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Ministério do Trabalho e Emprego Secretaria de Políticas de Públicas de Emprego Plural Cooperativa de Pesquisa, Consultoria e Serviços
O papel das microfinanças no fortalecimento do empreendedorismo de pequeno porte no Brasil: propostas de política pública
Reginaldo Sales Magalhães – mestrando do PROCAM/USP reginaldo-sm@uol.com.br Gilson Alceu Bittencourt – Mestre pelo IE/UNICAMP g.bittencourt@directnet.com.br Ricardo Abramovay – Professor Titular – Departamento de Economia da FEA e PROCAM/USP – www.econ.fea.usp.br/abramovay/ Relatório final NOTA: Este texto exprime estritamente a opinião de seus autores e não a posição oficial das instituições que apoiaram a pesquisa de que ele se origina.
São Paulo, agosto de 2003.
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O PAPEL DAS MICROFINANÇAS NO FORTALECIMENTO DO EMPREENDEDORISMO DE PEQUENO PORTE NO BRASIL: PROPOSTAS DE POLÍTICA PÚBLICA
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 1 ALCANCE DO EMPREENDEDORISMO DE PEQUENO PORTE NO BRASIL
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2 O ACESSO A SERVIÇOS FINANCEIROS COMO BASE DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
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3 O PROGRAMA DE MICROFINANÇAS
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CONCLUSÕES
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EXISTE UMA CLARA DETERMINAÇÃO POR PARTE DO GOVERNO FEDERAL DE AMPLIAR DE FORMA SIGNIFICATIVA O ACESSO A SERVIÇOS FINANCEIROS A POPULAÇÕES VIVENDO PRÓXIMO À LINHA DE POBREZA. A IMPRENSA REGISTRA JÁ EM MEADOS DE 2003 OS PRIMEIROS RESULTADOS DESTA POLÍTICA E SEUS IMPACTOS ALTAMENTE POSITIVOS SOBRE A VIDA DE POPULAÇÕES ATÉ AQUI EXCLUÍDAS DO SISTEMA BANCÁRIO. AO MESMO TEMPO, É NÍTIDA A DISPOSIÇÃO DE VÁRIOS BANCOS PRIVADOS E ESTATAIS DE ENCARAR AS FINANÇAS DOS POBRES COMO OPORTUNIDADE DE NEGÓCIOS. O PRESENTE TRABALHO É UMA CONTRIBUIÇÃO A ESTE MOVIMENTO GERAL QUE JÁ EXTRAPOLA O PRÓPRIO GOVERNO E ATINGE, DE MANEIRA CADA VEZ MAIS SIGNIFICATIVA, OS SETORES PRIVADO E ASSOCIATIVO. SEU PRINCIPAL FOCO ESTÁ NA ELIMINAÇÃO DOS PRINCIPAIS OBSTÁCULOS QUE IMPEDEM QUE OS RECURSOS DO FUNDO DE AMPARO AO TRABALHADOR CHEGUEM À GRANDE MAIORIA DOS EMPREENDEDORES DE PEQUENO PORTE, QUE CONSTITUEM PARCELA TÃO EXPRESSIVA DA FORÇA DE TRABALHO NACIONAL.
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3 O TRABALHO PARTE DA PREMISSA DE QUE O FORTALECIMENTO DO EMPREENDEDORISMO DE PEQUENO PORTE É O OBJETIVO ESTRATÉGICO DA POLÍTICA NACIONAL DE MICROFINANÇAS. ESTA PROPOSIÇÃO TEM UMA DUPLA CONSEQÜÊNCIA. EM PRIMEIRO LUGAR, EXIGE QUE SE SEGMENTE O PÚBLICO DESTINATÁRIO DESTA POLÍTICA: HOJE OS RECURSOS DO FAT ATINGEM PARCELA EXTREMAMENTE MINORITÁRIA ENTRE OS MICROEMPREENDEDORES URBANOS E NÃO CHEGA AOS DE MENOR PORTE. AMPLIAR A BASE SOCIAL DA POLÍCIA NACIONAL DE MICROFINANÇAS EXIGE, ENTRETANTO, INSTITUIÇÕES QUE POSSAM CONTEMPLAR NÃO APENAS A NECESSIDADE DE CRÉDITO, MAS UMA AMPLA E DIVERSIFICADA DEMANDA POR SERVIÇOS FINANCEIROS QUE CARACTERIZA A VIDA DAS FAMÍLIAS VIVENDO PRÓXIMO À LINHA DE POBREZA. A SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA DAS ORGANIZAÇÕES DE MICROFINANÇAS É UM DOS MAIS IMPORTANTES SINAIS DE SEU ENRAIZAMENTO SOCIAL E, PORTANTO, DO ATENDIMENTO À DEMANDA DAS LOCALIDADES ONDE SE INSEREM.
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ESTA DEMANDA, ENTRETANTO, PODE SER ATENDIDA DE MANEIRA SOCIALMENTE CONCENTRADA E COM IMPACTO REDUZIDO SOBRE A CRIAÇÃO DE MELHORES CONDIÇÕES PARA O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO. EM OUTRAS PALAVRAS, É POSSÍVEL QUE ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS – BANCÁRIAS E NÃO BANCÁRIAS – SE AFIRMEM ECONOMICAMENTE ATENDENDO À DEMANDA DOS SEGMENTOS QUE SE ENCONTRAM NO ALTO DA PIRÂMIDE SOCIAL EM QUE SE ESTRATIFICAM OS EMPREENDEDORES DE PEQUENO PORTE. E, DEIXADAS A SUA PRÓPRIA INICIATIVA, AS ORGANIZAÇÕES FINANCEIRAS DIFICILMENTE ENCONTRAM ESTÍMULOS PARA FINANCIAR ARRANJOS PRODUTIVOS CAPAZES DE FORTALECER O TECIDO ECONÔMICO DAS LOCALIDADES EM QUE SE INSEREM. É EXATAMENTE PARA SUPRIR ESTA DUPLA FALHA DE MERCADO – QUE EXCLUI OS EMPREENDEDORES DE MENOR PORTE E DESESTIMULA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL – QUE A PROPOSTA AQUI FORMULADA SEGMENTA O PÚBLICO DO PROGRAMA NACIONAL DE MICROFINANÇAS E ESTABELECE CONDIÇÕES MAIS FAVORÁVEIS DE OBTENÇÃO DE RECURSOS PARA AS ORGANIZAÇÕES QUE ATENDEREM À DEMANDA DOS SEGMENTOS INFERIORES DOS EMPREENDEDORES DE PEQUENO PORTE E PARA AQUELAS QUE TIVEREM AÇÕES NO SENTIDO DE FORTALECER OS ARRANJOS PRODUTIVOS LOCALIZADOS, POR MEIO DE AÇÕES VARIADAS, ENTRE AS QUAIS DESTACAM-SE AS DE FORMAÇÃO.
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4 O IMPORTANTE É QUE ESTAS AÇÕES NÃO ONERAM O TESOURO NACIONAL E FINANCIAM-SE PELA PRÓPRIA AMPLIAÇÃO DO ACESSO AO CRÉDITO. AS FORMAS MAIS CORRIQUEIRAS DESTE ACESSO (AS QUE NÃO VISAM ESPECIALMENTE O PÚBLICO SITUADO NA BASE DA PIRÂMIDE SOCIAL, NEM SE CONJUGAM A AÇÕES DE CAPACITAÇÃO) CONDUZEM AO PAGAMENTO DE JUROS MAIS ALTOS ÀS FONTES DE RECURSOS: ESTE DIFERENCIAL ENTRE O CUSTO DO DINHEIRO (TJLP) E O QUE POR ELE PAGAM OS QUE PRATICAM APENAS O CRÉDITO, VAI FINANCIAR O ESFORÇO DE SE ATINGIR OS SEGMENTOS DE MAIS BAIXA RENDA E A PRÓPRIA CAPACITAÇÃO. AS SIMULAÇÕES EXPOSTAS NO TRABALHO MOSTRAM QUE SE TRATA DE POLÍTICA ECONOMICAMENTE VIÁVEL.
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MAS É CLARO QUE ESTA POLÍTICA EXIGE UM ARRANJO POLÍTICO E INSTITUCIONAL INOVADOR. EM PRIMEIRO LUGAR – CONTRARIAMENTE À TRADIÇÃO BRASILEIRA NESTE SENTIDO – NÃO SE TRATA DE FAZER DOS BANCOS ESTATAIS OS ATORES FINANCEIROS ÚNICOS DA POLÍTICA GOVERNAMENTAL. AO CONTRÁRIO, ELA CONVIDA OS SETORES PRIVADO E ASSOCIATIVO, AS ORGANIZAÇÕES BANCÁRIAS E NÃO BANCÁRIAS A TOMAREM PARTE DA AMPLIAÇÃO DO ACESSO A SERVIÇOS FINANCEIROS PARA POPULAÇÕES E ÁREAS CARENTES. COOPERATIVAS DE CRÉDITO, BANCOS PRIVADOS, OSCIP’S, ONG’S, SCM’S TERÃO UM LUGAR DE DESTAQUE, BEM COMO AS COMISSÕES E CONSELHOS MUNICIPAIS (E ESTADUAIS) QUE TÊM PAPEL DECISIVO NA ACEITAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES QUE SE CANDIDATEM A RECEBER RECURSOS GOVERNAMENTAIS.
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É IMPORTANTE SALIENTAR QUE O MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, COM BASE NESTAS ORGANIZAÇÕES LOCAIS E EM SUA ESTRUTURA PRÓPRIA, É QUE RESPONDE PELAS DIRETRIZES POLÍTICAS DO PROGRAMA, CREDENCIANDO AS ORGANIZAÇÕES E, SOBRETUDO CONTROLANDO A QUALIDADE SOCIAL E PROFISSIONAL DE SUA ATUAÇÃO.
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O BNDES RESPONDE NÃO APENAS PELA SAÚDE FINANCEIRA DO PROGRAMA, COMO TAMBÉM PELA GESTÃO DOS RECURSOS QUE PERMITIRÃO A VIABILIDADE DAS OPERAÇÕES COM UM PÚBLICO ATÉ HOJE DISTANTE DAS MICROFINANÇAS E DE ARRANJOS PRODUTIVOS QUE TÊM SIDO POUCO ESTIMULADOS. ESTA SEPARAÇÃO ENTRE A DIREÇÃO POLÍTICA DO PROGRAMA E A SAÚDE FINANCEIRA DE SUA GESTÃO É UM DOS COMPONENTES BÁSICOS DA PROPOSTA AQUI FORMULADA.
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5 ESTE TRABALHO PROPÕE EM SUMA QUE O PROGRAMA NACIONAL DE FORTALECIMENTO DO EMPREENDEDORISMO DE PEQUENO PORTE - POR MEIO ACESSO AMPLIADO AO CRÉDITO E OUTROS SERVIÇOS FINANCEIROS AOS POBRES E COM BASE EM ORGANIZAÇÕES LOCAIS ECONOMICAMENTE SUSTENTÁVEIS – SEJA UM DOS ELEMENTOS ESTRATÉGICOS NA LUTA CONTRA O DESEMPREGO E A EXCLUSÃO SOCIAL NO BRASIL.
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BIBLIOGRAFIA
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APRESENTAÇÃO O principal objetivo da política nacional de microfinanças é reduzir o impressionante contraste entre a importância do empreendedorismo de pequeno porte no Brasil e seu precário acesso a serviços financeiros. Não se trata apenas de sugerir mecanismos com base nos quais se ofereça crédito a segmentos até aqui distantes do setor bancário. Ao crédito devem somar-se não apenas os seguros e a poupança, mas, sobretudo serviços variados, capazes de fortalecer os negócios subjacentes às atividades financeiras dos indivíduos e das famílias. A política nacional de microfinanças apóia-se em três premissas centrais. Em primeiro lugar, ela não considera o “empreendedorismo de pequeno porte” (Sachs, 2002) como resquício do passado ou momento transitório da existência de indivíduos prestes a ingressar no mercado de trabalho assalariado. É bem verdade que, uma parte dos nano e micro-empreendedores iniciam suas atividades por falta de alternativa no mercado de trabalho, como mostram as informações da mais importante pesquisa nacional sobre o tema, a Economia Informal Urbana, ECINF, publicada pelo IBGE em 1999. Mas a perenidade dos negócios, os vínculos de proximidade em que se apóiam, a experiência adquirida em sua gestão, e as funções sociais que preenchem, não permitem que sejam encarados como uma forma de organização efêmera e obsoleta a ser sepultada juntamente com as péssimas condições sociais que hoje a caracterizam. Por maiores que sejam as taxas de crescimento econômico dos anos vindouros, não serão capazes de atrair ao trabalho assalariado, a maioria dos indivíduos e das famílias que, durante anos, vêm sobrevivendo graças à experiência e aos conhecimentos adquiridos na condução de pequenos empreendimentos (Veiga, 2003). Portanto, o objetivo estratégico da política nacional de microfinanças é promover o fortalecimento, a expansão e a competitividade do empreendedorismo de pequeno porte. A segunda premissa postula a importância de que as microfinanças respondam ao que a literatura internacional (Meyer, 2003) tem chamado de triângulo da sustentabilidade: as organizações que oferecem serviços financeiros a populações sem acesso ao sistema bancário devem ser avaliadas por três fatores básicos: pelo alcance social de suas operações,
pelo
impacto
sócio-econômico
de
seus
serviços
e
pela
própria
sustentabilidade financeira de suas estruturas. O triângulo está organicamente articulado: atingir populações vivendo próximo à linha de pobreza com base em organizações não sustentáveis sinaliza para precário impacto sócio-econômico dos serviços financeiros 6
7 colocados a sua disposição. Por outro lado, é óbvio que a sustentabilidade financeira das organizações, por si só, significa pouco, quando não se apóia na real incorporação dos que vivem próximo à linha de pobreza aos serviços oferecidos. E, último vértice do triângulo, dotar de crédito os mais pobres sem que isso tenha impacto na melhoria das condições de funcionamento de seus empreendimentos econômicos não justifica a construção de uma política pública de caráter nacional. É exatamente daí que vem a terceira premissa da política nacional de microfinanças. Um exame superficial dos números agregados parece mostrar que a exclusão financeira (Servet e Vallat, 2001; Servet e Guérin, 2002) reduz-se nitidamente no Brasil contemporâneo: aumenta o número de contas bancárias e a quantidade de equipamentos colocados à disposição dos usuários. Basta, entretanto, segmentar as regiões e o público beneficiados para constatar que a maioria dos brasileiros encontra-se distante não só do crédito, mas de praticamente todos os serviços bancários que poderiam abrir-lhes oportunidades de melhor gerir seus orçamentos e seus negócios. Razão pela qual a política nacional de microfinanças tem a missão central de corrigir as falhas de mercado que afastam as populações e as regiões mais pobres do acesso aos serviços financeiros fundamentais para sua reprodução social. O critério fundamental de avaliação da política de microfinanças está em seu poder de reduzir a exclusão financeira que compromete as capacidades das populações vivendo próximo à linha de pobreza e diminui o alcance econômico e social do empreendedorismo de pequeno porte no Brasil. O Estado brasileiro dispõe hoje, por meio do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), de recursos abundantes, que poderiam destinar-se a financiar o empreendedorismo de pequeno porte. Foi fundamentalmente com base nestes recursos que se construiu um dos mais importantes programas de microcrédito do mundo, o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que abriu o financiamento agropecuário a centenas de milhares de famílias que jamais haviam obtido anteriormente qualquer serviço bancário. Das 4,2 milhões de unidades familiares de produção agropecuária 750 mil (18% do total) têm hoje acesso ao crédito, por meio do setor bancário, e, fundamentalmente, do Banco do Brasil. Ora, das 9,5 milhões de empresas familiares não agrícolas estimadas pelo
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8 IBGE em 1997 (1), no âmbito da “economia informal urbana”, apenas 205 mil (2,2%) tiveram acesso a crédito em bancos públicos ou privados. Como ampliar este universo, atingindo populações que hoje estão distantes dos bancos, estimulando sua geração de renda, o alargamento de suas oportunidades e permitindo a construção de organizações economicamente sustentáveis e cuja força reflita sua contribuição ao desenvolvimento das localidades onde se encontram? Este texto aborda apenas parte da resposta a esta questão e concentra-se nas ações ao alcance do Ministério do Trabalho e Emprego, especialmente no que se refere ao FAT. As medidas aqui propostas são complementares a um conjunto recente de deliberações – que na prática contribui para o fortalecimento das microfinanças e do empreendedorismo de pequeno porte – voltadas a ampliar o público com acesso a serviços financeiros no Brasil e, especialmente, o financiamento de suas atividades empreendedoras. O foco aqui está em políticas que possam contribuir para que os recursos do FAT cheguem a segmentos sociais que a ele dificilmente têm acesso, no âmbito de uma engenharia institucional que reforce os laços dos empreendedores de pequeno porte com os mercados em que se inserem e de que dependem. Isso não será alcançado por um só tipo de organização. Os bancos terão aí um papel decisivo, mas nem de longe exclusivo. Cooperativas de crédito, Organizações Não Governamentais, diferentes modalidades de correspondentes bancários, são algumas das formas organizacionais que contribuirão para reduzir a exclusão financeira no Brasil. O desafio maior consiste em fazer com que as políticas e os recursos públicos estimulem este conjunto variado de organizações a oferecer serviços para segmentos da população que até hoje pouco se beneficiaram com a força do sistema financeiro nacional. Antes da formulação das propostas que deverão compor o Programa Nacional de Microfinanças, este trabalho discute os critérios de estratificação daquilo que hoje se chama de “microempresa” no Brasil e apresenta algumas das características básicas do empreendedorismo de pequeno porte que justificam a existência de um conjunto de medidas governamentais voltadas a seu fortalecimento e das quais as microfinanças têm papel de destaque (parte 1). 1
Nem todas as 9,5 milhões de empresas (9.477.973) são estritamente familiares. Há 8,2 milhões “por conta própria” e 1,3 milhão classificadas como pertencentes a um “empregador”. As empresas com 3 pessoas ou mais trabalhando são 776 mil. No interior deste universo há muitas em que trabalham mais de um membro da família. Portanto, na sua esmagadora maioria, o empreendedorismo de pequeno porte estudado na ECINF corresponde a empreendimentos onde o trabalho é fundamentalmente, ainda que não exclusivamente familiar.
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9 A parte 2 do trabalho procura discutir diferentes facetas de uma política de fortalecimento do empreendedorismo de pequeno porte por meio das finanças de proximidade, o alcance e os limites das medidas recentes de ampliação do acesso a serviços financeiros. O importante aqui é que a ampliação na oferta dos serviços financeiros liga-se organicamente à própria viabilidade dos negócios financiados e a um ambiente que favoreça as iniciativas e os negócios do público ao qual se volta ao programa. São apresentadas então sugestões práticas de políticas tanto para segmentar o público (expostas na primeira parte do trabalho), como para estimular atividades de formação e de fortalecimento do ambiente empresarial local por parte das organizações financeiras. Por fim, a terceira parte do trabalho propõe medidas concretas que podem ampliar as possibilidades de que os recursos do FAT cheguem a organizações de fato interessadas no fortalecimento do empreendedorismo de pequeno porte, por meio da ampliação da base social de organizações que oferecem serviços financeiros de proximidade.
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1 ALCANCE DO EMPREENDEDORISMO DE PEQUENO PORTE NO BRASIL 1.1
Delimitando o universo
Um dos principais obstáculos à ampliação da oferta de serviços financeiros para o empreendedorismo de pequeno porte está em sua inadequada delimitação legal e estatística. O Brasil possui uma lei da micro e pequena empresa e uma capilarizada organização nacional voltada especialmente a seu fortalecimento (o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE) cujo papel tem sido, de fato, cada vez mais importante. As definições existentes são, porém, tão genéricas, que contribuem ao reforço de um atendimento que só contempla as necessidades dos segmentos de maior renda entre os empreendedores. O SEBRAE, por exemplo, classifica como micro o empreendimento industrial que possui até 19 empregados e o de comércio e serviços que possui até 9 empregados. A pequena empresa industrial fica no limite entre 20 e 99 empregados e a de serviço e comércio entre 10 e 49 empregados. Já a lei 9.841 de 5/10/99 estabelece em R$ 244 mil o limite em que uma empresa é classificada como micro (e em R$ 1,2 milhão, como pequena) para finalidades fiscais. O que chama a atenção é a distância entre o universo assim delimitado e aquele que pode ser encontrado quando se estudam as informações disponíveis sobre o empreendedorismo de pequeno porte, no Brasil. É interessante, para isso, comparar as pesquisas sobre os empreendimentos formais com o abrangente estudo sobre a “Economia Informal Urbana”.(IBGE, 1999). Quando se aplicam os critérios do SEBRAE e da lei 9.841 às informações do CEMPRE (Estatísticas do Cadastro Central de Empresas, IBGE, 2002) e da Pesquisa Anual do Comércio (PAC, IBGE, 2003) – ambas do IBGE e ambas sobre a economia formal – conclui-se que mais de 90% das empresas formais brasileiras podem ser classificadas como micro. Mas quando se compara este universo ao da Economia Informal Urbana, percebe-se uma distância social cuja ignorância pode comprometer seriamente o alcance da política nacional de microfinanças. Respeitadas as definições da lei da microempresa e do SEBRAE, o resultado é que a esmagadora maioria do empreendedorismo de pequeno porte – e aquele que a maior distância se encontra do sistema bancário – não será alcançada pela política pública. A política nacional de microfinanças parte de uma delimitação do universo do empreendedorismo de pequeno
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11 porte que não pode ter base nem nas definições legais de microempresa, nem nas do SEBRAE. No CEMPRE (Estatísticas do Cadastro Central de Empresas, IBGE, 2002) estão registradas 4,1 milhões de empresas formais (dotadas de um CNPJ). Suas informações são estratificadas por faixa de pessoal ocupado ( 2). Destas, 409 mil empresas são industriais e, entre elas, apenas 26 mil possuem mais de 30 empregados ( 3). As que possuem 10 empregados ou mais somam 78 mil: as microempresas (pelo critério do SEBRAE) industriais devem, portanto, corresponder a quase 90% do universo total das indústrias. Dos 2.052.478 de empreendimentos comerciais (“comércio, reparação de veículos automotores, objetos pessoais e domésticos”), estudados pelo IBGE, nada menos que 1.955.199 (95%) constituem-se de microempresas pelo critério do SEBRAE. Na recém divulgada Pesquisa Anual de Comércio (PAC, IBGE, 2003), existem 1.286.342 empresas comerciais (a definição é um pouco diferente da que consta no CEMPRE, daí o número menor), das quais 94% têm menos de 10 empregados. Infelizmente o CEMPRE não estratifica o universo das empresas por valor da receita, o que não permite verificar o universo que a lei 9.841 define como pertencente à micro e à pequena empresa. A Pesquisa Anual do Comércio de 2002 (IBGE, 2003, tabela 4) faz esta estratificação, mas a primeira faixa de receita em que o universo é subdividido vai até R$ 300 mil (bem acima do teto da microempresa, R$ 240 mil, definido na lei) e abrange 1.167.409 das 1.268.342 empresas estimadas (92% do total). O que estas informações mostram é menos a importância social da microempresa no Brasil do que a necessidade de conhecer suas diferenciações internas para que a política nacional de microfinanças possa beneficiar os segmentos que mais dela necessitam. Manter definições tão genéricas quanto as da legislação atual e a do SEBRAE é um convite a que a política se volte aos segmentos superiores do universo assim definido: tanto mais quanto mais tênues são os limites que separam seus diversos segmentos.
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Para que se tenha uma idéia da distância que pode separar o universo formal do real basta comparar o CEMPRE com o Censo Agropecuário. Enquanto o CEMPRE encontrou 26.554 empresas na “agricultura, silvicultura e exploração florestal” em 2000 (IBGE, 2002), o Censo indica nada menos que 4,8 milhões de estabelecimentos em 1996. Como a esmagadora maioria dos empreendimentos agropecuários (inclusive os patronais) não tem CNPJ, deixa simplesmente de constar do CEMPRE. É verdade que se trata de uma particularidade da agricultura, mas não é menos certo que uma imensa quantidade de empreendimentos econômicos fica fora daquelas estatísticas que se referem a negócios formais. 3 A estratificação do IBGE faz os cortes em 0 a 4, 5 a 9, 10 a 29, 30 a 49, 50 a 99, 100 a 499 e 500 e mais empregados.
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12 Realizada em 1997 e divulgada em 1999, a pesquisa Economia Informal Urbana (ECINF) é a mais importante base de análise sobre o empreendedorismo de pequeno porte em atividades não agropecuárias. Ela não tem, infelizmente, o alcance de um censo econômico, uma vez que se baseia em seleção de domicílios que, no âmbito da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), possuíam trabalhadores por conta própria e empregadores com até cinco empregados. Mas o interesse maior da ECINF é que – contrariamente aos censos econômicos – examina, ao mesmo tempo, dimensões relacionadas às empresas e às famílias “rompendo com isso a rigidez de barreiras entre pesquisas domiciliares e pesquisas de estabelecimentos” (IBGE, 1999:17). Além disso, contrariamente ao Cadastro Central de Empresas (CEMPRE) do IBGE (2002), a ECINF permite que as atividades dos informantes sejam estratificadas segundo o valor de seu faturamento. Apesar das restrições que se podem opor a sua base de cálculo esta estratificação é essencial quando se pretende delimitar o universo do empreendedorismo de pequeno porte no Brasil. As informações quanto às receitas, despesas, investimentos, crédito e dívidas do estabelecimento foram levantadas apenas para o mês em que foi realizada a pesquisa, outubro de 1997, mas, em alguns casos, referem-se ao período dos três meses anteriores. A pesquisa não oferece medida da receita líquida dos estabelecimentos. Portanto, os dados aqui expostos são muito mais indicações, ordens de grandeza, do que informações precisas sobre a magnitude econômica dos empreendimentos. Além disso, a promessa de que a ECINF seria realizada novamente em 2002 infelizmente não se cumpriu. Razão a mais para que se considerem os dados aqui apresentados como aproximativos. A ECINF estuda empresas do setor informal - definidas, não tanto, por sua situação jurídica, mas pelo fato de possuírem, no máximo cinco empregados que desenvolveram atividades não agrícolas, “independentemente do número de não remunerados e sócios” (IBGE, 1999:25). Na explicação sobre “conceitos e definições” o IBGE diz: “foram consideradas como empresas pertencentes ao setor informal aquelas cuja constituição jurídica não pertencia ao grupo das Sociedades Anônimas e também, aquelas cujo preenchimento da declaração anual do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica em 1997, não foi feito no formulário – Lucro Real”. Os graus de formalização deste universo são variados: das 9,5 milhões de empresas estimadas, 3,2 milhões possuíam licença municipal e 1,3 milhão possuíam constituição jurídica (4) (IBGE, 1999, tabela 10). 4
Em outras palavras, 1/3 das empresas possui formalização local e 14% delas formalização jurídica completa. A característica central destes empreendimentos está muito mais ligada a seu tamanho que a sua constituição
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13 O IBGE estratificou as empresas por classe de valor da receita obtida no mês de outubro de 1997. A tabela 1 mostra que das 9.477.973 milhões de “empresas do setor informal”, 4.777.961 tiveram receita até R$ 500,00 em outubro de 1997. A tabela propõe uma dupla extrapolação: ela anualiza o valor de outubro de 1997, multiplicando-o por doze e atualizao com base no INPC até julho de 2003. Claro que é impossível saber se outubro é um mês típico o que exige precaução nos resultados aqui atingidos. Feita esta ressalva, as 4.777.961 de empresas, correspondentes a pouco mais da metade do universo total, teriam tido um faturamento anual inferior a R$ 10.000,00 (R$ 9.577,00) caso a receita de outubro de 1997 exprimisse média mensal e com base na atualização dos valores em que se apoiou a estratificação proposta pelo IBGE para aquela data. MAIS DA METADE DAS EMPRESAS FATURA ATÉ R$ 10 MIL POR ANO TABELA 1. BRASIL: Empresas do setor informal, segundo as classes de valores da receita em outubro de 1997. Classes de Empresas do setor informal valores da receita em Freqüência Número Freqüência outubro de 1997 Valor anual Número de acumulada percentual de acumulada (R$) corrigido (R$)* empresas absoluta** empresas** percentual** 1 a 100
até 1.915
1.154.476
1.154.476
12,58
12,58
101 a 200
1.916 a 3.830
1.283.680
2.438.156
13,99
26,57
201 a 300
3.831 a 5.746
944.490
3.382.646
10,29
36,86
301 a 500
5.747 a 9.577
1.395.315
4.777.961
15,21
52,07
9.578 a 19.154
1.686.208
6.464.169
18,38
70,44
1.001 a 2.000
19.155 a 38.308
1.283.315
7.747.484
13,98
84,43
2.001 a 5.000
38.309 a 95.772
954.613
8.702.097
10,40
94,83
5.001 ou mais
95.773 ou mais
474.535
9.176.632
5,17
100,00
501 a 1.000
jurídica.
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14 Sem receita Sem declaração Total
236.430 64.912 9.477.973
Fonte: IBGE – ECINF 1999. * Corrigido pelo INPC de outubro de 1997 a julho de 2003. ** Para efetuar o cálculo não foram incluídas empresas sem receita ou sem declaração. As empresas sem receita ou sem declaração correspondem a 3,17% do total pesquisado. A camada superior das “empresas do setor informal” (474.535 unidades, segundo a tabela 1) situadas na faixa que, em outubro de 1997, faturou R$ 5.000 e mais faturou menos da metade do limite estabelecido na Lei da Microempresa. A tabela 2 deixa claro o contraste entre o critério de classificação do SEBRAE para microempresa segundo o número de trabalhadores e a realidade detectada na ECINF: das 9.477.973 empresas, 7.545.317 ocupam apenas uma pessoa e outras 1.155.450 ocupam duas pessoas. As que ocupam mais de cinco pessoas somam apenas 81 mil (1,4% do total). O EMPREENDEDORISMO DE PEQUENO PORTE É FUNDAMENTALMENTE INDIVIDUAL OU FAMILIAR TABELA 2. BRASIL: Empresas do setor informal, por número de pessoas ocupadas – 1997. Número de pessoas ocupadas 1 2 3 4
Empresas do setor informal Freqüência Número de acumulada empresas absoluta* Percentual* 7.545.317 7.545.317 79,62 1.155.450 8.700.767 12,19 389.016 9.089.783 4,10 196.352 9.286.135 2,07
Freqüência acumulada percentual* 79,62 91,81 95,91 97,99
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15 5 109.681 9.395.816 1,16 99,14 Mais de 5 81.114 9.476.930 0,86 100,00 Sem declaração 1.043 Total 9.477.973 Fonte: IBGE – ECINF 1999. * Para efetuar o cálculo não foram incluídas as empresas sem declaração. As empresas sem declaração correspondem a 0,011% do total pesquisado. Por mais inexatos que sejam estes números - e arbitrária a extrapolação aqui tentada mostram, entretanto, a distância entre o tamanho econômico do empreendedorismo de pequeno porte tal como caracterizado pela pesquisa do IBGE e os critérios a partir dos quais são fixados os limites dos benefícios da política pública. É claro que em princípio, o limite superior do universo não exclui que sejam contemplados os segmentos situados abaixo do topo. Mas quanto maior a distância entre o piso do conjunto social visado pela política e o topo de sua pirâmide, maior será a tendência de que sejam beneficiados os segmentos que se encontram em melhor situação econômica: são os que, provavelmente, têm melhores condições de responder às exigências do financiamento bancário. Foi o que ocorreu, por exemplo, quando teve início o PRONAF. As primeiras pesquisas sobre o tema (Abramovay e Veiga, 1999) mostram que, de fato, era familiar o público beneficiado com seus financiamentos, em seus dois primeiros anos de funcionamento. Entretanto, somente conseguiam crédito, agricultores que já tinham uma certa relação com os bancos, com agroindústrias, situados em regiões mais prósperas e melhor integrados aos mercados. Foi necessário segmentar institucionalmente o público para que os recursos chegassem efetivamente aos agricultores e às regiões de fato excluídos até então do acesso ao Programa. A política nacional de microfinanças deve ter como ponto de partida uma segmentação de seu público beneficiário com critérios que favoreçam a inclusão daqueles empreendedores situados bem abaixo do que a lei define como valor limite para o microcrédito. Mesmo o limite de receita estabelecido no “PROGER-FAT empreendedor popular” (R$ 120 mil5) parece excessivamente alto, diante do que mostram os dados da ECINF – ele está acima do que seria o faturamento da camada situada no topo da pirâmide do empreendedorismo de pequeno porte, pelo que mostra a tabela 1 - e não sinaliza para o esforço de alcançar a grande maioria dos micro-empreendedores.
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Neste programa deve ser observado o limite de pelo menos 80% dos recursos para beneficiários com faturamento anual do empreendimento de até R$ 60 mil sendo o restante para beneficiários com faturamento anual do empreendimento de até R$ 120 mil.
15
16 Esta é a razão pela qual, a política nacional de microfinanças deve adotar uma segmentação do empreendedorismo de pequeno porte e definir modalidades de incentivo (conforme proposto na parte três deste trabalho) para que determinadas parcelas dos recursos públicos voltem-se especificamente aos setores com maiores dificuldades de inclusão bancária. TABELA 3 - Uma proposta de segmentação do público de microfinanças Classes de valores de receita Até R$ 10.000,00 De R$ 10.001,00 a R$ 60.000,00 De R$ 60.001,00 a R$ 240.000,00 Fonte: IBGE – ECINF 1999.
Número estimado de empresas 4.800.000 4.000.000 500.000
Demanda potencial (empresas)
Demanda potencial (valores)
A demanda por crédito aumenta conforme o próprio volume de negócios das empresas. Não há elementos para uma estimativa minimamente rigorosa desta demanda 6. O que não se pode dizer, entretanto, é que os menores negócios simplesmente recusam o crédito. Se o acesso for facilitado, é bem provável que a demanda seja alta, ainda que em montantes individuais pequenos e para giro de curto prazo. Esta é a razão pela qual os segmentos superiores em classes de valores de receita deverão receber montantes proporcionalmente maiores que os inferiores. Ainda assim, a política nacional de microfinanças deve criar mecanismos para que aqueles com maior dificuldade de acesso possam, de fato, ser contemplados com o crédito. É importante observar que, na tabela acima, não se incluem as empresas do setor formal: as mais de 3,5 milhões que seriam classificadas pelos critérios da legislação e os do SEBRAE como micro empresas. O pressuposto é que a grande maioria destas empresas tem acesso ao crédito bancário. Seu problema maior é, provavelmente, com as taxas de juros cobradas e não com o acesso a serviços financeiros. Pode-se opor à visão aqui exposta dois argumentos básicos. O primeiro é de natureza técnica e refere-se à imprecisão dos dados da ECINF. Quanto a isso, é importante insistir que se trata muito mais de ordem de grandeza do que de quantidades e valores precisos. Estes valores chamam a atenção para a distância entre as diferentes definições de microempresa e o universo social definido pela mais importante pesquisa nacional disponível a respeito do tema.
6
Por isso a tabela 3 está em branco no que se refere à demanda por microcrédito.
16
17 O segundo argumento é mais importante: os empreendimentos estudados pela ECINF seriam tão precários que, na verdade, não demandariam crédito. O problema, neste caso, não estaria na falta de oferta, mas na escassez da própria demanda de serviços financeiros, derivada da pobreza da grande maioria dos empreendimentos econômicos estudados na ECINF. Na verdade, não existem informações precisas que permitam testar cada uma destas hipóteses (escassez de demanda ou obstáculo na oferta). As estimativas sobre a demanda potencial de crédito no Brasil são muito variadas e em geral desprovidas das informações sobre suas fontes (7). Todas, entretanto, convergem no sentido de afirmar que a distância entre o universo atendido e o potencial é da ordem da dezena de milhões ( 8). Um exame das características centrais das “empresas do setor informal” sugere fortemente a existência de um vasto espaço para ampliar a quantidade de famílias e negócios beneficiários do acesso a serviços financeiros, mesmo que os números a respeito não sejam muito precisos. Mais importante do que reproduzir as informações imprecisas sobre o assunto é reconhecer dois traços centrais da demanda por serviços financeiros do empreendedorismo de pequeno porte: a unidade entre negócio e família e a perenidade das empresas. 1.2 1.2.1
Duas características centrais A unidade entre negócio e família
O traço mais importante do empreendedorismo de pequeno porte é que reúne família e negócio numa unidade orgânica quase sempre indissolúvel: tanto mais, quanto menor for o tamanho do empreendimento econômico. O mais importante teórico sobre o tema - o economista e agrônomo russo Alexander Chayanov (1925/1986) - mostra que a fusão entre domicílio e unidade produtiva não é um traço apenas da economia camponesa, mas de todo empreendimento que se apóia fundamentalmente sobre o trabalho familiar e cuja renda destina-se à cobertura das necessidades vitais da família. 7
13 milhões é um número citado com freqüência, na imprensa: refere-se, provavelmente (já que raramente mencionam-se as fontes da informação) à soma do número de empresas estimado pela ECINF e o número de microempresas do CEMPRE (formais). Mas é uma cifra nitidamente superestimada: nem todo o empreendedorismo de pequeno porte vai demandar crédito caso lhe seja ofertado; além disso, parte importante das microempresas formais tem acesso aos bancos. 8 O CGAP (Grupo Consultativo de Ayuda a la Población Más Pobre do Banco Mundial), divide a oferta e a demanda de crédito microempresarial na América Latina em três grupos. Em primeiro lugar estão países como Bolívia, Honduras, Nicarágua e El Salvador cuja demanda - inferior a 500 mil clientes - é atendida quase inteiramente. Num segundo situam-se Paraguai, Guatemala, Peru, Chile, Colômbia, República Dominicana, Equador e Costa Rica, com uma demanda de 2,5 milhões de microempresários, dos quais cerca de 500 mil são atendidos. Por fim, México e Brasil não atendem 200 mil clientes de uma demanda potencial que chegaria a quase sete milhões (CGAP, 2001).
17
18 A literatura internacional sobre o tema insiste na “fungibility” dos recursos financeiros de que dispõe a família: não é raro que o dinheiro da aposentadoria sirva para fortalecer o negócio, assim como um financiamento produtivo poderá ser crucial para enfrentar um problema de saúde. Ao mesmo tempo, contar com recursos para enfrentar um problema de saúde pode evitar que a família tenha que se desfazer de ativos decisivos para a continuação do próprio empreendimento. Contrariamente às empresas regidas por claras exigências contábeis, na grande maioria do empreendedorismo de pequeno porte os recursos da família e os do negócio entram numa espécie de caixa comum. Quando se trata da agricultura familiar, esta fusão entre negócio e família se traduz no fato de que, na maior parte das vezes, o domicílio situa-se, fisicamente, no próprio empreendimento.
No
caso
do
micro-empreendedorismo
urbano
esta
fusão
é,
evidentemente, menos nítida, embora também significativa: a tabela 3 mostra que das 9.477.973 de empresas estudadas pela ECINF, 2.698.161 funcionam no próprio domicílio da família. Outras 464.115 funcionam “no domicílio e fora do domicílio”. Um terço das unidades produtivas guardam, portanto, forte relação física com a casa de seu titular. E é interessante observar que a maioria dos que trabalham “fora do domicílio” não possui um outro estabelecimento: dos 6,3 milhões que trabalham fora do domicílio, 2,5 milhões trabalham no domicílio do cliente, 847 mil em via pública e 525 mil em veículos: as lojas e oficinas – aqui sim, estabelecimentos claramente separados do domicílio - são 2,2 milhões. Esta fusão entre domicílio e negócio é um dos traços mais importantes do empreendedorismo de pequeno porte, tanto em meio rural como nas regiões metropolitanas. Por mais que se concebam linhas de crédito estritamente produtivas, é importante sempre ter em mente que a família vai lidando com suas necessidades de recursos (dos indivíduos e do empreendimento) de forma integrada. É claro que o desenvolvimento do próprio negócio e o estabelecimento de uma contabilidade formal – hoje quase inexistente – vai contribuir à separação destes dois universos e a imprimir maior estabilidade a ambos. Mas o ponto de partida é a atual integração entre eles.
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19
A CASA E O NEGÓCIO TABELA 4. BRASIL: Empresas do setor informal, segundo o local de funcionamento - 1997 Empresas do setor informal Número de empresas Total 9.477.973 Só no domicílio 2.698.161 Só fora do domicílio 6.315.147 Loja, oficina 2.221.250 Domicílio de cliente 2.543.754 Via pública 846.679 Veículo 524.965 Outros 151.767 Sem declaração 26.732 No domicílio e fora do domicílio 464.115 Loja, oficina 45.938 Domicílio de cliente 333.599 Via pública 50.565 Veículo 5.492 Outros 28.008 Sem declaração 513 Sem declaração 549 Fonte: IBGE – ECINF 1999.
Percentual 100,00 28,47 66,63 23,44 26,84 8,93 5,54 1,60 0,28 4,90 0,48 3,52 0,53 0,06 0,30 0,01 0,01
Esta fusão entre domicílio e empreendimento econômico traz conseqüências decisivas sob o ângulo dos serviços financeiros de que dependem as famílias e seus negócios. Exatamente
por
atenderem
empreendimentos
fundamentalmente
familiares,
as
organizações locais podem também prestar um conjunto variado de serviços financeiros para a família, que acabam permitindo a própria rentabilidade das organizações financeiras. Aí reside a diferença mais importante entre microcrédito e microfinanças. Organizações de microfinanças, ou de finanças de proximidade não se limitam a oferecer e cobrar créditos: elas também abrem o caminho a que as famílias encontrem serviços financeiros que ampliem seu conforto (pagamento de contas e remessa de dinheiro, por exemplo) que atenuem suas oscilações de renda, que lhes permitam enfrentar imprevistos e onde possam poupar seus recursos. As reportagens a respeito dos primeiros passos para a
19
20 democratização do sistema creditício brasileiro já revelam a necessidades de poupança de populações vivendo muito próximo à linha de pobreza. Priscila Néri apresenta o caso de uma catadora de papel cuja renda varia entre R$ 100 e R$ 450 mensais e cujo dinheiro poderá ser guardado em conta bancária da Caixa Econômica Federal: “fiquei muito alegre porque, com o dinheiro no banco, gasto menos, ninguém pode me roubar como antes e posso até economizar para alugar um quarto”. Um outro catador de papel citado na mesma reportagem também associa a conta bancária à possibilidade de organizar-se para “sair da rua” (Néri, 2003). São casos que confirmam as conclusões dos mais recentes estudos internacionais sobre o tema (Rutheford, 2002): mesmo quem vive abaixo da linha de pobreza necessita de serviços financeiros, cuja presença pode representar possibilidade substancial de ganho de renda. As microfinanças ou finanças de proximidade caracterizamse exatamente pela capacidade de oferecer serviços financeiros amplos, flexíveis a populações excluídas do sistema bancário com base num conjunto de mecanismos que reforçam vínculos de confiança decisivos para o próprio reforço do empreendedorismo (Alves & Soares, 2003). Organizações de microfinanças tendem a se viabilizar e ganhar sustentabilidade econômica à medida que ampliem e diversifiquem os serviços oferecidos a seu público. O alto custo operacional de oferecer, monitorar e receber crédito é coberto não só pelos juros cobrados nos empréstimos, mas pela renda que se extrai do conjunto de serviços oferecidos (poupança, seguros, remessa de dinheiro, conta corrente, entre outros). Ao mesmo tempo, o acesso a estes serviços permite que as famílias evitem recorrer a fontes de empréstimo excessivamente caras (crediário de lojas) ou que vinculam financiamentos a formas clientelistas de dependência dos tomadores (agiotas). É claro que a oferta de crédito por si só já é um serviço extremamente relevante, sobretudo, quando consolida uma rede de agentes de crédito capazes de estimular a adimplência e, portanto, os vínculos de confiança entre os indivíduos de uma certa localidade. É o que acontece com boa parte das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). Entretanto a relevância de seu trabalho não pode escamotear o limite representado pelo fato de serem organizações unidimensionais, voltadas estritamente à oferta e à cobrança de créditos e não a uma gama variada de serviços financeiros fundamentais para as famílias e seus negócios. A sustentabilidade das organizações de finanças de proximidade poderá ser reforçada por mecanismos estatais que concedam prêmio às que conseguem, efetivamente chegar ao público até aqui excluído do sistema bancário e que estimulem o aprimoramento de suas
20
21 capacidades produtivas e de gestão tanto de seus orçamentos como de seus negócios. A parte três deste trabalho propõe mecanismos que premiam as iniciativas que façam da ampliação de serviços financeiros a populações pobres a base de sua própria viabilidade econômica. 1.2.2
A perenidade dos empreendimentos
São conhecidas as informações sobre as altas taxas de natalidade e de mortalidade das microempresas. Mas nem sempre se insiste na perenidade que caracteriza os negócios do empreendedorismo de pequeno porte. A ECINF traz informações interessantes a este respeito. O empreendedorismo de pequeno porte não é atividade ocasional, própria a um período de desemprego. Contrariamente ao trabalho informal assalariado, o empreendedorismo de pequeno porte não tende a se reduzir de maneira significativa com uma reforma que alivie os custos trabalhistas de contratação e, portanto, a tão generalizada ilegalidade em que se encontra hoje parte crescente dos assalariados, sobretudo em empresas pequenas e médias (9). Transformar-se em empreendedor – ainda que de pequeno porte – é uma decisão individual que requer um conjunto de capacidades que não se improvisam: mesmo quando não há, aparentemente maiores dificuldades técnicas, existe um aprendizado e uma acumulação de conhecimento ao se estabelecerem relações com os mercados que não permitem encarar os pequenos empreendimentos como um simples refúgio ocasional diante da perda da atividade assalariada. Apesar de sua precariedade material e técnica, da escassa formação educacional de seus titulares e da falta de uma rigorosa contabilidade na esmagadora maioria dos casos, o empreendedorismo de pequeno porte é uma atividade que exige aptidão profissional especializada. Das 9,5 milhões de “empresas do setor informal” estimadas pelo IBGE em 1997 nada menos que 8,6 milhões declararam funcionar durante todos os meses do ano e 7,1 milhões funcionaram efetivamente nos últimos doze meses que precederam a pesquisa. MICROEMPRESAS NÃO SÃO NEGÓCIOS OCASIONAIS
9
O número de trabalhadores formais cai de 54,5% do total a 43,6% do total entre 1991 e 2000, no Brasil. Mas o total de assalariados, no universo dos ocupados, cai muito menos: de 75,4% em 1991 para 71% em 2000 (Paiva, 2003). Uma reforma trabalhista poderia aumentar a formalização do trabalho. Os dados apresentados logo abaixo sugerem que ela não teria, entretanto, o poder de voltar ao trabalho assalariado a grande maioria dos que se dedicam ao empreendedorismo de pequeno porte.
21
22 TABELA 5. BRASIL: Empresas do setor informal, segundo as características de funcionamento - 1997 Empresas do setor informal Número de meses que funcionou nos últimos 12 meses Até 3 4a6 7 a 11 12 Total Fonte: IBGE – ECINF 1999.
Número de empresas 490.128 540.207 1.342.984 7.104.655 9.477.973
Percentual 5,17 5,70 14,17 74,96 100,00
Esta informação é tanto mais importante que quase dois terços dos proprietários de “empresas do setor informal” adquiriram seus negócios há mais de três anos e mais da metade deles (5 milhões, ao todo) há mais de cinco anos (tabela 6). Apenas 18% deles estão na atividade há menos de um ano. A tabela mostra também o ingresso mais recente das mulheres na atividade: 16% dos homens estão no negócio há apenas um ano, contra 22% das mulheres. Em contrapartida, os negócios com duração superior a dez anos, ocupam 31% dos homens e apenas 22% das mulheres. Estes números sugerem que nas atividades de formação e assistência técnica e contábil, associadas ao microcrédito deveriam ser criadas linhas especialmente voltadas a mulheres.
22
23
O DESEMPREGO NÃO EXPLICA O EMPREENDEDORISMO DE PEQUENO PORTE TABELA 6 – BRASIL: Proprietários de empresas do setor informal, segundo o motivo que os levou a iniciar o negócio e o tempo em que se tornou proprietário - 1997 Motivo que os levou a iniciar o negócio e tempo em que se tornou proprietário Total
Proprietários de empresas do setor informal Total Homens Absoluto
Percentual em relação ao total de proprietários
Freqüência acumulada percentual*
Mulheres
Percentual em Absoluto relação ao total de homens
Absoluto
Percentual em relação ao total de mulheres
10.117.959
100,00
6.654.497
100,00
3.463.462
100,00
Não encontrou emprego
2.531.932
25,02
1.891.864
28,43
640.068
18,48
Independência
2.036.317
20,13
1.467.667
22,06
568.650
16,42
857.235
8,47
662.822
9,96
194.413
5,61
1.786.860
17,66
636.424
9,56
1.150.436
33,22
Experiência na área
871.902
8,62
709.087
10,66
162.815
4,70
Negócio promissor
837.337
8,28
615.004
9,24
222.333
6,42
1.196.376
11,82
671.629
10,09
524.747
15,15
Até 1 ano
1.818.921
17,98
17,98 1.059.738
15,93
759.183
21,92
1a3
2.043.189
20,19
38,17 1.256.187
18,88
787.002
22,72
3a5
1.193.992
11,80
49,98
761.637
11,45
432.355
12,48
5 a 10
2.262.281
22,36
72,34 1.540.235
23,15
722.046
20,85
Mais de 10
2.798.784
27,66
100,00 2.036.340
30,60
762.444
22,01
793
0,01
362
0,01
431
0,01
Tradição familiar Complementação da renda familiar
Outros motivos ou sem declaração Tempo que se tornou proprietário
Sem declaração
Fonte: IBGE – ECINF 1999. *Para efetuar o cálculo foram excluídas empresas sem declaração
23
Não surpreende constatar a precária formação educacional dos proprietários de empresas do setor informal. Mais da metade deles não tem o primeiro grau completo, como mostram as informações da tabela 7, o que contribui a reforçar o caráter perene de suas atividades: considerando sua idade (tabela mostrando idade) e sua formação, suas chances no mercado de trabalho assalariado são bem escassas. MAIS DA METADE DOS EMPREENDEDORES NÃO TEM O PRIMEIRO GRAU TABELA 7. BRASIL: Proprietários de empresas do setor informal, segundo o nível de instrução - 1997 Nível de instrução Total Sem instrução ou menos de um ano de estudo Primeiro grau incompleto Primeiro grau completo Segundo grau incompleto Segundo grau completo Superior incompleto Superior completo Sem declaração Fonte: IBGE – ECINF 1999.
Número de proprietários 9.959.065 771.109 4.673.299 1.255.893 657.612 1.548.697 244.992 796.140 11.323
Percentual 100,00 7,74 46,93 12,61 6,60 15,55 2,46 7,99 0,11
A tabela 6 mostra também que o desemprego não é o principal motivo para a abertura e a manutenção de um pequeno negócio. Ele aparece como explicitamente importante apenas para um quarto de todos os proprietários. A “independência” é a mais forte justificativa para a abertura dos negócios por parte dos homens. Já por parte das mulheres, destaca-se a “complementação da renda familiar”. Note-se que são importantes também fatores como “tradição familiar”, “experiência na área” e a consideração de que se tratava de “negócio promissor”. Isso significa que, para a maioria dos empreendedores, o negócio associase a atributos que valorizam a atividade que exercem e não simplesmente a um momento transitório de suas vidas. Não é de estranhar então que dos 9,5 milhões de empresas estimadas pela ECINF, apenas os titulares de 1,2 milhão declararam que pretendem abandonar a atividade e procurar emprego: 3,5 milhões disseram que querem aumentar o negócio. 2,8 milhões vão continuar o negócio e mantê-lo no mesmo nível e 885 mil vão mudar de ramo, mas continuar na atividade independente (tabela 8).
25 A MAIORIA QUER CONTINUAR OU AUMENTAR O NEGÓCIO TABELA 8. BRASIL: Empresas do setor informal, segundo planos futuros para o negócio - 1997 Planos para o futuro do negócio Aumentar o negócio Continuar o negócio no mesmo nível Mudar de atividade e continuar independente Abandonar a atividade e procurar emprego Outros planos, não sabe ou sem declaração Total Fonte: IBGE – ECINF 1999.
Empresas do setor informal 3.543.836 2.843.884 885.272 1.145.466 1.059.515 9.477.973
Percentual 37,39 30,01 9,34 12,09 11,18 100,00
As informações até aqui apresentadas parecem suficientes para fundamentar as propostas feitas neste trabalho. Por um lado, o empreendedorismo de pequeno porte tem importância social e econômica suficiente para justificar uma política voltada a seu fortalecimento. Por outro lado, a oferta de serviços financeiros de proximidade é parte decisiva desta política. Claro que as microfinanças, isoladamente, têm alcance muito limitado. Exatamente por isso, a segunda parte deste trabalho discute um conjunto de medidas voltadas a inserir as microfinanças em processos localizados – territorializados - de desenvolvimento.
25
26
2 O ACESSO A SERVIÇOS FINANCEIROS COMO BASE DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL 2.1
Introdução
Reduzir o imenso abismo entre a oferta e a demanda de microfinanças para os empreendimentos de pequeno porte depende fundamentalmente da modificação das barreiras institucionais que impedem o acesso aos serviços financeiros, da criação de ambientes favoráveis à sustentabilidade dos negócios financiados e da implantação de sistemas de gestão que garantam a viabilidade econômica das instituições financeiras, ou seja, o triangulo da sustentabilidade das microfinanças (Meyer, 2003). O PROGER se propõe a ser um programa de crédito voltado aos empreendimentos de pequeno porte com o objetivo de gerar emprego e renda e de promover o desenvolvimento local. Diversas restrições institucionais limitam o acesso do público potencial e a sustentabilidade dos negócios financiados. Uma avaliação global do impacto social do PROGER é dificultada pela pouca disponibilidade de dados. A fragilidade dos controles operacionais do programa impede uma avaliação precisa do impacto do PROGER na geração de emprego e renda. Os agentes financeiros não monitoram o resultado dos financiamentos nos empreendimentos e o Ministério do Trabalho não dispõe de informações sobre o impacto das linhas de financiamento. Pior: não há qualquer dado sobre a estratificação social dos beneficiários do Programa, o que impede o julgamento de seu impacto. Em vários países desenvolvidos, existe o monitoramento estatal do alcance social e regional das ações bancárias. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Community Reinvestment Act estabelece a obrigatoriedade de os bancos fornecerem informações quanto a seu atendimento a clientelas consideradas potencialmente excluídas (10). Com mais forte razão, o Programa Nacional de Microfinanças deve apoiar-se na formação de 10
O Community Reinvestment Act (CRA) faz parte de um conjunto de leis destinadas a garantir o fair lending (empréstimo justo), nos Estados Unidos, e de impedir toda discriminação racial, por sexo por origem nacional por religião ou por idade na atribuição de financiamentos a quem for “digno de crédito”. Introduzida em 1977, a lei visa evitar o redlining, ou seja, a prática de discriminar certas regiões como áreas de concessão de empréstimos. O texto permite que as agências federais de controle das instituições financeiras atribuam notas aos bancos segundo seu desempenho em matéria dce empréstimos e de participações financeiras. São atingidas pela lei as instituições cujos depósitos recebem garantias federais. As notas serão levadas em consideração quando o poder federal tiver que autorizar abertura de novas agências ou fusões bancárias. Além desta legislação, o governo Clinton estimulou a formação de uma rede de organizações voltadas especificamente para atender o público excluído das organizações convencionais: são as “Community Development Financial Institutions” (Servet, 2001).
26
27 uma sólida base de dados quanto ao real alcance social das práticas de todas as organizações que, de uma forma ou outra, lidam com recursos públicos. Mas, pode-se afirmar com segurança que, por mais que possibilite o acesso a empreendedores que até então nunca tinham obtido crédito junto a bancos, pelos canais de distribuição utilizados, o PROGER não oferece serviços acessíveis a empreendimentos que não apresentam garantias ou que apresentam restrições cadastrais. São grandes as barreiras institucionais ao acesso dos pequenos empreendimentos a serviços financeiros formais. Estas barreiras vão além das limitações impostas pelas regras de gestão do crédito. São muito elevados os custos de transação que os empreendedores têm que incorrer para ter acesso a estes serviços, mesmo considerando a redução destes custos com as medidas recentemente adotadas. Além de pouco acessíveis, as políticas de crédito também não oferecem melhores condições à sustentabilidade dos pequenos empreendimentos. A pesquisa realizada pelo IBASE em 1999 contabiliza a geração de 101.409 ocupações através do investimento de R$ 649,4 milhões, no período de 1995 e 1998. Porém, estudo realizado pelo IPEA em Pernambuco (Araujo e Lima, 2000) mostra que o impacto na geração de empregos é menor que as expectativas e metas do programa: cerca de 30% dos empregos gerados após o acesso dos empreendimentos a financiamento do PROGER são perdidos, segundo o estudo feito em Pernambuco. Os financiamentos possibilitaram, em média, a geração de 2,5 empregos por empreendimento. Porém, 30% destes empregos, 0,8 emprego por empreendimento, foram perdidos após o prazo de financiamento. Nos financiamentos para pessoa física, apenas 28% das ocupações geradas após o financiamento são mantidas depois de um ano. A dificuldade de manutenção dos empregos gerados pelo programa de financiamento mostra que a sustentabilidade dos negócios depende de outros fatores que não são suficientemente equacionados com o financiamento. A sustentabilidade é ainda menor naqueles empreendimentos que tomaram empréstimos de valores menores que R$ 40 mil. É claro que em outros Estados a situação pode ser diferente da que mostra o trabalho sobre Pernambuco. Mas o mais provável é que se trate aí de uma situação mais próxima à regra que à exceção. Outro grave problema é a viabilidade das instituições de microfinanças e dos serviços de microfinanças oferecidos pelas instituições financeiras. Estas atividades são ainda fortemente dependentes de subsídios governamentais que, na maioria das vezes, mal direcionados, comprometem a perenidade destas instituições e o seu potencial como 27
28 financiadoras do desenvolvimento local. Esta questão tornou-se crucial com a multiplicação de organizações de microcrédito, nos últimos anos. Portanto, os principais desafios para as políticas de promoção do empreendedorismo de pequeno porte, e em torno de cuja discussão organiza-se esta parte do trabalho, são: (1) Como ampliar o acesso de empreendimentos de pequeno porte que não apresentem garantias e cadastro positivo aos serviços de microfinanças? (2) De que forma os serviços financeiros podem contribuir para a sustentabilidade dos empreendimentos de pequeno porte? (3) Que arranjos institucionais são necessários para garantir a viabilidade econômica de serviços de microfinanças? (4) Qual a sustentabilidade de programas de crédito assistido? 2.2
A dificuldade de acesso ao crédito
A característica mais marcante do sistema financeiro brasileiro é a enorme concentração nas regiões economicamente mais dinâmicas do país. O Brasil é um dos países com as menores taxas de poupança interna, de crédito com relação ao PIB e de cobertura da rede bancária. No cadastro do Banco Central, descontados os correspondentes bancários, registra-se que 30% dos municípios brasileiros, chegando a 73%, na região Norte, e 79%, na região Nordeste, não são cobertos por atendimento bancário. Os bancos são as instituições financeiras que apresentam o maior grau de concentração. O número de cooperativas de crédito, mesmo um pouco melhor distribuído, é ainda muito pequeno, devido às grandes restrições institucionais e à existência de poucas políticas de incentivo ao longo da história do sistema financeiro brasileiro. Há uma enorme concentração geográfica de instituições financeiras nas regiões Sudeste, com 59% do total de instituições e Sul, com 21% do total. Apenas o Estado de São Paulo possui 32% das instituições financeiras do País. A região Norte é a que possui o menor número de instituições, com apenas 4%, em segundo lugar a região Centro-Oeste, com 7% e a região Nordeste, com 10%. Esta grande concentração oculta, porém a baixa cobertura de instituições financeiras mesmo nas regiões metropolitanas. Na cidade de São Paulo, por exemplo, os bairros de periferia contam com poucos postos de atendimento bancário o que torna difícil o acesso das pessoas de baixa renda aos serviços financeiros formais.
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29 A ECINF oferece interessantes informações sobre o grau de exclusão bancária no Brasil hoje. Fizeram investimentos e/ou aquisições nos doze meses que precederam outubro de 1997 um total de 1,5 milhão de empresas ou 16% do total do universo levantado pela ECINF.
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30 PARTE IMPORTANTE DOS EMPREENDEDORES FAZ INVESTIMENTOS TABELA 9. BRASIL: Empresas do setor informal que fizeram investimentos, segundo a origem dos recursos - 1997 Fizeram investimentos e/ou aquisições nos últimos 12 meses Origem dos recursos Número de empresas Percentual Lucros de exercícios anteriores 959.568 62,5 Empréstimos bancários 74.745 4,9 Outros tipos de empréstimos 127.943 8,3 Outros 371.782 24,2 Sem declaração 1.569 0,1 Total 1.535.606 100 Fonte: IBGE – ECINF 1999. A maneira como foram financiados os investimentos é um forte indicativo da exclusão bancária: apenas 75 mil empresas conseguiram empréstimo bancário para investimento. A grande maioria (960 mil) investiu com base nos “lucros de exercícios anteriores”. Mas o investimento não é a única forma de utilização do crédito. A ECINF pergunta aos titulares das empresas se utilizaram crédito nos últimos três meses. A utilização foi feita por 472 mil empresas. Destas, apenas 205 mil conseguiram os recursos junto ao sistema bancário. Mesmo que se parta da premissa de que nem todas as 9,5 milhões de empresas demandam crédito, é claro que existe um imenso universo de ampliação da oferta de serviços financeiros, bloqueado por um conjunto variado de fatores. MENOS DA METADE DOS EMPRÉSTIMOS VEM DOS BANCOS TABELA 10. BRASIL: Empresas do setor informal que obtiveram crédito nos últimos três meses, segundo origem dos recursos - 1997 Empresas do setor informal que obtiveram crédito nos últimos três meses Origem dos recursos Número de empresas Percentual Com amigos e parentes 151.096 32,01 Bancos públicos ou privados 205.240 43,48 Com o próprio fornecedor 54.847 11,62 Com outras empresas ou pessoas 46.384 9,83 Outra origem 13.393 2,84 Sem declaração 1.087 0,23 Total 472.047 100,00 Fonte: IBGE – ECINF 1999.
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31 A restrição no número de agências bancárias em várias regiões do País é apenas um deles e, nem de longe, o mais importante. O principal fator de restrição ao crédito é o enorme custo que as pessoas de baixa renda e os pequenos negócios têm que pagar para ter acesso a este serviço. Até que uma operação financeira seja realizada são necessárias diversas operações por parte dos clientes e das instituições, muitas vezes com elevados custos, tanto para as instituições quanto para os seus clientes. Os clientes apresentam altos custos com o deslocamento até as instituições, com o levantamento de certidões negativas, comprovantes de renda, de residência, avalistas, etc. As instituições de microfinanças apresentam altos custos com advogados e funcionários para organização de cadastros, elaboração de contratos, monitoramento, cobrança e segurança. Instituições de microfinanças descentralizadas e arranjos institucionais baseados em relações de proximidade e laços interpessoais de confiança costumam apresentar custos de transação mais baixos que instituições bancárias que se baseiam em relações impessoais, apoiadas exclusivamente em informações cadastrais. Empreendimentos que não possuem garantias reais e cujos ativos financiados não podem ser utilizados como garantia do crédito, na forma de alienação fiduciária, não são atendidos pelos agentes financeiros. Empreendimentos formais e empreendedores informais que apresentam restrições cadastrais não são aprovados pelas instituições bancárias e pela grande maioria das instituições financeiras. Em julho de 2003, 315 mil pessoas físicas apresentaram restrições junto ao SPC e foram registrados 10,5 milhões de cheques sem fundo no Banco Central (Bacen, 2003). Isto não significa que tais empreendimentos não tenham condições de utilizar serviços de crédito. O problema é que as instituições financeiras não adotam metodologias adequadas para atender este público, principalmente porque não conseguem obter informações suficientes para analisar o risco de crédito e não conseguem criar mecanismos de cobrança mais efetivos. Como contam apenas com as informações cadastrais e tentam se prevenir da inadimplência através de garantias, as instituições financeiras passam a ser muito excludentes. Mas mesmo assim, as instituições bancárias e de microfinanças sofrem um alto grau de exposição a riscos de crédito. A média brasileira de carteiras em risco (inadimplência por mais de 30 dias) é de 7,5% segundo levantamento do BNDES em 2002. Algumas instituições mudaram suas metodologias de análise de crédito e passaram a se basear em garantias alternativas. O São Paulo Confia reduziu a zero a inadimplência, atendendo clientes com restrições cadastrais através de grupos solidários (ver box 1).
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32 Box 1 O crédito solidário na região metropolitana de São Paulo Uma das fortes premissas do microcrédito no Brasil, que tomam como referência exclusiva o modelo Grameen Bank, é que o crédito solidário é viável apenas em áreas rurais onde as relações sociais são mais densas e solidárias e que a dispersão social das áreas urbanas impede o uso desta metodologia. O São Paulo Confia, instituição de microcrédito criada pela Prefeitura de São Paulo contradiz esta premissa e consegue ao mesmo tempo ampliar o acesso ao crédito para pessoas de mais baixa renda e reduzir a zero a inadimplência. Até um ano após a sua criação vinha adotando a metodologia de concessão de crédito utilizado pela maioria das instituições, ou seja, a oferta para um público disperso e pulverizado. Isto levou a um resultado insatisfatório em termos de ampliação do acesso a pessoas de mais baixa renda. Desde 2001, o método mudou: os empréstimos são concedidos a partir da formação de grupos solidários de quatro indivíduos que não guardam entre si laços de parentesco. Dentro dos grupos existem freqüentemente indivíduos cujos nomes constam das listas de serviços de proteção ao crédito. Isso não impede, entretanto, que paguem em dia seus empréstimos: o fato de terem passado por uma situação de inadimplência e de não terem conseguido “limpar” o nome, não significa absolutamente que não sejam dignos de crédito. E a reputação local parece mais importante, para estes indivíduos, que a presença numa listagem que lhes é socialmente distante. A inadimplência dos empréstimos em grupo é praticamente zero, em contraste com o método de controle individual, cujo não pagamento atingia proporções consideráveis.
Há especialmente uma grande dificuldade de acesso para novos empreendimentos. Os agentes financeiros, incluindo as instituições de microcrédito, raramente financiam empreendimentos que tenham menos de um ano de funcionamento. Como não há um histórico que possibilite uma análise da viabilidade dos negócios e da capacidade empreendedora dos seus gestores, estes novos negócios são os que apresentam maiores dificuldades de acesso ao crédito. Conforme se mostrou na primeira parte deste trabalho, em outubro de 1997, apenas 18% dos titulares das empresas eram proprietários há menos de um ano. Mas não se pode esquecer que as principais vítimas deste procedimento são as
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33 mulheres que detêm as maiores proporções de novos empreendimentos, caso as informações da ECINF sejam até hoje de atualidade. É importante salientar que as restrições ao financiamento de novos negócios não podem ser consideradas como o principal motivo que limite o acesso dos micro-empreendedores ao crédito. Ainda assim, não se pode ignorar que esta é uma das mais importantes dificuldades encontradas pelos programas voltados a geração de renda, especialmente aqueles centrados na criação de cooperativas: novos empreendimentos sofrem especialmente com a dificuldade de acesso ao crédito. Políticas de geração de renda através da formação de novos empreendimentos geralmente não conseguem alcançar metas expressivas devido a uma forte restrição ao crédito. Grupos de trabalhadores desempregados e com pouca experiência na atividade a que se propõem não reúnem credibilidade suficiente para convencer os agentes financeiros. Por isto, uma imensa parcela da população busca alternativas para as suas necessidades em serviços financeiros informais. (Abramovay, 2003). Inserida em densas redes de laços sociais, utiliza um conjunto de regras informais de características muito próprias de cada localidade. O baixo custo de transação do acesso a estes serviços explica o altíssimo custo financeiro cobrado pela maioria dos agentes financeiros informais. 2.3
Atenuando a exclusão financeira
As instituições bancárias vêm adotando muito recentemente estratégias diferenciadas para atingir uma população até então excluída dos seus serviços. Além dos bancos públicos que repassam linhas de microcrédito de programas governamentais, alguns bancos privados estão iniciando a implementação de linhas próprias de microcrédito. O ABN AMRO, o UNIBANCO e o SANTANDER estão desenvolvendo metodologias de microcrédito bancário a partir das experiências das OSCIPs e SCM’s. O UNIBANCO atua por meio de instituições específicas para o microcrédito. O SANTANDER, que iniciou recentemente sua atuação no segmento de microfinanças, empresta a 2% ao mês e atua através de parceria com organizações sociais e ONG’s locais. Estes bancos trabalham com agentes de crédito e buscam estabelecer relações de proximidade com seus clientes. A entrada dos bancos no setor de microcrédito não deverá, porém significar uma grande mudança no mercado para as instituições especializadas em microcrédito, mesmo que a taxa de juros fique no patamar de 2% ao mês. Em primeiro lugar porque existem fortes dúvidas se esta taxa de juros será suficiente para cobrir a totalidade dos custos que os
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34 bancos terão com os produtos de microcrédito, principalmente, devido às estimativas de uma inadimplência em torno dos 18%. Os bancos buscarão, além disso, clientes que apresentem menores riscos, que possuam garantias reais a oferecer e que não tenham restrições cadastrais, como aposentados e assalariados com autorização para desconto dos pagamentos em folha. Estas estratégias mostram que as tradicionais agências bancárias são provavelmente inadequadas para oferecer um serviço de microcrédito. Mas a rede bancária vem se diversificando. A previsão da Febraban é de um grande crescimento na cobertura da rede bancária, com a criação dos correspondentes bancários e terminais eletrônicos que já somam quase 60% do total de postos de atendimento bancário. A criação de correspondentes bancários do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal com cooperativas de crédito e as parcerias entre Banco do Brasil e cooperativas de crédito rural para repasse de PRONAF vem propiciando um novo arranjo institucional no mercado financeiro com potencial de grande ramificação e massificação destes serviços. A maioria dos correspondentes bancários, porém não oferece todos os serviços disponíveis nas agências bancárias. Uma ampliação do potencial dos correspondentes bancários se daria por meio da parceria com instituições financeiras não bancárias. Um exemplo deste tipo de parceria é a relação entre a Caixa Econômica Federal e a Cooperativa de Crédito dos Servidores Municipais de Chapecó. Por meio de contrato de prestação de serviços, a cooperativa recebe títulos, faturas, contas e prestações de financiamento habitacional, paga benefícios como bolsa escola, seguro desemprego, Fundo de Garantia e aposentadoria. Na cooperativa podem ser abertas contas de poupança e contas corrente, bem como toda a movimentação de depósitos, saques e transferências. Este convênio possibilitou a abertura de contas na Caixa para sócios da cooperativa e ampliou a oferta e o acesso a serviços financeiros para pessoas que não se enquadram no quadro social da cooperativa. Para realizar este serviço a cooperativa recebe taxas por operações realizadas, contribuindo para ampliar as suas receitas. A cooperativa considera os valores pagos pelos serviços muito baixos frente ao trabalho realizado, mas considera um trabalho relevante para a comunidade. As negociações entre governo federal, empresários e bancos para permitir o desconto em folha do pagamento de empréstimos deverá ampliar consideravelmente o acesso dos trabalhadores assalariados ao crédito bancário bem como a redução nas taxas de juros. Mas poderá provocar uma externalidade negativa que é o alto endividamento destas pessoas. 34
35 As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público não são regulamentadas pelo Banco Central, mas são organizações não governamentais, sem fins lucrativos, autorizadas pelo Ministério da Justiça a realizar serviços de interesse social. Existem 1.112 instituições no Brasil, sendo que destas, 127 OSCIP’s são autorizadas a operar linhas de microcrédito. A distribuição destas instituições é menos concentrada que a das demais instituições. A região Sul possui a maior parte, 42 instituições, seguida da região Sudeste com 34 e da região Nordeste com 33. As Sociedades de Crédito ao Microempreendedor são instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional e são regulamentadas pelo Banco Central. Estas instituições possuem fins lucrativos, especializadas em microfinanças. Atualmente existem apenas 46 instituições em todo o país. Do total de SCM’s, 72% estão concentradas na região Sudeste e 17% na região Sul, com apenas 7% na região Nordeste e 2% nas regiões Centro-Oeste e Norte. O objetivo principal da criação destas inovações institucionais é a formação de uma rede de instituições mais adequadas para a oferta de crédito para pequenos empreendimentos. Foram estimuladas principalmente pela ação de ONG’s que administravam fundos rotativos, prefeituras, pelo programa de microfinanças do BNDES e do apoio do Sebrae. As OSCIP’s e SCM’s operam serviços financeiros dentro de uma concepção restrita de microcrédito, oferecendo apenas linhas de financiamento de pequenos valores para pequenos empreendedores. A concentração exclusiva na oferta de crédito vem criando problemas para a maioria das instituições que, ou não conseguem atingir as populações de mais baixa renda, ou não conseguem se viabilizar financeiramente e perpetuam-se apenas devido aos subsídios que lhes são oferecidos. Esta fragilidade institucional das instituições de microcrédito é um dos principais limitantes para a sua expansão. Algumas OSCIP’s atuam através de agentes de crédito e grupos solidários. Este sistema de governança cria laços de cooperação que reduzem custos, riscos e ampliam o alcance dos serviços para pessoas que não tinham até então acesso a serviços financeiros formais. Algumas organizações formam também parcerias com organizações de capacitação e assistência técnica. Nestes casos, a maior possibilidade de sustentabilidade dos negócios financiados proporciona maior segurança para as organizações de microcrédito e maior impacto na geração de trabalho e renda. Devido ao pouco vínculo com organizações sociais, as instituições de microfinanças apresentam, com freqüência, relações distante e impessoais com os tomadores de crédito. Com isto são obrigadas a manter as mesmas restrições adotadas pelos bancos que limitam 35
36 o acesso ao crédito. A maioria das instituições de microfinanças também não adota ou não se articula com políticas de capacitação e assistência técnica, financiando assim projetos com baixa capacidade técnica, especialmente as que adotam a chamada concepção minimalista11. Outro importante problema do programa de microfinanças é a assimetria existente entre a oferta e a demanda de crédito. As linhas de financiamento são estruturadas sem uma devida análise da demanda que muitas vezes não são de microcrédito, mas de volumes maiores de financiamentos, especialmente no caso de empreendimentos coletivos. As demandas, muitas vezes, não são também de crédito para produção, no caso de pessoas muito pobres, que necessitam em geral de um crédito mais barato para consumo e para enfrentar situações emergenciais. A necessidade de outros serviços - como o acesso a uma conta bancária ou à poupança - também é freqüentemente negligenciada. A maioria das instituições de microfinanças apresenta alto risco e alto custo operacional e financeiro, elevando consideravelmente as taxas de juros e reduzindo a margem de viabilidade dos projetos econômicos financiados. As cooperativas de crédito apresentam um importante diferencial com relação a outras instituições financeiras. O fato de prestarem a maior parte dos serviços financeiros especialmente depósitos e empréstimos - apenas para associados confere um maior grau de coesão, proximidade, confiança e controle social nas relações entre os indivíduos e a cooperativa. Esta forma de relacionamento reduz riscos e custos das operações financeiras. Outro aspecto relevante é a possibilidade de captar a poupança local, favorecendo a capacidade de mobilizar recursos locais para investimentos no desenvolvimento. Porém, uma grande parte das cooperativas existentes limita-se a oferecer serviços financeiros para os empregados de empresas (cooperativas de crédito mútuo por empresa). A formação de novas cooperativas por ramos de atividade e por território, sejam elas de crédito mútuo, de microempreendedores ou de livre adesão, agregando trabalhadores assalariados ou não, empreendimentos e outras organizações do setor e da região apresenta grande potencial de formação de instituições financeiras mais fortemente inseridas em projetos de desenvolvimento.
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Este é um conceito utilizado no setor que expressa um tipo de instituição que atua exclusivamente com finanças e não desenvolve outros tipos de políticas, como capacitação e assistência técnica.
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37 Nos últimos meses o governo federal adotou várias medidas procurando incentivar o microcrédito e as microfinanças. Estas medidas são destinadas principalmente ao meio urbano, e podem ser divididas em três grandes grupos de propostas: a)
Incentivo ao cooperativismo de crédito;
b)
Apoio à expansão do microcrédito;
c)
Bancarização da população de baixa renda.
O apoio ao cooperativismo de crédito foi realizado por meio de uma Resolução n o. 3.106, de 25/06/03, do Conselho Monetário Nacional. Esta Resolução permitiu a constituição de cooperativas de crédito de “livre adesão”, formada por um conjunto de pessoas físicas de uma determinada área de atuação, independente da categoria profissional ou atividade econômica desenvolvida por seus membros. Esta Resolução também manteve a autorização para formação de cooperativas de micro e pequenos empresários e de micro e pequenos empreendedores, já permitidos pela Resolução no. 3.058, de 20/12/02. Mais recentemente, o BACEN modificou o fator “F” utilizado no cálculo do Ativo Ponderado pelo Risco (APR), que define os limites de endividamento das cooperativas de crédito, reduzindo-o de 0,15 para 0,13 para as cooperativas de crédito não vinculadas a central de crédito e de 0,13 para 0,11 para as cooperativas filiadas a centrais de crédito, igualando-as, neste sentido, aos bancos comerciais. Esta medida aumentou, de forma significativa, os limites de endividamento das cooperativas. Visando ampliar a oferta de microcrédito, o governo editou uma medida provisória (MP 122/03) e o Conselho Monetário Nacional aprovou a Resolução n o. 3.109. A Resolução obriga que, no mínimo, 2% dos saldos dos depósitos à vista, captados por bancos múltiplos com carteira comercial, bancos comerciais, a Caixa Econômica Federal, bem como cooperativas de crédito de pequenos empresários e as de livre admissão, sejam aplicadas em operações de microfinanças destinadas às populações de baixa renda. O valor das operações não pode ser superior a R$ 500,00 quando destinado a pessoas físicas de baixa renda, e de R$ 1.000,00 quando destinado a microempreendedores (pessoas físicas e jurídicas) classificadas como microempresas pela legislação 12 em vigor (público das SCM). Os recursos destes financiamentos podem ser utilizados tanto para o crédito de consumo como para o crédito de produção.
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A legislação que define microempresas permite renda bruta anual de até R$ 240 mil.
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38 Estas operações de microcrédito devem ter prazo superior a 120 dias, sendo que as taxas de abertura de crédito não podem ser superiores a 2% quando o crédito for de até R$ 500,00 e de 4% para os créditos destinados a grupo, que pode acessar até R$ 1.000,00. Caso as operações tenham menos de 120 dias de prazo, as taxas de abertura de crédito deverão ser cobradas proporcionalmente ao prazo. As instituições financeiras que desejarem, podem realizar estas operações através de outras instituições financeiras, inclusive SCM’s, OSCIP’s e Organizações Não Governamentais (ONG’s) que operem com microcrédito. Ainda com o objetivo de incentivar as operações de microcrédito, o BNDES reestruturou seu programa de crédito popular, modificando os critérios para repasse. Com fundos do FAT, o BNDES está disponibilizando recursos a municípios, sindicatos, SCM’s, OSCIP’s, bancos comerciais, cooperativas de crédito, agências de fomento e instituições financeiras federais. O custo do dinheiro varia de acordo com o tipo de operação realizada. Quando as operações de crédito são em média de R$ 1.000,00 com 2% de juros ao mês, o BNDES cobra apenas a TJLP para qualquer uma das instituições repassadoras. Quando as operações são realizadas com taxas de juros ao tomador de 5% ao mês em média, o custo do recurso é de TJLP + 2% aa para operações de R$ 1.000,00 até R$ 5.000,00 e de TJLP + 8% aa, para operações de R$ 5.000,00 até R$ 10.000,00. Somente as SCM’s, OSCIP’s, cooperativas de crédito e bancos comerciais podem operar, com estes recursos, a taxas superiores aos 2% ao mês. Para facilitar e ampliar o acesso aos serviços financeiros (bancarização) pela população de baixa renda, o CMN aprovou a Resolução 3.104 em 25/06/03. Esta resolução reduziu as exigências para a abertura de contas (depósito a vista) de baixo valor em todos os bancos comerciais, bancos múltiplos com carteira comercial e a Caixa Econômica Federal. Estas contas não podem ter saldo superior a R$ 1.000,00. Estas contas somente poderão ser movimentadas com cartão eletrônico. Não poderão ser cobradas tarifas para a abertura de contas ou manutenção das mesmas. Os correntistas poderão realizar até quatro saques, quatro depósitos e retirar até quatro extratos mensais. O Banco do Brasil e a CEF saíram na frente, devendo abrir milhares destas contas ainda até o final de 2003. A previsão de abertura de 500 mil novas contas para este público até o final de 2003 será certamente superada: entre junho e agosto de 2003, a CEF registra 474 mil novas contas (Néri, 2003). O BB já foi autorizado a constituir uma subsidiária voltada ao desenvolvimento das microfinanças.
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39 O apoio ao cooperativismo de crédito através da permissão para constituição de cooperativas de “livre adesão”, além da possibilidade de maior endividamento pela mudança do Ativo Ponderado pelo Risco (APR) também deve facilitar o acesso aos serviços financeiros a um número maior de pessoas em todo o país. De uma forma geral, o governo deu um grande passo no sentido de ampliar as fontes de recursos e facilitar a atuação de instituições de microcrédito e de microfinanças (IMF). Entretanto, muito pouco foi proposto visando a garantia de sustentabilidade destas instituições, restrito praticamente ao aumento da responsabilidade das cooperativas centrais de crédito na fiscalização e acompanhamento de suas filiadas. Na outra ponta, a constituição de cooperativas de crédito foi facilitada e estimulada pelo governo. A obrigatoriedade de aplicação de 2% dos depósitos à vista deve ampliar os recursos disponíveis para crédito em diversas IMF’s. O BNDES está ampliando o leque de instituições que atuam com microcrédito que terão acesso aos seus recursos. Faltam recursos para formação inicial das instituições de microfinanças, especialmente para capacitação de seus quadros em gestão financeira e concessão de crédito. A ação central do governo está em aumentar a oferta de crédito. Há pouca preocupação em como estes recursos chegam aos demandantes (sustentabilidade das instituições) e como estes recursos serão aplicados, materializado no crédito assistido e na qualidade dos projetos financiados. O sucesso das cooperativas de crédito rural no fornecimento de serviços financeiros incluindo o microcrédito com recursos próprios e o repasse de recursos oficiais de crédito rural (PRONAF e PROGER) - não pode ser simplesmente reproduzido para o meio urbano. O meio urbano não dispõe da mesma organização social existente no meio rural. Nas áreas urbanas é necessário constituir e potencializar arranjos produtivos, que podem ser por vizinhança ou por atividade setorial. Sem organização social, as experiências de cooperativas de crédito terão pouco sucesso no objetivo de reduzir a pobreza através do financiamento de projetos geradores de renda e sustentáveis ao longo do tempo. Os bancos, por mais que possam avançar no fornecimento de serviços financeiros a população de baixa renda, não têm a capilaridade, o perfil nem a experiência para operar com esta população. Mesmo nas regiões mais desenvolvidas, onde existem muitas agências bancárias, os bancos não têm conseguido atender a população mais pobre. A política de microcrédito do BNDES no atual governo deixou de ser voltada exclusivamente para a sustentabilidade das instituições de microfinanças. Até então havia
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40 pouca preocupação com o perfil, com o número de pessoas atendidas e com as condições do crédito ao tomador final. A política atual passou a ser mais focada no beneficiário e nas condições do crédito ofertado na ponta, sendo que a sustentabilidade das IMF’s deixou de ser uma preocupação central. O mais coerente, neste caso, seria uma ação que mantivesse alguma preocupação com a sustentabilidade econômica das IMF’s, associada a medidas que visassem ampliar a disponibilidade de crédito em condições acessíveis para o maior público possível. 2.4
Novos arranjos institucionais
Para que as instituições de microfinanças consigam atuar nos segmentos de empreendimentos de mais baixa renda são necessários mecanismos de gestão diferenciados daqueles regularmente utilizados pelos bancos e por muitas das instituições de microfinanças. São mecanismos que substituam as garantias reais e a análise dos cadastros oficiais pelas garantias informais e pela credibilidade das suas comunidades. São mecanismos de governança local que fortalecem também a cooperação e a confiança entre os agentes. (Magalhães, 2003) As redes de cooperação organizadas através de parcerias entre instituições financeiras e não financeiras como organizações sociais, organizações de capacitação, assistência técnica, facilitam o fluxo de informações necessário para uma boa avaliação por parte das instituições financeiras dos potenciais clientes e o controle social da comunidade local sobre as suas instituições. Os agentes de desenvolvimento local atuam também de forma descentralizada na redução da assimetria de informação, na redução dos custos de transação e na construção de laços de maior proximidade e confiança. Os comitês de projetos qualificam a análise dos projetos e constroem direcionamentos estratégicos que são fundamentais para o sucesso dos negócios financiados pelas instituições de microfinanças. Uma análise técnica dos potenciais dos mercados locais, a identificação de melhores estratégias de investimento, a avaliação correta das demandas dos projetos de financiamento, o monitoramento dos projetos são condições indispensáveis para a redução dos riscos de crédito. Os grupos de aval solidário contribuem da mesma forma para a redução da assimetria de informação, dos custos de transação, para o fortalecimento dos laços de proximidade e confiança e, principalmente para o fortalecimento de compromissos acordados entre os 40
41 membros dos grupos e das instituições. Porém, quando não são formados a partir de laços de confiança pré-existentes, elevam os custos de transação para os tomadores de crédito, dificultando o acesso ao serviço quando esta passa a ser uma condição. Não se pode esquecer, entretanto, que o aval solidário não é o único método de criação de confiança entre indivíduos e instituições quando se trata de microcrédito (Meyer, 2003). 2.5
Sustentabilidade dos pequenos empreendimentos
A formação de arranjos produtivos locais tem sido identificada através da análise de diversas experiências internacionais como a principal estratégia de sustentabilidade de pequenos empreendimentos. A concentração espacial de empreendimentos de uma mesma atividade ou de atividades complementares aumenta a produtividade de cada empreendimento individual. A especialização decorrente da divisão do trabalho gera aumento de eficiência e qualidade dos processos produtivos, gerando economias externas, derivadas do crescimento geral do setor. A proximidade, ao mesmo tempo setorial e territorial, entre os empreendimentos favorece a maior atração de fornecedores e consumidores, a constituição de uma força de trabalho especializada, a maior circulação de informações e a utilização de serviços, equipamentos e infra-estrutura especializada e mais eficiente. Esta proximidade é o que lhes confere a principal vantagem com relação a outros arranjos de empreendimentos: a maior capacidade de inovação. Em ambientes onde são formadas relações de cooperação e instituições informais resulta numa maior capacidade de aprendizagem que modifica a capacidade competitiva dos empreendimentos. (Piore e Sabel, 1984 e Sabel, 1996) A capacidade de inovação se refere à formação de novas organizações e instituições que possibilitem maior acesso a novas tecnologias e a novos mercados. Por isso, são necessárias ações sistêmicas e integradas que resultem de um claro diagnóstico das potencialidades locais e da construção de relações de cooperação entre os empreendimentos. Assim, mais do que associar a capacitação ao crédito é necessário articular os investimentos financiados pelo crédito a processos de inovação tecnológica, mas principalmente organizacional. Um conjunto amplo e complexo de fatores e de atores a ser coordenado exige então uma grande capacidade de planejamento e de coordenação local. A presença de instituições locais com esta capacidade é uma questão chave para o sucesso destes arranjos.
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42 A promoção de ações articuladas para o desenvolvimento local exige a formação de um novo desenho institucional para o Programa de Microfinanças. Sobretudo é necessário romper com a visão do balcão de atendimento a demandas pulverizadas. É necessário formular projetos integrados que compartilhem diferentes atores e políticas de forma cooperativa. O processo de construção de políticas articuladas para o desenvolvimento passa então a ter como centralidade um processo de planejamento, coordenação e controle social que articula o conjunto de atores econômicos, políticos e grupos sociais em torno de projetos territoriais de desenvolvimento. O território é neste sentido o grande articulador das políticas de desenvolvimento. Contratos de desenvolvimento deveriam ser os eixos de orientação da ação das instituições financeiras. (Beduschi e Abramovay, 2003) A grande dificuldade é construir uma identidade social entre os pequenos empreendimentos urbanos. Como destaca Abramovay (2002), a ausência de redes territoriais e profissionais, como a existente entre os atores sociais que organizam o público-alvo do PRONAF, dificulta a organização da demanda de crédito, de demais políticas públicas, de ações articuladas que promovam a formação de arranjos produtivos, de relacionamentos com o mercado e de inserção social nas áreas urbanas. Em alguns setores apresentam-se ainda que incipientes, mas promissores processos de formação de arranjos institucionais entre micro empreendimentos. É o caso de catadores de produtos recicláveis, que vêm formando cooperativas e fóruns para negociar políticas públicas de coleta seletiva e melhor acesso a mercados e de motoboys, perueiros e taxistas que, organizados em sindicatos e em parcerias com prefeituras, concessionárias e instituições financeiras, conseguem reduzir custos de transação no acesso ao crédito (ver box 2). Granovetter (2000) mostra que o distanciamento entre as instituições financeiras e os negócios que elas financiam faz com que sejam pouco conhecidos os detalhes técnicos e permaneçam a parte dos seus círculos sociais e profissionais. Este modelo de financiamento pressupõe a existência de mercados estáveis e que, portanto faz com que as instituições financeiras sejam pouco estimuladas a financiar processos de inovação. Já a existência de ligações estreitas entre as redes de financiamento e as redes técnicas e comerciais possibilita inovações organizacionais que podem mais facilmente levar ao sucesso dos pequenos negócios.
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43 Box 2 Salas do Empreendedor - parcerias para ampliar acesso ao crédito Na Sala do Empreendedor de São Paulo os empreendimentos que mais têm acesso ao crédito são os motoboys. Dos 1.000 projetos financiados entre janeiro e julho de 2003, 816 foram de motoboys e eles nem precisam ir até as agências. Isto foi possível através da formação de uma parceria entre a Sala do Empreendedor, as concessionárias que vendem motos e empresas que contratam os serviços dos motoboys. Os clientes elaboram os pedidos de financiamento nas concessionárias que encaminham os processos de financiamento e contratam o seguro dos veículos. As empresas de prestação de serviço comprovam a atividade dos motociclistas e apresentam declaração das suas receitas. As Salas apresentam os projetos de financiamento para as agências do Banco do Brasil. Com este arranjo, o tempo para a liberação dos financiamentos é reduzido a metade. A Sala do Empreendedor está organizando parcerias também entre perueiros, Secretaria Municipal de Transportes, concessionárias e cooperativas, entre costureiras e lojas de máquinas de costura, entre professores e a Itautec para o financiamento na compra de computadores e entre empresas de franquia e franqueados. Estas parcerias possibilitam uma grande redução dos custos de transação para os tomadores de crédito e de redução dos riscos para a instituição financeira na concessão de crédito.
“Clusterbanks” (bancos de conglomerados) são exemplos deste tipo de ligação entre instituições financeiras e arranjos locais. São instituições financeiras focadas no financiamento de arranjos de micro e pequenas empresas. Seu principal objetivo é dinamizar as economias locais através do financiamento da inovação. O principal argumento da maior eficiência deste tipo de instituição é o maior aprendizado e especialização proporcionados pelo enraizamento das instituições financeiras nos sistemas locais. O conhecimento das condições comerciais, tecnológicas e gerenciais dos empreendimentos permite às instituições oferecer serviços financeiros mais adequados às suas demandas específicas. A proximidade permite uma troca informal de informações que contribui para a redução da assimetria de informações e dos riscos de crédito. Um dos primeiros passos para o estímulo à formação de arranjos produtivos é a formação de redes e parcerias, especialmente entre organizações comerciais, de capacitação,
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44 tecnologia e financiamento. A formulação de projetos de médio e longo prazo que orientem ações coordenadas entre redes de organizações locais é um importante mecanismo para promover melhores condições de sustentabilidade dos pequenos negócios. Contratos territoriais de desenvolvimento estabelecem uma nova forma de relação entre atores locais e o Estado, superando a demanda de “balcão”, substituindo-a por uma nova institucionalidade que possibilita a ação local articulada de diferentes atores na descentralização de políticas públicas (13). As comissões municipais de emprego seriam instâncias privilegiadas de governança dos agentes locais para orientar as diversas políticas de desenvolvimento local e de geração de trabalho e renda. Porém, o estudo realizado por Araújo e Lima (2000) chama a atenção que o desenho institucional do PROGER pressupõe um grau de organização social pouco encontrado na maior parte das regiões brasileiras. Na maioria dos municípios, o funcionamento das comissões municipais de emprego, não lhes permite realizar efetivamente o direcionamento e o controle sobre os financiamentos como previsto no programa. Como não existem agentes locais com capacidade de orientar a aplicação dos recursos, os agentes financeiros atuam exclusivamente segundo seus critérios, ocorrendo assim grandes “falhas de transferência institucional” (Greif, 2001) entre os objetivos estabelecidos pelo CODEFAT e o encaminhamento concreto das operações do programa. Dificuldades de gestão de estruturas descentralizadas de execução e multiplicidade de objetivos são apontadas por Cardoso et alli (2000) como as maiores limitações à eficiência das políticas públicas no Brasil. São os chamados problemas de agência derivados essencialmente da dificuldade que os agentes têm de reconhecer os objetivos expostos nos documentos oficiais dos programas e de consolidar tais objetivos nos contratos de execução das políticas. A falta de mecanismos de incentivo agrava ainda mais os problemas e gera uma série de ineficiências. É muito comum que objetivos de agentes locais, raramente explícitos, se sobreponham a objetivos gerais do programa. Fortalecer a capacidade de planejamento e coordenação das comissões municipais e a articulação delas com os demais conselhos municipais é essencial para fortalecer a capacidade de governança local das políticas públicas. Segundo Azevedo (2001) para a difusão e o desenvolvimento de instrumentos de microfinanças para arranjos e sistemas produtivos locais é necessário priorizar o atendimento de grupos de empreendimentos que contenham atividades complementares e 13
Para uma interessante proposta sobre contratos territoriais de desenvolvimento nas áreas rurais, ver Veiga, 2002
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45 clientes individuais inseridos em um arranjo ou sistema produtivo. A capacitação das instituições de microfinanças sobre arranjos produtivos locais é também importante para sensibiliza-las quanto à importância desta estratégia, mas principalmente para que possam oferecer serviços orientados para o fortalecimento destes arranjos. Mas a integração entre instituições financeiras e arranjos produtivos locais depende, sobretudo da ampliação do leque de produtos financeiros oferecidos para empreendedores. A maioria das instituições financeira possui linhas de financiamento para pequenos empreendimentos com serviços muito específicos que não atendem adequadamente as suas demandas. Devido à grande escassez de crédito, os empreendimentos tomam tais financiamentos mesmo não que não correspondam exatamente à suas necessidades. Esta tentativa de se adequar à oferta gera distorções e custos na gestão que podem comprometer a sua viabilidade. Dois estudos recentes (Brusky, 2002 e ADS/SEBRAE 2003) mostram que a demanda financeira dos empreendimentos de pequeno porte é bastante diversificada. A sustentabilidade dos pequenos empreendimentos depende da oferta diversificada de serviços financeiros, formada por um mix de serviços, composto por crédito, poupança e seguros. Além disso, como foi mostrado na primeira parte deste trabalho, a ausência de segmentação do público a ser beneficiado com os programas existentes tende a fazer chegar os recursos aos empreendedores de maior renda. O crédito para investimento geralmente necessita estar associado a financiamentos para capital de giro e, ocasionalmente, crédito pessoal para os proprietários. Como não há uma clara separação entre as finanças dos negócios e as finanças das famílias que os administram a necessidade de crédito pessoal para atender emergências familiares muitas vezes leva a crises financeiras nos pequenos negócios. A grande exposição a riscos a que os pequenos empreendimentos estão submetidos gera uma importante demanda por serviços de seguros. A poupança é particularmente importante para a sustentabilidade dos pequenos negócios. O planejamento financeiro para realização de investimentos futuros é fundamental para a redução de custos financeiros e para assegurar um crescimento regular e sustentável dos pequenos empreendimentos. O Sebrae é um ator decisivo na promoção dos Arranjos Produtivos Locais. Exerce importante papel na formulação da proposta de criação de cooperativas de crédito de microempreendedores, estimulando a sua formação como instituições financeiras de arranjos produtivos. A articulação do programa de microfinanças do Ministério do
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46 Trabalho com o Sebrae é fundamental para a construção de um amplo Programa Nacional de Fortalecimento do Empreendedorismo de Pequeno Porte. O grupo de trabalho para o Programa Brasil Empreendedor III recomenda também a criação de mecanismos de incentivo e mudanças institucionais que favoreçam a formação de fundos de capital de risco locais, principalmente a partir de fundos de previdência complementar. 2.6
O crédito assistido
A principal estratégia das políticas públicas para ampliar a sustentabilidade dos pequenos empreendimentos está na política de crédito assistido, ou seja, condicionar o acesso ao crédito à participação em programas de capacitação para a gestão dos negócios. A Sala do Empreendedor e o CrediAmigo são os dois mais importantes programas de crédito assistido para microempreendedores urbanos dentro do âmbito do PROGER. Mas estes programas atendem uma parcela muito pequena dos empreendimentos. A Sala do Empreendedor é um espaço dentro de agências do Banco do Brasil especializado na oferta de crédito e serviços de capacitação e orientação a empreendedores. É resultado de uma parceria entre o Centro CAPE, FAT, MTE, Banco do Brasil e Fundação Banco do Brasil. Nas 40 salas em funcionamento foram concedidos 15,7 mil financiamentos a empreendedores formais e informais. Nas Salas do Empreendedor apenas 14% dos empreendedores que buscaram financiamento foram atendidos com crédito. Em 12 das 40 Salas existentes menos de 10% dos interessados foram beneficiados pelo serviço de crédito e no Rio de Janeiro, apenas 3% dos empreendedores conseguiram financiamento. Segundo depoimentos dos gestores das salas, o principal motivo da distância entre a demanda e a oferta de crédito é a incapacidade dos empreendedores em atender as regras que o Banco do Brasil estabelece para aprovação dos pedidos de financiamento. As principais barreiras de acesso são a restrição cadastral, o não financiamento de capital de giro puro e o não financiamento de novos empreendimentos. As Salas do Empreendedor são na verdade importantes agências de capacitação de pequenos empreendimentos e contribuem significativamente para reduzir assimetrias de informação entre empreendedores e o Banco do Brasil. As salas fazem a capacitação gerencial dos empreendimentos e oferecem consultorias para a elaboração de planos de negócios. A proximidade entre a Sala do Empreendedor e o Banco do Brasil reduz consideravelmente a assimetria de informação. Processos internos e critérios de análise de 46
47 crédito que não são plenamente conhecidos por agentes externos são utilizados pela Sala do Empreendedor na elaboração dos projetos de financiamento facilitando a sua aprovação. Mas ainda assim há problemas de assimetria de informação entre a Sala e o Banco cujos processos automatizados de análise de crédito não captam com a mesma sensibilidade que os agentes de crédito projetos viáveis, mas que não se enquadram nos critérios formais do Banco, principalmente no caso de novos empreendimentos e de empreendimentos com restrições cadastrais. Parcerias entre a Sala do Empreendedor e instituições de microfinanças, poderiam ampliar o acesso àqueles que não são aprovados pelos bancos. A desarticulação do programa de qualificação profissional administrado pelo Ministério do Trabalho com o PROGER reduz a eficiência dos recursos utilizados pelos programas voltados à geração de emprego e renda. A descontinuidade do programa de qualificação, que restringe a sua execução a poucos meses do ano e a incapacidade das comissões municipais e estaduais de emprego de construir uma amarração mais efetiva entre a capacitação e o crédito, pode ser considerada uma das principais falhas institucionais dos programas coordenados pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O exemplo da Sala do Empreendedor mostra a importância de estimular parcerias entre instituições de capacitação e instituições de microfinanças. A qualificação profissional se disseminou em todo o país nos últimos anos como política de geração de emprego e um grande número de instituições foram criadas com esta finalidade. Há, porém uma grande dificuldade de integrar os programas de capacitação com as políticas de financiamento. Para promover maior articulação entre o crédito e a capacitação o melhor caminho é incorporar as demandas de capacitação das instituições de microfinanças aos Planos Territoriais de Qualificação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE, 2003). A melhoria da qualidade da capacitação para os empreendimentos de pequeno porte financiados pode ser desenvolvida se integrada à “política de certificação profissional e ocupacional” do MTE.
2.7
A viabilidade dos serviços de microfinanças
A taxa de juros está relacionada, sobretudo a fatores macroeconômicos, mas uma série de fatores locais pode elevar ou reduzir os custos das instituições financeiras, e estes custos são repassados para as taxas de juros cobradas nos financiamentos.
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48 Os custos financeiros da captação dos recursos que são utilizados nas operações de crédito são muito variáveis. Os recursos próprios das instituições financeiras, principalmente aqueles que compõem o seu capital social, é a fonte de recursos de mais baixo custo, seguido dos depósitos à vista não remunerados e dos depósitos a prazo remunerados. Instituições que possuem as condições legais e gerenciais para ampliar a captação de recursos de baixo custo tendem a apresentar custos financeiros mais baixos e, conseqüentemente, menores taxas de juros. A principal desvantagem destas fontes de financiamento é a alta rotatividade destes fundos, o que permite apenas realizar financiamentos de curto prazo. Recursos doados por instituições públicas ou privadas para instituições de microfinanças apresentam baixos custos financeiros, mas são pouco disponíveis no mercado e as fontes são muito instáveis. Empréstimos ou investimentos de risco por parte de bancos e grandes instituições financeiras são ainda pouco disponíveis devido à grande assimetria de informação entre estas instituições e as de microfinanças. Repasses de fundos públicos de longo prazo apresentam custos financeiros intermediários, principalmente nas linhas de financiamento com taxas de juros subsidiadas. A principal vantagem destas fontes de recursos é que podem financiar projetos de médio e longo prazo, mas apresentam custos de transação elevados na relação entre governo, bancos públicos e instituições de microfinanças. As transações financeiras dependem da troca de um amplo conjunto de informações, com o objetivo de reduzir o risco das operações. O acesso a informações tem custos que devem ser pagos pelas instituições financeiras e quanto mais alto este custo maior será a taxa de juros a ser cobrada pelas instituições. A assimetria de informações entre instituições e usuários limita a capacidade das instituições de analisar os riscos das operações financeiras. Para enfrentar este problema as instituições financeiras utilizam diferentes estratégias de gestão. Os bancos, em geral, adotam estratégias de forte restrição de acesso ao crédito para aqueles tomadores cujas informações sobre o risco tenham um custo muito alto para serem obtidas. Por outro lado, algumas financeiras adotam sistemas pouco rígidos de controle de risco, mas cobram taxas de juros muito elevadas para cobrir a alta inadimplência. Em arranjos institucionais locais, onde redes de organizações sociais e comunitárias participam da gestão dos serviços financeiros os custos de acesso a informações são
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49 pulverizados, é possível reduzir a assimetria de informação, reduzir o risco e os custos, contribuindo assim para a redução das taxas de juros. As instituições financeiras precisam provisionar as perdas ocasionadas pelo não pagamento dos empréstimos não pagos. Quanto maior o risco de inadimplência, maiores serão os custos para as instituições financeiras a serem repassados para as taxas de juros cobradas nos empréstimos. A implantação de sistemas de gerenciamento do risco promove a redução dos custos e das taxas de juros. Instituições de microfinanças com forte enraizamento local e inseridas em redes de organizações comunitárias apresentam menores riscos de inadimplência e com isto, operam com custos e taxas de juros mais baixas. Num cenário muito provável de redução das taxas de juros as instituições que dependam exclusivamente dos spreads das operações de crédito sofrerão fortes restrições financeiras. As OSCIP’s e SCM’s que atualmente oferecem apenas serviços de crédito terão particularmente maiores dificuldades de viabilidade econômica e sofrerão forte concorrência direta ou indireta com os serviços oferecidos pelos bancos que hoje começam a oferecer linhas de crédito com taxas de juros que chegam a um terço da média cobrada por estas instituições. A diversificação de serviços é fundamental para garantir a sua viabilidade econômica. O ideal é que as instituições de microfinanças pudessem combinar a oferta de crédito com a captação de poupança. A restrição que a legislação impõe às OSCIP’s e SCM’s coloca para estas instituições a necessidade de atuar em parcerias com bancos, principalmente na forma de correspondentes bancários. Pagamentos de contas, uso de cartões de crédito, serviços de seguros, trocas de cheques, penhora, consórcios são serviços que podem ser oferecidos pelas instituições de microfinanças elevando as suas receitas e as condições de viabilidade. A formatação de produtos financeiros adaptados à real demanda dos potenciais usuários das instituições de microfinanças é essencial para ampliar o impacto social e econômico dos serviços financeiros, bem como para reduzir o risco para as instituições de microfinanças. Para isto, é necessária a realização de pesquisas sobre as demandas financeiras nas diversas categorias sociais, econômicas e territoriais do público a ser atendido pelas instituições de microfinanças, disponibilizar estas informações para as instituições e capacitá-las a formular produtos financeiros a partir destas demandas.
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TABELA 11. ESTIMATIVA DE RESULTADOS EM INSTITUIÇÕES DE MICROFINANÇAS
Elaboração: Plural/USP O modelo hipotético de contas para instituição de microfinanças apresentado acima aponta para uma taxa de juros ao tomador final de 2,6%. Outros modelos podem ser desenhados resultando em ligeiras alterações na taxa final. Apenas a ampliação de receitas das instituições financeiras, através da diversificação de serviços financeiros e não financeiros, poderá levar à redução da taxa de juros final ou à ampliação de atividades de capacitação. Com uma redução na taxa de juros ao longo dos próximos meses, todas as instituições de microfinanças, inclusive as OSCIP’s, terão que oferecer novos serviços para se tornarem viáveis.
3 O PROGRAMA DE MICROFINANÇAS 3.1
Objetivos do Programa de Microfinanças
Os objetivos do Programa de Microfinanças do Ministério do Trabalho deveriam ser: (1) Ampliar o acesso dos empreendimentos de pequeno porte a serviços financeiros; (2) Proporcionar recursos para a expansão de instituições de microfinanças; (3) Criar incentivos para a formação de arranjos locais que ampliem o acesso e as condições de sustentabilidade dos empreendimentos de pequeno porte. 3.2
O Repasse dos Recursos do FAT
O FAT dispõe de recursos para o microcrédito com um custo mínimo da TJLP. Na outra ponta, existe um grande número de pessoas que desenvolvem dezenas de tipos de atividade econômica de pequeno porte demandando recursos para ampliar ou iniciar novas atividades produtivas. O grande dilema é criar um elo de ligação entre a oferta e a demanda de recursos, com o menor custo possível de intermediação e sem ampliar significativamente a burocracia. Os agentes intermediários neste processo podem ser tanto instituições financeiras bancárias (públicas e privadas) como não bancárias (cooperativas de crédito e SCM’s), ou ainda, instituições não financeiras (OSCIP’s e ONG’s de crédito). Entretanto, as instituições de microfinanças podem cumprir um importante papel neste processo, especialmente nos pequenos municípios. Mais do que um intermediário de crédito, as IMF’s, pelo maior conhecimento da realidade local e das pessoas com quem atuam, têm condições de desenvolver mecanismos mais adequados e baratos que os bancos para operar com a população de baixa renda. De qualquer forma, o primeiro desafio é ampliar as possibilidades em relação aos agentes financeiros que possam operar com os recursos do FAT, hoje limitados legalmente aos bancos públicos federais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste e BNDES). Não seria adequado, para ampliar o acesso ao microcrédito com recursos do FAT, manter sua atuação restrita exclusivamente aos bancos públicos federais, como ocorre até aqui. Para ampliar o leque de intermediários entre os recursos do FAT e seu público beneficiário existem três possibilidades.
52 3.2.1
Criação de uma Agência de Crédito de “segundo piso” no interior do Ministério do Trabalho para operar repasses de recursos para outras instituições de crédito;
Esta poderia ser a proposta ideal para reduzir a burocracia e os custos de transação financeira. Permitiria que os recursos do FAT passassem diretamente para as instituições operadoras do crédito, independente de sua estrutura jurídica: bancos, cooperativas de crédito, SCM, OSCIP e ONG’s de crédito. Entretanto, esta proposta tende a ser a mais difícil de se concretizar, além de demandar mais tempo para se efetivar. Seria preciso, inicialmente, a alteração das Leis 7.998/90 e 8.019/90 que disciplinam o FAT, permitindo que os seus recursos possam ser destinados diretamente para outras instituições que não os bancos públicos federais. Em seguida, seria necessário criar uma estrutura operacional no interior do MTE para gerenciar estas operações. O número de intermediários financeiros que se relacionariam com o FAT passaria dos atuais cinco bancos federais para mais de 150 instituições operadoras de microcrédito. Além da estrutura física e de pessoal, uma agência com estas características precisaria de pessoal técnico qualificado para este tipo de trabalho. A ingerência e as pressões políticas que estes funcionários públicos estariam sujeitos também podem dificultar uma avaliação correta da sustentabilidade das instituições demandadoras de crédito. As limitações legais relacionadas ao orçamento do MTE dificultariam a manutenção de uma estrutura mínima necessária ao funcionamento da agência. Seria difícil reter um percentual dos recursos repassados a título de spread para manter a estrutura operacional. Da mesma forma, teria muita dificuldade (legal, principalmente) para dividir os riscos com as instituições operadoras. As restrições que seriam impostas pelo CODEFAT, visando a manutenção de seu patrimônio, podem inclusive limitar as operações de repasses em função do excesso de burocracia e de garantias exigidas. Ou seja, ou invés de reduzir a burocracia, a tendência seria de um aumento das exigências atuais. Uma alternativa a esta proposta pode ser a constituição de uma agência de refinanciamento autônoma e independente do FAT e do MTE. Esta agência seria responsável pela centralização dos recursos do FAT destinados aos financiamentos, inclusive por aplicações financeiras dos recursos não aplicados, e para o repasse às demais instituições financeiras. O grande limitante desta proposta seria a aceitação pelo CODEFAT e, principalmente, a aprovação no Congresso Nacional de uma proposta neste sentido. Esta proposta poderia ser defendida caso a agência de microcrédito assumisse a 52
53 responsabilidade de gerir outras fontes de recursos, como aqueles originários dos depósitos de bancos que não queiram ou não possam utilizar os recursos da exigibilidade obrigatoriamente destinados ao microcrédito. 3.2.2
O BB, através de sua subsidiária de microfinanças, atuar como banco de “segundo piso” repassando os recursos para os demais agentes financeiros;
Esta proposta depende da aceitação do Banco do Brasil, além da definição de mecanismos que impedissem este banco de agir em benefício próprio. Uma vez que o Banco do Brasil também atuaria no varejo com estes recursos, ele poderia ter uma ação monopolista, evitando o repasse para outras instituições onde é de seu interesse operar diretamente os financiamentos. Esta medida não permitiria a competição entre os agentes financeiros, reduzindo a eficiência das instituições. Nestas operações, a subsidiária do Banco do Brasil receberia um percentual dos financiamentos a título de spread. Teria também que assumir parte dos riscos das operações, pois este banco fornece as garantias ao FAT pelos recursos alocados. 3.2.3
O BNDES atuar como banco de “segundo piso” para todos os programas de microcrédito desenvolvidos pelo Ministério do Trabalho com recursos do FAT.
Esta alternativa é a defendida neste trabalho na medida em que as duas primeiras são mais limitadas e de maior dificuldade de operacionalização. O repasse dos recursos para as entidades financeiras interessadas via BNDES é a proposta mais simples, rápida e eficaz para ampliar a oferta de microcrédito. Não existe nenhum empecilho legal ou normativo. O BNDES precisaria apenas ampliar sua equipe de trabalho visando aumentar o número de entidades atendidas. O mais recomendado seria a constituição de uma diretoria dentro do BNDES especialmente para trabalhar com este tema. A centralização dos recursos no BNDES é a melhor opção porque: a) Conta com uma estrutura operacional para administrar os recursos, não demandando grandes investimentos para ampliar a carteira de crédito; b) Tem experiência na gestão de recursos para crédito e no repasse para instituições financeiras, inclusive instituições formais e informais que operam com microcrédito; c) Tem acesso aos recursos do FAT e cobra um pequeno spread; d) Não atua no varejo, portanto não será um competidor com as instituições que acessam seus recursos;
53
54 e) Como instituição financeira, sofre menos pressão e ingerência política na escolha das entidades a serem atendidas; f) Tem facilidade para inovar na exigência de garantias nos empréstimos; g) Como já disponibiliza outras modalidade de microcrédito, evitaria duplicar ações, reduzindo custos e potencializando os recursos existentes; h) Com o tempo poderia unificar, na estrutura operacional do Banco, as ações de microcrédito com as operações do PRONAF, ampliando as possibilidades de repasse para as entidades de microfinanças. Os bancos públicos federais continuariam a operar diretamente com o FAT (menor custo e maior agilidade). Entretanto, deveriam seguir as mesmas regras definidas pelo governo federal (dono dos recursos) e adotadas pelo BNDES.
3.3
Credenciamento e contratação
O Programa de Microfinanças deve ser destinado a todos os tipos de instituições que atuam com microcrédito e microfinanças, como cooperativas de crédito, SCM’s, OSCIP’s de crédito, ONG’s de crédito, bancos comerciais e de fomento. Para evitar que o grande número de instituições demandantes restrinja a ação do BNDES no repasse, este banco deve procurar operar com organizações de representação. No caso de cooperativas de crédito, necessariamente as operações devem ser realizadas com as centrais de crédito, à exceção de cooperativas isoladas com um grande número de associados e que demandem valores elevados de recursos. Em relação as OSCIP’s e SCM’s, consolidando-se a expansão deste tipo de instituição, deveria ser estimulada a formação de instituições de segundo grau semelhantes às centrais de crédito. Como ainda não existem, será necessário que o BNDES interaja com cada uma individualmente. O credenciamento das instituições financeiras deve ser feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Mediante análise de projetos, o Ministério estabelecerá que faixas de financiamento a instituição poderá dispor. A análise dos projetos buscará identificar o público para o qual a instituição financeira está se orientando, quais as condições que estão sendo criadas para que este público tenha reais condições e baixo custo de acesso às linhas de financiamento, que outros serviços financeiros e não financeiros serão oferecidos, como 54
55 serão realizados as políticas de capacitação e assistência técnica aos empreendimentos financiados e que arranjos locais estão sendo formados com a finalidade de ampliar o acesso e a sustentabilidade dos empreendimentos de pequeno porte. A contratação de instituições locais de microfinanças poderia ser conduzida pelos mesmos procedimentos da operacionalização do Plano Nacional de Qualificação, de forma descentralizada
e
compartilhada
com
as
Comissões/Conselhos
Estaduais
de
Trabalho/Emprego e as Comissões/Conselhos Municipais de Emprego/Trabalho. Esta política de pré-credenciamento de Instituições de Microfinanças (IMF’s) permitirá ao MTE o desenvolvimento de ações direcionadas a determinados setores econômicos e regiões, em função de sua prioridade. O TEM poderá ampliar a oferta de recursos para IMF’s que atuam onde existe pouca oferta de crédito. A partir do credenciamento pelo MTE, a instituição de microfinanças deverá procurar o BNDES para contratar as operações de repasse. Neste momento, o BNDES exigirá toda a documentação das instituições e analisará as condições para a realização dos financiamentos. Deve-se destacar que o credenciamento pelo MTE não garante que o financiamento será realizado pelo BNDES. Caso a IMF não cumpra as exigências cadastrais e econômicas definidas pelo BNDES e acordadas pelo MTE, esta não acessará os recursos. Além disso, o valor repassado também poderá ser inferior ao solicitado e aprovado pelo MTE em função das condições econômicas das instituições demandantes dos recursos. Mesmo não garantindo que as instituições de microfinanças credenciadas recebam automaticamente os recursos, o MTE poderá monitorar o trabalho do BNDES através do acompanhamento das IMF’s que solicitam o credenciamento e que depois conseguem acessar os recursos. Caso o número de instituições credenciadas que não estão conseguindo acessar os recursos seja significativo, o MTE poderá propor ao BNDES uma revisão dos critérios operacionais adotados por este banco. O contrato entre o Ministério do Trabalho e a instituição financeira estabelecerá também as metas, a forma de monitoramento e de avaliação do desempenho dos serviços contratados. Uma vez assinado o contrato entre o Ministério do Trabalho e a instituição financeira, esta estará habilitada a contratar o financiamento, na forma como será exposta a seguir.
55
56 3.4
Contratos de financiamento
Os beneficiários deste programa de crédito serão classificados em 3 grupos de acordo com o faturamento bruto apresentado anteriormente na tabela 3. Para cada grupo de beneficiários será definido um volume de recursos a ser disponibilizado pelo FAT, o qual poderá sofrer alterações dependendo da demanda ocorrida nos demais grupos. Para o grupo de menor faturamento, sugere-se trabalhar inicialmente com 30% dos recursos totais disponíveis. O grupo intermediário ficaria com outros 40%, e o grupo de maior faturamento, com os 30% restantes. O objetivo desta focalização é procurar atender a todos os grupos de empreendedores, evitando assim uma seleção excessiva pelo agente financeiro. Além disso, pretende-se melhor conhecer os diversos grupos demandantes do crédito, inclusive facilitando o desenvolvimento de novos produtos financeiros mais adaptados a cada grupo social, além de procurar romper as principais barreiras para o acesso aos créditos inerentes a cada grupo de microempreendedores. Os maiores custos que normalmente são inerentes aos projetos de menor valor, destinados aos microempreendedores com menor faturamento bruto anual serão compensados por um custo menor do recurso tomado junto ao BNDES. As instituições de microfinanças não são iguais, sendo que algumas fornecem outros serviços financeiros ou não financeiros vinculados ao crédito. Existem IMF’s que simplesmente fornecem o microcrédito. Outras, além de ofertar o crédito, vinculam a sua liberação com o fornecimento de algum curso de formação para o demandante, ou então, mantém algum acompanhamento do projeto financiado, fornecendo inclusive assistência técnica. Para cada serviço adicional ao crédito ampliam-se os custos para as IMF’s. O FAT deve contribuir com este processo de formação e acompanhamento, mas não deve ser o único responsável por cobrir os custos com estes serviços. As instituições financeiras que oferecem outros serviços financeiros além do crédito, como a poupança, seguros e outros, terão também taxas de juros menores com relação às que fornecem apenas o serviço de crédito. Esta é uma medida que visa estimular o atendimento às diferentes demandas por serviços financeiros, contribuindo de forma mais ampla para a sustentabilidade dos negócios e dos orçamentos familiares financiados. Assim, o custo dos recursos do FAT para as IMF’s deve variar de acordo com o público atendido (três grupos) e com os serviços financeiros e não financeiros fornecidos pelas IMF’s. Sugere-se que a taxa cobrada pelos recursos tenha uma variação compreendida
56
57 entre o intervalo de TJLP + 1 até TJLP + 9 ao ano. O 1% aa cobrado nas operações seria destinado ao BNDES para cobrir os custos de intermediação dos recursos. Os até 8% ao ano adicionais à TJLP (custo do recurso do FAT) seriam destinados a um fundo de fomento ao desenvolvimento do empreendedorismo de pequeno porte. As condições de acesso aos recursos do FAT pressupõem a existência de contrapartidas por parte das instituições financeiras: (a) contrapartidas financeiras, através da mobilização de recursos próprios ou da captação da poupança local; (b) contrapartidas em serviços não financeiros, através da realização de atividades de capacitação e assistência técnica aos empreendimentos financiados; e (c) contrapartidas institucionais, através da formação de arranjos locais que confiram melhor condição de sustentabilidade aos negócios financiados. Os dois quadros a seguir apresentam os grupos beneficiários e as condições dos serviços prestados pelas IMF associados aos financiamentos.
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58 TABELA 12. Grupos de beneficiários do programa nacional de microfinanças GRUPO A B C
Empréstimos destinados a empreendedores com faturamento anual de: Menor que R$ 10.000,00 De R$ 10.000,00 até menos de R$ 60.000,00 De R$ 60.000,01 até R$ 240.000,00
TABELA 13. Condições de acesso das instituições financeiras aos recursos do FAT Características da instituição
Condições de acesso
Instituições que ofereçam Apresentar projetos com exclusivamente serviços de linhas de crédito a serem crédito oferecidas aos empreendedores
Instituições que possuam agentes de desenvolvimento, grupos solidários e ofereçam serviços ou possuam parcerias com instituições de capacitação e assistência técnica
Apresentar projeto com linhas de financiamento e serviços de capacitação e assistência técnica a serem oferecidos ou contratos de parcerias com instituições de capacitação e assistência técnica
Beneficiário Grupo A
Condições de financiamento TJLP + 4
Grupo B
TJLP + 6
Grupo C
TJLP + 9
Grupo A
TJLP + 1
Grupo B
TJLP + 3
Grupo C
TJLP + 6
A taxa de juros cobrada dos tomadores deste programa de microcrédito deve ser limitada a no máximo a TJLP + 21% aa, o que resultaria em uma taxa de até 33% aa de juros nas condições atuais da TJLP (12%). Esta taxa deve ser limitada para evitar o estímulo a instituições de microfinanças não sustentáveis economicamente, além de abusos econômicos que poderiam ser realizados com recursos públicos. Considera-se, portanto, que um spread de 12% a 20% aa são suficientes para cobrir os custos operacionais em operações de microcrédito, inclusive fornecendo alguns serviços adicionais ao financiamento. Para diferenciar os tipos de instituições financeiras em relação ao acesso dos recursos, o programa pode separar as instituições em relação a capacidade de oferecer contrapartidas. Por exemplo, bancos comerciais e bancos múltiplos com carteira comercial, que tem maiores condições de disponibilizar recursos para o microcrédito, devem alocar no programa de microcrédito, com recursos próprios, no mínimo, R$ 2,00 para cada R$ 1,00 repassado pelo FAT. Cooperativas de crédito, bancos de fomento (estaduais), SCM’s, OSCIP’s e ONG’s de crédito devem manter esta relação em 1 para 1.
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59 Os riscos das operações de microcrédito são sempre da instituição financeira operadora final. O FAT e o BNDES não devem assumir riscos nestas operações. Para facilitar o acesso e reduzir a burocracia e as exigências por garantias, este programa também deve ter acesso aos recursos do fundo de garantia do PROGER (FUNPROGER).
3.5
Fundo de Fomento ao Desenvolvimento do Empreendedorismo de Pequeno Porte
A criação de um fundo de fomento é uma importante iniciativa para garantir uma oferta permanente e contínua de recursos para financiar políticas de fomento ao empreendedorismo de pequeno porte. O fundo poderá ser institucionalização de duas diferentes formas. A primeira opção é a criação de um fundo público controlado pelo Ministério do Trabalho. Para criar este fundo será necessária a aprovação de uma lei que autorize a sua criação, defina fontes de recursos e atribuições. Do valor pago pelas instituições financeiras, 1% ao ano ficariam com o BNDES a título de spread. O FAT receberá como remuneração pelos seus recursos a TJLP. O Fundo de Fomento será formado pelos recursos advindos do pagamento dos juros que excederem a TJLP + 1% ao ano nos contratos de financiamento entre as instituições financeiras e o BNDES. A desvantagem deste modelo institucional é a subordinação do orçamento do fundo às restrições fiscais impostas ao orçamento público. A segunda opção é a criação de um Fundo no BNDES. Para capitalização deste fundo, o BNDES receberia 2% dos valores pagos pelas instituições financeiras, sendo 1% a título de pagamento dos custos operacionais e 1% para o Fundo de Fomento. A gestão do fundo poderia ser dirigida por um conselho formado pelo BNDES, Ministério do Trabalho e instituições de microfinanças, segundo regras a serem estabelecidas no detalhamento deste Programa de Microfinanças. A principal vantagem deste modelo institucional é que por não se caracterizar como um fundo público, o seu orçamento e a sua governabilidade estarão menos sujeitas às restrições do orçamento público. O acesso aos recursos do Fundo de Fomento será mediante apresentação de projeto conforme edital a ser lançado anualmente. O Fundo poderá ser utilizado para a constituição de novas instituições de microfinanças e para a formação de arranjos locais. O foco nestas duas estratégias se justifica pela importância na descentralização do sistema de microfinanças
e
pelo
fortalecimento
da
capacidade
de
autosustentação
dos 59
60 empreendimentos de pequeno porte. Além disso, a necessidade de ações mais especializadas e, por este motivo, de maior custo, para o desenvolvimento destas duas estratégias, exige a participação de recursos que não podem ser disponibilizados por instituições locais, especialmente em regiões mais carentes. Porém, isto não significa que estas ações tenham que ser integralmente subsidiadas. Os gastos públicos neste programa devem ser contrapartida de gastos e de esforços locais com projetos de desenvolvimento. Para isto, é essencial a formação de contratos de desenvolvimento entre instituições que estabeleçam compromissos com metas para o desenvolvimento local. O repasse de recursos deve ser condicionado a existência de contratos de desenvolvimento que visem a adoção de sistemas de governança que reduzam os custos de transação, principalmente dos tomadores, a inserção das instituições de microfinanças em redes de cooperação local, a formação de parcerias com instituições de capacitação e assistência técnica e a vinculação das instituições de microfinanças a projetos de desenvolvimento local inovadores e de qualidade, com estratégias econômicas viáveis. O Ministério do Trabalho definirá regras operacionais que visem estreitar a articulação entre as políticas de financiamento e os “planos territoriais de qualificação” (MTE, 2003) do Plano Nacional de Qualificação do Ministério do Trabalho e Emprego. As Comissões Municipais de Emprego e Renda podem ser fóruns que articulam e coordenam processos locais que resultem na consolidação destes contratos de desenvolvimento, bem como atuar no monitoramento da execução das atividades e serviços previstos nestes contratos. A criação de organizações de segundo nível para as instituições de microfinanças é uma importante estratégia por parte do governo e agentes financeiros que atuam em parceria com estas instituições, especialmente porque reduz consideravelmente os custos de negociação, contratação e controle. Pelo lado do Banco Central, a formação de órgãos de segundo grau traria também a redução de custos de controle e fiscalização. Por parte das instituições de microfinanças a sua organização em centrais de microfinanças traria importantes vantagens como a redução de custos com serviços de contabilidade, controle ou investimentos em tecnologia e um gerenciamento mais eficaz de riscos, que lhes proporcionariam maior credibilidade e melhores condições de acesso ao mercado
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61 financeiro. Por estes motivos, a promoção de centrais de microfinanças deve ser também um alvo deste fundo de fomento. A expansão de instituições de microfinanças depende de políticas de apoio e de aporte de recursos para o seu início de funcionamento, quando o equilíbrio financeiro e a capacidade institucional não estão ainda plenamente alcançados. Para atender a estes objetivos podem ser implementadas as seguintes linhas de fomento:
Programas de capacitação e assessoria orientados a formação de arranjos produtivos locais;
Programas de capacitação para constituição e gestão de instituições de microfinanças.
3.5.1
Estimativa de receita do Fundo
Um cálculo estimado da receita do Fundo de Fomento, prevendo a realização de 500 mil contratos entre as duas modalidades de contrato com instituições financeiras e a participação prevista de empreendimentos por faixa de faturamento, o Fundo teria uma entrada anual de R$ 12,25 milhões.
61
62 TABELA 14. ESTIMATIVA DE RECEITAS DO FUNDO DE FOMENTO Grupos de clientes Grupo A com capacitação Grupo B com capacitação Grupo C com capacitação Grupo A sem capacitação Grupo B sem capacitação Grupo C sem capacitação
Número de empréstimos
Valor médio
Valor total
Receita do Fundo
75.000
1.000,00
75.000.000,00
750.000,00
100.000
2.000,00
200.000.000,00
2.000.000,00
75.000
5.000,00
375.000.000,00
3.750.000,00
75.000
1.000,00
75.000.000,00
-
100.000
2.000,00
200.000.000,00
2.000.000,00
75.000
5.000,00
375.000.000,00
3.750.000,00
1.300.000.000,00
12.250.000,00
Total Elaboração: Plural/USP
3.6
Monitoramento do Programa
Monitorar o desempenho das instituições de microfinanças é fundamental para o desenvolvimento de uma rede de microfinanças sustentável e medir o impacto dos serviços de microfinanças na geração de trabalho, emprego e renda é fundamental para garantir a contribuição efetiva das atividades de microfinanças para o desenvolvimento local. Este monitoramento do mercado de microfinanças deve ser organizado através do uso de um sistema de indicadores. A análise do impacto e do desempenho deve ser uma das condições para a continuidade ou ampliação do acesso das instituições de microfinanças aos recursos do programa. O monitoramento do desempenho das instituições financeiras será feito a partir de metas previamente estabelecidas nos contratos com o FAT. É fundamental a obrigatoriedade de fornecimento de informações cadastrais que permitam acompanhar se o público visado pelo programa está efetivamente sendo contemplado. Indicadores de monitoramento: •
empreendimentos financiados por faixas de faturamento anual;
•
número de postos de trabalho gerados;
•
manutenção dos postos de trabalho ao longo dos 3 anos posteriores ao financiamento.
O Ministério do Trabalho dispõe atualmente de uma frágil estrutura de monitoramento. Não são levantadas, por exemplo, informações que são chave para a avaliação do impacto
62
63 do FAT na geração de trabalho, emprego e renda. A falta de rigor na cobrança de informações das instituições financeiras e a falta de uma estrutura de monitoramento da economia informal impossibilitam também uma clara análise de custos de intermediação, uma análise mais precisa das demandas financeiras, o que dificulta o desenho mais adequado para um programa de microfinanças. A RAIS e o CAGED são poderosos sistemas de informação do mercado de trabalho formal, mas dado o crescimento do mercado de trabalho informal e a necessidade de políticas ativas para geração de trabalho, seja ele autônomo, associativo ou mesmo informal, é fundamental que o Ministério do Trabalho disponha de um sistema de informação sobre a economia informal. Duas medidas neste sentido serão fundamentais para que o programa possa ser futuramente avaliado e que possam ser feitos ajustes para tornar o programa mais acessível e com maior impacto social. Em primeiro lugar, o próprio Ministério deve ter uma estrutura de monitoramento, com softwares integrados às instituições financeiras e equipe técnica qualificada para processamento e análise das informações. Em segundo lugar, o Ministério do Trabalho deve solicitar ao Ministério do Planejamento e ao IBGE a realização periódica da Pesquisa da Economia Informal Urbana e utiliza-la para a formulação e monitoramento de suas políticas.
63
64
Conclusões Existe uma clara determinação por parte do Governo Federal de ampliar de forma significativa o acesso a serviços financeiros a populações vivendo próximo à linha de pobreza. A imprensa registra já em meados de 2003 os primeiros resultados desta política e seus impactos altamente positivos sobre a vida de populações até aqui excluídas do sistema bancário. Ao mesmo tempo, é nítida a disposição de vários bancos privados e estatais de encarar as finanças dos pobres como oportunidade de negócios. O presente trabalho é uma contribuição a este movimento geral que já extrapola o próprio Governo e atinge, de maneira cada vez mais significativa, os setores privado e associativo. Seu principal foco está na eliminação dos principais obstáculos que impedem que os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador cheguem à grande maioria dos empreendedores de pequeno porte, que constituem parcela tão expressiva da força de trabalho nacional. O trabalho parte da premissa de que o fortalecimento do empreendedorismo de pequeno porte é o objetivo estratégico da política nacional de microfinanças. Esta proposição tem uma dupla conseqüência. Em primeiro lugar, exige que se segmente o público destinatário desta política: hoje os recursos do FAT atingem parcela extremamente minoritária entre os micro-empreendedores urbanos e não chega aos de menor porte. Ampliar a base social da polícia nacional de microfinanças exige, entretanto, instituições que possam contemplar não apenas a necessidade de crédito, mas uma ampla e diversificada demanda por serviços financeiros que caracteriza a vida das famílias vivendo próximo à linha de pobreza. A sustentabilidade financeira das organizações de microfinanças é um dos mais importantes sinais de seu enraizamento social e, portanto, do atendimento à demanda das localidades onde se inserem.
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65 Esta demanda, entretanto, pode ser atendida de maneira socialmente concentrada e com impacto reduzido sobre a criação de melhores condições para o processo de desenvolvimento. Em outras palavras, é possível que organizações sustentáveis – bancárias e não bancárias – se afirmem economicamente atendendo à demanda dos segmentos que se encontram no alto da pirâmide social em que se estratificam os empreendedores de pequeno porte. E, deixadas a sua própria iniciativa, as organizações financeiras dificilmente encontram estímulos para financiar arranjos produtivos capazes de fortalecer o tecido econômico das localidades em que se inserem. É exatamente para suprir esta dupla falha de mercado – que exclui os empreendedores de menor porte e desestimula o desenvolvimento territorial – que a proposta aqui formulada segmenta o público do Programa Nacional de Microfinanças e estabelece condições mais favoráveis de obtenção de recursos para as organizações que atenderem à demanda dos segmentos inferiores dos empreendedores de pequeno porte e para aquelas que tiverem ações no sentido de fortalecer os arranjos produtivos localizados, por meio de ações variadas, entre as quais destacam-se as de formação. O importante é que estas ações não oneram o Tesouro Nacional e financiam-se pela própria ampliação do acesso ao crédito. As formas mais corriqueiras deste acesso (as que não visam especialmente o público situado na base da pirâmide social, nem se conjugam a ações de capacitação) conduzem ao pagamento de juros mais altos às fontes de recursos: este diferencial entre o custo do dinheiro (TJLP) e o que por ele pagam os que praticam apenas o crédito, vai financiar o esforço de se atingir os segmentos de mais baixa renda e a própria capacitação. As simulações expostas no trabalho mostram que se trata de política economicamente viável. Mas é claro que esta política exige um arranjo político e institucional inovador. Em primeiro lugar – contrariamente à tradição brasileira neste sentido – não se trata de fazer dos bancos estatais os atores financeiros únicos da política governamental. Ao contrário, ela convida os setores privado e associativo, as organizações bancárias e não bancárias a tomarem parte da ampliação do acesso a serviços financeiros para populações e áreas carentes. Cooperativas de crédito, bancos privados, OSCIP’s, ONG’s, SCM’s terão um lugar de destaque, bem como as comissões e conselhos municipais (e estaduais) que têm papel decisivo na aceitação de organizações que se candidatem a receber recursos governamentais.
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66 É importante salientar que o Ministério do Trabalho e Emprego, com base nestas organizações locais e em sua estrutura própria, é que responde pelas diretrizes políticas do Programa, credenciando as organizações e, sobretudo controlando a qualidade social e profissional de sua atuação. O BNDES responde não apenas pela saúde financeira do programa, como também pela gestão dos recursos que permitirão a viabilidade das operações com um público até hoje distante das microfinanças e de arranjos produtivos que têm sido pouco estimulados. Esta separação entre a direção política do programa e a saúde financeira de sua gestão é um dos componentes básicos da proposta aqui formulada. Este trabalho propõe em suma que o Programa Nacional de Fortalecimento do Empreendedorismo de Pequeno Porte - por meio acesso ampliado ao crédito e outros serviços financeiros aos pobres e com base em organizações locais economicamente sustentáveis – seja um dos elementos estratégicos na luta contra o desemprego e a exclusão social no Brasil.
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67
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