Da casa para a escola: um olhar sobre as transições da 1ª infância no Brasil
Simone Gomes Promundo
Fevereiro de 2009.
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ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 3 1.1 Transições no Brasil: do que se trata? .......................................................................... 4 2. A educação ......................................................................................................................... 7 2.1 O primeiro espaço de muitos: as creches...................................................................... 7 A janela de oportunidades .................................................................................................... 12 2.2 Dos 4 aos 6 anos: o espaço da escola ......................................................................... 12 3. O espaço familiar .............................................................................................................. 16 4. Iniciativas Pioneiras no Brasil .......................................................................................... 19 5. Um longo caminho a percorrer ......................................................................................... 21 6. Referências bibliográficas ................................................................................................ 26 7. ANEXO I: Resumos dos programas visitados ................................................................. 29
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1. INTRODUÇÃO O Brasil conta com cerca de1 184 milhões de habitantes e desses 22,7 milhões tem entre 0 a 6 anos, crianças em uma fase denominada primeira infância2, central para seu desenvolvimento mental, emocional e socialização, estabelecendo as bases para o resto de sua vida . O interesse por essa fase intensificou-se nos últimos 30 anos, já que, por muito tempo, o paradigma “penso, logo existo” considerou crianças como inaptas a agir sobre o mundo. A idéia de que crianças com menos de sete anos de idade pensam e já são capazes de realizar raciocínios “superiores” é recente (FARIA,2006). A Constituição de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA - (1990) foram essenciais no processo de aumento da consciência dos direitos da gestante e da criança até 6 anos no Brasil, o que não quer dizer que a avançada prática jurídica seja adotada de forma sistemática em todo o país (GIRARDE e DIDONET, 2005) Desde então, as crianças são consideradas, a partir do seu nascimento: cidadãs de direitos; indivíduos competentes e produtores de cultura, com necessidades (que incluem auxilio nas atividades que não podem realizar sozinhas e suas necessidades básicas psicológicas e físicas). (BRASIL, 2006b) O conceito de transição (transitions) ganha força mundial a partir dos estudos da teoria ecológica de Bronfenbrenner, em 1979, indicando uma série de estruturas que se ligariam em uma rede e seriam influenciadas pela sociedade de forma mais ampla, ou seja, começa-se a prestar atenção às interligações entre casa, escola e família nos primeiros anos de vida. O autor afirma que “uma transição ecológica ocorre toda vez que há uma alteração na posição de uma pessoa no ambiente ecológico como resultado de uma mudança de papéis, ambiente ou ambos”. (op.cit, 1979).
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Dados da PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, de 2007, do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2 AGUIAR, Gabriela. (2007) Breve panorama sobre a primeira infância. Fundação Bernard Van Leer. Disponível em: http://www.promundo.org.br/Guia%20Primeira%20infancia/Breve%20Panorama%20sobre%20a%20primeira%20infanci a%20no%20Brasil.pdf
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No Brasil, apesar de haver muitos estudos sobre a faixa etária que compreende até os 6 anos de vida, poucos são os que utilizam o conceito de transição e sua importância nesse período da vida da criança. Isso posto, o objetivo desse texto é falar sobre as transições infantis nessa faixa etária. No Brasil, utilizaremos como recorte a definição cultural da passagem do espaço privado da casa para o público, a escola. Nossa intenção é trazer um panorama de algumas iniciativas da sociedade civil, assim como das políticas públicas cujo objetivo seja facilitar essa etapa da vida infantil. Utilizamos no presente estudo a metodologia de entrevistas realizadas com atores sociais da educação (consultores e responsáveis por áreas governamentais) e gestores de creches e ONGs que lidem com as transições na primeira infância. Foi consultada também a bibliografia internacional e nacional referente ao tema, além de termos realizado visitas em programas considerados exemplares em 4 regiões do país (Centro-Oeste, Sudeste, Nordeste e Sul). 1.1 Transições no Brasil: do que se trata? O sentido atribuído pelo dicionário (HOLANDA, 1988) para a palavra transição diz respeito à passagem de um lugar, tratamento, etc., para outro. A temática é recente no Brasil, apesar de amplamente estudada na América do Norte e Europa, o que contribui para que, na nossa cultura, seja encarada como uma estratégia (e não como uma teoria) que possibilita, se bem sucedida, uma boa passagem das crianças do mundo de casa para o mundo escolar3. Essa passagem também pode ser garantida por essas relações dadas na tríade: casa, escola e família, que são muito sensíveis e porventura, subjetivas. Mesmo sem poder inferir com certeza, existem algumas características que podem facilitar esses processos, como: uma recepção calorosa da escola para a criança e sua família, sem julgamentos ; a participação familiar nas atividades escolares e o fomento de competências infantis no âmbito escolar, como a autonomia . Além da autonomia, o preparo infantil4 também é
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Segundo entrevista realizada com Luzia Torres, superintendente técnica do IFAN (Instituto da Infância), em Setembro de 2008. 4 Conceito muito utilizado pela literatura anglo-saxã “Children´s Readiness”, que, segundo a National Education Goals Panel (www.negp.gov/reports/good-sta.htm) atribui o sucesso infantil a prontidão das crianças; comunidades; famílias; rede de assistência e instituições de ensino.
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valorizado, com o cuidado de ser relativizado frente à ênfase excessiva na incapacidade de certas famílias de apoiar e atender as expectativas de seus filhos com a escola. As características básicas das transições têm em comum uma duração determinada (início e fim certos) e o fato de ocorrerem em tríades (necessariamente com três elementos: criança, família e instituição em suas relações) e espaço determinado (espaço de trânsito infantil, de casa para a escola). Esses, segundo Fusari (2002), podem ser tanto serviços institucionais convencionais, como creches e escolas maternais, quanto novos serviços incluídos no cotidiano infantil, como academias de dança, clubes, entre outros. De forma geral, é importante afirmar a relevância dessas transições para espaços de maior interação no âmbito das relações interpessoais que serão travadas nos primeiros anos de vida infantil, na forma de apoio positivo que leva à adaptação, mostrando-se essenciais para a formação das bases das relações humanas (ver “A janela de oportunidades”). Isso posto, o primeiro espaço de trânsito infantil é a sua própria casa. Se as transições escolares são tratadas como consensuais, as mudanças que acontecem nesse ambiente ainda são negligenciadas pelas políticas públicas, pela sociedade e pelas famílias. A casa é considerada a “base segura” de muitas crianças, logo, quando as mesmas começam a freqüentar outros ambientes, não significa que deixem seus lares para trás. Isso significa que suas casas e a comunidade em que estão envolvidas são uma fonte poderosa de continuidade na vida infantil. Agora que já saem de suas casas para transitar em ambientes diferentes, há uma mudança na participação da família na vida infantil. A comunidade em que vivem, sua cultura, o momento em que se encontra a sua família, são alguns dos fatores familiares que possuem influência na habilidade de transitar pelos diferentes espaços. A resiliência, habilidade de superar situações potencialmente estressantes (ver “A resiliência”), é também citada pela literatura internacional como uma capacidade infantil que propiciaria uma saudável circulação entre os ambientes. A escola é o segundo espaço institucional a ser considerado. No Brasil, o ensino é divido em educação básica e educação fundamental. O primeiro tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, sendo oferecido em: creches ou entidades equivalentes (crianças até três anos de idade) e pré-escola (crianças entre quatro a
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seis anos de idade) 5. Já a educação fundamental corresponde ao ensino obrigatório a partir dos 6 anos de idade, e com duração de 9 anos, com o objetivo de providenciar a formação básica do cidadão6. A escola providencia então muito material de adaptação para crianças na primeira infância, e a divisão estabelecida pelo MEC – Ministério da Educação em educação básica e educação fundamental é um marco no desenvolvimento da sociabilidade infantil. A transição educacional é complexa e multifacetada, de forma que uma primeira passagem seja para a criança que ascende da educação básica para a educação fundamental, com a possibilidade de interromper ou prosseguir com seus colegas, professores, horários e professores. Outra diz respeito às crianças que não freqüentaram creches e pré-escolas, que irão experimentar o ensino formal de forma radicalmente diferente do primeiro grupo7. Essa passagem, realizada para o ensino fundamental é responsável pela inauguração de uma nova etapa na vida da criança, e, para ser bem sucedida precisa levar em consideração suas perspectivas, segundo França (2008):
É importante que as crianças percebam que existe um trânsito, uma passagem entre a educação inicial e o ensino fundamental e que possam ter a vivência dessa mutação, de caráter quase iniciativo. Uma mudança de lugar, de vestimenta, de colegas, de professores, de horários e hábitos ajuda a criança a perceber que se trata de uma nova etapa, com maior relevância das aquisições relacionadas com a aprendizagem, e que as expectativas depositadas nelas a partir de agora serão outras. (FRANÇA, 2008, p.9) Quem não se lembra de um certo receio e ansiedade na passagem para o ensino fundamental? As crianças, reportadamente, se sentem inseguras, sem saber se poderão continuar a agir da forma como sempre agiram, e é preciso que o ambiente escolar dê suporte para esses filhos de famílias, histórias de vida; cultura prévias e idades diferentes. O papel desempenhado pela decoração das escolas, assim como os horários encurtados e o tratamento dado aos professores (chamados carinhosamente de “tios” e “tias” nas creches) também é digno de ser levado em consideração pelos aparatos escolares.
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De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) art.29 e 30 De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) art.32 7 Segundo entrevista realizada com Vital Didonet, consultor da UNICEF para a educação infantil, em Agosto de 2008. 6
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2. A educação Desde a Declaração Mundial sobre Educação para Todos de Jomtien em 19908, ficou evidente a prioridade assegurada por muitos países para a educação nos primeiros anos de vida. Agências internacionais, instituições de desenvolvimento e políticas públicas buscaram aumentar os anos de escolarização infantil. Todavia, ainda restam demandas no Brasil relacionadas à: como proporcionar experiências educativas valiosas para crianças que não tiveram acesso na primeira infância ; como universalizar o ensino até os seis anos de idade; entre outras.
Uma das questões consensuais, entretanto, é a concepção da
educação como um processo de desenvolvimento individual, sem deixar de lado o enfoque social. O século XX assistiu a sua consolidação como tema permanente, não havendo idade para se educar, já que a educação se estende pela vida e não é neutra, respeitando os desníveis entre países, crianças e subjetividades. (GADOTTI, 2000) 2.1 O primeiro espaço de muitos: as creches No Brasil, apenas 17,1% das crianças entre zero a três anos - de uma população de 13,8 milhões nesta faixa etária - freqüentam creches9. Estendendo os dados da falta de acesso às crianças até seis anos de idade, podemos observar que ainda são poucas as crianças que podem frequentar creches, nas instituições públicas só 26,8% das crianças brasileiras são atendidas. Se somadas os números da rede privada, esse percentual sobe para 37,7%. (HADDAD, 2007) O número de creches é também claramente insuficiente, e sua capilaridade não atinge as crianças de forma equânime nas diferentes regiões do país e nas diferentes classes sociais. Pensando na situação de pobreza atual de muitas famílias brasileiras, essas crianças são mais vulneráveis10, já que 45,4% das suas famílias vivem com rendimento médio mensal, per capita, de até meio salário mínimo11. A questão regional também revela desigualdades: o acesso a creche é muito díspar pelas cidades do país12, e o ranking nacional de freqüência de crianças até 3 anos revela 8
Declaração assinada na Tailândia reafirmando o direito de todos à educação para todos, que se firma como o fundamento da determinação individual e coletiva. Fonte: http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf 9
Segundo a pesquisa "Educação da primeira infância", da Fundação Getúlio Vargas, do ano de 2000, de James Heckman e Flávio Cunha,com base na PNAD/IBGE – 2000. 10 Dados do IBGE (2006) 11 R$ 415,00 em Janeiro de 2009. Fonte: Ministério do Trabalho (http://www.mte.gov.br/sal_min/default.asp) 12 Dados do IBGE (2000)
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entre as 10 cidades de maior acesso: 3 municípios paulistas, 3 paranaenses, mas também municípios nordestinos, reiterando a existência de uma diversidade regional da questão. Além disso, o tempo de permanência na creche é um dado importante a ser observado, no Brasil esse é reduzido frente a outros países. Somente 53,1% das crianças passam mais de 4 horas por dia nas creches, em contraposição a média de 6 horas diárias de outros países13
Proporção de pessoas de 0 a 3 anos por Municípios BRASIL
Freqüenta Creche
1
SP
Pracinha
59,44
2
PE
Fernando de Noronha
55,42
3
SE
General Maynard
52,45
4
SP
Águas de São Pedro
49,55
5
PR
Munhoz de Melo
48,00
6
RN
Fernando Pedroza
47,47
7
CE
Palhano
46,38
8
PR
Ângulo
43,02
9
SP
Rubinéia
42,68
10
PR
Lobato
42,48
Fonte: CPS/FGV através do processamento dos microdados do Censo Demográfico 2000/IBGE
Somente a partir da Constituição de 1988 é que a creche se tornou um direito para todas as crianças, todavia, até hoje não há definida a verba própria que garantirá sua aplicação desse direito, apesar da obrigatoriedade do Estado em oferecer educação pública e gratuita.14 Diferentemente do ensino fundamental posterior, cabe aos pais a decisão de colocar ou não seus filhos na creche, já que não há obrigatoriedade na matrícula. Em 1996 a Lei e Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB/96 – Lei nº. 9.394/96), uma conquista
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Segundo Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS). Fonte: Jornal O Globo – 23/03/06. Disponível no site do Iets : http://www.iets.org.br/article.php3?id_article=577 14 Fonte: Fundação Abrinq – 10 medidas para a infância brasileira. Disponível em: sistemas.fundabrinq.org.br/biblioteca/acervo/0001_10MedidasBasicas.pdf
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da mobilização da sociedade civil brasileira, definiu pela primeira vez a Educação Infantil em creches e pré-escolas como a primeira etapa da Educação Básica. Assim sendo, em uma realidade desigual nos diferentes estratos sociais como a brasileira, onde as trabalhadoras com carteira assinada representam à minoria, é que o retrato de apenas 6,1% das crianças (HADDAD, 2007)15 freqüentando creches públicas é possível, representando uma disparidade ligada ao direito trabalhista dos filhos das mães de carteira assinada de frequentar creches. Na tentativa de aumentar o número de crianças matriculadas em creches, o poder público lançou em 2000 o PNE – Plano Nacional da Educação, que prevê que até 2011 50% das crianças até três anos de idade sejam atendidas por creches. Além disso, o programa visa garantir a educação integral e à saúde e proteção especial. Segundo estimativa da Fundação Abrinq, essa meta só seria alcançada se cerca de 35 mil novas creches e um investimento de cerca de R$ 21 bilhões fosse feito, para atender os 4,2 milhões de crianças dessa faixa etária que não freqüentam creches atualmente. Para traçar um histórico da fundação das creches, é preciso deixar claro a concepção de criança que estava no cerne das mesmas, onde só cabiam ações que priorizavam sua guarda. Sendo assim, o MDS – Ministério de Desenvolvimento Social era responsável por uma associação das creches às crianças pobres, organizando os serviços prestados em uma lógica de doação, ou seja, as crianças não eram consideradas sujeitos de direitos. O per capita baixo redirecionado pelo ministério era considerado claramente insuficiente, e seu foco no cuidado, e não na educação infantil, se revelou ineficaz, já que a criança precisa ser entendida como um sujeito da educação desde o seu nascimento, pois “mesmo pequena, a criança pode ser sujeito de sua ação e, ao entrar em contato com as pessoas e objetos, vai construindo seu conhecimento e se preparando para a vida futura” (ABRINQ, 2004, p.37) A popularização das creches se deu com o ingresso em massa das mulheres no mercado de trabalho, e a conseqüente demanda do movimento feminista nos anos 70, com lemas como “tenho direito de trabalhar, estudar, namorar e ser mãe, sem creche não poderei curtir todos eles” (FARIA, 2006). Nesse momento, sua função era dividir com a sociedade a educação de seus filhos , articulado aos movimentos sindicais e das esquerdas. Sendo assim, além de ser considerada um patrimônio do feminismo, da esquerda e do sindicalismo dos anos 70, não só a história da creche é diferente da história da escola, mas também seu o 15
Ver metas estabelecidas pelo PNE na parte “O Programa Creche para Todos – Fundação Abrinq”
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projeto educacional. O atendimento prestado pelas creches então era visto como um serviço destinado à mulher que trabalhava fora do lar, influenciando a lógica do cuidado. Essa organização das creches acabou influenciando a vida das famílias populares, com a criação de espaços coletivos para acolher suas crianças, creches e pré-escolas comunitárias criados com poucos recursos, sem a ação do Estado. (MEC, 2005). A lógica da inserção da creche no sistema educacional começou a ser questionada na LDB, de 1996, com sua implementação de fato em 2007, após a criação de Grupos de Trabalho formado por integrantes do MDS e do MEC para pensarem a transição das creches para a responsabilidade do MEC. Na prática, a mudança foi sentida pelos gestores na medida em que o SAS - Serviço de Assistência Social - do MDS já conhecia o trabalho das creches16, obrigando as instituições e ministérios a se reestruturarem. Todavia, segundo ABRINQ (2004):
A coordenação administrativa das creches/pré-escolas ainda permanece, na maioria dos municípios brasileiros, ligada às secretarias da assistência. Isto acaba dificultando a caracterização do atendimento como educacional. Se na própria lei está determinada esta concepção, o destino das redes de creches/préescolas deve ser o da inclusão nas secretarias de educação. (ABRINQ, 2004, p.38)
Um aspecto que deve ser levado em consideração é a infra-estrutura dessas instituições, já que os recursos públicos destinados à educação devem, na teoria, ser aplicados na manutenção e desenvolvimento do ensino público, contemplando inclusive a estrutura física. As crianças e os profissionais envolvidos nas creches passam um terço do seu dia no interior das instituições, logo, é preciso investir nos ambientes de educação infantil cujas instalações são precárias, com falta de serviços básicos que acabam por atingir a saúde física e o desenvolvimento integral das crianças17. Esses problemas estruturais incluem a inexistência de áreas externas para o espaço lúdico infantil, ou seja, não há espaços para que as crianças brinquem ao ar livre, aumentando seu espaço de convivência e movimentação. 16 17
Segundo entrevista realizada com Soraia de Cássia Rego, diretora da CEI – Grão da Vida. Segundo o relatório do MEC sobre a infra-estrutura das instituições de Educação Infantil, Brasil (2005a).
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No entanto, a situação vem melhorando, dados do MEC de 2003 indicam que foram constatadas melhorias nas instalações sanitárias desde 1998 (Brasil, 2005 apud Brasil 2003). Isso pode ser um indicador de que se tem procurado responder às novas exigências legais, todavia, essas informações concernem somente os estabelecimentos credenciados, o que exclui uma imensa gama de instituições não-formais (as creches credenciadas18, de responsabilidade das prefeituras) que podem, porventura, ter instalações precárias. Isso posto, a creche é um local de suma importância na vida infantil e central para o desenvolvimento das habilidades de socialização das crianças. Seu caráter de transição precisa ser considerado, tendo em vista seu impacto na vida dos atores envolvidos: pais e mães, crianças e educadores. Para os primeiros, o envolvimento com a vida escolar dos filhos é essencial, estimulando o envolvimento de professores e educadores, o que influencia diretamente no desempenho e comprometimento das crianças (FRANÇA, 2008) O impacto na vida das crianças, ansiosas pelas novas experiências na creche e na passagem desta para a pré-escola, não deve ser subestimado. Os pais e mães costumam se comportar de modo temeroso nesse período, já que podem questionar se fizeram a escolha certa para seus filhos . As cenas protagonizadas por esses nos primeiros dias da escola, a adaptação ao ambiente estranho, o choro infantil e a culpa parental, também são aspectos importantes nessa passagem. As famílias são responsáveis pela articulação entre educação e cuidado, que são duas coisas diferentes, mas interligadas. A participação dos pais na creche é coerente com o princípio da LDB de que a educação infantil é complementar a ação familiar19. As ações realizadas na creche devem levar em conta a importância da atividade do brincar, as crianças devem dispor de condições de interagir com pessoas e coisas no cotidiano, logo, a ação educativa deve integrar a saúde, as atividades pedagógicas e a alimentação no cotidiano infantil (ABRINQ, 2004). Isso posto, a qualidade de uma creche, e consequentemente da transição das crianças pela mesma, é resultado da articulação desses fatores, junto aos recursos humanos e relação com a família.
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O credenciamento é regulamentado pela LDB de 1996, sua resolução esta prevista no artigo 18 da Resolução CEE/Nº. 443/2001. 19 Fonte: É a creche o melhor lugar para as crianças de até três anos? Vital Didonet, no prelo.
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A janela de oportunidades O cérebro do bebê já contaria, desde seu nascimento, com cerca de 100 bilhões de neurônios e cerca de 90% das conexões cerebrais do indivíduo são formadas até seis anos de idade, o que é importante para seu desenvolvimento e aprendizagens posteriores. Oliveto, P. (2008)20 afirma que a importância dos estímulos cerebrais nessa fase se deve ao fato de que é nesse período que ocorrem as ligações entre os neurônios que em grande parte determinarão a facilidade de aprendizado durante o período escolar e o resto da vida, como por exemplo, a facilidade em aprender uma língua estrangeira. O PIM21 utiliza o conceito de janelas de oportunidades, na primeira infância, que concentrariam o maior potencial de desenvolvimento das crianças entre a idade de 0 a 6 anos, principalmente de 0 - 3 anos de idade. O PIM trabalha embasado em teorias que afirmam a existência de períodos críticos em que os neurônios precisam de determinados estímulos para desenvolver habilidades como visão, coordenação motora, linguagem, habilidade musical, inteligência lógico-matemática, entre outras. (SCHNEIDER, A. e RAMIRES, V., 2007) Mas nem tudo é determinante na neurologia da primeira infância, a convivência sadia com adultos que assegurem afeto as crianças, ambientes estimulantes que permitam sua interação com outras pessoas e com o mundo que as cerca já seria suficiente para a abertura das janelas de oportunidades, sem a necessidade de ambientes cheios de atrativos estruturais. (OLIVEIRA, 2007). É necessário relativizar essas descobertas da neurociência para o público infantil, já que segundo Bruer (1999) as crianças continuam tendo oportunidades de aprendizado no decorrer da vida.Todavia, a falta de estimulação adequada nos primeiros anos pode inibir, prejudicar ou impedir o desenvolvimento de importantes aspectos dos desenvolvimentos visual, motor, cognitivo e afetivo.
2.2 Dos 4 aos 6 anos: o espaço da escola A Constituição de 1988 marcou o estabelecimento do dever do Estado, através dos municípios, de garantir as crianças de 0 até 6 anos a Educação Infantil, logo, “a Educação Infantil deixava de se constituir em caridade para se transformar, ainda que apenas legalmente, em obrigação do Estado e direito da criança”. (BRASIL, 2006b, p9). O espaço da escola é em princípio, uma responsabilidade do MEC, no que diz respeito às diretrizes do governo. Suas atribuições competem, em sua política nacional de educação infantil, garantir o cuidado e a educação das crianças de 0 até 6 anos de idade, atentando para a qualidade nas instituições da Educação Infantil. (BRASIL, 2006a) Aos
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Fonte: http://educacao-ja.org.br/content/view/258/2/ Programa abordado na parte final do texto (ver Programas)
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estados cabe, entre outras coisas, a articulação com o MEC, secretarias municipais de educação, órgãos, organizações, áreas, programas, poderes Judiciário e Legislativo, para uma gestão integrada e colaborativa entre o governo e sociedade civil. Além disso, é do âmbito estadual também ampliar progressivamente, em colaboração com os municípios, o atendimento as crianças, para atingir toda a demanda em âmbito estadual. Já a responsabilidade dos municípios é providenciar à qualidade do atendimento nas instituições de Educação Infantil. Essas, públicas e privadas, compõem, em um município, junto das instituições de Educação Fundamental e Médio, o sistema de ensino correspondente. No Brasil, a Educação Infantil têm instituições cujo caráter é laico, apolítico e seu ensino é público. Segundo a LDB, em seu artigo 20, as instituições privadas podem ou não ter fins lucrativos, e suas categorias são as seguintes: comunitárias, particulares, filantrópicas e confessionais. A diferença das instituições comunitárias é que as mesmas são instituídas por grupos de pessoas físicas ou pessoas jurídicas (uma ou mais), podendo funcionar inclusive, através de cooperativas mantidas por professores e alunos, desde que tenham em sua entidade mantenedora, representantes da comunidade. No que tange as transições escolares, as mesmas tem em comum o processo de mudança no ambiente infantil e essas são consideradas bem sucedidas quando há um alto aprendizado e desenvolvimento acelerado em um contexto social (FABIAN, H. e DUNLOP, A-W, 2007). O espaço escolar e a qualidade da educação não são medidos somente pelos resultados obtidos pelos alunos nos testes de aprendizagem, mas também pelo processo educacional vivido na escola, cujo aspecto formativo é mais amplo, incluindo a cidadania, o trabalho e desenvolvimento da pessoa. (BRASIL, 2006b). A primeira das transições para as crianças que iniciam sua escolarização formal é a transição das creches para a pré-escola, com 4 anos de idade, segundo o MEC. A diferença entre essas duas instituições, é que enquanto a segunda tem como sujeito o aluno, e como objeto o ensino nas diferentes áreas através da aula; a creche tem como objeto as relações educativas cujos sujeitos são as crianças, travadas num espaço coletivo (ROCHA, 1999). Uma situação corriqueira nessa passagem é a inabilidade dos professores em lidar com as crianças oriundas de creches e as oriundas de suas casas, sendo comuns situações
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onde há um tratamento diferenciado para as crianças de diferentes históricos educativos22. Uma frase comumente ouvida é: “aquelas crianças de creche”, que soa como um estigma para as crianças que, todavia, são tidas como mais autônomas, uma habilidade infantil digna de incentivo, não de repreensão. Essas não são as únicas dificuldades enfrentadas nesse sentido, segundo WOODHEAD, M. e MOSS, P. (2007):
Embora as crianças que frequentaram creches estejam, geralmente, mais aptas a aprender, ainda precisam superar a incerteza e o stress associados à mudança para um ambiente novo e diferente. Em alguns casos, professores menos qualificados, confrontados com um grupo de crianças misto entre oriundas de creches e outras não, acabam ignorando as primeiras, até que as que não tenham freqüentado creche possam “se igualar” (WOODHEAD, Martin e MOSS, Peter, 2007, p.30)23
Já no que tange as transições no espaço escolar propriamente dito, a preocupação prioritária do MEC é o acesso à educação, de forma que as crianças transitem principalmente em espaços de escolarização formal24. Apesar disso, são consideradas outras transições que podem acontecer nesses espaços e ao fato dessas serem periódicas, como a mudança de professor, a mudança de colegas, de horário, entre outras. A acessibilidade, todavia, é uma perspectiva que tem se mostrado reducionista quando trata das questões de educação infantil, pois foca em indicadores de desempenho, principalmente quando as crianças apresentam problemas de transição, uma vez que esses se refletem em abandono (evasão escolar) e retrocesso. A exclusão do sistema educacional, traduzida como uma transição mal-sucedida, pode ser observada na falta de acesso às escolas ou na inserção precária dos alunos nos sistemas de ensino. Sendo assim, tanto a falta de escolas no país, quanto à ausência de garantia de qualidade do ensino, produzirem essas exclusões cotidianas no sistema educacional brasileiro. (HADDAD, 2007). Fatores estruturais da desigualdade dos pais, como a proveniência de lares pobres, em áreas rurais e de mães não tiveram acesso à 22
Segundo entrevista realizada com Vital Didonet, consultor da UNICEF para a educação infantil, em Agosto de 2008. Tradução livre da autora 24 Segundo entrevista realizada com Rita Coelho de Cássia e Stella Maris, responsáveis pela área da Educação Básica, em Agosto de 2008. 23
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educação são cruciais na ausência dessas crianças no ambiente da escola (WOODHEAD, M. e MOSS, P. 2007) Essas desigualdades brasileiras, todavia, não se resumem às diferenças sociais e econômicas, mas expressam-se nas discriminações de etnia e de gênero, o que não significa que é grande a produção que busca averiguar dados sobre a evasão e retrocesso escolar infantil. (BRASIL, 2006b). Alguns dados que indicam uma inclusão precária das crianças na escola são os baixos índices de matriculas; a frequência insatisfatória; a alta repetência e evasão e o baixo aproveitamento nessa faixa etária. Essas deficiências podem ser explicadas por critérios insatisfatórios como : localização escolar; acessibilidade; condições físicas das salas de aula; superlotação das turmas; disponibilidade e confiança dos professores (que estão intimamente ligados a uma remuneração insuficiente e prática de ensino); desencontros entre a linguagem e cultura familiares versus a cultura do ambiente escolar; falta de respeito pelos conhecimentos prévios da criança e ausência de um monitoramento do aprendizado e progresso escolar infantil. (WOODHEAD, M. e MOSS, P. 2007) Todavia, é necessário que haja um monitoramento, de forma que os parâmetros da Educação Básica sejam amplos o bastante para abarcar diferenças regionais e manifestações culturais locais das crianças. (BRASIL, 2006b) Já a passagem da educação básica para a educação fundamental conta com a inclusão recente de crianças de 5 anos e 11 meses, segundo o aumento do ensino fundamental de oito para nove anos, com o prazo até 2010 para a universalização no país .O aumento do tempo de convívio escolar seria conciliado com maiores oportunidades de aprendizagem25, de forma que a criança de seis anos de idade que passa a fazer parte desse nível de ensino não poderia mais ser vista como um sujeito a quem faltam conteúdos da educação infantil ou um sujeito que será preparado, nesse primeiro ano, para os anos seguintes do ensino fundamental.(MEC, 2007) Todavia, são muitas as críticas a essa inclusão precoce das crianças no ensino fundamental. Primeiramente, apesar de o documento estabelecer o ano de 2010 como meta, ainda não houve uma re-elaboração das diretrizes curriculares para essa mudança. Em segundo lugar, a educação básica e a educação fundamental, dentro do Ministério da 25
Ministério da Educação Ensino Fundamental de Nove Anos – Orientações para a Inclusão da Criança de Seis Anos de Idade
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Educação, têm um diálogo escasso, o que reflete na prática do ensino fundamental autônoma, onde é cobrado da criança atitude sérias, sem espaços para brincadeira, e pouco acolhedora com sua bagagem cultural/ social26. Em terceiro lugar, a ruptura prematura com a ludicidade presente na educação prévia é sentida de forma abrupta na vida infantil. Isso posto, as maiores prejudicadas podem ser as crianças, vítimas de uma entrada cedo em um outro universo educacional, onde ainda não há um projeto político pedagógico que dê conta das necessidades do preparo da mudança de uma realidade para outra. França (2008) atenta ainda para a participação de pais e mães na transição para a primeira série do ensino fundamental, que devem estar atentos ao contentamento de seus filhos/as, para saber o que eles/elas gostam ou não gostam, o que sentem falta, para colaborar com a escola no processo de aprendizagem que considere as genuínas necessidades infantis. Esse apoio familiar não pode ser subjugado, mesmo que as mudanças significativas da primeira infância ainda estejam intimamente ligadas às instituições educacionais. Os educadores costumam não dar atenção às mudanças menos formais nas rotinas infantis que ocorrem fora de ambientes institucionais, mas essas demonstram ser centrais no bem-estar infantil e na “formação” da sua trajetória de vida. (VOGLER, P., CRIVELLO, G. e WOODHEAD, M.2008). A lacuna entre a cultura escolar e a cultura familiar infantil – que pode ser entendida como os hábitos e valores que a criança tem como parâmetros em casa -, pode representar um grande desafio nas transições, caso não seja considerada pelo ambiente escolar formal (FABIAN, H e DUNLOP, A-W. 2007).
3. O espaço familiar
O espaço de casa desempenha um papel central na faixa etária até seis anos de idade, e a participação dos pais no processo transacional e educativo dos seus filhos é um indicador de sucesso das empreitadas infantis no período. As vantagens desse envolvimento ativo decorrem, principalmente, de um suporte emocional oferecido que faz com que as crianças se sintam seguras a explorar o ambiente e assim assimilar melhor as lições na escola e facilitem também a socialização primária. O papel da família não pode ser
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Segundo entrevista realizada com Vital Didonet, consultor da UNICEF para a educação infantil, em Agosto de 2008.
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subestimado, segundo um estudo realizado pela Fundação Itaú Social27 com a utilização das informações sobre escolaridade dos pais e nível sócio-econômico das famílias, tendo em vista a realidade brasileira, encontram, de modo geral, que a família responde por cerca de 70% de responsabilidade no desempenho escolar de seus filhos. Outros indicadores vêm demonstrando que o envolvimento ativo dos pais, as parcerias casa – escola, e um foco na família em programas escolares e em cenários por onde passam as crianças podem levar a resultados positivos para todos os envolvidos nesse processo. (MCBRIDE, B. A, BAE, J e BLATCHFORD, K., 2003, p.2)28 Dentre outras vantagens, os pais e mães envolvidos com a escola de seus filhos têm maior compreensão do que é esperado deles, e como podem trabalhar com os professores para potencializar a experiência educacional das crianças. Sendo assim, seus filhos recebem uma mensagem valiosa que afirma que a educação é importante, e são mais propensos a ter melhores desempenhos escolares e aspirações de vida mais altas. Esse mesmo estudo contou com 180 pais e mães, participando em 27 grupos focais, em 9 comunidades rurais nos Estados Unidos, e podemos estender algumas de suas considerações sobre o envolvimento de pais e mães no meio rural para o caso brasileiro. Sendo assim, a ausência do envolvimento na instituição escolar, tanto em atividades voluntárias, quanto em discussões e reuniões, de acordo com essa pesquisa, pode se relacionar aos seguintes aspectos mencionados pelos participantes:
Experiências negativas experimentadas pelos pais quando eram crianças nesse ambiente;
Sentimentos de intimidação e medo frente ao ambiente escolar;
Localização geográfica, ou seja, distância ou dificuldade de acesso entre casa e escola;
Dificuldades de comunicação entre pais e professores
Os resultados dizem respeito, todavia, as especificidades de um modelo de educação rural. Enquanto os pais percebem a escola e a pré-escola com uma função única de 27 28
Realizado por Fabiana de Felício, disponível em: www.fundacaoitausocial.org.br Tradução livre da autora
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providenciar serviços educacionais, ao invés de pensá-las como um ambiente de apoio educacional e psicológico para eles mesmos, não se aproximam da escola em situações difíceis, dificultando ainda mais a distância e o processo educativo na primeira infância. Isso posto, a rede de apoio entre pais, mães e escola é quase inexistente já que esses pais são menos propensos a admitir publicamente suas eventuais fraquezas e dificuldades na criação dos filhos. Uma pesquisa realizada pelo Promundo, em um projeto de dois anos denominado Bases de Apoio em 3 comunidades de baixa renda do Rio de Janeiro (Vila Aliança, Santa Marta e Água Mineral) buscou investigar as rede de apoio a crianças, compreendendo tanto as formais quanto informais. Confirmaram-se as expectativas de que as famílias e as comunidades de baixa renda tinham um potencial de desenvolvimento a ser fortalecido quanto ao atendimento de suas crianças e jovens, mas demandariam suporte financeiro e técnico para integrar e ampliar seus esforços. Os indicativos apurados apontaram para uma latente preocupação tanto paterna quanto materna quanto ao desemprego e ausência de renda, o que impacta diretamente na dinâmica familiar. Uma curiosidade a ser destacada é que as redes de apoio presentes nessas comunidades tinham, em sua maioria, vínculo com grupos religiosos. Outro dado é que, com freqüência, essas iniciativas eram de curta duração, e que há uma acentuada falta de compromisso público e de recursos disponíveis. No que tange a realidade educacional de todas as crianças, independente de sua proveniência geográfica, as transições ocorridas até seu seis anos necessitam estar acompanhadas de protagonistas que questionem as práticas escolares, assim como de escolas que problematizem seu processo de formação e atualização dos seus professores. (FRANÇA, 2008, p.9) Para isso é preciso o fomento de oportunidades de aprendizagem baseadas na ludicidade, além da segurança proporcionada por pais e mães em um ambiente seguro e estimulante, inclusive nos momentos de transição do ambiente escolar de volta para casa, criando um elo entre a escola e a família desde os primeiros anos. A valorização de contextos familiares e locais, emergindo a importância da participação das famílias é recente, tendo que superar críticas de teorias que lidem com as interações pais e/ou cuidadores e crianças. A crítica ao foco exclusivo na separação mãecriança, o incremento do papel da mulher na sociedade, a mudança de uma preocupação
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voltada principalmente à escolaridade futura para a valorização das experiências vividas no cotidiano das instituições de Educação Infantil foram fatores importantes nesse processo. A ausência de apoio dos pais nessa fase da vida infantil limita a habilidade de construir relacionamentos e de aprendizado. (FABIAN, H. e DUNLOP, A-W. 2007) Para isso, uma atmosfera familiar não punitiva e acolhedora para as crianças é essencial, para que elas possam ter liberdade para se expressar e construir vínculos emocionais fortes.
4. Iniciativas Pioneiras no Brasil
Durante o levantamento feito para a produção deste artigo, identificamos programas pioneiros que atuam na área de transições no Brasil. Nossa intenção não foi realizar uma avaliação, logo, nosso mapeamento tem um caráter preliminar e não pretende exaustivo. Preocupamo-nos em trazer uma mostra abrangente nacionalmente, logo, as iniciativas a seguir funcionam em diferentes partes do país. Os projetos listados são desenvolvidos pelo governo, federal e estadual (políticas públicas) e pela sociedade civil, e tem o objetivo comum de facilitar o período de transições das crianças na primeira infância. As organizações identificadas (listadas no quadro abaixo) têm em comum o fato de terem programas que contemplam as transições infantis, assim como desenvolvem seu projeto pedagógico pensando em estratégias de facilitação desse período de vida.Apesar disso, são organizações e programas diferentes, com estruturas administrativas distintas. Os programas governamentais citados: PIM e PDE possuem uma garantia de financiamento que propiciona mais segurança para os envolvidos, no entanto, o monitoramento do programa nacional (PDE) ainda não foi realizado. As iniciativas PIM e do IFAN, apesar de terem uma origem diferente (a primeira é uma política pública estadual e a outra uma ONG) apresentam programas de monitoramento semelhantes. As creches apresentadas possuem dificuldades comuns, como a falta de financiamento e desvalorização conseqüente ao convênio realizado, que influi nas atividades profissionais, desde a auto-estima dos trabalhadores, até a valorização do trabalho realizado pelos municípios. As semelhanças dos programas, excetuando-se o Programa Creche para Todas as Crianças que busca, em um primeiro momento, atender a
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demandas estruturais, é a busca pelo fomento de características comuns nas crianças, como a autonomia e a independência.
OS PROGRAMAS DESCRIÇÃO RESUMIDA Creche Monte Azul 8 creches em Interlagos – SP, que buscam fomentar a autonomia e relação da criança com a família e comunidade. IFAN ONG no Nordeste que busca articular atividades lúdicas com escolas da região rural. CEI Grão da Vida ONG em SP com projetos que integram a família e a comunidade no ambiente infantil PDE Política pública nacional com programas que buscam envolver a comunidade nos assuntos escolares, assim como diminuir a evasão escolar. PIM Política pública do Rio Grande do Sul que busca desenvolver a formação integral de crianças na primeira infância, assim como gestantes. Creche para todas as crianças Garantir a inclusão nacional de crianças até 3 anos em creches, assim como sua educação integral, atenção à saúde e proteção especial.
No anexo I os programas são apresentados com uma apresentação mais detalhada de suas atividades.
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A RESILIÊNCIA A resiliência busca compreender as conseqüências da exposição de adultos e crianças a fatores de risco, permitindo que os mesmos superem as adversidades, adaptando-se ao contexto. (GARMEZY, 1996) assina que Recente no Brasil, o tema é usado com freqüência na Europa, Estados Unidos e Canadá, por profissionais das ciências sociais aplicadas, e pela mídia (YUNES, 2003). A relativa “novidade” do termo pode explicar a ausência do conceito como direcionamento de políticas públicas de ação social e educacional, principalmente na primeira infância. O papel da resiliência nas transições da infância não é consensual, enquanto alguns afirmam que é necessário que crianças sejam resilientes para, em situações adversas, superar as dificuldades, como o CEP – Rua – Centro de Estudos Psicológicos sobre meninos e meninas de rua – os profissionais da Educação temem uma ênfase exagerada na capacidade infantil de resolver adversidades cuja responsabilidade não os pertence. A “naturalização” do termo é perigosa quando estendidas às crianças das camadas populares que superam adversidades, logo, consideradas resilientes. Essa conceituação pode ser utilizada como justificativa para a ausência de investimentos públicos29. Outra crítica feita diz respeito ao foco excessivo no desempenho infantil, desconsiderando o peso das condições externas que propiciam e/ou favorecem seu desenvolvimento30. O CEP – Rua é um centro de pesquisas vinculado a UFRGS, no Rio Grande do Sul, cujas pesquisas são sobre crianças, famílias e adolescentes em situação de risco social, que busca a partir de conceitos como a resiliência, como processos adversos podem ser vivenciados de forma a não comprometer o desenvolvimento saudável humano.
5. Um longo caminho a percorrer
O Brasil vivenciou após 1985 um período de redemocratização que modificou as relações entre o Estado e a Sociedade Civil, que se fortaleceu e chamou para si a responsabilidade de questões sociais. Com a Constituição de 1988 houve um processo de descentralização administrativa e dos recursos públicos, que possibilitou a atuação da sociedade civil, com movimentos sociais e Organizações Não-Governamentais (ONGs) lutando por direitos de cidadania e questões públicas. Esses atores começaram a colocar suas pautas reivindicatórias nas políticas públicas, mesmo que ainda de forma tímida. Isso posto, as políticas públicas de transição objetivam estender as ações além de serviços para a infância e tempo na escola, criando espaços receptivos e familiares nas cidades, oportunidades de crescimento durante o tempo livre, de fomentar a autonomia (FUSARI, 2000). Nesse sentido, observamos a autonomia fortemente ressaltada pelos 29 30
Segundo entrevista realizada com Vital Didonet, em Agosto de 2008. Segundo entrevista realizada com Rita Coelho, da Secretaria de Educação Básica do MEC, em Agosto de 2008.
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gestores dos programas de transição mencionados no presente texto, como uma característica infantil digna de estímulo. A pobreza e suas lacunas devem ser consideradas pelo poder público e sociedade civil, de forma que objetivem reduzi-la, protegendo as crianças de seus efeitos, e assegurando seus direitos às condições mínimas para um desenvolvimento sadio. Para isso, o esforço deve ser coordenado, construindo políticas públicas que levem em consideração crianças como seres holísticos, marcados pelas diferentes fases evolutivas do crescimento. Apesar de características demográficas, espaciais e culturais muito distintas, a pobreza aparece como transversal na sociedade brasileira. A preparação das crianças para o ambiente escolar reflete essa transversalidade, logo, em um país no qual famílias e comunidades inteiras sofrem de uma total ausência de recursos, há uma redução ou ausência de oportunidades de preparo para as crianças na primeira infância. (WOODHEAD, M. e MOSS, P.2007). Tendo isso em vista, sentimos que é importante que os programas públicos para a infância tenham um componente de diminuir o estado de pobreza em que se encontram muitas famílias brasileiras. As políticas públicas para a infância aqui mencionadas não tinham iniciativas para reduzir a miséria em que se encontram as famílias. Nesse sentido qualquer iniciativa que contemple a infância é incompleta, já que a mesma continua se dando em um ambiente repleto de dificuldades estruturais. Podemos perceber, também, nessas famílias e mesmo em famílias das camadas média e alta, a presença de chefes de famílias que se sentem impotentes e, às vezes, incapazes de satisfazer as necessidades básicas dos seus filhos. É preciso que esses se mostrem seguros de suas próprias habilidades em realizar pequenas tarefas junto a seus filhos como conversas diárias e apoio no aprendizado infantil, demonstrando entusiasmo no processo educativo, seu desenvolvimento lingüístico e seu senso de self. 31 . Observamos que nenhum dos programas abordados apresenta propostas sistemáticas de trabalho da auto-estima de pais e mães, para que as transições sejam realizadas de forma cuidadosa, considerando que nesses ambientes há um risco de maior sentimento de fracasso, que tem efeitos objetivos, como a evasão escolar das crianças e subjetivos, que são intangíveis. 31
O conceito de self, para a psicologia, assume a idéia de indivíduo como sendo constituído por disposições internas e mentais, segundo GUANAES, Carla and JAPUR, Marisa (2003).
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Outra observação concerne à ocorrência de apenas dois programas apresentados com uma perspectiva de trabalho articulado intersetorial, o IFAN, na região Nordeste e o PIM, política pública na região Sul. Ambos demonstram um diálogo de diferentes áreas para a infância, como a saúde e a educação, o que não foi observado nos demais. Os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE32 adotam políticas públicas com uma articulação entre a saúde, proteção social, emprego, renda e, em menor escala, o atendimento direto às crianças em creches e instituições do gênero. Além disso são circunstâncias específicas de vida das famílias dessas crianças de até 6 anos 33 e buscam respeitar as características culturais dos envolvidos no processo. (OLIVEIRA, 2007) O respeito pelas diferenças é uma característica a ser valorizada desde a infância. Nesse sentido, é importante que toda criança seja valorizada na sua identidade étnico-racial, cultural, de gênero, geográfica e em suas características de desenvolvimento.
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A Rede
Nacional Primeira Infância – RNPI, um conjunto de 44 organizações da sociedade civil, do governo, do setor privado, de outras redes e de organizações multilaterais que atuam na promoção da primeira infância tem isso como princípio. Essa rede busca, através da consolidação de um Plano Nacional pela Primeira Infância, uma política pública, que busque articular a visão da criança de forma holística, garantindo mais abrangência e qualidade nas ações. A situação atual, todavia, ainda sinaliza para uma exclusão no sistema educacional, sobretudo por fatores externos, como a renda, raça, gênero e condições físicas. Logo, a ausência de políticas públicas que efetivem o combate às desigualdades sociais compromete também os ideais igualitários das políticas de educação pública. Haddad (2007) continua: Nos casos em que a igualdade de acesso não é suficiente para garantir oportunidades escolares a todas as pessoas, o Estado deve intervir com políticas de inclusão em defesa dos grupos mais vulneráveis. Sabe-se que a falta destas políticas afeta 32
Fundada em 1960, é composta por países como: Alemanha; Coréia; Dinamarca; Espanha; Estados Unidos, entre outros. Essa flexibilidade inclui políticas em que se pode escolher –em diferentes momentos – as formas de atendimento que lhe sejam mais adequadas, como para a mãe que trabalha, a localização de uma creche perto do trabalho. 34 Carta de Princípios da Rede Nacional Primeira Infância: em::http://www.primeirainfancia.org.br/Documentos/Carta%20de%20Principios%20%20Rede%20Nacional%20Primeira%20Infancia.pdf 33
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principalmente as pessoas que historicamente foram excluídas do sistema, como negros, idosos, mulheres e camponeses, gerando situações de iniqüidades no que diz respeito ao acesso e à permanência no sistema educacional.(HADDAD, 2007, p.7)
Aos profissionais da educação cabe valorizar todos os alunos, respeitando suas experiências familiares ou institucionais prévias e outras diferenças. Recomendações que podem ser feitas no âmbito educacional dizem respeito à existência de um espaço físico comum para a transição escolar e uma atitude relaxada dos professores envolvidos na passagem. Notamos que, em todos os programas abordados, há uma preocupação com a transição escolar e seus múltiplos impactos na vida infantil, todavia, em nenhuma das regiões há iniciativas que busquem articular os educadores envolvidos na transição do ensino fundamental. A sua permanência, ou mesmo acompanhamento, na passagem da préescola para o ensino fundamental, seria de vital importância para que a criança desfrute de uma passagem mais sadia para o novo ambiente. Em uma sociedade cada vez mais “adultocêntrica”, que busca crianças cada vez mais “prontas” para o futuro (principalmente o futuro profissional), há também uma valorização excessiva da alfabetização e seu impacto na vida infantil. Logo, é preciso que se incentive a visão da mesma como um processo, experimentado desde o nascimento, não existindo uma necessidade imperativa de diminuir o lúdico na vida infantil. Os programas aqui apresentados, nesse sentido, encontram-se em uníssono com a concepção de que o lúdico é uma forma genuína de se relacionar e de aprender. Tendo isso em vista, é preciso não descuidar da escolarização formal. Educadores fazem críticas ao PIM, por não incentivar que as crianças freqüentem a escola, já que o programa não pode ser considerado um substituto para a mesma, que não encontra nenhuma instituição de importância semelhante na vida da criança até 6 anos. O Centro de Políticas Sociais da FGV35 endossa à necessidade das crianças freqüentarem um programa de pré-escola e/ou a creche, pois, assim têm mais chances de se tornar adultos com renda maior e menor propensão à criminalidade, à gravidez indesejada e à dependência de programas assistenciais no futuro. 35
Disponível em: http://www.fgv.br/cps/simulador/infantil/index.htm
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A educação na primeira infância seria, então, um investimento social de políticas públicas que prezem por um alto retorno social. Isso posto, é preciso que sociedade civil e Estado, juntos, busquem alternativas e políticas para não descuidar do bem-estar e qualidade de vida de 22,7 milhões de brasileiros e brasileiras, que sentem, buscam e se relacionam de forma a aprender e contribuir com o mundo a sua volta.
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7. ANEXO I: Resumos dos programas visitados
Creche da ONG Associação Comunitária Monte Azul Início: 1979 Objetivos: Desenvolver a autonomia infantil, através de experiências lúdicas que levem em consideração a autonomia infantil e a relação da criança com seu entorno, o que inclui a relação com a família, a comunidade a as tarefas que serão posteriormente demandadas nesses espaços. Atividades: As 8 creches contam com educadoras formadas em um curso de na própria comunidade. Cada educadora é responsável por 5 crianças, e apesar das atividades não serem dirigidas, há a orientação para que a autonomia e motricidade das crianças sejam estimuladas, circulando pelos espaços sem distinção de faixas etárias, para interagirem junto umas as outras. Além disso, a proposta pedagógica busca a educação pela autoeducação, com uma orientação para a proximidade de crianças das atividades domésticas feitas tradicionalmente por adultos, como cozinhar, para que possam aprender imitando o funcionamento de um lar. Há um projeto sócio-ambiental e um projeto de reforço para as crianças na parte da tarde para facilitar a transição escolar das crianças de 6 anos, que conta com educadores especialmente para tirar as dúvidas e aliviar as tensões das crianças que chegam “pálidas e acabadas” da sua experiência na escola36. Resultados/ Avaliação: Nota-se um envolvimento entre as famílias, educadoras e crianças por morarem todos próximos, há festas e mutirões integrativos. Outros comentários relevantes: As dificuldades enfrentadas pelas creches conveniadas são comuns, decorrentes da falta de valorização dos profissionais e de um convênio que não leva em consideração o custo real da criança, obrigando a creche a buscar financiamentos externos. Além disso, o esquema do cadastro municipal nem sempre priorizar as mães da comunidade Monte Azul em detrimento das outras, o que prejudica a formação de um vínculo dos pais das crianças das creches da favela com os educadores e a instituição.
IFAN - Instituto da Infância 36
Segundo entrevista realizada com Renate Keller, gestora de desenvolvimento institucional, em Outubro de 2008.
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Região : Nordeste (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba) Início: 2004 Objetivos: Entender e facilitar a transição das crianças envolvidas para o ambiente escolar. Atividades: Os Parques Infantis, espaços ao ar livre repletos de brinquedos, são uma estratégia de primeiro espaço de transição da criança da família para a escola, atendem 1063 crianças até 6 anos durante o dia. Funcionam sempre próximo das escolas, utilizados para o recreio, gincanas culturais e esportivas nas férias e em datas comemorativas. Além das 6 comunidades pólos, mais 25 comunidades adjacentes de 5 municípios do Ceará, são beneficiadas pelos conteúdos dos parques, através do transporte semanal de jovens contratados pelas prefeituras como ADIs (Agentes de Desenvolvimento Infantil). Outra parceria com as escolas é o Estação do Brincar, atendendo a 185 crianças de 2 até 6 anos da zona rural, matriculadas ou não na escola (as crianças fora da escola são atendidas na parte da tarde). O trabalho tem na metodologia lúdica, através de brinquedos e atividades motoras utilizando as cores primárias da natureza, o objetivo de testar uma proposta curricular com foco na participação da criança. Resultados/
Avaliação:
Os ADIs
são
responsáveis
por preencher fichas
de
acompanhamento das 1785 crianças em um banco de dados online, que busca avaliar indicadores como linguagem; auto-estima; socialização; criatividade e autonomia.
O
projeto Estação do Brincar tem o objetivo de melhorar em 20% o nível de concentração em sala de aula das crianças atendidas, o que será verificado pelo monitoramento. As crianças aumentaram sua frequência escolar e os professores consideram que após brincar no parque as crianças ficam com a “mente mais aberta para o aprendizado”, ocorrendo uma melhoria no ensino. Pais e mães afirmam que os programas tiram seus filhos da frente da televisão, além de proporcionarem valiosos espaços comuns de socialização. Outros comentários relevantes: A metodologia lúdica utilizada tem como objetivo ajudar nos indicadores escolares infantis, sem bater de frente com a escolarização formal 37, pois com o processo de concretude experimentado nas brincadeiras, a criança reflete e adequa as aprendizagens a sua vida. Uma dificuldade enfrentada pela instituição é a desvalorização nordestina do processo lúdico, tanto pelas famílias, poder público e professores.
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Segundo entrevista realizada com a consultora do IFAN, Vânia Izzo, em Setembro de 2008.
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O desafio da sustentabilidade – O IFAN e seus programas nas Secretarias de Educação A continuidade e a sustentabilidade desses projetos, além de sua possível ampliação, são preocupações constantes para o IFAN, que busca dialogar com o poder público, já que entende as limitações de sua atuação, principalmente no que tange ao tempo e recursos humanos utilizados. O primeiro desafio encontrado no diálogo é a histórica desvalorização dos governos de programas que busquem estimular o aprendizado através de brincadeiras, enfrenta um desafio para obter reconhecimento. No entanto, os municípios onde acontecem os projetos implementados pelo IFAN têm um bom diálogo, de forma que foram aprovados projetos de lei municipais, garantindo sua continuação em orçamentos futuros. Sendo assim, algumas prefeituras com instalações dos parques e parcerias das Escolas com o “Estação do Brincar” deixaram a continuidade dos projetos como prioritárias, ao incluí-los no seu orçamento. Todos os projetos do IFAN são feitos através de parcerias com secretarias municipais de Educação.
CEI Grão da Vida Região: Sudeste Início: 2006 Objetivos: Atender as 147 crianças, que têm entre 0 a 5 anos, em Interlagos, São Paulo, de forma a valorizar o lúdico na experiência cotidiana, fomentando noções como autonomia, identidade e respeito pelos outros e pelo planeta, incluindo o projeto de Educação Ambiental. Atividade: A CEI - Centro de Educação Infantil -, é uma creche conveniada que atende em período integral. As crianças circulam por um prédio municipal de dois andares, com um parquinho, um pomar e uma horta. Autonomia, liberdade de atividades a serem realizadas e motricidade são estimulados em um ambiente onde nenhuma porta é fechada, para fomentar a circulação das crianças, além da interação com pessoas de todas as idades, propiciando seu desenvolvimento sócio-cognitivo. Projetos de extensão de duas faculdades do entorno garantem a convivência de profissionais de enfermagem e nutrição com as crianças, além da realização de Oficinas de Culinárias para os pais, buscando uma aproximação com o espaço infantil. Há também um projeto de Educação Ambiental, com
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parcerias com cooperativas de lixo, além de conscientização sobre o uso do pomar e da horta presentes no prédio e reciclagem. Resultados/Avaliação: Com a proposta de manter as portas da creche abertas para as famílias, há atividades de integração entre famílias e profissionais, e as reuniões e eventuais trabalhos voluntários realizados por mães e pais estreitam os laços dos pais, que, em sua maioria, se dizem satisfeitos. Muitos pais lamentam quando, aos 5 anos e 11 meses, as crianças têm que deixar a creche para a escolarização formal. Outros comentários relevantes: A rede conveniada atende a cerca de 80% do município, e continua crescendo, todavia, não é valorizada pelo poder público38, apesar de preencher os parâmetros de qualidade do MEC. Além da falta de valorização, há uma queixa de certa invisibilidade do trabalho dos ADIs que têm sua auto-estima prejudicada e do valor insuficiente repassado às creches conveniadas, que necessitam de recursos extras para manter-se funcionando. PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação Região : Abrangência Nacional Início: 2009 Objetivos: Política pública com 40 programas cujo objetivo é obter investimentos na educação básica e envolver pais, alunos, professores e gestores, em iniciativas que busquem o sucesso e a permanência do aluno na escola. Atividades: Algumas das atividades listadas são: criação de um piso salarial nacional dos professores (mais de 50% desses profissionais ganham menos de R$ 800 por 40 horas de trabalho); instalação de laboratórios de informática em escolas rurais; garantia de acesso à energia elétrica para todas as escolas públicas; melhorias no transporte escolar para os alunos residentes em áreas rurais e o Programa Mais Educação. Esse último, instituído em de 2007, objetiva que as escolas funcionem em tempo integral, com atividades extras (aulas de reforço, judô e capoeira, por exemplo). O foco do programa são às escolas que não possuam condições estruturais (físicas e equipamentos) adequadas, com a expansão dos espaços e das oportunidades de aprendizagem.
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Segundo entrevista com Soraia de Cássia Rego, diretora do CEI – Grão de Ensino, realizada em Outubro de 2008.
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Resultados/Objetivos: O programa ainda não tem dados de monitoramento, mas a portaria que o instituiu lista três de seus objetivos principais como39: a redução da evasão, da reprovação, da distorção idade/série, estimulo de crianças a engajarem-se em práticas esportivas educacionais e de lazer e promoção da aproximação entre a escola, às famílias e as comunidades. Outros comentários relevantes: Em 2008, mais de 1.500 escolas iniciaram o Programa Mais Educação, e a expectativa é que, em 2009, esse número ultrapasse 10 mil. Caso declarem no Censo Escolar, que funcionam em tempo integral, as escolas receberão um acréscimo de 25% do recurso do Fundeb, para manutenção dessas atividades. As três esferas da educação infantil são integradas em metas de qualidade para a educação básica, que deverão ser seguidas pelas escolas e secretarias de Educação; para aproximar as famílias e obter uma educação de maior qualidade, tendo em vista que a prática de colocar atividades e pessoas diferentes nas escolas é uma prática que modifica a rotina escolar40 PIM – Primeira Infância Melhor Região: Rio Grande do Sul Início: 2003 Objetivos: Desenvolvimento da formação integral de crianças de zero a seis anos no país, atendendo as crianças, as gestantes, a família e a comunidade. O programa é norteado pela orientação das famílias das crianças fora da escola, respeitando sua cultura e experiências. Atividades: Estruturado em três eixos principais: família, comunidade e intersetorialidade, conta com atividades específicas – as modalidades individuais – que são orientações semanais para as famílias, nas suas próprias casas. Tanto as gestantes quanto as famílias com crianças de zero a três anos são atendidas semanalmente. Já na modalidade grupal, são abertos espaços na comunidade para o atendimento semanal de famílias com crianças de zero a seis anos, contudo, o programa não pode ser encarado como um substituto a escolarização formal, já que sua proposta não contempla a ida a escola das crianças.
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Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/mais_educacao.pdf
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Segundo Leandro Fialho, coordenador de Educação Integral da Secretaria de Educação Integral, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação - SECAD em 9 de Agosto de 2008 no jornal Ciranda – Central de Notícias dos Direitos da Infância e do Adolescente. Ver: http://www.ciranda.org.br/
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Resultados/ Avaliação: Já são 5.565 gestantes atendidas pelo programa, presente em 225 municípios do Rio Grande do Sul, mas já são 323 os municípios capacitados para recebê-lo, representando 65% do estado. Em alguns municípios, todas as crianças fora da escola já são atendidas pelas visitadoras do projeto, que atendem, em média, 25 famílias por semana, uma vez por semana, com atividades que busquem o desenvolvimento motor e o fomento da sociabilidade. O sucesso do programa41 é resultado da relação entre os responsáveis pelo projeto e as famílias atendidas, pois há o cuidado contínuo de “estar sempre presente”. Houve uma diminuição da mortalidade infantil do Estado, que, em 2000 registrava 17,7 no Estado, passou para 12,7 óbitos em cada grupo de mil crianças em 2007, uma redução de 15,9%. Tanto professores da rede municipal quanto familiares das crianças atendidas afirmam um interesse e aproveitamento maior das mesmas, no colégio e em casa. Outros comentários relevantes: O decreto 42.200 de 2003 institui o Dia do Bebê no Rio Grande do Sul, comemorado no dia 23 de Novembro, com passeatas na Praça da Redenção, em Porto Alegre e nos demais 225 municípios atendidos, e uma semana da Primeira Infância, com a realização de palestras, oficinas e mais atividades de integração das mães e bebês.
Primeira Infância Melhor como Política Pública Estadual - Experiência única no Brasil Apesar de lançado oficialmente em Abril de 2003, só com o crescimento e consolidação do programa nos municípios que, em 2006, o PIM foi implementado como política pública (lei 12.544/06), com uma verba do Fundo Estadual da Saúde para sua execução. As ações são implementadas pelos municípios, cabendo aos Estados executá-las de forma suplementar, com apoio técnico e financeiro, em um esquema de co-responsabilidade considerado exitoso. As secretarias funcionam em parceria, em sintonia com o CEDIPI – Comitê Estadual para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância, que foi instituído em 2003, através do decreto nº 42.199, que prevê a presença do setor público e setores da sociedade civil em sua representação. A Lei Estadual nº. 12.544, aprovada por unanimidade na Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, sancionada em 3 de Julho de 2006 e foi concebida articulada às Leis nº. 8.080 (que instituiu o Sistema Único de Saúde – SUS); a Lei 8.090 (que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA); a Lei nº. 8.742 (Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS) e a Lei nº. 9.394 (que instituiu as diretrizes e bases da Educação Nacional). Essas leis dizem respeito a temas abordados pelo Programa, como as diretrizes do SUS -Sistema Único de Saúde (universalidade, integralidade, equidade e resolutividade nos serviços de saúde oferecidos à 41
Segundo entrevista realizada com Liése Gomes Serpa supervisora técnica do programa, em Julho de 2008.
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população), demonstrando a extensão das atividades do PIM. A experiência bem-sucedida dessa política pública estadual é reconhecida nacionalmente, tanto que atualmente, seu modelo vem sendo utilizado por Estados como Espírito Santo, São Paulo e Pernambuco.
Programa Creche Para Todas as Crianças – Fundação Abrinq Região: Abrangência Nacional Início: 2007 Objetivos: Melhorar o atendimento e a frequência das crianças de até 3 anos de idade nas creches, faixa etária preterida pelas políticas públicas e pela sociedade civil, corroborados por uma frequência de 17,1%42 . Além disso, o programa visa garantir a educação integral e atenção à saúde e proteção especial das crianças. Atividades: Nos 2 primeiros anos de articulação, sociedade civil e governo foram mobilizados para a causa, para a articulação de fato em 2009. O papel da Fundação Abrinq é articular a rede constituída por esses atores sociais, funcionando em redes regionais, para que desencadeiem ações de sensibilização e mobilização, de acordo com a demanda de cada região. Os articuladores regionais, espalhados por 25 estados, montarão, em um primeiro momento, um retrato regional da situação das creches para avaliar suas demandas para a inclusão de todas as crianças até 3 anos, avaliando a necessidade da melhoria do espaço, construção de outros espaços e recursos humanos.
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Dados da PNAD – IBGE/2007
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Resultados / Avaliação: Como a segunda fase do programa ainda não foi implementada, não podemos ter resultados concretos, fora a articulação que se deu em todo o território nacional. Outros comentários relevantes: A articulação em rede nesse processo é essencial, tendo em vista que a educação infantil é responsabilidade do município, sendo necessário diversos atores para o diálogo, que incluem: militantes pela educação; professores; ONGs, secretarias municipais de educação e empresários, entre outros. A Fundação Abrinq43 considerava inicialmente o atendimento somente às creches como políticas públicas, mas, avaliando a situação nacional em seminários realizados em todo o país percebeu que a força e capilaridade da rede conveniada (como acontece na cidade de São Paulo), assim como as creches comunitárias, realidade presente no Rio de Janeiro, que devem ser fortalecidas.
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Segundo entrevista realizada com Adelaide Jóia, assistente técnica do PCT – Programa Creche para Todas as Crianças, em Outubro de 2008.
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