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1 Aluado

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Adolescendo

Adolescendo

Nascido e criado à beira da estrada da fazenda, muitas vezes se escondendo no meio de uma casinha de telhas perdida dos olhos dos outros devido à altura do capinzal, aquele menino, em noites de lua gorda, cismava de olhar fundo. Era de um halo borrado o círculo que se fazia em volta do astro vermelho toda vez que iria esfriar. Ele, deitado ao lado do monjolo, renascia de suas pequenas dores ao ver, em um ponto do céu, subir aquela esfera que chamavam lua.

Explico: na roça, quando vai fazer frio, vê-se em torno daquele astro um círculo que indica, na certa, que ventos gelados vão cortar os campos.

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– Estou cansado, avozinha, de ver essa lua que fica vermelha. E também não posso correr pelo pasto, que lua cheia me dá enjoo.

A ideia que ele teve foi de abrir um guarda-chuva imenso que vivia escondido no paiol. Era daqueles modelos antigos, com uma ponta projetada para cima, e os antigos temiam que funcionasse como para-raios. Se era lua cheia, o menino gostava de correr acelerado com o guarda-chuva aberto, arrancando com o pé pequenas touças de capim na terra mole. Era uma tentativa de fugir da estranha mania que a lua tinha de enfeitiçá-lo. Havia muito céu em volta dele naqueles arredores cercados pelas copas das árvores tortas do cerrado. As estrelas de nada serviam para protegê-lo.

“Nenhuma estrela me distrai.” – pensava. O guarda-chuva, como uma máscara totêmica, ia assustando quem ao longe da estrada passava, uns últimos roceiros voltando das capinas. Porque, na linha do horizonte, logo acima do capim alto, entre uma árvore e outra, aquilo parecia parte de um bicho estranho, com um chifre só, unicórnica visagem prateada pelo luar. E o corno ia célere, flutuante, cortando os arbustos da mata-galeria, lá para os lados do rio, onde muita coisa estranha já se tinha visto.

Ponta do guarda-chuva, assombração!

Era muito estranha a sensação de ser um garoto afetado pela lua. Naqueles instantes enluarados, ele ficava pálido, um palito, varapau. Era como um fantasma, um morto errando sobre os campos gerais. Tinha uma luz mortiça tudo aquilo que o envolvia, argentando o imenso campo salpicado às vezes por pirilampos.

Um bonito menino de sardas, estrelas no rosto que também cintilavam à força do luar. E, ao redor das sardas, certa noite, começaram a despontar brilhantes pelos, como se uma barba rala insistisse em nascer. E era mesmo uma barba, ora! À força de ser homem – e assim é que seria –, as coisas todas ficariam abandonadas para trás: a gangorra, a pinguela, o cavalo de pau e as balas de coco.

Era da alvorada de todo menino tornar-se homem por uma diversa força lupina. Os pelos cresciam por toda parte onde um rapaz os devesse ter. Não só no rosto, mas nos braços, nas pernas, no escondido da nudez.

No rio que cortava o campo adiante, onde a lua também se fazia penetrar, as águas tocavam de leve os pés do menino-lobo, e as aves assustadas, cheias de penugem, saíam em revoada, incomodadas pela presença ameaçadora de um quase-cão.

Ai, que ardente era o calor que lhe cobria a face naquelas noites de lua vermelha! Aquele anel em volta do astro, coisa que se vê antes na roça do que na cidade, era também uma aura que firmava seus pés no chão. Fincava-os bem na terra, e depois, a contragosto, passava a girar e a esfregar o ventre sobre o capim baixo, em movimentos de vaivém. Contorcia-se convulso, e era como se uma pequena morte o invadisse após o frenesi. Apesar de prazeroso, era assustador começar a entender das coisas de lobo.

Foi a moça da casa do vizinho que certa vez o vira daquele jeito, ela bem escondida atrás das treliças de uma janela colonial. Ele estava tão desolado e solto. Um brilho fosforescente empalidecia ainda mais sua nudez. Quando a percebeu de soslaio, quis fugir, mas talvez fosse tarde. Seus dentes estavam protuberantes, assim como a cauda, que se levantava

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