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LIMBO O LIMBO EDIÇÃO 01 / 2013
N Ã O
JORNALISTAS RESPONSÁVEIS: CLEVERSON ANTONINHO; RAFAEL D. GIUBLIN E YOHAN BARCZYSZYN
COLABORAÇÃO: ADONIS K.; VALDINÉLI MARTINS E BHARBARA MORATO
S A B E
P A R A
O N D E
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S E U S
T E X T O S ?
M A N D A
P R ’ O
L I M B O !
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: RENATO N. SALTORI . BE.NET/RNSALTORI FOTOS: YOHAN BARCZYSZYN
2 A JORNADA DE UM ESCRITOR EMERGENTE NA LITERATURA CURITIBANA EM BUSCA DE SI MESMO
por cleverson antoninho
fotos: yohan barczyszyn
Se nos dias de hoje o mercado de trabalho exige que o profissional saiba atuar nas mais diversas áreas do seu ramo e vá além do óbvio,ele é o que podemos chamar de artista contemporâneo: atua no teatro, na música e na literatura. Transita entre essas três vertentes artísticas, e como integrante das mesmas possui grande curiosidade acerca da cultura musical, literária e teatral/cinematográfica. Seu nome é Luiz Felipe Leprevost; reduzido por motivos práticos para “Leprevost”, dentro dos círculos sociais. Há uma máxima sobre os escritores, que é a de que todo escritor antes de tudo é um leitor. Pergunto como surgiu seu interesse na literatura “Os livros estavam lá”, responde Leprevost. Surge a pergunta lógica de o porquê os livros estavam lá, especulo mentalmente se os pais liam, e como resposta o escritor curitibano diz que seu avô paterno morreu e tinha uma biblioteca enorme, os livros foram divididos desigualmente entre os filhos (sem entreveros), e seus pais foram quem ficaram com a maior parte do acervo. É possível romantizar a coisa e dizer que só se tornou escritor por causa da morte do avô, ou pode-se aceitar o sorriso indiferente como quem anuncia um fato banal com que Leprevost anuncia a chegada dos livros em sua vida e contabilizar como mais um passo nessa jornada individual de cada um rumo ao processo da escrita.
Com respostas tão rápidas quanto a velocidade com que toma café (acaba de terminar uma xícara de cappuccino em menos de dois minutos), conta quando começou a escrever. “Lá pela sétima ou oitava série, mas era sem consciência de escritor, sem pretensão, só escrevia por uma necessidade”. Chegando ao segundo grau começou a ter a intenção da escrita a sério, como algo pelo qual viver em função. Nascido em 21/03/1979 logicamente por meados de 1995/1996 começou a escrever como o ideal de ser um escritor, porém é necessário dar um salto para 2002 e nos depararmos com o primeiro livro publicado (após este primeiro há mais cinco até o presente ano), ouço Leprevost pedir um sanduíche e peço que me conte do primeiro livro, ele pergunta se estou com frio, respondo que vim andando e o frio ainda não me pegou por estar aquecido, ele diz que a quentura que estou sentindo é provavelmente algo similar ao que sentiu anos atrás ao publicar o primeiro livro, faz aquela expressão de quando nos recordamos de algo e se coloca em uma espécie de transe e despeja um monólogo empolgado (que interrompo poucas vezes com onomatopeias ou perguntas curtas) como qualquer pessoa que vá lhe contar sobre algo grandioso que fez quando mais novo: Eu estava fazendo um curso de teatro com uma mulher de fora, do Rio de Janeiro, seu nome era Barbara Heliodora, um curso sobre Shakespeare, mais precisamente sobre Hamlet, e no curso só tinha senhoras, daí lembro que falei com uma das alunas que eu escrevia, e mostrei meus poemas, ela gostou e me indicou uma amiga editora que poderia me dar uma ajuda na editoração. // Antônia Schrminder. // Haha, nem vou saber como se escreve, cara, mas era algo do tipo. // Então, daí que levei pra ela e ela olhou pra mim e disse Adolescente escrevendo poesia? Já sei o que esperar. E riu, mas disse que ia me ajudar porque eu era
amigo da amiga dela ou algo do tipo, daí relemos juntamente os poemas, ela tinha um olhar conceitual sobre a obra, criar um conceito. // Sim, importantíssimo, eu só escrevia, e querendo ou não era uma obra irregular, ela ajudou a fazer um arranjo linear e como disse anteriormente, criar uma obra e um conceito e não só textos soltos tentando desesperadamente fazer sentido juntos. // Como era a obra? Hm, um livro de poemas, e tinha folego, porém era desigual. // Ah, como influências eu tinha e tenho a poesia concreta, e sempre fui mais verborrágico, procuro atingir sonoridades, melodias, ecos, aliterações. // Ah sim, isso foi o mais importante, acho que eu tinha alguma noção de marketing, fiz um lançamento estrondoso. Colei cartazes pela cidade, mandei releases sobre o lançamento para todos os jornais, mandei até pra revistas de anúncio. Visitei os lugares e falei que ia lançar o livro, essas coisas. // Hm, foi na Arcedia
Sebo, não sei se existe ainda (existe sim, pesquisei ao escrever). // E eu já circulava no meio musical, então fiz um pocket show musicando e declamando alguns poemas juntamente de convidados. E no livro vinha um CD com duas faixas. // Porra, como experiência foi demais, eu nunca mais tive tanto empenho nos outros livros. // O segundou round? Hm, vem a correria, levar nas livrarias, deixar em consignação... // Não, nunca houve retorno, lembro que deixei em uma distribuidora e falaram pra eu ir lá buscar os livros, mas nunca busquei. // Nããão, claro que não, não foi um livro que se pagou. // Leprevost responde que somente o primeiro livro não se pagou. Depois foram três livros por leis de incentivo e outros dois por convites de uma editora local. Coloco a blusa que trago na mochila e a chama do escritor inicial que Leprevost sentiu anos atrás pro-
vavelmente me abandonou. Questiono se o empenho em música, teatro e literatura não acaba por comprometer ambas em detrimento de ambas. Ele coça o queixo e diz que estou certo, e que atualmente se encontra em um processo doloroso de abrir mão do teatro e da música, pela escrita. “Eu me perguntei: Sem teatro? Sim. Sem música? Mais difícil. Sem literatura? Não. Antigamente eu tinha capacidade mental pra levar as três coisa no peito, mas agora com trinta e quatro anos eu me sinto mais exaurido, é preciso direcionar mais o que se quer, foi como quando larguei a faculdade de jornalismo anos atrás. Fiz dois anos e meio, mas larguei.” Por quê largou? Pergunto. Responde dizendo que não tolerava a mentira da imparcialidade na escrita jornalistica. Digo que sei bem como é. Recebo um cutucão no ombro dizendo que me provocou e que ao mesmo tempo disse a verdade, ambos sub-rimos, de um modo verdadeiro.
O sanduíche acaba e me questiona sobre o seu livro “E se contorce igual a um dragãozinho ferido”, respondo que gostei da alternância de narrativas por meio de fontes diferentes na diagramação, que achei a linguagem poética num estilo Caio Fernando Abreu, me interrompe dizendo que sua grande referência é Raduan Nassar, respondo que faz sentido, e que se pensar bem realmente há uma vertente nassariana ali (penso se é possível conjugar um verbo provindo de um sobrenome), e finalizo dizendo que não gosto de uma determinada coisa que acontece no fim, digo que acho desnecessária pro desfecho da jornada do casal (ou duas pessoas que foram um casal no passado), e que gostei muito da localização geográfica que alterna entre o Rio de Janeiro e Curitiba, dá pra se situar imageticamente em ambas as cidades através da estória transcrita nas páginas do livro. É, acho que o Dragãozinho foi o meu melhor retorno como escritor. // Mais ou menos... // Não, não dá pra viver somente da escrita ainda, mas o livro me rendeu convites para palestras, boas resenhas em jornais, viagens em função da literatura, essas coisas. // Hum, pior que não, só saíram coisas boas mesmo, mas eu não me importaria, seria bom que falassem mal, quando falam mal ao menos vocês está sendo visto, o problema e o que pode desanimar um escritor é a indiferença. // Só que estou falando em função do que estamos conversando, que é a ideia de viver da escrita em Curitiba, não da ideia de escrever, porque escrever mesmo sei que eu escreveria de qualquer maneira, independente de retornos,
ADOLESCENTE ESCREVENDO POESIA?
JÁ SEI O QUE ESPERAR que é como acho que todo escritor deve pensar, mas claro que isso é só como eu penso, cada um faz do jeito que melhor funcionar pra si. // Consulto matérias sobre o Dragãozinho na internet, e a primeira definição que acho é da Gazeta do Povo: Romance de estreia do poeta e dramaturgo Luiz Felipe Leprevost, E Se Contorce Igual a um Dragãozinho Ferido, é um mergulho visceral em uma relação instável. Nos perdemos um pouco falando sobre o que estamos lendo atualmente, Leprevost me mostra o livro Asco de Horacio Castellanos Moya, tiro da minha mochila o 2666 e ele diz que tenho pique pra encarar esse catatau do Bolaño. Feito um ligador que tem apenas mais dois créditos no cartão telefônico lhe faço duas últimas perguntas. A primeira ele responde dizendo que é evidente que a cena literária local é inferior a São Paulo, Rio de Janeiro ou Porto Alegre, porém temos uma excelência na produção, escritores entre 20 e 40 anos com uma obra de alto nível e cita nomes como Assionara Souza e César Tristo Pale. Na segunda pergunta lhe antecipo que é uma pergunta cretina, rimos e como resposta Leprevost diz que a única dica que pode dar é sentar a bunda, escrever e mostrar, porque o que mais se vê são pessoas reclamando sem ter uma obra publicada, que dá pra publicar textos em blogs, facebook e internet em geral, que é preciso ser lido, que reclamam sem se expor, é preciso correr o risco.
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Digo que vou fazer uma última pergunta e respondo que não será cretina, ele conta que pretende fugir dos editais, reconhece que graças a isso publicou alguns livros, mas que editais possuem uma ideia de mercado e que torna o escritor refém daquilo, mas que essa lógica é visando um produto mercadológico e industrial, porém é uma lógica desigual, já que não há como se adequar e competir com editoras grandes ou subjugar a arte a padrões financeiros, então decidiu assumir e aceitar a incapacidade de competir nessa disputa e fazer algo mais autoral e genuíno ainda que provavelmente com um alcance menor. Apertamos as mãos e nos despedimos, saio andando e Curitiba chove.
(
sem tĂtulo Adonis tem 51 anos, ĂŠ frentista, tatuador e escritor em Curitiba.
)
Então o fim está próximo, alerta o ping-pong da torneira da cozinha. Vazamentos. rachaduras, concreto. Nenhuma ilusão permanece
e aflito restauro alguns vasos
quebrados. Pinto batentes, plantas pelo chão. Plantas de um galpão.
Tristes samambaias fora de moda
e projetos moribundos. Agonizante, olho-me no espelho. Eis o marujo das águas errantes. O lado que não germinou a semente. O empoeirado, agora sem leme, que um mar alegre levou. Para alguma ilha distante, alguma baía, para enseadas desconhecidas, lugares comuns, pradarias, eu fui. Alguma pedra, um monte, uma caverna,
hão de dizer.
Alguma fonte de vida borbulha sem tempo, sem regras, no escuro.
nos mistérios da mente. É um jogo,
Eis o marujo das águas errantes, apenas sem leme pintando batentes.
como dizia,
Aflito, nenhuma visão, projetos moribundos. Coisas pequenas. Eis o marujo das águas errantes e sua pena. Adonis K.
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Xadrez Após perder para ele no xadrez (história que pode ser lida na sequência do texto), meu algoz e colega Yohan Barczyszyn partiu para fotografar outro evento do Litercultura com nosso outro colega. Mas antes de saída triunfal de meu vitorioso oponente, sugeri que ele esperasse a oficina. Neste momento uma senhora negra, baixinha de voz suave, sentada na mesa de recepção do Clube Erbo Stenzel (Travessa Nestor de Castro, sem número, Galeria Júlio Moreira - Centro), Dilma Martins, de 55 anos, falou conosco. Promotora cultural e responsável pelo Clube Erbo Stenzel, Dilma nos conta que já está na hora da oficina, mas como ninguém apareceu, podemos começar apenas comigo e com o Yohan (que precisou sair para cobrir o outro evento). Fiquei apenas eu. A senhora me lembrava muito uma “tia” que trabalhava na escola onde estudei por oito anos da minha vida – do pré à oitava série. A “tia” em questão, além de ser fisicamente parecida e de ter voz semelhante, era contadora de histórias e responsável pela biblioteca da Escola Anjo da Guarda (que, a título de curiosidade, se situa bem próxima da Galeria onde estávamos). Dilma convidou sua colega de promoções culturais e amiga Lúcia Sartori, que pediu: “pode colocar na matéria que eu tenho 50 anos. 50 tá bom, né Dilma?”, e de imediato teve a resposta “50 tá bem justo”. Algo me deixou a impressão de não haver firmeza quanto à idade colocada, mas isso não vem ao caso. Dessa forma, não fiquei sozinho, já que Lúcia e a própria Dilma decidiram participar da oficina comigo – e sem querer antecipar o epílogo da história, mas já antecipando, me proporcionaram mais uma derrota, mesmo que a oficina não se tratasse de uma disputa. Sentei na mesa da recepção, como se fosse o recepcionista, enquanto ambas ficaram na minha frente, no local onde visitantes se posicionariam. A brincadeira consistia da seguinte forma: palavras recortadas de revistas e jornais estavam dentro de uma caixa. Palavras a esmo, sem nenhum contexto específico. No monitor do computador havia diversas pequenas sentenças retiradas de livros de xadrez, com expressões próprias do jogo ou fazendo referência a ele (por exemplo, “o sacrifício de peões” ou “o rei imortal”). O objetivo era formar alguma frase ou uma pequena poesia com as palavras retiradas da caixa e as sentenças não retiradas, mas selecionadas, do monitor. Dilma ainda apontou a possibilidade de incluir uma ou outra palavra qualquer para dar sentido à frase.
P O R R A FA E L DELENSKI GIUBLIN
Costumo ser extremamente criativo no dia a dia, talvez por ser uma pessoa introspectiva, viva sempre imaginando coisas e criando um mundo próprio, mas não costumo deixar a criatividade fluir em momentos em que ela é exigida – momentos de “pressão”. Quebrei minha cabeça muito com as palavras, tentei novas combinações (talvez tenha dado azar nas palavras retiradas da caixa), e só comecei a chegar perto de algo quando já tinha de ir embora. Enquanto isso, Lúcia conseguiu fechar duas frases e Dilma uma (você pode conferir as poesias delas na sequência). De início isso me deixou mais pressionado ainda a atingir o objetivo da oficina, mas depois de conversar com elas, me pareceu natural. Lucia atualmente é instrutora de xadrez, dando aula para crianças carentes e moradoras de rua,
OFICINA DE XADREZ NO CLUBE ERB O STENZEL
Clube Erbo Stenzel, mesmo que tudo tenha saído diferente do planejado. Além de a oficina ter sido divertida e interessante, conheci duas personagens dignas de uma matéria mais completa.
literat ura No dia seguinte à minha visita, também como parte do Festival Litercultura, houve um evento de contação de histórias organizado por Dilma. Infelizmente eu não podia marcar presença, mas ela me deu uma palhinha do que seria apresentado. Uma das histórias que seriam lidas era um conto presente no livro “Histórias de Xadrez”, de Abrão Aspis. O conto trata de dois enxadristas que se conhecem por correspondência e resolvem começar a jogar dessa forma, enviando cartas um ao outro com os movimentos a serem realizados. Dilma e Lúcia representam a leitura demonstrando como estava sendo a partida, utilizando um tabuleiro. Outra história estava presente no livro “Crônicas de Xadrez”, de Helder Câmara. Nesta, ele descreve uma partida de xadrez traçando o paralelo entre um gato caçando um rato.
e Dilma cuida do Clube de Xadrez, mas no currículo delas está presente um detalhe bem interessante. Ambas trabalham com literatura (e juntas) há mais de 40 anos. O principal foco delas eram as crianças. São contadoras de história, participaram de diversas atividades e projetos de incentivo a leitura, dos quais podemos destacar o projeto “Quarto Crescente”. Funcionava como um grupo de literatura, em que era apresentado um escritor curitibano e sua biografia. Em seguida os membros do grupo liam alguma obra do autor e debatiam. Por fim, faziam uma visita organizada às casas dos escritores. Participaram nomes importantes da literatura local, como Paulo Venturelli, Antonio Thadeu Wojciechowski e Cristovão Tezza. Além disso, elas trabalharam na coordenação da Biblioteca Pública do Paraná.
Uma pena eu não ter marcado presença neste evento, mas fiquei feliz de ter comparecido no
Entre os eventos selecionados para nossa participação estava a exposição de literatura enxadrista, que ocorreria no Clube de Xadrez Erbo Stenzel. Achei interessante a proposta, me propus a ir. Logo acreditei que seria o membro ideal da equipe “O Limbo” para cobrir a exposição, já que fui iniciado no xadrez ainda aos seis anos de idade, através do meu pai, e cultivei a atividade durante o ensino fundamental e ginásio, pois na minha escola as aulas de xadrez faziam parte do “currículo básico”. Apesar disso, nunca me aprofundei no jogo e nunca joguei muito bem. Apenas faço o feijão com arroz. Ainda assim, acreditava que era o único que jogava, já que poucas pessoas praticam o esporte.
10 DESENCONTROS
9h 57min Encontrei-me com o Yohan, que ficou responsável por tirar as fotos da mostra, numa manhã chuvosa. O ponto de encontro foi o Largo da Ordem. Cruzamos o local em busca do Clube, localizado no endereço supracitado. Após algum tempo procurando e até utilizando um GPS para nos orientar, e de termos passado em dois estabelecimentos para meu colega comer alguns doces, entramos em uma galeria subterrânea que atravessa a rua em questão, após insistência do fotógrafo. 10h 19min E lá estava o Clube de Xadrez Erbo Stenzel. Menor do que eu imaginava, e com uma exposição também menor do que eu imaginava – cerca de 10 ou 15 livros dentro de uma pequena prateleira posicionada na frente do local. Observamos também que o banner com os eventos do Litercultura que ocorreram por lá estava mais completo do que o site do Festival. Havíamos perdido por minutos a apresentação do escritor Geraldo Magela. Mas na sequência haveria uma oficina de literatura enxadrística. Decidi esperar. Nesse meio tempo fomos conferir a grafitagem que estava sendo feita na saída da galeria – também como parte do Litercultura. O painel era em homenagem ao Leminski. Enquanto conversávamos e o Yohan fotografava, conversamos sobre o xadrez. Logo descobri que não era o único a praticar o esporte. Meu colega também jogava desde pequeno, e além disso já havia participado e conquistado inúmeros torneios. Perante tal fato, não tive outra opção senão desafiá-lo para uma partida. Infelizmente minha memória não é tão boa para lembrar de muitos detalhes da partida, e se eu fizesse anotações durante a disputa, tiraria todo o sentido dela e também de escrever sobre ela. O ponto é que o jogo estava disputado, apesar da superioridade tanto técnica quanto situacional do meu algoz. O jogo prometia um desfecho interessante. Porém, nosso outro colega, que iria cobrir uma palestra que ia ocorrer dentro de minutos, requisitou a presença do fotógrafo, o que nos fez apressar a partida e adiantar a minha inevitável derrota.
RESULTADOS DA OFICINA Incrível, feito o movimento Inesperado lance repetido Hora fatal Apenas MATE
lúcia sartori Tabu Tabuleiro: Duas fronteiras distantes é o palco do drama, O Rei como Alvo!
dilma martins
Campo de batalha Inusitados desafios Surpresa! Partidas sem vitórias
lúcia sartori
O É
XADREZ
UMA LUTA
CONSIGO MESMO
rafael giublin
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concurso
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abrir
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novos
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locais
L I U I A
por rafael giublin
No dia 18 de abril deu-se início às inscrições do concurso Impulso Literário, que tem como objetivo divulgar novos autores, movimentando o cenário literário curitibano e construindo um espaço para novos escritores. Os autores poderão inscrever seus contos e poesias até uma data ainda não definida. De início, a previsão era até o dia 29 de julho, mas o período foi estendido. O projeto é realizado pela editora Impulso Visual, que iniciou suas atividades em fevereiro de 2013 pelo técnico em artes cênicas Thiago Dominoni, de 23 anos, e que publica livros artesanais focando os pequenos escritores locais. Um dos prêmios, inclusive, é a publicação de um livro artesanal por parte da editora. Também haverá premiação em dinheiro para o vencedor. Segundo Dominoni, além da divulgação de novos autores, o Impulso Literário tem por objetivo gerar uma reflexão sobre o mercado literário. “Quando envolvemos um leitor na criação de uma obra de arte, incitamos uma reflexão sobre questões pessoais, e da sua permanência no mundo literário. ‘Será que posso publicar meu livro? Produzi-lo através de outro meio?’, essas são algumas questões com as quais o participante vai se deparar”. Daniel Zanella, aluno de jornalismo e diretor, produtor e editor do jornal literário Relevo, foi um dos quatro jurados selecionados (ao lado de Andressa Marzani, Dirceli Lima e Michelle Meschino, cujos currículos você poderá ver uma descrição detalhada a seguir). Zanella aponta os seguintes critérios que serão utilizados no julgamento das obras: “Nós avaliaremos concisão, forma, enredo, ortografia. Cada critério dará
uma pontuação e o candidato poderá ter acesso à sua nota de julgamento ao fim do concurso”. Em relação aos jurados, o idealizador do concurso conta ter recebido 18 currículos de interessados em participar do júri, e destes três foram selecionados com base na participação em outros projetos no meio literário, comprometimento e currículo. Desta forma, ele selecionou três jurados, e em seguida, um quarto foi indicado e acabou aprovado pela equipe. o projeto O concurso Impulso Literário é ‘filho’ do projeto Impulso Visual, segundo Thiago Dominoni. Antes do lançamento da editora, já havia o objetivo de produzir cadernos artesanais, confeccionados com estamparia e costura copta. As capas são produzidas de forma personalizada, baseando-se na ideia do autor. Em seguida, foi lançada a editora. Pioneira em publicações artesanais no Brasil, ela permite que o autor participe de todo o processo produtivo. Já foram produzidos três livros com 50 exemplares cada, na curta existência da Impulso Visual, e também foi filmado um curta para a divulgação de um deles. Por fim, a terceira parte do projeto busca trabalhar com concursos literários e projetos culturais que abram caminho para novos autores – onde se encaixa o Impulso Literário. Dominoni também pretende trabalhar com coletâneas de contos e poesias destes autores, futuramente.
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A TRAJETÓRIA CRÍTICA LIDARÁ LEITORES, A FORÇA DOS SELOS MUITAS VEZES TARDIO, ENFIM, ONAR AQUELES QUE ESPERAM DO POMPAS / DANIEL ZANELLA
dois pontos de vista do cenário literário curitibano Para Daniel Zanella, Curitiba conta com um cenário rico na literatura. “Temos importantes impressos literários como o Rascunho e o Cândido, boas revistas periódicas como O Rato, a Jandique e a Bólide, uma belíssima revista trimestral de contos, a Arte & Letra Estórias, além de boas livrarias independentes como a Arte & Letra e a Poetria; e megastores de shopping, como a Livraria Cultura”, coloca Zanella. Ele também cita autores, como Dalton Trevisan e Cristovão Tezza, no cenário internacional, e escritores locais como Jussara Salazar, Luci Collin, Assionara Souza, Rodrigo Madeira, Ivan Justen Santana, mas assume a falta de um movimento literário local, que una tais autores. “Além dos críticos de jornal e dos coletivos literários, também é importante ressaltar a ação dos contadores de histórias e da força da literatura infanto-juvenil na cidade”, finaliza.
xo”. Ele também cita a falta de dinheiro para maior capacitação, dificuldade para publicação e o pouco espaço na mídia como problemas.
Já Thiago Dominoni foca seu ponto de vista na falta de união da classe em busca do bem coletivo. “Somos atualmente a sociedade do ser individual, a do prazer e da sociedade da imagem. Estamos cada vez mais interessados em NOSSOS [sic] projetos individuais e de NOSSAS [sic] realizações pessoais na arte. Estamos esquecendo que somos formados pelo outro”, aponta o organizador do Impulso Literário.
Zanella cita que o grande diferencial para o crescimento de um novo escritor é a sua qualidade. “O escritor em início de trajetória pode começar submetendo seus textos à análise de concursos, jornais, críticos e propor a divulgação de seu trabalho em redes sociais e blogues. Seu projeto literário, se for consistente, o levará para inevitáveis avanços” aponta. Mas o editor do Relevo coloca um porém: “Ainda assim não será fácil furar o bloqueio cultural generalizado do país: o escritor visto como um excêntrico integrante de uma maçonaria de palavras”. Segundo o aluno de jornalismo, é possível viver de literatura em Curitiba e no Brasil, mas o trajeto pode ser longo e esburacado: “O escritor que pretende desenvolver uma trajetória crítica lidará com as intempéries do baixo índice de leitores, a força dos selos do eixo Rio-São Paulo, reconhecimento muitas vezes tardio, enfim, uma série de fatores que podem decepcionar aqueles que esperam do meio literário as láureas, as honras e pompas”.
Por outro lado, vê uma grande movimentação na área neste exato momento: “Nesses últimos meses, por coincidência, muitas pessoas estão trabalhando no meio literário. Teve meu próprio concurso, Revista o Rato, Jonal O Relevo, Jornal Rascunho, Cândido, Litercultura, Literarte, OTV, concurso literário pela Biblioteca Pública, Hora do Conto nas casas de leitura. Isso tudo é muito bom! É muito prazeroso enquanto artista estar imerso nesse momento de grandes explosões de expressão”. Ainda em relação à união da classe, Dominoni considera que há dificuldades para os novos escritores, em parte pela falta de espaço, pela cultura local de valorizarmos o passado apenas, e pelo individualismo no setor, que segundo ele, deveria se unir não apenas entre os escritores, mas sim entre todos os artistas da cidade, sejam músicos, artistas plásticos, escritores etc. Este individualismo também é apontado como uma das dificuldades para novos escritores se estabelecerem no meio, de acordo com o proprietário do jornal Relevo, que o considera “diluído e heterodo-
Dominoni, por sua vez, critica os concursos literários locais, que têm o objetivo de premiar os vencedores com dinheiro ou com algum certificado, mas que esquecem de pensar no seu trabalho “pós-concurso”. Ele também coloca a falta de sensibilidade dos iniciantes em “estar no lugar certo e com as pessoas certas e de boa intenção” como um problema. “O novo escritor, pela ansiedade de mostrar seu trabalho, acaba não entendendo profundamente todos os lados das oportunidades que aparecem, editais, leis de incentivo. Precisamos nós, os novos escritores, termos um olhar mais amplo da situação para identificar os problemas e as soluções”.
Dominoni também acredita nessa possibilidade e o principal fator, segundo ele, além de ter boa vontade e dedicação, é a união com a classe, que é importante para render bons frutos. “Precisamos estar conectados com pessoas que já realizam bons trabalhos e estar sempre em constante trabalho e em constante processo de atualização cultural do meio em que vivemos. Precisamos conversar com outras pessoas que escrevem, trocar ideias, pensar em futuros projetos. Temos que sair da concha do ‘eu’” finaliza o organizador do concurso.
andressa marzani
dirceli lima
Pós-graduada em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), e no momento está concluindo a especialização em Literatura Brasileira e História Nacional pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Colabora com resenhas de obras de literatura para o site Mais1Livro.
Formada em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná e em bacharel em Artes Cênicas pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP). Possui pós-graduação em Gestão Cultural pelo Serviço Nacional do Comércio e é mestranda em Estudos Literários pela UFPR (2013 a 2015).
michelle meschino
daniel zanella Editor do impresso literário ‘Relevo’, com circulação mensal em Curitiba e região metropolitana há três anos e aluno do 4º ano de jornalismo. Também produz crônicas, gênero em que publicou oito coletâneas por diferentes editoras.
Produtora de Eventos de Arte, Comunicação e Cultura em Curitiba. Graduada em filosofia (UFPR) e pós-graduanda em gestão e produção cultural (UTP). Diretora de Produção desde 2001, e sóciaproprietária da agência Kraft Cultural - Consultoria, Projetos & Eventos Ltda, onde desenvolve projetos, eventos e espetáculos culturais para instituições dos diversos setores.
O S J U R A D O S P Á G I N A 1 5
16 RESENHA
PRESENÇA
por rafael giublin A literatura latino-americana é consagrada mundialmente por sua vertente do fantástico, o Realismo Mágico. Infelizmente, aqui no Brasil os escritores que trabalham nesta vertente não são valorizados, ao contrário de nossos vizinhos. Alguns dos autores que se arriscaram neste setor foram José Veiga, Murilo Rubião e Silvio Fiorani. Este, paulista, escreveu vários romances e contos na área. Um dos contos é “Nunca é Tarde, Sempre é Tarde”, narrativa concisa cujo tema é o eterno repetir de uma jovem que não consegue acordar.
Baseado neste conto temos o curta metragem Pre-sença (2011), de Guilherme Giublin. Se no Brasil temos certa resistência a autores que trabalham com o fantástico, podemos dizer que no cinema mundial adaptações costumam ser contestadas. O grande mérito desse curta é basear-se, mas da forma mais livre possível no conto. Nele temos uma moça (Ciliane Vendrusculo) que trabalha de secretária. Ela acorda e se arruma minuciosamente para ir ao trabalho. Já arrumada, a secretária está saindo de casa com destino ao seu emprego, mas ao tocar a maçaneta, a campainha de seu apartamento toca e ela acorda, notando que na verdade, o que está tocando é o seu despertador. Isso se repete algumas vezes, até que ela acorda e vê sua maquiagem e perfume em cima da mesa, ao invés de metodicamente guardados como ela sempre deixa. Isso ocorre pois na última vez em que acordou, a protagonista não pôde guardar os objetos, o que nos faz refletir se ela está sonhando ou repetindo eternamente o ato de despertar do sono. O final realça ainda mais a dúvida e reforça o ciclo. A personagem pede ajuda para sua mãe, e esta tranquilamente sugere que a moça volte para a cama, pois em breve irá acordar. A vida é um pesadelo ou o pesadelo é ela ter que acordar na mesma rotina todo dia para o mesmo emprego A MENINA O filme narra o conto fielmente, porém há uma menina com cerca de cinco anos que acompanha a personagem principal durante toda a narrativa, o que não faz parte do conto. Segundo o Guilherme Giublin, a resposta está no título das obras (tanto do conto quanto do curta).
SECRETÁRIA NEM BONITA NEM FEIA NO
No conto de Fiorani temos várias vezes a personagem dizendo para si mesma que é uma secretária, na frente do espelho. Temos a impressão de que ela escolheu essa vida de secretária e que tem de arcar com as consequências dessa vida, dessa rotina. É uma ideia kierkegaardiana da vida, em que ela é feita de escolhas, e nos angustiamos por essas várias possibilidades de escolhas, e também nos angustiamos por escolhermos determinada possibilidade – como ser secretária –, o que exclui outras opções. Já no filme a menina (brilhantemente interpretada pela jovem Bianca Slompo, em seu primeiro trabalho como atriz) muda isso. Esta personagem tem que ser analisada por não estar no conto, e para isso devemos recorrer a outro filósofo. Heidegger pensa que todos nascem com uma individualidade em si, porém como estamos num mundo social, acabamos perdendo nossa individualidade para a massificação social. Ainda assim, parte de nossa individualidade sempre está presente. Durante o curta, a menina tenta afastar a secretária de seu mundo massificado, roubando seu celular, oferecendo o café da manhã, numa tentativa de fugir da realidade imposta para a sociedade a fim de entrar em seu próprio eu. De destacar a sua individua-
FIM DE SEMANA SIM
lidade perante a contaminação que a sociedade inferiu em sua própria individualidade. A menina pode ser vista como a cura para esta rotina, como a personificação do verdadeiro eu que a secretária guarda. Pre-sença é o termo heideggeriano para o ser do ente, aquele que pensa o próprio ser, o que a menina quer que a secretária faça. Em suma, Pre-sença consegue adaptar o conto fielmente em toda sua estrutura narrativa, porém o altera em seu sentido. A adaptação mais fiel consegue ser a mais distante, contando com um “eu” próprio. Aí notamos o brilhantismo e a inovação desse pequeno exemplar da sétima arte.
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PRE-SENÇA: YOUTU.BE/VQDVVPQCT FE
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COMENDO BOLACHA MARIA NO DIA DE SÃO NUNCA POR CLEVER SON ANTONINHO
Em Setembro de 2013 foi lançado o selo literário Encrenca, feito pela editora Arte e Letra, e que lançará três livros de autores curitibanos sem grandes editoras mas com grandes escritos. O nome Encrenca é em homenagem ao escritor Manoel Carlos Karam, que possui um livro homônimo ao selo. De 16 a 21 de setembro a Praça Santos Andrade recebeu a Semana Literária do Sesc e Feira Universitária do Livro Editora UFPR, tendo Karam como seu patrono. É possível pegar a edição número 25 do Jornal Cândido, de agosto de 2013, abrir na página 13 e, em ensaio escrito por Paulo Venturelli, professor e crítico de literatura, identificar que na escrita Karam não se preocupava com as regras estabelecidas e propunha uma nova dicção que encantava e intrigava. Quem é Manoel Carlos Karam? Rubem Fonseca disse que a maior biografia de um autor está no que ele escreve. Passe por ao menos cinco sebos no centro de Curitiba – não encontrará nenhum livro do Manoel. Vá andando até a feira literária do Sesc, conte mentalmente 20 barracas literárias e depois desista de contar mais, somente em uma barraca haverá livros do Manoel. Gaste 18 reais e vá embora com o escritor curitibano que ganhou o prêmio Cruz e Souza de literatura em 1995, tendo oito livros publicados e a Casa de Leitura do Parque Barigui batizada com seu nome. Leia.
Comendo Bolacha Maria no Dia de São Nunca faz com que exista a vontade de ler mais coisas do Karam, visto que na orelha do livro Valêncio Xavier diz que K. está escrevendo o mesmo livro desde sempre, e que somente grandes escritores conseguem isto, tipo o Kafka. Antes de ler, folheie o livro como se folheia um livro visando vento para aliviar o rosto do calor, verá que as letras estão disformes, alternam entre poesia, escrita corrida, teatro, itálico, aliterações e tudo o mais, pesquise na internet o gênero do livro e, como resposta, obterá “coisas do Karam”. O livro começa com Pane e Circo. Já é possível deparar-se com a escrita do Karam, seca e simples, refletindo uma pessoa que filosofa sobre os tetos dos elevadores esconderem algum mistério e a partir daí descarrilhar várias coisas do dia a dia, com escrita seca e malandra. Como um Trevisan que tivesse lido muito Rubem Fonseca. Ou um Cortázar, no que se refere ao manejo das palavras. Karam é engraçado, não se leva a sério, leva a sério o não se levar a sério (vide aqui uma construção gramatical condizente com a escrita do K. levar a sério o não se levar a sério), depois vem Embaraço na Garganta, seguido de Jogo para Um, no qual o sujeito (oculto) nos conta que seu sequestro aconteceu como imaginava um sequestro e não como um sequestro
KARAM NOS TRAZ UMA CURITIBA TRIVIAL E UM CAOS HABITUAL, CHUTES EM POMBAS.
poderia acontecer, e diante disso temos um monólogo que desenvolve um conflito mental sobre dormir sentado amarrado na cadeira. O personagem imagina que, quando dorme, o deitam e desamarram, e antes de acordar é amarrado e sentado novamente na cadeira – coisas do tipo, tipo Karam. Em outro escrito do livro, Karam diz que “tenho mapa que norteia o meu perder-se mas não vendo não empresto tira o olho do meu mapa”. Depois vem outras palavras escritas e que de modo homônimo dão título ao livro, nesta parte o que pode-se dizer é que há trechos curtos, uma secura e jogo de palavras dignos de um Leminski em seus melhores haikais e evidentemente (de modo benéfico) há ao menos o dobro ou triplo de pontos finais diante da quantidade de vírgulas, e cousas como alguém que aproxima-se de um desconhecido na rua e pergunta que horas são, porém torce para que o desconhecido não tenha um relógio, ou um volume de música tão alto dentro de um carro que faz com que o atropelado dê um passo de dança antes de cair. O livro continua neste fluxo Karam de ser, ou seja, fluxo nenhum. Há trechos melancólicos e que combinam com a Curitiba mais chuvosa possível (feito a do dia em que escrevo este texto), com palavras lhe
dizendo que “Saiu para viajar, nem estranharam que ele levou o cachorro”. Ou que “Nunca imaginou, nunca Curitiba, era pra ter, ou que a vida tem gosto de cabo de guarda-chuva”. Em Um Calcanhar Avariado e Outras Histórias, Manoel desenvolve a loucura com tomadas de teatro e algo que dá a ideia de um Raskólnikóv convulsivo brincando consigo mesmo e a capacidade de construir um monólogo no qual discorre comicamente sobre comer bananas e jogar as cascas para frente: “Um sujeito que joga cascas de banana no próprio caminho, dá pra dizer que esse sujeito foge dos riscos da vida?”. E é isso que fica ao ler o Manoel, uma pergunta diante de tantos surtos e aliterações cômicas: esse sujeito fugia dos riscos da escrita?
19 Manoel Carlos Karam nasceu em 1947. Pego o livro ao meu lado e o meço com uma régua, 13,5x19 m, 160 páginas. Karam morreu em 2007, folheio o livro, uma Curitiba que sempre existirá.
PÁSSAROS CAFEINADOS texto e fotos: yohan barczyszyn
(literatura
Se dá uma matéria? Coisa nenhuma. Não deslanchou, sabe como? Aquela coisa. Malemal sabia o endereço, rabisquei umas perguntas logo antes de sair. E fui. Daquele jeito, sabe como? Lá na General Carneiro, 184. Dá 13, eu sei. A soma dos números. Mas nunca fui supersticioso. Do Rubens Fonseca, aquela frase: “tenho ginásio, sei ler, escrever e fazer raiz quadrada, chuto a macumba que quiser”, é isso aí. Oi? Rubem. Rubem, Rubens, tanto faz, o cara tá morto mesmo. Não tá? ...pois olhe, é isso que estou dizendo. Negócio de se informar é comigo não, sabe como? Profissão errada, essa. Escolhi de bobeira. Mas e aí fazer o quê, não é mesmo? Como eu dizia... espera aí, melhor pular o parágrafo pra não embolar tudo. Separar as ideias, não confundir o leitor, sabe como? Parei o carro oitocentas quadras antes do barzinho. Quer dizer, nem era bem barzinho, tava mais pra, como se diz, uma gibiteria, giboteca, gibirosca, mas dessas que servem cafezinho, tipo um lugarzinho todo cult com uns garotos devorando revistas em quadrinhos e meninas borrando o batom em xícaras de mocha com chocolate meio-amargo e cappuccinos com canela e café com panna e macchiato (que é um café coberto por aquilo que eles chamam de “crema do leite” [que é na verdade a espuminha que faz quando batemos o leite e derramamos sobre o café e forma-se aquela pequena poça esbranquiçada sobre o líquido preto]) pequeno ou médio e café com leite e café com chantilly e café breve e café cortado e por deus que não sou, eu juro, não sou capaz de conceber o conceito de um café cortado, mas isso tanto importa porque, você sabe, eu estou descrevendo os tipos de café porque, você sabe, não deu muito material a coisa toda, talvez eu até, não sei, talvez coloque uma receita para um desses cafés mutantes lá no final da matéria (você pode inclusive ir até o final disso [até aquele boxezinho ao lado ou embaixo da matéria com o título Receita de Café Mocha] e anotar a receita, eu lhe incentivo a fazer isso. Leia a receita, vá ao mercado, compre os ingredientes necessários, volte, prepare
visual
uma bebida quente para si mesmo, sente-se confortavelmente e retorne à leitura, eu vou lhe esperar aqui). O nome do lugar, desse cafezinho-cheio-de-gibis-e-garotas-maquiadas é Comics Café e você pode dar uma passada por lá qualquer hora dessas, você sabe, para conferir tudo o que estou dizendo aqui. Para ver com seus próprios olhos, como dizem. Basta voltar lá pra cima no texto e anotar o endereço (e não se preocupe com o resultado da soma dos números de localização da Comics [a não ser, é claro, que você seja supersticioso {ao contrário do personagem do Rubem/ns Fonseca, que é um escritor que ainda não morreu, apesar de ter nascido em 1925 – fiz uma checagem rápida enquanto procurava a receita para você}]). O fato é que lá estava eu, um cara em busca de uma matéria, batendo umas fotografias de uma miniatura de quadro-negro pendurada na parede do lado de fora, na qual alguém escrevera com giz branco a descrição do evento que aconteceria ali: o lançamento de um quadrinho chamado Lovin’ Birds – título galante, sem soar ostentoso. Meu dever era encontrar seu autor, de codinome Sylvio Zé (alcunha de super-herói curitibano, talvez?), jogar para ele algumas perguntas (que anotei previamente em uma caderneta cheia de rabiscos, desenhos pornográficos e anotações dispersas) e ver se aquilo ali se transformaria em qualquer coisa que eu pudesse colocar no projeto da minha conclusão de curso. O garoto-autor já estava na Comics quando cheguei. Trocamos cumprimentos e fomos nos sentar a uma mesinha próxima à janela. Pedi um café com leite ao garçom e toquei a conversa com ele, o Sylvio Zé (que tinha mais ou menos a minha idade, o que ajudou um pouco no processo de descontração do clima, como dizem [coisa que para mim é fundamental, já que tenho esse negócio de ficar meio tímido quando preciso conversar com quem não conheço], de modo que a conversa fluiu de forma relativamente natural).
e
o
número
13)
All-star Outlaws, disparou Sylvio Zé. Uma coisa meio faroeste, complementou, e ofereceu o desenho incompleto da primeira página pra que eu desse uma olhada. Teve apoio? Tive nada. Fiz em casa mesmo. Pra fazer as cópias tirei a grana do bolso.
Fiz as perguntas de praxe, sabe como?, daquele jeito: A história em quadrinhos, quantas páginas? 12. Onde eu compro? Na Itiban. Tem cinco cópias lá. E no total, tem quantas? Quero dizer, as cópias, quantas foram feitas no total? 80. Cinco na Itiban, o resto comigo (e notei, quero dizer, eu o autor desta matéria, que todas essas 75 cópias estavam empilhadas sobre a mesa bem ao lado de Sylvio Zé). Uhum, uhum, disse eu, anotando as respostas em palavras-chave na caderneta. E o processo de produção, como foi? Três meses, considerando roteiro e desenho e tudo mais.
Matei a xícara de café com leite. Pedi outra. Perguntei ao Sylvio Zé desde quando ele fazia isso, você sabe, quero dizer, há quanto tempo ele desenhava. Desde sempre, acho. É, desde sempre. Sei. E tem alguma outra obra publicada? Não, não. Essa é a primeira. E tuas referências, quais são? Quero dizer, outros artistas e tal. Desenhistas. Sylvio Zé rolou os olhos, pensando na resposta. Ofereceu três nomes: Rafael Grampá, Paul Pope e Lourenço Mutarelli (dos quais eu só conhecia o Lourenço, a bem da verdade, e uma ou outra coisa sobre um quadrinho do Grampá, algo sobre um motorista de caminhão e, enfim, você pode bater esses nomes em alguma ferramenta de busca on-line e checar, sabe como?, pra se aprofundar no tema, como dizem). E tá pretendendo publicar mais algum trabalho teu, tipo em breve, alguma outra revista em quadrinhos?
Legal, eu disse – e era legal mesmo, você sabe, genuinamente. Aquele traço preto e branco que prende o olhar, sabe como? O charme que só os trabalhos não terminados têm, a áurea do rascunho. Matei a segunda xícara, saí para fumar um cigarro, fiz algumas ligações que pouco ou nada tinham a ver com meu trabalho ali e retornei para dentro. Surpreendi um garoto, um amigo de Sylvio Zé (um cara chamado, deixa eu procurar aqui... “Ricardo Megan, 23 anos, designer” – anotei algo sobre ele, mas as informações foram tão precárias e minhas perguntas tão obsessivamente simplórias que preferi simplesmente não transcrevê-las aqui, sei que você entende), folheando as páginas da minha caderneta (que havia ficado sobre a mesa [ao lado da segunda xícara] – repleta [como dito anteriormente] de desenhos pornográficos que, juro, não eram de minha autoria [e não eram mesmo, de fato]). Tomado de susto semelhante ao das crianças que são pegas pelos pais em uma atividade proibida (você sabe bem como é a cara de ser apanhado no pulo, como dizem), o garoto soltou a caderneta e se levantou da mesa. Embaraçosa, é o termo para descrever a situação.
Sentei-me outra vez. Pedi ao Sylvio Zé um exemplar de Lovin’ Birds. Li a história em poucos minutos. Era genial: tratava da paixão de um pássaro por uma pássara e sua conseguinte desilusão amorosa. Uma história de amor muda, permeada por conflitos de natureza animal/emocional e sem final feliz, do jeito que as verdadeiras histórias de amor devem ser. Tristes, cruas, sem cor. E o garoto ainda tinha talento para ilustrar. É o suficiente, pensei, fechando a caderneta. Sugeri ao Sylvio Zé que batêssemos umas fotos (pra deixar a matéria lá do projeto do tececê mais carnuda, sabe como?). Cliquei alguns de seus trabalhos sobre uma mesa. A luz estava desfavorável. Então pedi a ele que se sentasse em uma cadeira qualquer para, você sabe, ter efetivamente algumas fotos do autor para acompanhar o texto final, para que o leitor depois olhasse para as imagens, enquanto lia a matéria (se é que ela seria realmente escrita), e pudesse dizer “Ah, então esse é o sylviozé” e “Ah, então essa é a história em quadrinhos” e assim por diante, por isso fui clicando e dizendo levanta a cabeça, clique, isso, agora abaixa, clique, mais pra cá, clique, mais pra lá, clique clique, fica assim, agora assado, clique, e fiquei o tempo todo pensando que eu devia era ter feito logo um curso de fotografia. Enquanto eu batia as fotos, Sylvio Zé rabiscava um desenho. Cinco minutos depois me entregou o papel com uma dedicatória e um esboço do Bizarro (uma versão cinzenta e, pois bem, bizarra do Super-Homem, aquele cara da cueca vermelha à mostra, sei que você sabe quem ele é, mas vai que, né). Agradeci pelo souvenir, trocamos um aperto de mãos, dei parabéns a ele pela agaquê (que, esqueci de dizer, custa uns cinco ou dez reais, eu não tenho certeza disso agora, mas certamente sei que se trata de um valor bem menor do que ela vale mesmo, assim, de verdade), paguei a conta e escapei pela porta com a câmera, minha caderneta e uma meia-matéria esperando ser digitada. Já na calçada, ganhando a rua e tomando distância da Comics e dos cafés e das meninas e dos quadrinhos, olhei para trás e vi os números pendurados ali na parede, a soma 13, tentei um sorriso, apertei o passo, o trabalho estava feito, nunca fui supersticioso.
RECEITA DE CAFÉ MOCHA •
240 ML DE CAFÉ QUENTE; • UMA COLHER (SOPA) DE AÇÚCAR; • UMA COLHER (SOPA) DE CACAU EM PÓ SEM AÇÚCAR; • QUATRO COLHERES (SOPA) DE LEITE (OU DUAS COLHERES DE LEITE EM PÓ). MODO DE PREPARO: EM UMA CANECA, MISTURE O CAFÉ QUENTE COM O CACAU, O AÇÚCAR E O LEITE.
Gonรงalo M.
Tavares
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DIALOGA SOBRE A LIT ER ATUR A EM SUA VIDA
por cleverson antoninho
ESCRITOR LUSO ARRANCOU RISOS COM PIADAS INTERCALADAS EM RESPOSTAS LONGAS EM TORNO DO MUNDO LITERÁRIO
Dono de uma extensa obra literária, Gonçalo M. Tavares foi o maior nome do Litercultura, primeiro festival literário de Curitiba. O autor tem 43 anos e 32 livros publicados ao longo de 12 anos de carreira. Números que juntamente de sua qualidade literária o colocam como um dos principais autores da literatura contemporânea. E que também colocou pessoas em quase todas as cadeiras que estavam dispostas no Palácio Garibaldi. Evento cheio. Gonçalo M. Tavares foi entrevistado por Flávio Stein na tarde de 17 de agosto, e como era de se esperar, Curitiba estava fria e nublada, e se você já leu algum trecho da prosa do escritor português ou de autores provindos deste boom literário português liderado por Saramago e seguido por Tavares e Valter Hugo Mãe, era de se esperar monólogos digressionistas e filosóficos diante de perguntas curtas compostas por no máximo duas frases. E o português, assim como Curitiba, não fugiu do que se era esperado. Fato este que exigiu maior atenção do público, somando os monólogos ao como o português de Portugal costuma soar rápido aos ouvidos brasileiros. Sobre sua escrita: “Gosto da escrita fria, contar uma história. Não gosto de surpresa, de pico de tensão. Nada morre mais rápido que a surpresa, diz que tem surpresa, chega e não tem, a pessoa fica surpresa.”
Sobre a emoção na literatura: “Não acredito em emoção de 2 minutos, a pessoa lê e começa a chorar emocionada, isso é prostituição emocional, é coisa de novela, pra mim eu tenho que ler o livro e sentir algo após um ano. Não vou gritar ou chorar durante o livro.” Sobre a leitura: “Leitura é uma atividade, não passividade. Leio com lápis, é corporal. Como se o livro fosse um animal e eu estivesse armado. Às vezes perco o lápis e perco 30 minutos procurado outro lápis só pra voltar a ler.” Sobre o ato de escrever: “Escrevo por 4 horas ou mais, escrevo rápido, sempre pela manhã. Percebo a velocidade da escrita pela quantidade de letras fora do lugar, nunca vou corrigindo, acho que o texto costuma sair bom com o quão mais rápido eu escrevo. E nos dias que não escrevo, é como se tivesse perdido o dia, não consigo aproveitar as outras horas restantes, já quando escrevo, o dia rende. Mas claro que a maioria do que escrevo não é aproveitado, depois vem a coisa do polir, reler, podar, revisar, etc.” Sobre influências literárias: “Ah, eu tenho muitas, eu sempre estou lendo, mas a principal deve ser o Kafka. Não entendo um escritor que para de ler literatura pelo medo de ser influenciado. Se for assim,
25 não irei mais ao teatro, não irei ao cinema e nem falarei com mais ninguém. Vai que eu seja influenciado e comprometa minha escrita.” Sobre ler seus próprios livros: “Leio, mas justamente por um processo que tenho comigo mesmo, nunca público um livro ser sem ter o escrito há 4 ou 5 anos. Porque quando leio após 3 anos, leio como leitor. Stein finaliza perguntando a respeito dessa torrente de livros publicados em um pouco mais de uma década de carreira, visto que 32 livros em 12 anos é um número mais do que expressivo. Sobre ser um escritor: “Escritor é quem escreve, publicar é diferente. Publiquei meu primeiro livro aos 31 anos, mas sempre escrevi.” O escritor luso dá a última resposta e Flávio Stein anuncia que se iniciará a sessão de autógrafos. O autor se levanta e sai caminhando para uma mesa um andar abaixo no Palácio (Garibaldi), os fãs e ouvintes vão atrás, me dirijo pra fora, penso que não preciso do autógrafo, possuo suas palavras.
COMO Nテグ REALIZAR ATIVIDADES CULTURAIS EM CURITIBA TEXTO E FOTOS: YOHAN BARCZ YSZ YN
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O QUÊ:
QUEM:
LITERCULTURA - FESTIVAL DE LITERATURA.
ESCRITORES, POETAS, MÚSICOS, LITERATOS, TRADUTORES E AFINS.
ONDE:
QUANDO:
COMO:
POR QUÊ:
CURITIBA.
POR MEIO DE OFICINAS, MOSTRAS E PALESTRAS.
16, 17 E 18 DE AGOSTO.
INCENTIVAR E DISCUTIR A LITERATURA.
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Posta a parte fundamentalmente jornalística da matéria, vamos aos fatos (ou à falta destes): dois dos eventos previstos para a primeira noite de atividade do Litercultura ocorreram no mesmo local: o temível Wonka Bar. O primeiro deles foi descrito no site do festival da seguinte forma: 22h Show e Lançamento CD Wonka Bar Rodrigo Garcia Lopes Lançamento do CD Canções do Estudio [sic] Realidade” Mas esse evento aí de cima eu descobri apenas tarde demais, porque fui mesmo atrás desse aqui: 23h Tribuna Livre Wonka Bar Poetas ou leitores de poesia podem livremente dizer os seus textos ou de outros autores, comentando-os ou não. É livre a tribuna também para textos em prosa.” Poetas, pensei. Na melhor das hipóteses me farão rir. Na pior delas, chorar (pela baixa qualidade poética, evidentemente). Fui, acompanhado da Salamandra, fiel escudeira.
O primeiro evento começaria dali a pouco – e foi na entrada do Wonka que descobri sua existência. O relógio marcava umas nove. Eu teria de matar uma hora em conversa fiada com a Salamandra (e meu estoque de aleatoriedades verbais não estava lá essas coisas) e cervejas, ou entraria agora e aproveitaria a cobertura de dois eventos pelo preço de um.
Aham, melhora.
Bem, disse à Salamandra, vamos ver qualé que é, não é?
E assim foi.
O BAR ESTAVA VAZIO. E com o adjetivo vazio eu quero dizer que estava sem uma alma viva além dos barmans (ou seria barmen?), que reconhecidamente já não possuem alma alguma a partir do primeiro cliente da noite (seríamos nós?). Pedimos uma cerveja. O clima estava morto. Vamos lá embaixo, disse a Salamandra, ver o que tá rolando. Descemos para um porão engolido pelo horror do mais absoluto tédio, preenchido por cadeiras vazias, algumas mesinhas e (oh!) um par de clientes que já estavam ali antes de nós (e que desconfiei, por algum motivo, tratar-se de funcionários ou mera alucinação visual provocada pela minha incapacidade de crer que não havia mais ninguém ali além de nós – e nós nem queríamos estar realmente ali). Lá embaixo, no porão, NÃO ESTAVA ROLANDO NADA. Vamos esperar, eu disse. LOGOLOGO MELHORA.
Foi o show de lançamento começar sobre o minúsculo palco disposto entre as colunas de pedra do porão que eu e a Salamandra decidimos que, se quiséssemos (não queríamos, precisávamos) ficar ali, necessitaríamos de generosas doses de álcool.
Com meia dúzia de pessoas assistindo ao show, sentadas em cadeiras sistematicamente alocadas de modo a contornar o trecho frontal do palco, taças de vinho em mãos, aplausos contidos, ouvi algumas músicas através de uma etérea neblina etílica que me permitiu suportar até mais ou menos a quarta ou quinta canção antes de simplesmente desistir. Vambora, disse à S. E fomos. Pois é, eu não aguentei ficar até o segundo evento* (aquele ao qual eu desejava mesmo comparecer). Acontece, eu acho. Quero dizer, alguns jornalistas são correspondentes de guerra e outros cobrem Economia, e eu aqui achando que sofrimento é aquele sujeito com seu violãozinho, mas cada coisa é uma coisa e cada um é cada um, como ora a débil voz popular e seus clichês (que afinal são clichês tão somente por serem absolutamente reais). A oportunidade de redenção surgiu no sábado. O Giublin disse que aconteceria alguma coisa e eu deveria ir lá para bater as fotos.
Com ras coub vir sua nha alm
O site do Festival dizia: “10h – 17h Graffiti Paredes do TUC Teatro Universitário de Curitiba Leminski visual Os artistas Michael Devis e João Marcos Carvalho em meio a traços e cores ilustração versos de Paulo Leminski nas paredes externas do TUC.” 10h – 19h Exposição Clube de Xadrez (Galeria Júlio Moreira) Cabides Poéticos e literatura enxadrística.”
Não havia muita gente lá quando chegamos. Na verdade, estavam presentes seis pessoas. Considerando nós. Ainda não começou, dissemos um ao outro. Vamos dar um tempo. Acendi um cigarro nas escadas da galeria. Os dois malucos do graffiti estavam pintando um puta Leminski na parede, sacudindo latas tilintantes de spray diante do muro. Bati umas fotos, terminei o cigarro, verifiquei o relógio pela décima vez, acendi outro cigarro e bati mais fotos. O Clube de Xadrez morto. Tu joga xadrez?, perguntou o Giublin. Uhum, jogo.
Literatura enxadrística, pensei. Que bacana!
Bora jogar uma partida então.
E fomos.
Vamo, eu disse. E fomos.
Demorei para conseguir o xeque-mate, mas o tempo necessário para encurralar o rei não foi ainda assim suficiente para que o evento prenunciado (a tal literatura enxadrística) tivesse seu ansiado início. Questionamo-nos um ao outro a esse respeito e fomos ouvidos por uma hospitaleira, simpática e rechonchuda senhora que aparentemente estava no comando do que havia restado do lugar na última década, rechonchuda senhora esta que disse, muito delicada: Ó, meus queridos, era pra ter a leitura mas eu não fiz porque ó não veio ninguém só vocês dois mas se quiser ó eu faço a leitura pra vocês. Pois é, ninguém tinha aparecido no bagulho além da gente – e os outros caras ali eram frequentadores que estavam apenas usufruindo da habitual partidinha de xadrez do fim de semana. Muito educado, agradeci à senhora e declinei do convite, espantado (assim como todas as pessoas da cidade) frente à possibilidade de estar ali meio que avulso participando de uma atividade cultural.
Como pude lhe tocar sem lixar sua macia pele com minhas mãos áspe ras de calos? Não entendo como meu corpo desajeitado e embrutecid coube na delicadeza doCom seu...seu Que encaixe perfeito! Na loucura decom ir vir perdi os sentidos... jeitinho de menina, é tão mulher, sua úmida língua mee tirando a razão, o domínio do meu ser! Ao ba nhar sua pele, clara doce, com vinho tinto e seco embriaguei minh alma! Apesar de não ter ficado para a leitura de poesias do Litercultura, voltei ao Wonka uma semana depois para o lançamento do jornal poético de um colega em parceria com um coletivo de escritores, tendo a oportunidade, no evento, de rir de diversas poesias horríveis que corroboram a discussão recente acerca da inegável (e até irreversível) falência múltipla de órgãos da poesia contemporânea. Entretanto, tive a oportunidade também de conhecer um (1) contista capaz de fazer das minhas risadas expressões honestas, e não zombeteiras: o escritor curitibano Júlio Damásio, autor do livro A Compota de Pimenta e outros contos “puramente” picantes, obra da qual recorto e anexo o seguinte conto, intitulado Olhos enternecidos:
Corriam seus olhos enternecidos pela beleza do corpo da jovem ainda nua na cama. Inspirado, ele falou: — Como pude lhe tocar sem lixar sua macia pele com minhas mãos ásperas de calos? Não entendo como meu corpo desajeitado e embrutecido coube na delicadeza do seu... Que encaixe perfeito! Na loucura de ir e vir perdi os sentidos... Com seu jeitinho de menina, é tão mulher, com sua úmida língua me tirando a razão, o domínio do meu ser! Ao banhar sua pele, clara e doce, com vinho tinto e seco embriaguei minha alma!
Com olhar indiferente, ela falou: — Deixe de me enrolar. E vai... — É insensível às minhas palavras, entendo, não tenho e nem posso lhe falar mais nada, apenas... Me faz por oitenta? — Qual que é? O combinado é cem reais por duas horas, fiquei quinze minutos a mais só pra ouvir suas asneiras...
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pĂŠs no lodo ValdinĂŠli Martins tem 31 anos, trabalha nos Correios e ĂŠ escritor em Curitiba.
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Na prisão, quando o chamei, o carcereiro virou-me as costas. A janela media dois palmos de sol quadrado projetando minha sombra arqueada no chão. – Ei! Foi um eco? Um ruído de fora, eu creio. Não foi. Foi um eco.
– Preciso chamar um... – hesitando – ...meu advogado. Está me ouvindo?
Minha voz foi ao fundo do corredor e retornou oca.
Após algum tempo, meu companheiro de cela, trêmulo de febre, sob um cobertor fino disse:
– Advogado? Você confia nele? – Claro! Eu o pago.
– Você confia em quem tem preço? – simulando um riso baixo. – Em quem eu confiaria?
Olha em volta do mesmo modo que um alucinado e continua
– Desde que nascemos ninguém advoga por nós. – com a voz tensa de quem promete vingança – Quando me trouxerem um ser humano confiável eu vou matá-lo com crueldade. Nada pode haver nesse mundo que não tenha pés negros sob o lodo. Somos decaídos de lugar nenhum. Nunca estivemos senão aqui..
– Cambaleando sobre esses pés... Pés no lodo! Pés no lodo!
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O barulho do ventilador me atordoava
Eu estava deitada de barriga para cima
e de vez em quando inclinava a cabeça
para beber minha cerveja
Eu estava ali
deixando o vento passar entre meu corpo
sentindo tudo intensamente em mim dores de cabeças horríveis e em péssima qualidade
Essa coisa de pensar estava me rendendo
além de insônias alucinantes A madrugada toda sentada
olhando os mimos que estavam na estante Eu estava naufragando em choro Tudo estava embaçado
eu dormia pouco olhando as estantes
e lembrando estórias e momentos
gritando por alguma coisa desconhecida
eu estava procurando soluções
para problemas que talvez não fossem verdadeiros e eu tomava mais um gole
de calcinha e sutiã
Estava tocando John Coltrane
e ria daqueles momentos fixos na minha memória
Eu estava lá, eu estou aqui! Bharbara Morato tem 21 anos, estuda Letras e é escritora em Curitiba.