JL newspaper

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Após o surgimento de uma dúzia de jovens intérpretes, na última década, a 'novidade' das que escrevem os seus próprios temas Páginas 7 a 11 Adriano Moreira lido por António Nóvoa Páginas 28 a 29

Teresa Martins Marques: um 'romance-folhetim' Perfil e textos de Julieta Monginho e Eugénio Lisboa Páginas 16 a 19

Richard Zimmler Um escritor 'alerta' para a realidade portuguesa Páginas 12 a 13

nº XXXIII | Número 1130 | De 22 de Janeiro a 4 de Fevereiro de 2014 | Portugal (Cont.) € 2,80 | Quinzenário | Diretor José Carlos de Vasconcelos

Agora, as 'cantautoras'


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estaque

Breve Encontro

Duarte Azinheira IN/CM: com parcerias, “Parceria” é a palavra- chave da nova programação editorial da Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM), que será apreserntada na próxima sexta-feira, dia 23 às 17. A sessão realiza-se na sede da instituição, em Lisboa, e inclui um pequeno concerto com sonatas de Vivaldi, Bach e Berio interpretadas pela Orquestra Metropolitana de Lisboa. Ao JL, Duarte Azinheira director da unidade de publicação da INCM, explica as razões da nova filosofia editorial e antecipa alguns dos títulos de 2014.

editar, editar

JL: 2014 vai ser um ano de muitas novidades? Duarte Azinheira: Será sobretudo um ano de consolidação de uma estratégia que temos vindo a seguir ao longo dos últimos anos e que agora vai ganhar uma outra dimensão, INCM tem, por tradição, um papel de salvaguarda da cultura e do património imaterial portugueses. Ao mesmo tempo,publicamos o que, por uma razão ou por outra, os editores privados não conseguiam, como acontece em muitos países da Europa.

Isso vai mudar? Não, mas será complementado com um importante conjunto de parcerias. Algumas já existem e serão agora aprofundadas, como a que temos com a Direção Geral do Património Cultural, responsável pelos museus e palácios nacionais. Passamos a editar os catálogos das suas exposições temporárias e de algumas coleções permanentes. Um trabalho idêntico será agora feito com os teatros nacionais. Estas parcerias são um eixo estratégico para o futuro.

A nível de edição, qual o granporuguesa.são livros ilustrados de destaque de 2014? por alguns dos maiores ilustradores portugueses e feitos A Biblioteca fundamental da em parceria com uma editora Literatura Portuguesa. Trataespecializada e muito premiada. -se de um coleção dirigida No fundo, procurámos alguém por Carlos Reis que tem como que complementasse o nosso objectivo mostrar o cânone da know how, como nossa literarura, fazemos em todas as do século XV à Uma parcerias. Fernanatualidade. Com um máximo de Colecção do Pessoa, Almada Negreiros, Salgueiro 100 títulos, é com o Maia e o soldado pensada para o cânone Milhões são alguns grande público, dos primeiros títulos. ou seja, sem da Literatura Também vamos alaraparato crítico. Portuguesa” gar a nossa presença A coleção tem no campo jurídico. design de Henrique Cayatte e , como parceiros, E ao nível das edições críticas? o Instituto Camões e o Plano Haverá muitas novidades. O Nacional de Leitura. Demónio de Ouro, A Sereia e Novelas do Minho, de Camilo Que outras novidades vai Castelo Branco; poemas de apresentar? Alberto Caeiro, de Fernando A entrada da INCM no infanPessoa; fragmentos narrativos tojuvenil, o que até aqui não e correspondência, de Almeida acontecia. Não vamos competir Garrett; e O Mistério da Estrada com os editores privado, mas de Sintra e A Correspondencia desenvolver um projeto de de Fradique Mendes, de Eça de divulgação das figuras fundaQueirós. Vamos manter o foco mentais da história e da cultura no nosso trabalho clássico. JL LUIS RICARDO DUARTE


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Vai acontecer Conversa com Mª do Céu Guerra

A actriz e encenadora Maria do Céu Guerra é convidade de conversa com rosto, a 28, às 1, no Teatro nacional D.Maria II em Lisboa. A conversa sobre os eu percurso no teatro e no cinema tem como interlocutor o cineasta Lauro António. Fundadora, com Helder costa, de A Barraca, em 1975, Maria do Céu Guerra estreou-se em 1963, na Casa da Comédia, com Deseja-se Mulher, de Almada negreiros, encenado por Fernando Amado. Passou depois pelo teatro experimental de Cascais, e pelo teatro Adoque. Menino ou Menina, Pranto de Maria Parda, Calamity Jane, Dona Maria a Louca e o recente Menino de sua avó são alguns dos seus trabalhos emblemáticos.

Dulce Maria Cardoso em Paris

O Retorno, de Dulce Maria Cardoso, acaba de ser publicado em França, na editora Stock, com tradução de Dominique Nédellec e o título Le Retour. o romance, que em Portugal foi distinguido com o Prémio Especial da Crítica Ler/Booktailors, em 2011, e integra a lista de finalistas do Prémio Correntes d’Escritas deste ano, será apresentado hoje, quarta-feira, 22 às 18 e 30, na delegação parisiense da fundação Gulbenkian. A sessão será moderada por Marie-Madeleine Rigopoulos e conta com a presença do tradutor e da escritora, que em breve lançará um volume de contos. A iniciativa tem o apoio de Instituto Camões.

Ivo Teatro da Politécnica Vinte mil anos de pintura, de Ivo, inaugura-se hoje, quarta-feira, 22, no Teatro da Politécnica, em Lisboa. Co-fundador do Grupo Homeostético, com mais de duas dezenas de mostras individuais desde 1987, o artista, nascido em 1959, apresenta nesta exposição um conjunto de trabalhos em que existem “homenagens a pintores que construíram e ampliaram a linha imaginária que nasceu no paleolítico, alguns deles que quiseram mergulhar no mais misterioso deste mundo das sensações e assim tornaram visível tudo aquilo que ainda não era perceptível “, como escreve a propósito. Até 23 de fevereiro.

Actor Imperfeito no Porto Depois da carreira em Lisboa, no Teatro do Bairro, Actor Imperfeito, a partir dos sonetos e fragmentos de algumas peças de Shakespeare, com dramaturgia de Luisa Costa Gomes, sobe à cena hoje, quarta-feira, 22, no Teatro Carlos Alberto, no Porto. “Além da narrativa das relações amorosas que se vai desenrolando, Actor Imperfeito é também um texto sobre a imperfeição da tradução: a tradução de uma língua noutra língua, do texto no corpo do ator e de um espaço interior e íntimo”, lê-se na apresentação. A peça, encenada por António Pires, abre a programação do teatro de S.João dedicada ao dramaturgo , cujos 450 anos se assinalam este ano. Até 2 de Fevereiro.

Nomeações para o ICA Filomena Serras Pereira foi nomeada diretora do Instituto do Cinema e Audiovisual, cargo que já ocupava,e m regime de substituição, após a demissão de José Pedro Ribeiro, em novembro. Licenciada em Administração e Gestão pela Universidade Católica, está ligada ao ICA/ICAM desde 1999. Para vicepresidente foi nomeada Ana Cristina Assis Marques Passos, licenciada em direito, que tem trabalhado como acessora em vários governos do PSD. A escolha foi feita por concurso público. Uma comissão selecionou três nomes, entre os quais, o secretário-de-Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, escolha um presidente e um vice-presidente.

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Colóquio na Gulbenkian

A dimensão cultural da Língua Portuguesa vai ser objeto de reflexão no colóquio Criar em Português - O que pode uma lingua?, a 27 e 28, no auditório dois da Fundação Calouste Gulbenkian. em Lisboa. Comissariada por Paulo Filipe Monteiro, professor da universidade nova de lisboa, ator, encenador e argumentista, a iniciativa, integrada no programa Gulbenkian Cultura e Língua portuguesas, irá reunir especialistas de diferentes áreas e latitudes, sensibilidades e linguagens, que vão analisar as implicações da criatividade em português, não só no campo da Literatura, como também nos da música, do teatro, do cinema e da dança. Um “encontro diferente”, que se pretende coloquial, com os intervenientes em sofás interrogando-se à vez, procurando-se um diálogo sem lugares comuns, em que todos “sejam levados a refletir

A criação na Língua Portuguesa

Á conversa com Cildo Meireles O artista plástico brasileiro Cildo Meireles vai estar na Fundação Serralves no Porto, para uma conversa com o curador crítico de arte Guy Brett, hoje, quartafeira, 22 às 18 e 30. O encontro insere-se no âmbito da sua exposição que está patente no museu de Arte Contemporânea de Serralves até este domingo, dia 26. A apresentação e moderação está a cargo de Suzanne Cotter, diretora do Museu. Já na sexta-feira, 24,o coreógrafo brasileiro Marcelo Evelinque no dia seguinte apresenta no auditório da instituição a peça “Ai, ai, ai”- que orienta uma visita à exposição, com início às 18 e 30 e o custo de um bilhete de entrada no Museu. A mostra, que abriu ao público

em novembro passado, apresenta um conjunto de instalações de grandes dimensões e de peças emblemáticas do artista, concebidas e produzidas em 1969 e 2013, e foi organizada pelo Museu de Serralves, o Museu Nacional centro de Arte Reina Sofia (Madrid) e HangarBicocca (Milão). Recorde-se que foi publicado o catálogo da exposição, em coeditado pela Cosac & Naify, que inclui textos do artista , ensaios do curador da exposição, João Fernandes, do critico e historiador de arte Sergio B. Martins e do critico de arte e arquitetura Guilherme Wisnik, além de informação sobre o precurso expositivo do artista e bibliografia sobre a sua obra. JL

para além das frases feitas sobre as realidades e potencialidades do português como língua de criação artística”, de acordo com as palavras do comissário. A abertura dos trabalhos, a 27, às 9 e 15, está a cargo de Eduardo Marçal Grilo, Paulo Filipe Monteiro e Rui Vieira Nery, que modera o primeiro painel sobre música com a participação de José Miguel Wisnik, Luis Tinoco, Alexandre Delgado, Tiago Torres da Silva, Ângelo César (Boss AC) e Pedro da Silva Martins. Da parte da tarde, a discussão será em torno da literatura, com a moderação de António M.Feijó e as intervenções de Nuno Artur Silva, Mário de Carvalho, Golgona Anghel Germano Almeida, Tatiana Salem Lévy e Richard Zenith. Um espétaculo com José Manuel Wisnik e Artur Nestrovski, na escadaria do hall de congressos, às 21h, encerra a jornada. À volta do Teatro, Cinema, Dança, moderado por Paulo Filipe Monteiro, o debate prossegue, a 28, com fernanda Lapa, João Garcia Miguel, Vera San Payo Lemos, Maria José Fazenda, Vasco Pimentel e Ruben Alves. E antes de um debate final, que envolverá académicos, criadores e público, vai estar na mesa Saber Programar, com Ivo Castro, Clara Nunes Correia, João Costa, Armando Valente, josé Luis Ferreira e Carlos Martins, com moderação de António Pinto Ribeiro. JL

Kino: cinema e muros Duas Vidas, de George Maas, a propsta alemã para o Oscar de melhor filme estrangeiro, e um ciclo que assinala o 25º aniversário sobre a queda do Muro de Berlim são os grandes destaques do 11º Kino, Mostra de Cinema de Expressão Alemã, que decorre de 23 a 31, no São João, em Lisboa; de 24 a 26, no Teatro Campo Alegre, no Porto; e de 27 a 29, no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra. Em Duas Vidas , que encerra o festival, entrelaça o passado nazi com a história da Stasi, através da revelação de um seg-

redo após a queda do Muro de Berlim. Na abertura Oh Boy, de Jan-Ole Gester, que acompanha um jovem estudante à deriva pela cidade de Berlim. O filme venceu Deutscher Filmpreis 2013. O Ciclo sobre o Muro inclui As Asas do Desejo, de Wim Wenders, e Spur Der Stein, de Frank Beyer. O Kino, que exibe filmes recentes dos paises de lingua alemã, terá também este ano sessões especiais para as escolas.JL


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EDITORIAL

José Carlos de Vasconcelos

Para além do debate ou da polémica sobre o que deve ser um serviço público de televisão, os termos da sua concessão, no caso à RTP, como garantir a sua independência, as grandes linhas da informação e da programação e a sua aplicação práPorquê? Além do mais, por se tica, os ‘resultados’ concretos, ter tornado ela própria um palco que são o que interessa - tudo privilegiado da luta política, constitui matéria importante, com partidos e outras forças complexa e sempre na ordem do a quererem ( e conseguirem) dia. Antes do 25 de Abril, a RTP, usá-la, manipulá-la, às vezes como todos os dominá-la. orgão de comunique, com “O essencial é ga- Oadequação cação do estado rantir o cumpriobscurantista e às circunstirânico em que tâncias, se mento do serviço vivíamos, foi um público e dos seus manteve instrumento de ao longo objetivos ao nível alienação e de do tempo, propaganda do da qualidade da in- embora desfinal da regime. Após o 24 formação e da pro- de década de de Abril, passou a 90 a isenção ser essencial para gramação e o plura‘mostrar’ e inforlismo da mar o país, dar informação tivessem, em geral, voz ao que até então era proimelhorado, o que não significou bido, propiciar a expressão de que tivesse melhorado sempre ideias e o debate antes impossía qualidade informativa e muito vel, etc. Ou seja, desempenhou menos que a programação um papel de grande relevo em passasse a ser a exigível a a um múltiplos domínios, embora serviço público. estivesse longe do desejável ao Seja como for, um serviço nível da necessária educação público de televisão é essencívica e pedagogia democrácial e pressupõe a existência tica - e em certos momentos de dois canais em sinal aberto, houvesse mesmo contribuido para a confusão, se não inversão, de valores.

como já foi demonstrado. Ora. o actual governo apresentou como intenção a privatização de um desses canais. O que representaria, como na altura os melhores conhecedores do setor sublinharam, um perigo para os media em geral - e, em consequência, para a própria liberdade de informação. Com a substitiução do anterior ministro da tutela, Miguel Relvas - cuja crónica não vem para aqui...- por Poiares Maduro, tal propósito de privatização foi (e bem) abandonado. E conheceram-se agora os novos projetos dos novos contrato de concessão e estatutos da RTP, que nas suas linhas gerais denotam uma muito positiva evolução da posição governamental. A maior novidade consiste na criação de um “conselho geral independente” (CGI), com importantes competências, incluindo a de designar o próprio conselho de administração.

O objectivo principal é tornar a RTP mais autónoma do Governo, assim acabando com a suspeição que sempre sobre ela impende de estar ao seu serviço. O modelo proposto tem afinidades com o em vigor na BBC, a apartir de 2007, e tem aspetos naturalmente controversos. Para lá de questões mais específicas, reconhecendo as suas boas intenções e a inexistência de um sistema que resolva todos os problemas, quero sublinhar por agora, telegraficamente, apenas dois pontos: 1) o essencial não é que o CGI designe a administração mas que tenha efetivos poderes para garantir o cumprimento do serviço público e dos seus objetivos ao nível da independência, do pluralismo e da qualidade da informação (e da informação/ opinião), bem como da qualidade da programação, na sua diversidade, atendendo às suas obrigações e finalidades, e a todos os públicos a que se deve destinar; 2) Para um orgão “independente”, antes de tudo do Governo, não se compreende que este nomeie dois dos seus quatro membros (sendos os outros dois eleitos pelo Conselho de Opinião), aos quais incumbe cooptar mais dois. O Governo deve ter posição dominante ao nível da gestão, mas não intervir no CGI - impondo -se ser outra, pois, a sua composição, e com cinco, não seis, elementos.JL

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reves

B

nando Pessoa , em Lisboa, a 23, às 18 e 30, com o livro É a Hora! A Mensagem da Mensagem de Fernando Pessoa, apresentado po António Cândido Franco.

Mário Soares, Miguel Conceição Silva Seromenho, Almeida Santos e António Arnault, a 23, às 18, na Fundação Mário Soares . Carlos De Oliveira, autor em destaque numa exposição do Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, integrada no ciclo “Vinte Mil Livros”, Sábado, 18, a partir das 10.

Por amor à arte - mostra co-

Alexandra Ramires, ex-

letiva com Alvarenga Marques, Alexandra de Pinho, Fátima Paiva e Carolina Schacht, até 1 de Fevereiro na galeria Por Amor á Arte, no Porto.

posição de gravura na Verde Rubro, no Porto, até 1 de fevereiro.

Paulo Borges, na Casa Fer-

Poesia no museu com leitura de poemas de António Nobre por Joana Meirim, Sebastião Belfort Cerqueira e Susana Pires. Dia 22, às 19, com entrada livre no Museu da Música.

Fundação bienal de cerveira acolhe o projeto NOIS[E] INVADE PORTUGAL, uma mostra com obra sobre experiências como o “ruído”. Inaugura sábado, 25, às 16, no Fórum Cultural, em Vila Nova de Cerveira.

Mais de quatro dezenas de produções, a Maioria teatrais, na programação do Teatro Municipal Joaquim Benite (TMBJ), em Almada, para este ano. Apesar da crise económica, em 2013, registou-se naquele teatro um aumento de 471 espectadores, contabilizamdo-se 33.209. Só em relação ao espetáculos teatrais, atingindo-se os 55.471, somanso-se os de música e dança. “Em 2014, tanto nesta Casa como nas digressões de Lisboa a Liubliana ( mas não nos esuqecendo de passar também por Barcelos e Castro Verde) esperamos encontrar ainda mais pessoas que nos ajudem a contraiar a funesta tese que nos tempos em que o dinheiro escasseia não vale a pena cirar, não vale a pena refletir, não vale a pena ser feliz” adiantou Rodrigo Francisco, diretor da Companhia de Teatro de Almada (CTA), no anúncio do programa anual, salientando que o investimento do Estado na estrutura recuou a a valores de

Homenagem a Gustavo Soromenho com intervenções de

Miguel Tamen apresenta conferência sobre António Nobre, hoje quarta-feira, 22, às 19, no Museu da Música, em Lisboa. É a primeira sessão da 2ª deição de iniciativa Poesia no museu, que mensalmente vai ocupar-se da obra de um poeta, lida por diferentes especilistas.

ESTREIAS e há 17 anos mas continua a aposta em coproduções e parcerias. Tartufo, de Moliére com encenação de Rogério de Carvalho, já a apartir de 7 de março; Cais Oest, de Bernard- Marie Koltés, dirigido pelo encenador croata Ivica Buljann, de 11 de outubro a 2 de novembro; Kilimanjarro encenado por Rodrigo Francisco a partir da novela de Ernest Hemingway; e O Mandari, com encenação e versão cénica do conto de Eça de Queirós, de Teresa Gafeira, mais para o final do ano, respetivamente de 5 a 14 de dezembro e de 7 a 23 de novembro são as estreias previstas de CTA. De destacar ainda a reposição a 24 de Abril de Amanhã os réus sejam vocês, o espétaculo de homenagem a Álvaro de Cunhal,

Ana Vidigal, Igor Jesus Karlos Gil, Nuno Nunes Ferreira e Vasco Barata na exposição Viagem da Sala 53, que se inaugura hoje, quarta-feira, 22, na Galeria Baginski, em Lisboa. Curadoria de João Silvério, projeto Francisco Fino Art Projects. Até 15 de março.

Eduardo Lourenço nas conversas do Grupo dos Amigos do Museu Nacional de Arte Antiga, a 22, às 18 e 30, a proósito do quadro de D.Sebastião, de Cristovão Morais.

Banda Sinfónica da GNR e Nuno Pinto no concerto da abertura da 1ª edição do Festival Clarinetes em Sintra no dia 2, às 17, no Centro Cultural Olga Cadaval.

Dez portugueses, dois angolanos, dois espanhois e um brasileiro. Eis as nacionalidades dos finalistas do Primeiro Casino da Póvoa, o principal galardão, em 2014, dedicado à prosa, das Correntes d’Escritas. o vencedor será anunciado na sessão de abertura do encontro de escritores de expressão ibérica da Camara Municipal da Póvoa do Varzim, que se realiza entre 20 e 23 de Fevreiro. Diário da Queda, Michael Laub ( Tinta da China) é o representante do Brasil e, de Angola, A Sul. O Sombreiro, de Pepetela (Dom Quixote) e a Vida no Céu, de José Eduardo Agualusa (Quetzal). A Espanha estará presente com A Luz é Mais Antiga que o Amor, de Ricardo Meneéndez Salmón (Assírio & Alvim) e de caligrafia dos Sonhos, Juan Marsé

Prémios

(Dom Quixote). Os romances portugueses finalistas são A Instalação do Med, de Rui Zink (Teodolito), A Maldição de Ondina, de António Cabrita (Abismo), Dentro de Ti Ver o Mar, de Inês Pedrosa (Dom Quixote), Metade Maior, de Julieta Montigo ( Estampa), O Filho de Mil Homens, de Valter Hugo Mãe (Alfaguara), O Retorno. de Dulce Maria Cardoso (Tinta da China), Pai, Levanta-te. Vem Fazer-me um Fato de Canela, de Manuel da Silva Ramos (A.23 Edições) Quando o Diabo Reza, de Mário de Carvalho (Tinta da

China), Um Piano Para Cavalos Altos, de Sandro William Junqueira (Caminho) e Uma Mentira Mil Vezes Repetida, de Manuel Jorge Marmelo (Quetzal). A programaçãoda Corremtes será anunciada em breve, já se sabendo que o festival literário, o mais importante do país, decorrerá integralmemte no Hotel Axis Vermar, cujo centro de congressos tem capacidade para acolher 600 pessoas. Ao longo do encontro serão ainda conhecidos os vencedores do Prémio Literário Correntes d’Escritas / Papelaria Locus, para contos escritos por jovens entre os 15 e os 18 anos, Prémio Conto Infantil Ilustrado Correntes D’Escritas/ Porto Editora 2014, e Prémio Fundação Dr. Luís Rainha, para

Correntes D’Escritas


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ópera homónima de Alexandre Delgado, encenada em 2009, por Joaquim Benite, desta feita com uma remontagem de Rodrigo

Reposições

Álvaro Correia e com interpretação de Ana Lúcia Palminha, Carlos Paulo Eduardo Breda, Hugo Franco, João Vicente, entre outros. A 21 ,22 e 23, a Molloy - Associação Cultural de de Lisboa, apresenta O Escurial, de Michel de Ghelderode, com encenação de Dinarte Branco e Tiago Nogueira na sala experimental, onde no final de março, a 28 e 29, será a vez de Violência, de Joaquim Paulo Nogueira encenado por Carlos Santos. Em abril, o Teatro Nacional S.João propõe Turismo Infinito. de António M.Feijó, a apartir de textos de Fernando Pessoa e de

cartaz de Ofélia Queiroz, uma encenação de Ricardo Pais, que também dirige, Al mada nada, a aprtir de Almada Negreiros. E o teatro do Bairro leva ao TMJB Depois da Revoução, de Luis Costa Gomes e Luis Bragança Gil com encenação de António Pires. Os Primeiros Sintomas, vão apresentar em maio o Retrato de Dorian Grey de Oscar Wilde, encenado por Bruno Bravo, enquanto que a Companhia de Teatro de Braga traz em junho um Picasso, de Jeffrey Hatcherr, dirigido por Eduardo Tolentino. A Naifa, Mafalda Arnauth, a Orquestra Sinfónica Portuguesa e a Orquestra de Jorge Costa Pinto são alguns dos nomes do cartaz de música. JL

A Granta Portugal vai lançar um concurso para encontrar os melhores jovens escritores de Língua Portuguesa com menos de 40 anos. A iniciativa segue a tradição da revista inglesa, que de dez em dez anos procura identificar os nomes que vão dar que falar no futuro. Julian Barnes Martins Amis ou Kazuo Ishiguro são alguns escritores, do universo anglo-saxónico, que viram os seus primeiros contos publicados nas páginas desta publicação. Ao contrário do que

se fez Brasil, com uma edição semelhante, a Granta Portugal dirigida por Carlos Vaz Marques e editada pela Tinta-da-Chin, optou por uma abordagem lusófona e não nacional. Por isso, a este concurso podem concorrer autores de todos os países de língua oficial portuguesa, ou seja, Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. O concurso Internacional decorre entre 1 de fevereiro e 31 de julho. Os candidatos têm de ter menos de 40 anos (nascidos após 1 de Maio de 1975) e submeter um texto literário

EM ALMADA

criado a partir da célebre defesa do lider histórico de PCP no julgamento de 1950, com dramatrugia e encenação de Rodrigo Francisco e interpretação de Luis Vicente. Um espetáculo que fez mais de cinco mil epectadores, no ano passado, numa digressão que assinalou o centenário de Cunhal. Será ainda resposto em cena, de 25 a 28 de setembro, Negócio Fechado de David Mamet e para os mais jovens em dezembro, Verdi, que te quero Verdi, uma criação de Teresa Gafeira. Em maio de 23 a 31 , vai estar também em reposição O Doido e a a Morte, peça de Raul Brandão, base da

Francisco. O TNBJ vai acolher diferentes espétaculos de várias companhias ao longo do ano- Rei Lear, de Shakespeare, uma encenação de Marcus Barbosa, já a 24, 25 e 26, é a proposta que o Teatro Oficina de Guimarães traz a Alamada. A interpretação é de Aheli Guerrero, André Teixeira, Diana Sá. Emílio Gomes, Hugo Torres, José Eduardo Silva, Manuel Tur e Tânia Dinis. No início de fevereiro, a 7,8 e 9, na sala experimental, será a vez de Worms a partir de Jean Paul-Sartre, com texto e encenação de Rui Neto. E a 8, na sala principal, Comuna, encenado por

Jovens Escritores na Granta

inédito(conto ou excerto de romance) e em língua portuguesa entre os 10 mil e os 50 mil carateres. Informações mais completas sobre o regulamento podem ser encontrados no site da Tinta-da-China (granta.tintadachina. pt) Esta edição especial da Granta Portugal será publicada em Maio de 2015. Em maio deste ano, sairá o 3º número da revista, depois da estreia com o tema Eu e o nº2 dedicado ao Poder.JL

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Em Portugal, há muitas jovens a cantar o jazz que lhe vai na alma: mais do que uma dúzia de discos gravados na última década. A novidade, agora, é que muitas delas escrevem os seus próprios temas, desafiando uma longa tradição de composição masculina - e o último exemplo é o de Joana Machado e o seu disco acabado de editar. Assim, o JL dedica o tema desta edição às novas cantautoras, procurando explicar e dar a conhecer o fenómeno, do percurso internacional de Sara Serpa ao sucesso de Luísa Sobral, passando pela consistência de Marta Hugon, o experimentalismo de Joana Guerra ou os primeiros trabalhos a solo de Mariana Norton e Joana Espadinha. Tudo isto é jazz

a alma

aparência distantes, não andam, necessáriamente, de costas voltadas. Tem havido vários movimentos do jazz português na drirecção da canção de Lisboa. Exemplo recente disso é o sucesso de das releituras de Amália pelo pianista Júlio Resende. Bernardo Sassetti escreveu vários fados e até tem um disco a meias com Carlos do Carmo (que nem é um disco de fado). Mário Laginha também compõe fados (é o autor de Ai Margarida), produziu o último disco de Camané e recentemente introduziu a guitarra portuguesa de Miguel Amaral no seu novo trio. O pianista e compositor João Paulo Esteves da Silva tornouse o acompanhante preferido de fadistas como Maria Ana

que lhes sai da voz Em terra de fadistas quem canta jazz é rainha. Ou não será assim tanto: é dificil competir com as Marizas e Ana Mouras desta terra, até porque, no jazz, a ‘concorrência’ é universal. Facto é que, na última década, tem aparecido um invulgar número de novas cantoras de jazz, todas diferentes todas iguais, que mostram a vitalidade da música em Portugal. Mais ainda: muitas delas, cerca de uma dúzia, compõe os seus próprios temas, descobrindo um novo para-

digma dentro de um género em que, tradicional- mente, mesmo nos EUA, as mulheres cantam o que os homens compõem. Estas ‘fadistas’ do jazz deram a volta ao destino e tentam criar uma identidade própria, à escala global, numa terra habituada a outras tradições. Trocaram a casa de fados pelo piano bar, Amália Rodrigues por Ella Fitzgerald. E o Hot Club foi a sua escola de vida. Nada disto é triste nada disto é fado. O fado e o jazz, apesar de na


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Há cada vez mais cantores e músicos com formação músical, o que lhes permite não fazer as suas próprias canções” Marta Hugon Bobone. E Cristina Branco fez o caminho inverso quando prestou um tributo jazzistico a Zeca Afonso. Mas o caso mais exemplar é o de Rão Kyao que aos poucos fugiu da sua formação jazzistica, a partir do mercante Fado Bailado, e hoje toca flauta de bambu em casas de fado como se de um fadista se tratasse. Para Rão Kyao “as cantoras de jazz têm toda a liberdade do mundo, as fadistas têm de mostrar o seu talento dentro de balizas muito estreitas”. Essa liberdade de estilo

leva-nos à pergunta: o que fazer quando tudo se pode fazer? O jazz é um género de balizas mal definidas, precisamente porque um dos seus principios básicos é a liberdade. Quando se trata de jazz vocal as fronteitas tornam-se mais ténues ainda e há aproximações claras do poprock ou da música ligeira. Para o entendermos basta ouvirmos albuns de álgumas das mais famosas cantoras de jazz do momento, como Diana Krall ou Norah Jones. Há uma fusão de estilos para chegar a um estilo próprio. Como nos diz o pianista e homem de sete oficios Filipe Melo, denominador comum de muitas destas novas cantoras protuguesas, “não podem ficar sempre presas aos standards, é natural que queiram experimentar coisas novas”. Não é

por isso de estranhar que Joana Machado cante, no seu novo álbum, por exemplo, Polly, dos Nirvana, ou Even Flow, dos Pearl Jam. Maria Viana, porém, uma das decanas do canto do jazz em Portugal, tem uma visão mais ‘fechada’ sobre o jazz, e não encontra grande motivo de encanto na nova ger- ação. “Sinto-me tão sozinha agora como me sentia nos outros tempos”, afirma ao JL. E como uma fadista da velha guarda chama a si os ‘valores’ de uma tradição, no caso jazzistica norte-americana, considerando que “hoje não há respeito pelos standards” e a nova geração é filiada num jazz “europeu” e “académico”, em que não se revê. A cantora, que gere o Cascais Jazz, vai ainda mais longe e

considera que “as academias trouxeram um jazz moderno, afastando-as do jazz mais bruto e emocional, próximo das suas raizes afro-americanas”. Maria Viana, realçando o trabalho de algumas cantoras, como Lia Silva e Rita Martins, conclui: “É positivo que haja tantas jovens cantoras, mas agora têm que passar pelo filtro da vida”.

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Cati Freitas idade: 28 anos Formação: Participação em vários projetos com artistas portugueses, no- meadamente: Expensive Soul & Jaguar Band, Rui Veloso, Nu Soul Family, Link, Dino D’ Santiago, Sara Tavares. Discografia: “Dentro” (Outubro 2013) Joana Espadinha Idade: 29 anos Formação: Estudou na Escola de Jazz Luis Villas-Boas - Hot Club de Portugal. - Licenciada em Direito pela Universi- dade Nova Lisboa. -Licenciada em Jazz pelo conservatório de Amesterdão. - Participação commo letrista e intér- prete convidada, nos trabalhos de Afon- so Pais, João Firmino, João Hasselberg e André Santos. - É professora de canto no Curso de Jazz da Universidade de Évora. na Es- cola de Jazz Luis Villas-Boas - Hot Club de Portugal e na ESTAL. Discografia: “Avesso” (2014) Joana Guerra Idade: 30 anos Formação: Escola de Música do Con- servatório Nacional - Conservatório Municipal de Paris (2007/08) - Academia de Amadores de Música (2009) Discografia: “Gralha” (2013)

TERRITÓRIOS DE FRONTEIRA Ironicamente, o discurso de Maria Viana acaba por sistematizar um conjunto de caracteristicas comum a grande parte da nova geração, como a criação de um repertório original, muitas vezes composto pelas próprias; a ‘contaminação’ do jazz por outras músicas; e a formação académica. Luísa Sobral, porventura o nome mais falado da nova geração, que em 2013 lançou There’s a Flower on My Bedroom, có com temas da sua autoria, revela ao JL: “Nunca gostei de puristas, nem no jazz, nem no fado: porque é que uma música que nasceu livre e desregrada há de estar agora condicionada por regras?” E remata: “Os puristas fecham os ouvidos e abrem a cabeça; eu prefiro quando as pessoas fazem o contrário”. Mariana Norton, cujo disco de estreia, 10 Sides of my Story, saiu também em 2013, confessa: “O meu pai que gosta de um jazz mais duro, diz por vezes que lhe falta o swing”. Contudo, optou por se estrear com um

Joana Rios Idade: 37 anos Formação: Estudou na Academia dos Amadores de Música. -Estudou no Conservatório Nacional. - Estudou na Escola de Jazz Luis Villas-Boas - Hot Clube de Portugal, onde também lecciona desde 2002. - Diretora da Academia de Artes Cesário Verde. Discografia: Joana Rios canta Ella Fitzgerald (2005) “Universos Paralelos” (2007) “3 Desejos” (2009) Mariana Norton Idade: 33 anos Formação: Em 1997/98 integrou a Escola de Jazz do Hot Club de Lisboa - Em 2001 fez parte dos coros dos Toranja - Em 2003 foi cantora dos Nivea que foram finalistas do concurso de “Novos Talentos Electrónicos” da Rádio Oxigénio. -Frequentou o curso de Musical Theatre na American Musical and Dramatic Academy em Nova Iorque (2003) - Em 2004 integrou a Escola > cont. Superior de Teatro e Cinema, no curso de For- mação de Atores. - Em 2008 na Escola Superior de Música de Lisboa, no curso de jazz. Discografia: “10 Sides to My Story” (Julho 2013) Rita Braga Idade: 29 anos Formação: Estudou música na Fundação das Artes de São Caetano do Sul. -Cantou no Coral de Jazz da Universidade Livre de Música onde fez aulas de canto erudito e popular. disco intimista, em que trilha o seu próprio caminho. Mariana, que também é atriz, explica que sempre viu a música como algo mais privado e recatado, em que não tem de “vestir uma personagem”. Já Joana Espadinha, voz presente em vários projetos jazzisticos, vai afastar-se declaradamente do jazz no seu disco de estreia, que está pronto, à espera de editora, e se deverá chamar Avesso. “Quis estrear-me num disco de canções da minha autoria”, sublinha. Assim encontrou um estilo próximo da canção de autor, onde se acompanha a si própria à guitarra. “Há sempre qualquer coisa de jazz lá dentro”, diz. Aliás, é essa a sua formação. Mas admite sentir-se mais próxima de Norah Jones do que

-Em 1995 participou no grupo vocal On the Vox, onde atuou no musical “A seguir cenas do próxi- mo capítulo”. - Em 2006 começou a cantar no quarteto vocal feminino Mandassaia. Desde 2009 integra o gru- po de world music, Mawaca. - Autora de bandas sonoras para filmes de ani- mação (“Nothing Beneath Us” de Chris Carlone), fez vozes para animação (“Memória de cão” de João Morais Ribeiro), música para públicidade (IKEA Portugal) e produziu e apresentou cabarés imprevisiveis na cidade do Porto. - Licenciou-se em Ciências Músicais na Universi- dade Nova de Lisboa. Discografia: “Cherries that went to the police” (2011) Sofia Ribeiro Idade: 35 anos Formação: Licenciada em canto Jazz pela Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto (ESMAE), onde atualmente leciona. - Mestrado em canto jazz no conservatório de Bruxelas. - Intercâmbios com a escola Superior de Música da Catalunya (Barcelona 2003/2004), Berklee College of Music (Boston 2005/2006), Conserva- toire National Supérieur de Musique et Danse de Paris (Paris, 2008/2009). - Segundo lugar da competição internacional “Young Jazz Singers” (Bruxelas, Outubro de 2005). -Primeiro prémio da competição internacional de jazz “Voicingers 2008”. - Prémio “Oliver Wagmann Memorial Scholar- ship”. - Venceu a 22a edição da competição internacion- al “Crest Jazz Vocal 2010” em Crest, França. Discografia: “Dança da Solidão” - Sofia Ribeiro e Marc Demuth (2005) “Orik” - Marc Demuth Quartet featuring Sofia Ribeiro (2008) “Porto” - Sofia Ribeiro e Gui Duvignau (2010) “Ar” - Sofia Ribeira e Juan Andrés Ospina (2012) “Mil e uma cores” - Sofia Ribeiro (2012) de Diana Krall. E afirma que, apesar do jazz ser uma música livre, há elementos fundamentais: “O swing é discutivel, mas há outras caracteristicas que o definem, como o espaço para os solos e a improvisação”. Marta Hugon, cujo primeiro disco é de 2005, que tanto canta Nick Drake ou Elliot Smith como temas da sua autoria, observa: “Nenhuma de nós está

a fazer jazz puro. No meu caso, o jazz está sempre como pano de fundo, convocando outros universos - a pop, a folk, o rock, até a música clássica.” ESCREVER NO FEMININO A questão de ser ou não jazz aquilo que fazem nem sequer as preocupa muito. Joana Guerra, violoncelista e cantora, que criou um universo verdadeiramente a parte, tem algum purido em considerar-se cantora de jazz. E afirma: “Nunca me dediquei muito a reflectir sobre a música que faço, as coisas são construidas à base da improvisação e do instinto”. O seu único álbum editado, Gralha, é de facto muito original. Usa o vi- oloncelo e por vezes o pedal loop, que grava e repete os sons, e pelo meio vai cantando. Está completamente afastada dos standards, e nas suas atuações ao vivo aproxima-se cada vez mais do free jazz. Marta Hugon explica esta apetência pela composição: “Há cada vez mais cantores e músicos, o que lhes permite não serem só interpretes (não que seja pouco), mas também fazer as suas próprias canções. Por outro lado, há uma grande apetência di mercado pela figura do singer-songwriter”. Joana Espadinha confirma esta mesma ideia: “Todas as cantoras estudaram música e, por isso, estão bem equipadas para poder compor”. Luísa Sobral vai mais longe: “Ouvimos todas muito pop-rock, músicas brasileiras e os escritores de canções portuguesas, por isso quisemos trazer letras de qualidade para o jazz. As letras dos standards são, na verdade, muito básicas, muito rudimentares”. Maria Norton admite: “Se tivesse ao meu dispor uma dupla como o Tom Jobim e o Vinicius de Moraes com certeza que não faria um disco só com temas meus”. Mariana levou a ideia de autoria até ao limite: “Fiz o disco sozinha, uma edição de autor, foi uma aventura e uma aprendizagem”. Marta diz: “Acho que tem a ver sobretudo com uma necessidade orgânica, por um lado surge ao longo do percurso musical, por outro, de se ser autor. O que não é condição para se ser um ótimo cantor. Mas acaba por ser diferente a pessoa cantar as suas próprias canções.” Apesar de não ter nenhum disco editado, Joana Espadinha, tem varias participações, não só como cantora mas também como compositora e letrista para Afonso Pais, João Hassel-

berg, André Santos e João Firmino, entre outros. É por isso, na sua essência, uma escritora de canções (de jazz e não só). O disco terá apenas temas seus: “Esta é a música do meu coração, não quero dizer com isto que deixe de cantar jazz, mas esta é a música que gosto de escrever”. Também Luísa Sobral, com maior visibilidade, se tem dedicado à composição para outros, até para fadistas como Ana Moura e António Zambujo. Para Luísa Sobral há uma forma feminina de escrever canções: “Há homens que escrevem como se fossem mulheres, mas será interessante, com o aparecimento de novas letristas, descobrir mulheres que escrevem como se fossem homens”. Joana Espadinha acrescenta: “Talvez seja uma escrita mais emotiva, eu quando penso na escrita de canções penso na Joni Mitchell”. Mariana Norton conta: “Sempre me habituei a ouvir Tori Amos, Fiona Apple ou Erykah Badu, isso deve influenciar o que faço”. Sara Serpa não é da mesma opinião: “Não costumo distinguir a música de que gosto e admiro pelo sexo do compositor”. Marta Hugon completa: “Acho redutor falar-se de composição no masculino e no feminino. Dentro do universo feminino haverá formas muito dispares de sentir e de expressar, tal como no universo masculino”.  

Os puristas fecham os ouvidos e abrem a cabeça; eu prefiro que se faça o contrário Luísa Sobral


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DE PORTUGAL PARA O MUNDO O jazz é uma música com raiz nos EUA, que se universalizou. Interessa-nos saber até que ponto é que estas autoras e compositoras portuguesas criam um jazz português. Quando Cati Freitas canta Paulo de Carvalho, a portugalidade está evidentemente lá, contudo, há sempre quem diga que aquilo já não é jazz. Em autoras como Joana Espadinha, que escolhem o português como idi- oma de expressão, a questão também não se coloca. Mas coloca-se com as que cantam em inglês. Sara Serpa, que trabalha muitas vezes com poesia portuguesa, salienta: “Penso que é importante expressar-me na minha língua, sem complexos: o Português é uma lingua rica e que tem uma sonoridade muito especial e bonita, e com a qual me é mais fácil expressar emoções e sentimentos”. Joana Machado, que já gravou um disco só com poesia portuguesa, mas canta preferencialmente em inglês, reconhece: “Não sei caracterizar isso da portugalidade, por isso não a identifico em mim. Mas sou portuguesa, de Portugal, talvez isso conte para alguma coisa”. Luísa Sobral realça que nos concertos no estrangeiro faz semore questão de cantar qualquer coisa em português. Mariana Norton também inclui no disco um tema em Português, em dueto com Tiago Bettencourt. Marta Hugon, por seu turno, justifica assim a sua opção por escrever em inglês: “Tem a ver com a música que eu ouvia ser anglo-saxónica; com a minha formação em Línguas e Literaturas Modernas - Português e Inglês, e o facto das minhas referências literárias serem da literatura anglo-saxónica. Não quer dizer que não vá fazer

coisas em português. É a minha língua, gosto muito e gostava de explora-la.” Contudo, não esconde: “Tenho a ambição da internacionalização. Todas temos. Fazer música em Portugal - ou qualquer outra coisa que tenha a ver com arte - é duro. É sofrido. Há menos trabalho, quer dizer, há menos dinheiro para pagar espectáculos. Temos que ser criativos na forma como gravamos, como gerimos os recursos, procurar alternativas...” Joana Rios, que está a preparar um disco novo, considera que “O nosso país tem e sempre teve um mercado diminuto, mais crise, menos crise. Só por carolice é que se continua a tentar ter uma carreira profissional na música em Portugal, pelo que, a internacionalização tem de estar sempre presente na nossa mente, é determinante para a subsistência dos músicos portugueses.” O exemplo recente de Elisa Rodrigues, que gravou um tema com a banda inglesa These New Puritans é, certamente, inspirador. Mas também o percurso de Jacinta ou Sara Serpa. Sara diz: “Infelizmente Portugal não investe na sua música. O fado tem muito reconhecimento, mas toda a música nova e criativa, desde o Jazz, à música improvisada e comtemporânea, não é valori- zada.” A contrariar esta ideia está todo o percurso de Maria João que, sem abdicar da língua portuguesa, continua a ser a mais original e internacionalmente reconhecida das nossas cantoras de jazz. Joana Espadinha também não abdica do português: “Tenho a ambição de dar ao mundo as músicas que escrevo e viver disso. Se eu poder partilhar com mais pessoas, melhor.” E reforça: “É muito importante tudo isto que está a acontecer no jazz português, com uma geração de compositoras”. Mesmo fora do jazz há cada vez mais casos de mulheres a compor. No pop, havia os casos de Amélia Muge, Mafalda Veiga e pouco mais. Agora surgem nomes como Rita RedShoes ou Francisca Cortesão que têm em comum com esta geração de cantoras de jazz a formação académica. Para não falar de

Rita Braga ou Cati Freitas que vagueiam entre géneros, sendo discutivel se pertencem ao universo jazzistico. Com mais ou menos swing, toques de pop, fado ou bossa nova, a nova geração de cantoras e autoras é um fenómeno, que nos abre os ouvidos para novos universos. Segundo Joana Machado, isso “significa sobr-

etudo que as mulheres têm confiança em si próprias e vontade de manifestar a sua identidade musical, para além de serem in-

térpretes de canções de outros”. O jazz vocal há muito que tinha corpo de mulher. Agora também tem a alma.JL

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Bruno Bénard-Guedes No canto superior esquerdo da capa, o inequivoco programa: “The unique voice of Jeanne Lee with Ran Blake at the piano”, seguido do seu complemento emocional direto, “The newest sound around”. Em 1962, a estreante obra-prima do instrumento efetivamente singular da esplenderosa e ostracizada Jeanne Lee, em rigorosa comunhão espiritual com a não menos singular, es- plenderosa e ostracizada voz pianistica de Ran Blake, converter-se-ia num dos documentos pinaculares da modernidade do jazz vocal, inscrevendo nos anais do género a indelével identidade sónica dos seus egrégios

autores. Nascia criativamente o esteta que melhor viria a (de) cantar com o seu teclado a musicalidade exponencialmente infinita da entoação humana, em registos com vocalistas com Claudia Polley, Dominique Eade ou Christine Correa, ou nos seus álbuns de homenagem a Abbey Lincoln ou Sarah Vaughan. Hoje com aprilinos 78 anos, o mais irredutivel e eximio pianista jazzistico em atividade (só o gigante Randy Weston lhe faz gentil sombra...) cruzou-se no final da década passada com aquela que, graças à sua influên-

cia, se tornaria a mais completa cantora portuguesa, Sara Serpa, timbre cristalino e lacónico, despromovido de vibrato, “smooth as glass”, como acontecera meio século antes com Jeanne Lee, o professor Blake e a sua pupila exatificaram a sua tácita afinidade artistica e, cumprindo um aturado plano de ensaios, forjaram o diáfano “Camera obscura”, disco publicado em 2010 pela Inner Circle, casa editorial regida por Greg Osby, que servia Sara Serpa simultaneamente como professor, mentor, editor, saxofonista e aval de incomensurável prestigio. O mundo rendeu-se à

impoluta expurgação estilistica do duo, reforçada em 2012 no estelar Aurora, lançado pela superlativa Clean Feed. Saiba Sara Serpa preservar as companhias e a ideologia certa, e estes serão só os passos iniciais rumo à galeria das divas que ergueram a canção jazz a um patamar de intangivel valor. Sara Serpa cria regularmente com outros nomes vitais da improvisação contemporânea esteticamente mais desafiante, como Kris Davis ou Tyshawn Sorey, participa no quarteto vocal Mycale, dirigido por John Zorn, e, vivendo em Nova Iorque, ainda se empenha em conceptualizar o

Joana Machado Para sempre jovem Um “turning point” na sua carreira. É como Joana Machado olha para Blame It On My Youth, o seu novo disco, nas lojas a partir do próximo dia 27. Depois de CRUde (2005), A casa do Óscar (2008), e a Travessia dos Poetas, Rosapeixe (2010), lança agora um álbum que ‘abre’ o ter- itório do jazz a “várias áreas diferentes da música dita mainstream”. Do rock ao pop, passando pela electrónica e o R&B. A cantora e

compositora apresenta-o hoje, quarta-feira, 22, às 22 e 30, no palco do Hot Club (no 48 da Praça da Alegria), em Lisboa acompanhada do seu quinte- to: Bruno Santos, nas guitarras; Óscar Graça, no piano e efeitos; Bernardo Mendonça, no contrabaixo; e Alexandre Frazão, na bateria. Jornal de Letras: O que significa este disco no contexto do seu percurso? Joana Machado: Cansei-me da música demasidado erudita, auto-exigente, causadora de grandes angústias e de uma insatisfação permanente e decidi meditar acerca das razões que me fizeram querer ser músico de profissão. Foi na minha adolescência, ao som de Nirvana,

Pear Jam, Alice in Chains, entre outros, que essa inevitabilidade surgiu, e, com todo o conhecimento que adquiri entretannto e a memória das emoções fortes dos meus 15 anos, resolvi fazer um álbum que refletisse esse ‘divertimento’ que a música me proporciona. O reportório conta com 11 canções, seis originais e cinco versões. Como foi feita essa escolha? Comecei por querer adpatar algumas canções extra-jazz à minha linguagem musical e ao meu quinteto. Nos últimos anos abri-me mais à música em geral, voltei a ligar a rádio e repesquei os meus discos antigos para tornar a ouvi-los. Descobri o James Blake e a Feist, apaixonei-me pelos seus universos e quis contar uma ‘história’ de cada um, à minha maneira. Do primeiro escolhi

tão promissor coletivo Lisboeta Fragmentz, ambição de libertação do potencial harmóni- co de quatro emergentes vozes locais (Joana Machado, Joana Espadinha, Margarida Campelo e Mariana Norton), iluminando-as com ensinamentos orquestrais descendentes do third stream aprendido com Ran Blake. Até aqui, Sara Serpa teve inteligência, sensibilidade, carisma e cabal capacidade de desenvolvimento do seu inato talento. São essas virtudes que definem a sua “unique voice”, diferenciando-a da restante massa, mais ou menos anónima, mais ou menos anódina, de cantoras - que

The Wilhelm Sream, um tema minimalista em que a melodia se repete à medida que vão surgindo novas camadas de ‘ruido’. Da Feist, a The Water, uma balada triste e bonita. Depois, tinha que prestar homenagem à Erykah Badu, grande inspiração para mim desde sempre, e o Tyrone era um tema forte para fazê-lo. Lembro-me muito bem do concerto dela ao vivo na MTV em que, grávida e de turbante imortalizou essa canção. A Polly dos Nirvana foi uma escolha muito ponderada. É dos poucos temas em que a bateria não entra. Só voz, guitarra e baixo. Depois dei trabalho de casa ao Bruno Santos (meu guitarrista): fazer um arranjo para o EvenFlow dos Pearl Jam. Já as minhas seis canções originais foram surgindo, uma a uma, timidamente... São pequenas histórias autobiográficas que não vou contar para que as pessoas fiquem curiosas...


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agora se querem igualmente compositoras - que neste século vão prolif- erando em Portugal. Além de Sara Serpa, distingue-se, a uma considerável distância (um Atlântico fértil em simbolismo), o labor de Joana Guerra e, ainda mais remota, de Rita Braga, ou seja, as autoras que, tal como ela, se demarcam pela superior quantidade (e qualidade) de ideias próprias, ludibriando astutamente o cânone, sem cedências fáceis face a estereótipos. Se devidamente orientadas, Joana Machada, Sofia Ribeiro e até Marta Hugon têm potencial para ambicionar outros feitos. Dificilmente encontrarão mentor no presente quadro dos criadores de exceção da improvisação de carimbo nacional (Sei Miguel, Rafael Toral, Norberto Lobo, Rodrigo Amado, Joana Sá, João Lobo e pouco mais...), mas têm literalmente, um mundo de possibilidades se passarem as fronteiras, como fizeram, com resultados distintos, Sara Serpa ou Sofia Ribeiro. Outras há, comprometidas no seu jazz de telenovela ou no cançonetismo

pop ligeiro com veleidade de requinte > melodramático, a quem não se afigura redenção possivel. Mas a desorientação justificará per se a escassa verve artistica da generalidade destas crooners de saias? Em todos estes casos, há vozes tecnicamente limitadas, sabendo Sara Serpa, mais uma vez, a exclusiva sabedoria da conversão dessa limitação a seu favor, depuração min- imalista igualmente recolhida nas teclas de Ran Blake. Não há aqui nenhum tom com 10% da densidade dramática de Nina Simone, de Billie Holliday ou desse novel milagre da arte sonora que é Matana Roberts. Mas a verdade é que nem as notáveis Blossom Dearie, Chris Connor ou Astrud Gilberto têm vozes particularmente imponentes... Paradoxalmente, é no fator tido como trunfo primordial deta geração de cantoras, a sua propalada vocação autoral, que pode residir metade do problema - e abdicar de compor, hélas!, pode ser meia solução para somar crédito artistico. Prova-o

É de alguma forma uma ‘homenagem’ à sua juventude? Existe uma espécie de arrogância do jazz em relação às outras vertentes músicais. Eu própria sofri isso durante muito tempo, ouvindo ex- clusivamente ‘música de elite’, mas felizmente reabilitei-me (risos). De repente, fiquei outra vez curiosa com o que se faz na música em geral e posso dizer que me sinto rejuvenescida por isso. Afinal, fui adepta de saídas à noite, danceterias até de manhã, abanei muito o capacete na minah adolescência e no inicio dos meus 20’s. Depois, o estudo da música, a preservação fisica que a voz exige, fizeram-me reclusa durante muito tempo. Acordei novamente para a vida aos 29 anos e (re) descobri muitas coisas. Hoje, aos 35, sinto-me mais nova que aos 27. Vibro com o Snoop Dogg, por exemplo! Estas canções que escolhi rearranjar são homenagens ao meu

passado longínquo de adolescente e ao meu presente de feliz contempladora da contemporaneidade. Como é o seu processo de composição e escrita das canções? Enquanto músico, oiço música de todo o mundo e de muitas idades diferentes. Para além disso sou uma mulher, com especificidade de mulher e sou uma pessoa igual às outras. Limpo freneticamente a casa, gosto de comprar ‘trapos’, vou ao cinema, adoro encontrar-me com amigos e viajar. Tudo me inspira! Compor requer muita disciplina, método de trabalho e persistência. Sempre que invento uma melodia, no duche, no carro, onde quer que seja,

Sara Serpa, timbre cristalino e lacónico desprovido de vibrato, “smooth glass”, é a mais completa cantora de jazz portuguesa

o postulado do jazz que advo- ga que são raras, muito raras, as mais-valias geradas por aventuras lavradas por vocalistas. O american songbook é material axiomático neste contexto - se se esgotar, esgotar-se-á também a canção jazzy. Praticamente todas as mais insignes intérpretes do jazz cantando experimentaram, em maior ou menor dose, a escrita musical: Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Nina Simone, Sarah Vaughan, Lena Horne, Dinah Wash- ington, Abbey Lincoln, Anita O’Day, Peggy Lee, Julie London, Fontella Bass, Irene Aebi, Jeanne Lee, etc. Mas não é, seguramente, o esmero composicional que as eternizam. Quantos melómanos saberão inventariar uma única música saída da pena Ella Fitzgerald, p. ex.? Acima de tudo, a génese deste enredo está na alienação da cultura interinseca do jazz restando aqui apenas o exotismo, a circun- stância mecânica, ingénua, unidimensional, formatada, segura, óbvia. E não há sequer

uma contaminação de folclores locais no jazz, como sempre aconteceu, p. ex., no Brasil, onde o “suinge” se traduz em doutrinais cantos que vão de Dolores Duran e Juçara Marçal (dos impre- scindiveis Metá Metá), passando por Joyce, para citar apenas três cabais epifanias do léxico jazzistico como meio não como fim. Sintomatica- mente, todas estas “novas” trovadoras se referenciam em mundanidades pop como Bjork, Radiohead, Sting, Chico Buarque, Djavan, Doors ou Pearl Jam, em prejuizo dos estetas radicalmente engajados com as ruturas epistemológicas do cancioneiro jazz. E, perante tal clivagem, nem a entoar Moon River numa janela filmada a preto e branco, Luísa Sobral consegue passar de uma miserável ruína da memória de Audrey Hepburn... JL

tento rápidamente registá-la (gravo-me com o telefone) e esse normalmente é o meu ponto de partida. Depois sento-me ao piano e desenvolvo a canção e a letra que aos poucos toma forma. Às vezes tenho uma ideia especifica sobre a intenção da música, se quero que corresponda a um groove especifico, se é uma balada, outras vezes ela vai-se mostrando. JL CAROLINA FREITAS

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Luísa Sobral

toda a aprendizagem que Luísa lançou no seu primeiro albúm em 2011 “The Cherry On My Cake”. Valeu-lhe mais de 100 concertos não só em Portugal como pela Europa, bem como um disco de platina. Dois anos depois, chega-nos “There’s a Flower in My Bedroom”, um albúm mais pessoal e maduro que reflete a sua confiança e o seu crescimento enquanto cantora e compositora. Afastando-se da complexidade do jazz, Luísa introduziu novos géneros na sua música como a pop e a folk, na procura de uma maior simplicidade. Prepara agora a edição internacional. Contudo nunca deixa de compor; “Se calhar já tenho material suficiente para um próximo disco, mas julgo que é necessário esperar algum tempo. JL MARCELO VAZ

Cerejas e flores

É um dos mais badalados nomes da nova geração de cantoras jazz. Escreve, compõe e toca. Com 26 anos e dois álbuns editados, a artista portuguesa conta já com colaborações de Jamie Cullum e António Zambujo. “Os meus discos não foram um sucesso do tipo ‘loucura’, foram sendo descobertos aos poucos e conseguiram ser novidade durante muito tempo”, afirma. Desde cedo que começou a sua relação com a música. Aprendeu a tocar guitarra e foi ao sim de Beatles, Billie Holiday, Ella Fitzgerald e Chet Baker que o seu interesse pelo jazz começou a desenvolver-se. Ainda na

Marta Hugon

Sousa Machado na bateria. Com os mesmos músicos edita Storyteller (2008) e A Different Time (2011), sendo este último o seu primeiro álbum de canções originais, escritas por si e compostas juntamente com Filipe Melo. “Quando lancei o primeiro perguntaram-me logo porque que eu não compunha. Isso não é assim!”, conta. “Tive que fazer o meu percurso, gravar dois discos como intérprete, ir criando a minha identidade, até me sentir preparada para criar as minhas próprias canções”. Até sairem as próximas, pode ouvir-se a voz de Marta Hugon hoje, quarta-feira, 22, no concerto apresentação do novo disco de Joana Machado, no Hot Club; e a 15 de Fevereiro, na reabertura do Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian. JL. CF

Cantar histórias

Beautiful Melodies Terrible Things é o título do novo disco de Marta Hugon, que está em fase de gravação e sairá este ano (ainda sem data certa). Mas a citação, que a cantora e compositora ‘roubou’ a Tom Waits, é também uma chave para o seu universo, como diz ao JL. “Tem a ver com podermos ter uma canção com uma melodia muito bonita que fala de uma história terrivel. Interessa-me explorar esse contraste entre a música e a letra”, explica. O lado narrativo é, de resto, o que mais apaixona numa canção. Foram as letras do jazz que a “chamaram”, em primeiro lugar. Só mais tarde veio o gosto pelo improviso e todos os ingredientes desse género músical.

Nascida em Lisboa, Marta Hugon, 42, licenciou-se

em Línguas e Literaturas Modernas, vertente de PortuguêsInglês, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Em 2000, entra para a Escola de Jazz do Hot Clube, onde tem aulas com Ana Paula Oliveira. Colaborou com diversos grupos e músicos, dentro e fora do jazz, como Ernesto Modesto, Cool Hipnoise, Shrimp, André Fer- nandes e Alexandre Camarão. Em 2005, lança o disco de estreia Tender Trap, de standards, com Filipe Melo no piano, Bernardo Moreira no contrabaixo e André

busca da sua identidade, participou no programa Ídolos em 2003, alcançado o terceiro lugar. Na vontade de aprender mais sobre música, partiu para Boston, onde durante quatro anos frequentou a Berklee College of Music. E foi durante a sua estadia nos Estados Unidos que começou a ver o seu trabalho reconhecido. Foi nomeada para o “Internation- al Songwriting Competition” em 2007, “Best Jazz Song”, no Malibu Music Awards em 2008, “Best Jazz Artist” no Hollywood Music Awards e ainda “The John Lennon Songwriting Competition”. Com a sua identidade musical cada vez mais definida, Luísa parte para Nova Iorque após ter terminado o curso em Boston. “Quando vivi na America aprendi duas coisas importantes: a gostar de fado e a fazer pasteis de nata”, revela ao JL. E foi com


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Sara Serpa

a família.” O meio altamente competitivo exige sempre o melhor de cada artista, e foi ao trabalhar com músicos talentosos que Sara guardou as experiências para com elas evoluir a todos os niveis. “Partilhar o meu trabalho com músicos que admiro fez com que me concentrasse no que quero fazer e não no que quero produzir. É inspirador ver a paixão e dedicação que a maioria dos músicos que me rodeiam tem na relação com o seu trabalho”. Mantendo uma constante ligação a Portugal, aproveita para passsar dois meses por ano em terras lusas, com concertos e colaborações com músicos portugueses. “É bom sentir o nosso trabalho reconhecido, seja em Portugal ou no estrangeiro. É reconfortante sentir que posso regressar e que há pessoas interessadas no que faço”. JL. MARCELO VAZ

Lisboa e Nova Iorque

Vive nos Estados Unidos há nove anos e já tocou com Danilo Perez, Ran Blake e Greg Osby. Recentemente, juntou-se ao grupo vocal Mycle, de John Zorn. Sara Serpa, 31 anos, é a mais ‘interna- cional’ cantora de jazz portuguesa da nova geração. Primavera é o mais recente álbum em duo com o guitarrista português André Matos. Com lançamento previsto para abril, Sara mostra-se feliz com o trabalho realizado. “Estou muito contente com o resultado final e ansiosa por poder partilhar esta música em Portugal, no próximo verão”, conta ao JL. Nasceu em Lisboa e foi aos sete anos que iniciou a sua formação músical. Começou por tocar Piano no Conservatório Nacional de Lisboa. Fez parte do coro dessa instituição, que a levou a viajar pela Europa e fez despertar o desejo de ir para fora. Começou por estudar can-

to lirico, aos 18 anos, e, aos 23, entrou no Hot Clube Portugal que lhe abriu as portas para o mundo do jazz e da improvisação. Seguiu-se o Berklee College of Music onde estudou durante três semestres e depois finalizou a sua formação com o mestrado em Jazz Performance pela New England Conservatory. Cantautora, Sara, conta já com três álbuns de originais - “Praia” (2008), “Camera Obscura” (2010) e “Mobile” (2011), e a sua curiosidade e a constante procura de identidade musical, trazem inspiração necessária para que dê continuidade ao seu trabalho enquanto compositora. “O que mais me inspira é a vida, e toda a arte, literatura, cinema e música, natureza, os amigos e

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etras

RICHARD

ZIMLER Mais do que um romancista que vigia os horizontes da História, com A Sentinela, o seu novo romance, um “policial psicológico e social” já nas livrarias, afirma-se um autor muito atento á sociedade portuguesa contemporânea. Ao JL, adverte para a necessidade de todos lutarem por um Portugal melhor, um país que também já é seu. Entrevista de Maria Nunes

Escritor

alerta

Há mais de 20 anos que Richard Zimler trocou Nova Iorque pelo Porto e não se arrepende. Tem dupla nacionalidade, mas sobretudo é um homem duplicado, norte-americano e português. Na soma das duas culturas, das duas línguas, encontra um maior conhecimento do mundo. E se continua a escrever só em inglês a línguia-materna “oblige” - , sendo posteriormente os seus livros traduzidos por José Lima, já as suas histórias cruzam muitas vezes o universo português, desde O Último Cabalista de Lisboa, com que se estreou nas letras em 1996. É o que volta a acontecer com o mais recente romance, A Sentinela (Porto Editora, 424pp., 16,60 euros), em que não faz uma incursão histórica, como em muitos dos seus livros, mas observa o presente da sociedade portuguesa. E, simultaneamente, mergulha no passado americano do protagonista, o detective Henrique Monroe, um investigador da Polícia Judiciária, com dupla personalidade, que se vê a braços com um homícidio em Lisboa e com as sequelas de uma infância traumática no Colorado, EUA. Um policial tão ‘negro’ como os melhores do género, em que no, entanto o detective não é um ‘duro’ á imagem e semelhança de um canónico Marlowe. A dureza em A Sentinela está no incesto e na corupção, móbil do crime, e na violência familiar que ensombra a memória do investigador. E aí encontram algumas pistas autobiográficas do próprio escritor, como assume ao JL. Richard Zimler , 57 anos, nasceu em Roslyn Heights, Nova Iorque. Formou-se em Religião Comparativa, na Universidade de Duke, e fez um mestrado em jornalismo na de Stanford. Foi jornalista em S.Francisco e professor durante 16 anos, na Escola Superior de Jornalismo e na Universidade do Porto, cidade onde vive desde, 1990, sendo casado com o físico Alexandre Quintanilha. Dos seus livros, alguns dos quais best-sellers em vários países, destacam-se Meia-noite ou o Príncipio do Mundo, Goa ou Guardião da Aurora, Os Anagramas de Varsóvia e Ilha Teresa, entre outros, que configuram uma obra que reflete essencial- mente sobre questões da identidade e da tolerência, incidindo sobre minorias e excluídos, os judeus, os

Jornal de letras: Em A Sentinela volta a escrever sobre a realidade contemporânea. Porquê? Richard Zimler: Não planeio a minha carreira. Depois de acabar um livro, fico esgotado e durante alguns meses não escrevo nada. De repente, quase por magia, surge uma ideia para outro romance. Pode ser uma imagem, um cenário, qualquer coisa que me deixe fascinado e começo a investigar, se for um romance histórico. Neste caso, é um policial diferente, que decorre em Lisboa, com um narrador que tem uns trantornos psíquicos. Quando surgiu no seu imaginário esse detective com dupla personalidade? Estava numa livraria na 3a Avenida em Nova Iorque, a folhear uns livros, na secção de Psicologia, deparei-me com um que me chamou atenção, onde descobri o transtorno dissociativo de identidade, a que antigamente chamavámos personalidade dupla. E surgiu-me logo a ideia de um polícia com esse trantorno, que aparece em grande parte em casos de abusos de abusos na infância. A teoria diz que criam um alter ego para lidar melhor com a violência. Foi o que aconteceu com o meus inspector que em criança desenvolveu uma “dupla personalidade”, muito perspicaz, sensível e intuitiva para defender o irmão mais novo. Por outro lado, esse alter ego pode revelar-se em situações de stress e portanto podia ajudá-lo quando está a investigar um crime. Não foi aliás a primeira vez que trabalhou a ideia de duplo nos seus romances. O que lhe interessa na duplicidade? A possibilidade do ser humano ter uma personalidade dupla levanta questões existenciais sobre a nossa identidade. Ela é fixa? Conquista-se? Pode mudar radicalmente? E como pode haver duas personalidades na mesma concha, no mesmo corpo? São questões muito interessantes sobre a condição humana. Essa duplicidade pode trazer muitos problemas na vida quotidiana. A identidade é a questão principal de todos os seus livros? penso que sim, mas nao sei explicar porquê. Talvez tenha a ver com a minha adolescência. Porquê? Foi díficil lidar com o amor, o sexo, a amizade, com todos os

problemas que temos aos 14, 15 anos. Um processo muito doloroso. Sofri imenso, até que finalmente percebi a pessoa que queria ser. E consegui sê-la. A identidade não é fixa, antes uma construção. Foi para mim uma longa e dolorosa viagem e talvez por isso falo desse processo nos meus livros. A VIOLÊNCIA EM CASA A sentinela aborda questões como o abuso sexual, a violação, o incesto, a pedofilia, a violência na família. Porquê? Quando escrevo, não tenho uma estratégia, uma arquitectura do romance delineada previamente. Abordo neste livro assuntos que me interessam, mas que falar deles não foi deliberado. Surgiram de uma forma inconsciente, possivelmente por ter vivido numa família bastante violenta. O meu pai era uma pessoa vertbal- mente muito violenta. De vez em quando também fisicamente. A minha mãe sofreu imenso com isso, porque ele constantemente a confiança dela. Acabou por entrar num estado de depressão clínica. Durante anos, quase não saía de casa, não se levantava, não se vestia durante muitas semanas. Algumas personagens de A Sentinela radicam na sua própria experiência? Sim. Ao criar o passado do meu narrador, comecei a usar essas minhas experiências. Transportei para a personalidade, para a vida de Monroe, o medo que sentia em minha própria casa. Essa parte do livro acabou por ser mais autobiográfica do que era minha intenção, porque não o escrevi para falar da minha vida. Para criar o seu detetive procurou igualmente ouvir investigadores da Polícia Judiciária. Foi determinante para a construção da personagem? Foi espetacular. Um dos grandes prazeres de ser romancista é fazer as pesquisas. A minha visão de um investigador criminal era absolutamente de televisão e dos filmes, de séries que vi em criança, como Colombo, e mais atuais, como CSI Las Vegas. Mas suspeitava que essa visão fosse fantasia, por isso quis falar com alguns inspectores. Através do Facebook, consegui contactar um no Porto, o José Nunes, uma das pessoas a uqem agradeço no livro. Sem essa


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ajuda, não poderia ter escrito o livro. Por isso, Monroe não se parece com os detetives das séries, dos filmes negros americanos, tem pouco a ver com o duro Marlowe de Chandler? Pois é. Monroe é único, um policial híbrido. Sobretudo é mais realista, mais próximo do trabalho dos polícias hoje em dia, do que um Philip Marlowe. Se calhar, ainda temos a ideia que os polícias são uns brutamentes, sem educação, sem cultura. E não é verdade. Os duros são coisa do passado. Isto não quer dizer, evi- dentemente, que alguns não atuem de uma forma violenta e desumana. Se não segue o modelo do policial, é sobretudo o mistério que lhe interessa? É isso. Mesmo grandes escritores como Faulkner - aprendi a escrever com ele -, ou Philip Roth, utilizam mistérios nos seus enredos. A diferença em relação aos policiais é que não recorrem a clichès, a técnicas melodramáticas para conseguir prender a tenção dos leitores. E é isso que também tento. Não deixa de ser realista, afinal, porque as nossas vidas estão cheias de pequenos mistérios. No caso de A Sentinela, escrevi na primeira pessoa e portanto tudo resulta do ponto de vista de Monroe, da sua interpretação psicológica de um assassínio misterioso. SEM COMPLEXO DE INFERIORIDADE O seu detetive tem uma vida dividida entre a América e Portugal, o que não deixa de ser uma coincidência com o seu próprio percurso. Por que faz transitar por aí o enredo do livro? Foi quando estive de férias no C olorado e visitei o Black Canyon que fiquei rendido a essa zona da América, verdadeiramente importante. Pensei que queria fzaer um romance que se passasse ali. Quando comecei a escrever A Sentinela, já sabia que iria decorrer em Lisboa, mas decidi, de Monroe seria no Colorado. Tudo encaixava bem, porque vivendo num rancho muito isolado, facilmente se perceberia por que os vizinhos não se apercebiam do que acontecia na casa deles e por Monroe e o irmão, quando eram pequenos, não podiam ter esperança que alguém os ajudasse. Era o local perfeito para o enredo do livro.

E por que escolheu que se desenrolasse em Lisboa? Estou cada vez mais iserido na sociedade portuguesa. Sou de facto um ser híbrido e orgulhome disso. Tenho o meu cárebro norte-americano e o meu cérebro português...

E é como cidadão portugês que crítica, no romance, o que se passa atualmente em Portugal? Era inevitável. Monroe é inspector na polícia portuguesa, o seu salário foi cortado 20% e tem muitas despesas c om os seus filhos, em educação, saúde, Foi por se sentir já meio poretc... Tinha que falar sobre a tuguês que quis falar no seu crise, porque as personagens livro da corrupção, da crise estão a viver económica essas difique vivemos culdades. Uma das na sociedade Mas para portuguesa mensagens Monroe a nos tempos do livro é crise não que correm? é apenas precisamente Uma coisa curiosa para a necessidade aconómica, é também mim, que vivi de construir um, país moral. muitos anos Ele pode no estrangeiro, melhor, mais justo e é que consolidário, com mais reconhecer as decisões tinua a haver compaixão. Temos erradas na sociedade que foram de lutar para que seja portuguesa tomadas uma espécie de possível.” pelos gocomplexo de vernantes, inferioridade viver com as consequências em muito grande. Menciono-o termos económicos, mas não porque nas minhas sessões nas num país em que não há responescolas, nas bibliotecas , por sabilização. vezes as pessoas estranham Crise moral em que sentido? que escreva sobre Portugal, que Todos os países têm coruptenha trocado Nova Iorque pelo ção, abuso de crianças, mas os Porto, os EUA por um país que crimes saõ julgados e punidos. dizem ser um atraso de vida. Respondo sempre que felizmen- Madoff fez um fraude gigantesca, nos EUA, e foi julgado em te não tenho esse complexo na seis meses, Aqui os banqueiros minha cabeça e que acho a História portuguesa tão importante do BPN ainda não o foram e foi preciso passarem quase sete como a francesa, a italiana, ou anos para serem julgados os a americana. Simplesmente, é abusadores das crianças da Casa diferente. E ainda bem. A nossa atual crise económica e também Pia. Monroe não consegue viver com isso. O seu dilema é saber crise moral são realmente asse deve continuar a defender a suntos muito importantes e reordem numa sociedade corrupfletem o que se está a passar no ta, onde não há consequências. resto da Europa e nos Estados

Unidos . Escrevo sobre Portugal porque não somos inferiores e sobre estes temas porque são universais . É significativo que já fale no plural... Na verdade já investi 23 anos da minha vida cá, tanto dinheiro em impostos e emoções. E já li muito sobre a História portuguesa: como podia não usar “nós” e “nosso”? Muitos estrangeiros talvez resistam a adotar Portugal, porque seria um risco para a sua identidade. Eu não. Não me custa adicionar a língua e a história portuguesas á minha identidade. Isso só enriquece a minha vida e aprofunda o meu conhecimento do mundo.

Isso também o choca? A sociedade portuguesa não é mais corrupta do que a francesa, a espanhola ou outras. O que é psicologicamente muito duro é não haver consequências. Estamos a criar uma geração que não acredita na justiça, porque há ideia que tudo é possível, que fica impune, desde que se tenha dinheiro, cunhas, contactos... Isso é grave para qualquer sociedade. Irrita-me muito nesse sentido, por exemplo, a ideia dos cheques-ensino, propostos pelo Governo. Porque estou a pagar os meus impostos para enriquecer os coléios privadose não reforçar o sistema-público da educação. Ainda mais quando muito diretores desses colégios privados antes trabalhavam no Ministério da Educação...Não

quero viver num país em que as pessoas não são responsabilizadas. A Sentinela tem nesse sentido uma domensão política. E por que usa mesmo os nomes dos políticos, governantes, e de figuras da cultura? Tem a ver com a minha formação anglo-saxónica. Nos Estados Unidos é normal usar-se os nomes reais dos políticos, num romance contemporâneo. Talvez porque nunca vivi numa ditadura, com medo de represálias, fpoi natural usá-los, ainda que isso posso chocar as pessoas. Como poderia escrever um romance realista, que se passa hoje em Portugal, chamando João Souto Maior ao primeiro-ministro? É mais cativante para os leitores usar os nomes reais, embora não vá obviamente difamar as pessoas. Central no seu romance é a relação do detetive Monroe com o irmão Ernie. É mesmo, para mim, o mais importante. consigo ouvir os dois facilmente. Quis falar de como são pessoas muito corajosas, apesar dos traumas da sua infância, e como condeguem estabelecer uma vida sólida. E a relação dos dois irmãos e muito comovente.

livro é precisamente a necessidade de construir um país melhor, mais justo e solidário, com mais compaixão. Temos que lutar para que seja possível. Vejo no entanto, que o povo está abatido e conformado, sem esperança. A própria resposta de muitas pessoas ao meu livro é que é muito bonito, mas não vai adiantar nada. Talvez até tenham razão. Não vou , porém abdicar da minha responsabilidade de particular na sociedade e exigir mais não apenas do Governo mas de toda a gente.

CLONES E LITERATURA Monroe vai continuar a existir no seu próprio livro? Deixei umas pistas no romance no sentido em que poderia tornar-se um detetive privado e talvez o seja mesmo se entrar noutro livro. Uma das ideias que tinha era precisamente continuar a escrever com este narrador, só que já comecei a trabalhar Tem um significado da solirie- noutro romance histórico. Estou dade e de esperança? a fazer a pesquisa, o que talvez Muitas pessoas acham o livro demore seis meses e só depois pessimista, vou escrever. sobre uma Entretanto, já “ A identidade não é saiu a reedição realidade sombria, fixa, antes uma cons- de O Último o que não de trução. Foi para mim Cabalista deixa de Lisboa, na uma longa e dolorosa Porto Editora, ser verdade, mas do a sua nova viagem e talvez por ponto de Por isso falo tanto desse chancela. vista pessoal que mudou de penso que é processo nos meus editora ao fim realmente de 20anos? livros.” de espeNao foi qualrança , de quer zanga muita luz. A luz não é possível com Maria da Piedade Ferreira. sem momentos de trevas, de deContinuamos a ser amigos. Simpressão, de dor. A Sentinela tem plesmente, a LeYa indicou-me tudo isso. E ainda assim é positi- clamramente que não valorizava vo, o que é visível até na relação a minha presença na editora, do Monroe com os filhos. como esperança. O bem vence o mal? Sim. Apesar de tudo, de todas as dificuldades e problemas, Monroe, Ernie, todos vão continuar a lutar. E isso é que é importante, que todos continuemos a lutar para exigir do Governo uma vida digna ou simplesmente para compreender o Outro. É isso que as minhas personagens fazem. Uma das mensagens do

Em que sentido? Não respeitavam as minhas necessidades como escritor que ganha a vida com os seus livros. Tentei resolver o problema e não foi possível. Fiquei transtornado e magoado, porque trabalhava com a Maria da Piedade desde 1996, mas achei melhor mudar para outra editora onde me respeitassem. 17


Nuno Júdice António Carlos Cortez

Navegação de Acaso tem no poema dedicado a Benardo Sasseti, “In Memoriam”, um dos momentos narrativo-líricos mais altos. É um poema que con- substancia muito do que a arte poética de Nuno Júdice (NJ) tem procurado fazer: registar, em termos de descrição e narrativa, a face lírica dos sucessos humanos. A face mais frágil desses sucessos e que, de algum modo, nos lembram que somos frágeis. A face liríca, entenda-se, é o que resulta da concentração do olhar do sujeito num dado ponto real, algo que caracteriza o estilo do autor de Meditação Sobre Ruínas (1995) e nos leva a olhar também para aquilo que são os andaimes dessa realidade que se tenta capturar - realidade do que vê ou vive, realidade que é também o fazer do texto, construção laboriosa da palavra. Regressemos a esse poema dedicado a Bernardo Sasseti: “Há um fotógrafo triste que boia no oceano. Nas mãos/ já não

vazios,/a caminho da garagem. Com a escuridão, vejo/ todas as estrelas por cima de mim. Adivinho o brilho/ das que não vejo nos mantos de névoa nos

mente instrumental conduncente a uma fria linguagem. NJ, de resto, concilia uma propensão narrativa com aquilo que, á falta de melhor, diremos der um “mecanismo romântico da fragmentação”; mecanismo esse que o leva a figurar o poeta como alguèm que analisa os espaços, os lugares, os tempos, em função do que neles é a fragmentação, fruto do acaso de uma modernidade num processo interrupto de diluição. Por isso o olhar - o verbo “olhar” - ocupa um espaço fulcral neste livro. O poeta é o que adivinha as formas informes dessa modernidade líquida. Em que consiste, pois, o poema? Num “exercício de astronomia” (“Agora que é noite, as luzes apagam-se na praça,/ e os autocarros passam completamente

Crónica dos

João“ Antônio

acompanhavam desde os cincos anos de idade. Eu não escrevia em outro lugar que não fosse o meu quarto porque fora dele eu nao sabia escrever”. Também não era um livro igual aos outros. Tal como o Brasil descobriu o mundo dos tiras e dos killers com Ruben Fonseca e Os Prisioneiros, com Malagueta, Perus e Bacanaço a literatura brasileira conheceu os habitantes e a linguagem da noite. Proxenetas, prostitutas, surrupiadores, vadios, operários, esmoleiros, jogadores . Na prosa de João Antônio não há heroís, nem gente comum. São todos excecionais á sua maneira, como as famílias infelizes. Cda personagem carrega o peso da recusa das convenções e a vontade de fugir á rotina. Por isso, entram em jogo, normalmente no snooker ou na “sinuca”, como se diz nos botecos.

Meia-bola e força e a noite está ganha. Jogam e João Antônio também, utilizando a “linguagem deles”, como reconhece no prefácio. “Jeitos, códigos, vou até á sintaxe malan- dra. Gíria. Gíria é bom para espíritos intensos, de vulcânica agitação e sublime vibração”. Em nove histórias, dividias em três secções - “Contos Gerais”, “Caserna” e “Sinuca” - somos conduzidos pela noite dentro por João Antônio, que nascido em 1937 viria ser encontrado morto em casa, em 1996, depois de dezena e meia de livros publicados. Negando-se às obrig- ações quotidianas, as suas personagens saem para a rua e tudo pode acontecer. Que o digam Malagueta, Perus e Bacanaço, do conto que dá o título ao volume. Três da vida airada que procuram enganar o próximo antes de o próximo os enganar. Formam uma tripla perfeita e são tão bons a ganhar,

A invenção de quadros

tem a máquina que deixou cair pelo caminho,/ e nos olhos falta-lhe essa força que permitia fixar / o objectivo, definir o quadro, inventar o ângulo/ certo para atingir o alvo. Agora, flutua como o barco/ que perdeu a âncora, ou como folha que se cansou / de ir com o vento, e se deitou a descansar num/ leito de água. Alguém que o tivesse visto teria/ querido chamar por ele, puxá-lo para a margem,/ e convencê-lo a olhar a paisagem;/ mas ele não ouve ninguém, e deixa-se ir até onde/ a cor- rente o levar, no mar que se tornou o seu berço.” (p.40). Fixar o alvo, definir o quadro, inventar o ângulo, eis três príncipios estruturantes da poética de NJ. Mas há, nesses processos de construção de texto, uma preocupação efabulatória sem a quam definir o quadro, inventar o ângulo e fixar o alvo poderia redundar em exercício mera-

Luís Ricardo Duarte

Diz-se , no snooker, que em caso de dúvida o melhor é “meia-bola e força”. A expressão nunca passou por elogio, sendo até o reconhecimento da falta de soluções e da desmedida crença no acaso. Mas é o que apetece dizer desta soborosa estreia literária de João Antônio, Malagueta, Perus e Bacanaço, que passados 50 anos da sua publicação, com aplauso geral da crítica e do público, tem agora a 1a edição portuguesa. A tacada do escritor brasileiro é sempre certeira e a forçã que imprime á prosa mnunca desvia a narrativa do seu destino. Por vezes, nap se sabe para onde vais esta bola literária. Mas ela entra sempre. Não falha, nem engana. João Antônio é um dos maiores reprentantes da grande tradição do conto brasileiro, que nas décadas de 60 e 70 teve a sua

mantos de névoa remotas/ vias lácteas; e ouço a música das constelações/ mais próximas (...)” (p.65). Adivinhar constelações, navegar ao acaso do que o olhar fixa, do que a memória resgata, do que audição apreende, do que a imaginação verbal produz, eis o que acaba por ser o denominador comum nestes poemas- quadros de Júdice. Não nos admiremos, portanto, de o poeta exaltar o próprio fogo do poema, a energia da palavra criadora. É um poema assim intitulado, “Cântico do Fogo” que suscita uma reflexão final: o uso da primeira pessoa em NJ pode corresponder a uma espécie de apagamento do sujeito poético,

entidade que, projetada pelo autor empírico, tem sido máscara, uma voz outra que nos impede de ver nos poemas a simples escrita de uma (auto)biografia. Pois bem, a primeira pessoa é figura presente e constante nos textos deste Navegação de Acaso. Júdice, também crítico e ensaísta, ao cantar o fogo de uma palavra criadora, imaginária “deusa da tarde”, talvez seja um desses poetas - como Pavese - para quem não há uma distinção exata entre aquele que escreve a instância subjectiva a que damos o nome de “sujeito poético”. Ler NJ significa estarmos na presença de uma poética que se pauta, então, quanto ao estilo, pela dimensão narrativa, pelo ritmo de prosa da sua frase, o que não afasta, no olhar o mundo, o lirismo elegíaco, por vezes melancólico, meditativo. E quanto aos temas - o amor, a poesia, as mínimas perplexidades do quotidiano ou as misérias dum tempo negro (a crise grega, as greves gerais dos transportes, a reflexão irónica sobre as insolvên- cias), as questões ontológi-

m

época de ouro. Escritores hoje consagrados, como Dalton Trevisan, Ruben Fonseca, Samuel Rawet e Soergio Sant’Anna, só para referir os publicados em Portugal, revelaram-se por estes anos. No caso, de João Antônio, á qualidade de estreia, logo distinguida com dois Prémios Jabuti (primeira obra e melhor livro de contos), juntaram-se as muitas peripécias deste livro. A história virou mito, o que não deixou de cativar o escritor, que

aus”

alandros

a ela voltou no prefácio á 3a edição brasileira, reproduzindo nesta edição portuguesa. O acontecimento tem drama e dia. “Livro de estreia. Estava pronto em 12 de agosto de 1960, data em que veio um incêndio, queimou minha casa, lambeu tudo. Fiquei sem roupas, sem casa, sem livros”, escreve João Antônio. O problema é que não era uma casa qualquer: “Naquele meu quarto, eu trazia guardadas as coisas que me


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OS DIAS DA PROSA Miguel Real

quanto a perder. Ao leitor interesará seguramente o resultado das muitas partidas que nestas páginas se desenrolam, até com inesperada ânsia pelo resultado final. Mas isso não o deve distrair do essencial: que o jogo se faz tacada a tacada. É requintada e inventiva a prosa de João Antônio, que nos surpreende com as suas tabelas e os seus truques. Quer quando resume em poucas frases uma vida inteira: “Moral para a família rezadeira é aguentar máquina de cálculo oito horas por dia, aguentar chefe estrangeiro, bitola, manha idiotice e ganhar seis contos no fim do mês (p 108).” Quer quando defende os seus: “Não pertenciam àquela gente banhada e distraída, ali se embaraçavam. Eram três vagabundos, viradores, sem eira, nem beira. Sofredores. . São bons malandros que por sorte encontraram em João Antônio o cronista dos seus nulos feitos.

2013:

evoluna ção

No que se refere ao romance português, o ano de 2013 não avançou nem recuou face às tendências dominantes evidenciadas na primeira década do século: 1) intenso cosmopolitismo nos temas, nos estilos, no léxico; 2) emergência de uma linguagem menos intelectualizada e mais sensual ou, se se quiser, carnal; 3) afirmação de uma pluralidade romanesca desprovida de unidade literária e ideológica. Neste sentido, nenhum romance publicado em 2013, desarticulou esta tripla configuração estética, evidenciando um elemento de rutura, desestabilizador, sugerindo a necessidade de repensar as tendências dominantes no universo romanesco português. Daí o título deste artigo: “evolução na continuidade”. Sendo impossível referir todos os romances portugueses publicados no ano transato (cerca de duas centenas), deve revelar-se, em primeiro lugar, a existência de um sólido conjunto de novos autores. Saliento Ana Margarida de Carvalho, Que Importa a Fúria do Mar, Raquel Freire, Transiberic Love, porventura o romance mais carnal de 2013, isto é, com uma linguagem explosivamente sensual, e Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas, retrati ficcional do Portugal do último quartel do século XX. De destacar, igualmente, nas estreias, a agilidade sintática do frasear urbano pertinente a este novo século trazido pelos livros de Hugo Gonçalves, Enquanto Lisboa Arde, o Rio de Janeiro Pega Fogo, Paulo M. Morais, Revolução Paraíso, Pedro SenaLino, Despáis, e Filipe Homem Fon- seca, Se não Podes Juntar-te a Eles, Vence-os. Ainda nas estreias, destaco ainda, sobretudo pela estrutura narrativa, Cinema Peruana, de Rodrigo Magalhães, e, pelo nível reflexivo, A Cura, de Pedro Eiras. Em 2012, tinha nascido um grande novo autor, Valério Romão, com Autismo; em 2013, com a publicação de O da Joana, 2o volume de uma triologia sobre a maternidade, permanece um grande autor. Manuel da Silva Ramos publicou o que será porventura a sua melhor obra (em conjunto com Três Vidas ao

continuidade

cas, certo erotismo (leia-se “Fecundação”, na p.58, “Derramo o esperma do sol sobre as éguas inseguras”), a ficionalização do que pensaria Duarte Nunes de Leão e o que teria dito a Dom Pedro num dia de caça, tudo isso convoca não a máscara ou a voz fingida de um “eu”, de um sujeito lírico que funcionasse como apagamento do autor, mas sim o autor, a pessoa real, empírica. Quem escreve e efabula é Nuno Júdice, sem mais. Por isso, Navegação de Acaso, sendo um livro de poesia, faz- nos reler o autor de Pedro lembrando Inês (2002), segundo uma ótica que destruiria um eventual pacto distin- tivo entre autor e “sujeito poético”. Se o poeta é um alquimista (da linguagem), um figurador de cenas, alguém que adivinha as formas do real, isso resulta de uma consciente implicação do autor no sujeito lírico, projeção de que serve para fixar, definir os quadros e inventar os ângulos dos cenários criados. Talvez por isso “Registo Cartográfico”, poema final do volume, não hesite em seruma espécie de esclarecimento: “Há viagens no canteiro da memória, como/ plantas arrancadas pelo vento. Percorro-as com os olhos do passado/ [...] / Por vezes tento das vida a essas plantas que morreram/ [...] / e vejo-as animarem-se um instante/ Mas elas morrem de novo; e recomeço a viagem,

Espelho), Pai, Levanta-te e vem dazer.me um fato de canela, uma espantosa novela sobre a morte, o luto, a memória e a esperança. Ainda no campo da novela, avultam Implosão, de Nuno Júdice, e A Instalação do Medo, de Rui Zink, ambas obras de intervenção social, apelando literariamente à memória, à denúncia e à inquietação. Nos Açores, sobressai a continuidade de estilo e de tema nos novos romances de Pedro Almeida Maia, Capítulo 41. A Redescoberta da Atlântica, e Paula de Sousa Lima, Mas Deus não dá licença que partamos, autores cuja arte de escrita abre novos horizontes ao romance açoriano, especialmente, sobretudo o primeiro autor, na superação do labirinto de tristeza, saudade e melancolia de que a literatura açoriana tem vivido. Pela coerência no estilo, 2013 impôs definitivamente a coleção de romances portugueses da editora Abysmo, com a publicação de obras de Rui Vieira (O Labirinto do Centauro), António Cabrita (A Maldição de Ondina) e Carlos Alberto Machado (Hipopótamos em Delgoa Bay). Reafirmação de uma imaginação infinita posta ap serviço da Literatura, é o que apetece dizer da obra de Afonso Cruz, em especial em Para onde vão os Guarda-Chuvas e no 3o volume da Enciclopédia, para além da beleza lírica do Livro do Ano. Na história da literatura portuguesa recente não existe autor que, sustentado numa poderosa cultura, leve ao limite as estruturas imaginais da criação como Afonso Cruz. Numa outra prespetiva, Joana Bértholo, com O Lago Avesso, reiterou e ampliou, e muito, a mestria que animara os seus dois primeiros livros. Do mesmo modo, sem ruturas, mas amplificando o seu universo literário, Valter Hugo Mãe, em A Desumanização, um grande, grande romance, e Gonçalo M. Tavares, em Animalescos, uma

espantosa síntese tanto do seu estilo quanto da filosofia que anima a sua literatura. Numa re-estreia (chamemos- lhe assim), após Niassa, Francisco Camacho regresou ao romance com A Última Canção da Noite. Carlos Cam- paniço, com Os Demónios de Álvaro Cobra, superou em absoluto os seus dois anteriores romances, vencendo o exigente Prémio Cidade de Almada. E Nuno Camarneiro reafirmou uma escrita profundamente lírica com Debaixo de Algum Céu, Prémio Leya 2012. Do mesmo modo, Luís Carmelo, em A Dobra do Crioulinho, Manuel Dias Duarte, em O Professor Simão Botelho, Fernando Esteves Pinto, em O Carteiro de Fernando Pessoa, e Nuno Figueiredo, em Rendição e Trevas, reafirmaram as constantes da sua escrita. No campo do romance histórico, sublinharia A Rocha Branca, de Fernando Campos, um dos seus melhores romances, e O Exílio do Último Liberal, de e Sérgio Luís de Carvalho. Na Madeira, juntando-se a Helena Marques, surgiu um novo escritor, António Breda Carvalho, com o romance histórico O Fotógrafo da Madeira. Às obras dos autores veteranos (chamemos-lhe assim), como Rui Nunes, Mário de Carvalho, António Lobo Antunes (publicou novo volume de crónicas, confirmando ser o melhor cronista literário português), Rentes de Carvalho, Manuel Alegre (É ou não é), Agustina Bessa-Luís (Caderno de Significados), Francisco José Viegas, Helder Macedo, Inês Pedrosa, Filomena Marona Beja, José Eduardo Agualusa, Patrícia Reis, Ana Cristina Silva, Julieta Monginho, Jorge Listopad, Domingos Amaral, Domingos Lobo..., aplica-se em perfeição o título deste artigo. A Mulher que Venceu D. Juan, sobre a violência doméstica, o primeiro romance escrito no Facebook. A exigir um segundo. 19


biografia em fotos e

texto

Alves Redol foi um dos escritores mais destacados, e mais denegridos, do neorrealismo. Quando, em 2011/12 (nasceu a 29/12/1911), se assinalou o seu centenário, com múltiplas iniciativas, em particular do Museu do Neorrealismo, na sua terra (Vila Franca de Xira), houve uma certa “revisão” da sua obra, valorizando-a como devido. Ou seja: pondo em evidência os pontos altos - e o mais alto é o seu último romance, Barranco de Cegos, de 1961 - sem omitir as suas limitações (ver designadamente o JL de ?????. com tema e capa dedicado a si e a Manuel Fonseca). Agora sai Alves Redol - uma fotobiografia/revista a

Alves

Redol

(sobretudo)

sua vida (começando aliás pela ascendência) e obra, ano a ano, até à morte, em 1967. Não se trata de uma edição daquelas de “encher o olho”, pelo grafismo, pelas fotografias e pela forma como são apresentadas - é uma pena, aliás, algumas das fotos não terem sido ampliadas, se é que a sua qualidade o permitia. Mas é um livro “limpo”, sério e que dá uma visão esclarecedora ou mesmo expressiva do Redol homem, cidadão. combatente político contra a ditadura, que de diversos modos o perseguiu. Aqui estão as suas paixões, as suas ideias, os seus amigos, histórias dos seus livros, do seu percurso profissional e familiar - o texto e or- ganização da obra é, aliás, de seu filho, António Mota Redol, que foi dos principais dinamizadores e organiza- dores daquele museu. E todo o volume tem, em caixa(s), reproduções de documentos, cartas, etc. - e, sobretudo fragmentos autobiográficos extraídos dos próprios livros do autor de Gaibéus, criteriosamente selecionados pelo prof. da Fac. de Letras da Un. de Lisboa e especialista do neorrealismo, Vitor Viçoso.JL


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A pergunta repete-se e a resposta também não varia. Está a escrever um novo livro? Está sim. Ainda não saiu A Fome do Licantropo e outras Histórias, que chega às livrarias na próxima sexta, 24, e Miguel Miranda já mergulhou num novo romance. E acrescenta: “Na editora já lá deixei outro, um policial. Este que agora comecei talvez saia em 2015”. Escrever, para este médico, nascido no Porto, em 1956, é um “prazer enorme”, que o transporta para os mais inesperados mundos. Como os das personagens que compõem este “profissionário”. São adivinhos, exumadores, jardineiros, quiromantes e usuários que ora têm uma vida exuberante por fora, ora escondem um universo sem limites por dentro. Um A a Z sobre artes, ofício e vocações que deixaria boquiaberto qualquer funcionário de um centro de emprego. Ficção em estado puro, numa inesgotável vontade de contar histórias e retratar almas.

Miguel

Miranda

Um invulgar profissionário

Porquê? Quando me lanço num romance fico totalmente absorvido, não sou capaz de me desviar, nem distrair. Sonho, navego, vivo a história. Seria impossível estar em dois projetos ao mesmo tempo. Aliás, fico completamente espantado quando ouço escritores dizerem que estão a escrever vários romances ao mesmo tempo. Não con- seguiria. Os contos surgem precisamente quando não tenho uma ideia para um romance. Por vezes é um desafio, um pedido, e se começo a sentir um denominador comum vou progredindo. Que tema comum esteve na origem de A Fome do Licantropo? A vontade de escrever sobre gente normal que tem dentro de si um mundo completamente diferente. Ou o con- trário: pessoas completamente diferentes que têm dentro de si uma personalidade normal. Foi com naturalidade que surgiram diversas atividades do género humano. Já se fizeram bestiários, breviários, herbanários, mas nunca um “profissionário”. Aqui está ele. O que é um “profissionário”? Um elencar de profissões, vocações, inclinações, das mais comezinhas às mais exuberantes. Tanto é um mostroário como um “monstruário”. De A a Z, são 25 histórias, a cada uma correspondendo uma arte, ofício ou vocação.

Quem fala em profissões fala em identidades? São conceitos próximos, sim. Aliás, há contos em que o nome da pessoa nem é nomeado. São os diretores e os administradores, que se confundem com o cargo. A alma das pessoas muitas vezes é vertida nas suas atividades, o que molda a forma como olham o mundo, procedem e trabalham. Mas aqui não se aborda apenas o lado laboral. Também há quiromantes, penetras, até o filho do abdominável homem das neves. São profissões de facto ou de fé. Curiosamente, o M não é de médico. A sua profissão não casa bem com a escrita? Quando escrevo nao fujo nem procuro a Medicina. Claro que casa muito bem com a Literatura, se calhar não tanto a Medicina mas a saúde e a doença. Tal como os mitos sobre as doenças psíquicas, também comentados no livro. Tudo faz parte da vida das pessoas, pois de médicos e de loucos todos temos um pouco. JL Lúis Ricardo Duarte

>Miguel Miranda A FOMO DO LICANTROPO E OUTRAS HISTÓRIAS Porto Editora, 176 pp, 15,50 euros

Jornal de Letras: Tem alternado livros de contos e romances. Como praticante de xadrez, é o mesmo gosto pelas partidas longas e rápidas? Miguel Miranda: Sim, é uma boa imagem. As partidas rápidas têm uma magia especial. No entanto, quando as analisamos com lentidão percebemos que se calhar fizemos algumas asneiras. É preciso um raciocínio fulgu- rante para em cinco minutos levar a bom porto uma partida. O romance, ou os longos jogos de xadrez, equiv- alem a construir uma grande catedral. Temos de equilibrar todos os aspetos do projeto. Continuando com as comparações, em linguagem enóloga, o romance tem um fim de boca prolongado. O conto, pelo contrário, tem a magia de se conseguir, em pouco tempo, criar um momento, um flash, um suspense, uma precisão.

E pensou estes contos como um conjunto? Foi uma simultânea de xadrez? Sim, e já não é a primeira vez que o faço. Escrevo contos como se escrevesse um romance. São sequências con- centradas num único horizonte temporal. Às vezes, o tema é comum, como aqui acontece. Não consigo estar a escrever um romance a fazer uma pausa para um conto.

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FICÇÃO Cidade Proibida é o primeiro e até agora o único romance de Eduardo Pitta, escritor, ensaísta e crítico literário. Teve a sua primeira publicação em 2007, sendo agora relançado, numa edição acrescida de um prefácio de Fer- nando Pinto do Amaral. À semelhança de alguma da sua poesia ( já publicou 10 volumes, reunidos em Desobediência) e dos seus contos (três coletâneas), esta história lisboeta é feita de reflexões sobre o amor, a paixão, a sociedade, a diferença e a homossexualidade. “O maior mérito de Cidade Proibida reside na articulação sempre fluida entre dois grandes propósitos nem sequer contraditórios e relacionados entre si: por um lado, o de ana- lisar as características, os hábitos ou os vícios disso que, à falta de melhor nome, podemos designar por comunidade gay; por outro lado, o desejo de proceder a um retrato crítico - por vezes muito acutilante e feito a partir de dentro - de uma certa sociedade portuguesa tradicional e conservadora”, afirma Pinto do Amaral. > Eduardo Pitta CIDADE PROIBIDA Planeta, 144pp, 14 euros

Eduardo Pitta

Publicado inicialmente em 1996, Quando o Presidente da República Visitou Monchique por Mera Curiosidade marcou a estreia literária de António Manuel Venda. Para se revelar ao mundo literário, o escritor reuniu 16 contos, que depois da boa receção crítica foram distinguidos com Prémio Revelação Inasset do Centro Nacional de Cultura. Veem agora a sua terceira edição, curiosamente apoiada por três freguesias do concelho de Mon- chique, de onde Manuel Venda é natural. Para os leitores, é o reencontro com uma escrita ágil e versátil, sempre bem-humurada e desejosa de contar boas histórias. Como se vê na que dá título à coletânea: “Até que a morte o levasse, Pedro Aquilino nunca haveria de esquecer a noite em que o macaco clunâmbulo lhe serviu o licor de amoras silvestres”. >António Manuel Venda QUANDO O PRESIDENTE DA REPÚBLICA VISITOU MONCHIQUE POR MERA CURIOSIDADE JustMedia, 96pp, XX euros 

António Manuel Venda

TEATRO Tradição é a nova peça de teatro de Luís Mário Lopes, que venceu o Prémio Luso-brasileiro de Dramaturgia António José da Silva, em 2011, com Vizinhança, e o Grande Prémio de Teatro Português, em 2009, com A Casa dos Anjos, o único texto levado à cena. Para o dramaturgo e argumentista ( já colaborou com João Mário Grilo, Manuel Mozos e Luís Alvarães, entre outros cineastas) esta é uma peça sobre o tempo que estamos a viver, pelo que se interpela diretamente o leitor. “Não é apenas ficção. É o que está a acontecer consigo, agora mesmo. E não há nada que possa fazer para impedir a tradição”. Os protagonistas desse drama são Pedro 1 e Pedro 2, ambos de 38 anos e vagamente parecidos, e Ana, Raul, Lena e Mr. World. A primeira cena, muito familiar, passa-se numa sala de estar, numa peça que ocorre essencialmente dentro de uma casa. A certa altura afirma-se: “Por que nos deixaram ficar assim tão sós?” A luta de todos e cada um. > Luís Mário Lopes TRAIÇÃO Tinta-da-china, 136 pp, 14 euros

Daniel de Sá

Açoriano, nascido em 1944 e falecido em maio deste ano, Daniel de Sá é autor de uma vasta obra, que inclui con- tos, romances, novelas, peças de teatro, crónicas, ensaios e textos de divulgação das suas ilhas. Experiência única foi, no entanto, a poesia. E talvez por ser tão irregular ou nem sempre se adaptar à sua pena, o ecritor inventou um heterónimo, um poeta árabe de Granada e de outros tempos. Depois, bastou encontrar-lhe uma amada. “Imaginei que ele a amasse tanto como eu a ti. E assim, numa espécie de metempsicose consciente, ele foi eu ou eu fui ele em cada poema”, explica Daniel de Sá na dedicatória à sua mulher. São esses 28 poemas que aqui se publicam novamente, numa bonita edição de capa dura. Eis um exemplo: “A minha amada é bela como as rosas orvalhadas,/ Etem a pele mais suave que as suas pétalas.// Oh, como estou longe agora da minha amada!/ Não posso ver a luz nos seus olhos/ Nem sentir a maciez do seu corpo.// O orvalho nas rosas são lágrimas.” >Daniel de Sá AS ROSAS DE GRANADA Veraçor, 48 pp

A. T. Keersmaeker Anne Teresa de Keersmaeker foi, em 2012, no âmbito da Bienal Artista na Cidade, a estrela maior de muitos palcos de Lisboa. Em vários espetáculos, foram revisitados 30 anos de carreira de uma bailarina e coreógrafa “cujo impacto não é apenas artístico: envolve uma dimensão profundamente cultural, com uma ética de trabalho e um alcance político que exige um olhar, um pensamento, mas também ferramentas da interpretação”, como afirma Rui Catalão. Foi ele o responsável pela organização deste livro, que procura fixar alguns dos momentos altos da passagem de belga Keersmaeker pelos nossos palcos. A par de um registo fotográfico, o volume reúne contribu- tos de escritores, dramaturgos, atores, curadores e jornalistas que acom-

panham a ciclo. Entre outros, escrevem Ana Dinger, Dulce Maria Cardoso, Isabel Lucas, Liliana Coutinho, Maria Gil e Tiago Rodrigues. Com diz Rui Catalão, “Anne Teresa De Keersmaeker em Lisboa é um bilhete de regresso ao universo de uma das figuras mais consolidadas no panorama artístico contemporâneo”. >Rui Catalão (org.) ANNE TERESA DE KEERSMAEKER EM LISBOA IN/CM, 208 pp, 22 euros


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POESIA Lidia Borges

Sementes Daqui, de Lídia Borges (LB) foi distinguido com o Prémio Maria Ondina Braga (MOB) de Poesia 2013, instituído pela Câmara Municipal de Braga. Num curto prefácio, Ana Paula Mateus diz porquê na ótica de quem o atribuiu: “Alicerçada em cinco grandes pilares intitulados Da Terra, Da Poesia, Da Natureza, Dos Amigos e Dos Homens, a obra é um diálogo intertextual que possibilita uma harmoniosa articulação com a voz da escritora MOB, que LB evoca, quer através das epígrafes que antecedem cada capítulo, e que constituem o primeiro andamento para o desnovelar musical do texto poético, quer através de uma rede imagética onde a doçura das metáforas, das comparações, das antíteses e das hipérboles permite ao leitor evocar com transparên- cia a obra da escritora”. bracarense. >Lídia Borges SEMENTES DAQUI Poética Edições, 82 pp, 13,50 euros

Americo Brás Carlos

Primeiro livro de versos, aos 61 anos, de um docente universitário com largo currículo profissional e versos pub- licados (Prémio Mário Viegas, em 1979) mas não reunidos em volume, Adágio, Romanza e Grave, de Américo Brás Carlos, que nos melhores momentos mostra, designadamente, domínio da linguagem. Com um conceito ou ideal de poeais expresso no poema “ A Cesário Verde”, com uma epígrafe de Sophia: “Poeta da mais lumi- nosa poesia./ Ainda que sobre o beco mais escuro,/ os poemas têm a nitidez de um claro dia/ e é tudo cristalino, tudo puro.// Grande, mesmo entre os eleitos./ - Certos e lindos os versos de Sophia!/ Eis Cesário: o natural, em poemas perfeitos,/ com cor e ritmo juntos no que cria.// E é tudo tão exato como um facto. >Américo Brás Carlos ADÁGIO, ROMANZA E GRAVE Sobrius Editores, 64 pp, 7,90 euros

OUTROS Calheta São Jorge

O Instituto Açoriano de Culturaapresenta o 14o volume da coleção do Inventário do Património Imóvel dos Açores, referente ao concelho da Calheta, na ilha de S. Jorge. Além de dados relativos à 95 espécies inventariadas, o livro inclui informação cartográfica fichas descritivas individuais e um pequeno glossário. Estão ainda reunidas inúmeras imagens resultantes de uma seleção de centenas de fotografias e diapositivos recolhidos durante as campanhas de 2008. A diversidade patrimonial deste concelho e ainda objeto de ensaios de enquad- ramento histórico, da autoria de Avelino de Freitas de Meneses e António Santos Pereira, e de estudos assinados por José Manuel Fernades e João Vieira Caldas, que realçam a riqueza arquitetónica das espécies inventariadas. >Paulo Vieria Raimundo (coord.) CALHETA SÃO JORGE - INVENTÁRIO DO PATRIMÓNIO IMÓVEL DOS AÇORES Instituto Açoriano de Cultura, 224 pp, XX euros

O Caminho de Santiago

É um convite à viagem e a partilha de uma experiência única Fausta Cardoso Pereira decidiu um dia deixar um pouco de lado a sua vida “absolutamente normal” e seguir os trilhos milenares de Santiago, aqueles que ligavam França à Galiza, com uma ramificação portuguesa do Minho até Santiago de Compostela. Gostou tanto que repetiu a viagem. Uma vez, foi de bicicleta, outra, a pé. Nas duas ocasiões registou num diário as suas sensações, o esforço e o contentamento. São esses textos que a gestora de projetos na àrea da responsabilidade social reúne neste livro. “Não se trata de um guia, com descrições apenas contemplativas, das aldeias, monumentos, paisa- gens. É antes uma exposição de desassossegos”, assegura Fausta. “Qualquer peregrinação depende do ponto de partida, do estado de alma de quem vai, e terá sempre um resultado individual. E nem todos precisam de ir”. A ler também se viaja. >Fausta Cardoso Pereira BOM CAMINHO Planeta, 144 pp, 13,30 euros

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Quando Miguel Zugaza veio a Lisboa para a inauguração da exposição Rubens, Brueghel, Lorrain - A Paisa gem Nórdica do Museu do Prado, a primeira de uma parceria que a istituição que dirige estabeleceu com o Museu Nacional da Arte Antiga (MNAA), não escondeu a surpresa. Nunca vira uma estratégiade marketing tão bem montada como a que tinha agora pela frente. “Fez questão de vir falar comigo”, revela Álvaro Covões, 50 anos, responsável pela produção da mostra. o que mais cativou Zugaza foi o “fun pack”, uma caixa com dois bilhetes e um caderno de notas que pode ser comprada e utilizada mais tarde. “Vai aplicar esse sistema na próxima exposição do Museu do Prado” assegura o produtor. Esta talvez seja a marca da Everything is New, a sua produtora. Uma boa dose de “originalidade” e uma forte crença no “empreendedorismo”. Dois conceitos que deram muitos e bons frutos. Em sete anos, o Optimus Alive afirmou-se como um dos mais importantes festivais de música de Portugal, com forte repercussão internacional, e por ano Covões e a sua equipa organizam pelo menos cem espetáculos. O empresário segue a tradição familiar, já que é filho, neto e bisneto de agentes culturais. O seu bisavô comprou as cotas do coliseu de Lisboa e desde então a familía não parou deorganizar concertos, espetáculos de dança e de ópera. Agora, Álvaro Covões virou-se para as artes plásticas, sendo o responsável pela produção de duas exposições com maior sucesso nos últimos anos. A de Joana Vasconcelos no Palácio da Ajuda, que teve 235 mil visitantes, e esta do Museu do Prado, que desde dezembro já ultrapassou os 20 mil. Não o faz apenas por dinheiro. Mas porque acredita que muitas há opor tunidades. Para o público, o investidor e o Estado.

Álvaro Covões Tem gosto, quase provocatório até, em se assumir de Direita. Conhece os terrenos que pisa e não tem agendas escondidas. O criador do Optimus ALIVE quer mais parcerias com o Estado, mas assumir ele os riscos. Só assim, diz, pode contribuir para uma sociedade mais justa. Entrevista com produtor por trás do sucesso da mostra do Museu do Prado no Museu Nacional de Arte Antiga, patente até 30 de março Entrevista de Luís Ricardo Duarte JL: Como passa uma produtora de concertos a organizar exposições? Álvaro Covões: Trabalhamos numa área de atividade a que já se chamou de muita coisa: espetáculos, eventos, entretenimento. Hoje designa-se Indústrias Criativas e Culturais. Fala-se sobretudo de conteúdos para valo- rizar os destinos sob o ponto de vista turístico. No fundo, promovemos atividades para ocupar tempos livres. Com esse objectivo, verificámos uma separação entre os portugueses e os museus. Como explica essa separação?

O poder político ou as elies que controlam o Estado criaram uma divisão entre alta cultura e entretenimento. Nos seus discursos, a Cultura sempre foi aquilo que a billheteira não paga. Com isso abriu-se um enorme fosso. Quando criámos o Optimus Alive intruduzimos uma componente nova de músicae arte. E pouco tem- po depois organizamos uma grande exposição do SAM (Samuels Torres de Carvalho), reabilitando as suas instalações. Não eram novatos quando na exposição da Joana Vasconcelos? Não. Esta é uma tendência mundial e uma forma de conquistar novos públicos. Já fazemos tantos espetáculos que temos dificuldade em crescer nesa área.

Uma Exposição de artes plásticas tem uma dimensão de espetáculo? Pode ter. Quando comecei a trabalhar nesta área havia um concerto de Pop Rock a cada dois meses. Hoje há todos os dias. São precisos empreendedores e produtores que invistam e que tentem aumentar a audiência. O mercado, depois, faz-se. Mas a nossa ligação às artes plásticas tem um história curiosa, que hoje já se pode revelar. Qual? Como sou interessado em economia, descobri que um banco - o BPN - tinha uma coleção de pinturas do Juan Miró fechada num cofre da Caixa Geral de Depósitos. Pedi uma reunião ao secretário de Estado da alltura, Francisco José Viegas, e apresentei uma proposta. Disse que gostava de expor aqueles quadros. Pode- ríamos atrair gente do mundo inteiro, pois é um artista de renome internacional. A ser verdade o que leio e o que se diz, é um conjunto importantissímo. Valia a pena avançar e ajudara economia portuguesa, valorizando Lisboa como destino turístico, com os respetivos benefícios a nível de receitas.

Pôr a Cultura a “faturar”

Que recetividade teve essa proposta? O Viegas achaou a ideia fantástica. Como eu estava interessado nesse tipo de projetos, fez-me outra proposta: organizar no

Palácio de Queluz a exposição que a Joana Vasconcelos fez em Versailles. Foi assim que tudo aconteceu. Aceitei, mas argumentando que Queluz, do ponto de vista logístico e de transportes públicos, talvez não fosse o mais adequado. O Palácio da Ajuda ajustava-se melhor, inclusive às obras da artista. Não hesitou? Muitas pessoas aconselharam-me a não avançar. A Joana Vasconcelos tinha estado há três anos no CCB com entradas gratuitas. Como é que as pessoas iam agora pagar 10 euros? Mas Versailles tinha sido um enorme sucesso e fazia sentido. Foi então que ficámos a conhecer melhor a realidade dos museus e do património em Portugal, que é de facto preocupante. Assusta saber que o Palácio da Ajuda só tem 50 mil visitantes por ano. É muito pouco. Tirando o Museu dos Coches, os números andam sempre por aí. Mas mesmo o Museu dos Coches não ultrapassa muito os 200 mil visitantes por ano! Temos cerca de 5,5 milhoes de turistas no nosso país. Conseguir 200 mil não é nada. O monumento nacional mais visitado é o Mosteiro dos Jerónimos, com mais de 600 mil. Só é superado pelo Castelo de Lisboa, com um milhão, e o Oceanário, com 800 mil. Em suma: olha-se para o mercado, contam-se os turistas e os portugueses que também podem usufruir destes espaçoes e apercebemo-nos de um imenso potencial. Com estes números é impossivel não ver oportunidades. Uma exposição não é uma aventura? O mercado existe, falta é criar hábitos culturais. Através do marketing e da comunicação temos de convencer as pessoas a ocuparem os seus tempos livres com cultura. A chave está no marketing? Estes não tem sido projectos


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Com o marketing temos de convencer as pessoas a ocuparem os tempos livres com Cultura”

normais. Estamos a falar de uma grande individual da Joana Vasconcelos e da primeira exposição do Museu do Prado em Protugal, com obras importantíssimas do século XVII. É como na música. Avalia-se o potencial. Não somos mestres da publicidade, nem as pessoas burras. Qual o papel da Everything is new? Acima de tudo, investir. Tornar possível. É a nossa segunda parceria com a Direção Geral do Património. Não só viabilizamos financeiramente as exposições, como assumimos o risco total da operação, o que é muito importante para o Estado. Esta tem de ser a têndencia, juntando a sociedade civil e o Estado.

chegamos ao turismo.

E isso não tem acontecido? Não. O país está dividido. De um lado, o Estado, do outro, os privados. Não se cruzam. Houve um tempo em que efetivamente se cruzavam e estamos a pagar a fatura, porque o risco era todo para o Estado. O privado só lá estava se tivesse lucro. No futuro, tem de ser exatamente ao contrário. Se o privado pode ter lucro tem de assumir o risco. Só asssim se constrói uma sociedade mais justa e mais rica. Com a Joana Vasconcelos, o Estado teve uma receita extra de480 mil euros.

Em que sentido? Quando os pais dão a vida inteira dinheiro aos filhos a probabilidade de se revelarem inúteis é gigantesca. Não criam hábitos de trabalho, não se esforçam, tudo é facil. O subsídio também gera esse problema. É fundamental o Estado apoiar quem está a começar. Mas quantas salas de ensaio são disponibilizadas pelo estado?

É a sua preocupação central? Não vejo de que forma um espetáculo experimental pode tornar Portugal um destino diferente. Se Paris nãno tivesse a Torre Eiffel não teria os visitantes que tem. Sem os Jerónimos e a Torre de Belém, Lisboa não seria o destino apetecível que é. Se o Douro não tivesse as encosas de tão bom e único vinhedo também. E isso tam- bém é Património. As artes experimentais são importante para a Cultura, mas são limitadas. Aliás, é muito revelador quando se diz que os subsídios ou os incentivos devem ir para o que a bilheteira não paga.

Nem todos os privados pensam assim. Significa que ninguém nos vai incomodar... Mas esta perspetiva vai fazer escola. O contrário, isto é, dizer que a participação dos privados não faz sentido, que o setor público é que tem que correr riscos, é voltar a pré-história. E também um pouco totalitário. Quando a Culturaé dominada pelo Estado, cada cor política define-se à sua maneira.

Deve o Estado disponibilizar meios? Deve gerir o Património, em primeiro lugar, pois sem ele deixamos de ser um povoe perdemos a identida- de. E, em segundo, apostar forte na educação. Devia haver uma atividade obrigatória ligada à Cultura até ao 12o ano. Está provado que a prática artística desenvolve o intelecto, torna a pessoa mais aberta e aumenta a qualidade de vida. Fala-se muito em Democracia, mas quando olho para o nosso ensino sinto que se faz de propósito. Que se quer um povo ignorante.

Diz-se que a Direita privilegia o património e a Esquerda as artes. Pois... É evidente que o Património é fundamental para diferenciar os destinos e mais uma vez

Qual é a solução? Seguir, por exemplo, o modelo do futebol. è uma realidade que deu certo. A sociedade civil criou escolinhas, depois surgiram as escolas intermédias e os

clubes apareceram no fim para recrutar os jogadores mais aptos para a prática daquele desporto. Criou-se um Ronaldo. Esse modelo é replicável na Cultura? Claro. Temos pouco talente jovem nas artes porque só os provilegiados conseguem financiar a sua formação. O Cristiano Ronaldo aos 11 anos já tinha uma disciplina igual à de hoje. Não era uma criança normal, tal como um futuro pianista, com essa idade, não o é. Tem de trabalhar muito mais. Mas o que vemos o Estado a fazer? Muito pouco. Não se procura, nem se valoriza o talento. O que diz aplica-se à música, mas não ao teatro, por exemplo. Sim, é verdade, mas não há teatro nas escolas. A raiz do problema está sempre na Educação. E só a Educação fará surgir artistas de excelência em grande número, o que por sua vez cria públicos. As pessoas não gostam de Fado só porque é a nossa canção. Os músicos, as letras, os intérpretes são excecionais. O orçamento do Estado para a Cultura não o assusta? Portugal não tem um museu de grande qualidade e deixa perder oportunidades como a das pintura de Miró, mas não lhe falta potencial. Quando se vive muitos anos de dinheiro fácil ou com financiamento público tornamo-nos preguiçosos. Temos de criar conteúdos que sejam capazes de gerar receitas. Um programados no interior do país é um herói. A sua margem de manobra é muito limitada. Mas gostava de ver os programa- dores de Lisboa e Porto a trabalharem com orçamento zero. Isso é possível? Há tantos. Os Coliseus. O Tivoli. O Politeama. Começar com não sei quantos milhões é facil.

futuro, mas tem de haver uma mistura. Mesmo nós fazemos mais de cem eventos por ano e nem todos têm sucesso. As pessoas costumam dizer que estava tudo cheio porque só vão aos de maior sucesso. E o direito ao erro, á experimentação? Não é sensível a essa exigência? Acima de tudo, as pessoas devem exigir o direito a serem artistas. Mas isso só se faz com a Educação. O con- servatório Nacional não tem obras desde os anos 40 do século passado. o que há mais para dizer? Se houver capitais europeias da cultura e presidências da União Europeia faz-se tudo de novo. E no dia-a-dia? Luta contra essa realidade? À medida das suas possibilidades. Sei que não é um problema só português. Recentemente saiu um estudo sobre o consumo europeu de Cultura. A ópera, a musica clássica e a dança estaão em níveis muito baixos. Significa que não se ensina as crianças a gostar dessas artes. Não é em adulto que se vai começar a ir ao ballet ou a consumir pintura. Isso explica os nossos museus sem público. Só não explica uma coisa. O quê? Temos quase 900 anos de História. No entanto, quando muito do nosso património está a cargo de uma enti- dade com poucos recursos, o Estado, não há forma de o otimizar. A Custódia de Belém é uma peça de grande qualidade em qualquer parte do mundo. Escondemos tesouros em vez de os pôr a faturar.JL

As artes experimentais são importantes para a Cultura, mas limitadas. É revelador quando se diz que os subsídios devem ir para o que a bilheteira não paga

Qual a margem de risco dessas programações? Um programador é aquele que cria públicos e consegue vender bilhetes. Não é aquele de quem os amigos gostam. Claro que é necessário investir em áreas que não têm públicos a pensar no 25


Manuel Halpern

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Cinema

Ninfomaníaca de Lars Von Trier

O filme sem Vergonha Lars Von Trier é um realizador extremo e como tal os seus filmes provocam reações extremadas. Amam-se ou odeiam-se. Ninfomaníaca, que tem tido uma publicidade excessiva, do género antes de ser já o era, é, na verdade, um filme extremamente assim-assim. E, antes de passar a explicar o adjetivo, importa desfazer algumas ideias falsas, que criaram fama sem haver proveito. Não se trata seguramente de um fil- me pornográfico, apesar de incluir cenas iventualmente chocantes, sequências avulsas com órgãos sexuais masculinos eretos e close-ups de sexo oral. Nada disto aparece descentrado do foco, do contexto do filme, surge apenas porque o realizador não esconde, e acompanha naturalmente o rosto da personagem em todas as situações. Essa rudeza sem camuflagens, é efectivamente uma das virtudes do filme e do cinema do dina- marquês. Ao contrário do que acontece por irreverência, em Os idiotas(1998), aqui as cenas alegadamente “pornográficas” não são gratuitas. Cuidado com a publicidade enganosa que o realizador soube usar como isco, tal como a sua personagem, pois tão pouco se trata de um filme erótico. O erotismo está para Ninfomaníaca como um jantar à luz das velas está para uma ida ao ginecologista. Não sobra qualquer desejo sexual depois de ver o filme, pelo contrário, há uma sensação nauseante - não é defenitivamente o filme certo para levar a namorada (ou namorado). Apesar disto, não se trata tão pouco de mias chocante dos filmes de Lars Von Trier, não levanta grandes questões éticas, nem há uma manipulação maléfica do espectador. Ao lado de Anticristo (2009), Os Idiotas ou mesmo Ondas de Paixão (1996), Ninfomaníaca parece um filme de Walt Disney. Em Ninfomaníaca há até uma certa sobriedade de registo e de narrativa, a personagem vive com as suas ações, com a sua patologia ou vício, e, até determinado ponto as sequelas são autoinfligidas, consequências diretas dos seus atos. O “arrastar” do espectador para a pele da personagem é mais dificil, a carga empá- tica diminui e os momentos de agressão são esparsos (aumentam de intensida-

de na II parte). Há obviamente uma sensação de desconforto, mas nada que se compare ao provocado dor Saló, de Pasolini, ou Transe, de Teresa Villaverde. Não é uma obra-prima, nem o melhor filme de Lars Von Trier. Está muito distante de obras enormes e marcantes como Europa (1991), Dogville (2003) ou mesmo o anterior Melancolia (2011). è um filme imperfeito com uma estrutura pesada que se perde no seu próprio círculo, ou no rigor com que se quer desenhar. Também não é o seu pior filme, é preferível a Anticristo (2009) ou Ondas de Paixão. É fascinante a vários níveis, incluindo o radicalismo com que aborda um tema difícil, que, até determidado ponto, funcioa como um ensaio sobre o sexo ou sobre a ninfomania. Ao contrário de outros,é inesperadamente antimachista, no sentido em que, sobretudo na primeira parte, expõe ao ridículo a ingenui- dade e tolice masculina - estamos perante o homem objeto. E, ao contrario de Shame (2011), obra-prima de Steve McQueen, é um filme sem-vergonha (tas como a sua personagem). O filme tem uma estrutura relativamente convencional, divide-se por episódios. Parte de um “bom samaritano” que acolhe uma mulher espancada e abandonada na rua. E esta, como num jogo, a partir de ale- gações “intelectuais”, que podem ser uma peça de Bach ou um ícone ortodoxo, vai desvendando a história da sua vida ou que a levou áquela situação extrema. A primeira parte do filme, apesar de tudo, é mais solar e ser- ve de isco para a segunda, onde a violência é mais explícita, alimentando uma ideia básica do vício enquanto caminho para a overdose. Isto com alguns pormenores curiosos, como o design gráfico sobre a tela. Não é um filme desprovido de humor. Diga-se que Lars Von Trier pode ter o sentido de humos mais bizarro do universo, mas não deixa de ter um. Aqui visível, por exemplo, na cena dos dois negros no quarto da pensão. Mais claro que isso é que o realizador dinamarquês goza com toda a gente, sobretudo com os críticos que se esforçam por tirar ilações ideológicas ou éticas dos seus filmes. Ri-se às gargalhadas. Entre o génio e o louco está o provocador. Mas depois de afirmar que simpatizava com Hitles no Festival de Cannes, qualquer outra provocação é relativa.


I

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deias

“ António Sampaio da Nóvoa

Adriano

Na dureza das suas críticas e denúncias, este livro é um gesto de esperança e de humanidade, contra a corrosão dos dias que passam, a falta de sentido (de bússola), as exclusões que atacam o coração das democracias”

Moreira

Confesso a minha dificuldade em falar desde Memórias do Outono Ocidental, do prof. Adriano Moreira. É uma responsabilidade imensa, que vem também da minha admiração por uma personalidade excecional, pela juventude do seu pensamento, pela capacidade de indignação, pela força lúcida das propostas que nos faz. Começo como o livro termina, afirmando qie a única coisa qie se pode fazer com o tempo é não o perder. Adriano Moreira (AM) não perde tempo, não perde o seu tempo, e traz-me ao pensamento que existe somente uam ideia para a gente se econtrar com a vida, “chama-se presente e tem a duração do instante que passa”. E, neste instante que passa, parece que perdemos a bússola, o rumo das nossas vidas, que andamos desorientados. É o que nos explica AM, que logo acrescenta: “É o Estado Social que está em julgamento, e com ele a esca- la de valores ocidentais, a bússola perdida” (pág. 8). O livro é escrito a partir das pessoas, das convicções, dos princípios, da defesa dos mais frágeis. E se não for para defender os mais frágeis, então para que serve o Estado? Qual é o seu sentido? E se não for para proteger e para promover a cultura, então para que é que serve o Estado? Tudo me atrai neste livro, feito de pedaços e de repetições, como o autor explica logo na entrada. Tal opção permite tratar o mesmo problema a partir de diferentes ângulos e si- tuações, revelando a profundidade de um pensamento que é iluminado de muitas e distintas maneiras. AM dá-nos uma extraordinária lição de coerência. Co ele percebemos, como disse Camus, que as grande ideias vêm ao mundo man-

samente, como pombas. Se ouvirmos com atenção, escutaremos, no meio do ruído e do tumulto, um discreto bater de asas, o suave acordar da vida e da esperança. Na dureza das suas críticas, Memórias do Outono Ocidental é um gesto de esperança e de humanidade, contra a corrosão dos dias que passam, a falta de sentido (de bússola), as exclusões que atacam o coração das democracias; é uma tomada de posição qm defesa da dig- nidade de todos, porque AM sabe que a dignidade de alguns, e apenas de alguns, não é digni- dade, é indecência e segregação. Saliento nele três temas, que vou declinar. a partir do Mundo, da Europa e de Portugal. Sobre o Mundo, AM fala de um globalismo à deriva, de um “capitalismo de desastre”, que perdeu a cabeça, levando à crise do Estado Social, o mesmo é dizer ao recuo dos direitos hu- manos (pág. 364). Mais explica a desorientação dos órgãos internacionais, como a ONU, que agem sem qualquer “conceito estratégido de coordenação” (pág. 358), e que abriram as portas ao “neoliberalismo repressivo que se empenhou no que foi chamado economia de casino, na supremacia do engenho financeiro sobre a economia, na erosão da confiança entre governos e sociedade civil” (pág. 367). Daqui parte o autor para uma crítica à política furtiva, “que levou as pessoas a conhecer o efeito das decisões pelos efeitos, mas sem terem participado no processo” (pág. 89). E nada corrompe mais a democracia do que esta incapacidade de participar, de estar presente nas decisões sobre as nossas vidas. Sobre a Europa, o professor recorda-nos as palavras célebres de Victor Hugo: “Falta à Europa uma nacionalidade europeia”. Mas cita-o para marcar a ausência de “um conceito estratégi- co de futuro que seja inteligível pelos cidadãos” (pág. 191). E para denunciar tendências que

Um século sem

bússola 27


apenas têm conseguido “tornar dominante, em todo o espaço ocidental, o credo do mercado, a troca do valor das coisas pelo preço das coisas” (pág. 16). São estes os motivos que nos têm conduzido a um “crescente desamor pela Europa” e, no caso português, “com um sofrimento cívido sem precedentes” (pág. 108). Na sua opinião, só há um remédio: salvaguardar a unidade da Europa, sem os erros do passado, e partilha com autenticidade de conceito estratégico europeu comum” (pág. 56). Sobre Portugal, finalmente, AM refere-se, várias vezes, à fronteira da pobreza que, antres, estava no Sul do Saara e, hoje, já ultrapassouo Mediterrâneo, atingindo Portugal (pág. 352). Deixo-vos com palavras luminosas quando se refere à janela da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), da nossa língua e cultura: “Na crise qe a Europa atravessa, no facto de a pobreza ter passado para o Norte do Mediterrâneo, na circunstância de estarmos reduzios a um protetorado, esta janela para a recuperação da liberdade e da honra não pode ser descuidada por quem não tem o valor da nacionalidade livre e soberana como imprescindível” (pág. 56). O autor não poupa nas palavras para repetir, uma e outra vez, que a fome não é um dever constitucional (pág.129), para denunciar “os sinais do neorriquismo que veio a definir o comportamento, e até a ideologia, dos gestores civis e dos gestores públicos” (pág. 9). O seu livro devolve-nos a bússola que estes “gestores” nos retiraram. PERMANENTE PREOCUPAÇÃO COM AS PESSOAS A voz de Adriano Moreira tem a força da serenidade, de uma serenidade que vem do fundo do sentimento e de uma permanente preocupação com as pessoas. Hoje, a divisão maior que nos atinge é entre aqueles que pensam a partir do económico,

e daí deduzem as suas políticas, e todos aqueles que, vindos de diferentes origens, pensam a partir das pessoas, do social e do bem comum. Dito de outro modo, entre aqueles que ficaram fechados no passado, na “teologia do mercado”, e todos aqueles que sabem que só há futuro se respeitarmos o eixo da roda que são as pessoas e os valores (pág. 68). É esta a fronteira do futuro. E nesta fronteira encontramos a palavra de AM, uma palavra que procura reconciliar-nos com o mundo. Em Memórias de Outono Ocidental denuncia-se a cegueira dos tecnocrats e dos mer- cados e apela-se à vigilância ativa do humanismo” (pág. 378). Para mos elucidar, o autor con- sultou as memórias e o presente, e diz-nos que há muitos futuros possíveis, mas que apenas um será cumprido. Tudo depende da nossa voz, da nossa palavra, da nossa presença. Não há futuro sem passado. Mas também não há futuro apenas no passado. “Cada um é as suas ações, e não é mais, nem menos”, diz-nos o Padre António Vieira, repete-nos AM. Este é o seu mundo, o nosso lugar: “Sempre lembrarei que não se escolhe o país em que se nasce, mas que decidir ficar é um ato voluntário e de amor. Uma decisão que não se toma a benefício de futuro da maneira portuguesa de estar no mundo” (pág. 141). É justamente por isso que nos recorda Mandela: “Um santo é um pecador que luta até ao fim” (pág. 41). Este sentido de luta, de procura, está presente ao longo de todo o livro. Darcy Ribeiro, seu amigo, primeiro reitor da Universidade de Brasília, escreveu que “podemos não ter nenhuma verdade a dar, a não se a única verdade possível, que é a de buscá-la eternamente”. É uma bela referência, que serve bem a estas Memórias do Outono Ocidental: a verdade está na busca da verdade, no esforço de a encontrar. “Um galo sozinho não tece uma

>Adriano Moreira MEMÓRIAS DO OUTONO OCIDENTAL Almedina, 426pp, 31,34euros

manhã: ele precisará sempre de outros galos - diz-nos João Cabral de Melo Neto. A melhor coisa que podemos dizer é que Adriano Moreira não está sozinho nesta manhã que tem procurado tecer com as suas palavras, com os seus gestos, com as suas ideias, com a força que lhe vem da certeza de que só há uma vida digna de ser vivida, a vida que é posta ao serviço da liberdade e da dignidade dos outros. (*) Este texto texto tem como base as notas que usei na apresentação do livro na Academia das Ciências de Lisboa ASN


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Lin gua gem e

Silêncio

(...) Estaremos a passar de uma época histórica do primado do verbo - do período clássico da expressão letrada - oara uma fase de declínio da linguagem, de formas “pós-linguísticas” , e talvez de silêncio parcial? São estas as questões que tento levantar e focar. Por trás delas reside a convicção de que a crítica literária, em particulara na sua coabitação presente com a acade- mia, deixou de ser um exercício demasiado interessante ou responsável. Exibe complacências excessivas perante valores e hábitos dos juízos académicos ou jornalísticos que se desenvolve- ram no séc. XIX. (...) A novidade ou a natureza especia do nosso estado de consciência presente é o segun- do tema principal deste livro. Considero que os historiadores têm razão quando dizem que a barbáries e a selvajaria política são endémicas nos assuntos humanos, que nãohouve época inocente desses desastres. Sei que os massacres coloniais dos séculos XIX e XX, e a destruição cínica dos recursos naturais e animais que os acompanharam (sendo talvez o extremínio da fauna o epílogo lógico e simbólico do das populações nativas) são provas de um mal profundo. Mas penso que há hipocrisia na afirmação de uma imagem de universalidade imediata, de uma apreensão imparcial das provocações de todos os tempos históricos e de todos os lugares. A minha orópria consciência é possuída pela erupção da barbárie na Europa moderna; pelo extermínio em massa dos judeus e pela destruição nazi e estalinista daquilo que tento definir nalguns destes ensaios como o génio do “humanismo da Europa Central”. Não reclamo para este horror qualquer privilégio singular; mas é ele a crise da expectativa humana e racional que conformou a minha própria vida e que é para mim a implicação mais imediata. As seuas trevas não brotaram do deserto de Gobi nem das florestas húmidas da Amazónia. Surgiram do interior, da medula da civilização europeia. Os grito dos assassinados po- diam ser ouvidos nas universidades; o sadismo estava a uma rua de distancia das portas dos teatros e dos museus. Nos finais do século XVIII, Voltaire acreditara que em breve teria fim a prática da tortura; o massacre ideológico não seria mais do que uma somprea proscrita. No

George Steiner

De um dos mais destacados pensadores dos séculos XX e XIX chega amanhã, 23, às livrarias portuguesas, mais um volume de ensaios , que nem por reunir textos já da década de 60 é menos interessante. Neste volume, Linguagem e Silêncio - Ensaios sobre a literatura a linguagem e o inumano, George Steiner, que sempre elegeu a cultura e as suas ramificações na História como central das suas reflexões, de certo modo prenuncia No Castelo do Barba Azul, de 1971, no qual o ensaísta expõe as suas teses para uma redefinição da Cultura no pós I e II guerras mundiais. O livro, 10.o título da coleção que a Gradiva dedica ao autor (616pp, 20 euros), tem tredução de Miguel Serras Pereira e o JL antecipa parte do seu prefácio, que de certa forma sintetiza algumas ideias fundamentais da obra nosso próprio tempo, os lugares cimeiros das letras, da filosofia, da expressão artística passaram a enquadrar Belsen. Não posso aceitar a fácil consolação de que esta catástrofe foi um fenómeno puramente alemão ou uma calamidade acidental enraizada na personalidade deste ou daquele governante totalitário. Dez anos depois da Gestapo ter saído de Paris, os compatriotas de Voltaire torturavam-se uns aos outros nalgumas das mesmas celas da polícia. A casa do humanismo clássico e o sonho da razão que animava a sociedade ocidental ruíram quase por completo. As suas ideias de um progresso da cultura, de uma racionalidade inerente, sustentadas desde a Grécia da Antiguidade, e que

mantinhas ainda uma validade intensa no historicismo utópico de Marx e no autoritarismo estoico de Freud (ambos guardas avançados tardios da civilização greco-romana), já não podem ser afirmadas com demasiada confiança. As capacidades do ho- mem tecnológico, enquanto ser susceptível ao comando do ódio político e da sugestão sádica, alargaram-se extraordinariamente no domínio da destruição. Pensarmos a literatura, a educação, a linguagem como se nada de muito importante tivesse acontecidode molde a desafiar o próprio modo como concebemos essas actividades parece-me irrialista. Lermos Ésquilo ou Shakespeare - para já não falar em “ensina-los” - como se os textos, como se a autoridade dos textos no quadro das nossas próprias vidas, fossem

imunes à história recente, é uma forma subtil, mas corrosiva, de iliteracia. Não se trata de exigir provas jornalísticas ou sumárias de “importância atual”; trata-se de tentarmos considerar seriamente o milagre complexo da sobrevivência da grande arte, ou que resposta podemos dar-lhe a partir do nosso próprio ser. Nós vimos depois. Sabemos agora que um homem pode ler Goethe ou Rike à noite, pode tocar Bach e Schubert, e voltar na manhã seguinte ao seu trabalho em Auschwitz. Dizer que os lê sem compreender ou que não tem ouvido é uma banalidade vazia. De que modo sabê-lo age sobre a leitura e a sociedade, sobre a esperança, que se tornou quase num axioma dos tempos de Platão aos de Matthew Arnold, de que a cultura seja uma força humanizadora, de que as energias do espírito se possam transpor para as do comportamento? Além disso, não se trata apenas do facto de os meios instituídos de civilização - as universidades, as artes, o mundo do livro terem sido incapazes de ofrecer uma resistência adequada à bestialidade política; muitos levantaram-se para a saudar e celebraram-na com as suas cerimónias e o seu elogio. Porquê? que nexos, até hoje masl conhecidos, existem entre os critérios intelectuais e psicológicos das letras e as tentações do inumano? Haverá um grande tédio e uma saciedade de abstração que crescem dentro da civilização das letras e a preparam para a libertação da barbárie? Boa parte destas notas e ensaios tenta descobrir maneiras mais com- pletas e mais precisas de formular esta questão. Em termos de método e de objectivos viso qualquer coisa de diferente da crítica literária. Consciente das influências destes ensaios, quero, apesar de tudo, que sugiram como ponto de chegada uma “filosofia da linguagem”. Chegar a uma tal filosofia será o passo seguinte se quisermos aproximar-nos de uma compreenção da herança 29


ECOLOGIA

Viriato Soromenho Marques

A casa do humanismo clássico e o sonho da razão que animava a sociedade ocidental ruíram quase por completo. As ideias de um progresso da cultura, de uma racionalidade inerente, já não podem ser afirmadas com demasiada confiança”

particular e da desolação parcial da nossa cultura, daquilo que a minou e do que pode restaurar os recursos da inteligência na sociedade moderna. Uma filosofia da linguagem, como Leibniz e Herder compreenderam o termo, virar-se-á com especial intensidade para o estudo da literatura; mas pensará a literatura como parte inevitável das estruturas mais vastas da comunicação semântica, formal e simbólica. Considerará a filosofia, como Wittgenstein nos ensinou a fazê-lo, como uma lin- guagem movida por um escrúpulo extremo, como a palavra que não se tem por garantida. Recorrerá à antropologia para confirmar ou corrigir os dados de outras formas de cultura e estruturas de significaç\ao (de que outro

modo nos podemos “distanciar” da evidência ilusória da nossa perspectiva particular?). Uma filosofia da linguagem reagirá com um fascínio cauteloso às suposições da lin- guística contemporânea. É na linguística que boa parte do espírito inteligente outrota ativo na crítica literária e na história hoje se concentra. Que a literatura e a linguística se encontram estreitamente ligadas é um facto que os poetas conhecem de há muito. Como dia Roman Jakobson: “Os recursos poéticos escondidos na estrutura morfológica e sintática da língua, em suma a poesia da gramática, e o seu resultado literário, a gramática da poesia, raramente foram reconhecidos pelos críticos e frequentemente menosprezados pelos linguistas, mas habilmente manejados pos escritores criativos.” Uma filosofia da linguagem procurará resta- belecer em termos corretos estas relações.(...)JL

A

destruição

do litoral A privatização dos CTT, com uma licença bancária concedida previamente para aguçar o dente dos privados, é mais uma prova de que este governo intrepreta o “interesse nacional” como a necessidade de a crise e a austeridade não interromperem o negócio das suas clientelas, agora ainda mais internacionais. No ambiente passa-se o mesmo. A tempestade “Hercules” mostrou o que aí vem sobre o nosso litoral. Com as alterações climáticas a fazerem subir o nível médio do mar (NMMM) as tempestades tornar-se-ão mais letais. Mas, nem seria necessário as alterações climáticas para que os desastres na costa ocorressem, Com os rios a escoarem apenas 15% dos sedimentos que antes das obras hidráulicas na Península chegavam ao mar,

mas sobretudo com o caos desordenado nas construções em cima da linha de água, não admira que sempre que o mar se irrita alguém sofra. O ministro acudiu ao litoral prometendo, mesmo em tempo de míngua e austeridade, despejar mais 300 milhões de euros em obras de fortificação costeira, que o mar se encar- regará, na próxima tormenta, de derrubar. Ao mesmo tempo, como muito oportunamente alertava Miguel Sousa Tavares na sua lúcida coluna no Expresso, a nova lei que define o regi- me de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) vai no sentido se tornar tudo mais fácil para os “empreendedores” . A crise económica é usada como desculpa para deixar cair as normas de proteção e salvaguarda ambiental. Na próxima tempestade, este ou outro ministro, lá tirarão da cartola mais umas centenas de milhões de euros, retidadas aos salários e às pensões dos cidadãos para pagar os prejuizos de quem construiu no sítio errado, com a cumplicidade de quem governa. Infeliz- mente, come ste governo, Portugal não tem rumo nem estratégia. A nação está a perder as características que definem um país, para se tornar cada vez mais num mero lugar. Num sítio mal frequentado.


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Dora Fonte, Testemunho de uma raptada pela Unita

Quase 20 anos depois do testemunho vivido de uma professora (do Ensino Secundário) portuguesa que foi para Angola, como cooperante, com o entusiasmo de quem queria ajudar um povo amigo, para a sua educação, para a edificação de um país novo, em cuja ideologia então dominante acreditava - e, no meio da guerra civil, acabou por ser raptada, pela organização, a Unita, de Jonas Savimbi, que lutara de armas na mão contra o Governo, do MPLA, e nessa luta não hesitava em recorrer a esses métodos. Raptada - ela, a autora, Dora Fonte, mais o seu marido e outros dois colegas e amigos - após um ataque da Unita ao Saumbe (ex Novo Redondo), onde dava aulas, em março de 1984. Foram cerca de seis meses de cativeiro, de longa, penosa e perigosa ‘viagem’ até à Jamba (“capital” da zona controlada pela Unita), nas mãos das “tropas” de Jonas Savimbi, sofrendo, sobretudo na selva, privações de toda a oredem, ou torturas, pelo menos psicológicas que aqui são expressivamente narradas, até serem liber- tados, após muitos esforços do Governo português. De sublinhar que a autora, nos anos 90 regressou a Angola, para de novo dar aulas, e com colegas daquele país foi até autora de um livro então adotado no ensino. Dora Fonte O Rapto - com os Kawachas até à Jamba Ed. Húmus, 248pp,14,30 euros

Mandela para os jovens

António Mateus é jornalista e nessa qualidade esteve na África Austral 16 anos, boa parte deles como correspondente da agência Lusa e da RTP na África do Sul, onde acompanhou todo o percurso político de Nelson Mandela desde a sua libertação, que entrevistou e sobre o qual publicou o livro A Construção de um Homem - O rebelde exemplar tem a particularidade de se destinal fundamentalmente aos mais jovens, com a devida adequação em ‘brevidade’ e de linguagem, e de ter ilustrações de Nuno Tuna. António Mateus Mandela - O Rebelde Exemplar 160pp.,14 euros

Manuel Heleno O próprio título da obra assinalada a faceta fundamental do docente universitário ( catedrátido da Faculdade de Letras da Un. de Lisboa) e cientista a que é dedicada: Manuel Heleno (1894 - 1970), que além do mais foi quem substituiu o primeiro director do Museu Etnológi- co, J. Leite de Vasconcelos. E dirigiu também o Museu Nacional de Arqueologia (MNA), que coedita - com a Imprensa Nacional / Casa da Moeda - este volume, suplemento da revista O Arqueólogo Português, e em grande parte preenchido com os anexos: a Lição Inaugural (1926 / 27) da cadeira e as “fichas” da disciplina (de Arqueologia) dada por Manuel Heleno. João Luís Cardoso (ed.), Luís Raposo, Nuno Bicho e Carlos Fabião Manuel Heleno - Pioneiro do Ensino e da Investigação Arqueológica em Portugal MNA IN/CM, 348 pp, 22 euros

Dicionário de História Empresarial

No projeto de um Dicionário de História Empresarial Portuguesa que terá vários volumes, sai o primeiro, dedicado às instituições bancárias. E que, como Jaime Reis sublinha a abrir a sua apresentação, “compendia uma enorme massa de informação relativa às instituições de crédi- to em actividade no território nacional desde os primórdios do moderno sistema financeiro português até à actualidade”. Atendendo “aos aspectos polítitcos e institucionais”, sublinha, “não descurámos os económicos e financeiros, e prestámos atenção aos empresariais, que são cruciais quando se estuda qualquer conjunto de empresas”. Com esta estrutura própria do género, trabalho de 38 colaboradores, com coordenação de Miguel Figueira de Faria e José Amado Mendes, da Universidade Autónoma de Lisboa, que o edita em parceria com a Im- prensa Nacional/Casa da Moeda. Vários Dicionário de História Empresarial Portuguesa - Séculos XIX e XX. Volume I: Instituições Bancárias Ed UAL/INCM, 648 pp, 30

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A Paixão das Ideias

Guilherme d’Oliveira Martins

Língua,

sais-je?” - e aí encerrava a exigência de um caminho muito árduo para conhecer e compreender. Por isso, dizia que mais valia uma cabeça bem feita do que uma cabeça bem cheia... E aqui está a necessidade de cultivar especialmente o pensamento. Afinal, quanto menos se ler menos se há de pensar. Eis-nos perante uma condição de liberdade. E qual o efeito das caricaturas do conhecimento e da aprendizagem, como se a simplificação e a infantilização fossem o caminho? O resultado é a pobreza vocabular, a confusão nos argumentos, a desordem nas exposições, a mistura de argumentos e conclusões e a indiferença relativamente ao aprender e ao dizer. Lembramo-nos do que Vieira afirma no “Sermão da Secagésima”: “(O lavrador even- gélico) semeou uma semente só e não muitas, porque o sermão há de ter uma só matéria e não muitas matérias. Se o lavrador semeara primeiro o trigo, e sobre o trigo semeara centeio, e sobre o centeio semeara milho grosso e miúdo, e sobre o milho semeara cevada, que havia de nascer? Uma mata brava, uma confusão verde. Eis aqui o que acontece aos sermões deste género. Quem semeia misturas, mal pode colher trigo. Se uma nau fizesse uma bordo para o norte, outro para o sul, outro para leste, outro para oeste, como poderia fazer uma viagem? Por isso nos púlpitos se trabalha tanto e se navega tão pouco. Um assunto vai para o vento, outro assunto para outro vento, que se há de colher senão vento?” Impõe-se, pois, saber relacionar saberes básicos. Estes pressupõem comptências e capa- cidades para saber falar, relacionar, intrepretar, discorrer, demonstrar, justificar, ponderar os diferentes valores e saber representar o conhecimento. Pico dela Mirandola considerava que

leitura e

literatura

Há dias, numa iniciativa idealizada por Vasco Graça Moura e concretizada por Helena Buescu e António Carlos Cortez, no CCB, falou-se da “urgência da literatura” como responsabilidade educativa. O debate foi sereno, como deve ser a reflexão sobre um tema tão soerio como este da defesa da língua portuguesa ou da exigência na sua aprendizagem. E não esquecemos o que Vítor Aguiar e Silva disse: “ A língua portuguesa é a mais esplendorosa, perdurável e irra- diante criação de Portugual”. É verdade, mas tal obriga-nos a especiais responsabilidades no culto do bom domínio do idioma, na sua preservação e na respetiva afirmação no mundo dos saberes. E Mário de Carvalho trouxe-nos a oportuníssima recordação de António Ferreira, no seu louvor à língua, na célebre carta a Pero Andrade Caminha: “Floresça, fale, cantar, ouça-se e viva/ A portuguesa língua, e já onde for / Senhora vá de si soberba, e altiva. / Se téqui esteve baixa, e sem louvor, / culpa é dos que a al exercitaram: / Esquecimente nosso, e desamor”. Falar bem a língua é um ato de cidadania. Não há nitidez de espírito, sem ideias claras e distintas. Não há conhecimento sem contacto com os autores e com os textos originais. E, infelizmente, assiste-se ao uso e abuso dos resumos e simplificações - ou à tentação de con- fundir comunicação com mera descrição jornal~istica ou linguagem comercial. Num tempo de multiplicação de informações, chegamos ao estranho paradoxo de nos satisfazermos com mensagens rápidas e sincopadas, que pretendem condicionar as opiniões, pondo de lado a complexidade e a necessidade de explicar, de demonstrar, de justificar - formulando juízos primários. Perante temas e problemas cafa vez mais complexos, deparamo-nos com comentá- rios rápidos e incapazes de considerar o essencial. Montaigne, na entrada da sua torre, peruntava apenas: “Que

Muitos discutem o futuro do livo. Contudo, ele não desaparecerá. Importa, sim, compreender que haverá novas formas de lidar com os livros. Como instrumentos estão a sofrer alterações significativas

as “humanidades” iam do conhecimento e da sabedoria no domínio da literatura e das artes até ao espírito filosófico e científico - nada do que é humano opde ser-nos estranho. É, pois, indispensável aprender a ler o mundo que nos cerca nas suas diferentes expressões, a literatu- ra começou por partir da oralidade (os grandes poetas da Antiguidade construíram provavelmente assim as suas obras - a Ilíada ou a Odisseia), hoje herdámos a paixão do livro por força da maravilhosa descoberta dos caracteres móveis de Gutemberg, mas só há leitura fecunda se houver prazer nela, a leitura deve ser aprendida como exercício de liberdade e de escolha, tem de haver capacidade de relacionar cada livro com o que se conhece e leu anteriormente, e temos ainda de entender a emergência de novos meios de comunicar - o cinema, a televisão, a internet, com que temos de aprender a lidar. Eles próprios podem favorecer a leitura. Tzvetan Todorov fala-nos da “literatura em perigo”, e afirma: “Sendo o objecto da literatura a própria condição humana, aquele que a lê e a compreende tornar-se-á não um especialista de análise literária, mas um conhecedor do ser humano”. É assim o mundo da vida que está em causa, o que permite dizer que a atenção e capacidade de perceber é que importam. Muitos discutem o futuro do livo. Contudo, ele não desaparecerá. Import, sim, com- preender que haverá novas formas de lidar com os livros. Como instrumentos estão a sofrer alterações significativas, tal como acontece na imprensa escrita. A motivação para a leitura ganhará, porem, novos meios e adeptos. Hoje lê-se mais do que há meio século, até pelo alargamento das habilitações escolares da população, mas há o risco de se ler pior, ainda que,

paradoxalmente, os melhores leitores sejam melhores... Há transformações profundas e peri- gos indíscutiveis. Daí devermos cuidar dos temas urgentes e sensíveis da educação, que indico telegraficamente: temos de melhorar o ensino da língua materna (na leitura e na escrita), sem um bom domínio da língua não poderemos aprender bem idiomas estrangeiros (indispensá- veis para a globalização), temos de ser mais exigentes no estudo da história (no entendimento do tempo, da diacronia e da sincronia), da geografia, da matemática e dos conhecimentos científicos e temos de apoiar seriamente o ensino artístico. E se queremos riqueza vocabular, ordenação de argumentos, rigor na exposição e desenvolvimento de ideias - precisamos de cultivar a comunicação e a palavra, de exercitar a memória (ler, repetir, representar a poesia e o teatro), de incentivar a criatividade. Almada Negreiros dizia: “O teatro é o escaparate de toas as artes. Todas as artes são todas as peças da mesma coisa”. Educação, cultura e ciência estão intimamente ligados. Urge compreender um texto, lendo-o no original; relacionar as di- versas formas de criação artística, representar poética e simbolicamente as ações, as virtudes, as misérias e os sonhos. Alberto Lacerda tinha razão ao dizer: “Esta língua/ é minha Índia constante/ minha núpcia ininterrupta/ meu amor para sempre/ minha libertinagem/ minha eterna/ virgindade” (Oferenda, I)


P Debate-

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apo

Autobiografia Imaginária Valter Hugo Mãe

Com o tempo, os livros que escrevemos são sobretudo aquilo que os outros têm a generosidade de nos devolver. Quero dizer, ocupados que vamos com novos textos, anos passando, os livros que outrora foram o centro absoluto dos nossos dias e do nosso pensamento existem sobretudo pela reação daqueles que, nunca atrasados, acabaram de os ler e sentem tudo agora, vigente, intensamente. Os livros são-nos devolvidos generosamente pela capacidade de cada leitor os manter vivos e, por vezes, os leitores são também criadores. A reação que têm vem na forma de outra obra, como se um livro já contivesse em si esse sonho. Assim acontece quando o Trigo Limpo – Teatro Acert leva ao palco uma adaptação de a máquina de fazer espanhóis, romance que vi editado em janeiro de 2010 e que me tem oferecido a mais gratificante experiência com uma infinidade de gente. Muda muito a nossa cabeça quando subitamente um texto que escrevemos nos cria certa e imediata intimidade com desconhecidos. É o que sinto com a máquina de fazer espanhóis. Tantos dos seus leitores se abeiram de mim já amigos, desarmados, confiando com uma candura que quero muito merecer e respeitar. Talvez todos os livros esperem por isso, não sei. Mas sei que o carinho dos outros pelo que fazemos é um carinho que sobra para nós mesmo, exatamente como se fôssemos amigos. Isso é impagável. O que faz agora o Trigo Limpo é da ordem do amor porque me traz muito afeto, porque me honra, porque me humilha. Com encenação do Pompeu José, que também interpreta, um conjunto de gente muito jovem corre o risco de se colocar na pele dos mais velhos, sem meninices estapafúrdias, apenas a ternura e tragédia que compõem as histórias dos que que vão chegando ao fim. Um grupo de jovens que

O Trigo

Limpo nos mostra como os mais velhos podem ser, com as suas tristezas profundas e alegrias epifânicas, entre o frustrado e o esperançado numa completude qualquer. Fiquei maravilhado com o trabalho que o Trigo Limpo apresenta. Não podia esperar receber o meu livro devolvido desta forma, simultaneamente tão competente e amável. Impressionou-me muito que a história se tenha mantido, sem atropelos nem agressões. O corte que fazem no livro é muito bem feito, atalhando pelos diversos assuntos e acontecimentos, mantendo toda a sua plenitude. Percebemos bem o impasse do que pensam os habitantes daquele lar, percebemos bem como esse impasse pode definir o país. Rimos e ficamos emocionados, porque a desgraça é triste mas pode ser trapalhona, ridícula, ternurenta. Rimos muitas vezes para nos segurarmos. Para que enfrentemos. Na verdade, o retorno que nos dão do nosso trabalho, quando assim, é um convite a tudo. Um convite a continuar, a escrever mais, procurar ser melhor, fazer tudo melhor, dos textos à

comida, à educação cívica, ao gostar de alguém. É um convite a gostar. Voltamos a casa com vontade de colocar em cada vazio um sinal contrário. Porque momentaneamente estamos repletos. Fortes para muito mais do que o habitual. Uma senhora veio dizer-me que leria imediatamente o livro depois de ver a peça. Queria demorar-se entre as personagens. Chegar mais perto. Como pudesse subir ao palco e ver melhor, repetir, ver outra vez, ver por dentro da cabeça de cada um. Precisava do livro. Dizia-me assim. Precisava do livro. Queria saber se eu levava algum debaixo do braço. Ficou especada numa urgência qualquer. Ia levantar-se cedo, no dia seguinte, para correr a Viseu, a Coimbra, ao Porto, onde fosse, até poder conhecer o ponto de partida daquela peça. Respondi-lhe que me suscitou também um pouco essa necessidade. A de regressar a um lugar imaginário que, tenho conhecido bem, me assomou à memória com grande saudade. Mas eu carrego o drama de ter esperado muito mais do texto do

Os livros são-nos devolvidos generosamente pela capacidade de cada leitor os manter vivos e, por vezes, os leitores são também criadores”

que ele é. Porque nenhum livro corresponde à amplitude da experiência de escrever. O livro é um resultado pequeno dos anos longos que ocupamos com ele. Estarei sempre em desvantagem perante quem não espera nada. Em certo sentido, uma encenação brilhante como a que o Trigo Limpo faz agora é o modo mais prudente para que eu, enquanto autor, regresse ao meu livro. Porque já regresso como se pudesse ter as opções partilhadas com os outros, fazendo com que aquilo que inventei seja menos imaginário e corresponda a uma muito menor solidão. Porque a criação desdobra-se, completa-se, e isso tem o significado retumbante de estarmos em companhia. Há um entendimento. O Pompeu José e aquela gente toda ali de Tondela, entenderam muito bem o que quis com esta história. Agradeço-lhes muito por isso. Saí a encomendar, encarecidamente, um candeeiro igual ao senhor Silva. O Zétavares fez, com o Pompeu, uma cenografia admirável. A música de Filipe Melo foi rigorosa na melancólica traquinice que se esperava. Ficarei para sempre com uma versão enriquecida do meu próprio livro. Passou a ter uma dimensão bem mais tangível. Como se tivesse passado a ser realidade. Uma realidade bastante, sem dúvida alguma. JL 33


Pretextos

Helder Macedo

Grafites

Lembram-se do poema de Jorge de Sena sobre Elsinore (ou mais correctamente, Helsingor), o castelo do Hamlet? A certa altura diz assim: Mas numa das salas térreas do palácio, onde permitem que os visitantes aliviem seus anseios de escrever nas paredes a imortalidade efémera, havia enorme, por entre as inscrições em todas as letras e línguas, uma em negras majestosas letras: O GRAVANITA ESTEVE AQUI. Qual mas nem meio mas! A verdade é que o nosso insigne compatriota Senhor Gravanita conquistou uma dupla imortalidade, graças ao Shakespeare e ao Sena, que afinal também lá esteve e escreveu a sua própria grafite no poema em que diz que esteve. Estas profundas considerações sobre a fama e a glória vêm a propósito da recente morte do Eusébio. Já vão ver porquê e porque razão também mereço fazer a minha grafite. Mas antes importa celebrar aquele outro compatriota moçambicano que, como supremo orgulho, mandou imprimir debaixo do nome no cartão de visita: “Ex-passageiro do paquete Quanza”. E ainda outro, na Guiné, que se gabava de cosmopolita porque tinha ido uma vez a Dakar, que era para Bissau como uma espécie de Paris para a Lisboa queirosiana do Dâmaso Salcede. Casou-se, porque nos trópicos há mulheres capazes de tudo, e levou desinfeliz à sua Dakar para uma lua de mel com direito a pequeno almoço na esplanada do, está-se logo a ver, Café de Paris. “Pst, ò garçon! Deux cafés!” “Au lait, monsieur?” “Olá!” E para a noiva, num sorriso de controle conjugal: “Este já me conhece da outra vez.” Pois é, eu conheci pessoalmente

o incontrolável Eusébio.E também o esvoaçante Costa Pereira, que se tivesse sido o guarda-redes da seleção em 1966 teríamos ganho (foi o único erro do Otto Glória); e o sólido Coluna, o supremo capitão. Já vos disse tudo isto noutra crónica? Se sim, não faz mal, a grafite é para se ler várias vezes. Ah, mas os escritores que se prezam não gostam de futebol. Preferem os gladiadores romanos. Ou os torneios medievais. E também os bombardeamentos modernos? Eu prezo-me de ser pelo futebol. Morre-se menos e não se engorda. Tudo começou em Lourenço Marques, quando eu tinha 11 ou 12 anos, no campo do Harmonia, no fim das tardes, perto do liceu. Às vezes passavam por lá o Coluna e o Costa Pereira, cinco ou seis anos mais velhos do que nós e já em prenúncio das futuras estratoferas benfiquistas. O Coluna a dar conselhos: “Não chutes com a biqueira, rapaz, com o pé em ângulo controlas melhor a bola.” E o Costa Pereira a perguntar qual era a equipa que estava a perder e a ir para a baliza até estar a ganhar. Pouco tempo depois fui para Lisboa e eles também. Mais tempo depois, eu estava em Londres a fazer pela vida o que na BBC me deixassem fazer e a PIDE não teria deixado em Portugal. Programas culturais mas não só. Mas isso são enredos que ficam para outra vez. Agora basta mencionar que veio aí o Benfica para uma final europeia e me ofereci logo para ir entrevistar a equipa. Nesse tempo os gravadores eram caixas enormes, esverdeadas, pesadíssimas, com fitas que se enrodilhavam. Até me tinha acontecido um precalço, quando me mandaram entrevistar um português, um espanhol e, porque para os ingleses não há como distinguir, um turco, num congresso científico sobre sementes. A ideia, explicou-me o chefe, era ajudar às exportações pondoos a dizer que as sementes inglesas são as melhores. Com o português e o espanhol não houve problemas, disseram logo que sim, mas o outro (perguntas que ele entenda mal em inglês, respostas que eu não entendia de todo em turno) ficou muito inquieto, presumo que por não ter desmentido a indubitável superioridade das sementes ingle-

sas, e quis gravar a entrevista de novo, não fosse mafoma tecê-las. Quando cheguei à BBC estava tudo emaranhado, entreguei aos serviços sarracenos o espanhol ao contrario, ou seja com a fita a desfalar, do fim para o princípio. Resolveram o problema, mas não sei qual das duas entrevistas do turco transmitiram, nem o que lhe terá acontecido quando regressou ao vigilante Bósforo, se foi aquela e que ele concordava que as sementes inglesas são as melhores. Com o Benfica nunca poderia haver esse problema, toda a gente sabe que é mesmo o melhor. Ou que deveria ser, que é quase a mesma coisa. Ou que, pelo menos, não é o Sporting. Ou, pior ainda, o Porto. Lá carreguei a máquina gigante aos balneários, e aqui é que chega o meu momento de efémera imortalidade que nem o Senhor Gravanita da grafite em Helsingor e o ex-passageiro do paquete Quanza e o cosmopolita de Bissau todos juntos. O primeiro “Olá” foi do Costa Pereira. “Tu por aqui?” Depois o Coluna apresentou-me ao jovem Eusébio: “Este é da nossa terra”, acrescentando, em nostálgico exagero, “Jogava connosco lá no Harmonia.” E de novo o Costa Pereira, como sempre a querer ajudar quem estivesse a perder: “Ó Helder, onde é que estás a jogar agora?” E tudo isto, vejam bem, com o Eusébio a ouvir, ali ao lado! JL

O Coluna apresentoume ao jovem Eusébio: “Este é da nossa terra!”, acrescentando em nostálgico exagero, “Jogava connosco lá no Harmonia”. E de novo o Costa Pereira, a querer ajudar: “Ó Helder, onde é que estás a jogar agora?” E tudo isto, vejam bem, com o Eusébio a ouvir, ali ao lado!”


| 22 de Janeiro a 4 de Fevereiro de 2014 | jornaldeletras.sapo.pt

O Homem do Leme Manuel Halpern

As mesmas pessoas que expõem os mais variados detalhes da sua vida privada no Facebook – desde o nascimento dos filhos, ao fim do namoro, passando pela ida às compras com a amiga, o lado da cama para que dorme melhor, além da actualização permanente da localização – queixam-se que andam a ser espiadas pela CIA. É mais um contrassenso do mundo em que vivemos. Isto significa que não têm nada contra a exposição da sua vida privada, desde que seja por vontade própria, o que é absolutamente legítimo. Verdade é que, seja a CIA, a Mossad, a Scotland Yard ou o SIS, têm a vida muito facilitada. Embora não se imagine uma

Espiões

COMO NÓS

brigada imensa que espie em permanência todas as pessoas do mundo. Por maiores que sejam os meios, será impossível ter todos sob escuta, é como um homem armado perante uma multidão despida, por mais tiros que dispare não consegue matar toda a gente. Em termos objetivos a CIA não nos investiga em concreto simplesmente porque não quer saber de nós. Não se interessa pelo nascimento do filho, o cachorrinho pantufa que dá a pata ou a gata patusca que toca piano. Não quer saber com quem vamos ao cinema nem das fotografias na praia em fato de banho. Não somos interessantes para a CIA, o que é pena, porque possivelmente tal tornaria as nossas vidas mais excitantes. Mas eles, sacanas, têm mais que fazer. É injusto! Claro que se pode delinear estratégias para que a CIA repare em nós. Eventualmente, no seu quartel general, acende-se uma luz vermelha sempre que alguém pesquisa no Google “Bomba de Fabrico Caseiro”, ‘terrorismo’, “grande satan”, “ataque suicida”, “jihad”, etc... Usar regularmente estas palavras insistentemente poderá ser um bom princípio. Mas tal requer alguma consistência e insistência como com uma namorada que se faz rogada. Fotografias com armas, citações do Corão, filiações a movimentos extremistas podem ajudar. Apesar de tudo a paranoia das pessoas simples que não temem lei tem razão de ser. Porque a questão não é a invasão da nossa privacidade por desconhecimentos (que provavelmente não se verifica), mas a facilidade com que isso poderá acontecer (caso haja o interesse). É assustador. A nossa privacidade pode ser violada a qualquer momento. Os nossos segredos poderão ser secretamente escutados e até divulgados. É um potencial de terror. É por isso que a divulgação recente de segredos da CIA parece apenas uma justa contrapartida. Vamos espiar os serviços secretos antes que os serviços secretos nos espiem a nós. JL

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iário

D

Tiago Torres da Silva

O Rio e

Festa de aniversário com queridos amigos que cultivo neste país tão distante, mas que há já tantos anos decidiu ser minha casa. Em conversa com alguém, recebo com alegria a notícia de que o pastor Marcos Feliciano se demitiu da Comissão de Direitos Humanos, mas lamento que se tenha demitido. Penso que um ser que afirmou tanto ódio como ele afirmou contra negros, contra gays, contra as religiões de origem africana, contra John Lennon, contra Caetano Veloso, contra os Mamonas Assassinas, tinha de ser demitido e a Presidente Dilma deveria pedir desculpa ao mundo pelo ódio lançado aos sete ventos por este pastor evangélico que quer, a todo o custo, voltar ao deus do antigo testamento, um deus castigador, mau, punitivo. Mas, do mal o menos, esse ser inqualificável deixou de fazer parte da comissão dos direitos humanos... Porém, temo que ainda venhamos a ouvir falar muito dele. Passo adiante porque “hoje é dia de festa, cantam as nossas almas”... e quem canta são alguns dos cantores com quem tenho trabalhado nos últimos tempos. Jussara Silveira, que acabou de lançar um disco em que revisita a minha obra, dá-me o maior presente de todos: ser a primeira cantora brasileira a dedicar um disco inteiro à obra de um letrista português vivo! Que alegria ter sido escolhido, ter sido acolhido! Apaixonada pelo fado, Jussara interpreta letras que escrevi para as vozes de Tereza Salgueiro, Mafalda Arnauth e Carminho, entre muitos outros. E eu agradeço. Calo-me e agradeço. Leila Pinheiro também me dá um presente inexcedível, mas esse ainda está no segredo dos deuses que tanto me acarinham. Muitas caipirinhas depois, continuo calado. E em silêncio agradeço.

o Rio

Rio de Janeiro, 25 de dezembro de 2013

29 de dezembro

Estranho Natal este em que os termómetros derretem sob uma sensação térmica de 50 graus. A água da piscina parece sopa. Resta a praia e a esperança de que alguma corrente fria possa ter arrefecido a costa repleta de gente das areias do Leblon. O calor tem ajudado a recuperação das minhas costas recém-operadas. Não me queixo, mas não encontro coragem para me arrastar pelas ruas peganhentas do Rio. Há dias, fui até ao centro comprar algumas coisas que precisava no Mercado do Saara. Tentei tomar uma coca-cola na Confeitaria Colombo mas a fila de gente antecipava umas boas horas de espera. Por isso, calcorreei sem rumo aquelas ruas onde já fui tão feliz: Ali ao lado fica a Praça Tiradentes onde se ergue, majestoso, o Teatrp João Caetano. Foi aí que vivi as noites de maior sucesso do espetáculo em que dirigi a magnífica Bibi Ferreira dando vida à não menos magnífica Amália Rodrigues. Mas o calor estava insuportável. Uma porta aberta. Entrei. Uma voz. Entrei. Algumas pessoas ajoelhadas, outras de pé. Entrei na Igreja de São Benedito dos Homens Pretos. Deixei-me ficar por lá na frescura das palavras reconfortantes que o diácono de serviço lançava, como se as palavras certas pudessem ser o ar condicionado da alma. Quando saí da humilde igreja, o calor não abrandou. Entrei num boteco para tomar um chôpe. Na parece, num grande cartaz vermelho, pode ler-se: “proibido beijo ousado”. Sorrio. Ai, Brasil, Brasil! Noutra ocasião, tento um passeio no Jardim Botânico, na esperança que a copa das árvores possa evitar que o sol me frite os miolos. Em vão. Não se veem aves, nem micos, nem quaisquer bichos, todos quietos, todos muito ocupados no afã de não fazer nada para evitar qualquer possibilidade de aquecimento. Não fosse o casal de capivaras que apareceu na Lagoa Rodrigo de Freitas com três crias e dir- se-ia que a bicharada abandonou o Rio de Janeiro. Volto sempre para casa. Água!, Água!, Água!, mergulho e durante breves segundos alguma coisa acontece na minha cabeça, como uma frase que se solta. Mantenho-me debaixo de água, sustendo a respiração pelo maior período possível, na expectativa de que a frase solta seja isco de outras frases, outras ideias, outras soluções para os textos que tenho em mãos... Um minuto... dois minutos... Ufff!... E o calor! Sempre o calor. Mergulhar outra vez na esperança... mas... cadê a frase?... cadê a ideia?... cadê a palavra? Imaginar voltar para o Inverno de Lisboa é suplício que afasto de todos os pensamentos. Como diz a canção de Milton Nascimento que Gal Costa eternizou: “Venho do sol, a avida inteira no sol, sou filho da terra do sol”.

2 de janeiro de 2014 Perto do Arpoador, na Praça Millôr Fernandes. Espero que o sol se ponha. Uma multidão aguarda o espetáculo que todas as tardes o astro-rei protagoniza ao banhar-se nos mares de Ipanema. Quando a última réstia de sol mergulha nas águas bravias do Atlântico, a multidão levanta-se como se uma mola a impelisse. Todos nós começamos a aplaudir o sol. Da ponta do arpoador, passando pelo posto 9 e até lá ao fundo do Leblon, todas as pessoas se levantam e com um sorriso nos lábios aplaudem o espetáculo inesquecível a que acabámos de assistir. Põe-se-me um nó na garganta de tal ordem que não consigo dizer uma palavra. Em silêncio, agradeço. Se eu fosse sol, voltaria amanhã a estas praias, feliz que estaria com esta ovação espontânea que os cariocas teimam em oferecer todos os dias.


| 22 de Janeiro a 4 de Fevereiro de 2014 | jornaldeletras.sapo.pt

7 de janeiro Sentado no coração da Cinelândia, no tradicionalíssimo Teatro Rival onde já tive a fortuna de assistir a espectáculos de grandes cantores como Cauby Peixoto, Ivan Lins ou Elza Soares, espero pelo início do show que o violonista Zé Paulo Becker e o cantor Marcos Sacramento idealizaram para assinalar o centenário do poeta mestre Vinicius de Moraes. Com base nos afro-sambas que Vinicius compôs com Baden Powell, Marcos e Zé Paulo navegam por outras parcerias da dupla que de alguma forma se relacionam com os oitos afro-sambas e até ousam duas parcerias de Zé Paulo com o extraordinário poeta Paulo César Pinheiro. O resultado é de uma tal superioridade perante tudo o que tenho visto ultimamente nos palcos do Brasil que outra coisa não posso senão aplaudir de pé, freneticamente. Aplaudir o virtuosismo de Zé Paul Becker, mas não um virtuosismo estéril. Um virtuosismo emocionante, rasgado, inteiro! Aplaudir também o cantor de mão cheia que é Marcos Sacramento. Domínio perfeito da voz e da cena. Humildade na conta certa. Carisma na conta certa. Altivez na conta certa. Escracho na conta certa! As minhas companheiras de mesa, Elisa e Olivia Byington e a jovem cantora Mariana Baltar, também estão assarapantadas com tamanha beleza. E depois, o repertório é perfeito: “O homem que diz vou não vai/ porque quem vai mesmo não diz”. Mas, é preciso correr, daqui a pouco começa o espetáculo da novíssima Liz Rosa no Studio Rj, em Ipanema. Há que correr para o estacionamento, tirar o carro, fazer figas para não apanhar trânsito, rezar por um lugarzinho à porta... Mal chegamos, ouvem-se os primeiros acordes de “A violeira”,

de Chico Buarque. A banda, liderada por Ricardo Silveira e com a participação luxuosa de Jorge Hélder, ataca com brio temas de Gilberto Gil, João Bosco, entre outros, e permite à ótima cantora uma performance de grande maturidade num sotaque delicioso oriundo de Natal, lá no Rio Grande do Norte, de que também tenho tão gratas recordações. Volto para casa já muito tarde, depois de varar a noite no bairro de Laranjeiras, onde conheço um jovem sambista, Júlio Estrela, que me há de levar para uma roda de samba em Santa Teresa. Mas isso não será hoje porque hoje o dia já está a espreguiçar-se para acordar. Ouvem-se aves. Cigarras anunciam o calor. Tudo vibra com a chegada do novo dia. Ala para casa, tentar chegar à cama antes que o sol inunde a janela do meu quarto da Gávea. Graças a Deus, o ar condicionado salva-me de cozer enquanto durmo.

11 de janeiro Último dia no Rio. Chôpe. Lapa. Chôpe. Samba. Chôpe. Violão. Chôpe. Amigos. Chôpe. Despedidas. Chôpe. Lágrimas. Chôpe. Sorrisos. Chôpe. Chôpe. Chôpe.

Lisboa, 16 de Janeiro Já em Lisboa, almoço com o meu querido amigo Pedro Jóia para lhe dar conta dos avanços alcançados na minha viagem ao Brasil no que se refere ao disco que assinalará os meus 25 anos de escrita. Conto-lhe do encontro com uma das maiores cantoras do mundo, conto-lhe da alegria com que toda a gente se disponibilizou para participar no disco. Conto-lhe da alegria do Rio de Janeiro, da beleza do Rio de Janeiro e de como me senti abraçado por essa beleza tropical. Quando ergo os olhos, vislumbro um pedaço do rio Tejo a espreitar por cima do ombro do extraordinário guitarrista que faz o favor de ser um dos meus maiores amigos. Fico com os olhos rasos de água por também me sentir tão abraçado pela beleza de Lisboa, pela luz de Lisboa, pela alegria de Lisboa. Depois, continuo calado. E em silêncio agradeço. JL

Tiago Torres da Silva, 44 anos, escritor, dramaturgo, encenador, letrista, esteve recentemente no Brasil, onde tem trabalhado muito, a acompanhar o lançamento do disco Água Lusa – Jussara Silveira canta Tiago Torres da Silva.

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Ficha técnica

Proprietária/Editora: Medipress Sociedade Jornalística e Editorial, Lda. NPC 501 919 023 Rua Calvet de Magalhães, no 242 – 2770-022 Paço de Arcos Tel.: 214 544 000 – Fax: 214 435 319 – Email: ipublishing@impresa.pt Gerência: Francisco Pinto Balsemão, Francisco Maria Balsemão, Pedro Norton, Paulo de Saldanha, José Freire, Luís Marques, Francisco Pedro Balsemão, Martim Avillez Figueiredo, Raul Carvalho Neves Composição do capital da entidade proprietária: Capital Social €74.748,90; Impresa Publishing, SA – 100%

Publisher: Pedro Camacho Diretor: José Carlos de Vasconcelos Redatores e colaboradores permanentes: Maria Leonor Nunes, Manuel Halpern, Luís Ricardo Duarte, Francisca Cunha Rêgo, Carolina Freitas, António Carlos Cortez, Carlos Reis, Daniel Tércio, Eduardo Lourenço, Eugénio Lisboa, Fernando Guimarães, Guilherme d'Oliveira Martins, Gonçalo M. Tavares, Helder Macedo, Helena Simões, Jacinto Rego de Almeida, João Medina, João Ramalho Santos, João Santos, Jorge Listopad, José-Augusto França, José Luís Peixoto, Lídia Jorge, Manuela Paraíso, Maria João Fernandes, Maria Alzira Seixo, Maria Augusta Gonçalves, Miguel Real, Ondjaki, Onésimo Teotónio de Almeida, Pires Laranjeira, Rocha de Sousa, Valter Hugo Mãe e Viriato Soromenho-Marques Outros colaboradores: Agripina Vieira, Alexandre Pastor, Álvaro Manuel Machado, André Pinto, António Ramos Rosa, António Cândido Franco, Boaventura Sousa Santos, Carlos Vaz Marques, Cláudia Galhós, Cristina Robalo Cordeiro, Gastão Cruz, Inês Pedrosa, João Abel Manta, João Caraça, José Manuel Canavarro, João de Melo, João Ribeiro, Joaquim Francisco Coelho, José Manuel Mendes, José Sasportes, Lauro Moreira, Leonor Xavier, Luísa Lobão Moniz, Manuel Alegre, Maria do Carmo Vieira, Maria Emília Brederode Santos, Maria Fernanda Abreu, Maria José Rau, Miguel Carvalho, Marina Tavares Dias, Mário Avelar, Mário Cláudio, Mário de Carvalho, Mário Soares, Marcello Duarte Mathias, Nuno Júdice, Óscar Lopes, Ricardo Araújo Pereira, Rui Mário Gonçalves, Silvina Pereira, Teolinda Gersão e Vasco Graça Moura Paginação: Filipa Lourenço e Leonel Sousa Pinto Secretária: Teresa Rodrigues Centro de documentação: Gesco Redação, administração e serviços comerciais: Rua Calvet de Magalhães, no 242 – 2770-022 Paço de Arcos – Tel.: 214 698 000 – Fax: 214 698 500 – Email: jl@impresa.pt / Delegação Norte: Rua Conselheiro Costa Braga no 502 – 4450102 Matosinhos – Tel.: 22 043 7001 Publicidade: Tel.: 214 698 751 – Fax: 214 698 516 (Lisboa) Tel.: 228 347 530 – Fax: 228 347 558 (Porto) Pedro Fernandes (Diretor Comercial) pedrofernandes@sic.pt; Maria João Costa (Diretora Coordenadora) mjcosta@impresa.pt, Carlos Varão (Diretor), Luís Barata (contacto), Miguel Diniz (contacto); Elisabete Anacleto (gestora Publicidade) eanacleto@impresa.pt; Ana Lúcia Moreira (Coordenadora de Materiais) alucia@ impresa.pt. Delegação Norte: Ângela Almeida (Diretora Coordenadora) aalmeida@impresa.pt, Margarida Vasconcelos (Gestora de Contas) mvasconcelos@impresa.pt, Miguel Aroso (Contactos) maroso@impresa.pt; Ilda Ribeiro (Assistente e Coordenadora de Materiais) jmribeiro@impresa.pt Publicidade online: publicidadeonline@impresa.pt Tel.: 214 698 970 Marketing: Mónica Balsemão (Diretora), Ana Paula Baltazar (Gestora de Produto)  Multimédia: João Pedro Galveias (Diretor) joaogalveias@sic.pt Produção: Manuel Parreira (Diretor), Manuel Fernandes (Diretor Adjunto), Pedro Guilhermino e Carlos Morais (Produtores) Circulação e assinaturas: Pedro M. Fernandes (Diretor), José Pinheiro (Circulação), Helena Matoso (Atendimento ao assinante); Atendimento ao Ponto de Venda: pontodevenda.ip@impresa.pt Tel.: 707 200 350, 21 469 8801 (todos os dias úteis, das 9h às 19h) – Fax: 214 698 501 – Email: apoio.cliente.ip@impresa.pt / Aceda a www.assineja.pt Envio de pedidos: Medipress – Sociedade Jornalística e Editorial Lda. Remessa Livre 1120 – 2771-960 Paço de Arcos Impressão: Lisgráfica – Casal de Sta. Leopoldina – 2745 Queluz de Baixo Distribuição: VASP – MLP, Media Logistic Park, Quinta do Grajal – Venda Seca, 2739-511 Agualva-Cacém – Tel.: 214 337 000 Pontos de Venda: contactcenter@vasp.pt Tel.: 808 206 545 – Fax: 808 206 133 Tiragem: 10 500 exemplares Registo na ERC com o no 107 766 – Depósito Legal no 11 745/86 Interdita a reprodução, mesmo parcial, de textos, fotografias ou ilustrações sob quaisquer meios, e para quaisquer fins, inclusive comerciais “A Medipress não é responsável pelo conteúdo dos anúncios nem pela exatidão das características e propriedades dos produtos e/ou bens anunciados. A respetiva veracidade e conformidade com a realidade, são da integral e exclusiva responsabilidade dos anunciantes e agências ou empresas publicitárias”.

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