MA Dissertation

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Pรกgina anterior Fig. 0 Frente de uma Arquitectur


AGRADECIMENTOS

À minha família pelo incondicional e permanente apoio, motivação e paciência. Aos amigos de sempre e a todos aqueles que enriqueceram o meu percurso. À professora Filipa Roseta pela contínua motivação, disponibilidade e conhecimento partilhado.



RESUMO

LUGAR DA ARQUITECTURA

Em Lugar da Arquitectura pretende-se constituir uma

Ampliação da Faculdade de Arquitectura

reflexão crítica, que se traduz no desenvolvimento de um projecto prático de expansão e requalificação da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa,

Nome Ricardo Miguel Sabino Marcelo Cardoso Guimarães

situada no Alto da Ajuda. Abordando o tema Lugar, desenvolve-se um espaço para a Arquitectura, imerso e activado pela sua

Orientador

presença, recipiente das especificidades despertadas

Professora Doutora Filipa Maria Salema Roseta Vaz Monteiro

pelo contexto. Assume como premissa fundamental a reconstrução de

Júri Professor Doutor Ricardo Silva Pinto (Presidente) Professor Doutor Pedro Rodrigues (vogal)

uma nova imagem e identidade da Faculdade de Arquitectura, enquanto agregador pólo cultural e multidisciplinar; enquanto marca e casa da Arquitectura na cidade de Lisboa.

Mestrado Integrado em Arquitectura

Decorrendo directamente do tema proposto pela disciplina de Laboratório de Projecto VI, divide-se em

Lisboa, FAUL, Julho de 2014

três partes estruturadas numa lógica de continuidade: compreender, através da investigação e do adquirir de conhecimentos; interpretar, através da análise de diferentes casos de estudo; e aplicar, através do desenvolvimento do projecto prático.

PALAVRAS CHAVE: Lugar; Arquitectura; Ícone; Imagem; Campus


ABSTRACT

Lugar da Arquitectura is intended as a critical reflection

LUGAR DA ARQUITECTURA

which results in the development of a practical project

Ampliação da Faculdade de Arquitectura

for the expansion and requalification of the Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa, located in Alto da Ajuda. Addressing the theme Place, aims to develop a space for

Name Ricardo Miguel Sabino Marcelo Cardoso Guimarães

Architecture; immersed and activated by its presence, and container of the characteristics aroused by the

Cientific Supervisor

context.

Professora Doutora Filipa Maria Salema Roseta Vaz Monteiro

It takes as basic premise the rebuilding of a new image and identity of the Faculdade de Arquitectura, as a cultural and multidisciplinary pole; as brand and house of Architecture in the city of Lisbon.

Juri Professor Doutor Ricardo Silva Pinto (Presidente) Professor Doutor Pedro Rodrigues (vogal)

Deriving directly from the proposed theme by the Project Laboratory VI discipline, is divided into three parts structured in a logical continuity: understanding, through research and acquirement of knowledge; interpretation, through the analysis of different case studies; and implementation, through the development of a practical project.

KEYS WORDS: Place; Architecture; Icon; Image; Campus

Masters Degree in Architecture Lisbon, FAUL, July 2014


ÍNDICE

Introdução……………………………………………………………………………………….………………………………p.11

Lugar da Arquitectura………………………………………………………………………………………………………p.13 Espaço e Lugar…………………………………………………………………………….……………………p.15 Percepção e Experiência………………………………………………………………….…………..….p.20 Arquitectura e Símbolo………………………………………………….……………………..…………p.23

Casos de Estudo……………………………………………………………………………………………………………..p.29 Escola de Arte Moderna BAUHAUS………………….………………………………………………..p.31 Arquitectura e Planeamento…………….……………………………………………….p.44 Frank Lloyd Wright School of Architecture…………..……………………………………………p.59 Arquitectura e Planeamento..……………………………………………………………p.67 Faculdade de Arquitectura do Porto……………………………………………….……………….p.87 Arquitectura e Planeamento……………………………………………………………..p.96

Contextualização…………………………………………………………………………………………………….…….p.103 Alto da Ajuda……………………………………………………………………………..……………………p.107 Pólo Universitário do Alto da Ajuda……………………………………..……………..………….p.111 Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de lisboa………….…………….p.115

Proposta Urbana……………………………………………………………………………………..……….……………p.123 Palácio Nacional da Ajuda e envolvente…………………………………………….……………p.128


Monsanto e a Cidade………………………………………………….…………..………………………p.131 Pólo Universitário do Alto da Ajuda………………………………………….….…………………p.132

Proposta Arquitectónica………………………………………………………………….…………………………….p.139 Lugar da Arquitectura……………………………………………………………………………………p.144 Conceito………………………………………………………………………………..………………………..p.147 Limite………………………………………………………………………..…………………………………...p.148 Espaço Imagem

e Lugar……………………………………..……………………………………………………p.151 e

tectónica…………………………………………………………….…………………..p.152

Relação com o lugar…………………………………………………………….…………………….p.155 Relação com a paisagem…………………………………………………….…………………….……p.156 Escala e proporção………………………………………………………………………………………….p.159 Programa……………………………………………………………………………..…………………………p.159 Espaço de trabalho………………………………………..……………………………p.160 Espaço de conferências……………………………………………….………………p.163 Salas de aula…………………………………………………………………………….……..p.163 Biblioteca………………………………………………………………………………..……….p.167

Considerações Finais…………………………………………………………………………..…………………………p.177

Índice de Imagens…………………………………………………………………………………….……………………p.179

Bibliografia………………………………………………………………………………………….…………………………p.181

Suplemento Gráfico…………………………………………………………………………….………………………..p.183


INTRODUÇÃO

O presente documento insere-se no âmbito do Projecto Final de Mestrado, e pretende constituir uma reflexão crítica acerca do tema Lugar da Arquitectura, na génese conceptual do processo de Arquitectura. O tema decorre e relaciona-se directamente com o projecto de cariz prático, que se distribui em duas partes complementares, associadas a distintas escalas de intervenção: a Requalificação e Consolidação do Alto da Ajuda e Pólo Universitário; e, de forma mais aprofundada, a Ampliação da Faculdade de Arquitectura da actual Universidade de Lisboa. A pertinência do tema deriva em grande parte das próprias especificidades do local e objecto de intervenção, e viu o nascimento da Universidade de Lisboa, constituir a oportunidade flagrante de se repensar a Faculdade de Arquitectura. Hoje, um incompleto conjunto de blocos dispersos, significativamente inadequado a um excessivo número de alunos e às cada vez mais desafiantes exigências de aprendizagem. Esta reflexão assume como premissa fundamental a reconstrução de uma nova imagem e identidade da Faculdade de Arquitectura, enquanto agregador pólo cultural e multidisciplinar, enquanto marca e casa da Arquitectura na cidade de Lisboa. A área de intervenção compreende-se a Sul pelo Geomonumento do Rio Seco, e a Norte pela região do Parque Florestal de Monsanto que directamente dialoga com o Pólo Universitário do Alto da Ajuda. Este vasto território, caracterizado por uma particular topografia e pela potencial presença da Natureza, apresenta-se hoje fortemente desconsolidado, desarticulado e esquecido pela cidade de Lisboa que o circunda.

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O passar do tempos e os nunca concretizados sucessivos planos urbanísticos, culminaram na concretização de um lugar inacabado e suspenso, que assume no Palácio Nacional da Ajuda – personagem dominante e incontornável desta paisagem – o expoente dessa mesma incompletude. O projecto prático que se propõe decorre, sobretudo, da reflexão teórica que incide sobre quatro casos de estudo: Bauhaus, em Dessau; Taliesin e Taliesin West, em Wisconsin e Arizona respectivamente; e Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Todos eles exemplos de escolas de arquitectura que se assumem relevantes no contexto da arquitectura contemporânea, e que representam quatro abordagens distintas a um mesmo tipo de edifício, e a um mesmo objectivo – a formação de jovens arquitectos preparados para a desafiante prática da Arquitectura.

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LUGAR DA ARQUITECTURA ESPAÇO E LUGAR PERCEPÇÃOE EXPERIÊNCIA ARQUITECTURA E SÍMBOLO

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ESPAÇO E LUGAR

“Eliminando o lugar elimina-se ao mesmo tempo a arquitectura”. Christian Norberg-Schulz 1965

A sensibilidade para com a noção de Lugar é uma tendência relativamente recente na arquitectura contemporânea. E é o reflexo, ou consequência, dir-se-ia, de uma intensa e incessante procura de uma nova concepção de Espaço, em perfeita e harmoniosa articulação com os mais inovadores progressos tecnológicos, operada no Movimento Moderno da Arquitectura1. Esforço incessante que se traduz numa significativa alteração do paradigma da arquitectura da época – expandindo-se a outras áreas e formas de expressão – e que de forma perfeita se expressa na afirmação de Scmarsow, em que este define arquitectura como a “Arte do Espaço”2. É a partir deste momento, que o espaço assume o papel de destaque que hoje detém, passando a ser encarado definitivamente como essência ou “jóia da arquitectura”3. Esta concepção moderna de espaço infinito tem como origem o ideal platónico e, concretamente, a palavra Chora, que representa um espaço eterno, indestructível, cósmico, gerador e organizador do mundo dos objectos4. 1

MONTANER, Josep Maria, A Modernidade Superada: Ensaios sobre arquitectura contemporânea. 2. Ed. Barcelona: Gustavo Gili 2012. P.29 2 SCHMARSOW, August et al. Spätrömische Kunstindustrie, 1901. In: MONTANER, Josep Maria. A Modernidade Superada: Ensaios sobre arquitectura contemporânea. 2. Ed. Barcelona: Gustavo Gili 2012. P.29 3 Bruno ZEVI, Saber ver a arquitectura. 5 ed. São Paulo: Martins Fontes 1996 4

MONTANER, Josep Maria. Op. Cit. P.31

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São estas a características principais de um espaço que se pretende livre, fluído, contínuo, aberto, transparente, abstracto e indiferenciado. E que contraria significativamente a ideia de Espaço Tradicional, até então possuidor de forma identificável, volumetricamente diferenciado, delimitado, específico e estático. A grande diferença entre as duas concepções, e que se traduz de forma directa nas características acima referidas, reside na posição e relação do Homem para com o espaço. Nas palavras de Josep Maria Montaner, o espaço tradicional encontra a sua expressão máxima no “mundo unitário do Renascimento […] em que a perspectiva cónica expressa a imagem do Homem como centro”5. Enquanto que a concepção de Espaço Moderno, encontra a sua razão de ser na revolução copernicana da ciência6. Ou seja, manifesta-se quando se estabelece uma certa emancipação do espaço em relação ao Homem - surge quando o primeiro se torna algo infinito, independente e relativo a objectos em movimento dentro de um sistema cósmico. Esta nova concepção assume várias designações das quais EspaçoTempo e Anti-Espaço7 se estabelecem como as mais representativas, sendo o reflexo da introdução da noção de movimento e dinamismo na construção de um espaço que rompe o espaço tradicional fechado, delimitado por paredes. Em Modernidade Superada, Josep Maria Montaner, refere alguns exemplos que já anteriormente prenunciavam estas alterações na arquitectura e na consideração do espaço. Refere a páginas tantas, o espaço fluído e iluminado zenitalmente da casa-museu de sir John Soane, que progride sequencialmente através de salas que surgem por trás de outras salas, através de escadas que aparecem tangencialmente entre as paredes. O espaço pautado pelas janelas simbólicas (colecções de pinturas) desenvolve-se, progride e descobre-se – emancipa-se -, anunciando esse carácter infinito que caracteriza o Espaço Moderno. Refere igualmente o Crystal Palace de John Paxton, e concretamente o espaço livre e dinâmico do seu interior que, 5 6 7

MONTANER, Josep Maria. Op. Cit. P.30 Idem. Ibid. Idem. Ibid.

16


totalmente banhado pela luz natural, rompe a fronteira entre o interior e o exterior8. Neste período dão-se passos significativos na evolução da arquitectura, assumindo-se a concepção de “espaço conformado sobre um plano horizontal livre e fachada transparente”9 como Espaço Internacional. O vazio construído gira, fluído e abstracto, em torno dos elementos verticais que o vão pautando e ritmando, ausente e isolado das qualidades despertadas pelo Lugar. Os objectos arquitectónicos concebidos sob esta concepção de Espaço, surgem invariavelmente autónomos e independentes do contexto em que se inserem. Mantendo com ele relações estritamente genéricas, assentes em construções mentais ideais, teóricas e indefinidas. A Carta de Atenas constituiu a expressão máxima desta arquitectura omnipresente, racionalista e tecnocrática, que adquire na metáfora do barco10 - presente em grande parte da obra de Le Corbusier - o perfeito exemplo de um objecto arquitectónico que se pretende independente e despreocupado com o contexto específico sugerido pelo Lugar – caracteriza-se pela possibilidade constante de se estabelecer em qualquer local, em qualquer momento. O conceito de Lugar distancia-se significativamente da concepção Moderna de Espaço, assumindo um carácter específico e concreto, empírico, existencial e cuidadosamente articulado com as qualidades e características do próprio contexto. O Lugar, na sua natureza específica e determinada, tende a ser “definido por substantivos, pelas qualidades das coisas e dos elementos, pelos valores simbólicos e históricos; é ambiental, e do ponto de vista fenomenológico, está relacionado com o corpo humano”11.

8 9

Idem. Ibid. MONTANER, Josep Maria. Op. Cit. Págs. 30 e 31

10 11

Idem. Ibid. P.33 Idem. Ibid.

17


Esta concepção remete para o Templo Grego, e para a sua manifesta capacidade de reconciliação entre Homem e Natureza – os templos gregos diferiam formalmente em função dos significados específicos e das divindades a que eram dedicados.12 Segundo Montaner, o Lugar assume como origem a palavra Topos13, proferida por Aristóteles em Física, onde este descreve esta concepção de espaço como algo pertencente e inerente ao Homem e ao lugar.

“O lugar é algo diferente dos corpos e qualquer corpo sensível está num lugar […]. O lugar de uma coisa é a sua forma e limite […]. A forma é o limite da coisa, enquanto que o lugar é o limite do corpo continente […]. Assim como o recipiente é um lugar transportável, o lugar é um recipiente não transferível”. Aristóteles

A recuperação da ideia de Lugar constitui também uma acentuada crítica à concepção da cidade contemporânea proclamada durante o período Moderno. Aliás, a introdução da noção de Lugar revelou-se fundamental para a recuperação da história, identidade e memória no processo conceptual e critativo da Arquitectura, e muito deve à Arquitectura Orgânica desenvolvida por Frank Lloyd Wright e pelos arquitectos de origem nórdica, como Alvar Aalto14. Ambas as Taliesin – escolas de arquitectura projectadas por Frank Lloyd Wright, e analisadas neste documento – constituem exemplos paradigmáticos de uma arquitectura que abraça o Lugar. Pela forma de ambas – apesar de distintas concepções formais e enquadramento de vistas, os volumes de ambas caracterizam-se pela horizontalidade e pelo contacto com o

12 13 14

Idem. Ibid. P.32 MONTANER, Josep Maria. Op. Cit. P. 31 Ibid. Op. Cit. P.35

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terreno -, pelos materiais locais e tradicionais que as constroem e pelas cores térreas que as marcam, o espaço construído modela-se e adequa-se à paisagem pré-existente. Funde-se e investe-se de valor pela própria relação que se estabelece entre ambiente construído e ambiente natural. Na arquitectura destas duas escolas, revela-se uma clara intenção de procura de uma Arquitectura Moderna que não seja indiferente ao Lugar; que se torne válida pela experiência – visual, corporal e sensorial – do Homem que habite o seu espaço, num contacto directo, estreito e permanente com a Natureza do próprio lugar. A ideia de Lugar distancia-se da concepção Moderna de espaço pela presença da experiência15 – o espaço concebido sob esta noção de Lugar passa a estar dependente da forma como se relaciona e interage com o Homem (percepção).

15

MONTANER, Josep Maria. Op. Cit. P.38

19


PERCEPÇÃO E EXPERIÊNCIA

“Os espaços recebem a sua essência não do espaço mas do lugar […] os espaços onde se desenvolve a vida são antes de tudo lugares”.

16

A Percepção proporciona-nos um conhecimento directo e imediato do mundo fenoménico, que resultará idealmente numa visão satisfatória daquilo que nos rodeia17. Constitui a ferramenta fundamental que permite a formalização

de

uma

informação

ou

expectativa

que

enquadre

adequadamente a acção do Homem, num determinado tempo e espaço sociais. A natureza de qualquer objecto – entendido como algo possuidor de forma descritível – é representada, sobretudo, pelas manifestações ou fenómenos

frequentes

e

directamente

apreendidos

pelo

Homem.

Caracterizados como propriedades, estes fenómenos, sem serem algo concreto e real, pertencem ao objecto, uma vez que o representam e simbolizam directamente18; contribuem para a totalidade e coesão do objecto real. Os fenómenos adquirem a sua função representativa através do próprio Homem; dependem da sua experiência, e, no caso da Arquitectura, esta provém da forma como este se relaciona com o espaço19.

16

HEIDEGGER, Martin. Bauen Wohnen Denken. 1951. In: MONTANER, Josep Maria. A Modernidade Superada: Ensaios sobre arquitectura contemporânea. 2. Ed. Barcelona: Gustavo Gili, 2012. P. 41 17 NORBERG-SCHULZ, Christian. Intentions in Architecture. Massachusetts: the MIT press, 1965 18 19

NORBERG-SCHULZ, Christian. Op. Cit. NORBERG-SCHULZ, Christian. Op. Cit..

20


Os objectos constroem-se por meio de generalizações e ordenações das experiências e percepções. Organizam-se segundo hierarquias variáveis de acordo com a própria experiência, possibilitando leituras distintas do próprio objecto. Como afirmou Kaufmann, “a arquitectura comunica corpos que estão no mesmo lugar”20, algo dificilmente alcançável pelos restantes meios de representação e reprodução. Qualquer outro meio de representação, seja a dança, a música, ou a linguagem, implica colocar imagens no lugar de outras, em lugares virtuais que se estabelecem como veículo de conexão com a realidade. Na arquitectura, o contacto entre o ideal e o real, estabelece-se através do lugar físico. É no espaço construído e manejado pelos símbolos, signos e imagens, que a realidade e o ideal se fundem enquadrando e conferindo sentido à acção do Homem. A partir da natureza daquilo que é o lugar construído, gera-se o espaço do possível movimento, da acção, da transformação e apropriação dos usos e significados. Para Christian Norberg-Schulz, um dos principais propósitos da arquitectura é o de conferir uma determinada ordem ao espaço construído, associada aos diferentes contextos físicos, culturais e sociais. Ordem esta, que proporcione uma sensação de organização harmoniosa, subjacente a um controlo e regulação das relações que se estabelecem entre diferentes indivíduos, e o próprio lugar. A arquitectura, para o mesmo autor, é a geradora de um “milieu” cultural e social, isto é, é a criadora de um lugar comum de enquadramento lógico e significante do comportamento humano21.

20

KAUFMANN, P. (1967) In: MUNTAÑOLA, Josep. Poética y Arquitectura: una lectura de la arquitectura postmoderna. Barcelona: Anagrama, 1981. P.56 21 NORBERG-SCHULZ, Christian. Op. Cit.

21


Para Norberg-Schulz, é o conteúdo simbólico que confere aos objectos concretos o seu significado social22, funcionando, a arquitectura, como recipiente de imagens e símbolos. A arquitectura como qualquer outro sistema de representação, significa algo, percepcionado pelo Homem através do quadro de estímulos, signos e códigos com os quais o arquitecto maneja e constrói o objecto arquitectónico. Esta percepção e experiência do edifício está intimamente relacionada com a sua estética formal, como afirma Norberg-Schulz: “apenas considerando o que a forma representa enquanto manifestação de um objecto superior, poderemos, nós, falar sobre a “verdadeira” experiência arquitectónica (…) é frequentemente mencionado que a “verdadeira” experiência arquitectónica é puramente formal – estética”.

22

Idem. Ibid

22


ARQUITECTURA E SÍMBOLO

Como referido anteriormente, e como o próprio autor de Intentions in Architecture afirmou, a nossa acção pressupõe uma organização do meio envolvente23. Uma organização, construída através de analogias e relações de similaridade, que regule a nossa percepção dos objectos através dos fenómenos com os quais interagimos em determinado contexto. Esta grande complexidade e variedade do mundo dos objectos obriga a que os fixemos por meio de signos, de forma a que possamos descrevê-los, compreendê-los e ordená-los em sistemas – aliás quanto maior a complexidade do que nos rodeia e dos objectos com os quais nos deparamos, maior é a necessidade de criação de sistemas de símbolos.

“A descrição da forma só se torna possível porque toda a descrição pretende mostrar similaridades. Os objectos são a ordem ou a forma da realidade. Os fenómenos são-nos dados com forma, como manifestações dos objectos, e dita forma é o 24

seu significado” . Christian Norberg-Schulz, 1965

Existe um estreita relação entre estes objectos e o nosso próprio comportamento uma vez que, como afirma o mesmo autor, “os objectos, ou seja, a forma que atribuímos ao mundo, expressa-se directamente através do nosso comportamento”. No entanto algo que influi significativamente na

natureza do fenómeno, entendido como experiência, é o contexto em que este se expressa. Segundo o mesmo, “os nossos conceitos apenas possuem significado dentro de uma linguagem coerente”25, isto é, da mesma forma que aquilo que

23 24 25

NORBERG-SCHULZ, Christian. Op. Cit. Idem. Ibid. Idem. Ibid.

23


define o fenómeno é o contexto em que este aparece, um signo só adquire significado dentro de uma sistema equilibrado e lógico. Esta necessidade de criação de uma ordem sujeita a classificações (físicas, sociais, culturais), resulta da necessidade de uma lógica comum, tanto quanto possível objectiva e precisa, que se torne útil de modo a facilitar – ou melhor, possibilitar – a interacção entre diferentes indivíduos e meio em que se encontram. Cada sistema de símbolos está associado a uma capacidade de simbolização específica, que se define consoante os objectos que pode representar. A arquitectura participa na criação de um meio entre o Homem e o Lugar, o que para Christian Norberg-Schulz significa afirmar que cria um “marco significativo para as actividades do Homem”26. A arquitectura domina os aspectos práticos da actividade humana, participando nela; configurando e construindo um fundo psicológico e físico de adequação do comportamento humano, expressando o que, em determinado contexto espacial, temporal, social, revela importância para a comunidade. Deste ponto de vista, ao participar na situação social, a arquitectura constitui um dos aspectos mais importantes do próprio ambiente, “criando uma expressão visual da estrutura social”27. Um determinado meio arquitectónico não é composto, apenas, por expressões significativas, existe sempre uma hierarquia que as ordena. Um meio planificado, manejado e construído pelo arquitecto, cumpre um dos seus

fins na comunicação e interacção entre os Homens – esse marco arquitectónico construído “cria expectativas, guia o pensamento e o comportamento, desilude ou satisfaz”28.

26 27 28

NORBERG-SCHULZ, Christian. Op. Cit. Idem. Ibid. Idem. Ibid.

24


“A arquitectura é em si mesma um objecto cultural; é um produto humano ao serviço de actividades humanas comuns”. Christian Norberg-Schulz, 1965

Para Josep Muntañola, para se definir a morfologia da arquitectura torna-se necessário manejar dois tipos de significados, o simbólico e o esquemático e isso “exige o conhecimento de uma mística e de um ritual, que muitas vezes não se encontra expresso na ordem das formas no espaço”29 isto significa, como já referido anteriormente, que para que a lógica da arquitectura se manifeste e seja reconhecível torna-se necessária a integração e interpretação do lugar, definido pelos contextos social, temporal e espacial. Para Josep Muntañola, “a análise do significado da arquitectura”30 é possibilitado pela semiótica. A semiótica31, compreende três categorias que se aplicam ao estudo dos sistemas de símbolos – síntaxe, semântica e pragmática. O significado de um símbolo fica totalmente definido e descrito, quando formulado e inscrito nestas três dimensões semióticas. A sintaxe corresponde à dimensão que permite estudar as contruções lógicas de um sistema de símbolos, colocando de parte as suas relações com a realidade – “uma investigação sintática apenas estuda as relações entre signos, não nos dizendo nada acerca da realidade”32. Ao estudo das relações entre um sistema de símbolos e a realidade chamamos semântica. A semântica trata exclusivamente das relações entre o signo (significante) e o seu significado. “A palavra semântica denota a relação entre o signo e o seu significado. Se aplicarmos este termo em relação à arquitectura significa afirmar que as dimensões funcionais, da forma e da técnica estão relacionadas entre si”33 e que esta concepção técnica e formal põe em manifesto um conteúdo. 29 30 31 32 33

MUNTAÑOLA, Josep. Op. Cit. MUNTAÑOLA, Josep. Op. Cit. Refere-se semiótica enquanto ciência que estuda os fenómenos culturais NORBERG-SCHULZ, Christian. Op. Cit. Idem. Op. Cit. P.167

25


Conteúdo este não meramente físico, constituindo mais que apenas, por exemplo, o abrir e fechar de uma porta. “Existe uma conexão empírica entre as formas e o conteúdo”34, estas manifestam, geralmente aquilo que nelas se pode fazer ou realizar. Já a pragmática define-se como o estudo que trata da relação entre o signo e aquele que o utiliza, “compreendendo todos os factores psicológicos e sociológicos que intervêm como intenções”35. A arquitectura com elevado valor simbólico é habitualmente associada ao termo Icónico, correspondendo a uma manifestação ou representação de um objecto superior – Charles Jencks afirmava que o edifício icónico partilha certos aspectos tanto com um objecto icónico, como uma pintura Bizantina de Jesus, como com a própria definição filosófica de ícone, isto é, enquanto signo que partilha um qualquer aspecto com o objecto superior que representa36. Por um lado, para que um edifício se torne icónico deverá destacar-se na paisagem da cidade, tanto pela sua nova e condensada imagem, como pela

sua forma superior. Por outro lado, para que se torne poderoso, deverá manter certas reminiscências de metáforas, por vezes improváveis, mas sempre relevantes e importantes, funcionado como “símbolo venerável”37. A forma icónica define-se em termos da sua estrutura e adapta-se a todos os conteúdos que revelam um “similaridade estrutural”38. Robert Venturi, autor de Learning from Las Vegas, afirmava que o simbolismo formal de um edifício deveria ser a expressão ou o reforço de um conteúdo; para o mesmo, o significado de qualquer obra arquitectónica deveria ser comunicado, não através de alusões a formas reconhecíveis do passado, mas sim através das características próprias da sua forma39 - por este ponto de vista, a criação arquitectónica deveria ser um processo lógico, livre e solto de 34 35

Idem. Ibid. Idem. Ibid.

36

JENCKS, Charles. Towards a symbolic architecture. Nova Iorque: Rizzoli international publications, 1985 37 Ibid. 38 39

NORBERG-SCHULZ, Christian. Op. Cit. VENTURI, Robert et al. Learning from Las Vegas. Massachusetts: MIT press, 1977

26


imagens do passado, determinado unicamente pela sua própria estrutura e programa, consequências do próprio contexto de inserção do edifício.

Nesta

obra,

Venturi,

distancia-se

significativamente

dos

pressupostos argumentados por Christian Norberg-Schulz e por Josep Muntañola, e associa este carácter simbólico da arquitectura a uma vertente assumidamente persuasora. Assume esta atitude associada ao consumismo e à venda da arquitectura e do espaço construído como produto ou bem comercial – refere vários exemplos de Hotéis de Las Vegas, cujas imagens ou sinais de publicidade (entendidos como símbolos directos) remetem ou sugerem determinados ambientes e atmosferas, que, geralmente, em nada se assemelham ao ambiente real do hotel publicitado - em Las Vegas assume-se esta vertente económica e de persuasão alicerçada na comunicação directa daquilo que se pretende vender. Em muitos casos, na avenida principal, o sinal publicitário do hotel chega a revestir-se de maior relevância que a própria arquitectura do mesmo, constituindo-se como o símbolo directo daquilo que se pretende representar. Estes sinais dominam a arquitectura; dominam o espaço tanto ao nível pedestre, como ao nível do automóvel, sugerindo ambientes falaciosos que

pouco ou nada têm em comum com o ambiente que representam40. O termo “icónico” esteve desde sempre associado a beleza formal e estética, que aliada a uma perfeita utilidade e resposta a determinadas funções, conferiam sentido à arquitectura, e à própria acção humana. A arquitectura de carácter icónico é aquela que reflecte uma procura da construção do espaço através de objectos não perecíveis, que marquem permanentemente e intemporalmente, tornando-se significantes pela sua presença e imagem, e pela forma como interagem com o Homem e com o meio envolvente.

40

VENTURI, Robert et al. Op. Cit.

27


28


CASOS DE ESTUDO ESCOLA DE ARTE MODERNA BAUHAUS Walter Gropius

FRANK LLOYD WRIGHT SCHOOL OF ARCHITECTURE

TALIESIN E TALIESIN WEST Frank Lloyd Wright

FACULDADE DE ARQUITECTURA DO PORTO Álvaro Siza Vieira

29


30


ESCOLA DE ARTE MODERNA BAUHAUS Walter Gropius

31


32


33


34


Numa época fortemente marcada pela Grande Guerra, e pelo consequente período intelectualmente estéril e estagnado, imperava a necessidade de se repensar e alterar drasticamente o enquadramento do pensamento racional predominante. Impunha-se, em todas as áreas e em especial na arquitectura, um empenhado esforço que permitisse transpor o abismo entre a realidade e o idealismo41. É por esta altura que Walter Gropius, arquitecto alemão já então significativamente célebre e reconhecido, compreende aquela que, para o próprio, se havia tornado a imperiosa missão dos arquitectos da sua geração. Gropius reconhece que, perante as graves consequências da guerra, se tornara urgente redefinir e delimitar um novo campo de acção do arquitecto, e construí-lo, irremediavelmente, sobre uma nova geração de arquitectos formados “pelo contacto intímo com os mais modernos meios de produção, numa escola pioneira, possuidora de significado e autoridade”42. Corporizando esta ideia, funda em Weimar no ano de 1919, aquela que sob a sua direcção, viria a ser uma das mais influentes escolas de arquitectura – a Bauhaus -, adquirindo como propósito fundamental a “concretização de uma arquitectura moderna que, como a natureza humana, abrangesse a vida na sua totalidade”43 . Página anterior: Fig. 1 Bauhaus, vista exterior do conjunto

A escola, assente em programas e corpo docente heterogéneos e multifacetados, propunha uma empenhada e metódica reinterpretação do

41 42 43

GROPIUS, Walter. Bauhaus: novarquitectura. 4. Ed. São Paulo: Editorial Perspectiva, 1994 GROPIUS, Walter. Op. Cit. Ibid. P.30

35


mundo material, de modo a que este reflectisse a união e interdisciplinaridade de todas as formas de trabalho criativo. Em Proclamation of the Bauhaus, Gropius esclarece esta visão, descrevendo-a como um modo de operar resultante da combinação entre arquitectura, escultura, e pintura, à qual era incutida a dimensão prática da vida, significativamente acentuada pela máquina e pela produção industrial. No fundo, e nas palavras do arquitecto, “a ambição [da Bauhaus] consistia em arrancar o artista criador do seu distanciamento do mundo do trabalho”44. A Bauhaus personificava a ideia diametralmente oposta ao conceito de l’art pour l’art, almejando uma unidade complementar entre arte e trabalho artesanal, e os processos de produção industrial e maquinal. A Bauhaus, e o movimento por trás da instituição, afastavam-se progressivamente

da

cultura

e

ideais

eminentemente

alemães,

consolidando cada vez mais a sua identidade própria e independente no contexto internacional. Aliás o conceito de união de todas as artes e formas de produção criativa mantinha muitas semelhanças com o movimento inglês Arts and Crafts, popularizado por Hermann Muthesius45, o que, a par de uma gradual postura socialista, faziam da Bauhaus uma fonte de desconforto para a significativamente conservadora cidade de Weimar. Neste período de grande turbulência política, a eleição de um novo governo nacional alemão, liderado por Adolf Hitler, precipitou o irremediável encerramento das instalações da escola Bauhaus, em Weimar. Várias cidades alemãs, pronunciadamente liberais, propuseram o acolhimento da nova escola, tendo a escolha recaído sobre a socialista e democrata cidade de Dessau, capital do estado de Anhalt (Alemanha Central).

44 45

Ibid SHARP, Dennis. Op. Cit.

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Dessau, cidade de radical índole política, parecia, de facto, reunir as melhores condições para a instalação da nova Bauhaus, e a generosa e entusiástica iniciativa do seu Presidente pouco tempo levou a convencer Gropius e os restantes mestres da escola – Dr. Fritz Hesse “acreditava nos ideais expressos pelo movimento Bauhaus, e no seu propósito de criar um novo tipo de educação assente em ideias modernas”46. Para esta decisão contribuíram, igualmente, as próprias especificidades da cidade, que se caracterizava pela conveniente localização – a meia distância entre Weimar e Berlim – e pelo facto de se encontrar num processo de franca expansão, associado à produção industrial. Esta mudança provou-se, ao longo dos tempos, um dos momentos mais marcantes da história da Bauhaus, e constituiu a base de oportunidades sobre a qual se ergueu a nova e influente Escola de Arte Moderna. A mudança para Dessau implicava obrigatoriamente a construção de um novo edifício, facto que permitiria a Gropius, arquitecto e director da nova escola, projectá-lo de acordo com os ideais fundamentais da Bauhaus. O edifício, pelas mãos e mente do arquitecto, seria a extensão e simultaneamente daria forma à ideia Bauhaus. Ainda que muitos dos ideais inicialmente operados em Weimar se tenham mantido, este passo estimulou consideráveis mudanças no próprio programa e política da escola. Tornou-se claro, com o passar dos anos, que se havia promovido um profundo empenhamento em “causas sociais e no desenvolvimento de ideias racionais e modernas, na produção de formas de arte, design e arquitectura através da máquina”47. Muitos dos objectivos proclamados nos tempos de Weimar, tornavam-se, agora, obsoletos, desactualizados e, nas palavras de George Muche, até “amadores”48. Página anterior: Fig. 2 Bauhaus, vista exterior do conjunto

A Bauhaus é frequentemente percepcionada como o símbolo máximo da racionalidade. Ainda hoje se interpreta o movimento fundado por Gropius,

46 47 48

SHARP, Dennis. Op. Cit. GROPIUS, Walter. Op. Cit. MUCHE, George. In: SHARP, Dennis. Bauhaus Dessau: walter gropius. Londres: Phaidon Press, 1993

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como uma tentativa de criação de um estilo, e cada objecto a-histórico e que se alheie de ornamento, é automaticamente associado ao imaginário Bauhaus. Para Gropius, a criação deste imaginário nunca foi o objectivo da escola, e corresponde, de facto, a uma falsidade. Para o arquitecto interessava sobretudo explorar e fixar o território que é comum às esferas técnicas e formais, e em definir os seus limites. Contrariando a ideia generalizada, Gropius acreditava que a estandardização da maquinaria prática da vida não significava a robotização do individuo. Significava, sim, a sua libertação, tornando possível a sua acção num nível superior. O trabalho preconizado pela Bauhaus concentrava-se, sobretudo, “na necessária tarefa de impedir a escravização do Homem pela máquina, preservando da anarquia mecânica o produto de massa e o lar, insuflando-os, novamente, de sentido prático e vida”49. A Bauhaus, e sobretudo no período em que estabeleceu em Dessau, vincou de forma segura as suas aspirações e intenções de harmonização das relações entre a arte e máquina, ao serviço do arquitecto/artista, no desenvolvimento da forma. A mudança para Dessau revelou-se igualmente proveitosa para Walter Gropius, que se viu imbuído de um papel muito mais abrangente e central na vida da Bauhaus e da própria cidade. Para além do projecto e direcção da escola, Gropius tornou-se responsável pela organização Kuntgewerbeschule e pela Trade School, e em simultâneo, ficou responsável pelo projecto do novo complexo de residências destinadas aos docentes da Bauhaus50. Desta forma, Dessau, proporcionava a vantajosa possibilidade de, através de um género de teste e de experimentação, colocar em prática os conceitos teóricos e educacionais propostos para a nova Escola de Arte Moderna. Gropius acabou por se estabelecer definitivamente em Dessau, inaugurando um novo escritório de arquitectura independente, mas com muitos dos seus alunos como colaboradores e aprendizes. Esta era uma forma

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GROPIUS, Walter. Op. Cit. P.30 SHARP, Dennis. Op. Cit.

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de contrariar a impossibilidade de obtenção de fundos camarários para a manutenção do atelier. Os planos para a escola foram imediatamente desenhados após a chegada de Gropius a Dessau, numa altura em que as negociações com a cidade haviam, definitivamente, chegado a bom porto. No dia 4 de Dezembro de 1926, numa cerimónia que contou com a presença de algumas das grandes mentes da época, é inaugurado o complexo que, a partir de então, seria frequentemente qualificado como “o grande feito de Gropius”51, e como um “lugar sagrado”52. O novo edifício “enfatizava (e personificava), tanto a nível funcional como simbólico, o programa educacional e arquitectónico preconizado pelo arquitecto”53, e que se caracterizava pela formação intelectual, artesanal e técnica de jovens criativamente dotados para o trabalho de design artístico e, Página anterior: Fig. 3 Bauhaus, vista exterior do conjunto

sobretudo, para a construção; e pela execução do trabalho experimental prático, especialmente em termos de habitação e mobiliário doméstico, e também o desenvolvimento de modelos padrão para a indústria e artesanato54.

51

GIEDION, Sigfried (1926). In: SHARP, Dennis. Bauhaus Dessau: walter gropius. Londres: Phaidon Press, 1993 52 BANHAM, Reyner (1926). In: SHARP, Dennis. Bauhaus Dessau: walter gropius. Londres: Phaidon Press, 1993 53 SHARP, Dennis. Op. Cit. 54

KENTGENS-CRAIG, Margret. The Dessau Building: 1926-1999. Basel: Birkhäuser, 1993. P.16

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ARQUITECTURA E PLANEAMENTO

Para a instalação da nova Bauhaus foi definido um amplo espaço, situado a 2km do centro da cidade, muito próximo da estação de comboios. Território caracterizado pelo isolamento e indefinição, e para o qual, desde sempre, haviam sido elaborados planos, sem que, no entanto, se tivessem concretizado. Apenas se havia construído o padrão básico das ruas, e foi, exactamente a partir deste simples sistema de acessos que, Walter Gropius, em estreita colaboração com Ernst Neufert (antigo aluno da Bauhaus em Weimar) e Carl Fieger, desenvolveu a ideia inicial que estruturaria o complexo de edifícios. Uma das condições impostas pela cidade de Dessau prendia-se com a obrigatória inclusão da Escola Técnica no projecto, cuja presença teria de ser facilmente reconhecível como exterior e independente do restante complexo da Escola de Arte Moderna55. De forma a responder a esta obrigatoriedade, os arquitectos desenvolveram uma simples e convincente solução de planeamento, que consistia essencialmente na separação das duas secções através do bem definido eixo viário que atravessava o sitio, conseguindo, assim, que as duas entradas independentes dialogassem separadamente uma com a outra56. Apesar desta distinção evidente ao nível do piso térreo, os edifícios uniam-se através de um primeiro piso elevado sobre esta mesma rua –

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KENTGENS-CRAIG, Margret. Op. Cit. P.16 Idem. Ibid

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frequentemente denominada de ponte sobre Leopolddank – e que dava forma à suite residencial de Gropius e ao departamento de arquitectura da escola. Tornava-se clara a existência independente de ambas as instituições, ainda que ambas coabitassem e se relacionassem sob uma mesma cobertura plana, colocada sobre estes blocos de edifícios cúbicos com o intuito de os unir e proteger. Com esta decisão, os arquitectos, definiram o princípio regulador de todo o complexo Bauhaus, que consistia neste estreito equilíbrio entre a percepção de edifícios autónomos e independentes, constituintes de um todo simbiótico. Afirmava Gropius que “para que se possa apreender a corporealidade deste edifício, há que andar em volta do mesmo”57, uma vez que a sua percepção remetia irremediavelmente para uma ideia acumulação de edifícios independentes. Os blocos que compunham o complexo diferiam em volume, altura e disposição espacial, de acordo com as suas respectivas e determinadas funções – residencial, lazer e académico/profissional, sob a premissa enunciada por Gropius de um “edifício baseado no espirito da época, que se afasta da prestigiante aparência da fachada simétrica58”. A arquitectura da escola Bauhaus Dessau correspondia a uma combinação clara e calculada de elementos arquitectónicos divisores, interligantes, e, em certos momentos, intersectantes59, que habilmente se separavam da estrutura de betão, e tensionavam o equilibrio no qual o conjunto de blocos se balanceava. A sua arquitectura reflecte a relação racional que se estabelece entre as longas superfícies sólidas – de um branco glacial - e Página anterior: Fig. 4 Bauhaus, vista exterior do conjunto

os amplos planos de vidro (colocados sobre uma escura malha metálica), que conformavam o espaço interior de acordo com as suas respectivas necessidades funcionais.

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GROPIUS, Walter. In: KENTGENS-CRAIG, Margret. The Dessau Building: 1926-1999. Basel: Birkhäuser, 1993. P.16 58

GROPIUS, Walter. In: KENTGENS-CRAIG, Margret. The Dessau Building: 1926-1999. Basel: Birkhäuser, 1993. P.16 59 KENTGENS-CRAIG, Margret. Op. Cit. P.17

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Os amplos planos transparentes tornavam curiosa a relação que se estabelecia entre interior e exterior. Se por dentro possibilitavam o quebrar das fronteiras visuais e o expandir do espaço interior, por fora permitiam a clara percepção das actividades que ocorriam nos espaços, com a intenção clara de trazer para o exterior o interior do edifício, arrastando com ele a natureza pura que constituía o edifício. Se por uma lado se poderá afirmar que corresponde a uma atitude estética – em certos momentos, o edifício parece pairar sobre os esbeltos pilares, abrindo e afastando-se da rigorosa estrutura – por outro, corresponde a não mais que à natureza fundamental da própria Bauhaus e a um ponto de vista estritamente funcional, racional e eficiente – o tamanho dos planos de vidro eram cuidadosamente calculados de acordo com as especificidades de luz natural requeridas por determinado espaço, destinado a determinada função. Afigurava-se natural que uma primeira percepção conduzisse a noções de fábrica e laboratório, aliás, o próprio arquitecto, concordaria com tais acepções, em que palavras como racionalismo, funcionalismo e modernismo, adquiriam papel predominante60. Não poderia, no entanto, concordar que a natureza da Bauhaus se resumisse a isso. E o próprio daria conta disso quando levantou a questão – “O que conduz um designer/artista às perfeitas realizações tecnológicas?” – para imediatamente dar a resposta – “Os seus meios de design! Do mesmo modo que a forma de todas as suas partes constituintes laconicamente, e sem frases vazias, conduz a um organismo adequado para a função, também a exploração ousada de novos materiais e métodos constitui um pré-requisito para a criação artística”61 - este testemunho acaba por deixar clara uma sensação de desconforto de Gropius para com esta noção de funcionalismo estrito e estéril. O arquitecto sentia que era uma explicação que ficaria sempre aquém da especificidade e complexa natureza preconizada para a Bauhaus.

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Ibid. P.19

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GROPIUS, Walter. In: KENTGENS-CRAIG, Margret. The Dessau Building: 1926-1999. Basel: Birkhäuser, 1993. P.19

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Para Gropius a componente criativa, mental e espiritual do artista era parte essencial no processo de criação – só o artista conseguiria tornar o puro funcionalismo em uso apreciável. Como é referido por Margret Kentgens-Craig, no livro The Dessau Bauhaus Building, Gropius almejava alcançar e explorar a criatividade artística, a paixão e até impulsos estritamente subjectivos de modo a que constituíssem o meio pelo qual um mero edifício se tornaria Arquitectura62. Para Gropius uma perfeita criação, em conformidade com a época, seria sempre o produto resultante desta combinação equilibrada entre os mais modernos meios tecnológicos e a pura criatividade artística; o produto resultante do contacto íntimo entre a razão e a espontaneidade emocional63. Da percepção da totalidade do edifício retém-se, invariavelmente, uma sensação de congruência e consistência. Tudo parece ter sido o resultado de um cuidadoso cálculo milimétrico. Cálculo que, aliado a uma inovadora expressão visual, se estendia a todas as formas e mecanismos de comunicação e expressão da escola, e que é facilmente reconhecível, por exemplo, na emblemática edição periódica publicada sob a direcção de Walter Gropius. Esta revista que proclamava os ideais da Bauhaus e o programa da escola, caracterizava-se por um inovador e ousado grafismo, assente nas mais recentes formas de expressão visual. A escola adoptou, gradualmente, uma postura crescentemente funcional e técnica, aproximando-se mais e mais do conceito prevalecente de escola moderna, no qual a eficiência (económica e temporal) e o racionalismo adquiriam papel principal. Neste aspecto, tornaram-se evidentes certas alterações às práticas ocorridas em Weimar - as palavras mestre e aprendiz, por exemplo, foram Página anterior: Fig. 5 Bauhaus, vista exterior do conjunto

gradualmente eliminadas e substituídas pelas palavras professor e aluno - sem que, no entanto, se tivesse alguma vez comprometido o papel das artes no programa da escola. Aliás, mais que nunca, a pintura e a teoria da cor 62 63

KENTGENS-CRAIG, Margret. Op. Cit. P.20 Idem. Ibid

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assumiam grande ênfase no programa académico da escola. Já desde os tempos de Weimar, havia grande interesse nos cursos do estudo da cor 64, trabalho que tinha como objectivo ser transferido para o imaginário da arquitectura e do seu processo criativo. Mais que nunca a experimentação e a natureza colaborativa de todas as formas de trabalho criativo na produção de determinado objecto, era colocada em evidência, e havia sido transportada para a própria concretização do edifício Bauhaus. Os alunos e professores tornaram-se parte activa na construção e manutenção do volume da escola. Gropius, em colaboração com o Herbert Bayer e restantes professores da escola, elaborou vários esquemas de cor que viriam a ser concretizados no espaço exterior e interior da Bauhaus Dessau. Para os planos exteriores, Herbert Bayer, elaborou um esquema de cores predominantemente brancas e cinzentas, e para o espaço interior, um esquema em que predominavam cores vibrantes. A grande maioria do mobiliário presente nas instalações havia sido elaborado por Marcel Breuer, recentemente nomeado professor, e que, pela primeira vez, aplicou em larga escala o seu mobiliário de metal tubular65. Grande parte dos workshops leccionados na escola, contribuiu significativamente para o espaço da Bauhaus – para além do mobiliário de Breuer, o workshop de metais , a cargo de Max Kraals e Marianne Brandt, ficou responsável pelo desenho e construção dos candeeiros. Tendo os sinais descritivos da escola, e a decoração dos espaços interiores, ficado a cargo dos workshops de impressão e pintura de murais, respectivamente66. O objectivo era aplicar os próprios fundamentos da escola e concretizá-los através do trabalho dos professores e alunos, o que revelava, novamente, a congruência da própria ideia Bauhaus, e contribuía significativamente para a sua coesão e unidade formal. 64 65 66

SHARP, Dennis. Op. Cit. Ibid SHARP, Dennis. Op. Cit.

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O princípio desta ideia residia na criação de um pequeno mundo da Bauhaus – na concretização de um ecossistema significativamente autosustentável, embuído nas Belas Artes e na Arquitectura. Pretendia-se reunir no ambiente da escola todas as componentes que constituem a vida de um estudante e do seu professor, através da transferência de algumas actividades próprias do espaço da casa, para o espaço da escola – para tal, revelou-se fundamental a construção de um edifício de 5 pisos destinados a residências de estudantes, num local muito próximo das instalações da escola. A própria organização espacial da escola remetia para esta ideia de fusão entre os dois ambientes, uma vez que alguns dos espaços existentes adquiriam uma atmosfera social, comunitária, de performance e exibição – a construção da cantina adjacente ao auditório, contribuía para esta ideia, uma Página anterior: Fig. 6 Bauhaus, vista exterior do conjunto

vez que poderiam ser abertos, funcionando como um único, destinado a eventos festivos e performances teatrais.

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Pรกgina seguinte: Fig. 7 Bauhaus, vista exterior do conjunto

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FRANK LLOYD WRIGHT SCHOOL OF ARCHITECTURE, TALIESIN E TALIESIN WEST Frank Lloyd Wright

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Frank Lloyd Wright, um dos mais notáveis e prolíficos arquitectos americanos, nasceu no dia 8 de Junho de 1867, a apenas 35 km de distância do local onde mais tarde viria a fundar Taliesin. Para uma completa retrospectiva da vida e obra do arquitecto, tornase indispensável abordar os períodos que corresponderam, inicialmente, a Taliesin, no Sul do Wisconsin, e posteriormente, a Taliesin West, no Arizona, pela importância e profundo impacto que produziram na vida

pessoal e

profissional de Frank Lloyd Wright. Aquela que é hoje em dia a Frank Lloyd Wright School of Architecture, corresponde a um dos mais interessantes e peculiares exemplos de escola de arquitectura. Sob um mesmo lema – Learn by Doing – e inicialmente assente num sistema de ensino informal eminentemente tradicional, e contrastante com o rígido sistema educativo americano da época67, distribui-se sazonalmente por dois campus diametralmente distintos e separados por largas centenas de quilómetros. Embora partes complementares de um mesmo todo, ou melhor, de uma mesma ambição e pensamento arquitectónicos – abrangente, multifacetada e imersa na vida comum do dia-a-dia

– os dois campus

posicionam-se em lados totalmente opostos. Página anterior: Fig. 8 Taliesin East, vista exterior do edifício principal

Fortemente marcados pelo lugar onde se estabelecem e pela natureza em que se fundem, adquirem atmosferas muito próprias, e que, invariavelmente, influem significativamente não só na vida dos alunos e

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Disponível em: http://www.taliesin.edu/history.html

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professores residentes, como também na forma como pensam e se relacionam com a arquitectura. No período lectivo correspondente ao Verão, a maioria dos alunos e professores migra para o campus original da escola de arquitectura – Taliesin – situado num verdejante vale do Sul do Wisconsin. Esta escola, inserida numa área que se estende por mais de 240 hectares, foi formalmente fundada no ano de 1932, e caracteriza-se pela sequência de vales e colinas adjacentes ao cénico rio Wisconsin, onde a vida, marcada pela constante actividade agrária e pelo árduo trabalho dos férteis campos, assume papel preponderante68. A cerca de 2600 quilómetros de distância, em pleno deserto Sonoran, no Arizona, situa-se o campus de Taliesin West, cuja construção teve ínicio no ano de 1937. Inserido numa área superior a 200 hectares, marcada pelas áridas planícies no sopé das montanhas McDowell, é neste campus que hoje em dia decorre a maioria das actividades lectivas da escola durante os períodos da Primavera e Outono69.

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SMITH, Katheryn. Frank Lloyd Wright’s Taliesin and Taliesin West. Nova Iorque: Abrams, 1997. P.48 Disponível em: http://www.taliesin.edu/history.html

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ARQUITECTURA E PLANEAMENTO

A fundação da primeira escola de arquitectura do arquitecto, sucedeuse à vinda e estabelecimento em Taliesin, no Sul do Wisconsin, em 1911. Este regresso às terras que já antes haviam pertencido à família Wright, corresponde a uma necessidade de ruptura radical com a agitada vida citadina dos tempos de Chicago e Oak Park Studio. E traduz-se inequivocamente num regresso às suas origens, e à calma e pacífica ordem da Natureza. Com esta decisão pretendia um regresso ao imaginário e temas que preencheram os seus anos de juventude na quinta da família, marcados pelo contacto directo e íntimo com a natureza e com um dia-a-dia eminentemente agrário. O arquitecto havia desde sempre preconizado Taliesin como parte de um ideal agrário, completo com edifícios de quinta, e o próprio o deixou claro quando, nas suas palavras, afirmou “eu vi tudo, e plantei tudo, e lancei as fundações dos rebanhos e estábulos, da mesma forma que lancei as fundações da casa”.70 Como afirmou a autora Kathryn Smith, Taliesin corresponde a uma manifestação clara da estética e ideais culturais de Fank Lloyd Wright. Aliás, Página anterior: Fig. 9 Taliesin East, vista exterior do edifício Hill Side Home School

Taliesin enquanto estúdio de arquitectura, enquanto quinta, enquanto casa profundamente submersa numa vida de constante relação com as Belas Artes, constitui-se como a composição mais pessoal e representativa das ambições do

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WRIGHT, Frank Lloyd. In: Frank Lloyd Wright’s Taliesin and Taliesin West. Nova Iorque: Abrams, 1997 p.48

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arquitecto. Pode até, num exercício informal, ser compreendida como o “autoretrato arquitectónico” do próprio arquitecto americano71. Taliesin em toda a sua complexa e intrincada natureza, marcada pelas paisagens que a envolvem, pelos jardins e edifícios que lhe dão forma e pela arte que a preenche, estabelece e incorpora esse equilíbrio resultante da fusão entre a necessidade de uma vida ritmada pela natureza, e um gosto cosmopolita e sofisticado adquirido ao longo dos anos de Chicago. À medida que os anos passavam, materializava-se a crescente intenção de criação de uma escola de arquitectura, que ocorreria em 1932, com a chegada de 23 jovens aprendizes, que sob a orientação de um dos mais notáveis arquitectos, aprenderiam a profissão. No fundo a criação desta escola correspondia a não mais que à materialização de um conjunto de ideias que ao longo dos tempos assumiam cada vez mais relevo no pensamento do arquitecto e que faziam parte da sua própria experiência. O modelo de ensino que Wright pretendia aplicar na sua escola havia sido fortemente influenciado pela HillSide Home School, escola destinada a crianças, que, sob a orientação dos seus tios Jane e Nell Lloyd Jones, operara e fizera parte do complexo de Taliesin até ao ano de 191572. Aliás, foi precisamente neste conjunto de edifícios da instituição anterior (para a qual o arquitecto havia inclusivamente projectado vários edifícios), pertencentes ao complexo de Taliesin, que Frank e Olgivanna Lloyd Wright fundariam a sua escola de arquitectura. Mantendo, a par do lema “Learn by Doing” muitas das características anteriormente preconizadas pelos seus tios73. Tal como havia acontecido de 1886 até 1915, Wright pretendia aplicar um sistema de ensino amplamente “informal” e totalmente contrastante com o habitual e rígido sistema educativo da época. 71 72 73

SMITH, Katheryn. Op. Cit. P.48 Idem. P.52 SMITH, Katheryn. Op. Cit.

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Acolhendo, para esse efeito, um reduzido número de jovens aprendizes, que ao fixarem-se em Taliesin, beneficiariam do contacto directo com um dos mais consagrados arquitectos, e de uma vida enriquecida pela constante presença da natureza. Este modelo, para além de manter similaridades consideráveis com a instituição anterior, ia de encontro à própria natureza livre de Wright. Ele próprio, nos tempos de juventude, um aluno indiferente, impaciente e em permanente conflito com um condicionante sistema educativo americano, via neste modelo, uma espécie de libertação criativa que lhe permitia desenvolver todo o seu potencial. Aliás, e de forma perfeitamente consciente, já em Oak Park havia implementado semelhante modelo. Pelo estúdio de arquitectura de Chicago passaram inúmeros jovens aprendizes, cujo tradicional treino na profissão constituiu a enriquecedora base de experimentação do sistema de ensino que viria a aplicar em Taliesin. Um pouco à imagem do que acontecia na Bauhaus, em Dessau, as Belas Artes adquiriam papel de destaque no processo de aprendizagem da arquitectura. Constituíam, inclusivamente, o centro de um programa que se pretendia servir de “inspiração fundamental envolvente da arquitectura”., reflectindo-se num “enfatizar da pintura, da escultura, da música, do drama e dança enquanto lugares divisores da arquitectura”74. Frank e Olgivanna Lloyd Wright antecipavam um programa de base alargada, multifacetada, assente num sistema de aprendizes orientados por professores residentes, e pelos múltiplos convidados – alguns dos quais grandes amigos de Wright como: Richard e Dione Neutra, Philip Johnson e Mies van der Rohe. Este conjunto de convidados – que poderiam permanecer em Taliesin curtos dias ou longos meses – possibilitariam, a par dos restantes Página anterior: Fig. 10 Taliesin West, vista aérea do complexo escolar

professores, uma privilegiada formação, através das constantes críticas e consultas. A formação dos jovens aprendizes seria, ainda, completada com a frequência de algumas aulas na Universidade de Wisconsin, ideia que residia na

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WRIGHT, Frank Lloyd. In: http://www.taliesin.edu/history.html

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intenção de interpretar todo o estado de Wisconsin como uma gigante sala de aula75. Através do grande incentivo de Olgivanna – carismática esposa de origem montenegrina, e proveniente de uma educação num ambiente culturalmente estimulante – assentiu e introduziu na formação fornecida pela escola, a componente de desenvolvimento holístico da mente, do coração e do corpo, como essência fundamental da educação de um aprendiz. E tendo por base este pressuposto, através de um cuidado plano rotativo de tarefas, todos os elementos que habitavam Taliesin eram parte activa no bom funcionamento da comunidade. A fixação em Taliesin dos originais 23 aprendizes correspondeu ao momento em que oficialmente se formou a Taliesin Fellowship. Esta organização, que ainda hoje se mantém activa, assumiu-se como fundamental para a própria carreira do arquitecto, personificando uma extensão da sua acção, aumentando e expandindo as suas capacidades e vocabulário76. Numa primeira fase em que Wright trabalhava poucos projectos, o trabalho destes jovens consistia essencialmente nas obras necessárias de remodelação e manutenção da própria escola. Trabalhavam em todos os aspectos que compreendiam a vida em Taliesin, tornando-se fundamentais na manutenção da auto-sustentabilidade de uma instituição que operava sob reduzido orçamento. Neste período de estagnação, provocado sobretudo pelo crash da bolsa americana de 1929, os aprendizes viriam a tomar parte activa na construção do grande estúdio de arquitectura, situado a Norte do edifício existente. Este funcionaria, e funciona ainda hoje, como lugar central de toda a aprendizagem e processo criativo de Taliesin. Esta comprida sala de desenho relacionava-se directamente com os 16 quartos dos estudantes, que se distribuíam em volta da mesma. 75 76

Disponível em: http://www.taliesin.edu/history.html SMITH, Katheryn. Op. Cit. P. 13

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Era habitualmente denominada, por Frank Lloyd Wright, de “floresta abstracta”, devido à “intrincada concepção de vigas de carvalho que a caracterizava”. Todo o trabalho de arquitectura transferiu-se do edifício residencial para esta sala de desenho, que, em poucos anos – em muito relacionado com o enérgico contributo da Taliesin Fellowship – fervilhava com os inúmeros projectos que passavam pelas de Frank Lloyd Wright. Por lá passaram alguns dos projectos mais notáveis e de maior expressão na carreira do arquitecto, como a Falling Water House, escritórios de Johnson Wax, e o Guggenheim Museum de Nova York. A Taliesin Fellowship tornara-se rapidamente num dos mais entusiasmantes e competentes laboratórios de arquitectura de toda a América, atraindo para Taliesin as figuras mais ilustres e mentes mais brilhantes, bem como grande parte da mais estimulante arquitectura da época. A arquitectura parecia fundir-se numa vida “simples”, marcada e ritmada pelo constante toque da Natureza nas paredes de Taliesin. O complexo de Spring Green parecia camuflar-se de forma sublime na verdejante paisagem envolvente. Frank Lloyd Wright que a havia projectado sob o mito e a metáfora, afirmava que Taliesin era o resultado de uma harmoniosa “combinação abstracta entre pedra e madeira”, que se repetia naturalmente nas colinas circundantes77. Página anterior: Fig. 11 Taliesin West, vista exterior do edifício principal

Taliesin relaciona-se de forma natural com a paisagem, funde-se nas colinas que a abraçam, e de forma a reforçar este gesto poético o arquitecto viria a recorrer materiais e cores locais.

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WRIGHT, Frank Lloyd. In: Frank Lloyd Wright’s Taliesin and Taliesin West. Nova Iorque: Abrams, 1997

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“usei pedra estratificada […] nas paredes inferiores da casa, desde o terreno em si mesmo até às grossas chaminés. Esta pedra nativa preparou a construção mais leve das paredes superiores, em madeira… E as linhas das colinas eram as linhas dos 78

telhados, as encostas dos montes as suas inclinações ”. Frank Lloyd Wright

Para Frank Lloyd Wright a “Natureza escreve-se com ‘N’ maiúsculo, da mesma forma que Deus se escreve com ‘D’ maiúsculo”, e sustentava que “a Natureza é tudo o que jamais conheceremos sobre o corpo de Deus”. Esta afirmação insere-se numa visão totalmente consciente de interpretação da Natureza em termos místicos, e da profunda convicção da importância da natureza na vida do Homem, enquanto potenciadora de bem-estar pessoal, físico, espiritual e psicológico79. E é sob esta premissa – da qual Taliesin se assume com um perfeito exemplo – que a arquitectura e edifícios do arquitecto dialogam com a natureza e se relacionam com o ambiente em que se inserem. Frank Lloyd Wright construía na terra, e com os materiais da terra; construía lugares que permitiam ao Homem a sua total apropriação e compreensão, e em simultâneo, possibilitavam uma participação harmoniosa e experimentação da calma e tranquilizadora natureza. Esta visão assenta num modo de pensar a arquitectura que se foi apurando ao longo da carreira do próprio arquitecto. De lápis na mão, e com ideias bem definidas acerca de espaço interior, forma exterior, materiais e métodos constructivos, sobre natureza e ambiente, concebia e argumentava a “sua” arquitectura orgânica. Esta ideia de arquitectura havia sido criada por Louis Sullivan, mestre de Wright, que mais tarde a viria a adoptar e exponenciar80.

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WRIGHT, Frank Lloyd. In: Frank Lloyd Wright’s Taliesin and Taliesin West. Nova Iorque: Abrams, 1997. P.54 79 GÖSSEL, Peter. Frank Lloyd Wright. Colónia: Taschen, 1996. P.29 80

Idem. P.33

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Frank Lloyd Wright referia-se habitualmente a este conceito de arquitectura enquanto algo criador de objectos “completos e contínuos”, fruto de uma total harmonização entre as partes e o todo, numa relação de complementaridade. Aliás, o arquitecto descrevia-a como um tipo de arquitectura apaziguadora, e em total sintonia com o lugar onde o objecto arquitectónico se insere; afirmava que qualquer edifício concebido sob as premissas que corporizavam a arquitectura orgânica, adequava-se ao sítio, ao tempo e ao Homem. A obra de Wright progrediu e expandiu-se criativamente. O léxico arquitectónico de que Frank Lloyd Wright dispunha encontrava-se em constante absorção, o que contribuiu para uma carreira rica e repleta de multifacetados momentos e edifícios. Porém, e mesmo considerando as distintas formas e contextos da sua arquitectura, estes príncipios mantiveramse sempre presentes e constantes. Pertenciam à própria essência arquitectónica do americano, e são bem visíveis no segundo campus da sua escola de arquitectura. No inverno de 1937, Frank Lloyd Wright decide comprar uma porção de terrenos no Arizona, com intuito de construir uma nova Taliesin, enquanto os edifícios de Taliesin e HillSide (Wisconsin) enfrentavam obras de remodelação.

“Viver no deserto é a catarse espiritual que muitas pessoas precisam ... eu sou um deles” Frank Lloyd Wright

Página anterior: Fig. 12 Taliesin West, vista exterior do edifício principal

Depois de mais de 70 décadas de existência, o espirio inquieto de Wright entrava, pela primeira, em conflito com a doce domesticidade e vida pastoral de Wisconsin. E o deserto do Sonoran, no sopé das montanhas

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McDowell constituía a oportunidade flagrante de “arrancar do espírito os estagnados e habituais costumes”81. Como afirmou Kathryn Smith em Taliesin e Taliesin West, a vida em Spring Green decorria, sobretudo, em volta das actividades da quinta, algo que seria totalmente posto de parte no Arizona. Neste novo campus a vida teria como elemento central a actividade da Taliesin Fellowship, e uma ideia de uma arquitectura derivante da “crua natureza do deserto e dos poderes restauradores da arte e da música”; o vasto espaço em que a escola se inseria permitia um estudo aprofundado das relações possíveis entre ambiente natural e ambiente construído. Após um primeiro Inverno que marcou o início da tradicional migração sazonal, a construção dos novos edifícios iniciou-se, prolongando-se pelos seguintes três Invernos. Só mesmo meses antes da Segunda Guerra Mundial, os edifícios estariam nas fases finais de acabamentos. Com a conclusão das obras, a nova Taliesin (West) surgiu robusta e áspera numa espécie de extensão do próprio deserto do Sonoran. Arquitectonicamente, Taliesin West traduz a experiência de Wright com o projecto de Ocotilla - realizado anos antes num contexto semelhante – sobretudo no que diz respeito ao conceito de proa utilizado pelo arquitecto. Segundo Bruce Brooks Pfeiffer, a proa correspondia a uma visão conceptual de um barco a navegar nas areias do deserto, e traduzia-se num terraço amplo que se debruçava sobre Paradise Valley82. A relação do objecto com as montanhas reflectia uma vontade de estabelecer múltiplos enquadramentos de uma paisagem suspensa no tempo. Traduzia, em simultâneo, preocupações em relação ao clima hostil do lugar. Sempre que possível, os espaços e divisões eram colocados num eixo que não o Norte/Sul83.

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SMITH, Kathryn. Op. Cit. P.88

82

PFEIFFER, Bruce Brooks. Frank Lloyd Wright’s Selected Houses 3: Taliesin West. Tóquio: A.D.A Edita, 1989. P.11 83 Idem. Ibid.

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Ao rodar ligeiramente os blocos em função de uma outra orientação, os espaços adquiriam uma exposição solar constante e equilibrada, possibilitando, ainda, a presença da sombra como elemento desenhador da composição arquitectónica. Aliás, a sombra parece ter constituído um estímulo orientador do desenho, traduzindo-se ora nos pátios cobertos e terraços recuados, ora nas peças de madeira que compunham as paredes do volume. Sem assumir proporções monumentais, a presença do complexo parecia comandar (sem se sobrepor) a paisagem natural. As baixas, mas ásperas paredes, constituídas por rochas da região, que delimitavam uma forma

rigidamente

angular

e

dispersa

pelo

espaço,

remetia,

irremediavelmente, para a percepção de uma outra e simples formação rochosa qualquer.

“O nosso novo campus pertence ao deserto do Arizona, como se sempre ali estivesse estado”. Frank Lloyd Wright

Este conjunto de “rochas” que davam forma a Taliesin West, era coberto por uma tela branca que as protegia do rigoroso clima, e que metaforicamente estabeleciam um paralelo com as tendas de uma tribo nómada. Sempre sujeitas à leve briza que percorria o espaço interior, estas telas brancas contribuíam para uma sensação de leveza, ao quebrarem e difundirem a luz natural, contrastando diametralmente com o peso e força das grossas paredes. Contrariamente ao que acontecia em Taliesin – cujo edifício principal Página anterior: Fig. 13 Taliesin West, vista interior de uma das salas de estar do edifício principal

se erguia no topo de uma pequena colina, dominando e possibiltando um panorama desimpedido da paisagem – Taliesin West caracterizava-se pela sequência dinâmica de espaços e pavilhões que a compunham, e que permitiam diferentes percepções das montanhas circundantes.

83


Philip Johnson, uma habitual visita em ambas as Taliesin, afirmaria que “Taliesin West proporcionava uma das mais intrigantese e complexas sucessões de voltas, reviravoltas e túneis baixos, vistas surpresa, enquadramentos de paisagens, que a imaginação humana poderia alcançar”, diria, inclusivamente que essa era a “essência da arquitectura”84. Neste campus os espaços adquiriam diferentes atmosferas e formas arquitectónicas, cuja combinação constituía a coesão e unidade formal do conjunto85. Tal como HillSide HomeSchool, também Taliesin West seria alvo de constantes remodelações – aliás, o facto de sazonalmente se mudarem de um lugar para outro, permitia um olhar e pensar distanciado sobre ambas as escolas. No entanto, à medida que a Taliesin Fellowship prosperava, a vida decorreria sempre pacífica, e sempre imersa na arte, que agora, no Arizona, havia adquirido um papel ainda mais preponderante na formação dos aprendizes.

84

JOHNSON, Philip. In: SMITH, Kathryn. Frank Lloyd Wright’s Taliesin and Taliesin West. Nova Iorque: Abrams, 1997 85 PFEIFFER, Bruce Brooks. Op. Cit. p.16

84

Página seguinte: Fig. 14 Taliesin West, vista interior da sala de trabalho do edifício principal


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FACULDADE DE ARQUITECTURA DO PORTO Álvaro Siza Vieira

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A Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto foi projectada em 1985 pelo arquitecto Álvaro Siza Vieira, e inaugurada no ano de 1999. Construída sobre um promontório granítico junto ao estuário do rio Douro, esta escola de arquitectura reflecte e corresponde a um intenso esforço de construção de uma Lugar do Porto86; imerso na atmosfera própria da cidade, e numa extensa história que se prolonga de Sardinha a Távora e assenta numa arduamente conquistada didáctica da escola do rigor87. O estabelecimento no Pólo Universitário do Campo Alegre e o projecto da nova escola, compreendem distintos e faseados momentos: a primeira fase corresponde à renovação do palacete da Quinta da Póvoa, “que delimita um começo a que todo o projecto faz alusão”88;

a segunda corresponde à

construção do Pavilhão Carlos Ramos, um pequeno centro de investigação em U, que conforma um pátio orientado na direcção da Quinta da Póvoa. Este novo conglomerado de volumes relaciona-se numa homoplasticidade com a estrutura física da original Escola de Belas-Artes89, e antecipa todo o novo projecto da Faculdade de Arquitectura, que se situa no terreno triangular, adjacente ao jardim destes volumes. Página anterior: Fig. 15 FAUP, vista aérea do complexo escolar

Pelas mãos e mente de um homem da casa, e arquitecto de maior renome do país, pretendia-se que o novo edifício da instituição conformasse e albergasse a casa da Arquitectura na cidade do Porto.

86

TAVARES, Domingos. A Casa da Arquirectura. In: Edifício da Faculdade de Arquitectura do Porto: percursos do projecto. 1. Ed. Porto: FAUP publicações, 2003 p.36 87 COSTA, Alexandre Alves. Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. In: Ibid. P.24 88 89

TESTA, Peter. Espaço evolucionário: projectar a escola de arquitectura do Porto. In: Ibid. P.68 Idem. Ibid

91


Decorrente de uma intensa discussão que se prolongou por largos momentos, a concepção da nova Faculdade de Arquitectura pretendia-se situada entre a ideia de escola e a ideia de atelier de projecto, e assente numa perfeita consciência da Arquitectura enquanto disciplina autónoma90. Sob esse desígnio, a nova escola foi projectada de acordo “com um plano

de

estudos

relativamente

elementar”91,

ausente

de

grandes

considerações acerca de outras áreas complementares – hoje em dia fundamentais – para o processo de aprendizagem da Arquitectura, mas que à imagem do que acontecia nas instalações anteriores, se ancorava na forte presença da Belas-Artes92. A natureza do programa de funções e reduzidas dimensões dos espaços projectados, procurava estabelecer uma espécie de elo de ligação com a atmosfera partilhada nos tempos da Escola de Belas-Artes, assente no contacto estreito entre aluno e professor, num constante e permanente intercâmbio de ideias. Compreendia uma certa atitude de resistência a uma Faculdade de massas, que diluísse e entrasse em conflito com a já bem consolidada e celebrizada escola do Porto93.

“... uma coisa é o lugar físico, outra coisa é o lugar para o projecto. E o lugar não é nenhum ponto de partida, mas é um ponto de chegada. Perceber o que é o lugar é já fazer o projecto”. Álvaro Siza Vieira

Alicerçado nesta ideia defendida pelo arquitecto, o novo edifício resulta de uma cuidadosa apreensão do lugar onde se insere, e de um

90 91 92 93

COSTA, Alexandre Alves. Op. Cit. P.25 Idem. Ibid TAVARES, Domingos. Op. Cit. P.35 COSTA, Alexandre Alves. Op. Cit. P.25

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meticuloso jogo de relações que se estabelecem com a paisagem sobre o rio, com os volumes da Quinta da Póvoa, e com a cidade que os circunda. Apesar da forte presença dos novos volumes e das consequentes transformações, a Faculdade de Arquitectura concilia-se com o lugar onde se insere; ora distinguindo-se, ora escondendo-se e camuflando-se por entre as árvores, valida e confere sentido ao ambiente onde se ergue. A compreensão do novo volume torna-se refém da apreensão da natureza do próprio lugar94. No entanto, apesar desta visão acerca do lugar, presente em grande parte das obras de Siza Vieira, a forma do edifício foi trabalhada autonomamente, assumindo-se parte do “desenho da cidade e do perfil desta paisagem”95. Como afirmou Alexandre Alves Costa, “a imagem do novo edifício surge numa sucessão inesperada”96 de volumes que poisam no terreno, numa modulação que gradualmente se reveste de cariz urbano. Aliás, o assumir de uma identidade parcialmente urbana correspondia a uma intenção clara do arquitecto, e funcionou como estímulo orientador do projecto deste conjunto de blocos diferenciados97. O facto de se situar num campus marcado pelo intenso equilibrio Página anterior: Fig. 16 FAUP, vista exterior dos volumes das salas de aula

entre a natureza do jardim e a natureza da cidade, permitia que a Faculdade se fundisse e confundisse no frenesim urbano da cidade, “pressionada ao compromisso com a vida pública”98.

94 95 96 97 98

COSTA, Alexandre Alves. Op. Cit. TAVARES, Domingos. Op. Cit. P.38 COSTA, Alexandre Alves. Op. Cit. P. 29 TAVARES, Domingos. Op. Cit. P.39 Idem. Ibid

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ARQUITECTURA E PLANEAMENTO

Segundo Alexandre Alves Costa, a nível formal a concepção arquitectónica corresponde a uma “vontade de dissociação volumétrica, caracterizada pela diferenciação do que é diferente”99 – cada volume corresponde a uma determinada função ou à soma de funções agrupáveis – e de diferenciação do que é semelhante – personificada pelas torres, pelos pisos, pelas salas de aula, que apesar de idêntica função, assumem particularidades espaciais especificas. À imagem do que sucede em Dessau com a Bauhaus, a Faculdade de Arquitectura do Porto corresponde a uma soma de objectos tipologicamente identificáveis, com funções clarificadas programaticamente, unidas por espaços de circulação de grande complexidade formal. Aliás, o sistema de circulação interna assume-se como elemento fulcral na manutenção da coesão formal e estrutural do conjunto. A sua grande fluidez e complexidade, constituindo-se por rampas, escadas, corredores, átrios, promove e conforma espaços de encontro, de desencontro, de passagem, de permanência, numa pluralidade intensa de possíveis sociabilidades. Esta concepção dos espaços comuns interiores sujeita a diferentes apropriações, e relações distintas entre os diversos actores, estabelece-se em torno de um pátio exterior, formado pelas duas alas de volumes do conjunto. Este espaço estabelece-se como o lugar de uma permanência mais prolongada, assente num convívio caracterizado pela “indiferença pelas diferenças, e pelo contrato implícito de ajuda mútua entre conhecidos e desconhecidos, entre

99

COSTA, Alexandre Alves. Op. Cit. P.31

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grupos e solitários”100. Conforma um espaço assente na ideia de unidade colectiva, resultante da soma de todas as individualidades que habitam a escola. A natureza desta obra revela-se na pluralidade das vivências; no prazer do movimento e do dinamismo. O espaço é múltiplo, desdobra-se, ora em torno do multifacetado pátio, ora nos átrios e galerias interiores que fluidamente nos conduzem a todo e qualquer lugar. A pluralidade dos espaços comuns contrasta significativamente com a rigidez das salas de aulas101, situadas nas três torres em frente ao rio. Votadas ao recato e ao silêncio, foram desenhadas pequenas e fechadas sobre si próprias, pontualmente e distintamente marcadas por vãos sobre o Douro. A distribuição do programa na Faculdade corresponde a uma oposição profunda ao “vulgar hábito de repetição dos espaços nos edifícios escolares”102. A diversidade interna patente na escola decorre da singularidade formal de cada um dos espaços, concebidos pela própria especificidade e necessidades do programa; contrapõe-se a uma rigorosa organização espacial de um espaço-tipo, assente em rígidos dimensionamentos e índices. Formalmente, a Faculdade de Arquitectura é constituída por duas alas separadas física e tipologicamente, que conformam o pátio central, numa Página anterior: Fig. 17 FAUP, vista exterior dos volumes das salas de aula

espécie de “acrópole”103 triangular orientada para entrada principal do complexo, a Oeste.

100 101

COSTA, Alexandre Alves. Op. Cit. P.32 TAVARES, Domingos. Op. Cit. P.40

102

FONSECA, Teresa. In: Edifício da Faculdade de Arquitectura do Porto: percursos do projecto. 1. Ed. Porto: FAUP publicações, 2003 p.51 103 TESTA, Peter. Op. Cit. P. 70

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“A estrutura está orientada para Oeste para marcar claramente a entrada principal do recinto triangular situado no centro destas instalações”. Álvaro Siza 104

Vieira

A ala Sul é composta pela repetição de um volume básico que acondiciona os ateliers de projecto – módulo programático que mais se repete – alinhando-se e estabelecendo uma relação formal com o palacete da Quinta da Póvoa a Este do Campus. Apesar de partilhem uma semelhante organização espacial e uma mesma natureza austera e contemplativa, os quatros volumes assumem identidades próprias. Pela forma como se relacionam com o rio e com a luz105, e pela forma como se adequam e posicionam no terreno, assumem, cada uma das torres, uma imagem singular, e que, num exercício meramente especulativo, parecem simbolizar os mestres da famosa Escola do Porto. A ala Norte, contrariamente à ala Sul e aos seus pavilhões isolados, caracteriza-se pela continuidade física dos espaços que a constituem106. Estabelecendo-se como uma espécie de protecção que impede a intromissão da auto-estrada no campus, albergam os espaços de maior representação e carácter público – biblioteca, auditório nobre, museu, bar e administração. Esta ala caracteriza-se formalmente pela presença de quatro distintas peças bem definidas tipológica e morfologicamente, que se interligam através de interpenetrações e deformações. Colocadas em sequência, conduzem o vazio central até ao conjunto formado pela Quinta da Póvoa e pelo pavilhão Carlos Ramos, que o delimita e encerra, a Este.

104 105 106

JODIDO, Philip. Alvaro Siza Vieira. Colónia: Taschen, 1999 TESTA, Peter. Op. Cit. P. 71 Idem. Ibid.

100

Página seguinte: Fig. 18 FAUP, vista exterior do vazio central


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CONTEXTUALIZAÇÃO ALTO DA AJUDA PÓLO UNIVERSITÁRIO DA AJUDA FACULDADE DE ARQUITECTURA DA UNIVERSIDADE TÉCNICA

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ALTO DA AJUDA

O Alto da Ajuda constitui o objecto da intervenção urbana proposta, mais concretamente toda a área que se estende desde o Pólo Universitário, onde se localiza a Faculdade de Arquitectura, até ao geomonumento do Rio Seco. Este fragmentado e desconsolidado pedaço de cidade é limitado a Norte pelo Parque Florestal de Monsanto, e a Sul pela zona de Belém. Toda esta zona, marcada pela forte presença do Palácio Nacional da Ajuda, parece votada a um certo esquecimento e desinteresse, preservando, ainda hoje,

resquícios

de

uma

ruralidade

contrastante

com

a

natureza

pronunciadamente urbana da cidade circundante. O terramoto de 1755 marcou o momento em que a Ajuda se inseriu definitivamente no território da cidade, tendo, até então, constituído uma zona periférica e ausente do quotidiano citadino. A acidentada topografia e elevada localização propiciaram uma quase total imunidade à onda de destruição que sucedeu ao terramoto. Tornando-se a partir desse momento, lugar de fixação dos muitos lisboetas receosos de habitar as regiões mais baixas da cidade de Lisboa. O Alto da Ajuda assume como personagem marcante da sua paisagem o Palácio Nacional, ele próprio um exemplo paradigmático da aura de inconclusão, interrupção e esquecimento a que, parece, ter sido votada esta zona da cidade. O actual Palácio da Ajuda corresponde a um conjunto de sucessivos Página anterior: Fig. 19 Lisboa e Alto da Ajuda, vistas aéreas das zonas de influência e intervenção

planos e consequentes interrupções, reflectindo directamente as diversas conjunturas de cariz económico e político, mas também o permanentemente conflituoso panorama artístico e arquitectónico que caracterizava a época da sua construção.

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A autoria do projecto inicial pertence a Manuel Caetano de Sousa, e data de 1796. Após a fixação da família Real no Alto da Ajuda e da posterior deflagração do incêndio que destruiria a Barraca Real, o arquitecto viu D. João VI encarregá-lo da construção de um Palácio de exuberante dimensão, rematado a Sul por um extenso jardim, e capaz de comandar toda a paisagem da encosta. Contudo, e já depois de inúmeras outras interrupções, a Implantação da República de 1910, precipita nova e definitiva interrupção das obras de construção do Palácio Nacional da Ajuda. Do projecto inicial apenas se construiu cerca de um terço, correspondente ao actual volume existente, e que seria unido a um outro simétrico, pelo volume central e principal do Palácio, situado ao longo de um eixo paralelo à linha da margem do rio. Apesar de actualmente se situar a Nascente, o projecto original previa que a entrada principal se situasse no volume central, orientada a Sul, e perfazendo um eixo de relação entre o Palácio e o Mosteiro dos Jerónimos, e toda a zona de Belém. Uma análise a uma das primeiras representações cartográficas do Alto da Ajuda permite constatar o pronunciado cariz natural e agrário de uma área caracterizada por uma baixa ocupação habitacional e densidade de construção, que se distribuía ao longo dos principais eixos viários. Este eixos mantiveram-se estáveis ao longo dos tempos e assumiram especial preponderância na abrupta expansão urbana da zona, ocorrida a partir de 1925. Este Plano Geral de Urbanização e Expansão de Lisboa, da autoria de Etienne de Gröer, previa um desenvolvimento muito significativo e consolidação da estrutura urbana, materializando-se na construção de vários bairros residenciais como o Bairro da Ajuda, da Boa Hora, e do Alvito. Em 1974, viria ainda a ser construído o Bairro 2 de Maio, núcleo consistente mas isolado, que viria a delimitar, a poente, o Pólo Universitário da Ajuda. Para além dos vários núcleos habitacionais desenvolvidos, o plano idealizava, a partir de 1938, a concretização do Parque Florestal de Monsanto, até então um vasto campo desocupado.

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PÓLO UNIVERSITÁRIO DO ALTO DA AJUDA

Em 1988, perante a necessidade de expansão da Universidade Técnica de Lisboa, é definida a cedência de 56 hectares do perímetro do Parque Florestal de Monsanto para a construção do Pólo Universitário do Alto da Ajuda, e em 1989, é lançado o concurso de arquitectura para a construção das Faculdades. A Faculdade de Arquitectura da UTL foi o primeiro projecto a ser construído, tendo sido inaugurada em 1994, um ano após a aprovação do Plano de Pormenor da autoria de Sidónio Pardal. Constituiu inclusivamente “o arranque prático para o novo Pólo Universitário”107. Este Plano de Pormenor para o Alto da Ajuda foi o único a ser aceite e aprovado entre um conjunto de inúmeros e sucessivos planos e projectos, e visava, sobretudo, criar uma lógica construtiva que integrasse os diferentes núcleos edificados - o bairro 2 de Maio, o Campus Universitário, a zona do palácio da Ajuda e restantes zonas habitacionais periféricas. Contudo, assentava numa lógica muito citadina de grande densidade de construção, e numa intenção de trazer

a cidade até à fronteira verde de Monsanto,

contrastando significativamente com a própria natureza e identidade do lugar. Prevendo a construção de cinco Universidades, uma reitoria para a Página anterior: Fig. 20 Pólo Universitário da Ajuda

Universidade e ainda a construção de uma residência para 500 estudantes, alunos e investigadores, a concretização do plano implicou grandes transformações na topografia do local. No entanto, foi sucessivamente

107

FERNANDES, José Manuel. Património Arquitectónico da Universidade Técnica de Lisboa. 1. Ed. Lisboa: GAPTEC/UTL, 2011

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alterado e modificado, pelo que muito do que propunha nunca chegou a ser concretizado. Para além da Faculdade de Arquitectura, o Pólo Universitário é, actualmente, constituído pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, e pela Faculdade de Medicina Veterinária.

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FACULDADE DE ARQUITECTURA DA UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA Augusto Pereira Brandão

A Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa foi projectada em 1989 pelo arquitecto Augusto Pereira Brandão, e inaugurada no ano de 1994. À semelhança do que se verifica em relação ao inacabado Palácio Nacional da Ajuda, também a Faculdade de Arquitectura, parece ter sido influenciada por esta aura de inconclusão que tem caracterizado o Alto da Ajuda. O projecto, inicialmente concebido “de forma aberta, pavilhonar e modular”108, nunca foi totalmente concluído – por razões financeiras, o volume que constituiria a fachada principal e daria forma ao principal local de chegada, compreendo algumas das funções de maior representação, nunca foi erguido. A Faculdade de Arquitectura caracteriza-se hoje por uma fraca identidade e presença, precipitadas pela inadequada coesão e unidade formais, dos 5 volumes dispersos e independentes que a constituem. E, também, pela inexistência de uma frente de rua emblemática, forte e capaz de comunicar, com o Pólo Universitário, o real valor da instituição enquanto pólo cultural e multidisciplinar; enquanto lugar da Arquitectura – a ausência de uma imagem marcante e icónica, parece votar a escola a uma irremediável diluição na absorvente paisagem natural da encosta. Página anterior: Fig. 21 Pólo Universitário da Ajuda

A Faculdade tem revelado ao longo dos tempos uma certa incapacidade de resposta às desafiantes exigências de um ensino da Arquitectura em permanente mutação. A concepção formal da grande maioria 108

FERNANDES, José Manuel. Op. Cit. P. 70 a 75

115


dos espaços de ensino, e a ausência de outros fundamentais, tem-se revelado desajustada a um processo educativo e de aprendizagem da Arquitectura, que progressivamente se afasta da concepção tradicional própria de um ensino teórico e habitualmente confinado ao espaço típico da sala de aula. A Faculdade de Arquitectura caracteriza-se, actualmente, por um ensino de cariz eminentemente prático e multidisciplinar, enriquecido por estímulos exteriores e pelo constante intercâmbio de ideias e conhecimento entre professor e aluno. As insuficiências espaciais e funcionais tornam-se por demais evidentes perante o contraste entre uma escola inicialmente concebida para 800 alunos de um único curso de Arquitectura, e que é hoje a casa de cerca de 2235 alunos que se distribuem por duas licenciaturas em Design (Design e Design de Moda), três cursos de Mestrado Integrado (Arquitectura, Arquitectura com especialização em Interiores, e Arquitectura com especialização em Urbanismo), por três Mestrados (Design de Produto, Design de Comunicação e Design de Moda), para além dos quatro cursos de doutoramento e quatro outros de especialização109. A nível formal o espaço da Faculdade de Arquitectura desenvolve-se em torno de um maciço e compacto volume central, denominado Cubo – que alberga espaços de conferências, exposição, o centro de documentação e informático. À sua volta dispõem-se os vários núcleos, com um ou dois pisos. A norte encontra-se a ala longitudinal que acolhe o curso de Arquitectura, e a Sul, numa operação mimética, estabelece-se a ala que contém os cursos de Gestão e Planeamento Urbano, e os de Arquitectura de Interiores e Design. Articula-se ainda com o bar e cantina, oficinas, estacionamento e zona comercial. A Nascente implanta-se o bloco que inclui os cursos de Design de Moda, Mestrados e Doutoramentos.

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Dados referentes ao ano lectivo 2012-2013. (informação disponibilizada pela secretaria da FAUL e presente no site da instituição: www.fa.utl.pt)

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A Poente, do lado da entrada principal, está implantado o volume administrativo, com a secretaria e orgãos directivos. O projecto traduz a “experiência do arquitecto Augusto Pereira Brandão na coordenação do concurso das escolas de ensino médio, e para além disso, o seu conhecimento directo de várias escolas de arquitectura de desenho moderno”110. Revela ainda uma certa similaridade com a Faculdade de Arquitectura de Brasília – projectada por Oscar Niemeyer de 1963 a 1971 –, traduzida “nos pilares e vigas em betão aparente, grandes envidraçados e paralelismo de volumes”, revela-se, também, na composição do espaço interior em função da ideia de hangar, modelado pelo pé-direito duplo, com a utilização de escadas de caracol em ferro111. A construção térrea e horizontal, ritmada pelos pilares azuis, sugere ainda uma manifesta relação entre os espaços interior e exterior. Aliás, face a um inexistente sistema estruturado de circulação interior que se estenda a toda a Faculdade, o espaço exterior assume-se como preponderante na articulação e consolidação dos vários espaços e volumes. Ainda assim, e mesmo considerando a proximidade da natureza da envolvente, no espaço exterior da escola escasseiam zonas verdes e outros elementos arquitectónicos que propiciem a permanência. Aliás, todo o espaço físico da Faculdade de Arquitectura parece, de certa forma, rejeitar o aluno e qualquer permanência ou acção que não a da comum aprendizagem nas salas de aula – as circulações internas são feitas nos espaços das salas de aula, de tal forma que se torna ambígua a diferença entre circulação e espaço de estadia. Apesar do constante contacto entre espaços interior e exterior, e da Página anterior: Fig. 22 Monsanto, vista sobre a ponte 25 de Abril

posição privilegiada na cidade de Lisboa, a disposição física dos volumes que constituem a Faculdade de Arquitectura torna a relação com a paisagem quase inexistente.

110 111

FERNANDES, José Manuel. Op. Cit. Ibid

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Página seguinter: Fig. 23 Faculdade de Arquitectura, vista sobre o local onde incide grande parte da intervenção que se propõe

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PROPOSTA URBANA PALÁCIO NACIONAL DA AJUDA E ENVOLVENTE MONSANTO E A CIDADE PÓLO UNIVERSITÁRIO DA AJUDA

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A proposta urbana compreende duas escalas e abordagens distintas. Corresponde a uma intervenção geral, de cariz estratégico, sobre o Alto da Ajuda, com particular incidência nas áreas envolventes ao Palácio Nacional da Ajuda, e do geomonumento do Rio Seco; e corresponde a uma intervenção de cariz prático e projectual que incide sobre o Pólo Universitário do Alto da Ajuda, onde se localiza a Faculdade de Arquitectura. Apesar da envolvente natural e privilegiada localização que assume na cidade de Lisboa, este lugar caracteriza-se actualmente, como já referido neste documento, pela fragmentação entre os núcleos construídos que o constituem e pela fraca conexão com a cidade circundante. É hoje, um lugar em suspenso, desligado, envelhecido e expectante. Os pressupostos desta intervenção procuram dar resposta a algumas destas questões, e prendem-se sobretudo com a intenção de requalificar e consolidar o Alto da Ajuda, com particular incidência sobre o Campus Universitário; pretende-se a recuperação da memória deste lugar, através da revitalização do Palácio da Ajuda e dos vazios urbanos envolventes, enquanto Página anterior: Fig. 24 Proposta urbana, primeiras formas volumétricas

lugares públicos qualificados e simbólicos; pretende-se ainda a revalorização do seu património natural e geológico, estabelecendo a conexão com a cidade baixa através do prolongamento da mancha verde de Monsanto.

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PALÁCIO NACIONAL DA AJUDA E ENVOLVENTE

A proposta para o Palácio da Ajuda, consiste essencialmente na recuperação da sua memória e identidade, através da conclusão da fachada poente e construção dos dois torreões em falta. No mesmo sentido propõe-se a construção de um outro volume, formalmente semelhante ao Palácio actual e implantado simetricamente a este, no lugar onde originalmente havia sido planeado. A presença do volume central presente no projecto original, é evocada não pela construção de um novo volume, mas sim pela ausência, personificada por uma praça central adjacente ao eixo viário. Com o mesmo intuito e considerando que a fachada nascente constitui actualmente a entrada principal e local de chegada dos principais eventos aí realizados, propõe-se o redesenho da pequena praça encabeçada pela Torre do Galo. Esta praça, significativamente impermeável, é rematada a Nascente pelos volumes pré-existentes, e dialoga directamente com uma outra praça – que assume um carácter festivo, reservando-se às funções de mercado e feira – delimitada e rematada a Norte por um novo edifício em forma de “U”. O traçado geral dos vários volumes propostos para os vazios urbanos existentes no Alto da Ajuda, remete invariavelmente para uma das premissas principais da intervenção. Pela forma que adquirem e posição que ocupam no contexto, personificam os elementos de transição, reconciliadores e apaziguadores, entre as contrastantes malhas e naturezas dos núcleos préexistentes. Constituem os meios que, a par dos eixos verdes propostos, permitem a articulação e conexão entre os vários pedaços construídos fragmentados.

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MONSANTO E A CIDADE

Monsanto e a sua vasta área florestal, constituem hoje um dos lugares mais relevantes da cidade de Lisboa. Personifica o pulmão de uma cidade que se desenvolve em torno desta natureza, revelando-se, no entanto, ausente de grande parte da vida quotidiana que caracteriza Lisboa. Apesar de constituir um imensa mais valia que não se esgota no seu valor paisagístico e natural – é o local de muitas actividades desportivas e de lazer – parece existir isolado e desligado do contexto urbano. Deste modo, propõe-se estrategicamente, à escala urbana, a incursão de Monsanto e da sua natureza na cidade. Sugere-se que a mancha verde se infiltre na cidade e nos hábitos quotidianos que a caracterizam, através de um extenso corredor verde que escorre desde Monsanto, atravessando o Pólo Universitário e o Geomonumento do Rio Seco – onde assume especial relevância – até ao Rio Tejo. O corredor verde, deste ponto de vista, estabelece-se como elo de ligação entre cidade baixa, Alto da Ajuda e Monsanto. Constitui-se como elemento fulcral na partilha e fusão dos ambientes contrastantes que marcam este pedaço de cidade. Página anterior: Fig. 25 Proposta urbana, maquete geral do Pólo Universitário

Considerando a componente ecológica e natural de Monsanto e do corredor verde, esta articulação física seria estabelecida através de vias pedonais, cicláveis e de veículos eléctricos de transporte colectivo.

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PÓLO UNIVERSITÁRIO DO ALTO DA AJUDA

A proposta urbana para o Pólo Universitário constitui uma intervenção de cariz prático e projectual, e assenta sobretudo no redesenho do espaço central entre as três Faculdades. Este Campus, casa do saber e do conhecimento no Alto da Ajuda, estabelece-se como elemento de transição entre os ambientes contrastantes da cidade e da natureza. A sucessão e incoerência dos diversos planos culminaram na inexistência de uma estratégia organizacional de conjunto, que conduziu este Campus a um permanente estado de suspensão. Situado entre a cidade e Monsanto, permanece desligado e expectante de uma identidade própria enquanto lugar privilegiado e de referência. Tal como os restantes elementos notáveis desta área, o Pólo Universitário parece o resultado de uma descuidada e aleatória abordagem de preenchimento. E existe hoje, significativamente isolado da restante cidade. A nível formal, propõe-se o redesenho dos eixos viários principais – actualmente sobredimensionados para a realidade das três instituições – em função da concretização de um jardim central, inserido na estratégia geral de criação de um corredor verde. Este amplo jardim estabelece-se como vazio central do Campus, lugar comum e de convívio entre a população de estudantes e professores. Para a consolidação e requalificação deste Pólo de aprendizagem, assume especial preponderância a concretização de um volume de residências destinado a estudantes, professores e investigadores. Localizado a Sul do ISCSP, num vazio desocupado, este volume térreo e horizontal, insere-se na estratégia formal que rege todo o edificado proposto para o Alto da Ajuda.

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A relevância destas residências reside na oportunidade de fixação dos estudantes, e consequente rejuvenescimento de uma zona envelhecida. Este volume surge como forte elemento dinamizador, agitador, portador de uma vida que nunca aqui se estabeleceu. À semelhança do que se verifica tanto em Taliesin como em Dessau, reflectem a intenção de criação de um pequeno mundo ou ecossistema, em que a vida académica se submerge e funde na vida quotidiana de cada estudante. Formalmente, estabelece uma relação metafórica com a mão, cujos dedos se estendem e debruçam sobre a encosta, em direcção do Rio Tejo. Estas tiras, onde se localizam as residências e outras funções de apoio à vida académica, estabelecem o vínculo de ligação e conciliação com o Bairro 2 de Maio, numa intenção de o integrar no contexto do Pólo Universitário – devido à própria topografia do sítio de implantação, à medida que se esticam, estes elementos longitudinais assumem cérceas que se aproximam da altura dos edifícios que constituem este bairro. A concepção formal deste volume insere-se no pressuposto de o fundir com o Lugar, adequando-se e vencendo a acidentada topografia, num diálogo permanente com os vários elementos que o rodeiam. Constitui, em simultâneo, um outro lugar de permanência, assumindo a sua cobertura como praça, que se espraia sobre a paisagem do rio e ponte. A proposta urbana tem por objectivo a transformação do Pólo Universitário num lugar aberto e atractivo, não só para o estudantes e professores no âmbito académico, mas também para todo um outro universo, através do lazer e da prática desportiva. Página anterior: Fig. 26 Proposta urbana, planta de localização. Concepção formal da mancha edificada proposta e corredor verde

Assumindo-se como porta da natureza de Monsanto, coroando o corredor verde que se estende até ao rio, procura uma maior ligação com a cidade circundante, materializada na reestruturação da rede viária, com a inclusão de vias pedonais e cicláveis, a par de um necessário aumento do número de transportes públicos.

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Página seguinte: Fig. 27 Proposta urbana, planta do Pólo Universitário. Pisos térreos dos volumes pré-existentes e dos volumes propostos – Faculdade de Arquitectura e Residências de estudantes

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PROPOSTA ARQUITECTÓNICA LUGAR DA ARQUITECTURA CONCEITO LIMITE ESPAÇO E LUGAR IMAGEM E TECTÓNICA RELAÇÃO COM O LUGAR RELAÇÃO COM A PAISAGEM ESCALA E PROPORÇÃO PROGRAMA

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LUGAR DA ARQUITECTURA: AMPLIAÇÃO DA FACULDADE DE ARQUITECTURA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

A proposta arquitectónica consiste num projecto de cariz prático de expansão da actual Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa. A pertinência deste projecto, inserido num contexto estritamente académico, reside essencialmente nas próprias questões e problemas que ao longo dos anos têm afectado negativamente o funcionamento desta instituição. Hoje em dia, este disperso conjunto de volumes absorvido pela paisagem, apresenta-se fisicamente desadequado para tão elevado número de alunos (2235), docentes e licenciaturas ministradas, e em permanente conflito com as progressivamente exigentes especificidades de aprendizagem da Arquitectura. Esta reflexão prática, assumindo um carácter eventualmente radical, procura estabelecer-se como elemento de reflexão para uma intervenção que num futuro próximo se venha a proporcionar. Tem por pressupostos e objectivos a reinterpretação da Faculdade de Arquitectura enquanto espaço público qualificado e agregador, e a reintegração deste no contexto da cidade de Lisboa; a redefinição do carácter e identidade da escola, enquanto pólo cultural e multidisciplinar imerso na Arquitectura; e a construção de uma nova imagem, enquanto casa e lugar da Arquitectura, capaz de dialogar o real valor da instituição. Reflecte ainda algumas questões que, através da análise dos casos de estudo presente neste documento, se revelaram pertinentes e transpuseram para o próprio projecto. E consistem, sobretudo, no estabelecimento de um contacto Página anterior: Fig. 28 Aguarela da fachada principal do volume proposto

directo,

constante

e

permanente

entre

aprendizagem

e

profissão/prática da Arquitectura; intensificação da presença da Arquitectura no ambiente da Faculdade de Arquitectura; concepção do espaço da escola enquanto lugar de transição entre aprendizagem e profissão.

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LUGAR DA ARQUITECTURA

À semelhança do que se verifica nos três casos de estudo analisados e sobretudo na escola de arquitectura do Porto, também aqui se pretende construir a casa da Arquitectura na cidade de Lisboa. O projecto, alicerçado na componente teórica presente neste documento, pretende a criação de um cosmos que, fluído e dinâmico, se active imerso na Arquitectura. Mais que uma escola inscrita num habitual âmbito académico, pretende-se configurar a Faculdade de Arquitectura enquanto edifício público qualificado, aberto à cidade de Lisboa, recipiente e palco de inúmeras vivências e experiências em torno da Arquitectura. Corresponde a uma vontade de alargar o processo de aprendizagem da Arquitectura, arrancando-o da sala de aula habitual, expondo-o a outros novos estímulos, materializados pela constante presença da Arquitectura através de outros momentos, contextos e actividades no espaço da escola. Tornando-se um ecossistema alimentado pela Arquitectura e imerso na vida da cidade, pretende-se a construção de um espaço múltiplo; lugar onde a aprendizagem, o ensino, o trabalho, as conferências, as demonstrações e exposições se fundem, relacionam e expandem reciprocamente.

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CONCEITO

Conceptualmente a proposta arquitectónica assenta na noção de Lugar expressa ao longo deste documento, remetendo para a ideia de um objecto que naturalmente pertence ao lugar. Apesar de se construir imponente e monumental, concilia e apazigua as diferentes realidades com as quais dialoga, inserindo-se num lugar que o acolhe e abraça; num lugar que o reveste de sentido e valor. Procura estabelecer-se no lugar, num gesto que Sigfried Giedion define como “contrastante e pensado para o revalorizar”112. O projecto corresponde a um esforço que se valida na sugestão de um objecto que nasce do próprio lugar – vigorosamente, rompe a terra, eleva-se e ergue-se, construindo a fachada ausente e cara da Faculdade de Arquitectura, e estabelecendo, em simultâneo, a plataforma delimitadora onde poisam os volumes pré-existentes. Formalmente,

a

proposta

corresponde

a

duas

estruturas

arquitectónicas que, apesar de distintas, independentes e identificáveis, se entrelaçam, interpenetram e complementam – convivem – numa relação necessariamente simbiótica. A Poente, numa alusão ao projecto original de 1989, surge um volume Página anterior: Fig. 29 Esquisso de desenvolvimento do projecto

destacado que, albergando a grande maioria dos novos espaços propostos, define a imagem desta escola de Arquitectura; transforma a identidade da Faculdade de Arquitectura, tornando-a presente e reconhecível.

112

Sigfried Giedion. In: MONTANER, Josep Maria. A Modernidade Superada: Ensaios sobre arquitectura contemporânea. 2. Ed. Barcelona: Gustavo Gili 2012.

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LIMITE

Um dos gestos mais significativos e geradores da proposta arquitectónica consistiu exactamente na definição da caixa que contém todo o espaço da escola, construindo o limite – até então pouco definido – da Faculdade de Arquitectura. Esta primeira estrutura arquitectónica opera como um invólucro ou pele que a protege e se deixa preencher pelos blocos paralelepipédicos que constituem a segunda estrutura arquitectónica. Assumindo diferentes dimensões e posições, estes blocos conformam a plataforma de assentamento dos edifícios pré-existentes, e ainda, a fachada Nascente do volume que se ergue no limite Poente da Faculdade de Arquitectura. Através do modo como se relacionam uns com os outros definem e configuram, por um lado, a natureza e organização do espaço interior, e por outro, configuram os vazios e pátios exteriores que povoam o objecto arquitectónico proposto. O processo de desenvolvimento formal e conceptual do projecto consistiu na movimentação, colocação e ausência destes blocos na conformação do espaço da escola. Estes blocos inserem-se num gesto de representação simbólica da aura de inconclusão que tem ensombrado o Alto da Ajuda, remetendo para a imagem metafórica de uma ruína de um templo grego. Em simultâneo, estabelecem um paralelismo com a Bauhaus em Dessau, assumindo independentemente ou em conjunto funções específicas e determinadas.

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ESPAÇO E LUGAR

O espaço interior pretende-se dinâmico, vibrante, validado pelo movimento, pelo ir e pelo vir, pelo encontro e pelo desencontro. Concretizado ambiguamente pela noção de lugar de permanência ou de passagem, materializado por múltiplas apropriações e inúmeras vivências. Recorrendo à definição de espaço Moderno expressa por Montaner, pretende-se a configuração de um espaço que se manifeste indefinido, ilimitado, e, em simultâneo, apropriável, caracterizável e definido pelo constante convívio e sociabilidades várias. O quebrar do limite entre espaço interior e espaço exterior, revela a relevância deste último para o processo de desenvolvimento do objecto. Configurando-se como um único amplo espaço, constituído por vários outros definidos pelo rebaixamento dos blocos paralelepipédicos, estende-se a todo o limite da Faculdade de Arquitectura, assumindo especial protagonismo na área entre o edifício Cubo e o volume Poente proposto. A demolição do volume dos serviços de secretaria insere-se numa intenção de criação de um espaço central agregador, que encontra paralelismo no vazio central desenhado por Siza Vieira na Faculdade de Arquitectura do Porto. Página anterior: Fig. 30 Esquisso de desenvolvimento do projecto

Este espaço múltiplo e apropriável configura-se como lugar preferencial de convívio, caracterizando pelos vários elementos arquitectónicos que favorecem a permanência.

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IMAGEM E TECTÓNICA

O edifício proposto procura assumir, exteriormente, uma arquitectura que Campo Baeza define como estereotómica. Uma arquitectura maciça, pétrea e pesada que assenta na terra como se dela nascesse113. Os elementos de pedra que revestem todo o perímetro exterior da Faculdade de Arquitectura procuram materializar esta ideia, dispondo-se em camadas e posições distintas, em função de uma imagem que se pretende metafórica das camadas sedimentares que constituem o terreno natural, e testemunham o passar do tempo. Esta vontade corresponde a uma intenção de construção de uma imagem exterior austera, emblemática, áspera e térrea – icónica - que se traduza na monumentalização e sacralização da Faculdade de Arquitectura – assumindo uma espécie de paralelismo com o Palácio da Ajuda -, e que, em simultâneo, derive do próprio lugar. A relação que se estabelece entre as camadas sedimentares e os vãos que perfuram a fachada principal, corresponde a um gesto de simbolização da intervenção do Homem no espaço Natural; conceptualmente, os vãos bem definidos e geometrizados representam a acção humana que, sempre violenta, condiciona e influencia o espaço Natural – aqui personificado pelas superfícies pétreas que preenchem toda a fachada principal e restante perímetro exterior. A imagem exterior contrasta significativamente com a imagem da fachada Nascente que se impõe sobre o espaço da Faculdade de Arquitectura. Aqui pretende-se o estabelecimento de uma harmonia entre os vários elementos, proporcionada sobretudo pela cor e pela textura da nova composição.

113

BAEZA, Campo. A Ideia Construída. Portugal: Caleidoscópio, 2011

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RELAÇÃO COM O LUGAR

Tal como sucede no Pólo do Campo Alegre no Porto, também a Faculdade de Arquitectura se insere num contexto onde contrastam e se relacionam os ambientes natural e citadino. A concepção arquitectónica pretende estabelecer esta escola de Arquitectura como o lugar de reconciliação e apaziguamento das duas naturezas, numa vontade de pertença ao Lugar. Se por um lado procura revestir-se da urbanidade que caracteriza a cidade que a envolve – sempre pressionada e aberta à vida pública -, por outro, procura integrar-se numa natureza forte e absorvente, almejando o recato e tranquilidade contagiantes da paisagem da Tapada da Ajuda. No fundo a presença da natureza no espaço da Faculdade surge quase como uma condicionante obrigatória de integração no próprio lugar, e corresponde a um esforço que encontra paralelismo em ambas as Taliesin e na visão de Frank Lloyd Wright de natureza, enquanto potenciadora de bem-estar físico, mental e espiritual. O espaço público exterior da Faculdade de Arquitectura resulta do entrelaçamento de duas tramas que progressivamente procuram conquistar mais e mais espaço da escola. A poente, a trama urbana, caracterizada pelo solo impermeável, de um branco que se harmoniza com as pré-existências, avança e progride em direcção a Nascente, onde a malha verde, caracterizada pelas zonas ajardinadas pautadas por árvores, escorre desde a Tapada da Ajuda. A presença das árvores e da sua sombra insere-se numa vontade de Página anterior: Fig. 31 Esquisso de desenvolvimento do projecto

naturalização do espaços públicos da escola, e na construção de lugares apetecíveis, e convidativos a uma permanência prolongada e a sociabilidades várias.

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Os vários pátios que pontualmente marcam este vazio central assumem-se como elementos fundamentais no quebrar das barreiras entre interior e exterior, e entre os diferentes níveis dos pisos. E o recurso à pedra e ao espelho como pavimento em determinados momentos insere-se num gesto de sacralização do espaço da Faculdade, simbolizando pequenos pedaços do céu que se desprendem e alojam no espaço da escola.

RELAÇÃO COM A PAISAGEM

Situando-se sobre um pódio pétreo, a Faculdade de Arquitectura goza de uma de posição geográfica privilegiada que lhe permite um extenso olhar sobre a cidade de Lisboa e rio Tejo. O aproveitamento deste sistema de vistas constituiu uma das premissas principais do desenvolvimento formal do projecto. A posição do volume Poente procura ser o reflexo dessa intenção, propondo uma organização espacial interior que se debruça sobre esta paisagem. No topo deste volume desenha-se um promontório que permite um olhar em toda a volta sobre o Alto da Ajuda e cidade envolvente.

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ESCALA E PROPORÇÃO

A escala monumental que o objecto adquire insere-se na ideia de monumentalidade defendida por Louis Kahn enquanto qualidade espiritual inerente a uma estrutura intemporal e unitária114. E corresponde, em simultâneo, a uma adequação do objecto arquitectónico à escala das Faculdades que constituem o Pólo Universitário. Aliás, por forma a ancorar-se e estabelecer relações de similaridade estrutural, a Faculdade de Arquitectura adopta algumas das direcções principais que formalmente constituem a outras duas instituições. Estabelecese como elemento arquitectónico que contém e delimita o espaço central do Pólo Universitário, impedindo-o de se desmaterializar na paisagem. A forma pura e abstracta, despida de simetrias e eixos reguladores, procura sugerir um carácter etéreo e imponente de uma instituição do conhecimento.

PROGRAMA

Estendendo-se a toda a área da Faculdade de Arquitectura, a intervenção incide sobretudo no espaço compreendido entre o limite Poente da escola e o edifício denominado Cubo. Nos volumes pré-existentes a intervenção revela-se cirúrgica, incidindo sobretudo na configuração do espaço do Cubo enquanto local da informática, e no estabelecimento de circulação interna nas duas alas Norte e Sul. Página anterior: Fig. 32 Esquisso de desenvolvimento do projecto

A construção do programa de usos proposto decorre de uma reflexão sobre o programa desenvolvido pelo arquitecto Duarte Cabral de Mello em 2002.

114

KAHN, Louis. In: MONTANER, Josep Maria. A Modernidade Superada: Ensaios sobre arquitectura contemporânea. 2. Ed. Barcelona: Gustavo Gili 2012. P.73

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ESPAÇO DE TRABALHO

O espaço de trabalho corresponde a um dos principais objectivos do projecto. Traduz-se num esforço de definição de um espaço que se concretiza como grande motor da Faculdade de Arquitectura. Reunindo todos os tipos de trabalho criativo da escola, distribui-se por dois pisos interligados, e caracteriza-se como um amplo e vasto espaço de trabalho – aberto, fluído e contínuo – ausente de significativos elementos arquitectónicos de compartimentação. Caracteriza-se por ser um único grande espaço, que compreende vários outros pequenos espaços delimitados e definidos não por meio de cerramento de paredes, mas sim através do próprio piso e tecto do espaço, que em determinados momentos descem e sobem. Pretende-se que o espaço se concretize e valide na fusão das várias sociabilidades, usos do espaço e aspectos que compreendem a vida de aluno no âmbito académico desta escola de arquitectura, estabelecendo-se como local de trabalho preferencial, e lugar de convívio e reunião. Este espaço de trabalho gira fluído em torno dos vários pátios e vazios que o vão marcando, correspondendo a uma intenção de quebrar as barreiras entre interior e exterior. A conformação destes espaços dentro de um único espaço e dos vazios que o vão pautando corresponde à colocação, movimentação e ausência dos blocos conceptuais que formam o objecto arquitectónico.

Podendo funcionar de forma isolada e num horário de 24 horas, substitui o actual espaço24 da Faculdade de Arquitectura.

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ESPAÇO DE CONFERÊNCIAS

O piso da entrada principal, situado à cota 114.00 corresponde ao espaço que assume um carácter pronunciadamente público. Constituído por cinco auditórios pequenos (cada um deles com dimensões e lotações distintas), um auditório nobre com uma lotação possível de 467 pessoas, pelo bar da Faculdade de Arquitectura, estabelece-se como lugar destinado a apresentações, conferências e demonstrações, incluídas no âmbito académico ou em actividades exteriores à Faculdade de Arquitectura. Este espaço orgânico e deambulatório, tal como o espaço de trabalho, gira e distribui-se em torno de um grande vazio, que funciona como um claustro agregador. Dispondo de uma área aproximada de 4530m2, este espaço é, ainda, constituído pelos serviços de secretariado – aqui colocados como consequência da proposta de demolição do actual volume de serviços académicos, e pela associação e espaço de convívio dos alunos. Configura-se como principal piso de entrada no recinto da Faculdade de Arquitectura, estabelecendo-se como espaço de transição para os restantes pisos e espaço exterior da escola.

SALAS DE AULA Tal como a grande maioria das novas funções propostas, as salas de aula situam-se no volume Poente da Faculdade de Arquitectura, distribuindo-se ao longo de 3 diferentes pisos. Página anterior: Fig. 33 Esquisso de desenvolvimento do projecto

Propõem-se 3 tipos de salas de aulas, cada um associado a um distinto piso, formalmente concebidas em função de um módulo-tipo com as dimensões de 9.7x8.55.

163


No piso 2, situado à cota 118.00 dispõem-se 11 salas de trabalho teórico-prático, assentes numa área aproximada de 83m2, decorrente de um único módulo-tipo. Situadas no piso 3, à cota 122.00, encontram-se 7 salas destinadas a trabalho prático. Espacialmente este espaços decorrem da acumulação de dois módulos-tipo, assumindo uma área aproximada de 168m2. Em estreita relação com este tipo de sala de trabalho, encontram-se as salas de natureza informal. Destinadas a grupos reduzidos de alunos, correspondem a meio módulo tipo, assentando numa área aproximada de 40m2. Situadas no piso 4, à cota 126.00, estabelecem-se como mezzanine das salas de trabalho prático. Em conjunto estes dois tipos de sala funcionam como um único espaço de trabalho, constituído por diferentes momentos de aprendizagem da Arquitectura. O facto de funcionarem em conjunto, permite que as salas de trabalho prático adquiram pé-direito duplo (7m) em grande parte do seu espaço. Apesar de decorrerem de um módulo-base ou da agregação de vários, cada sala adquire uma natureza específica e distinta.

A forma como se

relacionam com a paisagem, através da abertura de vãos ou dos buracos que perfuram o volume de um lado ao outro, influi directamente na atmosfera da sala, influenciando, em simultâneo, área da sala de aula. As salas de aula são dispostas ao longo de galerias longitudinais, que nestes três pisos, se alargam estabelecendo-se, em simultâneo como espaço de circulação, como espaço de permanência.

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BIBLIOTECA

A

biblioteca,

na

intervenção

proposta,

assume

um

papel

preponderante na caracterização da Faculdade de Arquitectura enquanto edifício público, expandindo as suas funções a um universo que não se restringe à população que habita a escola. Propõe-se uma nova localização – actualmente encontra-se no edifício central denominado de Cubo – no topo do volume Poente que constrói a fachada principal da instituição. Distribuindo-se por um piso principal e mezzanines complementares (5 e 6), a sua área é significativamente aumentada e as suas funções expandidas, adquirindo, também, as funções de mediateca. A biblioteca torna-se um espaço multi-facetado, que possibilita inúmeras apropriações e utilizações, desde a habitual leitura dos livros disponíveis ao estudo das matérias leccionadas nas aulas. Torna-se um espaço que compreende vários outros, assumindo múltiplas naturezas e atmosferas. Página anterior: Fig. 34 Esquisso de desenvolvimento da fachada principal

À semelhança do que se verifica em relação às salas de trabalho, também aqui a irregular fachada Poente vai moldando o espaço abrindo-o mais ou menos à paisagem da Tapada da Ajuda.

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Pรกginas seguintes: Fig. 35 Perspectiva dos sucessivos pisos da proposta Fig. 36, 37 e 38 Maquete da proposta final

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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O objecto deste trabalho consistiu numa reflexão crítica sobre a temática do Lugar, aplicada num projecto de cariz prático de Ampliação da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa. Sendo esta uma temática significativamente teórica, revelou-se fundamental a análise dos paradigmáticos casos de estudo presentes neste documento. Operando sobre uma mesma tipologia e objectivo - a formação de jovens arquitectos preparados para a desafiante prática da Arquitectura -, constituem três distintas abordagens à noção de Lugar e ao contexto de inserção

do

objecto

arquitectónico.

Assentes

em

diferentes

visões

arquitectónicas, materializam-se em arquitecturas amplamente contrastantes, revelando-se fundamentais para o desenvolvimento do projecto prático que aqui se propõe. Permitiram a construção de uma base sólida, definida e concreta de ideias sobre as quais se procurou operar de forma o mais coerente e precisa possível, numa vontade de construção da casa da Arquitectura em Lisboa. O

desenvolvimento

do

trabalho

revelou-se

significativamente

desafiante, em consequência directa da complexidade do próprio tema, das características específicas do objecto de intervenção, e a impossibilidade de estabelecimento de um distanciamento crítico no processo conceptual da arquitectura, decorrente de um contacto diário com o local de intervenção e, sobretudo, com o edifício da Faculdade de Arquitectura. No entanto, este contacto estreito, estabelecido ao longo dos últimos anos e materializado numa vivência activa e constante do espaço da escola,

179


permitiu a consciencialização profunda das fragilidades e potencialidades que caracterizam esta escola de arquitectura. Possibilitou a formalização de um conjunto de premissas e estímulos orientadores que, de forma clara e precisa, conduzissem e garantissem a coesão e unidade formal e funcional do edifício da Faculdade de Arquitectura. Inserido

num

contexto

específico,

o

trabalho

valida-se

na

reinterpretação da relação que se mantém entre Faculdade de Arquitectura e contexto, e na redefinição da identidade, imagem e espaço da escola, expressando uma vontade de construção de uma Lugar para a Arquitectura. Numa reflexão final, importa salientar que os conceitos de Lugar e 115

Espaço

estão em constante mutação, estabelecendo-se como ideias

abstractas e conceptuais em pólos contrastantes. Configuram-se como conceitos teóricos e ideais, e por isso nunca totalmente alcançáveis. Da mesma forma que o Espaço não será nunca totalmente indefinido, puro e ilimitado, também as características despertadas pelo Lugar nunca poderão ser totalmente eliminadas no processo da Arquitectura. Este projecto que se propõe procura a sua validação numa interpretação destes dois conceitos em função de uma relação de complementaridade, interpenetração e convivência natural.

115

Aqui entendido segundo a definição de espaço Moderno, expressada por Montaner em A Modernidade Superada

180


ÍNDICE DE FIGURAS

Fig. 0 - Capa, frente de uma arquitectura (autoria própria)…..……………………………………………p.0 Fig. 1 - Bauhaus, vista exterior do conjunto (http://www.fotocommunity.de/)…..……….….p.33 Fig. 2 - Bauhaus, vista exterior do conjunto (www.archdaily.com)….………………………………..p.37 Fig. 3 - Bauhaus, vista exterior do conjunto (www.archdaily.com)…….……………………………..p.41 Fig. 4 - Bauhaus, vista exterior do conjunto (www.archdaily.com)……….……………………….….p.45 Fig. 5 - Bauhaus, vista exterior do conjunto (www.archdaily.com)……………………………………p.49 Fig. 6 - Bauhaus, vista exterior do conjunto (http://www.fotocommunity.de/)……..…………p.53 Fig. 7 - Bauhaus, vista exterior do conjunto (http://www.fotocommunity.de/)………………..p.57 Fig. 8 - Taliesin East, vista exterior do edifício principal (http://galleryhip.com/) ……….…..p.62 Fig.

9

-

Taliesin

East,

vista

exterior

do

edifício

HillSide

Home

School

(http://www.panoramio.com/) …………………………………………………………………………………..…..p.65 Fig. 10 - Taliesin West, vista aérea do complexo escolar(http://blog.wdpvacationrentals.com) …………………………………………………………………………………………………………………………………………p.69 Fig. 11 - Taliesin West, vista exterior do edifício principal (www.archdaily.com) …………..p.73 Fig. 12 - Taliesin West, vista exterior do edifício principal (www.archdaily.com) …………..p.77 Fig. 13 - Taliesin West, vista interior de uma das salas de estar do edifício principal (www.archdaily.com)…………………………………………………………………………………………………….…p.81 Fig. 14 - Taliesin West, vista interior da sala de trabalho do edifício principal (http://imgkid.com/)………………………………………………………………………………………………..………p.85 Fig. 15 - FAUP, vista aérea do complexo escolar (http://www.skyscrapercity.com/)….…p.89 Fig.

16

-

FAUP,

vista

exterior

dos

volumes

das

salas

de

aula

(http://www.skyscrapercity.com/) ……………………………………………………………………………..…..p.93 Fig. 17 - FAUP, vista exterior dos volumes das salas de aula (http://daciangroza.ro/)..…p.97 Fig. 18 - FAUP, vista exterior do vazio central (www.archdaily.com)…………………………..….p.101 Fig. 19 - Lisboa e Alto da Ajuda, vistas aéreas das zona de influência e intervenção (autoria própria)………………………………………………………………………………………………………………………….p.105

181


Fig. 20 - Pólo Universitário da Ajuda (autoria própria)…………………………………………..……….p.109 Fig. 21 - Pólo Universitário da Ajuda (autoria própria)…..……………………………………….………p.113 Fig. 22 - Monsanto, vista sobre a ponte 25 de Abril (autoria própria)…………………….………p.117 Fig. 23 - Faculdade de Arquitectura, vista sobre o local onde incide grande parte da intervenção que se propõe (autoria própria)………………………………………………………………….p.121 Fig. 24 - Proposta Urbana, primeiras formas volumétricas (autoria própria)………………..p.125 Fig. 25 - Proposta Urbana, maquete geral do Pólo Universitário (autoria própria)……….p.129 Fig. 26 - Proposta Urbana, planta de localização. Concepção formal da mancha edificada proposta e corredor verde (autoria própria)………………………………………………………………....p.133 Fig. 27 - Proposta Urbana, planta do Pólo Universitário. Pisos térreos dos volumes préexistentes e dos volumes propostos – Faculdade de Arquitectura e Residências de estudantes (autoria própria)…………………………………………………………………………………………..p.137 Fig. 28 - Aguarela da fachada principal do volume proposto (autoria própria)….…….…….p.141 Fig. 29 - Esquisso de desenvolvimento do projecto (autoria própria)..……………………………p.145 Fig. 30 - Esquisso de desenvolvimento do projecto (autoria própria)..……………………………p.149 Fig. 31 - Esquisso de desenvolvimento do projecto (autoria própria).…………………………….p.153 Fig. 32 - Esquisso de desenvolvimento do projecto (autoria própria)…………….……………….p.157 Fig. 33 - Esquisso de desenvolvimento do projecto (autoria própria)..……………………………p.161 Fig. 34 - Esquisso de desenvolvimento da fachada principal (autoria própria).……………..p.165 Fig. 35 - Perspectiva dos sucessivos pisos da proposta (autoria própria)….……………………p.167 Fig. 36 - Maquete do projecto final (autoria própria)……………………………………………………..p.171 Fig. 37 - Maquete do projecto final (autoria própria)…..…………………………………………………p.173 Fig. 38 - Maquete do projecto final (autoria própria)…..…………………………………………………p.175

182


BIBLIOGRAFIA

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184


SUPLEMENTO GRテ:ICO

185



















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