Croqui de Brasília Relatório Lúcio Costa

vil2. Como corolário a consciência da separação do Público e do Privado. Sergio Buarque de Holanda observa: “Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar que é que nasce o Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão e responsável ante as leis da Cidade” (HOLANDA, 2005, 141).

Pela noção de escala3 – monumental, gregária e doméstica – Lucio Costa distingue o caráter dos espaços de celebração, gregários e da vida cotidiana:

Brasília foi concebida precisamente para o homem e isto em função de três escalas diferentes, porque a chamada escala humana é coisa relativa. O italiano da Renascença, por exemplo, se sentiria diminuído se a porta de sua casa tivesse menos de cinco metros de altura. Assim é o jogo de três escalas que 3

Edgar Graeff define escala humana: “Fundamentalmente escala das percepções estéticas do ser humano [...] não se baseia em qualquer dimensão do corpo, mas nasce de uma medida da consciência humana consciência que não pode ser definida por meio de deduções matemáticas e malabarismos geométricos, mas somente através de sínteses históricas e culturais” (GRAEFF, 1979, 28).

vai caracterizar e dar sentido a Brasília quando a cidade tomar verdadeiramente pé (COSTA, 1962, 343). Diferenciadas, as escalas são reconciliadas pelo traçado: “A variedade no tratamento das partes, cada qual concebida segundo a natureza peculiar da respectiva função, resultando daí a harmonia de exigências de aparência contraditória” (COSTA, 1995, 295). Pela equivalência das partes da composição o projeto reafirma seu compromisso com a modernidade, onde o coletivo e

o individual se confrontam sem que nenhum destes termos seja determinante do outro. Reconhecimento Aristóteles situa a noção de cidadania pela reciprocidade na ação de governar: “O cidadão é quem toma parte no fato de governar e ser governado” (ARISTÓTELES, 1999, 213). O verbo Reconhecer é polissêmico, traduz a concomitância dos sentidos ativo e passivo da formulação aristotélica: no “ser governado” reconheço outros, no “governar” sou reconhecido por outros.

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Síntese dialética destes termos, reconhecer-se é a garantia plena da identidade, o que sou – a consciência de si. O reconhecimento difere do conhecimento pela alteridade, a reciprocidade das relações intersubjetivas mediada pela afetividade4, o termo afeto comparece na definição de Aristóteles: “O reconhecimento, como indica o próprio significado da palavra, é a passagem do ignorar ao conhecer, que se faz pela amizade ou ódio dos que se destinam para a felicidade ou infelicidade” (ARISTÓTELES apud DUARTE, 1997, 37).

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O indivíduo ao reconhecer e ser reconhecido reconhece-se – identifica-se –, tem consciência da persistência da própria personalidade consubstanciada no intercâmbio social. O reconhecimento não é um gesto de cortesia em consideração à pessoa, é uma necessidade humana vital conquistada historicamente5. Uma consciência só chega a ser propriamente consciência através do reconhecimento de outra consciência. Eu só sou consciência porque 4

“O termo afectividade é utilizado para designar a susceptibilidade que o ser humano experimenta perante determinadas alterações que acontecem no mundo exterior ou em si próprio. Falar de afetos é falar da relação. A relação implica uma troca, em que se dá e se recebe, o que envolve sempre modificação dos elementos envolvidos. Nestas relações somos afetados pelos outros e afetamo-los. Os afetos que se estabelecem constroem a matriz da nossa vida pessoal e podem exprimir-se pelo amor mas também pelo ódio. A nossa sobrevivência psicológica funda-se nas relações interpessoais”. www.filosofia.com. pt/trabalhos/emo_afectos.ppt 5 Ver Honneth, A. Luta pelo reconhecimento. São Paulo: Editora 34, 2003. Revista CAU/UCB | 2017 | Artigos

o outro me vê como consciência6. Honneth situa:

Um indivíduo só está em condições de identificar-se plenamente a si mesmo apenas na medida onde as suas particularidades encontram uma aprovação e um apoio nas relações de interação social (HONNETH, 2008, 33). Reconhecimento e identidade são termos correlatos7. A identidade da pessoa desenvolve-se apenas quando se aprende a ver a si mesmo da perspectiva de interação de um outro – por reflexão:

Cássio – Bondoso Brutus, podeis, acaso, ver vosso semblante? Brutus – Não, Cássio; o olho a si mesmo não se enxerga, 6

“A autoconsciência é em si e para si enquanto que e porque é em si e para si para outra autoconsciência; isto é, só o é enquanto se a reconhece” (HEGEL, 1966, 113). “Só por meio da relação com o homem Paulo, como seu semelhante, reconhece-se o homem Pedro a si mesmo como homem” (MARX, 1983, 57). 7 “Em toda parte, onde quer que mantenhamos qualquer tipo de relação com qualquer tipo de ente, somos interpelados pela identidade. Se não falasse este apelo, então o ente jamais seria capaz de manifestar-se em seu ser como fenômeno” (HEIDEGGER, 2006, 40).

senão pelo reflexo em outra coisa. Shakespeare (Júlio César ato 1, cena 2) Identidade Heidegger ao mencionar a mediação indivíduo-comunidade como “comum-pertencer” diferencia dois vetores pelos quais a identidade é engendrada: no comum-pertencer a ênfase é no comum, na comunidade. Paralelamente, no comum-pertencer é enfatizada a singularidade –, a individualidade. Da ênfase no comum afirma:

O sentido de pertencer é determinado a partir da comunidade, quer dizer, a partir de sua unidade. Neste caso, “pertencer” significa: integrado, inserido na ordem de uma comunidade, instalado na unidade de algo múltiplo (HEIDEGGER, 2006, 42). Neste caso a identidade decorre do reconhecimento das relações legalmente institucionalizadas que afiançam a identidade pela isonomia jurídica e política diante das quais o indivíduo reconhece-se pertencente à comunidade – a comum unidade consolidada em costumes, senso comum,

normas morais e éticas e, também, no direito à cidade. E direito é regido por códigos, normas constitucionais e estrutura política que legitimam o comum-pertencer, a condição coletiva do indivíduo como ser cívico – ser genérico8 – o vínculo entre os cidadãos é abstrato. A separação do público e do privado que dá sentido à cidadania requer, de modo complementar, a identidade com ênfase no indivíduo, no modo pessoal pelo qual o indivíduo interage com o coletivo. Heidegger situa:

A comunidade é agora determinada a partir do pertencer [...] não mais representar o pertencer a partir da unidade 8

Jean-Pierre Vernant situa a noção de cidadania na Grécia clássica: “Os que compõem a cidade, por mais diferentes que sejam quanto à origem, classe, função, aparecem de uma certa forma como semelhantes uns aos outros. Esta similitude funda a unidade da polis porque para os Gregos, apenas os semelhantes podem se perceber mutualmente unidos pela philia associados numa mesma comunidade. O laço do homem com o homem vai tomar assim, no quadro da cidade, a forma de uma relação recíproca, reversível, substituindo as relações hierárquicas de submissão e de dominação. Todos os que participam ano Estado se definirão como homoi, semelhantes, após, de modo ainda mais abstrato, como isoi, iguais. A despeito de tudo que se os opõem na concretude da vida social, os cidadãos se concebem, no plano político, como unidades intercambiáveis no interior de um sistema cuja lei é o equilíbrio, a norma a igualdade. Esta imagem do mundo humano encontrará no século VI sua expressão rigorosa no conceito de isonomia: participação igual dos cidadãos no exercício do poder” (VERNANT, 1962, 56). Revista CAU/UCB | 2018 | Artigos

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da comunidade, mas de experimentar esta comunidade a partir da singularidade do pertencer (HEIDEGGER, 2006, 43).

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Ainda assim a identidade visa à dimensão coletiva, porém a que reconhece, considera e afirma a condição plena do indivíduo9 como ente em si10, único, distinto dos demais e indivisível, que exerce a prerrogativa de relacionar-se mediante o conjunto das capacitações físicas, volitivas, intelectivas e sensíveis sem ser determinado por nenhuma delas isoladamente. Objetivar a totalidade das capacitações do sujeito é privilégio que Schiller atribui à relação estética11 e, na autonomia auferida, reco9

“O indivíduo-cidadão tinha a capacidade de se desvincular de seus enraizamentos particulares e entrar, de direito, em comunicação com todos os outros. Ele poderia cessar de ser determinado pelo seu vínculo com um grupo real. Ele se definia precisamente pela sua capacidade de romper com as determinações que o continham numa cultura e num destino imposto pela sua origem, de se liberar dos papéis prescritos. A separação do público e do privado se tornaria assim um princípio fundador da ordem social : ao privado a liberdade dos indivíduos em toda sua diversidade, ao público a afirmação da igualdade de direitos dos cidadãos” (SCHNAPPER, 2000, 26-27). 10 O apelo da identidade fala desde o ser do ente. (HEIDEGGER, 2006, 40). 11 “Para leitores que não estejam familiarizados com a significação deste termo [estética] tão mal empregado pela ignorância, sirva de explicação o seguinte. Todas as coisas que de algum modo possam ocorrer no fenômeno são pensáveis sob quatro relações diferentes. Uma coisa pode referir-se imediatamente a nosso estado sensível (nossa existência e Revista CAU/UCB | 2017 | Artigos

nhece o caráter libertário, a asserção do indivíduo emancipado – autônomo: “O fundamento da beleza é acima de tudo a liberdade no fenômeno. O fundamento da nossa representação da beleza é a técnica na liberdade” (SCHILLER, 2002, 85). A identidade é determinada pela consciência de si, e a consciência torna-se consciência de si na ação recíproca do reconhecimento. Requer a interação com o objeto autônomo, capaz de promover o distanciamento necessário para que o sujeito vivencie sua autonomia face ao objeto12 – livre de coações13. Liberdade consubstanciada pelo ajuizamento de gosto ao reconhecer o belo na obra de arte14. bem estar): esta é sua índole física. Ela pode também referir-se a nosso entendimento, possibilitando-nos conhecimento: essa é sua índole lógica. Ela pode ainda referir-se a nossa vontade e ser considerada como objeto de escolha para um ser racional: essa é sua índole moral. Ou finalmente ela pode referir-se ao todo de nossas diversas faculdades sem ser objeto determinado para nenhuma isolada entre elas: esta é sua índole estética” (SCHILLER, 1995, 106). 12 “O caráter mais essencial da percepção humana como percepção consciente é precisamente de visar o objeto exterior como exterior, na sua exterioridade objetiva, o que implica a imagem de distância enquanto tal, a imagem da relação de exterioridade do objeto em relação ao sujeito” (THAO, 1977, 15). 13 “A satisfação que determina o julgamento de gosto é independente de todo interesse” (KANT, 1952, 44). Rege aqui o sentido etimológico do termo interesse: inter est, “estar entre”, interpor algo entre o sujeito e o objeto. 14 “No que concerne a beleza, não é um requisito imperativo ter ideias férteis e originais, mas sim que a adequação da imaginação em sua liberdade à legitimidade do entendimento. Pois toda riqueza

A identidade (unidade e unicidade) da obra de arte15 autoriza visá-la como objeto exterior, na sua exterioridade objetiva. Implica em distanciamento que promove a consciência da relação com o objeto como relação, isto é, a consciência da distinção do sujeito em relação ao objeto16. Neste distanciamento, necessário à reflexão, o sujeito se posiciona criticamente diante da obra e, portanto, diante de si e dos outros, neste percurso objetiva o Eu para o mundo exterior. A necessidade propriamente humana de criação artística é um dos aspectos da necessidade básica de objetivar o Eu para o mundo exterior (FRASER, 1998, 116). “Ele (o homem) quer sentir-se a si próprio, por isso se defronta com a beleza na arte” (HOLDERLIN, 2003, 83) “sentir-se a si próprio” implica em identidade e diferença de imaginação livre sem lei nada produz além de insensatez. O Juízo, em contrapartida, é a faculdade de adequar a imaginação ao entendimento” (KANT, 1952, 182). 15 “A identidade aparece, através da história do pensamento ocidental, com o caráter da unidade”. (HEIDEGGER, 2006, 39). 16 “No conhecimento defrontam-se consciência e objeto, sujeito e objeto. O conhecimento aparece como uma relação entre esses dois elementos. Nessa relação, sujeito e objeto permanecem eternamente separados. O dualismo do sujeito e objeto pertence à essência do conhecimento” (HESSEN, 2000, 20).

daí Holderlin complementar: “A identidade na diferença é a essência da beleza” (HOLDERLIN, 2003, 85). A identidade na obra de arte – sua autonomia – nasce da racionalidade, a coerência proveniente da rigorosa estruturação em si determinada de modo singular pela composição. Composição Lucio Costa define Composição como: “Conjunto de pontos, linhas, planos, volumes ou cores dispostos de acordo com certas normas e visando a um determinado objetivo plástico” (COSTA, 1962, 147). A lógica interna de composição plástica confere autonomia e objetividade à obra e a qualifica esteticamente. Deleuze e Guattari enfatizam:

Composição, composição, eis a única definição da arte. A composição é estética, e o que não é composto não é uma obra de arte [...] A única lei da criação é que o composto deve ficar de pé sozinho (DELEUZE e GUATTARI, 1992, 214, 247).

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A objetividade, engendrada pela composição, reside nas relações que se estabelecem entre as partes para constituir um todo íntegro17; integridade da forma e desta com o conteúdo desejado, a intenção18. Enquanto suporte de significados, a decodificação da obra é tributária dos artifícios de conectividade que legitimam a

colha e fixação do sentido geral a prevalecer na disposição dos pontos, das linhas, dos planos, dos volumes ou das cores” (COSTA, 1962, 148). O Relatório do Plano Piloto explicita a dimensão volitiva:

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Adorno: “O conceito de homeostase, equilíbrio das tensões que só se estabelece na totalidade de uma obra de arte, está provavelmente ligado ao instante em que a obra de arte se torna visivelmente autônoma” (ADORNO, 2003, 61). 18 Intenção e adequação são antônimos. Intenção tem o sentido de propósito, desígnio. As atividades que se desenvolvem sob o prisma da vida cotidiana são regidas pelo princípio de adequação: conformação às contingências que dão sentido à Urbs. Lucio Costa menciona: “O meio físico e econômico-social, a época, a técnica utilizada, os recursos disponíveis e o programa escolhido ou imposto” (COSTA 1995, 253). Em contraponto, a intenção corresponde à postura deliberada, desinteressada, e a razão da obra de arte reside neste caráter libertário como afirma Costa: “Se é indubitável que a origem da arte é interessada, pois a sua ocorrência depende sempre de fatores que lhe são alheios. Na sua essência, naquilo por que se distingue de todas as demais atividades humanas, é manifestação isenta, porquanto nos sucessivos processos de escolha a que afinal se reduz a elaboração da obra, escolha indefinidamente renovada entre duas cores, duas tonalidades, duas formas, dois partidos igualmente apropriados ao fim proposto, nessa escolha última, ela tão só – arte pela arte – intervém e opta” (COSTA, 1995, 253). O termo intenção comparece na definição proposta por Lucio Costa: “Construção concebida com o propósito de organizar e ordenar plasticamente o espaço e os volumes decorrentes, em função de uma determinada época, de um determinado meio, de uma determinada técnica, de um determinado programa e de uma determinada intenção” (COSTA, 2002, 21).

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Fig 18 - Croquis de Brasília Relatório Lúcio Costa

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composição19 e autorizam o juízo de gosto a buscar nelas relações, as razões que permitem asseverar a obra como bela. Partido A composição é uma técnica de objetivação, visa objetivar o sentido geral intencionado pelo partido. Ao definir partido, Lucio Costa deixa claro que se trata de escolha, impera a intenção – desígnio: “Es19

Adorno: “a identidade da obra, não deve ser buscada a partir de um ponto externo à própria obra, pois ela surge a partir da própria experiência com a coisa” (ADORNO apud FREITAS 2003, 33).

A condição primeira é achar-se o urbanista imbuído de certa dignidade e nobreza de intenção, porquanto dessa atitude fundamental decorrem a ordenação e senso de conveniência e medida capazes de conferir ao conjunto projetado o desejável caráter monumental (COSTA, 1995, 283). O sentido geral do partido adotado revela a nobreza e dignidade de intenção: “Entrosar o monumental e o doméstico num todo harmônico e integrado” (COSTA, 1995, 308). A consciência de distinção entre as esferas pública e privada acima mencionada é o pressuposto da cidadania, Buarque de Holanda constata: “Só pela transgressão da ordem doméstica e familiar é que nasce o Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão” (HOLANDA, 2005, 141). Tal diferença é o ponto de partida e premissa norteadora de sua tarefa de urbanista:

Os interesses do homem como indivíduo nem sempre coincidem com os interesses desse mesmo homem como ser coletivo; cabe ao urbanista procurar resolver, na medida do possível, esta contradição fundamental (COSTA, 1995, 277). Brasília – Composição plástica adotada pelo Partido Em Brasília, Lucio Costa vale-se dos artifícios que recomenda no texto O que interessa ao estudante de arquitetura, para compor – agenciar as partes de modo a estruturar e conferir caráter sistêmico à composição.

É pois, necessário que futuro arquiteto tenha, desde cedo, uma perfeita noção do que sejam comodulação, proporção e modenatura. Comodulação é o confronto harmônico das partes entre si e com relação ao todo; Proporção é o equilíbrio ou a equivalência no dimensionamento das partes; Modenatura é o modo peculiar como é tratada, plasRevista CAU/UCB | 2018 | Artigos

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ticamente, cada uma dessas partes (COSTA, 1995, 117). Estes artifícios plásticos incidem no Partido20: Comodulação, proporção e modenatura são insinuadas já na gênese do partido, o gesto primário dos eixos cruzando-se em ângulo reto. O triângulo equilátero, um traçado regulador caro a Le Corbusier21, assinala que as partes segregadas e diferenciadas entrosam-se para constituir uma entidade única, singular e autônoma – a unidade fundamental de termos opostos que dá identidade à obra – o ser da obra –, passível de reconhecimento sensível – pelo olhar22, Pirandello resume: “Assim é se lhe parece” (Cosi é, se vi pare).

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1. A comodulação, o conjunto das proporções das partes entre si e com relação ao todo, é engendrada pelo módulo “Superquadra”, que multiplicado estrutura a trama urbana vharmonicamente configurando, assim, o conjunto como sistema. 2. A Proporção procede do dimensiona20

Podemos acrescentar a Axialidade, a estruturação da composição por eixos, e que denuncia o caráter volitivo, axiológico. O eixo diz Le Corbusier é “Uma linha de conduta para um fim” (LE CORBUSIER, 1995, 151). Tem um sentido, e sentido tem dupla conotação: significado e direcionamento. 21 “O traçado regulador é uma garantia contra o arbitrário. Propicia a satisfação do espírito ” (LE CORBUSIER, 1995, 51). 22 Heidegger propõe o termo Ereignis: acontecimento-apropriação o evento apropriado pelo olhar – prerrogativa própria do sujeito (HEIDEGGER, 2006, 49). Revista CAU/UCB | 2017 | Artigos

mento da área de vizinhança23 composta de quatro superquadras que, emolduradas pela faixa arborizada, constituem entidades plásticas, “grandes quadriláteros” 23

Além de artifício plástico tal disposição tem um sentido prático funcional, Lucio Costa retoma o conceito original de Unidade de Vizinhança proposto por Clarence Perry em 1929 que agrupava 3000 habitantes em torno da escola primária e do jardim da infância. Perry procurava resgatar a sociabilidade baseada em relações de vizinhança das cidades tradicionais. Para tanto dotava a vizinhança de autonomia ao concentrar todas as facilidades do dia a dia a uma distância a pé que, assim, se convertiam em pontos de encontro. Posteriormente este dimensionamento consagrou-se como norma por fornecer condições de acessibilidade à faixa etária de menor mobilidade e corresponder ao ideal de população escolar. Lucio Costa preserva os benefícios desse princípio criando a figura da Superquadra (3000 hab.), com isso libera as Áreas de Vizinhança do limite demográfico imposto quadruplicando a população ao reunir quatro Superquadras (cada uma convenientemente equipada de escola e jardim de infância), ou seja 12.000 habitantes. Esse novo dado tem uma implicação de maior importância: as AVs podem agora contar com equipamento de maior porte, reiterando sua vocação plurivicinal. A AV difere igualmente das cidades que centralizam os equipamentos habitacionais tornando-os estanques e exclusivos ao localizar todos os serviços, excetuando-se o jardim de infância e a escola primária, à margem do sistema viário. Desse modo, os equipamentos são diretamente acessíveis pelas AVs e pelas vias de interligação setorial, ou seja, sem renunciar ao caráter local, a implantação favorece o acesso dos equipamentos a todos, constituindo assim um dos fatores de articulação entre as AVs e a cidade; essa interface promove um intercâmbio que extrapola as relações de vizinhança ao criar espaços de mediação entre o domínio do morador e o domínio do cidadão. Finalmente, a implantação alternada dos comércios locais dá origem à superposição de áreas de influência, pois cada Superquadra pertence simultaneamente a duas áreas de vizinhança, o mesmo ocorre com os comércios das entrequadras, capela, cinema e clube.

que, devido às dimensões ordenam a trama urbana pela correspondência das partes com o todo, e, enfileiradas, constituem as asas do eixo rodoviário residencial, de dimensão proporcional ao eixo complementar, ou seja, com valor equivalente ao eixo monumental, tornando-se parte fundamental da composição urbanística, e não de modo residual ou hierarquicamente subordinado. “Essa feição de certo modo monumental” comodulação (COSTA, 1995, 310), contrabalança a escala cotidiana com as outras escalas, de modo que nenhuma delas se impõe de modo hegemônico e hierárquico. Lucio Costa comenta:

A criação destas quadras, que se queriam emolduradas por uma densa faixa verde de árvores de porte, objetivou, inicialmente, articular a escala residencial à monumental, a fim de garantir a unidade da estrutura urbana (COSTA 1995, 302). Modenatura24 identifica a unidade pela diversidade. É o recurso pelo qual Lucio Costa confere caráter próprio a cada uma das escalas: Monumental, Cotidiana e Gregária, diferenciando-as e reunindo-as pelo traçado – os dois eixos que se cruzam: 24

A modenatura para Le Corbusier: “É a pedra angular do arquiteto, este se revela artista ou simples engenheiro, é uma pura criação de espírito; ela requer o artista plástico” (LE CORBUSIER, 1995, 163).

Brasília compreende, estruturalmente, três partes devidamente entrosadas: o eixomonumental [...] o eixo-rodoviário-residencial [...] e finalmente, sobre o cruzamento deles, a Plataforma [...] Na primeira parte, a intenção arquitetônica é de severa dignidade, prevalecendo, em consequência, o caráter monumental [...] em que o homem adquire dimensão coletiva; a segunda, a escala residencial ou cotidiana depois do enquadramento arborizado, terá feição recolhida e intima conquanto mantenha, por suas proporções e tratamento arquitetônico, a compostura urbana que se impõe; na terceira, o espaço foi deliberadamente concentrado e a atmosfera será gregária e acolhedora, onde as dimensões e o espaço são deliberadamente reduzidos e concentrados a fim de criar clima propício ao Revista CAU/UCB | 2018 | Artigos

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agrupamento, tanto no sentido exterior, da tradição mediterrânea como no sentido nórdico do convívio interior (COSTA 1962, 306, 344).

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Uma quarta escala, a bucólica, decorre da não ocupação da orla do lago, conforme explica Lucio Costa: “Evitou-se a localização dos bairros na orla da lagoa, a fim de preservá-la intacta, tratada com bosques e campos de feição naturalista e rústica para os passeios e amenidades de toda a população urbana. Apenas os clubes esportivos, os restaurantes, os lugares de recreio, os balneários e núcleos de pesca poderão chegar à beira d’água” (COSTA, 1995, 294). Escala desvirtuada pela conivência criminosa dos administradores com a ganância dos especuladores. O confronto da solução adotada com o risco alternativo aventado durante a elaboração do projeto, onde as áreas residenciais envolvem o centro cívico, demonstra a razão da disposição linear adotada para as superquadras. A linearidade evidencia a separação entre o cotidiano e o monumental. Estas escalas são convdas espacialmente como entidades, como estruturas físico espaciais únicas, individualizadas, autônomas e com caráter diferenciado, porem não hierarquizadas, não disciplinadas pela centralidade, como é o caso de Paris, Washington ou a recente Cam-

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berra, onde os monumentos e os lugares de celebração comparecem como focos emblemáticos, centros encarregados de articular de modo subordinado as áreas da cidade. O traçado de Brasília difere dos supracitados pela ausência de hierarquia decorrente da descentralização do centro cívico como foco da composição. A Plataforma Rodoviária comparece como limiar entre o monumental e o doméstico. O centro tem tratamento arquitetônico singelo, sem se impor pela excepcionalidade da forma arquitetônica nem celebrado triunfalmente como centro hegemônico subordinando as escalas numa relação hierárquica; estas se complementam de modo contrabalançado. Apenas aflora o saguão da estação rodoviária, discretamente como sugerido no Relatório do Plano Piloto: “disposto lateralmente [...] construção baixa” (COSTA, 1995, 289). À margem da Plataforma, e no mesmo sentido de preservar a equivalência das partes, o Setor de Diversões conserva o recato, conforme recomenda o relatório: “gabarito baixo e uniforme” (COSTA, 1995, 289). Constitui a escala concentrada ou gregária, dimensionada para o convívio motivado por valores afetivos, valores latentes em todos os indivíduos a eles predispostos; donde seu caráter intimista. Não se distingue pela singularidade e excepcionalidade da forma arquitetônica, pois o destaque já é dado por ser o centro geométrico da composição. A proporcionalidade com as escalas vizinhas decorre da feição viária, marcada pela horizontalidade e porte dos vãos – a estrutura rodoviária se faz arquitetura. E, neste mesmo

sentido, nas adjacências, destacam-se em altura as edificações destinadas ao Setor Bancário e o Setor Comercial. Assim a escala gregária, sem competir com as demais, as aproxima e, simultaneamente, preserva a equivalência das três. Disposição inusitada porque atribui à escala convivial a incumbência de reunir o coloquial e o solene. Conclusão Brasília vislumbra a esperança de um viver mais humano, um viver, lembra o bardo, feito da matéria dos sonhos. Ajuizada como bela, preserva um valor que vai além das circunstâncias que a originou para auferir caráter de permanência, prerrogativa, lembra Lucio Costa, da obra de arte:

Decorre da qualidade plástica e conteúdo lírico e passional da obra, aquilo por que haverá de sobreviver no tempo, quando funcionalmente já não for mais útil. Sobrevivência não apenas como exemplar didático de uma técnica construtiva ultrapassada, ou como testemunho de uma civilização perempta, mas num sentido mais pro-

fundo e permanente, – como criação plástica ainda válida, porque capaz de comover [...] A própria essência do fato artístico, o seu germe vital, garantirá a permanência da obra no tempo, quando aqueles demais fatores que lhe condicionaram a ocorrência já houverem deixado de atuar sobre ela como manifestação ainda viva e, para sempre, atual. (COSTA, 1995, 245, 254). Brasília é um tributo ao futuro, donde o título herança da humanidade. Herança é um valor que se transmite, permanece, e humanidade é a capacidade de infinitos desenvolvimentos25, “um infinito, do qual pode aproxima-se mais e mais no curso do tempo sem jamais alcançá-lo” (SCHILLER, 1995, 77). É prerrogativa da obra de arte motivar a aptidão de ampliar os limites e, assim, engendrar de modo concreto e necessário uma condição propriamente humana. Valéry distingue o sentido relativo da ordem das coisas práticas pela tendência finita onde o desejo se consome no consumo do objeto desejado e o sentido da ordem das coisas estéticas pela 25

“A espécie humana se distingue de todas as espécies animais não somente porque detêm a linguagem e a razão, mas porque suas faculdades são capazes de se desenvolver infinitamente” (ARENDT, 1991, 94). Revista CAU/UCB | 2018 | Artigos

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tendência infinita onde o desejo se perpetua através do desejo de desejar: “O que chamamos de Obra de arte é o resultado de uma ação cujo objetivo finito é provocar em alguém desenvolvimentos infinitos” (VALÉRY, 1934, 1342-1344). Como criação artística, Brasília filia-se à tendência infinita, vocação que confere o caráter de permanência que a legitima, do mesmo modo que toda obra de arte, como monumento. Na acepção de Deleuze e Guattari:

prevalecer insistindo em subverter e mutilar a cidade evidenciam o caráter utópico do projeto – a aspiração de um viver mais humano permanece ainda como promessa26. A dimensão utópica é ainda mais significativa nos tempos obscuros em que vivemos decorrentes da indiferença. Indiferença para com o outro, indiferença entre a coisa pública e privada.

É verdade que toda obra de arte é um monumento, mas o monumento não é aquilo que comemora um passado, é um bloco de sensações presentes que só devem a si mesmas sua própria conservação, e dão ao acontecimento o composto que o celebra [...] transmite para o futuro as sensações persistentes que encarnam o acontecimento: o sofrimento sempre renovado dos homens, seu protesto recriado, sua luta sempre retomada. (DELEUZE e GUATTARI, 1997, 218, 229).

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O fato de o desenho não ter superado as contradições e a atitude de indiferença entre o que é público e o que é privado Revista CAU/UCB | 2017 | Artigos

BIBLIOGRAFIA Adorno, Th.W. Experiência e criação artística. O entrosamento harmônico do individual e o coletivo é rompido pela dificuldade que a mentalidade arraigada nas raízes patriarcais do Brasil tem em distinguir os interesses privados e públicos. O desequilíbrio se revela nas transgressões cada vez mais frequentes à integridade do projeto de Brasília, a desconsideração e apropriação indevida dos espaços públicos privatizando-os. As violações ao ordenamento urbano, todas elas, decorrem do “caráter cordial” apontado por Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, a dificuldade em distinguir a coisa pública da privada. Transcrevo: “No homem cordial, a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele sente em viver consigo mesmo [...] sociabilidade apenas aparente, que na verdade não se impõe ao indivíduo e não exerce efeito positivo na estruturação da ordem coletiva” (HOLANDA, 2005, 17,147). O olhar do homem cordial é o mesmo olhar inculto que, inabilitado de reconhecer a beleza na cidade, a denigre. Esclarece Marx: “Se quiser gozar da arte, deve-se ser artisticamente educado [...] O olho do homem desfruta diferentemente do modo pelo qual desfruta o olho tosco” (MARX, 1978, 11).

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59 Aline Stefânia Zim | Prof. Ms. do CAU/UCB

A perspectiva inversa, técnica reconhecida nas pinturas medievais, é considerada aqui como um recurso de estranhamento sobre a visão automatizada de que a arte simbólica medieval é inferior à pintura realista renascentista. Assim como os desenhos das crianças, as pinturas na arte medieval seguem uma ordem particular onde o sentido é ampliado. Os detalhes e os objetos obedecem a uma hierarquia de valores que correspondem ao seu peso semântico, de acordo com a sua importância e situação no quadro. As composições

FALANDO SOBRE A PERSPECTIVA INVERSA

Fig 19 - Loja Conceito / H²O Arquitetura - Croqui

As disciplinas de história da arte e da arquitetura automatizaram a ideia de que a Idade Média é uma sombra entre dois períodos de supremacia artística, tecnológica, científica e filosófica. Os sistemas das artes trazem a periodização como categoria fundamental no julgamento e classificações das obras, mesmo sabendo que os artistas violavam as regras vigentes para, em nome da diferenciação e da elevação artística, superarem a técnica. Diante da supremacia dos métodos de representação perspécticos sobre os ditos não-perspécticos, as pinturas medievais se apresentam como desconhecidas, inferiores e rudimentares.

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seguem uma lógica que, se comparada às regras euclidianas da perspectiva linear, são consideradas incorretas ou não-perspécticas. A perspectiva inversa (ou invertida) é um conceito desenvolvido por Floriênski, em 1919, em “A perspectiva inversa” (2012), no estudo das pinturas dos ícones russos para os templos, principalmente as iconostases bizantinas. Seja pela ausência ou pela violação das técnicas de representação sacralizadas no Renascimento, a perspectiva inversa se apresenta como uma contraposição à perspectiva linear euclidiana.

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Na Figura 20, vê-se um quadro comparativo entre a perspectiva linear, a representação axonométrica ou cavaleira e a perspectiva inversa. Numa breve descrição, a perspectiva linear se caracteriza pela simetria na representação de um ponto de fuga situado na profundidade do quadro, deformando os objetos de acordo com a distância do observador. Os objetos distantes são menores que os próximos ao observador, e este está alinhado ao ponto de fuga. Na perspectiva axonométrica ou cavaleira, os objetos não são deformados em sua profundidade: traçam-se linhas paralelas que aproximam o objeto do observador, não apresentando ponto de fuga, nem simetria. Na perspectiva inversa, o ponto de fuga é situado diante do observador, fora do quadro. Os objetos distantes se tornam próximos e os próximos, distantes do observador (Figura 21 e Figura 22).

As pinturas medievais apresentam muitas vezes as três técnicas numa mesma composição, somando-se ainda a representação plana (bidimensional). Com a “descoberta” da perspectiva pelos humanistas no Renascimento italiano, a pintura realista e as representações arquitetônicas encontraram na perspectiva linear uma adequação visual entre representação e verdade. A geometria euclidiana responderia às aspirações miméticas da arte, enquanto os arquitetos renascentistas idealizariam a paisagem construída a partir da paisagem representada pelas pinturas.

Fig 20 - Quadro comparativo. Fonte: http://www.atelier-st-andre.net/es/index.html

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Fig 21 - Perspectiva inversa. Fonte: http://www.atelier-st-andre.net/es/index.html

Fig 22 - Perspectiva linear e perspectiva inversa. Fonte: FLORIÊNSKI, Pavel. A perspectiva Inversa. Trad. Neide Jallageas. São Paulo: Editora 34, 2012.

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Fig 23 - Registro de fortalezas e castelos portugueses, século XV. Fonte: http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=3909707

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Na Figura 23, vê-se um desenho do tipo “registro técnico” sobre fortalezas e castelos medievais portugueses, feito no século XV, onde são identificáveis as três técnicas citadas. Trata-se de um período de transição na história da representação arquitetônica, quando os recursos do desenho e da pintura simbólicos ainda não se submetiam às deformações da perspectiva geométrica. Como resultado, tem-se uma composição coerente como discurso e registro, já que são preservadas ao mesmo tempo a unidade e o particular – o conjunto na paisagem e os objetos/figuras essenciais ao registro. Seja pela análise técnica ou pela análise periódica, tal representação é considerada incorreta pela ausência dos procedimentos entendidos como realistas. As divergências sobre o tema pedem uma revisão do conceito de representação na perspectiva medieval.

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A perspectiva, de acordo com Floriênski, não surge da arte pura, que tem essência metafísica, mas tem sua raiz nos cenários do teatro grego, como arte teatral aplicada, de efeito decorativo, onde a pintura ficava subordinada à encenação. O cenário, em qualquer contexto, não expressa a percepção artística da realidade: é dela um simulacro que usa o recurso da verossimilhança da aparência. A estética dessa aparência não representa a realidade, mas uma ilusão encenada para um espectador que, assim como o prisioneiro da Caverna de Platão, está preso a sua cadeira, na plateia. Na verdade, ele em si não está preso, mas a sua vontade que está paralisada: diante da ilusão visual produzida pelo cenário, o espectador se torna um olho imóvel (p.38).

A localização coincidente entre o ponto de vista e o ponto de fuga, na perspectiva linear, gera um efeito frontal de simetria entre espaço e observador. Este está predeterminado a olhar por um único ponto de vista; o interesse, ou seja, o ponto de fuga, está inserido no interior da obra. O alinhamento entre ponto de vista e ponto de fuga coloca o observador numa posição de dominado e o artista numa posição de dominante do espaço-cenário representado. Essa coincidência não é encontrada nas pinturas clássicas e medievais: pelo contrário, nos afrescos das casas de Pompeia e nas pinturas e desenhos medievais é recorrente a multiplicidade dos pontos de vista (e de fuga). O mesmo acontece na perspectiva inversa iconográfica. Diferente da perspectiva linear, que contem o ponto de vista dentro do quadro, a perspectiva inversa faz a figura ir até o observador (Figuras 21 e 22).

elaboração das cenas, porque a representação do espaço tem um papel posterior, ou seja, não é ele quem parece ditar as regras. Essa técnica de composição permite que se crie uma proporção de ordem semântica entre as figuras, segundo sua importância hierárquica dentro do siste-

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Na representação iconográfica de Ohrid sobre a Anunciação (Figura 24), do século XIV, os ícones estão representados em primeiro plano, sobre pedestais. O pedestal do Arcanjo e o pedestal da Virgem Maria estão desenhados em perspectiva inversa, ambos trazendo os ícones para perto do observador1. A caixa cênica se deforma para que o observador o contemple de diferentes pontos de vista. O cenário, que representaria acontecimentos no interior dos edifícios, é deformado para sugerir uma exteriorização das cenas, como se a arquitetura fosse o palco. Assim, as deformações do cenário permitem a melhor 1

Idem Revista CAU/UCB | 2018 | Explicando


Fig 24 - Análise perspéctica da pintura de Ohrid, Anunciação, século XIV. Fonte: http://www.atelier-st-andre.net/es/index.html

mestres como Da Vinci ou Rafael são nitidamente subversivas pela ótica da geometria2.

64 ma. Os objetos desenhados pictoricamente não são falsos - e nem verdadeiros -, assim como os desenhados pela geometria euclidiana. Ambos são meras representações da realidade e não a própria realidade, porque representam a imagem dos objetos que existem em nossa consciência. Identifica-se nos desenhos infantis uma hierarquia semântica entre as figuras que remete à arte pictórica. As crianças, ao desenharem, conservam a capacidade cognitiva de confrontar os objetos por uma escala de valores, segundo o seu conteúdo e situação no quadro. A montagem compositiva, na lógica do enquadramenRevista CAU/UCB | 2017 | Explicando

to dos objetos pela sua ordem semântica, parece fazer mais sentido que a simulação em si. “Quando a perspectiva deixa de ser um problema técnico-matemático, ela teve que se voltar para o problema artístico”: essa é a provocação feita por Erwin Panofsky (2010, p. 49), em La perspectiva como forma simbólica. Até que ponto, segundo o mesmo autor, a construção perspectiva da composição deve ser regida pelas leis da geometria e da matemática? Há uma reivindicação do objeto de se distanciar ou permanecer longe do observador, validando assim as suas leis formais. A regras da perspectiva linear em grandes obras de

A rejeição da perspectiva geométrica pelos pintores iconógrafos não se explica pelo isolamento geográfico ou cultural; estes tiveram contato com os pintores italianos nos primórdios do Renascimento. O que os pintores pretendiam investigar eram certos problemas espirituais; verdades essas diferentes das que os pintores renascentistas perseguiam com o desenvolvimento das técnicas de representação mimética pela perspectiva linear. O desconhecimento da perspectiva inversa enquanto técnica e a tomada da perspectiva linear como autêntica revelam que as escolas de arquitetura tomam o Renascimento enquanto mito. Estaríamos presos a uma distopia - entendida ingenuamente como utopia - que corresponde, primeiramente, ao vício da periodização que interpreta a Idade Média como o meio entre duas épocas áureas e, posteriormente, ao entendimento equivocado de que a perspectiva geométrica corresponde à verdade.

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Ver análise do auto sobre as obras da Da Vinci, A última ceia, 1498, e Rafael, Escola de Atenas, 1510 In: FLORIÊNSKI, Pavel. A perspectiva Inversa. Trad. Neide Jallageas. São Paulo: Editora 34, 2012. Revista CAU/UCB | 2018 | Explicando


BIBLIOGRAFIA DUBY, Georges. A história continua. Zahar, 1993. FLORIÊNSKI, Pavel. A perspectiva Inversa. Trad. Neide Jallageas. São Paulo: Editora 34, 2012. LE GOFF, Jacques. A historia deve ser dividida em pedaços? Trad. Nicia Adan Bonatti. São Paulo: Editora UNESP, 2015. PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. Trad. Maria Clara F. Kneese e J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2017. _________________. La perspectiva simbólica. Trad. Virginia Careaga. Barcelona: Tusquets Editores S.A., 2010.

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ROSA, Maria de Lurdes. Fazer e pensar a história medieval hoje: guia de estudo, investigação e docência. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017. TODOROV, Tzvetan. Teoria da literatura: textos dos formalistas russos. Trad. Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Editora Unesp, 2013.

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Mesmo com a chegada do catolicismo introduzido pelos espanhóis, as crenças apenas fomentaram a forma religiosa de culto indígena aos mortos, criando assim uma forma própria de sincretismo religioso.

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Yara Regina | Professora do CAU UCB

Fig 25 - Biblioteca na UNAM

Esta comemoração encontra suas origens no período pré-hispânico, culturas dos primeiros povos. Há relatos de que pelo menos há três mil anos, os Astecas, Maias, Nahuatls e Totonecas praticavam o culto aos mortos. Era comum a prática de conservar os crânios como troféus e também mostrá-los durante os rituais de celebração à morte. Vale relembrar que, para eles, a morte não representa o fim, e sim um renascimento, sendo estados de um processo cósmico, que se repetia insaciavelmente na natureza.

NOS PASSOS DE UM TEMPO ENCONTRADO, NA CIDADE DO MÉXICO: ENTRE ARTE E NATUREZA

Com o objetivo de buscar inspirações para associar a arte à paisagem, visitei pela primeira vez, em novembro de 2017, a cidade do México durante a semana das festividades dedicada aos ancestrais.

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Em todo o país, a animação toma conta, pois acredita-se que os mortos devem ser recebidos com alegria, com coisas e objetos que apreciavam enquanto vivos. A famosa caveira mexicana, La Catrina, símbolo do evento nos dias de hoje, orna as diferentes manifestações como os altares coloridos e fantasias. Os altares são feitos, entre outros, da flor de cempasúchil, símbolo da luz do sol que guia os mortos. A figura 28 mostra o altar oferecido a Frida Kahlo. Fig 28 - Praça Mayor

As alebrijas, tradição de Oaxaca, são personagens mitológicos e fantásticos que povoam as ruas da capital e juntam-se ao cortejo das festas gastronômicas e culturais nos dias dos mortos. Estas figuras imaginárias, surgidas à partir da enfermidade que atingiu Pedro Linaeres, representam animais surrealistas e monstros. Por meio das visões, o enfermo se transportava para um ambiente selvagem em contato com a natureza e seu entorno.

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Fig 26 - Universidade Ibero e Praça Zocalo

Não podemos deixar de mencionar as chinampas – um tipo de canteiro flutuante construído de madeira trançada sobre áreas lacustres onde realizava-se o cultivo de plantas. A chinampa, técnica agrícola antiga usada por xochimilcas desde o tempo das ilhotas pré-hispânicas, foi utilizada pelas civilizações mesoamericanas. Estas embarcações, um pouco mais remanejadas atualmente, asseguram a circulação nos canais de Xochimilco (“lugar da semeadura florida”). Um dos atrativo dos locais é vivenciar a lenda da Llorona, conhecida como dama da meia-noite no Brasil devido ao aroma da floração durante a noite.

Fig 27 - Altar comemorativo da Museu Frida Kahlo

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floresta de água onde se brota flores ou floresta de flores onde se brota água. A Reserva de Pedegral de San Angel, hoje reconhecida como patrimônio cultural e ambiental da humanidade pela Unesco, além importância ecológica, realizou a experiência de elementos escultóricos, onde natureza e arte se fundem num conjunto harmônico.

No Primeiro setor, chamado de Espaço Escultórico, concebido pelo escultor Frederico Silva em 1977, inaugurado em 1979, realiza um dos primeiros projetos Land ART. O espaço arquitetônico escondido na reserva ecológica tem a entrada assegurada por um caminho que atravessa os diferentes cenários de um jardim naturalista, exibindo de maneira cândida as composições do bioma local.

Durante a primeira metade do século XX foram discutidos no México temas como a identidade da arquitetura mexicana no contexto da modernidade que, confrontados com os postulados internacionais, produziram novas linguagens na produção arquitetônica ao longo das décadas posteriores. As obras de Barragan por exemplo, representam um dos expoentes deste período. A aplicação dos princípios do modernismo se fundiu com recursos decorrentes da tradição mexicana pré-hispânica, incluindo também a incorporação da arte à arquitetura, da arte à natureza. A REPSA foi instaurada, num primeiro momento, por sua importância ambiental Revista CAU/UCB | 2017 | Relatos

fundamental; pois ao invés de expansão da urbanização, criou-se uma reserva ecológica em 1973. Este sítio representa também uma grande importância para a recarga de aquíferos. Constituído com uma superfície de 270 hectares, representa mais de 32% da cidade universitária, onde coexistem 1500 espécies de flora e fauna, algumas sendo endêmicas. Quanto à sazonalidade, existem duas bem marcantes: a seca de novembro até maio e a chuvosa de junho até outubro, onde se desenvolvem as xerofitas entre arbustos, ervas e gramíneas. Esta zona é constituída por uma larva vulcânica originada do vulcão que entrou em erupção em 280d.c., o vulcão de Xitle (umbigo’), resultando em um território de rocha basáltica sem vegetação. O sítio é situado no região sul da cidade do México, na provincia de Coyoacán, limitada pela região de Ajusco, que significa

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Fig 31 - Interior do Espaço Escultórico

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Este preambulo correspondeu à um entrada mágica para enfim descobrir a Reserva Ecológica del Pedregal de San Ángel (REPSA), localizado na Cidade Universitária Autônoma do México – Ode à natureza e à arte.

Fig 30 - Vista aérea do Espaço Escultórico

Fig 29 - Xochimilco

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Fig 32 - Esquema paisagem ecológica da REPSA. Período seco.

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Fig 34 - Caminho através dos jardins ecológico para Espaço Escultórico Fig 33 - Entrada - caminho através dos jardins ecológico para Espaço Escultórico

No final do percurso o visitante é recebido por um espaço escultural, resultado de uma combinação de um vulcão de cimento em uma placa de lava constituída por um círculo gigante de 120 metros de diâmetro.

como a arquitetura urbana experimental e o simbolismo das culturas pré-hispânicas unem-se para criar um monumento majestoso. Uma paisagem onde natureza e forma arquitetônicas permitem aos visitante uma experiência mística.

O mar de lava petrificada, produto da erupção do vulcão Xitle, foi concebido através de um projeto coletivo que buscou desafiar as tendências individualistas da época, além de propor uma nova forma de construir e viver espaços públicos na cidade. Um lindo exemplo de

O segundo espaço onde natureza e arte se reúnem chama-se Passeo de las Esculturas. Trata-se de um corredor que conecta a reserva e o centro cultural na UNAM.

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Fig 35 - Espaço Escultórico – Claudia Catelli e Alicia Alarcoñe.

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El serpientes del Pedregal, de Frederico Silva. Situada numa zona de transição entre o Centro Cultural e a zona de pesquisa em humanidades, encontra-se esta rocha vulcânica – uma integração plena da topografia com a paisagem.

Fig 37 - La Serpiente e a natureza. Fig 36 - Entrada do Passeio das Esculturas

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Como objetivo inicial de combinar a ecologia com a arte, seis artistas universitários, pesquisadores de geometria estética, foram selecionados para executar o trabalho. Dirigido por Federico Silva, o grupo de escultores inclui Manuel Felguérez, Helen Escobedo, Hersúa, Sebastián, Mathias Goeritz e Roberto Acuña.

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Foram criadas sete esculturas abstratas de grande dimensão realizadas em pedra, metal e concreto, buscando os princípios fundamentais na arte e na Terra. Para o artista de Land Art, a paisagem é sua tela. Desta forma, não é errado dizer que na arte espacial escultural se torna paisagem e a paisagem se torna arte. As instalações compostas pelas sete esculturas foram dispostas geometricamente, conforme apresentado na Foto 10.

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Ocho conejo, de Federico Silva

Ave Dos de Hersúa (ferrocimento pintado 14x7x8 m).

Peça forjada em concreto armado, composta por duas bases de forma triangular que sustentam um elemento horizontal que se eleva sobre a vegetação. Ë um atributo à fertilidade sugerido tanto pelo nome como pelos elementos fálicos.

A obra denomina-se de ambientalismo geométrico. Caracteriza-se por um elemento gratuito destinado a receber a participação do público que se converte na parte viva do processo de criação. Peça composta da combinação de cinco semicubos que forma dois corpos em equilíbrio instáveis dando aparência de movimento. O geometrismo instável faz com que os diferentes pontos de observação se descobrem em novas perspectivas, proporcionando interpretações diferenciadas de cada ponto cardeal. Fig 38 - Ocho conejo, primeiro plano, e Corona del Pedregal, ao fundo.

Fig 39 - Aves Dos e natureza.

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Cóatl, de Helen Escobedo.

Colotl, de Sebastián.

1980 vigotas de aço pintado)

(1978 aço soldado e pintado. 6x6x10 m)

Escultora mexicana envolvida com a gestão de museus universitários durante os anos 60/70. Seu trabalho reflete o interesse da integração plástica entre a peça e o ambiente urbano. Peça composta por uma sucessão de pórticos de aço que giram um em relação com o outro numa sucessiva transformação de cores. Passando do amarelo ao vermelho a peça se encontra numa base de concreto.

O autor sustenta que sua obra possui os princípios da arte cinética. Sua vocação construtivista apresenta por um peça de elementos que se desdobram e se deformam. A pesada instalação se apoia somente pelos vértices pelos extremos inferiores do conjunto. O nome colotl significa escorpião na língua náhuati. Fig 40 - Cóalt e a natureza Fig 41 - Coloti e natureza.

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Corona del Pedregal, de Mathias Goeritz

Variante de la llave, de Kepler de Manuel Felguérez.

(1980 aço pintado. 6x4x12 m)

(1980/ aço pintado. 2x2x4 m)

Escultor alemão naturalizado mexicano criou o Museu El Eco.

O autor foi docente da Escola Nacional de Artes Plásticas. Sua obra tem fundamentos na corrente construtivista. Foi criada com o propósito de evocar os princípios do astrônomo alemão Kepler: os movimentos planetários. Os movimentos da instalação resulta de um jogo de entrelaçamentos como se expusesse a mecânica do universo através da síntese geométrica.

Peça composta de cinco prismas triangulares, cujo vértices se estendem para o céu. Uma alegoria da vegetação do ecossistema semi desértico onde o passeio das esculturas se inscreve.

Fig 42 - Corona del Pedregal

Fig 43 - La Lave de Kleper e a natureza

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A projeto de criação da reservas de biosfera consistem em três áreas inter-relacionadas no campus da UNAM, que atendem a três funções relacionadas, complementares e de reforço mútuo: A zona central, que protege rigorosamente o ecossistema com a função de conservação da paisagem, isto é, as espécies e as variações genéticas. A zona de amortecimento, que envolve ou limitrofe ao núcleo, com a função de promover o crescimento sustentável com práticas ecológicas sólidas: educação ambiental, recreação e turismo ecológico.

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A área de transições, que é considerada uma área de uso múltiplo, em que atividades de uso sustentável de recursos podem ser desenvolvidas para promover o desenvolvimento econômico e humano sustentável.

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Este encontro entre arte, arquitetura e natureza, num contexto universitário, produz uma Paisagem genuinamente instigadoras à criatividade coletiva.

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Mas o que se pode e se deve dizer não são palavras de desânimo ou desalento. As dúvidas e incertezas não são para nos imobilizar nem constituem desculpas para nos fazer estacionar em nossas perplexidades. Estamos em um tempo em que se acabaram as certezas e as verdades prontas. O tempo é de desafios. É preciso criativa e dialeticamente construir saídas e novas respostas para situações novas. É preciso saber indignar-se contra a injustiça, o erro, a desonestidade, o preconceito, a prepotência, o ódio e a violência. É preciso ser intolerante com a tolerância, é preciso saber indignar-se. Indignai-vos! Porém, compremetei-vos! (Stéphane

ANOTAÇÕES DA APRESENTAÇÃO DA AULA MAGNA DO PROFESSOR JOSÉ CARLOS COUTINHO (22/08/2017)

Fig 44 - Equipe E – QNR/Frederico Barbosa

Nestes dias, eu tenho me indagado sobre o que deveria dizer aos jovens estudantes que recém ingressam no curso de Arquitetura e Urbanismo e começam a desvendar os seus “mistérios”. Ou aos que, em breve, deixarão o curso para enfrentar os obstáculos e alegrias da vida profissional, num momento em que nosso país passa por tantas dificuldades e indefinições e que todos nós, inclusive os mais idosos e experientes, estão possuídos de dúvidas e incertezas, podendo oferecer mais perguntas do que respostas.

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Qual arquitetura? Arquitetura para quem? É arquitetura oficial para o governo? É para as empresas? E o Pobre, como é que fica nessa? É arquitetura para quem pode pagar? Quais os compromissos da arquitetura? Qual é o poder da arquitetura? A arquitetura tem cumprido o seu papel? É preciso atuar politicamente? Como? O que é arquitetura brasileira hoje? E quanto ao passado e ao futuro da arquitetura brasileira? Quais são os compromissos com a economia, segurança, consumo, mobilidade, meio ambiente e energia? E quanto ao patrimônio cultural e a história? Me pergunto também sobre algumas homenagens que faltam (ainda): Joaquim Cardoso, Auguste Glaziou... E por último, sobre a arquitetura digital.... será?

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Durante os dias 09, 10 e 11 de outubro de 2017, ocorreu a 1ª Jathis (Jornada de Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social de Brasília), evento que envolveu profissionais e estudantes de arquitetura e áreas correlatas, além de diversos órgãos envolvidos no processo do programa de Assistência Técnica (AT) e várias instituições de ensino, do qual participei e obtive excelentes experiências as quais quero compartilhar, pois acredito que todos os arquitetos deveriam estar atentos ao assunto. O evento teve início com o preparo dos estudantes que participaram das oficinas (em reunião no sábado anterior), e com as palestras que mostraram passo a passo como funciona o programa de Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social de Brasília. A primeira coisa que percebi foi a quantidade de pessoas e de áreas envolvidas – não é apenas uma questão de fazer um projeto e executar, é preciso cooperação de todas as esferas envolvidas. Isso significa dizer que devemos estar em constante aprendizado e sempre em contato com os demais envolvidos, de forma a poder compreender e sugerir propostas e mudanças que beneficiarão a todos,

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RELATO DE EXPERIÊNCIA

Hessel) É indispensável comprometer-se. Não basta dizer “não”! É Preciso comprometer-se afirmativamente com ideais, sonhos e utopias. Mais que isso, é preciso acreditar que em outro mundo é possível. É preciso seguir um ensinamento de Darcy Ribeiro quando criou, com Anísio Teixeira, a UnB. “Comprometer-se com os mais elevados padrões do saber e com os problemas do povo brasileiro (eu diria mais, com os problemas de Brasília e seu povo sofrido)... Então, como eu não tenho respostas, vou deixar para vocês algumas perguntas e questões para debate:

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mas principalmente, os favorecidos pelo programa.

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Logo nas primeiras palestras, me dei conta do quanto a arquitetura como produto é subvalorizada (uma vez que as pessoas consideram que não é necessário “gastar” com os serviço de um arquiteto), e o quanto a cultura brasileira vê a compra desse produto como algo supérfluo ou de luxo – a maioria das moradias brasileiras são construídas de forma vernácula ou sem projeto, onde os próprios moradores são os autores das obras. Justamente por terem essa visão cultural sobre o profissional de arquitetura, para muitas pessoas é melhor “economizar construindo com as próprias mãos” do que pagar caro por um projeto devidamente elaborado por um profissional. Outro ponto pertinente é o foco dos arquitetos nessa minoria que “paga mais” por sua moradia. Durante a palestra da CODHAB foi esclarecido que apenas 7% das cidades brasileiras são feitas por arquitetos e em Brasília 80% das casas não possuem projeto, isso, em uma cidade com a maior taxa de crescimento metropolitana dos últimos anos (14% em 5 anos). O foco da maioria dos arquitetos almeja atender a esses 7%, ao mesmo tempo em que o número de arquitetos que estão se formando é cada vez maior. O número de pessoas que não possuem moradia no país é imenso, bem como os que a possuem em estado precário, sem segurança, salubridade ou conforto ideais. Existem situações em que nós, que moramos em uma casa, por mais humilRevista CAU/UCB | 2017 | Acontece no CAU

de que seja, não conseguimos imaginar situações pelas quais nenhum ser humano deveria passar. A constituição prevê o direito à moradia, e sendo assim, a participação do profissional arquiteto em programas sociais é de essencial importância para a garantia de segurança, eficiência e principalmente qualidade de vida.

to, além de não haver aberturas, ventilação e iluminação natural suficientes. O terreno era fechado com Madeirit, restos de madeira e telhas de fibrocimento, não havia porta na entrada principal, jardim cheio de entulho. Após a visita, começamos a pensar em soluções para os principais problemas da casa.

Sobre as burocracias em que estão condicionadas a AT (Assistência Técnica), onde se encaixam os órgãos financiadores, serviço social, documentação, impostos, executores e fornecedores, foi o momento em que tive um dos primeiros “choques” em relação ao programa. Todas essas burocracias levam a uma situação bastante limitada, porém, os resultados demonstram que mesmo com pequenos atos (como mutirões com a comunidade), é possível transformar vidas. Às vezes, o que é feito é muito pouco se considerarmos tudo que é necessário, mas já garante uma vida bem mais digna para aquelas famílias que até então não podiam dispor de um mínimo de qualidade em suas moradias.

No segundo dia, o projeto foi estruturado em desenho técnico e foi feita uma planilha orçamentária onde percebi que era impossível levar adiante todas as alterações propostas de início. Focamos então na substituição de parte do telhado, iluminação e ventilação naturais, substituição e implantação de portas, poços de ventilação e janelas, reforço estrutural, restauração da estrutura, aumento do pé direito, fechamento de falhas (buracos na parede que comprometiam fiação e estrutura) e impermeabilização dos banheiros. Infelizmente, não foi possível realizar a construção do muro nem a troca da fiação, pois o maior risco era a proximidade com o aço e a água da infiltração.

Durante as oficinas, tivemos oportunidade de ver o modo com que os arquitetos, estagiários e voluntários se acomodam, ora em pequenas estações de trabalho, ora em locais comuns da comunidade em questão, como no caso do meu grupo, uma escola de ensino fundamental da QNR (Endereço, Setor R de Ceilândia). A casa que visitamos possui graves problemas, como fiação exposta, armaduras das vigas descobertas, estando vulnerável ao clima e correndo risco de desabamen-

Ao fim da oficina, vi que a diferença, por pouca que seja, é enorme e muda bastante a vida dessas pessoas, não apenas no que diz respeito à sua vida e sua casa, mas também no seu conceito sobre o trabalho do arquiteto e urbanista. Nas palestras vimos casos consolidados de moradias onde as pessoas passam a ter orgulho de dizer que a sua casa tem um documento e um projeto feito por um arquiteto. Elas começam a perceber a diferença de uma casa construída sem planejamento, com grandes gastos e grandes erros, faltando

coisas essenciais e sobrando coisas supérfluas - como alguns casos em que haviam móveis mais rebuscados ou aparelhos como máquinas de lavar, mas não haviam portas, paredes ou até teto -, com uma casa construída de forma econômica por um profissional e com máximo possível daquilo necessário para garantir a segurança, conforto e a qualidade de vida das pessoas. Também vimos casos de reurbanização, onde eram feitos mutirões com a participação da comunidade para realizar mudanças simples, mas que transformavam completamente a imagem do local, como a pintura de muros e implantação de mobiliário urbano, e por ser feito com a cooperação da comunidade, é mantido e não se torna degradado com o tempo, facilita a urbanização e melhora a qualidade de vida. Ao fim da jornada eu me senti transformada, pois havia visto coisas que dificilmente eu pensaria por estar normalmente mantendo o foco em grandes obras de arquitetura. Percebi que além de ser uma mudança de mentalidade para o profissional de arquitetura, além de gerar mudanças na vida das pessoas, essa pode ser a oportunidade de começar a transformar a cultura brasileira a respeito da nossa profissão. Quanto mais arquitetos se engajarem nessa causa, quanto mais vidas forem transformadas, quanto mais localidades sejam transformadas, mais as pessoas perceberão o valor de uma boa arquitetura, urbanismo, paisagismo e mais seremos mediadores de cidadania, Revista CAU/UCB | 2017 | Acontece no CAU

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ajudando a garantir direitos básicos que todo cidadão brasileiro merece receber.

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Fig 46 - Equipe E – QNR/Frederico Barbosa

93 Fig 45 - Visita a casa comtemplada pela oficina na QNR – Grupo 4/Foto:Caio/Erick Camilo

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Para mim, a Assistência Técnica, o trabalho social, é antes de mais nada um dever, um direito, uma contribuição e ainda é um instrumento de mudança e transformação de mentalidades, de pessoas, de vidas e de cidades. Recomendo a todos os estudantes e arquitetos experimentarem ao menos uma vez na vida fazer a diferença na vida de quem não pode pagar por nossos serviços, de quem é o maior público crítico de nossa profissão, de quem merece ter dignidade em seus lares - não que seja necessário deixar de lado grandes obras - mas por que não ter um segundo foco, por exemplo, nas áreas carente de nossos serviços? Sejamos cidadãos e transformemos vidas, pode ter certeza que entre elas estará a nossa própria.

Fig 47 - Todos os participantes da oficina/Foto: Larissa Cayres

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