CONTEÚDOS Edição verão ‘17
54 | Hidroelétrica do Ôlo. Entrou em funcionamento em 1918, mas foi desativada na década de 1980. Desde então, tem sido vítima de roubos e vandalismo, mas poderá, a breve prazo, vir
Em luta com o cancro O cancro da mama continua a ser uma doença de grande impacto social, registando-se, todos os anos, seis mil novos casos no nosso país, sendo que 1500 mulheres não conseguem a cura, ainda que o número de mortes tenha vindo a diminuir. Nesta edição de AMARANTE MAGAZINE, contamos, com início na página 8, as estórias de três mulheres que venceram o cancro. Amélia Oliveira, advogada, 50 anos, é uma das nossas entrevistadas. As outras são Catarina Ribeiro e Justina Dias. 5 | Invasões Francesas. Em 2009,
49 | Aldeia Histórica de Rua. A
por ocasião do bicentenário,
cerca de 10 quilómetros da cida-
Amarante recreou as inva-
de de Amarante, Rua, em Aboa-
sões francesas, um evento que
dela, parece ser, ainda hoje, um
proporcionou imagens únicas e
segredo escondido e, no entan-
que trouxe à cidade milhares de
to, são muitos os motivos que
pessoas. Ainda se lembra?
podem levar a uma visita.
a tranformar-se num espaço museológico.
82 | Tarantini. Nasceu em Baião, cresceu para o futebol em Amarante e é, hoje, capitão do Rio Ave. O futebol nunca o afastou dos estudos. Tem duas Licenciaturas e um Mestrado.
Ir ao Porto buscar turistas Tirar partido dos fluxos que a cidade do Porto gera, tal é o desafio que se coloca a muitos municípios do interior norte, que poderão construir uma ofera complementar à da Invicta. Como é que isso se consegue, que estratégias existem ou como devem ser construídas, foi a pergunta que colocámos a responsáveis por instituições com competências no setor.
34
Conteúdos 3
EDITORIAL
Edição verão ‘17
E
sta edição de AMARANTE MAGAZINE ilustra bem, em nosso entender, o Projeto Editorial que concebemos. Em 88 páginas, contamos estórias de pessoas com sucesso nas suas áreas deatividade; tratamos assuntos de atualidade, com reflexo nas comunidades locais; escrevemos sobre idiossincrasias e culturas; mostramos sítios e lugares, fazemos opinião. E – seja-nos permitido o destaque – contamos as estórias de três mulheres a quem o cancro da mama bateu à porta. Embora encarando a doença de forma diversa, revelaram, as três, uma coragem singular e uma grande disponibilidade para falarem dos seus casos, sem tabus nem preconceitos, desmistificando a doença e podendo, assim, ajudar outras mulheres. O cancro da mama - com muito impacto social por estar associado a uma imagem de grande gravidade e porque agride um órgão cheio de simbolismo na maternidade e feminilidade – faz, por ano, em Portugal, cerca de 30 vítimas mortais por cada 100 mil mulheres, um número, refira-se, abaixo da média da União Europeia, que é de 33,2 vítimas. Neste “sucesso”, emerge, claramente, o IPO (Instituto Português de Oncologia), ao ponto de uma das nossas entrevistadas dizer que “custa muito entrar no IPO, mas ninguém quer sair de lá”, referindo-se à segurança que aquela instituição transmite aos doentes. Neste curto Editorial, gostaríamos de agradecer a quantos tornaram possível a edição de verão ‘17 de AMARANTE MAGAZINE: entrevistados, patrocinadores, anunciantes e colaboradores. E deixar uma aviso: os leitores encontrarão peças escritas segundo o novo acordo ortográfico ou com a grafia do anterior, respeitando-se a opção dos seus autores.
Estatuto Editorial AMARANTE MAGAZINE é uma revista de informação geral e cobertura regional (Baixo Tâmega); AMARANTE MAGAZINE é independente de quaisquer poderes, pautando o seu trabalho por princípios de rigor e isenção; AMARANTE MAGAZINE identifica-se com os valores da democracia pluralista, relevando o princípio da dignidade da pessoa humana; AMARANTE MAGAZINE procura a verdade, assente em factos, mas não se coíbe de emitir opinião e olhar criticamente os acontecimentos; AMARANTE MAGAZINE rege-se, no exercício da sua actividade, pelo cumprimento estrito das normas legais, éticas e deontológicas do Jornalismo.
Projeto Editorial O Projeto Editorial de AMARANTE MAGAZINE consiste em mostrar pessoas social e/ou profissionalmente relevantes (de Amarante, com ligações a Amarante e da região); valorizar e promover as idiossincrasias e cultura locais; contar estórias de sítios e lugares; relevar tradições e saberes; evocar efemérides da região; fazer investigação e reportagem; escrever sobre empresas inovadoras e outras organizações de sucesso. A área de cobertura de AMARANTE MAGAZINE é o Baixo Tâmega.
Diretora: Lara Ribeiro | Coordenação Editorial: Nicolau Ribeiro | Colaborações (nesta edição): Daniel Ribeiro; José Luís Gaspar; Liliana Fernandes; Mara Pinto; Nicolau Ribeiro; Paulo Alexandre Teixeira; Rosário Correia Machado; Sandra Marinho; Susana Dias; Susana Ferrador; Telmo Pinto | Edição e Propriedade: MIXMÉDIA - Lara Luís, Unipessoal, Lda. | R. Mário Cal Brandão, 418 | 4600-088 Amarante | T: 910 434 397 | 255 134 014 | E: mail@amarantemagazine.pt | URL: www.amarantemagazine.pt | Foto da Capa: Sílvia Carvalho | Design da Capa: Carlos Gallo Arranjo Gráfico: Mané Lopes | Pré-impressão: MIXMÉDIA | Impressão: Impress 24 - Painel às Riscas, Unipessoal, Lda. | Periodicidade: Semestral | Registo ERC: 126992 | Depósito Legal: 68340/93 | Tiragem: 1 500 exemplares
4 Amarante Magazine
Lembra-se das “invasões francesas”?
H
á um pouco mais de oito anos, a cidade de Amarante evocou um dos episódios mais marcantes da sua História, assinalando o Bicentenário da Defesa da Ponte de Amarante. Cerca de duas centenas de figurantes, oriundos de vários países, reencenaram os momentos-chave daquela batalha de duas semanas pelo controlo da única travessia sobre o rio Tâmega. Entre 18 de abril e 2 de maio de 1809, as tropas napoleónicas debateram-se com a resistência de tropas portuguesas e inglesas. O combate caraterizou-se por ferozes trocas de fogo de artilharia e continuadas investidas dos invasores franceses, que ocupavam a margem direita do rio Tâmega. A tomada da Vila de Amarante era essencial
para o estabelecimento de uma ligação com tropas napoleónicas estacionadas em Leão e Castela e assegurar condições de segurança na retaguarda de uma eventual marcha do exército de Soult sobre Lisboa. As forças francesas atacaram Vila Meã, a dia 18 de abril de 1809, obrigando os portugueses, comandados pelo General Francisco da Silveira, a retiraram para Amarante. A 21 de Abril, os últimos defensores do convento de São Gonçalo foram forçados a retrair para a margem oriental do Tâmega, onde o General Silveira montou um forte dispositivo de defesa das margens do rio, em três frentes distintas. Após 14 dias de batalha, as tropas portuguesas perderam finalmente controlo da travessia quando, na manhã de 2 de maio, os franceses
Memória 5
CRÓNICA Milhares de pessoas assistiram, em 2009, à evocação do bicentenário das invasões francesas, de que o episódio mais conhecido é o da defesa
Tudo é descartável
da ponte de Amarante. destruíram as defesas da ponte e rapidamente tomaram conta do restante da vila de Amarante. As forças portuguesas recolheram a Vila Real, Mesão Frio e Entre-os-Rios, onde reagruparam e travaram novos combates, reocupando Amarante a 13 de maio de 1809, após a retirada estratégica dos franceses para Guimarães. Na defesa da Ponte de Amarante, o exército de Silveira perdeu 211 combatentes (sete deles oficiais) e registou 114 feridos. Graças a este sacrifício, e à resposta da população enfurecida pela sua violência para com os civis, as tropas francesas nunca conseguiram alcançar os seus objetivos, nomeadamente a ligação com os exércitos de Napoleão em Espanha. Aliás, acredita-se que ações como a defesa da Ponte de Amarante e a guerrilha e assédio permanente dos exércitos de Napoleão contribuíram com precioso tempo para a organização de um exército anglo-luso que eventualmente iria expulsar os franceses de Portugal. A recriação histórica da Defesa da Ponte de Amarante foi o ponto alto das comemorações, que se realizaram entre os dias 4 de abril e 2 de maio, de 2009. Aquele evento foi responsabilidade da Associação Napoleónica Portuguesa e do Grupo de Recriação Histórica do Município de Almeida, incluindo a colaboração do Exército Português. Para além da recriação das batalhas que aqui se desenrolaram, foi inaugurado um monumento comemorativo da resistência, homenagearam-se as vítimas da invasão, e realizou-se um ciclo de conferências. Imagens e texto de: Paulo Alexandre Teixeira
Liliana Fernandes*
H
á uns dias, em conversa com ami-
físico com o outro; ao invés, incentiva ao “tudo
gas, dávamos conta de mais um
por menos”. E é daquela “tarefa árdua” que as
casal conhecido que se tinha sepa-
pessoas se esquivam porque, na verdade, já não
rado. Logo se fizeram ouvir as diver-
vão sabendo o que é lutar por algo. Mantêm uma
sas explicações, cada uma a cogitar o que teria
relação com muitas outras virtuais e, claro, quan-
acontecido que espoletasse aquele desfecho.
do se tenta fazer muitas coisas em simultâneo,
No comum, todas concluímos quão são as-
alguma fica menos bem-feita. Conheço, inclusi-
sustadores, actualmente, os ecos de notícias que
ve, quem termina relações de anos por mensa-
dão conta de separações, divórcios, desavenças.
gem de telemóvel. Sim! Por mensagem escrita!
Uma dizia «já viste como nos últimos tempos só
Porquê? Porque este tempo que vivemos enco-
se ouvem coisas destas?».
bre as pessoas que se habituam a escrever o que
O que me preocupa é que acredito que es-
querem atrás de um ecrã, a não enfrentar situ-
ses actos são reflexos do facilitismo que se vive,
ações, a não assumirem as responsabilidades
do parecer em vez de ser e, acima de tudo, da
pelo que dizem.
facilidade com que as pessoas se descartam. O
É a esta inversão de valores e prioridades
tempo actual ensina-nos a ter tudo, com o menor
que temos de dizer “não”. Como? Agindo de
esforço: robots que cozinham; refeições prontas,
forma diferente. Com tantas distracções, com
entregues ao domicílio; comprar roupa sem sair
tanta diversidade, como focar no que realmen-
do computador; viajar para o outro lado do mun-
te importa? E quando se percebe que a relação
do sem sair de casa; delegarmos a uma agência
está a esvair-se - como água por entre os dedos
o plano da nossa viagem de sonhos…e tantos
- descarta-se a pessoa com a mesma facilidade
outros exemplos. E nós, o que fazemos por nós
com que se faz clique no “delete”.
mesmos?
Não sou avessa às tecnologias; antes en-
Hoje, tudo depende de um clique. Manter
tendo que devemos usá-las doseadamente, para
uma relação exige bem mais. E, no fundo, acho
o essencial e retirar delas o que melhor pro-
que este é o busílis da questão. Uma relação sa-
porcionam. Encurtar distâncias, por exemplo.
lutar requer um trabalho diário, exige cuidado,
Apaziguar saudades. Tanta coisa! Mas nunca
atenção, cedência, curiosidade, surpresa, em-
substituirem-se ao toque, ao cheiro, ao sentir, ao
penho, respeito, amizade, companheirismo, pai-
olhar…Ao outro.
xão, amor. E nada disto depende de um clique. O mundo actual ofusca a necessidade do contacto
* Jornalista
Crónica 7
Mulheres que venceram o cancro Há realidades sobre os quais ninguém tem dúvidas. A que se segue é uma delas: o cancro da mama é a neoplasia que mais atinge as mulheres em todo o mundo. Em
entre 54% a 63% da população feminina, mas em Portugal os valores ultrapassam os 80%. No relatório, a OCDE salienta, por outro lado, os progressos obtidos no tratamento, permitindo que um número cada vez maior de mulheres continuem vivas nos cinco anos seguintes ao
Portugal também assim é, mas o nosso país
diagnóstico. Também aqui, Portugal está entre
está a conseguir ganhar algumas batalhas
os melhores, com taxas muito próximas dos
na guerra contra a doença.
Não obstante, segundo a Liga Portuguesa Contra
U
90%. o Cancro, no nosso país ainda são detetados,
m relatório da OCDE, designado “Health
anualmente, cerca de 6.000 novos casos de
at Glance: Europe 2016”, divulgado no
cancro da mama e 1.500 mulheres morrem com
final do ano passado, indica que Por-
a doença.
tugal registou, em 2013, uma das mais baixas
O cancro da mama continua a ser, por isso mes-
taxas de mortalidade nesta área, emparceirando
mo, uma das doenças com maior impacto na
com países como a Finlândia, Suécia, Estónia e
nossa sociedade, não só por ser muito frequente
Espanha.
e associada a uma imagem de grande gravidade,
Segundo o “Expresso Diário”, que tornou públi-
mas também porque agride um órgão cheio de
co o estudo, entre nós o carcinoma da mama fez
simbolismo, na maternidade e na feminilidade.
menos de 30 vítimas mortais por cada 100 mil
Nas páginas seguintes, AMARANTE MAGAZINE
mulheres, quando a média na Europa rondou as
conta a história de três mulheres que venceram
33,2 vítimas. Os autores do documento, acres-
o cancro. Duas delas estão, ainda, dentro do
centa o jornal, correlacionam a sobrevivência
período crítico de cinco anos em que podem ter
com o rastreio. Na Europa, a cobertura varia
uma recidiva.
Vou morrer, doutor? Nicolau Ribeiro
E
m março de 2009, Amélia Oliveira apercebeu-se de que tinha
Amélia Oliveira é advogada, tem 50 anos e dois filhos, gémeos, com 17 anos. É uma mulher muito ativa, decidida, que parece viver a vida intensamente, dividindo-se entre
um nódulo numa mama. Falou
com o seu ginecologista que a mandou fazer uma mamografia e uma ecografia mamária. Durante este exame, o médico perguntou-lhe se sentia alguma diferença no seio. Disse-lhe que sim.
a profissão, a política e a ativida-
Não obstante, a conclusão do clínico,
de associativa, tendo, por exemplo,
após o exame, foi: “a senhora tem umas
integrado a direção da Cercimarante,
mamas fantásticas”!
e sido presidente da Casa do F. C. do Porto - Dragões de Amarante. É
Nas semanas e meses seguintes, continuou a sentir o nódulo, o que a levava a pensar que, de facto, teria alguma
presidente da Assembleia Geral da
coisa na mama. Isto, embora não tives-
Terra dos Homens. Sempre foi uma
se quaisquer sintomas de que poderia
mulher saudável e a dificuldade que
estar doente. A única coisa que sentia,
teve em engravidar resolveu-a com fertilização “in vitro”, de que nasceriam Tiago e Francisco.
era muitas contraturas musculares nas costas que, de resto, chegou a atribuir ao stress, já que o ano de 2009 foi, para si, muito agitado, com eleições au-
Sociedade 9
Quando confirmou que tinha cancro, o primeiro pensamento de Amélia Oliveira foi para os filhos. Diz ter-se sentido como se o seu corpo tivesse achatado, “ficando pequenina, ao nível das pedras da calçada”.
tárquicas e legislativas em que esteve
ecografia que havia feito em março e
dadora de medula óssea. O médico que
muito envolvida.
mostrou-a ao dito clínico que, segundo
a recebeu perguntou-lhe, depois de ter
Regressada de férias, foi a uma clínica
ela, lhe perguntou: “quem foi o burro
observado os exames, se Amélia sabia
de Amarante, marcou uma consulta de
que assinou este relatório?” As mamas
o que tinha. Respondeu-lhe que sim e
clínica geral e, casualmente, foi vista
fantásticas que o texto referia, afinal es-
quis conhecer o que se seguiria, sendo
por uma médica sua amiga. Ela fez-
tavam doentes, tendo o seu interlocutor
que, no seu caso, se achou que o me-
-lhe palpação e disse que lhe parecia
lamentado que Amélia Oliveira tivesse
lhor seria fazer uma mastectomia (re-
sentir algo na mama. Mas, não sendo
feito os primeiros exames no que ele
moção completa da mama), por causa
especialista na área, sugeriu-lhe que
chamou “uma fábrica de salsichas”.
do caráter invasor do cancro. Estava-se
fosse vista pelo marido, um conhecido
Em vez de um nódulo, Amélia tinha
em setembro de 2009 e, seguindo-se os
cirurgião de Amarante.
já dois e um gânglio infetado. Perante
protocolos em vigor no IPO, se Amélia
Ausente da cidade, o médico viu-a
a expressão do médico, que indicia-
Oliveira ali continuasse seria opera-
nesse mesmo dia, quando regressou
va um caso com alguma gravidade,
da apenas três meses depois, afirma,
a casa, e notou a existência de um
perguntou-lhe: “doutor, vou morrer?” Ele
o que, para si, dada a sua estrutura
espessamento, de algo do tamanho de
olhou-a e disse-lhe: “vamos ter calma”.
mental, reconhece, seria muito difícil de
uma amora, tendo-lhe aconselhado
“É que não me convinha mesmo nada,
aguentar. “Três meses seria uma eter-
um clínico no Porto para a examinar, o
tenho dois filhos pequenos…”, sussurrou.
nidade, eu não iria conseguir ter aquele
que aconteceu no início de setembro.
E pensou, para si, que se isso aconte-
monstro dentro de mim durante tanto
Amélia Oliveira fez-se acompanhar da
cesse seria mesmo uma tragédia. Ainda
tempo. Sou assim: perante uma dificulda-
se fosse antes de eles terem nascido,
de, um problema, tenho que os resolver
ou quando fossem adultos, mas com
no curto prazo, preciso ir em frente, nem
apenas nove anos, lamentou.
que isso signifique ir de encontro a uma
Amélia fez uma “bateria” de exames
parede”. Depois, havia aquilo a que na
e, quando saiu da clinica, de encontro
gíria oncológica se chama “largada de
ao marido, que a esperava no exterior,
balões” e que não é mais do que a fase
disse-lhe sem rodeios: “acho que tenho
em que o tumor se espalha pelo corpo,
cancro da mama”. O resultado da bióp-
atingindo órgãos vitais, como os pul-
sia só seria conhecido daí a dias, mas,
mões e outros. Amélia achava que não
em função dos exames que fez e da
conseguiria viver mais três meses com
expressão do médico, não lhe ficaram
essa possibilidade na cabeça.
dúvidas. Diz ter-se sentido como se o seu “corpo tivesse achatado, encolhido”, viu-se “diminuída, pequenina, dobrada ao nível das pedras calçada. Era uma sensação estranha, mas era essa a forma como me via, por contraponto a situações de felicidade, quando parece que crescemos, ficamos mais altos”, explica. Quando, dias depois, conheceu o resultado da biópsia, Amélia Oliveira percebeu que o milagre de que um amigo lhe havia falado não se confirmava. Logo, não tinha necessidade de repetir o exame. O seu primeiro pensamento foi dirigir-se ao IPO (Instituto Português de Oncologia), que já conhecia por ter sido
surgiu: “mãe, onde estiveste”?
“DOEU-TE MÃE”?
Amélia falou-lhes com algum porme-
Em menos de duas semanas, foi ope-
tirado uma mama, que iria, agora, fazer
rada numa clínica privada, sem que
alguns tratamentos e que lhe cairia
tivesse contado aos filhos o seu estado
o cabelo. “Mas, disse-lhes, isto não é
de saúde. Não foi difícil esconder-lhes
convosco, quero que vocês continuem a
as suas idas ao IPO ou a sua ausência
fazer a vossa vida, a estudar, a brincar e
para a intervenção cirúrgica, que jus-
a serem felizes. Esta é uma situação que
tificou facilmente por, naquela altura,
acontece a muitas mulheres. Poder-me-
estar envolvida na campanha eleitoral
-ia ter acontecido outra coisa qualquer,
para as eleições autárquicas e para as
um acidente, por exemplo. A mãe vai-
legislativas, nas quais era candidata a
-se tratar e há de ficar bem”. Tiago e
deputada. Quando, após uma semana
Francisco olharam-se e este quis ver:
de internamento, regressou, Tiago e
“Queres mesmo?, perguntei-lhe. Acenou
Francisco “caíram-lhe” na cama, como
com a cabeça, desapertei o soutien, ele
sempre faziam, e a pergunta inevitável
olhou-me a mama, tirei do outro lado
nor da situação, disse-lhes que tinha
Depois de uma semana de ausência, Amélia Oliveira regressou a casa sem um peito. Explicou aos filhos o que tinha acontecido e Francisco quis ver. “Doeu-te, mãe”, perguntou o menino, então com 10 anos.
Sociedade 11
Vencida a batalha do cancro e sem qualquer recidiva nos cinco anos críticos após a intervenção, Amélia Oliveira continua a fazer medicação, com um comprimido diário, e vigilância, com duas consultas por ano no IPO e exames anuais (mamografia e ecografia mamária). e, perante a cicatriz, o Francisco susteve a respiração e perguntou-me: doeu-te, mãe?” Amélia começou os tratamentos de quimioterapia quinze dias depois da operação, com sessões que demoravam quatro horas. Logo à segunda, o cabelo começou-lhe a cair e, em face disso, decidiu pô-lo mais curto. A queda acentuou-se e não hesitou: pediu à cabeleireira que lho rapasse. Isto, apesar de, durante algum tempo, a possibilidade de “ficar careca” a atormentasse. Decisão tomada, naquele dia a cabeleireira mandou-a virar de lado, pediu-lhe que não olhasse o espelho e rapou-lhe o cabelo. Amélia tinha-se prevenido antecipadamente com uma peruca, mas nunca a chegou a usar. “Em vez da peruca, usei gorros. Tive sorte porque, naquele ano, usavam-se os gorros e comprei imensos. Alguns bem giros… É curioso: muitas das pessoas que me conheciam, vendo-me assim, ficavam inibidas quando se me dirigiam, sem saber o que me dizer.
12 Sociedade
Então, eu perguntava: quer ver a minha careca? E tirava o gorro”, diz, rindo-se. Durante o período em que fez tratamentos (mais de seis meses), Amélia nunca deixou de exercer e sempre dispensou apoio psicológico, não obstante este lhe ter sido oferecido várias vezes. Diz que sentiu sempre muito carinho à sua volta, fosse de familiares, colegas de profissão e até de adversários políticos e que isso lhe bastou. Tendo acabado os tratamentos em meados de 2010, viria a fazer reconstrução mamária no ano seguinte, através de abdominoplastia, uma intervenção que designa de muito complexa e que exige um período de convalescença superior a um mês. Com uma estrutura mental forte, Amélia Oliveira parece olhar o cancro que a afetou como mais um episódio na sua vida, que “aconteceu e pronto. Acho que desliguei o interrutor e, hoje, quase não me lembro que perdi uma mama, que substituí por outra, reconstruída”. E também não sente que, agora, valorize mais a vida do que anteriormente. “Acho que a vida deve ser vivida o mais intensamente possível até ao último dia, mas já o sentia antes”, refere. Ao longo dos tratamentos, sempre otimista, a única preocupação de Amélia era com os filhos, então com 10 anos, que não queria deixar. De tal forma que “obrigou” uma prima a jurar-lhe que se o cancro não fosse debelado, ela cuidaria do Tiago e de Francisco. Amélia diz, também, nunca ter tido quaisquer problemas com a sua feminilidade, uma questão que afeta muitas mulheres, que tendem a aceitar mal as mudanças estéticas (e sequelas) associadas ao cancro da mama. “Um médico amigo preveniu-me de que as
taxas de divórcio são altas em situações de mastectomia, mas nunca receei isso, diz. O meu marido esteve sempre muito presente e foi extremamente importante em todo o processo”. Amélia e o marido, de resto, parecem estar em permanente estado de paixão. Basta espreitar a página dela no Facebook, onde existem inúmeras declarações de amor. Vencida a batalha do cancro e sem qualquer recidiva nos cinco anos críticos após a intervenção, Amélia Oliveira continua a fazer medicação, com um comprimido diário, e vigilância, com duas consultas por ano no IPO e exames anuais (mamografia e ecografia mamária). E se, antes, quando em tratamento, encarava as deslocações ao Instituto Português de Oncologia com alguma naturalidade e sem dramatismos, agora é diferente: “são uma tortura”!
Em 5 de março de 2010, Francisco, então com 10 anos, intercedeu pela mãe, através de uma carta que escreveu e que aqui se transcreve. Querido Jesus Escrevi esta carta para te dizer que a minha mãe está doente. Quero que tu cures a minha mãe. Os tratamentos que a mãe está a fazer são tratamentos duros e rigorosos. Gostava que descesses do Céu até à terra, para trazer-te ao pé da minha mãe, para resolveres o problema da minha mãe. Só queria fazer-te este pedido, porque nunca encontrei uma cura para o problema da minha mãe. Espero que isso aconteça, que a minha mãe fique saudável, calma, carinhosa e poderosa. Beijinhos e abraços do Francisco
O cancro mudou o meu olhar sobre a vida Nicolau Ribeiro
“Naquele momento, caiu-me tudo. Tinha passado por uma situação muito difícil com a minha mãe, que agora iria voltar a viver, sendo
Catarina Ribeiro tem 37 anos e uma filha
eu a protagonista. Fiquei de rastos, sobretudo
com 10 (página anterior). Trabalha na
por causa da minha filha que, à altura, tinha
Escola EB 2,3 de Vila Caiz, depois de ter
guia imaginar como iria encarar a cirurgia,
estado ligada à produção têxtil. É uma mulher bonita, comunicativa, de
apenas 6 anos”, diz Catarina, que não consefazer os tratamentos e poder continuar a tratar da filha, sem que a menina se apercebesse da situação.
sorriso fácil e percebe-se-lhe um enorme
A biópsia viria a confirmar tratar-se de um
gosto em viver. Durante a conversa que
tumor maligno e Catarina teria que ser ope-
teve com AMARANTE MAGAZINE havia
de quimio e radioterapia. A cirurgia decorreu
de confessar-nos que o cancro mudou a sua perspetiva de vida: hoje, valoriza
rada e fazer os correspondentes tratamentos pouco mais de um mês depois da deteção (em agosto de 2013) e, para além da retirada do tumor, foram-lhe também removidos
mais as pequenas coisas e saboreia cada
cinco gânglios ainda não infetados.
minuto que passa.
Seguiram-se os tratamentos, com quatro
C
ciclos de quimioterapia e 25 sessões seguidas de radioterapia. Para Catarina, aqueles
atarina descobriu que tinha cancro
25 dias foram o pior período por que passou
através de uma ecografia mamária de
e foi-se abaixo psicologicamente. Como ela,
rotina. A mãe tinha morrido cancero-
havia outros pacientes (mulheres, homens
sa, muito nova, aos 47anos, o que a deixou
e crianças) que, na sala de espera, aguarda-
traumatizada. Por isso, decidiu que, depois
vam a chamada para o tratamento, no seu
dos trinta anos, queria ser vigiada regular-
caso de apenas sete minutos de duração.
mente para prevenir eventuais situações
Enquanto esperava, Catarina olhava o rosto
análogas e perceber se haveria alguma pre-
dos outros e percebia quais deles, daí a dias,
disposição genética para poder vir a contrair
já não estariam lá. E questionava-se se a sua
a doença.
vez também chegaria. Nessas alturas, o pen-
Não obstante fazer palpação regularmente,
samento era inevitável: “será que Deus não
Catarina nunca tinha sentido algo de anor-
me vai deixar criar a minha filha?”
mal nos seus seios. Porém, o médico que lhe
Catarina recorreu ao apoio de uma psicóloga
fez o exame diagnosticou-lhe, de imediato,
e, com a sua ajuda, passou a evitar “maus
um pequeno tumor na mama esquerda, “do
pensamentos, sobretudo à noite, na cama,
tamanho de um grão de milho”, dizendo-lhe
quando o sono tarda e tudo nos vem à cabeça.
que “era para tirar”, como recorda. “Então é
Com o tempo aprendi a fechar a gaveta das
grave, doutor?”, perguntou Catarina. “É para
coisas más e a pensar nas boas”, conta Ca-
tirar”, repetiu o médico.
tarina, que, em dias menos bons, chegou a
Sociedade 15
Catarina tem ainda um longo percurso pela frente na luta contra o cancro. Em outubro de 2018 cumprem-se cinco anos sobre a data da cirurgia a que foi submetida a uma mama, no Instituto Português de Oncologia (IPO), cessando, também, o período mais crítico em que pode ter uma recidiva. “Feliz, por estar viva”, Catarina diz-se muito reconhecida a familiares e amigos e a todos os profissionais de saúde que intervieram no seu tratamento, sobretudo aos do IPO. “Referir algum em particular, seria uma injustiça. Foram todos fantásticos”, diz.
“Será que Deus me vai deixar criar a minha filha”? Foi esta a pergunta que inundou a mente de Catarina quando lhe foi diagnosticado cancro da mama. Aos poucos, aprendeu a viver cada dia como se fosse o último e, quatro anos depois, mantém “fechada a gaveta das coisas más”.
16 Sociedade
questionar-se se não seria melhor tirar
Letícia sabia que a mãe estava doente,
normais, coisas que, agora, acho que são
os dois peitos, para não estar sujeita a
mas, com sete anos, não tinha noção
uma dádiva: poder levantar, caminhar,
uma recidiva.
do que é um cancro e das implicações
ter autonomia… Percebi isso pelas limi-
da doença. O que ela sabia era que não
O IRMÃO QUE LETÍCIA PODE NÃO TER
tações que os tratamentos me causaram.
queria continuar filha única, queria ter
Hoje, quando tenho dias menos bons e
um irmão. E ficou desiludida quando,
fico triste, tento mudar o pensamento e
um dia, ouviu a mãe dizer que, em
agradeço o facto de estar viva. É uma
Como acontece com todas as mulheres
consequência do tratamento que teria
bênção estar viva!”, sublinha.
com cancro da mama, a dada altura o
de fazer ao longo de cinco anos, não
Catarina foi operada há quatro anos,
cabelo de Catarina começou a cair. An-
poderia engravidar. O cancro obrigou
está dentro do período crítico em que
tes que Letícia, a filha, a interrogasse,
os médicos a provocarem a menopau-
pode ter uma recidiva, e cumpre escru-
disse-lhe que ia cortar o cabelo, “que
sa a Catarina, que muito dificilmente
pulosamente os tratamentos que lhe fo-
ficaria muito pequenino”. Como o tinha
voltará a ter período, embora lhe vão
ram prescritos: um comprimido diário,
muito comprido, cortou primeiro um
dizendo que “uma coisa de cada vez.
uma injeção mensal e vigilância cons-
palmo, depois outro, e, por fim, quando
Logo se verá”.
tante. É uma mulher confiante, muito
a queda se acentuou, explicou a Letícia
A doença mudou a perspetiva de vida
simpática, bonita e feliz e continua a
que o melhor era rapá-lo. Apesar de ter
de Catarina, que passou a ver as coisas
ter bem fechada a gaveta das coisas
uma peruca de reserva, oferecida pelo
simples de forma diferente, a valorizar
más. A única que a faz lembrar-se que
IPO, Catarina nunca chegou a usá-la.
os detalhes, o que anteriormente lhe
teve cancro é uma menopausa precoce
Assumiu a “careca” e fez-se fotografar,
passava despercebido: “o vento, o pingo
que lhe inunda o corpo de calor. E que
sem cabelo, como se de um modelo se
da chuva, as árvores, a água do mar,
a pode impedir de cumprir o desejo de
tratasse (imagens na página seguinte).
o sol. Antes, encarava como naturais,
Letícia.
Sociedade 17
Temos de mudar a cor da doença Nicolau Ribeiro
À mãe de Justina, hoje com 77 anos, foi-lhe diagnosticado cancro da mama há 12 anos,
Em 2013, Maria Justina Dias tinha 46 anos.
tendo feito mastectomia completa. Mas este
Uma idade em que, dizem as estatísticas,
antecedente, que poderia indiciar propensão
o cancro da mama mais ataca as mulheres. Talvez por isso, por essa altura tinha já recebido vários alertas da Liga Portuguesa
genética para a doença por parte dos descendentes, não assustou Justina em demasia, que, no início de agosto, se dirigiu ao IPO (Instituto Português de Oncologia) para reali-
Contra o Cancro, convidando-a a fazer
zar uma biópsia.
o rastreio, mas não ligou. Só ao terceiro
“Não sou pessoa de me assustar com qualquer
ou quarto decidiu ir ao Centro de Saúde,
coisa. Por isso, cheguei bem disposta ao IPO”,
onde lhe foi detetado um nódulo no peito esquerdo. Desde então, na luta que tem travado contra o cancro, os filhos (imagem
diz Justina, que, no início de setembro, viria a saber que tinha um tumor de grau 2, invasor, que obrigava a operação. No mesmo dia em que Justina fez biópsia no
na página ao lado) têm sido, disse, os seus
IPO, Catarina também estava lá, a realizar os
“guerreiros”.
exames prévios à operação a que viria a ser
18 Sociedade
submetida depois de lhe ter sido diagnosti-
Vivo um dia de cada vez, o hoje, como se não
cado cancro. Moram perto uma da outra, o
houvesse amanhã. Sem planos, sem projetos.
marido de Catarina é primo de Justina, mas,
Vivo muito mais calma e tranquila, valorizo
até àquela altura, raramente se viam. Quando
mais o sol e o céu azul… Acabo por viver
se olharam, perceberam que estavam ali pelo
mais tempo do que as pessoas que não têm
mesmo motivo, ao ponto de Justina sugerir
cancro, porque aproveito todos os bocadi-
que, se as suas suspeitas se confirmassem,
nhos do dia”.
“ainda iriam ser operadas no mesmo dia”.
(Justina) “O meu pai deixou-me há cinco anos
E assim foi. A 9 de outubro, foram, ambas,
e com a morte dele perdi o gosto de viver,
intervencionadas e colocadas no mesmo
que recuperei quando fiquei doente. São coi-
quarto, que partilharam durante 24 horas.
sas minhas, mas acredito que o meu pai foi lá
Seguiram-se os tratamentos de quimio e
para cima para cuidar de mim. Não fiz pro-
radioterapia (Catarina fez também braquite-
messas a nenhum santo, apenas pedi ao meu
rapia), a queda do cabelo, os dias incertos…
pai que olhasse por mim”.
E passaram a contactar-se frequentemente e
(Catarina) “Sou feliz por estar viva, por ter a
mesmo a ajudarem-se uma à outra.
minha filha, por me levantar, de manhã, e
Não viveram, as duas, da mesma forma o
ver o sol e poder cuidar de mim. Antes de me
tempo que levam desde que foram operadas.
ser diagnosticado cancro, fazia as coisas por
Mas coincidem, ambas, num ponto: o can-
rotina, sem valorizar os passos que dava”.
cro mudou a sua perspetiva de vida. Quase
(Justina) “Hoje, quando vou acordar o meu
quatro anos depois, “Amarante Magazine”
filho e corro o estore, desafio-o a levantar-se
juntou-as. O que se segue são excertos, em
logo, para que não perca nenhum momento
discurso direto, do que as ouvimos dizer (de
do dia. Valorizo mais as pequenas coisas, um
Catarina, omitimos algumas passagens já
elogio, mesmo de pessoas desconhecidas.
relatadas nas páginas anteriores).
Quando estava sem cabelo e me diziam que
(Justina) “Nunca me fui abaixo. Não precisei
continuava bonita, ficava feliz”.
de apoio psicológico. Tinha três psicólogos
(Catarina) “Os voluntários do IPO, nisso, eram
em casa: os meus filhos e o meu marido. Isso
fantásticos. Faziam-nos constantes elogios”.
é importante porque a guerra não é só nossa.
(Jacinta) “Agora sou muito mais feliz… Acho
Somos nós, mais os soldados que temos à
que sou mais vaidosa do que era antes. De-
nossa volta”.
pois dos tratamentos vínhamos com uma cor
(Justina) “Passei a ver a vida de outra forma.
desagradável e, então, tínhamos que cuidar
Justina e Catarina, que antes de terem cancro raramente se viam, encontraram-se no IPO e foram operadas no mesmo dia. Partilharam um quarto durante 24 horas e estão, desde outubro de 2013, cada uma à sua maneira, a viver a doença. Pela frente têm, ainda, um longo caminho a percorrer.
de nós. De nos pôr-mos bonitas. Hoje
Tive uns grandes guerreiros à minha
continuo a ter cuidados comigo, a
volta”!
arranjar-me como não o fazia antes.
(Justina) “Há muitas pessoas que me
Estou viva”!
dizem que não conseguiriam passar
(Catarina) “Eu preciso de me sentir
por isto. Eu digo-lhes que consegui-
bonita, de agradar a mim mesma, de
riam. Teriam que se agarrar a alguma
gostar de mim. Nunca mais cortei o
coisa. Eu agarrei-me aos meus filhos.
cabelo, sinto-me bem assim”.
Preciso vê-los todos os dias”.
(Catarina) “O importante é que consi-
(Justina) “Quando passarem cinco anos,
gamos manter a auto-estima. Quando
acho que me vou sentir muito insegu-
as pessoas a perdem, vão-se abaixo.
ra. Acho que vou ficar à deriva, sem o
É fundamental que nos continuemos
acompanhamento do IPO”.
a arranjar, que nos sintamos bonitas e
(Catarina) “Custa muito entrar no IPO,
que nos digam que estamos bonitas”.
mas ninguém quer sair de lá. Ao fim de
(Justina) “Depois do meu filho me
cinco anos, passamos a ser vigiadas
passar a máquina no cabelo, vi-me ao
anualmente e, num ano, podem acon-
espelho e pensei: ‘estás bonita, estás’!
tecer muitas coisas”.
Decidi arranjar-me e vesti uma blusa
Catarina e Justina ainda não estão
branca. Mas não dava, ficava tudo de-
curadas. Vivem uma espécie de “pe-
masiado branco - blusa, careca, rosto.
ríodo probatório” de cinco anos, que
Temos que mudar a cor da doença: um
termina em outubro de 2018, com
pouco de base na cara, um rímel nos
medicação diária e vigilância mensal
olhos!... E esperar que nos elogiem. Os
no IPO, lutando contra uma eventual
meus filhos faziam-no muitas vezes.
recidiva.
CRÓNICA
José Mendes - O Senhor MOMEL Susana Dias*
A Senhora A
Q
uando visitei a Sra A, ela dormia placidamente a sua sesta na varanda de sua casa, defronte do quintal, reduto de verde no meio da cidade. Esta senhora de cabelos grisalhos era uma amiga da casa da minha infância, que me habituara a ver envelhecer enquanto eu apenas crescia. Lembro-me que quando eu tinha 20 anos, olhei, um dia, as mãos da Sra A, então com 47 anos e fiquei suspensa num sentimento de ternura. As pequenas rugas tinham tomado conta da pele macia, habituada a trabalho contínuo. Três décadas depois, pressinto nos olhos da Sra A os anseios de quem envelhece no corpo mas mantem a mente com o frenesim dos projetos que não têm idade. Está reformada, depois de 38 anos de trabalho na função pública, um casamento e três filhos. Não lhe é completamente fácil envelhecer porque tem medo que a idade lhe traga entorpecimento nos membros e na memória (de si e dos outros?). No restante, a idade trouxe-lhe o prazer de ser dona dos seus dias, a sabedoria de olhar o mundo sem pressas, de se deleitar com os encontros que lhe dão felicidade, com os outros e com a natureza. Sabe, por fim, valorizar, com serenidade, os recantos onde se escondem os prazeres da existência. Ela viu outros, antes de si, vergarem sob o peso da idade, porque isto de envelhecer tem o seu peso, divisível em linhas de rugas e fios de cabelos brancos, em incontáveis unidades de memória de felicidade, de sofrimento, de desalentos e de esperança, de sonhos e de risos fáceis das crianças. Um homem velho cabe, a custo, dentro da arquitetura do seu corpo e da
22 Crónica
José Mendes, 58 anos, é um dos mais dinâmicos e bem sucedidos empresários de Amarante. Iniciou-se nos negócios em 1980, como vendedor comissionista, tendo, cinco anos depois, em 1985, fundado
sua memória. Mas a Sra A recorda que outrora os homens envelheciam naturalmente e cabiam no mundo dos filhos e dos netos, porque a velhice era mais um estado das coisas naturais e não uma preocupação, um fardo. Os pais idosos ou os avós pertenciam às famílias, mesmo na velhice, porque a vida social e o trabalho tinham o seu epicentro no núcleo do lar, dentro das paredes caiadas das casas. A casa era simultaneamente o berçário, o lar e a casa mortuária, nascia-se e morria-se dentro do mesmo espaço. Assistia-se aos nascimentos com igual turbilhão de sentimentos com que se cuidava do corpo defunto. Mas, hoje, os velhos que se chamam idosos não têm lugar no rodopio da vida sem descanso dos seus filhos e netos. A casa, a que se chega para dormir, não guarda nem tempo nem espaço para ser recanto sossegado de quem quer viver sem pressa. Ela pressente que o mundo não gosta de velhos, apesar de a chamarem inesperadamente de “menina” nas lojas dos centros comerciais, apesar deste tudo fazer para lhe prolongar a vida e até lhe oferecer viagens e óculos com descontos de idade e universidades seniores. Mas sabe que quando as forças a abandonarem, há de restar-lhe um lugar num lar, a casa onde as pessoas adormecem lentamente o prazer de viver, embaladas pelas suas recordações de outros tempos. Na sua cadeira de verga, voltada para o sul, a sra A abre os olhos e sorri-me a custo, estonteada pela luz acutilante de um surpreendente e indulgente sol de abril.
a Momel, com sede em Amarante, hoje sociedade anónima (SA). Com um crescimento sustentado ao longo do tempo, que lhe permitiu atravessar as crises com que se cruzou no seu percurso sem grandes sobressaltos, a Momel é, atualmente, líder no seu setor no norte do país, com oito lojas em zonas e mercados estratégicos; tem um volume de negócios anual de 10 milhões de euros e emprega 52 colaboradores. Entre os quadros superiores da empresa estão Carla e Sara Mendes, licenciadas em Economia, com quem o pai prepara, a prazo, a sua sucessão. José Mendes fala da Momel com entusiasmo e percebe-se-lhe, facilmente, a atenção e cuidado que lhe dedica. Como disse a “Amarante Magazine” (AM), deita-se e acorda com a empresa e com a constante avaliação do seu funcionamento. Isto, apesar de reconhecer que tem um dia-a-dia calmo, sem toques frequentes do telemóvel, o que consegue fruto da filosofia de gestão que introduziu na Momel, “onde tudo está muito bem definido em termos de responsabilidades, com cada colaborador a saber, exatamente, o que fazer assim
* Professora do Ensino Secundário
que inicia o seu dia de trabalho”.
Crescer, subindo a pulso Nicolau Ribeiro
“Não foi fácil, porque tubagens e acessórios para tubagens
J
osé Mendes nasceu no Brasil, tendo vindo para Portugal com apenas sete anos, para morar com os avós, em Gondar, freguesia
onde frequentou a escola primária e a catequese. Concluiu o Curso Geral dos Liceus, em Amarante, em 1976, matriculando-se, depois, no complementar, que, naquele ano, passou a funcionar à noite. Tendo ficado com muito tempo livre, decidiu procurar trabalho. Entretanto, os pais, com quem foi morar, haviam regressado do Brasil e tinham-se fixado na aldeia do Castelo, em Carvalho de Rei. Da procura de trabalho resultou a oportunidade de colaborar, como comissionista, com uma empresa do Norte do país. Aceitou e poucos meses depois já estava a trabalhar por sua conta, comprando e vendendo. Tinha, então, 18 anos.
vendiam-se no mercado através de
empresas de grande dimensão e que tinham o monopólio das marcas. As pequenas lojas que existiam compravam diretamente. E vender a partir de Amarante para Trás-os-Montes e Beiras não era fácil, porque de Amarante as pessoas conheciam a indústria de urnas e a metalomecânica e ninguém ligava esta área a Amarante. A verdade é que consegui levar os comerciantes a acreditarem e, ainda hoje, alguns dos melhores clientes da Momel vêm desse tempo. Trabalhei com os pais e, agora, também temos os filhos como clientes”, disse a AM. Nessa altura, José Mendes ainda não tinha armazém. Desenvolvia a atividade, como diz, “muito pendurado no compra e venda”. Vendia,
do, de quadros dedicados e competen-
cio. Naquela altura, até redes de pesca
recolhia as notas de encomenda, ia buscar o pro-
tes. Partilho da ideia de que os melho-
vendemos para Angola, para além de
duto aos fornecedores, essencialmente a Braga,
res ativos das empresas são as pessoas
produtos associados à construção civil,
depois Porto e S. João da Madeira e fazia as en-
e, nessa área, a Momel esteve sempre
como tintas e outros e que não faziam
tregas. “Fui desenvolvendo o negócio, comecei
muito bem servida”, refere o nosso en-
parte do nosso ‘core’”.
a frequentar feiras e, a montante, a ganhar for-
trevistado.
mel registou um grande crescimento no
necedores. Não obstante, o mercado era muito fechado, havia monopólios que era difícil ultrapassar e a que os clientes estavam fidelizados. Muitos diziam-me ‘vá passando’, e eu assim fazia…“
A década de 1990 está associada a um período de crescimento e expansão e a Momel soube tirar partido disso, es-
e cria, com a esposa, a Momel. Maria do Carmo
colhendo criteriosamente os mercados.
tinha ingressado, então, na Escola do Magistério
E foi assim que, por exemplo, abriu lojas
Primário, que abandonou para se dedicar à em-
em Felgueiras e Rebordosa, onde só es-
presa, instalada numa pequena loja, na parte de
tando presente poderia impôr-se. Ven-
tinuou a “bater” o mercado, a esposa tinha a seu cargo o escritório, a retaguarda, enquanto dois colaboradores faziam o trabalho de armazém. “Fizemos um crescimento sustentado, que eu saliento sempre, e que nos permitiu ter atravessado sem grandes sobressaltos, ao longo do tempo, fases menos boas da economia. O facto de termos tido, na empresa, um núcleo duro de base familiar foi muito importante, como foram importantes os recrutamentos que fomos fazen-
24 Capa
O NEGÓCIO EM ANGOLA
Em 1985, com 25 anos, José Mendes casa
baixo da casa onde moravam. José Mendes con-
De acordo com José Mendes, a Mo-
der para aí a partir de Amarante, não era a solução. Foi também no final da década de 1990 que a Momel rumou a Angola. Nessa altura, apenas grandes empresas de construção civil, como a Mota e Cia. (à época assim designada) e a Soares da Costa, trabalhavam naquele país africano, onde, segundo José Mendes, “faltava tudo. O país estava ainda em guerra e, na primeira visita que lá fiz, percebi que havia ali um potencial enorme de negó-
período entre 1995–2000 tendo, a partir deste último ano, conseguido antecipar alguns sinais de decréscimo económico que, todavia, não viriam a afetar a empresa, até pela estratégia que havia sido implementada. “O nosso crescimento havia, não só, sido sustentado, mas tivemos também sempre a preocupação
José Mendes, com a esposa, com quem criou a Momel em 1985. Maria do Carmo é, ainda hoje, um dos esteios fundamentais da empresa, muito hábil a gerir recursos humanos, como reconhecem Sara e Carla, as duas filhas mais velhas do casal.
de adquirir património, fosse diretamente, fosse por permutas com empresas de construção civil, a quem fornecíamos materiais”, refere José Mendes. E esclarece que cedo definiu um princípio como estratégia, que consistia em que património não era negócio da Momel, que deveria fazer o que sabia fazer bem, que era vender os seus produtos. Foi criada, por isso, uma empresa imobiliária a quem competia gerir tudo o que a empresa comprava, fossem lojas, apartamentos ou armazéns.
Capa 25
“Quando o mercado começou a correr menos
atende ao balcão ou àquele que cobra os valores
“Posso dizer que tenho um dia-a-dia calmo,
explica, uma coisa é o trabalho numa empresa
bem, explica José Mendes, a Momel não regis-
ao cliente, têm que ter um perfil marcadamente
embora me deite e acorde com a empresa e com
industrial, “onde os trabalhadores estão à volta
tou quaisquer problemas: se teve, por exemplo,
comercial”.
a constante avaliação do seu funcionamento. O
de uma máquina e quase que é ela que os faz tra-
de fechar um ponto de venda fechou e entregou
Uma boa parte dos comerciais da empresa
futuro é sempre incerto, as organizações estão
balhar”; outra é o que se passa numa empresa do
o espaço à imobiliária (Actinova), a quem com-
que hoje andam na rua passaram pelo armazém,
proibidas de errar e, por isso, as suas estratégias
setor comercial, “como a nossa, onde, logo pela
petia a sua gestão, porventura até colocá-lo no
fizeram balcão e, depois das aprendizagens ad-
devem ser definidas com muita ponderação, sem
manhã, chegam mais de 50 colaboradores com
mercado para arrendamento. A Momel usufrui
quiridas nos vários setores, ficaram aptos a irem
do património enquanto precisa dele. Quando
para o mercado. Um comercial, explica José
precipitações, de forma a não colocarmos em
níveis diferentes de responsabilidade e que, fruto
deixa de precisar, entrega-o à imobiliária”.
Mendes, pode levar nove, dez “negas” por dia
causa a sua estabilidade”.
de um planeamento do trabalho, têm que saber
e tem que estar preparado para isso. Tem que
A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS HUMANOS
ser moralmente forte e encarar os nãos como um estímulo para, no dia seguinte, voltar para o mercado.
Há duas situações que o nosso entrevista-
À qualidade do “grupo de trabalho”, como
do considera fundamentais na gestão da Momel.
lhe chama, o CEO da Momel junta também “a
Uma é saber salvaguardar a sua rentabilidade e
qualidade e seriedade dos fornecedores, que
outra é a qualidade, competência e dedicação
são eficientes e cumprem prazos. Repare-se que
dos colaboradores, sendo que a primeira depen-
nós não fabricamos, não produzimos nada, não
de largamente da segunda. “Por norma, diz, sou
transformamos matéria-prima. Nós compramos
eu que seleciono os colaboradores e faz parte
e vendemos produto acabado e, portanto, os
da cultura da empresa ir admitindo gente jovem,
nossos parceiros são fundamentais neste pro-
mesmo sem precisarmos. Em regra, temos aqui
cesso”.
duas a três pessoas nessas condições com possibilidades de virem a integrar o grupo”. E, assim, vão rodando pelos vários setores,
O DIA A DIA DE JOSÉ MENDES
“Chego à Momel, diariamente, às sete da
exatamente que tarefas terão que executar”.
manhã, ligo o computador e tenho acesso ime-
E exemplifica: “A Momel tem, no seu inte-
diato a toda a informação, quer daqui, quer de
rior, em termos estruturais, 23 agentes, que po-
Angola. Entro nos bancos, vejo mapas, relatórios
demos equiparar a lojas virtuais, às quais estão
e, às oito horas, vou tomar o pequeno almoço. Às
adstritos grupos de quadros da Momel que tra-
8:30 estou aqui novamente e dou início ao meu
balham as nossas áreas de negócio e fazem o
dia de trabalho. Por vezes, reúno com um ou ou-
acompanhamento após-venda. Por exemplo: a
tro departamento da empresa, com comerciais,
Momel tem um gabinete que trabalha somente
vou visitar as nossas lojas e faço toda a gestão
com obras públicas, designadamente com Câ-
financeira. Hoje, as novas tecnologias facilitam-
maras Municipais; outro grupo que trabalha ape-
-nos imenso o trabalho e permitem-nos o acesso
nas com aquecimento e climatização, e por aí
rápido à informação, que nos chega resumida,
adiante. Tudo está definido e a mim compete-me
possibilitando-nos ficar com uma panorâmica do negócio em termos de vendas, de margens, de contas correntes, etc", explica. O segredo para o “dia-a-dia calmo” de José
Para além da sede e dos armazéns em Amarante (à esquerda), a Momel tem oito lojas no norte do país, situadas em mercados es-
são avaliadas e é decidida, ou não, a sua con-
Liderando uma organização com um qua-
Mendes (ao longo de uma manhã que passamos
tratação. Há as que ficam e as que não singram.
dro de 52 colaboradores, a que acrescem oito
no seu gabinete, o telemóvel tocou apenas uma
Como explica José Mendes, “nós somos uma em-
externos que trabalham em exclusivo para a
vez), parece estar, fundamentalmente, na orga-
funcionou, no passado, uma fábrica de pro-
presa do setor comercial e os nossos colabora-
Momel, que fatura por ano 10 milhões de euros,
nização rigorosa do funcionamento da empresa,
dutos sanitários, cuja marca a Momel tam-
dores, desde o que expede os produtos, ao que
como é o dia-a-dia de José Mendes?
onde tudo está definido ao pormenor. Como nos
bém adquiriu.
tratégicos. Em baixo, a loja do Porto, onde
reunir com os grupos constituídos, avaliar, corri-
do centro da Europa, e que só quatro ou cinco
sem que estivesse motivado pelo lucro ou pela
gir ou (re)definir estratégias e supervisionar toda
anos depois chegam a Portugal pelo que há toda
rentabilidade dos investimentos que ali efetuou.
a sua atividade”.
uma preparação a fazer. Por ano, vamos a cin-
A AM, disse que, fundamentalmente, lhe dá pra-
co, seis feiras, que são muito importantes para a
zer ver os seus vinhos “apreciados, reconhecidos
orientação da nossa atividade”, conclui.
no mercado, premiados e servidos nos bons res-
O segredo para o sucesso da Momel, para além do seu modelo de gestão e do conhecimen-
taurantes”. E passou muito tempo até que o vi-
to profundo da sua área de atuação, parece estar também na diversificação do negócio que, hoje, se estende por várias áreas, que vão das tubagens aos acessórios, aos sanitários e cli-
A QUINTA DA LEVADA, O VINHO E O TURISMO
nho “Quinta da Levada” atingisse a maturidade e a notoriedade que hoje tem.Com clientes fiéis no mercado nacional e também em outros países da
matização, ao isolamento e a materiais para a
Aquilo que começou por ser um impulso
Europa (Luxemburgo, Bélgica e Suíça), as 60 mil
construção civil. E ao facto de haver instituída na
emocional, resultante das suas raízes, da sua li-
garrafas do “Quinta da Levada” produzidas anu-
empresa a preocupação de ocupar a vanguarda
gação à terra e à agricultura, poderá vir a trans-
almente já vão escasseando para as encomen-
na oferta dos melhores e mais recentes produtos
formar-se, num futuro próximo, numa (outra)
das. José Mendes explica a procura por se tratar
ou soluções, de algum modo antecipando as ten-
importante área de negócio para José Mendes: o
de um vinho com características próprias, tendo
dências do mercado e as necessidades de consu-
Turismo. “É uma área que nos interessa, à qual
como casta base o azal.
mo dos clientes.
estamos atentos e pensamos, mesmo, afetar al-
Como explica José Mendes, “para sermos
guns dos nossos ativos imobiliários”.
“Há uns anos, esta casta não era muito valorizada, por dela resultarem vinhos gaseificados
competitivos no mercado, temos muita necessi-
Para já, abriu a Quinta da Levada, em Abo-
e de baixo grau. Porém, com as novas modali-
dade de estar atualizados. Por isso, no início de
adela, ao setor, concessionando a sua explora-
dades de plantação, em cordão simples, com as
cada ano elaboramos um mapa de feiras onde
ção, enquanto equipamento turístico, a um ope-
vides a andarem mais junto ao solo, deixando as
queremos estar presentes. Atualmente, não é só
rador alemão. E, em breve, poderá alargar a sua
uvas de estarem escondidas nas árvores e a be-
importante conhecermos as tendências na área
oferta turística, numa modalidade diferente, o
neficiarem de uma melhor exposição solar, de-
dos sanitários, mas também na climatização, no
que depende de negociações que tem em curso e
ram outra personalidade ao azal. Daí resultam
isolamento, na ventilação. Depois, numa outra
que espera concretizar positivamente.
vinhos menos ácidos, mais aromáticos, mais
vertente, hoje procuram-se os equipamentos
José Mendes começou a transformar a
frescos e com maior teor alcoólico. O ‘Quinta da
menos poluentes, com consumos mais baixos,
Quinta da Levada - com uma localização pri-
Levada’ é um vinho que se enquadra bem com
mais silenciosos e o mercado está em perma-
vilegiada, junto à aldeia histórica de Rua, em
a nossa gastronomia, designadamente com os
nente mudança, que temos de acompanhar”.
Aboadela - vai para 20 anos. Construíu quatro
pratos de peixe. De resto, o litoral português é
“As feiras ajudam-nos a antecipar o futuro.
hectares de vinha, movido, como diz, por uma
um dos nossos principais mercados”, explica
Há produtos que vemos em certames, sobretudo
questão sentimental e pela sua ligação à terra,
José Mendes.
A Quinta da Levada produz vinhos da casta azal: o “Quinta da Levada” e o “Quinta da Levada Origens”, este último proveniente das vides mais antigas. Depois da produção vinícola, o Turismo é, nos negócios de José Mendes, uma área emergente, dizendo-se atento às oportunidades que possam surgir. Para já, abriu a Quinta da Levada, em Aboadela, ao setor, concessionando a sua exploração, enquanto equipamento turístico, a um operador alemão. E, em breve, poderá alargar a sua oferta, numa modalidade diferente, o que depende de negociações que tem em curso e que espera concretizar positivamente.
Samuel Teixeira
Sara e Carla: o futuro da Momel passa por elas Sara e Carla, ambas licenciadas em
Nicolau Ribeiro
Economia, cresceram na Momel e têm
S
bem presente o percurso que os pais tiveram que percorrer para conseguirem dar à empresa a dimensão que
ara, 32 anos, e Carla, 30, ambas licenciadas em Economia, são as filhas mais velhas de José Mendes e em quem ele
aposta para a sua sucessão, a prazo, na empresa. Catarina, 24 anos, licenciada em Gestão Industrial e a estagiar numa multinacional, ainda
hoje tem. Um percurso feito de muito
não decidiu se virá a trabalhar na Momel.
trabalho, persistência e dedicação. José
de José Mendes para as filhas mais velhas ainda
Mendes aposta nelas para a sua suces-
sabilidades de topo na empresa, onde estão,
são, pelo que ocupam, já hoje, lugares-chave no interior da Momel.
Embora a passagem definitiva do testemunho esteja longe, Sara e Carla têm, já hoje, responrespetivamente há 10 e nove anos. Sara exerce funções na área comercial, tem a seu cargo a Direção das Compras, cabendo-lhe, por exemplo, definir, em conjunto com o pai, as margens
Capa 31
“À medida que o tempo passa, sentimos mais o peso da responsabilidade de, um dia, virmos a gerir a empresa. Isto é patente, já hoje, nas decisões que temos que tomar. Se nos mostram o caminho, basta segui-lo, mas se temos de ser nós a construi-lo, é diferente”, concordam
Samuel Teixeira
Sara e Carla.
Momel”, conclui. Do pai, acham que as surpreende todos os dias! Dizem estar em permanente atualização “de tal forma que, entre nós, parece não haver qualquer diferença geracional. E não há, em termos de ideias,
A família Mendes, fotografada na Quinta da Levada, em Aboadela. Catarina, a filha mais nova de José Mendes, à sua direita, ainda não decidiu se virá a trabalhar na Momel. Por enquanto, a sucessão do empresário passa, a prazo, por Sara e Carla, na imagem com os respetivos filhos e maridos.
32 Capa
de venda ou a estratégia de reforço de
responsabilidade de, um dia, virmos a
de visão…”, concordam ambas. “Ouve-
stocks, dominando todas as áreas de
gerir a empresa. Isso é patente, já hoje,
-nos frequentemente, quer saber a nossa
negócio em que a Momel opera.
nas decisões que temos que tomar. Se
opinião e, acho que, por vezes, até nos
Isso, obriga-a a uma atualização per-
nos mostram o caminho, basta segui-lo,
deixa errar, em algumas situações, por-
manente, pelo que releva “a necessidade
mas se temos que ser nós a construi-lo, é
que sabe que vamos aprender com isso,
de acompanhar de perto as tendências
diferente”.
o que também é importante”, diz Sara.
de consumo. Daí a nossa participação
De resto, têm, as duas, bem presente o
“A cabeça do nosso pai nunca pára”,
em várias feiras ao longo do ano, refere,
percurso que os pais tiveram de per-
concorda Carla, reforçando que José
e a posição relativa dos fornecedores no
correr para conseguirem dar à Momel
Mendes mantém uma atenção per-
mercado, de forma a acompanhar-mos
a dimensão que hoje tem. Um percur-
manente sobre o funcionamento da
os mais influentes, que acabam por ditar
so feito de muito trabalho, de muita
Momel e que, se deteta algum proble-
os negócios”, disse a AM.
persistência e dedicação, sem que,
ma, reúne com as filhas para pensarem
Carla trabalha na área financeira, ao
porém, alguma vez tivessem sido uns
uma solução em conjunto, o que indicia
nível do controle de crédito dos clien-
pais ausentes, enfatiza Sara, “ainda que,
a sua preocupação em prepará-las para
tes, contas correntes, pagamentos a
para chegarmos aqui, a família tenha
o futuro.
fornecedores e relacionamento com a
abdicado de muitas coisas: férias, tempos
“Os nossos pais nunca fizeram uma se-
seguradora de créditos que é parceira
livres, por exemplo”, refere.
mana de férias. A única semana em que
da Momel. Gere também o negócio da
Da mãe, Sara diz ter tido um papel
estão ausentes da empresa é para irem a
Quinta da Levada.
fundamental no crescimento da Momel,
Angola. Mas continuam a ir em trabalho
Ambas concordam que a Momel “sem-
acrescentando Carla que a progenitora
e nós até brincamos com isso”, diz Carla,
pre teve um cariz familiar muito grande.
se mantém muito ativa, “com o apoio às
no que é secundada pela irmã, embora
E nós sempre vivemos e acompanhámos
lojas e um extraordinário conhecimento
Sara reconheça que o pai “tem, hoje,
o empenho dos nossos pais em lutar pela
acumulado sobre o produto. Em termos
mais a consciência de que precisa de se
empresa, pelo que a nossa integração foi
de gestão de recursos humanos, a nossa
libertar, de se divertir, e vai programando
muito natural. Podemos dizer que desde
mãe tem a determinação que nos fal-
fins de semana prolongados, feriados e
a nossa infância que estamos cá. As
ta aos três. É muito direta e assertiva e
consegue sair. O que para nós também é
nossas vivências sempre passaram muito
mesmo a tarefa mais difícil, ela consegue
bom, porque é um sinal de confiança, já
pela Momel”, afirmam.
resolvê-la, ganhando o empenho e o ri-
que deixa a empresa ao nosso cuidado e
“Mas, à medida que o tempo passa,
gor de todos os colaboradores envolvidos.
isso ajuda-nos a crescer enquanto gesto-
salienta Carla, sentimos mais o peso da
A mãe é um pilar importantíssimo na
ras”, conclui.
Ir ao Porto buscar turistas
E
m Junho de 2012, o Município de Amarante organizou uma Conferência, cujo tema era o seguinte: “Contributo do Turismo para a economia de Amarante e da região”. Naquele evento pretendia-se, genericamente, refletir sobre como poderia o Turismo ajudar ao surgimento de novos negócios e à criação de emprego. Estáva-se, então, em plena crise e essa reflexão fazia todo o sentido, se se pensar que, fruto da recessão económica que se vivia, as indústrias tradicionais, sobretudo a da construção civil, tinham ido ao fundo, com falências em cadeia e muitos trabalhadores lançados no desemprego. Ao contrário, o Turismo parecia em crescendo. As companhias low cost transportavam para Portugal cada vez mais visitantes, que, na região Norte, tinham como destino a cidade do Porto, mas havia a sensação de que por aí ficavam. O que se queria, era perceber como seria possível direcioná-los para destinos do interior, que tipo de oferta seria necessário construir e como motivar agentes locais a investir no setor. Cinco anos depois e três designações de “Melhor Destino Europeu” entretanto conseguidas, o número de turistas que têm o Porto como destino cresceu exponencialmente e o seu perfil sofreu também um upgrade. Já não chegam ape-
nas em voos low cost, vêm também em cruzeiros de luxo e são mais exigentes em termos de consumos. E a tendência é cada vez mais não se ficarem apenas pela Invicta, viajando para destinos classificados e históricos, como Guimarães ou o Alto Douro Vinhateiro. No caso de Amarante (e do Baixo Tâmega), a pergunta é como tirar partido dos fluxos turísticos que o Porto gera e que estratégias devem (estão a) ser implementadas para atrair turistas e levá-los a dormir, por cá, mais que uma noite. Que Amarante tem registado maior procura, isso é evidente, mas fica-se com a sensação de que, na maioria dos casos, somos visitados por pessoas em trânsito, sobretudo a caminho da região do Douro Património Mundial e que aqui experimentam os doces conventuais e fazem uma visita rápida ao Centro Histórico. Nas páginas seguintes, damos a palavra a responsáveis de instituições com competências na área do Turismo, a quem convidámos a emitir opinião sobre como aproveitar os fluxos de turistas que procuram o Porto: Melchior Moreira, Presidente do Turismo do Porto e Norte de Porugal; Rosário Machado, Diretora da Rota do Românico; José Luís Gaspar, Presidente da Câmara Municipal de Amarante e Telmo Pinto, Presidente da Dolmen, Desenvolvimento Local e Regional.
Temos tido motivos para celebrar Melchior Moreira, Presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPN), releva a distinção atribuída à cidade do Porto de “European Best Destination” pela terceira vez e defende que este “prémio” é extensivo a todo o destino, pelo crescimento que se tem verificado noutros subdestinos: Trás-os-Montes, Douro e Minho. Nicolau Ribeiro
Q
ue importância atribui o TPNP ao facto de a cidade do Porto ter sido considerada, este ano pela terceira vez, o “Melhor Destino Europeu”? Temos tido motivos para celebrar. Temos tido todas as razões para nos sentirmos orgulhosos pelo trabalho que temos desenvolvido para a promoção da marca Porto e Norte de Portugal, a marca Portugal. Os números têm vindo a confirmar a potencia-
lidade turística do destino e a importância cada vez mais crescente deste setor para a economia nacional e é obvio que o retorno que nos é dado de toda a Europa com a eleição, pela terceira vez, do Porto como European Best Destination, fortalece a marca Porto e Norte e, acima de tudo, a marca Portugal. Entendo que esta distinção que a Europa atribui ao Porto é, de algum modo, extensiva a todo o destino, pelo crescimento que temos vindo a sentir também nos noutros subdestinos – Trás-os-Montes, Douro e Minho. Como sempre sublinho, a marca Porto é muito mais do que a cidade do Porto, estende-se a toda a área metropolitana e é a porta de entrada para todo o destino Porto e Norte. Como poderão (deverão) os Municípios do Baixo Tâmega, designadamente Amarante, tirar partido dos fluxos de turistas que o Porto gera? O ano de 2016 fechou com um valor já muito próximo dos previstos na estratégia 2020 - chegar aos sete milhões de dormidas. Tivemos um crescimento de dormidas de 10,7 por cento, alcan-
Turismo 35
Melchior Moreira releva o Turismo de Eventos, como é exemplo o Festival Mimo (em cima) e a aposta no Rali de Portugal (na página seguinte) e no Turismo de Natureza. çando os 6,8 milhões de dormidas. No mercado ibérico (nacional e o espanhol), o crescimento foi de 7,89 por cento em relação a 2015, valores que se traduzem em mais de 289 mil dormidas. O crescimento do mercado espanhol cifrou-se nos 15 por cento em relação a 2015, registando-se também uma subida de 20,34 por cento nos proveitos totais, o que equivale a 60,5 milhões a mais de euros em relação a 2015. Estes números permitem-nos tirar ilações óbvias: há um enorme potencial e uma grande atratividade no Porto e no Norte que não podem nem devem ser descurados. E o trabalho em rede, entre parceiros públicos e privados, é parte importante destes resultados. Os municípios do destino em geral ou do Tâmega e Sousa, e de Amarante, em particular, têm tido um crescente envolvimento nas ações de promoção que temos vindo a implementar. Os melhores exemplos são as FAM TRIPS com os operadores turísticos espanhóis que têm tido uma extraordinária adesão e participação dos municípios, como foi o caso da que recentemente fizemos no Tâmega e Sousa envolvendo
36 Turismo
Amarante ou mesmo nas ações de promoção do território e dos produtos nas Lojas Interativas de Turismo do Aeroporto Francisco Sá Carneiro e do Porto Welcome Center. A realização de eventos que se distinguem pela sua originalidade, inovação ou mediatismo é outro dos fatores que nos tem provado ser fundamental para cativar visitantes e combater a sazonalidade. Amarante tem sabido adaptar-se a essas exigências dos visitantes. O Rali de Portugal tem, em Amarante, uma das “movidas” mais interessantes da prova mas também o festival MIMO, que teve o palco na cidade de Pascoaes mostrou ter um impacto extraordinário. É óbvio que Amarante está a saber tirar partido do posicionamento geográfico privilegiado que ocupa entre o Porto e o Douro e tem sabido fazer “parar os visitantes”. A história, a arquitetura, a religiosidade, a gastronomia e os vinhos, associados a uma abertura muito grande do Município para o exterior, têm certamente sido muito importantes para os resultados do Porto e Norte. Não obstante a vocação turística de Amarante, a cidade não consegue, segundo as estatísticas, levar os visitantes que a procuram a dormirem mais do que uma noite. Que estratégias, na opinião do TPN, deve-
@World @World
CM Amarante
riam ser implementadas para modificar esta situação? A sazonalidade em todo o território tem vindo a esbater-se, bem como temos vindo a notar um aumento da estada média, mas obviamente há ainda um caminho a percorrer até porque o trabalho em turismo é continuado. Amarante tem feito um excelente trabalho do ponto de vista da promoção turística e certamente aos poucos conseguirá fixar os visitantes e aumentar a estada média. A oferta hoteleira tem vindo a diversificar-se, distinguindo-se a Casa da Calçada e várias unidades de turismo rural. Para continuar a dar resposta ao crescimento, a cidade precisará de aumentar a oferta hoteleira, mas estou certo que o Município está atento e saberá dar a resposta necessária. Em 2012 participou, em Amarante, numa conferência sobre Turismo, tendo defendido, então, que Amarante deveria dar especial atenção ao turismo cultural, “talvez – disse – o segmento com maior potencial de crescimento e afirmação, nomeadamente associando-o à gastronomia e aos vinhos”. Quer desenvolver um pouco mais esta ideia? O MIMO reflete bem o que pretendia transmitir nessa altura. Apoiámos, desde o primeiro momento, este festival único, pelas múltiplas variações que permite alcançar. Temos a música pela cidade, espalhada por vários espaços dignos de visita, alguns monumentos únicos… Temos a gastronomia e os vinhos, destacando-se a excelente doçaria conventual; temos uma paisagem bucólica que torna Amarante um palco privilegiado para eventos desta natureza. O sucesso da estreia do festival brasileiro em Portugal – naquela que foi a primeira edição fora do Brasil - ditou a continuidade do MIMO Festival em Amarante para 2017, já que, ao longo de três dias, mais de 20 mil pessoas participaram nas diversas atividades da programação. Entendo e defendo que os eventos são um dos produtos turísticos potenciadores de crescimento económico e de notoriedade de uma região. Os números que temos associados aos grandes eventos que o Porto e o Norte têm recebido são exemplo disso mesmo: temos tido aumento crescente da estada média, o que representa um retorno a todos os níveis para o destino.
Turismo 37
Rota do Românico é complementar ao Porto Rosário Correia Machado (*)
A
s justificadas distinções que a cidade do Porto tem vindo a acumular nos últimos anos, constituem igualmente
uma oportunidade que deverá ser aproveitada pela restante região norte, incluindo a Rota do Românico e o seu território de influência, para se afirmar definitivamente como um destino turístico de excelência. Esta estratégia de afirmação deverá assentar na qualidade e diversidade de alguns produtos de clara diferenciação: a gastronomia, os vinhos, as city/short breaks, a natureza e, claro, o touring cultural e paisagístico, onde a Rota do Românico
afirme como um claro complemento aos fluxos
se insere.
turísticos oriundos da cidade do Porto.
Se a notoriedade e os méritos da atividade
Refira-se, igualmente, que algumas das princi-
turística na cidade do Porto, à semelhança de
pais orientações da estratégia nacional para o
outras cidades europeias como Lisboa ou Barce-
turismo, definidas para o horizonte 2027, apos-
lona, são inegáveis (na dinâmica hoteleira e da
tam precisamente na diversificação dos produ-
restauração, na reabilitação urbana, no empre-
tos estratégicos e dos destinos; no investimento
go…), nos últimos tempos começam a des-
e promoção das áreas mais interiores de forma
pontar também os primeiros efeitos negativos,
a retirar pressão sobre o litoral e os saturados
traduzidos ao nível da especulação imobiliária,
centros urbanos; e no combate à sazonalida-
da pressão para a saída da população autócto-
de que tanto caracteriza o turismo nacional (a
ne, do excesso de visitantes e da saturação de
que o património cultural e natural da Rota do
alguns locais…
Românico poderá responder na perfeição), com
Deste modo, esta potencial sobrecarga turística
benéficas implicações na sustentabilidade eco-
tornará, praticamente, inevitável a seleção de
nómica e ambiental.
outros destinos e recursos turísticos, situados
A Rota do Românico, de forma autónoma ou em
quer na proximidade da cidade Invicta, quer do
parceria com outras entidades (como a entidade
aeroporto Francisco Sá Carneiro e do novo ter-
regional do Turismo do Porto e Norte de Portu-
minal de cruzeiros do Porto de Leixões.
gal, os municípios e alguns operadores turísti-
Deste modo, tendo em conta a localização pró-
cos), tem vindo a apostar em diversos contactos
xima da Rota do Românico, a sua privilegiada
institucionais e ações promocionais, nome-
acessibilidade aos locais referidos de chegada
adamente junto de operadores turísticos, no
dos visitantes e o facto de se apresentar, já hoje,
aeroporto e junto da adminstração do Porto de
como um projeto turístico-cultural devidamen-
Leixões, com o objetivo de se perfilar e iniciarem
te estruturado e reconhecido, estão reunidas
a operacionalização, a breve prazo, como um
as condições para que a Rota do Românico se
crescente destino complementar ao Porto.
Turismo 39
contribuir, paulatinamente, também, para o reconhecimento internacional da Rota do Românico, com reflexos no número de visitantes. A contínua aposta da Rota do Românico na criação de condições para o acolhimento e apoio aos visitantes registará, durante este ano de 2017, dois grandes momentos, através da
Amarante como destino de excelência
previsível abertura e dinamização do Centro de Interpretação do Românico, na vila de Lousa-
José Luís Gaspar (*)
“(...) Obviamente que o Porto, pela
A
terceira vez considerado o melhor
da, e do Centro de Interpretação da Escultura Românica, em Abragão, Penafiel. Estes novos equipamentos culturais e pedagógicos contribuirão, certamente, para uma melhor compreensão da arte românica nas suas diversas expressões, sendo igualmente fatores para o crescimento da procura turística do destino “Rota do Românico”.
TURISTA DA ROTA DO ROMÂNICO É EXIGENTE Os recentes levantamentos e estudos realizados, incluindo alguns de natureza académica, permitem-nos traçar, com relativa segurança, o perfil do visitante da Rota do Românico. Este
TURISMO COM MOTIVAÇÕES CULTURAIS TEM AUMENTADO Os turistas e visitantes que se deslocam com motivações culturais e paisagísticas têm registado, a nível internacional e nacional, um crescimento acentuado nos últimos anos. A Rota do Românico não tem passado ao lado desta tendência, sendo que, entre 2008 e 2017, foram já mais de 100.000 os visitantes registados, não incluindo todos aqueles - e serão muitos, face aos testemunhos recolhidos - que têm conhecido a Rota e o seu território de uma forma livre e autónoma. As manifestações de interesse em se associarem à Rota do Românico por parte de operadores e agentes turísticos, muitas delas já materializadas em programas de visita, refletem igualmente o crescimento do interesse (e da procura) pelo turismo cultural. A integração, em dezembro de 2009, na TRANSROMANICA, uma rede europeia de património
turista desloca-se por motivações culturais, manifestando um comportamento de respeito e admiração pelo património histórico-cultural e pela comunidade local. São exigentes na qualidade dos espaços e serviços prestados. Têm idades compreendidas
40 Turismo
orientada ao turismo, desde sempre, desde mesmo antes da sua fundação, quando era ainda um caminho de
viajantes. Veja-se o exemplo da construção da Albergaria do Covelo do Tâmega, no séc. XII, por ordem da rainha D. Mafalda e em torno da qual se começou a construir o povoado do nosso centro histórico, precisamente por efeitos dos via-
destino europeu, tem visto, sucessivamente, aumentar, de forma muito significativa, o número de visitantes e turistas – e cabe-nos, também, projetar e promover Amarante nesse
jantes. Amarante foi, e é, terra de passagem para diversos destinos e em torno desta realidade e
destino, de forma a sofrermos posi-
das suas idiossincrasias, mais naturais e paisagísticas ou mais culturais e arquitetónicas, contruídas ao longo dos séculos, veio a constituir-se como um ativo turístico inegável e inigualável no
tivamente um efeito de arrastamento”.
contexto do Tâmega e Sousa e, à sua escala, no próprio contexto da Região do Norte. Quer-me parecer portanto natural que Amarante, desde sempre, tenha tirado partido
Simplificando, se Amarante tem a vantagem de ter uma casa de partida melhor que as outras, então isso só deve aumentar a nossa responsa-
entre os 25 e os 35 anos, e os 50 e 65 anos.
dos fluxos de turistas que a Região e o Porto ge-
Regra geral, são casados e com disponibilidade
ram, quer seja pela proximidade, quer pelas suas
para viajar. Possuem um rendimento económico
qualidades e pela notoriedade que granjeou em
familiar médio ou alto. É um turista bastante
séculos de história. Obviamente que o Porto,
informado, que programa a sua visita através da
pela terceira vez considerado o melhor destino
Internet. A maioria é portuguesa, com residên-
europeu, tem visto, sucessivamente aumentar,
cia no Norte do País, e viaja essencialmente em
de forma muito significativa, o número de visi-
família.
tantes e turistas – e cabe-nos, também, projetar
Em termos práticos, a nossa estratégia pas-
É um turista com um nível de escolaridade
e promover Amarante nesse destino, de forma
sa, em primeiro lugar, pela definição do posicio-
elevado, geralmente licenciado, empregado por
a sofrermos positivamente um efeito de arrasta-
namento de Amarante como destino de exce-
conta de outrem.Tem como principal motivação
mento.
lência para experiências diversificadas, conceito
conhecer a gastronomia, a história e os locais de interesse patrimonial. A taxa média de permanência é de 2,5 noites em hotéis e de 1,5 noites em unidades de Turismo no Espaço Rural.
românico (classificada como “Grande Itinerário Cultural do Conselho da Europa“), tem vindo a
marante é uma terra claramente
(*) Diretora da Rota do Românico
bilidade e não, pelo contrário, fazer-nos descansar.
COMUNICAÇÃO DO MIMO TEM FORTE IMPACTO NO BRASIL
É neste ponto que entra a estratégia que o
que inclui património e cultura, gastronomia e
município está a implementar em termos turís-
vinhos, paisagem e natureza, desporto e aventu-
ticos, que passa muito, a montante, pela qua-
ra – e sendo estes os grandes pontos de atração
lificação da oferta e, a jusante, pelo reforço da
e que definem o nosso perfil turístico, não são
comunicação, não só na lógica da quantidade,
exclusivos e por isso podem, obviamente, desen-
mas também, e sobretudo, na lógica da sua ma-
volver-se outras variáveis.
nutenção temporal.
Neste contexto, Amarante tem em marcha
Turismo 41
A comunicação positiva gerada em torno do Mimo deu notoriedade a Amarante e poderá ter ajudado a marcar o Município como destino turístico, designadamente no Brasil, onde o Festival teve início. Na imagem, uma ação Mimo na Igreja de S. Pedro.
42 Turismo
um plano de regeneração urbana, que
que, no caso do MIMO, a comunicação
permitirá apresentar uma cidade mais
tem um forte impacto no Brasil, onde
atrativa, mais bem conservada, prote-
sabemos que milhares de brasileiros se
gendo a mobilidade e o conforto pedo-
sentem diretamente amarantinos ou S.
nal. Estas ações, apesar de não serem
Gonçalenses e, portanto, a seu tempo,
focadas nos turistas, mas antes nos
os laços que nos unem tornar-se-ão ne-
nossos habitantes, permitirão conciliar
cessariamente mais fortes. É este tipo
programas de atração turística, como
de impacto que espero e desejo para a
é o caso das Termas, do Cineteatro, da
nossa terra.
Casa da Memória de Amarante, bem
Mas temos outras ações em mar-
como do MIMO Festival e do UVVA -
cha na componente imaterial, por
ambos os eventos reforçam a marca de
exemplo, a criação de rotas temáticas
turismo de Amarante nas suas áreas,
pelas operadoras que trazem os turis-
trazem novos públicos, geram comuni-
tas a Amarante; a presença de Amaran-
cação positiva e permitem-nos reforçar
te na web, que dá suporte às decisões
a reputação de Amarante, tornando-a
dos turistas (a título de curiosidade, na
mais atrativa. Era a isto que me referia,
plataforma TripAdvisor, nos últimos
concretamente, quando falava da im-
três anos, Amarante passou de oito
portância do esforço contínuo e cons-
indicações no portal em "O que fazer"
tante em termos de comunicação e de
para 29 atividades, o que nos posicio-
promoção. Estes dois produtos elevam
na como um destino com massa critica
a fasquia qualitativa junto dos interve-
relevante em termos de visitação); es-
nientes em cada um dos setores, sendo
tamos também a criar um posiciona-
“Em termos práticos, a nossa estratégia passa, em primeiro lugar, pela definição do posicionamento de Amarante como destino de excelência para experiências diversificadas, conceito que inclui
mento no enoturismo, com a criação de um programa turístico temático; além disto, temos em andamento o plano de proteção dos rios, que colocará os nossos Tâmega e Olo, Marão e Ovelha no patamar da excelência no que respeita ao turismo de natureza. Estas são algumas das estratégias que estamos a implementar no sentido de densificar as oportunidades e experi-
património e cultura, gastronomia
ências disponíveis para os turistas e as-
e vinhos, paisagem e natureza,
permanência em Amarante. Queremos
desporto e aventura – e sendo estes os grandes pontos de atração e que
sim aumentar o tempo de dormida e de que Amarante se constitua como o centro de uma experiência regional, a partir do qual o turista pode visitar o Douro, o Porto, Guimarães, Braga, Trás-os-Mon-
definem o nosso perfil turístico, não
tes. Amarante é o centro de confluência
são exclusivos e por isso podem,
qual todas ficam a aproximadamente 30
obviamente, desenvolver-se outras variáveis”.
O produto gastronomia e vinhos, que em Amarante atinge grande expressão, tem no UVVA um evento promocional de referência. Em junho, realizou-se a segunda edição, tendo os claustros do Convento de S. Gonçalo como cenário.
de todas estas localidades e a partir da minutos de carro - então, porque não tirar partido disso?
(*) Presidente da CM de Amarante
Turismo 43
O Douro Verde como destino turístico Telmo Pinto (*)
A
cinquenta quilómetros e meia-hora da cidade do Porto e da sua área metropolitana, está um território cruzado pelo rio português de maior expressão internacional, o rio Douro, um rico e diversificado património natural, constituído pelas serras da Aboboreira, Marão e Montemuro e rios que acompanham os vales profundos; uma história de afirmação que remonta aos primeiros anos da nacionalidade e uma gastronomia que jamais se esquece. Esse território é o Douro Verde, um espaço turístico de excelência. A par do conjunto das potencialidades, este é também um território caraterizado pelas debilidades que acompanham os espaços de baixa densidade, onde verificamos índices de desenvolvimento económico e social comparativamente baixos e necessitados de intervenção. Neste ponto, entre outras intervenções possíveis surge o fomento do turismo como forma de promoção do desenvolvimento, com atração de investimento, criação de riqueza e emprego, numa lógica de sustentabilidade económica, de utilização dos recursos naturais e históricos e aposta na diferenciação, na qualidade e na qualificação. Sendo um percurso longo, a afirmação deste território turístico foi já iniciada. A estratégia de desenvolvimento local apresentada pela Dol-
men vem recolhendo a progressiva aposta de investidores e promotores no aumento da oferta de alojamento, de animação e de restauração, principais fatores de atração de turistas e efetiva oportunidade para desenvolvimento de negócios. É a estratégia da Dolmen, portanto, um instrumento partilhado e aplicado pelos diversos atores. Simultaneamente, vem ocorrendo a qualificação do território com a criação de infraestruturas de apoio ao turismo de natureza, procurado por públicos nacionais e internacionais, com destaque para os turistas do norte da Europa, aos desportos de natureza e provas desportivas inseridas nos espaços de montanha que atraem milhares de praticantes, por exemplo. Este tem sido um investimento feito pelas instituições que reconhecem a necessidade de qualificação e apoio a turistas e o desenvolvimento de novas áreas ou segmentos turísticos, num trabalho conjunto e em rede, com capacidade de atuação em comum, que ficou patente, recentemente, através da aprovação do projeto “Vivenciar Montemuro” da responsabilidade conjunta da Dolmen e dos Municípios de Cinfães e Resende, o qual prevê a criação de percursos pedestres e infraestruturas de apoio aos desportos de natureza, de aventura e observação, assim como o desenvolvimento de meios tecnológicos como suporte de apoio e informação sobre a serra de Montemuro.
O rio Douro é estruturante em termos de oferta turística para os Municípios que constituem o Douro Verde. Na págima anterior, uma prova de vela ao largo de Caldas de Arêgos, em Resende, com a estação de Tormes em fundo, onde desembarcou Eça de Queiroz, vindo de Paris, a caminho da sua quinta, em Santa Cruz do Douro, Baião, na qual o escritor se inspirou para escrever “A Cidade e as Serras”. Em cima, o Douro navegável, na Pala, também no Município de Baião. Ainda quanto a este esforço conjunto das instituições do território importa referir um outro espaço de natureza de excelência do Douro Verde, a serra da Aboboreira, de enorme riqueza natural e patrimonial, sobre a qual incide o trabalho que está a ser desenvolvido para o seu reconhecimento enquanto Paisagem Protegida Regional, projeto este liderado pela Associação de Municípios do Baixo Tâmega (AMBT). Refira-se também o projeto “Rotas, Percursos e Paisagens Milenares”, que visou a criação de um grande complexo de percursos BTT e de Downhill, que totaliza mais de seiscentos quilómetros, acrescidos de quatro centros de BTT, distribuídos pelos concelhos de Amarante, Baião, Celorico de Basto e Marco de Canaveses, num projeto liderado pela AMBT, em que a Dólmen é parceira. Esta intervenção em particular
46 Turismo
é exemplar para a descrição e compreensão das oportunidades que as serras do Douro Verde nos disponibilizam na sua capacidade de atração de turistas e potenciador de iniciativa económica, consubstanciando o conceito de economia de montanha, a ser estendido à serra do Marão, cujos municípios onde se implanta deram os primeiros passos para a dinamização do turismo de natureza, num plano que tem repercussões no combate aos incêndios, no ordenamento florestal e na própria produção florestal. A noção de segmentação dos mercados turísticos é cada vez mais determinante para a estruturação da uma oferta. Isto é, a procura turística deve refletir a forma diferenciada como os turistas olham para os seus momentos de lazer e fazem a sua escolha, seja pelo usufruto da natureza e da paisagem, seja pelas atividades culturais de descoberta da história e do património arquitetónico, seja pelo fator religioso, seja ainda pela descoberta do vinho ou pela gastronomia. É esta perspetiva que o Douro Verde prosseguirá: olhar para os seus recursos e apostar neles, dar a conhecer a quem nos visita as serras da Aboboreira, Marão e Montemuro, o rio Douro e o rio Tâmega, apresentar escritores como Eça de Queiroz, Teixeira de Pascoaes e Agustina Bessa-Luís, pintores como Amadeo de Souza-Cardoso, artistas como Carmen Miranda, abrir à visitação monumentos arquitetónicos que vão desde o
Dolmen de Chã de Parada, ao românico, ao barroco, até à arquitetura moderna de Siza Vieira, da Igreja de Santa Maria, no Marco de Canaveses, partir à descoberta dos tão peculiares vinhos verdes da região, que em si são companhia ideal para os pratos gastronómicos do Douro Verde. Este é um momento excecional para o turismo nacional. É amplamente reconhecido que “Portugal está na moda” e sob o olhar dos turistas, cada vez mais ansiosos por conhecerem Lisboa, Porto e o Algarve, numa procura com crescimentos anuais superiores a dois dígitos. Este facto constitui para o Douro Verde uma oportunidade única e que estamos dispostos a agarrar. Primeiro olhando para a proximidade à cidade do Porto, atraindo quem lá chega e captando os turistas que saem no Aeroporto Francisco Sá Carneiro e no Terminal de Cruzeiros de Leixões; em segundo lugar, estabelecendo as parcerias necessárias para canalizar os turistas, sejam eles estrangeiros ou nacionais, nomeadamente os da área metropolitana do Porto que são, na globalidade, mais de dois milhões. Assim, é necessário que o Douro Verde seja capaz de se apresentar no Porto e na sua área metropolitana, valorizando e aprofundando a relação que é possível estabelecer com o Douro Urbano, trabalhando a relação com o Douro Vinhateiro e Superior, explorando as potencialidades que nos apresenta o Duero espanhol, com resultados óbvios na afirmação entre os fluxos turísticos. Contudo, também se justifica a presença do Douro Verde em Lisboa, cidade onde há, porventura, o maior número de nacionalidades em circulação no nosso país. O trabalho de qualificação e promoção da oferta turística é, em si, também um desafio e o posicionamento enquanto região turística de qualidade é aquele que garante a sustentabilidade futura do destino e o seu crescimento sólido. O foco na qualificação profissional em áreas como o atendimento e o domínio de idiomas estrangeiros é decisivo. Por outro lado, a presença em certames nacionais e internacionais representa um esforço na promoção dos destinos turísticos e, no caso do Douro Verde, são visíveis os resultados destas escolhas. A presença consecutiva da Dolmen e do Douro Verde em eventos na cidade de Vigo reflete-se já na presença de muitos turistas daquela zona da Galiza neste território, atraídos pe-
Natureza e gastronomia são dois dos mais relevantes produtos turísticos que integram a oferta do Douro Verde. las paisagens, pelos produtos locais que levamos e são experimentados e, claro está, pela proximidade. Esta postura deverá ser reforçada com um posicionamento comum num esforço conjunto das entidades públicas e privadas do território, até porque a força do conjunto é maior que a soma das partes.
(*) Presidente da Dolmen
Turismo 47
A Aldeia Histórica de Rua aqui tão perto A aldeia de Rua, em Aboadela, parece ser, ainda hoje, um segredo escondido e muito pouco valorizado na oferta turística de Amarante. No entanto, aquela aldeia histórica reúne imensos atributos (arquitetónicos, históricos e ambientais) e pode muito bem vir a afirmar-se, num futuro próximo, como uma porta de entrada para quem visita o Marão, o Alto Douro Vinhateiro ou Trás-os-Montes, sendo um dos vértices fundamentais de um triângulo que inclui Sanche e Várzea. Daniel Ribeiro
pondente espaço habitacional). Ao longo da Idade Média a povoação foi ganhando notoriedade e importância e Ovelha do Marão, como então se designava, adquiriu o esta-
D
tuto de Beetria, tendo, inclusive, recebido carta de istando cerca de 10 quilómetros da
foral, em 1196, por D. Sancho I, posteriormente
cidade de Amarante, nas faldas do
substituído por outra, de D. Afonso II, no ano de
Marão, a aldeia de Rua, em Aboadela,
1212, e, em 1514, uma nova de D. Manuel I.
está repleta de História, que transpare-
Em 1550, D. João III extingue esta forma de
ce a todos os que a visitam. As suas origens esta-
administração local e Ovelha do Marão converte-
rão intimamente relacionadas com a via romana
-se numa Honra, que esteve sob a administração
que, proveniente de Tongóbriga (Freixo – Marco
directa da Coroa até ao ano de 1756, tendo sido
de Canaveses), se dirigia para Panoias (Vila Real)
doada, a 18 de Junho daquele ano, a D. Luís An-
e que em Rua fazia a transposição do rio Ovelha
tónio de Sousa Botelho Mourão, IV morgado de
em direcção à Serra do Marão.
Mateus (1722–1798), que, depois da sua morte, foi
Tal circunstância, à qual se juntam os férteis solos
transmitida ao filho, D. José Maria do Carmo de
da extensa várzea do Ovelha, terão impulsiona-
Sousa Botelho Mourão e Vasconcelos, V morgado
do o povoamento daquele local, ponto obrigató-
de Mateus (1758–1825).
rio para a transposição do Marão em direcção ao
É precisamente após a extinção desta for-
Alto Douro, podendo ter ali existido um casalibus
ma de administração medieval que se constrói,
(casal romano), um vicus (aldeia) ou mesmo uma
em Aboadela, junto à ponte de Fundo de Rua, o
villa (grande propriedade agrícola com o corres-
pelourinho e a Casa da Câmara com a respectiva
Turismo 49
cadeia. Na centúria seguinte, em 1630, a velha ponte, de fundação romana, é alvo de um profundo restauro, cuja intervenção viria a ser materializada no cruzeiro com a inscrição “1630” que ainda hoje se pode ver junto às guardas, na margem Este do rio Ovelha. Esta intervenção não anulou as vincadas características medievais da ponte como, por exemplo, o tabuleiro em cavalete. Para além destes monumentos de maior envergadura, de carácter público-administrativo e judicial, o lugar de Rua apresenta ainda hoje bastantes características da Época Moderna, bem evidentes no conjunto habitacional, do qual merece destaque o interessante
Embora pouco divulgada, a Aldeia Histórica de Rua, a uma dezena de quilómetros da cidade de Amarante, tem um grande potencial turístico, reunindo História, Património Arquitetónico e Ambiental.
50 Turismo
arco brasonado da Casa de Mateus. Peculiar e de grande pragmatismo, foi o motivo que desencadeou a construção da capela de Nossa Senhora da Conceição, actualmente transformada num armazém agrícola. Uma vez que, durante o Inverno, a população de Rua teria de subir ao alto do Monte de Santa Maria, onde se localiza a igreja paroquial, para assistir aos ofícios litúrgicos, muitas vezes inacessível devido aos rigores climatéricos, Baltazar Gonçalves, morador na aldeia, decide edificar, no meio da povoação, uma capela para nela se realizarem as celebrações religiosas durante aquele período. Para além da capela de Nossa Senhora da Conceição, existe outro local de culto, a capela de S. Sebastião, na parte mais alta, à entrada da povoação, cuja devoção está intimamente relacionada com a protecção da povoação da peste, da fome e da guerra. A 2 de Maio de 1809, a população de Rua viria a sofrer da onda de destruição e de morte, provocada pela passagem da coluna do exército napoleónico, após a tomada da ponte d’ Amarante. Porém, no dia 11 de Maio, as mesmas forças passam novamente pela povoação de Ovelha do Marão, mas em manobras de retirada, tendo sofrido inúmeras baixas provocadas pelas forças
do brigadeiro Silveira (posteriormente promovido a general) e pelos muitos milicianos que a ele se associaram e o ajudaram na reconquista da, então, Villa d’ Amarante. Actualmente, Rua apresenta um núcleo urbano recuperado e razoavelmente bem conservado, com bons exemplares da arquitectura tradicional da região, onde coexistem algumas características minhotas e transmontanas. Neste conjunto, podem ainda ver-se espigueiros e moinhos de água.
centrais da ponte, assentes sobre o rio, são reforçados com talha-mares agudos, interrompidos. A
A CONHECER NA ALDEIA DE RUA Capela de S. Sebastião. Localizada no lugar de Rua, a Capela de S. Sebastião, de uma só nave e de planta circular, em Estilo-Chão, terá sido edificada no séc. XVI, muito provavelmente por influência e incentivo à devoção do rei D. Sebastião. No seu interior, pode ver-se um retábulo do séc. XVIII que alberga a imagem do mártir S. Sebastião. Capela de Nossa Senhora da Conceição. Sensivelmente a meio da Rua de Ovelha e Honra do Marão encontra-se a Capela de Nossa Senhora da Conceição, construída por Baltazar Gonçalves e sua mulher, Ana André, no ano de 1639. A capela, de planta rectangular e de uma só nave, destaca-se pela grande uniformidade volumétrica e planimétrica. Nota-se ainda que houve, para a sua construção, um exímio cuidado no talhe dos blocos graníticos. Neste interessante edifício em Estilo-Chão, merecem destaque a cornija e o arco alteado do portal de entrada. Actualmente, a ca-
montante e a jusante podem ver-se talhantes de planta rectangular. A actual ponte poderá ser uma reconstrução ou reedificação de uma anterior, a remeter para a Época Romana. Cruzeiro da Ponte de Fundo de Rua (imagem em cima). O Cruzeiro da Ponte de Fundo de Rua fica adossado ao seu parapeito. Construído em 1630, é constituído por um plinto quadrangular epigrafado na parte frontal (1630/ RMO) e com moldura superior em quarto de círculo invertido, onde se encontra um encaixe para o fuste cilíndrico que, por sua vez, suporta um capitel esférico achatado, encimado por cruz latina de secção circular. Por se estar numa via de muita passagem para o Alto Douro e Trás-os-Montes, o cruzeiro terá sido construído como símbolo de protecção aos viajantes e à própria estrutura. Pelourinho de Honra de Ovelha (imagem em cima). Construído, muito provavelmente no séc.
pela encontra-se desafecta ao culto e está conver-
XVI, aquando da concessão do Foral Novo de
tida num armazém agrícola.
1514, por D. Manuel I, o Pelourinho de Honra de Ovelha é constituído por um soco quadrangular de
Ponte de Fundo de Rua (imagem na página an-
cinco degraus simples, sobre os quais assenta um
terior). Construída sobre o rio Ovelha, no Lugar
soco de planta quadrada e de base circular, onde
de Rua, a ponte de quatro arcos desiguais, onde
encaixa um fuste cilíndrico com esfera. A coroar o
assenta um tabuleiro plano, ao centro, e ram-
pelourinho pode ver-se um remate em pinha pira-
peado nas vertentes laterais, é uma construção
midal sob um capitel de secção quadrangular com
Românica, restaurada em 1630. A comprovar a
dois filetes e um plinto. O pelourinho, para além
cronologia Medieval desta ponte, estão as marcas
de ser um símbolo de poder municipal e judicial,
de canteiro existentes nas aduelas. Os três arcos
era um local de condenação.
Turismo 51
O Marão é já ali
A
localização estratégica e as evidentes potencialidade de Aboadela (sobretudo através da Aldeia Histórica de Rua)
e, de algum modo, de Sanche e Várzea, agora juntas numa União de Freguesias, levam Henrique Monteiro, Presidente da autarquia, a querer desenhar uma estratégia que passe por fazer do território que gere a porta de entrada no Marão para quem, vindo do Grande Porto, procura Natureza, desportos de montanha (BTT, escalada, trail…), qualidade ambiental ou, mesmo, neve no inverno.
Henrique Monteiro, Presidente da
Em Rua, de resto, existe, desde há alguns anos,
União de Freguesias de Aboadela,
o Centro Interpretativo do Marão, que propor-
Sanche e Várzea, acredita nas poten-
ciona também estadia a visitantes e que, se bem potenciado, poderá funcionar como uma
cialidades do território a que preside
verdadeira “receção” para os turistas. Conju-
para se afirmar como porta de entra-
gar história, ruralidade, rio e serra num único pacote turístico pode também ser caminho para
da para o Turismo no Marão e no Alto
o desenvolvimento local e para o crescimento da
Douro Vinhateiro. Em Aboadela, de
economia do território. É neste contexto, aliás,
resto, a Quinta da Levada abriu-se,
que em Rua se realiza, anualmente, a Feira do Mel; em Sanche, o Festival do Verde e em Vár-
este ano, pela primeira vez, ao Turis-
zea se começou, há um ano, a organizar a Festa
mo europeu, tendo sido concessiona-
do Rojão.
da a um operador alemão que tem
Recorde-se, ainda, que, no caso de Aboadela, a freguesia se estende serra do Marão acima, por
nos cruzeiros uma das suas principais
uma área de 2.000 hectares de terreno bal-
ofertas.
dio, com cursos de água e espécies arbóreas e
Samuel Teixeira
vegetação únicas. É no baldio de Aboadela que
A aldeia de Covêlo do Monte ainda ostenta algumas construções em xisto. No baldio, cria-se o gado maronês, cuja carne, há quem defenda, deveria ter certificação. 52 Turismo
se situa Covêlo do Monte uma das mais míticas
paisagem e dinâmica rural e económi-
aldeias do Marão, mesmo ao lado das antigas
ca, que a distingue de todas as outras e
minas de Pedrado (Fonte da Figueira), conheci-
lhe conferem especial interesse”.
da por, em tempos idos, ter tido uma marcante
“As características que justificam esta
arquitetura em xisto e onde hoje se cria o gado
informação, acrescenta-se, estão sobre-
maronês, alimentado em pastos naturais, e cuja
tudo associadas a uma forte aposta na
carne se quer certificar.
criação de gado bovino, ovino e capri-
Covêlo do Monte é, aliás, na serra do Marão,
no” e na exploração de alguns recursos
juntamente, com Canadelo, Murgido, Póvoa (em
intrínsecos ao baldio, como a resina.
Amarante) e Mafómedes (em Baião), uma “al-
Em conclusão, refere-se que “Covêlo do
deia com futuro”, assim classificada pelo “Estudo
Monte é uma aldeia com especiais par-
Estratégico de Valorização de Aldeias”, promovi-
ticularidades e um elevado potencial,
do pela DOLMEN, em 2015. Naquele documento,
associado, sobretudo, à exploração de
pode ler-se que “Covêlo do Monte apresenta ca-
diferentes atividades no setor primário,
racterísticas muito próprias, designadamente de
mas também no Turismo”.
Outra vida para a Hidroelétrica do Ôlo
A
credite-se que, no decorrer da comemoração do centenário da Hidroelétrica de Ôlo, em 2018, uma vaga de fundo, em que as sinergias da população ribeirinha do rio Ôlo, em estreito abraço e em sintonia com as entidades públicas e privadas, se desenvolverá para uma intervenção conducente à recuperação desta Central e equipamentos adjacentes e, - quem sabe? - erigir um espaço museológico condigno para a História de Amarante (…)”. Este é um desejo expresso num folheto distribuído, em fevereiro, aos participantes na “Marcha das Papas”, integrada na Feira das Papas de Ôlo, cujo percurso incluía uma passagem por aquele equipamento, desativado na década de 1980 e, desde então, vítima de vandalismo e de roubos sucessivos, sobretudo de cobre, um material transacionado a bom preço no mercado. Para que o edifício da central pudesse ser visitado, foi necessário cortar o mato à sua volta, que ali foi crescendo sem qualquer manutenção, tendo a visita dos “marchantes” constituído uma ação de sensibilização destinada a ganhar adeptos para a causa da preservação do que res-
ta daquele empreendimento que, durante cerca de três décadas, abasteceu de energia elétrica a cidade de Amarante. Pertença do Município, a propriedade da Central Hidroelétrica de Ôlo chegou, na segunda metade dos anos de 1990, a ser reivindicada por um investidor da região, que ali pretendia instalar uma mini-hidrica, um investimento muito em voga naquela altura. Tal não viria a concretizar-se e a propriedade pública do equipamento foi afirmada. A eventual criação de uma área museológica voltaria a dar vida à Central e não deixaria de ter repercussões nas freguesia de Ôlo e Canadelo, designadamente, pelos visitantes que ali levaria, vindo a ser mais um atrativo com repercussões na vida e economia locais. A União das Freguesias de Olo e Canadelo prepara-se, de resto, para celebrar o centenário da conclusão das obras da Central, acrescentando força e visibilidade ao desejo de lhe dar um novo futuro. Entretanto, António Aires, professor, licenciado em História, terá já nas bancas, nessa altura, um livro sobre a Hidroelétrica do Rio Ôlo. Nas páginas seguintes, o autor conta um pouco da história da Central.
E a 4 de abril de 1918 fez-se luz! António Aires
A
16 de Março de 1912 e ao que parece pela primeira vez, o Dr. Lago Cerqueira, "apresenta um anteprojeto e orçamento duma instalação hidroeléctrica para a iluminação da vila, serviço este que intende deve ser municipalizado… na sequência fez ainda várias considerações sobre o assunto e procurou mostrar, com números, as vantagens que para os munícipes e para o cofre municipal podiam advir daquele melhoramento, propondo mesmo que se contraia um empréstimo para o levar a efeito”. Aquela proposta foi aprovada na mesma reunião de Câmara, mas para o avanço da obra era indispensável, porque imposto pela lei (Código Administrativo de 1896) que fossem ouvidos os 40 maiores contribuintes do concelho. Procedeu-se, pois, à convocação dos 40 maiores contribuintes de Amarante, pela Circular nº 70 de 20 de março de 1912, e a reunião veio a realizar-se uma semana depois, a 27 de março, contando com a presença de mais de metade dos convocados que “acordaram por unanimidade, que pela Câmara fosse contraído um empréstimo até à quantia máxima de 20 contos de reis, ao juro de 5%, a amortizar em 20 anuidades, para ser levado a efeito tão grande melhoramento, impondo, contudo, com a condição porém que do competente processo conste documento bastante, assinado por um engenheiro hidráulico fornecidos à Câmara pelo ministério do Fomento, no qual prove que o caudal do rio Ôlo, convenientemente aproveitado em qualquer ano de estiagem, será suficiente para garantir o perfeito funcionamento de uma turbina capaz de fornecer 65 H.P. de força, que pelos estudos já realizados é suficiente para produzir 42/50 KWA, com a tensão de 250 volts, energia com que a casa Siemens Schuerckert-Werke garante a iluminação das ruas da vila e casas particulares, como consta do orçamento apresentado, podendo essa energia durante o dia ser aproveitada para abaste-
O edifício da Central, no início dos anos dois mil, ainda num estado de conservação razoável. Com o tempo vieram a degradação, o vandalismo e os roubos, sobretudo de cobre (segunda imagem na página seguinte), um produto caro e de grande procura no mercado negro.
cimento de água”. O mesmo projecto foi, depois, referendado perante as juntas de paróquia, como impunha a lei, e aprovado pela maioria delas. Em Julho desse ano de 1912, o Dr. Largo Cerqueira pedia à Câmara “autorização para, desde já, proceder a todas as formalidades legais tendentes a obter do Governo a concessão da queda do rio Ôlo, necessária à instalação de luz elétrica nesta vila” que só foi concedida a 10 de setembro
Efeméride 55
de 1942. O projecto foi submetido a consulta pública, por parte da autoridade competente (Primeira Direcção dos Serviços Fluviais e Marítimos), como o comprova a afixação de editais nas freguesias afectadas pelo empreendimento. Na sequência desta consulta, alguns proprietários de engenhos ribeirinhos do rio Ôlo apresentaram as suas reclamações, situação que veio a ser ultrapassada, tendo o Dr. António Lago Cerqueira chegado a uma solução conciliatória com todos eles. Todos receberam a indemnização acordada! A concessão, tardia, foi emitida a 10 de Setembro de 1942, pelo Ministro das obras públicas e Comunicações, Duarte Pacheco, o que não impediu que a central entrasse em funcionamento em Março de 1918, dado que para o efeito tinha uma licença passada pela Primeira Direcção dos Serviços Fluviais e Marítimos. É um documento que se alarga em 34 artigos, sendo de realçar, a meu ver, o Artigo 1º, que se refere ao serviço concedido: Artº 1º- Serviço concedido: “A concessão a que se refere o presente caderno de encargos tem
56 Efeméride
por objecto o estabelecimento e a exploração das obras hidráulicas e da oficina destinada a obter o aproveitamento hidroeléctrico da energia potencial do rio Ôlo, no sítio de Fridão, no troço do rio compreendido entre a secção que fica a 350 metros a jusante da confluência do ribeiro de Orde(n)s e a secção que fica 500 metros a jusante da confluência do ribeiro da Macieira, na freguesia de Fridão, e concelho de Amarante”. A queda útil máxima é fixada em 26 metros. O caudal máximo concedido é de 1.000 litros por segundo. A potência instalada é de 224 C.V.; e o Artigo 6º sobre as Obras principais: a) Açude; b) Canal de derivação; c) Câmara de decantação; c) Conduta forçada; d) Oficina hidroeléctrica; e) Equipamento mecânico-eléctrico “é constituído por duas turbinas Francis de 112 C.V. cada uma, acionando alternadores de 85 Kva (….)”. Finalmente, a 26 de Agosto de 1914, “o Sr. Presidente da Comissão Executiva apresenta o Projeto da instalação hydro-eléctrica (…)” da autoria do Eng. Tomaz Joaquim Dias. Realizaram-se depois os concursos para adjudicação das obras e equipamentos indispensáveis ao funcionamento da Central. As obras hidráulicas foram arrematadas pela Companhia Geral das Construções Económicas pelo preço de 20.750$00. O material mecânico e eléctrico foi adjudicado à Empresa Eléctrica HBC (Henry Burnay & Cª) pela quantia de 35.108$60. O empréstimo foi sendo alargado, desde os iniciais vinte contos de reis até ao empréstimo total de 120 contos, que se destinou igualmente a outras obras, para além da obra Hidroeléctica. A construção iniciou-se em Outubro de 1915, e as obras deveriam estar concluídas até 19 de Setembro de 1917, “(…) termo último para a conclusão das obras do contrato”. A CMA vai tomar posse administrativa daquelas obras em 4 de Agosto de 1917 e dá-las por concluídas em Dezembro do mesmo ano, tendo o Dr. Lago Cerqueira relatado, em reunião de 12 de Dezembro, a forma como decorreram as obras desde que a Câmara delas tomou posse, e justificado com documentos todos as compras e pagamentos que foi necessário efectuar para a sua conclusão. Entretanto, em Amarante foram-se realizando as obras de instalação da rede pública e de alguns particulares, até que pela uma hora da madrugada do dia 4 de Abril de 1918… fez-se luz!
Papas de Ôlo vão ter Confraria
A
última Feira das Papas de Ôlo, que
giu foi conseguida pela manutenção da sua ge-
teve lugar em fevereiro, foi, das onze
nuinidade ao longo das 11 edições que já leva,
já realizadas, a que mais comensais
sem cedências em termos de qualidade, estando
levou àquela freguesia do Marão. No
a ser aproveitada pela Junta de Freguesia como
total, a organização disponibilizou 1000 pratos,
estratégia para dar visibilidade e notoriedade a
o que significa que terá servido à volta de 3000
Ôlo, tendo como fim o desenvolvimento local.
papas, e estima que pela feira tenham passado mais de 2500 pessoas.
Integrando, hoje, Olo, a União de Freguesias (UF) com Canadelo, uma “aldeia com futuro”
Tendo em conta que Olo tem 371 habitan-
(v. anterior edição de AM) com quem partilha o
tes (censo de 2011), fica-se com uma ideia da di-
rio e onde são relevantes os atrativos turísticos,
mensão que o evento está a atingir e do número
começa a desenhar-se um plano de desenvolvi-
de forasteiros/visitantes que, todos os anos, pelo
mento integrado para o território das duas fre-
Carnaval, sobe a Ôlo.
guesias, assente no Turismo, com roteiros que
A verdade é que a Feira das Papas de Olo
incluirão, por exemplo, do lado de Ôlo, a Central
é, hoje, um evento incontornável na agenda de
Hidroelétrica (v. texto nas páginas anteriores) e
Amarante, sendo certo que a dimensão que atin-
os fornos de cal do lado de Canadelo, como de-
Aldeias 57
CRÓNICA fende Rui Leite, Presidente da UF de Olo e Canadelo. A Feira das Papas, essa, continuará a levar, pelo Carnaval, muitas pessoas a Ôlo, mas, a partir do próximo ano, se se concretizar a constituição da Confraria das Papas de Ôlo, gerará, por certo, outros eventos e visitas de gastrónomos e confrades de organizações similares. A constituição da Confraria das Papas de Olo é defendida por Rui Lei-
Sandra Marinho*
te (na segunda imagem com João Pedro Cunha, presidente da Associação Em-
As virtudes da incoerência
presarial de Amarante - AEA) por razões diversas. Por um lado, o evento está consolidado, é suficientemente conhecido e goza de elevada reputação, sendo relativamente fácil ser apadrinhado pelo roteiro gastronómico nacional. Por outro, o autarca defende que a realização da Feira das Papas deve sair da alçada da Junta e passar para uma organização constituída no seio da sociedade civil, embora deva continuar a ser apoiado institucionalmente pela autarquia.
OLGA CAVALEIRO CONHECEU FEIRA DAS PAPAS DE ÔLO Dar a conhecer as características das papas que se servem em Olo, bem como a dimensão da feira, e saber da recetividade da Federação Portuguesa das Confrarias Gastronómicas (FPCG) para apoiar e integrar no seu seio a Confraria das Papas de Olo, foram as razões que levaram Rui Leite a convidar Olga Cavaleiro, Presidente da FPCG, a deslocar-se a Ôlo, em fevereiro passado. Do que viu, do enquadramento que constatou, do seu convencimento da genuinidade do “produto”, Olga Cavaleiro
Olga Cavaleiro, à direita na primeira imagem, visitou a Feira das Papas de Ôlo e “deu luz verde” à criação da respetiva Confraria. O evento é, todos os anos, antecidido de uma marcha, que, na última edição, levou os comensais à Central Hidroelética.
58 Aldeias
ficou convencida e não só deu luz verde, como incentivou a criação da Confraria das Papas de Ôlo, entidade que começa a dar os primeiros passos e que deverá já organizar a 12ª edição da Feira das Papas, no Carnaval do próximo ano.
T
enho dado por mim a estranhar a forma como, em contextos vários, assisto à defesa de um atributo, como se tivesse valor em si próprio: a “coerência”. Não são raras as vezes em que oiço coisas como “Mas pelo menos é coerente!” ou “Mas há que lhe reconhecer a coerência!”, como se ser-se coerente fosse uma virtude que, de imediato e à partida, nos exonera de uma falha prévia. Na verdade, estou convicta de que há muitas virtudes na incoerência. Não vejo que mal há em mudar de ideias. É o que nos acontece ao longo da vida, à medida que vamos lendo mais, vendo mais e ouvindo mais. Para isso, temos de querer ler mais, ver mais e ouvir mais. Temos de nos deixar confrontar por perspetivas que nos contrariam, surpreendem e, por vezes até, irritam, de tão longe que estão dos juízos com que nos formámos (e com que nos formaram). O resultado não é sempre o mesmo: umas vezes mudamos o que pensamos, outras reforçamos as nossas convicções. Sair da “bolha” também pode servir para isso: para encontrarmos argumentos revigorados para as nossas crenças. Qualquer um dos resultados é bom e legítimo e é, do meu ponto de vista, melhor, porque resultou da abertura à possibilidade do diferente. De resto, e em defesa da coerência e da falta de disponibilidade para mudar, admito que não há nada que, a esta altura da vida, me convença a ter paciência para ler sequer duas linhas escri-
tas por quem negue o Holocausto ou defenda a pena de morte. Tenho sido convictamente e coerentemente avessa a qualquer uma dessas perspetivas. E vivo muito bem assim. Seja por medo, arrogância ou simples alheação, parece que somos programados para resistir ao que possa fazer-nos mudar de ideias [é claro que isto também nos levaria por outro caminho, aquele em que se ouve dizer “Mas, pelo menos, mudou-se alguma coisa!”, como se a mudança fosse algo bom por si só, um cenário em que, aparentemente, ir para pior até é aceitável, porque o que importa é mudar – mas isso é outra conversa, não é a que nos ocupa aqui hoje e não é deste tipo de mudança que falo]. Outra coisa é exigirmos, aos outros e a nós próprios, um tipo diferente de coerência: a que vem da consonância entre o que dizemos e o que fazemos, mesmo quando ninguém está a ver. Especialmente quando ninguém está a ver. Esta é uma virtude e bem difícil de alcançar. Na verdade, duvido que alguém consiga dizer que é absolutamente coerente nestes termos. Já todos nos apanhámos em falta. Espera-se, contudo, que, no mínimo, tentemos. Mas voltemos ao assunto que aqui me trouxe, e em jeito de saída: termos, consistentemente, opiniões e atitudes xenófobas só faz de nós coerentes - coerentemente xenófobas. Xenófobas. Só isso. * Professora Universitária
Crónica 59
Petsland: nutrição e serviços de qualidade O que é que uma alimentação correta e equilibrada tem a ver com a saúde e bem-estar dos animais de estimação? Tudo, é a resposta. Criando complementaridade com o Centro Veterinário de Amarante, cuja equipa é liderada pelo Dr. Pedro Lino Soares (imagem na página ao lado), abriu, recentemente, em Amarante, a Petsland, cuja missão é prestar aconselhamento na alimentação de animais de estimação, disponibilizando produtos selecionados e de qualidade.
60 Petsland conteúdo patrocinado
O
s proprietários de animais de estimação de Amarante têm, atualmente, à sua disposição uma gama de produtos alimentares de qualidade comprovada, graças à abertura de um novo espaço comercial contíguo ao Centro Veterinário de Amarante, na Rua do Salto (ao lado da Estrada Nacional 15), dedicado ao bem-estar e à alimentação saudável. Na Petsland, a oferta centra-se numa série de artigos devidamente certificados e de qualidade atestada, nomeadamente pela equipa do Centro Veterinário de Amarante. “São produtos que, em termos de valor, apresentam relação qualidade-preço muito interessante e com os quais estamos familiarizados no Centro Veterinário”, afirma o Dr. Pedro Soares, fundador de ambos os serviços. “A questão da nutrição é importante, pois
está cientificamente comprovado que grande parte dos problemas gastroentéricos e alergias são causados pela própria alimentação. Aliás, a maioria das consultas médico-veterinárias estão relacionadas com uma alimentação nutricionalmente pobre”, salienta. Para além da nutrição, o novo espaço comercial dedicado aos animais de estimação oferece uma vasta gama de acessórios, brinquedos e serviços adicionais, nomeadamente “grooming”, spa e tosquia.
Uma nutrição equilibrada e de qualidade é fundamental no bem estar e saúde dos animais de estimação A alimentação equilibrada e um estilo de vida ativo são tidos, hoje em dia, como as chaves para uma vida longa e saudável dos animais de estimação. A nutrição como forma de prevenir problemas de saúde começa a ser um conceito que os proprietários de animais domésticos estão a adotar, apesar de ainda existirem algumas dúvidas, particularmente pela falta de informação creditada e de marketing excessivo. A prescrição de dietas específicas é um exemplo de como os médicos veterinários recomendam a alimentação para resolver questões
de saúde, sobretudo alergias e distúrbios alimentares, tais como a obesidade. O excesso de peso é, aliás, um dos problemas que mais afeta a população canídea e felina, sem dúvida originado no sedentarismo. Os proprietários também podem contribuir com uma nutrição equilibrada, de forma a proporcionar aos seus animais maior longevidade e bem-estar, evitando, assim, a ocorrência precoce de certas patologias. “A alimentação prescrita é usada pelos médicos veterinários para corrigir determinadas patologias ou como complemento a certos tratamentos. Estes tipos de alimentos não são prescritos para um animal em estado de boa saúde. Nesse caso, o proprietário tem outras opções, nomeadamente as dietas fisiológicas de gama Premium ou Super Premium, pois são as mais completas do ponto de vista nutricional”, explica o médico veterinário Pedro Soares. Atualmente, há um mercado que se especializou em produtos de qualidade, pensados e projetados para uma dieta diária equilibrada e tendo em conta diversos fatores, nomeadamente raça, peso, idade e estilo de vida. Adicionalmente, este tipo de alimentação não contém os subprodutos de origem animal, corantes e aditivos existentes em produtos de qualidade inferior, um facto muitas vezes do desconhecimento do cliente que se orienta, sobretudo, pelo fator preço.
conteúdo patrocinado Petsland
61
Centro Veterinário de Amarante - rigor, fiabilidade e confiança
E
m funcionamento desde agosto de 2014, o Centro Veterinário de Amarante é o mais recente e mo-
derno serviço de assistência veterinária do concelho, assente em princípios de rigor, qualidade e confiança. Nesta Clínica, localizada no Edifício do Salto, os proprietários de animais de estimação têm acesso a um vasto leque de serviços, nomeadamente consultas de clínica geral e de especialidade, cirurgias, ecografias, raios-X, análises clínicas na hora, internamento e vacinação, entre muitos outros. A oferta abrange também a prestação de cuidados veterinários ao domicílio e um importante serviço de urgência, 24 horas por dia, durante todo o ano, à distância de um telefonema (965 470 660). “Os proprietários são, hoje em dia, bastante
exigentes
e
preocupam-se
quando se trata da saúde dos seus animais de estimação, pois na nossa terra começam a ser encarados como membros da família. A nossa filosofia de trabalho assenta, sobretudo, na educação do nosso cliente, fornecendo-lhe toda a informação possível sobre o estado de saúde do seu animal e das várias opções de tratamento, tendo em consideração a sua capacidade financeira. Existe sempre um plano A, B ou C. Por regra, recomendamos e praticamos o plano A, que é o de excelência”, conclui o Dr. Pedro Soares.
62 Petsland conteúdo patrocinado
de terrenos naquela zona. Na Rampa Alta, a Rua António Teixeira de Queirós, figura amarantina, natural de S. Gonçalo, amigo de Teixeira de Pascoaes e Ilídio Sardoeira, foi escritor, poeta, novelista e jornalista no semanário Flor do Tâmega. “Achamos que dada a extensão da atual União de Freguesias e a existência de um número significativo de pessoas com dignidade e mérito para serem reconhecidas, é mais que justo e razoável que o critério para determinar a toponímia seja baseado na ligação e no que determinada figura representa para a nossa cidade e até para o local em questão”, explica Joaquim Pinheiro, presidente daquela autarquia. De acordo com a legislação em vigor, a determinação da toponímia recai sobre as Câmaras Municipais que, no âmbito dos respetivos processos, tem de ouvir a Junta de Freguesia. Neste caso, explica o autarca, a UF “adiantou-se no
Dar às ruas o nome dos nossos Já lá vai o tempo em que os nomes das ruas das localidades eram (somente) de figuras nacionais, muitas vezes sem qualquer ligação às terras e desconhecidas das populações. Hoje, homenageiam-se
das personalidades a homenagear obedeceu a um critério ajustado à nova realidade que resultou da reorganização administrativa das antigas freguesias de Amarante (São Gonçalo), MadaleEduardo Teixeira Pinto, natural de São Gon-
rante, defende que a toponímia deve home-
procedimento, realizando o trabalho de recolha e
nagear figuras locais com dignidade e mérito
pesquisa antecipadamente”.
bastante para merecerem reconhecimento.
Relativamente ao nome de homens que perderam a vida na Guerra Colonial, parte deste trabalho já tinha sido realizado, aliás, por iniciativa própria de um cidadão que integra a Junta de Freguesia. Graças à persistência e determinação deste ex-combatente, os nomes de militares de Amarante que faleceram no conflito que ficou conhecido como a Guerra Colonial fazem parte, hoje, dessa lista de pessoas “com dignidade e mérito para serem reconhecidas” em toponímia.
na, Cepelos e Gatão. çalo e cujo nome foi atribuído a uma calçada na
Joaquim Pinheiro, Presidente da UF de Ama-
A ideia tomou forma há cerca de 12 anos, tendo, na altura, apresentado uma proposta que acabou por não ser aprovada. Um episódio “desagradável e infeliz” para Mário Dinis, que mesmo assim não baixou os braços. Aproveitando um momento de distribuição de documentos para a realização das eleições, endereçou uma missiva a todas as juntas de freguesia de Amarante, na qual identificava os militares falecidos de cada uma, sugerindo que se adotassem os seus nomes
UMA QUESTÃO DE JUSTIÇA
para novos topónimos que, aliás, começavam a escassear.
margem direita do rio Tâmega, foi selecionado
“Depois de mais de uma década de esforços e
“Acredito que, na altura, tínhamos mais ruas
pela autarquia por ter sido ali que muitas das
tentativas, finalmente fez-se justiça a um grupo de
que nomes para lhes dar. Poucas foram as fregue-
suas icónicas fotografias foram feitas, por exem-
pessoas que deu tudo o que tinha a dar pelo seu
sias que aproveitaram a oportunidade, mas acho
plo. Para a continuidade desta marginal, entre a
país, incluindo a sua própria vida”, adianta Mário
que pelo menos uns três ou quatro nomes acaba-
Ponte de S. Gonçalo e a Nova Ponte, foi escolhido
Dinis, atual tesoureiro na União de Freguesias de
ram por ser atribuídos”, adianta.
Paulo Alexandre Teixeira
o nome de António Carneiro, que além de fundar
Amarante e o precursor da ideia de atribuir os to-
Pouco tempo depois da entrada em funções
os heróis locais, as figuras populares, os beneméritos.
A
o jornal Flor do Tâmega que se constituiu não só
pónimos a militares falecidos na Guerra Colonial
do atual executivo da União de Freguesias de
proposta de novos topónimos resulta
num jornal noticioso, mas também literário, dei-
(1961–1974).
Amarante, o ex-combatente reintroduziu a pro-
de um profundo trabalho de bastido-
xou-nos fotografias que permitem perpetuar o re-
Por iniciativa própria, foi este ex-combaten-
posta de atribuir novas toponímias a militares fa-
res que requer, por parte das autar-
gisto histórico daquela paisagem. Perto da Escola
te que encetou esforços e contactos para obter
lecidos e registados pelas extintas freguesias que
quias, um moroso processo de consul-
Básica Amadeo Sousa-Cardozo, a Rua Comenda-
uma lista dos militares registados no concelho
atualmente compõem a União de Freguesias de
ta de documentação, contactos com familiares e
dor José de Abreu, recebeu esta designação não
que faleceram nas guerras de África. Ao todo são
Amarante (São Gonçalo), Madalena, Cepelos e
validação de dados. Na União de Freguesias (UF)
só em reconhecimento da carreira política e pro-
52 nomes, acrescido do processo de um desapa-
Gatão. Lista que foi aprovada, de forma unânime,
de Amarante, onde foram atribuídos, nos últimos
fissional daquela figura histórica de Amarante,
recido que aguarda uma decisão final por parte
pelo executivo e posteriormente pela Assembleia
quatro anos, nove novos topónimos, a seleção
mas também pelo facto de que foi proprietário
das autoridades militares.
de Freguesia.
64 Toponímia
Toponímia 65
O Comendador José Abreu, que nos anos
De acordo com o documento que nos foi fa-
te. Entre outros cargos, foi Vice-Presidente dos
cultado por Mário Dinis, há oito nomes de mili-
Assuntos Culturais do Centro da Colónia Portu-
tares falecidos, de patentes diversas, que estão
guesa e Diretor Cultural do Centro da Comuni-
registados neste território e dos quais já foram
dade Luso-Brasileira. Faleceu em Palmeiras, Belo
adotados cinco: Soldados José Coelho do Nas-
Horizonte, Brasil. Dá nome a rua situada na Ram-
cimento (Cepelos), José António Teixeira Pinto
pa Alta.
Tabopan, e Eduardo Teixeira Pinto, fotógra-
Manuel Luís Maia Silva (S. Gonçalo) e Tenente
Eduardo Teixeira Pinto, 1933–2009. Natu-
fo, são dois dos mais recentes topónimos de
José Manuel de Sousa Laranjeira Lima (S. Gon-
ral de São Gonçalo, distinguiu-se como um dos
çalo).
grandes fotógrafos portugueses do século XX. Fi-
(S. Gonçalo), José Cerqueira (S. Gonçalo), Furriel
“Fiquei muito feliz com a decisão, pois, e por
lho do fundador da casa Foto Arte, destacou-se
fim, começámos a prestar o que considero uma
pelo olhar poético que sobressaía nas suas foto-
homenagem justa àqueles combatentes que não
grafias, muitas delas realizadas em Amarante. Dá
puderam regressar e sentir alegria de voltar a ver
o seu nome a uma calçada localizada na margem
Amarante”, conclui.
direita do rio Tâmega, entre a ponte da Ribeira de
OS ÚLTIMOS TOPÓNIMOS De acordo com os dados fornecidos pela União de Freguesias de Amarante, foram implementados os seguintes nove novos topónimos na cidade, nos últimos quatro anos: José Joaquim Gonçalves de Abreu, 1914– 2002. Conhecido como Comendador José de Abreu, natural de Freixo de Cima, foi figura proeminente na vida política e empresarial do concelho. Fundador do complexo industrial Tabopan, ocupou o cargo de presidente da Câmara Municipal de Amarante (1966-74) e lançou o jornal Notícias de Amarante, entre outros. Dá o seu nome a
Pedra D´Era (Bucas) e a ponte de São Gonçalo. António Teixeira Carneiro Júnior, 1872– 1930. Pintor, ilustrador, poeta e professor natural de São Gonçalo. Lecionou na Academia das Belas Artes do Porto e foi, entre outros, diretor da revista portuense Geração Nova e membro da sociedade Renascença Nova. Dá nome a calçada na margem direita do rio Tâmega, entre as pontes de São Gonçalo e Nova. Soldado José Coelho do Nascimento, de Cepelos, faleceu a 6 de outubro de 1967 ao serviço
de 1960 e 1970 dava emprego direto a mais de duas mil pessoas nas suas indústrias
Amarante, na sequência da política adotada pela União de Freguesias de homenagear figuras locais de mérito. Antes deles, também Armando Pereira dos Anjos, que todos conheciam como “Armandinho” (na imagem, com a esposa), havia emprestado o seu nome a um arruamento na zona de S. Lázaro. Esta política de “dar às ruas o nome dos nossos”, haveria também de homenagear alguns filhos da terra caídos em combate na guerra colonial.
da Companhia de Artilharia 1661, na Guiné. Dá nome a rua entre o Terminal de Autocarros do Queimado e o Hotel Navarras, à entrada do Ar-
travessa entre a Alameda Teixeira de Pascoaes e
quinho.
a Ponte Nova (paralela ao Mercado Municipal).
Tenente José Manuel de Sousa Laranjeira
Furriel Manuel Luís Maia Silva, de São Gon-
António Teixeira de Queirós, 1915–1981.
Lima, natural de São Gonçalo, faleceu a 24 de
çalo, faleceu a 1 de junho de 1971, ao serviço
Natural de São Gonçalo, foi homem de letras,
outubro de 1972, ao serviço do Batalhão de Pa-
caixeiro viajante, funcionário público e emigran-
raquedistas Nº 21, em Angola. Dá nome a rua e
rua situada junto à Escola Básica Amadeo Sousa Cardoso, local onde terá sido proprietário de vários terrenos.
da Companhia de Caçadores 3304, na Guiné. Dá nome a rua e travessa ao lado do edifício Carvalhido, na zona popularmente conhecida como “Oliveiras”. Soldado José Cerqueira, de São Gonçalo, faleceu a 30 de abril de 1968, ao serviço da Companhia de Caçadores 1911, na Guiné. Dá nome a rua paralela ao Mercado Municipal. Soldado José António Teixeira Pinto, de São Gonçalo, faleceu a 15 de agosto de 1962, ao serviço da Companhia de Cavalaria 350, em Angola. Dá nome a rua paralela ao Mercado Municipal.
CRÓNICA
Telma Pinto Ferreira*
O “fantasma” da Ostomia
P
rovavelmente, nunca refletiu sobre isto, mas, atualmente, em Portugal, existem cerca de 20 mil ostomizados. Destes, 211 são utentes ostomizados no ACES Baixo Tâmega, e 69 em Amarante. Fazia ideia? São dados que, ano após ano, têm tido um franco crescimento. Dos cerca de 20 mil ostomizados, entre 80 a 90 por cento são doentes do foro digestivo, urológico e otorrinolaringológico. Uma população que se vê obrigada a adaptar-se ao diagnóstico de cancro e, ao mesmo tempo, adaptar-se também a todas as consequências de uma cirurgia traumatizante e, de certo modo, mutilatória. Durante largos anos, dados como estes passaram, por mim, completamente despercebidos. Contudo, em 2015, e fruto de negligência médica na realização de uma colonoscopia de rotina, a minha mãe foi submetida a uma colostomia, depois de lhe terem perfurado o intestino. Uma fatalidade que alterou, por completo, as nossas vidas, ao longo de 14 intermináveis meses. Dizer que foi um processo difícil, é muito pouco, perante tudo o que aconteceu. Alterou rotinas, provocou revolta, incompreensão, e trouxe medos, dúvidas, incertezas, e a inicial não-aceitação desta mudança. Afinal de contas, tememos sempre aquilo que não conhecemos. Felizmente, no caso da minha mãe, este processo foi reversível. Neste espaço de opinião que me é destinado, decidi, por isso, abordar este tema, na tentativa de mudar o estigma que existe com as pessoas ostomizadas, no sentido de mostrar que é importante ajudar, compreender e, sobretudo, apoiar. Os olhares recriminatórios e de nojo, que tantas vezes as outras pessoas lançam, são altamente condenáveis. Todo o processo de uma colostomia é difícil, e é extremamente importante que a população aceite, ajude e reintegre os ostomizados. Em Amarante, por exemplo, já existe uma Associação Nacional de Ostomizados, denominada “ANOXV”, e que foi fundada a 01 de junho de 2015. Um dos seus grandes objectivos é, precisamente, o apoio personalizado aos ostomizados, familiares e cuidadores, fomentando a partilha de experiências e a divulgação
68 Crónica
da informação necessária para a sua reintegração social. Outro grande objetivo da ANOXV passa pela sensibilização e desmistificação, junto da sociedade civil. Isto porque, grande parte da população desconhece, por completo, a patologia em causa, e, nesse sentido, a Associação pretende mudar esta realidade, para permitir uma melhor reintegração dos ostomizados. A presidente desta Associação, Léa Pinheiro, também ela ostomizada, determinada a ter mais qualidade de vida, desenhou um modelo de saco de ostomia, que não encontrou no mercado nacional ou internacional. O Suporte Saco de Colostomia (SSC), como designou o produto, permite fazer uma vida normal a qualquer doente ostomizado. Este SSC tem em conta a proteção da pele da parede abdominal, reduzindo significativamente as alterações cutâneas circundantes do estoma. Assegura ainda uma distribuição uniforme do peso do saco e placa, pela cintura e dorso, eliminando a concentração no local do estoma. Por tudo isto, promove uma franca melhoria do aspeto estético, um factor também importante, uma vez que esconde totalmente o conjunto saco/placa. A par desta inovação, a Associação ANOXV e a Câmara Municipal de Amarante implementaram, numa iniciativa inédita, o Dia Amarantino (Municipal) do Ostomizado, celebrado a 26 de outubro, sendo que Amarante é o primeiro município, em Portugal, com esta iniciativa. Também a Associação Portuguesa de Ostomizados (APO) comunicou, há alguns meses atrás, que, a partir de 01 de abril deste ano, os produtos de ostomia iriam ter uma comparticipação de 100 por cento, ou seja, passariam a ser gratuitos. Como se vê, aos poucos, vão sendo implementadas melhorias e inventados produtos, com o intuito de aumentar a qualidade de vida dos ostomizados. No entanto, a mudança mais difícil é mesmo a mudança de mentalidades. E, para mudar comportamentos, é imperativo mudar mentalidades.
* Jornalista
tiam passagem de pessoas e bens entre as margens do Tâmega. “Acredito que é única e exclusiva deste rio e, mais precisamente, a Amarante”, explica António Patrício, descendente de construtores de guigas, “pois é um barco elegante, diferente de todos os O que distingue uma guiga das outras embarcações, afinal? Comecemos pelo facto de que a popa é proa e a proa é popa. Sendo iguais, o remador pode decidir na direção em que se desloca,
Rui Casanova
outros”.
para trás (a melhor opção) ou para a frente. Por seu lado, os remos trabalham a partir de um ponto ligeiramente distanciado da meia-nau e do assento do remador. A combinação destes pormenores confere à guiga um dos seus aspetos mais venerados, por assim dizer, por quem a conhece melhor: ao deslocar-se, a proa ergue-se ligeiramente, a Rui Casanova
animal empinado, “desliza como uma fo-
Das guigas e outras embarcações Barcos, houve muitos no Tâmega, mas só a
Paulo Alexandre Teixeira
guiga conseguiu agarrar os corações de gera-
A
ções de entusiastas, que a utilizaram para atividades lúdicas, para a pesca e para o turismo. Única de nome e de desenho, encerra em si uma história dos ofícios e da transmissão oral do saber ao longo de séculos. Imortali-
pesar de ser considerada um dos ex-libris da cidade e objeto obrigatório nas suas coleções de postais, pouco ou nada mesmo se sabe sobre as ori-
gens da guiga ou de como esta embarcação de lazer apareceu nas margens do rio Tâmega. Cer-
zada pela lente de Eduardo Teixeira Pinto e,
to é que os detalhes da sua construção se trans-
mais tarde, por verdadeiras legiões de turistas
mitiram, oralmente, ao longo de várias gerações
de câmara em punho, a guiga acena-nos, sobretudo, com uma história ainda por escrever da importância que os barcos e barcas tiveram, ao longo dos tempos, para a população das zonas ribeirinhas de Amarante.
70 Barcos
de, sobretudo, carpinteiros e na sua última iteração, serralheiros. Aliás, este tipo de embarcação, usada na pesca e passeios ao longo do rio, é o único que sobreviveu até aos nossos dias da pequena frota de barcos e barcas que, durante séculos, garan-
lha” na água. “Rema-se com facilidade, mas precisa de um remador experiente, que conhe-
Rui Casanova
popa afunda-se e a embarcação, qual
ça o rio, para se poder orientar e manter o curso”, acrescenta António Patrício. Isto
Mas os detalhes não se esgotam
porque não tendo uma popa “cortada e
aqui: na pintura, a tradição manda que
reta” como a maioria dos barcos de rio,
se alterne entre o branco, comum a qua-
a guiga tem a tendência de se desviar
se todas, e uma cor contrastante à es-
facilmente da sua rota.
colha do construtor e com a adição de
Há mais pormenores que a distin-
um importante detalhe estético: uma
guem das restantes embarcações, con-
pequena faixa horizontal preta, ao lon-
tudo. Tanto proa e popa (construídas de
go da linha de água, para dissimular a
carvalho, o restante em pinho) são fe-
sujidade que se vai acumulando naque-
chadas por uma cobertura em arco que,
la zona.
aliás, se irá transformar numa impor-
“E há outro pormenor interessante:
tante medida de segurança em versões
tanto quanto sei, há poucos barcos de
mais modernas.
rio que tenham uma designação própria.
Em termos de medidas, o desenho geralmente cumpre as regras que se
Icon presente em qualquer postal ilustrado de Amarante, a guiga remete-nos, sobretudo, para uma história ainda por escrever e que há de contar a importância que os barcos e barcas tiveram, ao longo dos tempos, na vida das populações ribeirinhas.
Guiga de nome, só mesmo em Amarante”, acrescenta António Patrício.
estabeleceram, não se sabe por quem
Apesar de todas as suas vantagens,
nem quando: não mais de cinco assen-
a guiga de madeira era uma “dor de ca-
tos, entre os quatro e os cinco metros de
beça” em termos de manutenção. Pesa-
comprimento, um de largura e quarenta
da, raramente se retirava da água pois
centímetros de altura.
uma vez seca, era preciso repetir todo o
Barcos 71
devolver ao rio. E a pintura tinha que ser renova-
que o normal”, relembra.
da a cada dois anos, altura em que se procedia à
O ligeiro contratempo não o impediu, contu-
reparação de eventuais danos na estrutura. Isto
do, de introduzir uma série de melhorias no de-
para não falar das questões de licenciamento,
senho: popa, proa, tubagem do cavername e até
que requeria o pedido e emissão de dois docu-
os assentos traseiros foram selados, originando
mentos. “Não obstante, havia um verdadeiro sen-
caixas de ar estanques que evitam o afundamen-
timento de orgulho, mesmo de vaidade, por parte
to da embarcação, caso se encha de água.
de quem as construía, tanto por ter o dom do saber
Mas o maior ganho traduziu-se no peso: no
fazer como dos anos e anos que duravam no rio”,
mínimo, assegura o seu construtor, 1/5 ou me-
acrescenta o nosso interlocutor.
nos do das embarcações de madeira. Para além de ser mais fácil de remar, a nova guiga podia ser
GUIGA, VERSÃO 2.0 Tal como outros ofícios locais, a arte de construir guigas de madeira começou a perder terreno para novos métodos de construção, por volta dos finais dos anos setenta do século passado. De que haja memória, os irmãos Patrício (Sílvio e Fernando) e António “Pisco” Ribeiro foram os últimos artesãos a trabalhar com este material. Após regressar de França, onde esteve emi-
retirada do rio em altura de cheias e devolvida à água sem a necessidade de grande manutenção. Estas vantagens não passaram despercebidas e não tardou muito que a guiga de chapa metálica se tornasse no barco predominante no rio. Aliás, graças ao novo método de construção, acabou por sair do Tâmega rumo a Mirandela, Braga e Vizela, entre outros locais, através de aquisições por parte de autarquias e privados.
grado, o serralheiro Joaquim Aguiar decidiu ten-
Por volta dos anos setenta do século passado,
tar reproduzir a guiga numa versão em chapa
a madeira cedeu à chapa de ferro na constru-
de ferro. O desenho não lhe era estranho, pois cresceu praticamente em frente à carpintaria da família Patrício, em São Pedro. “Fui ao rio tirar as medidas a uma e quando comecei a cortar o fundo, pensei que me tinha enganado. Preceu-me tão pequeno que decidi adicio-
ção das guigas, uma “inovação” introduzida por Joaquim Aguiar, emigrante regressado de França. Ganhou-se em estabilidade, na diminuição de peso e na manutenção, muito
nar mais uns centímetros. Ora, quando a comecei a
menos exigente. E o novo modelo foi mesmo
montar, por causa daquelas proas elevadas, a gui-
exportado para outros rios.
E DEPOIS, A GAIVOTA Apesar de todas as vantagens dos novos materiais, as guigas continuaram a apresentar desafios, sobretudo a quem as usava ocasionalmente, como era o caso dos alugueres de verão. Aliás, o aluguer de guigas para fins turísticos já se fazia há várias décadas, muitas vezes com os proprietários a servirem de remadores. Barco imprevisível em termos de orientação, ainda apresentava algum
Eduardo Teixeira Pinto
ga cresceu e acabou por ser 20 centímetros maior
esforço ao iniciante e muitas foram as que acabaram abandonadas, longe do seu local de aluguer, rio abaixo. Eis então que surgiu, pela mão de Joaquim Aguiar, a gaivota amarantina. Inspirado numa jangada metálica que vira ser construída em França, idealizou a sua própria versão: dois tubos estanques que suportam um estrado com quatro assentos e um sistema de propulsão a pedais. Um guarda-sol colorido protege os utilizadores e dá um retoque estético que não passa despercebido a quem vê as gaivotas das margens. Tal foi o sucesso do desenho que, por alturas dos anos 90, havia mais de 50 gaivotas no rio e vários operadores a competir pelo negócio de aluguer. Heresia, disseram alguns, mas a realidade é que a gaivota era, e continua a ser, o barco preferido dos turistas. “É o que pedem sempre: gaivota, gaivota, gaivota. Na altura criticaram-me e até compreendo que quem seja de Amarante prefira a guiga, mas acredito que a nossa gaivota, com um desenho único, fica muito bem no rio. É outro espetáculo”, conclui.
ESQUECIDOS PELA HISTÓRIA
Paulo Alexandre Teixeira
trabalho de calafetação e isolamento antes de a
longo do Tâmega. Da profissão de barqueiro, hoje só a alcunha se transmitiu aos descendentes. Contudo, ainda há quem se lembre da importância que esta atividade teve para as populações ribeirinhas do concelho. “Quando fomos trabalhar nas minas de Vieiros (Fridão) era o barco e o seu barqueiro que nos atravessavam de manhã e à noite. E de Fridão, vinham pessoas para trabalhar nas fábricas deste lado do rio”, relembra Júlia “Barqueira” Ferreira, de Gatão. Hoje com 91 anos de idade, expli-
Mas se guiga e gaivota ganharam
ca que ganhou a alcunha depois de se
um lugar na história da cidade, o mesmo
casar com Manuel “Barqueiro” Teixeira,
não se pode dizer das restantes embar-
muito provavelmente um dos últimos
cações que, durante séculos, foram uti-
barqueiros do concelho.
lizadas para diversos fins comerciais, ao
As guigas dos anos 50 do século passado, já não têm muito a ver com as que hoje “estacionam” nas margens do Tâmega, sem poderem concorrer com as gaivotas. (Primeira imagem: “Guigas na Bruma”, de Eduardo Teixeira Pinto. Créditos da Associação para a Criação do Museu Eduardo Teixeira Pinto).
As manhãs e tardes dos dias de tra-
Barcos 73 Paulo Alexandre Teixeira
A versátil viola amarantina A fadista Ana Moura, com origens familiares em Amarante, parece ser, ainda que involuntariamente, responsável por uma espécie de “segunda vaga” na vida da viola amarantina, depois do renascimento daquele instrumento, há alguns anos conseguido pela associação Propagode. De facto, em entrevista que concedeu à última edição de AMARANTE MAGAZINE, Ana Moura revelou que havia tentado colocar no seu último álbum (“Moura”) o som da viola amarantina, mas, por questões de timmin-
Júlia “Barqueira”
gs, isso não havia sido possível. Porém, foi perentória ao afirmar que quer a viola amarantina na sua banda sonora, o que deixa antever que a usará no seu próximo disco, e isso aumentou o interesse pela viola. Mas, afinal, que instrumento é este, cuja versatilidade lhe permite acompanhar a chula, o malhão, o fado de Lisboa ou de Coimbra?
Paulo Alexandre Teixeira
balho eram pontuadas pelas travessias entre as
soas e cada viagem custava, em média, cinco
margens, graças a um serviço “part-time” provi-
tostões. Porém, quando o rio estava mais bra-
denciado por, sobretudo, moleiros e outras pes-
vo e a travessia era impossível, só sobrava uma
soas que viviam ou trabalhavam por perto das
alternativa.“Tínhamos que nos levantar às três da
margens do rio.
manhã para fazer a viagem a pé, através da ponte
Tal como todas as violas tradicionais portu-
Saiba também como está a ser divulgada,
guesas, também conhecidas por violas de arame,
como foi levada às escolas e onde se apren-
são instrumentos com a caixa de ressonância
de a tocá-la. Eduardo Costa
em madeira, composta de um tampo chato (o da frente da viola) e o tampo das costas, ligeiramente encurvado e quase paralelos entre si. A curvatura que define a silhueta das vio-
algures entre os anos 50 e 60, para se dedicar à
do por uns momentos negros: desde que houvesse
A
lavoura e, mais tarde, à profissão de ferroviário.
por perto uma viola, cavaquinho ou realejo, rapi-
onde ela surge. No entanto, tendo tido a sua ex-
escala entra na zona do tampo frontal e termi-
damente nos esquecíamos de que estávamos can-
pansão pela região do Douro Litoral, foi no Porto
na junto à boca em forma de dois corações. Os
sados, com fome e com sede”, conclui.
que mais foi construída pelos violeiros da região.
corações da viola amarantina têm origem numa
Manuel Barqueiro, falecido há mais de duas décadas, era uma destas pessoas que herdou o
de Amarante. E ao fim do dia, o regresso era feito da mesma forma”, relembra Júlia Barqueira.
serviço e a alcunha do seu pai, proprietário de
“A vida era dura, mas também tínhamos mo-
um engenho de linho no local de Varões. Con-
mentos felizes. É uma das coisas de que tenho sau-
tudo, conta Júlia Barqueira, abandonou a prática
dades da vida de antigamente, apesar de ter passa-
Os barcos, construídos por carpinteiros locais, tinham uma lotação máxima de oito pes-
74 Barcos
las é mais ou menos acentuada, consoante cada
o que é inegável, tal como indica o
Das violas tradicionais de Portugal conti-
nome que lhe foi atribuído, Amarante é a região
nental, a viola amarantina é a única em que a
s origens da viola amarantina per-
viola, com a cinta de "enfranque" formando dois
dem-se no tempo da sua existência
bojos, aliás fator comum a todos os cordofones
e nas estórias da sua história. Mas
da família das chamadas "guitarras" europeias.
Viola amarantina 75
história de amores contrariados, passando a sua
cia na freguesia.
história pelas agora Aboadela e Vila Chã do Ma-
A associação cultural e musical que, num
rão. O encordoamento desta viola é de cinco or-
sentido mais lato, continua a ter como funda-
dens duplas, afinando do agudo para o grave: lá;
mento de ação o gosto pela música tradicional,
fá; si; sol; ré.
tem, agora, como um dos objetivos primordiais
VIOLA AMARANTINA APRENDE-SE NAS ESCOLAS A partir de 2012 o ensino da viola alargou-se às escolas onde dois dos elementos do gru-
Era frequente vê-la nas “Festadas”, onde o
a revitalização do uso da viola amarantina, de-
po, Eduardo Costa e Cândido Costa, tocadores da
seu tocador acompanhava as “Chulas”, caracte-
saparecida do meio musical da região até ao res-
viola amarantina, lecionavam. Daí para cá tem
rísticas da região do Baixo Tâmega. Era tocada,
surgimento do Propagode. Para isso, criou um
aumentado o número de crianças que beneficiam
normalmente, de rasgado, com todos os dedos
espaço de ensino da execução musical da viola
desta actividade. Actualmente, o ensino é reali-
percorrendo as cordas.
amarantina, para adultos e para jovens, e que
zado em cinco sítios diferentes, tendo crescido
funciona na antiga escola primária de Sanche,
em mais um o número de professores a fazer este
por gentileza de cedência das instalações por
trabalho de ensino, depois de Joaquim Campos,
parte da autarquia.
tendo aprendido, também disponibilizou algum
PROPAGODE FAZ RENASCER A VIOLA O Propagode, Associação Cultural e Musical, recentemente criada (2011), tem a sua genese no grupo musical que lhe deu o nome e que teve a sua formação inicial em 1995, quando um conjunto de amigos, que na altura faziam parte da Direcção do Centro Cultural e Recreativo de Sanche, todos eles gostando de música tradicional portuguesa, se juntaram para animar as atividades promovidas pela associação, dentro da freguesia. Aos poucos, o grupo participou em algumas festas e romarias, fora da freguesia de Sanche. Quando oiço uma viola/Logo tiro o meu chapéu/Não se me dá de morrer/Se houver violas no céu Viola que tocas tão bem/Ao ouvir-te me consolo/Fazes lembrar minha mãe/Cantando comigo ao colo Na altura ainda muito jovens, a universidade para alguns e o emprego para outros, levou a que
Desde então têm-se dinamizado “oficinas” de viola amarantina, em vários locais e regiões
Com esta situação, regista-se a necessidade
do país, onde se concentram sempre mais de
de se criar, em Amarante, uma “Escola de Viola
uma dezena de violas, podendo-se destacar: o
Amarantina”, com um espaço adequado e ope-
Festival ByonRitmos; o Festival Andanças; a Fes-
racional. Surge, então, o conceito de “Violateca”,
ta da Quintandona; o Festival Castro Galaico; o Festival Entre Margens. O grupo musical da associação tem mantido alguma atividade de divulgação da música tradicional, tendo já incluídas no seu reportório músicas originais, de cariz tradicional e popular, e está aberto a parcerias e apoios que possam ser disponibilizados, tanto por entidades oficiais como particulares, no sentido de melhorar as capacidades da associação na assunção dos seus objectivos. Sob a presidência de Eduardo Costa, a direcção da associação tem desenvolvido vários projectos de promoção e divulgação da viola amarantina.
o grupo parasse a atividade, voltando a juntar-se em 2009. Tal como no passado, foi essencialmente o gosto pela música tradicional que levou a reerguer novamente o grupo, agora com alguns elementos novos que entretanto fixaram residên-
tempo semanal para o projecto do ensino.
como local de concentração de violas utilizadas para o ensino e “Centro de recursos da viola amarantina”, este último por sugestão do Dr. Luís Gaspar (Presidente da Câmara), quando de uma reunião em que foi solicitado o apoio da autarquia para o desenvolvimento destes projectos. Entretanto, as ideias vão-se desenvolvendo e nasce um projecto pessoal de Eduardo Costa, “Violas na Cidade”, que consiste em colocar em estabelecimentos dedicados à gastronomia e turismo uma viola exposta na decoração dos mesmos, com um quadro explicativo da história da viola, em quatro línguas, locais onde poderão ocorrer concertos de exibição da viola amarantina.
Eduardo Costa (ao centro na imagem) e Cândido Costa (à direita) introduziram nas suas escolas o estudo da viola amarantina.
Depois cria-se o projecto “Patrocinadores da Violateca”, pela necessidade de aumentar o número de violas disponíveis para apetrechar a “Escolas de Viola Amarantina”, quando esta vier a ser uma realidade. Tendo-se previsto que, no final deste projecto, apontado para Junho de 2017,
A partir de 2012, o ensino da viola alargou-
mais de duas dezenas de violas tenham sido ofe-
-se às escolas onde dois dos elementos do
recidas por empresários, comerciantes e parti-
Propagode, Eduardo Costa e Cândido Costa,
culares. Estes patrocinadores terão o seu nome
lecionavam. Desde então, tem aumentado
inscrito num “Quadro de Honra” nas futuras ins-
o número de crianças que beneficiam desta
talações da escola. Para ajudar a financiar custos de manuten-
actividade. Actualmente, o ensino é feito em
ção, foi criado o projecto “Violas da Tradição”.
cinco sítios diferentes. Nas imagens, crian-
Consiste na edição restrita a cinco violas pinta-
ças que frequentam aulas de viola amaranti-
das com referências da tradição portuguesa e de
na na sede da UF de Amarante.
Viola amarantina 77
Amarante, que embora tenham qualidade para
São vários os projetos em torno da viola
se tocar, se destinam a decoração. Apenas serão
amarantina, trabalhando-se, por exem-
editadas cinco de cada pintura. Na sequência, surgem as “Violas de Artis-
plo, na criação de uma “Escola de Viola
tas”. Em que é solicitado a artistas plásticos ama-
Amarantina, com um espaço adequado e
rantinos que criem numa viola a sua expressão
operacional”. O aumento do número de
plástica. Estas violas irão fazer parte do acervo
instrumentos disponíveis deve-se, funda-
artístico da escola, não sendo para venda.
António Silva - construtor de violas
mentalmente, ao trabalho de António Silva,
Nicolau Ribeiro
ainda sem nome, que consiste no empréstimo de
artesão com oficina em Gondar e sobre
violas amarantinas, por um período de dois anos,
quem se escreve na página seguinte.
A
Está agora em formação mais um projecto,
a entidades ou associações que queiram comprar violas para promover o seu ensino e divulgação, disponibilizando a Associação Propagode a reali-
dinamizado por Eduardo Costa que, entretanto,
zação de uma primeira “Oficina” de início desses
já realizou concertos de exibição e promoção
projectos.
em Espanha (Allariz, Vigo, Ourense e Zamora)
Por fim, e até ao momento, foi já criado um acervo de materiais relacionados com a viola
e também no Brasil (Belo Horizonte) nas 1ª e 2ª Mostras de Violas de Arame do Brasil.
amarantina, e que compõem uma exposição te-
Todo o desenvolvimento ocorrido, desde o
mática itinerante denominada “Viola Amaranti-
início do trabalho da Associação Propagode, se-
na Renascida”, que já se realizou em Vila Real,
ria muito mais moroso e difícil se não tivéssemos
na sede da Associação Zona Livre, e que depois
entrado em contacto com o António Teixeira da
estará patente em Évora, nas instalações da INA-
Silva que, com a sua capacidade e com a nossa
TEL, por parceria com a Associação PédeXumbo,
ajuda, é hoje um mestre artesão conceituado e
onde será realizada uma “Oficina” e um concer-
fornecedor de um grande número das violas re-
to de exibição e divulgação da viola amarantina,
feridas nos diversos projectos aqui mencionados.
ntónio Silva tem 58 anos, dois filhos, mora em Gondar e, durante cerca de 40 anos, trabalhou na indústria do mobiliário e da carpintaria. Um problema de saúde atirou-o para uma baixa médica prolongada e, para matar o tempo, mas, como diz, “sobretudo por terapia”, dedicou-se ao artesanato. Como tem “alguma formação musical”, acabou a construir instrumentos, ainda que a primeira experiência o tenha deixado um pouco desiludido, ao constatar que os dois violões que fez eram “francamente maus”. A madeira não estava convenientemente seca e acabaram empenados e sem préstimo para a música. A insistência levou-o aos cavaquinhos, às violinhas e, há pouco mais de três anos, a Propagode encomendou-lhe 12 violas amarantinas para serem tocadas por crianças da EB do Barão. Meteu mãos à obra e nunca mais parou. Até ao dia em que o visitámos, no final de abril, já havia construído 198 e as encomendas chegam-lhe diariamente. Quase duas centenas de violas e 7. 920 horas depois (cada viola demora entre 35 e 40 horas a ser construída), António Silva acredita ter conseguido a “fórmula” da verdadeira viola amarantina, com uma sonoridade muito característica, “aguitarrada e melhor que a da braguesa”. A verdade é que músicos e melómanos não lhe largam a porta nem o telefone, com pedidos diários de venda de instrumentos, que já lhe chegaram, via Facebook, da Austrália, de Israel, Brasil e da América. Por cá, em grande parte fruto do trabalho da Propagode, são já muitos os tocadores da viola amarantina, que se ensina em escolas do ensino público ou em instituições como a Junta da União das Freguesias de Amarante, Cepelos, Madalena e Gatão. As violas de António Silva, faz o próprio questão de frisar, têm garantia vitalícia. São cons-
As violas amarantinas de António Silva têm garantia vitalícia, garante o próprio. Quanto a encomendas, chegam-lhe de todo o lado. truídas em nogueira ou pau santo (ilhargas) e em pinho spurs (tampos), animam tertúlias, serões, festas e fazem felizes muitos músicos, como um americano de Los Angels que, de férias em Odemira, viu por lá uma viola amarantina, pela qual ficou (literalmente) apaixonado. No dia seguinte, estava em Amarante, na oficina de António Silva, onde fez questão de se fazer fotografar abraçado a uma, que depois levou consigo e que, agora, dedilha diariamente, publicando, depois, videos no Facebook.
Viola amarantina 79
CRÓNICA “(...) Mesmo assim, as crianças cresciam com uma educação irrepreensível. O que vejo hoje é que as pessoas da idade dos meus pais são adultos educados e bem formados do ponto de vista cívico. A maioria claro que há exceções - são pessoas íntegras e de carácter”.
Susana Ferrador*
Educar sem medo
T
enho 30 anos. Ainda não tenho filhos. Haverei de ter. E quando isso acontecer viverei, provavelmente, um dos maiores desafios da minha vida. Educar uma criança nos tempos que correm não parece pera doce. Não sou uma pessoa de grandes medos mas assumo: tenho medo. Os mais antigos acharão, e com toda a razão, um disparate. Porque apesar de ainda sermos um país com algumas lacunas do ponto de vista social, estamos melhor do que há 50 anos, onde uma mãe tinha aos 15 filhos e mesmo com pouco para lhes dar de comer, eles criavam-se e eram felizes. A minha mãe dizia-me, noutro dia, que a minha cadela tem mais brinquedos do que ela tinha quando era pequena. Foi uma frase que me ficou. Mesmo assim, as crianças cresciam com uma educação irrepreensível. O que vejo hoje é que as pessoas da idade dos meus pais são adultos educados e bem formados do ponto de vista cívico. A maioria - claro que há exceções - são pessoas íntegras e de carácter. Não tiveram as facilidades que as crianças e jovens têm hoje em dia, por isso admito que muitos possam achar manifestamente exagerado quando falo em medo. Mas é isso que sinto. Imagino-me a ser uma mãe tranquila, sem grandes dramas e dilemas mas onde nunca descurarei aquilo que considero serem os valores essenciais na formação de uma criança: o respeito por nós próprios e pelos outros. Mas
80 Crónica
também imagino, hipoteticamente, o desgosto que vou sentir se falhar neste desafio. Parece-me fácil falhar. Muito recentemente o país viu, infelizmente, espalhado nas redes sociais, o vídeo de uma jovem, visivelmente embriagada, a ser abusada sexualmente dentro de um autocarro, no Porto. Presume-se que na volta a casa de mais uma Queima das Fitas. Não consegui evitar. Vi o vídeo. Nas imagens vê-se um rapaz a colocar a mão dentro das calças de uma rapariga enquanto dezenas de outros jovens presenciam sem fazer nada para o impedir. Ouvem-se palavras de apoio e muitos risos. Independentemente do que penso – que é execrável - sobre o facto de um jornal nacional de grande tiragem ter publicado o vídeo e dos meus colegas jornalistas terem pactuado com isso, não consegui evitar pensar nos pais dos jovens envolvidos na situação. É verdade que o álcool afeta a capacidade de tomarmos decisões adequadas e razoáveis, neste caso, tanto por parte da alegada vítima como dos presumíveis agressores, e é muito normal que tenham bebido a mais numa noite de diversão. Mas porque é que aqueles jovens não conseguiram parar quando chegaram à barreira do razoável? Apesar do conteúdo do vídeo ser completamente atordoante ainda fiquei a reter na cabeça a pergunta: e se fosse eu a mãe daqueles jovens?
Acho que estou perante pessoas que, do ponto de vista da sua personalidade, apontam para várias falhas de caráter. O que filma, que para mim é aquele com mais consciência do que ali se está a passar, e todos os outros, à volta da vítima, que se riem e incentivam como se a situação fosse normal. É disto que tenho medo. Apenas disto. Acho que terei falhado como mãe se não conseguir educar um filho que, a ver-se no meio de uma situação daquela natureza, possa dizer “basta”. Possa parar. Possa ter a coragem para perceber que a situação ultrapassa o limite daquilo que é normal numa festa com amigos. Possa ter personalidade para denunciar, para alertar, para, ali, ser a ovelha negra do rebanho. Ser o que não compactua. Ser o que alerta, o que vai embora, o que desconstrói. Ser o que pensará que aquela maneira de agir nada tem a ver com os valores com que foi educado. Não consigo acreditar que a falha de caracter brutal destes jovens não tenha um dedo de culpa de quem os educou. De quem com eles habita, de quem lhes dá o pão e lhes deve dar a educação. Mesmo nos tempos que correm, na era dos pais modernos, não vale tudo. Não pode valer tudo. A liberdade e a naturalidade com que fizeram aquilo parece ser a mesma com que estão em casa. Senti medo porque ainda haverá de chegar a minha vez. * Jornalista
Tarantini: das encostas do Marão para o sonho Em abril completou 300 jogos ao serviço no Rio Ave. É um líder natural dentro do clube. Por isso mesmo é que lhe confiam as funções de capitão, época após época. Colegas e técnicos têm por ele uma admiração ímpar, porque Ricardo Monteiro não é um “típico” jogador de futebol. É muito mais que isso. É, como os colegas o chamam, um “mestre”
Susana Ferrador
T
arantini é natural de Baião, mas foi em Amarante que se começou a forjar este mestre que é um caso raro no futebol profissional. Chama-se Ricardo
Monteiro, mas todos o conhecem por Tarantini. E não, o apelido não tem qualquer ligação ao
dentro e fora de campo. Tem apenas 33 anos,
realizador de cinema Quentin Tarantini!
é jogador profissional de futebol há mais de
Encontrámo-nos com o jogador em Baião e
uma década e no curriculum conta com um
quando lhe perguntamos como preferia que o
invejável percurso académico. Fez duas licen-
tratasse não disfarçou. «Até a minha esposa me
ciaturas e um mestrado sem nunca descurar o rendimento dentro de campo. O sonho de ser jogador profissional de futebol nasceu em Baião e foi de lá, por entre montanhas e invernos rigorosos, que o tentou concretizar. Para isso muito ajudou a cidade de Amarante onde começou a jogar ainda em criança, levado pelo pai que lhe acalentou o sonho e o fez acreditar que era possível. Nisto, só havia uma condição: era obrigado a tirar boas notas na escola.
chama Tarantini. Adoro». Habituado a esta curiosidade, o atleta sorri e prontamente se explica: «Jogava no Sp. Covilhã e o meu treinador era João Cavaleiro. Certo dia disse-me que eu era igualzinho a um tal de Alberto Tarantini, antigo defesa
Monteiro também não é um jogador
futebol e uma liderança inquestionável
esquerdo da seleção da Argentina».
qualquer.
como capitão da equipa que representa
Note-se que Alberto Tarantini não foi um jogador qualquer. Representou a Argentina nos
atualmente, o Rio Ave.
UM FUTEBOLISTA INVULGAR
O atleta começou a dar os primeiros
Boca Juniors e River Plate, e, na Europa, jogou
Tem 33 anos e uma cultura impres-
Nasceu em Gestaçô, no concelho de
em Inglaterra, em França e na Suíça; Birmin-
sionante, possível de captar, pelo seu
gham, Bastia, Toulouse e St. Gallen. Ricardo
discurso verbal, em poucos segundos.
Mundiais de 1978 e 1982, vestiu as camisolas de
Quando vemos este médio a jogar, em campo, percebemos que é um jogador diferente. Não é vedeta, não quer ser e muito menos parecer. Não tem tatuagens, não usa brincos ou outros adereços, nem tem o penteado da moda. Não tem o histrionismo das vedetas e por isso não é a imagem que torna Tarantini um futebolista fora do comum. Ricardo é um caso raro no futebol mundial por outros motivos: tem duas licenciaturas e um mestrado, concluídos com mérito durante o seu percurso de futebolista profissional. A isto soma o respeito dos colegas do mundo do
toques na bola nas encostas do Marão. Baião, e foi lá que pediu ao pai, aos 9 anos, para jogar futebol. Constatada a dificuldade em jogar no concelho, por não haver uma equipa de futebol organizada, o progenitor sugeriu-lhe ir até Amarante, a cidade mais próxima de Gestaçô, ver o que se podia arranjar. «Eu e o meu pai tivemos a necessidade de percorrer muitos quilómetros para
Natural de Baião, Tarantini queria ser jogador de futebol e, com muita força de vontade, concretizou o sonho. A par com a carreira de futebolista, desenvolveu um percurso académico que lhe permitiu concluir duas licenciaturas e fazer Mestrado em Ciências do Desporto.
concretizar a minha ambição. Mas não desistimos. Eu era uma criança simples, como tantas outras e só queria jogar futebol. O meu pai apoiou-me». Foi assim que o pai o “matriculou” no Amarante Futebol Clube onde jogou desde as «escolinhas» até ao primeiro ano de júnior, num esforço conjunto de
Tarantini 83
mais pequenos que é possível triunfar
Com 33 anos, a pergunta quase que se
mesmo com as dificuldades acrescidas
impunha e foi com naturalidade que
com que se deparam as crianças que
nos respondeu que não tem qualquer
vivem no interior do país, em compa-
medo do fim da sua carreira profissio-
ração com as que residem na cidade,
nal como jogador de futebol. “Tenho-
perto de uma oferta cultural, social e
-me vindo a preparar ao logo dos anos
educativa muito mais alargada.
precisamente porque sei que a carreira
“Para todos aqueles que não acreditam e que acham que é difícil, eu sou o exemplo vivo de que é possível realizar sonhos em Baião”, disse, ao mesmo tempo que partilhava um dos seus desejos junto dos mais pequenos: “Espero que consigam fazer um percurso melhor que o meu, que consigam chegar à seleção nacional e colocar desta forma também o nome de Baião no mapa”. Baião ficou-lhe no coração. São vários os episódios que o recordam de uma infância muito feliz: “Foi aqui que tudo
dos jogadores de futebol termina quando ainda somos muito jovens e em vida ativa. Estou preparado e perfeitamente confrontável como isso. Será algo natural”, garante. Há uns meses, o jogador apresentou o projeto “A Minha Causa”, alinhavado em duas missões: alertar os jovens para as dificuldades em chegar ao topo e preparar a carreira pós-futebol dos jogadores profissionais. Antes de se apagarem as luzes da ribalta, Tarantini considera que “os jogadores já devem ter preparado o futuro e
toda a família que o proibiu de descurar os estu-
33 anos viu passar seis treinadores pelos Arcos.
dos. Ricardo cumpriu e conseguiu jogar futebol
começou no meio de serras, onde por ve-
Ganhou, empatou e perdeu com todos. Ficou
em Amarante até aos 17 anos, altura em que
zes o sonho de uma criança é mais difícil
como mais ninguém associado aos momentos
terminou o ensino secundário.
de alcançar. Recordo a minha infância
altos do clube no século XXI, entre finais de ta-
com carinho. Trazia sempre a bola nos
ças nacionais e a primeira aventura europeia na
pés, jogava na rua, andava de um lado
história do Rio Ave. Esta história, haverá, tam-
Não será o caso deste baionense, cer-
para o outro com o meu pai e tinha um
bém, de contar outra, um dia: a história do joga-
tamente ao qual todos associam uma
contacto mais próximo com as pessoas.
dor de personalidade carismática a quem todos
vida de sucesso no futuro, pautada pelo
Chateei tanto o meu pai para ele me dei-
os colegas chamavam “mestre”. Na verdade é
esforço, empenho e luta com que tem
xar jogar futebol…”, conta, saudoso.
conduzido todo o seu percurso.
DE AMARANTE PARA A COVILHÃ “Depois de uma transferência para o Boavista e uma entrada na Faculdade de Desporto do Porto goradas, acabo inesperadamente por chegar à cidade neve, à Universidade da Beira Interior, ao Sporting Clube da Covilhã. Foram cinco anos e cinco épocas que marcaram a minha vida, em que estive de mãos dadas com a Universidade e o Futebol”. Da Covilhã haveria de sair com uma licenciatura, um mestrado e um convite para jogar em Gondomar. A partir daí foi rápida a sua ascensão ao escalão mais alto do Futebol Profissional: “Depois de uma passagem curta pelo Gondomar
isso mesmo que ele é. A tese de mestrado “Sucesso Defensivo no Futebol”, só por si, faz jus ao nome. O trabalho foi apresentado há dois anos na Universidade da Beira Interior e mereceu a distinta nota de 18 valores. Tarantini mereceu-a. O jogador optou por ser estudante nas escassas horas vagas, entre treinos exigentes e jogos de futebol, numa prova de que a vida académica pode ser compatível com as exigências da alta competição.
e pelo Portimonense, em 2008 chego ao Rio Ave
ADORADO POR MIÚDOS E GRAÚDOS
Futebol Clube”, conta, orgulhoso, longe de imagi-
As crianças adoram-no e têm-no como ído-
nar que um dia contaria mais de 300 jogos de
lo. É vê-las concentradas em várias presenças
caravela ao peito.
que faz junto do público infantil sempre que
O seu forte sentido de liderança viria a transfor-
é solicitado. Num evento em que participava
mar o baionense num dos símbolos do Rio Ave.
recentemente, em Baião, a convite da autarquia,
É capitão do clube e um caso de longevidade
concelho onde ainda vivem os seus pais e onde
no futebol. Em nove temporadas, o médio de
vem sempre que pode, Tarantini lembrava aos
84 Tarantini
serem capazes de seguir com a sua vida. Nem todos conseguem porque muitos se iludem com a exposição mediática”, remata.
Tarantini é uma das atuais referências de Baião. Em março, quando se celebrava o Dia do Município, participou, a convite da autarquia, num debate que juntou também o árbitro António Almeida (ao centro, na imagem da página anterior) e o escritor António Mota.
Hoje consigo olhar as pessoas de frente Nicolau Ribeiro Escrever um livro é sempre um ato libertador. Mas há livros que são um exorcismo aos fantasmas que habitam dentro de nós. Que depois de escritos nos permitem fazer a rua de cabeça erguida, olhar os outros de frente e a nós nos nossos próprios olhos, desafiar o espelho e dizer: sou assim, e daí? Professor aposentado, aos 57 anos Luciano Ferreira usou e ousou de muita coragem para se (re)encontrar consigo mesmo e com a comunidade onde sempre viveu e revelar, por escrito, uma realidade vezes sem conta reprimida: “sou doente bipolar”, disse ele aos muitos amigos que juntou na Pastelaria Pardal, em Amarante, onde, numa mesa resguardada, discreta, foi crescendo, ao longo de muitas manhãs, “Sou Bipolar, e depois?” Um livro que, contou a AMARANTE MAGAZINE, sempre quis escrever, para que se entendessem os seus comportamentos “estranhos”, mas também para que outros doentes consigam perceber que não são únicos e sejam motivados a assumir a sua bipolaridade: um distúrbio de personalidade, uma doença psiquiátrica caraterizada por variações acentuadas do humor, com crises repetidas de depressão e euforia (mania) e que leva a muitas descidas ao inferno. Em “Sou Bipolar, e depois?”, Luciano Ferreira conta as suas, procura entendê-las, explicá-las e lamenta o mal que elas causaram nos que gostam dele, nos que são, como diz, o seu “porto de abrigo”. Catarse feita, é hoje um homem mais livre, com outra autoestima, reencontrado consigo mesmo, embora não completamente tranquilo, sobretudo enquanto alguns continuarem a ver loucura na diferença, não lhes chegando o “putrefacto perfume que o seu cérebro exala”.
CONSTRUÇÃO | INDÚSTRIA | AGRICULTURA | FLORESTA +351 255 410 760 - Amarante - Portugal www.peixotoepeixoto.pt