O SIMBOLISMO SURREALISTA NO FILME “ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS” DE TIM BURTON

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O SIMBOLISMO SURREALISTA NO FILME “ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS” DE TIM BURTON Francisco Leonardo Ferreira Neto1

Resumo: A pesquisa se propõe a identificar e analisar utilizando o método comparativo, as características conceituais e estéticas do movimento artístico surrealista com o filme “Alice no País das Maravilhas” de Tim Burton. Foi realizada pesquisa na história da arte sobre o surrealismo e da produção cinematográfica do diretor, para identificar quais seriam as semelhanças. Com isso, se poderá concluir a influência dos movimentos artísticos nas expressões contemporâneas cinematográficas, e a importância do estudo deles para a observação das mudanças no mundo atual. Palavras–chave: Surrealismo, Tim Burton, história da arte.

Introdução O estudo da história da arte e suas expressões, desde as mais antigas até as contemporâneas, é imprescindível para a percepção do mundo e seus aspectos socioculturais. Segundo Queirós (1982, p. 9,10) se referindo as manifestações artísticas, “atributos como a fantasia e a sensibilidade são essenciais para se desvendar a vida”. Só que, muitas vezes os movimentos artísticos são tratados, no âmbito escolar por exemplo, apenas como um objeto de estudo do passado, e que teve um período de ascensão e de morte. Esse é um pensamento equivocado e como comenta Porcher (1982, p.11) “que contribui para sustentar a velha e falsa ideia de que o mundo da arte é um mundo hermeticamente fechado”. Surgia na França entre 1922 e 1924 um dos movimentos artísticos mais intrigantes e que moveu o interesse para objeto desta pesquisa, o surrealismo, tendo como seu principal fundador André Breton (1896-1966), que também era médico psiquiatra e estudioso de Freud. Como diz Dempsey (2010, p. 151) “O marxismo, a psicanálise e as filosofias ocultistas foram influências importantes para Breton (...)”. O estudo da dimensão dos sonhos, do automatismo e do inconsciente eram ferramentas que os surrealistas utilizavam para crias suas obras, tanto visuais como literárias, buscando a representação do “surreal”. Sendo as produções cinematográficas uma das formas mais populares de transmissão das narrativas artísticas nas gerações atuais, assim, o estudo aqui proposto, visa buscar relações do movimento artístico surrealista com aspectos do filme realizado em 2010, “Alice no país das maravilhas” por Tim Burton, diretor de cinema famoso por seus filmes que misturam o grotesco, a fantasia e o humor, dando origem ao termo burtonesco, utilizado para designar seu estilo cinematográfico tão singular. O filme reconta a história da garota “Alice”, protagonista do romance de Lewis Carroll (18321898), que retorna ao “País das maravilhas”, agora mais velha e com a missão de libertar o povo desse país do controle da “Rainha de Copas”. Essa correlação entre os temas faz com que se perceba a constante presença artística nos mais variados campos, e a importância dela para as manifestações e produções culturais da atualidade. Pois, como afirma Ianni (2001, p. 12), as artes têm a 1

Graduando em Design de Produto, UFCA, Juazeiro do Norte, Ceará. leonardo.ferreira.neto@gmail.com


potencialidade de ajudar a explicar e compreender situações presentes, tanto quanto prever eventos e problemas futuros.

Metodologia da pesquisa Para o estudo e desenvolvimento do trabalho foi realizada uma pesquisa com teóricos do surrealismo e do cinema, especificamente os que estudam a produção do diretor Tim Burton, para a análise comparativa e identificação dos aspectos do movimento artístico no filme “Alice no país das maravilhas”. Os conceitos regentes do surrealismo foram pesquisados através de estudiosos dos escritos de André Breton (1896-1966), principal precursor do surrealismo. Quanto ao filme, foi feito um estudo da biografia do diretor e de suas produções, procurando traçar semelhanças no seu trabalho cinematográfico. A pesquisa bibliográfica é “um procedimento reflexivo sistemático, controlado e crítico, que permite descobrir novos fatos ou dados, relações ou leis, em qualquer campo de conhecimento”, (ANDER EGG p.28 apud MARCONI e LAKATOS, 2009, p.43) Após se pesquisar sobre o surrealismo e verificar suas características mais importantes, foi feita a análise do filme com o olhar voltado ao movimento para que se pudesse fazer um comparativo. Sobre a análise, “Realizado o levantamento dos diferentes elementos constitutivos do texto passa-se à fase seguinte, ou seja, a da análise das relações.” como propõem Marconi e Lakatos (2009, p. 26).

O Surrealismo e “Alice no país das maravilhas” de Burton O inicio do século XX é caracterizado, segundo Proença (2003, p. 151), pelas inúmeras conquistas tecnológicas, pelo grande desenvolvimento industrial e mudanças sociais, onde se acentuam as diferenças entre alta burguesia e o proletariado. Foi o período também de grandes conturbações políticas: a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa, o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha. Essas mudanças sociais e políticas “criaram um clima favorável para o desenvolvimento de uma arte que criticava a cultura europeia e a frágil condição humana diante de um mundo cada vez mais complexo”, Proença (2003, p. 164). Parafraseando a autora, isso fez com que surgissem movimentos estéticos que começaram a interferir de maneira fantasiosa na realidade, como o caso do surrealismo, fazendo disso também uma denuncia a falta de sentido da sociedade contemporânea. Entre os pintores surrealistas conhecidos pode-se destacar Salvador Dali, René Magritte, Joan Miró e André Breton, o qual liderou a criação do movimento surrealista, como afirma Proença (2003, p. 166). O termo surrealismo é definido por Breton no Primeiro Manifesto do Surrealismo (1924) como “o pensamento que é expresso na ausência de qualquer controle exercido pela razão e alheio a todas as considerações morais e estéticas.” (DEMPSEY, 2010, p. 151 apud BRETON, 1924). Um dos maiores objetos de estudo e de aplicações para as obras dos surrealistas era o inconsciente, pois segundo Argan (1992, p. 360) para os surrealistas “O inconsciente não é apenas uma dimensão psíquica explorada com maior facilidade pela arte, devido à sua familiaridade com a imagem, mas é a dimensão da existência estética e, portanto, a própria dimensão da arte.”. O mundo dos sonhos e “outras realidades” são também temas característicos das obras surrealistas, pois eram das experiências em contato com esses estados psicológicos que provinham boa parte de suas obras, como comenta Dempsey (2010, p.


153) dizendo que “O inconsciente, os sonhos e inúmeras teorias freudianas fundamentais foram utilizados pelos surrealistas como repertórios de imagens reprimidas, a serem exploradas à vontade.”. O quadro Aparição de rosto e fruteira numa praia (figura 1) de Salvador Dalí tenta imitar a confusão que ocorre em um sonho, pois “Nos sonhos, com frequência experimentamos a estranha sensação de que pessoas e objetos se fundem e trocam de lugar” (GOMBRICH, 2011, p. 592). Já na pintura Tentando o impossível (figura 2) de René Magritte a ideia do onírico é personificada na imagem de uma mulher, assim como descreve Gombrich (2011, p. 591) dizendo que o artista nessa figura, enquanto pinta um nu “(...) se dá conta de que o que ele está fazendo não é copiar a realidade, e sim criar uma nova, muito como fazemos em nossos sonhos.”. Figura 1

Fonte: Site: Flogão, 16. Abril, 2005, disponível em: <http://www.flogao.com.br/novaera/9038408>. Acesso em: 10 out. 2013.

Figura 2

Fonte: Site: Passei Web, disponível em: <http://www.passeiweb.com/saiba_mais/arte_cu ltura/galeria/open_art/377>. Acesso em: 10 out. 2013.

Os surrealistas passaram por uma faze de experimentos indutivos de estados de transe como afirmam Azevedo e Ponge (2008, p. 282), “Em setembro de 1992, um episódio fortuito desencadeia a fase dita dos sonos induzidos ou sonos hipnóticos.”, onde alguns dos artistas, segundo Stangos (2000, p. 108 apud BRETON, 1922), “podiam produzir surpreendentes monólogos, escritos ou falados, repletos de imagens vívidas de que seriam incapazes (...) num estado consciente.”. Timothy William Burton nasceu em 25 de agosto de 1958, no estado da Califórnia, na cidade de Burbank, como afirma Castro (2012, p. 23). Burton foi uma criança solitária e que vivia criando monstros e personagens estranhos, frutos de sua fértil imaginação. Segundo Muraca (2010, p. 119) “A própria biografia de Tim Burton revela uma infância e adolescência imersas numa aura de distanciamento e reclusão.”. Burton produziu seu primeiro curta aos 13 anos e passou a frequentar o Instituto de Artes da Califórnia. Posteriormente trabalhou para empresas como Walt Disney e Warner Bros., ainda segundo a autora, uma das características mais marcantes do diretor são os personagens bizarros e estranhos, mas que não são necessariamente maus, que interagem em cenários fantásticos e sombrios. Ele criou um estilo de cinema que mistura o terror com o engraçado e o dramático. Seu trabalho é classificado como Pop surrealista em 2010, como comenta Muraca (2010, p. 120):


...no período de 22 de novembro de 2009 a 26 abril de 2010, o Moma (Museum of Modern Art, New York) organizou a exposição Tim Burton. Setecentas obras foram exibidas, entre desenhos, pinturas, fotografias, storyboards, bonecos, maquetes e figurinos. O texto do folder eletrônico no website do museu destaca que a exposição “reveal his talent as an artist, illustrator, photographer, and writer working in the spirit of Pop Surrealism. - revela o seu talento como artista, ilustrador, fotógrafo, e escritor trabalhando no espírito do Surrealismo Pop. (tradução do autor).

No filme “Alice no país das maravilhas” (2010) a protagonista aparece mais velha que no romance de Lewis Carroll em uma festa da alta sociedade a que sua família pertence. A garota está prestes a ser pedida em casamento por um pretendente que lhe foi arranjado, mas ela acaba fugindo da festa e do pedido. A personagem tem uma personalidade forte e vê que um casamento não supriria os anseios de seu espírito sonhador. Após perseguir o “Coelho branco” a moça cai em um buraco e acaba indo parar nesse “país maravilhoso” (figura 3) com personagens que ela julgaria impossíveis de existir realmente, como a lagarta “Absolém”, o “Chapeleiro Maluco” e o “Gato Risonho”. Por conta disso ela interpreta o tempo todo estar dentro de um sonho, que foi um dos aspectos mais ricos para os fundadores do surrealismo. Figura 3

Fonte: Blog: Planeta Mongo, 07. Maio, 2010, disponível em: <http://planetamongo.wordpress.com/tag/chapeleiro-louco/ >. Acesso em: 26 set. 2013.

No cenário do filme existem elementos que podem ser identificados na realidade, como cogumelos, animais e plantas, mas que são representados de forma exagerada ou distorcida dando um valor surreal dentro da produção. Um exemplo são as flores que adquirem características humanoides (figura 4), tendo um rosto e podendo falar, assim como a lagarta “Absolém” (figura 5) que possui dons de vidência.


Figura 4

Fonte: Site: Disney Mania, 08. Fevereiro, 2010, disponível em <http://www.disneymania.com.br/imagensprogressivas-das-flores-falantes/ >. Acesso em: 29 set. 2013

Figura 5

Fonte: Blog: Faro, Artes e Psicologia, 04. Julho, 2010, disponível em<http://faroartesepsicologia.blogspot .com.br/2010/07/analise-do-filmealice-no-pais-das.html>. Acesso em: 29 set. 2013

Esses personagens que adquirem características humanas no filme revelam um contraste presente no surrealismo, pois de acordo com Stangos (2000, p. 111) “A imagem surrealista nasce da justaposição fortuita de duas realidades diferentes (...)”, completando o pensamento pode-se citar o seguinte comentário de Gombrich (2011, p. 592) a respeito dessa junção que o surrealismo faz: “Nosso gato pode ser ao mesmo tempo nossa tia, e nosso jardim ser a África.”.

Considerações finais O que foi observado com o estudo comparativo é que as expressões e pensamentos artísticos, mesmo que em contexto histórico definido na arte moderna, continuam influenciando os pensamentos e as produções cinematográficas recentes. Isso ocorre de uma forma simbiótica com as novas tecnologias, que parecem que estão mascarando esses signos artísticos, mas quando se tem conhecimento da origem e da essência destes, se percebe que o que ocorre não é uma substituição da arte e sim uma agregação da mesma. Nas palavras de Ianni (2001, p.12) as criações artísticas, filosóficas e científicas “Ao mesmo tempo em que realizam alguma forma de compreensão ou explicação, envolvem possibilidades e fabulação”. Isso mostra a necessidade que o homem tem de agregar à sua realidade o imaginário e a fantasia. Essa simbologia artística, tanto surrealista quanto de outros movimentos, pode ser buscada não apenas no cinema, mas também em vários outros campos de produção atuais, havendo a possibilidade da descoberta de inúmeras outras relações entre arte e sociedade contemporânea.

Agradecimentos Agradeço ao corpo docente da UFCA e ao Programa de Educação Tutorial (PET) por me oferecerem espaço e material para o desenvolvimento do trabalho, e aos meus colegas Roberta Rocha, Kaio Lima e Saymon Luna por terem me auxiliado sempre que foi preciso.


Referências ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: Do iluminismo aos movimentos contemporâneos. 2. ed. São Paulo: Ed Companhia das Letras, 1992. AZEVEDO, Érica; Ponge, Robert. André Breton e os primórdios do surrealismo. Revista Contingentia, v. 3, n. 2, p. 277-284, nov. 2008. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/20843/000720013.pdf?sequence=1> Acesso em: 18 set. 2013. CASTRO, Stefani Carla Gomes de. Tim Burton: Influências artísticas presentes nas animações: Vincent, O estranho mundo de Jack e A noiva cadáver. Passo Fundo, Dezembro 2012. Disponível em: <http://repositorio.upf.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/191/PF2012Stefani_Gome s_de_Castro.pdf?sequence=1> Acesso em 18 set. 2013. DEMPSEY, Amy. Estilos, Escolas e Movimentos: guia enciclopédico da arte moderna. 2. ed. São Paulo: Ed. Cosac Naify, 2010. GOMBRICH, Ernest Hans; A história da arte. 16. ed. Rio de Janeiro: Ed LTC, 2011. IANNI, Octavio. + Cultura. Cartografia da humanidade. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 setembro 2001. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs3009200115.htm> Acesso em 20 set. 2013. MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos da metodologia científica. 7. ed. São Paulo: Ed Atlas, 2009. MURACA, Márcio Henrique. Tim Burton e o Burtonesque: A Inversão do Conto de Fadas. Revista Semioses, Rio de Janeiro. v. 01, n. 07, p. 118-126, ago. 2010. Disponível em: <http://apl.unisuam.edu.br/semioses/pdf/n7/n7_art_12.pdf> Acesso em: 18 set. 2013. PORCHER, Louis. Educaçao Artistica - Luxo Ou Necessidade?. 7. ed. São Paulo: Ed Summus, 1982. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=hYetUK6t4hcC&printsec=frontcover&dq=Educ a%C3%A7ao+Artistica+-+Luxo+Ou+Necessidade?&hl=ptBR&sa=X&ei=mKBIUsPkOYeO9ASOo4HACA&ved=0CDIQ6AEwAA#v=onepage& q=Educa%C3%A7ao%20Artistica%20%20Luxo%20Ou%20Necessidade%3F&f=false> Acesso em: 21 set. 2013. PROENÇA, Graça. História da Arte. 16. ed. São Paulo: Ed Ática, 2003. STANGOS, Nikos. Conceitos da Arte Moderna : com 123 ilustrações. edição Revista; Roels, Reinaldo. Rio de janeiro. Ed Jorge Zahar, 2000.


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