Victor Palla | monograph

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v. palla



O século XX é, para mim, um período extraordinário no cruzamento das artes decorativas, do design, da arquitectura, da pintura, da escultura, das artes gráficas, da história as ideias, da inovação e de acontecimentos sociais, políticos e culturais. Henrique Cayatte

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´ indice Victor Manuel Palla e Carmo

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Projectos

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. Revista Arquitectura

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. Capas da revista O Gato Preto

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. Capa do livro O Pão da Mentira

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. Livro Lisboa, Cidade Triste e Alegre

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. Logotipo da SETA

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. Cartão de boas festas

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. Livros Epigramas e Provérbios

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. Capa e arranjo gráfico do livro Dicionário de milagres

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. Capa para livro imaginário

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. Capa do livro Do Outro Lado da Rua

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victor manuel palla e carmo

(Lisboa, 1922-2006)

Victor Palla, filho de Virgínia Palla e Victor Manuel, um caracterizador de teatro e fotógrafo amador, desde cedo manteve contacto com a área das artes. Frequentava a ópera, o teatro e cinema, e desenvolveu ainda um gosto fundamental pela leitura. Em 1939, entrou para a Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, onde começou a estudar arquitectura, curso que veio a concluir em 1945 no Porto. Contudo, não se limitou ao que a sua formação lhe permitia, explorou várias outras áreas, tentando de certa forma interligar muitas formas de expressão diferentes, o que resultou numa vasta obra multifacetada de grande modernidade. Arquitecto, fotógrafo, pintor, desinger, editor, galerista, tradutor e ceramista, experimentou linguagens, técnicas e materiais, juntando o melhor de cada área que trabalhou. A formação em arquitectura desenvolveu a sua sensibilidade espacial, enquanto a pintura e a fotografia desenvolveram a sua sensibilidade plástica. Não só o cruzamento das várias técnicas como todo o seu carácter profundamente experimental, se reflectem no seu trabalho em geral. É ainda notória a influência da estética neorrealista, sendo vários os exemplos onde se encontra uma atenção especial para as clases mais desfavorecidas e para o trabalhador. Ainda durante o seu período de estudos, começou a pintar com a aluna de pintura Zulcides Saraiva, com quem casou e teve três filhas, Maria José, Maria João e Maria Manuel, embora se tenha casado mais três vezes posteriormente. Participou regularmente em exposições colectivas nos anos 40, e fundou a Galeria Portugália em 1944, no Porto. Quando regressou a Lisboa, depois de concluir o curso, também dinamizou diversas iniciativas culturais, ligando-se a galerias, fundando a página de arte no jornal A Tarde, e integrando-se em eventos, entre os quais se destacam as Exposições Gerais de Artes Plásticas, realizadas entre 1946 e 1956, e as Exposições dos Independentes (com Fernando Lanhas e Júlio Pomar). Por volta de 1945, inicia a sua parceria com o arquitecto Joaquim Bento d’Almeida, com quem partilhou atelier durante 25 anos, da qual resultaram várias obras arquitectónicas inovadoras. Projectaram, por exemplo, 5


os primeiros snack-bares de Portugal: Pique-Nique e Galeto, em Lisboa, e o Cunha, no Porto. A título individual, Victor Palla, participou ainda em outros projectos, como de fábricas, da Escola do Vale Escuro, a Escola n.º 175 de Lisboa, e a aldeia das Açoteias, em Albufeira. Em 1952 começou a dirigir a revista “Arquitectura”, onde publicou artigos teóricos e de divulgação. Organiza também a Vampiro Magazine, e O Gato Preto com Francisco Branco, escrevendo contos sob vários pseudónimos, sendo um deles premiado pela Ellery Queen’s Mystery Magazine. Começou assim a destacar-se como designer, concebendo inúmeras publicações, não apenas revistas, mas também catálogos de exposições e capas de livros para várias editoras. Desenhou capas para a Coimbra Editora e a Atlântida Livraria Editora, fazendo parte (através de Rui Feijó) do círculo dos neorrealistas de Coimbra; com Cardoso Pires, não só fez renascer a Editorial Gleba como criou a Fólio Edições; e, com Fernando Namora, executou o plano editorial e gráfico para a Editora Arcádia, elaborando mais uma centena de capas. A fotografia foi também uma área muito significativa no seu percurso. Além de a aplicar nos restantes domínios da sua actividade, nomeadamente no design gráfico, adoptou-a como um meio de expressão em si. Em 1959, com o arquitecto e fotógrafo Manuel Costa Martins, publicou em edição de autor o livro "Lisboa, Cidade Triste e Alegre", que reunia trabalhos fotográficos dos dois artistas numa obra moderna, não só pelo seu carácter humanista, mas também pelo grafismo e pela impressão. Contudo, a sua qualidade de inovador não foi bem recebida pela sociedade conservadora da época, e o livro caiu no esquecimento sem ser reconhecida a sua importância, até ser relançado e reeditado em 1982 pela Galeria Ether, que promoveu simultaneamente a exposição “Lisboa e Tejo e Tudo (1956/1959)”. Ainda assim, só em 2001 recebeu o merecido reconhecimento, quando o livro foi eleito como um dos melhores livros do século XX. O seu nome ganhou então uma importância internacional, sendo referido por Philippe Arbaizar na revista do Centro George Pompidou, em 2002, e por Martin Parr e Gerry Badger no "The Photobook: A History", em 2004. Em 1992, o Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian, em Lisboa, dedicou ao artista uma exposição fotográfica retrospectiva e, em 1999, o Centro Português de Fotografia do Porto, atribuiu-lhe o Prémio Nacional de Fotografia, que se destinava a distinguir fotógrafos cujo trabalho fosse considerado relevante no panorama da fotografia portuguesa, tanto pelo seu carácter inovador, como por desencadear processos renovadores. 6


Desenvolveu uma obra muito particular e que ainda é em parte desconhecida, pois foi só por esta altura que também os portugueses começaram realmente a tomar consciência da importância da obra deste artista multifacetado, que trabalhou experimentando e conjugando um pouco de tudo, movido por uma constante curiosidade e vontade de aprender e inovar, mesmo quando o reconhecimento era difícil de alcançar.

Victor Palla, protagonista de um dos mais importantes e versáteis percursos do século XX português, desapareceu, a 28 de Abril (de 2006), com 84 anos, sem que a dimensão da sua obra global tenha sido verdadeiramente entendida. A originalidade e o carácter inédito do seu percurso documenta uma sensibilidade profundamente plástica que reinventa, reinterpreta e cruza sucessivamente os diferentes media, sem determinação hierárquica, numa experimental vontade de contaminação e consequência. Lígia Afonso

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projectos


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revista Arquitectura 1948

Aquando a entrada de Victor Palla, Bento d’Almeida e Manuel Barreira na organização editorial, esta revista sofreu uma grande mudança em termos de qualidade do conteúdo e do grafismo. Neste caso, é bem visível a influência da formação em arquitectura no design da revista, através estruturação a partir de linhas verticais e horizontais, dos alinhamentos utilizados e até do facto de os títulos serem escritos em caixa alta permitindo um aspecto mais regular e rectangular. A meu ver, embora por exemplo as figuras elípticas à direita na capa sejam dispensáveis, o intercalar de espaço preenchido e espaço branco acaba por resultar bastante bem, remetendo para o assunto da revista.

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capas de revista O Gato Preto, Antologia de Mistério e Fantasia Editorial Organizações 1952

Esta colecção de livros de bolso, foi das poucas tentativas da época para divulgar o romance policial português. Palla desenha as várias capas, adoptando linguagens diferentes em todas embora representem sempre a mesma personagem. Na capa 3, recorre à fotografia, trabalhando a transparência e a sobreposição, embora na minha opinião seja a composição menos conseguida, tanto pelo desenho sobreposto à fotografia que parece dispensável, como pelo posicionamento do título e cores utilizadas. Na capa 6, recorre a um desenho mais estilizado, com linhas dinâmicas e cores planas, que ao contrário da outra, me parece apelativa e funciona de forma harmoniosa.

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capa de livro O Pão da Mentira Horace McCoy Ediorial Gleba 1952

Fazendo parte da colecção que relançou a editora, “Os Livros das Três Abelhas”, esta é uma capa muito particular. Há uma certa tendência cubista que se revela na desconstrução e geometrização dos objectos, como a garrafa, o copo e a máquina de escrever. As quatro cores planas e as formas regulares utilizadas permitem a ilusão de que há vários planos que ao mesmo tempo se concentram num só. A confusão de elementos pode parecer excessiva, mas por outro dá uma sensação dinâmica, muito pouco estática, que foi muito provavelmente intencional, porque se repete evidentemente na palavra “mentira” do título em que as letras se encontram desalinhadas, quase a fugir da composição. 13


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livro Lisboa, Cidade Alegre e Triste Victor Palla e Costa Martins Edição de autor 1959

Inicialmente publicado em fascículos, esta obra reunia trabalhos fotográficos desenvolvidos pelos dois artistas nos bairros históricos de Lisboa entre 1956 e 1959. Tudo neste projecto teve o seu cunho de inovação, desde as próprias fotografias, contrastadas, com grão e intimistas (muito diferente do que se fazia em Portugal), ao grafismo, que é pensado página a página, criando uma narrativa composta por imagens acompanhadas de poemas, sem nunca se tornarem legendas. Apresenta-nos ainda variações na largura das folhas e páginas desdobráveis - algo extremamente arrojado para o design da época. Um livro que, para além de conter poemas, constitui um poema.

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logotipo Seta, Agência de Representações Técnicas e Artísticas c. 1961

Concebido por volta de 1961 no atelier de Bento de Almeida e Victor Palla, este logotipo reflecte um pouco a influência da formação arquitectónica de ambos. Utilizam linhas rectas e formas regulares para formar a seta, que obviamente nos remete para o nome da agência. Nota-se também uma certa sensibilidade tipográfica na escolha da letra, que, sendo condensada, encaixa na perfeição com as formas. As cores funcionam e na minha opinião o resultado é bastante bom, cumprindo os objectivos de um logotipo. 16


~ de boas festas cartao 1962

Concebido também no atelier de Bento de Almeida e Victor Palla, este cartão tem um grafismo bastante simples, mas assenta num jogo de palavras engraçado. Na parte da frente, uma composição de elementos circulares alusivos a bolas de natal (uns mais explícitos que outros) sobre um fundo azul - cor que transmite serenidade -, é acompanhada pela frase “bolas para 1962”, que faz um jogo entre a palavra “bolas” objecto e a “bolas” expressão corrente. Na parte de trás, com muito espaço para respirar, apenas surge um complemento à frase anterior e a assinatura do designer. Vê-se que também o tipo de letra foi cuidadosamente escolhido para coincidir com o resto, sendo arredondado.

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livros Epigramas e Provérbios Victor Palla Ler Editora 1978 “...quando a Imprensa Nacional vendeu há anos, em saldo, a peso, chumbo que lá tinha, não resisti aos ? % !. Misturei-os com algumas palavras que tinha num armário velho, arranjei que tudo fosse composto à mão, e saíram-me estas brincadeiras...”

Victor Palla publica este dois livrinhos, tratando não só da parte gráfica, através da composição manual dos caracteres, mas também dos próprios textos, demonstrando grande facilidade com as palavras. Os títulos são bastante óbvios quanto ao conteúdo, mas é o grafismo que o torna mais especial. Num formato quadrado, invulgar para a época, constrói uma composição muito dinâmica mas limpa ao mesmo tempo, inserindo os pequenos textos na metade inferior da folha, brincando com os alinhamentos e direcções do texto e com determinados símbolos, e os números da página grandes no canto superior direito, mas sem que o seu tamanho incomode a leitura.

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capa de livro e arranjo grafico ´ Dicionário de Milagres Eça de Queiroz Ler Editora 1979

Esta foi uma reedição da obra original, textualmente reduzida e graficamente renovada. A parte realmente interessante do trabalho gráfico de Victor Palla nesta edição, reside principalmente na capa, porque no seu interior não há ilustrações ou detalhes tipográficos ou de composição que se destaquem. Dois aspectos a assinalar: primeiro, a tipografia utilizada no nome do autor, de carácter bastante manual (característico do trabalho do designer), que ganha vida e presença pela cor, contraste com o fundo, tamanho, imperfeições e irregularidades; depois, o recorte circular (nunca antes usado em capas de livros em Portugal) que deixa revelar o desenho de um anjo na página seguinte.

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capa para livro imaginario ´ 1981

Quase sempre a par do que se passava lá fora, com estas capas bastante enigmáticas, Victor Palla pretendia criticar a onda americana da cultura de massas, da superficialidade social das “misses” e ainda o culto da inutilidade. Há nesta capa um movimento comum em todos elementos, que nos conduz o olhar e remete para o título. As bandeiras, com linhas pretas expressivas, repetem-se sucessivamente diminuindo de tamanho, quase como se representassem uma multidão, porém, não têm cor, como se tivessem perdido a sua identidade. A meu ver está aqui a crítica subjacente: a cor - aquilo que lhes dava vida - passou para segundo plano.

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capa de livro Do Outro Lado da Rua Sidónio Muralha Ler Editora 1982

Este número 5 da colecção “Passo a passo”, foi de certa forma, para mim, uma desilusão. Depois de muitos outros trabalhos exemplares, surge esta capa um pouco aquém até das outras pertencentes à mesma colecção. Embora todas elas assumam um carácter muito plástico e expressivo, esta acaba por cair no infantil. O único elemento que merece algum crédito é a tipografia do título, desenhada pelo próprio Palla, muito expressiva e arrojada, mas totalmente legível. Porém, o resto não a acompanha, sendo o tipo de letra utilizado em baixo pouco coerente com ela, e estando o nome do autor posicionado sobre uma mancha escura dificultando a leitura.

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bibliografia COUTINHO, Bárbara e MARTINS, João Palla, Victor Palla - design de comunicação, Lisboa, INCM, 2011 MARTINS, Costa e PALLA, Victor, Lisboa, Cidade Triste e Alegre, (edição fac-similada), Lisboa, Pierre Von Kleist Editions, 2009 Lisboa e Tejo e Tudo (1956/59), [Catálogo da exposição Lisboa e Tejo e Tudo (1956/59), Lisboa, Galeria Ether/Vale Tudo Menos Tirar Olhos], Lisboa, Ether, 1989 FRAGOSO, Margarida; Design Gráfico em Portugal - Formas e expressões da cultura visual do século XX; Livros Horizonte; Lisboa 2012 SENA, António, História da Imagem Fotográfica em Portugal - 1839-1997, Porto, Porto Editora, 1998 PARR, Martin e BADGER, Gerry, The Photobook: A History, Vol. I, Londres, Phaidon, 2004

fontes on-line www.iade.pt/designist/pdfs/002_05.pdf www.tipografos.net/portugal/victor-palla.html www.ressabiator.wordpress.com/2008/11/27/lisboa-cidade-triste-e-alegre/ www.memoriarecenteeantiga.blogspot.pt/2010/11/victor-palla.html www.pedromarquesdg.wordpress.com/tag/victor-palla/ www.artephotographica.blogspot.pt/2009/11/lisboa-cidade-triste-e-alegre.html www.sigarra.up.pt/up/pt/WEB_BASE.GERA_PAGINA?P_pagina=1005755 www.alexandrepomar.typepad.com/alexandre_pomar/2006/10/victor-palla-19.html www.joaquimevonio.com/critica_12.htm www.arpose.blogspot.pt/2011/11/livrinhos-1-victor-palla.html www.zootmagazine.com/2011/11/23/a-colecao-d-celebrates-portuguese-designwith-mude-museum-lisbon/ 25


Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa 2012/2013 Rita Gaspar 4676


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