DISSERTAÇÃO MESTRADO | RITA VAIRINHOS | Rumo a uma nova ética construtiva

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Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura

Rumo a uma nova ĂŠtica construtiva: a arquitectura inserida nos fundamentos da permacultura

Rita Lopes Vairinhos dos Santos

Lisboa Dezembro 2012


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Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura

Rumo a uma nova ĂŠtica construtiva: a arquitectura inserida nos fundamentos da permacultura

Rita Lopes Vairinhos dos Santos

Lisboa Dezembro 2012


Rita Lopes Vairinhos dos Santos

Rumo a uma nova ética construtiva: a arquitectura inserida nos fundamentos da permacultura

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura. Orientador: Prof. Doutor Arqt. Joaquim Marcelino da Conceição dos Santos Assistente de orientação: Mestre Arqt. Filipe Alexandre Duarte González Migães de Campos

Lisboa Dezembro 2012


Ficha Técnica Autora Orientador Assistente de orientação

Rita Lopes Vairinhos dos Santos Prof. Doutor Arqt. Joaquim Marcelino da Conceição dos Santos Mestre Arqt. Filipe Alexandre Duarte González Migães de Campos

Título

Rumo a uma nova ética construtiva: a arquitectura inserida nos fundamentos da permacultura

Local

Lisboa

Ano

2012

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação SANTOS, Rita Lopes Vairinhos dos, 1985Rumo a uma nova ética construtiva : a arquitectura inserida nos fundamentos da permacultura / Rita Lopes Vairinhos dos Santos ; orientado por Joaquim Marcelino da Conceição dos Santos, Filipe Alexandre Duarte González Migães de Campos. - Lisboa : [s.n.], 2012. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. I - SANTOS, Joaquim Marcelino da Conceição dos Santos, 1961II - CAMPOS, Filipe Alexandre Duarte González Migães de, 1972LCSH 1. Permacultura 2. Arquitectura sustentável 3. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 4. Teses - Portugal - Lisboa 1. 2. 3. 4.

Permaculture Sustainable architecture Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations Dissertations, Academic - Portugal - Lisbon

LCC 1. S494.5.P47 S26 2012


“Não fui capaz de entender nada. Devia têla avaliado não pelas suas palavras, mas pelos seus actos. Ela perfumava-me e davame luz! Eu nunca teria fugido! Devia era ter sido capaz de perceber toda a ternura escondida naquelas suas pobres manhas. As flores são tão contraditórias! Mas eu era novo de mais para a saber amar." Aos meus pais, porque tudo o que sou a eles o devo.


AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Professor Doutor Arqt. Joaquim Marcelino Santos, professor que ensina tão definitivamente por gosto. Pela disponibilidade e por todo o conhecimento partilhado. Ao meu co-orientador, Professor Mestre Arqt. Filipe Duarte González, "Mestre" da construção em terra, agradeço a amizade, o incentivo e o conhecimento partilhado que tornaram este trabalho possível. Ao Doutor Hélder Machado e aos restantes funcionários da Mediateca da Universidade Lusíada pela atenção e disponibilidade. Á minha família e amigos, por todas as vezes em que estive mais ausente mas principalmente por terem puxado por mim nas alturas em que as coisas pareciam difíceis. Ao pessoal do abrigo, por todas as vezes que me substituíram na escala de dias para eu puder trabalhar. Á Biovilla por me terem deixado "infiltrar".


“Não fui capaz de entender nada. Devia têla avaliado não pelas suas palavras, mas pelos seus actos. Ela perfumava-me e davame luz! Eu nunca teria fugido! Devia era ter sido capaz de perceber toda a ternura escondida naquelas suas pobres manhas. As flores são tão contraditórias! Mas eu era novo de mais para a saber amar." SAINT-EXUPÉRY, Antoine de

(1987) - O Principezinho.

2054.ª ed. rev. e actualizada. Lisboa : Círculo de Leitores.


APRESENTAÇÃO Rumo a uma nova ética construtiva: A Arquitectura inserida nos fundamentos da Permacultura

Rita Lopes Vairinhos dos Santos

Num contexto de escassez de recursos e crise ambiental, social e económica, este trabalho pretende abordar a necessidade de um desenvolvimento sustentável em todas as suas vertentes. A permacultura trabalha em harmonia com a natureza por meio de tecnologias aplicadas rumo a uma eficiência e conservação energética e ainda rumo a um futuro seguro em relação aos recursos naturais. A potencialidade da permacultura como resposta à procura por um futuro sustentável é transmitida abordando o seu conceito, bases e fundamentos. Não esquecendo o peso da construção para o meio ambiente, esta pesquisa tem por objectivo a análise de várias metodologias construtivas alternativas (usualmente presentes no âmbito da permacultura, mas não só) de reduzido impacte ambiental. As metodologias analisadas têm em comum o facto de utilizarem recursos locais e/ou reciclados ou recicláveis, que não passam pelo processo de industrialização e não precisam de percorrer grandes distâncias, minimizando assim os custos e a utilização de recursos e energia. A compilação destas alternativas construtivas pretende reunir informação útil para uma construção menos agressiva para com a Terra, mas não é por si só suficiente para atingir a sustentabilidade. Para além do domínio do conhecimento e de técnicas é necessária uma consciencialização e uma reaproximação do Homem com a natureza.

Palavras-chave:

Ecologia,

Arquitectura Sustentável

Ética,

Ambiente,

Permacultura,

Sustentabilidade,


ABSTRACT Route to new construtive ethics: Architecture inserted in beddings of Permaculture

Rita Lopes Vairinhos dos Santos

In a context of scarcity of resources and environmental, social and economic crisis this work intends to approach the necessity of a sustainable development in all its way. In the search of a sustainable future the concept is approached, based and beddings of the permaculture, form to transmit the potentiality of this as reply to this search, a time that still works in harmony with the nature by means of applied technologies route to an efficiency and energy conservation and route to a future insurance in relation to the natural resources. Ahead of such fact, and not forgetting the construction impact for the environment, this research has for purpose the analysis of some alternative constructive methodologies (usually present in the scope of the permaculture, but not only) of reduced environment impact. The analyzed methodologies have in common the fact of use local and/or recycled resources or recycle, that minimizing the costs and the energy use, as time as these materials do not pass for the industrialization process and do not need to cover great distances. The compilation of these constructive alternatives intends to congregate useful information for a less aggressive construction to the planet but it is not by itself enough to reach the sustainability, beyond the domain of the knowledge and of techniques it is necessary an ethical conscience and approach of the man with the nature.

Keywords: Ecology, Ethics, Environment, Permaculture, Sustainability, Sustainable Architecture


LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 - Pegada Ecológica (1961-2005). (WWF, 2012). ..................................... 37 Ilustração 2 - Valores da Pegada Ecológica per capita (ha global/ pessoa) de alguns países em 2003. (Adaptado de WWF, 2006). ............................................................. 37 Ilustração 3 - Índice Planeta Vivo (1970-2007). (WWF, 2010, p. 13) ........................... 39 Ilustração 4 - Fases do desenvolvimento e consumo de energia. (Goldenberg apud Santoro, 2010, p. 23). ................................................................................................. 41 Ilustração 5 - População mundial (1971-2012). (Adaptado de ONU, 2010). ................ 43 Ilustração 6 - "Sustentabilidade: um caminho, uma meta, uma necessidade." (Ilustração nossa, 2011). ............................................................................................ 46 Ilustração 7 - "Arquitectura vernácula publicada no Fórum Magazine N.º 7" (GTA Archive apud Osten, 2009, p. 6). ................................................................................ 56 Ilustração 8 - Cultura Uru-chipaya, uma das culturas mais antigas do continente americano. Exemplo de arquitetura vernacular. (Oruru, Bolívia), Fernando Soria. (Almanaque Brasil Socioambiental, 2008, p. 54)......................................................... 57 Ilustração 9 - Casa típica na aldeia de Sarzedas. (Sarzedas, Portugal). (Caetano, 2011, p. 48). ............................................................................................................... 57 Ilustração 10 - Monocultura intensa. Diminuição da fauna e flora circundantes. (Mendes, 2011)........................................................................................................... 62 Ilustração 11 - Cultura diversificada. Diversidade, estabilidade e resiliência dos sistemas naturais. (Mendes, 2011). ............................................................................ 62 Ilustração 12 - Sistema de permacultura. Floresta hortícola. (Algarvio, 2010, p. 70). .. 63 Ilustração 13 - Flor da Permacultura. (Holmgren, 2007, p. 2) ...................................... 67 Ilustração 14 - Planeamento por zonas. (Mollison, 2002, p. 51). ................................. 76 Ilustração 15 - Exemplo de projecto de zonas e sectores. (Mollison, 2002, p. 43). ..... 78 Ilustração 16 - Ecoaldeia de Tamera. (Tamera, Portugal). (Tamera, 2009). ................ 82 Ilustração 17 - Cidade universal de Auroville em 1968. (Auroville, Índia). (Auroville earth institute, 2010). .................................................................................................. 82 Ilustração 18 - Habitação própria da Arqª Teresa Beirão. (Odemira, Portugal). (Caetano, 2011, p. 158). ............................................................................................. 84 Ilustração 19 - Elaboração de um tijolo de abobe. (Caetano, 2011, p. 35). ................. 84 Ilustração 20 - Descrição de rio por Phelps em Fluviário de Mora. (Mora, Portugal). (Ilustração nossa, 2012). ............................................................................................ 88


Ilustração 21- "Água, parte vital do ecossistema." (Mora, Portugal). (Ilustração nossa, 2012). ......................................................................................................................... 88 Ilustração 22 - Modelo de filtro biológico para águas cinzentas (charco). (Machado, 2009, p. 17). ............................................................................................................... 89 Ilustração 23 - Filtragem de águas por acção de plantas aquáticas. (Avila apud Algarvio, 2010, p. 104). ............................................................................................... 89 Ilustração 24 - Esquema de filtração e reaproveitamento de águas. (Mollison, 2002, p. 67) .............................................................................................................................. 91 Ilustração 25 - Perfil lateral (esquema tipo) de um sanitário seco. (Vieira apud Algarvio, 2010, p. 100). ............................................................................................................. 92 Ilustração 26 - Campo de estudo e investigação de energia solar em Tamera. (Odemira, Portugal). (Tamera, 2009). ......................................................................... 94 Ilustração 27 - Cozinha solar. (Porto, Portugal). (Silva, 2012). .................................... 94 Ilustração 28 - Temple of Ramses II, construído com tijolos de terra há 3200 anos. (Gourna, Egipto). (Minke, 2006, p. 11) ........................................................................ 99 Ilustração 29 - Cidade fortificada, construída em terra há cerca de 250 anos. (Draa Valley, Marrocos). (Minke, 2006, p. 12)....................................................................... 99 Ilustração 30 - Os doze principais tipos de utilização da terra como material de construção. (Aurovile earth institute, 2008.). ............................................................. 100 Ilustração 31 - Assentamento de uma parede de cob usando as mãos. (Algarvio, 2010, p. 108). ..................................................................................................................... 101 Ilustração 32 - Aplicação de formas curvas numa construção em cob, possível graças à sua grande maleabilidade. (Mayne Island, Canadá). (Algarvio, 2010, p. 108). ....... 101 Ilustração 33 - Estrutura de uma casa em COB, exemplo tipo. À estrutura inicial é possível ir acrescentando outras divisões ao longo do tempo. (Bee, 1997, p. 7). ..... 102 Ilustração 34 - COB, exemplo de uma fundação. A fundação tem de ser construída por forma a evitar um deslizamento futuro do COB. (Bee, 1997, p. 43). ......................... 102 Ilustração 35 - Exemplo de aplicação de janelas ou portas numa estrutura em cob. (Bee, 1997, p. 99). .................................................................................................... 102 Ilustração 36 - COB, exemplo de aplicação de cobertura em madeira. (Bee, 1997, p. 120). ......................................................................................................................... 102 Ilustração 37 - Preparação da mistura de adobe. (Picorelli, 2011). ........................... 104 Ilustração 38 - Parede em adobe inserida na construção moderna. (Minke, 2006, p. 68). ........................................................................................................................... 104 Ilustração 39 - Secagem de blocos de adobe, durante aproximadamente 4 semanas. (Minke, 2006, p. 68). ................................................................................................. 104


Ilustração 40 - Parede de adobe. As alvenarias fazem-se com juntas em argamassa de barro. (Minke, 2006, p. 68). ....................................................................................... 104 Ilustração 41 - Casa em adobe. (Aswan, Egipto). (Auroville earth institute, 2004). ... 106 Ilustração 42 - Escritórios em adobe do ICHO. (Meibound, Irão). (Auroville earth institute, 2004). ......................................................................................................... 106 Ilustração 43 - Processo de enchimento dos sacos de polipropileno com terra. (CalEarth, 2010). ............................................................................................................. 107 Ilustração 44 - Para atingir uma boa compactação da terra é necessário calcar bem cada camada. (Cal-Earth, 2010). .............................................................................. 107 Ilustração 45 - Possibilidades estruturais do Super Abode. (Hunter; Kiffmeyer, 2004, p. 62). ........................................................................................................................... 108 Ilustração 46 - Super Adobe, perspectiva à medida que as camadas vão sendo acrescentadas. (Minke, 2006, p. 91). ........................................................................ 108 Ilustração 47 - Assentamentos de emergência em super adobe. (Algarvio, 2010, p. 111). ......................................................................................................................... 109 Ilustração 48 - Interior de uma casa em Super Adobe (MÉXICO). (Cal-Earth, 1999).109 Ilustração 49 - Taipal. (Bardou apud Coisas da arquitectura, 2010). ......................... 111 Ilustração 50 - Mistura de terra para taipa. (Veraldo, 2011). ..................................... 112 Ilustração 51 - Compactação da terra. (Veraldo, 2011). ............................................ 112 Ilustração 52 - Processo construtivo em taipa. (Veraldo, 2011). ............................... 113 Ilustração 53 - Casa em taipa. (Caiuás, Brasil). (Veraldo, 2011). .............................. 113 Ilustração 54 - Casa com fardos de palha em fase de construção. (Queanbeyan, Austrália). (Hollis, 2005, p. 2) .................................................................................... 114 Ilustração 55 - Casa em fardos de palha construída pelo atelier Arkin Tilt Architects, (Nevada, Califórnia). (Arkintilt architects, 2010). ....................................................... 114 Ilustração 56 - Processo construtivo de uma casa com fardos de palha. (Strawbale.com, 2012) .............................................................................................. 115 Ilustração 57 - Casa com fardos de palha construída durante o workshop Sams Valley. É possível ver que os fardos não assentam directamente no chão. (Strawbale.com, 2012) ........................................................................................................................ 115 Ilustração 58 - Casa com fardos de palha, método de Nebrasca. (Paquistão). (Strawbale.com, 2006). ............................................................................................. 118 Ilustração 59 - Casa com fardos de palha, método de Nebrasca. (Estados Unidos América). (Strawbale.com, 2009). ............................................................................. 118


Ilustração 60 - Casa com fardos de palha, método de pilar e viga. (Strawbale.com, 2012). ....................................................................................................................... 119 Ilustração 61 - Casa com fardos de palha, método de pilar e viga. (Strawbale.com, 2012). ....................................................................................................................... 119 Ilustração 62 - Moradia em madeira: exemplo da versatilidade construtiva da madeira. (Arkin tilt architects, 2010)......................................................................................... 121 Ilustração 63 - Construções em madeira na ecoaldeia Understenshöjden. (Suécia). (Iuri Algarvio, 2010, p.119). ....................................................................................... 121 Ilustração 64 - Muro de contenção em pedra seca - xisto. (Castelo Branco, Portugal). (Ilustração nossa, 2011). .......................................................................................... 122 Ilustração 65 - Fonte moldada em pedra natural. (Castelo Branco, Portugal). (Ilustração nossa, 2011). .......................................................................................... 122 Ilustração 68 - Tema 1: Conceito e módulo final exposto em vários pontos da cidade de Lisboa. (Ilustração nossa, 2010). ......................................................................... 126 Ilustração 69 - Tema 2: Planta de cobertura. (Ilustração nossa, 2010). .................... 127 Ilustração 70 - Tema 2: Cortes e Alçados. (Ilustração nossa, 2010). ........................ 128 Ilustração 71 - Tema 2: Imagens (maquete) projecto final. (Ilustração nossa, 2010). 128 Ilustração 72 - Tema 3: Conceito. (Ilustração nossa, 2010). ..................................... 129 Ilustração 73 - Tema 3: Planta de cobertura. (Ilustração nossa, 2010). .................... 130 Ilustração 74 - Tema 3: Imagens (maquete) projecto final. (Ilustração nossa, 2010). 130


LISTA DE TABELAS Tabela 1- Evolu莽茫o da pegada ecol贸gica total; contributo das zonas urbanizadas e CO2 (1961-2003)......................................................................................................... 38 Tabela 2 - Pegada Ecol贸gica vs Biocapacidade (2003) .............................................. 40


SUMÁRIO 1. Introdução ............................................................................................................... 21 1.1. Objecto ............................................................................................................. 21 1.2. Enquadramento ................................................................................................ 21 1.3. Objectivos ........................................................................................................ 22 1.4. Estrutura........................................................................................................... 22 1.5. Metodologia ...................................................................................................... 23 2. Crise ambiental, a aceleração da catástrofe ........................................................... 25 2.1. Perspectiva histórica ........................................................................................ 25 2.2. Sinais de um planeta danificado ....................................................................... 32 2.2.1. Catástrofes ecológicas ............................................................................... 34 2.2.2. Pegada ecológica ...................................................................................... 36 2.2.3. Biocapacidade ........................................................................................... 39 2.3. Uma população em crescimento ...................................................................... 40 2.4. Sustentabilidade, mais que um conceito, uma necessidade ............................. 44 3. Do estado actual do planeta à necessidade de uma arquitectura mais ecológica ... 49 3.1. O peso da construção no ambiente .................................................................. 49 3.1.1. Metodologias para a construção sustentável ............................................. 51 3.1.1.1. A escolha do material .......................................................................... 53 3.1.2. Arquitectura vernácula ............................................................................... 55 4. Permacultura, sistemas de escala humana ............................................................. 61 4.1. Breve definição de Permacultura ...................................................................... 61 4.2. Hipóteses fundamentais ................................................................................... 65 4.3. Princípios da permacultura ............................................................................... 66 4.3.1. Princípios éticos ......................................................................................... 68 4.3.2. Princípios de design ................................................................................... 70 4.3.3. Planeamento por zonas ............................................................................. 75 4.4. Principais dificuldades para a disseminação da permacultura .......................... 79


4.5. Comunidades sustentáveis............................................................................... 80 4.5.1. Comunidades: enquadramento histórico, político e económico .................. 80 4.5.2. Ecoaldeias: uma alternativa ao institucionalismo social ............................. 81 4.6. A arquitectura inserida nos fundamentos da permacultura ............................... 83 5. Arquitecturas ecológicas ......................................................................................... 87 5.1. Redução energética e reaproveitamento de recursos....................................... 87 5.1.1. Água .......................................................................................................... 88 5.1.2. Compostagem ........................................................................................... 91 5.1.3. Energias limpas ......................................................................................... 93 5.2. Diferentes materiais e técnicas construtivas ..................................................... 96 5.2.1. Terra .......................................................................................................... 98 5.2.1.1. Cob ................................................................................................... 101 5.2.1.2. Adobe ................................................................................................ 103 5.2.1.3. Super Adobe ..................................................................................... 106 5.2.1.4. Taipa ................................................................................................. 110 5.2.2. Palha ....................................................................................................... 113 5.2.2.1. Método autoportante ou Método de Nebrasca ................................... 117 5.2.2.2. Método pilar e viga ............................................................................ 118 5.2.3. Madeira .................................................................................................... 119 5.2.4. Pedra ....................................................................................................... 121 5.2.5. Materiais reciclados ................................................................................. 123 6. Projecto III, A tentativa de minimizar o impacte do construído .............................. 125 6.1. Projecto III ...................................................................................................... 125 6.2. A intenção ...................................................................................................... 131 7. Conclusão ............................................................................................................. 133 Referências .............................................................................................................. 135 Bibliografia ................................................................................................................ 139


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1. INTRODUÇÃO 1.1. OBJECTO A Permacultura é um sistema de design estratégico que integra componentes fabricados, naturais, espaciais, temporais, sociais, culturais e éticos, focando-se em sistemas ecológicos auto-sustentados que permitam a integração da vida humana com o objectivo de alcançar um modo de vida sustentável. A visão da Permacultura pode ser mais facilmente entendida quando se tem em conta que a principal "fonte de inspiração" é a natureza e a maneira como os ecossistemas funcionam. Privilegiando as interacções dentro do ambiente natural, coexistindo para formar um sistema complexo de relações, a permacultura surge assim com o fim de perpectuar a evolução das espécies, mantendo ao mesmo tempo os mecanismos de transformação de energia de maneira sustentável. A presente dissertação tem como principal objecto conhecer o conceito e os princípios que integram a Permacultura bem como as práticas exercidas ou passíveis de exercer no seio das comunidades que procuram a sustentabilidade. Neste trabalho são enfatizados os fundamentos da Permacultura relacionados com a construção, tendo sido abordadas várias metodologias construtivas apresentadas como alternativas sustentáveis e eficientes, passíveis de serem integradas no campo da Arquitectura.

1.2. ENQUADRAMENTO "A psicose epidémica da nossa época é o erro de acreditarmos que não temos qualquer obrigação ética para com o planeta que habitamos." (Roszak apud Papanek, 2007, p. 16).

A relação Homem/ natureza tem sido fundamentalmente utilitarista. A liberdade de possuir pouco em termos materiais há muito que foi esquecida. Às necessidades básicas (alimentação, abrigo, vestuário) do Homem acrescentam-se cada vez mais outras necessidades supérfluas, que, com o passar do tempo se tornam imprescindíveis e passam a fazer parte de um "padrão de necessidades". Os recursos naturais têm assim existido para serem explorados e usufruídos pelo homem de modo

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a garantir o seu bem-estar, sendo as consequências dessa exploração desmedida muitas vezes ignoradas. Esta dissertação surge assim num período em que cada vez mais líderes políticos, comunidades científicas e até pessoas comuns estão cientes de que continuando com um ritmo de consumo superior à capacidade de regeneração dos recursos naturais, a par com um crescente aumento da população mundial, o nosso futuro é incerto. É necessário repensar o actual modelo de desenvolvimento, colocando em prática uma nova relação do Homem com a natureza, que atenda às expectativas de produção de riqueza e qualidade de vida, preservando ao mesmo tempo os recursos naturais e assegurando um futuro para as gerações vindouras.

1.3. OBJECTIVOS Tendo em conta a rápida degradação ambiental a que temos assistido e o panorama não muito optimista para um futuro "saudável" na Terra bem como o panorama de escassez de recursos, o presente trabalho tem como principais objectivos: compreender o conceito de crise ambiental e as suas consequências no futuro; demonstrar o impacte da construção no ambiente; definir os princípios e conceitos da Permacultura bem como a sua importância no enquadramento de uma procura para um futuro mais sustentável; compreender a necessidade de uma arquitectura preocupada com o ambiente, e por sua vez, enquadrar os fundamentos da Permacultura relacionados com a preocupação de "como construir".

1.4. ESTRUTURA Se no primeiro capítulo se aborda o estado actual do planeta e a necessidade de o preservarmos surge no segundo capítulo e ainda neste âmbito a referência fundamental à construção e ao impacto ambiental que a mesma aporta, sendo por isso, e cada vez mais necessário, uma nova consciência na altura de, enquanto arquitectos, projectarmos. O motor impulsionador desta dissertação foi um texto do Arquitecto Souto Moura onde o mesmo afirma que não há arquitectura sustentável, há sim boa arquitectura, e uma boa arquitectura é por si só sustentável. Inicia-se assim uma busca em torno de modos de construir uma arquitectura mais consciente para com o planeta, não esquecendo que as soluções para os problemas

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mais complexos são por norma extremamente simples. Desde que foram regulamentadas normas de eficiência energética tem sido comum construir "apenas" pelos padrões da estética equipando depois a nova construção com toda uma panóplia de tecnologia de ponta em busca da certificação energética necessária. Ao invés disso, podemos chegar ao mesmo fim, partindo de materiais ecológicos e locais (eficientes em termos acústicos e térmicos), de uma boa orientação e de uma estrutura bem fundamentada. Na procura de alternativas construtivas ambientalmente sustentáveis e eticamente correctas cruzamo-nos então com a permacultura, abordada e aprofundada no terceiro capítulo. O fim último da permacultura é a busca por um estilo de vida em harmonia com o planeta, onde a natureza e a maneira como todos os elementos se interrelacionam e funcionam num todo é a principal inspiração, criando assim um sistema de design estratégico. O universo da permacultura e a tentativa de criação de sistemas ambientalmente sustentáveis, socialmente justos e financeiramente viáveis engloba mais do que apenas a construção, mas e no âmbito da arquitectura, é esta última vertente que mais interessa. No quarto capítulo foram então abordadas várias alternativas construtivas tais como a construção em terra, cob, adobe, super adobe, palha, madeira, pedra ou ainda a construção recorrendo a materiais reciclados. Para finalizar esta dissertação são apresentados os três projectos académicos realizados na cadeira de Projecto III, que resumem a intenção de uma arquitectura que, apesar de longe de ser perfeita do ponto de vista ambiental tenta ser pensada e reflectida, estando a preocupação para com o planeta presente em pequenos apontamentos.

1.5. METODOLOGIA Para

a

elaboração

da

presente

dissertação

a

metodologia

prendeu-se

fundamentalmente com pesquisa bibliográfica, tendo sido reunida informação em livros, artigos científicos, documentários, sites (fundamentalmente de Institutos de Permacultura), entre outros.

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Recorreu-se ainda a um grande suporte de imagens que acompanham a descrição teórica, fundamentalmente no quarto capítulo, para que a percepção das diferentes metodologias construtivas possa ser mais fácil. Para além de toda a pesquisa teórica que fundamentou as bases deste trabalho, foi ainda frequentado um Curso de Introdução à Permacultura na Biovilla - Cooperativa para o Desenvolvimento Sustentável, onde foi possível não só ver in loco alguns dos fundamentos da permacultura como ainda o início de uma construção em palha.

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2. CRISE AMBIENTAL, A ACELERAÇÃO DA CATÁSTROFE 2.1. PERSPECTIVA HISTÓRICA As primeiras formas de vida surgiram há 3,5 mil milhões de anos. Crê-se que os primeiros seres com sinais de inteligência, os hominídeos, tenham surgido há aproximadamente milhão e meio de anos. Nesta altura a relação entre o Homem e a natureza tinha como base o princípio de que juntos eram um todo, não havendo uma relação de domínio ou posse da natureza. Com o passar do tempo o ser humano passou a dominar técnicas, distinguindo-se de outros seres, pela sua capacidade de fabricar armas rudimentares (para se defender e caçar) e por utilizar diversos elementos da natureza como utensílios. Verificou-se uma certa independência em relação à natureza. Com o desenvolvimento da agricultura e a domesticação dos animais esta independência tornou-se cada vez mais evidente. Daqui em diante a relação do homem com o planeta Terra tem sido fundamentalmente utilitarista, a visão da humanidade para com a natureza é a de que os recursos naturais existem para serem usados e explorados por fim a atingirmos o nosso bemestar. Na Grécia antiga esta atitude já é reconhecida ao nível de uma verdadeira consciência. “Somos senhores absolutos do que a terra produz. Desfrutamos das montanhas e das planícies. Os rios são nossos, nós semeamos as sementes e plantamos as árvores. Nós fertilizamos a terra. Nós paramos, dirigimos e mudamos os rios. Em resumo, por nossas mãos esforçamo-nos, por via das nossas várias influências neste mundo, a fazer, por assim dizer, outra natureza.” (Cícero, 106-43 A.C.).

Ao longo da nossa história a relação entre o ser humano e a natureza passou por dinâmicas diferentes: destacando o Renascimento (séc. XVI) onde pela capacidade de raciocínio se considera o ser humano um ser privilegiado e, consequentemente, apto a explorar o planeta1, passando pelo Iluminismo (séc. XVIII) marcado por grandes

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Um dos marcos da exploração não só do mundo mas também dos seus recursos deu-se nomeadamente com a aproximação da Europa à Índia e à Ásia por via marítima, de que resultou a conseguinte aproximação à América.

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movimentos científicos e intelectuais, fundadores do mundo moderno onde figuravam nomes como Voltaire, Rousseau ou Condorcet.2 Em meados do século XVIII começa-se assim a construir e a intensificar uma relação entre o ser humano e a natureza cada vez mais exploratória. Esta relação é apoiada pela visão mecanicista do mundo e confere à natureza o estatuto de fonte de energia, de recursos naturais (tratados como infinitos), e, não menos importe, de lucro. A natureza torna-se definitivamente um produto. É nesta altura que tem lugar a Revolução Industrial, que se caracteriza pela passagem da manufactura à indústria mecânica. Esta revolução tem início na Inglaterra, justificando-se em parte pelas grandes reservas de carvão mineral no subsolo do país (na altura fonte de energia para movimentar as máquinas e as locomotivas a vapor), bem como pelas reservas de ferro, a principal matéria-prima utilizada neste período. A máquina a vapor revolucionou o mundo da indústria. Assim, o século XVIII foi marcado pelo avanço tecnológico mas também e não menos importante de referir, por uma revolução em termos de transportes. Os caminhos-de-ferro (movidos por uma locomotiva a vapor) não só criaram uma nova dimensão económica como expandiram largamente os horizontes. Pela primeira vez na história os seres humanos e as mercadorias tinham realmente mobilidade, e as regiões (mesmo que dentro de um mesmo país) deixaram de estar ligadas apenas politicamente para passarem a formar uma nação e uma cultura. A burguesia industrial, ávida por maiores lucros, menores custos e produção acelerada, procurou alternativas para melhorar a produção de mercadorias. A introdução de máquinas fabris multiplica o rendimento do trabalho, aumentando a produção global e reduzindo consequentemente os custos. A revolução industrial criou tanto consumidores como produtos de consumo. A Revolução Industrial trouxe para além dos métodos de produção mais eficientes a parte sombria, feia e cinzenta da indústria, onde nas paisagens passaram a pairar chaminés que sem cessar emitiam fumo negro. Em termos sociais as novas fábricas 2

Não menos importante é referir que foi também por esta altura que se formou a Sociedade Lunar formada por cientistas, engenheiros, naturalistas, farmacêuticos e médicos, que questionaram as inibições impostas pela religião, procurando assim produzir apenas em função de uma maior prosperidade humana e de uma melhor qualidade de vida do homem na Terra, enfrentando a questão teológica de que só num Reino Divino se alcançariam tamanhos "luxos".

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foram responsáveis por um enorme êxodo rural e um crescimento desordenado das cidades. É ainda, e igualmente importante, referir que apesar da inequívoca poluição lançada pelas fábricas, esta não surge apenas com a Revolução Industrial, tendo apenas mudado o seu contexto: "Pollution from the factories was not new either. Again, it was the tradition of the mine and the workshop, wich had always fouled their environment. We think of pollution as a modern blight, but it is not. It is another expression of squalid indifference to health and decency that in past centuries had made the Plague a 3 yearly visitation." (Bronowsky, 1973, p. 280). (BRONOWSKI, 1973)

Apesar de esta época representar o início de uma sociedade cada vez mais disposta a usar e abusar do planeta, é importante não esquecer que foram as péssimas condições de vida que o motivaram: "It is comic to think that cotton underwear and soap could work a transformation in the lives of the poor. Yet these simple things - coal in an iron range, glass in the windows, a choice of food - were a wonderful rise in the standard of life and health. By our standards, the industrial towns were slums, but to the people who had come from a cottage, a house in a terrace was a liberation from hunger, from dirt, and from disease; it offered a new health of choice. (...) Pollution from the factories was not new 4 either." (Bronowski, 1973, p. 279).

O processo de industrialização necessitou do uso intensivo de recursos energéticos, gerando uma transformação que marcou profundamente o uso da energia pela humanidade: a sociedade deixa de utilizar recursos renováveis e passa a utilizar predominantemente recursos fósseis e não-renováveis. Também neste momento, se altera o sistema económico e surge o homo economicus, que do ponto de vista de um desenvolvimento económico sustentável, ou harmonioso com o meio ambiente, surge como um problema concreto desde o seu início, mas percebido apenas recentemente. A reacção a esta relação de domínio e exploração da natureza surge em meados do século XX, quando se constata que a biodiversidade do planeta estava a diminuir e que os recursos inorgânicos não eram inesgotáveis. Formam-se nos anos 60 e 70, os 3

"A poluição das fábricas também não era nova. Mais uma vez se repete a tradição da mina e da oficina que há muito poluía o ambiente. Pensamos na poluição como uma praga moderna, mas não o é. É apenas outra expressão da forte indiferença à saúde e à decência que nos séculos passados fez com que a Peste fosse uma visita constante." (Tradução nossa). 4 "É cómico pensar na dimensão que a roupa interior de algodão e o sabonete tiveram na vida dos pobres. No entanto estas coisas simples - carvão numa caixa de ferro, vidro nas janelas, variedade de alimentos - contribuíram para uma melhoria maravilhosa da qualidade de vida e saúde. Segundo os nossos padrões, as cidades industriais eram favelas, mas para as pessoas que nada tinham significaram a libertação da fome, da falta de higiene e da doença." (Tradução nossa).

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primeiros movimentos ambientalistas, associados a grupos hippies, pacifistas e socialistas, tentando despertar o interesse da sociedade pela história natural e pela valorização da natureza, mas sobretudo alertando para as consequência do uso desregrado de recursos, para a insustentabilidade de manter os sistemas energéticos baseados em energias não renováveis e para o crescente aumento de resíduos resultantes da actividade humana. Estes movimentos trouxeram a público a necessidade de discussões teóricas, profundas e sérias, sobre a visão de relação da humanidade com a natureza. As ideias ecologistas criticaram, principalmente, a relação do ser humano com a natureza: "Tem o Homo sapiens quaisquer obrigações morais para com a terra e o seu ciclo de vida, ou esta vida existe meramente para satisfazer os desejos infinitamente expansivos da nossa própria espécie?" (Worster, 2002, p. 24). (WORSTER, 2002) Em 1968 o Clube de Roma publica The Limits of Growth, o estudo conclui que o crescimento exponencial da população e o consumo desregrado de recursos provocaria uma crise sem precedentes na história humana. As discussões sobre a problemática ambiental ganharam proporções cada vez maiores, e é também na década de 60, quando alguns teóricos começaram a perceber que o actual modelo de desenvolvimento, assente num crescente consumo de recursos naturais para atender as necessidades humanas (muitas vezes supérfluas), precisava ser modificado sob pena de o preço a pagar no futuro ser a completa destruição da Terra. Para ocorrer essa mudança, é necessária uma modificação na perspectiva e na postura do próprio homem perante os recursos naturais, procurando novas maneiras de desenvolvimento. Surge então pela primeira vez, através de Bill Mollison, o conceito de permanent culture, hoje conhecido como Permacultura. A utilização da Permacultura, como via de integração e optimização dos recursos oferecidos pelo ambiente para a manutenção da vida na Terra, pode ser uma alternativa eficaz na busca da sustentabilidade em aglomerados humanos, uma vez que trabalha em harmonia com as leis e princípios ecológicos por meio de tecnologias aplicadas na procura da eficiência e conservação da energia e de um futuro seguro em relação ao uso dos recursos naturais.

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O modo perante o qual a humanidade se apropriou do planeta Terra tornou-se uma preocupação legítima e cada vez mais presente. Em 1972 realizou-se em Estocolmo, organizada pela ONU, a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente, onde se discutiram as responsabilidades dos países ricos, com o consumismo exagerado, e dos países pobres, com a explosão demográfica. Daqui resultou o Programa das Nações Unidas para o ambiente (United Nations Environmental Programme - UNEP) que mais tarde culmina na Declaração de Cocoyoc (1974). Para além de o termo «ecodesenvolvimento» ter surgido com o UNEP, é ainda abordado o direito/ dever do usufruto criterioso dos recursos naturais, pela geração actual e pelas gerações futuras, a fim de evitar o esgotamento dos mesmos. A Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento, presidida por Gro Harlem Brundtland (1983), primeira-ministra norueguesa, foi convidada pela Assembleia Geral das Nações Unidas para elaborar uma agenda para a mudança que incluísse especificamente estratégias de longo prazo para assegurar o desenvolvimento sustentável. O relatório da Comissão, vulgarmente conhecido como Relatório de Brundtland, surge em 1987 e é ainda hoje uma referência. O Relatório de Brundtland difunde o conceito de desenvolvimento sustentável com base em três principais vertentes: crescimento económico, equidade social e equilíbrio ecológico. A ideia principal é que o crescimento económico seja conduzido, tanto quanto possível, sem prejuízo dos recursos naturais, trazendo a seguinte definição: "o desenvolvimento sustentável é aquele que responde às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de responder às suas necessidades". (Brundtland, 1987, p.9). (BRUNDTLAND, 1987) p. 9 Em 1992, realizou-se no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como a Cimeira da Terra. Reunindo mais de 170 delegações governamentais e 100 chefes de Estado ou de Governo, esta conferência, realizada em clima de optimismo e confiança no futuro, conduziu à união das nações num esforço para reduzir até ao ano 2000 as emissões de gases que provocam o efeito estufa.5 Foram aprovadas com unanimidade a

5

Gases que provocam o efeito de estufa, e que são, de acordo com a maioria das investigações científicas a causa do aquecimento global, para os níveis constatados em 1990: CO 2, CO, NO2, N20, CH6 e NMVOC.

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Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento (princípios programáticos) e a Agenda 21 (programa de acção). Em Dezembro de 1997, foi realizado um novo encontro mundial das Nações Unidas, desta vez em Quioto, no Japão, para rever os objectivos de redução de emissões após 2000. Negociou-se aquele que é hoje conhecido como o Protocolo de Quioto (ratificado a 15 de Março de 1999) e que visa a redução até 2012 de pelo menos 5,2% das emissões de gases com efeito de estufa. O consumo de recursos por parte dos países do hemisfério norte é enorme (um individuo numa economia industrial de mercado consome cerca de 80 vezes mais energia que um habitante rural africano), actualmente, e com base nos resultados positivos de alguns países até há pouco em vias de desenvolvimento, o Banco Mundial e o FMI incentivam a abertura da economia no Terceiro Mundo. Os países ricos pretendem manter os elevados padrões de vida a que se têm vindo a habituar, e os países mais pobres, procuram uma melhor qualidade de vida, aumentando consequentemente o consumo de recursos naturais. As limitações em termos de recursos, as alterações ambientais e climáticas que têm vindo a ocorrer, mostram que este quadro, a manter-se, trará consequências graves para o futuro da vida na Terra. O grande instrumento usado para medir a prosperidade, consumo e qualidade de vida de uma nação é o PIB (Produto Interno Bruto). Actualmente, como indicador complementar ao PIB, temos o Produto Nacional Líquido Bruto (Green Net National Product), segundo Augusto (2011), este subtrai não só a depreciação do capital, mas também, o desgaste dos recursos naturais e a degradação do ambiente, o que leva a situações em que se conclui que o PIB está a crescer, mas o Produto Nacional Líquido Verde (PNLV) a diminuir, ou seja, estamos perante uma situação de desenvolvimento insustentável. A definição de "necessidade" e de "limite" começou a ser reformulada. Se o desenvolvimento sustentável implica um conflito com o actual paradigma de crescimento então é de extrema importância encontrar conceitos alternativos de prosperidade e qualidade de vida que aliem um desenvolvimento equitativo, mais protecção ao ambiente, menos incertezas no presente mas sobretudo no futuro.

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Vivemos um período crítico, surge por isso a necessidade de resguardar a natureza da própria acção humana, é necessário repensar o actual modelo de desenvolvimento e a humanidade precisará de um grande período de tempo para se adaptar, urge por isso colocar em prática técnicas eficientes e inovadoras de relacionamento do homem com a natureza, capazes de atender às expectativas de produção de riqueza e qualidade de vida preservando ao mesmo tempo os recursos naturais. Em 2007 deu-se uma mudança significativa da consciência global aquando da revelação dos dados do 4º Relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (PIAC), criado pela Organização das Nações Unidas (ONU). Este relatório mostra que a temperatura média global da Terra subiu 0,74ºC no último século e prevê-se que continuará a subir, entre 1,8ºC e 4ºC. (Algarvio, 2010, p.9) A realidade das alterações climáticas forçou líderes mundiais a reconhecer que a degradação ambiental é uma ameaça séria à sobrevivência humana e exige uma acção política imediata. É importante reconhecer também que todos os cidadãos do mundo estão no mesmo barco e que somente uma solução global surtirá resultados. (Algarvio, 2010, p.9) Em 2010 assinalou-se o Ano Internacional da Biodiversidade. A biodiversidade e o desenvolvimento humano estiveram no centro das atenções como nunca antes, marcaram-se como uma importante matéria a ser revista para breve e incluída nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Na missão de construir uma economia mundial mais forte, mais justa e mais limpa, a protecção da biodiversidade e dos ecossistemas deve ser uma prioridade. A recente crise financeira poderá ser o mote necessário para relembrar a urgência do desenvolvimento de economias mais sustentáveis. A organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) está a desenvolver uma Estratégia de Crescimento Sustentável para ajudar os governos a criar e a implementar políticas rumo a um crescimento sustentável. Terão que ocorrer mudanças na estrutura das economias, criando novas indústrias sustentáveis, eliminando sectores poluentes e transformando os padrões de consumo. Pouco mudará enquanto as bases éticas de todos quanto habitam a Terra não sofrerem alterações profundas, é preciso reduzir o consumo desenfreado a que nos

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temos habituado, é necessário reajustar estilos de vida, mas é igualmente necessária uma consciencialização global de que todos somos responsáveis últimos pelo nosso planeta, uma mudança de comportamentos, alterando o paradigma em que vivemos.

2.2. SINAIS DE UM PLANETA DANIFICADO "O destino do Homem era conquistar e governar o mundo, e foi isso que fez... quase. Não o conquistou de todo, e parece que isto poderá ser a sua ruína. O problema é que a conquista do mundo pelo Homem causou em si mesma a devastação do mundo. E, apesar de toda a mestria que adquirimos, não temos ainda mestria suficiente para reparar a devastação que já causamos." (Quinn apud Algarvio, 2010, p. 13).

Não repensando o modo de vida (fundamentalmente das sociedades desenvolvidas) e a atitude exploratória em relação aos recursos que a Terra oferece o futuro afigura-se incerto. Pode ainda afirmar-se que "a nossa visão de um futuro ilimitado não passa de uma quimera." (Papanek, 2007, p. 29). Todos os sistemas económicos, sociais ou culturais que se baseiam na noção de que o Homem é senhor absoluto da Terra urgem assim mudar. O sistema industrial capitalista depende de recursos naturais, principalmente energias fósseis, numa dimensão desconhecida a qualquer outro sistema social na história da humanidade. As energias fósseis (não renováveis) levaram milhões de anos para se formarem mas são exploradas em períodos bastante breves. Á medida que as exigências humanas excedem a capacidade de autorregeneração da Terra o colapso ecológico parece ser o destino do Planeta. A melhoria dos padrões de vida alcançados num passado não muito distante, foram conseguidas, em grande parte, à custa do uso de quantidades cada vez maiores de matérias-primas, energia, produtos químicos e sintéticos, produzindo níveis de poluição que não foram adequadamente levados em conta quando se estimaram os "custos" dos processos de produção. O rápido crescimento económico verificado nas últimas décadas tem alimentado a constante e crescente procura de recursos. Os territórios dos países desenvolvidos (os principais "clientes" do que a Terra fornece) já pouco têm para explorar, a busca alastra-se então, cada vez mais, a outras partes do mundo. Segundo o World Wildlife

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Fund (WWF) o mundo tropical e os países mais pobres apresentam uma queda de 60% nos Índices Planeta Vivo6 desde 1970. O desgaste do meio ambiente é frequentemente considerado como resultado da crescente demanda de recursos e da poluição causada pela melhoria do padrão de vida dos países ricos. O estilo de vida dos países desenvolvidos é muito responsável pelo estado actual do planeta mas convém não esquecer que a própria pobreza também polui e prejudica o meio ambiente, criando um outro tipo de desgaste ambiental. Para sobreviver, os povos mais pobres, muitas vezes destroem o seu próprio meio ambiente: "derrubam florestas, permitem o pastoreio excessivo, esgotam as terras marginais e acorrem em número cada vez maior para as cidades já congestionadas. Os países mais pobres do mundo dependem, para aumentar as suas receitas, da exportação de produtos agrícolas tropicais e de recursos naturais, provocando um enorme desgaste ecológico nos seus próprios territórios. O efeito cumulativo dessas mudanças chega a ponto de fazer da própria pobreza um dos maiores flagelos do mundo." (Brundtland, 1987, p. 31). (BRUNDTLAND, 1987) O ab(uso) do planeta está a reflectir-se numa diminuição da biodiversidade7 e em alterações climáticas e ambientais significativas, o futuro do homem na Terra está em causa e grande parte da população, principalmente as sociedades dos países desenvolvidos, já foram confrontadas em alguma altura com a gravidade das consequências a longo prazo do estilo de vida que têm levado, contudo a mudança necessária está longe de ser alcançada e requererá esforço e vontade. É de extrema importância a percepção de que as mudanças ambientais não ocorrem lentamente num amanhã longínquo. "Acabámos por compreender o conceito de que os continentes se podem deslocar ao longo de uma eternidade e que, em termos nucleares, podem morrer rapidamente. Todavia, sentimos que o «tempo normal» está isolado dessas grandes mudanças. No entanto, a maior parte dos danos ecológicos e possivelmente irreversíveis ocorreu apenas durante os últimos trinta anos. O tempo está a esgotar-se." (Papanek, 2007, p. 29). (PAPANEK, 2007)

6

O Índice Planeta Vivo mede as tendências da diversidade biológica do Planeta Terra. Este indicador verifica as populações de 1313 espécies de vertebrados de todo o mundo. 7 A destruição da biodiversidade e a eliminação de espécies tornam o ambiente natural mais uniforme, monótono, menos articulado e principalmente, mais sensível a choques externos.

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A crise económica dos últimos anos pode ser usada como uma oportunidade para reavaliar o modo como temos vindo a explorar os recursos naturais. A iniciativa de Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade está a chamar a atenção para os benefícios económicos globais da biodiversidade, realçando os crescentes custos da perda de biodiversidade e degradação dos ecossistemas. (WWF, 2012). Enquanto indivíduos a acção no imediato pode prender-se com a adopção de pequenas medidas a nível individual ou familiar, como fechar torneiras, fazer reciclagem, optar por transportes públicos, escolher produtos de comércio justo e preferencialmente local, etc. Mas estas medidas por si só não chegam a longo prazo, é urgente uma verdadeira consciencialização em relação às nossas atitudes, percebermos que nos acostumamos a um estilo de vida com padrões elevados e que o preço destes é demasiado caro para o nosso planeta. São igualmente necessárias novas políticas mais verdes, mais sustentáveis. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e o Programa Ambiental das Nações Unidas (PANU) estão a trabalhar na promoção de uma economia verde. Existem ainda inúmeros desafios, um deles será satisfazer as necessidades de uma crescente população mundial - apesar de ser um problema serve para enfatizar a necessidade de separar o desenvolvimento das crescentes pressões sobre os recursos naturais. Continuar a consumir os recursos que a Terra oferece mais rapidamente do que eles conseguem renovar-se está a destruir os ecossistemas dos quais dependemos, pondo em risco a sobrevivência humana. 2.2.1. CATÁSTROFES ECOLÓGICAS "Os impactos das Alterações Climáticas (AC) na sociedade e nos recursos naturais, ocorrem actualmente a nível global e prevê-se que se venham a pronunciar. As AC, associadas actualmente ao consumo de energia e resultantes emissões de gases de efeito estufa, implicam diferentes consequências, nomeadamente a ocorrência de catástrofes naturais e aumento da pobreza. Elas reflectem alterações a nível da temperatura média global, nível do mar, degelo e desaparecimento de glaciares, precipitação, extremos de temperatura e precipitação, recursos hídricos e aumento depleção da camada de ozono, que se interliga através de interacções relativas às emissões de compostos e mudanças físico-químicas da atmosfera." (Costa, s.d., p. 1).

Há dois grandes tipos de catástrofes: as acidentais, com consequências rápidas, avassaladoras e visíveis aos olhos do mundo inteiro e as «mascaradas» que teimam

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em tentar passar despercebidas mas que apesar da sua evolução mais insidiosa são igualmente avassaladoras. (COSTA, s.d.) Na primeira categoria de catástrofes, as acidentais, os derrames de petróleo são um exemplo já corriqueiro, em média, nos últimos dezoito anos, a cada dois dias houve um grande derramamento de petróleo no oceano. (Papanek, 2007, p. 21) Os acidentes nucleares, felizmente não tão correntes, também já somam uma boa centena, entre eles o conhecido desastre de Chernobyl, na Ucrânia em 1986. A 11 de Março de 2011 um sismo de magnitude 9 abalou o Japão, seguido de um tsunami que causou uma série de avarias na central Fukushima Daiichi, provocando o maior acidente nuclear da história. Na categoria das catástrofes que tentam passar despercebidas temos grandes exemplos como a devastação da floresta da Amazónia, conhecida como o pulmão do mundo. Em 2010, através de imagens recolhidas via satélite, estimou-se que cerca de 14,5% da área da Amazónia era agora um imenso vazio. A morte lenta dos rios e florestas do norte da Europa e da América é provocada em parte pela poluição industrial (lançada pelas chaminés de várias fábricas), provocando chuvas ácidas e a consequente destruição dos ecossistemas. A libertação de carbono lançado para atmosfera a velocidades vertiginosas, consequência da actividade humana combinada com o crescente aumento da população, é o principal responsável pelo efeito de estufa e pelo consequente aquecimento global. A retenção de calor na superfície terrestre influencia fortemente o regime de chuvas e secas em várias partes do planeta. Como consequência as florestas podem sofrer processos de desertificação, as plantações podem ser inundadas, tendo como resultado a migração de animais e humanos, escassez de comida, o aumento do número de mortes por subnutrição e o risco de extinção de várias espécies. O aumento das temperaturas médias globais traz como consequência o aumento do nível do mar e degelo que tem vindo a acelerar. "O nível do mar, aumentou mais de 1.7 mm/ano durante o século XX e o IPCC (2007), prevê que durante o século XXI tenhamos um aumento de 0.18 m a 0.59 m." (Costa, s.d., p. 2). Outro risco real e perigoso do aquecimento global é o derretimento das placas de gelo da Antártica a um

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ritmo muito mais acelerado que aquele que seria suposto pelo processo natural. O aumento do nível do mar é portanto uma realidade que irá acontecer rapidamente e de maneira imprevisível. Ainda segundo o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) prevê-se que a precipitação média anual, generalizando, tenda a aumentar na Europa do Norte e a diminuir a Sul. Igualmente estima-se que os extremos de temperatura e precipitação sejam cada vez mais intensos, trazendo consequências graves para a agricultura, solos, sistemas naturais e biodiversidade. A dimensão das nossas intervenções sobre a natureza é cada vez maior e as nossas decisões ultrapassam as fronteiras de cada país. A crescente interacção económica das nações amplia as consequências das decisões nacionais. As catástrofes ecológicas a que se assiste, cada vez em maior número, fazem com que seja vital a envolvência na procura de soluções ambientais. Algumas regiões correm o risco, a curto prazo, de danos irreversíveis que ameaçam a base do progresso humano. 2.2.2. PEGADA ECOLÓGICA Desenvolvido por Mathis Wackernagel e William Rees (1996), o conceito de Pegada Ecológica surge por fim a quantificar a relação entre o comportamento das populações e as alterações climáticas e traduz-se na área de território (em hectares) produtivo ou ecossistema aquático necessários para gerar os recursos (energia, alimentos, fibras, madeiras, solos para construção) e para assimilar os resíduos produzidos por uma população (um indivíduo, uma comunidade, uma actividade ou um edifício), num ano. (Augusto, 2011, p. 42). (AUGUSTO, 2011) Como exemplo, as análises da pegada ecológica indicam que a cada pessoa que habita uma cidade de um país rico corresponde uma área de 4,5 ha (hectares) de terreno produtivo. Se o planeta tivesse 10 mil milhões de habitantes (número previsto para 2070) e se estes vivessem segundo o mesmo padrão em que se vive nos países ricos seria necessária uma área correspondente a 8 vezes a área total da superfície terrestre.

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Ilustração 1 - Pegada Ecológica (1961-2005). (WWF, 2012).

A procura de riqueza e bem-estar, sem precedentes dos últimos 40 anos, coloca pressões insustentáveis sobre o nosso planeta. A Pegada Ecológica mostra uma duplicação de valores desde 1960 até 2005 e já excedeu a biocapacidade da Terra. Este aumento de degradação ecológica é largamente atribuível à libertação de CO 2 e de outros gases de efeito de estufa para a atmosfera. A libertação de carbono aumentou 11 vezes desde 1961.

Portugal

França

Noruega

Nova Zelândia

Suécia

EUA

Emirados Árabes 0

2

4

6

8

10

12

14

Ilustração 2 - Valores da Pegada Ecológica per capita (ha global/ pessoa) de alguns países em 2003. (Adaptado de WWF, 2006).

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A relação entre Pegada Ecológica (PE) e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) não é linear. Regra geral quando o desenvolvimento aumenta mais que um certo nível a PE per capita também aumenta mas nem sempre assim acontece: a ONU considera que um IDH igual ou superior a 0.8 corresponde a um elevado desenvolvimento, mas países com elevado desenvolvimento nem sempre apresentam valores de PE semelhantes, por exemplo, o Luxemburgo atinge mais de 9 gha por pessoa enquanto que o Peru tem apenas 1,5 gha de Pegada. Tendo em conta que a partir de um certo nível de PIB8 o bem-estar não está relacionado com o crescimento económico, conclui-se que nem sempre níveis elevados de consumo significam um nível de desenvolvimento ou bem-estar elevado. (Augusto, 2011, p. 39). Tabela 1- Evolução da pegada ecológica total; contributo das zonas urbanizadas e CO2 (1961-2003)

Ano

Pegada Ecológica total (M milhões ha globais)

Zonas urbanizadas

CO2

(M milhões ha globais)

%

(M milhões ha globais)

%

1961

4,5

0,15

3,33

0,74

16,44

1965

5,4

0,16

2,96

1,41

26,11

1970

6,9

0,19

2,75

2,49

36,09

1975

8,0

0,22

2,75

3,41

42,63

1980

9,3

0,26

2,8

4,24

45,59

1985

10,1

0,32

3,17

4,44

43,96

1990

11,5

0,37

3,22

5,15

44,78

1995

12,1

0,40

3,33

5,50

45,45

2000

13,2

0,46

3,48

6,10

46,21

2003

14,1

0,48

3,4

6,71

47,59

Fonte: Adaptado de (WWF, 2006).

Os problemas resultantes dos altos padrões de vida vividos nos países ricos poderão ser amenizados com a produção de tecnologias mais eficientes que reduzam a absorção de material poluente, mas as alterações no estilo de vida serão indispensáveis se quisermos aumentar as hipóteses de sobrevivência humana. Dados deste género mostram que os níveis de produção e consumo dos países ricos estão muito para lá da sustentabilidade. (Algarvio, 2010, p. 12). (ALGARVIO, 2010)

8

O PIB tem sido usado como um indicador geral de progresso. Contudo, apesar do rendimento ser uma faceta do desenvolvimento e bem-estar humano, o bem-estar humano inclui também factores sociais e pessoais. Outros indicadores de bem-estar têm evidenciando que o bem-estar humano aumenta com o PIB até determinado nível a partir do qual estes indicadores estabilizam, mesmo se o PIB continuar a aumentar.

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2.2.3. BIOCAPACIDADE A biodiversidade sofre quando a biocapacidade (quantidade de área biologicamente produtiva9) do planeta não pode acompanhar o consumo humano e a produção excessiva de resíduos. (…) "Desde meados de 1980, que temos estado a exceder a biocapacidade do Planeta em cerca de 25%." (WWF, 2012). Em 2010, aquando do lançamento do Relatório Planeta Vivo 2010 pela World Wildlife Fund (WWF), realçou-se ainda uma alarmante taxa de perda de biodiversidade nos países menos desenvolvidos. O impacto da degradação ambiental é sentido com mais intensidade pelos mais pobres e vulneráveis, que são regra geral os povos mais dependentes dos recursos naturais. "Sem acesso a água limpa, terra e alimento, combustível e materiais adequados, as pessoas mais vulneráveis não conseguem fugir à armadilha da pobreza e prosperar." (WWF, 2010, p. 7).

Ilustração 3 - Índice Planeta Vivo (1970-2007). (WWF, 2010, p. 13)

A biodiversidade global e o nível de pressão na biosfera causada pelo consumo humano de recursos naturais são representados por dois indicadores: o Índice Planeta Vivo10 (Gráfico 3) e a Pegada Ecológica11 (Gráfico 1). O Índice Planeta Vivo (IPV) mostra um declínio global das populações de vertebrados em cerca de 30% entre 1970 e 2007. 9

A área biologicamente produtiva engloba as áreas de cultivo, pastagem, floresta e pescas. O Índice Planeta Vivo reflete as alterações e o estado dos ecossistemas do planeta. Especificamente acompanha as tendências das populações de mamíferos, aves, peixes, répteis e anfíbios. 11 A Pegada Ecológica rastreia a procura humana sobre os ecossistemas através da medição de áreas biologicamente produtivas e da água necessária para abastecer os recursos renováveis que as pessoas usam e o CO2 que as atividades humanas geram. 10

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Tabela 2 - Pegada Ecológica vs Biocapacidade (2003)

País

Pegada Ecológica total (milhões ha global)

Pegada Ecológica (ha global/ pessoa)

Biocapacidade

Reserva Ecológica (ha global/ pessoa)

MUNDO

14.073

2,2

1,8

- 0,4

EUA

2.819

9,6

4,7

- 4,8

China

2.152

1,6

0,8

- 0,9

Índia

802

0,8

0,4

- 0,4

Rússia

631

4,4

6,9

2,5

Japão

556

4,4

0,7

- 3,6

Brasil

383

2,1

9,9

7,8

Alemanha

375

4,5

1,7

- 2,8

França

339

5,6

3,0

- 2,6

Reino Unido

333

5,6

1,6

- 4,0

México

265

2,6

1,7

- 0,9

Portugal

42

4,2

1,6

- 2,6

Fonte: Adaptado de (WWF, 2006).

Ainda segundo o Relatório Planeta Vivo de 2010, conclui-se que as tendências entre as populações de espécies tropicais e temperadas são fortemente divergentes: o IPV tropical decresceu cerca de 50% enquanto que o IPV das zonas temperadas aumentou cerca de 30%, o que pode reflectir a recuperação das populações de espécies nas zonas temperadas devido a melhorias no controlo de poluição e gestão de resíduos, bem como na melhoria da qualidade da água e do ar, um aumento da cobertura vegetal e/ou maiores esforços e maiores preocupações ambientais nestas zonas. "Acabar com a degradação ecológica é essencial para assegurar a oferta contínua de serviços dos ecossistemas e logo da saúde, riqueza e bem-estar humanos futuros." (WWF, 2010, p. 7).

2.3. UMA POPULAÇÃO EM CRESCIMENTO As exigências humanas a par com o aumento da população mundial têm vindo a exceder a capacidade de autorregeneração da Terra. O capital natural do mundo atingiu o valor de quase um terço acima da capacidade natural que a Terra tem para assegurar a nossa sobrevivência. A mudança de estilo de vida do homem ao longo da história, e a exploração cada vez mais desenfreada da Terra e dos seus recursos são a principal causa responsável

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pelo actual estado do planeta. Esta mudança é bem visível no gráfico 4, onde se vê que ao longo da história à necessidade básica de alimentação se foram acrescentando outras necessidades, primeiro a necessidade de alojamento e comércio e depois, cada vez em maior escala, a agricultura, a indústria, e por fim, o transporte.

Ilustração 4 - Fases do desenvolvimento e consumo de energia. (Goldenberg apud Santoro, 2010, p. 23).

Da observação do gráfico conclui-se que do homem primitivo até ao homem tecnológico, o consumo de energia cresceu, em um milhão de anos, para quase 250000 kcal por dia. O aumento do uso do carvão como fonte de energia no século XIX, a invenção de motores de explosão que possibilitaram o uso maciço de petróleo e o uso da electricidade foram alguns dos factores responsáveis pelo crescimento da energia per capita. (Santoro, 2010, p. 23). (SANTORO, 2010) Todos dependemos do planeta para conservarmos as nossas vidas, contudo cada comunidade, cada país, luta pela sobrevivência e prosperidade quase sem considerar o impacto sobre os demais. As sociedades desenvolvidas consomem os recursos da Terra a um tal ritmo que, provavelmente pouco sobrará para as gerações futuras. Os povos pobres são obrigados a usar os seus poucos recursos ambientais, empobrecendo ainda mais o seu meio ambiente, tornando a sua sobrevivência cada vez mais difícil, vivem na perspectiva da fome, miséria, doença e morte prematura. (Brundtland, 1987, p. 31).

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Se os povos nómadas derrubavam florestas, cultivavam, recolhiam e depois esperavam que estas se refizessem, muitos povos não têm agora nem terra suficiente nem tempo para esperar que as florestas recuperem. Assim, as florestas estão a ser destruídas apenas para obter terras de cultivo de baixa qualidade, incapazes de sustentar os que nelas trabalham. Com o aumento da população esta será uma realidade cada vez mais presente e comum. É possível perceber que a actual política mundial canaliza as riquezas do mundo para uma minoria dominante. Estudos indicam que 86% dos rendimentos vão para os 20% mais abastados. O Relatório do Desenvolvimento Humano (1996), elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvido (PNUD), aponta para que um terço da população mundial mais desfavorecida, continuará a ser vítima de um decréscimo acentuado a longo prazo, das suas condições de vida. O estilo de vida praticado nos países desenvolvidos não seria possível sem estas desigualdades. Os recursos consumidos em excesso pela população mais abastada reflectem-se na falta de recursos básicos necessários à maioria da população mundial. Apesar de o foco principal deste capítulo ser a degradação ambiental provocada pelo consumo desregrado de recursos naturais, não se pode deixar de referir as consequências desse consumo também na população mais pobre, agravadas mais ainda pelo exponencial aumento da população a que assistimos. A população mundial atingiu em Outubro de 2011 um novo máximo histórico, tendo chegado aos 7 mil milhões de pessoas. Para o secretário-geral da ONU, Ban Kimoon, a data não é motivo de alegria. "Os recém-nascidos chegam a um mundo contraditório, com muita comida para uns e com a falta de alimentos para mil milhões de pessoas que vão dormir com fome todas as noites. Muitas pessoas gozam de luxuosos estilos de vida e muitos outros vivem na pobreza." (SRZD, 2011). O recorde demográfico deveria ser visto como uma chamada de atenção. Em 1999 as sondagens calculavam que nesta data a população seria composta por 6 mil milhões de pessoas e não os 7 mil milhões que acabaram por se atingir. A ONU estima que em 2100 se atingirão os 10 mil milhões de habitantes, e que em 2025 a Índia será o país mais povoado do mundo, com 1,5 mil milhões de pessoas, superando a China.

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População em milhares de milhões hab.

9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 1700

1750

1800

1850

1900

1950

1996

2005

2012

Ilustração 5 - População mundial (1971-2012). (Adaptado de ONU, 2010).

Os obstáculos que se avizinham para responder às necessidades de uma população tão grande são muitos. Haverá dificuldade na criação de emprego para as novas gerações, um aumento das migrações e, principalmente nos países europeus, haverá um enorme envelhecimento da população. A fome e a seca agravarão como consequência da explosão demográfica e das alterações climáticas e os pobres serão cada vez mais pobres e viverão em condições sérias de privação e estarão cronicamente malnutridos. A pobreza é uma das principais causas e um dos principais efeitos dos problemas ambientais no mundo, por isso, é inútil tentar abordar esses problemas sem uma perspectiva mais ampla que englobe os factores subjacentes à pobreza mundial e à desigualdade internacional. O aumento da população mundial, a redução das desigualdades e a busca do bemestar das pessoas que vivem hoje, assim como as que viverão amanhã, traz um enorme desafio exigindo novas vias de pensamento e de cooperação global sem precedentes. "Teremos de encontrar formas de conseguir tanto e mais a partir de menos" (Leape, 2010, p. 5), enfatizando a necessidade de separar o desenvolvimento das crescentes pressões sobre o planeta. (LEAPE, 2010)

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2.4. SUSTENTABILIDADE, MAIS QUE UM CONCEITO, UMA NECESSIDADE "Os ricos terão que viver mais simplesmente para que os pobres possam simplesmente viver. " (Gandhi apud Algarvio, 2010, p. 9).

As Alterações Climáticas tornam-se cada vez mais evidentes e perceptíveis à medida que os estudos, investigação e informação aumentam. As implicações destas alterações reflectem-se cada vez mais num aumento de catástrofes naturais e num consequente aumento da pobreza e desigualdade. É impensável e até mesmo imoral que os países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento

evitem

assumir

responsabilidades

pelos

seus

actos,

que

indirectamente condicionam todo o sistema climático global, factor decisivo para o desenvolvimento humano de hoje e do futuro. Como raça Humana, temos pela frente o desafio de aprender a viver com menos, acabando por sua vez com as extravagâncias que deterioram o nosso planeta. "Devemos, portanto, colocar os imperativos ecológicos no centro da economia global. O processo tem de começar aqui mesmo, no dito mundo desenvolvido." (Costa, s.d., p. 1). Na ausência de reduções significativas nos fluxos de matéria e energia, nas próximas décadas verificar-se-á um declínio no consumo per capita de alimentos, energia e materiais. Toda a população mundial está directa ou indirectamente dependente da biodiversidade, ecossistemas e recursos naturais do planeta, no entanto, o impacte da degradação ambiental é sentido acima de tudo pelas populações mais pobres e vulneráveis, são estas geralmente as mais dependentes de recursos naturais. Sem acesso a água potável, solos para cultivo, comida e materiais, estas populações dificilmente sairão dos limiares de pobreza, pelo contrário, o prosperar destas adivinha-se cada vez mais difícil num mundo de desigualdades aliado ao exponencial aumento da população. Se o rumo actual de consumo não for invertido haverá cada vez menos recursos para cada vez mais pessoas, e num mercado capitalista os ideais de equidade e justiça são irrelevantes; os bens destinam-se a quem pode pagar por eles. "É fácil de perceber que os sistemas económicos, políticos e culturais são desenvolvidos de forma a canalizar as riquezas do mundo para uma minoria

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dominante. Estudos apontam que 86% dos rendimentos mundiais vão para os 20% mais abastados enquanto os mais pobres, cerca de 20%, recebem apenas 1,3%." (Algarvio, 2010, p. 10).

A globalização de mercados é um dos factores responsáveis pela perda de biodiversidade num país sendo os seus produtos consumidos num país mais distante, a facilitação da movimentação de produtos entre países permite aos países (por norma os mais desenvolvidos ou em desenvolvimento) satisfazerem a sua procura por recursos naturais através de importações. "O aumento da dependência de um país pelos recursos e serviços ecológicos de outro, para que aquele consiga suportar os seus padrões de consumo, origina oportunidades para aumentar o bem-estar e a qualidade de vida dos países exportadores. Contudo, sem uma gestão de recursos adequada, esta dependência pode ocasionar o uso insustentável dos recursos e causar a degradação do ambiente. A degradação ambiental é por sua vez agravada pela má governação, falta de transparência dos fluxos monetários ou o acesso justo a solos e recursos, comprometendo-se o desenvolvimento e a prosperidade do país exportador." (WWF, 2012, p. 42)

Os sistemas de base necessários à sobrevivência humana têm como principal inimigo as falhas do nosso sistema económico. Uma comunidade com solo, água e ar limpo não tem por si só valor, as nações são antes incitadas à competição, assim, nas regiões do Terceiro Mundo que precisam urgentemente de comida simples e barata, ferramentas, habitação e vestuário, acontece antes o desenvolvimento de plantações para exportação, minas, hotéis, etc. Este tipo de desenvolvimento subtrai os recursos produtivos que as populações mais carenciadas precisam para a sua sobrevivência e satisfação de necessidades básicas. (Algarvio, 2010, p. 11). Um desenvolvimento económico ideal toma imperiosa a conservação dos meios naturais, e, sem medidas que assegurem o desenvolvimento desse objectivo o nosso futuro estará seriamente ameaçado. Um progresso económico e social cada vez maior não pode basear-se na exploração indiscriminada e devastadora da natureza, ao contrário, o uso dos recursos naturais do planeta terá de ser gerido de modo sustentável. (Brundtland, 1987, p. 2). "O desenvolvimento sustentável é definido como a satisfação das necessidades do presente sem que se comprometa a satisfação das necessidades das gerações futuras." (Brundtland, 1987, p. 9). Esta definição de sustentabilidade surgiu com a elaboração do relatório O Nosso Futuro Comum (1987), também conhecido como

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relatório de Brundtland, efectuado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. A sustentabilidade representa um estado social ideal em que as pessoas levam vidas dignas inseridas numa sociedade justa e equilibrada em todas as suas vertentes, permitindo ainda que gerações futuras possam usufruir do mesmo. Para haver sustentabilidade é inevitável que se funda desenvolvimento e conservação da natureza, pelo bem do nosso planeta e pela continuação da humanidade.

Ilustração 6 - "Sustentabilidade: um caminho, uma meta, uma necessidade." (Ilustração nossa, 2011).

Para atingir a sustentabilidade há ainda um longo caminho a percorrer, os problemas que têm vindo a sufocar o nosso planeta dizem respeito a todos quanto habitam a terra, é fundamental uma união global. É necessário que os mais ricos adoptem estilos de vida compatíveis com os recursos ecológicos do planeta, fundamentalmente tendo em conta o aumento da população mundial e o princípio básico de que todos temos igual direito à vida.

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O processo rumo a um desenvolvimento sustentável (DS) será um processo de sucessivas descobertas, ajustes e estratégias, mas absolutamente fundamental e onde o empenho e afinco político são fulcrais. O DS não é um estado permanente de harmonia, mas um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, a orientação dos investimentos, o rumo do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades actuais e futuras. (Brundtland, 1987, p. 10). O declínio ambiental não é inevitável mas requer um grande esforço e uma nova mentalidade geral, tanto a nível político como de empresas e sociedade. Requer ainda mudanças fundamentais: uma revisão das políticas e práticas que revejam o crescimento material e demográfico e ainda um rápido aumento na eficiência com que a energia e os recursos são utilizados. A exploração ponderada e consciente dos recursos por parte da sociedade, satisfazendo as suas necessidades sem degradar os ecossistemas naturais e a biodiversidade é crucial para assegurar o desenvolvimento de todas as sociedades.

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3. DO

ESTADO ACTUAL DO PLANETA ARQUITECTURA MAIS ECOLÓGICA

À

NECESSIDADE

DE

UMA

3.1. O PESO DA CONSTRUÇÃO NO AMBIENTE "Pode ser verdade que tenhamos de escolher entre ética e estética, mas, independentemente do que escolhermos, uma encontrará sempre a outra no fim do caminho." (Luc Godard apud Papanek, 2007, p. 51)

Ao abordar as questões ambientais e o rápido e desenfreado consumo dos recursos naturais é inevitável não abordar o tema da construção. Se pretendemos um desenvolvimento sustentável , e sendo o ambiente construído indispensável à vida humana, é inequívoco que passa pela indústria da construção mas também pela mão do arquitecto o poder de projectar uma construção reflectida desde o conceito até à obra final, apostando fortemente na racionalização do consumo de energia e de recursos, minimizando o impacte ambiental negativo do sector. O impacte da construção no ambiente é inegável, sendo a prova mais evidente o facto de que a nível mundial a construção consumir cerca de 75% dos recursos naturais (não-renováveis), há ainda que acrescentar a isto o transporte e produção de materiais que de modo muito significativo contribuem para a poluição da atmosfera e para a emissão de gases de efeito de estufa. (Augusto, 2011, p. 67). (AUGUSTO, 2011) Em Portugal o cenário não é muito diferente, o sector da construção tem um impacte extremamente significativo sobre o ambiente e o património natural, consumindo cerca de 50% dos recursos naturais, 40% da energia e gerando cerca de 40% dos resíduos. (Augusto, 2011, p. 58). A construção conduz ainda a um crescimento urbano excessivo, contribuindo para que continuem a ser ocupadas e impermeabilizadas novas áreas de solo importante para a conservação dos valores e equilíbrios naturais. (Marques, 2008, p. 18). Para atenuar o impacte da construção sobre o ambiente a economia de recursos tem de ser tida em conta, aplicando estratégias bioclimáticas, a optimização da eficiência energética e a racionalização do uso de energia, maximizando por outro lado o uso de energias renováveis. (Algarvio, 2010, p. 68).

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É ainda importante referir que quando se abordam os efeitos da construção, muitas vezes a análise acaba por se centrar nos efeitos negativos associados à obra em si mesma, isto é, à fase de construção, contudo é fundamental não esquecer as restantes fases: extracção, fabrico e transporte dos materiais, manutenção do edifício (fase de operação) e demolição/ "desconstrução". A maioria do edificado tem um tempo de vida superior a 40 anos, sendo que algumas estruturas ultrapassam os 100 anos. Isto significa que as estruturas construídas têm impactes com efeitos muito duradouros, quer a nível dos consumos, quer na acumulação dos materiais, quer ao nível das emissões e cargas poluentes, cujos efeitos ambientais importa considerar. Neste contexto, o impacte ambiental decorre não só do acto de construir, mas também da operação das estruturas construídas e até da sua desactivação. (Marques, 2008, p. 61). (MARQUES, 2008) Em síntese, os impactes mais relevantes provocados pelo sector da construção consideram-se os seguintes: a extracção e o consumo de matérias-primas, a alteração do uso do solo, a compactação do solo e, eventualmente, a sua contaminação, os consumos de energia e as emissões de gases com efeito de estufa, bem como outras emissões, a afectação das espécies naturais e os seus habitats e a intrusão visual e a alteração da paisagem natural. Várias comunidades e/ou pessoas individuais pretendem ter um papel menos agressivo para com o ambiente na altura de construírem, questionando e reorganizando o pensamento tradicional da indústria da construção mas encontram ainda grandes obstáculos. O papel dos arquitectos e das autoridades é muito pouco flexível, bem como as leis de ordenamento do território, no que toca à construção ecológica,

que

engloba

muitas

vezes

materiais

pouco

comuns,

sanitários

compostáveis, energias renováveis locais e tratamento local de resíduos sólidos. (Santoro, 2010, p. 67). Um novo rumo para o sector da construção é urgente, pela necessidade de um reordenamento do território com base num planeamento urbano adequado, e pela necessidade de tornar a construção mais eficiente do ponto de vista da conservação de energia. A responsabilidade de uma construção saudável e de baixo impacte ambiental está associada a diferentes opções e fases, começa pela escolha de materiais aliada à sua concepção (arquitectura), passa pela utilização quotidiana do

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espaço e termina na escolha dos métodos e destinos do seu desmantelamento no fim da sua vida útil. "Sendo um dos desígnios da Arquitectura a criação de habitat, há que incutir esta preocupação/ raciocínio no processo conceptual da arquitectura, bem como urge entender a forma de construir segundo conceitos de sustentabilidade, de forma a não hipotecar o nosso futuro nem o dos nossos descendentes." (González, 2006, p. 29).

Vivemos em casas de alvenaria e em cidades de betão, aprendemos desde sempre que é o "melhor" em todos os sentidos, há um longo caminho a percorrer rumo ao que já se fez no passado, onde se privilegiavam os materiais locais e a arquitectura tradicional, e que se pode fazer novamente e melhor agora, tenhamos apenas humildade. 3.1.1. METODOLOGIAS PARA A CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL Tendo em conta o impacte ambiental da construção, e rumo a um caminho menos agressivo para o planeta e para salvaguarda dos seus recursos, são necessárias algumas medidas aquando da fase de planeamento e concepção de obra. As decisões tomadas durante a concepção de um projecto influenciam o ciclo de vida, os consumos de energia, a qualidade do ar no interior dos edifícios e a reciclabilidade e reutilização dos resíduos de demolição. (Marques, 2008, p. 25). Deste ponto de vista é possível sintetizar algumas prioridades para uma construção sustentável: 

Economizar energia e água. Qualquer tido de construção deve ser concebida de modo a assegurar uma gestão eficiente dos consumos energéticos e de água. Actualmente a energia provém fundamentalmente de combustíveis fósseis, e o impacte ambiental daí resultante prende-se fundamentalmente com a emissão de gases poluentes e com o facto de se utilizar como matéria-prima um recurso natural limitado e não renovável. O uso de energia está directamente relacionado com todas as fases da construção (extracção de matérias-primas, transporte, construção propriamente dita, manutenção e demolição), sendo que é vital uma redução dos consumos energéticos. A água está presente na fase de construção e na fase de utilização (de uma casa/ edifício), sendo que o principal problema está relacionado com a produção de água residuais. Recorrer a meios para poupar água pode ser importante, mas

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avaliar vias ambientalmente correctas de tratar e reutilizar as águas residuais é igualmente útil. 

Assegurar a salubridade dos edifícios. Salvaguardando o conforto ambiental no seu interior, através da introdução e maximização da iluminação e ventilação natural.

Maximizar a durabilidade dos edifícios. As tecnologias construtivas e os materiais de construção devem ser duráveis e as construções devem ser flexíveis de modo a permitirem um ajuste a novas utilizações. Quanto maior for o ciclo de vida de um edifício, maior vai ser o período de tempo durante o qual os impactes ambientais produzidos durante a fase de construção serão amortizados.

Planear a conservação e a manutenção dos edifícios. Os edifícios possuem uma vida útil limitada e seguem um processo de envelhecimento, através de acções físicas, químicas e mecânicas a que estão submetidos, desde a sua construção até à sua reabilitação e/ou demolição. As acções a que um edifício está sujeito acabam por o fazer atingir um estado de degradação não compatível com o conforto e segurança estrutural previstos durante a sua concepção, importa portanto serem preservados, até porque comportam uma grande quantidade de recursos naturais. A visão da edificação no geral deve ser vista como valiosa e não como algo que se usa e deita fora. As intervenções de manutenção e reabilitação permitem prolongar o ciclo de vida das construções.

Escolher cuidadosamente os materiais. Os materiais devem tanto quanto possível ser eco-eficientes/ ecológicos, isto é, materiais que durante o ciclo de vida, desde a fase de extracção até à devolução ao meio ambiente possuem um baixo impacte ambiental. A escolha dos materiais será abordada mais à frente, para já refere-se apenas que os materiais para serem eco-eficientes não possuem químicos nocivos à camada de ozono, são duráveis, exigem pouca manutenção, incorporam baixa energia primária (somatório da energia consumida durante a extracção das matérias-primas e a energia utilizada para

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o transporte das mesmas para as unidades de processamento), estão disponíveis nas proximidades da obra e são elaborados a partir de matérias recicladas e/ou possuem grandes potencialidades para virem a ser reciclados ou reutilizados. 

Apresentar baixa massa de construção. Quanto menor for a massa total do edifício menos será a quantidade de recursos naturais incorporada.

Minimizar a produção de resíduos. Os resíduos da construção provêm das mais diversas fontes: produção dos materiais, perdas durante o seu armazenamento, transporte, construção, manutenção e demolição. É a fase de demolição que acarreta maior produção de resíduos, daí haver necessidade de se pesar a reciclabilidade ou não dos materiais durante a fase de concepção.

As prioridades apontadas destinam-se à aplicação ao nível da construção contemporânea, no capítulo 4 serão apresentadas metodologias construtivas bastante diferentes das "usuais". Apesar de nem todos os pontos descritos acima serem lineares em todos os processos construtivos alternativos, muitos deles acabam por ter a mesma base. Quer se construa contemporaneamente, quer se construa tradicionalmente, é possível fazê-lo de maneira sustentável. 3.1.1.1. A ESCOLHA DO MATERIAL "Na área da construção sustentável, é um facto que a indústria de construção é poluente e agressiva para o ambiente e é importante que tenhamos consciência, que o impacte ambiental que esta indústria produz, pode ser substancialmente reduzido pelo modo como se utilizam os materiais, fundamentalmente pelo aumento do seu ciclo de vida." (Pinto, 2001, p. 21). (PINTO, 2001)

Numa construção mais preocupada com o ambiente a escolha dos materiais deve tentar levar em consideração todos os impactes associados ao fabrico, demolição, transporte, construção, manutenção e reciclagem ou deposição final dos materiais de construção. Pode parecer desencorajador para o arquitecto, de facto, o peso desta escolha tem consequências ecológicas de longo alcance e de longo prazo, mas sem medo da grandeza que certas decisões acarretam há que o escolher conscientemente, e há já muita informação escrita e estudos feitos sobre os mais diversos tipos de materiais que podem ajudar na hora de tomar decisões.

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Quando abordada a questão do impacto ambiental na construção é necessário referir a importância e o peso da energia incorporada dos materiais. Saber o impacto que o uso de um determinado material numa determinada construção tem no ambiente não é linear e depende de vários factores. Para quantificar a energia incorporada é necessário analisar todas as fases de vida do material até à sua aplicação na obra, passando pela fase de extracção, fabrico e transporte. A energia incorporada é definida como a soma da energia necessária à extracção das matérias-primas (Q extract), da energia utilizada nos processos de transformação da matéria-prima (Q transf) e de transporte (Q transp), bem como da energia envolvida no processo construtivo (Q const). (Augusto, 2011, p. 68). (AUGUSTO, 2011) Q incorporada = Q extrac + Q transf + Q transp + Q const Alguns autores defendem uma definição diferente para a energia incorporada, referindo que esta deverá abranger ainda as fases de manutenção e demolição, representativas de entre 6% a 20% da quantidade de energia total consumida pelo edifício durante a sua vida útil. Tendo em conta a breve definição de energia incorporada definida em cima, pode-se concluir que a escolha dos materiais é um aspecto a ter em conta se queremos construir a pensar no futuro e que produtos com muita energia incorporada têm geralmente um grande impacto no ambiente devido às emissões e aos gases de efeito de estufa associados ao consumo de energia. Há ainda que, para além da atenção que deve ser dada à energia consumida, reflectir sobre o tempo de vida útil de um material e sobre a sua reciclabilidade ou não. Deste modo uma escolha consciente e preocupada deve preferir materiais segundo os seguintes princípios: 1. Materiais de origem o mais próximo possível da obra; 2. Materiais de origem preferencialmente em fontes renováveis, não poluentes e não tóxicos; 3. Materiais com grande durabilidade e/ou recicláveis ou com diminutos desperdícios: 4. Materiais ou sistemas de construção que impliquem o mínimo gasto possível de energia no seu processo de transformação/ transporte/ aplicação.

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O Homem procurou desde sempre maneiras de se proteger das condições climatéricas. Na Natureza existe um conjunto de matérias-primas que, pelas suas características, foram largamente utilizadas na construção desde tempos imemoráveis, são elas a terra, a palha, a pedra, a madeira, entre muitas outras. Na procura de conforto e segurança optimizaram-se tipologias de construção durante milénios. A tecnologia e a rapidez que a mesma permite foram fazendo com que a par de melhorias construtivas alcançadas surgissem também consequências negativas principalmente a nível do impacte ambiental dos materiais (toxicidade, difícil reutilização, transformação da paisagem nos locais de extracção, etc.). A necessidade de materiais de construção mais sustentáveis, de origem natural e local, com baixo valor de energia incorporada e reutilização e/ou recicláveis é vital. 3.1.2. ARQUITECTURA VERNÁCULA "Numa época em que os processos de globalização contribuem poderosamente para uma homogeneização cultural insípida e banalizadora, o resgate ao esquecimento dos elementos, artes, saberes e ofícios associados ao património vernáculo é uma peça essencial que nos vincula ao nosso passado e que faz luz sobre a nossa identidade. (...) Até porque, associados à consciência da necessidade de promoção de uma construção sustentável, os materiais e as técnicas de construção tradicional ainda estão a tempo de ter, para além do passado que já foi o seu, o futuro que merecem." (Varejão apud Costa et al., 2008, p. 6) (COSTA, et al., 2008)

A história da arquitectura encontra-se bem documenta, passando pelas grandes pirâmides do Egipto, pela imponente cidade Inca do Machu Picchu no Peru, e por tudo um pouco do que foi a arquitectura nobre e burguesa entre os seus palácios, castelos e monumentos. Alguns destes edifícios resistem ainda hoje ou foram reconstruidos, ao contrário, tanto nos ambientes urbanos como rurais, a forma de construir vernacular passou quase sempre despercebida e desprovida de interesse, talvez por ser demasiado humilde para a história. A exposição Architecture without Architects de Bernard Rudovsky trouxe em meados do século XX uma nova e aguçada curiosidade pela arquitectura das gentes. Arquitectos, antropólogos e historiadores de arte não só se mostram cada vez mais interessados como concluem que temos muito que aprender com as coisas "simples". "A vanguarda civilizacional consiste na capacidade de o presente se inspirar no passado com o objectivo de melhorar o futuro." (González, 2006, p. 29). (GONZÁLEZ, 2006)

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Rumo a uma nova ética construtiva: a arquitectura inserida nos fundamentos da permacultura.

Ilustração 7 - "Arquitectura vernácula publicada no Fórum Magazine N.º 7"12 (GTA Archive apud Osten, 2009, p. 6).

A arquitectura vernácula assenta no conhecimento tradicional, nas suas práticas e técnicas; é normalmente construída por um pequeno grupo de pessoas (com a ajuda da família, amigos, vizinhos, etc.), e revela um elevado respeito pelo artífice e pela qualidade, aprende-se de geração em geração e os materiais eleitos são na grande maioria das vezes locais. (SAINT-EXUPÉRY, 1987) A arquitectura vernácula não se guia por modas, é até quase imutável e perfeita desde que sirva os seus propósitos. A escala é humana, e o processo de construção é tão ou mais importante que o produto acabado. Feita predominantemente de materiais locais, facilmente aprendida e compreendida. Ecologicamente a arquitectura vernácula adapta-se ao clima, flora, fauna e aos modos de vida locais. As construções vernáculas nunca constrangem, passam para segundo plano no ambiente em vez de se autoproclamarem. (Papanek, 2007, p. 132) "(...) Esta combinação de boa adaptação ecológica, proporção humana, habilidade e procura de qualidade, juntamente com uma forte preocupação com a decoração, a ornamentação e o embelezamento, leva a uma fragilidade sensual que resulta em autêntica elegância." (Papanek, 2007, p. 133)

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Em várias publicações internacionais da década de 50 e 60, a arquitectura vernácula foi fortemente publicitada e discutida.

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Ilustração 8 - Cultura Uru-chipaya, uma das culturas mais antigas do continente americano. Exemplo de arquitetura vernacular. (Oruru, Bolívia), Fernando Soria. (Almanaque Brasil Socioambiental, 2008, p. 54)

Ilustração 9 - Casa típica na aldeia de Sarzedas. Portugal). (Caetano, 2011, p. 48).

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(Sarzedas,

Apesar de se ter enunciado o que a arquitectura vernácula (AV) "é" não há de todo uma definição linear que a resuma porque esta é o resultado de múltiplas causas: 1. O método - O método explica determinadas construções ou estruturas, sendo este a combinação de material, ferramenta e processo. Se na arquitectura vernácula o material usado é normalmente local então este por si só condicionará as ferramentas e por conseguinte o processo construtivo, fazendo assim variar a arquitectura e a sua forma de acordo com o sítio (o que não invalida que em pontos completamente distintos e longínquos do planeta não se encontrem exemplos muito parecidos). (IGESPAR)

2. A dispersão e a convergência - Aqui podem referir-se a dispersão de classes (não existe em todas as culturas, mas naquelas que existe, as classes de nível social inferior tentam muitas vezes copiar os maneirismos que são visíveis nas arquitecturas das classes mais abastadas) e ainda a dispersão geográfica (representada pela disseminação das características e tipos dos edifícios de uns países para os outros). Para além da dispersão e não menos importante é de salientar a convergência, encontram-se pelo mundo vestígios de construções muito semelhantes em culturas que nunca se cruzaram, estes acontecimentos podem ser explicados pelo clima, padrões de vida, percepções

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"De um lado, a imponência do Mosteiro de Sarzedas - onde as pedras guardam a hitória de vários séculos. Pedras de granito, duras e enegrecidas pela passagem inexorável do tempo. Pedras que resistiram a guerras e escaramuças, que assistiram a fomes e pestes. Do outro lado da estrada, separados por uma estreita faixa negra de alcatrão, uma curiosa e labiríntica teia de ruelas - um retrato fiel do que seria uma urbe medieval. Ao entrar aqui, neste pequeno povoado, parece que recuamos no tempo. As casas também são em granito, mas apenas no piso térreo ou até ao primeiro andar. A partir daí, entra-se no território do tabique." (Caetano, 2011, p. 44).

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do espaço, etc., que contribuem para que, em sítios distintos, necessidades iguais tenham sido respondidas de maneira semelhante. 3. A evolução - Não existe consenso no modo como a AV evolui com o tempo, esta tende a ser caracterizadas precisamente pela "falta de mudança", o que não significa que esta não aconteça; a função de determinados edifícios pode mudar; podem ser introduzidos novos materiais, ou melhoradas as técnicas de construção, o que acontece é que estas ocorrem a um ritmo tão lento que é quase imperceptível numa linha de tempo.

4. A sociedade e o ambiente - As construções vernáculas reflectem as necessidades sociais, as faltas e os anseios das pessoas mais directamente do que as estruturas concebidas pelos arquitectos. Por exemplo a nível de algumas aldeias, tribos ou comunidades, as pessoas criam e com frequência constroem a sua própria casa e usam-na depois com toda a família alargada durante várias gerações.

5. A cultura - Religião e magia, costumes sexuais e tabus, influenciam directamente as imagens de espaço colectivo de uma nação. Os esquemas de trabalho e de lazer, a relação entre riqueza e posição social, tudo isto e muito mais são determinantes culturais directas de uma forma de construção vernácula. 6. A estética - A arquitectura tem sido muitas vezes "individual", por vezes a "afirmação arquitectónica" do seu autor toma um lugar de primazia em detrimento do essencial: o habitar. Na arquitectura vernácula estas afirmações não são relevantes, a AV não é necessariamente desprovida de ornamentação e decoração mas a estética não é sem dúvida mais importante que a função a que se destina. (Papanek, 2007, pp. 133 a 150). Quando o termo "sustentabilidade" entrou em voga o Arquitecto Souto Moura comentou numa entrevista que "Não há boa arquitectura que não seja sustentável. (...) A boa arquitectura é aquela que é adequada às circunstâncias.", não se pretendendo reduzir, mas não é, a maioria da arquitectura vernacular sustentável, e não é o seu principal objectivo adequar-se às circunstâncias?

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A arquitectura vernacular é um bom exemplo para mostrar e sublinhar que quando se fala em sustentabilidade não se fala do uso de tecnologias complexas ou de materiais altamente tecnológicos (regra geral quando se cria uma tecnologia para resolver um problema, cria-se também um novo problema). A sustentabilidade só é sustentável através da sua simplicidade, pelo modo como, com poucos recursos se consegue materializar uma construção que funciona, funcionará e durará.

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4. PERMACULTURA, SISTEMAS DE ESCALA HUMANA 4.1. BREVE DEFINIÇÃO DE PERMACULTURA "Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça económica e numa cultura de paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações." (Comissão da Carta da Terra, 2000) (COMISSÃO DA CARTA DA TERRA, 2000)

A Permacultura, cujo termo deriva de cultura e permanente14, foi desenvolvida pelos australianos Bill Mollison e David Holmgren na década de 70 tendo aumentado a sua disseminação depois de uma entrevista a Bill Mollison numa estação de rádio do governo australiano em Melbourne. Nesta altura Mollison tinha apenas um manuscrito no qual tinha vindo a trabalhar algumas ideias soltas, com as dúvidas e a curiosidade suscitada depois desta entrevista era o momento ideal para publicar alguma coisa mais concreta que respondesse à carência de informação. (MOLLISON, 1981) Na mesma altura David Holmgren estava a escrever uma tese (trabalho de fim de curso) sobre permacultura, sendo Bill o seu orientador. Juntos compilaram toda a informação que tinham e explicaram as ideias inovadoras que acreditavam poder fazer alguma diferença, nasceu assim o livro Permaculture One, foram impressas 25000 cópias e no espaço de 3 anos foram todas vendidas. (Mollison, 1981, p. 2). Houve uma grande resistência por parte de profissionais e teóricos um pouco por todo o mundo, já que os dois australianos combinavam (de maneira inovadora) arquitectura com biologia, agricultura com estudos de florestas e florestas com zootecnia. Por parte das pessoas, descontentes com o modo como a agricultura era praticada, a resposta foi bem diferente, as novas ideias contemplavam sistemas mais naturais e ecológicos, tendo sido por isso bem-vindas.

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Em Inglês: Permaculture = permanent + culture

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Em 1981 recebeu o Right Livelihood Award (Prémio Nobel alternativo) pelo seu trabalho na área dos sistemas de baixo consumo energético e design ambiental de alta produtividade. Tendo a permacultura surgido inicialmente ligada à agricultura podia-se resumir como a síntese de práticas agrícolas tradicionais reunindo ideias inovadoras. "Eles começaram por observar, no campo da agricultura e da pecuária, que as monoculturas intensas diminuíram drasticamente a fauna e a flora circundante, que a produção de animais para consumo se transformara num processo industrial e que as espécies locais haviam desaparecido." (Algarvio, 2010, p. 70).

No campo da agricultura o objectivo era então criar sistemas mais sustentáveis, que funcionassem de maneira permanente sem diminuir a fertilidade do solo. A defesa de uma cultura diversificada em detrimento da monocultura era inequívoca. (Anexo A).

Ilustração 10 - Monocultura intensa.15 Diminuição da fauna e flora circundantes. (Mendes, 2011).

Ilustração 11 - Cultura diversificada. Diversidade, estabilidade e resiliência dos sistemas naturais. (Mendes, 2011).

A permacultura começa então por ser definida como um método de projecto e manutenção consciente de ecossistemas agrícolas produtivos que integram a diversidade, estabilidade e resiliência dos sistemas naturais. Segundo Holmgren pode ainda acrescentar-se que a permacultura projecta paisagens que simulam os padrões e relações encontrados na natureza, por fim a produzir alimento, fibra e energia mais que suficientes para abastecer as necessidades locais. (Algarvio, 2010, pp. 70 e 71). Na Universidade da Tasmânia Bill Mollison e David Holmgren desenvolveram uma estrutura de trabalho para um sistema de agricultura sustentável, baseado na

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A observação dos campos onde se exercem monoculturas permite corroborar a diminuição da fauna e da flora circundantes.

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policultura de árvores perenes, arbustos, ervas, vegetais, fungos e tubérculos, tendo rapidamente concluído que a relação entre os vários elementos era simbiótica. A permacultura surgiu como um conceito completamente novo, utópico ou desproporcionado para uns ou facilmente relacionado com a época hippie para outros, mas na verdade a permacultura e as suas ideias fazem todo o sentido se percebermos a "fonte de inspiração" e para isso ajuda termos em conta a definição de ecossistema, que nada mais é senão um grupo de organismos que interagem uns com os outros dentro do seu ambiente natural, coexistindo para formar um sistema complexo de relações, de maneira a perpetuar a evolução das espécies e manter os mecanismos de transformação de energia de modo sustentável.

Ilustração 12 - Sistema de permacultura. Floresta hortícola.16 (Algarvio, 2010, p. 70).

Para Mollison (1981), fundador da permacultura, esta foi inicialmente vista como uma associação benéfica entre plantas e animais em assentamentos humanos, direccionada para a auto-suficiência doméstica ainda com a possibilidade de iniciativa comercial para o excedentes da auto-produção. Unindo o conhecimento secular e os sistemas produtivos tradicionais ao conhecimento tecnológico e científico e a ideias

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A floresta hortícola, uma associação de sete níveis benéficos: 1) cobertura: árvores de fruto de grande porte ou oleaginosas; 2) estrato arbóreo baixo: árvores de fruto anãs; 3) estrato arbustivo: framboesas e bagas; 4) herbáceos: beterraba, ervas aromáticas; 5) rizosfera: raízes; 6) superfície do solo: cobertura do solo, ex.: morango, etc.; 7) camada vertical: trepadeiras, cipós.

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inovadoras, a ideia de uma auto-suficiência a nível familiar passou a ser um sistema de design para a criação de ambientes humanos sustentáveis. O fim último da permacultura é a busca por um estilo de vida em harmonia com o planeta, e há muito que deixou de estar relacionada apenas com a agricultura e a pecuária. A permacultura é um sistema de design estratégico integrando componentes fabricados, naturais, espaciais, temporais, sociais, culturais e éticos, focando-se em sistemas ecológicos auto-sustentados que permitam a integração da vida humana com o objectivo de alcançar um modo de vida sustentável. A visão da permacultura evoluiu da visão de uma agricultura permanente para a visão de uma cultura permanente. Assim, as pessoas, as suas edificações e o modo como se organizam são questões centrais. Quando se fala em sistemas estes são necessariamente sistemas de escala humana, tais como jardins, comunidades, aldeias e vilas. Através de uma via de projectar holística, actualizando e preservando estes mesmos sistemas, nunca esquecendo uma estratégia sistémica de observação do mundo e das correlações entre todos os seus elementos, conseguem-se sistemas ambientalmente sustentáveis, socialmente justos e financeiramente viáveis. Falando em concreto sobre a gestão de recursos também esta pode ser feita de modo mais sustentável tendo em conta a ideia base que inspirou todos os princípios da permacultura: os ecossistemas. Trabalhar aplicando métodos e técnicas que eliminem os resíduos produzidos, transformando-os e reutilizando-os como matérias-primas úteis a outros sistemas, significa trabalhar de maneira integrada gerindo melhor os recursos naturais. (Santoro, 2010, p. 50). (SANTORO, 2010) O grande desafio da sustentabilidade, escrevendo-se e divagando-se sobre ela um pouco por todo o mundo, tem sido precisamente uma ligação harmoniosa entre ambiente, sociedade e economia, a permacultura afirma que esta harmonia é possível, e afirma-o não por ser demasiado pretensiosa mas por se ter focado numa coisa muito simples e ter tirado daí grande parte do conhecimento: a natureza; a resistência, estabilidade e manutenção dos ecossistemas naturais. A utilização da permacultura, como via de integração e optimização dos recursos para a manutenção da vida na Terra, pode ser uma alternativa eficaz na procura da

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sustentabilidade em assentamentos humanos, uma vez que trabalha em harmonia com as leis e princípios ecológicos em conjunto com tecnologias aplicadas para a busca da eficiência e conservação da energia e de um futuro seguro em relação aos recursos naturais. (Santoro, 2010, p. 8). Para que se alcance a sustentabilidade não basta apenas ter o conhecimento e o domínio das técnicas propostas pela permacultura, é necessária uma mobilização social (onde cada um de nós como sujeito individual importa), pela consciencialização e reaproximação do Homem ao seu meio, trabalhando com a natureza e não contra ela. Segundo Bill Mollison é urgente uma mudança ética. O que o planeta fornece é limitado e continuando com o actual e desenfreado ritmo de consumo, a escassez de recursos afectará cada vez mais pessoas um pouco por todo o mundo. Acima de tudo Mollison defende que se passe de um pensamento passivo para um activo, acreditando convictamente num modo de vida com base na permacultura. Antes disto é ainda necessário que deixemos de admirar as pessoas pelo dinheiro e poder que têm. Urge uma inversão de valores e uma reavaliação dos sistemas educacionais (apesar de recentemente já se notarem algumas mudanças: as escolas, a publicidade, etc., já apelam às crianças que "protejam" o nosso planeta). Este capítulo explicará as metodologias e princípios da permacultura, princípios estes que surgiram como resultado da observação de sistemas naturais. Parece utópico mas os praticantes afirmam ser possível através da aplicação de métodos e estratégias factíveis. Além disso e como afirma Mollison, existem exemplos por todo o mundo que complementam os fundamentos da permacultura. Se ainda assim parecer utópico, há pelo menos informação a reter para que possamos dar pequenos passos por um papel mais activo na defesa do nosso planeta.

4.2. HIPÓTESES FUNDAMENTAIS Depois de terem sido apontados os principais problemas que afectam o nosso planeta e põem em risco a continuidade da humanidade, a permacultura baseia-se em algumas hipóteses fundamentais, descritas por Holmgren, importantes de referir para uma melhor compreensão da busca da permacultura por um futuro mais sustentável:

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 

"O Homem, embora um ser diferente no mundo natural, está sujeito às mesmas leis científicas (de energia) que governam o universo material, incluindo a evolução da vida; A extração de combustíveis fósseis ao longo da era industrial era vista como a causa primária da espectacular explosão do crescimento populacional, da tecnologia e de cada nova característica da sociedade moderna; A crise ambiental é real e de uma magnitude que certamente transformará a sociedade industrial global moderna de modo sem precedentes. Nesse processo, o bem-estar e até mesmo a sobrevivência da população mundial em expansão estão diretamente ameaçados; Os impactos da sociedade industrial global no presente e no futuro, assim como os impactos do número crescente de seres humanos na maravilhosa biodiversidade do planeta, são entendidos como muito maiores do que as grandes mudanças ocorridas nos últimos séculos; Apesar da inevitável natureza singular das realidades futuras, o esgotamento fatal dos combustíveis fósseis dentro de algumas gerações resultará num retorno gradual aos princípios de design de sistemas observáveis na natureza e nas sociedades préindustriais, e que se caracterizam por serem dependentes de recursos e energias renováveis (mesmo se a forma específica desses sistemas for resultado de circunstâncias peculiares e locais)." (Holmgren, 2007, p. 6). (HOLMGREN, 2007)

A partir dos fundamentos descritos em cima, o objectivo principal da permacultura é uma progressiva redução do consumo de recursos e energia (não renovável), mostrando por isso a necessidade de uma mudança de hábitos e atitudes rumo a um uso sustentável da terra, dos recursos fornecidos por ela e respondendo às necessidades humanas dentro de um limite ecológico aceitável.

4.3. PRINCÍPIOS DA PERMACULTURA "A terra tem sido transformada pela "ascensão energética" da humanidade, fazendo o futuro tão desafiador e tão interessante quanto qualquer período da história. Aceitando abertamente tal futuro como inevitável, temos uma escolha entre uma temível cobiça, elegante displicência ou adaptação criativa." (Holmegren, 2007).

O conceito de permacultura descrito em cima pode ser tão genérico e global que torna a sua utilidade reduzida, para tal serão de seguida definidos os princípios que estão na base dos seus fundamentos. A "Flor da Permacultura" define como a permacultura aplica os seus princípios. Começando pela ética e princípios focados no campo crítico do manuseamento da terra e da natureza, a permacultura está a evoluir pela aplicação progressiva dos seus princípios à integração de todos os sete campos necessários (espaço construído, ferramentas e tecnologia, cultura e educação, saúde e bem-estar espiritual, economia e finanças, posse da terra e comunidade, manejo da terra e da natureza) para a

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sustentação da humanidade ao longo do período de declínio de energia e escassez de recursos naturais. (Holmgren, 2007, p. 2).

Ilustração 13 - Flor da Permacultura. (Holmgren, 2007, p. 2)

A permacultura pode ser vista como o uso de um pensamento sistémico e de princípios de design que proporcionam a estrutura conceptual para a implementação dos seus fundamentos. Para isso, deve reunir as diferentes ideias e modos de vida, os quais devem ser reinventados e desenvolvidos com o objectivo de nos tornar capazes de prover as nossas próprias necessidades, aos mesmo tempo que aumentamos o

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capital natural para as futuras gerações. O processo de prover as necessidades das pessoas dentro de limites ecológicos requer uma revolução cultural. "A ideia por trás dos princípios da permacultura é que princípios gerais podem ser derivados do estudo do mundo natural e das sociedades sustentáveis da era préindustrial, e que esses princípios serão aplicáveis de forma universal de modo a apressar o desenvolvimento do uso sustentável da terra e dos recursos, seja num contexto de abundância ecológica e material ou num contexto de escassez." (Holmgren, 2007, p. 7).

Num sentido mais limitado, mas também importante, a permacultura não se resume apenas à paisagem, às técnicas de agricultura orgânica, às vias de produção sustentáveis, às construções eficientes ou ao desenvolvimento de ecoaldeias, mas ela pode ser usada para projectar, criar, administrar e aprimorar esses e todos os outros esforços feitos por pessoas, famílias e comunidades em busca de um futuro sustentável. Historicamente, a permacultura tem-se focado no manuseamento da natureza e da terra não apenas como uma fonte, mas também como uma aplicação de princípios éticos e de design. (Holmgren, 2007, p. 3). Esses princípios são aplicados agora em outras esferas de acção, voltadas para os recursos físicos e energéticos, assim como a organizações humanas. Olhando para a Flor da Permacultura alguns desses campos específicos (mostrados em torno da periferia da flor), sistemas de design e soluções têm sido associados a esta visão mais ampla de permacultura. O caminho evolutivo em espiral, sugere o entrelaçamento desses domínios, inicialmente no nível pessoal e local, evoluindo posteriormente para o nível colectivo e global. A estrutura em forma de teia de aranha sugere a natureza incerta e variável desse processo de integração. (Holmgren, 2007, p. 4). Divididos em princípios éticos e princípios de design, não são mais que uma "checklist" quando consideramos as complexas opções para o design (planeamento, concepção, projecto) de sistemas ecológicos. 4.3.1. PRINCÍPIOS ÉTICOS Na vida em sociedade todos nos movemos segundo certos e determinados princípios. Os princípios éticos promovem interesses sociais menos egoístas, uma visão mais inclusiva do "nós" e uma maior compreensão das consequências das nossas acções a longo prazo.

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Numa sociedade (devido à disponibilidade energética) com cada vez mais poder e alcance, mais facilmente se esquecem alguns fundamentos éticos necessários a uma sobrevivência cultural e biológica de longo prazo. Prova disso é a rapidez com que temos caminhado para um mundo cada vez mais insustentável. "A nova ética implica novos valores, que surgem quando os homens se percebem como parte da natureza. Quando isto acontece, a humanidade encontra a sua própria reconciliação." (Santoro, 2010, p. 42). A percepção de que o ser humano é parte do todo é fundamental para a aplicação dos princípios da permacultura. David Holmgren listou os princípios éticos da permacultura, preferindo chamar-lhes "princípios gerais ou máximas" (Holmgren, 2007, p. 8).: 

Cuidado com a Terra (solos, florestas e água), para um correcto funcionamento de um ecossistema todos os seus elementos têm que estar saudáveis, para que assim, e integrados com os restantes, consigam funcionar de modo sustentável. Da percepção de que dependemos deles (ecossistemas) e que temos que os proteger ao invés de os explorar massivamente, surge então este "cuidado com a Terra" e com todos os seus elementos.

Cuidado com as pessoas (cuidar de si mesmo, parentes e comunidade) apela a um "cuidado com as pessoas", assegurando que todos em redor tenham acesso ao que necessitam para viver dignamente, com saúde e segurança.

Partilha justa (estabelecer limites para o consumo e reprodução, partilhando de maneira justa os recursos e capacidade e redistribuindo o excedente).

O princípio filosófico da permacultura, e segundo Mollison, diz que "é fundamental a observação atenta da natureza e a transferência para o quotidiano", esta ideia,

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chamada de "linguagem de padrões", tem como base estudos do biomimetismo17 e ecologia profunda.18 4.3.2. PRINCÍPIOS DE DESIGN Antes de enumerar os princípios de design em permacultura convém referir que a palavra design neste caso se aplica ao processo de planeamento, concepção e projecto. Segundo Bill Mollison, o design é o cerne da permacultura e representa a conexão entre os elementos. Não é a água, a casa ou o tipo de energia utilizado que faz a diferença mas sim o modo como estes elementos se relacionam, permitindo a optimização de cada um deles e um funcionamento com maior eficiência. "A compreensão prévia de cada sistema, bem como as suas características básicas, as suas necessidades e os seus produtos, auxilia no planeamento do projecto, visando a captação máxima dos fluxos energéticos naturais do sol, do vento, da água e dos nutrientes, que constituem a matéria biológica, criando ciclos produtivos no sistema e evitando a ocorrência de efeitos nocivos ao meio." (Santoro, 2010, p. 56)

A base científica para os princípios de design em permacultura assenta no âmbito da ciência moderna da ecologia, mais particularmente, dentro de um ramo da ecologia chamado "ecologia de sistemas". Um princípio é apenas isso, sendo muito importante não confundir com "regra" e percebendo ainda que a maneira de os aplicar pode variar muito entre pessoas, comunidades, culturas ou lugares diferentes, eles apenas ajudam a criar uma linha orientativa para o difícil processo de planeamento de sistemas sustentáveis. Os princípios que serão enumerados, apesar de se poderem encontrar vários conjuntos diferentes por parte de teóricos também diferentes, serão mais uma vez os

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BIOMIMETISMO - Deriva do grego, bíos (vida) e mímesis (imitação). A base do biomimetismo está relacionada com a aprendizagem possível através da observação do modo como as estruturas biológicas funcionam, desenvolvendo com base nessa aprendizagem soluções para as sociedades humanas. Capra, 2002 18 ECOLOGIA PROFUNDA - A ecologia profunda não separa seres humanos (ou qualquer outra coisa) do ambiente natural, ela procura o equilíbrio entre o que seja positivo no mundo de hoje, justamente por ver o mundo não como uma colecção de objectos isolados, mas como uma rede de fenómenos que estão fundamentalmente conectados e são interdependentes, além de reconhecer o valor intrínseco de todos os seres vivos e conceber os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida e considerar fundamentalmente as raízes naturais da nossa existência, seguindo então um caminho mais simples e verdadeiro dentro do contexto evolutivo das coisas. Braun, 2001

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de David Holmgren (2007), não só pelo modo simples como estão explicados mas principalmente pela sua grande experiência a nível prático. 

Observar e interagir "A beleza está nos olhos do observador" - A observação cuidadosa e a interacção atenta proporcionam a inspiração do design, este depende de uma relação livre e harmoniosa entre a natureza e as pessoas. Dentro de algumas comunidades mais conservadoras, a habilidade de algumas pessoas de dar um passo atrás para observar e interpretar métodos tradicionais e modernos de uso da terra é uma ferramenta poderosa no desenvolvimento de novos e apropriados sistemas.

Captar e armazenar energia "Produza feno enquanto faz sal" - Precisamos aprender a economizar e a reinvestir a maior parte da riqueza que actualmente consumimos ou desperdiçamos, infelizmente as noções convencionais de valores, capitais, investimentos e riqueza não ajudam neste processo, tendonos levado a ignorar oportunidades para capturar e armazenar fluxos locais de energia. Identificar e actuar nestas oportunidades pode suprir a energia com a qual podemos reconstruir o capital principal, bem como aquela que é precisa para responder às nossas necessidades imediatas. Algumas destas fontes de energia incluem: sol, vento, fluxos e escoamento superficial de água e recursos desperdiçados em actividades agrícolas, industriais ou comerciais.

Obter rendimento "Não se pode trabalhar de estômago vazio" - Devemos planear qualquer sistema para que ele nos proporcione auto-suficiência em todos os níveis (incluindo nós mesmos). Sem uma produção útil imediata e verdadeira, qualquer coisa projectada e desenvolvida tenderá a enfraquecer, enquanto que os elementos que geram uma produção imediata proliferam.

Praticar a auto-regulação e aceitar feed-back "Os pecados dos pais recaem sobre os filhos até à sétima geração" - Quanto mais auto-regulável for um sistema, menos será o trabalho despendido em acções correctivas. É ainda fundamental uma atenção às respostas que a natureza dá, ou seja, o seu feedback, este pode ser positivo ou negativo e é necessário ir adequando os sistemas em sua função bem como o uso do solo e a gestão de energia. O desenvolvimento de comportamentos e culturas que sejam mais afinados com

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os sinais de feed-back da natureza é um dos desafios ambientalistas e pode evitar a exploração abusiva dos recursos naturais. 

Usar e valorizar os serviços e recursos renováveis "Deixe a natureza seguir o seu curso" - Os recursos renováveis são aqueles que são renovados e repostos por processos naturais ao longo de períodos de tempo razoáveis. O objectivo da permacultura deveria ser como usar da melhor maneira os recursos naturais renováveis para administrar e manter os rendimentos, mesmo sendo necessário algum uso de recursos não renováveis para estabelecer o sistema. O design da permacultura deveria fazer o melhor uso possível de serviços naturais que não envolvam consumo, enfatizando as possibilidades harmoniosas de interacção entre seres humanos e natureza. A busca e controle total sobre a natureza por meio do uso de recursos e tecnologia não é apenas caro, pode levar também a uma espiral de intervenção e degradação dos sistemas e processos biológicos que já representam o melhor equilíbrio entre produtividade e diversidade.

Não produzir desperdícios "Não desperdice para que não lhe falte" - Este princípio reúne os valores tradicionais de cuidado com os bens materiais, a preocupação moderna com a poluição, e a perspectiva mais radical que vê os desperdícios como recursos e novas oportunidades. É fácil agirmos sem responsabilidade causando desperdícios em tempo de abundância, mas esses mesmos desperdícios podem ser a causa de privações futuras. Bill Mollison definiu como substância poluidora "um produto ou subproduto de qualquer componente do sistema que não é usado de maneira produtiva por qualquer outro componente do sistema", esta definição estimula a procura de meios que minimizem a poluição e os desperdícios através do projecto de sistemas que façam uso de todos os produtos e subprodutos. Apesar de menos interessante que gerir aquilo que temos em abundância, a manutenção daquilo que já temos será um assunto importante num mundo com energia em declínio. Os sistemas ecológicos e os sistemas humanos sustentáveis dedicam (ou deveriam dedicar) recursos para a manutenção na hora certa.

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Partir de padrões para chegar aos detalhes "Às vezes as árvores impedemnos de ver a floresta" - Os detalhes tendem a desviar a nossa percepção da natureza do sistema; quanto mais perto nos aproximamos, menor será a nossa capacidade de entender a questão como um todo. Os sistemas tradicionais de uso da terra fornecem muitos modelos para o design de sistemas completos mas as pessoas imersas na cultura do local necessitam de uma nova experiência que lhes permita viver em harmonia com a sua paisagem e a sua comunidade, ou seja, foram aplicados padrões mas não foram tidos em atenção os detalhes. A questão dos detalhes surge na permacultura em duas vertentes: a da observação (quando pretendemos aprender com o que a natureza ensina temos de ter atenção também aos detalhes) e a da aplicação (um sistema não se pode reger apenas por padrões gerais, cada caso é um caso, e os detalhes variam e são fundamentais para que o sintamos como nosso, alcançando assim a harmonia).

Integrar em vez de segregar "Muitos braços tornam o fardo mais leve" - Em todos os aspectos da natureza, desde o funcionamento interno dos organismos até aos ecossistemas inteiros, encontramos conexões entre coisas que são tão importantes quanto as próprias coisas. Deste modo, o objectivo de um design auto-regulado e funcional é dispor dos elementos de tal maneira que cada um deles satisfaça as necessidades e aceite os produtos dos demais elementos. Este princípio focaliza os vários tipos de relacionamentos que aproximam os elementos em sistemas mais estreitamente integrados, e os métodos de design mais avançados de comunidades de plantas, animais e pessoas para obter benefícios desses relacionamentos. Resumindo a importância dos interrelacionamentos em sistemas auto-suficientes: "Cada elemento exerce muitas funções e cada função importante é apoiada por muitos elementos". Temos uma predisposição cultural para os inter-relacionamentos predatórios e competitivos (numa sociedade onde o bem estar individual acaba muitas vezes por ser o maior objectivo de vida), na construção de uma comunidade ou sistema integrado forte, a permacultura enfatiza fortemente a construção de inter-relacionamentos benéficos e simbióticos, fazendo com que esta funcione muito melhor e de uma maneira que não poderia funcionar numa teoria de "cada um por si".

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Usar soluções pequenas e lentas "Devagar se vai ao longe" - Os sistemas devem ser projectados para executar funções na menor escala que seja prática e eficiente no uso de energia para aquela função. A escala e a capacidade humanas deveriam ser a unidade de medida para uma sociedade sustentável, democrática e humana. O provérbio "Quanto maior, pior é a queda" faz lembrar as desvantagens do tamanho e crescimento excessivo, enquanto que o provérbio "Devagar se vai ao longe" estimula a paciência, ao mesmo tempo que traz uma reflexão sobre uma verdade comum na natureza e na sociedade.

Usar e valorizar a diversidade "Não coloque todos os ovos numa só cesta" A grande diversidade de formas, funções e interacções na natureza e na humanidade são a fonte da complexidade sistémica que evolui ao longo dos tempos. O papel e o valor da diversidade na natureza, cultura e permacultura são dinâmicos, complexos e, às vezes, aparentemente contraditórios em si mesmo. A diversidade necessita de ser vista como o resultado do equilíbrio e da tensão existente na natureza entre variedade e possibilidade de um lado, e de produtividade e força do outro. A diversidade dos vários sistemas de cultivo reflecte as características peculiares da natureza, local e contexto cultural. A diversidade das estruturas, tanto a de entes vivos como as construídas, é um aspecto importante deste princípio, assim como a diversidade entre espécies e populações, inclusive em comunidades humanas.

Usar as fronteiras e valorizar os elementos marginais "Nem sempre o caminho certo é o mais batido" - O design que vê a fronteira (borda) como uma oportunidade em vez de um problema tem maior probabilidade de êxito e de ser mais flexível, é na fronteira de alguma coisa (sistema ou meio) que acontecem os eventos mais interessantes, para dar um exemplo as zonas de estuário onde a maré toca a terra são precisamente aquelas com interface mais complexa e onde a diversidade ecológica é maior (e dependente desse dois grandes domínios - água e terra). Este princípio funciona com base na premissa de que o valor e a contribuição das fronteiras e os aspectos marginais e invisíveis de qualquer sistema deveriam não apenas ser reconhecidos e preservados, mas ainda ampliados de modo a aumentar a estabilidade e a produtividade do sistema (por ex., aumentando a fronteira

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entre o terreno e a margem de uma represa pode-se aumentar a produtividade de ambos). 

Usar criativamente e respondendo às mudanças "A verdadeira visão não é aquela que vê as coisas como elas são hoje, mas como serão amanhã" - A permacultura diz respeito à durabilidade dos sistemas vivos naturais e da cultura humana, mas essa durabilidade paradoxalmente depende em certo grau de flexibilidade e mudança. Este princípio tem duas vertentes: realizarmos um design levando em conta as mudanças de uma maneira deliberada e cooperativa, e respondermos criativamente ou adaptarmos o design às mudanças de larga escala do sistema que escapam ao nosso controle e influência. Embora seja importante integrar esse entendimento de fluidez e mudanças contínuas na nossa consciência do dia-a-dia, a aparente ilusão de estabilidade, permanência e sustentabilidade resolve-se pelo reconhecimento de que a natureza das mudanças depende da escala. Um sentido sistémico e contextual do equilíbrio dinâmico entre estabilidade e mudança contribui para um design que mais que acidental é evolucionário. (Holmgren, 2007, pp. 10 a 26) 4.3.3. PLANEAMENTO POR ZONAS “A diversidade não está envolvida tanto com o número de elementos de um sistema como ele é mas com o número de conexões funcionais entre esses elementos. A diversidade não é o número de coisas, mas o número de maneiras em que as coisas funcionam. Isto é, realmente, a direcção em que o pensamento em permacultura é dirigido. ” (Mollison, 1981, p. 10).

A permacultura, resgatando toda a lógica e conhecimentos anteriormente descritos e inspirados na natureza, alarga-os ao planeamento de um espaço. A lógica do uso dos espaços é percebida pelo menor uso possível de energia para manter determinado elemento produtivo, logo, a localização dos subsistemas de uma propriedade é definida pela utilidade de uso e frequência de visitas de determinado espaço.

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Ilustração 14 - Planeamento por zonas. (Mollison, 2002, p. 51).19

O planeamento por zonas é a estratégia de design utilizada pela permacultura para facilitar, diminuir, diversificar, combinar, conectar e respeitar o meio ambiente. O aumento das conexões torna-se a principal base de organização dos espaços dentro de uma propriedade. Um bom planeamento de todas as "peças" faz com que estas trabalhem com as outras e para nós, mais eficazmente, de acordo com a intensidade

19

Na imagem é visível que as zonas onde a necessidade de intervenção humana é maior situam-se próximo do centro (a casa). Todas as zonas têm a sua função e as conexões entre elas são o objectivo fundamental da organização do espaço, trazendo benefícios a todas.

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da intervenção humana, a energia do local e a gestão de recursos ou características físicas (encostas, variações de temperatura, etc.). (MOLLISON, 2002) A estratégia global para o planeamento por zonas é começar pela casa (centro), projectar e desenvolver os lugares que lhe serão mais próximos, trabalhando gradualmente para fora, Por esta via podemos manter uma área contínua, com controle que receba tanta atenção como ela precisa, em vez de ter uma mistura de partes dispersas que são fáceis de esquecer. As zonas são normalmente numeradas de 0 a 5, e serão de seguida descritas: 

Zona 0 - A casa. Aqui os princípios da permacultura deveriam ser aplicados de modo a reduzir as necessidades de energia e água, exploração de recursos naturais, e geralmente, criando um ambiente harmonioso e sustentável para se viver, trabalhar e relaxar.

Zona 1 - A zona mais próxima da casa. Nesta zona localizam-se os elementos do sistema que requerem atenção frequente, como as culturas de plantas herbáceas, leguminosas, alguns frutos, viveiros e compostagem de resíduos.

Zona 2 - Nesta área encontram-se as plantas perenes, que exigem menos manutenção frequente. Esta zona pode ser usada também para colmeias, caixas grandes de compostagem, etc.

Zona 3 - A área onde se encontram as principais culturas, tanto as de uso doméstico como as de fim comercial (se for o caso). Depois de semeadas e estabelecidas, a manutenção destas culturas é mínima (uma vez por semana ou assim), e prende-se apenas com rega ou controle de plantas daninhas.

Zona 4 - Uma área semi-selvagem. Esta zona é utilizada principalmente para a colheita de alimentos silvestres, bem como a produção de madeira.

Zona 5 - A área selvagem. Apesar de selvagem esta área protege todas as outras (por ex. de ventos fortes ou sol excessivo). Não há intervenção humana na zona 5 para além da observação dos ecossistemas naturais e ciclos. Aqui é

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onde as lições mais importantes do princípio da permacultura se observam, antes de trabalhar com, e não contra, a natureza.

Ilustração 15 - Exemplo de projecto de zonas e sectores.20 (Mollison, 2002, p. 43).

Os sectores visam considerar as energias externas que se movem através de um sistema como a orientação do vento predominante, orientação (norte, sul, este, oeste), movimento do sol, aspectos geológicos (destacando o solo como o mais importante), e como podemos melhorar e tomar medidas para tirar o melhor partido destes factores externos. Tendo em conta o planeamento por zonas e os sectores que actuam podemos organizar as peças de um projecto de maneira a manter um contacto sensato entre os vários elementos. A organização dos espaços internos das propriedades actuais (sejam grandes quintas, pequenas ou simplesmente moradias), perderam toda a lógica de integração entre espaços e os elementos que o compõem. A monocultura tem sido apregoada como a ideal por haver (supostamente) menos probabilidade de contágio por doenças ou pragas, trazendo desvantagens económicas. Há ainda propriedades onde a

20

Embora as zonas sejam frequentemente representadas com círculos concêntricos, podem ter qualquer tipo de forma, dependendo do terreno e da localização dos vários edifícios.

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diversidade de espécies até é grande, mas o projecto e a conexão entre elas não existe, tornando o investimento e o gasto de energia para manter estes espaços demasiado elevado. A permacultura tem-se debatido para difundir a necessidade da diversidade e conexão; fundamentos inspirados na natureza e no modo magnífico como os ecossistemas naturais se mantêm sem a intervenção do homem.

4.4.

PRINCIPAIS DIFICULDADES PERMACULTURA

PARA

A

DISSEMINAÇÃO

DA

A transformação social em busca de uma cultura sustentável e a disseminação de soluções ecológicas de desenvolvimento têm sido dificultadas por uma cultura dominante de consumismo aliada ao equívoco de que bem-estar e progresso são sinónimos, por uma comunidade científica predominante e hostil a métodos holísticos de pesquisa e por todo um conjunto de elites políticas, económicas e sociais que correm o risco de perderem influência e poder no caso da adopção de autonomia e autoconfiança locais. (Holmgren, 2007, p. 4). Uma das maiores dificuldades para a disseminação da permacultura prende-se ainda com o facto de esta não defender uma "receita técnica" mas antes uma reformulação radical das bases do pensamento. A permacultura exige uma mudança de atitude, enfrentando os nossos limites de compreensão e aceitação, rompendo com o padrão de vida que a média mundial adoptou em prol de uma vivência integrada com o meio ambiente. No panorama da construção a dificuldade é igualmente grande, sendo que estratégias para habitações sustentáveis dificilmente encontrarão receptividade e aplicação imediata. É por isso de vital importância que tais propostas sejam precedidas ou acompanhadas por uma ampla reeducação bem como por projectos demonstrativos. Apesar das dificuldades e embora seja lento o reconhecimento das técnicas utilizadas na permacultura, a sua disseminação tem ocorrido gradativamente. Nos meios académicos a permacultura tem começado a ser abordada e as pesquisas pioneiras realizadas poderão não rapidamente mas um dia ser uma contribuição efectiva na

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criação de um novo paradigma socioeconómico, socioambiental e cultural, transitando de um consumo ignorante para uma produção consciente

4.5. COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS "O elevado nível de alegria social que existe nos bairros degradados surpreende com frequência os visitantes. Os bairros são insalubres em termos médicos e abunda a pobreza: no entanto, os seus habitantes têm resolvido muitos problemas sociais e urbanos que atormentam arquitectos e designers noutras partes do mundo. Não existe aí solidão para os idosos, nem falta de supervisão das crianças." (Papanek, 2007, p. 122).

Porquê começar a falar de comunidades sustentáveis com uma citação de uma comunidade que está longe de responder de maneira eficiente aos problemas ambientais que hoje atormentam o mundo? A resposta é simples: pela alegria. A sociedade actual tem-nos moldado os sonhos, o objectivo da maioria dos indivíduos de um país desenvolvido é alcançar sucesso financeiro que lhes permita viver numa boa casa, numa boa cidade. A seguir será abordada a noção de comunidade sustentável, mas antes disso e com esta "introdução" pretende-se apenas uma coisa: desprendamo-nos de preconceitos para que de uma maneira aberta possamos perceber que há outros modos de viver... 4.5.1. COMUNIDADES: ENQUADRAMENTO HISTÓRICO, POLÍTICO E ECONÓMICO "A Antiguidade Clássica procurou um sentido de harmonia e equilíbrio; o objectivo medieval era a realização mística; o Renascimento lutou pela elegância das proporções e épocas recentes pelo Iluminismo esclarecido." (Papanek, 2007, p. 117).

Qual é agora o objectivo do planeamento contemporâneo? O urbanismo centrava toda a atenção na criação de um núcleo comum, o resto do povoado desenvolvia-se por si mesmo. O urbanismo de agora concentra-se demasiado no "resto" da cidade mas sem um centro orgânico nada se mantém unido. O modo como se configura uma cidade é apenas uma pequena parte daquilo que influencia a vida de uma comunidade e a maneira como esta se inter-relaciona entre si. No pensamento político dos países desenvolvidos, as redes sociais raramente são vistas como uma elemento importante de sustentabilidade. O urbanismo é mais influenciado por questões políticas e económicas do que pelas pessoas que o

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"habitam". A estrutura social vigente não é questionada e as soluções apresentadas estão cada vez mais dependentes de instituições públicas ou privadas. "Aristóteles afirmou que os homens formam comunidades não para a justiça, paz, defesa ou tráfico, mas por causa de uma vida boa. Esta vida boa significou sempre a satisfação dos quatro desejos sociais básicos do homem: sociabilidade, religião, desenvolvimento artístico e intelectual, política." (Papanek, 2007, p. 118).

As cidades (oscilando em pequenas variações) acabavam por responder (melhor ou pior) a estas quatro necessidades. Nos dias de hoje, e perante os novos problemas, urgem outro tipo de respostas. A população envelheceu em vários países ocidentais e as cidades são um lugar cada vez mais hostil para os idosos. As crianças passam quase todo o dia em escolas perante a impossibilidade dos pais em estarem com elas devido à grande distância que separa casa/ escola/ trabalho. A poluição nas grandes cidades é cada vez maior. Mais tarde ou mais cedo as soluções actuais tornar-se-ão insustentáveis. A sociedade está cada vez mais fragmentada e a quebra com as formas tradicionais de comunidade poderá ser a única via de evitar a total insustentabilidade social/ económica e ambiental. Acções correctivas e ajustes na condição de vida das populações constituem hoje um novo e grande desafio. 4.5.2. ECOALDEIAS: UMA ALTERNATIVA AO INSTITUCIONALISMO SOCIAL "A industrialização e o sistema económico global transmitiram às populações a ideia da melhoria da qualidade de vida e um sentimento de independência e aumento do poder de compra, mas isso trouxe efeitos secundários desagradáveis e perniciosos tais como o individualismo predatório, a alienação social, os vícios desenfreados e o desmoronamento da família. (...) A organização social da aldeia tradicional é um dos modelos de sustentabilidade mais passíveis de ser copiado. Há esperança de que o segmento menos consumista da população mundial consiga fazer uma trasacção do actual estágio de desenvolvimento industrializado e individualista para um futuro pósindustrialização baseado no conhecimento adquirido ao longo da história, no cooperativismo e na interdependência entre ecoaldeias." (Algarvio, 2010, p. 63).

Nas ecoaldeias21 são criados modelos sociais holísticos possíveis de serem aplicados tanto em meios urbanos como rurais, procurando um modo de vida sustentável com 21

Ecoaldeia: Assentamento funcionalmente completo, à escala humana, em que as actividades humanas estão integradas inofensivamente no mundo natural, de maneira a favorecer o desenvolvimento saudável dos humanos e que possa ser continuado com sucesso por um futuro indefinido. (Bang apud Algarvio, 2010, p. 31).

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um mínimo de trocas comerciais fora da área local ou eco-região, ecologicamente consciente, tentando assim apresentar uma resposta alternativa à tendência de uma sociedade moderna fragmentada. A criação de uma comunidade22 é um desafio enorme tendo em conta que a base terá de ser o entendimento entre os seus membros, pressupondo a consciência de grupo como mais importante que a consciência individual. No entanto a diversidade entre pessoas também é valorizada desde que a unidade se mantenha, combinando o desenvolvimento das capacidades do indivíduo com a habilidade de estabelecer uma sinergia entre todos que permita levar a cabo os objectivos da comunidade.

Ilustração 16 - Ecoaldeia de Tamera. 23 (Tamera, Portugal). (Tamera, 2009).

Ilustração 17 - Cidade universal de Auroville em 1968.24 (Auroville, Índia). (Auroville earth institute, 2008).

Nas ecoaldeias são incorporados grupos de habitação colectiva na sua infra-estrutura residencial, de maneira a introduzir moderadamente o idealismo social. Uma habitação cooperativa integra, normalmente, habitações particulares autónomas com instalações compartilhadas como cozinhas, salas de refeições, oficinas, espaços para crianças, etc.

22

Comunidade: etimologicamente, comunidade vem do francês antigo do século XIX communité, que vem do latim communitatem, comunidade, camaradagem, que vem de communis, comum, público, partilhado por todos ou por muitos. Além disso é um antónimo de propirus, privado. Nos dias que correm, comunidade é descrita como um grupo que partilha algo ou cujos membros acordam em características, comportamentos e interesses específicos. (Harper apud Algarvio, 2010, p. 34). 23 Em Tamera encontram-se actualmente cerca de 160 colaboradores/ residentes, com o objectivo de investigar o conhecimento necessário para o estabelecimento de comunidades sustentáveis. Igualmente conhecida por "Aldeia da Luz", denominação associada ao projecto de investigação no âmbito da energia solar. Disponível na internet em: www.tamera.org 24 Auroville pretende ser a cidade universal em que homens e mulheres de todos os países possam viver em paz e harmonia acima de todos os credos, políticas e nacionalidade, realizando a unidade humana. Disponível na internet em: http://www.auroville.org/

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Na busca da sustentabilidade há uma inevitável integração entre comunidade e ecologia e em muitas ecoaldeias (a maioria) praticam-se os fundamentos da permacultura. Numa ecoaldeia quase todos os bens essenciais são provenientes do local, a agricultura praticada é biológica e aproveitasse ao máximo a captação de fluxos energéticos naturais (sol, vento e água).

4.6. A ARQUITECTURA INSERIDA NOS FUNDAMENTOS DA PERMACULTURA "Talvez não devesse existir a categoria chamada "design sustentável". Talvez fosse mais simples presumir que os designers tentassem reformular os seus valores e o seu trabalho, de modo a que todo o design se baseasse na humildade, combinasse os aspectos objectivos do clima e o uso ecológico dos materiais com processos intuitivos e subjectivos, e assentasse em factores culturais e bio-regionais" (Papanek, 2007, p. 14).

O sector da construção é, de entre as actividades humanas, aquele com maior impacte ambiental, consumindo quantidades enormes de recursos. A

humanidade

utilizou

desde

sempre

materiais

naturais

ao

seu

alcance

(principalmente a terra) para construir as suas habitações. Nos últimos 100 anos surgiram os primeiros materiais industriais, desde então a publicidade e os paradigmas da sociedade dita "moderna" fizeram-nos acreditar que somente uma casa de cimento pode ser durável. Outros factores contribuíram para a rápida e "agressiva" introdução de novos materiais e técnicas construtivas, como a possibilidade de distribuição em larga escala, a facilidade de uso e aplicação, os preços competitivos, etc., fazendo com que nos esquecêssemos em pouco mais de um século tudo o que foi feito durante milénios de existência. O impacte ambiental destes materiais (que não são necessariamente os mais eficientes) está agora a trazer novas questões. Actualmente a sustentabilidade também é uma exigência no sector da construção por meio de certificações ambientais, em 2002 uma Directiva Comunitária (2002/91/CE) impôs aos Estados Membros da União Europeia a emissão de Certificados Energéticos, porém, mesmo estas certificações não garantem necessariamente a sustentabilidade de um edifício. Da visão inicial da permacultura relacionada com uma agricultura permanente, rapidamente se passou para a visão de uma cultura permanente. As bases teóricas da

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permacultura têm como fim último a sua aplicação em assentamentos humanos, onde se insere necessariamente a arquitectura. Também na arquitectura se procura a conciliação do conhecimento e do domínio das técnicas propostas pela permacultura com uma consciencialização e reaproximação do Homem e do seu habitat ao seu meio, trabalhando com a natureza e não contra ela. Com todas as ferramentas que nos dá a permacultura, podemos projectar um espaço como uma quinta, aldeia ou até uma zona industrial, de maneira a melhorar o desempenho de todos os elementos. Trabalhando em harmonia com as leis e princípios ecológicos em conjunto com tecnologias aplicadas para a busca da eficiência e conservação da energia, também a arquitectura pode ser mais sustentável, não só durante o processo construtivo mas também durante o período pós-ocupação, rumo a um futuro mais seguro em relação aos recursos naturais.

Ilustração 18 - Habitação própria da Arqª Teresa Beirão. (Odemira, Portugal). (Caetano, 2011, p. 158).

Ilustração 19 - Elaboração de um tijolo de abobe. (Caetano, 2011, p. 35).

A "bio-construção" abrange uma série de tecnologias e a viabilidade ecológica, económica e social da sua aplicação depende em muito de um bom planeamento e de uma boa avaliação do local. Privilegiando matérias-primas locais (recicladas ou naturais), fazendo uma boa gestão e economia de água (por ex. sistemas para reutilização ou aproveitamento das águas da chuva), recorrendo a fontes alternativas de energia e à reciclagem dos recursos passíveis de o serem, conseguir-se-á uma construção mais ecológica e uma filosofia de arquitectura que integre activamente sustentabilidade e que combata os desperdícios (materiais e energéticos). Para além das principais preocupações descritas acima, a adaptação das construções à paisagem circundante é uma arte em si só e de importância fundamental, esta

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implica descobrir os movimentos favoráveis da natureza assegurando um caminho de menor resistência, ou seja, menor gasto de energia. Antes de iniciar qualquer tipo de construção é fundamental aprofundar o conhecimento do que já existe no meio envolvente, a partir da compreensão de como a natureza se formou naquele local é possível entender como a arquitectura se poderá encaixar em harmonia com os elementos naturais circundantes. (ARQ2T, 2011) Para que seja possível tirar o maior partido do local é ainda necessário ter em consideração outros elementos: tamanho do terreno, declive, orientação, chuvas e ventos predominantes. Já Norman Foster dizia: "Porquê utilizar iluminação artificial podendo aproveitar a luz do dia? Porquê utilizar sistemas artificiais de ventilação quando podemos simplesmente abrir uma janela?" Estas perguntas parecem demasiado óbvias, mas nem sempre no momento de construir este "óbvio" está presente. Numa construção bem projectada é possível tirar o melhor partido do sol e do vento, optimizando o aquecimento solar passivo e uma boa ventilação. É importante perceber de que direcção vêm os ventos fortes e a chuva, colocando assim a casa numa posição mais abrigada em relação a estes. A orientação correcta, garante uma iluminação correcta em toda a estrutura, sem ofuscamento e durante todo o dia. "A casa é o ecossistema particular de cada habitante. Para que se possa criar harmonia, saúde, bem-estar e respeito entre seres humanos e meio ambiente, é necessário que as interacções ambientais reproduzam ao máximo as condições naturais nas habitações." (Santoro, 2010, p. 66).

Juntando a tecnologia actual disponível aos conhecimentos dos nossos antepassados, torna-se perfeitamente possível substituir sistemas construtivos e materiais não recicláveis e/ ou com grande impacte ambiental por outros, com custo reduzido e que oferecem excelentes acabamentos térmicos, não comprometendo o meio ambiente nem a saúde do ser humano. Todos somos parte de um todo maior (o meio ambiente) e podemos interagir de diferentes maneiras com ele, criando um universo de possibilidades, boas ou más, egoístas

ou

altruístas,

construtivas

ou

destrutivas.

Cabe

ao

arquitecto

a

responsabilidade de promover e incentivar a construção de modelos de arquitectura

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mais saudáveis para o planeta, atendendo ao mesmo tempo às necessidades humanas. A permacultura tem promovido uma arquitectura mais sustentável, tentando resgatar os verdadeiros valores da arquitectura que foram perdidos em decorrência da especulação imobiliária e de valores económicos mais altos. Não precisamos descartar a arquitectura convencional, se conseguirmos criativamente readaptá-la de maneira a ser menos agressiva para com o planeta. No próximo capítulo serão abordadas diferentes maneiras de reaproveitar recursos bem como metodologias construtivas alternativas que respondem de forma ecológica às necessidades de uma humanidade que se tem colocado em risco.

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5. ARQUITECTURAS ECOLÓGICAS 5.1. REDUÇÃO ENERGÉTICA E REAPROVEITAMENTO DE RECURSOS Relembrando o consumo desregrado de recursos, tanto energéticos como materiais, e em nome de um futuro para a humanidade, é cada vez mais vital que a nossa atenção se prenda com a redução do mesmo e que o ritmo desenfreado com que os recursos têm sido consumidos baixe drasticamente. A produção de resíduos sólidos e a falta de soluções sustentáveis para o tratamento destes, é um dos maiores problemas que afectam actualmente tanto os países ricos como os pobres. A necessidade de redução de recursos (energéticos e materiais) e o seu reaproveitamento também se aplica no campo da arquitectura, sendo o sector da construção responsável por grande parte do consumo de recursos naturais (a maioria não passíveis de serem reciclados) e energia. Contextualizando com a teoria da permacultura: "Cada elemento tem muitas funções e cada função importante é suportada por muitos elementos (...) sendo que existem quatro fluxos energéticos naturais que atravessam qualquer ecossistema, são: a energia do sol, do vento, da água e dos nutrientes que constituem a matéria biológica." (Holmgren, 2007, p. 21).

Uma proposta de infra-estrutura ecológica para o alcance de uma cultura sustentável captará esses fluxos energéticos, criando ciclos produtivos fechados, sendo para isso necessário neutralizar os efeitos nocivos do que será devolvido ao ambiente. A relação de pontos a serem observados para se chegar a uma construção sustentável é vasta, e não há de todo uma "receita tipo" para lá chegarmos, considerando a complexidade e pluralidade de cada caso. (Santoro, 2010, p. 81). É tendo em conta o local de implantação, a sua avaliação, o perfil do morador e as necessidades do projecto que se definirá a obra, e esta conseguirá atingir melhor ou pior a sustentabilidade, mas considerando a necessidade de uma redução de consumo energético e material definem-se de seguida algumas estratégias, nomeadamente no que toca ao reaproveitamento de água, compostagem e uso de

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energias limpas, que juntando a um bom senso conceptual ajudam a que o resultado final seja saudável do ponto de vista ambiental e social. 5.1.1. ÁGUA A actividade humana tem causado, nos últimos anos, danos graves nos ecossistemas aquáticos do nosso planeta, daí a necessidade de os preservarmos da melhor maneira que nos for possível. O abastecimento de água potável é um problema frequente nas comunidades que deverá ser resolvido pela comunidade no seu todo e não individualmente. As poucas fontes de abastecimento de água são as águas da chuva, as águas de superfícies, os furos em profundidade e os poços rasos. Segundo a UNICEF, menos de metade da população mundial tem acesso a água potável.

Ilustração 20 - Descrição de rio por Phelps em Fluviário de Mora. (Mora, Portugal). (Ilustração nossa, 2012).

Ilustração 21- "Água, parte vital do ecossistema." (Mora, Portugal). (Ilustração nossa, 2012).

Através da captação e reutilização de água podemos reduzir os custos e o desperdício de água potável.

Captação de água

As técnicas de captação de água dependem de factores tais como o clima, a precipitação, o sítio, a topografia, a disponibilidade de recursos e a mão-de-obra. (Algarvio, 2010, p. 112). A captação de água da chuva tornou-se uma forte tendência, e é uma das escolhas mais simples e razoável. Basta recolher a água através da cobertura dos edifícios e conduzi-la depois de filtrada para barris, tanques ou cisternas para consumo posterior. Mesmo em sítios mais poluídos a água pode ser utilizada para limpezas e para sanitários (no caso destes não serem compostáveis).

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A água pode ser captada de outras maneiras, como é o caso do uso das águas de superfície ou de poços rasos, o problema que se prende com estes dois métodos é a fácil contaminação da água (bastando haver na vizinhança zonas cultivadas ou agrícolas). É necessário testar estas águas com regularidade e se for viável filtrá-las, se a contaminação for elevada então convém usá-las só para limpezas e sanitários (à semelhança das águas recolhidas da chuva). Os furos em profundidade são os menos aconselháveis porque pode haver uma interferência com as reservas de água, ou mais grave ainda esgotá-las, ou seja, devem ser usados somente se houver capacidade para calcular a taxa de reposição, estabelecendo assim o limite que pode ser extraído. Há alguns princípios que devem ser assegurados aquando do planeamento do uso das águas: usar a água tantas vezes quanto possível à medida que ela percorre o sistema (seja apenas uma propriedade ou uma ecoaldeia); abrandar o fluxo de água ao longo do território em questão; usar a gravidade, tanto quanto possível, para mover a água; resolver o problema da água contaminada o mais aproximadamente possível da fonte de contaminação e assegurar que a água sai do território em questão limpa. (Algarvio, 2010, p. 103).

Reutilização de água

Há dois tipos de águas (segundo os princípio da permacultura): as águas negras ou águas de resíduos sólidos (provenientes dos sanitários) e as águas cinzentas (água utilizadas para limpezas ou higiene).

Ilustração 22 - Modelo de filtro biológico para águas cinzentas (charco). (Machado, 2009, p. 17).

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Ilustração 23 - Filtragem de águas por acção de plantas aquáticas. (Avila apud Algarvio, 2010, p. 104).

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As águas cinzentas são as de reciclagem mais fácil, esta pode ser feita de maneira eficiente através de filtração, os métodos adoptados para a filtração é que podem variar. A filtração pode ser feita através de materiais porosos (por ex. carvão activado, cacos de cerâmica, brita, areia, etc.), estes materiais permitem a remoção de grande parte da matéria orgânica como as gorduras e o sabão. A filtração de água pode também ser feita recorrendo a esquema de filtração por plantas, a planta mais usada para este fim são as aguapés, com uma eficiência filtrante na casa dos 80% e com um crescimento e reprodução rápida. No caso da filtração por plantas é necessário retirar esporadicamente os excessos que se depositam. As águas negras requerem uma reciclagem mais cuidada. Normalmente esta faz-se alternando ambientes com oxigénio, sem oxigénio e filtros com materiais porosos, recorrendo ainda a plantas que ajudem na filtragem e limpeza da água. O processo ocorre pela decomposição da matéria orgânica com bactérias aeróbias e anaeróbias (a conjugação das duas permite a decomposição de substâncias orgânicas complexas dos esgotos como os hidratos de carbono, as proteínas e as gorduras em matéria solúvel). (Algarvio, 2010, p. 104). As águas são ainda passíveis de serem recicladas por sistemas de drenagem. O sistema de swales é o mais comum e consiste em canais (valas) de infiltração de água, em nível, marcando as curvas de nível ao longo do declive do terreno (quanto maior o declive maior o número de canais; solos mais argilosos necessitam de menos espaço entre canais). Estes canais possibilitam a utilização das curvas de nível para reter as águas da chuva, retardando o escoamento superficial, impedindo a erosão e aumentando a infiltração da água no solo. Considerando que grande parte da água retida no mundo é usada em irrigação, o acto de facilitar a sua infiltração é também uma via de a economizar.

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Ilustração 24 - Esquema de filtração e reaproveitamento de águas.

25

(Mollison, 2002, p. 67)

5.1.2. COMPOSTAGEM

Compostagem de resíduos orgânicos domésticos

A compostagem consiste na decomposição dos resíduos domésticos por acção de microrganismos que na presença de oxigénio originam o chamado "composto", valorizando assim a matéria orgânica e evitando a acumulação de toneladas de resíduos em aterros sanitários. O composto que se obtém poderá ser utilizado como adubo uma vez que melhora substancialmente a estrutura do solo. As suas propriedades fungicidas naturais e organismos benéficos ajudam a eliminar os organismos patogénicos que perturbam o solo e as plantas, evitando assim a utilização de pesticidas. Dos resíduos passíveis de serem colocados num compostor destacam-se alguns: restos de comida (legumes, cascas de ovo, massa, café, etc.), aparas de jardim (folhas, relva, palha, etc.), outros (papel, madeira não tratada, cinzas, etc.). A compostagem doméstica é um processo bastante simples, economicamente e ecologicamente sustentável.

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Na ilustração 16 o esquema de infiltração e reaproveitamento de águas usa o declive natural do terreno, mas o mesmo pode ser feito de maneira artificial através da criação de swales.

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Compostagem de dejectos humanos ou sanitário seco

O sistema de saneamento convencional é responsável pela contaminação dos solos e dos lençóis freáticos em muitos países do mundo. A este problema acresce ainda o excessivo gasto de água usada como meio de transporte para os dejectos. O sanitário seco transforma os dejectos humanos em compostos orgânicos seguros, sem problemas com os odores e sem contaminação do solo e da água. (Santoro, 2010, p. 75). O sanitário seco, como o nome indica, dispensa a utilização de água para o seu funcionamento, existindo vias de eliminação dos organismos patogénicos encontrados nas fezes. O sanitário seco é composto por um assento ligado a uma câmara de compostagem situada mais em baixo. No exterior existe uma placa preta que aquece com o sol, permitindo que a temperatura no interior da câmara chegue aos 50ºC, eliminando os agentes patogénicos em apenas um dia. Uma chaminé é utilizada na câmara para facilitar a saída de gazes. Depois da utilização do sanitário colocam-se dois copos de serradura, esta é importante não só para reduzir o teor de humidade evitando o mau cheiro como também porque proporciona ao composto uma relação carbono/ nitrogénio satisfatória. Depois de aproximadamente um ano na câmara o composto encontra-se estabilizado e pronto para ser utilizado como adubo.

Ilustração 25 - Perfil lateral (esquema tipo) de um sanitário seco. (Vieira apud Algarvio, 2010, p. 100).

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5.1.3. ENERGIAS LIMPAS A estrutura dos centros urbanos e o estilo de vida das populações dos países desenvolvidos depende a larga escala do uso de recursos energéticos que, para além de finitos, provocam danos ambientais graves e sérios. Os países desenvolvidos começam finalmente a mostrar o desejo de concretizar a efectiva aplicação de energias renováveis. Em 1970, aquando do primeiro choque petrolífero (pela primeira vez a noção de que as reversas de petróleo não são ilimitadas foi tida em consideração) deu-se o despertar para a pesquisa de novos paradigmas energéticos. Apesar de há anos se ter percebido que não podemos depender indefinidamente de uma fonte de energia que é tudo menos infinita, só agora se começam a ver algumas mudanças, e uma cada vez maior pesquisa por energias alternativas. Ainda assim, a conversão do actual sistema energético para um sistema de energias renováveis não será suficiente para resolver os problemas energéticos. É imprescindível haver também uma conversão para um estilo de vida menos consumista, mais contido e mais consciente, caso contrário não haverá recursos não só para as gerações vindouras mas também para as nossas necessidades básicas. (Algarvio, 2010, p. 97). A criação de uma comunidade sustentável passa, invariavelmente, pela temática da energia. "A escolha dos tipos de energia a utilizar nestas comunidades passa pelo seu impacte ambiental, a possibilidade de uso de forma descentralizada, a sua eficiência, disponibilidade das fontes e condições de recolha e obtenção." (Algarvio, 2010, p. 83). De seguida serão sumariamente apresentados alguns tipos de energia limpa (os mais comuns no âmbito da permacultura), sublinhando mais uma vez que para além da substituição de energias não renováveis por energias renováveis é ainda, e acima de tudo, necessária uma consciência global que leve a um menor consumo.

Energia solar

A radiação solar representa uma das fontes energéticas mais abundantes do planeta apesar de apenas uma ínfima fracção ser utilizada. O aproveitamento pelos seres humanos de energia solar não é de agora (através de um leque variado de

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tecnologias). Hoje em dia e com a tecnologia disponível (principalmente por via de painéis solares), é possível converter a energia solar em electricidade. O sol é um recurso inesgotável, grátis e não poluente, sendo estas as principais vantagens da energia solar. Para já o maior entrave da energia solar é o facto de esta depender da situação climatérica (chuvas, neve) e de durante a noite não existir produção, obrigando assim ao uso de meios de armazenamento da energia produzida (armazenamento este que é pouco eficiente) ou ao recurso a outros tipos de energia A energia solar pode ser utilizada para diversos fins, incluindo como exemplo o aquecimento/ arrefecimento de espaços, água potável através da destilação e desinfecção, iluminação natural, aquecimento de água, cozinha solar e ainda processos de alta temperatura para fins industriais. (Algarvio, 2010, p. 84).

Ilustração 26 - Campo de estudo e investigação de energia solar em Tamera. (Odemira, Portugal). (Tamera, 2009).

Ilustração 27 - Cozinha solar. (Porto, Portugal). (Silva, 2012).

Apesar de não se pretender uma abordagem a fundo das energias limpas (por este não ser o ponto central desta dissertação) é fundamental referir ainda, e em relação à energia solar, o exemplo de Tamera. Tamera é uma aldeia ecológica no concelho de Odemira que pretende ser um modelo de funcionamento futuro de outras comunidades, utilizando os recursos do meio envolvente, numa lógica de sustentabilidade e paz entre os povos. A velha máxima do químico francês Antoine Lavoisier, de que "nada se perde, tudo se transforma", está presente em tudo o que é feito. Tamera é também conhecida como Aldeia Solar, e é precisamente por isso que é referida aqui em concreto. "No campo experimental que é a Aldeia Solar, o sol é aqui aproveitado de uma forma engenhosa. As explicações são dadas por Douglas Bailey, um engenheiro físico inglês que está na comunidade, e que domina a parafernália de instrumentos de aspeto

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inusitado. O objetivo do espaço é o de aproveitar a luz do sol como fonte de energia para um funcionamento efectivo e eficaz de uma pequena aldeia. Entre os aparelhos disponíveis é possível bombear água até uma profundidade de 50 metros, numa torrente contínua, através da dilatação e compressão do ar pelo calor solar; cozinhar através de placas que reflectem o calor para dentro de uma espécie de fogão; fazer alimentos a vapor ou aquecer panelas através da energia solar. Leila Dregger considera que este sistema de aproveitamento da energia solar para o funcionamento de uma aldeia é fundamental, principalmente em locais desfavorecidos e desertificados, como em África." (Cândido, 2011).

Tamera tem feito um grande trabalho no que toca ao estudo da energia solar e a novas maneiras de a aproveitar. Barbara Kovats, coordenadora da Aldeia Solar, acrescenta que o projecto experimental não visa apenas garantir um abastecimento energético auto-suficiente para a comunidade, mas também usar uma tecnologia independente das grandes multinacionais de energia, defendendo ainda que o projecto é adaptável a qualquer país.

Energia hídrica

Através da força da água em movimento é possível obter energia hídrica. O uso da energia hídrica, à semelhança da solar, remonta de há muito tempo, tendo sido usada em irrigação, na moagem de milho e trigo em moinhos, e aplicada em várias tecnologias como as azenhas, máquinas de têxteis, serrações, etc. Na actualidade, e em comunidades sustentáveis onde os fundamentos da permacultura são praticados, a sua utilização prendesse fundamentalmente com o uso de bombas de carneiro (ou carneiro hidráulico) para irrigação e com o uso de azenhas (ou moinho de água) permitindo moer grãos, gerar electricidade, irrigar grandes áreas e drenar terrenos alagados. (Algarvio, 2010, p. 91).

Energia eólica

O uso de energia eólica está em franco crescimento, sendo uma das vias de produção de electricidade mais económica. A energia eólica converte a força do vento em formatos úteis tais como o uso de turbinas para produzir electricidade, moinhos de vento para energia mecânica, velas para a propulsão de embarcações ou bombas eólicas para bombear e drenar água.

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Nas ecoaldeias a energia eólica é fundamentalmente usada para ventilação de edifícios e como energia mecânica para bombear água. (Algarvio, 2010, p. 92).

Biomassa

Os resíduos orgânicos resultantes da actividade humana (subprodutos da pecuária, da agricultura, domésticos, etc.) e os resíduos naturais são passíveis de serem transformados em energia, sendo definidos como biomassa. A biomassa pode ser usada directamente como combustível (biomassa sólida), ou através da sua biodegradação produzir um gás combustível designado por biogás. Em qualquer um dos casos, o calor produzido pode ser usado directamente para o aquecimento ou para a produção de vapor, que poderá accionar uma turbina para a produção de electricidade. A biomassa é uma energia renovável, pouco poluente, económica e de fácil manuseamento, sendo por isso frequente o seu uso em ecoaldeias. (Algarvio, 2010, p. 93).

5.2. DIFERENTES MATERIAIS E TÉCNICAS CONSTRUTIVAS "Desde que caminhou pela primeira vez na face do planeta, o Homem sempre procurou abrigos. Abrigos que o protegessem das intempéries naturais, da inclemência do frio e do vento. Abrigos que o defendessem da ferocidade dos predadores selvagens. Abrigos que lhe garantissem conforto e segurança. De início contentou-se com espaços que descobria. Uma caverna abandonada por ursos ou hienas, uma lapa saliente sob uma crista rochosa, uma caleira no interior de um bosque frondoso. Depois, lentamente, o Homem começou a manipular os elementos que lhe estavam próximos. Com eles - e com recurso a uma poderosa imaginação - foi recriando os abrigos que tão bem conhecia. Com o artifício vergou ramadas, cortou caniço, secou o colmo." (Caetano, 2011, p. 10). (CAETANO, 2011)

Desde sempre que o Homem procurou abrigo, a história dessa procura é que tem evoluído. Da necessidade de protecção, e neste sentido as exigências eram somente as fundamentais, evoluiu para outro patamar, um abrigo deixou de ser apenas um abrigo, passou a ser o sítio que habita, sítio este que para além de proteger confortavelmente tem hoje em dia outro tipo de importância social. A evolução do habitat foi assim acontecendo ao longo da história do Homem, tendo hoje tomado proporções enormes no que toca ao consumo de recursos naturais. Uma revalorização

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das nossas necessidades urge. Tenhamos abrigo sim, mas permitamos que as gerações futuras também o tenham. As questões energéticas e as políticas de sustentabilidade estão claramente em voga. As preocupações ambientais há muito discutidas pela comunidade científica começam agora a ser ouvidas e valorizadas (apesar de alguns continuarem a "preferir" ignorar). O grande problema é que é há décadas que se prevê que o futuro próximo não se afigura muito próspero pela "má" gestão, basicamente exploratória, do planeta, e agora que finalmente parece haver alguma consciencialização/ percepção nesse sentido, as coisas estão ainda mais sérias e "insustentáveis" do que quando se começou a falar. Isto gerou um histerismo em busca do "verde" e como tudo o que é feito às pressas raramente sai bem, as atenções governamentais e os investimentos privados no sector têm-se focado acima de tudo em criar novas tecnologias para corrigir os erros das "velhas". "Continuamos a ser os mesmos, a pensar da mesma forma, mas com cada vez mais tecnologia." (Sousa, 2008). (Sousa, 2008) O sector da construção como já foi referido ao longo desta dissertação é não só altamente poluente como um dos que extraí mais recursos naturais ao planeta, tendo um peso sério nas alterações climáticas que agora se vivem. A grande maioria das construções no mundo ocidental depende de materiais industriais, materiais estes que representam normalmente um enorme gasto de energia em termos de produção e de transporte, não esquecendo também que a demolição de edifícios é um dos maiores produtores de resíduos. Além disso, coloca-se agora uma grande questão acerca do betão, o material mais usado no sector da construção actualmente: "O material de construção que motivou a grande alteração quer no que concerne à estética arquitectónica, quer na velocidade construtiva a nível mundial, o betão, surge agora involuntariamente como um elemento motivador de interrogação (...). Alguns estudos científicos apontam no sentido de se afirmar que o betão armado tem uma duração de vida útil de cerca de 50 anos. Nesta óptica será de questionar qual a evolução das cidades sabendo de antemão que a reciclagem dos edifícios é inevitável muito embora difícil e dispendiosa." (González, 2006, p. 31).

O problema da construção não se resolve (no máximo mascara-se) recorrendo a tecnologias complexas ou a materiais altamente tecnológicos. Para que se alcance a sustentabilidade de uma construção o caminho mais viável é o da simplicidade, olhando para trás temos muito para aprender. Os nossos antepassados resolviam os seus problemas e necessidades sem recorrer a tecnologias, usando apenas a

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mestria... Uma grande mestria... Está na nossa vez de mostrarmos que somos capazes de caminhar de maneira mais sustentável. A batalha entre as condições climáticas e os recursos naturais já foi resolvida por técnicas de construção aperfeiçoadas ao longo dos tempos. Grande parte dessas respostas é encontrada na arquitectura tradicional (vernacular por essência) que demonstra respeito pelo meio onde está edificada através da utilização de técnicas e materiais locais, requerendo por conseguinte pouca energia para a sua construção. (Algarvio, 2010, p. 106). Olhar atentamente para o que já se fez pode ser um valioso instrumento para as actuais e futuras gerações, compreendendo a evolução das técnicas tradicionais e a nobreza das matérias-primas, que decorridos vários séculos, são excelentes exemplos de desenvolvimento sustentável. A construção de residências e outras edificações de alta qualidade que minimizem o impacte ambiental do actual sector, oferecendo ainda melhorias na qualidade de vida e um grande conforto, é possível. A solução passa por uma escolha reflectida dos materiais (que se pretendem ecológicos, económicos e saudáveis para os moradores) e das técnicas construtivas. Em comunidades que apontam para a sustentabilidade, a independência das indústrias e de qualquer rede centralizada é igualmente uma meta a atingir. De seguida serão descritos alguns métodos de construção com materiais alternativos, que têm estado cada vez mais presentes no panorama da arquitectura, principalmente da arquitectura residencial. Alguns deles são usados frequentemente em comunidades sustentáveis de permacultura. 5.2.1. TERRA "Simples. Como são as melhores coisas da natureza. À terra crua basta juntar água, calcar e aguardar que o calor do sol faça o resto. A melhor textura, a humidade e a temperatura adequadas, serão o fruto da sabedoria acumulada por práticas similares nos mais variados cantos. São assim as construções em taipa ou em terra batida. Talvez o material mais amigo e íntimo do Homem, é dela que se alimenta, nela vive e se protege e com ela se mistura quando em terra se desfaz, como se à origem regressasse." (Revez apud Caetano, 2011, p. 6). (CAETANO, 2011)

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Em quase todos os locais com clima quente ou temperado, a terra tem sido desde sempre o material de construção mais prevalente, mesmo hoje, um terço da população reside em casas de terra. (MINKE, 2006) A terra foi usada como material construtivo em todas as culturas ancestrais, não apenas em casas mas também para outros fins, como por exemplo edifícios religiosos. As técnicas de construção em terra remontam a cerca de 9000 anos atrás, e é possível encontrar casas em adobe datadas de há 8000 anos. (Minke, 2006, p. 11).

Ilustração 28 - Temple of Ramses II, construído com tijolos de terra há 3200 anos. (Gourna, Egipto). (Minke, 2006, p. 11).

Ilustração 29 - Cidade fortificada, construída em terra há cerca de 250 anos. (Draa Valley, Marrocos). (Minke, 2006, p. 12).

As construções em terra encontram-se disseminadas por todo o planeta, há milhares de anos. Nos países mais pobres, onde o acesso a matérias industriais é proibitivamente oneroso, estima-se que mais de metade da população continue a habitar em terra. "Nas zonas rurais da Argentina, as casas de terra crua devem rondar os 80%. No Peru, calcula-se que ultrapassem os 60% do total das habitações do país, enquanto que na Índia o número rondará os 70%." (Caetano, 2011, p. 15). Em África também abundam as construções em terra, desde as habitações humildes de camponeses a edificações sumptuosas e monumentais. Ou seja, a construção em terra continua a ser preponderante no continente africano, na Índia, na América Latina e na bacia do Mediterrâneo. Em Portugal as construções em terra também estão presentes, tendo assumido fundamentalmente três formas: a taipa, o adobe e o tabique, no entanto, a utilização da terra como material não se resume a estas técnicas. A figura seguinte mostra várias possibilidades construtivas com terra, divididas segundo o estado em que o material se encontra e é utilizado, podendo então destacar-se quatro estados diferentes: seco ou sólido, húmido, plástico e líquido. Dentro destes estados físicos diferentes, para a divisão de classificações construtivas

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da terra influencia também a técnica construtiva aplicada, a finalidade e o emprego do material, bem como a sua associação a outros materiais tais como a madeira ou o aço. (González, 2006, p. 79).

Ilustração 30 - Os doze principais tipos de utilização da terra como material de construção. (Aurovile earth institute, 2008.).

A utilização da terra tem vindo a desaparecer nos países desenvolvidos com a introdução de novos materiais de construção e com o estabelecimento de novos conceitos de conforto habitacional. Contudo, a construção em terra crua permite o cumprimento dos padrões exigidos para uma

construção dita moderna e

contemporânea, tendo como principais vantagens o facto de ser um material ecológico (baixo preço por ser um material local não necessitando de grande transporte, não necessita de gastos de energia no seu fabrico e é facilmente reciclada), a durabilidade das construções aquando da sua manutenção, a estabilidade a nível térmico, acústico e higrométrico e ainda a possibilidade de se fazer controle da qualidade construtiva. (González, 2006, pp. 60 a 69). Os principais inconvenientes da terra são a rápida degradação do material sob acção da água e a sua fraca resistência mecânica. Tendo em conta os padrões actuais de segurança e durabilidade das construções, é possível associar a terra a materiais complementares que ajudem a responder eficazmente a estas questões.

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Dentro da permacultura, e dado o grande potencial ecológico da terra, esta é amplamente aplicada, destacando-se de seguida as técnicas construtivas em terra mais frequentes. 5.2.1.1. COB

O Cob é um método muito antigo de construir com terra, tendo sido tradicionalmente iniciado em Inglaterra e Ilhas de Gales, tendo vilas inteiras construídas em cob, algumas delas com centenas de anos. Composto por uma mistura de terra, areia e palha, é "amassado" manualmente ou recorrendo a máquinas (esta última hipótese é de descartar se se pretende uma arquitectura o mais ecológica possível mantendo ainda o aspecto orgânico do cob). O cob é aplicado normalmente com as mãos em grandes bocados (expressão proveniente do inglês: cob = bloco/ massa arredonda/ bocado), que podem ser lançados de uma pessoa para a outra durante o processo de construção (mais uma vez a referência ao trabalho de equipa está presente), a mãode-obra não precisa portanto de ser especializada. A mistura de cob é usada depois para erguer a casa (que pode ter até 3 pisos). Como as construções em cob não requerem cofragem, podem ser moldadas da forma que se quiser. As paredes de cob são necessariamente grossas e as janelas ficam, portanto, em nichos profundos. As curvas, nichos, arcos, janelas e o mobiliário são formas comuns neste tipo de construção. Devido a esta maleabilidade o cob está normalmente associado a uma arquitectura artística e mais escultural que o comum.

Ilustração 31 - Assentamento de uma parede de cob usando as mãos. (Algarvio, 2010, p. 108).

Ilustração 32 - Aplicação de formas curvas numa construção em cob, possível graças à sua grande maleabilidade. (Mayne Island, Canadá). (Algarvio, 2010, p. 108).

As paredes de cob são construídas por fiadas sendo que só se deve avançar para a fiada seguinte após a secagem da anterior (a parede é construída de baixo para cima).

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A técnica de construção com cob acaba por ser um pouco lenta, mas, e uma vez bem executada, proporcionará uma estrutura de grande resistência. O uso do cob tem sido recentemente mais divulgado pela sua sustentabilidade ecológica, o material que o compõe pode ser encontrado perto ou no local onde se vai construir, não requer cimento e reduz o uso de madeira e aço. O uso de ferramentas (normalmente caras ou complexas) é igualmente muito reduzido ou praticamente nulo.

Ilustração 33 - Estrutura de uma casa em COB, exemplo tipo. À estrutura inicial é possível ir acrescentando outras divisões ao longo do tempo. (Bee, 1997, p. 7).

Ilustração 34 - COB, exemplo de uma fundação. A fundação tem de ser construída por maneira a evitar um deslizamento futuro do COB. (Bee, 1997, p. 43).

Ilustração 35 - Exemplo de aplicação de janelas ou portas numa estrutura em cob. (Bee, 1997, p. 99).

Ilustração 36 - COB, exemplo de aplicação de cobertura em madeira. (Bee, 1997, p. 120).

Em termos construtivos há ainda que ter em conta outros aspectos, dos quais se destacam um bom planeamento das divisórias (apesar de ser possível acrescentar divisões à posteriori) e um cuidado redobrado com as fundações, já que destas dependerá toda a estrutura. Em relação às fundações convém ainda que estas sejam bem impermeabilizadas evitando assim a penetração de humidade por capilaridade. Uma boa cobertura é ainda fundamental em climas molhados. (BEE, 1997)

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As paredes grossas acabam por desempenhar um papel importante no isolamento térmico, as casas em cob tendem a ficar quentes no inverno e frescas no verão, além de funcionar bem com variações de temperatura mais curtas, fazendo a casa ficar fria de dia e quente a noite. A combinação entre a massa térmica e o isolamento presentes no cob faz desta técnica uma óptima opção para edifícios que usam energia solar passiva. (Algarvio, 2010, p. 107). Surpreendentemente o cob é ainda estável em climas húmidos e chuvosos, desde que haja uma apropriada manutenção este acaba por não se deteriorar. Uma vez seco o cob é incrivelmente forte, apesar disso há ainda poucos estudos conclusivos sobre o seu comportamento sísmico, mas há evidências empíricas sobre a sua resistência: muitas construções em cob na Nova Zelândia sobreviveram à maioria dos sismos ocorridos. Importante ainda referir que no Iémen há cerca de 10 edifícios históricos em cob que sobreviveram por mais de 500 anos. O facto de, as construções em cob não requererem juntas argamassadas, aumenta ainda mais a sua resistência sísmica. O cob pode ser feito e utilizado de maneiras bem simples e com muita liberdade de criação. Por todas estas razões e mais alguma, o cob é quase um material de construção ideal, sendo fácil de aprender, barato, saudável, confortável, fácil de encontrar localmente e, principalmente, ecológico. 5.2.1.2. ADOBE "Ai, nesse tempo, nesse tempo... quando eu comecei a trabalhar, faziam-se adobes! Havia tijolo mas custava muito dinheiro, e não eram desses que agora há por aí...adobes? Fazia-se de uma forma de madeira, amassava-se uma parte de barro, enchia-se aquela forma, batia-se muito bem, tirava-se e deixava-se secar. (...) Agora é tudo cozido, nesse tempo as casas eram todas em cru." (Mestre apud Costa, et al., 2008, p. 74).

O adobe é uma das técnicas construtivas mais antiga usada pelo Homem. É possível identificar adobes produzidos há 9000 anos em Dja De El Mughara, na Síria e os registos da sua existência remontam aos manuscritos do Egipto. (Auroville Earth Institute, 2004). O adobe ou tijolo de adobe é um material usado na construção tendo antecedido o tijolo de barro. O uso do adobe era frequente nas civilizações do crescente fértil, em especial no Antigo Egipto e Mesopotâmia, e o seu uso não se

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limitava às construções vernaculares, grande monumentos destas civilizações chegaram mesmo a recorrer ao seu uso, utilizando exactamente a mesma técnica. O adobe é uma técnica construtiva em que se emprega terra geometrizada sob a forma de blocos. O material, composto por terra, argila e cal, em estado plástico ou líquido, é colocado num molde paralelepipédico e deixado a secar ao sol durante aproximadamente quatro semanas (dependendo do clima). (González, 2006, pp. 117 e 118). A absorção da água contida no barro não convém ser demasiado rápida, podendo provocar retracções do material e a sua consequente fissuração. Contudo, se esta secagem for correctamente feita, a resistência criada permite a utilização do material na construção de paredes de alvenaria. (Costa, et al., 2008, p. 75).

Ilustração 37 - Preparação da mistura de adobe.26 (Picorelli, 2011).

Ilustração 38 - Parede em adobe inserida na construção moderna. (Minke, 2006, p. 68).

Ilustração 39 - Secagem de blocos de adobe, durante aproximadamente 4 semanas. (Minke, 2006, p. 68).

Ilustração 40 - Parede de adobe. As alvenarias fazem-se com juntas em argamassa de barro. (Minke, 2006, p. 68).

A moldagem dos blocos é feita com uma forma de madeira rudimentar, que se denomina de adobeira, normalmente construída pelo operário no local. A forma de madeira poderia ser individual ou englobar duas ou mais peças em simultâneo, as dimensões dos blocos podem variar conforme o molde, as necessidades específicas 26

O adobe pode ser misturado recorrendo a máquinas mas em construções ecológicas dá-se preferência ao "amassar" com os pés.

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para determinada situação de aplicação ou a(s) pessoa(s) que o fabricavam, rondando os 40 cm de comprimento por 20 cm de largura e 20 cm de altura. (Costa, et al., 2008, p. 76). A escolha do barro a utilizar no fabrico não é uma premissa muito importante, uma vez que se utiliza aquele que há disponível no local como recurso natural. Dentro dos tipos de barro destacam-se dois distintos: o branco e o vermelho. O uso de um ou de outro determina duas qualidades diferentes do produto final, sendo o barro branco referido como o mais forte. Uma das características mais singulares neste tipo de construção em terra crua é que o adobe é um material modular de elementos sólidos petrificados ligados com uma argamassa de barro, o que permite que sejam usados como tijolos comuns. O uso da argamassa de barro no assentamento de adobes permite a não existência de tensões estruturais e mecânicas distintas entre estes elementos (tanto o adobe como a argamassa são do mesmo material), comportando-se a junta e o tijolo como um todo evitando fissurações e desagregações. As espessuras das paredes neste tipo de construção rondam os 0,35 m. O adobe só deve ser rebocado e tratado com rebocos à base de cal apagada, ou por intermédio de uma caiação directa sobre ele, com a intenção de o proteger das acções atmosféricas, principalmente da água. Por ser facilmente degradado pela água, só deverá ser assente sobre uma fundação de alvenaria de pedra ou sobre betão, a partir da qual se dá início à construção da parede, evitando assim as humidades ascendentes. (Algarvio, 2010, p. 109). O processo de fabrico de adobe, apesar de requerer muita mão-de-obra, é simples e prima pelo inteligente uso dos recursos naturais existentes. Sem emissão de gases poluentes, como os contidos nos habituais tijolos cozidos e blocos cerâmicos, a mistura rudimentar de terra, água e fibras naturais, é um dos processos mais viáveis para construções alternativamente ecológicas. O adobe trata-se de uma das formas mais sustentáveis de construção, já que além de bom isolamento térmico e acústico, oferece ainda uma boa resistência ao fogo, sendo ainda e obviamente um material de baixo custo, já que a matéria-prima é por norma a que existe no terreno.

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Ilustração 41 - Casa em adobe. (Aswan, Egipto). (Auroville earth institute, 2004).

Ilustração 42 - Escritórios em adobe do ICHO. (Meibound, Irão). (Auroville earth institute, 2004).

5.2.1.3. SUPER ADOBE

O Super Adobe foi apresentado em 1984 pelo arquitecto Nader Khalili28 num congresso organizado pela NASA para discutir a viabilidade de construir na lua. Neste simpósio da NASA a maioria dos projectos apresentados empenharam-se em trazer soluções "fantásticas", como estranhas fusões de metais, plásticos super-maleáveis e a última tecnologia em fibra de carbono. Khalili exaltou as virtudes do solo, apresentando uma arquitectura que seguia uma filosofia de regresso às raízes, capturando assim a atenção dos cientistas espaciais. A solução apresentada primava pela simplicidade, pela facilidade construtiva evitando ainda que grandes quantidades de material tivessem que ser levados para o espaço. Apesar de o Super Adobe ter nascido oficialmente com Nader Khalili em 1984, o uso de técnicas similares remonta aos tempos da Primeira Guerra Mundial, onde foram 27

Nesta casa em Aswan destaca-se a cúpula, também ela construída em blocos de adobe. "Nader Khalili (1936-2008) is the world-renowned Iranian-American architect, author, humanitarian, teacher, and innovator of the Geltaftan Earth-and-Fire system known as Ceramic Houses, and of the Superadobe construction system. Khalili received his philosophy and architectural education in Iran, Turkey, and the United States. Khalili’s “Works and Words” have been widely exhibited and published in the U.S. and at international institutions including the Centre Georges Pompidou in Paris and the Institute of American Indian Arts Museum in Santa Fe, New Mexico; and broadcast on national and statewide TV channels such as the BBC World Service and Voice of America. Over 100 hands-on workshops and lectures were conducted in the U.S. and abroad, from Princeton University and MIT to inmates of Chino and other prisons, from NASA and Los Alamos National Laboratory to many Native American Reservations, and from children in South Central Los Angeles hospitals to the Universities of California, as well as other national and international universities. Khalili’s architectural works also include: the design of a future-oriented community for 5,000 inhabitants for Future City/ Villages, Intl. in New Cuyama, California in 1988 (prototype built on-site, and pre-fabricated vault modules were built, fired, and glazed at a brick factory); Malekshahr of Isfahan, a community for 20,000, which was designed and partially constructed in 1979; the Middle East headquarters of Dupont/Polyacryl was designed and supervised, completed in 1978; as well as over 100 projects of conventional buildings ranging from high-rise to single residence. Khalili passed away at the age of 72 on Wednesday, March 5, 2008." (Cal-Earth , 1999) 28

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construídos bunkers e "tendas" para abrigo de comida, água e outras providências. Também Otto Frei e Gernot Minke ambos da Alemanha, experimentaram independentemente e respectivamente em 1960 e 1970 os primeiros sistemas de construção de paredes por enchimento de sacos com terra. (Hunter; Kiffmeyer, 2004, p. XI). O super adobe é, talvez, a maneira mais simples de construir com terra. Esta não precisa de ser peneirada, nem moldada e não é preciso acrescentar palha ou outros materiais. As paredes são erguidas muito rapidamente, mas é preciso ter uma equipa de pelo menos cinco pessoas, mais uma vez, o trabalho é feito em conjunto. A técnica de construção do super adobe consiste em sobrepor sacos permeáveis de polipropileno cheios com terra local humedecida. Para iniciar a construção em super adobe, em primeiro lugar é necessário construir uma fundação, que pode ser de gravilha e tela impermeabilizante. A boa construção da fundação é vital para que a humidade do solo não ascenda pelas paredes por capilaridade. (HUNTER, Kaki; KIFFMEYER, Donald, 2004) Os sacos são depois colocados sobre a fundação e preenchidos com terra. Para um cuidado redobrado com o isolamento do contacto com a humidade proveniente do solo, pode ainda acrescentar-se cimento à terra na proporção de 9/1, nas primeiras camadas.

Ilustração 43 - Processo de enchimento dos sacos de polipropileno com terra. (Cal-Earth, 2010).

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Ilustração 44 - Para atingir uma boa compactação da terra é necessário calcar bem cada camada. (Cal-Earth, 2010).

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Ilustração 45 - Possibilidades estruturais do Super Abode. (Hunter; Kiffmeyer, 2004, p. 62).

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Ilustração 46 - Super Adobe, perspectiva à medida que as camadas vão sendo acrescentadas. (Minke, 2006, p. 91).

Os sacos usados podem até ser sacos de rações ou afins, mas o ideal para que se possa construir uma fiada de parede sem interrupções será mesmo o uso de um rolo de polipropileno (bobina), com aproximadamente 50 cm de largura. O rolo é cortado em pedaços um pouco maiores que o comprimento da parede a ser construída, para que depois se possa fazer o acabamento. Este saco vai sendo preenchido com terra, com a ajuda de um cano que desempenha o papel de um funil. Vão sendo assim formadas sucessivas camadas, que depois são bem batidas para que se obtenha uma boa compactação da terra. As camadas depois de bem compactadas ficam com cerca de 40 cm de largura por 20 cm de altura. Entre fiadas é colocado arame farpado para as ligar entre si. As paredes de super adobe são estruturais, dispensando assim a construção de pilares ou vigas, e permitem instalações eléctricas e hidráulicas embutidas ou aparentes.

29

As formas estruturais para aplicação de super adobe foram estudadas a fundo para que seja possível criar estruturas resistentes.

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Ilustração 47 - Assentamentos de emergência em super adobe. (Algarvio, 2010, p. 111).

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Ilustração 48 - Interior de uma casa em Super Adobe (MÉXICO). (Cal-Earth, 1999).

É ainda de sublinhar o nível de robustez das paredes, sendo estas não só capazes de resistir a diversos tipos de climas mas ainda notavelmente fortes do ponto de vista estrutural. Foram desenvolvidos alguns testes neste sentido, e chegou-se à conclusão que uma única cabana envolta com cabos e ligada a dispositivos hidráulicos poderia suportar uma força equivalente à colisão com um camião em andamento e cheio de cimento. Os vãos poderão ser formados através do uso de estruturas auxiliares de madeira ou de outros materiais, aos quais seja possível dar essa função. A imaginação é o limite. A cobertura pode ser feita de maneira convencional, em madeira e telhas, ou pode ser igualmente feita em super adobe, utilizando os sacos cheios de terra para fechar a construção em iglô. Para finalizar faz-se a regularização das paredes recorrendo a um reboco de terra. As casas em super adobe têm ainda uma vertente humana por trás que se prende com Khalili. Em 1975, aos 37 anos, o arquitecto Nader Khalili vendeu os seus escritórios em Teerão e Los Angeles, e partiu sozinho numa viagem que durou 5 anos pelas distantes montanhas do Irão rural para estudar a arquitectura local. Khalili assume que parou de competir com os outros tendo optado por seguir os seus sonhos, começando uma caminhada humana. De regresso à América, lançou o livro Racing Alone e empenhou-se no estudo de opções habitacionais para os mais pobres. Foi nesta altura que desenvolveu o super adobe, tendo pouco tempo depois fundado o 30

Assentamentos construídos na década de 1990, para abrigar os refugiados da Guerra do Golfo Pérsico,no Irão.

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Cal Earth Institute. O Cal Earth foi premiado pelo United Nation's Institute of Training and Research, mas ainda assim os investimentos privados dispostos na área continuam a ser quase nulos. (Cal-Earth , 1999). Juntando a vertente humana da construção em super adobe às vantagens construtivas a técnica dos "sacos de terra" tem recebido crescente interesse pelos movimentos dedicados a métodos alternativos de construção. A grande vantagem da utilização deste sistema em relação a outros sistemas de construção com terra é a rapidez com que se constrói, a possibilidade de empregar solos de fraca qualidade para construir (solos muito pobres em argilas) e a mobilidade final do objecto construído. (González, 2006, p. 105). À semelhança de outras técnicas construtivas com terra, o super adobe tem um bom comportamento térmico e evita grandes extorsões de matéria-prima ao planeta, sendo assim ambientalmente amigável e barato. 5.2.1.4. TAIPA "Taipa já não conheci como se faz. As casas onde eu moro, antigas, eram todas feitas em taipa. Agora é que já há poucas em taipa. Têm ido arranjando as casas e essas acabam por desaparecer. Ainda são umas paredes muito grossas. Foram os meus bisavós que fizeram. Não cheguei a ver como é que se fazia mas tenho conhecimento: punham umas tábuas, os taipais, e depois deitavam aquele barro que amassavam aí e palha, e depois apertavam muito bem. A mistura do barro era palha e barro, só. Barro que era terra. Não punham nem pedrinhas nem conchas." (Costa, J. P. apud Costa, et al., 2008, p. 70).

A taipa, conhecida nos países anglófonos como "rammed earth" e nos países francófonos como "pisé", é um processo construtivo cuja denominação deriva do uso de taipais. Este processo é dos que mais seguidores teve, e provavelmente foi também aquele que mais evoluiu no sentido de se adaptar a usos e exigências de uma era moderna. (González, 2006, p. 106). Dentro da construção em taipa há duas derivações: a taipa tradicional e a taipa mecanizada. Ambos os processos são semelhantes recorrendo a um molde (o taipal), e apenas o modo de compactação difere, podendo ser usado pilão manual ou pneumático. Como em outros métodos construtivos descritos anteriormente, se for

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para construir o mais ecológico possível então a preferência óbvia vai para a compactação manual.

Ilustração 49 - Taipal.31 (Bardou apud Coisas da arquitectura, 2010).

A taipa consiste no enchimento do taipal com terra (numa mistura argilosa), calcandoo posteriormente com um pilão. Os taipais têm somente os elementos laterais, e são estruturados por tábuas de madeira, fixadas entre si com elementos metálicos finos. Nos taipais existem ainda estruturas de reforço em madeira que se denominam de costeiros, e têm como função garantir a resistência do próprio taipal, já que aquando da compactação da terra no seu interior, a tendência é este deformar-se. As dimensões de um taipal são, regra geral, de aproximadamente 1 m de altura por 3 a 4 m lateralmente, e têm a espessura da parede final, variando entre os 0,5 m e 1 m. Os critérios de escolha da terra foram-se perdendo um pouco no tempo, já que estes eram passados apenas de boca em boca, de geração em geração. Mas sabe-se que, à semelhança do adobe, a terra deve ser medianamente argilosa e a ela deve ser

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Taipal - o taipal é a peça chave da construção em taipa, depois de construído enche-se com a terra (mistura argilosa/ barro) e é bem calcado com pilão manual ou pneumático. (COISAS DA ARQUITECTURA, 2010)

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adicionada (caso não a tenha já como elemento natural) areia ou gravilha. É ainda aconselhada a adição de cal e de algumas fibras, por exemplo a palha, fornecendo assim maior resistência e aumentando o conforto térmico.

Ilustração 50 - Mistura de terra para taipa.32 (Veraldo, 2011).

Ilustração 51 - Compactação da terra.33 (Veraldo, 2011).

O processo iniciava-se com a execução de uma base em pedra que servia de fundação da parede e, principalmente, para evitar o contacto directo da taipa com o solo, dificultando assim a subida de água por capilaridade e a consequente degradação da parede. Sobre o embasamento de pedra assentava-se o taipal, iniciava-se então o preenchimento com terra. A mistura, usualmente sob a forma húmida, é colocada em pequenas quantidades, em camadas sucessivas de aproximadamente 20 cm, que se reduzem a 10 ou 15 cm depois de compactadas. Depois de completamente preenchido e compactado o taipal é imediatamente retirado e montado na secção ao lado do troço já executado, repetindo-se sucessivamente o processo. Para a execução deste trabalho é fundamental a mão-de-obra, estando envolvidas normalmente quatro pessoas: dois homens fora do taipal a cavar, a preparar e a fornecer a terra, e dois homens dentro do taipal a compactar. (Costa, et al., 2008, p. 72). A abertura de vãos é uma operação relativamente simples, consistindo em deixar um negativo na parede moldado por tábuas de madeira que posteriormente seriam removidas. (Costa, et al., 2008, p. 72). 32

A mistura de terra para taipa é composta normalmente por terra (medianamente argilosa), areia ou gravilha e palha. 33 Compactação manual da terra dentro do taipal. Uma correcta compactação é fundamental para fornecer resistência à parede.

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Ilustração 52 - Processo construtivo em taipa. (Veraldo, 2011).

Ilustração 53 - Casa em taipa. (Caiuás, Brasil). (Veraldo, 2011).

A secagem da terra dura cerca de 4 a 6 meses, findos os quais as paredes podem receber o revestimento, este é geralmente composto por uma argamassa de cal e areia, aumentando assim a resistência e protegendo as paredes da humidade. O processo de construção em taipa é demorado e a execução árdua, ainda assim, a abundância da matéria-prima, a satisfatória durabilidade e as excelentes condições de protecção que esta oferece aquando de uma correcta manutenção, são as principais qualidades responsáveis por este processo construtivo ter passado por tantas gerações e estar hoje a renascer e a ganhar uma nova popularidade. A taipa revela-se ainda como um dos processos que melhor aproveita os materiais disponibilizados pela natureza, com custos pouco significativos, útil em épocas de poucos recursos, quer económicos, quer ambientais. 5.2.2. PALHA Apesar de a palha ser usada em construção há milénios, normalmente associada a outros materiais, a sua aplicação directa registou-se apenas em 1800. O seu uso pela primeira vez remonta ao Nebrasca, Estados Unidos, onde os materiais usados tradicionalmente como a madeira e a pedra não estavam realmente disponíveis no local, por sua vez, os europeus que então se haviam estabelecido no Nebrasca começaram a cultivar trigo, com a mecanização da agricultura surgiu a enfardadeira e consequentemente os fardos de palha, foi então que se pensou na possibilidade de usá-los na construção de casas. Algumas das construções de 1800 e inícios de 1900 ainda existem.

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Ilustração 54 - Casa com fardos de palha em fase de construção. (Queanbeyan, Austrália). (Hollis, 2005, p. 2)

Ilustração 55 - Casa em fardos de palha construída pelo atelier Arkin Tilt Architects, (Nevada, Califórnia). (Arkintilt architects, 2011).

Foi por volta de 1980/ 1990 que se marcou um substancial ressurgimento da construção com fardos de palha em vários pontos do mundo, incluindo a América do Norte, a Europa e a Austrália. O uso dos fardos de palha pode ser encontrado tanto em habitações rurais como urbanas, em edifícios comerciais, em casas modernas ou mais criativamente esculpidas e pictóricas. (Hollis, 2005, p. 2). (HOLLIS, 2005) Com o aumento do preço das matérias-primas e uma crise ambiental que se avizinha cada vez mais grave, a palha, que por sua vez abunda 34, ganhou destaque como alternativa sustentável. A técnica da construção em fardos de palha ou straw-bale tornou-se um símbolo dentro da cultura das comunidades sustentáveis, com redes de construção, livros, revistas e projectos pelo mundo fora. Têm sido organizados diversos workshops e programas de voluntariado em ecoaldeias, onde qualquer pessoa pode participar e aprender a técnica de maneira informal e pela experiência, pelo que esta é provavelmente a técnica de referência na esfera da autoconstrução. (Algarvio, 2010, p. 112). Para se beneficiar de uma casa de palha a sua construção envolve mais do que simplesmente "assentar os fardos". A casa deve ser pensada e projectada, de modo a que a natureza ajude na sua eficiência energética. Antes de construir é portanto importante (como em qualquer outro tipo de construção) avaliar a melhor orientação, a direcção dos ventos predominantes, se há ou não água por perto e de que direcção 34

A palha consiste num subproduto vegetal desidratado (normalmente proveniente dos cereais). Segundo o Departamento de Energia dos Estados Unidos, todos os anos são desperdiçados cerca de 200 milhões de toneladas de palha nos Estados Unidos.

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escorrem as águas da chuva. As árvores, arbustos e outras barreiras naturais podem também ajudar na sua eficiência, contendo os ventos ou o sol forte. A selecção da palha a utilizar é também um factor importante do projecto. Existem fardos de palha de todas as formas e tamanhos, mas os fardos mais comuns para a construção são os fardos de dois fios, com aproximadamente 25 kg/ cada, e os fardos de três fios, com aproximadamente 37 kg/ cada. É ainda muito importante escolher fardos secos. A humidade dos fardos é passível de ser medida, não se aconselhando nunca fardos com humidade superior a 20%. Se não for possível medir a humidade, então devem ser escolhidos fardos mais douradas, quanto mais claros são menor humidade têm. A humidade é o maior problema na construção com fardos de palha, podendo causar mofo e o consequente apodrecimento da palha. Já se referiu a necessidade de comprar fardos o mais secos possível, ao que acresce ainda a necessidade de os manter bem armazenados e protegidos do solo e da chuva durante a construção.

Ilustração 56 - Processo construtivo de uma casa com fardos de palha. (Strawbale.com, 2012)

Ilustração 57 - Casa com fardos de palha construída durante o workshop Sams Valley. É possível ver que os fardos não assentam directamente no chão. (Strawbale.com, 2012)

As fundações para uma casa em palha têm também de ser bem executadas a fim de evitar que a água ascenda às paredes, e a aplicação dos fardos só deve começar sensivelmente 50 cm acima do nível do solo. Por regra, fixam-se plataformas de madeira e brita à fundação de betão, nestas bases devem-se fixar pregos que desempenharão o papel de ancoragem dos fardos. Depois de aplicados os fardos, pode recorrer-se ao uso de hastes de aço ou bambu, ou apenas a esticadores de tela e arame, o objectivo é o mesmo: manter os fardos bem fixos. Os telhados devem ter beirais que confiram uma protecção às águas que vêm de cima e as junções dos vãos devem ser rigorosamente vedados. Futuras rachas que

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apareçam devem ser imediatamente consertadas. Com todos estes cuidados, é possível evitar as desvantagens trazidas pela chuva ou neve. Há que ter também em linha de conta que até mesmo na construção com fardos de palha autoportantes, os rebocos desempenham um papel fundamental no carácter estrutural das paredes. Este conjunto funciona como um painel de sanduíche que é bastante mais resistente do que os dois elementos isolados. O reboco é também fundamental no bom desempenho de uma casa de palha, tornando-as mais duradouras e aumentando o conforto térmico e acústico. A primeira camada de reboco é assente directamente sobre a palha, levando depois mais duas camadas adicionais. É ainda importante que o reboco seja à base de materiais naturais, não só pela componente ecológica, mas também, porque estes permitem a passagem do ar pelo facto de não serem impermeáveis, permitindo assim que este circule pela casa sem humidade. A palha eliminará a humidade por si só e o reboco deve ventilar a humidade, em vez de mantê-la no interior. As tintas para as paredes também devem ser permeáveis, usualmente são de cal. A aplicação correcta do reboco e da tinta não permitirá que a humidade afecte os fardos. São necessários alguns cuidados base para uma boa construção em palha, contudo não é necessária muita experiência para construir uma casa de fardos de palha, e a construção é até relativamente rápida. Em relação às casas de palha há ainda um outro ponto que não pode passar sem ser mencionado: o risco de incêndio. Pode parecer que as casa de palha oferecem um grande risco, mas, elas são aproximadamente três vezes mais resistentes ao fogo que as casas convencionais. A palha solta é bastante inflamável, mas os fardos formam blocos tão compactos que acabam por aumentar a resistência ao fogo. Num fardo bastante compacto a presença de oxigênio é quase inexistente, reduzindo assim o risco de combustão (já que o oxigénio é fundamental nesse processo). O revestimento das paredes com reboco confere ainda uma protecção extra contra o fogo. O Conselho Nacional de Pesquisa do Canadá realizou testes nos quais as paredes de fardos de palha suportaram temperatura até 1010ºC durante duas horas. (Morrison, 2004 ). Uma casa de palha usa os fardos como blocos estruturais ou como isolantes, as estruturas de fardos de palha dividem-se portanto em duas categorias: as

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autoportantes, onde a distribuição das cargas verticais é exercida sobre os fardos, e as de pilar e viga, onde a distribuição de cargas é exercida sobre uma estrutura independente. Contudo, há também novas técnicas que apostam na criação de fardos reforçados, consistindo na combinação dos fardos com outros tipos de materiais compondo uma estrutura mais resistente. (Algarvio, 2010, p. 113). 5.2.2.1. MÉTODO AUTOPORTANTE OU MÉTODO DE NEBRASCA

O método autoportante ou estrutural é também conhecido como método de Nebrasca, por ter sido originalmente empregue pelos construtores de Sandhills (Nebrasca). Neste método não existem vigas ou pilares, sendo os próprios fardos a suportar o tecto. A largura e a densidade dos fardos são características fundamentais neste método, tornando-os mais resistentes e capazes de serem autoportantes. Este método consiste em amontoar os fardos de palha sobre as fundações e coroá-lo no topo com uma prancha ou uma caixa de madeira. A cobertura assenta sobre este elemento, distribuindo o seu peso pelas paredes. Para se proceder à pré-compressão dos fardos entre a base e o topo, são utilizadas várias técnicas. Um sistema com tirantes a cada 2 m é directo e eficaz mas complicado de executar, especialmente em fardos muito densos. O mais usual é fazerse uma cintagem com poliéster, arame ou malha de arame e combinar com algum método de compressão como o de saltar sobre o coroamento ou simplesmente usar uma retroescavadora para comprimir a parede. Apesar de ser um método mais apropriado para estruturas de um só piso, é possível acomodar cargas superiores através da pré-compressão dos fardos. O método de Nebrasca apresenta ainda outras limitações: o comprimento da parede é limitado, não podendo ultrapassar os 7,6 m sem apoio em qualquer direcção e a área ocupada pelos vãos não deverá ser superior a metade da área da superfície de parede. As portas e as janelas são construídas dentro de molduras que são presas aos fardos à medida que as paredes são erigidas ou são fixas a ripas de 0.10 m de lado presas à base e ao topo.

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Ilustração 58 - Casa com fardos de palha, método de Nebrasca. (Paquistão). (Strawbale.com, 2006).

Ilustração 59 - Casa com fardos de palha, método de Nebrasca. (Estados Unidos América). (Strawbale.com, 2009).

O método autoportante é normalmente o eleito por ser o mais simples, requer pouca experiência na construção das paredes, e por ser mais barato pela menor quantidade de madeira utilizada. 5.2.2.2. MÉTODO PILAR E VIGA

No método de pilar e viga é erguida uma estrutura (normalmente de madeira) que suporta o peso do tecto, enquanto que os fardos são aplicados apenas para preencher os espaços não tendo qualquer função estrutural. Este método permite a construção (sem nenhum problema) de casa com mais de um piso, e ao contrário do método autoportante, onde o comprimento das paredes é limitado, usando este método não há limitações nesse sentido. O método de pilar e viga acaba por não se enquadrar tão bem no sentido das autoconstruções, uma vez que a concepção da estrutura requer mão-de-obra especializada ou no mínimo muita perícia. O uso de uma estrutura independente tende a simplificar a engenharia e o processo de aprovação da obra, em especial em edifícios de dois pisos ou em áreas mais sujeitas a sismos.

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Ilustração 60 - Casa com fardos de palha, método de pilar e viga.35 (Strawbale.com, 2012).

Ilustração 61 - Casa com fardos de palha, método de pilar e viga. (Strawbale.com, 2012).

5.2.3. MADEIRA Recorrendo à natureza como fonte, a madeira foi um dos primeiros materiais de construção utilizados pelo homem, e, apesar de todos os avanços tecnológicos, o encanto da madeira contínua a ter os seus adeptos. Nos países em que a madeira é abundante, esta acaba por ser uma boa escolha. A madeira possui diversas propriedades que a tornam muito atraente frente a outros materiais. Dentro dessas, é usualmente citado o baixo consumo de energia para o seu processamento, a alta resistência específica, um bom comportamento anti-sísmico, uma vez que as peças encaixam umas nas outras como um todo, as boas características de isolamento térmico, a sua grande versatilidade e o facto de ser um material fácil de trabalhar. Importante também referir que a madeira maciça resiste aos incêndios melhor do que as estruturas de betão armado ou as estruturas metálicas. "Em caso de incêndio, a carbonização superficial da madeira, além de dificultar a saída dos gases, dificulta também a penetração do calor por ter uma condutividade térmica inferior à da própria madeira, actuando como efeito auto-extinguível. A propagação em profundidade do fogo no caso da madeira torna-se, portanto, muito lenta." (Rusticasa, 2009). ((s. d.))

A madeira por natureza é um material saudável, porque esta respira filtrando o ar e regula o grau de humidade ambiente. Contudo há que ter cuidado aquando da aquisição da madeira porque algumas das madeiras que se encontram no mercado são tratadas com arsénico, retardando o seu apodrecimento por acção de fundo, mas 35

No método pilar e viga é preciso erguer primeiro a estrutura.

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altamente tóxico. Habitar num ambiente com madeira tratada com produtos tóxicos é prejudicial à saúde devido à libertação lenta dos gases, para além de poder ser desastroso usar mais tarde estas madeiras como lenha. (Algarvio, 2010, p. 119). Uma casa de madeira oferece uma poupança energética de pelo menos 30%, comparativamente à alvenaria com os mesmos acabamentos. A madeira, por ser um isolante térmico natural, absorve calor ou frio mais lentamente que outros materiais. Por isso ao tocarmos na madeira raramente a sentimos extremamente quente ou fria. O mesmo não acontece quando tocamos em cimento, tijolo, cerâmica ou aço. (Marques, 2008, p. 52). Quanto à sustentabilidade da construção o aspecto que distingue a madeira é a possibilidade de produção sustentada nas florestas plantadas. "Deve-se incrementar e incentivar o uso da madeira na construção para gerar aumento da indústria florestal sustentável. Isto, além de afectar favoravelmente a economia, pelos postos de trabalho criados e pela concorrência gerada com os outros materiais, por exemplo, implica também uma maior e mais cuidada gestão da floresta. Ou seja, cria mecanismos faseados de abate das árvores e posterior plantação no lugar das últimas, o que gera armazenamento de CO2 mais sustentável, uma vez que as árvores captam mais carbono na sua fase de juventude e são abatidas quando atingem a maturidade." (Marques, 2008, p. 53). (MARQUES, 2008)

Acrescentando ainda o facto de a madeira poder ser reciclada de diversas maneiras e sem grandes gastos energéticos e resíduos. Visto que a madeira é um material renovável e que as árvores são os pulmões do mundo, uma abordagem sensata à florestação poderá ser bastante benéfica. A análise do ciclo de vida da madeira mostra que esta tem melhor desempenho que o aço ou o betão no que se refere à energia incorporada, emissão de gases, libertação de poluentes para o ar, produção de poluentes para a água e produção de resíduos sólidos. A madeira apresenta por isso vantagens e propriedades que a tornam num material fundamental para uma racionalização ecológica de qualquer construção reduzindo o consumo energético, a utilização de recursos, minimizando a poluição e reduzindo o impacto ambiental. (Marques, 2008, p. 51). O espectro de aplicação da madeira é vasto, mas esta é essencialmente usada em estruturas de edifícios, casas de madeira, acabamentos, reabilitação, e pontes pedonais. (AZEVEDO, 2010)

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Ilustração 62 - Moradia em madeira: exemplo da versatilidade construtiva da madeira. (Arkin tilt architects, 2010).

Ilustração 63 - Construções em madeira na ecoaldeia Understenshöjden. (Suécia). (Iuri Algarvio, 2010, p.119).

5.2.4. PEDRA "De fora é pedra, e isso dura toda a vida. Olhe, aqui perto está um sítio que lhe chamam o Morgado, toda a minha vida conheci aquilo naquela miséria e as paredes ali é tudo pedra, e olhe, há ali umas paredes mais certinhas, mais bem feitinhas, paredes muito antigas, aquilo já era dos mouros, eu sei lá! Já todos os meus avós e bisavós conheceram aquilo assim." (Teixeira apud Costa, et al., 2008, p. 64).

As construções em pedra natural remontam ao início da história humana. Os primeiros materiais utilizados na arquitectura Grega e Egípcia incluíam a pedra, este era o material mais resistente e mais durável mas também o mais difícil de trabalhar. Os Hititas, os Assírios e os Egípcios usavam preferencialmente o granito, o calcário e o arenito nas suas construções. (Azevedo, 2010, p. 19). Na actualidade do uso da pedra como material construtivo é praticamente inexistente, um dos motivos para tal é a perda das práticas antigas da construção de paredes de pedra irregular, secas ou com argamassa, visto que o uso desta foi substituído pelo uso da pedra cortada em bloco, que exige mão-de-obra qualificada e difícil de encontrar. (Algarvio, 2010, p. 117). As primeiras paredes em alvenaria de pedra consistiam num amontoado grosseiro de pedra, que podia ou não, ter terra nas juntas (funcionando como argamassa). O desenvolvimento

de

ferramentas

para

trabalhar

a

pedra,

associado

ao

desenvolvimento da habilidade de trabalho da mesma, levou a que as unidades de pedra das paredes de alvenaria começassem a ter forma poligonal, mais fácil de aparelhar. Esta nova forma das pedras permitia um melhor “fecho” das paredes. (Azevedo, 2010, p. 19).

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As inovações na construção de paredes em pedra foram-se sucedendo ao longo do tempo. Na época Romana começou-se a preencher o espaço entre as pedras com uma espécie de cimento, permitindo assim a construção mais rápida de grandes monumentos e uma maior resistência mecânica. Mais tarde foram introduzidos novos elementos, como o uso de arcos e abóbadas na construção e posteriormente as cúpulas em pedra.

Ilustração 64 - Muro de contenção em pedra seca - xisto. (Castelo Branco, Portugal). (Ilustração nossa, 2011).

Ilustração 65 - Fonte moldada em pedra natural. (Castelo Branco, Portugal). (Ilustração nossa, 2011).

Em edifícios de grandes solicitações estruturais, e para evitar que estes elementos se quebrassem pondo em risco a integridade da edificação, eram por vezes utilizados sistemas construtivos que distribuíam as cargas pelas paredes adjacentes, aliviandoas simultaneamente, nas vergas e ombreiras. A opção construtiva a adoptar passa pela avaliação das cargas que os elementos construtivos dos vãos terão que suportar, adaptando-se ou não, um sistema auxiliar de distribuição de cargas, tradicionalmente esta avaliação era feita empiricamente. (Costa, et al., 2008, p. 67). A pedra é um material que difere muito quanto à forma, cor, textura, resistência e permeabilidade. A pedra é também uma boa retentora de calor, aplicada em paredes interiores onde haja insolação directa, armazenará o calor moderando as flutuações de temperatura. O seu uso, é ecológico desde que esta esteja disponível no local, ou muito próximo, já que o seu transporte não só é extremamente custoso como aumenta ainda as emissões de gases de efeito de estufa. Os workshops de construção em pedra também têm estado presentes em ecoaldeias e comunidades sustentáveis, sendo a construção de muros a preferida, embora seja possível aplicar a pedra em outros usos: fundações, pavimentos, paredes, etc.

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5.2.5. MATERIAIS RECICLADOS Na literatura da permacultura uma declaração central é que "cada elemento tem muitas funções", uma proposta sustentável captará essa essência, criando ciclos produtivos dentro do sistema, para encerrar esse ciclo é necessário neutralizar os efeitos nocivos do que será devolvido ao ambiente. No caso do "lixo" os seus efeitos nocivos não podem ser neutralizados, por exemplo, um plástico será sempre um plástico, mas dando um novo uso a materiais cujo fim seria acabarem em aterros sanitários ou em processos de reciclagem (também eles emissores de gases de efeito de estufa) estamos a prolongar o ciclo de vida dos mesmos. O objectivo neste caso, é reutilizar materiais que de outro modo não teriam mais uso, conferindo-lhes uma nova função que se adapte às necessidades construtivas. Optando pela reciclagem de produtos, em vez da fabricação de novos materiais que por sua vez implicam novas matérias-primas, pode-se reduzir o impacte ambiental. A indústria da construção é responsável por grande parte do "lixo" produzido nas grandes cidades. O entulho, por lei, não pode ser depositado em aterros sanitários ou em terrenos baldios, gerando assim um futuro e grande problema para as grandes cidades. O uso de materiais reciclados, a par com uma grande preocupação para com o planeta, está agora a dar os primeiros passos mas a uma velocidade muito rápida. Não será portanto descrito nenhum método construtivo em particular, até porque, no que toca à reciclagem de materiais a imaginação é o limite. Sublinha-se apenas que os materiais que têm sido frequentemente reciclados através do seu (re)uso em construções são: garrafas de plástico, pneus e materiais provenientes de outras construções. Conforme revelado por alguns estudos, a incorporação de resíduos provenientes de outras obras numa nova construção, é uma opção viável para a diminuição do espaço necessário em aterros para estes materiais, ao mesmo tempo que se diminui a quantidade de "novo" material necessária. Para que o sector da construção se torne uma actividade sustentável, a incorporação de resíduos é uma, das várias opções.

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6. PROJECTO III, A TENTATIVA DE MINIMIZAR O IMPACTE DO CONSTRUÍDO 6.1. PROJECTO III Actualmente o sector da construção é um dos principais responsáveis pela emissão de gases com efeito de estufa, consumo de materiais e outros impactes, tudo isto surge na sequência da industrialização e da economia global, aliado ainda a uma quase total ausência de aplicação de princípios de sustentabilidade nas várias fases de vidas do edificado. O seguinte capítulo pretende descrever e apresentar sucintamente todos os temas de Projecto II, mas acima de tudo, pretende mostrar a intenção que houve no momento da concepção no sentido de se reduzir o impacte da construção, caminhando assim para um melhor desempenho ambiental dos espaços edificados e da qualidade de vida dos que o habitam. A cadeira de Projecto III inserida no Mestrado Integrado de Arquitectura tenta através dos vários exercícios propostos ao longo do ano fazer-nos passar, enquanto estudantes, pelas principais vertentes da arquitectura, assim e resumidamente os 3 temas desta cadeira podem dividir-se do seguinte modo: 

Tema 1, (Na)morar: No primeiro tema pretende-se a exploração do papel do arquitecto a um nível mais amplo: a cidade. O objectivo que se pretende alcançar é a criação de movimento e interacção através da criação de um sistema móvel.

"(Na)morar em Lisboa" foi o mote para o primeiro exercício de Projecto III (exercício de grupo), o objectivo era que se explorasse a possibilidade do arquitecto actuar além de uma prática fundada no "Projecto do Edifício" e tinha por fim a criação de um sistema capaz de atrair e gerar a movimentação e interacção de pessoas na cidade de Lisboa. Foi então proposta uma estrutura móvel que viria a ser colocada em vários pontos da cidade (vários módulos em simultâneo), ponto visitados e vividos, uma estrutura que levasse também ela essa vivência a outros pontos, também eles vividos. Em termos práticos essa troca de vivências não era mais que uma troca de imagens (cada módulo tinha uma câmara e um monitor no seu interior, enviando imagens ao

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mesmo tempo que se recebiam as de outra estrutura). Uma troca de momentos, uma introspecção. Uma estrutura verde (paredes verticais), suportada por energias limpas, divulgando a agricultura biológica e acrescentando um pouco mais de verde à cidade de maneira divertida e sólida.

Ilustração 66 - Tema 1: Conceito e módulo final exposto em vários pontos da cidade de Lisboa. (Ilustração nossa, 2010).

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Tema 2, Habitar: No exercício 2 a escala diminui mas o mote mantem-se relacionado com a cidade: "Habitar a cidade". Aqui pretende-se a caracterização e a (re)estruturação entre o desenho urbano e um equipamento público (museu para as Ruínas do Teatro Romano).

O exercício 2 teve como tema o "habitar a cidade", reconhecendo as lógicas de relação, caracterização e estruturação simultaneamente entre o desenho urbano e uma proposta de equipamento público. Foi apresentada uma nova cobertura para as ruínas do Teatro Romano, nesta cobertura (acessível) as aberturas de luz serviam ao mesmo tempo para estimular a vontade de entrar/ visitar as ruínas. Num jogo de cheios e vazios aguça-se a imaginação, estimula-se a curiosidade. Lá dentro, sempre num jogo de luz, interior/ exterior, o percurso é feito por entre as ruínas, aquelas que foram e serão a ênfase principal deste lugar. A cobertura foi também projectada de maneira a criar uma ligação pedonal entre o Largo dos Lóios e a Rua de São Mamede, até então inacessíveis directamente por causa da diferença de cotas.

Ilustração 67 - Tema 2: Planta de cobertura. (Ilustração nossa, 2010).

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Ilustração 68 - Tema 2: Cortes e Alçados. (Ilustração nossa, 2010).

Ilustração 69 - Tema 2: Imagens (maquete) projecto final. (Ilustração nossa, 2010).

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Tema 3, Morar: Neste tema mais uma vez há uma alteração de escala, da resolução do desenho urbano/ espaço público passamos para um espaço público que possa (de maneira distinta) albergar um espaço onde se possa morar e sentir que se mora. Neste tema é proposta a criação de um circo e de uma escola para o Chapitô e ainda de uma residência para estudantes e professores, sempre sem esquecer Lisboa, a Cidade.

Caracterizando a ideia de morar, pretende-se o desenvolvimento de um edifício considerando as suas valências enquanto proposta urbana, sistema espacial e caracterização de ambientes discursando entre arquitectura e cidadania. O novo edifício propõe-se no lugar do Mercado do Chão-do-Loureiro e integra uma residência para estudantes e professores do Chapitô, uma zona de escola que inclui ainda salas para workshops (abertos ao público) e uma cobertura que acolhe a estrutura do circo mas que pode acolher também actuações ao ar livre. Tentando manter o conceito da tenda de circo, a estrutura para as actuações circenses é circular, fugindo a ângulos, simetrias ou assimetrias e pela sua escala destaca-se no projecto

Ilustração 70 - Tema 3: Conceito. (Ilustração nossa, 2010).

A cobertura ajardinada e acessível pretende-se como um espaço aberto interessante, com movimento. Jogando com a cidade, cotas, perspectivas... Jogando com o movimento de Lisboa em harmonia com o movimento do circo... Criando um edifício que só poderia existir neste lugar...

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Ilustração 71 - Tema 3: Planta de cobertura. (Ilustração nossa, 2010).

Ilustração 72 - Tema 3: Imagens (maquete) projecto final. (Ilustração nossa, 2010).

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6.2. A INTENÇÃO Apesar de longe de uma verdadeira arquitectura ecológica todos estes projectos reflectem uma preocupação para com o ambiente aquando da sua concepção. O recurso a alguns elementos, como as coberturas ajardinadas (Tema 2 e 3) ou as paredes verdes (Tema 1), tentam atenuar, com a adição de espaços verdes, o impacte da matéria construída. A forma como a luz entra nos vários projectos foi ainda pensada por via a que, durante o dia, a necessidade de recorrer a iluminação artificial seja tão mínima quanto possível. Ao mesmo tempo pretende-se que os espaços não sejam demasiado quentes no verão nem demasiado frios no inverno por acção da luz. Quanto aos materiais, não são ecológicos como alguns dos anteriormente descritos (terra, palha, pedra) mas tenta-se que sejam de fontes o mais próximo possível do local, recorrendo apenas a empresas nacionais, fomentando assim não só a nossa economia como ainda diminuindo a necessidade de transportes de longa distância. A "insustentabilidade" ambiental e a degradação das condições de vida e do ambiente urbano, bem como o peso da construção para com o planeta devem ser tidos em conta no momento em que, enquanto arquitectos, concebemos e projectamos uma obra. Ao longo desta dissertação foram abordados os motivos que fazem com que seja urgente uma mudança de paradigma e uma revisão das nossas necessidades, e, nesse contexto, foram apresentadas várias técnicas construtivas ecológicas, que primam por materiais locais e renováveis. No que toca à construção ecológica há ainda muitos obstáculos legais e alguma dificuldade em encontrar mão-de-obra para aplicação de algumas destas técnicas. É desmotivante se pensarmos que só fazemos a diferença na preservação do planeta aplicando à regra certas metodologias construtivas alternativas e ecológicas, é antes, fundamental a consciência de que as opções e as decisões aquando do processo conceptual e construtivo podem ter consequências ecológicas de longo alcance e a longo prazo, por mais pequenas que sejam.

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Apesar das limitações, construir de um modo menos agressivo para com o ambiente deve ser uma busca contínua do nosso papel enquanto arquitectos, respondendo à nossa obrigação ética para com as gerações vindouras. É necessária uma mudança na hierarquia de valores, onde a estética tem tido um papel demasiado relevante. A forma deve sempre seguir uma função, e "hoje", construir de forma cuidada, poupando e gerindo os recursos naturais e energéticos, faz também parte da função da arquitectura. Nesta dissertação abordaram-se várias alternativas construtivas englobando materiais e técnicas ecológicas. Cabe assim aos arquitectos assumir o uso destas ferramentas e promover a investigação e o desenvolvimento destas técnicas, tudo por um planeta que queremos preservar.

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7. CONCLUSÃO O estilo de vida do homem, principalmente nos países desenvolvidos, tem sido insustentável. As alterações climáticas já se fazem notar em tom de alerta, e o rumo tem sido em direcção à escassez de recursos naturais do planeta, à perda de biodiversidade e a uma cada vez maior poluição. A crise ambiental acarreta também uma crise social e económica onde pouco mudará enquanto as bases éticas da sociedade não sofrerem alterações profundas. É preciso reduzir o consumo desenfreado a que nos temos habituado sendo inevitável um reajustamento do nosso estilo de vida, mas acima de tudo, é necessária uma alteração do paradigma em que vivemos e que poucas vezes questionamos, levandonos então a uma (necessária) mudança de comportamentos. A par da actual preocupação ambiental têm surgido cada vez mais tecnologias que tentam gerir de maneira eficiente o uso das energias, estas têm sido uma mais valia para governos e empresas na corrida ao "rótulo verde", mas as alterações necessárias rumo a uma sociedade sustentável carecem de uma profundidade muito maior. O objectivo não é compensar/ mascarar os estragos que temos vindo a fazer na natureza mas sim garantir a existência de um futuro para o planeta e para nós humanos. O actual modelo de desenvolvimento urge ser repensado, colocando em prática técnicas eficientes e inovadoras de relacionamento entre o homem e a natureza. É necessário não esquecer que o esforço neste sentido será grande, não só porque acarreta uma necessária reestruturação ética do pensamento como ainda porque não existe um modelo pré-definido que solucione todos os problemas que actualmente enfrentamos. A permacultura, baseada não só em conhecimentos científicos multidisciplinares mas também no conhecimento tradicional, apresenta caminhos bastante interessantes para que se alcance a sustentabilidade em assentamentos humanos. Sendo óbvio o crescente consumo de recursos a par com o aumento da população mundial, foi possível ainda observar que para além de uma mudança de paradigmas é necessária uma mudança de escala, da global para a local. Uma sociedade sustentável deverá caracterizar-se por padrões de vida mais simples e por economias

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locais de pequena escala e auto-suficientes, diminuindo as trocas a nível mundial que, por conseguinte, acarretam um peso negativo para o ambiente. O Homem sempre conseguiu satisfazer a sua necessidade de abrigo de forma local e sustentada, mas o cenário foi-se invertendo à medida que surgiram (nos últimos 100 anos) os primeiros materiais industriais (não necessariamente mais eficientes) e a possibilidade de serem distribuídos em larga escala. A grande publicidade, a fácil aplicação e os preços competitivos do cimento, da alvenaria e do betão, fizeram esquecer a simplicidade da construção vernacular. Tendo em conta que o sector da construção é, de entre as actividades humanas, aquele com maior impacte ambiental, consumindo quantidades brutais de recursos, os modelos sociais defendidos no âmbito da permacultura salientam ainda a necessidade pertinente da construção sustentável do espaço habitado. Trabalhando em harmonia com a natureza e não contra ela, em conjunto com tecnologias aplicadas com fim a uma redução e conservação de recursos e energia, também a arquitectura é passível de ser mais sustentável, rumo a um futuro mais seguro. A maior parte da arquitectura contemporânea rompeu com as antigas lições que tomavam em consideração a natureza, o clima e os elementos. Nesta dissertação demonstrou-se a viabilidade de métodos e materiais de construção alternativos, energeticamente mais eficientes e com menor impacte ambiental. Acredita-se que estes processos construtivos são viáveis do ponto de vista social, económico e ambiental, sendo por isso uma mais valia para um planeta que está mais que fatigado, para uma Terra para a qual o direito básico de existir tem sido seriamente ameaçado por nós humanos, pelas nossas "necessidades", pelo nosso bem estar... As bases estão lançadas, cabe agora aos países desenvolvidos assumirem a imagem de credibilidade destes processos construtivos. Há ainda que aprofundar e apoiar a investigação e o desenvolvimento de técnicas construtivas alternativas. A quem projecta e constrói resta apenas apelar por uma consciência mais ética, por um contributo para um mundo melhor. ... Para que hoje não seja tarde ... (TAMERA, 2010)

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