SENSO INCOMUM 051 - agosto 2022

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Espera(nça)

Esperança: sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja, confiança em coisa boa, fé.

De pixel em pixel se faz uma obra de arte

O mérito artístico dos jogos eletrônicos é desafiado desde sua origem, mas videogame é arte?

Talvez não existam palavras que descrevam melhor o que ecoa nas páginas seguintes. Muito mais do que verdades escancaradas ou realidades subjetivas, o que surge quando jovens se unem nas universidades é desejo de justiça e o ardor nas gargantas que gritam por mudança.

É preciso ouvir as dores que são sentidas pelos nossos, verdadeiramente. O grito da 12ª turma de Jornalismo da UFU é por meio do Senso (in)comum, onde ansiamos por um futuro melhor, já que não há como avançar dando as costas ao agora e tapando os ouvidos para os problemas que nos puxam para trás.

Para a geração que pode percorrer o mundo em um deslizar de dedos, seus indicadores apontam a necessidade de valorização da pluralidade e em negação às taxas que limitam os sonhos, erguendo seus polegares em sinal de recepção ao novo. Enquanto alguns buscam reivindicar o direito de assumir seus corpos como desejam, outros escancaram a desigualdade de renda e o preconceito étnico-cultural.

Não queremos um futuro utópico, e sim um hoje mais justo, afetuoso e possível. Queremos esperar por uma sociedade que não se preocupe com o esgotamento do planeta e nem se refugie em um mundo virtual, porque não sobrou nada no físico. Precisamos que as mudanças sejam feitas agora, para podermos sonhar com um amanhã que não deixe de prezar por nós.

Por isso, a quinquagésima primeira edição do jornal laboratorial Senso (in)comum representa o desejo de que estes não irão se perder e reverberarão até mesmo entre aqueles que preferem fechar os olhos e ouvidos. Que a esperança, enfim, transcenda a espera. 

Boa leitura!

Reitor: Valder Steffen Jr. - Diretora da Faced: Geovana Ferreira Melo. - Coordenadora do Curso de Jornalismo: Christiane Pitanga. - Professores: Ana Cristina Spannenberg, Christiane Pitanga, Gerson de Souza, Nicoli Tassis e Nuno Manna. - Jornalista Responsável: Ana Cristina Spannenberg (MTb 9453) - Editores-Chefes: Gabriel Reis e Giovanna Abelha.Editores: Pedro Bueno e Isabella Vasconcelos (Ciência e Tecnologia), Gabriel Sarreta e Sabrina Paiva (Cultura), Bruna Villela e Monique Mavillyn (Esporte), e Isadora Pinheiro e Vitória Freitas (Política). - Opinativos: Felipe Braga, Péricles Hortênsio, Paulo Félix.Checagem: Júlia Helena Vidotti, Sarah Aguiar, Sofia Cunha, Vitória Caregnato, Monique Mavillyn, Yasmin Ihemayed, Estela Araújo, Milena Mendes. - Foto e Arte: Angélica Neiva, Ketlen Kelly, Maria Eugênia Lima, Mariana Palermo. - Revisão: Brenda Mesquita, Giovanna Trovó, Janaína Bernardino, Leandro Silva, Luisa Cardoso, Maria Eduarda Marrama, Vinicius Montes, Ulisses Fernandes. - Redes e Site: Bernardo Bernardino, Camila Karen, Leíse Alves, Maria Eduarda Koyama, Isabella Breve, Gabriel Rodrigues. - Finalização: Danielle Buiatti e Ricardo Ferreira de Carvalho.

Em uma pesquisa no Google é possível encontrar a resposta para diversos questionamentos. Entretanto, quando digitamos uma pergunta aparentemente simples, as definições obtidas são extremamente confusas: “o que é arte?”. O buscador apresenta links de sites com conteúdo escolar, contendo definições diretas ligadas à origem da palavra. Mas será apenas isso?

Não é tão fácil assim definir a arte. Segundo Patrícia Borges, professora de Artes Visuais na UFU, até mesmo acadêmicos possuem opiniões divergentes entre si. Estudos pensam nela majoritariamente como uma expressão e produção cultural. “A arte possui várias linguagens para expressar essas singularidades e ideias do ser humano”, explica. Assim, a arte é fundada no sentir, acima de tudo.

Singularidade define bem o meio dos jogos eletrônicos, pois diferente de outras mídias, a interatividade é a alma dos videogames. Enquanto as demais levam o espectador a ter percepções mais passivas, o videogame tem como base a ação e interação. A partir deste perfil, discussões acaloradas tomam conta das comunidades de jogadores e do meio acadêmico, que se questionam se jogos podem ou não representar a arte.

Tão expansivo quanto qualquer outro meio artístico, jogos eletrônicos não se restringem a apenas gêneros populares, como jogos de tiro ou RPG’s medievais. Certas obras são tão deslumbrantes visualmente quanto pinturas renascentistas. Gorogoa, da empresa Buried Signal, por exemplo, é totalmente ilustrado à mão pelo seu criador. Já Life is Strange (Dontnod), é reconhecido por sua história envolvente e emotiva, considerada tão rica quanto livros deliteraturaclássica.

A experiência de cada usuário e seus trajetos durante a jogatina são únicas. Em jogos “simples”, como Tetris e Super Mario Bros, é possível notar a diferença entre percursos jogados. Esses aspectos narrativos e imersivos são capazes de incluir o jogador no mundo do videogame, o que amplifica a capacidade artística da mídia.

Embora subjetivo, o conceito de arte se baseia no sentimento e na expressão. Por isso, videogames podem e devem ser considerados arte, ao trazerem elementos interativos únicos, capazes de fazer o jogador sentir e imergir na experiência jogada. Tão complexos quanto romances, pinturas e desenhos, o valor artístico dos jogos eletrônicos não cabe em uma simples pesquisa no Google. 

IN 2 Senso nº 51 Agosto / 2022 DA REDAÇÃO
POR PAULO FÉLIX E LEANDRO SILVA UM CONTROLE NÃO CONTROLA UMA PINTURA, MAS PODE SER UMA OBRA DE ARTE COMO ESTA. FOTO: LEANDRO SILVA
OPINIÃO//
www.sensoincomumufu.com EDITORIAL//

Ficção ontem, pesquisa hoje, realidade amanhã

Imersos na tecnologia em saúde, estudantes da UFU pesquisam bioimpressão e inovações da área

Glossário:

Biomateriais: material, natural ou artificial, ou junção de materiais usados para substituir, aumentar ou tratar algum componente do corpohumano.

“Os limites do possível só podem ser definidos indo além deles, para o impossível”, disse Arthur C. Clarke, escritor britânico de clássicos da ficção científica que previu a tecnologia atual e a forte relação de dependência que viríamos a ter. Com filosofia parecida, o professor e tutor do PET Engenharia Biomédica da UFU, Alcimar Barbosa, defende que, para imaginar a saúde do futuro, é necessário pensar “O que é a ficção científica de hoje, que será realidade no futuro?”

A partir dessa visão, o PET definiu o tema do XIV Simpósio de Engenharia Biomédica (SEB): “Engenharia do Amanhã”, segundo evento mais importante da área no Brasil, que acontecerá entre os dias 21 e 23 de novembro deste ano. O objetivo é trazer palestras e atividades para aproximar os estudantes das inovações de tecnologia em saúde, além de entender melhor as demandas do público, ao unir o laboratório às clínicas e instituições.

Algumas dessas inovações já são objeto de estudo no curso de Engenharia Biomédica da UFU, como a bioimpressão. Mais do que uma simples impressão 3D de próteses e equipamentos médicos, o método possui ambições ainda mais transformadoras. Márcia Mayumi, coordenadora do curso de Engenharia Biomédica e especialista em biomateriais, define que a técnica consiste no uso de células vivas, em conjunto de biomateriais, para construir um substituto biológico ou órgão.

Parceira de Márcia nas pesquisas sobre bioimpressão, a professora do curso de medicina, Letícia Filice, afirma que “teoricamente é

Biotinta: composto de células e outro biomaterial, dá a sustentação paraaestruturaquegeraotecido.

possível fazer qualquer coisa, desde que haja interação entre os diferentes tecidos do organismo”. Segundo ela, o sonho de produzir órgãos funcionais move a pesquisasobreotema.

Entretanto, Letícia frisa as várias dificuldades que existem no processo. Para manter a célula viva, existe um conjunto de variáveis, como pressão, temperatura, e a própria composição da biotinta. Por isso, a utilização das construções bioimpressas é restrita a usos específicos, como testes e setores da indústria alimentícia, mas ainda sem aplicações em humanos.

As pesquisas

As previsões de Arthur C. Clarke vão ao encontro de pesquisas desenvolvidas na UFU. A graduanda em Biotecnologia, Laura Duarte Guimarães, investiga a praticidade da bioimpressora. O equipamento é a ferramenta mais valiosa de sua pesquisa e pode ser encontrada no Laboratório de Nanobiotecnologia do campus Umuarama.

A estudante procura pelos materiais mais adequados para o processo da bioimpressão, a fim de descobrir o ideal para construir uma pele artificial futuramente. No entanto, Laura ressalta alguns pontos que tornam a investigação ainda mais desafiadora.

Para um material passar pela agulha da bioimpressora, ele precisa estar líquido, e ao cair na mesa de impressão, a substância precisa se solidificar e formar o objeto impresso — sendo necessário o domínio de alguns concei-

tos da física. Além disso, os materiais demandam propriedades biológicas com características específicas, como ausência de toxicidade e temperatura adequada. O não cumprimento desses itens destruirá a célula na qual forem aplicados.

Nessa direção, a técnica, ainda em desenvolvimento no Brasil e no restante do planeta, tem na iniciativa privada uma grande aliada. Desde a fundação da primeira empresa do ramo, em 2007, o setor passa por um grande processo de ascensão, no qual os empreendimentos fornecem ferramentas, materiais, serviços e aplicações em bioimpressão para apoiar a comunidade de engenheiros de tecidos e visionários de substituição de órgãos.

Do laboratório à clínica

Incontáveis utopias são imaginadas quando se fala do futuro tecnológico e medicinal. Yuval Noah Harari, no livro “Homo Deus: Uma breve história do amanhã”, discute que, no futuro, seres humanos poderão chegar à imortalidade graças à união da tecnologia e da biotecnologia. E a

humano. O feito, publicado na revista Advanced Science'', obteve um órgão de três centímetros, no qual as células conseguiram contrair, mas não bombear. Dessa forma, o órgão ainda não era funcional, necessitando de maiores estudos.

Quando transpassar essas barreiras, o método irá colaborar na mitigação de problemas como a fila de transplante de órgãos. “Posso construir um coração para quem não tem doador compatível; ou ajudar pessoas com queimaduras muito extensas, que precisam substituir a pele e não tem de onde tirar”, diz Letícia, que vislumbra um futuro onde tal tecnologia estará no Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, ela estaria realizando o que o professor Alcimar considera o propósito da tecnologia em saúde, “ver alguém tendo uma vida um pouco melhor com o resultado do que você fez”. 

IN 3 Senso nº 51 Agosto / 2022
POR SABRINA PAIVA E ISADORA
PINHEIRO
CONSIDERADA UMA ALTERNATIVA MODERNA, A BIOIMPRESSÃO PROMOVERÁ AVANÇO SIGNIFICATIVO NA ÁREA DA SAÚDE. FOTO POR: ISADORA PINHEIRO
“Teoricamente é possível fazer qualquer coisa, desde que haja uma interação entre os diferentes tecidos do organismo”
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
LETÍCIA FILICE

Com sabor de chocolate

Pesquisadora fala sobre produção e aplicações do plástico biodegradável e comestível

Plástico aprovado para consumo e biodecomposto em 30 dias: essa foi a meta da pesquisa realizada pela professora Marcia Regina Aouada, em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), no início do mês de fevereiro deste ano. A fabricação teve como base a gelatina incolor do tipo B, isto é, a gelatina comestível, uma substância amplamente disponível no mercado. Também foram adicionados outros componentes, como o óleo essencial de pimenta-preta e uma argila chamada "cloisita-Na". O estudo também abrange embalagens comestíveis, que contém nanoestruturas (na ordem de bilionésimos de metro) derivadas de purê de couve, cacau, cupuaçu, extrato de camu-camu e mais uma variedade de elementos.

microbianas, que ajudam o hambúrguer a não se contaminar.

Senso (in)comum: É possível produzir plásticos comestíveis com outros componentes?

Marcia Regina: Trabalhamos com embalagens que tem purê de fruta, já desenvolvemos um de couve. Aquela couve no supermercado que ninguém compra, por exemplo, nós a recolhemos e fazemos um tratamento para extrair o purê, que vem com todas as vitaminas da verdura. Assim, a partir dele, produzimos uma embalagem comestível.

Senso (in)comum: Como é a decomposição desse plástico biodegradável?

Marcia Regina: Não gosto de dizer que é um material biodegradável, porque todo material é — até o plástico comum; só que alguns degradam mais rápido. Quanto ao nosso plástico, depois de fazer testes de biodegradação, percebemos que, se colocarmos sobre o solo, em 30 dias ele já foi absorvido. Quando você enterra, o tempo é ainda menor: entre 18 a 20 dias. Esse solo não fica tóxico nem inapto a qualquer cultura.

Senso (in)comum: E no mercado, qual é a sua duração?

do componentes, pensando nos produtos que vou ter ao final.

Senso (in)comum: Pessoalmente, como foi fazer a pesquisa?

Marcia Regina: Foi um desafio, nós terminamos de desenvolver e fazer toda a parte de escrita durante a pandemia. Naquele momento, foi complicado conseguir os resultados, fazer a discussão, desenvolver os materiais, pensar na aplicação. Foi cansativo, mas nós conseguimos entregar a dissertação de mestrado da minha aluna, as publicações e as ramificações dessa pesquisa. 

Marcia Regina é doutora em Química pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e, neste ano, ganhou o primeiro Prêmio Mulheres Pesquisadoras da Universidade Estadual Paulista (UNESP), na área de Engenharia. Em entrevista exclusiva para o Senso (in)Comum, a professora conta sobre o processo de pesquisa e elaboração do plástico, como funciona sua decomposição e as possibilidades de uma produção em larga escala.

Senso (in)comum: Por que produzir plástico a partir desses produtos?

Marcia Regina: Esse trabalho utiliza a gelatina extraída do tutano de boi, pela disponibilidade que temos no Brasil. A argila foi colocada para melhorar a propriedade mecânica, a resistência e a eficiência da embalagem. Um dos maiores acertos foi trabalhar com o óleo essencial da pimenta preta. Como a ideia inicial era produzir uma embalagem para hambúrgueres, pensamos em um material que, além de prolongar o tempo na prateleira, chamasse a atenção do consumidor. O óleo também tem propriedades anti-

Marcia Regina: A degradação no solo é diferente se comparada a da prateleira. Biodegradação é a interação do material com os componentes que estão na terra, que vão acelerar o processo. Na prateleira temos outros problemas: luz, umidade e variação de temperatura. Eu tenho embalagens há mais de dois anos nessa condição e elas continuam com as mesmas características. Em algumas, até o próprio odor continua.

Senso (in)comum: Então, ele pode ter a mesma aplicação que os plásticos comuns?

Marcia Regina: Sim. Conseguimos modificar esses materiais para terem uma estrutura parecida com os materiais tradicionais, só que esses têm as barreiras de água e oxigênio excelentes. Até por isso, uma coisa importante é não achar que o produto alternativo é — ou deve — ser idêntico ao tradicional. Desde que consiga suprir todas as necessidades, ele serve.

Senso (in)comum: Qual a viabilidade de produzir esse plástico em larga escala?

Marcia Regina: Toda empresa me pergunta isso. Você tem que conseguir escalonar, senão a sua pesquisa não vale como inovação. Sim, eu consigo fazer baldes desses materiais. Eu só preciso me adequar a solução que vou trabalhar: modificando e adicionan-

IN 4 Senso nº 51 Agosto / 2022
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
DESCARTE CORRETO DE GARRAFAS PLÁSTICAS EM LIXEIRAS É UMA DAS PRÁTICAS SUSTENTÁVIES FUNDAMENTAIS. FOTO: SARAH AGUIAR

PARA MOVIMENTAR A Tríade das Mulheres Atletas

Como mulheres são afetadas pelo excesso e compulsão no esporte?

O ouro os espera

POR CAMILA E MILENA

A DISFORMIA CORPORAL - FOCO OBSESSIVO NO PRÓPRIO CORPO - E CONSEQUENTE NECESSIDADE EM DIMINUIR O PESO SÃO FATORES QUE INFLUENCIAM NO DESENVOLVIMENTO DA TRÍADE DA MULHER ATLETA - FOTO MARIA EUGÊNIA LIMA

Nadadoras, bailarinas, tenistas, maratonistas, ginastas… O número de esportistas do sexo feminino tem crescido em diversas modalidades e grande parte delas obtêm importantes benefícios à saúde com a prática regular de exercícios. Entretanto, aquelas que se exercitam sem moderação estão suscetíveis a desequilíbrios provocados por causas não naturais. Tal como a Tríade da Mulher Atleta (TMA), síndrome em que o organismo precisa se adaptar fisiologicamente aos exercícios físicos intensos, provocando sérias implicações.

"Tripé": Distúrbios alimentares, amenorréia e osteoporose: são estes os sintomas que envolvem a Tríade da Mulher Atleta, sinalizada pela baixa disponibilidade energética. Não se alimentar adequadamente à sua performance esportiva implica ter energia e índices de estrogênio reduzidos, tornando-se mais suscetível às condições da tríade, isoladas ou combinadas. Os transtornos alimentares englobam uma esfera de comportamentos nutricionais restritivos causados, sobretudo, por fatores psicossociais e motivações de imagem corporal. A amenorréia, por sua vez, é a ausência ou disfunção do ciclo menstrual, em razão dos desequilíbrios hormonais causados pelos transtornos alimentares decorrentes. Resultante da redução

da produção de hormônios ovarianos, a osteoporose provoca diminuição da densidade óssea, viabilizando fraturas e lesões. A perda de massa óssea é comum na menopausa ou após os 60 anos, porém pode ocorrer precocemente em mulheres com alta demanda esportiva e baixa ingestão calórica.

Bastidores: Sabendo que padrões estéticos historicamente recaem com mais intensidade sob o público feminino, não é surpresa que mulheres recorram a métodos prejudiciais para se adequarem a um peso corporal irrealmente baixo. No cenário esportivo isso não é diferente. Atletas do sexo feminino tendem a desenvolver distorção da percepção corporal e transtornos alimentares, conforme comenta Anna Valéria Gueldini — especialista em ginecologia e obstetrícia. “Todas as meninas e mulheres fisicamente ativas estão sob risco de desenvolver um ou mais componentes da tríade, principalmente durante

a adolescência, em que há maior preocupação com o corpo e se internalizam mais as pressões estéticas”. Ela ainda afirma que algumas modalidades estão estatisticamente mais relacionadas com a TMA, como esportes que valorizam o corpo magro — ginástica artística e balé — e que exigem o uso de roupas justas ao corpo — natação, corrida e ciclismo.

Vida Universitária: Entre competições, treinos e estudos, as atletas universitárias enfrentam dupla jornada e duplo desafio quando desenvolvem TMA. Frente a essa realidade, Ana Paula Magalhães — docente do curso de Fisioterapia da UFU e atuante na área de Fisioterapia na Saúde da Mulher — declara: “não tenho dúvidas de que é mais desafiador para as universitárias. Elas precisam equilibrar provas, atividades acadêmicas e treinos. Muitas vezes não tem condições de cuidar adequadamente da alimentação”.

O sol estava radiante. Pássaros sobrevoavam o céu azul. O semblante do dia era de sucesso. Jorge corria em uma pista de 200 metros, enquanto a arquibancada vibrava. Dentre a multidão, quem realmente significava era sua família. Desde seu acidente em que lhe foi roubado o movimento de um dos pés, o atleta não esperava, tão cedo, participar de novas competições.

Motivado a atravessar a linha de chegada — que se encontrava próxima —, cansado e com sede, estava perto de mais uma conquista. Ao findar, ouviu uma voz ecoar por sua cabeça. Poderia ser qualquer outro ruído, mas era seu filho — um dos frutos mais maduros colhidos em vida. Aquela doce e aguda voz se aproximou e permaneceu, claramente, em seus ouvidos.

CARACTERÍSTICO DA TMA, O DÉFICIT ENERGÉTICO AFETA NEGATIVIDADE O DESEMPENHO DE EXERCÍCIO E REDUZ O CONSUMO MÁXIMO DE OXIGÊNIO EM 28% NAS ATLETAS (FONTE: TRÍADE DE MULHER ATLETA - DRA. ANNA VALÉRIA). FOTO: MARIA EUGÊNIA LIMA

Prevenção: Ações preventivas e de identificação são cruciais, principalmente na adolescência ou início da fase adulta, em que a ausência de aporte energético e nutrientes adequados podem levar a graves consequências. Pensando nas jovens atletas, as complicações da TMA podem tornar a experiência universitária um grande emaranhado de impedimentos fisiológicos, emocionais e sociais. “Antes de intensificar seus treinos, procure um ginecologista para monitorar o ciclo menstrual, avaliar a massa óssea e atualizar os exames de rotina da saúde da mulher. Procure um especialista em medicina esportiva para determinar sua proposta de treino”, recomenda Anna Valéria Gueldini, especialista em ginecologia e obstetrícia. Ela ainda aconselha a supervisão de um educador físico para monitorar a evolução dos treinos e ter dieta orientada por nutricionista; além de suporte psicológico e familiar. 

Voz essa que parecia flutuar em sua direção. Os braços estendidos para um abraço forte, juntamente com gritos estridentes que pronunciavam incansavelmente as palavras “papai”, resultaram em dois triunfos: o êxito na corrida e o privilégio de ter ao seu lado o torcedor número um. Maria compartilha, também, do mesmo sentimento acolhedor de Jorge, com suas duas melhores companhias: ela mesma e sua cadeira de rodas.

No pódio, coração acelerado. Com delicadas e trêmulas mãos, Maria tocou sua primeira medalha. A prata fria era como ouro ardente, abrasador. O contato acalentou seu coração, e a fez acreditar que aquele espaço realmente a pertencia. Em poucos minutos, todo o suor derramado e a dedicação rotineira se transformaram em um único sentimento: gratidão.

Alguns afirmam que a cadeira é um fator limitante. Ora, se foi ela que levou Maria a um dos momentos mais especiais de sua existência, como pode ela limitar? Seria a prática do esporte traduzida em se (re)descobrir a cada progresso? A energia motriz para trilhar um caminho de vivências turbulentas e, ainda assim, açucaradas?

Mesmo que o mundo pareça inóspito, certos ápices do viver definem sensações indescritíveis. Assim, eles seguem, apesar de suas realidades diferentes, à caminho de uma mesma direção: o ouro.Avitória, com certeza, eles já alcançaram. 

IN 5 Senso nº 51 Agosto / 2022 ESPORTES

“Elas são fortes porque têm que

Desinformação e preconceito marginalizam pessoas

Começa a luta e o placar já é desfavorável às pessoas trans. De ‘gam jeom’ em ‘gam jeom’, eles são desclassificados do combate. A expressão nomeia a punição que pontua o adversário no Taekwondo, modalidade praticada por Zyon Garcia — estudante de Pedagogia na UFU, entusiasta do esporte e homem trans ainda no processo de transição.

“Esporte pra mim é tudo. Eu amo treinar. Agora, mais do que nunca, porque vou ver os músculos crescerem, finalmente”. Em clima de brincadeira, Zyon se refere aos seus braços como “de pernilongo”. É a emoção de um homem que, de acordo com suas próprias palavras, se redescobriu há pouco tempo.

A história seria mais agradável se o lutador não tivesse que ouvir comentários como “por que resolveu virar homem?”, e enfrentar os maus olhares e o preconceito dentro de um mundo percebido por ele como hostil: o do esporte.

Ainda mais, se não tivesse que retornar à sua cidade natal por questões financeiras, pela dificuldade de encontrar um emprego. Mais uma vez, ‘gam jeon’ e ponto para o adversário, a transfobia.

Tal discriminção, reconhecida como crime, se torna ainda mais problemática quando há 13 anos o Brasil é o país que mais mata pessoas trans em todo o mundo. Conforme indica o relatório de 2021 da organização Transgender Europe (TGEU) é preciso, ainda, considerar os casos não reportados e as mortes não registradas.

Despercebidos

Atletas trans possuem pouca visibilidade no cenário esportivo e uma representatividade menor ainda. Não à toa, ao ser questionado sobre uma referência nacional, Zyon não soube responder. A nível regional, ele exaltou seu amigo Thomas Ferrato, estudante de Matemática e atleta de futebol da Exatas UFU, que também disse não ter nenhuma inspiração. “Acho que eu busco ser essa pessoa”.

Somente em 2021 uma atleta trans participou dos Jogos Olímpicos pela

primeira vez — a neozelandesa Laurel Hubbard. A levantadora de peso não se classificou para a disputa pelas medalhas, mas fez história. Em território brasileiro, nos dois esportes mais populares do país, futebol e vôlei, há só uma atleta transexual na elite esportiva: Tiffany Abreu, que atua na Superliga Feminina de Vôlei.

Desde 2015, o Comitê Olímpico Internacional (COI) permite a cada Confederação regulamentar suas respectivas competições em relação aos jogadores transexuais. Guiada pela determinação do COI, a Federação Internacional de Natação (FINA) divulgou que mulheres trans só podem competir em esportes aquáticos se passaram pelo processo de transição antes dos 12 anos de idade, e mantiverem o nível de testosterona abaixo de um valor específico indicado. Homens trans não precisam atender a esse requisito.

Para Alessandra Lo Gullo, educadora física pela UFU e pesquisadora do assunto, a decisão da FINA é injustificável: “Transição não é tomar um remédio e pronto. Existe um processo psíquico e social, além da aceitação. Cobrar que o atleta tenha passado pela transição antes dos 12 é muito complicado”.

Até na UFU?

Mesmo na Universidade, espaço com vivências plurais, não são muitos os esportistas trans. Das 12 atléticas da UFU consultadas — de 20 totais — apenas seis atletas foram encontrados, além de um ritmista da bateria e um integrante do cheerleading. De acordo com Adilson de Souza, coordenador da Divisão de Esporte e Lazer Universitário (DIESU), não há nenhum projeto específico que contribua com a entrada de pessoas trans no esporte da Universidade.

Segundo a informação fornecida pela Diretoria de Inclusão, Promoção e Assistência Estudantil (DIRES), o corte de verbas tem afetado a criação desse tipo de programa. Cláudio Gomes Barbosa, técnico desportivo da Diretoria de Qua-

lidade de Vida do Estudante (DIRVE), declarou que trabalham pela inclusão quando recebem demandas de atletas trans. “Nos eventos esportivos, permitimos que participem dos torneios. No Agita UFU sempre realizamos ações voltadas à promoção da diversidade”. Zyon confirma que a UFU não marca presença nesse aspecto. Já empolgado, o lutador fala sobre o papel fundamental das atléticas para a recepção dessa população. Ao sorrir, afirma que a associação acadêmica se propõe a resolver todas as pendências para que ele possa competir na categoria masculina. "Para mim, a ‘Humanas’ é tudo. Eles sempre mantiveram o respeito”.

Ainda que falte incentivo ao desporto, a UFU colabora para com o acolhimento de transgêneros. Zyon e Thomas realizam o processo de transição por meio do CRAIST, Centro de Referência e Assistência Integral para a Saúde Transespecífica, no Hospital de Clínicas da Universidade, e têm toda a estrutura que necessitam. A faculdade também disponibiliza apoio psicológico pelo projeto “Proteger-se”.

O que a ciência diz

A pouca aparição de transexuais no mundo esportivo também contribui com a falta de informação, que, aliada a uma ideologia conservadora, faz do esporte um ambiente perigoso e nada receptivo aos trans. “Chega a dar medo em determinadas situações. A gente sabe que alguns não querem a sua existência dentro daquela competição”, conta Zyon.

Quanto menos o assunto é tratado, menos as pessoas se dão conta dos fatos amparados pela ciência. Alessandra Lo Gullo faz questão de reiterar que testosterona e estrógeno são hormônios presentes tanto em corpos biologicamente masculinos quanto femininos, em quantidades diferentes. Sendo assim, a testosterona não é exclusiva ao homem cis.

Apesar do fato, existe um discurso recorrente de que mulheres trans que

Senso nº 51 Agosto / 2022 6
ESPECIAL
POR: ANGÉLICA NEIVA E SOFIA CUNHA

que sobreviver”

trans no esporte

competem possuem força acima da média, o que as deixaria em vantagem em relação às competidoras cis. Entretanto, o que decorre é o contrário. Alessandra conta que, por causa do tratamento, “elas estão totalmente em desvantagem, porque além da testosterona estar baixa, muitas vezes fica inferior ao nível das atletas cis”.

A pesquisadora elucida a desvantagem relacionada ao declínio desse hormônio: “perde-se um pouco de massa óssea, resultando numa predisposição à fratura. Diminui a massa muscular e, por consequência, a força. Ainda há um aumento de massa gorda”. No corpo do homem trans, a aplicação de testosterona é importante para que as características masculinas, como a barba, apareçam. Por ser um hormônio anabólico (atrelado ao crescimento muscular), favorece o desenvolvimento de fibras que aumentam a aptidão física. Em níveis muito altos, é considerado doping. Portanto, a disputa é justa. “Tem parâmetros reguladores!”, afirmaAlessandra.

O argumento de que mulheres trans não devem competir por conta da testosterona também é derrotado quando distúrbios hormonais afetam, também, mulheres cis. Atletas que possuem síndrome do ovário policístico, por exemplo, produzem grandes quantidades de testosterona e, apesar disso, elas não são proibidas de disputarem em categorias femininas quando realizam o tratamento. 

Categoria trans?

Em tom de brincadeira, Zyon se refere às pessoas que sugerem a criação de uma modalidade exclusiva para trans como “dodóis”. Sua risada tenta mascarar o desconforto e a indignação que ele sente, sempre que ouve essa polêmica sugestão. Para Alessandra, “quando a gente cria uma nova categoria, estamos segregando. Temos de entender como esses corpos vão ser incluídos. É preciso ciência, bom senso, tempo e paciência”.

Embora seja preciso lidar com todas as limitações e proibições, é necessário, de algum modo, buscar esperança. Segundo Walter Mariano de Faria Silva Neto, docente de Psicologia da UFTM e pessoa não binária, “a psicoterapia é muito importante, mas buscar um coletivo ou um grupo de apoio é essencial. Não é só sobre aceitação. A gente também tem que se indignar com a exclusão e o preconceito”.

Ao redor do Brasil, algumas iniciativas de inclusão esportiva chamam a atenção. A Taça da Diversidade, que acontece em São Paulo (SP), é um evento de futebol exclusivo para times de atletas da comunidade LGBTQIA+. Lá, a transfobia não tem vez e o jogo vira: 2 a 1 para a diversidade. 

Senso nº 51 Agosto / 2022 7 pessoas
ESPECIAL
“Esporte pra mim é tudo. Eu amo treinar. Agora, mais do que nunca, porque vou ver os músculos crescerem, finalmente”
ZYON GARCIA, ATLETA
"Quando a gente cria uma nova categoria, estamos segregando. Temos de entender como esses corpos vão ser incluídos. É preciso ciência, bom senso, tempo e paciência"
ALESSSANDRA LO GULLO, EDUCADORA FÍSICA
A COMUNIDADE TRANS RESISTE NO ESPORTE, MAS O PRECONCEITO OS INVISIBILIZA. FOTOS POR: ANGÉLICA NEIVA E SOFIA CUNHA

Qual é o preço que se paga?

Índices de inflação aumentam e consequências se tornam grandes fardos para universitários

Segunda-feira, 5h da manhã. Laryssa levantou da cama, tomou café da manhã e se preparou para enfrentar mais um dia. Quando o relógio marcasse 6h40, o ônibus com partida do Campus Santa Mônica sairia em destino ao Campus Umuarama, onde ela teria suas aulas e seu estágio. A rotina era apertada e não havia tempo a perder, muito menos forma de aproveitar o café da manhã proporcionado pela universidade, como tinha direito.

Este é o relato de uma estudante de enfermagem, Laryssa Candida, que apesar de pessoal, é semelhante aos de muitos estudantes da UFU que passam por dificuldades financeiras. Por conta da inflação e da falta de apoio financeiro da universidade, esses jovens têm que se desdobrar para manter seus estudos.

O economista Benito Salomão explica a inflação como uma “doença da moeda”. O aumento dos preços é uma consequência de causas que estão compreendidas no atual momento. “Nós tivemos um choque de oferta relacionado às mudanças de cadeia de suprimento por conta do isolamento da Covid-19, somado a Guerra da Rússia com a Ucrânia”, explica. Isso inviabilizou a oferta de energia, petróleo e derivados, “Assim, o petróleo subiu de preço, e interferiu em outros valores, como os derivados e frete. É um efeito em cadeia”, conclui.

Quando a inflação sobe, certos grupos perdem o poder de compra, e consequentemente, o salário não chega até o fim do mês.

Os relatos evidenciam o impacto da inflação brasileira diretamente na qualidade de vida dos universitários, bem como da população. Dados recentes divulgados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que a inflação do país segue entre as mais altas do mundo - ela

atingiu 11,7% no acúmulo dos últimos 12 meses.

O impacto dos cortes

Através do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), estudantes de baixa renda conseguem ter acesso ao ensino superior. Com o financiamento ofertado, as universidades remanejam recursos para bolsas estudantis, auxílio moradia, transporte e alimentação aos que necessitam. Na UFU, a Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (PROAE) é o órgão público responsável por esse remanejamento. Além das ações mencionadas, a PROAE também oferece recursos nas áreas de cultura, lazer, saúde, apoio pedagógico e inclusão digital.

Elaine Saraiva Calderari, PróReitora de Assistência Estudantil, expõe que a universidade vem sofrendo cortes desde 2016, totalizando uma perda de 18%sendo uma diminuição de verba

significativa entre 2017 a 2018, que reduziu uma média de R$ 2,5 milhões.

“O valor do auxílio não corresponde com a vida que os universitários precisam levar”, conta o aluno da UFU, João Gabriel Machado. Tal fato não passa despercebido pela PROAE, como menciona Elaine. “Se houver um reajuste no subsídio para os estudantes, haverá, consequentemente, uma redução de 25% no número de alunos assistidos”. Ela comenta que, desde 2016, não conseguem prestar assistência à classe C, apenas a D e E.

Outro ponto crítico é o aumento generalizado dos preços nos alimentos. Tem se tornado uma realidade para grande parte da população brasileira deixar de consumir alimentos básicos ou realizar substituições mais baratas. O Brasil, conhecido por ser um dos principais consumidores de carne do mundo, teve uma queda no consumo de 14% em relação a 2019, sendo este o menor em 25 anos. Visando sua

substituição, o ovo aparece. Segundo o Relatório Anual de 2022, da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o consumo de ovos registrado foi de 257 unidades por habitante, quantidade essa que em 2010 era quase a metade. “Meu consumo de care se restringe ao que é oferecido no restaurante universitário. Por conta dos preços, tenho conseguido comprar apenas ovos”, conta Laryssa. O aumento do índice da inflação brasileira reflete diretamente no bem-estar e no futuro dos estudantes, que muitas vezes precisam trabalhar para garantir seu sustento. Laryssa, que mantém dois estágios, se vê em uma rotina desgastante e corrida, que afetou a sua saúde. Ela declara ter uma alimentação defasada, decorrente do pouco tempo e dinheiro disponível, que acarretou na queda de sua imunidade.

O lazer também é um fator que tem sido constantemente afetado pelo aumento dos preços. João Gabriel diz não conseguir acompanhar os programas de fim de semana dos amigos, considerando que eles frequentam locais que não cabem em seu orçamento. Enfrentando uma realidade parecida, Laryssa não consegue, por motivos financeiros, ter momentos de lazer. A estudante conta que usa os finais de semana para realizar trabalhos informais - para obter uma renda extra. Nas raras vezes que sai, seu destino é o Parque do Sabiá, por ser gratuito.

O futuro é incerto. João Gabriel está na busca por um emprego; Laryssa, futuramente, necessitará deixar um de seus estágios, fonte de seu sustento, para cursar disciplinas práticas que foram interrompidas pela pandemia. Cada um desses estudantes possui uma história diferente. O que eles têm em comum? O preço a se pagar para conseguir estudar. 

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INFLAÇÃO IMPACTA NA COMPRA DE ALIMENTOS BÁSICOS DOS BRASILEIROS. FOTOGIOVANNA TROVÓ
“O valor do auxílio não corresponde com a vida que os universitários precisam levar”
JOÃO GABRIEL MACHADO
“Meu consumo de carne se restringe ao que é oferecido no restaurante universitário”
LARYSSA CANDIDA

PARA DEBATER De corte em corte, ninguém escapa

Restrições de verba atingem cultura, renda, educação e alimentação

dos, Pesquisas e Projetos Econômico-sociais de Uberlândia, o preço da cesta básica em junho na cidade foi de R$632,52, um aumento de quase 30% em relação ao mesmo período de 2021. Comparado a junho de 2020, o crescimento é de mais de 41%, o que significa que o poder de compra está diminuindo. Hoje, o brasileiro precisa cortar da lista de compras 6kg de arroz, 9kg de feijão e 3kg de carne, se compararmos com dois anos atrás. Sendo assim, para evitar esses cortes e sustentar uma família de três adultos a renda mínima necessária é de R$5.314,16, o que é 4,38 vezes maior que o salário mínimo. Entretanto, dados do Ministério da Cidadania revelam que mais de 56 mil famílias sobrevivem com apenas um salário mínimo na cidade.

Falta de investimento | Os cortes na cultura acontecem há mais de 10 anos no país. Entre 2021 e 2022 o orçamento anual chegou a ser metade do que era em 2011. Em Uberlândia, a cultura sofreu um corte de quase 1 milhão de reais no último ano. E apesar do desprezo dos governos, o Congado sobrevive na cidade. A celebração é centenária mas não recebe verba suficiente. Assim, os custos são pagos pelos próprios congadeiros e por doações da comunidade. O mesmo acontece em Ituiutaba, cidade sede da UFU (campus Pontal). Mesmo com a importância da celebração, a presença do Congado é mais do que uma representação cultural. Ela tem um papel político e social dentro das comunidades. Além de apoiarem as famílias, os responsáveis acompanham o rendimento escolar dos jovens e estão engajados com questões raciais e de classe. O Congado mantém a cultura afro-brasileira viva e coloca luz sobre questões que já estão em disputa há séculos.

Educação não é o foco | Desde 2016, o setor vem sofrendo cortes governamentais, o que se intensificou na gestão atual. O último bloqueio anunciado foi de 3,2 bilhões de reais. Surpreendidas, diversas instituições de ensino federais já se pronunciaram sobre a incerteza na continuidade de suas atividades. Falta verba até para pagar a conta de energia elétrica. Mas um dos pontos que es-

tá em risco é a atenção à permanência do estudante, papel das assistências estudantis. Na UFU, esse cenário se repete. A Pró-reitoria de Assistência Estudantil está repensando suas ações prioritárias. Por isso, mesmo com a concretização do último corte, a saúde e o bem-estar dos estudantes serão priorizados. A intenção é manter os Restaurantes Universitários e a Olimpíada UFU, evento com maior participação de alunos da Universidade. Apesar disso, os auxílios estudantis, ainda que não acompanhem a variação da inflação, estão garantidos para estudantes selecionados até setembro. Por outro lado, a verba para atender novos estudantes segue pendente.

Economia inflada | Os itens da cesta básica ficam mais caros por conta da inflação, o que exige que os brasileiros façam seus próprios ajustes. Segundo o Centro de Estu-

O Brasil como ele é | Durante as corridas eleitorais, é perceptível que as pesquisas sobre a intenção de votos dos brasileiros chegam a resultados diferentes. Isso está diretamente ligado ao público escolhido para responder às questões. A seleção deve representar a composição da população brasileira de acordo com idade, sexo, localidade, escolarização e etc. Essas falhas comprovam a importância do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que é a única sondagem que consegue abranger todo o território brasileiro, chegando a perfis diversos da população. Portanto, através desses dados é possível traçar as características demográficas e socioeconômicas reais dos brasileiros, apontando suas necessidades de políticas públicas. O atraso de dois anos na renovação dessas informações, causada pela pandemia e o corte de verba federal, demonstra a intenção do governo em adiar políticas

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que atendam à população. A FESTA DO CONGADO É PATRIMÔNIO IMATERIAL DO MUNICÍPIO DESDE 2008 / FOTO: ISABELLA VASCONCELOS O RU SUSTENTA A VIDA ESTUDANTIL NA UFU / FOTO: ISABELLA VASCONCELOS O CENSO 2022 COMEÇOU A SER COLETADO NO DIA 1º DE AGOSTO / FOTO: ISABELLA VASCONCELOS

Lembranças que vão na mala

Programas de Mobilidade Acadêmica possibilitam novas formas de aprendizado e trocas culturais.

A atuação

Lágrimas de saudade escorriam pelo rosto de Giovanna a cada quilômetro percorrido pelo ônibus. Pensamentos giravam em torno de todas as memórias que viveu naquele lugar. Depois de semanas de convivência e muito amor, a estudante de veterinária não queria se despedir da sua nova amiga: a onça Kiara.

Durante seu estágio no Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (CETRAS) em Patos de Minas, Giovanna Padilha teve sob seus cuidados uma onça parda que havia ficado órfã aos 15 dias de vida. Kiara não podia ser humanizada, mas precisava receber amor.

aprendermos a viver com as diversidades, principalmente para compreender o outro na sua diferença, independente da natureza, região, até mesmo da unidade da federação de paz e nacionalidade.”

Lorena Costa é outra universitária que teve a vida mudada após uma experiência de mobilidade nacional. Nascida e criada em Minas Gerais, ela não conhecia muitas espécies marinhas, mas sabia que era com isso que queria trabalhar. Depois de muito insistir, a estudante de veterinária foi aceita no seu primeiro estágio em marinhos, no aquário de Ubatuba (SP), em janeiro de 2020. Lá, ela ficava encarregada de informar aos turistas sobre educação ambiental e o impacto dos lixos na vida dos animais. Mais tarde, sentiu-se pronta para explorar novos mares e se inscreveu no Projeto Manatí.

GIOVANNA PADILHA

Sendo alimentada, pesada e tendo a temperatura medida diariamente, o carinho entre as duas crescia a cada cuidado. Sua maior dificuldade foi separar o emocional do que realmente impotava ali: a parte ética da profissão.

O programa Andifes/UFU de Mobilidade Acadêmica Nacional oferece aos alunos a oportunidade de entrar em contato com novas culturas em outras Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). De acordo com a socióloga e professora de antropologia Maria Angela Soares, “as trocas culturais são importantes para

O funcionamento da Mobilidade deve se adequar à Instituição que a oferta. Nesse caso, o aluno precisa se inteirar das especificações presentes nos editais e acompanhar os portais oficiais das Universidades parceiras, para não prejudicar a formação acadêmica durante o processo. Cabe ressaltar também a importância de conversar com as coordenações do curso de origem e chegada, a fim de esclarecer possíveis dúvidas.

Para Noézia Ramos, professora e coordenadora do programa de Mobilidade Nacional, a importância da mobilidade é trazer complementaridade para a formação dos alunos. Não só na teoria, como também na prática, pois proporciona experiência em diversas áreas da graduação.

“Seja da saúde, das exatas ou até mesmo das sociais aplicadas, nós temos diversas metodologias. Mesmo sendo universidades federais, cada uma tem a sua especificidade didática de ensino”.

No auge da pandemia, a estudante foi para Icapuí, pequeno município do Ceará, onde atuou na reabilitação e soltura de filhotes de Peixe-Boi. Com a mente aberta, Lorena chegou no vilarejo pronta para compartilhar experiências. Os moradores da comunidade tinham plena noção da importância do trabalho da estudante e faziam de tudo para ajudar na preservação da espécie. No decorrer de um mês, ela pegava um caiaque até o meio do mar, onde ficava o cativeiro. Trabalhava sozinha por seis horas diárias, e novamente em seu caiaque, retornava à ilha. “Vocês são

guerreiros, eu não conseguiria ficar aí em cima”, diziam os pescadores, cientes da paixão dos estudantesportudoquefaziamali. Esses projetos proporcionam aos alunos experiências através da própria Universidade. No entanto, Noézia comenta sobre a baixa adesão ao programa. “A falta de um auxílio por parte das instituições inviabiliza essa oportunidade para os estudantes que não possuem condições de arcar com as despesas”. Independentemente de como a viagem é realizada, todo universitário traz na mala uma série de novas lembranças e aprendizados que impactam diretamente a vida pessoal, acadêmica e profissional. Em 23 de julho, Kiara chegou no Zoológico Municipal de Uberlândia. O coração de Giovanna apertou a cada passo dado em direção à gaiola. Pelo barulho, a onça andava de um lado para o outro, incomodada com o novo ambiente. A estudante olhava sua amiga com grande preocupação de não ser reconhecida. Por longos segundos, Kiara parou e olhou fixamente para o fundo dos olhos da antiga cuidadora. Naquele momento, era possível sentir o laço que construíram. Ainda que trancada em uma gaiola, Kiara soube que não precisava mais se sentir solitária, porque Giovanna estaria sempre ali. 

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QUANDO OS OLHOS DE KIARA ENCONTRARAM OS DE GIOVANNA, ELA FINALMENTE SE ACALMOU EM MEIO AO CAOS/FOTO: JÚLIA VIDOTTI
“Ir embora foi um divórcio. Eu chorei a viagem inteira”
ENCONTRADA COM APENAS DEZ DIAS DE VIDA JUNTO DE SEU IRMÃO, QUE FALECEU DURANTE O PROCESSO, KIARA PRECISAVA SER ALIMENTADA A CADA DUAS HORAS/FOTO: ARQUIVO PESSOAL (GIOVANNA PADILHA)

CRÔNICA

Proibido para menores de 65 anos

Marcado por tabus, o envelhecer pode ser de (re)descobertas e recomeços

ão me recordo do nome que tinha quando nasci. Havia dias em que acordava sendo Maria. Quem nunca foi Maria? Do Carmo, Das Dores e até Aparecida. Tudo dependiadosvendavaisqueinundavamaminhacasa.

Certo dia, um vento gelado entrou pela porta da frente. Então, fui Maria Catarina. De nariz em pé, rígida e sensual. Talvez isso tenha chamado a atenção do rapaz de sorriso bobo, desalinhado e que, por ironia do destino, seria com quem eu passaria os próximos 32 anos.

Ao seu lado, eu variava entre ser Alice e Clarice. Eram charmosas, fingiam surpresa a cada frase repetida por ele e frequentavam os longos jantares com um sorriso alinhado.

Com o tempo, as surpresas já não me surpreendiam tanto. Esqueci como ser Clarice e o nome Alice eu já nem sabia escrever. Ele dizia que a idade estava me tornando seca, amarga e até louca.

Então, passei a ser Susana.

Quer nome mais seco que Susana? Impossível! Nesses dias, me faltavam adjetivos que expressassem tamanha sequidão destinada aos filhos e à dolorosa rotina. As coisas simplesmente aconteciam e eu passava por elas. Por outro lado, seriam eles que me acompanhariam por toda vida se eu não fosse uma mulher curiosa.

Aos 56, no auge dessa minha curiosidade, havia semanas em que eu era Gabriela, só Gabriela. Único, simples, meu. Ser Gabriela era fantástico, as pessoas me estendiam as mãos e me desejavam. Mas era rápido, ela vinha e ia embora; deixava apenas seu aroma como lembrança.

Em um dos picos de curiosidade, descobriquenenhumadelas,em32anos,havia sido suficiente para o rapaz desalinhado. Enquanto eu era Alice, ele procurava Patrícia; enquanto era Susana, ele procurava Morgana e assim por diante. Mas, eu estava viciada eembriagada demais emser Gabriela.

Quando finalmente me agarrei à sua magia, encontrei o amor nas danças da vida. Ao seu lado, poderia ter o nome que quisesse, e o rapaz desalinhado tornou-se apenas uma lembrança amarga. Aos 65, ainda existem dias em que sou Gabriela. Me olho nua no espelho, vejo a beleza de uma vida inteira e não abro mão de todas aquelas que já fui. Hoje sei que nasci assim, cresci assim mas duvido que serei sempre assim. O nome de batismo pouco me importa. Quem serei mas tenho certeza de que não tenho medo de me lançar às incertezas

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CULTURA

LINGUAGENS DO AMOR

O amor é algo difícil de se definir. De acordo com o dicionário, amar é um "sentimento que leva uma pessoa a desejar o que se lhe afigura belo, digno ou grandioso". Mas esse recorte é uma tentativa de se explicar o inexplicável. Algo realmente tão grandioso como o ato de amar não pode ser definido em menos de 100 caracteres. Um sentimento que é tão confuso, se torna nítido quando aparente, pois amar está muito além de sentir, está na fala, na vontade, na presença, nas ações. A maior beleza do amor é que ele pode ser apresentado de diversas formas possíveis. Independente de como a pessoa seja, ela vai conseguir expressar seu amor ao próximo, pois mostrar o apreço a alguém não pode ser descrito em uma linha rígida de um caderno. É uma partitura maravilhosa, ainda que às vezes confusa. Por isso, inspirado na obra do autor Gary Chapman, o Senso utilizou o delicado olhar de uma lente para tentar catalogar linguagens do amor no cotidiano. 

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