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“Elas são fortes porque têm que Desinformação e preconceito marginalizam pessoas
Começa a luta e o placar já é desfavorável às pessoas trans. De ‘gam jeom’ em ‘gam jeom’, eles são desclassificados do combate. A expressão nomeia a punição que pontua o adversário no Taekwondo, modalidade praticada por Zyon Garcia — estudante de Pedagogia na UFU, entusiasta do esporte e homem trans ainda no processo de transição.
“Esporte pra mim é tudo. Eu amo treinar. Agora, mais do que nunca, porque vou ver os músculos crescerem, finalmente”. Em clima de brincadeira, Zyon se refere aos seus braços como “de pernilongo”. É a emoção de um homem que, de acordo com suas próprias palavras, se redescobriu há pouco tempo.
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A história seria mais agradável se o lutador não tivesse que ouvir comentários como “por que resolveu virar homem?”, e enfrentar os maus olhares e o preconceito dentro de um mundo percebido por ele como hostil: o do esporte.
Ainda mais, se não tivesse que retornar à sua cidade natal por questões financeiras, pela dificuldade de encontrar um emprego. Mais uma vez, ‘gam jeon’ e ponto para o adversário, a transfobia.
Tal discriminção, reconhecida como crime, se torna ainda mais problemática quando há 13 anos o Brasil é o país que mais mata pessoas trans em todo o mundo. Conforme indica o relatório de 2021 da organização Transgender Europe (TGEU) é preciso, ainda, considerar os casos não reportados e as mortes não registradas.
Despercebidos
Atletas trans possuem pouca visibilidade no cenário esportivo e uma representatividade menor ainda. Não à toa, ao ser questionado sobre uma referência nacional, Zyon não soube responder. A nível regional, ele exaltou seu amigo Thomas Ferrato, estudante de Matemática e atleta de futebol da Exatas UFU, que também disse não ter nenhuma inspiração. “Acho que eu busco ser essa pessoa”.
Somente em 2021 uma atleta trans participou dos Jogos Olímpicos pela primeira vez — a neozelandesa Laurel Hubbard. A levantadora de peso não se classificou para a disputa pelas medalhas, mas fez história. Em território brasileiro, nos dois esportes mais populares do país, futebol e vôlei, há só uma atleta transexual na elite esportiva: Tiffany Abreu, que atua na Superliga Feminina de Vôlei.
Desde 2015, o Comitê Olímpico Internacional (COI) permite a cada Confederação regulamentar suas respectivas competições em relação aos jogadores transexuais. Guiada pela determinação do COI, a Federação Internacional de Natação (FINA) divulgou que mulheres trans só podem competir em esportes aquáticos se passaram pelo processo de transição antes dos 12 anos de idade, e mantiverem o nível de testosterona abaixo de um valor específico indicado. Homens trans não precisam atender a esse requisito.
Para Alessandra Lo Gullo, educadora física pela UFU e pesquisadora do assunto, a decisão da FINA é injustificável: “Transição não é tomar um remédio e pronto. Existe um processo psíquico e social, além da aceitação. Cobrar que o atleta tenha passado pela transição antes dos 12 é muito complicado”.
Até na UFU?
Mesmo na Universidade, espaço com vivências plurais, não são muitos os esportistas trans. Das 12 atléticas da UFU consultadas — de 20 totais — apenas seis atletas foram encontrados, além de um ritmista da bateria e um integrante do cheerleading. De acordo com Adilson de Souza, coordenador da Divisão de Esporte e Lazer Universitário (DIESU), não há nenhum projeto específico que contribua com a entrada de pessoas trans no esporte da Universidade.
Segundo a informação fornecida pela Diretoria de Inclusão, Promoção e Assistência Estudantil (DIRES), o corte de verbas tem afetado a criação desse tipo de programa. Cláudio Gomes Barbosa, técnico desportivo da Diretoria de Qua- lidade de Vida do Estudante (DIRVE), declarou que trabalham pela inclusão quando recebem demandas de atletas trans. “Nos eventos esportivos, permitimos que participem dos torneios. No Agita UFU sempre realizamos ações voltadas à promoção da diversidade”. Zyon confirma que a UFU não marca presença nesse aspecto. Já empolgado, o lutador fala sobre o papel fundamental das atléticas para a recepção dessa população. Ao sorrir, afirma que a associação acadêmica se propõe a resolver todas as pendências para que ele possa competir na categoria masculina. "Para mim, a ‘Humanas’ é tudo. Eles sempre mantiveram o respeito”.
Ainda que falte incentivo ao desporto, a UFU colabora para com o acolhimento de transgêneros. Zyon e Thomas realizam o processo de transição por meio do CRAIST, Centro de Referência e Assistência Integral para a Saúde Transespecífica, no Hospital de Clínicas da Universidade, e têm toda a estrutura que necessitam. A faculdade também disponibiliza apoio psicológico pelo projeto “Proteger-se”.
O que a ciência diz
A pouca aparição de transexuais no mundo esportivo também contribui com a falta de informação, que, aliada a uma ideologia conservadora, faz do esporte um ambiente perigoso e nada receptivo aos trans. “Chega a dar medo em determinadas situações. A gente sabe que alguns não querem a sua existência dentro daquela competição”, conta Zyon.
Quanto menos o assunto é tratado, menos as pessoas se dão conta dos fatos amparados pela ciência. Alessandra Lo Gullo faz questão de reiterar que testosterona e estrógeno são hormônios presentes tanto em corpos biologicamente masculinos quanto femininos, em quantidades diferentes. Sendo assim, a testosterona não é exclusiva ao homem cis.
Apesar do fato, existe um discurso recorrente de que mulheres trans que