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Os dilemas da emoção na arte de interpretar a notícia

definição para se inscrever em Jornalismo veio com um pensamento incomum e, ao mesmo tempo, com um sentido direcionado para Palmira Ribeiro da Silva. Os motivos revividos pela memória por ela duranteA a entrevista deixam identificados que não se tratam de fatores do passado. Pelo contrário: a paixão pelo Teatro e pelo Direito prosseguem como elementos importantes em sua produção de sentido como jornalista. E mais precisamente é o ponto central que mergulha sua análise crítica sobre a nova geração de jornalistas que acompanha no exercício de estágio.

A questão aqui se torna inevitável: qual a relação que há entre a decisão de reunir no jornalismo as paixões do Teatro e do Direito? Palmira deixa claro que o caminho não foi definido assim, de forma tranquila, com ausência de dúvidas. E essa dúvida só teve redirecionamento no momento em que foi realizar a inscrição para a graduação. Ao fim das contas, nem o Teatro, nem o Direito. Ou melhor: ao optar por Jornalismo, Palmira Ribeiro iria iniciar essa complexa relação de trazer para o Jornalismo um movimento singular em que sua potencialidade como sujeito já indicava como missão: ajudar as pessoas.

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Ela se recorda que no terceiro período do colegial chegou a participar de uma feira de profissões e participou, neste evento, do exercício de um tribunal. Quando tudo indicava que a decisão estava tomada para seguir o curso de Direito, e que a

paixão pelo Teatro iria ter de encontrar outros movimentos em sua constituição de identidade, Palmira Ribeiro transfigurou a dúvida em uma proposta profissional. É desta forma que a decisão veio no indicativo de juntar essas duas áreas.

E assim a narrativa de Palmira Ribeiro se sucedeu ao ser interrogada: o Jornalismo foi sua primeira opção de curso? Você tinha dúvidas sobre esse curso, tentou algum outro?

Tinha, tinha. Eu já fiz teatro, a minha vida inteira. Eu fiz teatro e eu gostava muito de interpretar. Mas ao mesmo tempo tinha uma paixão muito grande por Direito. Então eu enxergava que com o Direito eu poderia ajudar as pessoas. Com o tempo foi passando eu peguei e falei assim: “bom, como que eu posso fazer Direito de uma forma mais rápida?” como posso ajudar uma pessoa de uma forma mais rápida? Aí eu optei pelo Jornalismo. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

A proposta, então, era reunir esse gosto de interpretar e ao mesmo tempo arrumar um meio de fazer o curso de Direito de forma mais rápida. Como toda decisão exige que o sujeito encontre o sentido para que prossiga o caminho, Palmira Ribeiro traçou um entendimento, mas direcionou para uma área específica:

Tanto que porquê que eu comentei do Teatro? Porque eu entrei no Jornalis mo pensando em TV, pela interpretação, eu uniria dois cursos num só: a in terpretação com a parte da justiça, do Direito. A minha vontade era ajudar as pessoas, só que o Direito demora mais, em alguns casos, e ajudar no sentido assim: o buraco da vizinha, sabe? Ajudar a resolver muitos assuntos as sim. Então acabou que no terceiro colegial cheguei a participar daquelas feiras de profissões, participei de um tribunal, participei de algumas coisas mas no dia que eu fui me inscrever pra Direito eu marquei Jornalismo, me veio uma coisa assim, eu falei assim “eu vou juntar os dois e vou fazer Jornalismo”, foi a melhor coisa que eu fiz, do começo ao fim, até hoje. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

É desta forma que Palmira Ribeiro fez seu primeiro exercício de interdisciplinaridade reunindo as três áreas, entendendo as particularidades de cada uma e ao

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mesmo tempo encontrando o ponto comum. Havia a necessidade de entender esse ponto de ligação para inclusive estruturar a lógica do curso que decidira realizar. Se por um lado, parece claro como a entrevistada está traçando a relação de Jornalismo e Direito, torna-se necessário indagar qual proximidade ela articula entre o Jornalismo e o Teatro.

Sim, tanto o Direito, quanto o Teatro, quanto o Jornalismo, pra mim têm essas três ligações. Um repórter de TV por exemplo: ele tem que interpretar a notícia, se ele não interpretar ele não vai levar emoção pras pessoas. Se você vê uma matéria de comportamento, tem gente que chora. Tem gente que chora assistindo uma reportagem e se de repente ele não souber interpretar ele não vai conseguir atingir as pessoas. Então assim, tanto que eu pensava na TV por isso, que era uma forma de eu poder ao mesmo tempo decorar um texto, interpretar e levar esse texto pras pessoas, entendeu? Então pra mim é muito próximo. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

Palmira Ribeiro realizou o curso de Jornalismo no Centro Universitário do Triângulo, UNITRI, no período de 1998 até 2001. Três anos depois, 2004, realizou o curso de Especialização em Comunicação e Marketing pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Esse curso de especialização iria tomar outra interpretação sobre os caminhos da profissão e dos fatores que exigem o trabalho profissional na realidade. As respostas de Palmira Ribeiro edificam o sentido da memória que percorre sua realidade vivida e estabelece, no presente, quais fatores devem ser postos em discussão com mais veemência.

Se o jornalista não souber interpretar, ele não levará emoção para as pessoas. O sentido desta frase precisa ser desvelado para que não prossiga com o olhar próximo do debate, seja para manipulação da notícia, seja para o sensacionalismo. Palmira Ribeiro estabelece aqui este ato de interpretar como técnica ao se associar ao teatro, mais precisamente a atuação do ator. Claro está que a interpretação está vinculada ao contexto, seja do texto do qual o ator está levado a entender da peça, seja da notícia da qual o jornalista estará lendo. O ponto nodal é recair então em outro dilema: é

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possível interpretar a notícia sem que você recaia na antítese de somente sensibilizála? A resposta a essa interrogação parece estar na proposta de Palmira Ribeiro, na justificativa de se inscrever em Jornalismo em vez do Direito: ajudar as pessoas.

O exemplo de ajudar as pessoas está amparado em questões do cotidiano. O buraco da casa da vizinha e outros assuntos desta mesma proporção de serem denunciados e amparados pelo senso de justiça. E assim é possível entender que o sentido de interpretar a notícia, apresentado pela entrevistada, está diretamente vinculado ao conceito de levar emoção. Trata-se de impulsionar o movimento de identificação do outro, em vez da mudança de comportamento. No momento em que lança o desafio para si mesma, Palmira Ribeiro está adentrando na distinção entre o terreno teórico da razão e o da emoção em contraponto ao procedimento metodológico de interpretar a notícia do presente. E esse embate seguirá para os outros elementos do qual a entrevistada destacará como fator de análise em sua memória coletiva.

Mas há no entanto outro elemento que insurge como possível para a análise. Ao ser questionada sobre as disciplinas da qual se recorda e que mais se identificou Palmira Ribeiro cita, entre elas, a Psicologia. O ponto importante aqui é compreender em qual sentido está direcionado o conhecimento de Psicologia:

Psicologia, por incrível que pareça, porque a psicologia fala do próprio corpo falar, como que você tem que se comportar nas reportagens, até como você fala com o entrevistado. Então acho que é muito importante às vezes a persuasão no que a gente tem que falar e depois realmente a prática, acho que é muito importante a gente colocar a mão na massa né? (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

Novamente o entendimento da Psicologia está definido ora em procedimento metodológico, ora está percorrendo um sentido teórico. Pois se num primeiro momento se avança em uma relação de ato condicional de comportamento profissional, de como se expressar pelo corpo, como você tem de se comportar e até como você fala com o entrevistado. Mas no momento em que o sentido da persuasão se efetiva, te-

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mos de ressignificar se essa lógica do ato de falar está delimitada ao comportamento ou se estende como persuasão, cujo sentido comunicativo está em alterar o comportamento do outro, sem que isso resulte na proposta de consciência sobre o cotidiano.

Há outras duas matérias que percorrem a narrativa da memória de Palmira Ribeiro. Elas se apresentam com sentido diferenciado. E novamente estamos tendo de compreender se a análise da qual parte a entrevistada se configura em procedimento e/ou teórica, agora com ênfase para a formação do jornalista. E elas também estão amparadas na justificativas se foram suficientes ou insuficientes para que ela tomasse consciência de seu trabalho profissional. É importante considerar aqui que a leitura de Palmira Ribeiro está diretamente constituída pela orientação da tensão e conflito da experiência vivida do presente.

A primeira disciplina da qual ela destaca é o Português. Palmira Ribeiro considera que essa disciplina foi suficiente para o seu aprendizado e ao mesmo tempo fortaleceu a sua formação acadêmica.

Português acredito que foram suficientes. As aulas de Português foram suficientes porque acaba que é muita regrinha que é revisão do que você vê no colegial, entendeu? Que eu acho que no dia a dia não muda muita coisa exceto a reforma ortográfica, né? Então o português foi suficiente, agora a questão da matemática, a questão da economia, umas outras questões que são mais áreas especializadas a gente não aprofunda tanto quanto deveria aprofundar. Eu acredito assim, porque foi muito superficial na época quando a gente teve aula de economia, que dá um geral, eu me senti no colegial. Tipo, dá um geral sobre Marx sobre não sei o quê. E na prática, como é que é jornalismo econômico? Como que a gente vai traduzir aquela linguagem teórica pras pessoas? Isso a faculdade não me ensinou, e isso eu sinto deficitário, entendeu? (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

Ao que indica os comentários acima, o ensino acadêmico de Português e de Economia seguiram a mesma tendência da qual a entrevistada denuncia: uma revisão do que teve no Ensino Médio. Porém, por que a economia teve um peso diferenciado da de Português? A referência da resposta, longe de ser sobre a dimensão acadêmica,

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está mais articulada para o debate sobre a sua atuação no mercado de trabalho. Ou melhor: do que mais ela sentiu falta no mercado de trabalho na sua formação. O sentimento de angústia, de que a universidade deixa de assumir seu papel crítico para se apresentar como colegial, teve início na graduação e se estendeu para outro horizonte, na redação. Mas o ponto nodal aqui da crítica da entrevistada está no que ela denominará como falta de equilíbrio da teoria e da prática entre a universidade e o mercado de trabalho, e depois entre a universidade pública e privada.

O sentimento deficitário do ensino que Palmira Ribeiro confessa ter sentido tem de ser entendido pela sua proposta de seguir o Jornalismo. A sua relação com o Teatro a levou a optar pelo Jornalismo com este sentido de interpretar. Mas se o re pórter não tem condições de elaborar uma matéria que consiga traduzir a linguagem teórica do econômico para as pessoas entenderem, está diante de um problema. Sem a compreensão do tema em embate, não há como fazer matéria. E sem matéria, não há a interpretação que levará emoção ao outro. É desta forma que a entrevistada mergulha no problema de natureza teórica da formação profissional fazendo a indagação: na prática, como é o Jornalismo Econômico?

Nem o fato de Palmira Ribeiro ter resolvido ou minimizado esse dilema referente a economia a retirou dessa esfera de luta. Isso porque a identificação de que a disciplina de Economia se fez como revisão de colegial a levou a fazer um curso de Economia na UFU depois de encerrada a graduação. E assim, a pergunta de ordem subjetiva deixou o estado do “segundo” colegial para se efetivar na dimensão profunda do que reivindica que deveria ter tido na graduação.

E até hoje, depois que eu formei eu fiz um curso de economia pela UFU. Eu e vários jornalistas da cidade, foi aberto pros jornalistas, faz muito tempo, e foi bom, foi bom pra entender na época assim, SELIC, foi bom pra entender o porquê do sobe e desce de inflação e como traduzir isso. Porque os professores não entendiam, os professores eram de economia da UFU, eles reclamavam daquilo que eles não entendiam que a gente estava passando, então foi

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um curso muito legal, porque eles tentavam explicar pra gente e a gente tentava entender de fato. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

Há uma mudança aqui na relação de ensino e aprendizagem que demarca o entendimento teórico associado ao prático. Palmira Ribeiro deixa claro que não se trata da teoria pela teoria, nem da prática assim reduzida. O sentido positivo era a relação dialógica construída por jornalistas e professores dentro daquilo que se es tabeleceu como proposta: é preciso entender economia, essa linguagem acadêmica, para que se possa atuar como jornalista e informar ao público. Pois, se nem o jornalista consegue traduzir determinadas questões, como a Taxa SELIC, como poderá produzir sentido em uma matéria de forma crítica, sem que se recaia meramente em reprodução mecânica de dados?

Se por uma esfera, o curso de especialização minimizou a dúvida em Economia, faltava então estabelecer valor substantivo para a importância do Direito. E o direcionamento que ela estabelece para o Jornalismo se tornou um problema a ser resolvido. Primeiro, pela ausência da linguagem jurídica no curso de Jornalismo. Segundo, porque mesmo depois de formada, a relação da jornalista com os estagiários identifica essa mesma deficiência. E o questionamento se fortalece: por que será que o ensino de Jornalismo não pesa sobre essa Linguagem Jurídica tão empregada pelo jornalista no seu cotidiano de reportagem? Sem que isso se fortaleça, a redação sobrevive em meio a este estado de tensão:

Então, eu acho que falta linguagem jurídica, eu não tive. Uma das maiores dificuldades que eu tenho no dia a dia com os estagiários, com os repórteres, é linguagem jurídica, a questão do Direito mesmo, sabe? Mostra o rosto da pessoa ou não mostra? Quando é menor, quando não é menor? O termo menor? Porque o termo menor você só pode usar se tiver passagem, se não tiver passagem é adolescente, se foi a primeira vez que foi apreendido, entendeu? Então, isso eu não tive na faculdade. Acho que foi muito importante, o que mais marcou foi o português, que realmente foi uma revisão, a economia que foi superficial mas que eu acho importante e a ausência, por exemplo, de ques-

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tões jurídicas, assim, dessa falta de linguagem especializada. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

É a falta de ensino e aprofundamento sobre a Linguagem Especializada que a jornalista Palmira Ribeiro reclama como insuficiente. É preciso compreender o que se traduz como Linguem Especializada: o complemento da resposta indica ser algo que não pode ser localizado no cotidiano da vida. Sem essa proximidade, deixa de ser uma linguagem comum para se tornar algo a ser aprendido da qual é preciso encontrar referência ao se tratar do assunto. A questão levantada acima se reafirma: se o conteúdo se torna estranho como se fosse código indecifrável para o jornalista, a interpretação se torna uma razão utópica na proposta de Palmira Ribeiro

Porque o esporte, por exemplo, eu costumo brincar com a minha equipe, que o esporte faz parte da nossa vida, a gente sabe a técnica e você faz, porque ai o esporte vai depender do Teatro, da sua representação e de saber contar história, pra você tornar aquilo interessante, entendeu? Mas tem umas áreas que a gente tem que aprender, saúde, área do agronegócio, assim, tem muita coisa que a gente não sabe. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

A articulação do Jornalismo com o Teatro extrapola o sentido subjetivo de Palmira Ribeiro e o da orientação aos estagiários, na redação, para compreender a Linguagem Jurídica. É provável que já seria de se esperar que a concepção deste ato interpretativo que se efetiva do Jornalismo iria, aos poucos, ter de responder a outras instâncias de método para que se alcance coerência teórica. O primeiro passo para esse extrapolar veio do ressignificar do ato de interpretar. Em vez de ser o ato do jornalista no comentário ou na narrativa da notícia, é preciso que o jornalista tenha ciência de que seu entrevistado ou aquele da qual está como sujeito da matéria também está interpretando.

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A resposta veio como tônica a uma pergunta realizada sobre essa ausência da qual a entrevistada parte para criticar a universidade. Você considera que essa deficiência é em decorrência da estrutura curricular da universidade ou é da metodologia do professor? Ou depende se os alunos estão preparados naquele momento pra isso? A questão versa sobre os três itens básicos para entender o posicionamento de Palmira Ribeiro. E de certa forma ela desconsidera esses três elementos:

Então, quem define a grade geralmente é a universidade, né? Então eu não sei se o professor pode opinar muito, mas a meu ver é uma deficiência muito grande, é uma falta de noção das universidades de saber o que de fato é preciso no mercado, o que de fato o jornalista vai sentir falta, é isso que eu vejo, uma coisa que acontece aqui e em várias empresas que eu passei, vários re-

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pórteres que já vi passar tanto na TV quanto no site. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

Da ausência do que sentiu em sua formação a entrevistada aponta para um diagnóstico do qual trata-se da responsabilidade da universidade. E aqui se torna imprescindível a pergunta: quando se denuncia a superficialidade do que foi o ensino de determinada disciplina, não se está diante de um problema teórico de ensino –aprendizagem? A resposta acima vem muito mais empreendida na crítica à universidade direcionando para a estrutura curricular. O fato é que Palmira ratifica mais uma vez que se a universidade tem a proposta de formar o aluno, e entre elas está o item mercado de trabalho, falta noção para a instituição em saber o que realmente é preciso para o jornalista atuar no mercado.

Essa deficiência pode ser sentida na redação sob dois aspectos: É, que, por exemplo, tem aquele cara que entende de política. Quando ele sai, todo mundo fica desesperado. Quais são as artimanhas? A gente estava falando de Teatro. Política é um teatro. Se o jornalista não souber que aquele cara está representando, ele vai cair, se não tiver a malícia do que ele tá falando, não entender de política, vai cair. Então pra mim, há uma deficiência das universidades particulares e federais de, de fato, não entender e não colocar na grade curricular aquilo que de fato é o dia a dia. Por mais que seja teoria, mas a gente precisa entender pra depois a gente colocar em prática. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

A Política é um teatro. Mas que jornalista será possível destinar para a cobertura se não tem o aprendizado sobre política ou sequer consegue entender a arte de interpretar do político? O que isso significa na prática? Temos então de retornar para o item da persuasão para conseguirmos identificar o sentido da frase. O temor apa rente de Palmira Ribeiro é que sem malícia, nesta cobertura política, o repórter possa ser levado pela interpretação do político, levado a se emocionar pelo seu posicionamento de fala e com isso reproduzir na matéria.

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É como se fosse um círculo: o político interpreta e provoca emoção no repórter que está na cobertura. O repórter interpreta a notícia para levar a emoção ao leitor; e o leitor emocionado sobre aquele fato circula e consome a informação na produção de sentido. O resultado deste círculo é perigoso quando Palmira Ribeiro indaga e tem como receio de que o jornalista pode cair nesta cilada interpretativa. Em vez de escrever com base na análise do fato, se escreverá por meio da ideologia do outro. E ao cair nesta armadilha, perde-se a noção tão cara para a jornalista de ajudar as pessoas, o bem comum.

Esse temor da perda da referência do público tem de ser entendido para além do simbólico. Isso porque a narrativa da memória de Palmira Ribeiro identifica, no percurso de graduação, outro problema considerado grave e que adiciona elementos de insuficiência que denuncia na universidade. Ao modificar o teor da pergunta para que responda agora sobre a memória de formação prática, a questão se efetiva de forma simples: Eu queria que você falasse um pouco sobre a prática. Se a teoria foi insuficiente, você acha que a prática que você teve na graduação, ela foi suficiente para você realizar o trabalho no mercado?

A resposta é negativa. Nem a teoria, nem a prática foram suficientes. Mas quais foram os elementos que a entrevistada enumera como insuficientes. O primeiro deles refere-se ao número pequeno de laboratório para os exercícios das aulas práticas. No entanto, não se trata da quantidade de laboratório ou dos equipamentos. O tom mais grave apontado por Palmira Ribeiro nas aulas práticas era o fato de o aluno não extrapolar o universo da academia para sedimentar o seu aprendizado na disciplina prática. Ela justifica que por mais que fosse uma universidade particular, é necessário considerar que, apesar de ser a 15ª turma, o jornalismo ainda era muito novo:

Então a gente tinha um laboratório de fotografia e tínhamos aulas práticas de TV, então tinha deficiência, fora usar o equipamento da faculdade e fazer ali um... a gente tinha laboratório sim de jornal, de jornal impresso, fora fazer o jornal impresso, fora fazer ali mesmo dentro da faculdade as entrevistas e

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editar e aprender a revelar foto, a gente não extrapolava o universo, a gente não ia pra comunidade in loco assim, não era uma prática, uma rotina, entendeu? A gente não ia pra essa realidade, sabe, a gente ficava mais dentro da faculdade, “ah, vamos fazer um trabalho de reportagem”, “vamos aprender agora, vamos pra prática”, a gente entrevistava os alunos dentro da faculdade, entendeu? Ai você vai pensar “ah, estudante não pode sair” ok, não pode sair mas, às vezes, um dia o professor dar um trabalho, jornalismo comunitário, igual eu te falei que a gente teve, professor pegar o aluno e vai com eles in loco, vamos fazer, vamos ver aqui como que você agem na prática fazendo uma reportagem, como que é? E isso a gente não teve, eu tive, eu posso dizer que a maior parte do que eu sei eu aprendi na prática, na vida fora da faculdade. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

A perda de referência da comunidade deixa de ser um aprendizado teórico e prático para passar a ser compreendido somente na vida fora da faculdade. A qualificadora dessa perda do bem comum tem de ser entendida no fundamento importante considerado pela entrevistada sobre o Jornalismo: se o discente não vai para a comunidade, não se tem referência sobre quem é este sujeito. E com a perda deste sujeito, o ato de interpretar para levar emoção às pessoas, passa ser somente delimitado por uma representação do público. E a agonia da entrevistada precisa ser estendida aqui da própria escolha de fazer Jornalismo: ajudar de forma mais rápida às pessoas. Que pessoas se pode ajudar quando as únicas experiências de entrevistados, de dilemas do cotidiano, são retirados do sentido do ato de interpretação de alunos?

A insuficiência na teoria da Linguagem Específica se somou à insuficiência teórica da disciplina prática e a perda de referência da comunidade. Adicionado a esses elementos, Palmira Ribeiro iria se defrontar com outra questão polêmica que a conduziria a produção de sentido para tornar coerente sua proposta de jornalismo. E a gravidade agora se recaiu no único meio que havia definido para se sustentar na área: a TV. O que levou a entrevistada a partir da TV como meio, declarar amor pela TV, mas que por uma frustração, esse meio de comunicação não a tocou mais no coração.

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Para se chegar nessa crise é preciso compreender como foram realizadas as disciplinas práticas de telejornalismo na Unitri.

Naquela época, ah!, tivemos teoria e a aula prática foram dois períodos Eu lembro que um dos períodos foi mais estética e linguagem, a estética tam bém da linguagem e o outro período foi mesmo aprender a fazer reporta gem e edição. Eu acredito que faltou profundidade, sabe, assim, falta profundidade, eu acho que é tudo muito rápido, a gente teve um ano sabe, um período estética outro período TV mesmo, Jornalismo, e é isso que eu estou falando, acho que falta mais prática, a malícia da coisa, aprender... a gente fica muito: faz assim e mira assim na câmera, e não é só isso, sabe? (Entre vista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

É sintomático entender a frase de Palmira Ribeiro sobre essa falta de prática, que se traduz na falta de malícia para entender os meandros que percorrem na produção jornalística. E diante deste quadro tornou-se inevitável recorrer a outra per gunta, não mais ao se tratar da causa, mas da consequência em sua concepção de Jornalismo. Para quem definiu a TV como parâmetro, não se renderia a deixar de tê-la como concepção. Porém, o mercado de trabalho sinalizou outro quadro no qual a entrevistada tomou ação drástica. Poderíamos considerar que essa revelação, na verdade, pode ser interpretada como uma proposta teatral fracassada? A resposta da jornalista mergulhou nessa profundidade em que somente a experiência vivida se vê nua diante das vestes que não possibilitam mais cobrir o corpo.

Tanto que eu nunca fiz TV. Na minha opinião, eu estou dentro, eu amo a TV a qual eu trabalho, gosto de TV, mas enquanto pessoa, sonho, eu entrei querendo TV e dentro da faculdade existe um outro universo também de TV que, é de qualquer lugar que existe, uma vaidade de muitas pessoas, muitos profissionais, e uma vaidade para com elas, do mundo lá fora para com os profissionais, entendeu? E a partir do momento que eu tive contato, na minha sala eu tinha muita gente de TV, a partir do momento que eu tive contato com quem trabalhava com TV e descobri como funcionava o universo de TV eu falei “eu não quero isso pra mim”, entendeu? (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

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A vaidade dos profissionais e a vaidade das pessoas lá fora com os profissio nais. Trata-se de uma decisão subjetiva, de no meio do processo de reafirmação sobre o sentido do Jornalismo, ainda na graduação, ver um elemento base se perder a partir da análise crítica do mundo da vida. A graduanda que optou pelo Jornalismo para interpretar na TV, agora está com esses dois elementos em questionamento. E a consequência deste ato analítico está exposta em sua carreira profissional: nunca fez TV, mesmo que nos últimos 12 anos esteja dentro da TV trabalhando no site.

Não se trata de um movimento fácil romper com seu próprio sonho em meio ao processo de formação acadêmica. A reatualização da produção de sentido a levou a seguinte afirmativa: aprender a teatralizar e contar histórias no texto.

Meu desafio maior, eu trabalhei com Rádio, apesar do sotaque (risos), fui repórter de Rádio, fui de Assessoria de Imprensa, trabalhei com Jornal Impresso, no jornal Correio (de Uberlândia) e estou aqui há 12 anos. Eu já cheguei até a fazer umas participações no MGTV apresentando enquete e chamando as pessoas pra votar pro site, votarem em enquetes no site, mas não me... sabe, assim, não tocou mais meu coração, não era, eu descobri que realmente não era o que eu queria. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

A perda dessas referências poderiam nos conduzir a seguinte interpretação: se nem a universidade, nem o mercado traz elementos afirmativos no sentido defendido por Palmira Ribeiro, poderíamos considerar que se está diante de uma crise subjetiva? Para que ela seguisse na profissão, torna-se necessário ir adicionando outros elementos que levem a um outro significado. E é assim que a entrevistada nos revela de onde encontrou elementos de reencantamento com o Jornalismo: no curso de especialização. Na pergunta sobre o porquê ter buscado realizar curso de especialização, a jornalista foi sintomática: a necessidade de entender os meandros que percorrem a produção jornalística. Mais do que isso: a importância de considerar a responsabilidade social do jornalista.

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Sim, porque uma das coisas que acontece com a comunicação é que ela é /jornalismo, /publicidade, relações públicas, e essa setorização não dá ao jornalista a real amplitude daquilo que ele atinge nas pessoas. Exemplo: dependendo do título que eu colocar na minha reportagem, vai causar um estrago muito grande, como jornalista tem como eu ter essa percepção, mas quando você faz uma pós, por exemplo, em comunicação e marketing, você entende que o marketing daquilo que você tá divulgando pode ter um estrago muito maior. Então eu queria ter essa visão ampla da comunicação, foi fazendo comunicação e marketing que eu entendi o porquê que aquela matéria X está do lado esquerdo e não do lado direito, a importância daquela foto, isso eu não aprendi na faculdade, a importância daquela foto, daquele foco, eu aprendi fazendo comunicação e marketing. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

Palmira Ribeiro enfim, a partir da especialização, tem condições de interpretar o texto e saber como contar essa narrativa. Esse é o teor do reencantamento com a profissão do jornalismo. Para substituir a vaidade, fator de crítica e de abandono da TV, Palmira Ribeiro recoloca o marketing pessoal. Você é aquilo que você vende. E na verdade o jornalista vende o seu trabalho:

a importância do marketing pessoal enquanto jornalista, tipo, você é aquilo que você vende? Você está vendendo uma imagem e você está vendendo o seu trabalho. Então o marketing acabou complementando essas coisas, e tinha marketing digital também, que abordava bastante isso que eu estou falando, título, texto, revista. Quando você está passando, diagramação, na faculdade a gente vê muito rápido a diagramação. Eu cheguei a diagramar vários jornais, e ai você chega assim, cara, se fosse hoje eu não tinha feito isso que eu fiz, entendeu? Quando você faz a comunicação e marketing você fica mais encantado ainda e entende muito mais do tanto e do porquê que aquela matéria tem que ficar do lado direito e não no esquerdo, sabe, é isso que me encantou e eu gostei bastante de ter feito. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

A experiência no curso de especialização responde o caminho de superação de Palmira Ribeiro diante da tensão e conflito vivenciados na experiência acadêmica e no mercado de trabalho. E assim, com essa racionalidade sobre sua própria concepção, a jornalista define, em meio ao contexto já exposto: o que é ser jornalista?

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O exercício de informar as pessoas, despido mesmo de vaidades e do dito quarto poder, dizem por aí? A serviço da sociedade. É o serviço de informar e eu não gostaria de perder nunca isso, de informar a sociedade aquilo que ela tem que saber, poder contribuir de alguma forma pra quilo que vai mudar a vida delas, ou que vai orientá-las de alguma forma. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

Despido de vaidades significa que o papel do jornalista e do público tem de ser diferente ao que se defrontou na experiência vivida com TV. E despir do dito quarto poder implica em reconhecer que a interpretação do fato tornado notícia não pode ser superior ao interesse da sociedade. Informar não está articulado aqui a persuadir o público, mas em contribuir para que essas pessoas tenham material suficiente para que realizem a produção de sentido do Jornalismo. E diante desta afirmativa como entender que este Jornalismo em seu papel na história? Será que o trabalho jornalístico dentro deste contexto narrado por Palmira Ribeiro pode ser considerado como História?

Palmira Ribeiro responde que o Jornalismo tem valor histórico. No entanto é necessário pensar na raiz jornalística, de quem faz Jornalismo, quem estuda jornalismo, quem são os jornalistas, quem ajudou a construir o Jornalismo. Essa análise permite entender os sentidos e ao mesmo tempo o significado do que é o Jornalismo. Embora a pergunta tenha sido sobre a produção, a entrevistada recorre a estabelecer a historicidade do Jornalismo como primeiro elemento importante. Pois, mais do que considerar se produz história, ela recoloca a história do Jornalismo. A preocupação também se direciona para que se produza valorização histórica daqueles que fazem o Jornalismo.

Porque se não ele vai se perder, entendeu? Ele vai se perder, e é isso que eu não quero. Eu amo bastante o que eu faço, eu amo muito e eu acho muito importante quando vocês me chamaram porquê eu amo falar do que eu faço. E o meu sonho é que o diploma fosse exigido, defendido, sabe? E eu acho que tem que ter ali uma história, tem que ser divulgada e tem que falar, sabe? Por

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exemplo Seu Ivan Santos, é uma lenda da cidade viva, sabe, e será que as pessoas sabem quem é o seu Ivan Santos? O trabalho dele? Eu acho muito importante o trabalho de manter viva a história do jornalismo. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

O segundo fator de destaque para responder sobre o Jornalismo na história é sobre os fatos.

A outra parte é exatamente a parte boa e tal assim, é a cobertura daquilo que realmente faz história? Impeachment, manifestações, onde é que as pessoas vão encontrar isso se não tiver o Jornalismo? Se não tiver o jornal impresso, se não tiver arquivos de TV, documentários, se não tiver um livro, se não.. sabe? Pra mim, assim, tem que existir porque se isso acabar, a gente vai viver de facebook, e se viver de facebook, uma hora você... agora o facebook lembra a gente do que a gente fez há quatro anos atrás, mas antes não lembrava, e se de repente não lembrar? Como é que a gente vai viver? (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

A resposta revela que o sentido do jornalista está no ato de lembrar a sociedade sobre os acontecimentos ocorridos na sociedade. O elemento a ser problematizado aqui está nos fatos que passam a ser considerados história. Pois, a recusa em considerar o valor do sujeito jornalista nesta produção de sentido remete a ficar mercê da leitura interpretativa de outrem, como do Facebook. E o que significa do ponto de vista teórico viver da memória do facebook? Seria no mínimo considerar a inversão metodológica de sujeito e objeto. Diante deste quadro de objetificação da história, em que a sociedade é desprovida do ato de lembrar, surge o paradoxo: e se de re pente, o suposto sujeito, facebook, não lembrar? Como é que a gente vai viver?

Antes de prosseguirmos a análise é importante aprofundar essa interpretação existencial lançada por Palmira Ribeiro: como é que a gente vai viver? Trata-se de entender que sem memória, não há vida. Essa leitura poderia nos conduzir então para mergulhar no debate sobre o valor do passado enquanto movimento na produção de sentido. Esse passado, tão desfigurado pelo olhar progressista, em que pro-

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clama a cada novo presente a desfuncionalidade para o social, agora é remetido ao ponto de égide do existir. Sem o passado, sem a história por ele narrada e entendida pelos sujeitos, não há vida.

Mas poderia aqui também questionar se a frase disposta acima não estaria reduzida a plataforma, como se sucede impresso, arquivos de TV, documentários, livro. Esse sentido interpretativo poderia até ser levado adiante, se o contexto em que percorre a interpretação de Palmira Ribeiro não estivesse sobre quem produz. E neste quadro de enfrentamento se dispara outra pergunta que exige essa confrontação de sentidos: quem é o sujeito da narrativa de Palmira Ribeiro? A questão se desvela por esse contexto: Você acha que os jornalistas, no momento que estão produzindo a matéria, eles têm consciência de que estão fazendo história? A resposta vem de forma surpreendente com uma análise sobre a nova geração que se apresenta como o futuro do jornalismo.

Não sei se todo mundo tem não. Não sei, sinceramente. Eu acredito que os novos estudantes, não. A experiência que a gente tem tido, a minha equipe ela é muito nova, a maioria da equipe tem menos de 30 anos e a preocupação do jovem jornalista é com o dia de hoje. Não é nem com o futuro nem com o passado, eu estou falando baseada na minha equipe. Então assim, acho que a preocupação deles é bem essa dinâmica do que anda acontecendo, então tipo assim: aconteceu um acidente, tá no Facebook? Tá no G1? Então sabe, é o imediatismo da notícia, não sei se eles tem muito a consciência do “estou fazendo uma história” “vou cobrir aquele fato político e vou fazer isso”, são poucos os mais novos que tem essa consciência. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

Esses poucos dos mais novos que têm consciência de que está fazendo história é narrado pela entrevistada dentro deste quadro de exceção. É desta particularidade que renasce a felicidade da entrevistada sobre o Jornalismo: ela confidencia que se sente feliz ao ver a empolgação de alguns dessa nova geração. Todavia, o quadro geral apresentado pela jornalista sobre essa nova geração está na imediaticidade do

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presente, que abandona deliberadamente o passado e o futuro. Ao considerar esse diagnóstico, é preciso indagar se essa crise de conhecimento que assola o Jornalismo pelas novas gerações é em decorrência da estrutura da universidade ou também do mercado de trabalho que não consegue ter uma formação que os leve a se conscientizar que o trabalho Jornalismo é histórico?

O problema que se apresenta como grave é levado ás suas últimas consequências na resposta de Palmira Ribeiro. O problema deste vazio histórico denunciado pelo imediatismo dos jovens é uma questão de ordem subjetiva.

Eu acho que não é nem um nem outro. Eu acho que é pessoal, é o mundo, acho que é o mundo mesmo, porque a faculdade continua fazendo o trabalho dela, o mercado tá tentando se adaptar a esse imediatismo. Se cada dia eu não der algo novo pra minha equipe eles vão enjoar e vai dar tchau, entendeu? Só que o jornalismo já é dinâmico, todo dia acontece alguma coisa, mas todos os dias acontece acidente, todos os dias tem homicídio, enche o saco, entendeu? Então assim, ai enche o saco da pessoa, então eu acredito que é muito mesmo da geração, não é nem do mercado necessariamente, nem da faculdade, acho que é mais de pessoa mesmo. (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

O problema aqui se apresenta. O Jornalismo é dinâmico, mas os fatos que levam a produção de matérias no cotidiano tem uma tendência de se tornar rotina para essas novas gerações. E diante da rotina, de cobrir sempre acidente, todos os dias homicídios, coloca o Jornalismo em um círculo vicioso, de repetição de fatos cuja ausência de sentido é traduzido aqui pelo termo enjoar. E ao enjoar do jornalismo, pode se desfazer dele como sentido da vida. O teor desta resposta é importante dentro deste embate teórico de pensar a cultura como sentido em confronto à estrutura.

Palmira Ribeiro é enfática ao exteriorizar o temor: precisa apresentar algo novo todo dia para a equipe para que ela mantenha o entusiasmo de que ela necessita. Caso contrário, corre o risco de perder esses sujeitos. É sintomático e necessário aqui problematizar o que significa esse enjoar, ou literalmente, o encher o saco. Primeiro é que a situação contextual nos remete ao individualismo, em que há a perda das refe-

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rências sobre ser sujeito. Há consequências graves na história do sujeito e do social quando a história do passado e das perspectivas do futuro se esvai no imediatismo. Mas o enjoar aqui está na repetição de fatos, no reconhecimento de que a produção jornalística é definida por uma estrutura em que o sujeito inexiste.

Aqui estamos próximo do teor da frase disparada acima por Palmira Ribeiro, e , porque não, considerar o seu desafio dialético existencial. Viver com uma nova geração cujo sentido está no imediatismo e desprezo do passado e do futuro; e traba lhar como jornalista para mostrar que sem passado e consciência do presente para produzir sentido no futuro, não há sentido o viver. Enjoar dos fatos repetidos significa essa perda do sujeito da notícia.

Pois não se trata de matérias de homicídios que se divulgam como texto. Mas de sujeitos diferentes, que possuem histórias diferentes, que estão neste momento como vítimas e acusados, e que de alguma forma implica em entender em outra vida. Como fazer com que esses estudantes tomem consciência desse processo no movimento dinâmico da realidade? E de que forma você acha? Como você passou pela estrutura curricular, o que poderia ser alterado na universidade pra ter uma dis cussão sobre essa estrutura mental para chegar às novas gerações?

Não se tem uma fórmula pronta para se lidar nesse movimento do cotidiano. Palmira Ribeiro acredita que as novas gerações precisam ser levadas a pensar neste imediatismo. E de quem é esse papel: ela recorre como amparo a universidade.

pensar que por mais que as coisas tenham que ser às vezes imediatas, tinha que ter um desenvolvimento pra eles entenderem que nem tudo acontece na hora que eles querem. E que é necessário até mesmo no Jornalismo ter um planejamento, eu acho que é preciso pensar aonde você quer chegar. Porque alguns, por exemplo, entram e é estagiário já quer ser repórter, já quer ser editor e já quer aparecer na TV, e esse imediatismo não deixa... eles pulam etapas, entendeu? Pula etapa de aprendizado e se queima muito fácil. Então eu acho que a universidade talvez tenha que trabalhar a questão do planejamento, a questão do explicar que existem coisas que tem que esperar, sabe? (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

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A universidade talvez tenha que trabalhar a questão do planejamento. É preciso considerar a grave situação pelo qual o individualismo se prenuncia no quadro da redação. A jornalista anuncia que não se trata de problema da universidade, nem do mercado de trabalho. É pessoal. Mas como combater esse pessoal, subjetivo? E as sim, na tentativa de encontrar espaços para retomar a historicidade no Jornalismo, a atenção e a esperança se fundam com um “talvez” para a universidade. Quem irá explicar, com legitimidade, para essa nova geração que existem coisas que é necessário esperar?

Há outro sentido em que a experiência vivida se faz como problema na frase exposta pela entrevistada. O estagiário que salta, por ironia, o estágio de aprendizado está sustentando de que aprender determinadas regras é fácil. Mas, como sabemos, Palmira Ribeiro não está falando de regras, mas da linguagem específica, da malícia, da maturidade para o interpretar a ação do outro. O erro, que deveria fundamentar a experiência, é retirado de seu sentido de presente futuro. E assim a jornalista chega na crítica ao uso da experiência do jovem como obstáculo ao seu próprio desenvolvimento.

Eu acho que nada tira a bagagem que você tem, você tem que ter uma baga gem pra chegar em algum lugar, claro que tem gente que começa como repórter e parece que foi repórter há anos. Parece que a pessoa já foi há mil anos, mas é preciso ter um pouco de paciência, eu não sei como que a universidade pode tratar isso, eu só às vezes falo assim “calma, gente” (risos) calma né, vamos com calma, até porque eu acho que eles nem ligam se tipo: “ah, eu errei” ok. Todo mundo erra, mas errar em Jornalismo tem consequência... (Entrevista, Palmira RIBEIRO, Out. 2015)

Palmira Ribeiro decidiu cursar o Jornalismo para unir o Direito e o Teatro e com isso ajudar as pessoas no cotidiano. O jornalismo era a forma rápida de conseguir este objetivo ao avaliar a mesma dimensão ao Direito. Ela descobriu, em seu percurso, a insuficiência do ensino da prática e da teoria na universidade e teve que

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aumentar a dose de tempo para aprofundar seus conhecimentos e assim conseguir ter entendimento para traduzir a Linguagem Específica. Justamente aquela linguagem que não temos como relação no cotidiano. E no caminho de formação do mercado, teve que abandonar o sonho de estar na TV, no questionamento da vaidade.

Ao mergulhar na arte de interpretar o texto, se defronta com o imediatismo da nova geração que recusa o passado como problema vivido. Mais do que isso, a nova geração desconstrói o Jornalismo como dinâmico e precisa receber doses de novo para que não se torne enjoativo, como repetição incessante de fatos. Como conseguir encontrar saídas para esse horizonte? É preciso enfrentar com a profundidade que a própria complexidade desta questão se apresenta no presente. O que está em jogo é a historicidade do Jornalismo.

E, como decorrência desse processo, o que está em discussão é que embora a nova geração esteja alheia ao futuro e alheia ao erro, o Jornalismo é uma profissão cujo principal teor é a vida do outro. Errar em Jornalismo tem consequência para a vida do outro. E enquanto se articula táticas e estratégias para recolocar a produção de sentido do Jornalismo no plano da responsabilidade social, Palmira Ribeiro recorre a um dos elementos de contraponto que simboliza muito mais que uma frase: calma. E complementa com uma frase que poderia ser direcionada para sua experiência vivida, para as novas gerações ou para que se estabeleça valor histórico ao jornalismo. Para encontrar o sentido de viver, a vida precisa ser vivida com paciência.

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