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CAPÍTULO 3 - HABITAÇÃO COLETIVA VS COLIVING X COHOUSING

C A P Í T U L O 3

HABITAÇÃO COLETIVA VS COLIVING X COHOUSING

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O planejamento de Habitações Coletivas tem início com projetos utópicos, como o do socialista Charles Fourier. Sua popularização e disseminação ocorrem, porém, após a Segunda Guerra Mundial. Em um período de caos e destruição, com as novas tecnologias criando combates cada vez mais destrutivos e onde uma parcela considerável da população ficou desabrigada, a solução encontrada pelos governos foi a criação de grandes edifícios coletivos.

Foi o caso da Unité D’habitation de Marselha, na França, encomendada pelo Ministério de Reconstrução do país e projetada por Le Corbusier em 1947 (CASELLI, 2007). O projeto, concluído em 1952, destacou-se pela abordagem revolucionária do edifício plurifamiliar. A cidade jardim vertical concentra as áreas comuns em sua cobertura e em seu térreo, apoiado por pilotis, onde existe um jardim e espaços de convívio. Um corredor voltado ao comércio e à prestação de serviços no interior do edifício também é outro ponto marcante do projeto.

No Brasil, a Habitação Coletiva possui diversas faces. Tem início com os cortiços, tipologia marcante no centro da cidade do Rio de Janeiro pré-Belle Époque de acordo com as pesquisas de Vaz (2002). O período de haussmanização dos centros da cidade cria a ideia de sanitarização, limpeza, e culmina com a destruição ou higienização dos cortiços. Em ambos os casos, o resultado era a periferização das pessoas mais pobres, que viam suas casas serem demolidas ou não podiam mais pagar aluguel em uma habitação recémreformada.

Na terra recém-higienizada do centro das cidades, construtoras passam então a verticalizar as novas habitações, visando a maximização de seu lucro. A divisão do loteamento para ocupação de residências cada vez menores dá lugar a prédios de apartamento, que reuniam, em um mesmo lote, diversas famílias, em uma promessa de democratização do espaço que nunca se dá de fato, pela exclusão das pessoas mais pobres.

À medida que a habitação coletiva se modernizava, o seu espaço construído tornava-se progressivamente mais coletivo. Este processo de socialização do espaço foi incentivado pelo sentido da produção capitalista de obter o máximo aproveitamento do lote, isto é, de construir prédios com o maior número possível de unidades habitacionais e de reduzir ao mínimo alguns elementos da moradia, cuja utilização era forçosamente partilhada pelos moradores. Vaz (2002, p. 149-150)

A transição entre o cortiço (associada à população mais pobre) e os edifícios de apartamentos (associados à burguesia e muitas vezes com mais ambientes compartilhados que o próprio cortiço) cria a negação do uso do termo “habitação coletiva” e sua alteração para o termo “habitação multifamiliar” (VAZ, 2002).

Nem todos os edifícios verticais tinham como destino, porém, a burguesia da cidade do Rio de Janeiro. O Edifício Pedregulho, projetado antes da Unitè d’Habitation por Affonso Reidy, que já havia trabalhado com Corbusier no projeto do Ministério da Educação e Saúde, destinavase aos funcionários municipais da cidade, e sua concepção aconteceu após pesquisas e recenseamentos com o grupo de futuros moradores.

Tamanha foi a influência de Le Corbusier para Reidy que, de acordo com Bruand (1991, p.225):

Pedregulho oferece uma síntese brilhante e cuidadosamente elaborada, onde se fundem intimamente três elementos de origens distintas: as

preocupações funcionais, já presentes nas primeiras obras de Reidy (exposição favorável, controle da luz, ventilação contínua, circulação fácil), conservam seu papel essencial, mas a solução desses problemas agora está ligada à adoção dos princípios e da estética de Le Corbusier, corrigida pelo toque brasileiro que lhes souberam dar Lúcio Costa e Niemeyer.

O edifício, além dos blocos residenciais, possuía também lavanderia coletiva, ginásio, quadra de basquete, mercado, piscina, escolas primária, maternal e jardim de infância. Tais inserções marcam o desejo não somente de abrigar um grupo, mas de criar uma intervenção positiva direta na vida dos habitantes.

Ao Pedregulho segue-se, do mesmo arquiteto, a Unidade Residencial da Gávea, construído em parte com o intuito de relocar moradores do morro no qual foi inserido. O edifício não obtém tanto sucesso quanto seu predecessor.

A iniciativa privada, contudo, segue o sistema de diminuição do espaço de moradia, culminando com apartamentos cada vez menores.

Vaz (2002), em Modernidade e Moradia no Rio de Janeiro, divide as ocupações familiares brasileiras em cinco fases diferentes, conforme a época: a primeira consiste na separação de espaços de trabalho e espaços de moradia, e tem início com o surgimento de edifícios industriais. A segunda, marcada pela criação de áreas industriais e centrais, que concentravam os setores secundário e terciário, indica o início da segregação da população mais pobre. Esta marginalização é acentuada na terceira fase, que, marcada pelo desenvolvimento do setor de transporte, torna o local de moradia ainda mais longe. A quarta fase demonstra o ápice da segregação: agora, trabalhadores moram em cidades distintas de seu espaço de trabalho.

A quinta e última fase, que teve início no fim do século XX e foi acentuada pela pandemia de Covid-19, marca a volta do elo entre trabalho e moradia. O trabalho pode, novamente, ser realizado no mesmo espaço que se vive, através de computadores, telefones celulares, entre outros.

Como forma de adaptação a esta forma de morar, que se torna mais proeminente com cada avanço tecnológico e isola cada vez mais o indivíduo em seu espaço, vez que o trabalhar e o dormir podem ser feitos no mesmo cômodo, é sugerido o Coliving.

O Coliving pode ser definido como:

Uma forma de habitação que combina espaço de convivência privado com instalações comuns compartilhadas. Ao contrário de apartamentos compartilhados e outros tipos de programas de habitação compartilhada, o co-living procura explicitamente promover o contato social e construir a comunidade. Shafique (2018, p. 7, tradução própria).

Sua diferença em relação à Habitação Coletiva dáse, principalmente, em relação à quantidade de espaços compartilhados por um núcleo familiar. Enquanto o espaço mínimo (sala, cozinha, sala de jantar, quartos, banheiro e área de serviço) em uma habitação coletiva é de propriedade de um núcleo familiar, em um coliving, ele pode ser dividido de forma a acomodar dois ou mais núcleos.

Desta forma, se uma pessoa solteira, em uma Habitação Coletiva, possuía sua própria sala, sua cozinha, seu banheiro, seu quarto e sua área de serviços, ela pode, em um coliving, dividir todos esses espaços com outras pessoas, criando um senso de comunidade, de partilha, inexistente em

habitações coletivas.

Não se trata de um conceito novo (habitações coletivas, comunas socialistas e outros tipos de habitações em grupo já existem há anos), mas a adaptação de uma forma de morar para melhor atender as necessidades contemporâneas sem causar o isolamento próprio das habitações unifamiliares contemporâneas.

Sua diferença em relação ao termo Cohousing é similar à diferença em relação à Habitação Coletiva: o Cohousing consiste em uma comunidade intencional, na qual os moradores projetam sua vizinhança em conjunto. Residências privadas unifamiliares com áreas de lazer em comum são os espaços típicos criados por pessoas que optam por esse tipo de habitação.

Desta forma, neste projeto, o termo utilizado, Coliving diz respeito à edificação feita com o intuito de criar um senso de comunidade e que possa compreender, em um mesmo espaço, diversos núcleos familiares. Busca-se agrupar uma população que não corresponde aos cânones familiares (pai, mãe e dois filhos), mas que possa abrigar, de forma transitória ou definitiva, diversos grupos familiares diferentes (mães solteiras, casais LGBTQIA+, casais sem filhos, coabitações sem vínculo conjugal ou de parentesco).

Esta proposta apresenta-se como a atualização e a “modernização” da ideia de tipologias habitacionais históricas, como a Kommunalka Soviética, as Comunas da Idade Média e o Falanstério proposto por Fourrier. A proposição procura restabelecer a ideia de “comunidade”, de “sociedade”, em contraponto ao isolamento causado pelas habitações tradicionais contemporâneas.

A proposta de interferência em preexistência traz, portanto, um desafio duplo: a interferência em uma préexistência e a transformação de um edifício modernista em um espaço contemporâneo.

(...) ênfase é dada à colaboração e à participação do residente no design e gerenciamento, fatores que não estão presentes em vários tipos de habitação com instalações compartilhadas. Urban (2010, p. 24, tradução própria)

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