Legenda Foto: Ullaboreptam reruntore dit .
Apresentação
O Museu de Arte Moderna de São Paulo,
Além de produções do artista em seus anos de
reafirmando seu compromisso de manter viva
formação, a curadora Annateresa Fabris selecio-
a memória de artistas representativos de vários
nou também obras que o consagraram publica-
tempos, já realizou grandes mostras individu-
mente, como as encomendadas pelo ministro
ais, como as de Marcel Duchamp, Alfredo
Gustavo Capanema nos anos 1930. Com o obje-
Volpi, Anselm Kiefer, Cildo Meireles e Ernes-
tivo de apresentar os processos compositivos e os
to Neto, entre muitos outros. Com a exposição
recursos estilísticos de Portinari, esta exposição
No ateliê de Portinari, o mam-sp homenageia
é, antes de tudo, uma ocasião única de conhe-
o mestre Candido Portinari, nome que se con-
cer o interesse do artista pela experimentação
funde com a própria história da arte brasileira.
das linguagens modernas.
Milú Villela,
Presidente do Museu de Arte Moderna de São Paulo
5
Sumรกrio
1 - Apresentação Milu Villela
5
2 - Apontamentos
15
3 - Portinari por Portinari
20
4 - Nota Preliminar
21
5 - Sentido Social da Arte
40
6 - Pintura que se desliga da arte
50
7 - Obras
81
8 - Excertos
80
9 - Bibliografia Selecionada
88
Annnateresa Fabris
10 - English Version
198
111 - Lista de obras
202
<Sumário em construção>
7
Apontamentos sobre o pintor no ateliĂŞ
I
Da formação acadêmica ao antinaturalismo Portinari ocupa um lugar à parte no meio artístico brasileiro. Dotado de uma esquisita personalidade, as suas próprias incertezas refletem os rasgos de um temperamento rebelde, tentando descortinar horizontes mais largos. [...] A sua maneira nervosa, subordinada muita vez a traços largos, vigorosos, constituiu algo de novo para o meio onde cada pintor faz mais de uma uniformidade lastimável1.
As palavras com as quais o Jornal do Brasil saúda a participação de Cândido Portinari no iii Salão da Primavera (maio de 1925) apanham, de maneira certeira, os aspectos principais de um dos retratos apresentados na mostra, em que o jovem artista lança mão simultaneamente de aspectos tradicionais do gênero e de algumas novidades. Se o Retrato de Mario Tullio (1925) responde à representação tradicional do artista captado no ato de pintar, há nele alguns traços novos: o uso de pinceladas fortes e, sobretudo, a atenção dedicada à definição das feições do rosto, no qual é nítida a vontade de Portinari de fornecer um flagrante psicológico do modelo. A avaliação do Jornal do Brasil não é, contudo, partilhada pela crítica carioca como um todo. A participação do artista na xxxi Exposição Geral de Belas-Artes (agosto de 1924), havia gerado visões diferenciadas. Os sete retratos, dentre os quais os de Manoel Santiago (1923), Roberto Rodrigues (1924) e Antônio Grellet (1924), são considerados pelo Rio-Jornal “distanciados da perfeição relativa”. Ao mesmo tempo em que elogia o “colorido limpo e vibrante”, o jornal não deixa de apontar um “defeito” a ser corrigido: “o pouco caráter” que o artista “imprime aos seus modelos”2. Bem outro é o teor da crítica de Galabert de Simas, que destaca os aspectos originais de uma linguagem ainda em gestação: Equilíbrio, clareza, intuição e elegância são os melhores elementos com que Portinari já se faz admirar na originalidade dos seus trabalhos.
1 “No Salão da Primavera”, in: Jornal do brasil, Rio de Janeiro, 6 maio 1925. 2 “A pintura no ‘Salon’”, in: Rio-Jornal, 14 ago. 1924 .
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Na medida e no senso dos seus processos corre uma centelha de talento que lhe marca um lugar próprio entre as maiores esperanças da moderna pintura brasileira3.
Ao participar da xxxiii Exposição Geral de Belas-Artes (agosto de 1926) com dois retratos, Portinari chama a atenção do professor Carlos Flexa Ribeiro, que destaca as qualidades fundamentais de seu estilo: “elegância do desenho” e “romantismo de outras eras”. Portinari afigura-se ao crítico como “um jovem que ficou à margem da evolução pictural”, como “um tradicionalista”, cuja fatura “recebeu o influxo de certas modalidades da pintura moderna, onde também aquele sentimento predomina”. É por isso que Ignacio Zuloaga, “mestre que sempre se conservou estranho às correntes que revolucionam a arte desde o Impressionismo”, configura-se como parâmetro para um pintor que demonstra ser capaz de assimilar com facilidade “as expressões dominantes” de certos artistas4. O Retrato de Olegário Mariano (1928), com o qual Portinari ganha o Prêmio de Viagem da xxxv Exposição Geral de Belas-Artes (agosto de 1928), desperta avaliações dicotômicas. Enquanto Celso Kelly o considera “um modelo de elegância e finura”, destacando “a expressão bem sentida de espiritualidade” da cabeça, Manuel Bandeira, mesmo elogiando a técnica “larga e incisiva” do retratista, não hesita em falar em “concessões ao espírito dominante na Escola”, que teriam resultado no prêmio5. de ser, não podendo ser atribuídas simplesmente a idiossincrasias pessoais
4 Flexa Ribeiro, “O Salão de 1926”, in: O Paiz, Rio de Janeiro, 14 ago. 1926.
com os exemplos clássicos do gênero, ora fazia algumas incursões por
5 Celso Kelly, “O Prêmio de viagem”, in: A Manhã, Rio de Janeiro, 22 ago. 1928; Manuel Bandeira, “Um rapaz de 23 anos”, in: Andorinha, andorinha. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966, p. 45.
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Essas avaliações tão díspares de um estilo em formação têm sua razão
3 Galabert de Simas, “O ‘Salão’ de 1924” (artigo localizado no arquivo do Projeto Portinari, Rio de Janeiro – PR-05.01.01).
deste ou daquele crítico. Portinari, que tinha no retrato o vetor principal de sua produção, era um artista de orientação eclética, que ora dialogava experiências mais modernas. O Retrato de Edith Aguiar (1924, f. 2) parece ser fruto do diálogo com Jean-Auguste-Dominique Ingres não só pelo desenho incisivo, mas igualmente pela primazia conferida à forma em detrimento da captação da psicologia do modelo. Retrato de mulher (1927, f. 3) aponta numa direção contrária. Lançando mão de uma pincelada larga e
determinada, Portinari constrói um rosto expressivo, no qual o vermelho dos lábios forma um contraste harmonioso com o preto dos cabelos e dos olhos. Ao tom claro do rosto corresponde o ocre do casaco vestido pela jovem, tratado como uma grande massa cromática. O conjunto de desenhos e quadros dedicados a Olegário Mariano entre 1925 e 1929 traz igualmente a marca desse duplo registro. Se, no desenho datado de 1925 (f. 4), o poeta estava sob o signo de Ingres, em sua representação quase de corpo inteiro (1926, f. 5), os modelos são outros: os retratos de Théodore Duret e Antonin Proust, realizados por Édouard Manet em 1868 e 1880, respectivamente, e os retratos mundanos de James Whistler, John Singer Sargent e Giovanni Boldini6. Enquanto no desenho o modelo ganha um aspecto intemporal, na tela de 1926 o centro de interesse está numa visão altamente contemporânea, haja vista o destaque dado ao traje do poeta e a seu penteado. Intemporais também e marcados por uma concepção sintética do rosto do modelo, são as representações dedicadas a Olegário Mariano em 1926, 1927 e 1929. O desenho de 1926 parece servir de molde aos óleos de 1927 e 1929, nos quais o poeta é captado com uma pincelada mais enxuta, embora não isenta de certa densidade matérica, como no caso da obra que integra o acervo da Academia Brasileira de Letras (f. 6). Comparado com essas representações sintéticas e atentas a uma definição psicológica do modelo, o quadro com o qual Portinari obtém o Prêmio de viagem é, sem dúvida, uma solução de compromisso. O modelo não só é idealizado, como há uma discrepância entre o tratamento do rosto, baseado num jogo de planos e luzes, e a caracterização sumária e chapada do fardão, em consonância com a rarefação da pincelada do fundo, dominado por tons amarelos e dourados. O caráter oficial do quadro não reside apenas numa representação que enfatiza o traje cerimonial, mas também na presença do brasão da família do retratado: a pernambucana Carneiro da Cunha. Se bem que dominante, o retrato não é o único gênero ao qual Portinari se dedica no momento de sua formação na Escola Nacional de Belas-
6 Cf. Sergio Miceli, Imagens negociadas: retratos da elite brasileira (1920-40). São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 28.
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-Artes, na qual ingressa como aluno livre em 1920, tendo como professor Lucílio de Albuquerque. Aprovado no concurso para a classe de pintura (1921), estuda com Rodolfo Amoedo, Rodolfo Chambelland e João Batista da Costa7. Estudos de figuras humanas, cenas mitológicas, lembranças da cidade natal (Baile na roça, 1924; Casinha de Brodowski, 1927), paisagens, alguns nus e uma representação de Santa Cecília (c. 1925) integram a produção do Portinari estudante, claramente à procura da definição de uma linguagem própria. Se os códigos acadêmicos repontam em suas obras pictóricas iniciais – Meu primeiro trabalho (c. 1920, f. 1) e Meu segundo trabalho (c. 1920) – e em muitos estudos do corpo humano, trabalhos como Baile na roça e algumas paisagens datadas de 1927 dão mostras de que o jovem pintor ensaiava outras possibilidades de linguagem. Os traços mais soltos de Baile na roça, que evoca o impressionismo em termos cromáticos e no aspecto casual conferido à cena, estão igualmente presentes em obras como Praia de Ipanema, Pedra da Gávea e Marinha, nas quais Portinari usa pinceladas largas e incisivas, denotando a busca de uma composição sintética, em sintonia com alguns aspectos da pintura moderna. A presença da paisagem na primeira produção portinariana não responde apenas a um roteiro clássico de formação. Ela vem carregada de uma intencionalidade precisa, uma vez que o pintor estava interessado na definição de uma arte nacional como consequência de uma relação empática com o próprio entorno. Em várias entrevistas, o artista aborda a problemática da paisagem, auspiciando o surgimento de “uma escola de 7 Para dados ulteriores sobre a formação de Portinari na Escola Nacional de Belas-Artes, ver: Annateresa Fabris, Cândido Portinari. São Paulo: Edusp, 1996, p. 22. 8 “A versatilidade de preferências no momento artístico”, in: O Jornal, Rio de Janeiro, 1926 (artigo localizado no arquivo do Projeto Portinari, Rio de Janeiro, PR-28).
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cores clara, vigorosa, vibrante, luminosa”8. A questão da paisagem tem um desdobramento em alguns retratos (Retrato de Paulo Gagarin, 1924; Retrato do pintor Roberto Rodrigues, 1926; Retrato de Celso Kelly, 1926; Retrato de Jorge de Castro, 1929), nos quais Portinari coloca em prática os ensinamentos de Zuloaga, o pintor mais apreciado por ele naquele momento. É muito enfático a esse respeito numa entrevista concedida em 1926: Tem a paisagem íntima relação com o retrato, de que é elemento essencial. Zuloaga, o grande pintor espanhol, o maior pincel do mundo, re-
produz, continuamente em suas telas de figura trechos regionais, onde faz viver a alma da Espanha. Aqui, em que o sol é vibrante e as cores são de belíssima intensidade, o fator paisagem seria primoroso em qualquer retrato9.
È este artista que estava ensaiando configurar uma linguagem própria, descrente de “escolas” e de “individualidades uniformes”, defensor do classicismo “como uma gramática, para os que querem bem escrever”, como “o elemento de ordem, a norma constante para as revoluções estéticas”10, que embarca em junho de 1929 para a Europa. Leva em sua bagagem uma determinação: não fazer da estadia na Europa o pretexto para uma produção intensa e quase nada meditada como têm feito alguns colegas... [...] O que vou fazer é observar, pesquisar, tirar da obra dos grandes artistas – do passado, nos museus, ou do presente, nas galerias – os elementos que melhor se prestem à afirmação de uma personalidade. Procurarei encontrar o caminho definitivo da minha arte fazendo estudos e nunca quadros grandes, que estes roubam ao artista um tempo precioso sem um resultado duradouro e sem influência definitiva no futuro. Prefiro regressar da Europa sem nenhuma bagagem volumosa, aparentando ao julgamento alheio nada ter feito, mas com um cabedal profundo de observações e pesquisas11.
grama traçado no Brasil. Embora radicado em Paris, decide não frequen-
9 “O momento n a pintura”, in: A Manhã, Rio de Janeiro, 3 jul. 1926.
tar a Académie Julian, como era de praxe entre os estudantes da Escola
10 Idem.
Nacional de Belas-Artes. Se as visitas ao Museu do Louvre lhe permitem
11 “Para o Velho Mundo em busca da perfeição”, 28 maio 1929 (artigo localizado no arquivo do Projeto Portinari, Rio de Janeiro, PR-118).
A temporada europeia demonstra que Portinari segue à risca o pro-
confirmar sua crença nos “antigos”, é, porém, na National Gallery de Londres que ocorre o encontro determinante com Paolo Veronese. A visão da obra do artista veneziano desperta nele uma nova ideia de pintura. Decide ser “um pintor de todos os gêneros”, autor de “grandes telas, com muitas figuras agrupadas em enormes composições, com estruturas variadas”, e não apenas um retratista12. Viagens pela França, Inglaterra,
12 “Carta de Cândido Portinari a Olegário Mariano” (Paris, 12 set. 1929); Antonio Bento. Portinari. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial, 1980, p. 58.
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Espanha e Itália são igualmente determinantes para o jovem pintor, que não só confirma o primeiro interesse por Sandro Botticelli e Diego Velázquez, como descobre os exemplos de Giotto, Masaccio, Piero della Francesca, Luca Signorelli, Fra’ Angelico, Andrea del Castagno, Michelangelo, Leonardo, El Greco e Francisco de Goya. Esse contato, que lhe permitirá constituir uma visualidade baseada, em grande parte, nos valores táteis do Renascimento italiano, leva-o a distanciar-se de Zuloaga. Outros artistas modernos despertam seu interesse: Amedeo Modigliani, Henri Matisse, Pablo Picasso e, sobretudo, Felice Carena, que “produziu a maior emoção de toda a viagem”13. Embora participe com um retrato e uma natureza-morta da Exposition d’Art Brésilien (Paris, 1930), sua produção pictórica é escassa. Regressa ao Brasil com três naturezas-mortas, dois nus, um autorretrato, um retrato e três desenhos, dentre os quais Palaninho (1930, f. 8). A figura de um habitante de Brodósqui, desenhada de maneira sintética e nervosa, na qual Plínio Salgado detecta o “caboclo ítalo-bugre, ariano-etíope, cafuzo com sangue da Lombardia, mameluco de todas as raças das zonas rurais de S. Paulo” e, até mesmo, um “retrato” do próprio Portinari, “um 13 Aga, “Portinari voltou da Europa”, in: Mundo Illustrado, 1931 (artigo localizado no arquivo do Projeto Portinari, Rio de Janeiro, PR-126). 14 Plínio Salgado, “Um pintor brasileiro em Paris”, in: O País, Rio de Janeiro, 5 out. 1930. A entrevista foi também publicada no Correio Paulistano (8 out. 1930). 15 A carta em que Portinari descreve Palaninho e Brodósqui, endereçada a Rosalita Candido Mendes em 12 de julho de 1930, encontra-se reproduzida em: Candido Portinari, Portinari, o menino de Brodósqui. Rio de Janeiro: Livroarte Editora, 1979.
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caboclo de Brodósqui, da zona cafeeira de Ribeirão Preto”14, está associada a um momento crítico da temporada parisiense. Palaninho é um emblema não só da cidade natal, descoberta à distância, mas igualmente do Brasil, despertando no artista a determinação de “fazer a minha terra”, “a minha gente”15. Essa determinação será reafirmada na entrevista concedida a Plínio Salgado em 30 de agosto de 1930. Nela, o pintor estabelece um verdadeiro programa de ação, articulado em volta de alguns eixos: concepção da arte como um agente de transformação social e de criação de uma consciência nacional, simbolizada pela figura de Almeida Jr.; tomada de posição contra a arte estrangeira e o espírito excessivamente crítico da nova geração de artistas e intelectuais brasileiros; defesa do tema e repúdio da “pintura ignorante”, preocupada tão somente com qualidades estritamente plásticas. A ideia de uma arte nacional alicerça-se não em grandes sínteses, mas
na representação dos tipos regionais, que seriam “humanos e universais”, por terem “alma brasileira”. Embora Paul Cézanne não seja citado entre os artistas modernos que despertam o interesse de Portinari, as três naturezas-mortas pintadas em Paris, trazem a marca de um intenso diálogo com ele. Assim como no pintor francês16, as naturezas-mortas de 1930 são, ao mesmo tempo, construtivas e sintéticas. Caracterizadas quase sempre por uma iluminação difusa, que se soma à luz que emana da matéria pictórica, tais obras podem ser consideradas exemplos evidentes do encaminhamento de Portinari para a busca de uma composição baseada na essencialidade e no rigor geométrico. Nu feminino (1929) e Nu (1930, f. 7), por sua vez, parecem atestar seu diálogo com Carena, que, naquele momento, se distinguia por uma composição sintética e volumétrica, inspirada, em parte, no classicismo. A função que este atribuía à luz – estruturar a figura e plasmar a matéria cromática para conseguir um efeito de tranquilidade e sobriedade – está presente nos dois exercícios de Portinari, demonstrando seu interesse por um realismo reinterpretado e, mais uma vez, fecundado pela lição de Cézanne. De volta ao Brasil (janeiro de 1931), Portinari trava, inicialmente, um novo diálogo com a pintura moderna, buscando inspiração para alguns retratos no léxico refinado e elegante de Modigliani. Retrato de Maria (1932, f. 11) é um exemplo paradigmático desse diálogo. Composição requintada e um tanto incorpórea, apesar da massa negra formada pelo vestido, o retrato da esposa distingue-se pelo alongamento elegante da figura e pela caracterização do rosto e da psicologia do modelo, captado numa atitude introspectiva. A pose tranquila e distante, que não deixa de evocar alguns retratos maneiristas, é realçada pela sobriedade cromática do conjunto. Modelo constante, Maria Portinari torna-se o pretexto para uma série de exercícios em que o marido testa diferentes soluções plásticas e estilísticas. Em dois retratos executados em 1931, persistem o motivo do pescoço alongado à la Modigliani e a vontade de penetrar na psicologia do modelo, mas há também diferenças significativas de um para o outro.
16 Renato Barilli, L’arte contemporanea: da Cézanne alle ultime tendenze. Milano: Feltrinelli, 1985, pp. 32-33.
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Enquanto no primeiro, Portinari recorre a uma paleta suave (f. 9), no segundo, opta por tons esverdeados, que conferem um aspecto ambíguo à fisionomia de Maria, marcada pelo eco de algumas representações do Picasso pré-cubista (f. 10). Numa composição realizada por volta de 1932, o retrato da esposa resume-se a um rosto de oval puro, dotado de grande intensidade expressiva (f. 12), ao passo que numa obra executada dois anos mais tarde, que a representa no ato de costurar, com a cabeça levemente inclinada, as feições são apenas esboçadas e um tanto borradas17 (f. 13). Uma Maria enigmática, que evoca uma estátua antiga e a atmosfera dos quadros metafísicos de Giorgio de Chirico, é o centro de um quadro pintado por volta de 1934 (f. 14). Assentado num pescoço sólido, caracterizado por olhos vazios e nariz proeminente, o rosto de Maria, captado de perfil, tem como fundo uma paisagem marítima, que acentua, por contraste, o enigma de que ele é portador em sua fixidez pétrea. As possibilidades clássicas do retrato são exploradas pelo pintor numa obra datada provavelmente de 1941, em que a esposa é representada numa pose levemente lateral. Graças ao uso de um fundo escuro, Portinari confere uma luminosidade sutil à fisionomia de Maria, na qual o vermelho da boca cria um contraste com o negror dos olhos e do cabelo, sugerindo, ao mesmo tempo, uma passagem delicada para o tom rosa da blusa (f. 15). Se bem que os retratos constituam um vetor fundamental da produção portinariana, abarcando um corpus de 680 obras, outro aspecto importante de seu trabalho demonstra que o pintor se manteve fiel à determinação tomada em Paris de “pintar aquela gente com aquela roupa e com aquela cor”, como se lê na carta endereçada a Rosalita Candido Mendes em 12 de julho de 1930, em que era evocada a figura de Palaninho. Num artigo publicado por ocasião da exposição realizada no Palace Hotel (Rio de Janeiro, agosto de 1932), Manuel Bandeira realça, 17 Existe uma outra versão do retrato, em que as feições do rosto são mais bem definidas.
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além dos retratos, a presença de algumas paisagens. Estabelecendo dois vetores no tratamento dado ao gênero – d’après nature e paisagens tiradas “do subconsciente, reminiscências de subúrbios (vistos onde? quando?),
de Brodósqui sua terra natal, da Itália que lhe veio no sangue” –, o poeta detecta, no plano de fundo de Ronda infantil (1932, f. 16), “um filão riquíssimo e apenas tocado na obra de Portinari”, não temendo afirmar que dele poderia derivar uma obra-prima intitulada Brodósqui18. No ano seguinte, ao resenhar uma nova exposição apresentada novamente no Palace Hotel, no mês de julho, Bandeira volta a abordar a problemática do local em que o artista havia nascido: E o homem de Brodósqui não se esqueceu de Brodósqui. Há nesta galeria admirável do Palace Hotel um grande quadro a óleo e várias aquarelas inspirados em aspectos e cenas da pequena cidade paulista. São das melhores cousas que já compôs Portinari e dir-se-ia que o pintor esperava a maturação de todos os seus recursos para encetar a transposição plástica de suas reminiscências de infância19.
Pintada na pequena cidade natal, Ronda infantil representa o lugarejo com traços sintéticos e quase rudimentares. A cor marrom escuro do chão, que é o elemento determinante da composição, transforma-se em terra roxa em Paisagem de Brodowski (1940, f. 19), quadro que parece responder de perto ao anseio de Bandeira. Espécie de súmula do imaginário de Portinari, a tela, estruturada em planos sucessivos, é uma síntese não apenas de Brodósqui, mas do Brasil. Na paisagem, em que se destacam algumas casas e uma singela igrejinha, veem-se mulheres de trouxa na cabeça ou carregando um feixe de lenha, um homem andando, uma cena de casamento, um cavalo a galope, um par de bois descansando, uma ovelha, algumas queixadas de animais pelo chão, um bauzinho e uma ovelha. Dotado de um sentido circular, determinado pelos diversos posicionamentos das figuras no espaço, o quadro baseia-se numa estrutura de ações simultâneas, que conferem um aspecto dinâmico ao conjunto. O motivo dos jogos infantis, por sua vez, é uma presença recorrente na produção do artista. Em suas memórias, Portinari evoca a gangorra instalada na praça da cidadezinha pelo Padre Josué e faz um elenco das
18 Manuel Bandeira, “A exposição de Portinari”, in: O Globo, Rio de Janeiro, 1932 (artigo localizado no arquivo do Projeto Portinari, Rio de Janeiro – PR-209). 19 Manuel Bandeira, “Florentino quase caipira”, in: Andorinha, andorinha, op. cit., p. 46.
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principais brincadeiras: gude, pião, arco, avião, papagaio, diabolô, bilboquê, ioiô, botão, balão, malha, futebol, pique, barra-manteiga, pulando carniça etc.20. Dois exemplos significativos, que se enlaçam com o universo de Ronda infantil, podem ser localizados em Crianças brincando (1940, f. 17), em que se impõe a diagonal da gangorra numa composição estranhamente estática, e Praça de Brodowski (1939, f. 18). Nesse quadro concebido em tons terra, o branco da igrejinha cria um foco de luz que se irradia por todo o campo visual; crianças de costas estão entretidas num folguedo indefinido, exibindo um conjunto de poses dotadas de uma tensão suspensa e inquietante. A cidade natal não é evocada apenas a partir da paisagem e das brincadeiras infantis. Os tipos humanos são também lembrados numa gestualidade que pode remeter à sua profissão, como é o caso de Sapateiro de Brodowski (1941, f. 20-21). Figura monumental e escultórica, caracterizada por uma deformação acentuada do corpo, no qual há um contraste evidente entre a fragilidade do longo pescoço e o vigor dos braços e das pernas, o sapateiro está colocado num assoalho quadriculado, cuja estrutura geométrica é atenuada pela aplicação irregular da tinta azul. O poderoso modelado antinaturalista, inspirado no Picasso “neoclássico”, estabelece um elo entre a figura do Sapateiro de Brodowski e as obras realizadas na década anterior, quando Portinari “se entrega a novos problemas estéticos e técnicos”, depois de ter satisfeito “as suas exigências de ordem sentimental”, como lembra Mário Pedrosa21. O crítico elabora 20 Candido Portinari, “Retalhos de minha vida de infância”, in: Portinari, o menino de Brodósqui, op. cit., pp. 42-44. 21 Mário Pedrosa, “Portinari – De Brodósqui aos murais de Washington”, in: Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 10. 22 Idem, pp. 10-11.
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um apanhado geral bem articulado das preocupações do artista nesse momento: análise do material; interesse pelos problemas da construção da tela; abandono da pastosidade das tintas da série dedicada a Brodósqui em prol de “uma enorme tensão analítica, procurando traduzir a realidade plástica por uma abstração geométrica de planos e dimensões”22. Uma obra emblemática desse momento, Estivador (c. 1934, f. 24), condensa as principais características da pesquisa realizada por Portinari depois da volta da Europa. A composição estrutura-se a partir de um jogo plástico de caráter construtivo, ritmado pela separação entre as diversas
figuras e pela presença de formas geométricas simples. O gigantismo do estivador não entra em contraste com a concepção geométrica do conjunto e ainda não exibe aquela deformação mais acentuada (f. 22-23), que transforma as figuras em verdadeiras estátuas. O aspecto escultórico é o traço distintivo de obras como Lavrador de café (1934) e Mestiço (1934, f. 27), que se destacam por um modelado antinaturalista, pela deformação expressiva e pelo equilíbrio conseguido entre o gigantismo dos dois trabalhadores, que parecem transbordar dos limites da tela, e a paisagem que se descortina atrás delas. Os estudos feitos para os dois quadros dão a ver o interesse do pintor pela definição de corpos densos e sintéticos, nos quais o que importa é a deformação dos pés e das mãos (Preto da enxada, 1934, f. 25), e pela captação precisa da fisionomia do modelo, próxima dos postulados da nova objetividade (Cabeça de mulato, 1934, f. 26). Nos desenhos, Portinari não se detém no tratamento do fundo, mas é este que atrairá a atenção de Pedrosa por ocasião da exposição realizada pelo pintor em São Paulo, em dezembro de 1934. Ao analisar as duas telas que se originaram dos desenhos, o crítico dá destaque ao tratamento do fundo, por perceber nele a presença da “natureza, na sua expressão concreta e social, a terra e o trabalho”. No caso de Mestiço, Pedrosa chega a afirmar que Portinari conseguiu fugir da dimensão do retrato ao ser “solicitado [...] não pela figura de um mestiço, mas pela realidade social e material da vida do mestiço, representada pelos planos de fundo”23. O aspecto concreto dessas figuras e das paisagens nas quais estão inseridas, que se desdobra em inúmeras composições como Café (1935) e Colona (1935), por vezes, é deixado de lado em prol de uma pesquisa mais formalizante. O interesse pela captação de valores construtivos e tonais pode ser exemplificado com Colonos carregando café (c. 1935, f. 28) e Marias (1936, f. 31). No primeiro, que Pedrosa aproxima de certos murais de Diego Rivera24, a deformação é atenuada, dando lugar a uma estruturação mais geométrica, ritmada por intervalos entre as figuras e pelo uso de contrastes tonais acentuados. No segundo, caracterizado por uma suspensão
23 Mário Pedrosa, “Impressões de Portinari”, in: Diário da Noite, São Paulo, 7 dez. 1934. Para uma análise detalhada do quadro e de suas relações com o muralismo, ver: Annateresa Fabris, “Mestiço, de Candido Portinari”, in: Taisa Palhares, org. Arte brasileira na Pinacoteca do Estado de São Paulo: do século XIX aos anos 1940. São Paulo: Cosac Naify/Imprensa Oficial/Pinacoteca, 2009. 24 Mário Pedrosa, “Portinari – De Brodósqui aos murais de Washington”, op. cit., p. 16.
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temporal que não deixa de lembrar certas atmosferas da pintura metafísica, prevalecem os valores tonais. As pequenas silhuetas das mulheres sumariamente esboçadas e representadas numa pose estática criam uma nota luminosa com sua brancura numa composição em que prevalecem tons terra. A busca da concretude ou de uma definição mais fluida das figuras alterna-se na produção de Portinari. Geométrica é a estrutura de Festa de São João (1936, f. 30) e Retirantes (1936, f. 32), dominadas por figuras poderosas e concretas em termos físicos. Festa de São João é estruturada em termos claramente geométricos. Os triângulos formados pelo grupo de três mulheres no primeiro plano, pelas figuras de lata na cabeça e pelo homem carregando lenha harmonizam-se com as linhas verticais presentes nos troncos das palmeiras, nos mastros e em alguns grupos. As linhas curvas descritas pela paisagem criam um sutil dinamismo numa composição essencialmente estática, caracterizada pelo congelamento das figuras, apesar das atividades desempenhadas por muitas delas. O classicismo antinaturalista que permeia o quadro é o traço primordial de Retirantes, concebido como uma estrutura piramidal. As figuras são modeladas com a cor. Portinari estabelece um jogo de passagens da luz para a sombra. Faz incidir a luz nas vestes brancas das figuras femininas e, a partir delas, cria diferentes gradações de marrom. Domingo no morro (1935, f. 29) exibe, ao contrário, uma estrutura mais livre, evocadora da série marrom ou brodosquiana. Da mesma forma que nas telas que têm como tema a cidade natal do pintor, Domingo no morro apresenta uma superfície marrom, na qual se destacam os focos de luz clara constituídos pelas diversas figuras que não parecem ser pensadas em termos estritamente realistas. Um veio antirrealista está também presente em algumas obras datadas de 1940 – Mulheres e crianças em duas versões (f. 33-34), Mulher com crianças (f. 35) e As moças de Arcozelo (f. 36) –, que parecem responder àquela “lei de compensação” evocada por Pedrosa. Empenhado na realização dos “Ciclos econômicos” (1936-1944) para o Ministério da Educação e Saúde, Portinari busca no cavalete “uma
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cadência mais livre na pintura a óleo”25. Embora a estrutura geométrica não faça falta a esse conjunto de telas, o que se impõe de imediato é a pesquisa cromática empreendida pelo artista, que o leva a lançar mão de uma paleta delicada e fluida. Os quadros de 1940, ao contrário da visão épica que estava sendo construída nos muros do Ministério da Educação e Saúde, apresentam figuras paradas, em atitude de expectativa, sem qualquer relação com o tempo e com a história. Um novo encontro com Picasso marcará uma mudança de rota na poética portinariana. O impacto provocado pela visão de Guernica (1937) no começo de 1942 manifesta-se de maneira violenta na “Série bíblica” (1942-1943), na qual Portinari rompe, em grande parte, com o que caracterizava sua obra até então. A deformação controlada da década anterior transforma-se em desarticulação, evidenciando a busca de um novo caminho expressionista, não alheio ao uso de elementos cubistas. Presença assumida sem rodeios, Picasso é considerado o elemento deflagrador de O último baluarte (1942). Respondendo a uma necessidade interior, a primeira obra da “Série bíblica” abria duas possibilidades para o pintor brasileiro: levá-lo a “afundar-se” ou a dar um “salto”. Portinari acreditava ter dado esse salto com a série “Retirantes”26, executada entre 1944 e 1945. A visão lírica da infância, que estivera na base dos quadros de Brodósqui, transforma-se numa percepção trágica da vida numa obra como Criança morta (1944, f. 38). O pequeno cadáver, que mais parece um esqueleto no desenho Menino morto (1944, f. 37), é transposto para a tela com uma tinta esbranquiçada. Nos braços de uma mulher devastada pela dor, e ladeado por dois grupos de figuras, que choram lágrimas de pedra ou mostram um olhar atônito, o pequeno cadáver remete à iconografia medieval da máscara da Morte. Antes do que uma figura real, pode ser considerado como o símbolo de um sofrimento desmedido, impressão reforçada pelo corpo ressequido, pela cabeça que lembra uma caveira e pela posição dos braços, que quase formam uma cruz.
25 Idem, p. 16. 26 Mário Dionísio, “Portinari pintor de camponeses”, in: Vértice, Coimbra, v. II, 1946, pp. 220-221.
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II Os projetos monumentais A hipótese da existência de um parentesco entre Colonos carregando café e certas obras de Rivera, aventada por Pedrosa, não deve levar a crer que este coloque o empreendimento muralista de Portinari sob a égide do exemplo mexicano. Ao contrário, o crítico afasta decididamente a ideia de que o trabalho monumental do pintor de Brodósqui tenha sido “um eco retardado do formidável movimento mexicano”. E acrescenta: Pela própria evolução interior de sua arte se pode ver que foi por assim dizer organicamente, à medida que os problemas de técnica e de estética iam amadurecendo nele, que Portinari chegou diante do problema do mural. Foi como problema estético interior que ele pela primeira vez o abordou. Depois das figuras monumentais isoladas e do segundo Café, a experiência com o afresco se impunha naturalmente, como o próximo passo. A possante figura em têmpera – a Colona – feita em 1935 com o Café, de que é um detalhe, mostra que o que Portinari queria era o plástico monumental27.
Ao fazer tais afirmações na década de 1940, Pedrosa está, na realidade, retomando algumas questões suscitadas pela primeira exposição paulista de Portinari (dezembro de 1934). No artigo “Impressões de Portinari”, o crítico já havia assinalado que o artista tinha chegado “aos extremos limites da unidade estrutural do quadro, da estética particular do quadro de cavalete”. Acreditando que Portinari se encontrava diante de uma “contradição dialética”, gerada pelas “exigências da matéria social em sua dinâmica complexidade, e os limites naturais da arte pictórica especificamente burguesa”, Pedrosa localizava em Lavrador de café o “vértice de sua ascensão criadora”. Nesse quadro, o artista havia utilizado todos os recursos da técnica da pintura a óleo, mas a havia sobrepujado por apelar para outros meios, dentre os quais a escultura e o mural, chegando “às portas do afresco”. 27 Mário Pedrosa, “Portinari – De Brodósqui aos murais de Washington”, op. cit., p. 12.
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Diferenciando as questões suscitadas pelo pintor dos “problemas de Anita e Tarsila”, Oswald de Andrade chega à mesma conclusão de Pedro-
sa, quando afirma que Portinari havia iniciado “a superação do quadro de cavalete” em algumas obras paradigmáticas: Os fortes detalhes de seu sonho plástico pulam nos músculos do “Mestiço”, nos dedos e nos lábios, quebram a moldura na posição hercúlea do “Preto da enxada”. Reclamam os muros que Siqueiros e seu grupo já conseguiram arrancar à burguesia no México e na Califórnia e que Rivera viu a reação destruir em Nova York. Ambos são uma esplêndida matéria-prima da luta de classes. E ambos – trabalhadores e negros – querem sair da estreiteza educada do quadro para falar, expor enfim seu ensinamento mural, que todos vejam e sintam a exploração do homem pelo homem que, no fundo alinhou para outros os cafezais do seu suor. Portinari coloca-se visivelmente na linha dos artistas revolucionários de nossa época28.
O encaminhamento de Portinari para o muralismo havia também sido notado por Mário de Andrade, que situa sua obra no âmbito do “drama do artista contemporâneo, ao mesmo tempo artista e homem, e que não quer abandonar nem os direitos desinteressados da arte pura, nem as intenções interessadas do homem social”. A obra mais significativa desse momento de virada seria Mestiço, em que se encontravam as duas diretrizes fundamentais evocadas pelo escritor: o interesse pelo social e a pesquisa puramente plástica, em que “o óleo, sem desmentir a sua natureza, consegue no entanto um peso e uma eternidade de bronze”29. Diante dessas manifestações, de pronunciamentos do próprio artista, que advoga em prol da instituição da prática muralista no Brasil30 e da consagração internacional de Café em 1935, não admira que o ministro Gustavo Capanema o convide a pintar os afrescos dos “Ciclos econômicos” no edifício do Ministério da Educação e Saúde (Rio de Janeiro). A escolha do tema responde plenamente às tarefas que Capanema atribuía ao ministério, fundado em dezembro de 1930 – “preparar, compor e afeiçoar o homem do Brasil” – e à cultura, à qual cabia articular “a nítida e impressiva presença do homem” diante da natureza e das “forças circundantes”31.
28 Oswald de Andrade, “O pintor Portinari”, in: Diário de S. Paulo, 27 dez. 1934. Preto da enxada é denominado atualmente Lavrador de café. 29 Mário de Andrade, “Portinari”, in: Diário de S. Paulo, 15 dez. 1934. 30 Cf. “Exposição de pintura Candido Portinari”, in: Diário de S. Paulo, 21 nov. 1934; “Portinari, paulista de Brodowski, vae mostrar a S. Paulo os seus últimos trabalhos”, in: Folha da Noite, São Paulo, 20 nov. 1934.
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Rodolfo Garcia elabora um roteiro de leituras para Portinari, que incluía Cultura e opulência do Brasil (1711), de André João Antonil; Travels in Brazil (1816), de Henry Koster; História geral do Brasil antes de sua separação e independência de Portugal (1854-1857), de Francisco Adolfo de Varnhagen; e Capítulos de história colonial, 1500-1800 (1907), de João Capistrano de Abreu. Depois de ter tentado dar uma resposta plástica ao roteiro de leituras e ao conceito de “ciclos econômicos”, elaborado por Afonso Arinos de Mello Franco, o pintor propõe a Capanema sua “pintura de camponês”32, transformando uma concepção historicista numa visão do Brasil alicerçada na figura do trabalhador, próxima, portanto, de sua poética pessoal. Sem deixar de levar em conta o tema, mas adequando-o a diretrizes próprias, Portinari realiza, entre 1936 e 1938, centenas de estudos em diferentes técnicas (têmpera, carvão, crayon, guache, aquarela, grafite, sépia, sanguínea, nanquim, dentre outras), além de fazer experiências em escalas variadas, indo de representações diminutas a desenhos em tamanho natural para transporte na parede (Trabalhador, 1938, f. 42; Garimpeiro, 1938, f. 45; Algodão, 1938, f. 48; Capataz – Erva-mate, 1938, f. 49; Capataz em cafezal, 1938, f. 51; Homem sentado, 1938, f. 52; Homem agachado, 1938, 31 Maurício Lissovsky; Paulo Sérgio Moraes de Sá, “O novo em construção: o edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde e a disputa do espaço arquitetural nos anos 1930”, in: Angela de Castro Gomes, org. Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: Editora FGV/Universidade São Francisco, 2000, p. 50. 32 Mário Dionísio, op. cit., p. 223. 33 Geraldo Mendes de Barros, “O Palácio da Educação apresentará grandiosa decoração a fresco”, in: Correio Paulistano, São Paulo, 20 ago. 1938.
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f. 54). Elabora também maquetes, dentre as quais Garimpeiros (1937, f. 44), indicando em algumas delas a escala de cores, como em Fumo (1938, f. 46) e Ferro (1938, f. 55). Para conferir credibilidade às diversas representações do trabalho, Portinari viaja para Minas Gerais: em Mariana e Ouro Preto, observa os garimpeiros; em Sabará, documenta as atividades nos altos-fornos da Companhia Belgo-Mineira33. Dessas observações acuradas resultam desenhos de caráter realista, que recebem uma severa avaliação crítica de Oswald de Andrade: Deram muros a Portinari. Ele se tornou mesmo o monopolizador dos afrescos oficiais. Mas a onda de reação levara nas suas correntes subterrâneas o comovido camponês de Brodósqui com a sinceridade da sua paleta
dos inícios pobres. O velho produto da Escola de Belas-Artes substitui-se ao lírico do “Football” e ao plástico dos negros e dos cafezais. Pôs-se a virtuosar pés, mãos, cabeças, copiadas de Rivera ou de documentos coloniais. Publicados os cartões donde sairiam os afrescos decorativos do Ministério da Educação, viu-se que eram simplesmente vergonhosos. Só podiam fazer abrir, de puro êxtase, a beiçorra crítica do Professor Mário de Andrade que não percebeu, açulado contra a minha honesta campanha, os recursos passadistas e primários de que se utilizava agora o pintor. O que ele achava digno de Fídias, o próprio Portinari, perseguido pela sua má consciência, destruiu implacavelmente. Inquieto, o artista tornou-se um derruba-paredes. Nada mais o satisfazia, pois perdera o seu clima, que era a sinceridade. Acabou nas imitações desesperadas dos modernistas. Dos nacionais, recorreu a Segall e a Tarsila da fase Pau-Brasil. E copiou Chagall e copiou Braque!34
O escritor parece estar respondendo, à distância, ao artigo sobre os estudos preparatórios publicado por Mário de Andrade em maio de 1938. Ao contrário do ex-amigo, o poeta exalta o realismo de Portinari, que define “moral, franco, forte, sadio, de um otimismo dominador”. A partir dele, estabelece uma distinção entre o artista brasileiro, “missionário” e “educador”, e Rivera, “combatente” e voltado para “a gritaria mais propriamente literária que plástica”. Sob “o signo dos Antigos”, Portinari conseguiu “conservar uma calma, um equilíbrio, uma temática, que nada têm de literários” e “soube dar uma esperança ao mundo”. Embora “otimista”, seu realismo não é sonharento. É um realismo apenas muito sadio e dinâmico. [...] O realismo de Portinari não é simbólico, impede sonhar no vão. Mas glorifica o trabalho, explica o trabalho, impõe as formas sãs dos homens – o que já não será pouco educativo para as cabeças dos que passam35.
O realismo de Portinari é também realçado por Sérgio Milliet, que considera “digna de menção” sua “preocupação anatômica”. Falando do
34 Oswald de Andrade, “De literatura: para comemorar Machado de Assis”, in: Meio-Dia, Rio de Janeiro, 10 maio 1939. 35 Mário de Andrade, “Portinari”, in: Revista Academica, Rio de Janeiro, n. 35, maio 1938, s.p.
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resultado final, em que o pintor estiliza e sintetiza, o crítico não deixa de assinalar o fato deste nunca perder de vista que “as figuras são de carne e osso e precisam firmar-se no solo, não podem ficar soltas como bonecos. O exame atento das mãos, e sobretudo dos pés, das personagens revela a intimidade do pintor com a anatomia”36. Se Mão (1937, f. 40) e Pé (1937, f. 41) – dois estudos para o painel Cana – dão a ver a intimidade de Portinari com a anatomia, o mesmo pode ser dito dos demais desenhos do conjunto. Nos estudos para Pau-brasil (c. 1937, f. 39), Fumo (1937, f. 47), Cacau (1938, f. 53), Borracha (1938, f. 56) e Carnaúba (1944, f. 57-58), por exemplo, é visível o interesse do artista em detalhar a anatomia de suas figuras gigantescas. Isso não entra em choque com um tratamento, por vezes, mais sintético, que o leva a simplificar fisionomias, como no caso dos Lenhadores do primeiro ciclo econômico, ou a traçar um desenho sumário, no qual o que importa é determinar a posição das figuras no espaço, como demonstra Erva-mate (1938, f. 50). Existe, na verdade, uma distinção entre o realismo dos estudos preparatórios e o antirrealismo do conjunto mural, como assinala Mário de Andrade em 1944. Depois de ter feito “centenas de experiências e estudos”, ter-se desdobrado “em desenhos e desenhos das figuras que tecerão as composições”, Portinari, ao realizar os afrescos, arromba os limites do realismo visual, em sínteses plásticas duma audácia totalmente depreciativa do realismo, e tudo é forma e cor. O assunto é recalcado para um segundo plano de menor interesse, para não dizer, de interesse nenhum. A obediência ao detalhe é desprezada. [...] E enquanto o valor rapsódico, a lição coletivista e simbólica dos murais enfraquece muito, 36 Sérgio Milliet, Diário crítico de Sérgio Milliet. São Paulo: Martins-Edusp, 1981, v. IV, p. 38. 37 Mário de Andrade, “Cândido Portinari”, in: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 20, 1984, p. 87.
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predominam as exigências estéticas37.
Mário Pedrosa, por sua vez, detecta no conjunto uma realidade “a interpretar”, do que seriam decorrência o “antinaturalismo da iluminação de muitos desses murais” e “o critério puramente estrutural da distribuição de luz como em certos detalhes do grupo Algodão, em que as
figuras do primeiro plano são iluminadas por um cisma simetricamente oposto e arbitrário”38. Bem outra será a avaliação de Pagu, que estabelece uma distinção entre as obras anteriores ao primeiro trabalho muralista e as que se seguiram a ele. Num artigo publicado em 1950, a autora não hesita em afirmar que o “Portinari que arriscava, perdeu ao ser colocado em mural no Ministério da Educação. Ali tanto o engrandeceram, o enquadraram dentro da ordem que ele acabou fazendo tudo certinho, e no final essa coisa carnavalesca que é o painel de Tiradentes”39. Se bem que Tiradentes (1948-1949) seja uma obra bastante problemática, sobretudo em virtude do predomínio da dimensão política sobre determinações plásticas40, não se pode, contudo, concordar com a ideia de um artista que fazia “tudo certinho”. Ao fazer essa afirmação, a escritora não leva também em conta o que significou para Portinari e seus colaboradores (Inês Correia da Costa, Roberto Burle Marx, Rubens Cassa, Diana Barberi, Enrico Bianco e o irmão Lói, dentre outros) aprender a trabalhar com um tipo de pintura inédito no Brasil. Como lembra Bianco, por causa do clima tropical, pensou-se que seria necessário pintar num dia um painel de 3 m. x 3 m. Numa das primeiras tentativas, o pintor solicitou ao pedreiro uma massa de dois centímetros de espessura, que veio abaixo, acompanhada do muro de concreto, no momento em que se começaria a aplicar a tinta. Depois de várias leituras de livros técnicos, chegou-se à conclusão de que “em cima do concreto armado o máximo que podia ter de massa eram uns cinco milímetros, porque senão de fato escorregava e caía. E não podia ser feito de uma vez só”, o que significava esperar que o pedreiro preparasse aos poucos os trechos a serem pintados pela equipe41. Portinari, por outro lado, dá mostras de “um profundo sentimento interior de liberdade”42 nas têmperas da Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso (Washington, 1941), para não falar do momento intensamente expressionista que se segue à visão de Guernica. A leitura das cartas de José de Anchieta e de Manoel da Nóbrega e de Cultura e opulência do Brasil, de Antonil, não significa que o pintor realize uma obra de caráter documental
38 Mário Pedrosa, “Portinari – De Brodósqui aos murais de Washington”, op. cit., p. 15. Para uma análise detalhada dos afrescos dos “Ciclos econômicos”, ver de Annateresa Fabris: 1 – o catálogo Portinari: estudos para os painéis do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro (São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1979); 2 – os livros Portinari, pintor social (São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1990) e Cândido Portinari (op. cit.); 3 – o capítulo “Um símbolo moderno” de Fragmentos urbanos: representações culturais (São Paulo: Studio Nobel, 2000); 4 – o artigo “Portinari e a arte social”, publicado na revista Estudos Ibero-Americanos (Porto Alegre, v. XXXI, n. 2, dez. 2005). 39 Pagu, “Contornos e desvãos de um panorama sumário”, in: Augusto de Campos, org. Pagu: vida-obra. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 198. 40 Cf. Annateresa Fabris, “Portinari e a história: o caso Tiradentes”, in: Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 39, 2007, pp. 81-104. 41 Projeto Portinari, Candido Portinari: o lavrador de quadros. Rio de Janeiro: Projeto Portinari, 2003, pp. 95-98. 42 Mário Pedrosa, “Portinari – De Brodósqui aos murais de Washington”, op. cit., p. 19.
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ou ilustrativo. Ao contrário, ao enfocar quatro momentos fundamentais da história latino-americana – Descobrimento, Catequese dos índios, Desbravamento da mata e Garimpo do ouro –, ele demonstra-se capaz de intervir criticamente na história oficial, elaborando uma visão contemporânea que lhe permite destacar aquelas figuras que, a seu ver, haviam dado uma contribuição efetiva à constituição das peculiaridades do Novo Mundo. Nos estudos preparatórios, realizados em menos de um mês em diferentes técnicas – grafite, lápis de cor, carvão, nanquim, óleo, pincel seco, aquarela, guache, sanguínea –, e nas quatro maquetes em têmpera, é possível perceber a interpretação não oficial do artista. Esta localiza-se tanto no destaque dado às poderosas figuras de negros nos estudos para Descobrimento (f. 59-60) e Descoberta do ouro (f. 65), quanto na concepção do espaço da representação como um cenário, animado por poucos personagens e ritmado por alguns elementos referenciais, como demonstra Catequese (f. 64). Mais seguro de seus meios expressivos graças ao treino obtido com os estudos dos “Ciclos econômicos”, Portinari envereda por um caminho menos realista, evidenciando uma grande economia formal: é o que atestam a figura do bandeirante se abeberando em Desbravamento da mata (f. 61) e o expressivo Jesuíta (f. 62) carregando uma criança índia, desenhados com poucos traços, mas assim mesmo bem intensos. Se, em alguns momentos, o artista opta por uma solução menos sóbria e mais carregada de elementos figurativos, como no caso de Catequese (f. 63), esta será descar43 Idem. Para dados ulteriores sobre as quatro têmperas, ver: Annateresa Fabris, “Uma visão do Novo Mundo: os painéis de Portinari para a Fundação Hispânica em Washington”, in: Tânia Maria Tavares Bessone; Tereza Aline P. Queiroz, org. América Latina: imagens, imaginação e imaginário. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Edusp, 1997.
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tada no momento da composição definitiva, por não corresponder àquela visão sintética buscada por ele. As palavras empregadas por Pedrosa na análise do resultado final podem ser aplicadas aos estudos preparatórios, embora não haja neles a redução das formas “à abstração criadora”, destacada no texto crítico. Do mesmo modo que nos quatro painéis em têmpera, é possível vislumbrar nos desenhos a presença de um artista “mais livre, mais desimpedido, mais disposto a fazer as ginásticas técnicas mais perigosas e as deformações mais violentas”43.
Entre 1944 e 1945, Portinari engaja-se em outro projeto monumental. Na igreja de São Francisco de Assis da Pampulha (Belo Horizonte), realiza um vasto mural para o altar, painéis de azulejos para o púlpito, o confessionário, o batistério, o coro, as bancadas laterais, a fachada posterior, além de uma Via Sacra, intensamente expressionista. O gigantesco painel do altar, em que o artista lança mão de recursos já presentes na “Série bíblica” – concepção expressionista das figuras e fundo recortado geometricamente em planos superpostos –, tem como ponto de partida inúmeros estudos em diferentes técnicas (grafite, aquarela, lápis de cor, óleo). Num esboço não utilizado (f. 66), a composição concentra-se em poucas figuras e na divisão entre os planos celeste e terreno. Outro estudo (f. 67) já traz os elementos essenciais que estarão presentes na obra final: a figura do santo em primeiro plano dominando a composição, ladeada por blocos de figuras distribuídas de maneira harmoniosa. Um dado chama a atenção no desenho: os detalhes anatômicos de algumas figuras em contraposição a um tratamento mais estilizado de outras. A contraposição entre figura (concreta) e fundo (abstrato), que será a nota dominante do painel São Francisco se despojando das vestes (1945), é ensaiada na maque te de 1944 (f. 68). Nela, Portinari já dá a ver o resultado final: um jogo equilibrado entre uma estrutura geométrica ao mesmo tempo fluida e rigorosa, baseada no uso de linhas retas, verticais e horizontais, e o intenso expressionismo das figuras. Uma concepção expressionista está também na base do painel de azulejos da fachada posterior, em que Portinari representa episódios da vida do santo. São expressionistas não só pela deformação, mas também pela intensidade do traço, os estudos para as cabeças de São Francisco (f. 69-70), de um menino (f. 75) e de um lobo (f. 76), para as mãos, captadas numa gestualidade variada (f. 71-72), para os pés, que recebem tratamentos diferenciados, ora mais estilizados (f. 73), ora mais realistas (f. 74). A notação expressionista atenua-se consideravelmente nos estudos para os painéis do interior da igreja – São Francisco falando aos pássaros (f. 77) e O batismo de Jesus (f. 78). Para esses painéis, que figurarão no púlpito
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e no batistério, Portinari recorre a uma linguagem menos crispada, que evoca o maneirismo em virtude do alongamento das figuras e da elegância dos dois conjuntos concebidos em termos bem mais sintéticos e simplificados. A crítica não é unânime na avaliação da obra principal do conjunto, o painel do altar. Enquanto Rubem Navarra nota nele um conflito não resolvido entre “o velho gosto da solidez” e “as solicitações de uma pintura plana, esquemática”44, Sérgio Milliet enfatiza a presença de “uma nota nova, bem brasileira, de humanização do cubismo”, consequência de uma compreensão própria do legado de Picasso. A leitura do crítico paulista é um crescendo de elogios, que abarcam o jogo geométrico do fundo a preparar “o espírito para a apresentação da personagem principal, pesada e rude, no centro do conjunto”, o agrupamento das figuras “em blocos bem distribuídos”, o “expressionismo das fisionomias e atitudes”, o detalhamento anatômico “em repetido contraponto com a estilização de inúmeros elementos”45.
III Namoros com a abstração Uma observação de Milliet permite abordar um aspecto peculiar do virtuosismo técnico de Portinari. De acordo com o crítico, o artista teria 44 Rubem Navarra, “Preparativos da ‘Missa’ I”, in: Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 19 set. 1948. 45 Sérgio Milliet, op. cit., p. 221. Para dados ulteriores sobre as obras de Portinari na igreja de Belo Horizonte, ver: Annateresa Fabris, “A batalha de Pampulha”, in: Fragmentos urbanos: representações culturais, op. cit. 46 Sérgio Milliet, op. cit., p. 222.
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em si “a possibilidade de alcançar o abstrato” e de “realizá-lo melhor do que outros”, por dominar seu instrumental. Sua opção, entretanto, foi outra: não se despreendeu “totalmente da realidade humana”, nem se preocupou “com libertar-se das ‘limitações e associações’ que tanto amedrontam os artistas medíocres”46. Uma possível relação de Portinari com uma concepção abstrata da obra já havia sido postulada por Mário Pedrosa e Mário de Andrade. Além de detectar a presença de “uma necessidade de definição abstrata de formas” em alguns quadros que se seguem à série de Brodósqui, Pedrosa coloca os murais da Fundação Hispânica sob o signo da experimentação mais ousada. Escreve a esse respeito:
Nesses painéis de agora a intenção profunda do artista não é mais definir formas abstratas, mas reduzir formas à abstração criadora. As suas finalidades já não são puramente construtivistas, num sentido de montagem e de estrutura, mas a criação livre. É a sua fase de libertação criadora, a conversão do plástico no abstrato dentro da matéria pictórica47.
No ensaio “Cândido Portinari” (1939), Mário de Andrade, ao referir-se à faceta de “experimentador infatigável” do pintor, destaca sua familiaridade com “os mistérios de preparação da tela, de variar a natureza das tintas, da análise das areias com que irá construir os seus afrescos”, associada ao conhecimento da “lei do corte de ouro”, da “repartição dos claros e das sombras num Rubens”, das “cadências de cor em Cézanne”, das “doutrinas estéticas do Abstracionismo contemporâneo”. A Portinari não bastava conhecer tais tradições e princípios por leituras ou conversas de ateliê; seu experimentalismo levava-o a exercê-los por si mesmo, a viver-lhes a experiência48. Embora o pintor não se transforme num adepto das gramáticas abstratas, há, contudo, em suas obras aspectos que o crítico aproxima do abstracionismo. É o caso dos painéis dos “Ciclos econômicos”, em cuja estrutura Mário de Andrade detecta a recusa do pintor a servir de instrumento de propaganda, que lhe deforme a pureza da mensagem. Pode e quer servir ao Brasil, mas uma primeira sombra de desconfiança envolve numa névoa estética o hino franco e poderoso dos estudos anteriores. E enquanto o valor rapsódico, a lição coletivista e simbólica dos temas dos murais enfraquece muito, predominam as exigências estéticas. Estamos quase no abstracionismo contemporâneo. E se a cada pequeno pedaço de pintura que queiramos seccionar por meio de molduras transportáveis, rostos, vegetais e coisas se desinteressam de seu significado conceitual , criando momentos saborosos de pintura abstrata: o conjunto é dum esplendor rítmico e duma volúpia cromática admiráveis49.
O que Milliet, Pedrosa e Mário de Andrade chamam de “abstração”
47 Mário Pedrosa, “Portinari – De Brodósqui aos murais de Washington”, op. cit., pp. 11, 19. 48 Mário de Andrade, “Cândido Portinari”, in: O baile das quatro artes. São Paulo: Martins, 1963, pp. 123-124. 49 Mário de Andrade, “Cândido Portinari”, in: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, op. cit., p. 87.
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não é a busca de uma forma pura ou de procedimentos internos ao ato de pintar. Como suas análises dão a ver, a “abstração” que Portinari se permite é aquela engastada no próprio processo pictórico, embasado fundamentalmente em elementos formais como linhas e cores50. Movido pela vontade experimental, o pintor aplica a uma obra como Composição com figuras (c. 1939) – em que se permite um flerte com a concepção espacial cubista – aquelas “molduras transportáveis” de que Mário de Andrade falará em 1944. Depois de recortar a tela, isola dois fragmentos que se tornam abstratos (f. 79-80) por exibirem tão somente ritmos plásticos e um jogo cromático alicerçado em tons ocres e marrons, tendo perdido qualquer referência figurativa. Ao realizar os estudos para o painel de azulejos para a fachada do Ministério da Educação e Saúde, Portinari, depois de ter ensaiado algumas soluções de caráter figurativo, centradas, por exemplo, na representação estilizada de brincadeiras infantis, opta finalmente por um padrão biomórfico que se aproxima de soluções abstratas. Os estudos para Conchas e hipocampos (c. 1941) e Estrelas do mar e peixes (c. 1944, f. 81) são caracterizados pela adoção de uma linha sinuosa e prolongada, que envolve toda a composição, sugerindo a forma de um amebóide. Nela, Joaquim Cardozo percebe “o contorno do protoplasma primitivo”, a representação do “começo da vida surgindo à luz do dia, em pleno mar”51. Os desenhos preparatórios para Conchas e hipocampos são bem significativos do processo de pesquisa empreendido por Portinari. Soluções abstratas, ora sintéticas (f. 84), ora mais abarrotadas de elementos (f. 85) alternam-se com a busca de ritmos puramente plásticos (f. 86) para atingir
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50 “Portinari: Que diria minha avó se me visse pintando nus?”, in: Jornal de Letras, Rio de Janeiro, v. XXVIII, n. 299, nov. 1975, p. 2.
finalmente uma concepção mais figurativa (f. 82-83), porém não isenta
51 Frederico Morais, “Azulejaria contemporânea”, in: Dora de Alcântara, org. Azulejos na cultura luso-brasileira. Rio de Janeiro: Iphan, 1997, p. 99.
da Educação e Saúde uma exceção. Em sua fatura, o artista foi obrigado
de preocupações antes de tudo formais e cromáticas. Mesmo um crítico severo de Portinari como Carlos Zílio considera os azulejos do Ministério a deixar de lado o virtuosismo e a enveredar pelo pós-cubismo, realizando uma das obras “mais expressivas” do modernismo. Liberto dos “fantasmas da temática e da necessidade de provar que ‘sabia pintar’”, Portinari con-
centra-se em jogos puramente formais (diagonais, grandes formas azuis), além de criar um espaço complexo, formado por uma superposição de planos, que descartam a representação ilusória da profundidade52. Uma visão claramente abstrata configura-se na série dos quatro elementos, executada em 1945 para decorar uma das salas de despachos do ministro Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde. Se o biomorfismo de Joan Miró parece repontar em Água (f. 87), caracterizada por formas isoladas e ao mesmo tempo interdependentes, em Ar (f. 88), Terra (f. 89) e Fogo (f. 90), impõe-se uma noção de espaço pós-cubista, feito de formas, ora transparentes, ora sólidas, que se interpenetram, anulando toda sugestão de profundidade e levando o espectador a manter-se apenas no plano da imagem, sem qualquer possibilidade de remissão a um referente exterior. Trata-se, contudo, de uma experiência praticamente única. Posteriormente, o artista, que não deixa de fustigar a “falta de senso e de equilíbrio dos abstracionistas”53, pintará algumas obras inspiradas na abstração geométrica, mas não se pode deixar de reconhecer que os resultados não são muito satisfatórios em termos formais e expressivos. Embora a adoção de algumas soluções abstratizantes se concentre em obras de grandes dimensões como Primeira missa no Brasil (1948), Tiradentes, Guerra (1952-1956) e Paz (1952-1956), é no final da década de 1950 que se torna mais intenso o interesse pelo cubismo cristalino de Jacques Villon. A partir dele, o artista reinterpreta alguns de seus temas centrais – cenas de trabalho, crianças, morros –, mas é inegável que se trata de soluções artificiais, marcadas por um intenso descompasso entre um desenho realista e a sobreposição de planos geométricos coloridos.
IV – Artista = artesão O fato de Portinari fazer experiências com a abstração, apesar de nela criticar o enclausaramento em questões puramente plásticas, que só
52 Carlos Zílio, A querela do Brasil. A questão da identidade na arte brasileira: a obra de Tarsila, Di Cavalcanti e Portinari/1922-1945. Rio de Janeiro: Funarte, 1982, pp. 110-111. 53 Flávio de Aquino, “Vai a arte acabar?”, in: Módulo, Rio de Janeiro, n. 2, ago. 1955, pp. 49-50.
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atingem uma pequena parcela do público54, não deve levar a conclusões apressadas e, muito menos, à figura de um artista eclético, destituído de diretrizes próprias. Críticos atentos como Pedrosa, Milliet e, sobretudo, Mário de Andrade, equacionam os diversos diálogos travados por ele, reconduzindo-os a uma matriz própria, a uma grande capacidade de reelaboração, cujo resultado final é uma linguagem pessoal e inconfundível. Mário de Andrade, que estuda mais detidamente a questão do “estilo Portinari”, percebe em sua obra “uma íntima e profunda unidade”, resumida na palavra “plástica”. “Experimentador infatigável”, Portinari distingue-se por uma “enorme riqueza técnica” e pela “variedade expressional”. “Artista somado a artesão”, conhece todos os segredos do ofício, debruça-se sobre as soluções encontradas por outros pintores, sem que isso signifique perder-se “no estéril de qualquer virtuosismo gratuito ou diletante”. O que o salva desse perigo é o fato de repensar as experiências dos outros e de refazê-las por si mesmo: Pra ele não tem o menor interesse a originalidade só pelo gosto de ser original. Antes, o inquieta sempre qualquer lição alheia, porque pode sempre haver nela uma partícula que seja, da verdade. E então Cândido Portinari refaz a experiência pressentida, conformando-a aos elementos e caracteres que lhe são pessoais, à essencialidade plástica, ao tradicionalismo, ao lirismo, ao nacionalismo tão fortes da sua personalidade55.
O retrato de Portinari bosquejado pelo crítico enfeixa, de maneira sintética, os traços essenciais de seu estilo: E este artista que reúne ao realismo mais respeitoso da figura, ao de54 Candido Portinari, “Sentido social del arte”, in: Andrea Giunta, org. Candido Portinari y el sentido social del arte. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2005, p. 316.
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senho mais sensivelmente descritivo, uma tão forte técnica renascentista, é o mesmo que irá experimentar as diversas soluções do Cubismo e seus derivados, irá auxiliar-se, na composição de muitos quadros, dos processos super-realistas de invenção, e tentará reunir à sua “diferença” as diferenças de um Picasso, de um Braque, de um Rivera. De tal forma ele funde a ciên-
cia antiga da pintura a uma personalidade experimentalista e antiacadêmica moderna, que de Cândido Portinari se poderá dizer que é o mais moderno dos antigos56.
O realismo, considerado por Andrade o “elemento unificador”57 de sua poética, é, de fato, o traço essencial do múltiplo Portinari. É ele que o leva a pleitear que o artista não abdique de um pormenor sem muita importância como o tema, a fim de atingir a sensibilidade do espectador: Há os que creem que apenas com uma cor poderão expressar num quadro uma tragédia ou uma alegria. Eu também creio nisso, mas se trata de emoções de pequeno alcance que só alguns privilegiados poderão sentir, ao passo que esse artista que apenas com uma cor foi capaz de produzir tal sentimento, poderia ampliar sua força e dirigir-se às massas. São esses casos que nos obrigam a classificar a sensibilidade em duas categorias: artística e coletiva. Todos os artistas possuem altas doses de ambas. Por mil circunstâncias, em vários artistas uma delas supera e embota a outra58.
Falando em nome da “sensibilidade coletiva”, Portinari engaja-se, desde os tempos de estudante, num projeto de definição de uma arte nacional. Esse projeto tomará contornos definidos na década de 1930, quanparte de evocações da infância em Brodósqui para atingir o Brasil como
55 Mário de Andrade, “Cândido Portinari”, in: O baile das quatro artes, op. cit., pp. 123-125.
um todo em cenas cujo ator principal é frequentemente o trabalhador.
56 Idem, pp. 128-129.
Seu realismo, alimentado pelas gramáticas da volta à ordem, abebera-se,
57 Idem, p. 129.
nesse momento, na lição realista do século xix59, que condensava na fi-
58 Candido Portinari, “Sentido social del arte”, op. cit., pp. 316-317.
do o artista se dedica à configuração de uma iconografia nacional, que
gura do trabalhador uma série de fatores: injustiça social, dignidade, heroísmo e probidade do trabalho manual. O fato de experimentar “todos os processos de pintar, não só já no sentido superior da técnica, como do próprio artesanato”60 faz dele o próprio emblema do artista-artesão, do trabalhador que acredita na dignidade do trabalho manual e que, por isso mesmo, não se esquece das exigências sociais da arte.
59 Linda Nochlin, Realism. Harmondsworth: Penguin, 1973, pp. 111-137. 60 Mário de Andrade, “Cândido Portinari”, in: O baile das quatro artes, op. cit., p. 124.
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A imagem de Picasso como “uma esponja que absorve tudo”, proposta por Francis Bacon61, aplica-se à perfeição a Portinari, que encontra no pintor espanhol um exemplo a ser seguido desde a primeira temporada parisiense. Picasso ensina-lhe, em primeiro lugar, que o artista verdadeiramente criador é dotado de uma grande liberdade interior, não devendo dobrar seus processos a imposições exteriores. Ensina-lhe ainda que todos os estilos são contemporâneos, que o artista deve estar aberto para todo tipo de experimentação, podendo transitar de um estilo para outro e gozar de uma grande liberdade perante a história e as linguagens do presente, só possível depois do eclipse da ordem acadêmica. Esse Picasso múltiplo, que inspira o múltiplo Portinari, não é evidentemente o artista de vanguarda do começo do século xx. É um artista enfronhado no fenômeno da volta à ordem, que, em seu caso específico, se inicia em 1914, quando atenua o ímpeto vanguardista e questiona a ideia da inovação a todo custo, reavaliando a própria relação com a história da arte e defendendo a possibilidade (e a necessidade) de um olhar retrospectivo. O fato de haver uma relação quase especular entre Portinari e Picasso não deve fazer perder de vista um dado fundamental: boa parte da visualidade do modernismo brasileiro está sob o signo da volta à ordem. A maior parte dos artistas modernistas não renunciou ao referente e às exigências do métier, não elaborou uma nova concepção espacial – anti-ilusionista e baseada em ritmos puramente plásticos –, limitando-se a lançar mão de estilemas e de fragmentos modernos, e não elaborando um código de fato moderno. Por isso, não se podem aceitar sem questionamentos certas
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61 Silviano Santiago, “Bacon, vida de artista”, in: O Estado de S. Paulo, 11 jun. 2011, caderno “Sabático”.
leituras de Portinari, que o apontam como um acadêmico que se traveste
62 Ver a esse respeito: Annateresa Fabris, “Vertentes realistas brasileiras na década de 1930”, in: Arte na França – 1860-1960: o realismo. São Paulo: Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, 2009.
Talvez seja mais acertado ver nele um artista moderno na acepção
de moderno, pois ele está num caminho trilhado por quase todos os modernistas, em que pese a existência de diferenças estilísticas62. brasileira do termo, ou seja, fundamentalmente realista (e não acadêmico), de acordo com determinações do próprio temperamento e do clima cultural encontrado na Paris de fins dos anos 1920. A cidade não era mais a capital das vanguardas, pois nela predominavam o exemplo do Picasso
“neoclássico”, várias formas de domesticação do cubismo, a reavaliação das figuras de Rafael e de Ingres, a retomada das linguagens realistas, a revalorização dos valores técnicos, dos temas herdados da tradição pós-renascentista (retrato, natureza-morta, paisagem e composição de figuras) e da visão da arte como produção, antes de tudo, artesanal. É essa problemática que mobiliza o artista brasileiro, requerendo a adoção de um instrumental adequado à compreensão do novo momento vivido pela arte no período de entre-guerras. Portinari inscreve-se, com pleno direito, nas poéticas da volta à ordem, que apontam para uma nova ideia de modernidade, não mais interessada na negatividade das vanguardas, mas guiada pela busca de um novo sentido humanista para a arte.
Anaateresa Fabris, Curadora
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Portinari por Portinari
I – Retrato do artista quando jovem “Quando comecei a pintar, senti que devia fazer a minha gente e cheguei a fazer o ‘baile na roça’. Depois desviaram-me e comecei a tatear e a pintar tudo de cor – fiz um montão de retratos, mas eu nunca tinha vontade de trabalhar, e toda gente me chamava preguiçoso – eu não tinha vontade de pintar porque me botaram dentro duma sala cheia de tapetes com gente vestida à última moda”1. “A maioria dos que se congregam sob a nova bandeira se constitui de falsos artistas, os ‘ratés’, os fracassados, os que não estudaram a essência e o processo acadêmico, e se rebelam contra ele, porque apresenta dificuldades, e não porque seja uma expressão de velhice ou cansaço... [...] O essencial é conhecer a técnica íntima de sua arte para, com esses elementos, encontrar a sua feição original. O mais é recusar, de olhos fechados, o que se desconhece, mas se ataca violentamente pelo prazer de combater os moinhos... Rodin, criador do impressionismo na escultura, frequentou, por muito tempo, a academia”2. “Não procuro seguir escola nenhuma... Chegamos à compreensão de que o fenômeno artístico é individual; não se apresenta para esses ou aqueles agrupamentos, sem distinção, com a mesma intensidade e desenvolvimento. Pinto, para satisfazer-me com a sinceridade e prazer íntimo dos ‘footballers’ ou dançarinos quando se entregam a esses desportos... [...] O intuito que me anima é empregar todas as forças, para a grande tarefa, que pesa sobre a minha geração, de criar a legítima arte brasileira, sem o
1 “Carta de Candido Portinari a Rosalita Candido Mendes” – Paris, 12 jul. 1930.
to. Atualmente o que a simples visão nos fornece não é o suficiente a uma
2 “A versatilidade de preferências no momento artístico”, in: O Jornal, Rio de Janeiro, 1926 (artigo localizado no arquivo do Projeto Portinari, Rio de Janeiro, PR-28).
obra de arte, nem tampouco, lhe é essencial. Agora, pensa-se para pintar.
3 Idem.
convencionalismo de modelos importados”3. “A pintura de hoje não é mais a mera reprodução de qualquer assun-
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Antes de realizar algum trabalho, o artista estuda, com ampla liberdade, o motivo, imprimindo-lhe a sua individualidade, sem escravizar-se com o modelo. Antigamente os pintores, em sua maioria, realizavam as obras totalmente uniformes, procurando usar da mesma maneira para tudo que desejassem expressar. Tal uniformidade não poderia permanecer diante da variedade do mundo moderno, que nos leva, naturalmente, a uma infinidade de modos. Portanto, não só são desprezadas as chamadas escolas, como as individualidades uniformes. É necessária a variedade no próprio indivíduo. Isso deve constituir a preocupação dos modernos”4. “Tenho [...] uma grande admiração por Velázquez e Botticelli. São os dois artistas que mais ocupam os meus sonhos de juventude. Mas, o que conheço deles senão a tradição e a obra através de gravuras e reproduções que, por mais perfeitas, são sempre imperfeitíssimas? Acostumei-me a amar de Velázquez ‘Os bebedores’, ‘O quadro das lanças’, ‘A rendição de Breda’, ‘A crucificação’... De Botticelli como tenho amado as suas ‘Madonas’, tão cheias de encanto na sua ‘antiguidade’ deliciosa e tão moderna! ‘A Primavera’, da Academia de Florença, e o ‘S. Sebastião’, da Galeria Real de Berlim! Como tenho adorado as reproduções dessas obras-primas consagradas pela crítica universal! [...] Essas predileções levo-as no coração e não no cérebro. Quero dizer com isto que não pretendo de forma alguma procurar imitar Velázquez ou Botticelli, ou qualquer outro. Todo artista deve ter a sua personalidade e envidar supremos esforços para não perdê-la nunca, antes defini-la sempre mais e mais. Não há ‘maneiras’ melhores umas do que as outras. Não é grande Rubens? E não o é também Velázquez? E grandes não são do mesmo modo Zuloaga e Claude
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4 “O momento na pintura”, in: A Manhã, Rio de Janeiro, 3 jul. 1926.
Monet? Nenhum tem, entretanto, a mesma ‘maneira’, os mesmos proces-
5 “Para o Velho Mundo em busca da perfeição”, 28 maio 1929 (artigo localizado no arquivo do Projeto Portinari, Rio de Janeiro, PR-118).
mãos os pincéis de Antônio Parreiras, nem Eliseu Visconti produziria um
sos, a mesma técnica... Batista da Costa nada teria pintado se tivesse nas ‘S. Sebastião’ com a paleta de Pedro Américo. Técnica!... Serve qualquer uma desde que com ela encontre o pintor facilidade de interpretar o seu sentir. E só com este pode ele avaliá-la, aprimorá-la e aceitá-la”5.
“Não existe uma verdadeira distinção entre arte antiga e moderna. Na Arte eu vejo a Beleza, e a Beleza é sempre a mesma em toda a parte. Apenas as maneiras de a interpretar variam. Botticelli, se existisse hoje, seria um artista de feição moderna, e dos mais arrojados”6. “O classicismo é uma feição da arte perfeitamente eterna. Afigura-se-me como uma gramática, para os que querem bem escrever. É preciso conhecê-lo e praticá-lo, para se poder pensar em obras renovadoras. De modo que constitui o elemento de ordem, a norma constante para as revoluções estéticas”7. “O alvo da minha pintura é o sentimento. Para mim a técnica é meramente um meio. Porém um meio indispensável. A missão do artista é exprimir os sentimentos que existem latentes na alma de todo ser humano. Não basta sentir para ser artista. É necessário criar, sem se afastar jamais da verdade. E isso só se consegue com a técnica. Hoje já se começa a ter uma concepção mais nobre do ideal artístico. Decaem os preconceitos asfixiantes. O conceito acanhado que só admitia como beleza as linhas puras, cede lugar a uma visão mais larga e humanitária. As incertezas, as tendências variadas em que se debate a Arte no mundo inteiro, significam que atravessamos uma fase decisiva: caímos num período de funda decadência, ou então, conjugadas tantas energias dispersas, surgirá um novo Renascimento”8. “O retrato representa todas as dificuldades da técnica. Não são somente de ordem pictórica as dificuldades que ele encerra. São também de natureza psicológica e estética. De natureza psicológica, porque o essencial a um retrato é a expressão individual do retratado, que não se encontra simplesmente na exata reprodução do físico, mas na revelação do caráter do modelo. De natureza estética, porque a composição no retrato quer maneira: o bom gosto lhe impõe posições especiais. Nesse ramo da pintura, por vezes, a composição se apresenta de maneira muito mais di-
6 “No Salão da Primavera”, in: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6 maio 1925. 7 “O momento na pintura”, op. cit. 8 “No Salão da Primavera”, op. cit.
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fícil a resolver-se, do que num quadro de gênero. A simplicidade de um retrato, com única figura, dificulta, sobremaneira, a composição porque, sendo poucos os elementos, a sua distribuição deve ser cuidada. Para o retrato, a liberdade de técnica é relativa. Nem sempre, as felizes pinceladas de um retratista podem permanecer, embora sejam de primorosa arte. Num quadro qualquer, elas seriam aproveitadas, com sucesso. Num retrato, são obrigatoriamente substituídas pela necessidade que tem o artista de encontrar a verdadeira expressão”9. “Entre nós, principalmente, deve ser intenso o desenvolvimento da paisagem. País de largos horizontes, de variado colorido, de natureza maravilhosa, o Brasil apresenta, por todos os cantos, motivos dos mais interessantes para o cultivo da boa paisagem. Quanto à técnica em si, foram poucos os pintores brasileiros, que conseguiram produzir obras de valor. Tem a paisagem íntima relação com o retrato, de que é elemento essencial. Zuloaga, o grande pintor espanhol, o maior pincel do mundo, reproduz, continuamente em suas telas de figura trechos regionais, onde faz viver a alma da Espanha. Aqui, em que o sol é vibrante e as cores são de belíssima intensidade, o fator paisagem seria primoroso em qualquer retrato”10. “Não temos, ainda, uma arte brasileira [...]. Estamos em pleno período de formação. Se os centros de sólida e antiga cultura servem atualmente de campo fácil a todas as experiências, ainda as mais opostas, que se não dirá de país novo, desconhecedor das suas verdadeiras diretrizes? Mal saímos do período de caldeamento, e este foi o menos regular possível, com diversos contingentes, desde o africano ao europeu do norte e ao sul, que, como se sabe, diferem substancialmente, por mais de uma razão 9 “O momento na pintura”, op. cit.
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de ordem étnica e histórica. Mas, já na desordem presente, se delineiam orientações definidas, que, inspiradas no meio natural e procurando har-
10 Idem.
monizar a este último as regras e processos que agitam o cenário artístico
11 “A versatilidade de preferências no momento artístico”, op. cit.
no Velho Mundo, levarão, com certeza, a uma escola de cores clara, vigorosa, vibrante, luminosa, como estão a exigir as paisagens tropicais”11.
“A arte de um país não se impõe com prédicas e leis: nasce instintivamente e forma-se com o tempo, assim como as individualidades dos artistas independem da sua vontade e só se firmam, quando a sua técnica se solidifica. Ninguém pode impor, a si próprio, esta ou aquela fatura. Assim, arte brasileira só haverá quando os nossos artistas abandonarem completamente as tradições inúteis e se entregarem com toda a alma à interpretação sincera do nosso meio”12.
II – O Prêmio de Viagem e a experiência europeia “Estou imensamente satisfeito. O júri oficial do salão de belas-artes, embora digam ser guiado nas suas decisões por um ferrenho espírito acadêmico, concedeu-me, a mim, um dos pintores atuais, que mais possuem tendências modernistas, o grande prêmio de viagem, que é o maior laurel oficial. Estou satisfeitíssimo, repito, pois fui laureado com unanimidade de votos, não tendo havido durante o julgamento, nenhuma discussão”13. “Mais tarde, já concorrente ao Prêmio, tive de transigir novamente, tive de me submeter a uma maneira de pintar – deixei de seguir a minha vontade – amoldei-me ao salão pacientemente, até obter o Prêmio. Domestiquei a minha vontade dentro de um ponto de vista visando sistematicamente um efeito. Esse efeito era agradar a você, esse ponto de vista era você. Não sei se você contribuiu conscientemente em tudo isto; de qualquer modo o fato permanece. Sou um prêmio de viagem por sua causa. Concorri sempre ao salão por sua causa. É certo que quando nos conhecemos eu já enviava para o salão, mas até aquela época era lógico, depois desse tempo eu talvez não mudasse; não mudei, porque o meu orgulho de provinciano não me permitia por causa de uma discussão que houve a respeito da minha premiação daquele tempo. Mas transigi – refreei o meu
12 “O momento na pintura”, op. cit. 13 “No Salão de Belas-Artes”, in: A Esquerda, 1928 (artigo localizado no arquivo do Projeto Portinari, Rio de Janeiro, PR-82).
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impulso de matuto e deixei passar. Tudo por eu desejar a sua admiração e parecia-me, aquela a única maneira de a obter”14. “Como sabe, eu sempre me dediquei à representação na tela de expressões humanas. Encontro nesta feição da arte pictórica um grande exercício de psicologia. E a prova do que afirmo está na coleção de quadros que, até hoje, tenho executado na tela, como os do Cardeal Arcoverde, exposto atualmente na Matriz da Glória, de Berta Singermann, de Paulo Mazzucchelli, e outros. Acho, entretanto, que a causa predominante para que o retrato de Olegário Mariano fosse premiado, foi a expressão psicológica de sua fisionomia, que dizem ser perfeita, devido toda a atração fisionômica do retratado, e à grande intimidade que mantenho com o poeta das ‘Cigarras’, o que me facilitou o trabalho”15. “Entendo [...] que a estadia na Europa não deve ser aproveitada pelo pintor para uma produção intensa e quase nada meditada como têm feito alguns colegas... Considero-o um prêmio de observação. O que vou fazer é observar, pesquisar, tirar da obra dos grandes artistas – do passado, nos museus, ou do presente, nas galerias – os elementos que melhor se prestem à afirmação de uma personalidade. Procurarei encontrar o caminho definitivo da minha arte fazendo estudos e nunca quadros grandes, que estes roubam ao artista um tempo precioso sem um resultado duradouro e sem influência definitiva no futuro. Prefiro regressar da Europa sem nenhuma bagagem volumosa, aparentando ao julgamento alheio nada ter feito, mas com um cabedal profundo de observações e pesquisas. Uma tela só, cem vezes raspada e cem vezes pintada só para o artista, em uma procura incessante de perfeição, na ânsia de encontrar 14 “Carta de Candido Portinari a Rosalita Candido Mendes” – Paris, 18 set. 1930. 15 “No Salão de Belas-Artes”, op. cit. 16 “Para o Velho Mundo em busca da perfeição”, op. cit.
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a melhor maneira de interpretar a natureza e exprimir a verdade, vale mais, sem dúvida, como contribuição para os próprios destinos, do que uma centena de telas acabadas, feitas sob fórmulas alheias, quase mecânicas, que o artista traga da Europa, como documentação de uma inútil operosidade”16.
“Eu, amigo, ainda não estou na idade de fazer afirmações, mormente em questões de arte. Sou muito moço. Nunca tive predileções; logo não posso dizer uma palavra sobre a arte, tendo embora a minha expressão sintetizada nos meus quadros. Lá no ambiente do Velho Mundo irei ainda estudar, vendo muito, muito mais do que trabalhando, a fim de melhor conhecer as minhas tendências artísticas”17. “Continuo a visitar os museus. Não tive ainda vontade de começar a trabalhar. Cada vez acredito mais nos antigos. Entretanto há muitos modernos esplêndidos. Infelizmente nós aí, copiamos o que eles têm de mau. [...] Não achas que estou em bom caminho, visitando os museus? Depois, então, trabalharei”18. “Já comecei a trabalhar, mas no meu quarto, porque não consegui ainda ateliê (dentro de minhas posses); há muitos: custam apenas 3 e 4 mil francos. Contudo, não estou triste, porque não estou perdendo tempo: pela manhã vou ao Louvre ver aquela gente de perto e à tarde faço estudos. Não pretendo fazer quadros por enquanto. Estou cada vez mais antigo; diante das exposições que se realizam quase que diariamente e das coisas do Louvre, a gente não sendo idiota e tendo mais amor à arte do que ao sucesso tem que pender para este último. Aprendo mais olhando um Ticiano, um Rafael do que para o Salão do Outono todo”19. “Vim conhecer aqui em Paris o Palaninho, depois de ter visto tantos museus e tantos castelos e tanta gente civilizada. Aí no Brasil eu nunca pensei no Palaninho. [...] Daqui fiquei vendo melhor a minha terra – fiquei vendo Brodósqui como ela é. Aqui não tenho vontade de fazer nada. Vou pintar o Palaninho, vou pintar aquela gente com aquela roupa e com aquela cor. [...] A paisagem onde a gente brincou a primeira vez e a gente com quem a gente conversou a primeira vez não sai mais da gente, e eu quando voltar vou ver se consigo fazer a minha terra”20.
17 “No Salão de Belas-Artes”, op. cit. 18 “Carta de Candido Portinari a Olegário Mariano” – Paris, 12 set. 1929. 19 “Carta de Candido Portinari a Olegário Mariano” – Paris, 14 nov. 1929. 20 “Carta de Candido Portinari a Rosalita Candido Mendes” – Paris, 12 jul. 1930.
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“Nasci para agir, o meu espírito necessita de um campo sem marcos para se espraiar e o tipo de pintor do Brasil não serve para mim. Eu não posso ser medíocre – ou eu marcarei uma época na Arte Brasileira ou então desaparecerei. Trabalhei sempre refreando um sentimento íntimo, sem o procurar conhecer, por causa das imposições do momento que me obrigava a realizar e não me deixava pesquisar, portanto impossibilitado de toda ação normal. Foi possível que eu viesse à Europa, no meio de todos os movimentos, no meio de todas as civilizações e no meio de uma paisagem obediente, para compreender o sentimento que me acompanhou sempre. Não pretendo ficar somente dentro da pintura – tenho sonhado muito tenho arquitetado grandes planos”21. “O Brasil precisa, antes de tudo, olhar para si mesmo e deixar de copiar os estrangeiros [...]. Nós devemos, no Brasil acabar com o orgulho de se fazer uma arte ‘para meia dúzia’. O artista deve educar o povo, mostrar-se acessível a esse público que tem medo da arte, por ignorância, pela ausência de uma informação artística, que deve começar nos cursos primários. Os nossos artistas precisam deixar suas torres de marfim, devem exercer uma forte ação social, interessando-se pela educação do povo brasileiro”22. “[...] primeiro é preciso criar o espírito nacional, para que haja uma direção geral comum na obra de pesquisa e de construção. O Almeida Júnior, que é do tamanho do maior pintor da França, abriu a picada para a pintura brasileira, mas deixaram crescer capim de novo. E, entretanto, 21 “Carta de Candido Portinari a Rosalita Candido Mendes” – Paris, 3 set. 1930. 22 Plínio Salgado, “Um pintor brasileiro em Paris”, in: O País, Rio de Janeiro, 5 out. 1930; Correio Paulistano, São Paulo, 8 out. 1930. 23 Idem.
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o seu exemplo continua enchendo os nossos museus com a sua grandeza esquecida de todos”23. “O Brasil não é só o índio e o negro. Sobre a unidade de um sentimento comum, cada Estado do Brasil tem um tipo e cada artista deve contribuir com o da sua terra: o de Pernambuco, com o Zé Raimundo, de Olegário; o do Rio Grande, com os gaúchos de Simões Lopes, de Darcy,
de outros criadores de heróis; o de S. Paulo, com o Juca Mulato, de Menotti, o Zé Candinho e o Mondolfi do Estrangeiro; o do Rio, com as figuras numerosas da Favela, que cantam pela boca de Ovalle e do Heckel Tavares. Estes tipos ficarão porque têm alma brasileira, portanto são humanos e universais”24. “Devemos trancar os portos à arte estrangeira. Nem pintura do Salon, nem a da galeria Percier devem entrar, de agora em diante, no Brasil. A nossa natureza, o nosso povo estão cheios de surpresas. Nosso povo está se formando de todas as raças, tem todos os climas, aspectos bem nacionais na angústia do seu sofrimento, uma fisionomia moral e intelectual bem marcados; a arte deve traduzir essa inquietude, esse caráter de raça, o momento brasileiro na humanidade. Abaixo a pintura do Salon francês que os nossos acadêmicos fazem no Brasil; mas, tão pouco, devemos aceitar a pintura das galerias modernas de Paris, que os nossos vanguardistas lá fazem com a cabeça cheia de teorias e de ‘pontos de vista’”25. “Há hoje uma reação contra o tema, a anedota. Pretende-se uma pintura que seja essencialmente pintura. Isenta de toda influência literária. A pintura ignorante. Como qualidade. E isso, até certo ponto, é um retorno mesmo aos grandes mestres antigos. Esse movimento, que parece ter uma ligação com Tintoretto, Paulo Veronese, Ticiano, sem falar nos grandes mestres da Renascença, como Rafael e Miguel Ângelo [...], esse movimento, hoje, é geral contra a arte do século passado, que não resistiu, por falta de ‘qualidade’. Entretanto, é curioso observar como, dentro de uma reação salutar e forte, encontram-se os germes dos vícios antigos. Esses ‘vírus’ estão, exatamente, nas galerias dos mais vanguardistas [...]. Há ali a mesma preocupação literária da pintura do século passado. As formas de expressões são diferentes, ali também se diz que se combate o ‘assunto’; no entanto, a pintura foge ao movimento geral do século, evidenciando-se, acentuadamente preocupada, com uma outra feição de ‘literatura’ que, se não é o ‘tema’, é o ‘preconceito’. É o preconceito surrealista, os teoremas cubistas, a doutrina
24 Idem.
freudiana, o primitivismo, tudo gritantemente literário. O que torna essa
25 Idem.
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arte, sob o ponto de vista geral do movimento moderno, inegavelmente passadista, mesmo com sua expressão avançada”26. “Eu não sou a entrevista, não tenho bastante coragem minha para ser um chefe. Nunca pertenci a uma corrente, não fui acadêmico, não fui moderno, não fui impressionista e não fui eu mesmo; eu fui dispersivo; a minha pintura não refletiu o que eu desejava – não me pareço nada com ela. A culpa não foi minha, foi do meio, do século e da vida, sobretudo da vida. Você leu a minha carta Palaninho? Lá eu digo o que eu devia ter feito”27.
III – O pintor modernista “Ao chegar da Europa tive um enorme trabalho: desaprender, para recomeçar. Estou recomeçando. Os meus recentes trabalhos estão apagando o Portinari antigo. Van Dongen, a quem mostrei algumas cabeças que fariam sucesso no Brasil, me dizia: ‘ Como consegue o senhor fazer coisas tão difíceis? A pintura é tão fácil...’. A viagem à Europa para um moço que observa é útil. Temos tempo de recuar. Temos coragem de voltar ao ponto de partida. Eu sou moço”28. 26 Idem. 27 “Carta de Candido Portinari a Rosalita Candido Mendes” – Paris, 6 set. 1930. 28 Aga, “Portinari voltou da Europa”, in: Mundo Ilustrado, Rio de Janeiro, 1931 (artigo localizado no arquivo do Projeto Portinari, Rio de Janeiro, PR-126). 29 “Portinari, paulista de Brodowski, vae mostrar a S. Paulo os seus últimos trabalhos”, in: Folha da Noite, São Paulo, 20 nov. 1934.
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“Apesar de atrapalhado pela Escola de Belas-Artes, que aguou minha pintura, consegui de Paris ver de novo Brodósqui. Observando grandes mestres como Picasso, Orozco, Rivera, e estudando os antigos, refiz minhas formas, perdidas no aprendizado oficial do Rio de Janeiro”29. “Eu compreendo [...] a necessidade de que o artista realize um labor constante, ininterrupto. O trabalho regular é indispensável e serve para lhe depurar a sensibilidade, vitalizar os surtos de energia criadora, acentuar a originalidade e a eficiência dos seus meios de expressão. Pelo trabalho, ele faz um apelo a si mesmo e vai penetrando, devassando, exprimindo
melhor o próprio mundo interior. Um pintor imóvel pode estar em transe, em angústia; é possível que todo ele sangre no esforço do sonho. Mas o que contesto é que, sem a prática constante, tenha a agilidade descritiva, a visão sintética, em que possa plasmar, em traços lúcidos e definitivos, as suas inquietudes mais profundas. A sua capacidade de realização estará fatalmente diminuída”30. “São comuns os confrontos entre os pintores antigos e modernos. E a conclusão quase unânime é de que os antigos são os mais fortes. Pergunta-se: como explicar a diferença que se assinala? [...] O que sucede, apenas, é que a vida, hoje, tornou-se mais intensa, mais absorvente, não permitindo, a não ser muito raramente, as dedicações absolutas à arte. O esforço para arrostar às contingências da situação econômica torna dispersiva não só a ação do pintor, mas a de todo aquele que se aplique a qualquer forma de arte. O labor artístico, longe de se impor como único e supremo, reduz-se às proporções de um recreio ocasional. E mesmo quando o pintor se dá exclusivamente à pintura, extraindo daí o necessário à subsistência, mesmo assim não se pode ater à ideologia que se traçou. Cumpre que faça concessões à opinião ingênua do público, isto é, dos compradores; é preciso que se integre dentro de efeitos consagrados; que se submeta a banalidades ornamentais tão a gosto do mundo. As afirmações vitoriosas de personalidades só se fazem espaçadamente e quando o artista, iludindo as conjunturas econômicas mais urgentes, deixa de mentir a si próprio, visita a sua verdadeira alma. É ainda a vida moderna que exacerba, no pintor, um defeito gravíssimo: a vaidade. E a vaidade prejudica, também, a sua eficiência. Antes, o pintor era um operário e procedia como tal. Trabalhava nos seus quadros com regularidade, todos os dias: pela concentração permanente do espírito sobre a pintura, ia aperfeiçoando a arte, adquirindo uma visão mais penetrante da própria alma, dominando mais amplamente as cores. O pintor moderno não quer ser apenas pintor; traz consigo aptidões que só lhe traçam um destino: a pintura. Mas ele ama o prestígio social, as grandes posições, o dinheiro, a notoriedade imediata.
30 “Como trabalham e sonham os nossos pintores”, in: O Globo, Rio de Janeiro, 13 nov. 1934.
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Ele se divide em múltiplos afazeres; e, obrigatoriamente, a força que conduz, aplicada, como é, em vários sentidos se enfraquece e abate”31. “Não tenho ideias definitivas em matéria de estética, e não me preocupo em afiliar-me a qualquer escola. Para mim a cor e o desenho são igualmente importantes. Experimentei toda sorte de tendências. Sou um tradicionalista, isto é, simples, chão, preciso, quase primitivo, quando se trata de retratos. Entretanto, permito-me certas audácias na pintura de composição. Observaram que faço lembrar Picasso – o que não é exato. Se eu quisesse poderia imitá-lo, e a prova disso é que há algum tempo, como experiência, tentei o cubismo. Mas desisti imediatamente, porque é uma forma que pertence a outros e não a mim. Acho o cubismo maravilhoso para aqueles que o criaram, mas insuportável nos imitadores. O pintor é um produto do seu ambiente; os artistas, como as roupas, estão em função do clima”32. “A pintura não deve ser fotográfica; deve ser composta. Eu componho meus quadros. Cada detalhe, cada tipo, cada grupo, cada ângulo, são diretamente arrancados da realidade, mas o conjunto do quadro é composto pela visão que o pintor tem dessa realidade. A pintura deve ser feita com a cabeça, e não com as mãos. Deve-se falar pouco e trabalhar muito. Glória e sucesso nada significam. O que importa é pintar, realizar – plasticamente no meu caso – a missão que cada um traz consigo. O pintor é coisa secundária; o essencial é a obra realizada”33.
31 Idem. 32 “Uma entrevista de Portinari inédita no Brasil”, in: Revista Acadêmica, Rio de Janeiro, n. 54, maio 1941. 33 Idem. 34 “Portinari explica o sentido da sua arte”, in: O Jornal, Rio de Janeiro, 7 jul. 1943.
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“Não, não foi a moda que me levou à pintura moderna. Eu não inventei nada. A pintura tem uma história como a ciência. O que na ciência é progresso, na história é evolução”34. “Veja, começou com os românticos a pintura moderna. E já naquele tempo muita gente ‘não entendia’. Aqui mesmo no Brasil, gente mais velha do que eu, que conheceu Pedro Américo, diz que também ele foi combatido no seu tempo. Visconti, quando chegou ao Brasil pintando as
figuras esguias de sua arte pré-rafaelista, foi acusado de só pintar esqueletos. ‘Onde está a beleza das formas opulentas?’ – perguntavam. Quando Ingres, na França, pintou as formas opulentas do seu ‘Banho turco’ essas mesmas pessoas – porque são sempre as mesmas em todos os tempos – perguntavam onde estava o desenho, onde a construção e as regras clássicas”35. “Quanto à pintura moderna, tende ela francamente para a pintura mural. Com isso, bem entendido, não quero afirmar que o quadro de cavalete perca o seu valor, pois a maneira de realizar não importa. No México e nos Estados Unidos já há muitos anos essa tendência é uma realidade, e noutros países se opera o mesmo movimento, que há de impor à pintura o seu sentido de massa. Aliás, não constitui o que estou dizendo nenhuma novidade, num centro artístico como S. Paulo, perfeitamente informado desse movimento renovador da pintura. Naturalmente, no Brasil, país em formação, o artista não tem possibilidades, por falta de interesse dos governos, de realizar trabalhos nesse sentido. Os artistas, entre nós, lutam com todas as dificuldades, acrescidas ainda da indiferença dos poderes públicos. E é pena isso, é muito de se lamentar, pois o nosso país é um campo magnífico para a criação de uma pintura que não se assemelharia à de nenhuma outra nação. O Brasil [...] é um diamante fabuloso, percebe-se que, lapidado, daria a melhor pintura. Tudo aqui está por fazer, havendo apenas alguns casos excepcionais. E a causa disso tudo é ainda o governo, que se obstina a não ter, como no México se observa, interesse direto pelas coisas da arte”36. “A pintura atual procura o muro. O seu espírito é sempre um espírito de classe em luta. Estou com os que acham que não há arte neutra. Mes-
35 Idem.
mo sem nenhuma intenção do pintor, o quadro indica sempre um sentido
36 “Exposição de pintura Candido Portinari”, in: Diário de S. Paulo, 21 nov. 1934.
social”37. “Não existe nenhuma grande obra de arte que não tenha ligação com o povo. A arte é comunicação. Naturalmente que houve épocas e lugares
37 “Portinari, paulista de Brodowski, vae mostrar a S. Paulo os seus últimos trabalhos”, op. cit.
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em que a arte apenas servia este ou aquele grupo. Mas sempre teve, a que vingou, ligação direta ou indireta com o povo”38. “Sou filho de camponês. Meus pais foram sempre camponeses pobres. [...] Assim, não posso esquecer-me deles. São o meu objetivo. Quando fiz os afrescos do Ministério da Educação, queriam que eu fizesse a História do Brasil. Tentei. Mas foi impossível. Não saía nada. Depois de estudos e estudos, nada. Então tive de dizer: a minha pintura é pintura de camponês; se querem os meus camponeses, bem; se não, chamem outro pintor. Foi então que, embora numa ordem histórica, fiz a série do ‘Ouro’, ‘Fumo’, ‘Gado’, etc.”39. “O que mais assusta é a deformação das extremidades. [...] É que muita gente, quando vê um quadro não o relaciona com a natureza, com aquilo que existe, e sim com aquilo que já viu noutros quadros. O pé descalço do enxadeiro não pode ser comparado com os pés feitos pelos pintores europeus, porque na Europa os camponeses andam calçados”40. “O público está habituado a ver pés mimosos na pintura, porque só via, nus, os pés de deuses, Vênus, Diana e todas as outras. O pé humano é diferente, assim como é diferente o mesmo rosto conforme os sentimentos que o animam”41. “A pintura é parada. [...] Se eu quero representar, em arte, a força da maternidade, a poderosa e arrebatadora expressão do instinto materno, 38 Mário Dionísio, “Portinari pintor de camponeses”, in: Vértice, Coimbra, v. II, 1946.
como no quadro ‘As mães’, não posso pintar a mãe fazendo uma careta.
39 Idem.
à deformação. A força de uma criatura, seus dramas, suas angústias, sua
40 “Portinari explica o sentido da sua arte”, op. cit. 41 Idem. 42 Idem.
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Tenho de me exprimir através de formas, formas estáticas cujo movimento só é possível realizar por meios plásticos. Essa dramaticidade também leva própria presença se exprime[m] em pintura por meio de deformações que lhe restituem, na transformação artística, essa realidade interior que de outro modo lhe seria arrebatada”42.
“[...] já que não é o tema que conta, não é nada demais pedir aos artistas que incorporem esse pormenor à obra de arte. E isto para bem dos que lutam e sofrem na vida, em todos os seus matizes. Estou seguro de que esse ato só beneficiará a obra de arte, porque será acrescida de alguma coisa de útil. Não vejo necessidade de abstenção intransigente do tema. Todo artista que meditar um pouco sobre os acontecimentos que perturbam o mundo, chegará à conclusão de que fazendo um quadro mais ‘legível’ sua arte ganhará ao invés de perder; e ganhará muito porque receberá o estímulo do povo”43. “Sei que os artistas que se encerram em si mesmos são os que mais sofrem mas, infelizmente, é esse um sofrimento que não conduz a nada e a ninguém beneficia. Se há acredite poder expressar uma tragédia ou uma alegria só com uma pincelada e uma cor, penso que deveria ampliar sua força, dirigir-se às massas ao invés de dirigir-se a apenas um pequeno grupinho de privilegiados”44. Seleção e montagem: Annateresa Fabris
43 Ibiapaba de Oliveira Martins, “O abstracionismo já foi superado”, in: Artes Plásticas, São Paulo, v. I, n. 3, jan.-fev. 1949. 44 Idem.
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Nota preliminar
O sentido social da arte é uma conferência proferida por Cândido Portinari no Instituto Francês de Estudos Superiores, de Buenos Aires, em 26 de julho de 1947, a convite do Centro de Estudantes de Belas-Artes. Integra uma série de manifestações que acompanham sua primeira exposição individual na Argentina, realizada no Salón Peuser – uma das principais galerias de Buenos Aires –, entre 16 de julho e 9 de agosto. Uma parte das ideias defendidas na conferência já havia sido apresentada, em fins de março de 1946, na sabatina promovida pela Associação Brasileira de Imprensa. Nela, o pintor postulava a necessidade de uma arte engajada nas grandes causas da humanidade, sem por isso descurar as qualidades intrínsecas da obra. O mesmo texto, com algumas variações, sob o título de “Discurso sobre arte”, encontra-se no arquivo do Projeto Portinari, tendo como referências Buenos Aires e o ano de 1947. Em outra fala, o “Discurso-palestra proferido por ocasião da exposição no Salón Peuser”, Portinari estabelece um elo entre a arte social e o desejo de construção de um mun-
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do melhor, postulando ainda uma diferença entre
Ediciones del Centro Estudiantes de Bellas Artes,
a sensibilidade plástica e a sensibilidade humana.
de Buenos Aires. A conferência foi divulgada, re-
Além da conferência de 26 de julho, o artis-
centemente, no catálogo da “Exposición Portinari”
ta divulga suas ideias sobre a arte social na en-
(Buenos Aires: Fundación Proa, jul.-set. 2004) e no
trevista concedida a María Rosa Oliver (“Conver-
livro Candido Portinari y el sentido social del arte,
sando con Candido Portinari”), publicada no n.
organizado por Andrea Giunta (Buenos Aires: Siglo
152 da revista Sur (julho de 1947). Nesta, tomando
XXI Editores Argentina, 2005).
como paradigmas Jacques-Louis David, Eugène
Embora o texto tenha sido redigido em por-
Delacroix e Gustave Courbet, defende a figura do
tuguês e divulgado na revista Época (novembro
artista político e a necessidade de engajamento
de 1947), do Rio de Janeiro, antecedido por poemas
na realidade contemporânea. A defesa da arte en-
de Rafael Alberti e Nicolás Guillén, no arquivo do
gajada não significa o desprezo pelas qualidades
Projeto Portinari não foram encontrados nem o
propriamente artísticas. Portinari é bem enfático
manuscrito original, nem sua versão impressa. É
a esse respeito: “Os que não podem dar sua men-
por esse motivo que o Museu de Arte Moderna de
sagem social numa boa pintura, que se dirijam e
São Paulo resolveu traduzi-lo do espanhol, mesmo
falem em praça pública”.
sabendo dos problemas que envolvem a “tradução
A conferência O sentido social da arte é profe-
de uma tradução”. Algumas ideias da conferência
rida também no Teatro Verdi, de Montevidéu, em 12
de 1947 foram também divulgadas por Ibiapaba
de setembro de 1947, enquanto manifestação pa-
de Oliveira Martins no artigo “O abstracionismo já
ralela à mostra vinda de Buenos Aires e apresenta-
foi superado”, publicado na revista Artes Plásticas
da no Salão da Comissão Nacional de Belas-Artes.
(São Paulo, v. I, n. 3, jan.-fev. 1949).
Em novembro de 1947, o texto é publicado pelas
Annateresa Fabris
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Conferência pronunciada no salão do Instituto Francés de Estudios Superiores em 26 de julho de 1947, a convite do Centro de Estudiantes de Bellas Artes, em Buenos Aires. Publicada por Ediciones de Centro Estudiantes de Bellas Artes em novembro de 1947.
Queridos amigos: Antes de mais nada, desejo pedir desculpas e explicar por que falo em minha língua. Em primeiro lugar, porque se eu quisesse falar no seu idioma, vocês seriam os primeiros a pedir que eu falasse no meu, pois assim entenderiam alguma coisa, ao passo que, se eu falasse na língua de vocês, nada entenderiam. Nossos idiomas são irmãos como o são nossos países e, por isso, quando vocês vêm ao meu país, preferimos que falem na sua língua, pois acredito que a Argentina e o Brasil prolongam-se em um só país. Nós, os brasileiros, sentimo-nos em casa aqui na Argentina e desejamos que o mesmo aconteça com vocês no Brasil. Solicitado por um grupo de jovens a fazer uma palestra aqui neste local, não me foi possível negar. Na realidade, era o que devia ter feito, pois os pintores não nasceram para falar, e sim para pintar; esse é seu meio de expressão, e não a palavra. Por isso, vem-me à lembrança o que disse Poussin, o grande pintor francês, quando escrevia a um amigo: “Levo mais de quarenta anos professando uma arte muda e quando devo falar sinto-me extremamente desajeitado”. E isso é o que me acontece agora. Aqueles que achem longa esta conferência poderão dormir ou retirar-se, sem pedir permissão ou desculpas. Para os que a achem curta, estarei à disposição para continuar o tema em outra ocasião. Arte social é o tema que foi escolhido para esta palestra, mas como não sou especialista, pouca prática tenho para desenvolvê-lo. Entretanto, vou fazer o possível para chegar até o fim sem desviar-me muito do que vamos tratar. É um tema sobre o qual se tem escrito e falado muito e continuará sendo um tema de debate infinito. Desejo esclarecer alguns pontos para explicar-me melhor durante a conferência. Um deles é o da qualidade intrínseca da pintura, cujo valor ninguém pode negar. Antes de qualquer coisa, analisaremos o espírito e a técnica da obra de arte, sem com isso querer separar essas duas coisas impossíveis de separar, pois são siamesas; uma não pode existir sem a outra, mas podemos fazer uma análise de ambas separadamente. O conteúdo espiritual de um quadro registra a potência de sensibilidade do artista.
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O lado técnico registra o conhecimento e o desenvolvimento da sensibilidade do artista. A técnica é o meio com o qual o artista transmite sua sensibilidade. Para facilitar minha expressão, vou usar uma maneira um tanto arbitrária para expor meu pensamento. Vou desdobrar a sensibilidade em duas categorias: uma que denominarei sensibilidade artística, e a outra, sensibilidade coletiva. A sensibilidade artística só é sentida – em geral – por aqueles que nascem e educam-se com ela. Educa-se com museus, conferências etc. É por isso que os que se interessam pela pintura esforçam-se e exigem atenção do governo a essa área, e é justo que assim aconteça. Agora mesmo estou aqui porque um grupo de jovens acredita que este meio, a conferência, é útil nesse sentido. Há poucos dias, vendo os murais de alguns dos melhores pintores argentinos, constatei que esse trabalho é a melhor prova para que o governo lhes confie os muros de seus edifícios. Cumprindo, dessa forma, também uma finalidade educativa. Continuando com este modo arbitrário para me expressar melhor, acredito que é possível verificar, ou melhor, medir a sensibilidade artística. Por exemplo, usando duas cores: vermelho e verde. Todos nós sabemos que uma cor vai numa gradação de um a milhões. Começaremos a mostrar essas duas cores em seu estado normal; depois, iremos transformando-as, adicionando outros matizes. Até o ponto em que o observador constate essas cores e sua sensibilidade seja registrada. Uma pessoa que nasceu com sensibilidade experimenta uma determinada emoção perante uma pintura, mas isso se refere a seres privilegiados. Daí a dificuldade do público em relação a certas obras de arte. Nestes últimos anos, como reação a obras puramente circunstanciais, surgiram grupos de pintores que fizeram e fazem uma pintura que se pode denominar arte pela arte. Foi e é um acontecimento normal dentro da história. Como todos sabem, uma escola de pintura surge quase sempre como reação a outra. Todos os homens estão formados quimicamente por porcentagens diferentes em relação às coisas do mundo; por isso mesmo, dizemos que existem pessoas que nascem com sensibilidade para fazer ou sentir uma pintura. Isso não
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quer dizer que as outras pessoas não possuam nenhuma sensibilidade, e sim que nasceram com uma porcentagem mínima de sensibilidade para a pintura. E é incorporando elementos acessíveis que a pintura interessará a um maior número de pessoas. Há outra consideração necessária a ser agregada. Nem a pintura circunstancial nem a pintura pela pintura bastam para se dirigir às massas. Talvez com a fusão das duas se possa alcançar esse fim. Há pintores que afirmam que só pelo fato de pintar um cubo e uma esfera estão fazendo arte avançada. Pensar assim é um tanto elementar. Esse cubo e essa esfera pintados por um pintor de conhecimentos técnicos e sensibilidade converter-se-ão em uma obra artística, como o seria se ele fizesse um nu. Esses dois motivos, pintados por um pintor sem técnica e sem sensibilidade, resultariam num quadro desprovido de qualquer valor artístico. Portanto, acredito que para fazer uma obra de arte o tema tem pouca importância. Claro que tudo isso é elástico, mas até certo ponto; e não se deve ver mais tragédia em um quadro do Kandinsky, por exemplo, do que num fuzilamento de Goya. Assim como não há homens de cinco metros, tampouco os há de dois centímetros de estatura. Raciocinando em função dos contrários, cairemos no caos. Seria melhor que o homem que pinta e possui sensibilidade coletiva, mas carece de sensibilidade artística, fosse diretamente à praça pública e dissesse em uma linguagem corrente o que sente, em vez de expressar-se por meios plásticos. Como já dissemos, a pintura social é a que pretende dirigir-se às massas, e os pintores dessa categoria devem possuir sensibilidade artística e coletiva. Ambas devem ser educadas; para a primeira já dissemos quais são os meios que acreditamos sejam os mais adequados. Penso que a segunda sensibilidade poderá ser desenvolvida ao entrar em contato com as massas, auscultando seus desejos. Todos possuem, em maior ou menor grau, tanto uma como outra sensibilidade; é claro que os que na vida demonstram vocação devem educar-se para poder atuar. Um pintor não é pintor social simplesmente porque tem vontade de sê-lo, e
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sim por razões de sensibilidade e educação (é um tanto irônico chamar de educação o viver e sofrer os desejos do povo, mas uso essa palavra para simplificar e para não me desviar do problema principal que estamos tratando). Bem sei que, para explorar como deveria este tema, seria necessário escrever vários livros, mas só desejo dizer mais ou menos o que penso sobre a arte social e estabelecer, ao mesmo tempo, que não pretendo estar aqui ensinando com “ares doutorais”. Esta é apenas uma conversa entre amigos. O desenvolvimento e a direção de qualquer atividade humana estão relacionados aos acontecimentos históricos, políticos e econômicos. Uma consideração justa hoje pode não sê-lo amanhã. Vivemos em um mundo contraditório em que o artista, por possuir uma sensibilidade à flor de pele e em maior grau, sofre intensamente. Dirige-se em várias direções e cada qual sofre e defende o seu mundo, mais por sentimento do que por raciocínio; é certo que só se raciocina impulsionado por um sentimento qualquer, mas em geral acontece que só ouvimos a voz do sentimento, em vez de ouvir o sentimento pela voz do raciocínio. Se colocássemos um artista em uma sala onde só houvesse um objeto – um telefone, por exemplo –, depois de algum tempo descobrirá alguma beleza nesse telefone; essa beleza estará relacionada à sua sensibilidade artística e, embora ele possua sensibilidade coletiva, esta ficará desligada do seu meio e será consequentemente superada e vencida pela sensibilidade artística, e o artista gritará com a voz do sentimento em defesa daquela beleza. A beleza é como um reino onde as lutas e as mortes acontecem. Cada vez que há luta e cada vez que há mortes lhes são atribuídas razões diversas. Na Europa, devido ao desenvolvimento da especulação da beleza, chegou-se ao máximo, esgotando-se todos os recursos no terreno da pintura. Por essa razão, cada vez mais foi se distanciando a pintura figurativa. Toda essa inquietação provém do regime social burguês, que já se encontra em decomposição. Por isso mesmo, o setor revolucionário
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e, portanto, mais avançado, busca no figurativo o seu meio de expressão. Mas, como ainda prepondera a burguesia decadente, existe a luta entre o abstrato e o figurativo. Essa discussão preocupa neste momento os meios artísticos da Europa e, sobretudo, os de Paris, que continua sendo o centro do mundo em matéria intelectual. Entretanto, há muita confusão quando se trata do figurativo, pois há muitos que levam o figurativo a um campo de imitação, acreditando no retorno ao acadêmico. Na realidade, os figurativos não defendem uma volta ao passado, pois se assim o fizessem, não seriam revolucionários. O que desejam é superar o que já foi feito, incorporando todas as conquistas, e prosseguir. Em todo caso, o debate continua firme e cada grupo defende ferozmente seu ponto de vista. Essa luta sempre existiu, mas na realidade o que dá fim a esses debates são as mudanças de regime, ou melhor, estes são os que mudam real e concretamente. Mas, por outro lado, essas mudanças só ocorrem com a luta e há muitas formas de combate. Para expressar-me melhor: em cada momento da vida humana existe a luta, e quando a maioria desses setores coincide, a mudança ocorre. Isso quando se vê de forma ampla todo o panorama no qual debatem-se os homens. Visto de outra forma, cai no individualismo, o que significa sentir as coisas em relação a si mesmo de acordo com os pequenos problemas, o que leva à cegueira. Os regimes dominam todos os setores, inclusive o artístico. É curioso, por exemplo, observar que na América Latina a questão da pintura social não só é mais debatida como há também um maior número de artistas empenhados em sua realização. A maioria desses países é semifeudal e semicolonial. Portanto, a diferença social é mais visível e, como a educação artística está menos desenvolvida, o artista tem a sensibilidade coletiva mais latente. A pintura mural é a mais adequada para a arte social, porque o muro geralmente pertence à coletividade e, ao mesmo tempo, conta uma história, interessando a um maior número de pessoas. Podem obter-se dois resultados por esse meio: a educação plástica e a educação coletiva. É preciso não perder de vista a função da pintura em nossos dias, nos quais a arte incorporou a fotografia e o cinema. Ambos são insuperáveis
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para certos casos e, quando se tenta invadir o terreno de qualquer dos dois, é feita uma arte de categoria inferior. Não quero dizer com isso que o cinema e a fotografia sejam artes secundárias. Para mim, todas as artes têm a mesma possibilidade. Nenhuma é superior ou inferior. Mas cada uma tem seu campo de ação. Quem as exerce eleva-as mais ou menos; depende da capacidade do artista e não do gênero de arte. Mas, repito, cada uma tem seu campo de ação: quando invade outro campo, fatalmente se é derrotado. Claro que, se possuir qualidades, estas não desaparecem. É como se um grande corredor corresse em uma pista de três metros: seria verificável que é um grande corredor, mas não disporia de todos os meios para demonstrá-lo. Houve uma época em que um quadro funcionava mais como documento histórico do que como uma obra de arte, e o curioso é que a maioria desses quadros possui um valor artístico extraordinário; embora pareça uma contradição o que estou dizendo, se observarmos com atenção o que se pintou nesse sentido depois do surgimento da fotografia e do cinema, chegaremos à conclusão de que noventa por cento desses quadros estão despossuídos de valor, até mesmo histórico. Isso prova, mais uma vez, que a importância do tema é muito relativa. Nos tempos antigos, a visão artística dos homens talvez fosse mais pura e havia uma compreensão mais exata da função do quadro. Não havia a imposição da imitação. O artista representava uma figura ou uma paisagem sem cair no imitativo. Assim, podemos observar as decorações bizantinas, por exemplo, onde o artista representava uma figura com a cabeça pintada de verde e os pés de vermelho, e não acredito que seus contemporâneos se escandalizassem, tal como acontece hoje em casos semelhantes. Essas figuras não eram representadas apenas no sentido objetivo, mas também no sentido espiritual. Por isso, asseguro que por meio do tema podemos chegar ao interesse plástico, de como foi executado tal ou qual fragmento do quadro, chegando a abstrair o que representa. Mas, acima de tudo, é necessário interessar ao público. Agora, como em geral o público não tem educação plástica, em princípio só se interessará se o quadro lhe disser alguma coisa extra-artística, para, pouco a pouco, entrar no terreno plástico.
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Além do aspecto coletivo, que para mim é o mais importante, acredito que por esse meio pode-se chegar à educação puramente estética, pois o observador vai diretamente ao quadro, sem necessidade de explicações. Pelo contrário, quando nos museus ou exposições deseja-se colocar à força na cabeça do público tais ou quais formas, com razões um tanto abstratas, não se chega a nenhum resultado, formando na maioria das vezes uma infinidade de esnobes com esse método. É necessário que o artista dê uma oportunidade para que o público venha ao seu quadro e não dê explicações verbais sobre esta ou aquela cor. Tudo o que se produz irá de acordo com a intenção que se tiver. Por exemplo: se eu fizer algo que se dirige ao povo, cedo ou tarde irá ao povo. Se o povo agora não está capacitado, estará amanhã. Se eu fizer uma coisa sem intenção, cairá no vazio. Geralmente se diz que o mundo está cheio de boas intenções, mas é preciso saber que direção dar a essas boas intenções. De acordo com nossa capacidade de discernimento, encaminharemos nossas ações e obteremos o resultado desejado. Nesse sentido, existe uma só verdade, do contrário eu pagaria uma dívida de mil pesos com um peso, dizendo: minha intenção é que este peso valha mil. Todas as coisas no mundo, até as mais abstratas, têm um peso e uma medida; o importante é encontrar o peso e as medidas adequadas. Se um artista que fizer uma obra de arte tiver intenção de dirigir-se às massas, ainda que o faça de maneira complicada, um dia será compreendido. Não há dúvida de que se alguém nos quisesse dizer que um círculo que pintou em uma tela representa um menino chorando, esse artista corresponde a um mundo que quer falar de uma praça pública; o máximo que poderíamos dizer seria: tem boa intenção, mas é um incapaz ou, pior ainda, um mentiroso. Plasticamente, há liberdade para as expressões mais diversas. Quando alguém deseja representar um menino chorando, há mil maneiras de fazê-lo. Da mesma forma como quando se diz alguma coisa: essa coisa pode ser dita em voz grave ou aguda, alta ou baixa, não importa. O que importa é o que foi dito.
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É um limite bastante elástico. Tudo tem um princípio e um fim, mas esse princípio e esse fim transformam-se imensamente dentro de uma lógica para não cair no caos, gerando um jogo perigoso. Como quando se diz que não vale a pena modificar a situação dos que estão morrendo de fome, esses que assim falam acrescentam: sentir-se-ão infelizes fora do seu ambiente. É o argumento dos que detestam qualquer mudança. Acredito que ficou bem claro que um quadro deve possuir, acima de tudo, um valor intrínseco, isto é, um valor artístico. Muitos acharão absurdo pedir mais que isso a um quadro. Um artista debate-se por toda a sua vida com seus problemas artísticos e não é justo que se lhe peça mais, já que o tema só serve para desviá-lo do seu caminho. Bem sei que esse é o problema fundamental para um artista, mas quando se pinta, sempre se representa algo fora da questão plástica. Todos os pintores sabem que não é o tema o que conta. Por isso mesmo, não é demais pedir ao pintor que incorpore esse detalhe ao qual dedica tão pouca importância a seu quadro, já que é algo extraplástico. Para o bem dos que lutam e sofrem na vida, em todos os seus matizes. Estou seguro de que esse ato só pode beneficiar a obra de arte, porque a ela será somada alguma coisa útil. Os temas de Goya, por exemplo, são verdadeiros gritos, são de uma visibilidade incrível e, entretanto, o valor plástico permanece. Sem ser, em absoluto, plasticamente inferior em relação a tudo que de melhor tem sido feito na pintura abstrata. Não vejo razão na necessidade de abstenção intransigente do tema. Principalmente hoje, que se pode aproveitar toda a experiência plástica, ficando o artista com uma liberdade absoluta, como um menino de quatro anos que tivesse um quadro de mil metros por mil para se divertir. Todo artista que meditar sobre os acontecimentos que perturbam o mundo chegará à conclusão de que fazendo seu quadro mais “legível”, sua arte, em vez de perder, ganhará. E ganhará muito, porque receberá o estímulo do povo. Sei que os artistas que se fecham em si mesmos são aqueles que mais sofrem, mas, infelizmente, esse sofrimento não conduz a nada e não beneficia a ninguém.
64
Há quem acredite que somente com uma cor poderá expressar em um quadro uma tragédia ou uma alegria. Eu também acredito nisso, mas são emoções de pequeno alcance, que só alguns privilegiados poderão sentir. Ao passo que esse artista, que somente com uma cor foi capaz de produzir tal sentimento, poderia ampliar sua força e dirigir-se às massas. São esses casos que nos obrigam a classificar a sensibilidade em duas categorias: artística e coletiva. Todos os artistas possuem altas doses de ambas. Por mil circunstâncias, em vários artistas uma delas supera e embota a outra. Os pintores que desejam fazer arte social e amantes da beleza da pintura em si mesma são aqueles que não esquecem que estão neste mundo cheio de injustiças para formar filas ao lado do povo, auscultando os desejos em que este se debate. O pintor social acredita ser o intérprete do povo, o mensageiro dos seus sentimentos. É aquele que deseja a paz, a justiça e a liberdade. É aquele que acredita que os homens podem participar dos prazeres do universo. Ouvir o canto dos pássaros. Ver as águas dos rios que correm fecundando a terra. Ver o céu estrelado e respirar o ar das manhãs sem chuvas. Sem nenhum outro pensamento a não ser o de fraternidade e paz. Homens vivendo em um clima de justiça. Onde não haja crianças famintas. Onde não haja homens sem direito. Onde não haja mães chorando e velhos morrendo à intempérie.
Candido Portinari
65
Pintura que se desliga do povo não é arte
As grandes palavras de Candido Portinari
Penso que a pintura que se desliga do povo
na sabatina dos artistas plásticos O novo na
não é Arte mas sim passatempo, um jogo de co-
Arte, Ciência ou Política, causa sempre incô-
res cuja mensagem vai de epiderme a epiderme
modo aos espíritos vulgares
é de pequeno percurso. Mesmo feita com inte-
Na sabatina dos artistas plásticos realiza-
ligência e bom gosto, ela nada dirá aos nosso co-
da quarta-feira na A. B. I., à qual comparece-
ração. Uma pintura que não fala ao coração não
ram muitos dos nossos mais notáveis artistas
é arte, porque só ele a entende. Só o coração nos
modernos, Candido Portinari, o grande pintor
poderá tornar melhores e é essa a grande função
brasileiro que integra as fileiras do Partido Co-
da arte. Não conheço nenhuma grande arte que
munista, teve a oportunidade de pronunciar as
não seja intimamente ligada ao povo. As coisas
seguintes palavras:
comoventes ferem de morte o artista cuja única
Para um artista é muito difícil falar de
salvação é retransmitir a mensagem que recebe.
pintura, sobretudo em público, pois é a pin-
Eu pergunto quais as coisas comoventes
tura o seu meio de expressão e não a palavra.
neste mundo de hoje. Não são por acaso as guer-
Poussin, escrevendo, certa vez, a um amigo,
ras, as tragédias provocadas pelas injustiças, pela
se lamentava de não poder se expressar bem
desigualdade, pela fome? Haverá outras, bem
e, para se justificar, acrescentava que há mais
[xxx] mas que nos aflijam mais do que estas,
de quarenta anos fazia profissão de uma arte
duvido. Não creio que possam existir coisas que
muda. É mesmo difícil para um pintor, repito,
gritem mais alto ao nosso coração. Tais aconte-
falar de pintura quando ele tem consciência
cimentos causam sensações diferentes em cada
de que, usando outra linguagem, não poderá
um, porque nada existe exatamente igual, como
transmitir o seu pensamento.
não existe nenhum homem igual ao outro, nem
Acresce ainda que ele sabe bem o que é
fisicamente, porém há um limite de diferencia-
a pintura. Por isso é um grande sacrifício para
ção: não há homem de cinco metros como não
quem durante toda sua vida só se exprimiu por
os há de dois centímetros. Entretanto os aconte-
meio de seus quadros, vir a público e usar ou-
cimentos maiores afetam forçosamente a todos.
tro meio de expressão. Mas quando se é solici-
Há também em pintura muita maneira de
tado por companheiros que desejam conhecer
expressão. Uns pela naturalista, outros até mes-
o nosso pensamento sobre tais e tais proble-
mo por uma espécie de código, como acontece
mas, e quando acreditamos que estes debates
com o grande pintor espanhol Miró. Esses meios
podem interessar ao povo, todas essas conside-
correspondem apenas ao indivíduo; como há
rações desaparecem.
pessoas que falam baixo e outras, alto. Miró nos
67
traz uma mensagem em voz baixa. Picasso nos
o observador deve adotar diante de um quadro.
grita a sua. Ambas vindas da luta universal: a do
Para realizar uma obra de arte é preciso
último traz marcas mais profundas de tragédia. Raras vezes o tema deste é agradável, como raras vezes é agradável este mundo de injustiças.
Picasso, quando lhe perguntaram por que não foi aos campos de batalha para pintar, res-
Apesar dessa Arte não ser compreendida
pondeu que não era fotógrafo. O termo fotó-
pela maioria, ela não deixa ninguém indiferen-
grafo no caso foi empregado para designar o
te. Não deixa ninguém indiferente, porque ela
sentido naturalista.
reflete as angústias do povo que luta pelo direito
Ele mais do ninguém pôde pintar a guer-
de existência. Essa obra transborda de sentimen-
ra. Permaneceu ali e viu tudo. Sentiu o so-
to humano, ela é bem a mensagem do gênio.
frimento. Viu os homens, mulheres, velhos,
Picasso como homem soube corresponder
jovens e crianças morrendo de tudo. Estava
aos apelos do povo e por isso nunca senti tanto
sempre presente, e com o seu gênio e com a
como é verdadeira a frase: O homem é a obra.
soma de tudo o que viu e sentiu, pôde realizar
Voltando ainda aos meios que cada artista usa para responder aos apelos íntimos, que na verdade são reflexos do meio em que vive, ele se serve de um por cento do natural para realizar seu trabalho; outras vezes usa dez por cento e assim por diante. Arte não é imitação e sim representação. Falo da maneira de se exprimir e ao mesmo tempo porque, como disse Delacroix: O metier! Como se pudessem separá-lo em qualquer espécie de arte, da parte intelectual! Como se, para chegar ao espírito, pudéssemos prescindir da habilidade de execução! Um pintor [brilhante representava] uma figura onde a cabeça amarela e os pés vermelhos ou ao contrario. Fazendo isso, ele estava representando uma figura por meios plásticos e não copiando do natural. Este é o ponto de vista que
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sentir o tema e não copiar mecanicamente.
os novos Horrores da Guerra . O novo na Arte, Ciência ou Política causa sempre incômodo aos espíritos vulgares.
ObrasÂ&#x201D;
NĂşcleo I
Da Escola Nacional de Belas-Artes a Paris
70
Meu primeiro trabalho, c. 1920
71
72
< Retrato de Edith de Aguiar, 1924
Retrato de mulher, 1927
73
Retrato do poeta Olegรกrio Mariano, 1926 >
Retrato de Olegรกrio Mariano, 1925
74
75
Retrato do poeta Olegรกrio Mariano, 1926
<
Retrato de Olegรกrio Mariano, c. 1929
76
77
Palaninho, 1930
78
Manuel Bandeira 19281 [...]
Cândido Portinari é um paulista de 23 anos, que possui exce-
lentes dons de retratista. A sua técnica é larga e incisiva. Apanha
bem a semelhança e o caráter dos modelos. Já concorreu mais de
uma vez ao prêmio de viagem do Salão. Foi sempre prejudicado pelas tendências modernizantes de sua técnica. Desta vez ele fez maiores concessões ao espírito dominante na Escola, do que resul-
tou apresentar trabalhos inferiores aos dos outros anos: isso lhe valeu o prêmio .
19322
Portinari continua a afirmar-se como um dos valores mais dig-
nos de confiança da nova geração de pintores brasileiros. Tudo que
faz a nobreza de um artista – o amor da essência expressiva e da técnica de sua arte, a iniciativa de pesquisas renovadoras, a coragem de desdenhar o êxito fácil, a atração do árduo e do difícil, a capacidade de trabalho – garantem em Portinari a personalidade
e a força de uma arte que vai amadurecendo em linhas harmoniosíssimas. [...]
Esses atributos de sóbria expressão, de ardência afetiva e não
1 .“Um rapaz de 23 anos”, in: Andorinha, andorinha. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.
que ocupa o lugar de honra da exposição do Palace Hotel. É já um
2. Na XXXV Exposição Geral de Belas-Artes, Portinari apresenta doze obras e ganha o Prêmio de viagem com o Retrato de Olegário Mariano (1928).
preconceito de escola, sem nenhuma literatura, nenhum pedantis-
“A exposição de Portinari”, in: O Globo, Rio de Janeiro, 1932.
puramente sensual, de ternura extrema [...], atingiram o mais alto
grau, na obra atual do artista, no grande retrato de Maria Portinari, trabalho magistral, livre de qualquer influência, acima de qualquer
79
mo. Nele Portinari rematou em qualquer coisa de definitivo a série
de estudos tão interessantes que vem nos últimos anos executan-
do sobre o mesmo caro modelo, alguns dos quais, e dos melhores, figuram nesta exposição. [...]
Embora o retrato seja a parte mais forte e mais considerável da
obra de Portinari, há muito que salientar nas suas paisagens, não só
as que foram trabalhadas d’après nature, como e sobretudo naque-
las que tirou do subconsciente, reminiscências de subúrbios (vistos onde? quando?), de Brodósqui sua terra natal, da Itália que lhe veio
no sangue... Uma das mais comoventes é sem dúvida a que forma o fundo da Ronda infantil. A esse respeito pode-se dizer que é um
filão riquíssimo e apenas tocado na obra de Portinari. Daí pode sair uma obra-prima: Brodósqui. Os naturais de Brodósqui e todos nós ficamos esperando pela obra-prima .
19333
[...]
Portinari é, por excelência, um retratista. Mesmo quando faz
paisagem, ele nos dá esse elemento de compreensão em profun-
didade que há em suas figuras: nunca é só o pitoresco das formas e das cores que constitui o quadro. Assim na sólida paisagem de
Paquetá, tão real e no entanto de uma emoção tão vizinha das ver3. Em agosto de 1932, Portinari realiza uma exposição individual no Palace Hotel, do Rio de Janeiro. Integrada por mais de sessenta obras, a mostra apresenta, pela primeira vez, quadros de temática brasileira, impregnados de lirismo e ingenuidade, dentre os quais Ronda infantil (1932). 4. “Florentino quase caipira”, in: Andorinha, andorinha, op. cit.
80
dades plásticas do surréalisme.
E o homem de Brodósqui não se esqueceu de Brodósqui. Há
nesta galeria admirável do Palace Hotel um grande quadro a óleo e várias aquarelas inspirados em aspectos e cenas da pequena ci-
dade paulista. São das melhores coisas que já compôs Portinari e
dir-se-ia que o pintor esperava a maturação de todos os seus recursos para encetar a transposição plástica de suas reminiscências de infância. [...]
Assim, quer pela seriedade de suas intenções, quer pela soli-
dez da composição e rica versatilidade de seus meios expressivos, Cândido Portinari assinalou-se nesta sua última exposição como a
personalidade mais completa e mais harmoniosa da nossa pintura atual6 .
5. Em julho de 1933, Portinari realiza uma nova exposição individual no Palace Hotel. Apresenta cerca de cinquenta obras entre telas, desenhos e aquarelas.
81
NĂşcleo II
Um modelo constante
Retrato de Maria,c. 1932 >
Retrato de Maria,c. 1931
83
84
Retrato de Maria, c. 1932
85
< Retrato de Maria,c. 1934
Retrato de Maria, 1932
86
87
Retrato de Maria, 1941
88
Mário Pedrosa 1934 [...]
Portinari começou pagando tributo à sua terra, Brodósqui. Pri-
meiro contato com a natureza, os homens etc. Esse primitivismo sentimental marcou-lhe o início da obra. Seus primeiros quadros
tratam das crianças de seu tempo, que espalhou pela vastidão da
terra nova. Os temas são ingênuos: crianças atrás do palhaço, cir-
co de cavalinhos, cemitério pequenino no fundo, parecendo horta. Nesta vastidão marrom salpicada de claro-escuro e acidentes de
luz, ninguém distingue ninguém. As reminiscências infantis satisfeitas, o artista emigrou para a cidade, onde começou a ver, com maior curiosidade, gente trepada pelos morros suburbanos.
Então, a gente já se individualiza mais, o sensualismo se intu-
mesce. Acentua-se o realismo, e a plasticidade das formas começa a surgir. A vida é mais trepidante, mas a concepção geral do mundo ainda é quase a mesma: é idealista, é puramente visual. O mundo
material, é verdade, alargou-se, mas aquela superfície escura dominante, a pastosidade satisfeita das tintas, o mesmo processo de
claro-escuro, a transparência das cores ainda simbolizam a mesma
contemplatividade sentimental e apriorística da era brodosquiana. [...]
Portinari quer chegar a apreender a densidade dos corpos e dos
objetos. A tinta, a cor já não são apenas um meio de efeito exterior sensorial, à cata de estados de alma correspondentes, convencio-
nais. Esses elementos têm suas exigências próprias, a que é preciso dar expressão. Para consegui-lo o seu traço complica-se, encurva-se
como querendo apalpar, enlaçar a matéria. A fatura liberta-se das
“Impressões de Portinari”, in: Diário da Noite, São Paulo, 7 dez. 1934.
89
convenções e delicadezas do quadro de cavalete. O modelado toma
uma concretização brutal, e passa ao primeiro plano (Café, 15 – Índia e mulata, 16 – O operário, 14 – Mestiço, 12 – Preto da enxada, 11).
O pintor procura a expressão concreta da matéria em todas as
suas manifestações (matéria animada e inanimada). Visa a unida-
de total da matéria e da composição. Unir os corpos e os objetos, o homem e a natureza, na mesma trama material. Descobrir a passagem de um corpo a outro, de um objeto a outro. Revelar a misteriosa zona de atração entre os corpos e as coisas. [...]
Que ele não é, no fundo de sua personalidade, o vulgar retratis-
ta a que o querem reduzir (e que o sucesso do seu métier nesse gê-
nero poderia confirmar) demonstra-o esse desrespeito pelo quadro, característico de toda esta fase final. A composição não respeita a
unidade abstrata, e desconhece que existe um “fundo de quadro”,
que é preciso considerar. Mestiço (12) não passaria de um retrato, se Portinari quisesse restringir-se aos limites estéticos do cavalete, mas ele é solicitado agora, não pela figura de um mestiço, mas pela realidade social e material da vida do mestiço, representada pelos planos de fundo.
Suas figuras projetam-se brutalmente para fora, enquanto o
fundo do quadro se enche de amplidão, perspectivas, horizontes, uma vida intensa de planos e cores, significando a natureza, na sua expressão concreta e social, a terra e o trabalho. É o que há de mais contrário à técnica e estética do retrato. [...]
Portinari está diante, talvez, dum impasse. Mas pode ser que
seja também diante do futuro. Com o afresco e a pintura mural moEm dezembro de 1934, Portinari realiza sua primeira exposição em São Paulo, sob o patrocínio de dona Renata Crespi, esposa do prefeito Fábio da Silva Prado. Nessa oportunidade, a tela Mestiço (1934) é adquirida pela Pinacoteca do Estado de São Paulo.
90
derna, a pintura marcha no sentido do curso histórico, isto é, para sua reintegração na grande arte totalitária, hierarquizada pela ar-
quitetura, da sociedade socialista em gestação. Portinari já sente a força desta atração. Como se deu com Rivera, com a escola me-
xicana atual, aliás – a matéria social o espreita. A condição de sua genialidade está ali. [...] .
1942
[...]
Portinari não chegou ao afresco por um simples incidente ex-
terior, como se poderia pensar. Não foi o conhecimento dos murais
de Rivera ou de seus êmulos do México que provocou no pintor
brasileiro a ideia ou a vontade de fazer também pintura mural. [...] Pela própria evolução interior de sua arte se pode ver que foi por
assim dizer organicamente, à medida que os problemas de técnica e de estética iam amadurecendo nele, que Portinari chegou dian-
te do problema do mural. Foi como problema estético interior que ele pela primeira vez o abordou. Depois das figuras monumentais
isoladas e do segundo Café, a experiência com o afresco se impunha naturalmente, como o próximo passo. A possante figura em
têmpera – a Colona – feita em 1935 com o Café, de que é um detalhe, mostra que o que Portinari queria era o plástico monumental. [...]
Recenseando as “indústrias brasileiras”, os afrescos do Minis-
tério da Educação têm o que Mário de Andrade chamou de “fun-
cionalidade nacional”. Mas nunca se prendem literalmente aos
assuntos de cada painel nem visam a demonstrar coisa alguma. No fundo, Portinari nunca viu nesses afrescos apenas uma realidade a exprimir, mas antes talvez a interpretar. É o que se pode de-
duzir, por exemplo, do antinaturalismo da iluminação de muitos
desses murais, do critério puramente estrutural da distribuição de luz como em certos detalhes do grupo Algodão, em que as figuras
do primeiro plano são iluminadas por um cisma simetricamente oposto e arbitrário. [...]
Nos afrescos de Portinari esteve sempre presente, ao lado e
acima da realidade, a finalidade plástica. Ele foge sempre – mesmo quando faz as maiores concessões ao elemento da realidade ou
didático, ao qual chama de ilustração. No entanto, o seu realismo é profundo e orgânico; eco talvez de suas origens campesinas. [...]
Portinari tende a buscar, e buscará sempre, constantemente, uma
“Portinari – De Brodósqui aos murais de Washington”, in: Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília. São Paulo: Perspectiva, 1981. O artigo é redigido por Pedrosa em Washington, em fevereiro de 1942, para o Boletim da União Panamericana.
91
síntese fugidia, dramática na sua precariedade, entre o plástico e o abstrato, entre o puro pictórico e a vida. Esse dualismo deu o drama à sua obra anterior. Dá à obra atual. E continuará a dar à sua obra futura. [...]
As paredes da Fundação Hispânica na Biblioteca do Congresso
vieram dar a Portinari o ensejo para realizações ainda mais audaciosas em matéria de pintura mural. São painéis feitos em têmpe-
ra, a seco, apenas cal e areia. O artista, fora de seu país, fora do ambiente natal familiar, sentiu-se menos enraizado, mais livre para
entregar-se, sem nenhum empecilho, de nenhuma ordem, ao demônio de sua virtuosidade, de seus mais recônditos impulsos, de
sua inspiração. Jamais, e isso se depreende logo à primeira vista, em nenhum outro momento de suas realizações murais, se sentiu
ele mais livre, mais desimpedido, mais disposto a fazer as ginásticas técnicas mais perigosas e as deformações mais violentas. Estas
foram composições executadas sob um profundo sentimento interior de liberdade. [...]
Por processos afastados de qualquer receita, ele tende ao que
se poderia chamar de desmitologização de seus ícones, de suas
imagens, de suas paisagens, numa fuga às contingências externas, de meio e de tempo, nacionais ou não, e come os dedos de seus pretos, desconcretiza as formas de seus seres, intensifica a oposição
violenta dos contrastes, multiplica os sinais geométricos numa ânsia de abstração, junta sem passagem cores irreconciliáveis, destrói
perspectivas e funde planos, mesmo com prejuízo do equilíbrio da
composição ou da representação imediata, tudo em troca de um aceno de universalidade. Ele desgeografiza o seu mundo e os seus
símbolos, não hesitando em perturbar a harmonia primária para, por uma sucessão de acordes dissonantes, atingir a uma harmonia mais transcendente e silenciosa. [...] .
92
NĂşcleo IV
Os projetos monumentais
Lenhadores, c. 1937
94
I- Ministério da educação e saúde pública - Rio de Janeiro
Mão, 1937
I- Ministério da educação e saúde pública - Rio de Janeiro
95
Pé, 1937
96
I- Ministério da educação e saúde pública - Rio de Janeiro
Descobrimento, 1941
II- Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso, Washington
97
Descobrimento, 1941
98
II- Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso, Washington
Descobrimento, 1941
III- Igreja de SĂŁo Francisco de Assis da Pampulha â&#x20AC;&#x201C; BH
99
Descobrimento, 1941
100
III- Igreja de SĂŁo Francisco de Assis da Pampulha â&#x20AC;&#x201C; BH
Núcleo V
Experiências com abstração
101
Abstrato, 1939
102
Abstrato, 1939
103
Retrato de Maria, c. 1932
104
Bibliografia Selecionada
105
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107
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Janeiro: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
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(Dissertação de Mestrado). Mari, Marcelo, Estética e política em Mário Pedrosa (1930-50). São Paulo: Faculdade de Filo-
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Florianópolis: Centro de Filosofia e Ciências
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seu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand,
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1977. Portinari: estudos para os painéis do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1979.
109
English version
110
I
Da formação acadêmica ao antinaturalismo
via gerado visões diferenciadas. Os sete retratos, dentre os quais os de Manoel Santiago (1923), Roberto Rodrigues (1924) e Antônio Grellet
Portinari ocupa um lugar à parte no
(1924), são considerados pelo Rio-Jornal “distan-
meio artístico brasileiro. Dotado de uma es-
ciados da perfeição relativa”. Ao mesmo tempo
quisita personalidade, as suas próprias incer-
em que elogia o “colorido limpo e vibrante”, o
tezas refletem os rasgos de um temperamen-
jornal não deixa de apontar um “defeito” a ser
to rebelde, tentando descortinar horizontes
corrigido: “o pouco caráter” que o artista “im-
mais largos. [...] A sua maneira nervosa, su-
prime aos seus modelos”2. Bem outro é o teor
bordinada muita vez a traços largos, vigo-
da crítica de Galabert de Simas, que destaca os
rosos, constituiu algo de novo para o meio
aspectos originais de uma linguagem ainda em
onde cada pintor faz mais de uma uniformi-
gestação:
dade lastimável1. Equilíbrio, clareza, intuição e elegância
As palavras com as quais o Jornal do Brasil
são os melhores elementos com que Portina-
saúda a participação de Cândido Portinari no
ri já se faz admirar na originalidade dos seus
iii Salão da Primavera (maio de 1925) apanham,
trabalhos.
de maneira certeira, os aspectos principais de
Na medida e no senso dos seus processos
um dos retratos apresentados na mostra, em que
corre uma centelha de talento que lhe marca
o jovem artista lança mão simultaneamente de
um lugar próprio entre as maiores esperanças
aspectos tradicionais do gênero e de algumas
da moderna pintura brasileira3.
novidades. Se o Retrato de Mario Tullio (1925) responde à representação tradicional do artista
Ao participar da xxxiii Exposição Geral de
captado no ato de pintar, há nele alguns traços
Belas-Artes (agosto de 1926) com dois retratos,
novos: o uso de pinceladas fortes e, sobretudo,
Portinari chama a atenção do professor Carlos
a atenção dedicada à definição das feições do
Flexa Ribeiro, que destaca as qualidades fun-
rosto, no qual é nítida a vontade de Portinari de
damentais de seu estilo: “elegância do dese-
fornecer um flagrante psicológico do modelo.
nho” e “romantismo de outras eras”. Portinari
A avaliação do Jornal do Brasil não é, con-
afigura-se ao crítico como “um jovem que ficou
tudo, partilhada pela crítica carioca como um
à margem da evolução pictural”, como “um tra-
todo. A participação do artista na xxxi Exposi-
dicionalista”, cuja fatura “recebeu o influxo de
ção Geral de Belas-Artes (agosto de 1924), ha-
certas modalidades da pintura moderna, onde
111
também aquele sentimento predomina”. É por
f. 3) aponta numa direção contrária. Lançando
isso que Ignacio Zuloaga, “mestre que sempre
mão de uma pincelada larga e determinada,
se conservou estranho às correntes que revolu-
Portinari constrói um rosto expressivo, no qual
cionam a arte desde o Impressionismo”, con-
o vermelho dos lábios forma um contraste har-
figura-se como parâmetro para um pintor que
monioso com o preto dos cabelos e dos olhos.
demonstra ser capaz de assimilar com facilidade
Ao tom claro do rosto corresponde o ocre do
“as expressões dominantes” de certos artistas4.
casaco vestido pela jovem, tratado como uma
O Retrato de Olegário Mariano (1928), com o qual Portinari ganha o Prêmio de Viagem da
O conjunto de desenhos e quadros dedi-
xxxv Exposição Geral de Belas-Artes (agosto de
cados a Olegário Mariano entre 1925 e 1929
1928), desperta avaliações dicotômicas. Enquan-
traz igualmente a marca desse duplo registro.
to Celso Kelly o considera “um modelo de ele-
Se, no desenho datado de 1925 (f. 4), o poeta
gância e finura”, destacando “a expressão bem
estava sob o signo de Ingres, em sua represen-
sentida de espiritualidade” da cabeça, Manuel
tação quase de corpo inteiro (1926, f. 5), os mo-
Bandeira, mesmo elogiando a técnica “larga e
delos são outros: os retratos de Théodore Duret
incisiva” do retratista, não hesita em falar em
e Antonin Proust, realizados por Édouard Ma-
“concessões ao espírito dominante na Escola”,
net em 1868 e 1880, respectivamente, e os r Ja-
que teriam resultado no prêmio .
mes Whistler, John Singer Sargent e Giovanni
5
112
grande massa cromática.
Essas avaliações tão díspares de um estilo
Boldini6. Enquanto no desenho o modelo ga-
em formação têm sua razão de ser, não poden-
nha um aspecto intemporal, na tela de 1926 o
do ser atribuídas simplesmente a idiossincrasias
centro de interesse está numa visão altamente
pessoais deste ou daquele crítico. Portinari, que
contemporânea, haja vista o destaque dado ao
tinha no retrato o vetor principal de sua produ-
traje do poeta e a seu penteado. Intemporais
ção, era um artista de orientação eclética, que
também e marcados por uma concepção sinté-
ora dialogava com os exemplos clássicos do gê-
tica do rosto do modelo, são as representações
nero, ora fazia algumas incursões por experiên-
dedicadas a Olegário Mariano em 1926, 1927 e
cias mais modernas. O Retrato de Edith Aguiar
1929. O desenho de 1926 parece servir de mol-
(1924, f. 2) parece ser fruto do diálogo com Je-
de aos óleos de 1927 e 1929, nos quais o poeta é
an-Auguste-Dominique Ingres não só pelo de-
captado com uma pincelada mais enxuta, em-
senho incisivo, mas igualmente pela primazia
bora não isenta de certa densidade matérica,
conferida à forma em detrimento da captação da
como no caso da obra que integra o acervo da
psicologia do modelo. Retrato de mulher (1927,
Academia Brasileira de Letras (f. 6).
Comparado com essas representações sin-
1920, f. 1) e Meu segundo trabalho (c. 1920) – e
téticas e atentas a uma definição psicológica
em muitos estudos do corpo humano, trabalhos
do modelo, o quadro com o qual Portinari ob-
como Baile na roça e algumas paisagens data-
tém o Prêmio de viagem é, sem dúvida, uma
das de 1927 dão mostras de que o jovem pintor
solução de compromisso. O modelo não só é
ensaiava outras possibilidades de linguagem. Os
idealizado, como há uma discrepância entre
traços mais soltos de Baile na roça, que evoca o
o tratamento do rosto, baseado num jogo de
impressionismo em termos cromáticos e no as-
planos e luzes, e a caracterização sumária e
pecto casual conferido à cena, estão igualmente
chapada do fardão, em consonância com a ra-
presentes em obras como Praia de Ipanema, Pe-
refação da pincelada do fundo, dominado por
dra da Gávea e Marinha, nas quais Portinari usa
tons amarelos e dourados. O caráter oficial do
pinceladas largas e incisivas, denotando a busca
quadro não reside apenas numa representação
de uma composição sintética, em sintonia com
que enfatiza o traje cerimonial, mas também
alguns aspectos da pintura moderna.
na presença do brasão da família do retratado: a pernambucana Carneiro da Cunha.
A presença da paisagem na primeira produção portinariana não responde apenas a um
Se bem que dominante, o retrato não é
roteiro clássico de formação. Ela vem carregada
o único gênero ao qual Portinari se dedica no
de uma intencionalidade precisa, uma vez que
momento de sua formação na Escola Nacional
o pintor estava interessado na definição de uma
de Belas-Artes, na qual ingressa como aluno li-
arte nacional como consequência de uma rela-
vre em 1920, tendo como professor Lucílio de
ção empática com o próprio entorno. Em várias
Albuquerque. Aprovado no concurso para a
entrevistas, o artista aborda a problemática da
classe de pintura (1921), estuda com Rodolfo
paisagem, auspiciando o surgimento de “uma
Amoedo, Rodolfo Chambelland e João Batista
escola de cores clara, vigorosa, vibrante, lumi-
da Costa . Estudos de figuras humanas, cenas
nosa”8. A questão da paisagem tem um desdo-
mitológicas, lembranças da cidade natal (Bai-
bramento em alguns retratos (Retrato de Paulo
le na roça, 1924; Casinha de Brodowski, 1927),
Gagarin, 1924; Retrato do pintor Roberto Rodri-
paisagens, alguns nus e uma representação de
gues, 1926; Retrato de Celso Kelly, 1926; Retrato
Santa Cecília (c. 1925) integram a produção
de Jorge de Castro, 1929), nos quais Portinari co-
do Portinari estudante, claramente à procura
loca em prática os ensinamentos de Zuloaga, o
da definição de uma linguagem própria. Se os
pintor mais apreciado por ele naquele momen-
códigos acadêmicos repontam em suas obras
to. É muito enfático a esse respeito numa entre-
pictóricas iniciais – Meu primeiro trabalho (c.
vista concedida em 1926:
7
113
va no futuro. Prefiro regressar da Europa sem Tem a paisagem íntima relação com o
nenhuma bagagem volumosa, aparentando
retrato, de que é elemento essencial. Zuloaga,
ao julgamento alheio nada ter feito, mas com
o grande pintor espanhol, o maior pincel do
um cabedal profundo de observações e pes-
mundo, reproduz, continuamente em suas te-
quisas11.
las de figura trechos regionais, onde faz viver a alma da Espanha. Aqui, em que o sol é vibran-
A temporada europeia demonstra que
te e as cores são de belíssima intensidade, o
Portinari segue à risca o programa traçado no
fator paisagem seria primoroso em qualquer
Brasil. Embora radicado em Paris, decide não
9
retrato .
frequentar a Académie Julian, como era de praxe entre os estudantes da Escola Nacional
È este artista que estava ensaiando configu-
de Belas-Artes. Se as visitas ao Museu do Lou-
rar uma linguagem própria, descrente de “esco-
vre lhe permitem confirmar sua crença nos
las” e de “individualidades uniformes”, defensor
“antigos”, é, porém, na National Gallery de
do classicismo “como uma gramática, para os
Londres que ocorre o encontro determinante
que querem bem escrever”, como “o elemento
com Paolo Veronese. A visão da obra do ar-
de ordem, a norma constante para as revoluções
tista veneziano desperta nele uma nova ideia
estéticas” , que embarca em junho de 1929 para
de pintura. Decide ser “um pintor de todos os
a Europa. Leva em sua bagagem uma determi-
gêneros”, autor de “grandes telas, com muitas
nação: não fazer da estadia na Europa o pretexto
figuras agrupadas em enormes composições,
10
com estruturas variadas”, e não apenas um
114
para uma produção intensa e quase nada
retratista12. Viagens pela França, Inglaterra,
meditada como têm feito alguns colegas...
Espanha e Itália são igualmente determinan-
[...] O que vou fazer é observar, pesquisar, ti-
tes para o jovem pintor, que não só confirma
rar da obra dos grandes artistas – do passado,
o primeiro interesse por Sandro Botticelli e
nos museus, ou do presente, nas galerias – os
Diego Velázquez, como descobre os exem-
elementos que melhor se prestem à afirmação
plos de Giotto, Masaccio, Piero della Fran-
de uma personalidade. Procurarei encontrar
cesca, Luca Signorelli, Fra’ Angelico, Andrea
o caminho definitivo da minha arte fazendo
del Castagno, Michelangelo, Leonardo, El
estudos e nunca quadros grandes, que estes
Greco e Francisco de Goya. Esse contato, que
roubam ao artista um tempo precioso sem um
lhe permitirá constituir uma visualidade ba-
resultado duradouro e sem influência definiti-
seada, em grande parte, nos valores táteis do
Renascimento italiano, leva-o a distanciar-se
ção de uma consciência nacional, simbolizada
de Zuloaga. Outros artistas modernos desper-
pela figura de Almeida Jr.; tomada de posição
tam seu interesse: Amedeo Modigliani, Henri
contra a arte estrangeira e o espírito excessiva-
Matisse, Pablo Picasso e, sobretudo, Felice
mente crítico da nova geração de artistas e inte-
Carena, que “produziu a maior emoção de
lectuais brasileiros; defesa do tema e repúdio da
toda a viagem” .
“pintura ignorante”, preocupada tão somente
13
Embora participe com um retrato e uma
com qualidades estritamente plásticas. A ideia
natureza-morta da Exposition d’Art Brésilien
de uma arte nacional alicerça-se não em gran-
(Paris, 1930), sua produção pictórica é escassa.
des sínteses, mas na representação dos tipos re-
Regressa ao Brasil com três naturezas-mortas,
gionais, que seriam “humanos e universais”, por
dois nus, um autorretrato, um retrato e três
terem “alma brasileira”.
desenhos, dentre os quais Palaninho (1930, f.
Embora Paul Cézanne não seja citado entre
8). A figura de um habitante de Brodósqui,
os artistas modernos que despertam o interesse
desenhada de maneira sintética e nervosa, na
de Portinari, as três naturezas-mortas pintadas
qual Plínio Salgado detecta o “caboclo ítalo-
em Paris, trazem a marca de um intenso diálo-
-bugre, ariano-etíope, cafuzo com sangue da
go com ele. Assim como no pintor francês16, as
Lombardia, mameluco de todas as raças das
naturezas-mortas de 1930 são, ao mesmo tempo,
zonas rurais de S. Paulo” e, até mesmo, um
construtivas e sintéticas. Caracterizadas quase
“retrato” do próprio Portinari, “um caboclo
sempre por uma iluminação difusa, que se soma
de Brodósqui, da zona cafeeira de Ribeirão
à luz que emana da matéria pictórica, tais obras
Preto”14, está associada a um momento críti-
podem ser consideradas exemplos evidentes do
co da temporada parisiense. Palaninho é um
encaminhamento de Portinari para a busca de
emblema não só da cidade natal, descoberta
uma composição baseada na essencialidade e no
à distância, mas igualmente do Brasil, desper-
rigor geométrico.
tando no artista a determinação de “fazer a minha terra”, “a minha gente” . 15
Nu feminino (1929) e Nu (1930, f. 7), por sua vez, parecem atestar seu diálogo com Ca-
Essa determinação será reafirmada na en-
rena, que, naquele momento, se distinguia por
trevista concedida a Plínio Salgado em 30 de
uma composição sintética e volumétrica, ins-
agosto de 1930. Nela, o pintor estabelece um
pirada, em parte, no classicismo. A função que
verdadeiro programa de ação, articulado em
este atribuía à luz – estruturar a figura e plasmar
volta de alguns eixos: concepção da arte como
a matéria cromática para conseguir um efeito
um agente de transformação social e de cria-
de tranquilidade e sobriedade – está presente
115
Lista de obras
116
Meu primeiro trabalho, c. 1920 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção particular Private collection Retrato de Edith de Aguiar, 1924 Carvão sobre papel cinza Charcoal on gray paper Coleção Collection José Oswaldo de Paula Santos Retrato de mulher, 1927 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção particular Private collection Retrato de Olegário Mariano, 1925 Grafite sobre papel Lead pencil on paper Coleção Collection Alexandre de Medicis Retrato do poeta Olegário Mariano, 1926 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção Collection James A. Lisboa Retrato de Olegário Mariano, c. 1929 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção Collection Academia Brasileira de Letras Nu, 1930 Óleo sobre madeira Oil on wood Coleção particular Private collection Palaninho, 1930 Grafite sobre papel Lead pencil on paper Coleção particular Private collection Retrato de Maria, 1931 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção particular Private collection Retrato de Maria, 1932 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção Collection Museu Nacional de Belas Artes / IBRAM / MinC
Retrato de Maria, c. 1932 Óleo e nanquim pincel sobre tela Oil and India ink brush on canvas Coleção particular Private collection Retrato de Maria, c. 1934 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção Collection Anna Helena e Aluizio Rebello de Araujo Retrato de Maria, c. 1934 Têmpera sobre tela Tempera on canvas Coleção Collection Ilde Maksoud Retrato de Maria, c. 1941 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção Collection Bia Vidigal Ronda infantil, 1932 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção particular Private collection Crianças brincando, 1940 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção particular Private collection Praça de Brodowski, 1939 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção Collection Museu Nacional de Belas Artes / IBRAM / MinC Paisagem de Brodowski, 1940 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção Collection Gilberto Chateaubriand / MAM-RJ Sapateiro, 1941 Maquete para Sapateiro de Brodowski Small-scale sketch for Guache e grafite sobre cartão Gouache and lead pencil on cardboard Coleção particular Private collection Sapateiro de Brodowski, 1941
117
Têmpera sobre tela Tempera on canvas Coleção Collection Museus Castro Maya IBRAM / MinC Estivador, 1933 Nanquim pincel e grafite sobre papel India ink brush and lead pencil on paper Coleção particular Private collection Estivador, 1933 Nanquim pincel e grafite sobre papel India ink brush and lead pencil on paper Coleção Collection Antonio Gabriel de Paula Fonseca Estivador, c. 1934 Óleo sobre madeira Oil on wood Coleção particular Private collection Preto da enxada, 1934 Estudo para a pintura Lavrador de café Study for the painting Nanquim pincel e nanquim bico-de-pena sobre papel India ink brush and India ink pen on paper Coleção particular Private collection Cabeça de mulato, 1934 Crayon sobre papel Crayon on paper Coleção particular Private collection Colonos carregando café, c. 1935 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção Collection Michael Perlman Domingo no morro, 1935 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção particular Private collection Mestiço, 1934 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção Collection Pinacoteca do Estado de São Paulo, aquisição Governo do Estado de São Paulo, 1935
118
Marias, 1936 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção particular Private collection Retirantes, 1936 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção Collection Mário de Andrade Coleção de Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros USP Mulher e crianças, 1940 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção Collection Orandi Momesso Mulher e crianças, 1940 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção particular Private collection Mulher com crianças, 1940 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção particular Private collection As moças de Arcozelo, 1940 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção Collection Marcos Ribeiro Simon Menino morto, 1944 Estudo para o painel Criança morta Study for the panel Óleo sobre papel Oil on paper Coleção particular Private collection Criança morta, 1944 Óleo sobre tela Oil on canvas Coleção Collection MASP, Museu de Arte de São Paulo, Assis Chateaubriand Lenhadores, c. 1937 Estudo para a pintura mural Pau-brasil Study for the mural painting Carvão sobre papel Charcoal on paper Coleção Collection Pinacoteca do Estado de São Paulo, aquisição Governo do Estado de São Paulo, 1978
Mão, 1937 Estudo para a pintura mural Cana Study for the mural painting Carvão sobre papel Charcoal on paper Coleção Collection Financiadora de Estudos e Projetos
Fumo, 1938 Maquete para a pintura mural Fumo Small-scale sketch for the mural painting Guache e grafite sobre papel Gouache and lead pencil on paper Coleção Collection Bradesco de Arte Brasileira
Pé, 1937 Estudo para a pintura mural Cana Study for the mural painting Carvão sobre papel Charcoal on paper Coleção Collection Randolfo Rocha
Trabalhador bebendo água, 1937 Estudo para a pintura mural Fumo Study for the mural painting Carvão sobre papel Charcoal on paper Coleção Collection Pinacoteca do Estado de São Paulo, aquisição Governo do Estado de São Paulo, 1978
Trabalhador, 1938 Fragmento de desenho para transporte Cana Fragment of the cartoon Carvão sobre papel kraft Charcoal on kraft paper Coleção Collection Randolfo Rocha Cana, 1938 Maquete para Cana Small-scale sketch for Guache e grafite sobre papel Gouache and lead pencil on paper Coleção Collection Bradesco de Arte Brasileira Garimpeiros, 1937 Maquete para a pintura mural Garimpo Small-scale sketch for the mural painting Têmpera sobre madeira aglomerada Tempera on chipboard Coleção Collection MAC-USP Garimpeiro, 1938 Fragmento do desenho para transporte Garimpo Fragment of the cartoon Carvão sobre papel kraft Charcoal on kraft paper Coleção Collection Museu de Arte Brasileira da FAAP
Algodão, 1938 Fragmento do desenho para transporte Algodão Fragment of the cartoon Carvão sobre papel kraft Charcoal on kraft paper Coleção Collection Nadia e Olavo Setúbal Júnior Capataz, 1938 Fragmento do desenho para transporte Ervamate Fragment of the cartoon Carvão sobre papel kraft Charcoal on kraft paper Coleção Collection Museu de Arte Brasileira da FAAP Erva-mate, 1938 Estudo para a pintura mural Erva-mate Study for the mural painting Crayon e carvão sobre papel vegetal Crayon and charcoal on tracing paper Coleção Collection Max Perlingeiro Capataz em cafezal, 1938 Fragmento do desenho para transporte Café Fragment of the cartoon Carvão sobre papel kraft Charcoal on kraft paper Coleção Collection Museu de Arte Brasileira da FAAP
119
MAM
120
Museu de arte moderna de são Paulo Diretoria / Management Board Presidente / President
Milú Villela
Vice-Presidente Executivo / Executive Vice-President
Alfredo Egydio Setúbal
Vice-Presidente Sênior / Senior Vice-President
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Carmen Aparecida Ruete de Oliveira
Conselheiros / Members
Adolpho Leirner Ana Maria Lima de Noronha Angela Gutierrez Antonio Hermann Dias de Azevedo Antonio Matias Benjamin Steinbruch Chella Safra Chieko Aoki Daniel Goldberg Danilo Miranda Denise Aguiar Alvarez Edmundo Safdié Edo Rocha Fabio C. Barbosa Fernando Moreira Salles Geraldo Carbone Gilberto Chateaubriand Graziela Matarazzo Leonetti Gustavo Halbreich Henrique Luz Idel Arcuschin Israel Vainboim João Carlos Figueiredo Ferraz João Rossi Cuppoloni José Ermírio de Moraes Neto José Olympio da Veiga Pereira Leo Slezynger Lily Marinho Luciano da Silva Amaro Luiz Antonio Viana Manoel Felix Cintra Neto Marcos Arbaitman Maria da Glória Ribas Baumgart Mauro Salles Michael Edgard Perlman Otávio Maluf Paula P. Paoliello de Medeiros Paulo Setúbal Pedro Piva Peter Cohn Plínio Salles Souto Roberto B. Pereira de Almeida Roberto Mesquita Roberto Teixeira da Costa Rolf Gustavo R. Baumgart Simone Schapira Thiago Varejão Fontoura Vera Lúcia dos Santos Diniz Conselho Internacional / International Council
Alexis Rovzar
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