Viriato e os Guerreiros Lusitanos

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VIRIATO E OS GUERREIROS LUSITANOS

RICARDO SANTOS


FICHA TÉCNICA

Título: Viriato e os Guerreiros Lusitanos Autor: Ricardo Santos Coordenação editorial: Ricardo Santos Revisão: Armindo Santos Artista de capa: Marcelo Azevedo Composição: Armindo Santos @copyright Ricardo Santos Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios—tangível ou intangível—sem o consentimento escrito do autor.

Para permissões contactar: R33MCSANTOS@outlook.pt


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Dedico Ă minha famĂ­lia pelo apoio incondicional que sempre me dispensaram e a todos quantos, de forma desinteressada, contribuĂ­ram para que este trabalho se realizasse, nomeadamente, na recolha da bibliografia consultada.

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ÍNDICE PREFÁCIO ....................................................................................9 INTRODUÇÃO ........................................................................... 11 A PENÍNSULA IBÉRICA .......................................................... 14 A ORIGEM DOS LUSITANOS .................................................. 21 A LÍNGUA ................................................................................... 23 A HABITAÇÃO ........................................................................... 24 USOS E COSTUMES .................................................................. 27 CULTO RELIGIOSO .................................................................. 31 CULTO DOS MORTOS .............................................................. 35 OS GUERREIROS LUSITANOS E COMO FAZIAM A GUERRA...................................................................................... 38 VIRIATO ..................................................................................... 46 A CHEGADA DOS ROMANOS À PENÍNSULA IBÉRICA ..... 57 HISPÂNIA CITERIOR E ULTERIOR ..................................... 60 AS GUERRAS LUSITANAS........................................................ 62 A MORTE DE VIRIATO ............................................................ 85 SERTÓRIO.................................................................................. 90 O COMEÇO DA ROMANIZAÇÃO ........................................... 93


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CONCLUSÃO ..............................................................................97 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ..................................... 98

ÍNDICE DE GRAVURAS

Fig. 1 -

Povos que habitavam a

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Península Ibérica Fig. 2 -

A Lusitânia – área suposta

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Fig. 3 -

Habitação típica dos

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Lusitanos Fig. 4 -

Anta, monumento funerário

Fig. 5 -

As armas utilizadas pelos Lusitanos

Fig. 6 -

Hispânia Ulterior e Hispânia Citerior

Fig. 7 -

Província Tarraconense, Lusitânia e Bética


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PREFÁCIO

Mito ou lenda, Viriato é uma figura incontornável da memória do colectivo português. Muito se tem escrito sobre Viriato e os Lusitanos em interminável discussão académica, sem que se obtenha consenso, quer quanto à sua origem quer quanto à sua nacionalidade. Não havendo documentação escrita do tempo de Viriato, é aos historiadores gregos e romanos que os autores de hoje foram colher as informações que reproduzem, citandoas ou a partir delas tirarem ilações. Sendo a História escrita pelos vencedores e tendo sido esta escrita maioritariamente pelos Romanos, é lícito que a tenhamos como verdadeira no que se refere a Viriato e aos Lusitanos, tanto mais que nem sempre a história lhes é favorável. Mas, teremos que ter em consideração a origem destes historiadores que sempre viram nos outros povos a condição de bárbaros. Quer gregos quer romanos, incluídos nestes últimos grandes militares, consideram Viriato um guerreiro corajoso, carismático, líder inato, íntegro, obstinado e persistente na


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defesa da sua independência e dos que com ele lutavam pela liberdade. Contudo, não se abstêm de considerar os Lusitanos como um povo selvagem. Viriato, figura simbólica, ainda hoje nos fascina e inspira pela fibra castrense e rústica que nos compromete a resistir ao presente e a superar o futuro. Este trabalho que gostosamente fui fazendo à custa de muita pesquisa, mais não é do que uma humilde homenagem a quem, porventura devemos essa extraordinária e ímpar característica de portugalidade de que nos orgulhamos. Na verdade, os nossos antepassados não foram tão desprovidos de intelectualidade como aludem alguns dos autores que se debruçaram sobre esta matéria. Preocupavam-se com o bem-estar social e colectivo, com a maneira de se organizarem politicamente e por último, a forma adaptada ao terreno com que enfrentaram os Romanos, demonstra sagacidade e inteligência.

O Autor


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INTRODUÇÃO

As fontes consultadas, que nos serviram para a execução deste trabalho, acerca de Viriato e dos Guerreiros Lusitanos, provieram dos escritos de Tito Lívio, de Políbio, de Apiano, de Estrabão e de Diodoro Sícúlo, historiadores da Antiguidade. Lívio que viveu de 59 a.C. a 17 d.C. era natural de Patavium, actual Pádua. Tito Lívio foi um historiador importante e a ele se devem mais de 192 livros, versando sobre a história de Roma desde 75 a.C., data da sua fundação a 17 d.C. Políbio foi um geógrafo da Grécia Antiga. Debruçou-se sobre a história do mundo mediterrâneo de 220 a.C. a 146 a.C. Apiano foi um historiador da Roma Antiga. De nacionalidade grega, procurador do Imperador Antonino Pio, em 147 d.C. Teve acesso a documentação que lhe permitiu sustentar os seus escritos com fundamentado pormenor. Estrabão, historiador e geógrafo, compilou em cerca de duas dezenas de livros, a história e a descrição dos povos e dos locais conhecidos à época. Nasceu na Grécia, viveu de 63 a.C. a 64 a.C. e era apologista do Imperialismo Romano.


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Diodoro Sículo nasceu na Sicília, daí o seu epíteto Sículo. Viajou para o Egipto de 60 a.C. e 57 a.C. Regressado a Roma, historiou muitos dos acontecimentos relativos aos Romanos. Sabendo-se que a História é escrita pelos vencedores e não havendo nada documentado por parte dos povos romanizados, neste caso os que então habitavam a Península Ibérica, é de relevar a valorização destes historiadores feita aos Lusitanos, nomeadamente a Viriato. Contudo não se abstêm de, à luz do Imperialismo Romano, considerarem os Lusitanos como um povo bárbaro e selvagem o que não é de estranhar, uma vez que para Roma, tudo o que não fosse romano, era tido como tal. Só no século XX da Era Cristã, se começa a referir Viriato e os Lusitanos como estando na génese da nossa portugalidade que até então a ela nos referíamos como portucalense. A questão não obtém uma resposta consensual da parte dos historiadores modernos. Conforme a Bibliografia que se apresenta no fim, além dos Autores da Antiguidade, outros foram consultados, cujas informações recolhidas ajudaram a concretizar este trabalho que, embora modesto, pretende evocar apenas e tão só, a provável origem dos nossos antepassados.


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FIG. 1 – Povos que habitavam a Península Ibérica à época préromana


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A PENÍNSULA IBÉRICA

A Península Ibérica, denominada na altura por Hispânia, incluise no Continente Europeu e está hoje politicamente ocupada na sua maior parte pela Espanha, por Portugal, Andorra e Gibraltar. A considerar ainda pequenas parcelas de território pertencentes a França nas vertentes ocidentais e a norte dos Pirenéus. Liga-se ao resto da Europa por uma pequena faixa estreita de terreno, que constitui o seu istmo, onde se localiza a Cordilheira dos Pirenéus. A Norte, a Oeste e parte do Sul é limitada pelo Oceano Atlântico, sendo a continuação da restante costa banhada pelo Mar Mediterrâneo. As elevações mais importantes, a Cordilheira Cantrábica encontra-se a Norte, e a Sul encontram-se o Sistema Penibético , ( a Serra Nevada ), e o Sistema Bético, ( a Serra Morena ). No seu prolongamento ocidental situa-se o Sistema Central que inclui a Serra da Estrela e a Serra da Lousã. É atravessada por rios de considerável extensão, sendo o Tejo o rio mais comprido com cerca de 1.000 Km.


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A sua altitude média é elevada, verificando-se a existência de planaltos rodeados por regiões montanhosas.

Fig. 2 - A Lusitânia

Tito Lívio diz-nos que a Lusitânia abrangia o espaço entre as margens do rio Tejo e do rio Douro. No entanto, Estrabão, estabelece a geografia da Lusitânia mais ampla. Situa a Lusitânia a norte do rio Tejo tendo como limites a ocidente e a norte o Oceano Atlântico. É a partir destes três autores que outras teorias foram surgindo, havendo ainda hoje larga


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controvérsia acerca das áreas ocupadas por Viriato e pelos Guerreiros Lusitanos, que chegam a localizá-los até ao Algarve. Tenhamos em conta que face às variações atmosféricas e à agricultura que nem sempre era possível nas mesmas regiões, os povos da Lusitânia seriam umas vezes nómadas, outras sedentários. Sabendo que se dedicavam à pastorícia, a transumância obrigava-os a migrar sazonalmente. Acrescente-se que a presença dos Romanos na conquista pelo domínio do latifúndio, de que muita importância se revestia, pois havia que enviar para Roma o resultado das colheitas cerealíferas, empurrava os Lusitanos para as regiões montanhosas, vendo-se espoliados das suas terras. Tomámos como adquirido que os Lusitanos preferiam as zonas montanhosas com residência. De facto assim acontecia mas tal facto era devido à necessidade de defesa. O cerne das lutas entre Lusitanos e Romanos residirá principalmente na conquista de terrenos destinados ao latifúndio por parte dos segundos, enquanto que os primeiros com sentido de liberdade, de direito e de independência sempre se lhes foram opondo, até que puderam. Quanto à distribuição dos povos na época pré romana, pelo resumo feito a partir dos autores antigos, ficamos a saber que


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os Cónios se radicaram no Algarve, e que os Célticos que se compunham de pequenos núcleos de sangue celta, ocuparam parte do Alentejo. A norte do Tejo até às zonas montanhosas do Douro interior, instalaram-se os Lusitanos. Pelo que se deixou escrito, a Lusitânia confrontava a Oriente com a existência das tribos dos Carpetanos, dos Vetões, dos Vaceus e dos Galaicos. Os Galaicos eram limitados a oriente com as tribos dos Asturianos e dos Celtiberos. Não estando todos de acordo, há autores que consideram os Celtíberos como o resultado da miscigenação dos Celtas e dos Íberos, que em determinada época se sobrepuseram num espaço comum. As outras tribos existentes eram de menor dimensão e importância. A Lusitânia, media de norte a sul cerca de 620 km enquanto que de largura, entre o oceano e a linha com que confinava com as tribos vizinhas, era muito menor, menos de metade do comprimento. A Oriente o terreno é elevado e árido e à medida que se aproxima do oceano a ocidente, torna-se plano, deixa de ser elevado salvo poucos acidentes de fraco relevo. Climaticamente a Península Ibérica apresenta duas áreas distintas, uma húmida e outra seca. A noroeste, a zona que é


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limitada pelo planalto da meseta e que se estende até ao estuário do Tejo, é de chuvas. Nesta costa a Ocidente os Invernos são temperados e húmidos e o Verão é quente. Entre os rios Douro e Tejo, verifica-se muita vegetação onde predomina o carvalho de folha caduca. Alguns autores consideram como cultura atlântica o modo de vida nesta região. Primeiramente eram agricultores, caçadores, depois criadores de gado e finalmente vêm a utilizar a metalurgia, donde se deduz terem os Lusitanos vivido na Idade do Ferro e do Bronze. A fauna era abundante sendo rica em javalis, veados, lobos, raposas, cavalos selvagens de pequeno porte, ursos, linces, texugos, cabras, lebres e coelhos. Águias, milhafres, corvos e gralhas também completavam a variedade. Estes autores dãonos como certa a existência de população em número elevado. O mar proporcionava peixe e moluscos enquanto que dos rios obtinham entre outros o salmão, a carpa e o barbo. Deveriam conhecer o sal-gema que ocorre em jazidas na superfície terreste, praticando a salga como modo de preservar o peixe e a carne que também curavam ao sol ou ao fumeiro. O gado cavalar era abundante, domesticável e referem como actividade a exploração de ferro, de chumbo, de cobre, de prata e de ouro. Em áreas em que a água é pouca e a terra pobre, cultivavam o


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linho e o esparto. Na zona da Meseta e costa mediterrânea, sendo os invernos pouco chuvosos, verificava-se uma vegetação típica do Mediterrâneo, sem florestas e onde se fazia a agricultura da vinha, do trigo e da oliveira, com grandes áreas desertas cobertas de mato. Os rios que atravessam esta região são de considerável caudal bem como os seus afluentes. A maioria é navegável e actualmente podemos situar a Lusitânia nos territórios da actual Beira Interior, mais precisamente na Serra da Estrela que também conhecemos por Montes Hermínios, se bem que há autores que a consideram também a sul do Tejo, estendendolhe o território até ao Algarve. Os Lusitanos viviam de alguma agricultura de subsistência, da caça, da criação de gado, da pastorícia e respectiva transumância, sendo esta a principal actividade, num ambiente hostil e numa perfeita comunhão com a natureza. Não se pode generalizar este modo de vida a todas as tribos da península, uma vez que as condições climáticas eram diferenciadas e os terrenos nem todos eram montanhosos e nem todos eram agrários. A falta de recursos era frequente pelo que os Lusitanos recorriam ao saque, assaltando as regiões a norte do rio Minho que actualmente são território espanhol, e que se situavam entre a Serra de Guadarrama e as


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montanhas de Toledo, pertencentes ao Sistema Central da Península Ibérica. Procuravam sobretudo obter alimentação e alargar o território de influência. A norte do rio Vouga, a região era habitada pelos Pesuros. A norte do rio Douro até ao rio Cávado, encontravam-se os Brácaros e do rio Cávado até ao rio Lima, os Seurbos. Do rio Lima ao rio Minho, dos afluentes Tua e Sabor e junto ao Neiva, vamos

encontrar

pequenos

aglomerados

populacionais

constituídos pelos Leunos, pelos Celernos e pelos Nebisocos. O vale do Tuela é habitado pelos Interamnicos. As regiões de Chaves, do Gerêz, e dos arredores de Braga foram escolhidas pelos Turodos, pelos Equesos e pelos Nemetatos. Pela parte oriental de Trás-os-Montes, pelo Vale do Homem e entre o Tua e o Sabor, encontramos distribuídos os Zoelas, os Quarquernos e os Luancos.


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A ORIGEM DOS LUSITANOS

Por não terem deixado registos nativos, os Lusitanos são considerados

pelos

historiadores

e

sobretudo

pelos

antropólogos, um povo sem história. Só aparecem referências a seu respeito após a conquista romana, referências essas que são feitas por historiadores gregos e romanos, o que no mínimo permite alguma controvérsia devido à subjectividade das suas interpretações. Segundo Diodoro Sículo, podemos considerar os Lusitanos como os mais fortes e vigorosos de todos os Iberos. Sofreram uma aculturação com os Celtas da Celtibéria ou com os da zona onde hoje se situam as terras alentejanas. As transacções comerciais e os saques a isso promoveram. Os Celtas teriam penetrado na então Hispânia ainda na Idade do Bronze tendo sido forçados a deslocarem-se ao longo da Cordilheira Central, acabando por ali se fixarem, miscigenando-se com os autóctones primitivos. Dada a prática da inceneração dos mortos até à época romana, não se possuem documentos arqueológicos que permitam avançar com outras deduções.


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Apenas os filhos varões primogénitos herdavam, pelo que a restante família, nada recebendo, retirava-se para as montanhas continuando a viver essencialmente como pastores e como tal, aproveitavam o que a pastorícia lhes dava, desde as peles para o vestuário e agasalho, o leite e a carne como alimento e

tudo o mais que a sua imaginação lhes

proporcionasse, aproveitando inclusive a caça. Além dos pastos que os obrigavam à transumância e à disputa dos mesmos, praticavam uma cultura muito pobre, contentando-se com o que a natureza generosamente lhes dava. Mesmo assim, recorriam ao roubo para sobreviverem e assim continuavam o modo de vida tal e qual o dos povoados donde tinham saído, vindo a criar outros. Nos povoados não viveriam mais do que dez a trinta mil habitantes.


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A LÍNGUA

Os arqueólogos encontraram inscrições latinas, estas em maior quantidade, e ainda inscrições gregas, púnicas e indígenas. As inscrições latinas revelam informações religiosas sobre o povo, os nomes, as instituições e a organização da sociedade na Península Ibérica, antes e depois da ocupação romana. As inscrições indígenas ainda se encontram por decifrar. Untermann, investigador alemão, diz-nos que tanto a língua lusitana como a celtíbera constituem restos de uma só língua indo-europeia, com uma origem muito próxima dos Celtas.


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A HABITAÇÃO

Os Lusitanos viviam em casas de pedra, redondas ou rectangulares que cobriam com palha, sobre grades de troncos. Com a evolução do tempo e de acordo com os materiais que encontravam no local de construção, usavam telhas de barro, argila misturada com palha e estrume e mesmo lâminas de xisto arredondadas nos cantos com intenção decorativa. As paredes eram em pedra ou em estacaria revestida a argamassa de terra, estrume e água. Com o mesmo material produziam adobes. As

casas eram baixas, de uma só divisão, sem janelas e de uma só porta. Fig. – 3 Casa típica Lusitânia


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Quando o local o permitia e as casas eram feitas com pedra, as ombreiras das portas eram decoradas com motivos em relevo. Construíam-nas no alto dos montes, agrupando-se em aldeias, a que os historiadores se referem como Castros. Dispunham as casas de forma ordenada semelhante aos nossos bairros de hoje. Agregavam-se por famílias edificando as habitações em torno de um espaço comum, numa espécie de pátio. As casas eram construídas conforme o fim a que se destinavam. Assim, havia casas para dormir, casas com lareira e forno, casas para armazenagem de géneros e currais. Nas paredes de pedra encontravam-se reentrâncias abobadadas que serviriam como prateleiras ou locais de pequeno armazenamento. Sobre uns ramos ou troncos, colocavam um enxergão que lhes servia de cama. Ao centro do aglomerado, sobressaía uma casa de planta circular com bancos a toda a volta encostados à parede. Ali se realizavam as assembleias do conselho comunitário. Havia castros fortificados cercados por muralhas que chegavam


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a atingir um quilómetro de perímetro defensivo, construído com pedras de grande tamanho. À medida que o poderio romano se tornava mais avassalador, estes castros chegavam a ter a protecção de três linhas de muralhas. Este tipo de construção de castro fortemente protegido era próximo das explorações de metais, verificando-se a existência de escavações a céu aberto e de minas de filão. Havia outros castros totalmente abertos sem que possuíssem qualquer outro elemento defensivo.


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USOS E COSTUMES

Nas noites de Lua Cheia, os Lusitanos, homens e mulheres dançavam em roda de mãos dadas, fazendo-se acompanhar de flauta e de trombeta. Dançavam até ao nascer do Sol, esperando assim captar as graças dos Deuses em que o Sol e Lua eram símbolos da fecundidade e da procriação. Para os Lusitanos o Sol era como que um carvão incandescente que se apagava no oceano.

Nalguns

castros

podíamos

encontrar

as

ruas

empedradas e ainda balneários públicos para banhos frios e, quando a natureza o proporcionava banhos de vapor. Também obtinham este tipo de banho, considerando-o curativo, despejando água sobre pedras aquecidas ao rubro. Untavam o corpo com óleo. Comiam uma vez por dia em conjunto numa sala em bancos movíveis e encostados às paredes. Os mais velhos eram colocados à frente e a seguir sentavam-se os restantes conforme a hierarquia e posição social. Os alimentos eram passados de mão em mão. Serviam-se também de pequenas facas que faziam de espetos. Usualmente utilizavam a bolota como alimento, que amassavam numa massa tipo pão, utilizando um primitivo moinho de rolo. Sobre uma laje


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colocavam os grãos e com uma pedra em forma de rolo esmagavam até que os mesmos se transformassem em farinha. Bebiam leite de cabra e de ovelha e à refeição ou fora dela, cerveja de cevada. O vinho apenas era servido em ocasiões festivas. Caçavam e pescavam, usando barcos feitos de couro ou utilizando um tronco que escavavam. Dedicavam-se à criação de gado bovino e equino, produziam mel e teciam a lã. Cultivavam o trigo, a cevada, o linho e exploravam minas a céu aberto ou em filão. Os produtos da caça e da pesca, ovinos e caprinos e produtos agrícolas eram de tal forma abundantes que se compravam a custo reduzido. Por vezes na compra ou troca de produtos era usada a prata batida como dinheiro. Os homens trajavam-se de capas pretas de corte simples enquanto que as mulheres vestiam capas compridas e de cores garridas. Eram monogâmicos, casavam-se em cerimónias rituais de grande festividade e tanto as mulheres como os homens usavam os cabelos compridos. Quando combatiam, atavam o cabelo com uma fita à volta da testa. Praticavam desporto nomeadamente pugilato, corrida e combates individualmente ou em grupo, quer a pé quer a cavalo. Como gordura na alimentação utilizavam a manteiga. Usavam uma espécie de túnica ou gibão de mangas curtas e que lhes chegava aos


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joelhos. Estas túnicas eram de diferentes cores de acordo com o material de que eram confeccionadas, sendo presas por um cinturão de couro ou de fibras entrançadas. Algumas destas túnicas eram providas de capuz. Cobriam-se com um manto, servindo-lhes de capa, feito de lã ou de pele de cabra. Cortavam esta peça em semicírculo, unindo-a à frente sobre o peito por um colar ou por um alfinete em forma de fíbula. Adornavam os braços com argolas e braceletes, aros de ouro ou de prata. Eram supersticiosos e, usavam toda a espécie de amuletos, alfinetes, pregadores, dentes furados, conchas, objectos em forma de nós, pingentes coloridos, pequenas placas de ardósia com desenhos geométricos e nalgumas tribos chegavam a pintar o rosto e a fazerem-se tatuar. Não raro, aproveitavam as peles de urso e de lobo não lhes eliminando o crânio nem as garras. Adaptavam o crânio à sua própria cabeça, faziam descer a pele do dorso sobre as suas costas e atavam à frente as garras. Calçavam uma espécie de botim feito de pele ou de fibras entrançadas, servindo-se do linho, do esparto ou de pele de javali. As pernas, abaixo do joelho eram protegidas por uma espécie de polainas de lã ou de pele que enroladas à volta, apertavam com fibras de linho ou esparto. Quanto ao vestuário não é possível estabelecer um género ou “moda” lusitana, dado que o mesmo variava de


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acordo com a localização das muitas tribos que habitavam a Lusitânia e que se serviam do que a natureza lhes proporcionava. De registar que tais hábitos de vestuário foram evoluindo à medida que as guerras com os Romanos iam acontecendo, e os Lusitanos aproveitavam tudo o que viesse a melhorar o seu modo de vida. Quanto ao dia a dia, a vida na aldeia começava com o nascer do Sol quando os homens saíam para os afazeres do campo ou para a caça que era de todos, não pertencendo a ninguém. A caça era feita por perseguição seguindo o trilho dos animais ou construindo armadilhas conseguindo a sua captura. A lança usada como dardo e o arco eram as armas mais usadas na caça, não esquecendo a funda, cuja habilidade nomeadamente entre os pastores era de grande eficácia, Na pastorícia usavam cães e utilizavam tesouras na tosquia das ovelhas. Na agricultura usavam cangas, presumese que usassem um arado com que abriam os sulcos na terra, puxados por juntas de bois, ou por cavalos, foices, ancinhos, enxadas, ancinhos e todo o conjunto de pertences necessário às práticas agrícolas.


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CULTO RELIGIOSO

FIG. 4 - Anta, monumento funerário e de culto religioso.

Como todos os povos primitivos, os lusitanos eram supersticiosos e politeístas. Praticavam rituais mágicos a que atribuíam magia e acreditavam em agouros, sonhos e premonições.

Tudo faziam para que os deuses lhes fossem

favoráveis. Procediam a sacrifícios humanos e quando o sacerdote, o Arúspice, feria o prisioneiro no ventre, faziam-se vaticínios


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segundo a maneira como a vítima caía e sem lhe retirarem as vísceras vaticinavam conforme o seu estado. Palpando as veias do peito pronunciavam-se quanto ao futuro. Aos prisioneiros de guerra, cortavam-lhes as mãos que consagravam aos deuses. Os seus sacrifícios eram feitos a Ares, deus da guerra. Sacrificavam não só prisioneiros como também bodes e cavalos. Os Arúspices não tinham que cuidar da sua subsistência e eram tidos como um grupo de pessoas reconhecidas pelo seu prestígio, sabedoria e experiência. Tinham como divindades, Trebopala, Bromanicus, Ataegina, Nabia e Endovélico. Acreditavam que os deuses andavam sobre a Terra, sendo o Arúspice o intermediário entre o humano e o divino. Aceitavam a existência de divindades no interior da Terra, as chamadas forças ctónicas com as quais os Arúspides comunicavam através de buracos que abriam nas rochas dos lugares sagrados. Conforme Eduardo Amarante, existem no nosso Universo elementos que emitem energias próprias segundo trajectórias horizontais e elementos que emitem energias cósmicas segundo linhas verticais. Estas linhas são conhecidas como serpentes da Terra e é-lhes atribuída a cor negra. Nos pontos onde as linhas se cruzam, os chamados pontos telúricos, situavam os seus


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lugares sagrados, de culto, de sacrifício e de magia. Os Lusitanos tinham adoração por dois tipos principais de deuses: os da Natureza e os do mundo Animal. Na Natureza as árvores eram tidas como a união entre a Terra e o Céu. O carvalho era uma árvore de eleição e nos dias de hoje, em Rêgo de Vide, concelho de Mirandela, ainda se referencia um carrasco secular, tido como objecto de culto. Igualmente da maior importância era o culto da Água, a fontes e rios, prática comum a todos os povos que sofreram influências celtas. Sendo a Água elemento indispensável à vida não podia deixar de ser divinizada. O deus Bormanicus é referido numa lápide em Caldas de Vizela como divindade das águas termais. Turiaco, divindade lusitana associada ao culto das águas é referida em Santo Tirso. O vento a que atribuíam o nome de deus Zéfiro tinha o seu santuário próprio onde hoje se localiza a serra do Monsanto na região de Lisboa. Zéfiro era responsável pela fecundidade das éguas lusitanas com as quais não havia comparação em termos de velocidade. Por último, mas também importante era o Fogo, cujo culto também se associava aos mortos. Estudava-se o movimento das chamas, vaticinava-se em função do mesmo e como elemento


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purificador. Com ele queimavam os cadáveres. Quanto ao culto feito pelos Lusitanos ao mundo Animal, há a registar o praticado em honra do Verrasco ou Barrasco, porco não castrado, destinado à procriação que ainda hoje se afirma como um dos alimentos principais no norte de Portugal. Na sua função mística é-lhe reconhecido o seu poder reprodutivo e assim era sacrificado aos Deuses. A serpente na dupla simbologia de perigo e de perfídia era também incluída nas divindades, prática confirmada pelas mezinhas que ainda hoje se praticam nas zonas das Beiras, nomeadamente em Idanha-aNova e em Monsanto. Encontramos ainda o culto ao Touro como símbolo de força e de fecundidade. Ursos e corvos também eram venerados. Resumindo, os Lusitanos, praticavam como religião a Zoolatria, culto dos animais, a Filolatria, culto das plantas, a Piromancia, culto do fogo, a Ornitomancia culto do voo das aves e a Ofiolatria, culto dos ofídios. Aceitavam como válido o Animismo, ou seja, admitiam que entidades não humanas possuíssem uma essência espiritual.


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CULTO DOS MORTOS

Abundam por todo o território da antiga Lusitânia locais de culto funerário. Do período Paleolítico, encontramos sepulturas onde junto aos corpos estão armas, utensílios e alimentos. Do período Megalitico encontramos os dólmens que em Portugal conhecemos por antas ou mamoas onde eram depositados os cadáveres ou as cinzas dos mesmos. A terra que com o tempo se veio acumulando sobre estes monumentos funerários de pedras de grandes dimensões, conferiu-lhes a forma arredondada. Daí a denominação de mamoas. Estes monumentos situavam-se em locais que dominavam a paisagem em redor, nas massas rochosas e à beira de cursos de água. Por vezes, encontram-se cadeirões em pedra, altares e pias. Disso são exemplo os encontrados no Castelo do Mau Vizinho em Chaves, no Santuário da Rocha da Mina no Alandroal e no Penedo dos Mouros em Gouveia. Noutros monumentos encontramos estátuas supostamente representativas de animais sagrados. Nos espaços sagrados das suas sepulturas, os chefes Lusitanos reuniam-se e deliberavam


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após a consulta que faziam aos espíritos que habitavam no interior da terra. Em determinadas lajes faziam um buraco com menos de meio metro de diâmetro e debruçando-se sobre ele, o Arúspice encostava o ouvido, escutando a resposta dos espíritos às suas aspirações. O rito usual quanto ao enterramento até à Romanização foi a inceneração. A norte da Península, as cinzas eram depositadas nas próprias casas ou nas proximidades junto a muros, lançadas sobre a terra ou depositadas em potes de cerâmica. Na época romana, faziam uma cova onde incineravam o cadáver ou incineravam-no fora dela para depois as lá depositarem. Quando o cadáver era colocado dentro duma caixa de telhões, colocavam uma lápide onde inscreviam um epitáfio. As práticas funerárias eram da maior importância para os Lusitanos, uma vez que viam no definhar dos corpos, o seu próprio fim. Eram tratados com todo o respeito e honrados conforme as possibilidades de cada um, tendo em conta a sua importância na comunidade. O espírito dos falecidos continuava

presente

nas

comunidades,

aconselhando,

vigilando e sobretudo acompanhando-as nas tristezas e nas alegrias. Nos actos fúnebres percebia-se que acima de tudo havia um forte laço de consanguinidade, como descendentes


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dum mesmo ramo familiar, mesmo em tribos fisicamente separadas e que muitas vezes mantinham atritos entre si. Igualmente era visível uma hierarquia social e territorial que os unia quando o perigo era comum. Assim se percebe que jamais se submeteram ao jugo romano a não ser pela força bruta e pela perfídia.


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OS GUERREIROS LUSITANOS E COMO FAZIAM A GUERRA

Fig. 5 - O armamento usual dos Guerreiros Lusitanos


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Os Lusitanos não se limitavam exclusivamente à defesa dos seus territórios. Muito pelo contrário, mercê do seu espírito aguerrido, tomavam a iniciativa da guerra planeando operações militares em diversos locais na Península Ibérica, chegando mesmo até África. Pretendiam conservar o controlo das regiões da Betúria, nome dado à época romana aos territórios a sul da Península Ibérica, compreendidos entre os cursos inferiores dos rios Guadiana e Guadalquivir. Impediam o avanço das forças de Roma e submetiam as tribos que na região pactuavam com os Romanos. Ali instalavam bases operacionais. Nestas circunstâncias, os Lusitanos dividiam o exército em duas partes, ficando uma encarregada de assegurar a defesa dos territórios que já possuíam. Os exércitos romanos também se encontravam divididos, invadindo de forma simultânea duas regiões da Lusitânia. Nos confrontos na Ásia e na Grécia, o resultado das batalhas era decidido duma só vez. Após uma investida inicial, os dois exércitos entravam em choque directo, até que uma das partes em confronto se desse como derrotada. Com os Lusitanos, os Romanos viram-se obrigados a suportar confrontos consecutivos que apenas se interrompiam


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ao chegar da noite, para recomeçarem com redobrado ímpeto no dia seguinte, nunca sabendo quando é que a situação terminava. Algumas vezes, vendo os Lusitanos em fuga, festejavam a vitória e eram surpreendidos por um ataque em força. A guerra era apenas interrompida no Inverno o que nem sempre acontecia. Os Lusitanos tanto combatiam em terreno aberto como em terrenos acidentados, escarpados onde a movimentação era difícil, combinando a cavalaria com a infantaria. Estes dois tipos de conflito eram classificados pelos Romanos como latrocinium, no caso das guerrilhas e bellum quando as forças se defrontavam em campo aberto. A condução das batalhas era feita com hostes de noventa guerreiros, guiados por estandartes um pouco à semelhança dos Romanos, cuja unidade de combate era a Centúria, composta por cem homens, constituindo-se como subdivisão da Legião Romana. A guerra de guerrilha foi o tipo de guerra levada a cabo pelas tribos da Meseta ou do Litoral. Graças a Viriato esta forma de luta que até aí fora usada como táctica defensiva, torna-se um método terrível que paralisa e destrói os exércitos romanos uns a seguir aos outros. Levava os romanos a deslocarem-se por estreitos desfiladeiros, obrigando-os a prosseguirem pouco


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mais do que em fila, tornando-os assim alvo excelente do arremesso de lanças, de pedras e de troncos de árvores que faziam rolar pelos penhascos. Tinha da parte dos Romanos o reconhecimento da sua audácia. Sculten encontra no modo arrojado do espírito ofensivo de Viriato, a diferença do modo de guerrear dos outros povos da península. Até aí a guerra de guerrilha era uma estratégia defensiva como foi o caso da guerra celtibérica de Numância. Pelo contrário a estratégia de Viriato era o ataque. O seu objectivo político e militar era a independência da sua pátria em relação a Roma, assim como a expansão da sua influência e poder sobre as ricas comarcas meridionais Betúria, Carpetânia e Bétia e a garantia de que esses espaços seriam reconhecidos por Roma. Viriato levou a guerra para território romano e segundo Apiano foi aí que foi investido chefe militar ou caudilho das gentes lusitanas. Quando falamos da sua estratégia devemos sublinhar que a mesma tinha como objectivo desgastar as forças inimigas pelo ataque inesperado após uma fuga simulada. Em seguida contra-atacava de forma definitiva e em força. Nestas situações privilegiava as armas de arremesso em detrimento do combate corpo a corpo, sendo hábil na utilização da lança.


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Impedia-lhes o abastecimento e capturava-lhes tudo quanto pudesse, aproveitando quanto daí adviesse em proveito das suas tropas, não desprezando a oportunidade de se abastecer de bens alimentares. Não desperdiçava a oportunidade de interceptar os grupos dos soldados romanos forrageadores que se deslocavam em busca de pasto. Raramente permanecia no mesmo local muito tempo, movimentava-se com muita frequência obrigando o inimigo, sustentado por uma estrutura militar rígida e pesada, a constantes mudanças de direcção. No entanto, em raras ocasiões, a partir duma base instalada numa fortaleza ou numa cidade fortificada, optou por lançar o ataque juntamente com o maior número de tropas. Aconteceu na cidade de Tucci (Martos ) ou no Mons Veneris, ( Monte Venus ). De registar que os Romanos à medida que se viam confrontados com o tipo de guerra de guerrilha, não conseguiram outra solução se não abandonar a clássica disposição militar, que utilizavam quando em confronto em campo

aberto,

para

também

adoptarem

disposições

compatíveis com as características do terreno. Disciplinados, habituados a marcharem em colunas com frentes de 6 homens, depressa alteraram, quando tal era possível, a sua estratégia.


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Autores antigos referem ainda uma façanha atribuída a Viriato. Conseguiu que os seus homens reunissem enorme quantidade de gado bovino bravo, à saída de um sinuoso desfiladeiro e ali o mantivessem. Logrou provocar os Romanos que sem se aperceberem, perseguiram os Lusitanos que os conduziram ao desfiladeiro. Logo que os soldados de Roma preencheram o espaço escolhido, as hostes lusitanas que serviram de isco dispersaram conforme puderam, enquanto que outros guerreiros barraram a entrada. Após sinal previamente combinado, os touros bravos, atiçados por cães, foram largados em direcção aos Romanos. O resultado, como seria de esperar, traduziu-se numa carnificina do exército romano. Os Lusitanos faziam emboscadas, atacavam de surpresa nas horas mais quentes do dia ou durante a noite. Sem que se fizesse esperar, dispersavam e voltavam-se a agrupar para de novo atacarem. Avançavam em cunha e para desmoralizar o inimigo exibiam nos castros, os troféus de guerra e as insígnias conquistadas aos Romanos. Na defesa, procediam a retiradas estratégicas, mudavam a localização das populações e colocavam a cavalaria a proteger a retirada das próprias forças. Com frequência utilizavam a política da “terra queimada”.


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O seu armamento usual consistia num pequeno escudo que suspenso do pescoço lhes protegia o peito. Usavam um outro escudo maior, côncavo, sustendo-o no braço esquerdo que não só lhes servia de protecção como também agrediam o adversário com ele. Um pequeno punhal cujo punho era de forma antropomorfa pendia-lhes do cinto. Usavam uma lança cuja ponta era de ferro ou de bronze que utilizavam como dardo,

inutilizando

os

escudos

dos

adversários.

Ao

conseguirem que a lança ficasse cravada nos escudos, tornavam-nos inoperacionais. Serviam-se então duma espada de grande eficiência, a falcata. A superioridade desta arma advém do seu formato e da qualidade do seu material. Feita de aço, uma liga de ferro, de diamante e de grafite assim encontrados na natureza, proporcionava uma arma de máxima dureza. Segundo os historiadores antigos, os ferreiros lusitanos fabricavam-nas usando como segredo, a colocação dos metais em bruto debaixo do solo, durante dois a três anos, permitindo que a terra corroesse as partes mais frágeis. Aproveitavam o restante e na forja e na bigorna construíam a falcata com três lâminas. Os Romanos viram-se na contingência de reforçarem as bordas dos escudos, as armaduras foram redesenhadas e a


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forma do gládio, arma de eleição dos romanos terá sido inspirada na falcata. Antes de se entregarem numa luta corpo a corpo, utilizavam uma lança com ponta de aço com a qual agrediam o adversário ou a utilizavam antes da aproximação como arma de arremesso. Usavam o arco e a funda como armas de flagelação. Num cinturão que lhes cingia a cintura, usavam um punhal antropomórfico, cujo punho lembrava a figura humana. Sobre a cabeça alguns usavam um elmo ornamentado que abanavam ruidosamente no intuito de amedrontar o adversário, ao mesmo tempo que gritavam e batiam os pés. De Viriato e dos Lusitanos, terá dito o pretor Sérgio Sulpício Galba, quando regressado a Roma tentava justificar os inúmeros fracassos que tinha sofrido que, “… existe um povo nos confins da Ibéria que não se governa nem se deixa governar”. A maioria dos autores quer antigos, quer modernos, atribuem a Júlio César a autoria desta frase, dando assim, face ao estatuto deste último, um reconhecimento maior ao povo da Lusitânia.


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VIRIATO

Acerca de Viriato muito se tem escrito ao ponto de se ter tornado lendária a figura desde caudilho, no qual alguns historiadores portugueses modernos a partir do século XX pretendem encontrar a génese da sua identidade, localizando o local do seu nascimento em Portugal. Historiadores espanhóis reivindicam para Espanha o local de nascimento de Viriato. Na década de 40, o Estado Novo não deixou de aproveitar e enaltecer o exemplo de guerreiro que Viriato proporciona, associando Portugal às suas virtudes. Só depois da obtenção de dados arqueológicos poderemos afirmar com seriedade o local do seu nascimento. Luís de Camões refere-se a Viriato nestes termos:

“Desta o pastor nasceu, que no seu nome Se vê que de homem forte os feitos teve; Cuja fama ninguém virá que dome, Pois a grande de Roma não se atreve.”


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Lusíadas, Canto III, estr. VI

Viriato escreveu-se com “t”, embora também se escrevesse “thiriato”, com “th”, que vem do grego Oúoriathus. Do ibérico, deriva de viria que significa “pulseira”, uma abreviatura da língua celta, viriola. Corresponde, portanto, assim, ao termo latino torquatos que tem o mesmo significado, considerando-se assim o nome mais céltico do que ibérico. Partindo do suposto do que nos é dito por Schulten, Viriato é originário da Lusitânia Ocidental que confina com o oceano, mais precisamente da montanha. A sua pátria parece ter sido a Serra da Estrela que domina a região situada entre o Tejo e o Douro. A Lusitânia propriamente dita, Mone Herminius, era desde há muito o local onde se concentrava a guerrilha Lusitânia que nesses desfiladeiros selvagens continuavam a resistir a Cesar. Ainda hoje vive nesta região uma raça livre e selvagem com as suas ovelhas e cabras, por meio da solidão e provações. Schulten baseia-se em Deodoro de Sicília. Algumas fontes coevas e mesmo alguns historiadores modernos tentaram provar que Viriato era originário de outras regiões. Estes


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autores foram inspirados por ideais nacionalistas reivindicando para si e para a sua pátria, a figura do herói. Ignora-se o local onde terá sido o seu nascimento. Poderá como diz Schulten ter nascido em território lusitano, filho de pais celtas ou de outros povos, que voluntariamente abandonaram os seus países de origem, em busca de melhores condições de vida. Por várias vezes a Península Ibérica foi destino dessas populações. Supõe-se que teria já vinte anos quando pela primeira vez aparece mencionado na história e assim se determina que tal terá acontecido 150 a.C. No máximo, talvez tenhamos de recuar até datas anteriores, 190 a.C., calculando-se o seu nascimento por volta de 170 a.C. Uma vez que as fontes referem que Viriato terá tido uma vida cheia de peripécias, as mesmas não poderiam ter acontecido num intervalo de tempo de apenas 20 anos de vida. Apesar de desconhecermos com exatidão a data e local do seu nascimento, sabemos pelas várias fontes antigas que era de origem humilde, como o comprovam os muitos relatos que realçam a ascensão dum homem, desde o seu anonimato até ao momento em que por mérito pessoal, assume uma merecida posição de chefia. Segundo Possidónio, em texto que Diodoro Sículo recolheu, podemos ler o seguinte:


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“O Lusitano Viriato, de humilde linhagem, segundo alguns, mas famosíssimo pelas suas façanhas, já que de pastor se tornou bandoleiro e depois general, era naturalmente e pelos exercícios que fazia, extremamente rápido na perseguição e na fuga e exímio na luta a pé. A comida simples e uma bebida sem refinamentos era o que tomava com maior prazer: passou a maior parte da sua vida ao ar livre, e sempre se contentou com os leitos que a natureza lhe proporcionava. Por isso era superior a todo o tipo de cansaços e inclemência, nunca sofreu com a fome, não se lamentava perante nenhuma contrariedade, sabendo tirar partido de todas as circunstâncias desfavoráveis. Dotado tanto pela natureza como pela sua preocupação em manter essas qualidades físicas, destacava-se ainda pelas suas qualidades de espírito. Era rápido a compreender a executar o necessário, vendo ao mesmo tempo o que havia de ser feito e a melhor oportunidade óptima para o realizar, e era capaz de fingir que conhecia o mais obscuro e desconhecia o mais evidente. Mantinha-se sempre igual a si próprio, tanto no comando como na obediência, nem modesto nem altivo: e pela humildade da sua origem e prestígio do seu poder conseguiu não ser superior nem inferior a ninguém. Em suma não empreendia a guerra, nem por ganância nem por amor ao


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poder, nem pela cólera, mas fazia-a por ela mesma, e é sobretudo por isto que foi temido como guerreiro ardente e conhecedor da arte bélica.” Damião Cássio, também ele nos proporciona um retrato de Viriato, muito semelhante ao de Diodoro Sículo, uma vez que obteve a informação onde este a conseguiu, ou seja, a partir do texto de Possidónio. Porque os textos são extremamente semelhantes não fica aqui reproduzido. Em ambos os relatos Viriato é-nos apresentado como um homem de força e de virtude e de vigor resultantes das circunstâncias de ter vivido toda a sua juventude no meio da natureza, entre penhascos e desfiladeiros na montanha, caçando veados e javalis. O ambiente em que vivia iria dotá-lo de uma grande capacidade de resistência ao sofrimento e de uma grande agilidade física, optando por uma autossuficiência e desprezando a comodidade que as condições de vida já nesse tempo lhe proporcionariam. Quando chefe e general dos Lusitanos, Viriato mostrou-se justo, partilhando com igualdade e com todos os companheiros todos os bens provenientes do espólio de guerra. Apesar de não ter tido uma educação intelectual, Viriato possuía não só uma sabedoria natural extremamente útil nas tomadas de decisões, como também um


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raciocínio sensato, prudente e certeiro. Não sabemos quem foram os seus progenitores. Como atrás ficou referido, devido às muitas invasões ocorridas na Península Ibérica durante a presença dos Lusitanos, não podemos com rigor determinar a sua origem. Alguns romances atribuem a seu pai o nome de Comínio, chefe duma pequena tribo do vale de Guadalquivir. De acordo com a tradição lusitana o primogénito varão era o único herdeiro. Entre os Lusitanos os bens passavam do pai para o filho, ficando a família deserdada. Viriato era o terceiro filho e assim sendo, à semelhança de outros jovens na mesma condição de segundos e terceiros filhos, viu-se obrigado a seguir a vida de pastor e por necessidade salteador, saqueando as terras a sul. Também se conta que seu pai Comínio, antes de partir para a guerra o deixou com cinco anos de idade, junto de sua mãe e de seus irmãos sob protecção dos Igeditanos. Os Igeditanos viviam na cidade de Egitânia assim denominada por suevos e visigodos, cidade fundada pelos romanos em Portugal, onde hoje se localiza Idanha-a-Velha. O pai morreu em combate e Viriato cresceu entre os guerreiros de Egitânia com os quais aprimorou as artes da guerra. Conta-se também que vivendo muito tempo nas montanhas como pastor, aos dezasseis anos era já um


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homem feito, curtido pelo vento ao ar livre, de enorme resistência física e possuindo uma notável capacidade de comando, tendo sido eleito como chefe pelo grupo em que primeiramente se integrou. Tais factos poderão não passar de ficção ou de lenda, sendo, no entanto, mencionado nalgumas fontes escritas. Como a maior parte delas foram feitas com base nas anteriores, é provável que tenha havido alguma contaminação literária. A este respeito, registamos como informações unânimes, a sua origem humilde. No entanto, existem algumas referências em Apiano, Diodoro e Dião Cássio que nos relatam a juventude de Viriato, primeiro como pastor e caçador e depois como salteador e chefe de quadrilhas, situações, muito comuns na Lusitânia. Sabemos por Lívio, Diodoro, Floro, Osório, Eutrópio e Dião Cássio que Viriato ainda muito jovem teria estado com toda a certeza entre os Lusitanos que iniciaram a guerra contra Roma em 154-153 aC. Tito Lívio, autor clássico, refere a presença de mercenários lusitanos incorporados no exército de Aníbal. Endurecido desde a juventude, era insensível à fome, à sede e ao frio. Viriato revelou talento militar inato. Estragão revela-nos que tinha especial habilidade para a espionagem, era muito engenhoso em armar emboscadas e em idealizar


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armadilhas, conseguindo escapar e evitar perigos em situações adversas. Reunia todas as capacidades que mais tarde o iriam tornar um muito respeitado líder guerrilheiro. Elucidativo do seu modo de vida é o texto que, entusiasmado, Schulten escreve sobre a juventude de Viriato: “Física e espiritualmente, Viriato foi um genuíno filho da montanha. O seu corpo, vigoroso por nascimento, foi fortalecido, desde a mais tenra idade, pela rude vida de pastor, sem casa, nem lar, sobre o céu imenso. Em constante luta, como pastor, caçador e bandoleiro, contra o vento e o mau tempo, contra as feras dos bosques e contra inimigos furiosos, tinha conseguido alcançar o perfeito domínio sobre o corpo e o espírito. Competia com qualquer um em força, rapidez e perspicácia, precisava apenas de uma pequena quantidade de alimento e de sono. E suportava facilmente a fome, a sede, o calor e o frio. Só sentia desprezo pela vida farta e deleitosa. No seu casamento com a filha do rico Astoltas, este exibiu com grande ostentação, vasilhas de ouro e trajes caros, mas Viriato, apoiado na sua lança contemplou calado e com ironia o sumptuoso banquete. Recusou-se a participar, pegou apenas num pouco de pão e de carne para a sua gente, fez um sacrifício aos deuses, e por fim saltou para o cavalo com a sua esposa e


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embrenhou-se pela montanha selvagem, o seu mundo “. Viriato tinha um apurado poder de observação. Revelava um exacto conhecimento topográfico do terreno, conhecendo cada recanto do seu território, por mais escondido e ignorado que fosse. Em terreno desconhecido também se orientava na perfeição, escolhendo em cada local a melhor estratégia a seguir. Escolhia previamente os caminhos mais seguros para atacar ou fugir. Tal como outros chefes militares, como Aníbal ou Sertório, Viriato aparece na História dotado de uma personalidade forte e fascinante. Graças a esta personalidade manteve-se durante mais de oito anos à frente dos Lusitanos, sendo “rei e senhor” de todo o território. Os Lusitanos só em raras ocasiões aceitaram submeter-se ao comando de um só homem. Viriato não foi só chefe como também tinha o estatuto de rei e como tal é reconhecido pelo senado romano. Foi a sua personalidade carismática que o manteve tanto tempo à frente do povo lusitano, como mais tarde viria a suceder com Sertório. É muito difícil saber com exatidão o tempo que chefiou os Lusitanos visto haver grande discrepância entre os dados que nos facultam os autores clássicos. Com as obras de Schulten e pelos estudos recentes


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determinou-se duma forma quase absolutamente segura de que foi chefe militar de 147 aC. a 139 aC. Assim, a posição de Apiano que sustentava que o seu comando durara oito anos é confirmada pela investigação moderna. Viriato revelou um amplo conhecimento dos homens do seu povo pelo que, prudentemente com hábil diplomacia e rigorosa autodisciplina, conseguiu encontrar um ponto de equilíbrio entre a autoridade e a observação da máxima justiça exigida pelos seus compatriotas. Dião Cássio refere que Viriato possuía a capacidade de atenuar as derrotas. Levou a que o seu povo acreditasse que possuía a arte de prever o futuro, conquistando assim o respeito e a confiança da sua gente, que era muito supersticiosa. Quando se celebrou o Conselho no Castro da Colla, junto da grande Anta da Candieira na Serra d’Ossa, em que estavam representados os Carperanos, os Vetões, os Vacceos, os Callaicos e os Artraibos a fim de decidirem contra o poderio romano, Idevor, o último dos Endres, consultou os espíritos. Conforme os costumes, nos lugares sagrados, sobre uma laje era aberto um buraco cujo diâmetro não chegaria a meio metro. Ali se debruçou Idevor e encostando o ouvido, escutou o que os espíritos vaticinavam. Após algum tempo, Idevor quebrou o silêncio e vaticinou


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que Viriato jamais seria vencido, e que jamais morreria às mãos dos Romanos. Verdade ou lenda, o certo é que assim viria a acontecer. Viriato foi aclamado e à maneira celta, subiram-no aos ombros sobre um escudo aclamando-o e ali lhe prestaram homenagem e obediência. Alguns chefes mais novos, ciosos por natureza da sua independência, acabaram por se render ao carisma de Viriato. Viriato era superior à maioria das gentes do seu povo no que dizia respeito ao talento político e ao sentimento patriótico, não agindo por interesses materiais. Segundo Apiano encontramos em Viriato a obstinação e orgulhos ibéricos que caracterizavam os outros ibéricos lusitanos, visto que desprezava os Celtiberos aos quais só pediu auxílio em caso de extrema necessidade. A sua morte comprovou a verdadeira dimensão do seu poder e carisma, morte essa apenas conseguida pela traição de que foi vítima por parte de três dos seus homens, os ursunenses Audax, Ditalco e Minuros, oriundos da cidade de Urso, hoje Osuna.


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A CHEGADA DOS ROMANOS À PENÍNSULA IBÉRICA

Após ter consolidado o domínio da Península Itálica, Roma pretende controlar todo o comércio no Mar Mediterrâneo, dominado pela cidade de Cartago, cidade fundada pelos Fenícios no Golfo de Tunes. Roma e Cartago envolvem-se na Primeira Guerra Púnica durante 100 anos, de 264 a 146 a.C. Com colónias na costa mediterrânica de África, na Grécia e na Cecília, Cartago domina o Mar Mediterrâneo. Os Romanos começaram por disputar a Sicília e no confronto no mar, os Cartagineses sempre levaram a melhor até ao dia em que Roma conseguiu capturar um navio cartaginês. Perceberam e copiaram a técnica e o modelo, passaram a utilizar ganchos para aproximarem os navios e espigões com que rompiam os cascos adversários. Estabeleciam passadiços pelos quais faziam abordagens e nas lutas corpo a corpo, acabaram por levar de vencida os Cartagineses, tendo anexado a Sicília em 214 aC. Em 219 a.C. Aníbal, filho de Amílcar Barca que enfrentara


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Roma na 1.ª Guerra Púnica, tomou a cidade de Sagunto, cidade montanhosa pertencente a Roma, local perto da cidade do mesmo nome, na província de Valência em Espanha. Aníbal passa os Alpes e os Pirenéus, avança sobre Roma à frente de 50.000 homens, incluindo a ajuda dos gauleses e introduzindo elefantes como arma de guerra. Roma tenta enfraquecer as tropas de Aníbal e desviar-lhe as atenções da cidade, pelo que decide devastar as imediações de Cartago, a fim de lhe cortar a imprescindível logística e a obrigá-lo a regressar. Aníbal vê-se assim obrigado a preocuparse com a defesa da sua cidade. É forçado a retroceder e acaba por enfrentar Cipião Africano em terreno que lhe é desfavorável, sofrendo pesada derrota. Aníbal capitula e não só entrega Cartago como a região da Hispânia. Entrega ainda a esquadra naval e compromete-se a pagar durante 50 anos uma pesada indemnização a Roma. Acaba assim em 202 a.C. A 2.ª Guerra Púnica. Em 149 a.C., Roma evoca incumprimento por parte de Aníbal, arrasa Cartago que destrói completamente, sendo os sobreviventes vendidos como escravos. A região é anexada a Roma.


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Roma completa o domínio da região, enfrentando e dominando os reinos helenísticos da Macedónia, da Síria e do Egipto. Roma torna-se um exército imbatível na antiguidade.


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HISPÂNIA CITERIOR E ULTERIOR

Os Romanos dividiram a Península Ibérica, que denominavam Hispânia em duas grandes áreas. A Hispânia Citerior e a Hispânia Ulterior. No ano de 69 d.C., a Hispânia Ulterior passou a compreender duas províncias, a província da Bética e a província da Lusitânia.

FIG. 6 – Hispânia Citerior e Hispânia. Ulterior


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A Hispânia Citerior foi mais tarde denominada de Tarraconense, sendo a parte mais ocidental desta região desanexada posteriormente, tomando o nome de Hispânia Nova que, por sua vez vem a chamar-se Galécia, ocupando os territórios da Galiza, Astúrias e parte do reino de Leão.

FIG.7 - Províncias de Tarraconense, Lusitânia e Bética


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AS GUERRAS LUSITANAS

Entendem-se como Guerras Lusitanas os conflitos armados entre os Romanos e as tribos da Hispânia Ulterior que tiveram lugar entre 155 aC. e 139 aC. Enquanto se dão as Guerras Púnicas, entre Cartagineses e Romanos, estes últimos sempre tiveram a noção de que a Península Ibérica era importante para Cartago na medida em que lhe proporcionava recursos humanos e logísticos. Assim, Roma nunca se descurou de manter o domínio na Península Ibérica, ora tomando a iniciativa de subjugar as tribos ali instaladas, ora rechaçando os ataques que estas lhes moviam. No entanto, as hostilidades já vinham acontecendo desde 190 a.C., Lúcio Emílio Paulo enfrenta os Lusitanos sofrendo pesada derrota, perdendo cerca de 6.000 dos seus combatentes. Recupera da situação e em novo confronto leva a melhor infringindo a morte a 30.000 guerreiros lusitanos. No ano seguinte, 189 a.C., Públio Júlio Bruto derrota os Lusitanos em número de 18.000 e captura 2.300 que seriam vendidos como escravos.


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Entre 188 a.C. e 186 a.C., o sucessor de Públio Júnio Bruto, como Pretor da Província Ulterior, sitiou Asta Regia na região da Andaluzia, conquista a cidade e mata 6.000 Lusitanos. Em 179 a.C., Os Romanos conseguem pacificar a zona e estabelecem um tratado de paz. Contudo, os Lusitanos que nunca se conformaram com o facto de serem dominados por outros povos, rompem o tratado de paz e aliados aos Vetões, em 155 a.C. chefiados por Púnico revoltam-se contra o poderio de Roma. Os historiadores justificam a aproximação entre as duas tribos que se confrontavam entre si pela necessidade comum de repelirem os Romanos. Entre 155 a.C. e 154 a.C., Apiano refere incursões dos dois povos até ao oceano. Após a morte de Púnico, sucedelhe no comando Césaro que entre 154 a.C. e 153 a.C. obriga o Pretor Lúcio Nímio a enfrentá-lo com cerca de 15.000 legionários, causando-lhe a perda de 9.000 homens. Apiano diznos que Lúcio Nímio persegue os Lusitanos de forma desordenada e estes, simulando a fuga, arrastam-nos para um terreno

que lhes

proporciona

vantagem, utilizando

a

emboscada como táctica ofensiva. No entanto, Os Lusitanos não conseguem sacudir de todo as forças romanas. Em 151 a.C., Roma envia para a Península Ibérica o Pretor


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Sérvio Sulpício Galba e o Procônsul Lúcio Lícinio Lúculo com a missão de subjugarem as populações. Sofrem baixas num total aproximado de 7.000 homens e acabam por retirar em pleno verão com os restantes 20.000 homens para um acampamento em Conistorgis , perto da cidade fortificada dos Cónios, ao tempo aliados e já submetidos pelos Romanos. Este local era utilizado apenas de inverno o que os desprestigiou e deu ânimo aos Lusitanos. Conistorgis situava-se entre as regiões hoje conhecidas como Baixo Alentejo e Algarve, no sudoeste da Península Ibérica. No ano de 150 a.C., Sérvio Sulpício Galba propõe um período de tranquilidade que os Lusitanos, a troco de uma estabilidade que lhes permitisse cultivar as suas terras bem como o reconhecimento da propriedade das mesmas, criar os seus gados e levarem uma vida despreocupada, aceitaram. O certo é que também já sofriam de algum desgaste que a guerra lhes causara e as reservas de armamento e de víveres era escassa. Sérvio Galba mostrou-se generoso e compreensivo dizendo que os Lusitanos mereciam melhores terras. Combinou formalizarem o acordo no dia seguinte, tendo os Lusitanos, como sinal de boa fé, de entregarem as armas e concentraremse em determinado local a fim de se proceder à distribuição das


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terras. Deste modo, dizem os escritores antigos que cerca de 30.000 lusitanos com as respectivas famílias se apresentaram no local aprazado, tendo como referência um pinheiro secular. À hora prevista Sérvio Galba não apareceu e os Lusitanos foram alvo dos arqueiros romanos. Viram-se envolvidos por forças de infantaria, sem possibilidade alguma de fuga que procedeu a uma carnificina sem piedade, não poupando mulheres, crianças e velhos, todos passando à espada. Não satisfeito com o massacre, Sérgio Galba ordenou o avanço da cavalaria pesada a fim de arrasar tudo o que restasse. A cavalaria, porque já tivesse caído a noite ou porque algum general mais sensato reconhecesse a futilidade do ataque, recusou-se a investir sobre o que restava daquele povo ludibriado. Mas Galba não se conformou e fez avançar sobre o solo ensanguentado e repleto de corpos destroçados, os dez elefantes que faziam parte das suas forças. Pelos escritos antigos, verdade ou ficção, ficamos a saber que alguém ágil e corajoso trepou aos elefantes apunhalando-os no seu único ponto vital, situado entre a cabeça e a primeira vértebra da coluna vertebral e a um por um, lhes foi dando morte imediata. Ao outro dia de manhã, entre os cadáveres em putrefação, jaziam os 10 elefantes de que Sérgio Galba se orgulhava. Tal feito é atribuído a um jovem de porte


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altivo que misturado na carnificina, logrou escapar à situação, assim como mais 10.000 companheiros. Esse jovem que a partir daí começou a ser reparado, dava pelo nome de Viriato. Enquanto isto acontece, Lúcio Licínio Lúculo atacou os Váceos, dos quais matou 4.000 guerreiros e retirou-se para a Turdetânia a fim de passar o Inverno. Um exército de Íberos planeou passar as Colunas de Hércules ou seja o Estreito de Gibraltar, ladeado do lado da Europa pelo Rochedo de Gibraltar e do lado de África pelo Monte Hacho. Era sua intenção chegados a África atacarem os aliados de Roma. Lúcio Licínio Lúculo teve conhecimento e antes de embarcarem massacrou cerca de 15.000 Íberos. Sérvio Sulpício Galba regressa a Roma onde é criticado pela resolução tomada, que à traição liquidou grande parte dos Lusitanos. Foi levado a julgamento perante o Senado que apesar de algumas vozes de reprovação, acabou por ser absolvido de tão perversa atitude à custa de subornos feitos à maioria dos Senadores. Apesar do massacre motivado por Galba, os Lusitanos não se aquietam tanto mais que agora existe alguém com iniciativa e espírito de rebeldia perante a ameaça dos Romanos que vinham em busca de escravos, espoliando as suas terras e


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devastando as suas aldeias. A riqueza de Roma provinha da guerra e dos espólios obtidos e a escravatura era a base de produção. Os escravos eram vendidos por grosso ou a retalho e aos prisioneiros de guerra, juntavam-se os nascidos de pais escravos, servindo também como moeda em pagamento de dívidas. A fim de rentabilizarem o investimento, os Romanos reduziam os escravos a árduo e penoso trabalho, sobretudo nas minas, levando-os à morte por exaustão, sem excepção das mulheres ou deficientes físicos. Os escravos eram considerados como coisas ou gado, sem direito a nome, casamento ou direito de propriedade sobre o que quer que fosse. Viriato e os cerca de 10.000 sobreviventes do massacre de Galba penetram na Turdetânia, no vale de Guadalquivir, mas foram cercados e repelidos pelo pretor Caio Vetílio que em147 a.C. chega à Península trazendo reforços que somados aos efectivos já presentes, rondam os 10.000 soldados na zona. Acerca dos acontecimentos na altura, recordemos as palavras de Apiano, o qual nos conta que: “Pouco depois, os que escaparam a traição de Lúculo e Galba, e que seriam cerca de 10000, invadiram a Turdetânia . Contra eles investiu Caio Vetílio chegado de Roma com algumas tropas frescas às quais se juntaram as que estavam na Hispânia, uns 10000 no total.


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Apanhando os Lusitanos de surpresa durante as suas incursões, matou muitos e obrigou os restantes a refugiarem-se , colocando-os numa situação desesperada pois ficando ali sucumbiriam à fome e se saíssem ficavam à mercê dos romanos. Assim sendo os lusitanos enviaram a Vetílio uma delegação com ramos de Oliveira, pedindo-lhes terras para se estabelecerem e prometendo submeter-se ao povo romano dali em diante. Vetílio prometeu dar-lhes terras e dispunha-se a formalizar o pacto, quando Viriato que tinha conseguido escapar à crueldade de GALBA e que se encontrava entre eles, os pôs de sobreaviso contra a perfídia dos romanos, recordando-lhes quantas vezes tinham quebrado as promessas que tinham feito e como aquele exército não era constituído senão pelos que tinham escapado aos perjúrios de Galba e Lúculo, e disse-lhes que não desesperassem pois sairiam daquela situação se quisessem obedecer-lhe.” (...) encorajados e animados, elegeram Viriato como chefe, este colocou todos os homens à frente como que assumindo posições de combate e ordenou-lhes que quando montassem a cavalo se dispersassem em todas as direcções e que fugissem como pudessem por caminhos diferentes até à cidade de Tríbola e que o esperassem ali. Por outro lado selecionou um milhar de ginetes para ficarem a seu lado. Dispostas as coisas Viriato montou a cavalo e os Lusitanos fugiram. Vetílio não se preocupou em perseguir os que fugiam, mas avistou


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Viriato que estava em guarda e atento aos acontecimentos e pronto para combate. Mas Viriato e os seus velozes cavalos passaram todo aquele dia e o seguinte correndo pela planície, perseguindo-o escondendo- -se, para de novo o enfrentar e contra atacando. O Pretor Vetílio, ludibriado segui-o lentamente com as pesadas legiões e a sua péssima cavalaria, tendo Viriato tido tempo de reorgarnizar as suas tropas e preparar a emboscada definitiva. Dispôs a maior parte das tropas num desfiladeiro da Serrania de Ronda, no vale do rio Barbesula, (hoje, Guadiaro), e que era a única via de comunicação possível entre o vale de Bétis e Carteia situada a 60 Kms do desfiladeiro. Então pondo- se de novo à vista de Vetílio e usando a táctica alternada do ataque e retirada conduzi-o à armadilha mortal. Quando o exército de Roma enfiou pelo desfiladeiro, Viriato voltou-se rapidamente obstruindo a saída ao mesmo tempo que o seu exército oculto nas ladeiras atacava de surpresa pelos flancos e pela rectaguarda a longa coluna do exército romano. Foi um desastre completo para os romanos. Mais de 4000 soldados refugiram-se em Carteia às ordens do Questor de Vetílio mas estavam fora de combate. Este êxito militar de Viriato e a estratégia usada foram registados por muitos autores antigos como Apiano e Frontino, no entanto não há certezas dos lugares onde ocorreram os acontecimentos. A morte do pretor Vetílio


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e a dispersão do seu exército permitiram que Viriato percorresse toda a Bética como o seu exército . Além disso o sucesso da vitória levantou o moral dos Lusitanos ao ponto de estimular a resistência generalizada das outras tribos contra Roma. Viriato tornar-se ia o indiscutível chefe militar dos exércitos lusitanos durante 8 anos sendo como Políbio refere: [o máximo terror dos romanos] ”. Viriato fica senhor de toda a Província Ulterior e com as suas tropas saqueia a Betúria e todo o Vale de Gualdalquivir. Em 147 a.C. Roma decide enviar o questor C. Pláucio após a morte de Vetílio. Declarou Carteia, cidade romana da Bética na província de Cádiz, Andaluzia, Espanha e pede auxílio à Hispânia Citerior. Em seu socorro, os seus aliados Bellos e Titos ocorrem com cerca de 5.000 homens. A meio do caminho são interceptados por Viriato que os derrota. Depois disto, Viriato prossegue na sua senda de vitórias, forçando a retirada das guarnições romanas da Carpetânia, zona riquíssima da Meseta e da Hispânia Citerior. Veio da Bética à Carpetânia pela Serra Morena. Aqui Pláucio ataca as forças lusitanas, pois já dispunha de um exército de 10.000 homens. Viriato, usando a táctica militar da fuga simulada, ou seja, fugir arrastando consigo o adversário e levando-o para uma zona cuja geografia lhe é favorável para depois lhe infringir a derrota, aniquila


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totalmente os 4.000 homens que C. Pláucio tinha enviado em sua perseguição. Esta vitória trouxe a Viriato excelentes despojos que repartiu de forma justa com todos os Lusitanos. Após esta vitória Viriato atravessou o Tejo e instala-se em Mons Veneris, sendo esta denominação referente à Serra de São Vicente no extremo oriental da Serra dos Gredos, conforme nos elucida Schulten. Daqui Viriato domina todo o vale do Tejo e já esta elevação fortificada tinha sido usada com sucesso pelos Vetões. C. Pláucio ataque estas posições sendo novamente derrotado, não tendo outra solução a não ser o refúgio de Inverno que, reduzido à impotência a ele recorre em pleno Verão. A romanização já se tinha feito sentir na região pelo que sabemos dos historiadores antigos, que nos relatam ter sido já feita a introdução das culturas da vinha e do olival. Viriato ocupa com êxito o Vale do Tejo e estende o seu domínio até à Serra de Guadarrama no Sistema Central. Tinha como objectivo unificar à sua volta as tribos da região, tendo conseguido mobilizar algumas forças contra Roma. Terá empreendido uma incursão a Segóvia na região dos Vaceus que não lhe terá sido proveitosa. Enquanto esteve na Carpetânia, Viriato usando a táctica da


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fuga simulada surpreendeu e submeteu os habitantes de Segpovia. Em 146 a.C. o pretor da Hispânia Citerior Cláudio Unimano entra em conflito com os Lusitanos tendo sido derrotado por estes. O novo pretor C. Nigídio teve igual resultado quando pretendeu expulsar Viriato. Em todas estas escaramuças, Viriato e os seus homens apoderavam-se dos estandartes e símbolos romanos que depois exibiam como troféus de guerra e espalhavam com orgulho por montes e vales. No ano de 145 a.C., Roma tendo resolvido a contento a ocupação de Cartago, dedica-se com mais atenção à Península Ibérica, nomeadamente às dificuldades impostas por Viriato e pelos Lusitanos. Desta forma, para a Hispânia Ulterior Roma envia não um Pretor, mas um Cônsul, Caio Emiliano, cujo mandato duraria dois anos e as forças seriam superiores, dado o estatuto de Cônsul. A atenção atribuída a Viriato é enorme e Roma não olha a meios para dominar a península, correndo o risco de, ao entregar o poder durante tanto tempo ao mesmo cônsul, permitir o abuso e a usurpação sobre os territórios governados. Assim acontece. Caio Emiliano considera a Hispânia Ulterior como propriedade sua e consegue que o seu consulado passasse


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para o seu irmão Q. Fábio Máximo Emiliano e que o seu amigo C. Lélio fosse nomeado Pretor da Hispânia Citerior sem respeitar o Senado. No entanto Fábio Máximiano só pode dispor de 15.000 soldados de infantaria, 2.000 de cavalaria e de 10 elefantes. A maioria do seu exército é composta por soldados inexperientes, que nunca tinham entrado em combate, inclusivamente recrutados na província. Fábio Máximiniano não quis recorrer a soldados veteranos, profissionais, que estariam fatigados pelas guerras na África, na Grécia e na Macedónia. Os autores antigos embora refiram este facto como justificação, logo acrescentam que o Senado não autorizou as despesas de mobilização. Após a chegada de Fábio Máximo Emiliano à Bética, Pláucio foi chamado a Roma e condenado ao desterro pela fuga e refúgio no acampamento de Inverno. O recente exército chegado de Roma sob o comando do Cônsul Fábio Máximo Emiliano, agora no ano de 195 a.C., também não obtém sucesso nos primeiros encontros com os Lusitanos. O Cônsul decide passar o primeiro ano do seu consulado em Urso, ( Osuna ), dando preparação ao seu exército, enquanto que Viriato sempre que pode, intercepta as


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colunas de abastecimento e nos confrontos que vai tendo com os Romanos, continua vitorioso. Em 144 a.C., Roma prorroga os poderes a Máximo Emiliano que é nomeado procônsul e inicia a guerra aberta a Viriato. Obtém sucesso o que leva Viriato a perder duas cidades, uma tomada de assalto e outra incendiada. Vê-se obrigado a sair do Vale do Bétis, cuja ocupação tinha durado quatro anos e instalase na cidade de Naikor, a actual Bailén, situada no percurso que sobe do Vale do Bétis pela Serra Morena até à Meseta. Viriato perdeu os seus pontos de apoio na Andaluzia e em todo o vale do Bértis, pois Fábio Máximo Emiliano passa o Inverno em Córdova. Esta situação dura até 143, 142 a.C, altura que o Cônsul se retira e Viriato consegue a reunião dos Arévacos, Bellos e Titos que haviam desertado dos exércitos romanos. Assola de novo as terras da Bética. A Fábio Máximo Emiliano sucede Q. Pompeu A. F. que também não consegue o domínio sobre os Lusitanos. A partir de Baecula, Viriato faz uma incursão pela Hispânia Citerior governada então pelo Pretor Quíncio. Mais uma vez Viriato simula a fuga para depois atacar obrigando Quíncio a suster a investida. Viriato retira-se para o Monte de Vénus. Quíncio


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marchou para Córdova e tal como antes fizera Pláucio, instalase em pleno Verão no acampamento de Inverno. Em Tucci, a 90 Kms do este-sudoeste de Córdova, Viriato estabelece uma praça-forte que lhe vai servir de apoio às razias por todo o Vale do Bétis e da Bastetânia. A sua guerrilha estende-se por todo o território que mais tarde viria a ser o Reino de Granada. Em 143 a.C. confirma o seu domínio desde a Meseta ao Oceano e de novo à Andaluzia. Os autores antigos nada revelam acerca do que terá acontecido durante o ano de 142 a.C., pelo que se presume que a situação não tenha sofrido alterações ou se escaramuças houve, as mesmas não foram relevantes, continuando Viriato a incomodar mais do que a ser incomodado. Roma está em guerra com os Celtíberos na Província Setentrional governada pelo procônsul Q. Cecílio Macedónio Metelo. Devido aos triunfos de Viriato que por certo animam os Celtíberos, estes desafiam Roma entre 143 a 144 a.C., dando lugar às Guerras Celtíberas, (Numantinas ), que apesar de tudo não é conseguido por parte da Península, um consenso na guerra contra Roma. Em finais de 142 a.C., mais provavelmente já em 143 a.C., Roma pretende acabar uma vez por todas com o incómodo que Viriato e os Lusitanos lhe causam. Envia para a Hispânia


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Ulterior mais um familiar da família dos Cipiões. Desta feita, Quinto Fábio Máximo Serviliano, irmão adoptivo de Fábio Emiliano com o cargo de procônsul. Porque Roma está em guerra com os Celtíberos, apenas pode contar com 2 legiões incompletas constituídas por 18.000 soldados de infantaria, 1600 cavaleiros, 300 ginetes africanos e 10 elefantes. Têm algum sucesso, conseguindo alguns objectivos que os levam a libertar algumas das cidades do sul peninsular, visando os pontos de apoio de Viriato na Betúria. Nos encontros que se vão verificando, Viriato usa a mesma tática de sempre, simulando a retirada para colocar os romanos no seu encalço e depois os contra-atacar em terrenos que lhe impedem o retrocesso. Serviliano não tem outra solução a não ser a de abandonar as actuais posições e a refugiar-se em Tucci. Encontrando-se com falta de víveres Viriato retira-se para a Lusitânia. Em represália, Serviliano castiga barbaramente as cinco cidades que na Bética se tinham aliado a Viriato. Em seguida marcha até à região dos Cónios e avançando até à Lusitânia pretende encetar a perseguição às hostes de Viriato. No caminho, vê os seus projectos interrompidos por Cúrio e Apoleio. Cúrio e Apuleio são desertores do exército romano que conseguem reunir um efectivo de 10.000 homens entre


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desertores e tribos ibéricas. Dedicavam-se por conta própria à pilhagem e extorsão, atacando não só romanos como ibéricos. Desta vez, Serviliano recua, mas volta e desbarata as cidades aliadas de Viriato. Fez 10.000 prisioneiros, faz executar 500 e vendeu os restantes como escravos. Igualmente castiga outro bando de desertores também eles dedicados à pilhagem, comandados por Connobas. Porque Connobas se entrega voluntariamente é perdoado enquanto que aos restantes, Serviliano ordena que lhes cortem a mão direita para que não voltem a erguer armas contra Roma. Em 140 a.C. Serviliano permanece na Província Ulterior como pró-magistrado. Ataca a cidade de Badajoz, mas Viriato, informado das intenções dos Romanos, surge durante a noite e na

manhã

seguinte

entregavam-se

à

derrota

abertura

de

Serviliano. trincheiras,

Os

Romanos

prevendo

a

necessidade de defesa e ficam surpreendidos pelo súbito aparecimento de Viriato. Enfraquecidos pela luta da véspera, fogem de forma desordenada e acabam de tal forma encurralados que se veem na contingência de propor um acordo de paz. Viriato consegue o reconhecimento por parte dos Romanos como proprietário das terras dentro dos limites fronteiriços


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estabelecidos na altura. O impensável acontece: Romanos e Lusitanos fazem um Pacto de Amizade. É com admiração que os historiadores descrevem o facto, considerando Viriato um homem sensato e o Senado concedelhe o título de amicus populi romani, (amigo do povo romano ). Esta atitude por parte de Viriato surpreende tanto mais que Viriato havia jurado ódio de morte aos Romanos e por experiência própria sabia da desonestidade com que haviam respeitado pactos e tratados até então. Embora no Senado concordassem nesta “amizade”, também havia senadores que apesar da paz estabelecida, eram de opinião que o melhor era desfazerem-se de Viriato logo que pudessem. Assinado o Tratado de Paz em 140 a.C., Viriato atinge o auge em termos políticos. A superioridade de Viriato é indiscutível já que no terreno as forças estão equilibradas e os Romanos não acreditam numa vitória decisiva sobre os Lusitanos sob o comando de Viriato. Alguns historiadores pretendem explicar a atitude de Viriato por problemas familiares. Um ano antes, havia casado com a filha de Astolpas. Astolpas era um homem rico, que de vez em quando era amigo dos romanos, dependendo das conveniências. Como ele existiam outras famílias que se comportavam da mesma


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maneira e segundo contam os historiadores antigos chegaram a estar Romanos presentes no casamento. Este ambiente desgostava Viriato que não se abstinha de contrapor a sua austeridade e a defesa intransigente dos territórios ameaçados pelos Romanos, contra a opulência e vaidade do sogro. Tratavao com desdém, valorizando a importância das armas em detrimento da riqueza. Naturalmente que tal relacionamento como sogro não era bem visto pelas famílias ricas que como Astolpas se serviam do dinheiro para não terem problemas com os Romanos. Não nos esqueçamos que os generais romanos, embora tivessem como missão conquistar e romanizar a Península Ibérica e principalmente impondo impostos e aprovisionamento de escravos, não deixavam de se seduzir pela possibilidade de ganhos a título pessoal. Viriato teria acreditado que desta vez os Romanos iriam respeitar o tratado sobretudo no que dizia respeito à posse das terras na Betúria. A posse de terras propícias à agricultura e à pastorícia era crucial e sempre ia havendo quezílias de ordem interna, entre pastores e agricultores, mais nómadas os primeiros e mais sedentários os segundos. As tribos só se aproximavam quando o inimigo era comum. Vencidos de todo que fossem os Romanos, as disputas internas continuariam


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além de que, os Lusitanos estavam desfalcados em homens e em armas, consequência das muitas guerras em que tinham participado e Viriato apesar de ousado, era consciente ao ponto de reconhecer que não lhe era possível levar sempre de vencida uma “superpotência”. A paz de 140 a.C. durou pouco tempo. O Senado em Roma apercebe-se

da

diminuição

da

chegada

de

impostos

provenientes da Península e da escassez de escravos de lá provenientes. Sentem ser indigno de Roma a entrega de terras aos Lusitanos. Em 139 a.C. a Serviliano sucede seu irmão Quinto Servílio Cipião que assume poderes como procônsul na Hispânia Ulterior e que se incluía no grupo dos insatisfeitos com o tratado. Com o conhecimento de Roma, Servílio Cipião provoca Viriato com pequenas escaramuças e quando Viriato evoca o Tratado de Paz e põe em causa a idoneidade de Roma, esta quebra oficialmente o tratado e autoriza Servílio a fazer guerra aberta aos Lusitanos. O cônsul Marco Pompílio Lenas que havia negociado a paz com os Nabantinos, é autorizado por Roma a reiniciar os conflitos armados. Viriato, não de todo desiludido pois não era a primeira vez que os Romanos faltavam à palavra dada, mas sobretudo


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porque se encontrava desarmado e sem meios de defesa, vê-se obrigado a entregar algumas cidades da Betúria e perante as imposições e superioridade de Roma, retira-se para a Carpetânia. Cipião persegue-o e cerca-o. Utilizando a tática que lhe é característica, Viriato rompe o cerco mas não impede a perseguição de Cipiâo que lhe vai no encalço, entra pelas montanhas lusitanas, continua nos territórios de Vetões e Galaicos, aliados dos Lusitanos que ataca e que habitavam as áreas compreendidas entre o rio Tejo e o rio Douro. É o primeiro romano a pisar estas terras nas quais deixa vestígios arqueológicos. Constrói uma estrada que vai do Guadiana ao Norte e em Cáceres monta um acampamento estacionário de grande envergadura. Entretanto Marco Pompílio Lenas ataca os Lusitanos pelo Vale do Douro. Viriato tenta conciliar-se com Cipião que não cede e toma a iniciativa de atacar os Lusitanos, entretanto acampados num monte com muito arvoredo. Dando a entender que apenas pretendia cortar árvores, Cipião promove um ataque que lhe sai gorado, dada a existência de um motim entre as suas tropas que lhe chegam inclusivamente a incendiar a sua tenda de general. Viriato ponderou ainda a possibilidade de continuar a


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resistir, mas dada a debilidade dos companheiros, cansados da guerra, entabula negociações directamente com o cônsul Pompílio Lenas, de patente superior a Cipião, e para espanto dos soldados romanos que a tudo assistiram, dirige-se em pessoa, sem guarda pessoal ao acampamento do General Romano. Os Romanos exigiram a entrega de todos os desertores romanos em troca dos prisioneiros lusitanos e dos que anteriormente estavam com eles e que agora os combatiam. Viriato concede a entrega, mas antes faz executar a maior parte dos desertores e em relação às famílias que apoiaram os romanos, manda-as executar não poupando o sogro. Pompílio Lenas iguala-se em crueldade a Fábio Máximo que em 141 a.C. manda cortar a mão direita dos soldados desertores ao proceder de igual modo ao entregar os prisioneiros lusitanos. Não contentes com o resultado das negociações, os Romanos exigem a entrega das armas. Viriato discorda, porventura em memória das carnificinas anteriores ocorridas em tais casos. Quebra as negociações e em consequência volta às montanhas e Lenas à sua província. As escaramuças, sobretudo as acções de guerrilha não cessam e os Lusitanos insistem com Virirato para que mais uma vez tente a paz, agora com Cipião.


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As negociações entre Viriato e Cipião são o episódio mais determinante e inglório da história do caudilho lusitano e consequentemente dos Lusitanos Acabam na morte deste à traição, enquanto dormia, às mãos de quem tinha confiança. Os Lusitanos combatiam nessa altura os Romanos comandados por Cervílio Cepião. Cansado da guerra e preferindo inteligentemente um período de descanso, numa altura em que as suas tropas de certo modo encurraladas, sem provisões e desgastadas, Viriato enviou três dos seus homens que com ele privavam de perto como embaixadores junto de Cepião, tentando negociar um período de paz. Os três dirigiram-se com ramos de oliveira a Cepião, sinal de que iam em paz . Cipião convenceu-os a trair Viriato a troco de dinheiro e de outras recompensas a serem atribuídas por Roma. Regressados de Cepião,

dissimularam como puderam e à

noite, apunhalaram Viriato no pescoço enquanto este dormia. Sempre pronto para o combate, Viriato dormia protegido por armadura e armado, deixando apenas o pescoço a descoberto. Fugiram para junto de Cepião que lhes pagou o prometido tendo-os, no entanto, enviado a Roma a fim de serem recompensados. Roma considerou tal acto ignóbil, contrário à honra de Roma pelo que os fez executar em praça pública,


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declarando que “Roma não paga a traidores”. Viriato foi incinerado numa grande pirra, com todas as honrarias devidas, no meio dum ambiente de consternação pela perda do líder incontestável.


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A MORTE DE VIRIATO

Conforme os relatos de Apiano, Diodoro e Damião Cássio, tal facto ocorreu em 139 a.C. Viriato solicita os bons serviços de três fiéis amigos Audax, Ditalco e Minuros, naturais de Urso, actual Ossuna, província de Roma cuja fidelidade facilmente foi comprada. Desertores dos exércitos romanos estavam ao lado de Viriato. Viriato enviou-os a Cipião propondo negociações para a paz. Não terá sido difícil a Cipião subornar os três emissários, oferecendo-lhes vantagens pessoais, terras para viverem em paz e o perdão e reconhecimento de Roma. Apiano descreve-nos os factos ocorridos: “ Viriato enviou os seus fiéis amigos Audax, Ditalco e Minuro para negociarem a paz com Cipião. Cipião seduzi-os com magníficas dádivas e promessas, e induzi-os a prometerem-lhe matar Viriato. E cumpriram-no do seguinte modo : Viriato dormia pouco por causa das suas preocupações e afazeres, e na maior parte das vezes dormia com as armas, para estar preparado para tudo ao despertar. Assim mesmo de noite os seus amigos podiam abordá-lo. Aproveitando-se deste


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hábito, Audax e os cúmplices, estando Viriato no seu primeiro sono, entraram na tenda como se tivessem algum assunto a tratar e mataram-no ferindo-o no pescoço, o único lugar do corpo que tinha a descoberto. Sem que ninguém tivesse dado conta do sucedido, fugiram para o acampamento de Cipião e reclamaram a sua recompensa. Cipião permitiu que ficassem com o que já lhes havia dado, mas quanto ao que lhe pediam remeteu-os para Roma. Ao raiar da madrugada, os serviçais de Viriato e todo o seu exército, convencidos que ainda dormia estranharam que ainda dormisse mais tempo do que o costume, até que se deram conta da sua morte com as suas armas. Imediatamente se espalhou por todo o acampamento um grande lamento e um grande clamor, chorando todos a sua morte e lamentando-se do seu próprio mal, considerando os perigos que os ameaçavam e o grande caudilho que perdiam. O que mais lhes custava eram não encontrarem os assassinos. O

cadáver de Viriato foi

magnificamente vestido e queimado numa pira altíssima, enquanto os soldados tanto de infantaria como de cavalaria corriam em formação em torno da pira, e entoando as suas glórias ao modo bárbaro. Não se retiraram enquanto o fogo não se extinguiu e sobre o seu túmulo realizaram combates singulares.” Diodoro Sículo também nos conta os factos ocorridos, comentando as motivações que levaram ao comportamento dos


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homens que traíram Viriato. Diz-nos Diodoro Sículo :

“Audax, Ditalco e Nicorontes, da cidade de Orson, amigos e aparentados entre si, dando-se conta que a supremacia de Viriato começava a estar em perigo por causa dos romanos e temendo por si próprios, decidiram granjear a benevolência dos Romanos com algum serviço, pois desta maneira pretendiam ganhar a sua própria segurança. Vendo que Viriato desejava pôr fim à guerra, ofereceramse para persuadir Cepião a fazer um tratado de paz se os enviasse como emissários. Assentiu com prazer o caudilho e pouco depois apresentaram-se perante Cepião e persuadiram-no sem dificuldade, garantindo-lhes a sua segurança pessoal, se lhe trouxessem a notícia da morte de Viriato. Depois de darem e receberem garantias mútuas sobre o pactuado, regressaram muito rapidamente ao acampamento. Disseram que tinham convencido os Romanos a respeitar a paz e fizeram renascer grandes esperanças em Viriato, convencendo-o dos seus projectos mais irrealistas. Mas aproveitaram-se da confiança e da amizade de Viriato lhes tinha, à noite entraram às escondidas na sua tenda de campanha e mataram-no com um golpe certeiro das suas espadas. Saíram imediatamente do acampamento e, através duns atalhos que havia no monte chegaram sem problemas até Cepião, para


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reclamarem a sua recompensa. O cadáver de Viriato foi magnificamente honrado e teve maravilhosos funerais. Fizeram duzentos pares de gladiadores combaterem perante o seu túmulo honrando assim a sua extraordinária coragem. Com efeito, Viriato demonstrou uma grande combatividade no perigo, muita sagacidade na previsão do que convinha e, sobretudo, durante todo o tempo da sua chefia, foi muito querido pelos seus soldados, mais do que ninguém na distribuição dos despojos nunca ficava com uma parte maior do que a dos outros e, daquilo com que ficava dava aos soldados que mais o mereciam ou que mais necessitavam. Era muito sóbrio. Não dormia muito e não retrocedia perante nenhum perigo, nem desejava nada em excesso. As provas do seu valor são evidentes. pois durante os doze anos em que esteve à frente dos Lusitanos não houve nenhuma indisciplina entre os seus soldados. Depois da sua morte, o exército lusitano desfez-se ao ficar privado de semelhante chefe. “

Embora tenhamos o relato relativamente igual no que diz respeito à morte por traição de Viriato, Diodoro Sículo tece elogios à figura ímpar do caudilho lusitano. Em Roma, tais acontecimentos são considerados indignos


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pela morte de Viriato ter sido à traição e a frase que ficou na tradição de que “Roma não paga a traidores “, poderá não traduzir a realidade e ser fruto de “criatividade literária” posterior. Roma nunca poderá negar o estorvo que Viriato representava nem nunca se mostrou escrupulosa ao ponto de olhar a meios para atingir os seus objectivos. A morte de Viriato, embora tivesse sido do modo que foi, não deixou de ser mais do que conveniente para Roma. Como nos diz Diodoro Sículo, com a morte de Viriato o exército dos Lusitanos desfez-se. Sucedeu-lhe Táutalos que ficando muito aquém das qualidades de Viriato, enfrenta uma situação bastante diferente. Táutalos tenta reanimar o espírito de guerra, fazendo uma incursão pela Província Ulterior, na região de Cartago Nova. Cepião persegue-o e obriga-o a render-se incondicionalmente. Cepião não usou da brutalidade e da crueldade dos seus antecessores Galba e Lenas, e respeitou os Lusitanos não exercendo qualquer acto de mutilação. Sem líder, mesmo assim, não rejeitam a ideia de voltar à luta. É nesta altura que são contactados por emissários de Sertório.


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SERTÓRIO

Sertório é uma figura que de modo nenhum poderemos dissociar do final da longa e muito movimentada história dos Lusitanos, como povo independente. De seu nome, Quintos Sertório nasceu em 126 a.C., era um cidadão dito da Roma Antiga que morreu vítima de traição, tal como Viriato, às armas dos seus companheiros durante um banquete aos 54 anos de idade. Assassinar ou mandar assassinar, foi uso banal entre os Romanos quando de outra forma não conseguiam a bem ou a mal atingir os seus fins. General romano e político eloquente, na guerra civil que eclodiu em Roma, tomou o partido de Cácio Márcio, contra o partido de Lúcio Cornélio Sula. Em 83 a.C. Sertório foi enviado para a Península Ibérica como procônsul para governar a Hispânia Ulterior e Citerior. A guerra civil resulta vitoriosa para Lúcio Cornélio Sula que envia por vingança contra Sertório, um exército comandado por Caio Ânio, que o consegue expulsar das suas terras e obrigá-lo a uma vida de sobrevivência como salteador em terras africanas. Em 80 a.C., Sertório entra em contacto com os Lusitanos,


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pede-lhes apoio que recebe de imediato assim como é convidado a assumir o comando das forças que se consigam reunir, a fim de Sertório reaver as províncias de que foi governador. General militarmente competente e político inteligente, consegue insinuar-se a pouco e pouco junto das tribos existentes na Península. Foi derrotando os vários exércitos que foram enviados contra si e como hábil administrador foi introduzindo usos e costumes próprios da civilização romana. Aos filhos dos chefes das tribos, propiciou-lhes a educação tradicional em uso em Roma. No entanto uma revolta da parte de algumas tribos, leva Quintus Sertório a um laivo de indignação e de brutalidade, mandando executar parte destas crianças e vender as restantes como escravas. Até à sua morte, Sertório continuou a vencer os exércitos que chegavam à Península para o derrotar. Generais de grande reputação tais como Cneu Pompeio e Quinto Cecílio Metelo Pio viram as suas tropas serem derrotadas e Sertório continuou dominando a Península Ibérica. Os seus domínios na Península Ibérica foram refúgio de muitos Romanos que por razões políticas se viram obrigados a sair de Roma.


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Durante um banquete, Sertório é assassinado pelo seu lugar-tenente Perpena e outros oficiais. Com a morte de Sertório, verifica-se o fim definitivo da resistência contra o poderio romano.


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O COMEÇO DA ROMANIZAÇÃO

É rápida a romanização da população, transformando toda a Península Ibérica numa província de Roma. Para tal, muito contribuiu a sábia administração de Sertório que anteriormente e de forma não impositiva foi introduzindo os hábitos da civilização romana. A Cepião sucede Sexto Júnio Bruto Callaico que fixa os soldados restantes do exército lusitano assim como as suas famílias em colónias e entrega-lhes terras próprias para cultivo. A esta colónia, segundo Apiano, esta colónia foi chamada de Valência. Houve diversas opiniões acerca das concessões de terras aos Lusitanos nos anos de 140 a.C. a 139 a.C. de acordo com a política romana de controlar administrativamente o território. Também não há consenso quanto à localização de Valência. Tanto poderá ser Valência del Túria, Valênça do Minho ou Valência de Alcântara na Estremadura, inclinando-se a maioria dos historiadores para esta última localização. Muitos dos Lusitanos que tinham seguido Viriato na


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procura de melhores condições de vida, não só pela aquisição de despojos de guerra e saques como também na conquista de melhores terras de cultivo, podem agora submetendo-se a Roma, integrarem-se em colónias e aceitando as terras atribuídas por Roma, refazerem as suas vidas. Resolvido que ficava em parte o problema com os Lusitanos, Roma não podia descurar as outras tribos face à situação social existente na Província Ibérica. Roma tinha finalmente compreendido não ser de solução militar, mas sim política e administrativa, o problema que a romanização enfrentava. Após a submissão dos Lusitanos impunha-se que Roma submetesse as tribos que tinham estado ao lado de Viriato, Galaicos, Vetões e Vaceus, lutando pelos mesmos objectivos e que agora urgia resolver proporcionando-lhes novo modo de vida, sempre em submissão a Roma.

Décimo Júnio Bruto conquista neste propósito a Galécia e a Celtibéria tomando e destruindo a cidade de Numância. Acontece que os Lusitanos, não se conformando com a exiguidade das terras atribuídas pelos Romanos e sobretudo


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pela qualidade agrária, embora sem exército organizado investem na Bética e continuam a sublevarem-se contra os Romanos. Desta feita, em 112 a.C. Lúcio Calpúrnio Pisão enfrenta um grupo de Lusitanos que lhe saqueavam a província. Três anos mais tarde, em 109 a.C., Quinto Servílio Cepião, filho de Cepião que esteve envolvido na morte de Viriato, enfrenta de novo os Lusitanos, sai vitorioso cujo triunfo é celebrado em Roma. No séc. I a.C., Públio Lícinio Crasso, eleito cônsul em Roma no ano de 97 a.C., obriga-se a novo confronto com os Lusitanos ou melhor, com o que vai restando deles, obtendo estrondosa vitória. Em 94 a.C. e 93 a.C., Públio Cornélio Cipião Nasica envolve-se em lutas com os Lusitanos. Os Romanos decidem obrigar os Lusitanos a descerem das montanhas às planícies, acordam na atribuição de terras e estabelecem colónias. Deviam tê-lo feito logo no príncípio evitando os confrontos. Com os Celtíberos a situação protagonizada por Tibério Simprónio Craco foi diferente. Actuou com prudência, respeito e cautela de modo a evitar injustiças. Alojou os mais necessitados em colónias, forneceu-lhes meios de subsistência, estabeleceu novos pactos e conseguiu que todos ficassem amigos dos Romanos, sob o domínio romano.


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Como afirma Sayas Abengoechea: “A traição acelerou o fim da resistência de Viriato, que já era muito precária e não teria conseguido impedir, no caso de se ter mantido, a expansão militar dos Romanos.”


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CONCLUSÃO

O padre Juan de Mariana, jesuíta, ensaísta e historiador espanhol, resume de forma imparcial a importância de Viriato na Península Ibérica e, sem se exceder em elogios, baseando-se no que outros, antes dele escreveram, diz-nos acerca de Viriato e da movimentada história dos Lusitanos: “Varão digno de melhor sorte e de melhor fim que, sendo de baixa condição e humilde, com a grandeza do seu coração, com a sua coragem e habilidade dificultou a grandeza de Roma através de guerras que duraram anos; não desanimou com as adversidades, nem se tornou soberbo com as coisas que lhe foram favoráveis. Na guerra teve altos e baixos, como acontece sempre. Morreu vítima da traição e da maldade dos seus… “ É nosso desejo que a leitura deste modesto trabalho, proporcione o mesmo gosto e prazer, com que o realizámos.


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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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