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CONTRAPARTIDAS URBANAS E PAISAGEM CICLOVIÁRIA: Um instrumento para materialização das políticas de ciclomobilidade em Porto Alegre, RS. MELLO NETO, Reynaldo (1); PICCININI, Livia Salomão (2) (1) UFRGS; mestrado; reynaldo.neto@gmail.com (2) UFRGS; Professora Dra.; livia.piccinini@ufrgs.br
RESUMO Com menos de 48 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas, a malha cicloviária de Porto Alegre concentra-se majoritariamente na área central da cidade. Pouco conectada, esta malha conta com poucos trechos nas zonas periféricas da cidade. Dentre estes trechos, destaca-se a ciclovia da estrada das Três Meninas, ao sul do município. Localizada nas imediações do condomínio Alphaville, destinado às camadas de alta renda, a ciclovia é fruto de contrapartidas urbanas e não possui conexões com os demais trechos de infraestrutura cicloviária do município. Pretendeu-se, neste trabalho, realizar um debate sobre as políticas de mobilidade por bicicleta em Porto Alegre em especial, sobre o sistema de contrapartidas urbanas adotado para implementação de ciclovias e ciclofaixas. Pretende-se, também, verificar como tais políticas se materializam na paisagem urbana. Para tal, a partir do percurso realizado na estrada das Três Meninas, verificaram-se suas características físicas e como esta infraestrutura se articula com a paisagem do local, considerando a metodologia de análise da paisagem sugerida por Cullen (1971). Asssim, foi possível verificar que as contrapartidas urbanas não consideram a localização e a conectividade da infraestrutura existente. Tampouco há uma análise da paisagem cicloviária no sentido de atender áreas onde há maior concentração de pontos de interesse. É preciso, portanto, retomar as discussões sobre as políticas públicas de mobilidade, focando na implementação de ciclovias e ciclofaixas que garantam a conectividade da malha, inseridas em locais com maior concentração de pontos de interesse/ equipamentos urbanos transformando, assim, a infraestrutura cicloviária em um elemento relevante na paisagem urbana. Palavras-chave: Contrapartidas Urbanas; Políticas Públicas; Infraestrutura cicloviária; Paisagem urbana.
URBAN COUNTERPARTIES AND CYCLING LANDSCAPE: AN INSTRUMENT TO MATERIALIZE CYCLING POLICIES IN PORTO ALEGRE, RS. ABSTRACT With less than 48 kilometers of bike lanes, the cycle network of Porto Alegre is mostly concentrated in the central area of the city. Low connected, this network has few stretches of routes in the peripheral areas of the city. Among these routes, the cycle path of the Três Meninas road stands out, south of the municipality. Located in the vicinity of the Alphaville townhouse, intended for high-income groups, the bike path is the result of urban counterparts and has no connections with the other sections of bicycle infrastructure in the municipality. In this work, the intention was to hold a debate on bicycle mobility policies in Porto Alegre, in particular, on the urban counterpart system adopted for the implementation of bike lanes and cycle lanes. It is also intended to verify how such policies materialize in the urban landscape. To this end, from the route taken on the Três Meninas road, its physical characteristics and how this infrastructure articulates with the landscape of the place were verified, considering the landscape analysis methodology suggested by Cullen (1971). Thus, it was possible to verify that the urban counterparts do not consider the location and connectivity of the existing infrastructure. Nor is there an analysis of the cycling landscape in order to serve areas where there is a greater concentration of points of interest. Therefore, it is necessary to resume discussions on public mobility policies, focusing on the implementation of cycle paths and cycle lanes that guarantee network connectivity, inserted in places with a greater concentration of points of interest / urban equipment, thus transforming the bicycle infrastructure into a relevant element in the urban landscape. Key-words: Urban Counterparts; Public Policies; Bicycle Infrastructure; Urban Landscape.
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1. INTRODUÇÃO: O PANORAMA DAS POLÍTICAS CICLOVIÁRIAS NO BRASIL E EM PORTO ALEGRE. A partir dos anos 70, com a crise do petróleo, diversos países se viram impelidos a repensar suas políticas de transporte. A utilização de meios de transporte não poluentes, como a bicicleta, tornou-se pauta em países como Alemanha, Holanda e Japão (SILVA, 2014). No Brasil, porém foi somente com o surgimento do Ministério das Cidades, no início dos anos 2000, que a bicicleta passou a ser incluída nas discussões sobre as políticas públicas de mobilidade urbana. Em 2012, com o surgimento da Lei n.12.587/2012, que estabelece a Política Nacional de Mobilidade Urbana - PNMU, tornou-se obrigatória a existência de Plano de Mobilidade Urbana para cidades com mais de 20 mil habitantes. Em algumas cidades brasileiras, contudo, projetos e planos para a inclusão da bicicleta como meio de transporte datam décadas anteriores, como é o caso de Porto Alegre. A capital do estado do Rio Grande do Sul, apresentou em 1981 seu primeiro Plano Cicloviário. Porém foi em 2009, através da Lei Nº 626/2009, de 15 de julho de 2019, que o Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI-POA) do município entrou em vigor e as políticas cicloviárias saíram do papel. Em vigor desde 2009, o PDCI-POA prevê a implementação de 495km de ciclovias e ciclofaixas até o ano de 2022, sendo que até 2019 apenas 48,72km haviam sido executados. Cabe destacar que a maioria das ciclovias e ciclofaixas implementadas se localiza na área central do município de Porto Alegre e, nos últimos anos, como possível verificar na Figura 01, o número de trechos de infraestrutura cicloviária implementados vem diminuindo.
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Figura 01: Quilômetros de infraestrutura cicloviária executados em Porto Alegre por ano.
Fonte: MELLO NETO, 2019.
Esta diminuição é reflexo da alteração no modelo de gestão das políticas cicloviárias em Porto Alegre, coincidindo com a mudança partidária no governo municipal. Tal mudança também é perceptível quando comparados o total de quilômetros de ciclovias e ciclofaixas nas capitais brasileiras (incluindo o Distrito Federal). Em 2018, estas cidades possuíam, somadas, cerca de 3.291Km de ciclovias e 22
ciclofaixas , um valor irrisório se comparado à malha viária existente. A capital com maior proporcionalidade à época era Rio Branco - 13,38% da malha viária da cidade apresentava ciclovias e/ou ciclofaixas em 2018. Entre as cidades com baixa proporcionalidade está Porto Alegre, com 1,36%. Esses dados evidenciam a falta de investimentos em políticas cicloviárias no Brasil como um todo. Tais políticas, quando materializadas, concentram-se especialmente em áreas com maior poder aquisitivo (VACONCELLOS, 1996). Estes dados, quando sobrepostos a dados de Renda Per Capita, extraídos do Censo 2010 (IBGE, 2010), evidenciam que há maior concentração de trechos com infraestrutura ciclável nas áreas de
Informações disponíveis em: http://www.mobilize.org.br/noticias/11186/capitais-ja-tem-mais-de-3200-km-de-ciclovias.html 22
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maior poder aquisitivo, ou seja, nas áreas centrais. Como exemplo, citam-se os 48,72km de ciclovias e ciclofaixas de Porto Alegre. Destes, apenas 14,5km não estão localizados na região central. Considerando a renda dos bairros onde localizam-se as ciclovias e ciclofaixas do município, constata-se que apenas 5,4km de infraestrutura cicloviária estão localizados em bairros com renda média por domicílio abaixo de 4 salários mínimos por mês. Nota-se que há muito a ser feito para que, de fato, as políticas cicloviárias sejam materializadas na paisagem dos centros urbanos brasileiros. É necessário que as políticas de mobilidade sejam, de fato, efetivadas para, assim, garantir condições adequadas de mobilidade para os usuários da bicicleta como meio de transporte.
2. METODOLOGIA: A MATERIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA PAISAGEM, O CASO DAS CONTRAPARTIDAS URBANAS. A partir deste contexto, este artigo pretende, através da análise da legislação, entender como as contrapartidas urbanas se materializam na paisagem cicloviária de Porto Alegre. Para tanto, foram estudados, especialmente, os documentos da Lei Nº 626/2009, que institui o Plano Diretor Cicloviária Integrado de Porto Alegre, o Relatório Final do PDCI-POA e o Decreto Nº 18.848/2014, que altera a LeI Nº 626/2009 no que se refere aos critérios para implementação de ciclovias advindas das contrapartidas urbanas. Posteriormente, foi estudado o caso da Ciclovia da estrada das Três Meninas. Para tanto, foram 23
gerados mapas georreferenciados através de software QGIS , que utiliza sistema de Informações Geográficas (SIG). Nestes mapas, foram indicados os trechos de infraestrutura cicloviária previstos pelo PDCI-POA e os executados até o final de 2019, além de destacados os bairros e alguns pontos de interesse previamente selecionados, sendo estes: instituições de ensino, equipamentos de saúde, grandes centros comerciais, equipamentos culturais e religiosos de relevância local e áreas verdes (em especial, parques e praças). Estes elementos foram sobrepostos a malha cicloviária de Porto Alegre e analisados, com o intuito de verificar a presença e a influência de tais equipamentos na ciclovia estudada. Posteriormente, a paisagem da ciclovia da estrada das Três Meninas foi analisada, considerando a sua infraestrutura, a partir dos conceitos apresentados por Gordon Cullen no livro Paisagem Urbana (1971), no qual o autor propõe a exploração dos efeitos da paisagem nas nossas sensações e
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Informações disponíveis em: h ttps://qgis.org/pt_BR/site/about/index.html
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emoções a partir da experiência visual apreendida no percurso realizado. Assim, pretende-se traçar um panorama, a partir do caso estudado, dos efeitos do sistema de contrapartidas urbanas na paisagem e na infraestrutura cicloviária.
3. CONTRAPARTIDAS URBANAS EM PORTO ALEGRE: UMA ALTERNATIVA PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE CICLOVIAS E CICLOFAIXAS? Na busca por alternativas para a viabilização do Plano Diretor Cicloviário de Porto Alegre, o PDCI-POA, as contrapartidas urbanas se apresentaram, especialmente nos últimos anos, como a única alternativa viável. O modelo de contrapartidas urbanas utilizado em Porto Alegre é o mesmo que é utilizado em países europeus e pretende viabilizar a execução de grandes projetos urbanos, inserindo obrigações para sua implementação. Tais obrigações envolvem graus de investimento e alterações no entorno, com o intuito de mitigar os impactos destes projetos complexos (STEIGLEDER; PICCININI, 2019). Caracterizam-se como grandes projetos urbanos àqueles que interferem na forma da cidade, impactando ambiental e/ou socialmente. Tais impactos podem causar transformações na paisagem urbana, além de demandarem a instalação e/ou readequação da infraestrutura urbana no entorno e na área de implementação (ULTRAMI, 2013). A adoção do sistema de contrapartidas supre a falta de recursos do município para implementação de infraestrutura urbana. Neste caso, o governo repassa, através de acordos (estabelecidos em contratos ou implicitamente), tais obrigações à iniciativa privada (STEIGLEDER; PICCININI, 2019). Steigleder e Piccinini (2019) apresentam o caso de Porto Alegre, onde as contrapartidas são acordadas através de um termo de compromisso. Contudo, no termo, não são estabelecidos critérios e padrões a serem atendidos, acarretando em mais de duzentos projetos especiais com renegociação de contrapartidas, desde 2013. Ademais, não há avaliação de tais contrapartidas, favorecendo, assim, a iniciativa privada, afinal, os critérios para implementação não são claros. Por certo que diversos trechos de ciclofaixas e ciclovias executados nos últimos anos em Porto Alegre só foram materializados devido ao sistema de contrapartidas. Porém nem todos os 48,74km existentes atualmente em Porto Alegre foram executados através destas, evidenciando a baixa eficiência do sistema (considerando o número de projetos especiais) e a omissão do estado em relação aos deveres legais dos projetos especiais.
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As contrapartidas, mesmo quando são executadas, carecem de mecanismos de avaliação ou estudos prévios, o que compromete a justa distribuição do ônus da implementação dos projetos especiais. Ressalta-se que os impactos destes projetos impactam um todo maior, e a falta de monitoramento compromete a garantia de contrapartidas que os mitiguem. (STEIGLEDER; PICCININI, 2019).
4. PROJETO ESPECIAL CONDOMÍNIO ALPHAVILLE EM PORTO ALEGRE, RS: O CASO DA CICLOVIA DA ESTRADA DAS TRÊS MENINAS. A ciclovia da Estrada das Três Meninas é fruto de contrapartida urbana para a implementação do empreendimento condomínio Alphaville. Implantada em 2013, a ciclovia possui aproximadamente 1,65km de extensão (PMPA, 2018) e não possui conexões com outras ciclovias ou ciclofaixas da cidade, conforme é possível verificar na Figura 02.
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Figura 02: Mapa cicloviário de Porto Alegre – 2019.
Fonte: MELLO NETO, 2019.
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Apesar de estar localizada em área distante da região central em um bairro com renda média mensal de 5,35 salários mínimos, a ciclovia localiza-se em uma área considerada de alto padrão, tendo em vista que sua extensão corresponde, aproximadamente, ao dimensionamento da testada do terreno do Condomínio Alphaville. Os 1,65km de ciclovia representam uma contrapartida urbana desproporcional, se considerada a área total do condomínio Alphaville Porto Alegre, que possui cerca de 133,43 hectares e oferece "um alto padrão de moradia, infraestrutura e paisagens surpreendentes, garantindo a seus moradores qualidade de vida e bem-estar para seus familiares e 24
convidados".
A Ciclovia, caracteriza-se como bidirecional e possui, aproximadamente, 2,5 metros de largura, localizados no canteiro centra e não possui conexão com outras ciclovias e ciclofaixas, tendo em vista que não há infraestrutura cicloviária nas proximidades. A infraestrutura cicloviária presente no local apresenta características que, segundo a Lei 626/2009, caracterizam-na como uma ciclovia bidirecional, por estar localizada em um nível acima do leito carroçável da via e ladeada por vegetação. O trecho apresenta sinalização horizontal, através da pintura de piso e vertical, através de placas indicativas. Porém, não há presença de outros equipamentos de apoio, como paraciclos e bicicletários, e a área não é atendida por nenhuma empresa de bicicletas compartilhadas. Há presença de iluminação para o atendimento tanto da ciclovia quanto da via e, apesar de possuir vegetação ladeando todo o percurso, esta não atua como elemento de sombreamento, tendo em vista que foram plantadas apenas palmeiras. Durante todo o percurso, apontado na Figura 03, não foram identificadas calçadas para pedestres. Apesar de estar localizada no perímetro urbano, a paisagem da área é composta por algumas residências esparsas e bastante vegetação dando um ar rural para o local. Chama atenção, na paisagem, um único equipamento que identifica esta área como urbana: um ponto de ônibus, como aponta a Figura 04.
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Informações disponíveis em: http://alphavilleportoalegre.com.br/
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Figura 03: percurso realizado na ciclovia da estradas das Três Meninas.
Fonte: MELLO NETO, 2019. Figura 04: Ponto de ônibus e ciclovia - estrada das Três Meninas.
Fonte: MELLO NETO, 2019.
Por estar em frente a um condomínio fechado, e pela ausência de elementos característicos dos centros urbanos, a paisagem acaba gerando a sensação de desurbanismo (CULLEN, 1971). Tais
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características são acentuadas pela ausência de equipamentos urbanos no entorno. Este elemento aponta para a falta de conectividade do trecho, tanto com a malha cicloviária da cidade quanto com a cidade em si. E acentua a necessidade de entender os processos que levaram a implementação deste trecho, tendo em vista a pouca utilização deste.
5. A DESCONECTIVIDADE DA MALHA CICLOVIÁRIA De acordo com o Diagnóstico da Mobilidade do Município de Porto Alegre e sua Interface Metropolitana, a malha cicloviária de Porto Alegre possui diversos trechos descontínuos "por concluir trechos em momentos diferentes e com diferentes formas de financiamento, condicionando ao tempo de cada uma dessas formas" . Essa afirmação é comprovada na ciclovia da estrada das Três Meninas, tendo em vista que não houve preocupação na garantia das conexões desta com o entorno (PORTO ALEGRE, 2018). É possível identificar, neste caso, umA ciclovia descontínua e desconectada da malha, executada como contrapartida em frente a um empreendimento específico, isolada da malha cicloviára existente. Por certo que, por ser um projeto advindo de uma contrapartida urbana, a ciclovia deve estar em região próxima à área da obra. Porém, neste caso, recorre-se ao decreto 18.848/2009, que determina que: § 2o Os trechos de ciclovia que serão executados devem obedecer aos seguintes critérios, dentre outros constantes na legislação vigente: I – as prioridades estabelecidas pelo Município de Porto Alegre, para implantação da Rede Cicloviária Estrutural; II – a continuidade da rede implantada; e III – os custos de toda e qualquer intervenção necessária em cada trecho. (PORTO ALEGRE, 2014, DECRETO 18.848)
Como é possível perceber, a conectividade não foi um dos pontos considerados na implementação destes trechos de infraestrutura. Neste sentido, questiona-se a funcionalidade deste trecho, tendo em vista que não cumpre sua função como equipamento propulsor da mobilidade por bicicleta. Na Figura 05, onde são apontados alguns importantes pontos de interesse de Porto Alegre, fica evidente que, além de descontectada da malha cicloviária existente na cidade, a ciclovia da estrada das Três Meninas não está próxima de nenhum equipamento urbano de importância significativa. Ou seja, a ciclovia, além de isolada, não leva a lugar nenhum, senão ao próprio condomínio Alphaville.
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Figura 05: Mapa cicloviário de Porto Alegre com pontos de interesse - 2019
Fonte: MELLO NETO, 2019.
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Neste sentido, questiona-se a funcionalidade da implementação dos trechos de ciclovia e ciclofaixas necessariamente em áreas próximas aos empreendimentos de impacto. Seria muito mais interessante, no contexto atual do sistema cicloviário de Porto Alegre, considerar a conectividade da malha em detrimento à determinadas localizações, como é o caso da ciclovia da estrada das Três Meninas.
6. CONSIDERAÇÕES SOBRE A PAISAGEM CICLOVIÁRIA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE CICLOMOBILIDADE EM PORTO ALEGRE, RS A desconexão afeta, também, a paisagem. Como é possível perceber na Figura 06, a ciclovia encerra (ou inicia) em um trecho sem nenhuma característica de urbanidade, não proporcionando, assim, a possibilidade de continuidade. Durante o percurso, permanece a sensação de exposição, acentuada pelo "desurbanismo” do local, que se configura como uma grande área condominial rodeada por áreas verdes e sem infraestrutura urbana para ciclistas e pedestres. Figura 06: Final do trecho da ciclovia da Estrada das Três Meninas
Fonte: MELLO NETO, 2019
Neste sentido, é correto afirmar que a paisagem é afetada diretamente pela legislação, tendo em vista a permissividade da política de contrapartidas. Por certo que não seria um problema se esta
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ciclovia fosse executada em uma área em que pudesse atender à uma população maior, ou nas proximidades de regiões com equipamentos importantes, como postos de saúde, escolas, grandes centros comerciais, entre outros. No caso da ciclovia da estrada das Três Meninas, no entanto, como é possível verificar na Figura 07, a infreaestrutura cicloivária atende diretamente apenas aos residentes do condomínio Alphaville. Na paisagem, identifica-se majoritariamente a paisagem natural da área e algumas residências esparsas no terreno do condomínio. Figura 07: Paisagem característica do percurso da ciclovia da estrada das Três Meninas
Fonte: MELLO NETO, 2018
Por certo que são necessários maiores estudos sobre a localização e as características ideias para a implementação de ciclovia e ciclofaixa, porém fica evidente que as conexões e as características da paisagem do local agregaram informações contribuem significativamente para o processo decisório. Não é viável, no caso das leis de contrapartida, implementar trechos de infraestrutura cicloviária em regiões desconectadas e com características de paisagem não urbana. Fica evidente, a partir da análise das conexões da paisagem da ciclovia da Estrada das Três Meninas, que o trecho é subaproveitado pois, além de desconectado, não possui pontos de interesse nas proximidades. A implementação de ciclovias como esta evidencia a falta de planejamento do poder público quanto ao sistema cicloviário de Porto Alegre. Por certo que melhorias urbanas devem ser realizadas como contrapartida em áreas onde projetos especiais foram implementados. Contudo,
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quando esta contrapartida contar com projetos de infraestrutura cicloviária, sugere-se analisar a paisagem do local, as conexões possíveis com outras ciclovias e ciclofaixas e os pontos de interesse existentes nas imediações para garantir que o trecho implementado, de fato, seja utilizado e qualifique a malha cicloviária da cidade.
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