CINEMA LATINO NA SALA DE AULA Solange Straube Stecz1
Universidade Positivo
Resumo Observamos entre os alunos de Jornalismo a falta de informação e de pensamento crítico sobre as cinematografias latino-americanas. Para eles, são cinematografias inexistentes. Preencher esta lacuna, ampliar os conhecimentos gerais dos alunos foram os objetivos da inclusão das temáticas: cinema brasileiro e latino nos conteúdos programáticos da disciplina de Cinema do curso de Jornalismo da Universidade Positivo. Este artigo traça um rápido painel das principais teorias de cinema na América Latina, nos anos 60/70 desenvolvidas por jovens realizadores que transformaram a forma de fazer cinema em seus países. Palavras-Chave: Ensino de Cinema, Cinematografias Latino-Americanas, Processos Criativos
Abstract We did observe that journalist student have a lack of information and critical thinking about the cinema in Latin America. Fill this gap, enlarge the general knowledge of students were the goals of inclusion of themes: Brazilian and Latin cinema on programmatic content in the discipline of cinema of the course of journalism at the University Positive. This article shows quick panel of the main theories of cinema in Latin America, developed by young directors who chosed in the 60/70 years the form of making films on the continent. Keywords: Teaching of Cinema, Cinema in Latin American, Creative Cases
1 Professora da disciplina de Cinema do Curso de Jornalismo da Universidade Positivo. Jornalista. Mestre em História Social pela UFPR solan77@terra.com.br
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Solange Straube Stecz Para vocês, o cinema é um espetáculo Para mim, é quase uma concepção do mundo. O cinema é veículo do movimento. O cinema é renovador da literatura. O cinema é destruidor da estética. O cinema é intrepidez. O cinema é esportivo O cinema é difusor de idéias. Vladimir Maiakovski (Kino-Phot, agosto de 1022)
Primeiro o silêncio, a surpresa diante da pergunta sobre cinema latinoamericano. Aos poucos, alguns se arriscam e citam : Filho da Noiva (Argentina,2001) de Juan José Campanella , Como água para chocolate (México,1993), Morango e Chocolate (Cuba, México, Espanha,1993), de Juan Carlos Tabío, e Tomás Gutiérrez Alea. Os títulos, em geral, param por aí. A realidade é quase a mesma para o cinema brasileiro, também latino-americano é bom que se diga. Aí Tropa de Elite (Brasil,2007) José Padilha e Cidade de Deus(Brasil,2002), Fernando Meirelles, saem na frente em todas as turmas de cinema do curso de Jornalismo. Alguns, mais raros, citam Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha, este associado à frase “uma idéia na cabeça e uma câmera na mão”, como sinônimo de um processo de trabalho sem planejamento. Desconhecem o rigor teórico e se espantam ao saber da construção minuciosa de seus roteiros e de seus filmes. Poucos ouviram falar de Limite (Brasil,1930),Mário Peixoto de Ganga Bruta (Brasil, 19 ) Humberto Mauro, da Escola de Santa Fé (Argentina), do Grupo Ukamau (Bolívia), da estética da fome, de um cinema imperfeito ou de um cinema junto ao povo. Poucos vão além do cinema espetáculo para conhecer o cinema que renova, que pensa, que reflete a realidade para transformá-la A inclusão do estudo das cinematografias latino-americanas, portanto, ultrapassa a questão dos conteúdos programáticos. É uma necessidade. Observamos entre os alunos de Jornalismo a falta de informação e de pensamento crítico sobre as cinematografias latino-americanas. Para eles, são cinematografias inexistentes. Preencher esta lacuna, ampliar os conhecimentos gerais dos alunos foram os objetivos da inclusão das temáticas: cinema brasileiro e latino nos conteúdos programáticos da disciplina de Cinema do curso de Jornalismo da Universidade Positivo. Este artigo traça um rápido painel das principais teorias de cinema na América Latina, nos anos 60/70 desenvolvidas por jovens realizadores que transformaram a forma de fazer cinema em seus países. 130 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO
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O discurso cinematográfico produzido pela linguagem da imagem em movimento se transforma em objeto de outros discursos que possibilitam aos alunos de Jornalismo saírem da condição de simples espectadores para vivenciarem experiências culturais além da análise estética. Da afirmação de Paulo Emilio Salles Gomes “Não somos europeus nem americanos -do-norte, mas destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro.” (1996, p.77), tiramos a lição de que educar é abrir os olhos, é mostrar a saída da condição de simples espectador, indicar o universo audiovisual que existe além do cinema entretenimento e que permite a reflexão sobre a realidade que nos cerca. Reflexão é a palavra-chave quando entram em classe as histórias de jovens realizadores do Brasil, Chile, Argentina, México, Bolívia, que no começo dos anos sessenta “ perderam o respeito religioso pelo cinema e sem pedir licença para entrar no sagrado universo, pegaram suas câmeras para pensar a experiência de ver e fazer filmes na América Latina e/ou pensar a América Latina na experiência de fazer filmes” (AVELLAR,1995, p. 1).
PRIMÓRDIOS Primeiro a surpresa: o cinema na América Latina chegou bem cedo. No Rio de Janeiro, uma sala da Rua do Ouvidor exibia em 1896 filmes chegados da Europa. Em 1898, Afonso Segreto, teria filmado a Baía da Guanabara e no mesmo ano outras tomadas de acontecimentos sociais e políticos do Rio de Janeiro. Os estudos de Jorge Capellaro (1996) afirmam que em 1897 o empresário italiano Vittorio di Maio realizou exibições em Petrópolis, no Teatro Cassino-Fluminense da “última maravilha e grande descoberta” conforme anunciado na Gazeta de Petrópolis, que na programação incluía a exibição de “quatro filmetes produzidos no Brasil”, nos quais o público veria uma artista no trapézio do Politeama, um bailado de crianças num colégio do Andaraí, o ponto terminal de bondes de Botafogo – com a subida e descida de passageiros – e a chegada de um trem na estação de Petrópolis. Estava, assim, antecipada a data de nascimento do cinema brasileiro. Até 1907 as filmagens registradas pelo país tratam de acontecimentos oficiais ou da paisagem urbana. O filme de ficção, ou “filme posado”, apareceu em 1908, no Rio de Janeiro, com “Os estranguladores” de Antonio Leal e “Nhô Anastácio chegou de viagem” de Júlio Ferrez. Em Curitiba, as primeiras exibições aconteceram em 1897, nos parques de variedades e teatros da cidades. Trazida por companhias ambulantes a novidade rapidamente se instala e, em 1903, José Fillipi, da Companhia Bioscope Inglês, registra “uma passeata realizada nesta capital, por ocasião das festas do centenário de Duque de Caxias”. Quatro anos mais tarde, Annibal Rocha Requião faz o primeiro filme paranaense “O desfile militar de 15 de novembro”. De 1907 a 1912 o pioneiro do cinema paranaense faria 300 filmes2, dos quais 2 Dados da pesquisa “ Referências sobre exibições e filmagens em Curitiba 1892/1930” COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO | 131
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restam apenas dois ( Panorama de Curitiba e Carnaval em Curitiba, filmados em 1910 e 1912), que integram o acervo da Cinemateca de Curitiba. No Paraná as primeiras experiências de ficção são feitas por Guido Padovani “Rosalinda”(1950) e Arsênio Pabst “O Crime do Vossoroca”(1954), sendo que a visibilidade nacional da ficção paranaense só viria em 1960 com Lance Maior, de Sylvio Back. Na maioria dos países da América latina e Caribe, nos quais foram feitas pesquisas sobre filmagens e exibições no início do cinema, observa-se o padrão: filmes documentais, registros do cotidiano, ou vistas animadas seguidas de experiências de ficção na primeira década do século XX em praticamente todos os países da América Latina e Caribe. Na Argentina a primeira exibição de cinema, também com filmes de Lumière foi em 1896. A importação de equipamentos cinematográficos em 1897 possibilitou a realização do primeiro curta metragem “La bandera argentina”, de Eugênio Py, e primeiro filme de ficção “La revolución de mayo”, en 1910. No Uruguai, em 1898, Félix Olivier registrava “Carrera de bicicletas en el velódromo de Arroyo Seco” e em 1923 “Almas de la costa” de Juan Antonio Borges inaugura o cinema de ficção longa-metragem. No México o marco inaugural foi a exibição no Primeiro Salão Cinematográfico por Salvador Toscano Barragán, em 1896, também com filmes dos irmãos Lumière. Em 1898 Salvador Toscano realizou o primeiro filme de ficção mexicano, Don Juan Tenorio. Mas foi preciso esperar até 1907 para que Felipe Jesús Haro realizasse “El grito de Dolores o La independência de México” . Apesar de pouco estudado o cinema da América Central traz a mesma tendência: Na Guatemala, Nicarágua e Costa Rica há registros de festas religiosas, ritos e festas sociais com as primeiras projeções realizadas em salas de teatro. Em 1912 o curta metragem :“El agente 13”, de Alberto de la Riva e “El hijo del patrón” (1915), filme não-concluído de Adolfo Herbruger y Alfredo Palarea marcam o início dos filmes de ficção. Os filmes “Águilas civilizadas” (1927), dos italianos V. Crisonino, E. Bianchi e A. Massi, realizado em El Salvador e o costarriquense El retorno (1930), de A. F. Bertoni, marcam os primórdios da cinematografia centro-americana. María Lourdes Cortés, especialista em cinema latinoamericano e centroamericano, afirma que o cinema da América Central é talvez um dos mais desconhecidos e invisíveis da cinematografia mundial. (CORTES,2005, p. 1). As produções marcaram a era de ouro, ou a bela época, que duraria muito pouco, sufocada pela invasão dos filmes estrangeiros, em especial os norteamericanos que davam os primeiros passos rumo à ocupação completa dos mercados cinematográficos. No Brasil, até 1911, período denominado “A Bela época do cinema brasileiro”, o cinema se desenvolveu rapidamente. Entre 1908 e 1911, além de temas tirados da crônica policial como Os estranguladores, exibido mais de oitocentas vezes no Rio de Janeiro, há registros de melodramas, como A Cabana do Pai Tomás e O Remorso, dramas históricos, como Dona Inês de Castro, patrióticos, como A vida do Barão do Rio Branco carnavalescos, como Pela Vitória dos Clubes e O cordão, e comédias, como Zé Bolas. A maior parte dos filmes citados realizados por Antônio Leal e José Labanca. (GOMES,1996, p. 44). 132 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO
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No México, a época de ouro se localiza entre os anos de 1917 a 1920. Em 1917 é fundada a primeira empresa de cinema totalmente mexicana, a Companhia Asteca de Filmes, pela atriz Mimi Derba e por Enrique Rosas. Os filmes de episódios (seriados) norte-americanos, muito populares no país, inspiram “O automóvel cinza” de 1919, de Enrique Rosas, considerado o mais famoso filme do período mudo do cinema mexicano. Concebido como um seriado, o filme tinha doze episódios que contavam a história de um bando de ladrões de jóias, famosa na cidade do México em 1915. Estava inaugurada a produção em série do cinema mexicano com argumento que se inspirava em fatos atuais e personagens facilmente identificados pelo público. Nos anos 60 as cinematografias latino-americanas vão se ligar pela busca de uma estética própria, pela tentativa de inserção da realidade latino-americana nas telas, pelo cinema político e militante. Tire Die(1958) e Los inundados(1961), de Fernando Birri, na Argentina, dialoga com Los olvidados(1950), de Luiz Buñuel, no México, e se conecta ao cinema novo brasileiro de Glauber Rocha, Barravento(1960), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1962), e Vidas Secas (1962) de Nelson Pereira dos Santos , ao cinema junto ao povo do Grupo Ukamau, na Bolívia, ao cine imperfeito proposto pelo cubano Julio Garcia Spinoza. Cine imperfeito, vale lembrar, não é um cinema feito de qualquer maneira, mas a busca de um novo conceito de qualidade, com rigor estético e de conteúdo se contrapondo ao padrão imposto pela indústria cinematográfica.
EXPERIÊNCIAS LATINAS Segunda surpresa : Um novo cinema é possível. Fundado pelo cineasta Argentino Fernando Birri, no dia 19 de dezembro de 1956, o Instituto de Cinematografia de Santa Fé, (conhecido como Escola Documental de Santa Fé ou simplesmente Escola de Santa Fé) trazia a preocupação com a consciência da realidade social e um método de ensino que incluía a comunidade de Santa Fé. O subdesenvolvimento é um dado de fato para a América Latina, Argentina incluída. É um dado econômico, estatístico. Palavra não inventada pela esquerda, organizações oficiais internacionais(ONU) e da América Latina (OEA,CEPAL,ALALC) a usam habitualmente em seus planos e informativos. Não há como não usá-la.Suas causas são também conhecidas:colonialismo, de fora para dentro.O cinema de outros países participa das características gerais dessa superestrutura, dessa sociedade e a expressa, com todas suas deformações. De uma imagem falsa dessa sociedade, desse povo, escamoteia o povo:não dá uma imagem a esse povo. Dá-la deve ser o primeiro passo:função do documentário. E qual é esta imagem a do cinema documentário ? A de como é a realidade e não pode ser de outra maneira. (Esta é a função revolucionária do documentário social na América Latina)... ... Conseqüência e motivação do documentário social:conhecimento, consciência, tomada de consciênca da realidade. Problematização. Mudança: de subvida em vida.
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Conclusão: colocar-se à frente da realidade com uma cãmara edocumentala, documentar o subdesenvolvimento. O cinema que se faz cunplrice do subdesenvolvimento é subcine. (AVELLAR, 1996, p.41)
A Escola traz para o cinema latino-americano novidade do neo-realismo italiano e o rigor dos documentaristas ingleses dos anos 40. John Grierson e Zavattini inspiraram Fernando Birri: Nos apoyamos declaradamente en principios hoy todavía tan válidos como los enunciados, por ejemplo, por Grierson y Zavattini, cada uno a su tiempo. Grierson – fundamentador teórico del concepto documentalístico, conductor práctico de las filmaciones del rigoroso Group 3 en Inglaterra – ya en el año 30define así al cinematógrafo documental: elaboración creativa de la realidad,sosteniendo su vigencia autónoma porque: 1) Creemos que de la capacidad que el cinematógrafo tiene de mirar alrededor suyo, de observar y seleccionar los acontecimientos de la vida verdadera, se puede obtener una nueva y vital forma de arte. 2) Creemos que el actor natural (o auténtico) y el escenario natural (o auténtico), constituyen la guía mejor para interpretar cinematográficamente el mundo moderno. 3) Creemos que el material y los temas encontrados en el lugar son más bellos (más reales en sentido filosófico) que todo lo que nace de larepresentación. El documental puede profundizar la realidad y obtener de ella resultados que ni la maquinosidad de los sets ni la exquisita reclamación de los actores prefabricados se sueña. ( (In: CORTES, Maria de Lourdes, 200, p. 4)
A educação popular a partir da Universidade, a utilização do cinema a serviço da Universidade e “la Universidad al servicio de la educación popular, de una toma de conciencia cada vez más responsable” (AVELLAR, 1995, p.47) era uma atitude inédita na América Latina. Birri e os integrantes da Escola de Santa Fé buscavam um método oposto ao “ao hermetismo do cinema experimental”(CORTES, 2006, p. 2) e ao cinema comercial, mas que chegasse ao público. A tomada de consciência da realidade latino-americana era sua base teórica. Tire Die (1959), primeiro filme da Escola de Santa Fé se propõe a mostrar um dos tantos aspectos da exclusão social: o cotidiano de crianças que pedem moedas aos passageiros do trem que segue para Buenos Aires, arriscando a vida na ferrovia. Tire die no dá solución, no quiere darla, porque entiende que cualquiera que diera seria parcial excluyente, limitada: quiere en cambio que el público la dé, cada uno de los espectadores, ustedes, buscando y encontrando dentro de ustedes mismos, a prática, conmovidos pero lúcidos... (Birri, Fernando apud: AVELLAR,1995, p.48)
Na Argentina nos anos 60/70 se desenvolveu uma das mais importantes experiências da história do cinema latino-americano: a busca por um terceiro cinema
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que nasce do Grupo Cine Liberación, de Octavio Getino e Fernando(Pino) Solanas, com a realização do filme manifesto: La hora de los hornos(1966/1968) .Também o grupo Cine de la Base de Raymundo Gleyzer, realizador de Los Traidores,(1973), lutava pela integração da América Latina e pela independência cultural e econômica. A tomada de consciência frente ao neocolonialismo é o eixo que une os cineastas latino-americanos. O manifesto de Solanas e Getino, conhecido como Hacia um tercer cine, se opõe não só ao modelo narrativo e produtivo de de Hollywood, mas também ao cinema de autor europeu. A proposta apontava para um cinema antiimperialista e revolucionário que resgatasse as expressões das culturas nacionais, um cinema realizado coletivamente e com poucos recursos, lançando mão de modelos vanguardistas de expressão dentro de contextos mais artesanais do que industriais. En oposición al tercer cine encontramos el primer y el segundo cine. El primer cine son todas las producciones de Hollywood, para las cuales el ser humano no es más que un mero consumidor de ideas, no un creador de ellas. El segundo cine es el llamado “cine independiente” o “de autor”, que según el director francés Jean-Luc Godard está atrapado dentro de una fortaleza, la formada por la narrativa y los modos de distribución que provienen de Hollywood. El Tercer Cine, sin embargo, es un cine de liberación, nace explícitamente con el propósito de combatir el sistema.Pero si se quiere combatir el sistema imperante, no se puede utilizar su misma narrativa. (SEBASTIAN, 2007, p. 1)
Também a forma de exibição dos filmes era debatida pelo Grupo Cine Liberación En 1969 un documento interno elaborado por el Grupo Cine Liberación daba cuenta de la forma en que se tenía que exhibir la película “La Hora de los Hornos” en función de que, inscripta en el llamado “tercer cine” o “cine militante”, cumplía una misión política. La difusión del film se hacía fuera del circuito de cines comerciales; por un lado oponiéndose a la bien aceitada maquinaria cinematográfica norteamericana y, por otro, debido a las persecuciones, censuras y prohibiciones de las cuales eran objeto. Es interesante ver cómo en ese informe se promueve el Acto, o sea una propuesta en la cual el film o su exhibición no es el objetivo final, sino una herramienta para el debate y la reflexión crítica, tanto es así que se sugiere la intervención de grupos musicales que amenicen las reuniones sin faltar la posibilidad del mate o el vino. (STRACCIA, 2007, p. 1)
Na Bolívia, Jorge Sanjínes fundou em 1966 o Grupo Ukamau com Antonio Eguino,Oscar Soria, Ricardo Rada e Hugo Roncal. Fizeram Ukamau, primero filme falado em aimara e em seguida Yawar Mallku, falado em quechua, O grupo buscava um cinema popular e revolucionário que fosse ferramenta de luta política, tendo como tema de seus filmes a miséria e a pobreza. Era o primeiro passo na busca de um cinema de identidade nacional e de um “cine junto al pueblo”. O cinema proposto pelo Grupo era essencialmente antiimperialista: “um cine considerado como revolucionário que sea ajeno a la lucha antiimperialista es uma contradicción” (SANJINÉS,1987, pag.56) e devia buscar a qualidade técnica como meio e não como objetivo, propondo uma COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO | 135
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relação dialética entre beleza e propósitos. La carência de uma forma creativa,coherente reduce su eficacia,aniquila la dinámica ideológica de contenido y solo nos enseña los contornos y la superficialidad sin entregarnos ninguna esencia, nínguna humanidad, ninguún amor, categorias que solo poden surgir por vias de expresión sensible, capaz de penetrar en la verdade. (SANJINÉS, 1987, p.56)
Do altiplano boliviano estava surgindo um novo cinema, de conteúdo transformador e que formulava novas linhas estéticas e conceituais para o cinema no continente. Exibido no Festival de Cannes, de 1967, Ukamau impressionou pela fotografia e pelo tratamento do tema: o confronto entre a cultura branca e a indígena. A beleza da paisagem, a integração do homem com a natureza abrem o filme e só é rompida pela chegada da cultura do branco. Produzido por um organismo estatal, o Instituto Cinematográfico Boliviano, o filme foi exibido simultaneamente em várias cidades da Bolívia. Ao conhecer seu conteúdo, as autoridades expulsaram o Grupo do Instituto Cinematográfico Boliviano e fecharam o órgão, não sem antes destruir as cópias existentes do filme. No entanto, mais de trezentas mil pessoas já haviam visto Ukamau. Os negativos de Ukamau quase foram queimados pelo laboratório argentino onde estavam, pois com a extinção do Instituto Cinematográfico o governo da Bolívia se recusou a pagar uma dívida que estava pendente.(SANJÍNES, 1987, p.19). Por um cine imperfecto, manifesto do cubano Julio García Espinosa, viria propor um novo conceito de qualidade, a partir da premissa de que o cinema perfeito técnica e artisticamente é quase sempre um cinema reacionário, que quase sempre chega ao público impondo valores culturais disfarçados na comédia e no melodrama. Referindo-se ao cinema industrial norte-americano, Espinosa critica o star system e a dominação cultural sobre o público. O documento, escrito em dezembro de 1969, foi publicado pela primeira vez em Hablemos de Cine nº55/56, em Lima, Peru, em 1970. Nele Espinosa afirma que: … Una nueva poética para el cine será, ante todo y sobre todo, una poética «interesada», un arte «interesado», un cine consciente y resueltamente «interesado», es decir, un cine imperfecto… … El cine imperfecto halla un nuevo destinatario en los que luchan. Y, en los problemas de éstos, encuentra su temática. .. … El cine imperfecto entendemos que exige, sobre todo, mostrar el proceso de los problemas. Es decir, lo contrario a un cine que se dedique fundamentalmente a celebrar los resultados. Lo contrario a un cine autosuficiente y contemplativo. Lo contrario a un cine que «ilustra bellamente» las ideas o conceptos que ya poseemos… …El cine imperfecto es una respuesta. Pero también es una pregunta que irá encontrando sus respuestas en el propio desarrollo. El cine imperfecto puede utilizar el documental o la ficción o ambos. Puede utilizar un género u otro o todos. Puede utilizar el cine como arte pluralista o como expresión específica. Le es igual. No son éstas sus alternativas ni sus problemas, ni mucho menos sus objetivos. No son éstas las batallas ni las polémicas que le interesa librar… (ESPINOSA, 1970, p. 10) 136 | COMUNICAÇÃO - REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS, ENSINO
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O cinema imperfeito vai buscar no real, nos grandes temas sociais sua inspiração. Vai também usar o cinema como instrumento de reflexão e de mudança social. Para Espinosa qualquer cinema popular pode ser cinema de arte: Lo cierto es que a mí me interesa descubrir los grandes temas, por muy filosóficos que éstos sean, en la vida de los personajes populares. Partiendo del criterio que, en lo que respecta a la narración, transgredir, sin vulnerar las reglas del juego, no es suficiente. Ni en la vida ni en el arte. Siempre he tratado de desdramatizar más que de conmover, de expresar más que de impresionar, de dialogar más que de sermonear. (ESPINOSA, 2007, p. 7)
Em Cuba, outro nome fundamental para o cinema latino-americano é o de Santiago Alvarez, que com Julio Garcia Espinosa e Tomás Gutierrez Alea em 1959, funda o ICAIC – Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica. O Instituto responsável pela “mais importante das artes” (LABAKI,1992 p.7) adota o neorealismo como modelo e traz como conselheiro técnico Cesare Zavattini. No Brasil, Glauber Rocha, em a Estética da Fome, compara o colonialismo do século 16 com o do século 20 afirmando que a diferença está apenas na forma mais sofisticada, sutil de impor sua presença e sua cultura. Para ele a expressão das artes na América Latina está condicionada econômica e politicamente pela cultura do colonizador , o Cinema Novo é uma forma de insurgência contra a influência estrangeira e como novo cinema ganhou espaço internacional graças a seu “compromisso com a verdade” . Mostrar a verdade é falar da fome, e opor-se ao cinema digestivo3 . Em a Revolução do Cinema Novo, escrito nos anos oitenta, Glauber reúne reflexões e notas sobre a vida cultural do período e retoma este compromisso: “No Brasil, o Cinema Novo é uma questão de verdade e não de fotografismo. Para nós, a câmera é um olho sobre o mundo, o travelling é um instrumento de conhecimento, a montagem não é demagogia mas a pontuação do nosso ambicioso discurso sobre a realidade humana e social do Brasil!”(ROCHA, 2004, p. 232) O ponto de partida do Cinema Novo é ideológico e o período 1960/1968, no qual são produzidos Barravento (Glauber Rocha, 1960), Deus e o Diabo na terra do Sol (Glauber Rocha, 1962), Vidas Secas ( Nelson Pereira dos Santos, 1962), Os Fuzis ( Ruy Guerra, 1964) , Terra em Transe (Glauber Rocha, 1968), vai se relacionar com os demais movimentos, que se desenvolvem pela América Latina e Caribe, na busca da construção de identidade nacional e de uma estética própria. Identificado pelos seus próprios criadores, os Irmãos Lumiére, como uma invenção sem futuro, o cinema na América Latina vai construir pontes entre a realidade e a arte, vai possibilitar ao público olhares sobre a história e a cultura latino-americana vai produzir o cinema como uma ponte entre o espectador e a realidade. 3 Conforme Estétika da Fome. Para Glauber o cinema digestivo é definido como o cinema defendido “pelo crítico-mor da Guanabara, Carlos Lacerda: filmes de gente rica, em casas bonitas, andando em carros de luxo: filmes alegres, cômicos, rápidos, sem mensagens, de objetivos puramente industriais. Estes são os filmes que se opõem à fome, como se, na estufa e nos apartamentos de luxo, os cineastas pudessem esconder a miséria moral de uma burguesia indefinida e frágil ou se mesmo os próprios materiais técnicos e cenográficos pudessem esconder a fome que está enraizada na própria incivilização.”
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Os artistas são engenheiros, lembra Cortázar, os cineastas constroem pontes, acrescenta Glauber: Los artistas son ingenieros de um afectivo puente mental, são engenheiros voltados para o cálculo do arco das pontes, cada vez mais imprescindíveis entre o produto intelectual e seus destinatários. (AVELLAR, 1995, p. 312)
Julio Garcia Espinosa, Fernando Solanas e Octavio Getino, Jorge Sanjinés e Glauber Rocha com suas pontes, construídas de teorias e filmes representam as bases do novo cinema latino-americano. Sua obra chama atenção para o fato de que a linguagem cinematográfica não é acabada, e que no subtexto do conceito de perfeição, ditado pelo cinema hegemônico está a imposição cultural. Trazê-los para a sala de aula é inserir o cinema nos debates da responsabilidade social do jornalista e lembrar seu papel de “construtor de pontes” entre uma pauta e os leitores de sua matéria. Mostrar, para os alunos de hoje, que jovens como eles foram capazes de encontrar novas formas de expressão artística a partir de realidades nacionais é também construir novas pontes, é contribuir para o pensamento crítico, para a descolonização do olhar. Mostrar que nos anos 60, com equipamentos leves e acessíveis (câmeras de 16 mm, 8 mm, super 8), um conjunto de cineastas latino-americanos, com um pouco mais de vinte anos de idade, buscava uma aproximação maior com a realidade é, parece-nos, incentivar os jovens que têm a seu dispor um aparato tecnológico ainda mais acessível a olhar sobre o mundo que os cerca como co-participantes da realidade e não apenas espectadores passivos.
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