CONTEÚDOS Outono 2016 | Inverno 2017
E se fosse consigo? Imagine que, num momento de infortúnio, ficava dependente de uma cadeira de rodas. Consegue imaginar? Acha que as cidades, os transportes, os hotéis, os espaços públicos, estariam preparados para o receber? E em Amarante, como é? Aceitámos o desafio de Rosa Lemos e Sónia Silva e fomos tentar perceber se vivemos numa cidade acessível.
34
9 | Pedro Cunha. Dezanove anos
50 | Olo e Canadelo. Embora
63 | João Marinho. Os amigos
depois de termos feito capa com
diferentes, são duas das mais in-
dizem que competia com ele
o médico Pedro Cunha, quise-
teressantes aldeias de Amarante
mesmo. Fez, recentemente, dois
mos conhecer o seu percurso
e com recursos semelhantes.
desde então. E percebemos que
O seu futuro pode ter também
anos que desapareceu nos Picos
continua a chorar com os seus
a mesma direção e passar por
doentes.
atividades ligadas ao Turismo.
29 | Salão Miro. Os cortes, de
56 | Diana Vasconcelos. Volun-
barba ou cabelo, são, como no
tária no Quénia, ao serviço da
passado, feitos a preceito. O que
ONU, decidiu tentar mudar a
mudou foi a decoração do espa-
vida das crianças de Kibera, a
ço, desde há um ano com uma
maior favela de África. Cons-
imagem que é já uma referência
truiu uma primeira escola e,
no setor.
com ajudas várias, meteu mãos à edificação da segunda.
45 | Quinta da Ribeira. Ainda não é um Jardim Zoológico, mas pode ser o princípio do sonho.
da Europa. A sua morte só foi confirmada nove meses depois e os que lhe eram próximos ainda não se conformam com o seu desaparecimento. Falámos com alguns.
72 | Mais Turismo em Baião. Quem diria? É o Município da região com mais camas de quatro e cinco estrelas e a procura aumenta a cada dia.
75 | Marco de Canaveses. A
Ao todo, são seis hectares de
eletrificação da Linha do Douro
terreno arborizado, atravessado
aproxima o Município do Gran-
por um ribeiro que desenha re-
de Porto. Residentes e turistas
cantos magníficos. E onde vivem
agradecem. E a economia local
quatrocentos animais.
também.
Conteúdos 3
EDITORIAL
Relevar a qualidade e o mérito
F
Estamos de volta
az carreira entre alguns média um conceito algo estranho, que os seus criadores definem como “jornalismo positivo”. E o que é isso? No fundo, é publicar acriticamente tudo quanto chega ao e-mail desses média, proveniente de
gabinetes de imprensa, de agências que promovem políticos e celebridades e por aí adiante. Estes “fornecedores de conteúdos” enchem os jornais e as rádios com os seus pontos de vista (fornecem o texto, as fotografias, o vídeo e os sons, editados segundo os ângulos pretendidos) e fazem chegar às redações a publicidade que premeia este “jornalismo de rabo sentado” e viabiliza os média que, depois, são distribuídos gratuitamente. Numa altura em que todos (empresários, investigadores, académicos...) andam à procura do modelo de negócio que há de sustentar o jornalismo do futuro, seja feito em papel, online ou noutras plataformas, parece haver quem ache que encontrou a solução para o problema da sustentabilidade e da sobrevivência,
(...) O que nos propomos é, pois, relevar o que tem qualidade e méri-
constituindo-se como câmara de eco de poderes fáticos. O tempo encarregar-se-á de mostrar quanto isto é um erro. Como mostrará que é um erro oferecer jornais, colocando-os “às resmas” em cafés e noutros locais públicos. É que, nos tempos que correm, ninguém dá nada a ninguém e se dá, diz o povo, é de desconfiar, seja porque o que é dado tem algum defeito, está estragado ou não tem qualquer valor. Bem diferente deste “jornalismo positivo”, é trabalhar para que as coisas boas também sejam notícia. É esta a missão de “Amarante Magazine”, que tanto rejeita
to, é mostrar o que
o tal “jornalismo positivo”, como não se revê na tabloidização da informação ou
é bom, é contar
O que nos propomos é, pois, relevar o que tem qualidade e mérito, é mostrar
estórias de vida de pessoas, instituições e empresas de sucesso, é olhar criticamente os acontecimentos, é fazer investigação e reportagem.
na escrita de prosa sustentada no buraco da fechadura. o que é bom, é contar estórias de vida de pessoas, instituições e empresas de sucesso, é olhar criticamente os acontecimentos, é fazer investigação e reportagem. É este o nosso posicionamento. Sabemos que não nos trará vida fácil, que teremos que ir à luta e ser persuasivos, que precisamos convencer e (re)ganhar para o projeto não só o público - que sabemos que existe - mas também o mercado que, no fundo, com a publicidade que gera, é o seu principal esteio. O principal, mas não o único e, por isso, a “Amarante Magazine” terá, naturalmente, um preço de
ao projeto, estabelecemos para a nossa publica-
(como a expressão, “século passado”,
ção uma periodicidade trimestral que, logo após
nos torna “velhos”!…) lançámos a re-
a saída do número zero, viríamos, em função da
vista “Amarante Magazine” (AM), após
adesão que suscitou, a alterar para bimestral.
a constatação de que, não obstante a existência,
Tínhamos razão: como acreditáramos, havia
no Município, de quatro jornais semanários, ha-
público para uma publicação com as caracterís-
ção online), temos o privilégio de fazer capa com uma mulher, Ana Moura, que
via, em termos jornalísticos e informativos, um
ticas da que havíamos desenhado e um espaço
é, porventura, a melhor voz portuguesa da atualidade. E porque em “Amarante
espaço por preencher.
mediático por preencher. E foi assim que, ao lon-
capa, que ajudará a que a esta edição se sigam (muitas) outras. Neste regresso, feito com 80 páginas (em breve teremos, também, uma edi-
Magazine” gostamos do mundo visto pelos olhos das mulheres, convidámos para
Apresentámo-nos, então, com um Proje-
go de cinco anos, pusemos nas bancas, de dois
colunistas desta edição outras cinco mulheres que, em comum, têm o gosto pela
to Editorial claro: “mostrar pessoas social e/ou
em dois meses, a AM, editando, no total, 32 nú-
comunicação e pelo jornalismo de qualidade. E que, aqui, escrevem sobre temas
profissionalmente relevantes (de Amarante, com
meros.
diversos.
ligações a Amarante e da região); valorizar e pro-
Começámos, fazendo capa com o escritor e
mover as idiossincrasias e cultura locais; contar
jornalista Miguel Sousa Tavares (MST), cuja fa-
estórias de sítios e lugares; relevar tradições e sa-
mília (é filho de Francisco Sousa Tavares e Sophia
beres; evocar efemérides da região; fazer investi-
de Mello Breyner) tinha vastas ligações a Ama-
gação e reportagem”.
rante, tendo o próprio MST frequentado, durante
Diretora: Lara Ribeiro Colaborações: Mara Pinto; Maria João Vieira Pinto; Nicolau Ribeiro; Olga Leite; Sandra Marinho; Sons em Trânsito; Susana Dias; Susana Ferrador; Telma Pinto Ferreira Edição: MIXMÉDIA - Lara Luís, Unipessoal, Lda.; Contactos: T: 910 434 397 E: mail@amarantemagazine.pt | Edição online: www.amarantemagazine.pt Foto da Capa: Frederico Martins; Design da capa: Carlos Gallo; Pré-impressão: MIXMÉDIA Impressão: Impress 24; Depósito Legal: 68340/93; Tiragem: 2 000 exemplares
4 Editorial
N
o início dos anos 90 do século passado
Ora, tal como hoje, já naquela altura aqui-
um ano letivo, a escola de Jazente. Entrevistámo-
lo que era bom não era notícia e o que vendia
-lo no Casino da Póvoa de Varzim, onde se des-
era crime, escândalos, sangue e sexo. Por isso,
locou para receber um prémio de jornalismo por
cautelosos, tentando minimizar o risco inerente
um texto magnífico que publicou na revista Gran-
Regresso 5
de Reportagem, de que era diretor, de título “Os Pascoaes de Amarante”. A Miguel Sousa Tavares seguiram-se muitas outras figuras, de áreas diversas, sendo capa, ou não, que mostrámos com base em critérios de relevância, por se destacarem das demais. Pessoas que, como escreveu Camões, “por seus atos valorosos se vão (foram) da lei da morte libertando”: os médicos Augusto Barros, Amadeu Cerqueira da Silva, Babo de Magalhães e Pedro Cunha, as escritoras Agustina Bessa Luís e Eulália Macedo, o empresário José Abreu, Armandinho, o Padre Amaro Gonçalo, os Professores e investigadores António Cardoso, Fernandes da Fonseca e Luís Coutinho, o campeão olímpico António Pinto, o político e desportista João Mota, Taí, futebolista, um dos mais míticos internacionais portugueses, a pintora Ana Maria Matias, Helena Ribeiro (hoje Secretária de Estado da Justiça), a modelo Luísa Beirão e tantos outros. No final de 1998, por incompatibilidades de quem dirigia a revista com funções públicas que viria a desempenhar, decidiu-se, internamente, suspender a sua publicação. Suspender, que não cessar. Essa suspensão, que se admitia temporalmente curta, durou, afinal, 18 anos. Mas, curiosamente, pensamos nós, o projeto que criámos na década de 1990 mantém toda a pertinência e atualidade: Amarante e a região continuam a ter muitas estórias para contar, continua a haver muitas pessoas com percursos de vida que vale a pena conhecer, existem (ainda) muitos locais por (re)visitar, há a emergência de novos protagonistas, recriam-se tradições e saberes, reinventam-se e revivem-se práticas culturais… Enfim, não têm razão, acreditamos, aqueles que viam a “Amarante Magazine” como um projeto datado, do passado. Mas cabe-nos a nós, sabemo-lo, contrariar o ditado e mostrar que “é
No final de cada ano, fazíamos as festas “Amarante Magazine”, nas quais distinguíamos, com troféus, o mérito dos amarantinos que “por obras valorosas se foram da lei da morte libertando”. E seguiam-se momentos de convívio. Nas imagens, de cima para baixo: José Abreu, com Maria José Vasconcelos;
possível voltar a um lugar onde já se foi feliz”. Fá-lo-emos com o rigor e a isenção de sempre e, portanto, sem submissão a quaisquer interesses e no estrito cumprimento da Lei de Imprensa e dos códigos éticos e deontológicos associados à prática do jornalismo. O número que agora pomos nas bancas, desejamos que seja o primeiro
Amadeu Cerqueira da Silva, com Rui Amaral, José
de muitos desta segunda série. Pela nossa par-
Manuel Torres e Luis van Zeller de Macedo; António
te, tudo faremos para não desiludir quem em nós
Mota, com Raimundo Abreu e Pedro Barros.
6 Regresso
confiou e tornou possível este regresso.
CRÓNICA
Telma Pinto Ferreira*
Uma questão de humanismo
S
abia que só este ano, e até ao momento, perderam a vida, no Mediterrâneo, 3.800 pessoas? Os dados são avançados pelo porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), William Spindler, que assegura que o número é “o mais alto de sempre”. O ano de 2016 está, assim, a ser o mais mortífero para os migrantes que tentam chegar à Europa, através do Mediterrâneo. Há mais de uma década que nos chegam notícias do crescente número de mortes de migrantes, que fogem à pobreza, e de refugiados que fogem aos conflitos armados. E de 2011 para cá, a situação tem ganho contornos assustadores. Todos os acontecimentos e números tornados públicos têm despertado diversos sentimentos. Se uns nutrem solidariedade e preocupação, outros há que têm medo ou deixam-se levar pelo egoísmo. Há quem queira acolher e ajudar, e há quem construa vedações com quilómetros, como está a acontecer na Hungria, para que se impeça a passagem dos refugiados. Apesar da ideia que se quer transmitir, esta não é uma crise da Europa. As principais vítimas deste flagelo não são os europeus, mas sim as centenas de refugiados que partem sem nada, em busca de paz, carregando apenas a esperança de uma vida melhor. São eles as maiores vítimas das guerras, que arriscam a vida numa travessia ingrata e perigosa pelo Mediterrâneo, e que são enganados pelos traficantes de pessoas, que os colocam em embarcações de baixa qualidade, que não aguentam a viagem à qual se destinam. E a par desta cruel realidade, coloca-se a questão pouco pacífica do acolhimento. O ACNUR tem-se desdobrado na promoção de programas de reinstalação.
8 Crónica
Atualmente, são 28 os países que aderiram, e 14 são membros da União Europeia (UE). No caso do nosso país, assumimos, em 2007, um compromisso com a quota mínima anual de 30 refugiados. Desde esse ano até 2014, reinstalámos 180 refugiados. Em 2014, comprometemo-nos a receber 45, mas só em outubro de 2015 começaram a chegar os primeiros refugiados. Diz-se que Portugal não tem condições para os receber, mas isso é errado. Somos um dos países da UE que menos recebe pedidos de proteção internacional. E receber refugiados é uma obrigação, pois ratificámos, em 1951, a Convenção de Genebra, que define normas sobre Direito Internacional Humanitário e atribui responsabilidades aos países que acolhem refugiados. Há quem também aponte a hipotética entrada de terroristas, juntamente com os refugiados. Mas os recentes ataques terroristas coordenados pelo Daesh têm sido praticados, dentro da UE, por cidadãos europeus convertidos ao Islão. Afinal, a ameaça está “dentro de portas”, e aliar a chegada de terroristas a estes milhares de pessoas que fogem da guerra e do sofrimento é vergonhoso. É, por isso, urgente que a Europa volte a ser um símbolo de tolerância, solidariedade e humanismo, e que a eleição de um europeu, mais concretamente um português - António Guterres -, para a ONU, o mais alto cargo da diplomacia mundial, faça abrir novos horizontes, nesta questão dos refugiados. Quando não nos restar mais nada, para além das políticas económicas castradoras e da “lei do próprio umbigo”, deixaremos de ser humanos, para passarmos a ser apenas máquinas, sem coração, sem alma. Não lhe parece? * Jornalista
Ainda choro com os meus doentes...
P
edro Leonel Dias Marques da Cunha mora em Amarante desde 1988, para onde veio como assistente hospitalar para o Hospital de S. Gonçalo. Três anos depois já era Diretor Clínico. Enamorado pelo que aqui encontrou, não mais largou a cidade e o concelho. Em 1994, era então vereador na Câmara de Amarante, publicámos com ele uma primeira peça, em que abordávamos os seus lados brincalhão, de noctívago e de permanente boa disposição. “Ir para a cama às dez da noite, é como viver em estado de sítio”, dizia, então, Pedro Cunha, que justificava esta sua faceta com os hábitos que lhe ficaram de estudante. E acrescentava que não dispensava “uma boa conversa, noite dentro, numa esplanada, convivendo com os amigos e contando umas boas anedotas. A vida não é um gueto e há sempre tempo para tudo”, justificava. Em Abril de 1997, alguns meses antes de concluir o seu segundo mandato como Diretor Clínico do Hospital de S. Gonçalo, que dizia ter encontrado em “estado comatoso”, fizemos capa (ao lado) com Pedro Cunha. A sua confissão de que, às vezes, chorava com os seus doentes, que titulava o texto, deixou poucos leitores indiferentes e foi usada em congressos e encontros médicos pelos seus pares para evidenciar o lado humano de quem lida diariamente, e é afetado, com os problemas de saúde dos outros. Pedro Cunha explicava: “Não consigo habituar-me à morte! De resto, ao contrário do que se diz, não há rotinas, porque não existem dois casos iguais. E lidar
muito com as coisas não nos torna insensíveis”. (…) Ninguém está preparado para ver entrar, na Urgência, um jovem morto e assistir ao desespero da mãe (…), sobretudo quando não podemos fazer nada”. Em situações de insucesso, acrescentava, “a res-
Pedro Cunha 9
(QUASE) VINTE ANOS DEPOIS
Passaram-se quase vinte anos desde que fizemos capa com o médico Pedro Cunha, hoje “completamente feliz e realizado”. A Catarina tem, agora, 22 anos e é finalista de Medicina.
saca é terrível” e, no seu caso, seguiam-se oito dias de grande depressão, em que não conseguia falar com quem quer que fosse. “Aconteceu-me assim das duas vezes em que me morreram doentes nas mãos”. Por outro lado, enfatizava, “passa-se facilmente de estados de ansiedade a situações de alegria incontida, quando se sabe que o doente se salvou”. Depois de ter integrado a lista de João Mota (PSD) à Câmara Municipal de Amarante, e ter ficado como vereador sem pelouros no Executivo liderado por Francisco Assis, Pedro Cunha dizia-se, naquela altura, fora da política. “É verdade que a política me fascina, tenho ideias para Amarante, mas há momentos em que é necessário fazer opções e eu optei pela saúde. (…) Acho que sou mais útil a Amarante como cirurgião”, dizia. Os seus apoiantes, porém, queriam-no como candidato à Presidência do Município, nas autárquicas de 2001, e quase chegou a sê-lo, como veremos mais adiante.
10 Pedro Cunha
Reformado do Serviço Nacional de Saúde desde 2012, Pedro Cunha, hoje com 64 anos, continua a exercer em unidades de saúde privadas e mantém toda a sua capacidade para se emocionar. “É verdade, continuo a chorar com os meus doentes. Às vezes de forma intensa”, confessou, recentemente, em conversa com AM. O que Pedro Cunha também chora é a situação dos cuidados hospitalares em Amarante, dizendo que, conforme afirmara em tempos, “politicamente, o Hospital de S. Gonçalo foi vendido muito barato. E aconteceu o que se esperava: perdendo a maternidade, perdia a identidade”. E, em sua opinião, “o fecho da maternidade era evitável, como aconteceu na Póvoa de Varzim”, diz. Mantém-se crítico com a constituição do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, “que fez uma autêntica sangria de médicos e outros quadros da saúde, em Amarante”, mas defende o modelo do novo hospital construído no concelho e a sua filosofia de “ambulatório”, abrindo-se a toda a região do Tâmega e Sousa para a realização de cirurgias que não exijam mais que 24 horas de internamento, bem como a disponibilização de consultas de especialidade. “Sempre houve resistência a que os doentes de Penafiel e do Vale do Sousa fossem atendidos em Amarante. Não percebo porquê! Então os de Amarante não vão ao Hospital Padre Américo?”, questiona. Em sua opinião, alguns elementos da anterior Administração do Centro Hospitalar usaram de incúria e má fé para fazer definhar o Hospital de Amarante, concentrando a maioria dos serviços em Penafiel. “Tenho esperança que os novos responsáveis, recentemente empossados, invertam esta situação e passem a valorizar o hospital de Amarante, que está claramente subaproveitado”, disse.
tou dúvidas, os seus apoiantes “torceram o nariz” e olharam essa decisão com reservas. Em boa verdade, todos admitiam que tal promessa não ía ser cumprida, quer porque Pedro Cunha tinha ideias e havia desenhado projetos para Amarante, quer porque valorizava muito o lado lúdico da política, que lhe permitia contactos, discussões e construção de consensos e lhe fazia subir o seu nível de adrenalina. Conclusão: em 2001, Pedro Cunha era candidato à Presidência do Município. A decisão não tinha ainda sido comunicada publicamente, mas era assumida. A alguns dias da apresentação da sua candidatura, o coração fracassou, teve um enfarte e a doença afastou-o das eleições autárquicas. E, na opinião de muitos, com o seu afastamento o PSD perdeu a oportunidade de reconquistar mais cedo a Câmara de Amarante, o que só veio a conseguir 12 anos depois, em 2013. Este acidente não o afastou, contudo, definitivamente da política local. Em 2009 voltou a ser falado para encabeçar uma lista à Câmara, mas tal não se confirmaria. “A minha disponibilidade para viver a ansiedade com que lida diariamente um Presidente de Câmara já não existia”, confessa. Esperava-o a Presidência da Assembleia Municipal, numa eleição disputada taco-a-taco com o advogado Celso Freitas, que se recandidatava. Presidiu à Assembleia Municipal durante um mandato, até 2013, tendo, segundo diz, exercido o cargo de forma isenta. E isso valeu-lhe, afirma, inúmeros dissabores dentro do seu partido. “Houve pessoas que me fizeram a vida negra”, lamenta. Militante ativo do PSD, Pedro Cunha diz que em 2017 não será candidato a nenhum lugar na Câmara Municipal. “Para a Assembleia, logo se verá”, conclui. Casado, com quatro filhos e cinco netos, “completamente feliz e realizado”,
EM 2001 ERA CANDIDATO
Pedro Cunha já não se queixa de trata-
“Nunca digas nunca”. Esta máxima, como veremos, aplica-se também a Pedro Cunha que, em 1997, dizia ter desistido da política, para se dedicar integralmente à saúde. Quem o conhecia bem manifes-
da pensa que “as supostas elites feudais
mento xenófobo em Amarante, mas aincontinuam a exacerbar o nascimento e a olhar de soslaio as pessoas que vêm de fora”. Sem razão. “Por mim, dei a Amarante tudo aquilo que Amarante me pediu”.
Ana Moura - fado com mundo! De Ana Moura diz-se que, “no fado, não há outra voz como a dela. Uma voz que se passeia, livremente, pela tradição, sem deixar de ‘flirtar’ com a música pop. E alargando, por isso, de uma forma muito pessoal, o raio de ação da canção de Lisboa. Aquilo que a distingue não é apenas o seu timbre grave e sensual, como há poucos – Ana Moura transforma instantaneamente em fado qualquer melodia a que encoste a sua voz. É um rastilho imediato, uma explosão emocional disparada sem contemplações ao coração de quem a ouve”.
F
austo, José Afonso, Ruy Mingas, música angolana e fado. Era o que se cantava nos serões da família Moura, em Coruche, sendo Ana Moura apenas uma catraia. Os pais cantavam, toda a família materna cantava e qualquer motivo de reunião familiar terminava com um festejo sob a forma de música. Embora cantasse de tudo, Ana começava, já então, a sentir que, por alguma razão, tinha um carinho especial pelo fado. Aos seis anos cantava o “Cavalo Ruço”, enquanto ouvia frequentemente a mãe trautear “O Xaile de Minha Mãe”. Depois, veio a adolescência, deixou o fado adormecido e despertou para outros tipos de música, mais
Frederico Martins
Paulo Sagadães
Miguel Esteves Cardoso (MEC) escreveu sobre Ana Moura n’O Independente e logo a fadista passou a estar sobre muitos olhares. Maria da Fé foi uma das suas madrinhas, tendo-lhe aberto as portas do “Senhor Vinho”, uma das mais prestigiadas casas de fado de Lisboa.
14 capa
condizentes com a idade e as amizades do liceu, integrando uma banda de “covers”, os “Sexto Sentido”, mas cujo repertório incluía pelo menos um fado: “Povo que Lavas no Rio”, de Amália. O destino leva Ana Moura a um bar, em Carcavelos, onde cede à tentação e canta um fado. Presente na sala, o guitarrista António Parreira, de tão impressionado, leva-a a várias casas de fado. Até ao momento em que, numa festa de Natal de músicos e fadistas, Ana Moura entra no convívio daqueles que haveriam de habitar as suas noites daí em diante e é convidada a cantar. Desta vez, é Maria da Fé, co-proprietária da prestigiada casa de fados “Senhor Vinho”, quem não resiste àquele talento em bruto. Aos aplausos, Maria da Fé junta o convite para cantar no “Senhor Vinho”. E é precisamente nesses ambientes noturnos, que começa a frequentar, que acontece a verdadeira escola do seu canto. Antes, Ana Moura cantava o fado porque sim, porque a intuição lhe
mandava, porque a voz lhe fugia para ali. Agora, os ensinamentos dos mais experientes – sobretudo de Maria da Fé e Jorge Fernando – dão-lhe outros porquês, sem lhe matar a espontaneidade.
A DESCOBERTA DE MEC O seu talento manifesta-se de tal maneira que rapidamente conquista Miguel Esteves Cardoso (MEC). Antes sequer de as editoras ouvirem falar no seu nome, é a escrita de MEC que serve de amplificador para a notícia dos dotes da jovem fadista, depois de a ouvir e ver atuar num programa de António Pinto Basto na RTP1 chamado “Fados de Portugal”. Depois de ler MEC no Independente, Tozé Brito, administrador da Universal, vai ao Senhor Vinho à procura daquela voz que o jornalista tanto elogiou. Não demora a propor-lhe a gravação do primeiro disco. Para a produção do álbum de estreia, “Guarda-me a Vida na Mão” (2003),
ROLLING STONES E PRINCE Do outro lado do mundo, Tim Ries, o saxofonista dos Rolling Stones entra na Tower Records de Tóquio à procura de discos de fado. Leva já na cabeça a ideia de incluir uma fadista no segundo volume do Rolling Stones Project, um projeto por si liderado que convida pessoas de outras marés musicais a interpretar temas dos Stones, em colaboração com um dos históricos músicos da banda. Compra três CD às escuras, por mero instinto, e foi amor à primeira audição. Para o disco, Ana grava “Brown Sugar” e “No Expectations”. Ao vivo, interpreta este último tema com os Stones no Estádio Alvalade XXI. A partir daí, em várias ocasiões, as digressões de Ana Moura e dos Rolling Stones coincidem nos mesmos lugares. Numa delas, em São Francisco, Ries liga para a fadista e mostra-lhe uma música que compôs a pensar na sua voz. “Velho Anjo” entraria no disco seguinte de Ana Moura, “Para Além da Saudade” (2007), depois de “afadistado” por um arranjo de Jorge Fernando.
Paulo Sagadães
é chamado Jorge Fernando. Além de comandar a direção artística do álbum, o músico é igualmente responsável por seis dos 15 temas gravados, um dos quais é assumido pela cantora como o seu BI musical – “Sou do Fado, Sou Fadista”. Logo aí, fica evidente que o fado de Ana Moura comporta uma elasticidade rara, convocando participações de artistas como os Ciganos d’Ouro e Pedro Jóia, e instrumentos como o cajon e a guitarra de flamenco. A receção da crítica e do público a “Guarda-me a Vida na Mão” é de um entusiasmo que não deixa dúvidas e Ana Moura começa a tornar-se presença recorrente nos palcos portugueses e, progressivamente, também nos internacionais. “Aconteceu”, em 2004, é a continuação lógica do disco de estreia. A carreira de Ana Moura começa a ganhar projeção tal que a fadista rapidamente chega à mítica sala Carnegie Hall, em Nova Iorque, em Fevereiro de 2005.
Um dos trunfos de “Para Além da Saudade”, seria, aliás, a rara participação de Fausto num disco alheio. Ana, que crescera a ouvir o autor de “Por Este Rio Acima”, perdeu a inibição e pediu-lhe uma composição. Outra das autoras convidadas foi Amélia Muge. A troca com outras culturas ficou então por conta de um dueto com o histórico cantor espanhol Patxi Andión. Tim Ries, além de autor, deixaria também o seu saxofone impresso em dois temas do disco – “Velho Anjo” e “A Sós com a Noite”. Graças ao tema “Os Búzios”, de Jorge Fernando, o sucesso de “Para Além da Saudade” havia de escalar até níveis inéditos na carreira de Ana Moura, acabando por gozar de dois grandes momentos de consagração em Portugal, através da atuação nos Coliseus de Lisboa e do Porto. O álbum trar-lhe-ia
A partir de 2004, a carreira de Ana Moura começa a ganhar projeção tal que, rapidamente, em 2006, chega à mítica sala Carnegie Hall, em Nova Iorque
capa 15
Sons em Trânsito Sons em Trânsito
ainda o Prémio Amália Rodrigues. Após o sucesso gigantesco de “Para Além da Saudade” – 70 semanas na tabela dos mais vendidos quando o quarto álbum chega às lojas –, a edição de “Leva-me aos Fados” (2009) é sauda-
16 capa
da quase de imediato com a obtenção do galardão de platina. Como habitualmente, é produzido por Jorge Fernando e conta com letras de Tozé Brito, Manuela de Freitas e com uma composição original de José Mário Branco. O álbum inclui mais uma criação encomendada à inventividade de Amélia Muge. “Não é um Fado Normal” conta com a participação dos Gaiteiros de Lisboa e vinca o percurso distinto da fadista, de resto evidente logo no próprio título. Em Maio de 2009, após um primeiro contacto telefónico, Prince desloca-se propositadamente a Paris para testemunhar à sua frente o charme da fadista na sala La Cigale. A 18 de Julho de 2010, Ana Moura volta a colocar o fado num grande espectáculo do universo pop/rock, ao subir ao palco com Prince no “encore” do concerto do músico no Festival Super Bock Super Rock, no Meco. Juntos interpretam uma versão em português de “Walk in Sand” e o fado tradicional “Vou Dar de Beber à Dor”. Em Setembro de 2010, Ana Moura aceita o convite da Frankfurt Radio Bigband para cantar em dois concertos na cidade alemã, sendo a parceria repetida, mas desta feita em sentido inverso, quando a fadista chama a orquestra de jazz a acompanhá-la, em Abril de 2011, no seu regresso aos Coliseus de Lisboa e Porto. Para Ana Moura, é um momento de celebração de um ano marcado pela vitória de um Globo de Ouro, pela presença nos tops de vendas da Billboard e da Amazon e pela nomeação, enquanto Artista do Ano, para os prémios da revista inglesa Songlines. Passados escassos meses, em Agosto, sobe ao palco do festival Back2Black, no Rio de Janeiro, ao lado de Gilberto Gil, com quem interpreta o “Fado Tropical” de Chico Buarque. Em novembro de 2012, Ana Moura lança o seu quinto álbum de originais, “Desfado”, que representa um momento de viragem na sua carreira, com salas esgotadas por Portugal. “Desfado” é mesmo considerado um álbum clássico em Portugal, manteve-se ininterruptamente no top de vendas
Depois de “Desfado”, editado em 2012, e que lhe valeu a quintupla Platina, Ana Moura pôs no mercado, em 2015, “Moura”, o seu sexto álbum de originais (capa, em baixo) imediatamente galardoado com a marca “Disco de Ouro”.
desde que foi lançado por mais de 150 semanas consecutivas, tendo atingido 5.ª Platina. “Desfado”, que reuniu alguns dos melhores compositores portugueses, foi o disco editado nos últimos cinco anos mais vendido em Portugal, globalizou Ana Moura e atingiu o n.º 1 dos tops da World Music em Inglaterra, Espanha e Estados Unidos. Com mais de 300.000 discos vendidos, mais de uma dezena de galardões onde se destacam dois Globos de Ouro, dois prémios Amália, uma nomeação para os Songlines Music Awards, na categoria de Melhor Artista, participações com ícones da música como Prince, The Rolling Stones, Caetano Veloso, Gilberto Gil ou Herbie Hancock, Ana Moura é a artista nacional com a carreira mais pujante da atualidade. “Moura”, o seu 6.º álbum, editado em Portugal em Novembro de 2015, foi diretamente galardoado com a marca de Disco de Ouro. Do seu canto, sabemos apenas que nasceu no fado. Nunca saberemos onde termina.
Um ano após a sua edição, o álbum "Moura" é reeditado em dois novos formatos: uma edição Super Deluxe, em digipack, que junta ao CD de "Moura" um CD e 2 DVDs extra: um DVD com a gravação do concerto deste ano no Coliseu do Porto e um CD com o respectivo áudio. Esta edição especial marca o culminar da digressão de "Moura", que passou pelas maiores salas do país e que se encontra registada num segundo DVD com um documentário de cerca de uma hora, realizado pelo jornal online “Observador”.
“Quero pôr a viola amarantina nos meus discos”
Nicolau Ribeiro
O
pai de Ana Moura nasceu no Borralheiro (Vila Chã), onde a avó ainda mora e a fadista passou, em miúda, largas temporadas. Desses tempos recorda as idas ao rio, com as primas, as longas tardes na água, o andar livremente pelo campo e levar o rebanho de ovelhas da avó a pastar. E a sensação de enorme liberdade que tudo isso dava. Durante muitos anos, as Páscoas da família eram passadas em Amarante e Ana não perdia uma. Os seus pais continuam a celebrá-las cá, mas, agora, Ana raramente consegue vir, visitando, no entanto, a avô sempre que lhe é possível. No verão de 2007, Ana Moura deu um concerto em Amarante e confessa que esse foi um dos espetáculos mais emotivos da sua carreira. A avó estava na primeira fila. Nove anos depois, conversou com AMARANTE MAGAZINE. Em Amarante também seguimos com atenção a sua carreira. Tem a noção disso? Obrigada, que bom! Eu tenho uma ligação afetiva muito grande a Amarante. Ainda estive aí há relativamente pouco tempo… Na Páscoa? A primeira vez que falei com a Ana, disse-me que durante muitos anos passou a Páscoa em Amarante, em casa da avó. Não, este ano, com pena minha, não fui na Páscoa. Os meus pais foram, mas eu não consegui ir. Com a vida louca que agora tenho, é-me muito difícil conciliar a minha vida privada com espetáculos, concertos, promoções de discos… Mais tarde, consegui arranjar um fim de semana para visitar a minha avó e fui a Amarante.
te? Que recordações guarda? Sim, tenho muitas saudades. A minha avó vive numa casa junto ao rio e lembro-me muito bem de, com o meu irmão e os meus primos, passarmos longas tardes na água, em plena liberdade. Aliás, a mais grata memória que tenho de Amarante e do Borralheiro é, exatamente, a de uma liberdade fantástica, que não tinha na cidade. Adorava, por exemplo, andar livremente pelo campo e levar a pastar o rebanho de ovelhas da minha avó. São vivências inesquecíveis que me trazem muitas saudades de Amarante. O seu último álbum chama-se “Moura”. Porquê? A escolha do nome tem a ver com as suas origens, com reminiscências do seu passado? A pequenita Moura que passava férias em Amarante também está aí? O nome “Moura” foi dado ao álbum por variadíssimas razões, mas obviamente também tem a ver com o meu nome, com as minhas origens. Aliás eu fui pesquisar sobre o nome Moura e encontrei várias semelhanças com o contexto da mensagem deste disco. Que era a vontade de eu própria me reinventar, de não ficar presa à estética musical de trabalhos anteriores, de arriscar e me sentir bem com isso. A ideia que está por detrás deste disco é a ideia da metamorfose, daí a capa do disco ser uma borboleta. Do estudo que fiz sobre o nome Moura, deparei-me com as mouras encantadas, criaturas que, também elas, tomavam diversas formas, transfiguravam-se… Ora, achei que tudo isto estava interligado e concluí que “Moura” seria o nome perfeito para representar a nostalgia que pretendia simbolizar com este disco. A Ana nunca teve nenhuma proposta para cantar autores, poetas ou compositores de Amarante? Não, nunca tive. Eu tive foi muita vontade, confesso, de pôr a viola amarantina no disco. E esteve quase para acontecer num tema escrito pelo Pedro Abrunhosa, que se chama “Agora é que é”. Só que, como o álbum foi gravado em Los Angels e tivemos alguns
Na sua infância passava cá algumas temporadas. Tem saudades de Amaran-
problemas de timings, acabou por não acontecer. Mas o meu desejo de ter a viola ama-
Capa 21 Frederico Martins
Sons em Trânsito
rantina num dos meus trabalhos mantém-se e logo que seja possível isso acontecerá. Neste momento a Ana está a cantar autores do Norte do país. Para além do Pedro Abrunhosa, o Miguel Araújo e o Carlos Tê… Exatamente, com temas que foram beber ao universo dos nossos “malhões”, como o “Fado dançado”, do Miguel Araújo, e que têm o sabor da música folclórica do norte de Portugal. De resto, devo dizer que, quando o meu produtor, Larry Klein, esteve cá, em Portugal, andamos os dois a pesquisar sobre instrumentos tradicionais e formas de os tocar e acabámos por fazer refletir as nossas aprendizagens no disco. Em 2007, já lá vão nove anos, a Ana deu um concerto em Amarante. Que memória tem desse espetáculo? Foi muito emotivo. Cantei com a igreja do Convento de S. Gonçalo em fundo, o que teve para mim um significado muito especial. Visitar o Largo de S. Gonçalo, a igreja e tomar o pequeno almoço no café em frente, era algo obrigatório, que fazia, em miúda, com os meus pais, nas nossas visitas a Amarante. Cantar aí, nesse ambiente incrível, uns anos depois, foi uma coisa mágica.
22 Capa
Com a família da plateia… Sim, com a minha avó na primeira fila. A carreira da Ana tem sido um crescendo continuo, de muitos êxitos, mas há alguns momentos que costuma salientar, como os encontros com os Rolling Stones e Prince. Sim, foram encontros importantíssimos e que marcaram e determinaram, de algum modo, o rumo da minha carreira, já que as colaborações que tive com eles despertaram em mim uma grande vontade de descobrir novas sonoridades e de querer explorar o universo da música, independentemente de ser fadista. Acho que a minha condição de fadista não me deve condicionar, impedindo-me de partilhar e explorar outros géneros, sobretudo com músicos que são referencias únicas e fundamentais. Infelizmente já não vai ser possível, mas eu tinha um projeto com o Prince, que passava por juntarmos o fado e a soul music, que tem também a particularidade de ser uma música de alma. O “Desfado”, que é um disco muito arriscado, onde introduzimos novos instrumentos e sonoridades, é um pouco o reflexo destas vivências e parcerias. Os chamados “puristas” têm aceitado bem o toque pop ou soul que deu a
alguns dos seus fados, por exemplo em “Desfado”? O “Desfado" foi um disco libertador… Sim, foram-me dirigidas algumas críticas, sobretudo por parte daqueles que integram o que eu chamo “o núcleo puro e duro”. Curiosamente, passado algum tempo do seu lançamento, eram muitos os testemunhos que davam conta de que o que se ouvia nas ruas e nos bairros típicos de Lisboa era o “Desfado”. Claramente, o disco foi uma aposta vencedora e a verdade é que a nova geração de fadistas está a seguir o mesmo caminho. O Carlos do Carmo disse-me, um dia, que o “Desfado” poderia ser a génese de um novo movimento do fado e parece que é mesmo isso que está a acontecer. Muita gente nova, muitas miúdas que estão a começar a sua carreira, cantam os meus fados nas casas de fado onde trabalham.
“Não faz ideia o quanto fiquei triste pelo Sons em Trânsito
facto de a viola amarantina (ao lado) não ter entrado em nenhuma das músicas do ‘Moura’. E confesso que tenho imenso receio de que alguém a use antes de mim”.
A Ana defende que o fado não tem que manter a matriz do tempo da Severa e que pode evoluir. Exatamente. Tudo tem uma evolução natural e o fado não é exceção. E as pessoas não são acriticas e percebem quando o nosso trabalho é feito com verdade e autenticidade. É isso que torna os projetos vencedores. Não é por acaso que o “Desfado”, que já foi publicado há mais de quatro anos, se mantém nos primeiros lugares do top, juntamente, de resto, com o “Moura”, o que me deixa extremamente feliz. Aliás, deixe-me dizer-lhe que quando a Amália começou a cantar, fazendo a sua própria interpretação do fado, também houve, na altura, quem considerasse que ela o estava a desvirtuar. O resto da história, nós conhecemo-la.
24 Capa
Com uma carreira tão pujante como a que tem, com toda a projeção que conseguiu, o que é que mudou na vida pessoal da Ana, relativamente ao tempo em que cantava no “Senhor Vinho”? Enquanto pessoa, eu diria que a mudança maior que se operou em mim tem a ver com a segurança. O meu percurso tem sido feito de muitas tournées, tenho viajado imenso, sempre com muita aceitação, os meus discos têm sido muito bem recebidos e tudo isso trouxe-me a segurança de que necessitava para poder dar o meu melhor. No resto, acho que me mantenho a mesma pessoa, com igual personalidade. Continuo a ter e a preservar as minhas amizades de sempre e a ser fiel às minhas raízes. Ainda canta, de vez em quando, em Casas de Fado? Gostaria imenso, tenho muitas saudades, mas há já muito tempo que não o faço. Quando não estou em espetáculos, tento ficar “no meu canto” a recuperar, a descansar. Depois, em algumas dessas casas ainda
se fuma e as minhas cordas vocais ir-se-iam ressentir. Tenho imensos concertos por ano e, por isso, devo ter as preocupações que têm os atletas de alta competição. As cordas vocais são os meus músculos… Regressemos a Amarante. Eu posso escrever que, no próximo disco, a Ana vai incluir a viola amarantina em um ou mais dos seus temas? Eu quero muito que isso aconteça. Não faz ideia o quanto fiquei triste pelo facto de a viola amarantina não ter entrado em nenhuma das músicas do “Moura”. E confesso que tenho imenso receio de que alguém a use antes de mim. Quero que a viola amarantina faça parte da minha banda sonora. As referências que a Ana tem de Amarante estão na sua infância, como já disse. Nunca lhe apeteceu revisitar Amarante e, eventualmente, conhecer melhor as idiossincrasias locais a história do Município? Já me apeteceu muito, sim. A carreira tem-me deixado pouco tempo para a minha
vida privada e isso leva-me a ir adiando algumas coisas que continuo a querer fazer. No próximo ano terei mais tempo livre e aí Amarante será uma das minhas prioridades. Tenho um projeto, juntamente com o meu pai, de construir aí uma casa e produzir um vinho amarantino. A minha família já produz e, sempre que recebo algum estrangeiro, sirvo desse vinho e as pessoas ficam maravilhadas. A minha ideia é, portanto, ter aí uma casa, que possa abrir aos meus convidados e mostrar-lhes o que é genuíno de Amarante, seja a comida ou o vinho ou a sua cultura. Há dias, fiz um roteiro para o Rodrigo Amarante, que mora nos Estados Unidos e é um talentoso músico brasileiro da nova geração, que queria passar uns dias em Amarante. O nome vem-lhe do avô, também Amarante, que, provavelmente, tem aí as suas raízes. E a Ana, quando vem cá, anda anonimamente em Amarante ou é interpelada na rua? Sou interpelada, sim. As pessoas são muito simpáticas, vêm ter comigo, pedem-me uma fotografia…
Capa 25
CRÓNICA
Susana Dias*
Verdade ou consequência
Célia e Sara: as primas de Ana
C
élia, 34 anos, assistente social, trabalha
início da carreira da Ana, Sara comprava as re-
em Matosinhos e passa os fins de semana
vistas em que ela aparecia, colecionava cartazes,
em Vila Chã do Marão, Amarante, para
ficava ansiosa quando ouvia, na rádio, as suas
P
latão, no séc. IV ac, afirmava que todo o
diversas e tão abrangentes, como a internet, mas,
conhecimento deveria ter como condição
mais uma vez, nem sempre a quantidade denota
a verdade, exigindo, contudo, que esta
qualidade. Porém, e parodoxalmente, encontrar
se fizesse acompanhar por argumentos
respostas às nossas questões é relativamente fácil
justificativos. O filósofo grego, há mais de 2000
e rápido, apesar destes atributos da nossa pesqui-
anos, expressava a necessidade do nosso conhe-
sa não garantirem a certeza do nosso conhecimen-
cimento do mundo se fundamentar em crenças
to. Da Wikipédia aos blogues pessoais, passando
verdadeiras.
pelas redes sociais ou pela comunicação social,
Ao longo da história compreendemos que não
abundam as tentativas individuais de saciar uma
é fácil delimitar o campo da verdade. As muitas
das mais velhas aspirações do homem, a busca de
ideologias e crenças mostram que a verdade está
certezas, que lhe sustenham o sentido de existên-
intimamente ligada ao espaço e à argumentação,
cia.
onde veio morar aos sete anos. Antes, viveu no
músicas. Agora, diz, o seu sucesso “tornou-se
Cacém, em Lisboa. Sara, 19 anos, trabalha numa
uma coisa normal”.
ao modo como os indivíduos persuadem os outros
Mas neste imbrincado e labiríntico mundo de
loja de artigos de desporto, em Amarante, e mora
“Com um orgulho enorme” na prima, Célia e
através de meios mais ou menos racionais. O de-
informação, no qual abundam mais as opiniões
em Vila Chã do Marão.
Sara mantêm discrição sobre o parentesco com a
vir histórico mostra-nos que o tempo encarrega-se
pessoais do que os factos, onde descortinar o
Ambas são primas de Ana Moura. Célia, apenas
fadista, embora reconheçam que “alguns amigos
de destronar as crenças mais credíveis e abso-
critério que nos garanta o conforto da certeza?
três anos mais nova que a fadista, partilhou com
sabem”. E até já houve quem lhes pedisse para intercederem junto de Ana para a participação
lutas, fazendo-as sucumbir em autos de fé ideo-
Um critério que nos salvaguarde da manipulação
ela muitas brincadeiras de infância, recordando idas ao rio, o acompanhamento do rebanho da
num espetáculo, numa festa…
lógicos, através de revoluções, perseguições ou
dos comentadores de domingo, dos interesses
avó, que levavam a pastar, o dar colo aos cabri-
E como vêem elas a Ana Moura fadista, porven-
guerras, substituindo-as por outras, que perduram
económicos que manietam a comunicação social,
tos, o desfazer de armadilhas que Bruno, irmão
tura a melhor e mais famosa voz portuguesa
enquanto os homens quiserem. Poucas foram as
das polémicas incendiárias das redes sociais. Se
de Ana, montava para caçar pássaros… E as
da atualidade? “A mesma pessoa que sempre foi.
ideologias que resistiram à passagem do tempo,
é certo que o homem contemporâneo preserva o
Páscoas, que reuniam em casa da avó Júlia, no
Genuína, simples, completamente anti-vedeta”, que
ao progresso civilizacional, cada vez mais tecnoló-
direito à liberdade de expressão, como apanágio
Borralheiro, toda a família, 13 pessoas, número
se relaciona com os outros como sempre o fez,
gico e individualista. Hoje, a verdade talvez mais
das sociedades democráticas, não ignoremos que,
que obrigava ao recurso a colchões improvisados
antes da projeção que hoje tem; que cultiva as
não seja do que uma convicção que os homens,
como alertava o filósofo francês P. Breton, o nosso
no chão, onde os mais novos se acomodavam.
mesmas amizades e relações de outros tempos. Com uma diferença, reconhecem Célia e Sara:
num determinado tempo e local, querem que seja
direito à receção do discurso está constantemente
Desses tempos, Célia recorda também a permanente boa disposição de Ana, que “se levantava e
Ana é, hoje, uma mulher muito ocupada, com
aceite pelos demais, sem grandes exigência de
ameaçado pela manipulação da verdade. Enquan-
começava logo a cantar”, algo que lhe era familiar,
uma agenda gerida ao minuto e, por isso, muito
justificação.
to recetor das muitas e diversas informações que
já que tanto o pai como a mãe o faziam frequen-
menos disponível. Todavia com quem, sempre
Procurar a verdade, hoje, é tarefa mais morosa e
nos rodeiam, quem garante a veracidade do que
temente em tertúlias com os amigos.
que possível, trocam algumas palavras ao telefo-
difícil do que encontrar a agulha no palheiro, é
lemos ou ouvimos? Como ter a certeza que o pon-
Sara, bastante mais nova, não tem de Ana Moura
ne ou se encontram quando Ana tem concertos
mesmo uma missão impossível. Uma constata-
to de vista do economista que participa nos deba-
as mesmas recordações que Célia, mas partilha
no norte. Mas que têm saudades das Páscoas de
ção estranha se pensarmos que nunca o homem
tes do estado da nação é isento, ou como confiar
com ela uma grande admiração pela prima. No
outros tempos, lá isso têm!
possuiu tantas fontes de conhecimento, tão
nas sondagens que antecipam vitórias de fulano
26 Capa
Crónica 27
ou sicrano, mas que o futuro há de demonstrar não terem qualquer fundamento? Como confiar nas promessas de um partido ou nas headlines histriónicas dos jornais ou ainda na autenticidade das mensagens que os amigos colocam nos seus
AMARANTE MAGAZINE
perfis no Facebook e ter a certeza que não passam de um vulgar plágio? Sim, é difícil encontrar o norte com tanta informação avulsa. Que fazer, então? Escolher o caminho do isolamento social, da apatia solitária e distante, à maneira da personagem
Quer conhecer o Hotel Monverde?
de Pedro Paixão, no seu conto “O homem que não
tinha opiniões”? Não, não me parece resposta sensata para quem gosta de viver em sociedade. Na impossibilidade de haver mecanismos que assegurem discursos isentos, recordo um conceito grego, epoqué ou a suspensão de juízo, espécie de estado silencioso enquanto aguardamos a fundamentação do assunto que queremos julgar. Entretanto, até a conseguirmos, talvez fosse sensato estarmos atentos à informação que chega até nós, filtrando as notícias, as opiniões, através
Amarante Magazine sorteia, entre os seus leitores, uma estadia de uma noite, para duas pessoas, em regime de meia pensão, e com uma prova de vinhos da Quinta da Lixa.
de um espírito crítico lúcido mas construtivo, que não ceda ao discurso fácil do sensacionalismo, das crenças difundidas sem fundamentação nas redes sociais, do secular diz-que-disse, dos tendenciosos fazedores de opinião. Procurar a opinião de pessoas reconhecidas na sua área, confrontar notícias, evitar os meios de comunicação sensacionalistas que vivem da exploração das emoções e os comentadores tendenciosos, não alinhar nas ondas histéricas e acríticas das redes sociais. Não há receituário infalível mas a nossa necessidade de um discurso verdadeiro ou, pelo menos, não mentiroso, devia originar uma mudança na pas-
Dirija-se à Clínica Dentária
Foi você que pediu um corte com arte? Nicolau Ribeiro
procura de clientes e, invariavelmente, a satisfa-
O
neste artigo? Então leia novamente, ponha em causa o que eu escrevo. Afinal este artigo expõe pontos de vista tão tendenciosos como quaisquer outros.
ma de marketing que qualquer marca ou produto
de homens de outro? As instalações,
pode ambicionar. E se ao “produto” (leia-se serviços de cabe-
a qualidade dos serviços que ali são
leireiro e barbearia) se associasse uma imagem
prestados, o atendimento, a personalidade dos
identificadora, idiossincrática, que remetesse para
seus profissionais, as suas competências… Dir-se-
as origens da arte na família Oliveira, de que Ca-
-á. E estes são, de facto, fatores diferenciadores,
simiro (falaremos dele mais adiante) é apenas um
que influenciam a nossa escolha na hora de cortar
dos elementos? A ideia surgiu num briefing de Ca-
ou arranjar o cabelo. E se fosse possível encon-
simiro Oliveira (sim, falaremos dele) com Pedro
trar todos aqueles atributos num único salão, a
Luís Ferreira, arquiteto, homem habituado a be-
decisão seria fácil. E sim, em Amarante é possível
ber na vida e nos sonhos das pessoas a inspiração
e a escolha é óbvia: “Salão Miro, Cabeleireiro e
que lhe permite (re)criar ambientes que são espe-
Barbearia”.
lhos em que nos vemos refletidos.
O Salão Miro ocupa, desde há 21 anos, uma
Mão à obra. Numa intervenção que durou 15
das lojas interiores das Torres de Santa Luzia e
dias, o Salão Miro viu transformada por comple-
da qualidade e prestígio do seu trabalho nunca
to a sua imagem, surpreendendo todos: clientes,
do Campo da Feira com um exemplar da revista Amarante Magazine, mostre o talão de compra e entre no sorteio! Veja o anúncio do Hotel Monverde na página 19.
desafiar-nos à critica, à discussão profunda dos Ficou convencido com alguma das ideias expostas
ção passada boca-a-boca, afinal a mais eficaz for-
que distingue um salão de cabeleireiro a decoração e conforto do espaço,
sividade com que aceitamos as crenças alheias, assuntos que nos cercam.
ninguém teve dúvidas. Atestavam-no a crescente
A Clínica Dentária do Campo da Feira fica no Largo Sertório Carvalho, 187, em Amarante. T: 255 423 046 | 919 051 890
* Professora do Ensino Secundário
28 Crónica Jorge Ribeiro
de início de actividade e um espaço inte-
não treina nem joga e representa a quin-
te mais dois foi empregado e cinco tra-
rior onde se sente o espírito da tradição.
ta geração de cabeleireiros/barbeiros da
balhou à exploração. O salto seguinte foi
Os materiais e as soluções adotadas no
família Oliveira.
abrir o seu próprio espaço, nas Torres de
interior refletem isso mesmo, com a uti-
Jorge Ribeiro Jorge Ribeiro
Santa Luzia, já lá vão 21 anos.
lização da madeira de tom de Nogueira,
Com um percurso profissional de mais
o mármore Estremoz ou o azulejo bisela-
de 30 anos, Casimiro continua apaixona-
do, em preto brilhante”.
A equipa do Salão Miro, com Miro ao centro e Rodrigo à direita, no dia da inauguração da nova imagem do espaço. E uma estante, que constitui como que uma pequena área museológica, contendo utensílios usados noutros tempos na arte de cortar barba e cabelos.
Também falaremos dele.
ADORO O QUE FAÇO!
do pelo que faz e diz acordar todas as
Não menos importante, “foi criado um
Agora sim. Apresentada a obra, fa-
manhãs “com novas ideias e projetos.
espaço específico para expor utensílios e
lemos do criador. Define-se a si próprio
Nesta área não é possível parar, temos
recordações onde não faltam os pincéis,
como um escultor que modela cabelos,
que acompanhar as tendências e estar
as navalhas de barba ou as máquinas de
chama-se Casimiro Oliveira, tem 47 anos
sempre na vanguarda”, alerta. Por isso,
cortar o cabelo, com décadas e décadas
e iniciou-se na profissão com apenas 12.
está constantemente à procura de forma-
de existência”.
Assim: seu pai, que trabalhava numa
ção e não dispensa visitas às feiras que
Obra concluída, com inauguração a
prestigiada barbearia de Amarante, onde
marcam a moda no setor, como é o caso
preceito em junho de 2015, a notorieda-
Miro também deu alguns passos, fazia,
das de Madrid, Barcelona, Roma ou Pa-
de do Salão Miro conhece novos patama-
nas suas folgas, às quintas-feiras, e tam-
ris.
res. Se até então era reconhecido pelos
bém aos domingos, por conta própria,
Como refere, se lhe aparece um clien-
seus serviços, hoje alia a essa qualidade
percursos pelas aldeias das freguesias
te que lhe pede “um corte à Cristiano Ro-
ambiente e conforto e um toque de re-
de Várzea, Aboadela, Sanche, Lufrei e
naldo”, tem que estar preparado para o
quinte, fruto de uma decoração pensada
Fridão, cortando cabelos e fazendo bar-
fazer. Mas, se achar que esse corte não
ao pormenor, em que todos os elementos
bas. Miro acompanhava-o e recorda que
se adequa ao seu rosto e fisionomia dá-
(móveis, estantes, louças, cadeirões…)
a “cadeira” em que se sentava o cliente
-lhe conta disso e propõe-he outro.
se encaixam e interligam.
era, muitas vezes, um cesto de milho vi-
“Neste aspeto, faço trabalho de escultor,
O espaço goza de uma sóbria unidade
rado ao contrário. E que o pagamento
moldando o cabelo conforme o rosto do
cromática e o que se aprecia é o todo.
não era feito em dinheiro, mas sim em
cliente”.
Porém, ao cliente ou ao visitante não
géneros (batatas, legumes, milho e ou-
E se este não tem nenhuma ideia so-
passa despercebida uma estante, na pa-
tros produtos da terra), o que ía dar ao
bre o corte que deve fazer, Miro sugere e
rede, cujo conteúdo constitui, por assim
mesmo, porque o que importava, de fac-
aconselha.
dizer, uma pequena unidade museoló-
to, era alimentar uma família de 11 ele-
gica que é, simultaneamente, um repo-
mentos.
O lema é “se queres ficar giro, vai ao Salão Miro”. O slogan pode até não
sitório de utensílios e saberes com que
Bom observador, Miro foi bebendo da
primar pela criatividade, mas este é dos
transeuntes, concorrentes… Pedro Luís
no dia a dia dos anos 60 e 70 do século
sabedoria do pai e, aos 14 anos, foi traba-
(raros) casos em que a promessa contida
Ferreira, da empresa “De Pedra e Cal”,
passado se construía a arte de tratar bar-
lhar num salão na Lixa, por onde andou
na publicidade se materializa e, entre os
conta os fundamentos da intervenção
bas e cabelos.
dois anos. Depois, regressou a Amaran-
mais jovens, sobretudo, cortar o cabelo
te, para o Salão Santa Luzia, onde duran-
no Salão Miro é sinónimo de prestigio
produzida.
Frente a três bem dimensionados
“Depois de ouvir um pouco da história
espelhos, alinham-se as também três
do Miro (como começou, as visitas pelas
cadeiras que recebem os clientes, cada
várias freguesias de Amarante, ainda ao
uma remetendo para uma figura-ícone,
lado de seu pai…) e observando o espólio
estampada na parede, que o seu talento
guardado de várias décadas de activida-
mediatizou e que muitos fãs seguiram: à
de na família, o caminho tornou-se cla-
esquerda, Elvis Presley para a cadeira do
ro: criar uma imagem Vintage/Retro que
Miro (estamos quase a falar nele); à direi-
materializasse as várias décadas de ex-
ta, Clark Gable, galã de “E Tudo o Vento
periência, que honrasse o passado, mas
Levou” e, ao centro, David Beckham. E a
que estivesse orientada para o futuro, no
cadeira do centro é de… Rodrigo Olivei-
seu aspecto funcional, aproveitando a
ra, filho de Miro, futebolista, jogador do
atual tendência de apresentação das bar-
Amarante F. C., que este ano regressou a
bearias tradicionais”, refere.
casa, depois de ter passado pelo Futebol
De acordo com aquele profissional, “a
Clube de Paços de Ferreira e pela Asso-
‘De Pedra e Cal desenvolveu uma linha
ciação Desportiva de Baião. Rodrigo fu-
gráfica ‘de época’, com referência ao ano
tebolista é cabeleireiro nas horas em que
30 Sociedade Jorge Ribeiro
Miro define-se, a si próprio, como “um escultor que modela cabelos”. Hoje com 47 anos, Miro iniciou-se na profissão aos 14, acompanhando o pai em percursos pelas freguesias de Várzea, Aboadela, Sanche, Lufrei e Fridão, cortando barbas e cabelos “ao domicílio”.
Como refere Miro, se lhe aparece um cliente que lhe pede “um corte à Cristiano Ronaldo”, tem que estar preparado para o fazer. Mas, se achar que esse corte não se adequa ao seu rosto e fisionomia dá-lhe Jorge Ribeiro
conta disso e propõe-lhe outro. “Neste aspeto, faço trabalho de escultor, moldando o cabelo conforme o rosto do cliente”. E se este não tem nenhuma ideia sobre o corte que deve fazer, Miro sugere e aconselha. num curso de cabeleireiros que frequentou durante meio ano. Mas vamos por partes. Rodrigo, 21 anos, joga futebol desde miúdo, mas não tem ilusões: seJorge Ribeiro
guir carreira com a bola no pé é a sua primeira opção de vida, mas sabe que só a concretizará se, nos próximos cinco anos, vier a vestir a camisola de um grande clube. Pelo futebol, ficou-se pelo 12º ano, re-
As cadeiras de Miro e Rodrigo estão ligadas a dois icons da música e do futebol: Elvis Presley e David Beckham, remetendo para as duas últimas gerações de cabeleireiros/barbeiros da família Oliveira.
ou, para usar a sua linguagem, “bué de
nunciou à Universidade, mas o pai Miro
fixe”.
fez-lhe sentir que deveria ter um plano B,
Conceituado entre os seus pares, o
para o caso de o sonho futebolístico não
trabalho de Casimiro Oliveira é frequen-
vir a concretizar-se. Convidou-o, então,
temente apontado como referência e ele
para experimentar a arte de cabeleireiro
próprio requisitado para workshops, de-
e Rodrigo passou a frequentar o salão,
monstrações e para formações a que res-
assistindo e fazendo pequenos trabalhos.
ponde consoante a sua disponibilidade. E
A experiência, porém, não suscitou gran-
o seu salão apontado como exemplo de
de entusiasmo em Rodrigo, que pensou
espaço que dignifica a profissão de cabe-
em desistir.
leireiro.
Miro fez-lhe mais uma proposta: em
Por falar em profissão, Miro não se vê
vez de “tarimbar” no salão, Rodrigo fre-
a fazer outra coisa na vida. “Para mim,
quentaria um curso de cabeleireiro e de-
mais do que um trabalho, ser cabeleireiro
pois decidiria. E assim foi: durante meio
é uma paixão. Sou apaixonado pelo que
ano, Rodrigo estudou a arte, bebeu-lhe
faço” !
os conceitos teóricos, experienciou e, no dia em que recebeu o diploma da for-
E AGORA, O RODRIGO
32 Sociedade
mação, já tinha decidido: sem ligas profissionais, tomará conta, em breve e em
Rodrigo Oliveira, filho de Miro, fala do
definitivo, da cadeira de David Beckham.
pai com um orgulho incrível. Chama-lhe
Se fizer carreira no futebol, quando ela
Mestre, que era assim que o conheciam
terminar, também será sua.
Amarante é uma cidade acessível?
Poucos terão consciência deste número, mas, em 2001, em Amarante, existiam 3.000 deficientes. Dito de outro modo, 5,2% da população do Município era, à época, deficiente. Surpreendido(a)? Os dados são oficiais e foram apurados pelo penúltimo Censo. O de 2011 é omisso quanto a esta matéria, mas é de admitir que não haja grandes variações. Ora, perante um número tão elevado de deficientes, apetece perguntar como estão a ser salvaguardados os seus direitos legais e de cidadania e que condições lhes oferece a sociedade para lhes facilitar o seu dia-a-dia. Por exemplo: que olhar tem sobre a cidade um cidadão com mobilidade reduzida, que, no seu dia-a-dia, tem que se deslocar numa cadeira de rodas? Ou por outras palavras: Amarante é uma cidade acessível? Colocámos esta questão à presidente da delegação de Amarante da Associação Portuguesa de Deficientes (APD). A sua resposta foi um rotundo NÃO.
E se fosse consigo? Imagine que, num momento de infortúnio, fica amarrado(a) a uma cadeira de rodas e vê a sua mobilidade drásticamente reduzida. Consegue imaginar? Provavelmente não, mas há uma coisa que facilmente perceberá: o seu dia a dia nunca mais seria o mesmo. É verdade, se fosse consigo, rapidamente tomaria consciência dos obstáculos que as cidades colocam a quem é deficiente; saberia, com conhecimento de causa, o que são barreiras arquitetónicas; amaldiçoaria aqueles que, sendo “normais”, estacionam em lugares destinados a deficientes; praguejaria contra quem planeia as cidades e os edifícios e se esquece que os deficientes também precisam de ir à casa de banho; de interagir com os serviços públicos, de ir ao banco ou ao supermercado. E em Amarante, como é? Aceitámos o desafio e deixámo-nos guiar pela Rosa Lemos.
R
osa Lemos nasceu em Figueiró, Amarante, há 40 anos. Quando tinha 32 foi atirada para uma cadeira de rodas, em consequência de uma doença degenerativa que lhe reduziu drasticamente a mobilidade. A mesma doença que a obrigou a abandonar a licenciatura em Ciências da Comunicação, na Universidade do Porto, cujas instalações tinham demasiadas barreiras para a sua nova condição de “deficiente”. Uma simples ida à casa de banho transformara-se em algo muito complicado, quer em termos de acessibilidade, quer pela inexistência, na Faculdade, de WC adaptados. Estava no segundo ano do curso, desistiu de o continuar e iniciou aí uma luta pela sua própria mobilidade, tendo estabelecido um objetivo preciso: tal como as pessoas sem deficiência, Rosa Lemos quer poder aceder a serviços e edifícios públicos autonomamente, sem quaisquer ajudas; poder atravessar ruas em passadeiras que não vão de encontro a passeios intransponíveis; dispor de rampas com inclinações adequadas para cadeiras de rodas; poder aceder a casas de banho adaptadas; transpor portas com larguras pensadas para casos como o seu; ser atendida em balcões apropriados; poder entrar em lojas para comprar roupas, sem ter que pedir que lhas levem a casa para experimentar; poder aceder a caixas multibanco, ir a supermercados e restaurantes, ao cinema e ao teatro. Rosa passa parte substancial do seu
“Amarante, por si, já tem um relevo difícil. Se tivermos em conta as barreiras existentes, a mobilidade fica muito reduzida, desde logo pela falta de algo tão elementar como são as rampas”, considera Rosa Lemos.
Aceder aos serviços de Finanças de Amarante é vedado a quem anda em cadeira de rodas. Não há elevador e subir as escadas é impossível. Rosa e Sónia ficaram-se pelo rés do chão. Mas o Estado também lhes cobra impostos.
tempo no Porto, onde tem um apartamento e dispõe de condições que lhe permitem cuidar melhor da sua saúde (faz fisioterapia e terapia ocupacional) e retardar a progressão da doença de que sofre. Mas também porque decidiu que tem que enfrentar sozinha as suas dificuldades e, afirma, preparar-se para o futuro. “A minha mãe já tem 70 anos e não vai durar sempre. Se eu continuasse a viver com a minha mãe, seria ela que me prepararia as refeições, que faria a maior parte das tarefas… Eu faço questão de ser autónoma, de encarar e vencer as dificuldades que encontro. Quando a mãe me faltar, terei consolidadas as minhas rotinas e estarei mais preparada para enfrentar o dia-a-dia”, diz Rosa com convicção. “Na minha vida quotidiana, socorro-me de toda a gente. Por exemplo, se chego a casa e não consigo tirar a cadeira do carro, peço ajuda à primeira pessoa que passe na rua. Quando tenho consultas médicas, vou sempre sozinha. Já me perguntaram se não tenho ninguém que vá comigo, se fui abandonada! Eu vou sozinha porque quero enfrentar as dificuldades e, ao pedir ajuda, estou a fazer ver aos outros que sou diferente e que tenho o direito de que o mundo em que me movimento se adapte às minhas necessidades”, enfatiza. Rosa Lemos é Presidente da delegação de Amarante da Associação Portuguesa de Deficientes (APD) e tem travado aqui uma luta que considera inglória:
seja mobilizando outros deficientes, para os levar a defenderem os seus direitos, seja sensibilizando entidades públicas e privadas para as causas da deficiência. Uma delas é o direito à mobilidade. À pergunta sobre se “Amarante é uma cidade acessível”, Rosa Lemos responde, assertiva, num misto de tristeza e revolta. “Não, de maneira nenhuma. Amarante, por si, já tem um relevo difícil. Se tivermos em conta as barreiras existentes, a mobilidade fica muito complicada, desde logo pela falta de algo tão elementar como são as rampas. E nos poucos casos em que existem, a maioria delas torna-se intransponível por não ter a inclinação correta”. E dá exemplos: “eu gostava de perceber como é que as pessoas que andam em cadeira de rodas conseguem ir, sozinhas, à Repartição de Finanças… Não conseguem. O único acesso existente é através da rampa que foi colocada ao nível do rés do chão do edifício Carvalhido, mas ela é de tal forma inclinada que nenhuma pessoa com mobilidade reduzia consegue transpô-la sozinha. E mesmo com ajuda é difícil! A legislação prevê uma inclinação de seis por cento para as rampas, mas raramente se respeita esta norma. No caso da repartição de Finanças de Amarante, mesmo que eu conseguisse subir a rampa e chegar ao primeiro piso, não sairia dali. O acesso aos serviços é feito pelas escadas do prédio…”, alerta.
DIREITO À INDIGNAÇÃO “Ao fim de muitos anos a passar por situações de discriminação, e de ter que pedir para ser ajudada a subir degraus, ligo para as lojas ou para os bancos para que venham ter comigo à rua e me atendam ali. Ou, então, se me querem atender no interior, que sejam os seus funcionários a virem ter comigo ao carro e a transportarem-me”, diz Rosa, com revolta. “Quando vou ao banco, procuro estacionar o mais próximo possível da porta e os funcionários vêm ter comigo ao carro e sou atendida ali. É uma situação desagradável, mas que eu faço questão que exista, porque se alguém me levar para dentro da agência, os seus responsáveis nunca vão perceber que o banco não é acessível e jamais alterarão a situação. Esta é também uma forma de sensibilização para as nossas dificuldades, para mudar mentalidades. Porque só percebendo bem os nossos problemas é que os outros nos vão ajudar a resolvê-los”. Mas não é só a falta de rampas ou a sua incorreta conceção que dificultam a mobilidade de quem anda em cadeira de rodas. Rosa Lemos releva, a este propósito, a escassez de lugares de estacionamento na cidade destinados a deficientes e o facto de, muitas vezes, serem ocupados por viaturas de pessoas sem deficiência. “Nestes casos, não hesito, ligo para a GNR e peço a sua intervenção”, diz. O reconhecimento dos direitos de cidadania dos deficientes não se resume a questões de mobilidade, seja na rua ou em edifícios, públicos ou privados. Passa também pela existência de algo tão elementar como casas de banho adaptadas, de apoio a serviços públicos, por exemplo, ou na própria via pública. Em Amarante, na via pública, pura e simplesmente não existem. Noutros casos são muito difíceis de encontrar. De apoio a serviços, curiosamente, só mesmo nos que dependem do Município. A generalidade dos serviços dependentes da Administração Central (Tribunal, Finanças ou Conservatória
do Registo Civil) não disponibilizam WC adaptados para os seus utentes. Rosa Lemos acha que estas (e outras) lacunas e obstáculos que complicam a vida das pessoas com deficiência não resultam da falta de orçamentos de quem planeia as cidades e os edifícios ou procede aos licenciamentos. A explicação está, acredita, na falta de sensibilidade e no desconhecimento. E, por isso, defende, desde logo, que as organizações que representam os deficientes deveriam ser chamadas pelas autarquias a dar pareceres sobre licenciamentos urbanos e implicadas na produção de legislação aplicável. Ela própria, enquanto Presidente da delegação de Amarante da APD, já fez sentir junto da Câmara local a necessidade desta colaboração, convicta de que, por via dela, muitos problemas não existiriam ou seriam minorados. A figura do “Provedor dos Deficientes” nos Municípios não lhe agrada. “Não tenho uma imagem muito favorável da função, refere. Em muitos casos é um entrave. Depende da pessoa que tem essas atribuições mas, muitas vezes, funcionaliza-se e deixa de lutar pelos direitos das pessoas com deficiência, para cumprir as ordens que lhes são dadas superiormente. Por isso, é preferível que as organizações que representam os deficientes cheguem junto dos poderes e tratem dos seus assuntos diretamente. Aquilo que eu vejo
As recomendações são para que, por cada dez lugares de estacionamento, um seja para deficientes. Na maioria dos casos, diz Rosa Lemos, isso não se cumpre. E, muitas vezes, os lugares destinados a deficientes são ocupados por viaturas de pessoas sem deficiência. “Nestes casos, diz Rosa, não hesito. Chamo imediatamente a GNR”.
Reportagem 37
é que o provedor, estando integrado nos Municípios, perde poder reivindicativo, quando até podia ser uma mais valia”.
AMARANTE, TURISMO, DEFICIÊNCIA E CIDADES INCLUSIVAS Estudos de entidades ligadas ao setor do Turismo indicam que as pessoas com deficiência influenciam a escolha dos
Rosa Lemos diz ter algumas dúvidas sobre a figura do “Provedor do Cidadão com Deficiência”. “Em muitos casos, refere, é um entrave. Depende da pessoa que tem essas atribuições mas, muitas
lutar pelos direitos das pessoas com
Na altura de programar as suas férias,
deficiência, para cumprir as ordens
hão-de determinar a decisão final sobre o local a escolher: a existência de mar ou rio, a qualidade do ambiente, a ho-
DIRETORA CLÍNICA: DRA. LARA RIBEIRO
vezes, funcionaliza-se e deixa de
destinos de férias das famílias. Como? são tidos em conta vários fatores que
Clínica Dentária do Campo da Feira
que lhes são dadas superiormente”, afirma.
telaria, os programas de animação, a oferta cultural, a gastronomia e as tra-
acessibilidades na via pública, mas tam-
dições…
bém em termos de oferta hoteleira, desig-
Aquelas famílias onde um ou mais
Na altura de programar as suas férias, as famílias que têm elementos com deficiência escolhem cidades inclusivas, um “iten” de grande ponderação na classificação de “smart cities” (cidades inteligentes), título a que Amarante aspira.
nadamente. Há tempos fui questionada
deficiência
por pessoas com mobilidade reduzida so-
acrescentam a estes fatores um outro,
bre a existência de hotéis acessíveis na ci-
invariavelmente decisivo: destino inclu-
dade, porque pretendiam vir cá passar um
sivo. E isto significa que a cidade esco-
fim de semana e, nesse sentido, consultei
lhida há de estar preparada para receber
dois, para saber se o eram. Disseram-me
cidadãos com deficiência, designada-
que sim, mas, na realidade, nenhum deles
mente cidadãos com mobilidade reduzi-
o é. Quando os visitei, verifiquei que um,
da, e idosos. Ou seja, a cidade tem que
no quarto que destinou a cidadãos com
ser inclusiva, tem que ser para todos.
deficiência motora, a porta que dá acesso
dos
seus
membros
tem
Uma Equipa de Excelência!
Amarante Magazine perguntou a
à casa de banho não tem largura suficien-
Rosa Lemos que avaliação faz da cidade
te para passar uma cadeira de rodas. E lá
de Amarante nesta área.
dentro, a casa de banho não é adaptada,
“Conseguir atrair a Amarante pessoas
tem apenas uma barra de ferro. O outro
com mobilidade reduzida e suas famílias
não é acessível a partir do exterior. Tem
implicaria que a cidade oferecesse condi-
uma rampa, mas com uma inclinação
ções que, de facto, ainda não oferece. De
muito grande”, refere com tristeza.
Usufrua dos nossos Serviços de Saúde
MEDICINA DENTÁRIA | FISIOTERAPIA PSICOLOGIA | NUTRIÇÃO | ACUPUNTURA Saiba mais em: www.clinicadocampodafeira.com www.facebook.com/clinicadocampodafeira
Conheça as nossas parcerias, acordos e protocolos Largo Sertório de Carvalho, 187 | 4600-037 | Amarante T: 255 423 046 | 919 051 890 | E: clinicadocampodafeira@gmail.com
Os pontos negros da mobilidade Sónia Silva, 35 anos, é uma cidadã de Amarante com mobilidade reduzida. Por isso, o seu dia a dia depende de uma cadeira de rodas, tal como o de Rosa Lemos, sua colega na delegação local da APD. E, tam-
Em direção ao Arquinho, Sónia avista o poste com a sinalética.Vai tentar prosseguir o seu caminho, mas não lhe é permitido. Esbarra no poste, que lhe nega a passagem.
bém, tal como Rosa, tem uma visão muito crítica sobre as acessibilidades em Amarante. Numa tarde de verão, mostrou-nos como lhe é impossível chegar ao Largo Conselheiro António Cândido (Arquinho), a partir da av. 1º de Maio. Veja as imagens, na pagina seguinte.
S
ão diversas as situações que impedem Amarante de ser considerada uma cidade acessível. Rosa Lemos referiu, na conversa que teve com AM, a impossibilidade das pessoas que se deslocam em cadeira de rodas acederem aos serviços de Finanças, no edifício Carvalhido, mas há outros serviços públicos igualmente inacessíveis. É o caso da Conservatória e do Registo Civil (no Campo da Feira) ou do Tribunal, ao nível do piso zero. Inacessíveis para deficientes são, também, os transportes urbanos do Município, os conhecidos VIA, cujas paragens, para além de não incluírem qualquer abrigo, estão, em muitos casos, colocadas atrás de passeios sem rampas e em zonas e vaias de estacionamento, naturalmente com viaturas a impedirem os deficientes em cadeira de rodas de acederem aos autocarros. Mas, mesmo que lhes fosse possível a aproximação, ver-se-iam impedidos de entrar, já que nenhuma das viaturas VIA está dotada de rampa ou plataforma elevatória. Pela cidade, de resto, são inúmeros os pontos negros que “tramam” a vida a quem tem de
40 Reportagem
deslocar-se em cadeira de rodas: passeios que terminam abruptamente (como os do viaduto do Campo da Feira), passadeiras que esbarram em passeios de altura superior a 20 centímetros (como a dos semáforos da curva do cilindro); soleiras de todo o tipo de estabelecimentos (lojas, bancos…) altas e sem quaisquer rampas; rampas que, pela sua inclinação, mais parecem rampas de lançamento do que de acesso, como a que serve os CTT, em Santa Luzia; esplanadas construídas em cima de passeios, onde terminam passadeiras (é inacreditável…); vaias e parques de estacionamento sem qualquer lugar destinado a deficientes (a Lei diz que por cada 10 lugares, um tem que ser para deficientes). E há pontos negros cuja existência é completamente escandalosa, até porque resultam duma prática impensável, ridícula mesmo, mas muito frequente entre nós: a de “plantar” prumos e postes para sinalética no meio dos passeios que, mandaria o bom senso, nunca ali deveriam estar. As situações são várias (AM documentou algumas) e incluem também postes de energia elétrica!
Se tivesse conseguido passar pelo poste da sinalética, Sónia chocaria, 40 metros à frente, com o poste de su-
Nas nossas andanças com Sónia pelos pontos negros da mobi-
porte dos semáforos da Madalena (Murtas), também
lidade, em Amarante, vimo-la, ainda, chocar com um poste de
ele colocado no meio do passeio! E continuaria a não
iluminação, “plantado” também ele, no meio do passeio, e ficar
chegar ao seu destino. O Arquinho é uma miragem.
retida numa passadeira que terminava num passeio sem rampa.
Reportagem 41
Felizmente, nem tudo são pontos negros, em Amarante, em termos de acessibilidades. Também há boas práticas. Os mais importantes e utilizados equipamentos e edifícios públicos têm vindo a ser adaptados para oferecerem condições de mobilidade para todos.
Este Restaurante, na zona de Santa Luzia, cresceu para cima do passeio e não deixou espaço para a circulação de uma cadeira de rodas, nem para carrinhos de bébé! Com a agravante de este “acrescento” ter sido feito defronte a uma passadeira... Numa situação de perigo, não há escapatória e isto também é válido para cidadãos sem deficiência.
42 Reportagem
A zona dos semáforos do Queimado é, neste particular, paradigmática. Não bastava já o passeio ser, ali, bastante estreito, tanto o poste que sustenta os semáforos, como o que suporta a sinalética (página anterior) foram colocados no meio do passeio! Resultado: nenhum cidadão com mobilidade reduzida que se desloque em cadeira de rodas consegue descer da av. 1º de Maio para o Largo Conselheiro António Cândido (Arquinho). Com exceção do assinalado para o VIA e de uma esplanada em cima do passeio (imagem nesta página), nenhuma das situações referenciadas é recente, pelo contrário. Todas elas têm vários anos e a sua existência é resultado da insensibilidade para as questões da deficiência por parte de quem as decidiu. Há casos que, de tão flagrantes, já que até à Lei se disse nada, teria bastado um pouco de bom senso para que não existissem. Jorge Falcato, dos (d)Eficientes Indignados, disse, recentemente, a um jornal diário, não estar otimista quanto a conseguir-se tornar as cidades inclusivas. E recua até 1997 quando a legislação era clara sobre a obrigatoriedade de se adaptar os edifícios públicos no
prazo de sete anos. "Chegámos a setembro de 2004 e a situação era catastrófica do ponto de vista do cumprimento da lei. Em 2006, sai uma nova lei que vem amnistiar todos os que não cumpriram uma legislação aprovada no Parlamento. Para o ano, acaba outro prazo para que todos os equipamentos estejam acessíveis e adaptados", avisava no JN.
BOAS PRÁTICAS Em Amarante, como em todas as cidades com centro histórico - como de resto a legislação reconhece - existem algumas dificuldades em fazer as transformações necessárias ao usufruto, por todos, do espaço público, seja por questões burocráticas, urbanísticas, de espaço ou outras. Mas também é verdade que quem projeta intervenções (requalificações) urbanas nos centros históricos se esquece, muitas vezes, que as soluções a adotar terão que ser para todos, não devendo excluir ninguém. Entre nós, é flagrante, por exemplo, o que acontece na Praça da República (Largo de S. Gonçalo) com os WC aí existentes, que excluem completamente da sua utilização pessoas com deficiência. Ora, nem o gabinete que pensou
a intervenção, nem os responsáveis pela aprovação do projeto se lembraram que as pessoas com deficiência também têm necessidades fisiológicas e devem poder usufruir do espaço público sem quaisquer constrangimentos. José Luís Gaspar, Presidente da Câmara Municipal de Amarante, reconheceu, recentemente, na cerimínia de tomada de posse dos órgãos sociais da APD, que “Amarante ainda tem demasiados obstáculos, porque nunca foi preparada para a questão da mobilidade e da deficiência. Ao melhorarmos as condições existentes, disse, temos que pensar nas pessoas idosas, nas pessoas que andam com carrinhos de bébé (...). Está na altura de uma intervenção mais séria e mais inclusiva”, concluíu Mas nem tudo são pontos negros, em Amarante. Os mais importantes e utilizados equipamentos e edifícios públicos têm vindo a ser adaptados para oferecerem condições de mobilidade para todos. É o caso do edifício dos Paços do Concelho (que, no entanto, ainda não tem casas de banho adaptadas), cujas barreiras arquitectónicas foram eliminadas; do Museu Amadeo de Souza-Cardoso, também acessível e com WC inclusivos, e da Biblioteca Municipal, com as questões de mobilidade resolvidas, e que tem a particularidade de ter WC adaptados para homens e mulheres, separadamente, o que é pouco comum.
PASTELARIA E SALÃO DE CHÁ
Confeção de bolos para Batizados, Casamentos e Aniversários Largo Sertório de Carvalho Edifício Mirante, loja 27 4600-037 Amarante E: butterfly_amt@hotmail.com T: 255 426 238 facebook.com/ Pastelaria-e-Salão-de-Chá-Butterfly-Amarante
Reportagem 43
CRÓNICA
Sandra Marinho*
Viver no meio
C
omo é que se é de dois sítios? É o desafio que muitos enfrentam quando, como eu, saíram de casa para estudar e não regressaram. E fica-se assim numa espécie de caminho entre cidades, em que começamos por dizer que vamos passar o fim-de-semana “a casa” até ao dia em que começamos a morar “em casa” e a ir visitar a família. Durante todo este tempo, ouvem-se muitos “Quando voltas cá?” e “Ahhh, este fim-de-semana vais à tua terra…”. E há sempre aquele momento em que, em situações muito diversas, nos perguntam: “De onde és?”. No início respondia que era de Amarante, mas morava em Braga. Agora, 25 anos depois, já vou respondendo que sou de Braga, mas que, na verdade, sou de Amarante. Nunca consigo dizer que sou de um só sítio e sinto sempre que dou uma resposta injusta. Todo este percurso passa por fases diferentes até ao momento em que aprendemos a aproveitar tranquilamente o melhor de dois mundos, porque estamos, de facto, numa situação privilegiada: com duas casas, duas famílias - porque a “de coração”, a que se constrói com amigos, muitos deles nas mesmas circunstâncias, também é família -, dois mundos. Percebemos que há vantagens em não termos vivido desde sempre na cidade que nos acolheu, porque assim há continuamente histórias, pessoas e sítios por conhecer: podemos ser eternos turistas. Aprende-se também a apreciar o descer da rua no regresso a Amarante, com o desvendar de novos negócios, casas recuperadas e novidades que já não o são para quem lá vive. E, ao
44 Crónica
mesmo tempo, percebe-se que há lugares que permanecem na mesma e pessoas que sempre encontramos nesses passeios, o que traz uma espécie de conforto e segurança. Porque fico muito contente quando, em Amarante, à pergunta “Então continuas por Braga?”, respondo “Sim” e oiço de volta “É uma cidade bem bonita” e, ao mesmo tempo, não resisto a publicar no Facebook que um restaurante de Amarante ganhou uma votação online ou que os doces conventuais foram distinguidos. E, de vez em quando, lá ofereço aos amigos, com indisfarçável orgulho, uma peça da loja do Museu Amadeo de Sousa Cardozo, porque, afinal, é a minha terra. E a minha família bracarense aceita este meu bairrismo e já aprendeu a viver com o ocasional “nós em Amarante temos, fazemos, costumamos…”. Em Braga, acolhem-me como se nunca tivesse sido de outro sítio e, em Amarante, recebem-me como se nunca de lá tivesse saído. Vivo num sítio sem nunca ter deixado de ser de outro e sei que quando um dia regressar ao lugar de origem nunca deixarei a “segunda casa”. Entretanto, vai-se lançando âncoras, aqui e ali. E vai-se procurando portos e lugares que nos liguem a um e a outro lado. Para mim, é esse o lugar de uma revista como a Amarante Magazine: uma ponte. Uma forma de receber Amarante em Braga. Não sei se alguém se identifica com este relato, mas é a isto que eu chamo “viver no meio”. * Professora Universitária /Universidade do Minho
O sonho de um jardim zoológico Nicolau Ribeiro
A
ntónio Costa, 48 anos (foto na página seguinte), é um bem sucedido empresário de Amarante, mas não é nos negócios que se realiza. Aliás, desde há vários anos que está na sua empresa apenas durante a manhã. As tardes, dedica-as inteiramente à sua grande paixão, os animais. O gosto bebeu-o nas suas origens, tendo-o herdado do avô materno, lavrador, que acompanhava, quando miúdo, na alimentação e cuidados que eram prestados às cabeças de gado da Quinta de Penaventosa, em Baião. “Se me saísse o euromilhões, fazia um jardim zoológico”, diz António Costa, de olhos a brilhar, percebendo-se facilmente da grande importância que os animais têm na sua vida. “Tive dois esgotamentos e o que me salvou foi isto aqui”, revela. “Isto aqui” é a Quinta da Ribeira, na freguesia de Louredo, onde o interlocutor de AM tem 400 animais: ovinos, caprinos, burros, suínos, gali-
náceos, mas também animais exóticos, como gamos, muntjacs, lamas e por aí adiante. “E se souber onde há um animal que ainda não tenho, compro”, diz. A Quinta da Ribeira estende-se por seis hectares arborizados por espécies autótones, onde predomina o carvalho, é atravessada por um ribeiro e proporciona recantos únicos de imensa frescura que convidam ao repouso, à leitura e à contemplação. Tirando partido destas características, António Costa recuperou pequenas construções tradicionais e fez delas apartamentos (dois T1 e três T2) que aluga para férias, fins de semana e épocas festivas (Natal, Passagem de Ano e Páscoa) e criou uma área com cozinha e bar para pequenos eventos: aniversários, batizados ou convívios entre amigos. O objetivo é conseguir receitas que minimizem as despesas com os animais, que vão da alimentação ao cuidado veterinário. E se, durante o inverno, a procura por alojamento e aluguer de espaços diminui, no verão a ocupação é total e muitos clientes que ali
Sociedade 45
fazem férias procedem a marcações para anos seguintes. A proximidade ao parque aquático de Covelas tem ajudado, sobretudo, à estadia de espanhóis oriundos da Galiza, que se fixam na Quinta da Ribeira por vários dias. Quem também procura a Quinta da Ribeira são as escolas da região, que, por razões pedagógicas, ali levam os seus alunos em visitas de estudo. E há também quem procure o espaço, aliando razões lúdicas e pedagógicas a outras de natureza terapêutica, como é o caso da Cercimarante, que ali usa os póneis para terapias com os seus clientes.
O MELHOR DA GASTRONOMIA DE AMARANTE
Junte os seus amigos e faça connosco a sua Festa de Natal Fique atento ao nosso Programa de Passagem de Ano
São 400 os animais que existem na Quinta da Ribeira, na frequesia de Louredo. Para fazer face aos custos com alimentação, higiene e apoio veterinário, designadamente, o espaço dispõe de uma área para eventos e ofere-
Murtas, Madalena - Amarante T: 255 422 006 | 910 573 366
ce dois apartamentos T1 e três T2 (imagens na página ao lado), utilizados para alojamento de férias ou fins de semana. A proximidade deste “mini zoo” ao Parque Aquático de Covelas torna-o muito procurado por turistas vindos da Galiza, que ali se fixam no verão. Épocas festivas, como o Natal, Passagem de Ano e Páscoa, fazem aumentar a taxa de ocupação dos apartamentos, cujos ocupantes pode também utilizar a piscina da quinta.
46 Sociedade
https://www.facebook.com/Restaurante-Amaranto
Sociedade 47
CRÓNICA
Maria João Vieira Pinto*
Com tempo ou sem falta dele
H
á uns dias, a minha filha comentava,
horas precisas numa repartição ou empresa,
num misto de espanto e tristeza,
nem sempre perto, nem sempre fácil! Agora,
que a semana tinha passado de-
que seja já porque não temos tempo!
pressa demais. Não me recordo, en-
A mensagem que enviamos só pode ter feed-
quanto adolescente, de ter sentido a voracidade
back imediato. Porque não faz sentido que se
do tempo. As férias tardavam em findar. Os
demore horas a responder a um SMS… mas,
dias eram longos (por vezes, longos demais!).
antes, gostávamos de esperar dias após dias
Como se o amanhã fosse longe e houvesse tem-
pelo carteiro que tardava em chegar!
po para viver… o tempo!
O telemóvel é como que a extensão do braço,
Entre as minhas férias, ainda não tinha entrado
sempre à mão, durante o dia, e junto à cama,
na adolescência, e as últimas da minha filha,
noite fora. Para estarmos sempre em contacto,
passaram três décadas. E, assim como ela, eu
mesmo que não o estejamos com quem mora ao
fui ficando sem tempo. Não me tendo dado con-
lado.
ta, realizei-o por completo agora. Depois duma
E, mesmo à mesa, há que o colocar desde logo
conversa com a minha filha que, aos 14 anos,
num ângulo fácil à visão e ao alcance. Para
tem “menos” horas nos dias!
se estar ali e em outro lado qualquer. Para se
Sim, vivemos a correr como se não houvesse
fotografar os pratos e partilhar, com quem não
amanhã. É a foto que se tira com o telemóvel
quer saber! Para ter conversas que se cortam. E
naquele milésimo de segundo e postado numa
nem sempre recomeçam. E para chegar ao fim
rede no milésimo seguinte. E que enquanto
e concluir “nem dei pelo tempo passar”. Mas
recebe os “likes” da vida nos afasta da nossa
passou. Ao lado!
real. É o concerto que nem percebemos como
Está-nos a passar ao lado, mas continuamos.
chegou ao fim porque passámos o seu tempo (e
Enterrámos as pás na areia e já pensamos no
os encores também), a partilhá-lo com outros.
Natal, como se as folhas das árvores não caís-
Que ali não estão e muitas vezes nem queriam
sem entretanto. Sim, as folhas caem. E era bom
estar…
que tivéssemos tempo para as ver cair… Para
São os almoços despachados em pé, à frente do
as colar nos livros, para as levar para a escola,
ecrã, ou enquanto corremos a passo apressado
ou contar histórias à sua volta… com todo o
para outro lado onde temos que estar.
tempo que o mundo tem!
É o reclamar com a menina do call center que
4600-032 AMARANTE
não nos atendeu no segundo que tem que atender… quando antes esperávamos todas as
48 Crónica
Largo do Paço, 51
* Diretora de Redação da revista Marketeer
Telf.: 255 433 509 Telm.: 919 688 370 freitster@gmail.com
Olo e Canadelo: um novo futuro? Nicolau Ribeiro
D
epois de um longo período de declínio, cujo início remontará aos anos finais da emigração transatlântica (meados do século XX) e se agravou com a emigração para a Europa, nas décadas de 1960 e 1970, parecem esboçar-se novas oportunidades para as aldeias de montanha, assentes nos seus recursos ambientais (hídricos e florestais), na sua identidade e cultura (idiossincrasias, vivências e tradições) e na preservação do seu edificado. Ainda que com características diversas, Olo e Canadelo, unidas pela partilha
50 Aldeias
de fronteiras e pelo rio Olo e agora também pela gestão administrativa, podem ser duas das aldeias de Amarante cobertas pelos novos tempos. Comecemos por Canadelo. Em 1950, viviam na aldeia 540 pessoas. O censo de há cinco anos (2011) registou apenas 121 residentes, sendo que 37,19% tinham mais de 65 anos. Ou seja, Canadelo perdeu 429 habitantes em 61 anos e nos que restam há uma grande percentagem de idosos. No início da década de sessenta do século XX moravam na aldeia 482 pessoas. Os homens trabalhavam maioritariamente na floresta, na apanha da pinha, eram resineiros ou cantoneiros e as mulheres cuidavam da casa e dos filhos e praticavam uma agricultura de subsistência. Um morador, dos poucos que frequentou o ensino superior e se licenciou, recorda que a iluminação era feita à luz da candeia e que em Canadelo havia, à época, uma mercearia, onde
os residentes se abasteciam dos produtos que o campo não dava. As pessoas compravam fiado e pagavam à semana. Nos tempos livres de domingo, ía-se ao baile, à tarde, ou jogava-se à malha e à sueca. O correio chegava a Canadelo levado por uma habitante que, logo pela manhã, se fazia ao caminho em direção à cidade, levando, na ida, num saco de lona verde, lacrado, as cartas dos familiares ausentes, as chamadas para a tropa e os aerogramas dos soldados que lutavam na guerra colonial, em África. Ao todo, a “recoveira” percorria, a pé, 32 quilómetros e quando, pelo fim da tarde, chegava a Canadelo, para além de levar o correio, já tinha também “aviado” os recados que outros habitantes lhe haviam solicitado. As idas à cidade pelo correio continuaram durante bastantes mais anos e o volume do saco de lona foi mesmo aumentando, pelas novas que passou também a trazer sobretudo de França, para onde os homens começaram a emigrar em massa. O mesmo habitante com quem AM falou, recorda que iam a salto, pagavam 11 contos (22 euros), mas nem sempre corria bem. Duma das vezes, algures próximo da fronteira de Chaves, foram presos 40, sendo que cinco ou seis eram de Canadelo. E foi assim, com partidas constantes para o estrangeiro e para outros locais e cidades dentro do país, que Canadelo se foi desertificando, sendo, hoje, o que os geógrafos e sociólogos chamam um “território de baixa densidade”. E, como se viu, onde uma boa parte da população é idosa. A 16 quilómetros da cidade de Amarante, e tendo como oferta de transportes apenas os autocarros escolares, a Junta da União de Freguesias de Olo e Canadelo, presidida por Rui Leite, instituiu, há três anos, o “taxi social”, que visa facilitar a mobilidade dos habitantes de ambas as freguesias, e que tem especial procura em Canadelo. Ao volante de uma carrinha da Jun-
A forte identidade dos canadelenses está patente na chamada “Lenda de S. Pedro”, que instituiu que, todos os anos, a 29 de junho, se realizassem festas em honra do santo, fizesse sol ou chuva e independentemente do dia da semana.
Aldeias 51
Em face do envelhecimento populacional, Rui Leite (em baixo) tem vindo a criar mecanismos de apoio aos idosos, de que o “taxi social” é apenas um exemplo. As potencialidades turísticas das duas freguesias dão-lhe algum otimismo para o futuro. ta, uma colaboradora da autarquia leva os idosos ao médico e à farmácia, ao controle de sangue e a fazerem prova de vida, aos serviços públicos que só na cidade existem (Município, Tribunal, Finanças, etc.) e também às compras. Mesmo sendo um “território de baixa densidade”, a identidade e o sentido de pertença de quem reside em Canadelo ou dos ausentes que ali nasceram é considerada muito grande. E isso joga a favor do futuro da aldeia, podendo ser um dos fatores âncora que lhe há de dar nova vida, enquanto oportunidade para a mudança. Isso mesmo é reconhecido no estudo “Aldeias com Futuro”, promovido pela Dólmen e coordenado pelo geógrafo Rio Fernandes, com o qual se constatou “uma forte vinculação à aldeia, motivada por um movimento associativo dinâmico e por uma relação forte da comunidade emigrante, e a existência de valores culturais, designadamente no contexto de festas e eventos”. A questão da identidade dos canadelenses está bem ilustrada na chamada “Lenda de S. Pedro”, segundo a qual, em tempos idos, S. Pedro, que habitava um cume do telhado da Igreja, zangado porque não eram realizadas festas em sua honra, “desertou” para umas fragas próximas, em território neutro, onde, dias mais tarde, recebeu uma delegação da freguesia, que lhe implorou o regresso. S. Pedro anuiu, mas com a condição de, todos os anos, lhe ser feita uma festa, a 29 de junho, independentemente do dia da semana. E assim é, desde então. Este
52 Aldeias
ano celebrou-se a uma quarta-feira, como AM testemunhou. O estudo “Aldeias com Futuro” teve como aldeias-alvo as que, no território coberto pela Dólmen, se situam a mais de 600 metros de altitude e pretendeu “avaliar o valor económico e social das aldeias serranas”. Canadelo, constata-se, apresenta algumas particularidades relativamente a outras aldeias da serra do Marão, designadamente por ser um lugar de paróquia e sede de freguesia, o que permite a existência de igreja e motiva uma organização distinta do espaço. Canadelo é, ainda, reconhece o estudo, uma aldeia com elevado potencial turístico, para o que concorrem os valores ambientais (com o rio Olo em primeiro plano) naturais e paisagísticos, bem como a sua classificação como aldeia preservada. A aldeia oferece, já hoje, uma casa de Turismo Rural (a Casa da Nogueira) e uma casa de alojamento local (Casa do Engenho), ambas com grande procura, sobretudo a partir do mês de maio e até ao final de outubro, período em que, este ano, a ocupação foi de cem por cento, segundo a proprietária de uma das casas. Procuradas são também habitações para compra, que, no entanto, já vão rareando. Para além da oferta turística referida, em Canadelo, nas margens do rio Olo, existe também a Bouça da Regada, um empreendimento turístico onde apenas se chega de viatura todo o terreno e cuja assinatura é “A vida feliz consiste na tranquilidade da mente”.
E
m Olo, já viveram 718 pessoas, tantas as que foram contadas em 1960, quando a serra do Marão ainda ocupava muitos braços nos trabalhos da floresta e na exploração mineira. Com o fecho das minas (as que mantiveram a atividade até mais tarde foram as de Vieiros, que encerraram em 1972) e o escassear de trabalho na floresta, o caminho foi a emigração. Hoje, viverão em Olo 371
pessoas, se se mantiverem os números do censo de 2011. Ao contrário de Canadelo, onde existe apenas um núcleo populacional, a freguesia de Olo é constituída por vários lugares, com um povoamento disperso, o que dificulta as intervenções no seu território. Não obstante, Olo é, hoje, uma terra asseada e cuidada, com as necessidades básicas dos seus habitantes satisfeitas, fruto da gestão dinâmica dos últimos Executivos locais. A braços com a diminuição acelerada da população e com o envelhecimento dos que lá moram, também aqui Rui Leite tem lançado mãos de algumas políticas sociais para facilitar o dia a dia dos habitantes de Olo. O edifício da Junta oferece telefone público, posto dos correios e o “taxi social” também está ao serviço da população.
A Feira das Papas de Olo é um exemplo paradigmático de como as identidades locais podem “puxar” pelo desenvolvimento, mexer com a dinâmica dos sítios e fazer subir a auto-estima das populações. Todos os anos, por alturas do Carnaval, mais de um milhar de forasteiros sobe à freguesia e delicia-se com as papas de couves, de nabiças e de sarrabulho.
Aldeias 53
O aproveitamento do rio Olo é fundamental na atração de pessoas à freguesia. A Junta, presidida por Rui Leite, tem em vista a criação de uma zona de lazer, mas precisa comprar os terrenos, o que ainda não conseguiu.
A cidade de Amarante já foi iluminada a partir do rio Olo, onde António Lago Cerqueira promoveu a construção de uma central hidroelétrica, ainda durante a Primeira República. Na atualidade, o rio poderá voltar a ser motor de desenvolvimento, mas na área do Turismo, quer para Olo quer para Canadelo..
54 Aldeias
Noutros tempos conhecida sobretudo pela Central Elétrica de Olo, mandada construir por António Lago Cerqueira, ainda durante a Primeira República, e que a partir de 1917 passou a abastecer de energia elétrica a cidade de Amarante, Olo tem estado nas bocas do mundo desde 2007 por causa de um evento inicialmente organizado a medo, mas que, rapidamente, se consolidou, crescendo de ano para ano: a Feira das Papas de Olo. A Feira das Papas tem trazido alguma dinâmica à economia local, levando aquela freguesia à volta de um milhar de pessoas durante os dois dias em que decorre - sábado e domingo imediatamente anteriores ao Carnaval. E ninguém duvida de que a Feira das Papas pôs Olo no mapa, ao ponto de na freguesia existirem hoje várias segundas habitações
de pessoas de fora, que escolheram Olo para os seus fins de semana e escapadelas. Na freguesia, os forasteiros procuram a tranquilidade, o sossego e desfrutam dos seus recursos naturais, em que o rio Olo, que desce das Fisgas de Ermelo, de águas frias mas cristalinas, também aqui assume grande importância. Já não tem os moinhos de outrora, mas continua a oferecer recantos únicos. A Feira das Papas de Olo é um exemplo paradigmático de como as identidades locais podem “puxar” pelo desenvolvimento, mexer com a dinâmica dos sítios e fazer subir a auto-estima das populações. O evento assenta nas tradições locais, marcadas por uma grande ruralidade e por actividades associadas aos trabalhos do campo e da floresta, a exigirem mão-de-obra bem alimentada e possante. E assim, quem no sábado ou domingo gordo de cada ano subir a Olo, é certo que se deliciará com as papas de sarrabulho, de nabiças e de couves. No Carnaval do próximo ano terá lugar a 10ª Feira das Papas, uma edição que não deixará de ter ingredientes especiais e motivará muitos forasteiros a subirem até aquela freguesia do Marão. Tal como em Canadelo, o crescimento económico em Olo e alguma fixação da população poderá também passar por atividades subsidiarias do Turismo, cujas bases são, fundamentalmente, os recursos ambientais, a natureza e as ofertas que lhe estão ligadas. A Quinta de Pousadela, com uma oferta diversificada e uma gastronomia de qualidade é já, em Olo, um caso de sucesso na área do Turismo.
terreno. Foi aí que a jovem voluntária começou a explorar o terreno por conta própria. “A realidade que encontrei foi muito diferente daquela que tinha imaginado. É difícil fazer imaginar às pessoas a realidade que ali se vive. Vai sempre faltar o cheiro, as imagens de crianças, de dois e três anos, em cima do lixo à procura de comida, e que são imagens tão reais. Os bebés de dois e três anos ficam sozinhos, em casa, enquanto os pais vão à procura de comida. É uma pobreza extrema, onde as pessoas morrem à fome e com doenças que se podem tratar por cinco euros. Mas as pessoas não têm sequer esse dinheiro”, explica. O choque sentido levou Diana Vas-
Diana: em Kibera pelas crianças Telma Pinto Ferreira
N
56 Diana
África, localizado em Kibera, no Quénia. E ainda que esteja a fazer a diferença, num local onde a pobreza é extrema,
concelos a iniciar um projeto, para po-
perguntou-lhes se deixavam ir os filhos à
der ajudar as pessoas, ao mesmo tempo
escola. Apesar de quererem, não tinham
que planeava a construção de uma es-
dinheiro: “Por isso, comecei esta rede de
cola, em Kibera, nos subúrbios de Nai-
apadrinhamentos. Por 160 euros por ano,
robi, capital do Quénia. “Eu queria tirar
uma criança tem direito a um uniforme,
todas aquelas pessoas dos barracos e pô-
uma vez que se trata de uma ex-colónia
-las a viver em casas, mas depois percebi
britânica e há essa tradição. Inclui sapatos,
que isso é humanamente impossível. Só
mochila, livros, e a taxa que temos de pagar
naquela favela, moram três milhões de
à escola, todos os meses, mas também a ali-
pessoas, e foi difícil conseguir aceitar que
mentação, ou seja, duas refeições por dia,
não podia mudar tudo como eu desejava.
e ainda despesas médicas básicas, como
Foi uma luta interior muito grande. Tive
fazer um check-up, duas vezes por ano,
de pôr os pés na terra, senão, ia sentir-
e tomar o medicamento para as bichas”.
-me frustrada, todos os dias”, recorda.
Esta rede de apadrinhamentos fun-
Aproveitando uma página que tinha
ciona através do Facebook, e teve uma
criado no Facebook – “Há ir e voltar”, onde
aceitação muito grande. Começaram
contava experiências vividas a viajar,
por ser apadrinhadas 30 crianças. Em
Diana começou a mostrar também algu-
dois dias, já eram 40 crianças e, de-
mas fotografias do bairro de lata. Quem
pois, 50, 80 e, hoje, já são 220 crianças
já acompanhava a página não tardou em
apadrinhadas. Como diz à AMARANTE
querer ajudar, oferecendo alimentação
MAGAZINE, “já não é fácil gerir tantos
para as crianças. E assim teve também
apadrinhamentos e, depois, os padrinhos
início o programa de apadrinhamento.
querem feedback sobre os afilhados”. Por
uma recente vinda à terra na-
Diana continua a achar que não faz nada
tal, Diana Vasconcelos esteve
de extraordinário. “Quando as pessoas me
com a AM. Emotiva, mas fe-
dizem que sou uma lutadora e uma mulher
liz, a jovem amarantina falou
de armas, não me sinto muito confortável
do projeto “Há ir e voltar”, e da forma
com isso porque, para mim, o que eu estou
intensa como se tem envolvido na aju-
a fazer não é nenhum esforço. Não acho
da à população do Quénia, local onde
que esteja a fazer nada que seja grandio-
já está a edificar uma segunda escola.
so. Com tudo aquilo com que me deparo,
Apesar de todas as homenagens
eu tenho de fazer alguma coisa”, garante.
que lhe têm sido feitas, por estar a lutar
Em maio de 2014, Diana Vasconcelos
pela dignidade de centenas de crianças,
partiu para o Quénia, fruto de uma candi-
Diana continua, humildemente, a dizer
datura da Casa da Juventude de Amaran-
Mas como funciona esta rede de apa-
arranjado padrinhos para mil crianças,
que “não faz nada de extraordinário”.
te (CJ), para fazer voluntariado em África.
drinhamentos? “Houve uma altura em que
por exemplo, mas depois como seria pos-
Desprendimento, humanismo e gene-
Como já tinha feito intercâmbios com a
estava com algumas crianças numa sala
sível gerir tudo? Eu quero acompanhar as
rosidade são algumas das características
CJ, para o Luxemburgo e mesmo em Por-
de aula, e estavam outras à porta a ouvir o
crianças, as famílias. Quando é uma or-
de Diana Vasconcelos, às quais podemos
tugal, não hesitou. O voluntariado, com
que estávamos a dizer, a olharem para nós,
ganização muito grande, as coisas já se
juntar também a humildade e a autentici-
duração de um ano, tinha como destino
e com uma vontade imensa de estarem
complicam. Quero ser eu, Diana, a acom-
dade. Há dois anos e meio que esta ama-
um gabinete de uma Organização Não
também ali, naquela sala de aulas”, revi-
panhar o máximo possível as crianças”.
rantina, de 29 anos, está a mudar a vida de
Governamental (ONG) queniana, mas
ve a jovem amarantina. Foi aí que Diana
Esta aceitação tão positiva não era
muitas pessoas, no maior bairro de lata de
não seria para trabalhar diretamente no
procurou as famílias dessas crianças e
esperada por Diana, assim como tan-
Tempráriamente em Viena, ao serviço da ONU, Diana Vasconcelos acompanha, à distância, a construção da segunda escola no bairro de Kibera. O seu princípio é o de que só a educação poderá tirar “os seus meninos” da probreza.
isso, não quer que o projeto cresça mui-
REDE DE APADRINHAMENTO
to, porque pretende continuar a dar resposta a todas as pessoas: “Eu podia ter
Diana 57
tas outras coisas, que não esperava que
na mesma os exames, para passarem de
ajuda monetária para que, por exemplo,
tomassem o rumo que tomaram. “Tam-
ano, a nível nacional, do género de um
criem negócios de venda de vegetais, ou
bém nunca tinha pensado em ficar no
teste. Até à quarta classe, têm suaíli, que é
venda de roupa em segunda mão. “Para
Quénia, pois só fui por um ano. Mas já
a língua oficial, aprendem também inglês,
termos uma ideia, 35 euros, no Quénia,
lá estou há dois e quero continuar. Que-
que é a segunda língua oficial, matemáti-
correspondem a 400 euros, aqui, em Por-
ro garantir que a infância destes meni-
ca, ciências, moral e religião. Depois, têm
tugal. Por mais pequena que possa pare-
nos e meninas foi digna. E isso já está a
também muitas artes manuais, que ado-
cer a ajuda, é sempre muito bem-vinda
ser feito. Pois a principal arma para com-
ram”, afirma, acrescentando que, todas
para aquela população”, conta Diana.
bater a pobreza é a educação”, sublinha.
as crianças “ficam muito felizes por irem
Apesar de não medir esforços para
para a escola. Alguns deles choram, quan-
ajudar esta população, a jovem amaran-
do acabam as aulas, porque não querem ir
tina partilha a tristeza de não poder fazer
para casa. Lá, vão-se deparar com o des-
ainda mais: “Fico triste por não poder fazer
O projeto “Há ir e voltar” está, agora,
conforto, a fome, a mãe a chorar, violência
mais. Gostava de poder dizer-lhes a todos
a reconstruir uma escola utilizada pela
doméstica. E a escola é o porto seguro de-
que conseguia tirá-los da favela. Isso é hu-
Angel Girls for Educational and Rehabili-
les, onde ninguém lhes faz mal, onde têm
manamente impossível. Mas tento dar-lhes
tation Center, na favela de Mathare, para
comida, podem aprender, brincar. Por-
ferramentas, para que possam construir,
a qual está a fazer uma recolha de fun-
tanto, a escola é o sítio onde são felizes”.
no futuro, um Quénia diferente e melhor”.
dos. Esta reconstrução já deveria ter co-
Mas a escola não trouxe apenas mu-
E esta é, exatamente, a aposta forte do
meçado, em maio, mas como foi um mês
danças nas rotinas das crianças. O proje-
projeto “Há ir e voltar”, como clarifica
muito chuvoso, no Quénia, teve de ser
to “Há ir e voltar” também não esquece
Diana Vasconcelos: “Dizemos às crianças
adiada por três meses. A ideia é construir
os pais e o importante papel que devem
que têm de estudar e damos-lhe aquilo que
uma escola com dois andares e fazer sa-
ter na vida dos filhos. “Nós também res-
é possível, para garantir o conforto mínimo
las maiores, uma biblioteca, uma cozi-
mungamos muito com os pais, para que
dentro da favela. Eu não posso trazê-las to-
nha e casas-de-banho, pois as crianças
sejam responsáveis no tratamento com os
das para Portugal, mas posso mostrar-lhes
fazem as necessidades nos esgotos. “Es-
filhos. Alguns deles não tinham noção de
que, no Quénia, elas podem ter uma vida
tou ansiosa por vê-la reconstruída. Aque-
nada, nem da necessidade de acompanha-
muito melhor, que não têm de viver para
las meninas são tão doces, são as meninas
rem os filhos, após a escola”, assegura.
sempre na favela. Além disso, ao crescerem
UMA NOVA ESCOLA
Alguns dos meninos de Diana choram quando terminam as aulas, porque não querem ir para casa. Lá, vão-se deparar com o desconforto, a fome, o álcool e a violência doméstica. É por isso que a escola é para eles um “porto seguro”.
amparadas, com educação, irão adotar ou-
mais doces do mundo, e querem muito estar na escola, e adoram lá estar, ainda que não tenham, para já, muitas condições”, garante a criadora do “Há ir e voltar”. Neste momento, as 78 meninas, entre os três e os 13 anos, estão divididas por três salas de aula improvisadas. Cada sala tem uma professora. “As professoras são óptimas. Não têm curso superior, mas são muito capazes. E a escola funciona com um ensino não formal. Fazem
DESiGUALDADES NOS DIREITOS Diana Vasconcelos explica que, “todas as famílias querem pôr os filhos na escola”, mas como não têm possibilidades, acabam sempre por ficar em casa. Se, por exemplo, um casal tiver um filho e uma filha, eles vão dar sempre prioridade ao filho. “É por isso que esta escola que o projeto apoia é só de meninas para, precisamente, incentivar mais a entrada das meninas na escola, pois não têm tantas oportunidades. E sem acesso à educação, muito dificilmente irão conseguir sair do bairro de lata. Mesmo as mulheres, também não têm tantas oportunidades como os homens e isso, lá, nota-se muito”, lamenta. E é para tentar colmatar esta diferença significativa entre os direitos dos homens e das mulheres, que o projeto “Há ir e voltar” dá workshops às mães de como criarem micro-negócios, e dá uma
tro tipo de comportamentos bem diferentes do que aqueles que veem à volta delas, no seu dia-a-dia. Na escola, tentamos incutir-lhes outros ideais, para que, no futuro, possam tornar o país delas muito melhor”. Mas não se julgue que o “Há ir e voltar” ajuda apenas crianças abrangidas pelo projeto. Muito pelo contrário. “No Quénia, há sempre crianças doentes. E nós ajudamos também as que não estão no nosso projeto, mas que sabemos que estão doentes. Levamo-las, por exemplo, às clínicas que as organizações não-governamentais criaram lá. Não são gratuitas, mas também os custos não são muito elevados. Às vezes, quando é um problema mais sério, há a necessidade de irem a um hospital, e ai fica mais caro. Já descobri casos em que as crianças estiveram feridas um mês em casa, sem terem qualquer tratamento médico, pelo facto dos pais não terem dinheiro”, afiança Diana. As ajudas que têm sido prestadas
levam a que a população confie na jovem mentora deste projeto e a procure, sempre que é necessário: “Sinto que confiam em mim, e sempre que têm um problema, vêm ter comigo. Se calhar, o projeto é ali a única entidade que lhes vai dar uma resposta e que os vai ajudar nos problemas que eles têm. O ‘Há ir e voltar’ é quase o porto seguro deles”. Há quem pergunte a Diana como tem coragem de ir para o Quénia, tendo em
A segunda escola que Diana está a construir destina-se a meninas, sobre quem continua a recair descriminação. Sem educação, acredita Diana, jamais conseguirão emancipar-se e sair do bairro de lata.
conta a realidade existente, lá. Algo a que não deixa de dar resposta. “Eu sou tão feliz, lá. Sei que é difícil para a maioria das pessoas entender isto. Costumo dizer que, no Quénia, sou feliz todos os dias. Posso não estar todo o dia feliz, mas todos os dias tenho momentos de felicidade. Por exemplo, estou aqui [em Amarante] há poucos dias, mas já estou cheia de saudades. É claro que, quando estou lá, sinto falta de Amarante. Mas não entendo que esteja a sacrificar a minha vida. A única coisa que é mais dolorosa é a distância da minha família e dos meus amigos, mas se eu quero continuar este projeto, tenho de ter em conta algumas consequências”, justifica. Quando questionada sobre se conseguiria viver sem aquelas crianças, a jovem não tem dúvidas. “Não. Mesmo que, um dia, eu saia do Quénia, e que venha viver para Portugal, ou para outro sítio da Europa, eu quero continuar a ir lá, para garantir que este projeto não termina. Nunca me vou conseguir desligar destas crian-
Diana 59
“Gostava que aqueles meninos se lembrassem de mim como uma pessoa amiga, que os ajudou naquilo que podia. E se, um dia, puderem recordar que tiveram uma infância feliz e digna, que brincaram e que não lhes faltou comida, essa será a melhor maneira de se lembrarem de mim”,
ças, que já são um pouco minhas. Não
nho, vêm cheias de material para vender”.
consigo. Seja qual for o meu futuro, esta-
Como faz sempre questão de frisar,
rei sempre ligada ao Quénia”, responde.
esta ajuda dos portugueses é fundamen-
Esta dedicação de Diana aos outros tem
tal, para que possa continuar no terre-
já inspirado muitas pessoas, à sua volta.
no, a ajudar as crianças e as respectivas
O projeto é dela, mas tem recebido mui-
famílias. “Aquelas crianças não precisam
tos voluntários, que ficam algum tempo.
de agradecer nada. O agradecimento é o
A par destes voluntários que têm ido
sorriso delas, a felicidade, o bem-estar,
para o Quénia, a jovem tem consegui-
o facto de poderem ir à escola, de terem
do, igualmente, granjear muitas ajudas
refeições. E é importante dizer que, sem
de quem também quer fazer a diferença.
a ajuda dos portugueses, tanto os que es-
As pessoas ajudam da forma que
tão em Portugal como no Quénia, aquelas
podem, e podem fazê-lo de várias for-
crianças que estão a ser apoiadas, não te-
mas. Para isso, Diana traz muito ma-
riam nada disto. Vê-las a crescer, felizes,
terial para ser vendido em Portugal, e
é o maior agradecimento que, julgo, to-
como diz, “chega a estar vendido, muito
dos poderíamos ter”, diz, emocionada.
antes de cá chegar”. “Há, de facto, muita vontade de ajudar. Este material que trago é feito por grupos de mulheres. Fazem malas, peças de decoração (como os passarinhos do amor), ou até porta-chaves. É tudo feito à mão, e quando compramos, estamos a ajudar o projeto e estamos a ajudar a população do Quénia”, relembra, para logo depois acrescentar: “Ao longo do ano, as pessoas vão também dei-
PORQUÊ NO QUÉNIA? Dois anos e meio volvidos, desde o início deste projeto, Diana sente e quer que este seja o seu modo de vida. “Isto já não é meramente um projeto, e não me considero voluntária, pois sou parte do Quénia. Já é também a minha casa. Tenho
xando muitas coisas, em casa da minha
em Amarante e em Nairobi também. Não é
mãe, para depois eu levar para o Quénia,
algo que eu esteja a fazer para serem dois
como roupas, fraldas, livros para colorir,
ou três anos, na minha vida. É uma coisa
marcadores. As minhas malas vão cheias
que quero fazer para sempre”, sublinha.
de doações, quando vou, e quando ve-
Para além de querer continuar com
Dois anos e meio volvidos desde o início deste projeto, Diana sente dever ser este o seu modo de vida. Para além de querer continuar com o projeto, existe o desejo de fazer do “Há ir e voltar” uma ONG para, depois, poder concorrer a fundos, de forma a conseguir prestar muito mais ajudas. Ao serviço da ONU, em Viena, Diana acompanha, à distância, a construção, no Quénia, da “sua” segunda escola. Mas, em breve, regressará aquele país africano, que diz ser já também a sua casa. “Tenho uma em
Nos melhores Cabeleireiros de Portugal
Amarante e outra em Nairobi”, refere. o projeto, existe o desejo de fazer do “Há ir e voltar” uma ONG para, depois, poder concorrer a fundos, de forma a conseguir prestar muito mais ajudas.
Distribuída por FVR PORTUGAL
Ajudar, acarinhar e instruir têm sido as palavras de ordem do projeto “Há ir e voltar”, que tem a alma de Diana Vasconcelos. Com a simplicidade que lhe é característica, e de sorriso no rosto, a jovem partilha como gostaria de ser, um dia mais tarde, lembrada por todas aquelas crianças. “Gostava que aqueles meninos se lembrassem de mim como
Av. Professor Orlando Ribeiro, 297 4400-667 Vila Nova de Gaia
uma pessoa amiga, que os ajudou naquilo que podia. E se, um dia, puderem recordar que tiveram uma infância feliz e digna, que brincaram e que não lhes faltou comida, essa será a melhor ma-
+351 227 722 706 +351 913 393 961
neira de se lembrarem de mim”, conclui.
Diana 61
O João competia com ele mesmo
CRÓNICA
Olga Leite*
Valores. Reais ou virtuais?
N
ão sou nem bota de elástico nem saudosista. Admito, no entanto, que vivo preocupada, inconformada até, com a volatilidade das relações da sociedade líquida atual. A efemeridade das relações interpessoais – na família, nas amizades e nas relações de trabalho – está a deixar marcas indeléveis na construção do ser humano. A ligeireza com que se iniciam e acabam relações e o facilitismo com que se denominam de amizades os contactos fugazes e pouco consistentes que o meio virtual proporciona, deixam-me apreensiva, porque estão longe do salutar objetivo de preservar relações duradouras e cúmplices e da importância da consolidação de velhas amizades. Na sociedade líquida atual estamos todos em contacto permanente, nunca a tecnologia esteve tão a favor desta espécie de big brother global e acredito ser este facilitismo a causa principal das relações imediatistas e permanentemente recicladas. A velocidade a que vamos acrescentando pessoas na nossa vida acontece ao mesmo ritmo a que as vamos descartando. Por vezes não permitimos sequer o processo de aprendizagem e descoberta, porque no mesmo dia ou no dia a seguir estamos a substitui-las. Cultivar as amizades e consolidar relações é um processo trabalhoso, moroso até. Nós somos, o ser humano é, tendencialmente mau, pelo que temos que esbater e anular práticas como a maledicência e a desconstrução, para operar em nós uma mutação positiva. Esta transformação tem que ser um processo contínuo e também de negação. Por outro lado, o sensacionalismo que é consumido pela sociedade da informa-
62 crónica
ção, transforma exemplos negativos em casos banais, quer pela frequência com que acontecem quer pela rapidez com que chegam até nós, sem qualquer filtragem. A concorrência entre os media e a necessidade de chegar primeiro à ocorrência está a prejudicar a qualidade da informação. Também aqui estamos a consumir informação, na maior parte dos casos, superficial. O voyeurismo que daqui advém deriva num desrespeito pelo outro e até na banalização da violência, que passou a constar do quotidiano pós-moderno. O palco que as redes sociais propiciam e a necessidade de exposição – o que comemos, onde estamos de férias, o carro que compramos – acabaram com a esfera que é estritamente nossa da privacidade e da intimidade, e hoje é pública. Ora, esta exposição permite olhar para o outro como objeto e não como pessoa, debilitando as relações sociais, tornando as mesmas voláteis e a nós individualistas. A característica que melhor definia a nossa sociedade, até há poucos anos, unificada em torno de valores, ideologia ou religião está hoje fragmentada. Viver nesta rede vigiada e formatada dá a possibilidade a cada um de nós de ter o seu espaço mediático, de emitir opinião e de estar à altura de qualquer organização internacional ou líder político, ator ou cantor, como se de vizinhos se tratassem. A globalização é o destino, mas não tem que o ser para todos na mesma dimensão. Só não será se os valores de base emergirem à formatação encapotada. * Consultora de Comunicação
Telma Pinto Ferreira
de Espanha, com a intenção de realizar a rota conhecida como “Anillo de los Refugios”, e onde terá sido surpreendido por
N
othing is as important as pas-
uma tempestade de neve. O seu corpo foi
sion. No matter what you
encontrado por um grupo de montanhis-
want to do with your life, be
tas, nove meses depois, a 1 de agosto de
passionate! (“Nada é tão im-
2015, no penhasco Pena Santa de Enol.
portante quanto a paixão. Não importa o
Durante todos esses meses, familia-
que queres fazer com a tua vida, sê apai-
res, amigos e conhecidos uniram-se num
xonado!”). Esta era a máxima de vida de
único propósito: o de encontrar João
João Marinho, e foi com ela que legen-
Marinho com vida. Fizeram algumas vi-
dou, a 4 de novembro de 2014, a última
gílias e, juntamente com o irmão, Pedro
fotografia que publicou na rede social
Marinho, e o sobrinho Valter Cardoso,
Facebook, antes do seu desaparecimen-
alguns amigos partiram rumo aos Picos
to. Vestia equipamento de montanha e
da Europa, com a esperança de o encon-
tinha, como pano de fundo, os Picos da
trar. Multiplicaram-se, nas redes sociais,
Europa.
mensagens motivadoras, de força, amide
zade e carinho. Todos queriam o João de
montanha, corredor de trilhos e viciado
volta. Mas o desfecho mais temido aca-
em desportos de aventura”, razões que o
bou por acontecer.
Apresentava-se
como
“ciclista
levaram a deixar uma promissora carrei-
Para sempre ficam as memórias de fa-
ra de engenheiro eletrotécnico, em bus-
miliares e amigos, mas também um lega-
ca da sua realização pessoal. E foi esta
do desportivo significativo que João Ma-
mesma paixão pelos desportos de aven-
rinho construiu e ao qual, agora, o irmão,
tura e pela natureza que levou o atleta
Pedro Marinho, e um grupo de amigos de-
de 31 anos, natural da freguesia de Sal-
ram continuidade. “Em determinada altu-
vador do Monte, em Amarante, a ir so-
ra, passou-me pela cabeça não continuar.
zinho para os Picos da Europa, a norte
Depois, achei que deveria, sobretudo por-
O título (“O João competia com ele mesmo”) é um excerto de um testemunho de uma amiga que acompanhava as suas aventuras e lhe conhecia a permanente vontade de superação. Foi nos Picos da Europa, que já tinha percorrido de bicicleta (imagem) que João Marinho encontrou a morte, em novembro de 2014, fez recentemente dois anos.
gente 63
Em 2010, João Marinho criou a prova Douro Bike Race, em Amarante. Três anos depois, em 2013, concebeu, também em Amarante, a Mountain Quest e, na região do Douro, promoveu pela primeira vez, em 2014, o Douro Ultra Trail, cuja apresentação a imagem documenta. Na imagem à direita, João Marinho com a família, na celebração do seu aniversário, alguns dias antes de desaparecer nos Picos da Europa.
pa. Apesar de ter conseguido alguns bons
as dessas aldeias. Conseguiu gerar uma li-
resultados, isso não era o mais importante.
gação saudável, e abriu as portas daqueles
Ele competia não com os outros, mas com
locais, onde poucas pessoas iam”.
ele próprio”.
Esta divulgação do Douro foi similar
Desde o seu desaparecimento, têm
em Amarante. “Há um impacto que não
sido feitas múltiplas homenagens a João
se consegue quantificar, diretamente, mas
Marinho, nomeadamente em algumas
os atletas vêm e vão, e, depois, acabam
galas desportivas, de que são exemplo a
por voltar de férias. Há sempre um retorno
Gala da Associação Desportiva de Ama-
para a cidade, e um impacto para a cul-
rante (ADA), ou mesmo a Gala do Despor-
tura, restauração, e para as empresas que
to Cidade de Amarante. Algo que é visto
apoiam as provas”, frisa. Questionado so-
de forma positiva pelo irmão. “O João de-
tamente com o amigo e atleta José Sil-
bre o que sente e pensa quando vê tudo o
sapareceu de uma forma diferente, e isso
cada por trás de tudo isto. Também não era
va, João Marinho criou, em 2010, a prova
que o irmão construiu, Pedro é decisivo:
marca. E com todas estas homenagens,
justo para com o João, nem para connos-
Douro Bike Race (DBR), em Amarante.
“Sinto orgulho. O João deixou uma equi-
sinto que não passou despercebido e que
co, deixar cair tudo o que lhe custou tanto
Mais tarde, em 2013, concebeu, também
pa, deixou um legado, e conseguiu marcar
marcou as pessoas, em determinada altu-
a construir”, conta Pedro Marinho que é,
em Amarante, a prova Mountain Quest
muita gente. E é isso que nos move. En-
ra das suas vidas. Naturalmente, fico con-
agora, o responsável pela N’Explore, em-
(MQ) e, no Douro, promoveu pela pri-
quanto existir esse sentimento de que es-
tente com todos estes gestos que têm sido
presa de eventos desportivos criada pelo
meira vez, em 2014, o Douro Ultra Trail
tamos a acrescentar algo, não só por nós,
feitos”, refere, para depois acrescentar:
(DUT).
mas pelas pessoas que estão presentes nas
“Também gosto muito quando oiço alguém
provas, vamos continuar, pois isso dá-nos
dizer que o João o ajudou a mudar deter-
força”.
minadas mentalidades, a mudar hábitos de
que acreditei que havia uma equipa dedi-
irmão, e que diz ter havido uma grande abertura de todos os elementos do staff e
A DBR foi considerada, em 2012, o
dos atletas, para que as provas se fossem
evento desportivo de Amarante. E no
concretizando, “mesmo estando conscien-
ano de 2014, o MQ foi distinguido como
A paixão do João pelo desporto foi
vida, fosse no BTT, no trail, ou mesmo a
o evento do ano. “O João era determinado.
sempre aliada à paixão pela natureza,
fazer iniciativas solidárias. Isso deixa-me
Quando colocava um objetivo, batalhava
juntamente com um espírito curioso e
feliz”. Apesar de ter dedicado muito tem-
esta continuidade na organização dos
sempre por ele. Provavelmente, foi isto que
aventureiro, de quem gosta de conhecer,
po à realização das provas, João Marinho
eventos. “Sinto que isso lhes trouxe algum
o levou a criar estas três provas. E tinha
de explorar, de ir, como recorda Pedro
sempre foi muito ligado à família e aos
alento. Faço questão que me acompanhem
o dom de motivar quem o rodeava. Teve
Marinho. “Sempre gostou da natureza.
amigos. Viveu no Porto, mas acabou por
nos dias das provas. Mesmo no Douro, têm
sempre gente que acreditou e se disponi-
Não me lembro do João ter ido de férias
regressar a Amarante. “Gostava de acom-
estado presentes. Não faz sentido que fi-
bilizou a ajudá-lo. Esse carisma que o João
para a praia. Ele gostava sempre mais do
panhar os nossos pais que têm já alguma
quem sozinhos, em casa”, garante.
tinha não é fácil de se encontrar”, realça, à
campo, da montanha. As férias dele eram
idade, e, quanto aos amigos, é possível ver
AM, o irmão, Pedro Marinho.
sempre assim e, essencialmente, com a bi-
a quantidade deles que sempre se predis-
cicleta. Deu a volta a vários países da Euro-
pôs a ajudá-lo”, sublinha.
tes de que nada seria igual”. Os pais têm visto “com bons olhos”
Ainda que a memória de João esteja sempre presente, Pedro assegura que não quer usar a imagem do irmão para conseguir o que quer que seja. “Tentamos descolar, ao máximo, o João da imagem da
DESPORTO E NATUREZA NUMA ÚNICA PAIXÃO
N’Explore. Sabemos que irá demorar muito
No caso do RDUT, esta prova chegou
tempo, mas não é o nosso intuito, de forma
a ser distinguida, depois do desapareci-
alguma, usar a imagem do João para con-
mento de João Marinho, com o prémio
seguir o que quer que seja, ou para pro-
Douro Empreendedor 2014, na categoria
mover a empresa”, assegura.Pedro parti-
de melhor vídeo promocional da região
lha que, habitualmente, se questiona se
do Douro Vinhateiro, tendo sido Pedro a
o irmão estará orgulhoso da continuida-
recebê-lo, a titulo póstumo.
de dada aos eventos: “Faço essa pergun-
Mas a divulgação da região do Dou-
ta, quase todos os dias. O João conseguiu
ro Vinhateiro foi muito além deste vídeo.
formar uma equipa, conseguiu criar uma
Como relembra Pedro Marinho, ao criar
cultura, digamos assim, que é diferente da
as provas que criou, o João abriu as por-
de outras empresas. É uma cultura de res-
tas das aldeias mais isoladas: “Tanto fa-
peito, de olhar as coisas de forma diferente,
lava com um presidente da Câmara, como
de valorizar as gentes e o património”.
com uma pessoa de uma aldeia distante.
Através da empresa N’Explore, e jun-
64 gente
fotografias e criava empatia com as pesso-
O João parava, ficava na conversa, tirava
O Joaõ ajudou a mudar mentalidades, hábitos de vida, fosse através da BTT, no Trail, ou mesmo a promover iniciativas solidárias. “E isso deixa-me feliz”, afirma Pedro Marinho, que “pegou” na N’Explore para continuar o trabalho do irmão.
Os testemunhos dos amigos do João Armando Meireles. “Falar do João é falar de alguém único, com uma capacidade incrível de motivar toda a gente para que a experiência dos atletas, staff, patrocinadores e toda a gente fosse única. Como atleta, alguém com uma capacidade física e psicológica fora do normal. Para ele, impossíveis não existiam. Como dizia, muitas vezes, “basta acreditar”. Como amigo, daqueles que podíamos sempre contar, em qualquer situação. O sucesso das provas por ele organizadas resume-se a conseguir que as pessoas vivessem o sonho que ele vivia. A valorização do território e das pessoas das nossas aldeias, para que nunca fossem esquecidas, foi uma das coisas mais importantes que nos deixou”. Ana Ferraz. “Como atleta, a palavra que caracterizava o João era ‘autosuperação’. Competia para se superar, o que frequentemente era sinónimo de um pódio, no final do dia. Mas se não fosse, ele sorria e aproveitava o dia: ‘Sometimes you win, sometimes you learn’. Valorizava as coisas simples da vida. Um nascer do sol, um convívio com amigos, a pedalar ou a correr pelas montanhas. Do alto da Galafura, conseguia apontar a localização de cada povoado, que bem conhecia, por percorrê-los na sua demanda por realizar provas duras e estruturadas, de bike ou de trail. Com trinta anos, correu o mundo, até o mundo o deter. O que o ‘mundo’ não sabia, é que o João iria continuar por aí, a motivar-nos com a recordação que temos dele, a realizar os nossos próprios sonhos e objectivos”. Diana Campos. “Inspiração. Motivação. Sonhos. Zona de Conforto. Aventura. Montanhas. Sorrir. Garra. Vida. São palavras que definem com facilidade o João. Felizmente, foram muitos os que tiveram o privilégio de partilhar aventuras, trilhos, sonhos e gargalhadas com ele. Ainda mais são os que têm o privilégio de o ter ainda hoje presente, como inspiração, como exemplo. O sonho dele tornou-se o nosso sonho, a luta dele a nossa luta e continua a fazer acreditar, a fazer os olhos de muitas pessoas brilharem, a terem sempre uma boa história para recordar. Continua a desafiar. Quando nem eu acreditava em mim, que era capaz, ele fê-lo, acreditou, tirou-me da zona de conforto e fez-me redefinir os meus limites. Era esse o poder dele. É magia. É mágico”. Marco Magalhães. “Vivia 24 horas o que fazia e com a certeza absoluta do que queria. Uma energia cósmica que ele emanava e uma motivação sem limites que conseguia transmitir a todos os que com ele trabalhavam. Alguém que valorizava a importância das coisas simples da vida, a família, os amigos, o trabalho. Quando a memória começar a sofrer a erosão do tempo, quando os nomes de tudo o que ele viveu ficarem puídos e as imagens mais esbatidas, hei-de continuar a relembrá-lo como exemplo de inspiração, dedicação, profissionalismo, de amizade, de paixão. Admiro-o incondicionalmente e continuarei a segui-lo de olhos fechados, por todas as vidas que me restem. Só lhe posso estar grato. Ele é, sem dúvida, a minha maior inspiração”.
66 gente
António Navega. “Falar do João é, ao mesmo tempo, difícil e doloroso, fácil e gratificante. Difícil e doloroso, porque a Saudade embarga a voz e aperta o peito, abrindo feridas que ainda não estão saradas. Fácil e gratificante, porque falar do João é falar de coisas simples e boas. Falar do João é falar de sorrisos e abraços, Amizade e Solidariedade, desporto e Natureza, aventura e Vida. Lembrar o João é sentir nas pernas o roçar de um qualquer cachorro ossudo e abandonado, sedento de mimos, ou nos braços o gato mais felpudo e gordo, cheio de bons tratos, porque ele dispensava um carinho especial para estes e outros animais. Falar do João é sorrir com a mesma ternura e respeito para a criança de mais tenra idade ou para o ancião que já tenha ultrapassado um século de existência”. Fernando César. “A paixão, vontade de se transcender, de construir experiências para fazer da vida algo mais que a soma rotineira de dias, para mim foi, é e sempre será o João Marinho. Alguém capaz de sorrir à adversidade, de inspirar com o seu exemplo, mas também capaz de ser um amigo. Vivia com a curiosidade de uma criança, a paixão de um adolescente que começa a descobrir o mundo e a capacidade criativa de um sábio. O equilíbrio de todas estas coisas tornou possíveis provas de primeiro nível mundial. Sabe alguém o que dizer defronte à imensa grandeza das montanhas? A insondável beleza do horizonte que esconde um sol cheio de energia e luz? Há fenómenos naturais que não se podem definir, só viver. Viver para partilhar depois o privilégio da sua memória. Memória do João, das pessoas que inspiram a vida de outras pessoas. Que nunca se apague”. Valter Cardoso. “Naquele nosso refúgio inquebrável que construímos em madeira, recordo-me de um daqueles momentos em que tu dizias: ‘Um dia havemos de descobrir o que está atrás daquela montanha’. Chegávamos, depois, ao topo dessa montanha e confidenciávamos: ‘Qual será a montanha mais alta de todas? Um dia havemos de descobrir. Desta vez, decidiste partir, sozinho, à descoberta da mais alta montanha! Hoje, foi a minha vez de descobrir, sozinho, que por detrás da mais alta montanha não existe mesmo mais nenhuma. Descobri que se põe todos os dias uma estrela tão grande que é capaz de iluminar o caminho de todos aqueles que te amam. Descobri, agora, que tu és essa grande estrela, com um sorriso enorme porque, afinal, foi nas montanhas que crescemos, é nas montanhas que somos felizes e é às montanhas que pertencemos. Até já, Tio John!"
“Como atleta, a palavra que caracterizava o João era ‘autosuperação’. Competia para se superar, o que frequentemente era sinónimo de um pódio, no final do dia. Mas se não fosse, ele sorria e aproveitava: ‘Sometimes you win, sometimes you learn’”, dizia.
A caminho do Museu do Vinho Verde Telma Pinto Ferreira É na antiga escola primária da Boavista, em Gatão, Amarante, que podemos encontrar o Centro Interpretativo do Vinho Verde. Um espaço recuperado para promover o vinho verde e dar a conhecer o passado, o presente e o futuro da atividade vinícola. Para além de uma sala destinada a formações, o espaço disponibiliza uma sala de provas e, brevemente, o Museu do Vinho Verde, com peças e alfaias ligadas ao setor e que foram oferecidas por particulares e empresas de Gatão.
68 museu
C
hama-se Centro Interpretativo do Vinho Verde (CIVV), e foi criado na antiga escola primária da Boavista, em Gatão, pela junta de freguesia, antes da reorganização administrativa do território das freguesias. “Para dar utilidade a este espaço, e atendendo à zona em que está inserido [em Gatão], a junta decidiu criar um Centro Interpretativo do Vinho Verde. Quando tomei posse, este Centro já estava na fase final”, conta o presidente da União das Freguesias de Amarante (São Gonçalo), Madalena, Cepelos e Gatão, Joaquim Pinheiro, que é também presidente deste CIVV. Mas porquê Centro Interpretativo do Vinho Verde? “Porque é preciso dar a conhecer o vinho verde, nas suas várias dimensões. E nós temos, aqui, vinho verde de qualidade excecional. Fazia sentido criar um local onde pudéssemos apresentar o vinho verde, fazer as provas, divulgá-lo, com várias atividades, e promover também a freguesia”, refere. Neste espaço agrega-se o passado, o presente e o futuro. “Podemos mostrar uma evolução, ao longo dos tempos, dai a criação do museu, para que os visitan-
tes tenham a perceção do que foi e do que é, agora, esta atividade”, sublinha Joaquim Pinheiro. Como explica o presidente, a escolha da localização deste CIVV só poderia recair em Gatão: “Amarante é uma região central do bom vinho verde. Mas sabemos que a região do vinho verde, por excelência, é Gatão. O vinho de Gatão é, efetivamente, um vinho bom, com fama e que leva longe o nome desta terra, sobretudo o vinho tinto”. Cada espaço do CIVV foi pensado ao pormenor, por um engenheiro vitivinícola e teve a colaboração do designer amarantino Carlos Gallo. Divide-se num hall de entrada, numa sala destinada a sessões de formação de temas aliados ao vinho verde e à agricultura, mas também numa sala de provas completamente equipada, e num espaço que se destina a ser um museu de peças ligadas à atividade vinícola e que está ainda em preparação. “Estas peças foram todas oferecidas, quer por particulares, quer por adegas, ambos de Gatão, que tinham dos seus pais, dos antepassados e que são peças que não usam, e cederam-nas para que pudessem ser colocadas no museu. Para ficar concluído, faltam apenas os expositores, que estão em fase de elaboração, para que as peças possam lá ser colocadas. E temos como intenção ir buscar algumas ideias a outros museus do vinho já existentes, nomeadamente ao Douro”, adianta o presidente. Todas estas peças foram já inventariadas e catalogadas, com o apoio de um técnico da Câmara Municipal de Amarante.
Necessário foi também proceder ao restauro e conservação de todas as peças: “Como algumas são de madeira, não estavam muito bem tratadas, pois estavam guardadas nas adegas e começaram a ficar infestadas. Então, houve a necessidade de proceder a um tratamento para as conservar. Foi nessa altura que nós, sabendo que a Cercimarante tem um Centro de Formação e Reabilitação Profissional (CFRP), localizado em Gatão, e que tem os cursos de Operador/a de Acabamentos de Madeira e Mobiliário, Carpintaria e Marcenaria, falámos com os responsáveis e toda a recuperação e conservação das peças foi feita pelos formandos, em vários dias, que conseguiram encaixar esta atividade no âmbito da formação”. Ainda no interior do CIVV, encontramos, nas paredes, quadros sobre a temática do vinho e frases soltas sobre o mesmo tema. De um lado, temos inscritas as quantidades de vinho produzido, em 2013 e 2014 e, do outro, uma parede cheia de chapéus de palha. Ao fundo da sala destinada às formações, estão três painéis, em pedra, que se complementam. “É onde se representam as cenas do vinho, como o lagar, a colheita e a prova do vinho do lagar. Aquele painel foi feito por encomenda para este Centro. Ao lado, e como não poderia deixar de ser, temos um poema de Pascoaes, sobre o vinho verde. Porque Pascoaes viveu em Gatão, morreu e foi sepultado também nesta freguesia, terra do bom vinho. E associamos também o vinho à poesia. O vinho também ajuda à poesia, pelo menos a soltar a língua”, diz Joaquim
Já com muitos anos e mal conservadas, houve necessidade de recuperar algumas das peças que vão integrar o Museu do Vinho Verde. Esse trabalho foi confiado à Cercimarante, através do Centro de Formação e Reabilitação Profissional, sendo que todo o restauro foi feito pelos formandos daquela cooperativa de ensino.
O centro Interpretativo do Vinho Verde possui um auditório para formação e palestras, bem como uma Sala de Provas. A autarquia procura um parceiro que faça a gestão do equipamento, de preferência uma instituição que seja representativa dos produtores e engarrafadores de vinho verde.
Pinheiro, sorrindo. O CIVV pode, assim, ser visitado por toda a comunidade. O espaço exterior está sempre aberto, e o museu, onde estão expostas as peças da atividade do vinho, é visível a todos. Este Centro tem estado ao serviço da população, gratuitamente, noutras atividades. “Por exemplo, para sessões de formação, desde que os assuntos estejam ligados ao vinho ou à agricultura. Como está disponível para as escolas que tenham qualquer curso profissional ou técnico-profissional ligado a esta área”, afirma. De acordo com o presidente, e na impossibilidade de a junta de freguesia conseguir dinamizar, em permanência, atividades no CIVV, existe a pretensão de estabelecer uma parceria com uma instituição, como por exemplo a Proviverde, que é representativa dos produtores do vinho verde. “Queremos que haja uma atividade de promoção do vinho verde, e que se possam fazer, aqui, provas do vinho verde. Já pensamos em criar um balcão de venda, com todos os vinhos dos produtores desta região. Já temos um logótipo específico do Centro Interpretativo, para que se possam criar embalagens onde possamos ter vinhos de diferentes produtores, não havendo assim a necessidade de identificar cada um deles. Para isso, precisamos que, em Amarante, as entidades como a Proviverde entrem em ação”, adianta o presidente.
Mas enquanto esta passagem de testemunho não acontece, a junta de freguesia organizou, pelo terceiro ano consecutivo, a 2 e 3 de setembro, a iniciativa “Petiscos e Companhia”, com o objetivo de promover os petiscos e o vinho verde de Gatão. Este ano, associaram-se a esta atividade uma caminhada com um espírito completamente diferente, como explicou Joaquim Pinheiro. “A caminhada consistiu em percorrer várias vinhas. Começou e terminou aqui no Centro Interpretativo. Passámos também por algumas adegas de produtores, que foram extremamente recetivos, deram-nos a provar o seu vinho, pois toda a gente pôde fazer uma degustação dos vários vinhos, isto é branco, tinto e espadal. Este é um conceito diferente, uma caminhada pelo meio das vinhas, mas que também tem algo de cultural”. Cerca de 150 pessoas participaram nesta caminhada, sendo que 90 por cento eram provenientes de outros concelhos, nomeadamente de Santa Marta de Penaguião, Matosinhos, Maia, Marco de Canaveses, entre outros. “Queremos que estas caminhadas sejam diferentes, que entrem nas nossas vinhas, que entrem nas adegas, e esta é também uma forma de promover o vinho dos produtores. Portanto, foi extremamente positivo. Pode parecer incrível mas, neste momento, temos já pedidos de inscrições para o próximo ano”, revela o presidente Joaquim Pinheiro.
Alexandre Pinto
Turismo cresce em Baião Susana Ferrador
O
pulmão do distrito do Porto há muito que deixou o rótulo de terra longínqua e isolada! 40 minutos depois de sairmos da invicta encontramos Baião e aí percebemos porque é que o número de turistas não pára de aumentar na região. A beleza natural, as acessibilidades e um vasto leque de possibilidades oferecidas pelo concelho traduzem o facto de Baião estar cada vez mais na moda. Nunca se viram tantos turistas em Baião. Metade do número de visitantes que passa pelo concelho são estrangei-
72 Baião
ros, fica cada vez mais tempo e não se coíbe de gastar dinheiro porque os preços são competitivos e a qualidade dos produtos e comodidades está acima de qualquer expectativa. A beleza natural de Baião, aliada ao um vasto património histórico, a várias atividades culturais para todos os gostos e à boa gastronomia, são fatores que agradam a quem vem de fora e que se aventura vários dias num ambiente descontraído onde tanto se pode descansar como viver verdadeiros momentos carregados de adrenalina. Sobretudo no verão, o boom no turismo já se faz sentir ao nível do emprego. Há mais empresas no setor e o número de postos de trabalho, diretos e indiretos,
Alexandre Pinto
tem crescido. Ainda não há dados estatísticos mas embora a maior parte dos empresários contratem sazonalmente, em épocas de maior afluência, é certo que há cada vez mais habitantes do concelho a conseguir ganhar dinheiro com os turistas que chegam à região. É vê-los nos muitos restaurantes que abundam em todo o território. A acompanhar o crescimento turístico está o investimento de alguns empresários. Um pouco por todo lado surgem alojamentos locais para todo o tipo de público. A encabeçar uma lista variada estão dois hotéis de 4 e 5 estrelas que oferecem estadias com vistas soberbas sobre o Douro e que deixam rendidos turistas estrangeiros mas também muitos portugueses. O Douro Royal Valley Hotel & SPA, de cinco estrelas é um destes dois hotéis, em Baião, e também o primeiro hotel-escola do país que tem como objetivo formar gestores hoteleiros de todo o mundo. Chegou depois de um outro hotel, de 4 estrelas, o Douro Palace, que já funcionava na região desde 2008 e que foi o primeiro em Baião com o conceito hotel. Joaquim Ribeiro, um dos fundadores do grupo Jase, empresa proprietária dos dois hotéis, e também docente de Gestão Hoteleira no Instituto Politécnico do Porto, diz que o “Douro ainda tem muito para crescer na próxima década” e que “ao contrário do que se pensa, porque nos cruzeiros no Douro a maioria dos turistas são estrangeiros, nos hotéis o cenário é o oposto: 70% dos hóspedes são nacionais e, nos últimos anos, isso fez-se sentir nas taxas de ocupação”. Em 2014, “25% dos clientes do Douro Palace eram estrangeiros. Temos sentido o reflexo da devolução dos subsídios de férias aos funcionários públicos, estamos a crescer em número de turistas nacionais”, diz Joaquim Ribeiro. A autarquia local também se tem esforçado para acompanhar este crescimento. De notar a abertura, recente, de mais um posto de turismo no concelho onde serão promovidos os produtos turísticos de Baião, disponibilizada informação útil ao turista, como alojamento
local, restaurantes, locais para visitar, eventos culturais ou, mesmo, contactos das diversas instituições baionenses. Paulo Pereira, presidente da Câmara Municipal de Baião, diz que a aposta na área do turismo têm sido acertada. "Procuramos estabelecer uma estratégia de promoção e de divulgação dos nossos elementos patrimoniais, culturais, ambientais e dos produtos endógenos, que tem vindo a ter reflexos no crescimento da economia local ", argumentou. "Uma nova geração de empreendedores está empenhada no desenvolvimento das atividades tradicionais, dando-lhe o seu toque de modernidade. Além disso, promovemos os nossos produtos no exterior, nomeadamente através da Casa de Baião no Porto, realizamos as feiras gastronómicas, apostamos em provas desportivas de nível nacional e internacional, e apoiamos o festival "Byonritmos", exemplos que para o edil baionense ilustram a linha estratégica do Turismo do município. Melchior Moreira, presidente do Turismo do Porto e Norte, entidade que vai disponibilizar 15 milhões de euros para
Para além de várias casas de Turismo Rural e de Habitação, Baião oferece, hoje, dois hotéis de grande qualidade: o Douro Palace, de 4 estrelas, em Santa Cruz do Douro (primeira imagem); e o Douro Royal Valley Hotel & Spa, na Pala, em Ribadouro, ambos com vistas soberbas sobre o rio. Este último tem a particularidade de ser o primeiro hotel-escola do país, formando gestores hoteleiros para todo o mundo.
Baião 73
"Procurámos estabelecer uma estratégia de promoção e de divulgação dos nossos elementos patrimoniais, culturais, ambientais e dos produtos endógenos, que tem vindo a ter reflexos no crescimento da economia local", disse a AM Paulo Pereira, Presidente da Câmara Municipal de Baião. Nessa estratégia insere-se a Casa de Baião no Porto, onde os potenciais públicos turísticos do concelho tomam um primeiro contacto com a sua oferta. promover a sua região de abrangência em 2017, aponta Baião “como o concelho da região com maior oferta hoteleira” e indica-o como “um bom exemplo de promoção turística através da realização de eventos desportivos, culturais e gastronómicos que têm dinamizado a economia local”. As provas a contar para o Mundial de Formula 2, em Motonáutica e o Rali de Portugal são dois exemplos disso mesmo, eventos que trazem milhares de turistas a Baião.
Os NÚMEROS Ao nível do alojamento, Baião é a região do Douro com maior número de camas e embora não haja números oficiais que comprovem o aumento de dormidas no concelho, a verdade é que em quem todo o território há um crescimento turístico generalizado. De acordo com o Turismo do Porto e Norte de Portugal só nos últimos cinco meses cresceu 10% e registaram-se mais de um milhão de dormidas. Em julho deste ano o número de dormidas no norte do paåís cresceu 13,6%, o que representou o maior crescimento em Portugal Continental e onde o concelho de Baião tem aqui grande cota parte.
Fundação Eça de Queirós. A proximidade do Douro e das quintas vinhateiras faz com que ainda hoje seja evidente a presença de solares e casas nobres em Baião. Numa destas, a Casa de Tormes, o escritor oitocentista Eça de Queirós situa parte da ação do seu famoso romance «A Cidade e as Serras». Este espaço acolhe milhares de turistas vindos de todo o mundo durante grande parte do ano. Mas há muito mais, desde museus, monumentos, edifícios de interesse ou vilas e aldeias históricas. Consolar a vista nos miradouros espalhados por toda a linha do Douro, passear pelos jardins ou simplesmente tomar um banho nas praias fluviais de água translúcida está ao alcance de todos aqueles que escolhem explorar Baião. Passeios de 4L. A Associação Sentir Baião organiza passeios pelo concelho em duas bonitas 4L e os aventureiros que as conduzem conhecem a região como ninguém. São também fotógrafos. O Armando, a Susana e a Teresa prometem levar os turistas a imagens de cortar a respiração nas Serras do Marão, Aboboreira e Matos, proporcionar uma paisagem soberba do nascer do sol, passar por rios, socalcos e, claro, explorar a mítica Aldeia de Mafómedes. Vinhos de Baião. Bons apreciadores de vinho, sobretudo verde, encontram em Baião um espólio natural e físico genuíno onde a experiência de fazer vinho se junta a inesquecíveis provas e degustações para despertar sentidos e apurar paladares. Não sabe onde fica? De comboio, de carro ou de barco é fácil chegar ao concelho e desfrutar de momentos relaxantes em contacto com a natureza. Baião fica na margem direita do Douro, fazendo fronteira com Marco de Canaveses, Mesão Frio e Amarante. Boa parte da área concelhia “sobe” à serra da Aboboreira, contraforte da serra do Marão que desce para sul na direção do Douro. O município tem mais de 170 quilómetros quadrados numa paisagem de contrastes fortes, desde o verde ao azul do Douro. Os apreciadores de fotografia que o digam.
Marco de Canaveses - e o Porto aqui tão perto! Susana Ferrador
A
eletrificação da Linha do Douro está em curso até Marco de Canaveses. A população espera pela obra há anos. Os utentes e turistas agradecem. É uma das linhas ferroviárias mais bonitas do país e uma das mais antigas. A Linha do Douro recebe milhares de turistas por ano, mas, por enquanto, os “comboios modernos” só chegam ao Vale do Sousa. Viajar de comboio no Douro, em composições de tração elétrica, por enquanto só mesmo até Caíde de Rei. Quem quiser prosseguir caminho em direção a Marco de Canaveses tem que fazer o transbordo para um comboio velho, demorado e muito pouco acessível. No entanto, este cenário vai mudar em breve: a eletrificação da linha está em curso e, no total, são mais 14 quilómetros de extensão que vão receber como prenda a passagem dos “comboios modernos”.
Apesar de ainda ser uma miragem toda a eletrificação da linha (até à Régua), não falta quem rejubile com as obras que estão em andamento. A cidade de Cármen Miranda é o ponto de chegada (e partida) da nova linha e vê ser encurtada, em 10 minutos, a distância para o Porto. Uma obra reivindicada há muitos anos e pela qual o povo marcoense e a autarquia se têm debatido. Manuel Moreira, presidente da Câmara do Marco de Canaveses congratula-se e considera “muito importante a eletrificação do troço entre Caíde e a estação do Marco de Canaveses, que vai permitir que os comboios suburbanos do Porto cheguem à nossa cidade. Era uma obra reivindicada há muitos anos e que devia ter avançado para o interior quando a modernização da linha chegou em Caíde de Rei”. Com a chegada dos comboios suburbanos do Porto a Marco de Canaveses, Manuel Moreira antecipa impactos evidentes para o seu Município. Por uma lado, a melhoria da mobilidade dos
Marco de Canaveses 75 Alexandre Pinto
M
anuel Moreira, Presidente do Mu-
Com a eletrificação da Linha do Douro entre Caíde de Rei e Marco de Canaveses, o Município de Cármen Miranda fica mais “apetecível” e o Grande Porto, e mesmo a Galiza, tenderão a gerar maiores fluxos de visitantes. Motivos não faltam para se conhecer e desfrutar de Marco de Canaveses, sem dúvida um dos melhores destinos turísticos do norte do país.
Com a circulação dos comboios suburbanos entre Marco de Canaveses e o Porto, não só o conforto da viagem será maior, como o tempo de duração será encurtado em 10 minutos. Ganham os marcoenses e os visitantes da cidade de Cármen Miranda. Há 19 anos que autarquia e população aguardam pelo momento que aí vem.
residentes nas suas interações com o litoral e o Grande Porto, seja por questões de trabalho ou outras; e o aumento da atractividade da cidade e do concelho como destino turístico. O número de turistas tem aumentado, nos últimos tempos, em toda a extensão da linha, quer pela beleza natural que oferece, quer pela segurança do comboio que, normalmente, consegue levar os passageiros ao destino final de forma mais célere e segura que um veiculo automóvel, pelas curvas sinuosas e perigosas do percurso. A própria CP admitiu um reforço da circulação na linha, com mais veículos, para fazer face a uma crescente e surpreendente procura turística, sobretudo centrada no Douro. Mesmo assim, os esforços da empresa
76 Marco de Canaveses
esbarram com constrangimentos técnicos ao longo do percurso e muitas vezes as soluções encontradas não correspondem às expectativas, nem dos clientes, nem da empresa. Melchior Moreira, presidente da Entidade de Turismo Porto e Norte eleva a importância da obra e diz que a eletrificação vai permitir ter um tipo de composições com "mais qualidade, mais eficiência, mais rapidez, e mais capaz servir em qualidade o turismo do Douro. Acredito que este investimento na eletrificação da Linha do Douro traga melhoria no material circulante em termos técnicos e de conforto", considerou aquele responsável, sublinhando que, para se vender um destino de turístico, há que "receber as pessoas com qualidade e proporcionando-lhes satisfação máxima, até para as motivar a regressar”. O investimento na Linha do Douro é, pois, crucial para a captação de mais turistas e para o consequente desenvolvimento económico dos Municípios servidas pela linha. A luz verde do governo para o arranque das obras até Marco de Canaveses veio trazer um novo alento e a cidade prepara-se para estar à altura de receber um potencial aumento de turistas vindos de todo o mundo, trazidos pelos comboios modernos até à sua estação. No total são cerca de 14,4 quilómetros alvo de intervenção, com o troço a situar-se entre os quilómetros 46,180 e 60,566, atravessando os concelhos de Lousada, Amarante, Penafiel e Marco
nicípio de Marco de Canaveses,
olha com expectativa para a eletrificação da Linha do do Douro entre Caíde de Rei e a sua cidade, que há de, em breve, trazer novas composições aquela linha e tornar mais rápida e cómoda a ligação ao litoral e ao Grande Porto. Os impactos esperados são positivos e refletir-se-ão ao nível da mobilidade dos marcoenses, designadamente daqueles que têm a sua vida profissional na área do Grande Porto, mas também nos fluxos de de Canaveses, segundo informação da Refer. A empreitada compreende a execução de novas instalações fixas de tração elétrica, o alteamento das plataformas de passageiros das estações e apeadeiros existentes no troço (Oliveira, Vila Meã, Recezinhos, Livração e Marco de Canaveses) e implementação de novo sistema de retorno de corrente de tração. Depois disto, deixa de ser necessário fazer o transbordo em Caíde para uma composição a gasóleo. Segundo a empresa, o investimento permitirá diminuir os tempos de percurso, reduzir as emissões de poluentes e ruído, aumentar a quota modal da ferrovia e reduzir o congestionamento e a sinistralidade. Fatores que agradam a utentes da linha e aos turistas que são cada vez mais e em qualquer altura do ano. A cidade tem-se adaptado e procurado saber acompanhar e corresponder às expectativas do novo turista que, maioritariamente, fala inglês, aprecia a gastronomia tradicional e a boa relação qualidade/preço. Enquanto os pequenos comerciantes se moldam a estas novas exigências turísticas, as grandes empresas vão deitando o olho à região e traçando projetos de investimento com mais confiança. A cidade bem precisa. Nos últimos anos, e à semelhança de várias regiões do país, Marco de Canaveses viu crescer os níveis de desemprego para valores preocupantes. A eletrificação da Linha do Douro vem trazer algum alento depois de vários anos de luta pelo crescimento económico.
visitantes que não deixarão de tirar partido da nova ligação. Localmente, e em face da nova atratividade, impõe-se a qualificação e diversificação da oferta, tendo como alvo os turistas que procuram o Douro e que podem ter Marco de Canaveses como plataforma intermédia, mas também aqueles que utilizam os voos low-cost para a cidade do Porto e que tenderão a querer também conhecer o norte do país. E, valha a verdade, motivos não faltam para se querer conhecer Marco de Canaveses, seja pelos seus recursos ambientais e paisagísticos, seja pelo património histórico e arquitetónico. O Município é banhado, a sul, pelo Rio
Marco de Canaveses 77
Douro e atravessado pelo Tâmega (última imagem), oferecendo ambos magníficas albufeiras que potenciam múltiplas ativiaddes ligadas à água. Em termos históricos, a oferta é, também, de relevo, sendo que Marco de Canaveses integra a Rota do Românico do Tâmega e Sousa (na terceira imagem, a Ponte do Arco, em Folhada) e tem, no Freixo, a Cidade Romana de Tongóbriga (segunda imagem). Mas, nem só o património histórico construído gera atratividade e, consequentemente, fluxos de visitantes a Marco de Canaveses. A Igreja de Fornos, em plena cidade, desenhada pelo Arquiteto Siza Veira, porventura uma das principais e mais significativa referências da arquitetura contemporânea portuguesa, atrai já muitos turistas, académicos e estudiosos. Junte-se a tudo isto a gastronomia tradicional e ter-se-á um dos melhores destinos turísticos do norte de Portugal.