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literatura: "FAÍSCA"
from ZINT ⋅ Edição #4: Inumanos
by ZINT
UM LAMPEJO DE ARTE E CRIATIVIDADE LOCAL
por MARINA MOREGULA (@marina.moregula), SAMUEL LIMA (@SamukaaLS).
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fotografia de MARINA MOREGULA (@marina.moregula)
Faísca [fa.ís.ca], substantivo feminino: o que brilha ou cintila; centelha, chispa, faúlha; no sentido figurado é tudo o que se pode comparar pelo brilho ou luz que derrama. A produtora cultural Helen Murta e o quadrinista Jão estavam assistindo ao programa do Silvio Santos quando esse termo apareceu em um jogo de adivinhar palavras. Era exatamente o que eles estavam procurando para dar nome à feira de produções gráficas, que queriam começar a realizar mensalmente em Belo Horizonte, em 2015.
A Faísca é realizada no terceiro sábado de cada mês, tem acesso gratuito e classificação livre. A feira chega em sua 22ª edição em outubro. O objetivo do evento é criar um espaço frequente para artistas independentes venderem publicações e outras produções, oferecendo uma visibilidade cada vez maior do mercado gráfico mineiro. São 45 expositores diferentes selecionados para cada edição a partir de um edital divulgado online. Estão incluídos estilos diversos e de 10 setores diferentes: literatura, fotografia, quadrinhos, ilustração, design, zine, gravura, papelaria, livros de artista e arte digital.
O evento é financiado pelo Instituto Cultural Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG Cultural) e este ano passou a ser bancado também pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura. Entretanto, a produtora Helen Murta conta que a realização da feira está em busca de parcerias privadas que possibilitem ampliar o porte e o alcance do evento. Murta é organizadora e criadora da Faísca, por meio da Pulo Comunicação e Arte, em parceria com o quadrinista Jão, que está no mercado gráfico há 10 anos.
A feira acontece na rua Bernardo Guimarães, em frente ao BDMG Cultural. Além dos expositores, a edição de setembro trouxe também um espaço para crianças, uma participação do Setor Braille da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, oficina gratuita de escrita criativa, música e food trucks convidados. Edições passadas contaram também com cobertura fotográfica e música ao vivo.
Figuras
Régis Luiz é designer gráfico e trabalha com ilustrações. Ele trouxe para a 21ª edição da Faísca o livro Introverso, que reúne vários de seus personagens em um só conceito. Régis conta que a feira começou dentro do espaço interno do BDMG Cultural e que quando passou a acontecer na rua, atraiu um público muito maior: “Além de ser um espaço para venda de material, é um ponto de encontro, um momento que as pessoas da comunidade próxima podem sentar e conversar, bater papo. A Faísca virou um evento tradicional de Belo Horizonte”. O artista também comenta que o evento é uma forma de ocupar a cidade, seguindo a tendência de feiras como as de alimentação e artesanato, que têm crescido em BH.
Entretanto, ocupar a rua é uma ação que envolve muita burocracia. Para a produtora do evento, essa é uma das maiores dificuldades que a feira enfrenta atualmente. São muitas especificidades e empecilhos para se ter o apoio da Prefeitura.
No mercado gráfico, a grande maioria das produções são impressas. Com o avanço das tecnologias e a popularização da internet, o meio impresso aparenta ter ficado em segundo plano. No jornalismo, isso se manifesta na decadência dos jornais impressos e no crescimento das grandes reportagens transmídia, que reúnem imagens, vídeos, gráficos e áudios. Na literatura, surgem os audiobooks, o kindle e as versões digitais dos livros, que são mais baratas que as impressas.
Para Murta, os artistas gráficos estão retomando técnicas mais antigas de impressão, que evidenciam o cuidado e a dedicação com o trabalho físico e manual, que não são possíveis no meio digital. Hoje, formatos antigos como a fotografia analógica e os discos de vinil são resgatados em uma onda vintage nostálgica que atinge o cinema, a música, a literatura e as produções gráficas. Do ponto de vista do consumo, essa moda atrai consumidores para uma lógica contrária à dos tempos atuais, acelerados pela internet. Mas, do ponto de vista da produção, Helen defende que “não é só a onda retrô, os próprios artistas já têm um gosto natural por isso ao escolherem essa área”.
Já no universo dos quadrinhos, o artista Jão acredita que a internet só ajuda o meio a crescer. “O digital foi um dos avanços mais importantes que tiveram para os quadrinhos. Muita gente surgiu na internet, eu mesmo comecei meu trabalho em blogs, e muita gente saiu do meio digital e foi pro impresso”, afirmou.
Jão também observa que, nos últimos anos, surgiram muitos bons quadrinistas no meio, que está crescendo, mas o público não acompanha essa produção. Para ele, “quadrinho é uma questão de nicho, e faltam iniciativas como o FIC (Festival Internacional de Quadrinhos) e a Faísca, para formação de público”.
O designer Régis Luiz, que já está no mercado há 12 anos, ressalta que a Faísca também dá a oportunidade de profissionais mais experientes entrarem em contato com profissionais iniciantes da área gráfica. Ele também acha que “o evento é muito bem organizado e é um momento em que o mercado apresenta para o grande público o que é feito no nicho do mercado gráfico de BH”. Como ele é gratuito, reúne também curiosos e permite que qualquer um possa participar, tanto como expositor quanto como visitante. As irmãs Isis Henrique, de 20 anos, e Maíra Henrique, de 25, criaram juntas, em 2015, o estúdio de desenho Analogika que participou da Faísca pela terceira vez na edição de setembro. As irmãs ressaltam que a feira possibilita a venda direta e o contato com o cliente, além de concordarem com com Régis ao afirmar que a feira é uma ótima oportunidade para ter contato com outros produtores. “É sempre legal conhecer alguém interessante e formar essa rede de pessoas”, conta Maíra.
As edições da Faísca de julho e agosto fugiram do tradicional local na rua Bernardo Guimarães, acontecendo na Praça da Liberdade. Para as irmãs da Analogika, a localização na rua Bernardo Guimarães é muito escondida. "Quem vem é porque já sabe que a feira é aqui. As edições na Praça foram mais legais porque passa muito mais gente lá”. Elas defendem que melhorar a localização seria fundamental para a Faísca evoluir.
Régis concorda que ir para a Praça da Liberdade traz mais projeção para o evento: “A circulação de pessoas lá é maior. Infelizmente a Bernardo Guimarães não é passagem Se a feira for pra um local em que o público já está, vai ter uma circulação maior e um consumo maior. O público na Praça era menos de nicho, a gente atingia um público que estava ali para ver museus, para fazer atividade física. Esse alcance é o que permite que o mercado cresça”, explicou o designer.
Por outro lado, a produtora Helen Murta afirma que fazer a feira em outro espaço que não seja em frente ao BDMG Cultural, principal apoiador do projeto, é mais complicado tanto em termos de custo quanto de burocracia. Por enquanto, a Faísca continua na rua Bernardo Guimarães, e é um ótimo programa para quem quer tomar uma cerveja numa tarde de sábado e conhecer e apoiar os artistas gráficos independentes de BH. //