De volta para o futuro: mudanças recentes na agricultura familiar Anais do Iº Seminário Nacional do Programa de Pesquisa em Agricultura Familiar da EMBRAPA – Petrolina pp. 17-27
Ricardo Abramovay *
Apresentação A relação da sociedade brasileira com o tema da agricultura familiar vem-se transformando de maneira nítida, desde o início dos anos 1990 em três planos: do ponto de vista intelectual, sob o ângulo dos movimentos sociais e também no terreno político. A exposição que segue, preparada especialmente para o I° Seminário do Programa de Pesquisa em Agricultura Familiar, realizado entre os dias 28 e 30 de novembro de 1995 no CPATSA em Petrolina, procura discutir estas transformações recentes e apontar algumas perspectivas que dela decorrem.
Um novo panorama intelectual Diferentemente do que ocorria até o final dos anos 1980, a agricultura familiar tornou-se hoje um tema nobre na agenda de algumas das mais importantes instituições de pesquisa no Brasil. Mesmo que a EMBRAPA já tenha discutido anteriormente o tema - ainda que sob sua vertente cética e pessimista da pequena produção - é a primeira vez que se organiza uma articulação como a do presente encontro e que um programa de pesquisa se estrutura em torno do tema. Mas na Universidade também o tema conquistou um espaço que o observador de nosso panorama intelectual dos anos 1980 acreditaria provavelmente perdido. O IBGE foi solicitado diversas vezes a produzir tabulações especiais para quantificar a agricultura familiar: Ângela Kageyama e Sônia Bergamasco (1993), com base nas informações especialmente solicitadas ao Brasil concluíram que a agricultura familiar entre nós correspondia a quase metade do valor da produção. Os dados recentes obtidos pela FAO (1996) são bem diferentes e mostram que vem da agricultura familiar pouco mais de um quarto de nosso produto agropecuário. Além destes dois trabalhos nacionais, outros estudos regionais sobre o tema têm produzido resultados interessantes: no Estado de São Paulo, segundo trabalho recente (Abramovay et al:1995), a agricultura familiar responde por um terço do valor da produção. Em Santa Catarina, a preocupação dos que se voltaram ao tema era outra: eles elaboraram uma tipificação das diferentes modalidades de existência da agricultura familiar (CEPA/SC, 1994). No mesmo sentido, no * Departamento de Economia da FEA/USP
Sudoeste do Paraná (Assesoar/Deser, 1994) foi realizado um dos mais completos trabalhos sobre o tema. Que os métodos, os pressupostos teóricos, as hipóteses e os resultados quantitativos destes trabalhos não sejam idênticos, eis um sinal de vitalidade, de que se trata de um terreno fértil, capaz de atrair a energia de muitos pesquisadores. A morte de um certo campo de pesquisa pode ser com certeza anunciada quando todos os pesquisadores conseguem reunir unanimidade sobre ele. É exatamente o que parecia estar acontecendo com a “pequena produção ”, que de assunto promissor no início dos anos 1970, tornou-se enfadonho e repetitivo ao final da década de 1980, quando ninguém mais parecia ter dúvida de que se tratava de uma categoria terminal, em fase acelerada de extinção social. Como se explica esta mudança ? O que aconteceu de nova com relação a esta questão ? Se for para usar uma imagem cinematográfica, mais que uma nouvelle vague, eu preferiria evocar de volta para o futuro. Não se trata da simples retomada de um velho tema: se as pesquisas sobre a agricultura familiar estão avançando com produtos e resultados novos é porque houve mudanças nas técnicas e nos métodos de pesquisa e, sobretudo,houve mudanças importantes nas bases teóricas desses novos trabalhos. A principal mudança nas técnicas e nos métodos de pesquisa sobre a agricultura familiar é que nenhum dos trabalhos citados anteriormente delimita a agricultura familiar a partir das informações que se referem à superfície dos estabelecimentos agrícolas. Note-se que esta foi a maneira praticamente geral de estudar o tema, não só no Brasil, mas também em importantes trabalhos latinoamericanos (1): estabelecia-se um patamar, suponhamos de 20 hectares, e considerava-se que todas as unidades produtivas que estavam abaixo deste teto constituíam o universo da “pequena produção ”. O resultado é que, a cada Censo, a importância econômica destas unidades produtivas tendia irreversivelmente ao declínio. As pesquisas com base nestes métodos tendiam a confirmar a idéia de que, relevantes do ponto de vista social, a “pequena produção ” tinha peso econômico cada vez menor. Daí a concluir que estas unidadades estavam fatalmente condenadas ao desaparecimento não havia mais que um passo. No fundo, em parte considerável de nossa comunidade acadêmica vigorava (e, em grande parte ainda vigora) a idéia de que o corolário social do desenvolvimento capitalista na agricultura são unidades produtivas de grande extensão territorial e apoiadas fundamentalmente no trabalho assalariado. O impacto político desta visão a respeito do desenvolvimento da estrutura agrária é óbvio e se manifestou com clareza na discussão sobre o I° Plano Nacional de Reforma Agrária, elaborado sob coordenação de José Gomes da Silva: como 1 Ver, por exemplo, De Janvry et al. 1989. Para uma crítica, ver Abramovay, 1993
justificar a implantação no País de unidades produtivas cuja viabilidade econômica está sendo permanentemente refutada na prática ? Diante desta pergunta, muitos de nós vivemos a sensação de que a dimensão emancipatória do conhecimento nos escapava pelas mãos e que teríamos apenas duas possibilidades: ou seríamos os coveiros generosos e solidários do destino irrefreável à extinção da agricultura familiar, ou os amantes a-críticos do modelo de desenvolvimento agrícola que via no grande fazendão cheio de bóias-frias o exemplo mais acabado da modernidade. O que mudou desde o início da década de 1990, com relação a este ambiente intelectual onde parecia que sobre a agricultura familiar tudo já havia sido dito ? Na minha opinião, a principal mudança, sob o ângulo intelectual, foi que a assimilação conceitual, axiomática entre agricultura familiar e “pequena produção ” (condenada à extinção e - retomando a concepção tão cara a Karl Kautsky (2) - tanto mais útil à sociedade, quanto mais miserável fosse) esta idéia deixou de ser aceita como uma evidência adquirida a partir de dois tipos de pesquisa. Primeiramente, uma série de estudos empíricos levados adiante por Bernardo Sorj (dúvida), John Wilkinson, Wanderley (), entre outros, desde o final dos anos 1970 começaram a mostrar que havia, em nosso país, agricultures familiares muito diferentes daquilo que nós conhecíamos habitualmente como “pequenos produtores ”: • eram tomadores de crédito junto ao sistema bancário, que apesar de concentrado, atingiu centenas de milhares de unidades produtivas trabalhadas fundamentalmente por mão-de-obra familiar; • seu comportamento não era caracteristicamente de aversão ao risco (não eram os famosos camponeses risk-aversion, tão conhecidos na literatura sobre o tema); • praticavam a inovação tecnológica e transformaram de maneira significativa a base material de seu processo produtivo; • não produziam apenas para o mercado interno e muito menos podiam ser chamados de “agricultores de subsistência ”. Em segundo lugar começaram a surgir no Brasil estudos sobre a estrutura social do desenvolvimento da agricultura em países capitalistas avançados que se chocavam contra a idéia de que quanto mais desenvolvido o capitalismo agrário, maior o peso das unidades produtivas fundadas sobre o uso em larga escala de trabalho assalariado. O estudo de José Eli da Veiga (1991) é, neste sentido, pioneiro. Além 2 Para maiores detalhes, ver Abramovay, 1992, em especial, o capítulo I
dele podemos citar os trabalhos de Maria Nazareth Wanderley (3) que participou de uma equipe onde a agricultura familiar foi abordada internacionalmente sob um ângulo comparativo. Esse aprofundamento do conhecimento da estrutura social do desenvolvimento agrícola dos países capitalistas avançados mostrou um fato que a sociedade brasileira demorou muito para perceber: que em todos as nações do capitalismo central, sem exceção (isto é, nos Estados Unidos, no Canadá, na Europa Ocidental, no Japão e, mais recentemente nos Tigres Asiáticos), a base social do desenvolvimento agrícola foi a unidade familiar de produção. Isso não nos autoriza, evidentemente a estabelecer uma relação segura de causa e efeito entre um certo tipo de estrutura agrária e o acesso à condição de país desenvolvido. Mas parece-me importante ter esta constatação em mente: nas regiões e nos países que tiveram esta modalidade de crescimento agrícola, o desenvolvimento foi muito mais articulado e menos excludente que naquelas onde prevaleceram os obstáculos que impediram o acesso à terra e, conseqüentemente, o predomínio do latifúndio. Além disso, esta característica da agricultura, no plano internacional, contribuiu para ao menos colocar em dúvida a idéia de que, tanto quanto na indústria, as unidades produtivas fundadas em trabalho familiar estavam, na agricultura, condenadas ao desaparecimento e só existiam ali onde o capitalismo não se desenvolver no campo. Por este raciocínio chegaríamos à conclusão esdrúxula de que países como Brasil e África do Sul poderiam ser considerados como modelos de avanço do capitalismo agrícola, ao contrário do Canadá ou da União Européia...
O valor das comparações Por que razão, porém, insistir em citar exemplos e apoiar o raciocínio em situações tão distantes daquelas que caracterizam a região onde se realiza este encontro ? De que adianta, para quem trabalha com os produtores de sisal na Bahia, pensar na Europa ou no Sul do Brasil ? Será que estes exemplos não contemplam os agricultores considerados como “viáveis ” e contribuem para reforçar a marginalização da grande massa de agricultores pobres ? Estes exemplos servem, em primeiro lugar, para mostrar que nós pesquisadores (e no fundo nós, sociedade) não estamos condenados ao dilema que consistiria a escolher entre a eficiência concentradora e o distributivismo miserável: longe de ser uma forma social condenada pela história, a agricultura familiar pode ser (tanto é que em circunstâncias históricas tão variadas quanto as que separam o Japão dos EUA, o Canadá da Europa) a base do desenvolvimento agrícola. Portanto, desenvolver a agricultura não é forçosamente concentrar seus recursos produtivos. A mudança da matriz em que se origina a concentração da renda na agricultura e o 3 Ver Lamarche, 1993
fortalecimento de unidades ao alcance do trabalho de uma família, na maior parte dos casos, pode apresentar resultados produtivos tão ou mais promissores que o de grandes fazendas. Estes exemplos então contribuem não para nos dar um modelo, mas sim a base teórica para um horizonte, uma perspectiva de transormação que interfere - daí sua importância para este encontro - nos nossos próprios programas de pesquisa. Por que ? Em primeiro lugar porque é possível conhecer a agricultura familiar sobre a base de critérios que não a mostram, necessariamente, como um segmento estagnado e eternamente miserável. No Estado de São Paulo, em 1991, metade da produção de aves e ovos e da produção de algodão vêm de unidades produtivas onde o peso do trabalho familiar (medido em termos de tempo) supera o do trabalho contratado (Abramovay et al., 1995). Os trabalhos desenvolvidos pela CEPA em Santa Catarina, estima também que, com exceção do setor extensivo de produção de grãos, a agricultura familiar é predominante em termos econômicos. A segunda conseqüência do que é aqui apresentado para a formação de nossos programas de pesquisa traduz-se em uma questão básica: de que maneira a pesquisa pode contriuir para que a imensa maioria dos agricultores, até aqui à margem dos avanços da Revolução Verde, possam melhorar seu perfil produtivo, e se integrar na vida econômica nacional com base em seu trabalho como agricultores? Existe uma resposta a esta questão, ou, ao contrário, as regiões onde hoje se concentra a parcela mais importante da pobreza nacional (isto é, as regiões rurais, sobretudo do Nordeste) devem ser consideradas como inaptas à produção agrícola, seus habitantes devendo voltar-se para outras atividades para conseguir vencer a miséria em que se encontram hoje ? Eu gostaria de assinalar que, se esta é uma das preocupações básicas do CPATSA (desenvolver sistemas viáveis para regiões semi-áridas), ele não está sozinho, neste sentido, no plano internacional. Documento recente do CGIAR (1994) fala na necessidade de se promover uma Revolução Duplamente Verde que, contrariamente ao que ocorreu até aqui, estaria voltada fundamentalmente à valorização do potencial agrícola das regiões e das populações rurais que ficaram à margem das formas dominantes de progresso técnico. É claro que as mudanças que a “Revolução Duplamente Verde ” preconiza não dependem só, nem fundamentalmente, da pesquisa, mas do acesso à terra e sobretudo às condições elementares ao exercício da cidadania, como a educação, a saúde, os mercados competitivos e o crédito. Especialmente no Nordeste, onde a pobreza rural e a concentração latifundiária são duas faces da mesma moeda, o acesso à terra tem um papel decisivo, no sentido de que ele pode representar a criação das condições de base para que as instituições da vida moderna tenham uma presença marcante na dinâmica do meio rural.
A contribuição da pesquisa, entretanto, é decisiva, no sentido de contribuir para o reforço de sistemas produtivos viáveis para as unidades familiares. Cada passo neste sentido é importante para mostrar que se estas unidades não se fortalecem é menos por uma questão de eficiência do que de força.
Novos movimentos sociais Em maio de 1995 a CONTAG filiou-se à CUT. Dada a diversidade do movimento sindical de trabalhadores rurais, é claro que esta adesão não tem um significado único. Mas, no que se refere à região Sul, onde justamente o peso desta agricultura familiar profissional é o mais importante, eu gostaria de chamar a atenção sobre alguns pontos: muito mais que no aspecto tocado anteriormente, o que exponho aqui são hipóteses de trabalho e não conclusões de pesquisa. A partir de alguns encontros de trabalhadores rurais na região Sul, dos quais tive a oportunidade de participar, fiquei com as impressão de que, no movimento de trabalhadores rurais está acontecendo um processo de modernização do discurso, das propostas e da maneira de se apresentar para a sociedade. Estas mudanças se traduzem, a meu ver em quatro pontos básicos: a) como seria de se esperar, com o processo de democratização, a influência direta da esquerda Católica nestes movimentos sociais é cada vez menor. Não há dúvida de que o trabalho das Comunidades Eclesiais de Base - que foi a atividade cultural progressista de maior enraizamento popular que já existiu em nossa história - deixou traços democráticos profundos. Um dos aspectos básicos do trabalho desenvolvido pelas CEBs permanece até hoje: ouvir as bases, organizar as reuniões de maneira a que todos - e não só os “dirigentes ” participem, desconfiar das estruturas burocráticas etc. Ao mesmo tempo, as discussões não têm mais e não podem mais ter como base um fundamento de natureza teol ’ ’ogica. Não é mais a teologia da libertação que fornece a coesão do movimento. As lutas sociais, cada vez menos, se envolvem em uma mística de natureza religiosa: as conquistas deixam de ter caráter sagrado e aí reside, justamente, um aspecto importante de modernizaçào do movimento; b) os temas principais tratados pelos sindicalistas, pelas ONGs, pelos movimentos sociais ligados a esta agricultura familiar, sobretudo na região Sul do País têm uma complexidade técnica que exigem a adoção de uma linguagem que não pode ser - como é o caso do Movimento dos Sem Terra, por exemplo - a “mística da terra ”. São assuntos em torno dos quais esta dimensão mística tende a desparecer: política agrícola, Mercosul, situação de cada produto, cadeias agroalimentares, cooperativas de crédito (como tudo o que isso representa em termos de relações com o Banco Central) e assim por diante; c) é daí que têm saído as discussões mais interessantes sobre temas novos para os movimentos sociais no campo: gênero e meio ambiente, por exemplo. Os trabalhos da Assesoar (Associação de Estudos e Assessoria em Meio Rural, de
Francisco Beltrão) e do DESER (Departamento de Estatísticas SócioEconômicas, em Curitiba) são fundamentais, neste sentido. d) isso amplia os horizontes de inserção social deste movimento sindical. Ele tem muito a ver com um fato do qual, tenho a impressão, não nos demos suficientemente conta: nas regiões onde é forte a agricultura familiar, existe alguma coisa que se assemelha a uma sociedade civil em meio rural, de organizações públicas - estatais e não estatais - enraizadas na vida local e que podem ser uma das bases da própria descentralização da política agrícola. Isso contribui a colocar em dúvida um preconceito - tão arraigado especialmente entre nós brasileiros - que associa a idéia de cidadania à vida nas cidades, como se o meio rural fosse um ambiente impróprio à vida civilizada. Este é um aspecto importante, especialmente no Nordeste onde a população rural tem um peso tão grande e onde asperspectivas que a urbanização oferece como meio de combate à pobreza não são muito animadoras. Em suma, existem no País, embora de forma incipiente, movimentos sociais que procuram alicerçar a construção de uma sociedade democrática em meio rural no fortalecimento da agricultura familiar e isso, ao que me parece, é um fenômeno novo.
Agricultura familiar e política agrícola O terceiro aspecto sob o qual está mudando a relação da sociedade com a agricultura familiar é o político. Em março de 1995, o presidente da República publicou nos principais jornais do País um artigo em que anunciava a divulgação próxima de um Programa nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. A linguagem era diferente da que, até então, caracterizara a opstura dos governos com relação a este tema: não se tratava de “ajudar ” a “pequena produção ”, mas sim de concentrar os recursos escassos da política agrícola a um setor que mostrava dinamismo e viabilidade econômica, a agricultura familiar. O programa foi lançado (ainda não está claro se foi realmente um lançamento oficial ou se era ainda um projeto) em outubro de 1995 e portanto ainda é cedo para julgá-lo. Entretanto, é possível levantar três problemas com os quais tende a se defrontar: a) o primeiro é um problema de representação: nós não temos uma tradição de cogestão da política agrícola através de representações sociais claramente definidas. A tradição da política agrícola é de ser definida em Brasília e através de um processo de pressões bem pouco transparente. Uma política agrícola voltada para a agricultura familiar supõe que este segmento constitua interlocutores credenciados e tecnicamente preparados para, juntamente com o governo, poder optar em torno de certos temas bem específicos. Esta representação está se constituindo, mas ainda não existe de maneira muito clara. A tradição do movimento sindical é (como herança do próprio tempo da ditadura) muito mais a da contestação que a da participação na implementação de propostas.
b) uma política agrícola voltada para a agricultura familiar tem que ser muito descentralizada, inclusive - e talvez sobretudo - no que se refere à gestão dos recursos. Para o sucesso de uma política agrícola voltada para a agricultura familiar não basta que a CONTAG se reúna com membros do ministério. O mais importante é que a cogestão seja executada e concebida no plano local. Neste sentido, a descentralização não depende só da vontade do governo, mas da própria capacidade de mobilização das instituições representativas dos agricultores familiares. c) existe uma contradição entre o que o governo faz em termos de reforma agrária o que anuncia em termos de agricultura familiar: se realmente está disposto a fazer da agricultura familiar o eixo da política agrícola, então o Governo deve não só agilizar o processo de reforma agrária, mas aprofundá-lo, sobretudo, nas regiões, como é o caso do Nordeste, de grande pobreza rural. Se existe, de fato, convicção de que o fortalecimento da agricultura familiar representa um caminho de valorização do meio rural, é difícil entender porque não se lança um plano ambicioso no qual os pobres rurais se integrassem na vida social e econômica enquanto agricultores.
Conclusões A agricultura familiar não é - contrariamente à crença tão difundida, inclusive na própria Universidade - uma etapa transiória que será superada quando vier o “verdadeiro ” capitalismo, este sim representado pelas grandes fazendas trabalhadas fundamentalmente por assalariados. Em nenhum país capitalista avançado isso aconteceu e, mesmo entre nós, em muitas das regiões mais dinâmicas do País, a agricultura familiar mostra inegável dinamismo. Temos dois grandes desafios pela frente: o primeiro é saber se os novos movimentos sociais que se articulam em torno do fortalecimento da agricultura familiar terão força suficiente para influenciar de maneira durável na formação da agenda das políticas agrícolas e de desenvolvimento rural. Mais importante é constatar que estes movimentos não estão ainda situados, ao que me parece, nas regiões onde sua ação pode produzir os resultados sociais e econômicos mais significativos para o Brasil. O peso demográfico da população rural no Nordeste transforma a agricultura familiar no elemento central de qualquer estratégia em que a luta contra a pobreza passe pela ampliação das possibilidades de participação das populações hoje em situação de miséria na economia de mercado. Neste sentido, especialmente no Nordeste, é impossível separar valorização da agricultura familiar e reforma agrária.
Bibliografia VEIGA, José Eli O desenvolvimento agrícola: uma visão histórica. São Paulo, Edusp/Hucitec, 219p (Estudos Rurais, 11), 1991
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