INTERFERÊNCIAS
Prêmio 2008
URBANAS
Rio de Janeiro
INTERFERÊNCIAS
URBANAS
Prêmio 2008
Rio de Janeiro
In tune with the environment of the 21st century, Oi, the enterprise of technology of telecommunications, a pioneer in rendering convergent and integrated services and one of the largest Brazilian investors in the cultural area, acknowledges year after year by means of its support, artistic and cultural projects that stand out for their innovation and creativity – in particular, individual or group manifestations of new talents, capable of attaining and sensitizing new and diversified segments of the public, as is the case of Prêmio Interferências Urbanas, a success since its launching in 2000 and an absolute hit in its 2008 version. Ten out of 286 projects submitted by artists of the whole country were selected by a representative commission from the artistic scene. All of a sudden, the unusual burst up in the streets of Glória, Catete and Flamengo. Amidst surprising events, bordering on the surreal, bird sounds sprouted from the trees. The Carioca River “went up” two meters. Getúlio Vargas’s giant pajama inflated with air and with the mark of the shot on its chest, took up Catete Street. A crystal chandelier “floated” over the statue of José de Alencar. Jugglers at the traffic lights misplayed all the numbers. And when the green light came on, instead of asking for money, they gave it to the car drivers.
The reactions of the public – the many hundreds of people that circulate at various times of day and night, around the three districts in the vicinity where the Oi Futuro head office is located – were a lot varied. There was no way of remaining indifferent. One way or the other, whoever passed by the work, interacted with it. With this, the biggest proposition of the event – to stimulate art production in urban spaces by means of a contact with a wider and more diversified public – was thoroughly attained. By potentiating access to new forms of artistic expression, Prêmio Interferências Urbanas 2008 [Urban Interferences Award 2008] with the images of their works reproduced in the national media, has confirmed its vocation of a space for the emergence of new artists, with original and provocative propositions. Oi is proud of being part of the success of the version 2008 of Prêmio Interferências Urbanas. Oi
Em sintonia com o ambiente do século 21, a Oi, empresa de tecnologia das telecomunicações, pioneira na prestação de serviços convergentes e integrados e uma das maiores investidoras brasileiras na área cultural, reconhece ano a ano, por meio de seu apoio, projetos de arte e cultura que se destaquem pela inovação e criatividade – em especial, manifestações individuais ou coletivas de novos talentos, capazes de alcançar e sensibilizar novos e diversificados segmentos de público, como é o caso do Prêmio Interferências Urbanas, sucesso a partir do lançamento, em 2000, e êxito absoluto em sua versão 2008. Entre 286 projetos, inscritos por artistas do Brasil inteiro, uma comissão representativa do cenário artístico selecionou dez. De repente, surgiu o inusitado em ruas da Glória, Catete e Flamengo. Entre acontecimentos surpreendentes, beirando o surreal, sons de pássaros brotaram das árvores. O Rio Carioca “subiu” dois metros. Um pijama gigante de Getúlio, inflado de ar e com a marca do tiro no peito, tomou a Rua do Catete. Um lustre de cristal “flutuou” sobre a estátua de José de Alencar. Malabaristas de sinal erraram todos os números. E, quando a luz verde se acendeu, em vez de pedir, deram dinheiro aos motoristas.
As reações do público – as muitas centenas de pessoas que circulam, em horários diversos, pelos três bairros nas imediações da sede da Oi Futuro – foram as mais variadas. Não havia como ficar indiferente. De uma ou de outra forma, quem passava pela obra interagia. Com isso, o propósito maior do evento – incrementar a produção de arte em espaços urbanos, por meio do contato com um público amplo e diversificado – foi plenamente alcançado. Ao potencializar o acesso a novas formas de expressão artística, o Prêmio Interferências Urbanas 2008, com as imagens de seus trabalhos reproduzidos na mídia nacional, confirmou sua vocação de espaço para o surgimento de novos artistas, com propostas originais e instigantes. A Oi orgulha-se de ter feito parte do sucesso da versão 2008 do Prêmio Interferências Urbanas. Oi
The project Prêmio Interferências Urbanas is intent on bringing art outside the galleries and museums, spaces traditionally recognized as the place for artworks. It takes to the streets, the parks, the gardens. In short, it goes meet its public and not passively awaits it. It contemplates the action of the artist on the urban environment, proposing a dialogue with the context, establishing a link with reality, making possible new and numerous readings on the object. It’s about a contemporary artistic investigation that awakens curiosity for the unusualness of the proposition and stimulates reflection on the meaning of art. A work of art exhibited in a public space acquires another signification, interacts with the passersby, it is a way of affording public visibility to artistic manifestations. Since the rebirth of trade and of the cities in the Middle Ages, urban space started signifying the locus of citizenship, of the exchanges and of politico-social gathering. But, inasmuch as these similarities are of importance, the cities have their own myths, they keep stories, they have been the stage and the character of innumerable significant episodes for the creation of its identity. Its avenues, buildings, monuments and water fountains are differentiating marks that tell their tale, showing how urban space was appropriated and experienced by its inhabitants throughout the centuries, reveal the acting not only of public power but also the ones they are related with. However, their dwellers, used to their itineraries are not often aware that the city is a living space in constant mutation, an eternal construction/deconstruction. The project Prêmio Interferências Urbanas, attentive to these aspects, proposes to make from art an instrument capable of stimulating the citizens – from various age groups and diverse interests – to develop a new look onto the town. It stimulates them, as modern flâneurs, to wander around it, attentive to its peculiarities, admiring
and observing it by means of the works that interfere in urban landscape re-signifying it through a contemporary imagery that translate the artistic thinking and the creativity of our times. It tries to awaken the sensation of belonging, promoting the valuation of a space that is common to all but that does not belong to anyone in particular. It still has the power to arouse the interest in the preservation of the heritage and the respect for the res publica. They are didactic actions that do not darken the importance of art also as an element of fruition, of enchantment, of emotion and of imagination. An interference on urban furniture endowing them with new elements originated from different periods and styles that cause at the same time a sense of oddness and an irresistible attraction, constitutes an efficacious form of contributing to the artistic-cultural development of the population with no distinction, for art in the public space of the urbis is a democratic art. Interferências urbanas assembles artistic work of total contemporariness but that actuate on a plural and multifaceted reality, once the city is built along time and art superimposes them. Thus, SESC Rio, through its support to this action, affords continuity to a work that stood out for intensifying the interexchange of ideas, for stimulating artistic knowledge and experimentation, contributing to the enlargement of the number of art connoisseurs and lovers. The partnership between SESC Rio, the Government of the State of Rio de Janeiro and OI, insofar as granting support to the accomplishment of the project Prêmio Interferências Urbanas beyond the comprehension that art also possesses a social and cultural function, signifies an act of endearment to the city of Rio de Janeiro, to its natural and constructed beauties, to its unique and special characteristics. SESC
O Prêmio Interferências Urbanas tem a intenção de levar a arte para fora das galerias e dos museus, espaços tradicionalmente reconhecidos como o lugar das obras de arte. Ganha as ruas, os parques, os jardins, enfim, vai ao encontro do seu público, não espera passivamente por ele. Contempla a ação do artista sobre o meio urbano, propondo um diálogo com o contexto, estabelecendo um elo com a realidade, possibilitando novas e inúmeras leituras sobre o objeto. Trata-se de uma investigação artística contemporânea, que desperta a curiosidade pelo inusitado da proposta e estimula a reflexão sobre o sentido da arte. Uma obra de arte exposta em local público adquire um outro significado, interage com os transeuntes, é um modo de dar visibilidade pública às manifestações artísticas. Desde o renascimento do comércio e das cidades na Idade Média, o espaço urbano passou a significar o lócus da cidadania, das trocas e da convivência político-social. Mas, no que pesem essas semelhanças, as cidades têm seus próprios mitos, guardam histórias, foram palco e personagem de inúmeros episódios significativos para a criação de sua identidade. Suas avenidas, seus edifícios, monumentos, chafarizes são marcos diferenciadores que contam sua história, mostram como o espaço urbano foi apropriado e vivenciado pelos seus habitantes no decorrer dos séculos, revelam a atuação não só do poder público, mas de todos os que com elas se relacionam. No entanto, freqüentemente seus moradores, acostumados a seus itinerários, não se dão conta de que a cidade é um espaço vivo, em constante mutação, um eterno construir/desconstruir. O Prêmio Interferências Urbanas, atento a esses aspectos, propõe-se a fazer da arte um instrumento capaz de estimular os cidadãos – de distintas faixas etárias e interesses diversos – a desenvolver um novo olhar sobre a sua cidade. Incentiva-os, como modernos “flâneurs”, a percorrê-la, atentos às suas peculiaridades, admirando-a e observando-a por
meio das obras que interferem na paisagem urbana, re-significando-a por meio de uma imagética contemporânea, que traduz o pensamento artístico e a criatividade do nosso tempo. Procura despertar a sensação de pertencimento, promover a valorização de um espaço que é comum a todos, mas não pertence a ninguém em particular. Tem, ainda, o poder de despertar o interesse pela preservação do patrimônio e o respeito pela coisa pública. São ações didáticas que não obscurecem a importância da arte também como elemento de fruição, de encantamento, de emoção e de imaginação. Interferir sobre o mobiliário urbano, dotando-o de novos elementos, originários de diferentes períodos e estilos, que causam ao mesmo tempo estranheza e irresistível atração, constitui uma forma eficaz de contribuir para o desenvolvimento artístico-cultural da população, sem distinção, pois a arte no espaço público da urbe é uma arte democrática. Interferências Urbanas reúne obras artísticas de total contemporaneidade, mas que atuam sobre uma realidade plural e multifacetada, uma vez que a cidade é construída através dos tempos e a arte a eles se sobrepõe. Assim sendo, o SESC Rio, por meio do apoio a esta ação, dá continuidade a um trabalho que tem se destacado por intensificar o intercâmbio de idéias, por incentivar o conhecimento e a experimentação artística, contribuindo para a ampliação do número de conhecedores e apreciadores das artes. A parceria estabelecida entre o SESC Rio, o Governo do Estado do Rio de Janeiro e a Oi, de forma a dar suporte à realização do projeto Interferências Urbanas, para além da compreensão de que a arte tem também uma função social e cultural, significa um ato de apreço à cidade do Rio de Janeiro, às suas belezas naturais e edificadas, às suas características únicas e especiais. SESC
INTERFERÊNCIAS URBANAS Prêmio 2008
Rio de Janeiro
24 de outubro a 2 de novembro de 2008
comissão de seleção
Adolfo Montejo Navas
Agnaldo Farias
Fernando Cocchiarale
Marcelo Campos
Marisa Flórido Cesar
A arte visita a rua O Prêmio Interferências Urbanas nasce do entendimento de que é fundamental criar espaços para atender às novas demandas da expressão artística − que muitas vezes não se enquadram no circuito formal de exposição. Parte também da compreensão de que é igualmente necessário ampliar o acesso do público a esta produção, enriquecendo seu universo estético e contribuindo para sua reflexão da contemporaneidade.
grandes arquitetos. É somente esta proporção que ocupa adequadamente o espaço da visualidade urbana. Quando o campo da arte urbana é ocupado pelos arquitetos da visualidade, qual é então o espaço do artista visual? A monumentalidade no fazer das artes visuais hoje, não está nas proporções da obra, está na articulação do gesto artístico diante do cenário que impacta. E o cenário não é o espaço físico, é o infindável imaginário.
Há hoje entre os artistas uma enorme premência de expandir suas ações para as ruas, de pensar a cidade, suas rotinas e suas paisagens, de dialogar com o espaço de vivência comum. Em um centro urbano como o Rio de Janeiro, rico em acervo artístico, que projeta artistas brasileiros para o cenário mundial, é indispensável esta visita da arte à rua, a exposição do pensamento artístico de última geração para o povo que aqui vive e passeia.
Estas condicionantes são sublinhadas no Rio de Janeiro pela profunda intimidade que o carioca tem com a rua e pela apropriação que faz do espaço público. E é também, e principalmente, nas áreas urbanas que o movimento cultural da cidade se estabelece. Portanto, é nas ruas que vamos conseguir estabelecer, ou restabelecer, o vínculo do indivíduo com a arte de seu tempo.
As práticas artísticas no ambiente urbano vêm passando por uma ágil evolução. Inicialmente, os marcos de arte nas cidades tinham a função de embelezá-las, de destacar heróis e feitos. Hoje não nos cabe mais esta elegia da efeméride. Nossos personagens e os fatos históricos fluem em tal velocidade que não há mais sentido em estabelecê-los nos espaços de convivência da cidade. A paisagem urbana sofreu igualmente radicais mudanças. O gigantismo nas proporções das edificações não se coaduna mais com a inserção de objetos de arte na escala a que estamos acostumados. A monumentalidade da arte hoje, nas principais cidades do mundo, está nas edificações escultóricas dos
A proposta do Prêmio Interferências Urbanas é de propiciar condições para a experimentação deste exercício de interlocução com a cidade. É de fazer uso também desta fluência que o carioca tem de seu habitat para oferecer uma oportunidade aberta, sem premissas de linguagem, meio ou trajetória. Seu caráter livre em relação aos proponentes lhe agrega um grande valor, que é também uma premissa da arte atual, a de trazer e abrigar os mais diversos backgrounds. Nesta edição, selecionamos artistas jovens, em sua primeira experiência, artistas com poéticas já maduras, uma dupla de designers, um arquiteto urbanista, e um fotojornalista. A riqueza do elenco refletiu-se na multiplicidade dos trabalhos apresentados.
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Estes fatores são os responsáveis pela absorção do projeto pela cena da arte e pela expectativa do meio por uma nova edição. Os números da edição 2008 do Prêmio Interferências Urbanas, cujas quatro primeiras versões foram realizadas entre 1999 e 2002, confirmam o acerto na reedição deste projeto: foram quase trezentas inscrições em vinte dias de edital aberto, vindas de nove estados, com cobertura de seis canais de TV, diversas matérias nos jornais e enorme aceitação de público. Os atributos característicos da arte contemporânea, da expressão ora pela espetacularidade, ora pela sutileza, estiveram presentes não só na característica individual dos trabalhos selecionados, mas também na forma como o Interferências se estabeleceu nas ruas. A arte que colocamos nas ruas não foi legendada, identificada ou precedida de anúncio. A idéia por trás da intervenção nas ruas é mesmo pegar o passante e imiscuir-se sorrateiramente em seu universo. O espetáculo neste caso só aconteceu quando o gesto de arte foi percebido, mesmo que raramente decodificado em todas as suas camadas, pelo cidadão comum em seu trajeto. O deslocamento da rotina para o fruir da arte foi provocado pelas obras e por seu surpreendente surgimento em meio ao corriqueiro. O Catete e seus arredores mostraram-se um local perfeito para este encontro de arte e público. Com suas ruas principais tomadas por centenas de pessoas, das primeiras horas da manhã até bem tarde da noite, o enorme público que freqüenta o Aterro
do Flamengo, podemos afirmar com segurança que dezenas de milhares de pessoas passaram pelas obras e de alguma forma se relacionaram com elas. Aqueles que foram atraídos pelas obras de arte vivenciaram uma mudança na percepção do tempo. O tempo da cidade, do trajeto, do dia-a-dia, foi substituído pelo tempo da arte. O reduzir de ritmo, estancar de passos, olhar em volta, admirar, cogitar da intervenção gravam e destacam o momento de seu fluir natural. O caráter efêmero das intervenções ganha permanência na memória de seu público, que passa a agregar este registro visual ao cenário original. Ao inigualável time de curadores, a todos os artistas que enviaram propostas, aos artistas selecionados e à equipe de produção, devemos o sucesso desta ação. Ao SESC, que acompanhou de perto o desenrolar das ações e agregou recursos para a realização do catálogo, devemos a qualidade do registro que apresentamos. À Oi, parceira de primeira hora, que investiu na idéia, viabilizou recursos, monitorou com extrema elegância todas as etapas de execução do projeto, devemos integralmente a realização do Prêmio Interferências Urbanas Rio de Janeiro 2008. É com parceiros desta qualidade que se produz o melhor da cultura carioca e brasileira. Roberta Alencastro
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Art visiting the street Prêmio Interferências Urbanas [Interferências Urbanas Award] was born from the understanding that it is fundamental to create spaces to cater to the new claims of artistic expression which many times do not fit into the formal circuit of exhibition. It also begins with the understanding that it is equally necessary to widen the access of the public to this production, enriching its esthetic universe and contributing for its reflection on contemporaneousness.
architects. It is only this proportion that adequately occupies the space of urban visuality.
Today, there is among the artists a huge urgency to expand their actions to the streets, of thinking the city, its routines and landscapes, to dialogue with the space of mutual coexistence. In an urban center like Rio de Janeiro, rich in its artistic contingent, that projects Brazilian artists into the world scene, art visiting the street is indispensable, the exposure of the artistic thinking for the people who live and go for a walk here.
These conditioning factors are underlined in Rio de Janeiro by the deep intimacy that the carioca has with the street and with the appropriation it makes of the public space. And it is also and mainly in the urban areas that the cultural movement of the city establishes itself. Therefore, it is on the streets that we are going to manage to establish, or to re-establish, the link of the individual with the art of his time.
The artistic practices in the urban ambience are undergoing an agile evolution. Initially, the landmarks of art in the cities had the function of ornamenting them, of honoring heroes and feats. Nowadays, the elegy of the event it doesn’t suit us any longer. Our characters and the historical facts flow at such a speed that there is no more sense in establishing them in the spaces of coexistence in the city. The urban landscape has equally suffered radical changes. The gigantic proportions of the edifications do not coadunate any longer with the insertion of art objects in the scale at which we are used to. The monumentality of art today in the major cities of the world lies in the sculptural edifications of the great
The proposition of Prêmio Interferências Urbanas is to propitiate conditions for the experimentation of this exercise of interlocution with the city. It is of making use also of this fluency that the carioca has of his habitat so as to offer an open opportunity, with no premises of language, medium or trajectory. Its free aspect in relation to the proponents aggregates a great value to it, which is also a premise of contemporary art, that of bringing and of housing the most diverse backgrounds. In this edition we selected young artists in their first experiment, artists with already mature poetics, a duo of designers, an architect and a photojournalist. The richness of the cast is reflected in the multiplicity of the works presented.
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When the field of urban art is occupied by the architects of visuality, which is then the space of the visual artist? The monumentality in the creation of visual arts does not lie in the proportions of the work, but in the articulation of the artistic gesture before the scenery that causes an impact. And the scenery is not the physical space, it is the endless imaginary.
These factors are responsible for the absorption of the project by the art scene and by the expectation of the milieu for a new edition. The numbers of the 2008 edition of Prêmio Interferências Urbanas, whose last four versions took place between 1999 and 2002 confirm the hit in the re-edition of this project: there were almost three hundred submittals in twenty days of open contest coming from nine states with a coverage of six TV channels, various articles in the newspapers and an enormous acceptance of the public. The characteristic attributes of contemporary art, of the expression, now through a spectacular aspect, now through subtlety were present not only in the individual characteristic of the selected works, but also in the way how Interferências Urbanas established itself on the streets. The art that we brought to the streets was not captioned, identified or preceded by an announcement. The idea behind the intervention on the streets is actually to grab the passerby and slyly meddle into his universe. The spectacle in this case only happened when the gesture of art was perceived, even if rarely decoded in all its layers by the regular citizen in its route. The dislocation of the routine for the fruition of art was provoked by the works and by its surprising appearance amidst the usual things. Catete and its surroundings have proved to be the perfect spot for this encounter of art and public. With its main streets taken by hundreds of people, from the early hours of the morning until way into the night, the enormous public that gathers at Aterro
do Flamengo, we can affirm with certainty that tens of thousands of people passed by the works and somehow got related with them. Those who were attracted by the works of art experienced a change in the perception of time. The time of the city, of the route, of daily life were replaced by the time of art. The reduction of rhythm, the stopping of steps, the looking around, the admiration, the comment on the intervention record and make the moment stand out from its natural flow. The ephemeral character of the interventions gains permanence in the memory of its public, that starts to aggregate this visual record to the original setting. We owe the success of this action to the matchless team of curators, to all the artists who submitted propositions, to the selected artists and to the production staff. We owe the quality of the register that we presented to SESC, that followed at close pace the unfoldment of the actions and that aggregated funds for the production of the catalogue. We integrally owe the achievement of Prêmio Interferências Urbanas Rio de Janeiro 2008 to Oi, a wondeful partner from the start which invested in the idea, raised funds and monitored with extreme elegance all the stages of the execution of the project. It is with partners of this quality that the best of carioca and Brazilian culture is produced. Roberta Alencastro
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projetos selecionados
Ninhumanos
Galinheiro
Hiato
Ana Miguel & Claudia Hersz
André Amaral
Chang Chi Chai
Segredo: a arte de manobrar
ERRO Grupo
Transposição do Rio Carioca
Felipe Varanda
Getúlio é pop
Lady Campello
Malabares
Ilustre
AFTER:Nature
Contato
Fuso Coletivo
Pedro Évora
SoundSystem
WMT
Ninhumanos
A área do Aterro do Flamengo, como todo mundo sabe, já pertenceu ao mar. Por outro lado, a terra empregada na sua consecução já foi montanha. Daí o sentimento ambíguo quando passamos por ele, mesmo em alta velocidade, mas particularmente quando nos deixamos levar pelo caprichoso desenho de Burle Marx, por si só um convite ao passeio a esmo, sem objetivo definido, a expressão mais pura e simples da vilegiatura. Anda-se pelo Aterro com uma sensação dúbia, como quem sofre a nostalgia da atmosfera espessa de quem habita o chão do mar e, simultaneamente, acostumou-se a ver as coisas desde o alto. Ficamos assim entre peixe e pássaro, nem uma coisa nem outra. Mas há quem opte. Talvez porque a lógica implacável da vida em sociedade desloque alguns para a borda, enquanto outros, até por uma disposição do espírito, preferem ficar nela, como um desses pássaros que circulam entre nós sem que saibamos nada deles. Foi com uma prova dessa condição que Claudia Hersz e Ana Miguel se depararam.
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Ana Miguel & Claudia Hersz
Deambulando pelo jardim, perceberam algo estranho no alto de uma árvore cuja imponência se estampa já no nome: Ficus Benghalensis. Desconfiadas, pediram a um garoto – Pedro – que subisse para espiar o que havia entre seus galhos. Pedro voltou com a insólita nova: havia um ninho humano. Precário, singelo, mas definitivamente um ninho. Com os despojos típicos deixados por gente que se deixa ficar por ali. Vai daí que elas, num impulso mesclado de afeto e crítica, porque sempre haverá uma ponta de dúvida se entre aqueles que temos na conta de expropriados existirá quem prefira não ter posses, resolveram incrementar o ninho. Ampliaram e tornaram segura a construção, dotaram-na de algum conforto como luzes e ganchos, pintaram-na de vermelho e ocuparam-na com um mobiliário macio, preservando, na medida do possível, sua condição de segredo, mais um dos mistérios que, como uma brasa adormecida, encrava-se nos interstícios da metrópole. Agnaldo Farias
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The area of Flamengo Park, as everyone knows, had once belonged to the sea. On the other hand, the earth used in its construction was once a mountain. From this emanates the ambiguous sentiment when we pass by it, even at high speed, but particularly when we let ourselves get carried away by Burle Marx’s whimsical design, which is in itself an invitation for a wandering walk, without a definite objective – the purest and simplest expression of a villeggiatura. One walks around the Park with a dubious sensation, as someone who suffers the nostalgia of the thick atmosphere of the one who inhabits the sea floor and who simultaneously got used to seeing things from above. We remain like this, in-between a fish and a bird, neither one nor the other. But there are some who opt. Maybe because the implacable logic of life in society dislocates some to the bank, while others, even by a disposition of the spirit, prefer to remain in it, like one of those birds that circulate around us and of whom we know nothing about. It was an ordeal of such a condition that Claudia Hersz and Ana Miguel got faced with.
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Ambling through the garden, they noticed something odd at a treetop whose stateliness comes through with its name: Ficus Benghalensis. Wary, they asked a boy – Pedro – to go up the tree to take a look at what was there was among the branches. Pedro came back with the unusual news: there was a human nest. Precarious, plain, but definitively a nest. With the typical remains left by people who hang around the area. And the two of them, in an impulse mixed with affection and criticism – for there will always exist the speck of a doubt whether among those who we consider as expropriated there exist those who prefer not to have any possessions – they decided to redo the nest. They enlarged the construction and made it safer, providing it with lights and hooks, painted it red and occupied it with soft furniture, preserving, as far as possible its condition of secrecy, one more of the mysteries that, like a dying ember, is embedded in the interstices of the metropolis. Agnaldo Farias
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Ninhumanos instalação com madeira, tecido, cordas, ferragens, luminárias, espelho, vassoura, livros, fotos, molduras antigas e materiais variados recuperados do comércio popular de objetos descartados / installation with wood, fabric, ropes, ironware, light fixtures, mirror, broom, books, photos, antique frames and various materials recuperated from the popular commerce of discarded objects agradecimentos
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acknowledgements
Fernando Souza de Araújo Lourdes do Côco Nicola Goretti Pedrinho e Daniel H.M.S. Ricardo Ventura
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Galinheiro Entre bifurcações barulhentas, no encontro da Rua Senador Vergueiro com a Avenida Oswaldo Cruz, existe um lugar à deriva. Pequeno demais para ser uma praça, movimentado o bastante para criar tranqüilidade. Ainda assim, a Praça Marinha do Brasil instaura um hiato em uma cidade superexposta. Corroborando a estranheza, temos dois cercados de telas metálicas criando grandes gaiolas. E dentro, como na paisagem de uma pintura metafísica, enclausurados por suas próprias sombras: bancos e árvores. Para que servem cercas em torno de árvores e mobiliários urbanos? Natureza capturada. A tensão de encarcerar a selvageria marca historicamente a Baía de Guanabara. A chegada dos colonizadores ao Rio de Estácio de Sá configura nossa primeira domesticação. André Amaral propõe, ali, uma interferência, um espaço crítico, com humor e perplexidade. Na praça, um entre-lugar, o artista instala, dentro do cercado existente, uma projeção em áudio e vídeo da imagem de uma galinha ciscando. A grade ganha status de galinheiro. Uma situação brejeira, interiorana, em plena urbanidade carioca. Nas cidades sem portas, a cerca, o muro e a coleira deflagram distintas domesticações. Ao mesmo tempo, a galinha está enclausurada em sua própria condição contraditória: uma ave que apenas ensaia pequenos vôos. De frente para a Enseada de Botafogo, o gradil marca uma dicotomia entre a fortificação e o mar de horizontes longínquos. Uma intermitência na paisagem de uma cidade imanente. “Em que momento a cidade nos faz face?”, questiona Paul Virilio.1 Sabemos que uma das marcas das cidades contemporâneas é a imanência entre lugares que perderam seus limites, seus pórticos. “Onde começa, portanto, a cidade sem portas?”.2 Nenhuma barreira física e material nos intercepta, ainda
André Amaral
que as cidades sejam definitivamente vigiadas, divididas, partidas por territórios impenetráveis, perigosos, sectários. A praça, a ágora, guarda o resquício utópico do encontro, da liberdade. A perplexidade no contato dos homens com os animais produziu observações emblemáticas entre arte, vida e natureza. Mas a galinha não é o bisão de Lascaux, não é o coiote ou a lebre de Beuys, nem o tubarão de Damien Hirst. Menos laboratorial e hostil, mais caseira e afetiva. Caracterizada, segundo Clarice Lispector, por duas capacidades: a “apatia” e o “sobressalto”.3 “Contra o gabinetismo, a prática culta da vida”, vislumbrava Oswald de Andrade.4 André Amaral propõe uma galinha low tech, ativando uma observação atenta, demorada diante das tais “capacidades” da ave. A tela e a gaiola são superfícies-limite. “Da paliçada à tela, passando pelas muralhas da fortaleza, a superfície-limite não parou de sofrer transformações, perceptíveis ou não, das quais a última é a interface”.5 Nesta cidade superexposta, a malha, a cerca, o intramuros são transformados, por Amaral, em interface. Um lugar de confrontação agigantada. A imagem da galinha é projetada sobre a tela, não mais do galinheiro, mas virtualmente videográfica. Fazse cinema. “O efeito do real parece suplantar a realidade imediata”.6 Cria-se a interferência, quebrando as mensagens publicitárias, políticas, arquitetônicas, urbanísticas. Ali, no começo da Praia de Botafogo que se inicia sem nos darmos conta, a imagem proposta pelo artista, tal qual a metrópole, surge apenas como uma “paisagem fantasmática”.7
1 VIRILIO, Paul. A cidade superexposta. In: _____. O espaço crítico. São Paulo: Editora 34, 1993. p. 9. 2
Idem, p. 15.
3
LISPECTOR, Clarice. Uma galinha. In: _____. Laços de família. São Paulo: Rocco, 1998. p. 32.
Entre bifurcações barulhentas, praças, arranha-céus, diante do mar, de frente pro crime, à margem da enseada, em direção ao Pão-de-Açúcar, surge, caipira, a galinha: o quintal: poesia: Pau-Brasil.
4 ANDRADE, Oswald de. Manifesto da poesia Pau-Brasil. In: _____. Obras completas: do Pau-Brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 6.
Marcelo Campos
5
VIRILIO, op. cit., p. 9.
6
Idem, p. 18.
7
Idem, p. 21.
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Between noisy bifurcations, where Senador Vergueiro Street meets Oswaldo Cruz Avenue, there is a place adrift. Too small to be a square, too agitated to create tranquility. Still, the Marinha do Brasil Square establishes a hiatus in an overexposed city. Corroborating the strangeness, there are two pens of metallic netting creating large cages. And inside them, as in the landscape of a metaphysical painting, cloistered by their own shadows: benches and trees. What is the use of fences around tress and urban furniture? Captured nature. The tension of incarcerating the savagery marks historically the Guanabara Bay. The arrival of the colonizers to the Rio de Janeiro of Estácio de Sá configures our first domestication. André Amaral proposes there an interference, a critical space, with humor and perplexity. In the square, an inter-space, the artist installs within the existing pen, a projection in audio and video of the image of a pecking chicken. The grate acquires the status of a chicken house. A quaint, rural situation in the midst of carioca urbanity. In the cities with no doors, the fence, the wall and the leash will deflagrate distinct domestications. At the same time, the chicken is cloistered in its own contradictory condition: a bird that only attempts short flights. Facing Botafogo Cove, the railing marks a dichotomy between the fortification and the sea of faraway horizons. An intermittence in the landscape of an immanent city. “At which moment does the city face us?”, questions Paul Virilio.1 We know that one of the marks of contemporary cities is the immanence between places that have lost their limits, their porticos. “Where does it begin, the city with no doors?” 2 No physical and material barrier will intercept us, even if the cities are definitively watched, divided, split into impenetrable, dangerous, sectarian
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territories. The square, the ágora, retains the utopian remnant of the encounter, of freedom. Perplexity in the contact of men with animals produced emblematic observations between art, life and nature. But the chicken is not the Lascaux’s bison, neither Beuys’s coyote nor the hare, neither Damien Hirst’s shark. Less laboratorial and hostile, cozier and more homelike. Characterized, according to Clarice Lispector, by two capabilities: “apathy” and “fright”.3 “Against cronyism, the cultivated practice of life”, glimpsed Oswald de Andrade.4 André Amaral proposes a low tech chicken, activating an attentive and long observation before such “capabilities” of the bird. The netting and the cage are limitsurfaces. “From the palisade to the netting, passing by the walls of the fortress, the limit-surface did not cease to undergo transformations, perceptible or not, of which the last one is the interface”.5 In this overexposed city, the mesh, the fence, the intra-walls are transformed by Amaral in interface. A place of gigantic confrontation. The image of the chicken is projected on the screen, no longer of the chicken house, but virtually videographic. People make movies. “The effect of what’s real seems to supplant immediate reality”.6 The interference is created, breaking with the publicity, political, architectonic and urbanistic messages. There, where Botafogo Beach initiates and catches us unawares, the image proposed by the artist, like the metropolis, appears only as a “phantasmal landscape”.7
1 VIRILIO, Paul. A cidade superexposta. In: _____. O espaço crítico. São Paulo: Editora 34, 1993. p. 9. 2
Idem, p. 15.
3
LISPECTOR, Clarice. Uma galinha. In: _____. Laços de família. São Paulo: Rocco, 1998. p. 32.
Between noisy bifurcations, squares, skyscrapers, by the sea, facing the crime, at the margin of the cove, heading towards Sugar Loaf, appears the hillbilly chicken: the backyard: poetry: Pau-Brasil.
4 ANDRADE, Oswald de. Manifesto da poesia Pau-Brasil. In: _____. Obras completas: do Pau-Brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. p. 6.
Marcelo Campos
5
VIRILIO, op. cit., p. 9.
6
Idem, p. 18.
7
Idem, p. 21.
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Galinheiro projeção sobre tela de 4,5 × 9,5 m, aparelhagem sonora com reprodução de sons de galinheiro / projection on 4.5 × 9.5 m screen, sound system with sound reproductions of a chicken coop
/ acknowledgements Florinda (a galinha), Fernando Monteiro, Pablo Hoffman, Denis Gonzales, Marcella Maria, Icaro dos Santos, Tita Nigri, Guga Ferraz e Bruna agradecimentos
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Hiato Do lado de lá está Niterói. Mais adiante, muito mais adiante, numa distância apenas transponível pela imaginação, devidamente alimentada pela ficção mais ou menos verossímil e pela discutível objetividade dos mapas, está a África. E depois? Depois “o Oriente ao oriente do Oriente”. Não há como saber e nem mesmo o que saber ao certo; resta apenas deixarmos o pensamento, a matéria com que construímos as frágeis pontes que nos dão acesso às coisas, à deriva. E é o que normalmente fazemos quando contemplamos o mar. Especialmente um mar calmo como esse que se acomoda no interior da Baía de Guanabara, semelhante a um lago agigantado, um lago com sonhos de desmesuras. E não escreveu o poeta Jorge de Lima “há sempre um mar para um homem navegar”? Pois então. Deixemo-nos mais uma vez contemplar essa Baía de Guanabara, tão vista, tão divulgada, mas nem por isso menos fascinante.
Chang Chi Chai
Um porto para os nossos olhos fatigados. Deslizemos sobre sua superficie entre suave e arrepiada pousando aqui e ali nossas pontes imateriais, os desejos desfocados de coisas e momentos que sequer sabemos quais sejam. Isto durante o dia. Porque, quando o dia se apaga, as sombras que nascem do mar nos empurram para dentro da cidade, daí para nossas casas, daí para os nossos sonhos domesticamente cultivados em camas. Mas não dessa vez. Ao menos por quinze dias não será assim. Graças à artista Chang Chi Chai, uma pequena ponte ficará flutuando noite adentro. Uma pequena ponte curva, de uma brancura pálida como a lua, uma aparição tênue como um espectro, movendo-se com lentidão típica das miragens, irá se oferecer a todos nós como uma possibilidade palpável de, atravessando-a, acedermos ao coração dos nossos desejos. Agnaldo Farias
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On the other side there’s Niterói. Further, much further, at a distance only transposable by the imagination, duly nourished by a more or less verisimilar fiction and by the arguable objectivity of the maps, lies Africa. And then? Then the “East, east of East”. There’s no way to know and not even what to know for sure: what’s left is solely to let the thought adrift – the matter with which we build the fragile bridges that grant us access to things. And this is what we normally do when we contemplate the sea. Especially a calm sea like this one that is accommodated in the interior of Guanabara Bay, similar to a gigantic lake a lake with dreams of boundlessness. And did not poet Jorge de Lima write that “there is always a sea for a man to sail on”? Well, then. Let us contemplate once more this Guanabara Bay, so exposed, so publicized, but nonetheless less fascinating. A haven for our weary eyes. Let’s slide over its half-calm, half-rough surface, laying here and there our immaterial bridges, the unfocused
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desires of things and moments that we don’t even know which they are. And this happens during the day. Because when day fades away, the shadows that spring from the sea push us to the inside of town, and from then on to our houses, then to our dreams domestically cultivated in beds. But not this time. At least for a fortnight it won’t be like that. Thanks to the artist Chang Chi Chai, a small bridge will be floating all night long. A small curved bridge, of a whiteness as pale as the moon, a tenuous apparition like a specter, moving with the typical slowness of the mirages, will be offered to all of us as a palpable possibility of access to the heart of our desires as we cross it. Agnaldo Farias
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Hiato ferro, madeira, garrafas pet / iron, wood, plastic bottles ponte / bridge 6 × 1,5 × 2 m balsa / raft 6 × 4 × 0,8 m / setup technician Josué Vitorino cenotécnico
instalação da ponte
/ bridge installation
Cabo Onofre / collaborators Instituto Stimulu Brasil – Galpão Aplauso: Ivonette Albuquerque Ludmila Souza Rodrigues Gabriela de Saboya Jeferson Cerqueiro Jonatan Renato Fernandes Camargo Leonardo Oscar da Silva Luiz Heleno Silva Bento Mozart dos Santos Alves Marcos Alexandre Pedro Henrique dos Anjos Frazão Stephane Silva Valnei Silva Vanessa Marcondes de Oliveira Pires colaboradores
Comlurb: Lenora Moraes de Vasconcellos Ana Paula Marques Farias Patricia Jordão Viviane Santos Vaz Corrêa Elias Gouveia Jorge Otero Luís Cláudio Ribeiro dos Santos Carlos Alberto Moisés Luis Carlos da Silva / ack nowledgments Galpão das Artes Urbanas Helio G. Pellegrino Marco Antonio Figueiredo Darly Mantovanelli Filho agradecimentos
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Segredo: a arte de manobrar
Erro Grupo Pedro Bennaton, Luana Raiter, Michel Marques, Luiz Henrique Martins, Ana Paula Cardozo e Priscila Zaccaron
Poucas situações artísticas que lidam com circunstâncias espaço-temporais e saem do recinto museográfico atingem um grau de pertinência estética com o contexto urbano em que se inscrevem. A proposta do ERRO Grupo – e o nome já quer contribuir com a sua cota de ruído e de distorção – constitui uma intervenção de clara marca crítica, que sabe ler o “ar do lugar” (como acontece nos site specifics) e, portanto, as suas raízes ambientais e socioculturais, neste caso do Rio de Janeiro, de violenta cotidianidade e, por conseqüência, de frágil condição cidadã. Neste contexto, a saída de diversos veículos com aparelhos de som pelas ruas da cidade, como fazem as propagandas de qualquer tipo de comércio (preferencialmente, de política ou alimentação), mas com outra matéria-prima a oferecer, é um achado pertinente, e de uma estratégia transversal: a propaganda informativa em questão é de uma obra célebre, A arte da guerra, do escritor chinês Sun Tzu (século IV a.C). Desta forma, a matéria textual deste tratado militar (que é, ao mesmo tempo, livro filosófico e de aforismos influenciado pelo Tao Te King) aqui vira discurso no ar, sonoro, composto por uma colagem de trechos destas manobras táticas, e com um objetivo claro: servir-se de uma apropriação de signo cultural, literário – e de outro universo e tempo cultural –, para fazer um traslado de campo estético,
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realizando uma ação que tem algo de herança fluxus – de jogar com os paradoxos arte-vida, de forma criticamente vital – e, portanto, além do meramente artístico, de seu recinto sagrado. O texto em questão, que relata manobras táticas, re-potencia-se como manual de sobrevivência, como manual para todos, muito benéfico no caso das delatadas microguerras urbanas, também chamadas guerras civis. A transferência de sentido realizada com este documento histórico (que propugna o segredo, a dissimulação e a surpresa), assim como a sua nova contextualização, alimenta as coordenadas ressonâncias, seu efeito público. O trabalho do ERRO Grupo parece de “auto-ajuda” urbana, mas o que a sua potência estética gera é, precisamente, a exata confluência da situação ambiental da violência na cidade carioca com a oportuna ação artística, a sua afinidade intrínseca, como vocação eqüidistante de estranhamento e contágio, de distância e proximidade. A intervenção do ERRO Grupo revela não só que a cidade é um espaço de combate físico como também simbólico, um território em causa. Adolfo Montejo Navas
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Nada é mais difícil do que a manobra tática. A dificuldade
em vantagem. Assim, tomar uma longa e tortuosa estrada,
tenha partido depois dele, conseguir chegar ao objetivo antes,
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consiste em transformar o desvio em linha reta, o infortúnio
após ter atraído o inimigo para fora dela e, ainda que
revela conhecimento do artifício do desvio.
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Few artistic situations that deal with the spatiotemporal circumstances and leave the museographic space attain a degree of esthetic pertinence related to the urban context in which they are inscribed. The proposition of ERRO Grupo – and the name already wishes to contribute its quota of noise and distortion – constitutes an intervention of a clearly defined critical imprint that knows how to read the “air of the place” (as it happens with the site specifics) and therefore its environmental and socio-cultural roots, in this case Rio de Janeiro, with its violent everyday life and, as a consequence, of a fragile citizen condition.
universe and cultural era – to operate a transfer of esthetic field, accomplishing an action that bears something of the fluxus heritage – of operating with the paradoxes art-life in a critically vital form – and therefore beyond the merely artistic in its sacred hall. The text in question which reports tactic maneuvers is re-potentiated as a survivor manual, as a manual for everyone, most beneficial in the case of denounced urban micro-wars, also called civil wars. The transference of meaning made with this historic document (which defends secret, dissimulation and surprise), as well as its new contextualization, feeds the coordinated resonances, its public effect.
In this context, the ride of various sound cars through the city streets transmitting publicity of all types of commerce (preferably political or in the food area), but with another raw material to offer, it is a pertinent find and of a transversal strategy: the informative publicity at issue is from a renowned work, The art of war, by Chinese writer Sun Tzu (4th century B.C.).
The work by ERRO Grupo seems one of urban “self-help”, but what its esthetic potency generates is precisely the exact confluence of the environmental situation of violence in the carioca city with the opportune artistic action, its intrinsic affinity, as an equidistant vocation of strangeness and contagion, of distance and proximity. The intervention by ERRO Grupo reveals not only that the city is a space of physical as well as symbolic combat, a territory at stake.
This way, the textual matter of this military treatise (which is at the same time philosophical and a book of aphorisms influenced by the Tao Te King) here becomes a speech in the air, sonic, composed by a collage of excerpts from these tactic maneuvers and with a clear objective: to make use of an appropriation of a cultural and literary sign – and from another
Adolfo Montejo Navas
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tacar, caia como um relâ ndo a m p a go
Deixe seus planos ficarem secret
os e
im p e
n e t rá
ve i s c
a o m o a n o it e e , q u
a r mor ro acim Não avança o ig – contra o inim tá -lo nem enfren tá de scendo enquanto es
P ra
tiqu
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i s s im
ulaç
ão e
t e rá
suce
sso
Mova- se apenas se houver uma vantagem real a ser obtida
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Segredo: a arte de manobrar / text Luana Raiter (adaptação de trechos da obra A Arte da Guerra, de Sun Tzu) texto
/ production Luana Raiter e Pedro Bennaton produção
/ execution Michel Marques e Tama Ribeiro execução
/ voices Michel Marques, Ana Paula Cardozo, Luiz Henrique Martins, Luana Raiter vozes
motoristas dos carros de som
/
drivers of the sound system cars
Valter Gomes Filho (Valteron), Ivonete Erruas, Carlos A. Lisboa, Luiz de Melo, César Cristiano S. da Rocha e Carlos A. de Moraes Ferreira
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Transposição do Rio Carioca O tempo enterra não só os mortos, mas também a memória das cidades nas quais viveram. Algumas, como Tróia, Pompéia e Tenochtitlan, foram irremediavelmente caladas, destruídas e morreram. Mas a maioria delas, em um processo de crescimento autofágico, encobre partes de seu passado soterrando-as, tal como vem acontecendo, por exemplo, com o Rio de Janeiro. Transposição do Rio Carioca, de Felipe Varanda, é uma intervenção que evoca as origens mais remotas de nossa urbe, já que, entre 1502 e 1503, na foz deste pequeno curso d’água, foi erguida pelos portugueses uma casa de pedra chamada pelos Tamoios de cari-oca (casa do branco). O Rio de Janeiro ainda esperaria algumas décadas para ser fundado, mas carioca, nome comum ao do curso d’água que iria abastecê-lo ao longo dos primeiros séculos e ao de seus futuros habitantes, surgiu nos primórdios da conquista lusitana, precedendo a cidade em 63 anos, a partir da denominação dada pelos Tamoios à pequena feitoria erguida em pedra. Hoje, apenas um pequeno trecho desse rio histórico corre a céu aberto na área urbana. Logo após cortar o Largo do Boticário, o Rio Carioca passa a correr sob a terra até desaguar às margens da Baía de Guanabara próximas ao monumento erguido em homenagem ao fundador Estácio de Sá.
Felipe Varanda
anos e mais concretamente por sua canalização subterrânea. Não se trata aqui de narrar por meio de imagens a situação de real abandono de fragmentos fundamentais de nosso passado. Felipe Varanda convoca-nos para uma experiência que difere de outras experiências cotidianas, pois só se concretiza por meio de artifícios poéticos, ainda que coincida com parte do percurso do extinto Rio Catete, afluente do Carioca. Um toldo com cerca de vinte metros de comprimento, estendido a uns cinco metros de altura sobre a calçada da Rua do Catete, em frente aos hotéis Imperial e Vitória, serve como tela para cinco projeções de cinco partes do percurso do Rio Carioca, acopladas em seqüência da nascente até a foz. Cada uma delas reproduz também os ruídos das águas que correm ocultas, agora reveladas. A Transposição não deve ser reduzida ao seu sentido mais literal (aquele da transposição das imagens de uma realidade soterrada para a luz da superfície). Ela também se dá quando, sem qualquer expectativa temática, torna visíveis seus fluxos enterrados e a condensação de seu percurso inteiro. Fernando Cocchiarale
Mas Transposição do Rio Carioca não quer simplesmente evocar essa memória tornada invisível pelo acúmulo dos
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Time buries not only the dead, but also the memory of the cities on which they lived. Some, like Troy, Pompeii and Tenochtitlan were irremediably silenced, destroyed and died. But the majority of them, in a process of autophagic growth, conceals part of its past burying them as it has been happening, for instance, in Rio de Janeiro. Transposição do Rio Carioca [Transposition of the Carioca River], is an intervention that evokes the most remote origins of our urbis, for between 1502 and 1503, the Portuguese built a stone house named cari-oca (white man’s house) by the Tamoio Indians. Rio de Janeiro would still wait for some decades to be founded, but carioca, the common name given to the water course that would supply it along the initial centuries and its future inhabitants, appeared in the early times of the Portuguese conquest, preceding the city in 63 years, from the denomination 50
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given by the Tamoios to the small erection made of stone. Today, only a short part of this historical river runs in the open air in the urban area. Right after crossing Largo do Boticário, the Carioca River starts running under the soil until flowing into Guanabara Bay, next to the monument erected in homage to the founder Estácio de Sá. But Transposição do Rio Carioca does not simply evoke this memory turned invisible by the accumulation of the years and more concretely by its subterranean canalization. The question here is not to narrate by means of images the situation of real abandonment of fundamental fragments of our past. Felipe Varanda calls us for an experience that differs from other everyday ones, for it is made real only through poetic artifices, even if it coincides with part of the course of the extinct Rio do Catete, an affluent of the Carioca.
An awning some twenty meters long, stretched out five-meter high on the sidewalk of Rua do Catete, in front of hotels Imperial and Vitória, serves as a screen for five projections of five parts of the flow of the Carioca River, grouped in sequence from the source till its mouth. Each one of them also reproduces the noise made by the waters that run concealed, now revealed. Transposição should not be reduced to its more literal term (that of the transposition of images of a buried reality into the surface light). It also takes place when, without any thematic expectation, it turns visible its buried flows and the condensation of its entire course. Fernando Cocchiarale
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Transposição do Rio Carioca projeção sobre tecido, 30 × 5m, caixas de som, amplificadores, aparelhos de DVD / projection on fabric, 30 × 5 m, loudspeakers, receivers, DVD sets
(fotografia e edição) / (photography and edition) Felipe Varanda
vídeo video
/ setting Paulo Duque Estrada Kasuhiro Bedim Leandro Gomes montagem
/ support Luciano dos Santos Ricardo de Miranda apoio
/ projectors FatorMultimídia (Ivan, Anderson e Conceição) projetores
costura da tela
/
screen sewing
Marlene Miranda / acknowledgements Academia Riogym agradecimentos
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Getúlio é pop
Lady Campello Leidiane Alves de Carvalho e Clarissa Campello Ramos
Quem hoje circula pela Rua do Catete provavelmente não se lembrará que ali foi o centro do poder republicano de 1897 até a transferência da capital federal para Brasília em 1960. Provavelmente não lhe ocorrerá também que, em 24 de agosto de 1954, o Palácio do Catete, então sede da Presidência da República, testemunhou um dos episódios mais trágicos da história do Brasil, o suicídio de Getúlio Vargas. Afora os casarões aristocráticos que ainda ali permanecem, nada mais evoca a importância passada dessa região da cidade. Calçadas esburacadas e sujas, comércio popular, camelôs e pedintes, tudo favorece o esquecimento. Qual uma ilha aprisionada em um mar poluído, destaca-se, esplêndida, a antiga sede do governo tornada Museu da República por Juscelino Kubitschek logo após a inauguração da nova capital. A densidade histórica desse local único parece ter refluído para os limites internos do palácio inaugurado em 1867, como residência do Barão de Nova Friburgo, ainda no reinado de D. Pedro II. Lá podemos rever relíquias como a primeira bandeira republicana, bordada pelas filhas de Benjamin Constant, e o pijama usado por Getúlio quando cometeu suicídio, uma das peças do acervo que mais desperta a curiosidade dos visitantes. Próxima ao monograma bordado no bolso da camisa, vê-se a marca ensangüentada que qualifica e torna tão especial esse objeto: a perfuração feita pelo tiro que matou o presidente e reverteu o golpe de estado então em curso. Passados cinqüenta e quatro anos desse disparo fatal, a dupla Lady Campello, formada pelas artistas Lady e Clarissa Campello, atualiza-o na intervenção
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Getúlio é pop, que integra o projeto Interferências Urbanas 2008. Ela se resume à instalação no respiradouro do metrô situado em frente ao Palácio do Catete de uma réplica gigantesca, pintada à mão sobre náilon, do pijama de Vargas exposto no interior desse edifício. Sem alterar as características essenciais desse emblema histórico, Lady Campello conseguiu transformar um ícone de nossa história em um dos objetos populares mais difundidos atualmente, os birutas (bonecos cilíndricos cujos corpos e braços se movimentam freneticamente por meio de ventiladores), comumente instalados em postos de gasolina para chamar a atenção dos transeuntes. É, portanto, primeiramente o biruta que atrai o nosso olhar, é ele que suscita a curiosidade a respeito de seu significado específico, na verdade um fato histórico dramático adormecido em um simples pijama. Getúlio é pop devolve à rua e à vida a evidência mais candente da morte de um chefe de Estado brasileiro, em frente ao local onde ela ocorreu há mais de meio século. Justo aquele que foi o presidente de maior penetração popular da história. No final da carta testamento, Vargas despede-se do povo brasileiro com a famosa sentença: saio da vida para entrar na história. Lady Campello propõe-nos um caminho inverso: sair da história para entrar na vida, ainda que pelo breve período de duração de sua interferência urbana. Fernando Cocchiarale
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Whoever wanders along Rua do Catete probably will not remember that there was the seat of republican power from 1897 until the transference of the federal capital to Brasilia in 1960. It won’t probably also occur to the wanderer that on 24 August 1964, the Catete Palace, then seat of the Presidency of the Republic, witnessed one of the most tragic episodes of Brazilian History, Getúlio Vargas’s suicide. Besides the aristocratic mansions that still lie there, nothing else evokes the past importance of this region of town. The sidewalks are dirty and full of holes, low-end commerce, street vendors, beggars – everything favors oblivion. Just like an island imprisoned in a polluted sea, the ancient seat of government that became the Museum of the Republic by an act of Juscelino Kubitscheck right after the inauguration of the new capital stands out splendidly. The historic density of this unique place seems to have reflowed into the inner limits of the palace inaugurated in 1867 as the residence of the Baron of Nova Friburgo, under the reign of D Pedro II. There we can see relics as the first republican flag embroidered by the daughters of Benjamin Constant and the pajama worn by Getúlio when he committed suicide, one of the items of the collection that highly arouses the curiosity of the visitors. Next to the monogram embroidered on the shirt pocket, we can see the bloodied stain that qualifies and makes this object so special: the perforation caused by the shot that killed the president and reversed the coup then underway. Fifty-four years after this fatal shot, the duo Lady Campello, formed by artists Lady and Clarissa Campello updates
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it in the intervention Getúlio é pop [Getúlio is pop] integrating the project Interferências Urbanas 2008 [Urban Interferences 2008]. It consists of the installation on the subway vent situated in front of Palácio do Catete of a hand-painted nylon giant replica of Vargas’s pajama exhibited in the interior of the building. Without altering the essential characteristics of this historic emblem, Lady Campello managed to transform an icon of our history into one of the most used popular objects nowadays, the inflatable dummies called birutas (cylindrical dolls whose arms and bodies move frantically with the use of ventilators) usually placed at service stations to call the attention of passersby. It is therefore the biruta that attracts our look, arousing curiosity regarding its specific signification, actually a dramatic historic fact slumbering in a simple pajama. Getúlio é pop sends back to the street and to life the most candent evidence of the death of a Brazilian head of state in front of the place where it occurred more than half a century ago. Precisely the one who was the president with the deepest popular penetration in history. At the end of the testament-letter, Vargas says good-bye to Brazilian people with the famous sentence: I get out of life to get into history. Lady Campello proposes us a reversed way: getting out of history to get into life, even for the brief period of duration of their urban interference. Fernando Cocchiarale
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Getúlio é pop escultura inflável, 7,05 × 3, 52 × 13 m, tinta serigráfica sobre náilon resinado, cordas, ventilador / inflatable sculpture, 7.05 × 3.52 × 13 m, serigraphic paint on resin-coated nylon, ropes, fan / ack nowledgments Metrô Rio (em especial a Arianne, Zezão e Vieira) Pedro Évora Luiza Baldan Débora Lopes Bruno Paiva Lívia Brigagão Eduardo Brasileiro Glória Ferreira Luciano Vinhosa Suzana e Rosana Huguenin Roberto Conduru Maria Berbara Paulo Venâncio Alexandre Marzullo Carlos Gante Clarice Rangel Danielle Joanes Isabella Daudt Joana Rabelo Renata ‘Preta’ Raphael Fonseca Tatiana Ferro (em especial a Ju, por ter cuidado da Bel)
agradecimentos
/ painting Lady e Clarissa Campello pintura e montagem
and setting
/ painting Daniel Teles e Dolores Marques assistentes de pintura
/ support Free Art Marcenaria cordas de apoio
/ sewing Ana e suas filhas costura
/ fan Ventshopping ventilação
/ security Luiz e Baiano segurança
/ support Metrô Rio Fiocruz SM21 Museu da República Comlurb Bar Getúlio apoio
ropes
assistants
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Malabares
Fuso Coletivo Luciano Cian e Arthur Kjá
O palhaço: o rei assassinado. Paródia derrisória da autoridade e da existência soberba, é a soberania às avessas. O poder converte-se no ridículo, o conquistador no parvo, o medo no riso, a morte na galhofa.
A paródia, parà-oiden: ao lado do canto. Na acepção clássica, uma cisão entre canto e palavra, revela-nos Agamben.1 Na música grega, originalmente, “a melodia deveria corresponder ao ritmo da palavra”. Quando, na recitação dos poemas homéricos, os rapsodos começaram a romper esse nexo e a introduzir melodias discordantes, provocariam nos atenienses “risadas irrefreáveis”. Cantam para ten oden, contra o canto (ou ao lado do canto), dizia-se. Antes mesmo de ser a inserção de um elemento cômico dentro de conteúdos sérios, alterando-os na repetição e na imitação jocosa, a paródia supõe o canto ou a fala ao lado, sem lugar próprio, fora de lugar.
O malabarista: o equilíbrio crítico e inconformado. A ordem extraviada de seu repouso, a inversão das posições habituais, as hierarquias em oscilação. A solução apenas possível no movimento. O malabarista está entre o deus que comanda o universo e a fragilidade da vida. Em suas mãos, a tentativa de controlar o adverso, de abolir o peso da existência. Os malabaristas nos sinais fechados: o equilíbrio tenso e precário. A desordem à espreita, as posições habituais amea çadas, as hierarquias protegendo-se por trás das janelas dos carros. É o extremo da possibilidade humana, a subsistência como prestidigitação.
Os malabaristas nos sinais fechados: sem lugar próprio, fora da história, fora do canto. A vida ao lado. Não é a paródia derivando da rapsódia, mas a paródia transformada na epopéia da sobrevivência. À arte resta abrir o espaço ao lado para a vida ao lado?
O malabarista-palhaço-artista: “o desequilíbrio culposo”, escrevem os artistas do Fuso Coletivo. Nos cruzamentos cariocas, o malabaristaartista maquiado de palhaço inicia seu espetáculo circense ao sinal fechado. No lugar da destreza, a inépcia; do triunfo, o fracasso: bolas e claves no chão. O malabarista, envergonhado pela apresentação atrapalhada, não pede os habituais trocados, distribui aos motoristas notas de R$ 1,00 (um real) pelo espetáculo malogrado. Mas quem ousaria abrir a janela? Uma “inversão de valores”, dizem os artistas: “o circo de rua, o circo fora do circo, o espetáculo da pobreza, da sobrevivência”.
O sinal abre. Estamos nus (alguns vestem Prada), o rei sobrevive tripudiando sobre as misérias, a arte segue insistindo em lançar suas claves ao ar. Quem quiser que as apanhe. Marisa Flórido Cesar
1
AGAMBEN, Giorgio. Paródia. In: Profanações. Trad. Selvino
J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 38-39.
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The clown: the murdered king. A derisory parody of authority and of a haughty existence, it is sovereignty inside out. Power is converted into the ridiculous, the conqueror into the simpleton, fear into laughter, death into a jest. The juggler: the critical and unconfirmed balance. Order strayed from its rest, the inversion of habitual positions, hierarchies in oscillation. The only possible solution in the movement. The juggler is in-between the god that commands the universe and life’s frailty. In his hands, the attempt to control the adverse, to abolish the weight of existence. The jugglers at the red lights: the tense and precarious balance. Disorder is on the lookout, habitual positions are menaced, hierarchies protect themselves behind the car windows. It is the extreme of human possibility, subsistence as prestidigitation. The juggler-clown-artist: “the guilty unbalance”, wrote the artists from Fuso Coletivo. In the Rio street crossings, the juggler-artist made up as a clown initiates his circus act when the lights are red. Instead of dexterity, ineptness; from triumph, failure: balls and clubs on the ground. The juggler, ashamed by the clumsy presentation doesn’t ask for the usual small change, but distributes one-real coins to the drivers due to the unsuccessful act. But who would dare to open the window? An “inversion of values”, the artists say: “the street circus, the circus outside the circus, the show of poverty, of survival”. Parody, parà-oiden: beside the singing. In the classical meaning, a scission between the singing and the word, Agamben reveals us.1 In Greek music, originally “melody should correspond to the rhythm of the word”. When, in the recitation of the Homeric
poems, the rhapsodists started to break with this nexus and to introduce discordant melodies they would provoke “irrepressible laughter” in the Athenians. They sing para ten oden, against the singing (or beside the singing) so they said. Well before being the insertion of a comic element within serious contents, altering them in the repetition and on the playful imitation, parody supposes the singing or speech at the side, with no proper place, out of place. The jugglers at the red lights: with no proper place, outside history, outside singing. Life at your side. It is not parody deriving from rhapsody, but parody transformed in the epopee of survival. To art, does it remain to open the space at the side for the life at your side? The green light is on. We are naked (some wear Prada), the king survives rejoicing over the miseries, art keeps on insisting on sending its clubs to the air. Whoever wants them may get them. Marisa Flórido Cesar
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AGAMBEN, Giorgio. Paródia. In: Profanações. Trad. Selvino
J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 38-39.
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Malabares performance ator malabarista
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juggler actor
Elvis Marlon / support Julia Bolliger Beto Roma Prolidel apoio
/ acknowledgements Família, amores, caos, música, vida agradecimentos
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Ilustre O que pode fazer um artefato como um lustre, na cabeça de um escritor como José de Alencar, em uma praça pública que tem o seu nome? A intervenção urbana de Pedro Évora responde a isso quase que silenciosa e sutilmente, ao mesmo tempo que de maneira bem certeira e enfática. O lustre, como iconografia de casa, de espaço interior, pertencente a um habitat aconchegante e até pompier, opera aqui como conexão estética para uma intervenção site specific que eletriza mais que a iluminação. A “cena construída” para o escritor indianista, que está sentado em uma cadeira e suspenso no alto como estátua de praça pública, não pode ser mais irônica, já que joga com várias freqüências: em primeiro lugar, explode a escultura decimonônica, celebradora por meio da sua intervenção/distorção – implode, em suma, a apatia costumbrista, o seu lugar cultural-urbano normalizado. Em segundo lugar, a intervenção sabe religar diversos tempos (passados do escritor, do esplendor do bairro) e vincular a primeira metade do século XX com a voragem contemporânea. Sabe ajustar ponteiros distantes, colocar-se em suspensão, como faz o mesmo lustre em plena luz do dia.
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Pedro Évora
Por outro lado, no meio da alta passagem do local – trânsito contínuo de carros, circulação numerosa de pedestres –, a intervenção cria um contra-ritmo urbano, uma pausa visual maior que a estabelecida de maneira mecânica pela estátua pública. O acento arquitetônico reforçado, embora elíptico, joga com a mesma transparência do que está aberto ao ar livre, com a virtualidade ficcional de um espaço latente, subentendido, e também com a semipropriedade decorativa, sublinhada de forma acertada na escolha do sobrecarregado lustre. A intervenção inscreve-se como um verdadeiro comentário visual, perceptivo, não isento de ironia (ainda mais sabendo que a longínqua natureza, aqui inexistente, era a razão da escrita deste autor romântico). Assim, a obra de Pedro Évora aciona a memória – uma certa construção –, tanto quanto a sua nova contextualização – uma significativa desconstrução. Adolfo Montejo Navas
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What can be doing an artifact like a chandelier on the head of a writer like José de Alencar on a public square that bears its name? The urban intervention by Pedro Évora answers this almost silently, subtly, and at the same time in the most well-directed and emphatic way. The chandelier, as household iconography, of an inner space belonging to a cozy and even pompier habitat, operates here as an esthetic connection for a site specific intervention that electrifies more than the lighting. The “constructed scene” for the Indianist writer who is sitting on a chair and suspended high like a statue in a public square, couldn’t have been more ironical, for it plays with various frequencies: in the first place, it explodes the outdated, celebrating sculpture by means of its intervention/ distortion – imploding, after all, the customary apathy, its normalized urbancultural place. In the second place, the intervention knows how to reconnect diverse times (the past times of the writer, of the splendor of the district) and how to link the first half of the 20th century with the contemporary bustle. It knows how to adjust distant clock hands, to place itself in suspension, like the chandelier does in broad daylight. On the other hand, amidst the hectic
ambiance of the place – continuous car traffic, circulation of numerous pedestrians – the intervention creates an urban counter-rhythm, a visual pause longer than the established in a mechanic way by the public statue. The enhanced architectonic stress, although elliptical, plays with the same transparency of that which is free in the open air, with the fictional virtuality of a latent, implied space and also with the decorative semipropriety, underlined in a proper way by the choice of the overwrought chandelier. The intervention is inscribed as a true visual comment, not exempt of irony (all the more so knowing that the distant nature, here inexistent, was the reason for the writings of this Romantic writer). Thus, the work by Pedro Évora activates the memory – a certain construction – as well as its new contextualization – a significant deconstruction. Adolfo Montejo Navas
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Ilustre Estrutura em ferro, contas de acrílico, refletores e cabo de aço / iron structure, acrylic beads, spotlights and steel cable
/ assistance Adriano Ferreira assistência
/ setup Jober e Leandro cenotécnica
elétrica
/
crew
electricity
Magú / setting Josimar de Abreu – Free Art Ruan Gil Vinicius Leonardo montagem
/ acknowledgements Mari, Quito, Felipe, Cristóvão, Flaviana, Alfredo, Rivera, Wash, Fernanda e Tomás agradecimentos
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AFTER:Nature
SoundSystem Franz Manata e Saulo Laudares
Na polifonia das cidades, o canto dos pássaros funciona como som atávico, lembrando-nos nostalgicamente da natureza, da anticivilização, da perda do paraíso. No cenário carioca, natureza e cultura sobrevivem ao alvoroço, ao alarido, ao estampido.
Como estratégia anacrônica, durante a emissão dos sons naturais, o canto é interrompido por ruídos, loops, tal qual a pintura naturalista foi interrompida por opacidades. A simulação ocupa o lugar do real. Interferir na cidade, no urbano, é criar uma interferência ao quadrado. Depois da natureza, a cidade é a própria intervenção, o ruído: ruas em vez de terra, aterros em vez de mar, luz elétrica no lugar do luar. Saulo e Franz sobrepõem real e simulação de maneira sutil, como nas estratégias de Stan Douglas. Por um instante, iludimo-nos e logo em seguida percebemos o efeito, a farsa, a contranarrativa, a antinatureza.
AFTER:Nature apresenta pequenos altofalantes emitindo, ao entardecer, o canto de diferentes pássaros. Camuflados na copa das árvores, os tweeters ambientam a paisagem ocupando o lugar das aves. Ainda é a mimesis que nos incita a buscar tal disfarce. “Na arte contemporânea a realidade das mídias, assim como antes a realidade da natureza, também incita o artista à reflexão de um mundo presente de signos e aparência”.1 Deflagrada nos anos 1960 por John Cage, Nam June Paik, entre outros, a utilização do som em ações artísticas está ligada à desmaterialização dos objetos de arte. Ao mesmo tempo, isto coincide com a algazarra das ruas, dos movimentos pelos direitos civis. Portanto, a turba das cidades e as reivindicações nas manifestações coletivas são concomitantes tanto à crítica antimuseológica quanto à ampliação das categorias artísticas. A geração de Hélio Oiticica usava as ruas como caixa de ressonância.
E são muitas as vozes presentes no alarido das cidades. Intromissões que nos fazem refletir sobre a inconformidade sonora dos sujeitos, dos reclames, do trânsito, dos pregoeiros. Enquanto isso, a natureza ecoa dentro de nós, como devir. Tornar-se quem somos: natureza e ruído. Tudo está em dissonância. Todos precisam ser ouvidos. O que estamos fazendo aqui? Logo percebemos que nosso canto é solitário. A consonância entre natureza e cultura é, em si, utópica. Pensar a cidade é situar-se depois da natureza, além do paraíso.
A instalação de Franz Manata e Saulo Laudares situa-se na interseção entre som natural e artifícios, entre a rua e a floresta. Ora mimetiza a paisagem, ora expõe interferências, maculando-a. No cotidiano da cidade, AFTER:Nature amalgama-se ao fluxo das ruas, criando inevitáveis invisibilidades.
Marcelo Campos
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BELTING, Hans. História das mídias e história da arte. In: ______. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p.243.
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In the polyphony of the cities, the songs of the birds work as an atavistic sound, reminding us nostalgically of nature, of anti-civilization, of paradise lost. In the carioca scenery, nature and culture survive the agitation, the clamor, the roar. AFTER:Nature presents small loudspeakers transmitting the songs of several birds at sunset. Camouflaged amidst the trees, the tweeters create an ambiance in the landscape, occupying the place of the birds. It is still the mimesis that incites us to search for such a disguise. “In contemporary art, the reality of the media, as previously was the reality of nature, also incites the artists to the reflection of a world present with signs and appearance”.1 Launched in the 1960s by John Cage, Nam June Paik, among others, the use of sound in artistic actions is linked to the dematerialization of art objects. At the same time, this coincides with the street’s bustle, of the movements for civil rights. Therefore, the crowd in the cities and the claims in the collective manifestations are concomitant with the anti-museological critique as well as the broadening of artistic categories. Hélio Oiticica’s generation used the streets as a resonance box. The installation by Franz Manata and Saulo Laudares is situated in the intersection between natural sound and artifices, between the street and the forest. Now it is mimicking nature, now it exposes interferences, maculating it. In the everyday life of the city, AFTER:Nature is amalgamated to the flow of the streets, creating inevitable invisibilities. As an anachronistic
strategy, during the emission of natural sounds, the birdsongs are interrupted by noises, loops, just like naturalistic painting was interrupted by opacities. Simulation occupies the place of reality. To interfere in the city, in the urban ambiance is to create a squared interference. After nature, the city is the very intervention, the noise: streets instead of earth, landfills instead of the sea, electric lighting instead of the moonlight. Saulo and Franz superimpose reality and simulation in a subtle way, like in Stan Douglas’s strategies. For an instant we are misled and right after we realize the effect, the farce, the counter-narrative, the anti-nature. And many are the voices in the city’s clamor. Intromissions that make us reflect on the sonic inconformity of the subjects, publicities, of the traffic, of the criers. Meanwhile, nature echoes inside us as what-will-be. To become who we are: nature and noise. Everything is in dissonance. Everyone needs to be heard. What are we doing here? We soon realize that our song is solitary. The consonance between nature and culture is in itself utopian. To ideate the city is to be situated after nature, beyond paradise. Marcelo Campos
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BELTING, Hans. História das mídias e história da arte. In: ______. O fim da história da arte: uma revisão dez anos depois. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p.243.
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AFTER: Nature instalação sonora com 28 tweeters, 150 m de cabos, potência, gerador, trilha sonora / sound installation with 28 tweeters, 150 m of cables, power, generator, soundtrack equipe técnica
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technical crew
Anderson Amilton Michel Ferreira de Santana agradecimento
Heleno Bernardi
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acknowledgement
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Contato O estrangeiro condensa distâncias e proximidades, não pertence a este nem a outro lugar. Assim distinguia George Simmel essa nova figura que surgia com a cidade moderna. A cidade dos trens e dos fluxos, das mudanças de escalas, do excesso de estímulos extenuando os sentidos, das distâncias encolhidas e proximidades forçadas. O estrangeiro é o estranho: espelho em que projetamos a alteridade. Sua proximidade aparente – pois elide intimidades – vem perturbar nossa casa: os tempos e os espaços domesticados, as horas rimadas pelos costumes, a reciprocidade tranqüila entre semelhantes. O estrangeiro vem ameaçar as fronteiras, introduzir sobressaltos no que supúnhamos familiar e apaziguado. Quem sabe testemunhará o indomesticável que habita a casa, os pequenos e grandes crimes domésticos, as seduções das paredes opacas, os silêncios e segredos da intimidade. Figura da mobilidade, sua diferença nos intriga e nos é indiferente. É o exilado, o imigrante, o estudante, o artista. Não é o turista. O turista consome os espaços e os tempos. Voracidade das superfícies, seu contato é fotográfico, a prova testemunhal de que por ali passou. O turismo é a face extrema da mercantilização das viagens, o desaparecimento da acolhida gratuita. A hospedagem desapossando a hospitalidade; o consumo cultural dissipando o convívio; o sight seeing substituindo o encontro e a troca dos olhares. Contato intitulou a proposta do artista Wagner Malta para a cidade do Rio de Janeiro: instalar, nas janelas de alguns
WMT
prédios de uma rua do Catete, persianas feitas com lâmpadas fluorescentes. “Essas janelas, negociadas com os moradores, formariam uma linha de cada lado da rua apontando, perspectivamente, para uma direção na cidade”, escreveu o artista. Negociações frustradas, permissão negada, o artista de fora, sem a hospitalidade carioca, instala suas persianas de luz verde no último pavimento do Castelinho do Flamengo. Converte o sistema de proteção da vida privada, a persiana, na sinalização solitária de uma singularidade: escrita de luz sobre a epiderme da casa. Na fronteira que separa o recesso doméstico, que cultiva o nome próprio, do anonimato da rua, anuncia: “estou aqui e lá”. Toda existência é exilada, já disse Jean-Luc Nancy, um ex solum, um estar fora. O artista é estrangeiro. O filósofo pressentiu há séculos sua ameaça e o expulsou de sua polis. Na cidade platônica, todo homem é idêntico a si mesmo, tem um lugar assinalado, um ofício determinado. O artista, que muda constantemente de fazer, que se metamorfoseia em uma multidão de aparências, não cabe no princípio da identidade e na estrita divisão de funções que o filósofo sonhou. É como Proteu e Tétis, esses deuses da mutação “que andam pelo mundo da noite, disfarçados de mil modos como estrangeiros dos mais variados países”.1 Nas noites cariocas, as luzes de Wagner cintilam além da cidade. Desejam atravessar a Baía, alcançar as cidades da vizinhança. O artista condensa distâncias e proximidades, não pertence a este nem a outro lugar. Marisa Flórido Cesar
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Apud TRÍAS, Eugenio. El artista y la ciudad. Barcelona: Anagrama, 1997. p. 58.
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The stranger condenses distances and proximities, does not belong to this neither to another place. This way George Simmel made a distinction for this new figure that emerged with the modern city. The city of trains and flows, of changes of scales, of the excess of stimuli tiring the senses, of the shrunken distances and of the forced proximities. The foreigner is the stranger: the mirror where we project the otherness. Its apparent proximity – for it elides intimacies – comes to disturb our house: the times and domesticated spaces, the hours rhymed by the customs, the tranquil reciprocity between similar fellows. The stranger comes to menace the borders, to introduce startles into what we supposed familiar and pacified. Who knows it will witness the untamable that inhabits the house, the small and big domestic crimes, the seductions of the opaque walls, the silences and secrets of intimacy. Figure of mobility, its difference intrigues us and is indifferent to us. It is the exiled, the immigrant, the student, the artist. It is not the tourist. The tourist consumes the spaces and the times. Voracity of the surfaces, its contact is photographic, the evidence from the witness that passed by there. Tourism is the extreme face of the mercantilism of the trips, the disappearance of the free welcoming. Lodging dispossessing hospitality; the cultural consumerism dissipating coexistence; sight seeing replacing the meeting and the exchange of glances Contato [Contact] is the title of the proposition by artist Wagner Malta for the city of Rio de Janeiro: to install blinds made with fluorescent lamps in
the windows of some of the buildings of one street in Catete. “Those windows, negotiated with the dwellers would form a line on each side of the street pointing perspectively towards a direction in the city”, as the artist wrote. Frustrated negotiations, permission denied, the artist on the outside, without the Rio hospitality, installs his green-light blinds on the top floor of Castelinho do Flamengo. The blind converts the system of private life protection into the solitary signaling of a singularity: a writing of light over the epidermis of the house. At the frontier that separates the domestic recess, that cultivates its proper name, of the anonymity of the street, it announces: “I am here and there”. Every existence is exiled, Jean-Luc Nancy has already written, an ex solum, a being outside. The artist is a foreigner. The philosopher foresaw centuries ago his menace and banished him from the polis. In the Platonic city, every man is identical to himself, has a marked place, a determined craft. The artist, who changes constantly his making, who morphs into a multitude of appearances, does not fit into the principle of identity and into the strict division of functions that philosopher dreamed of. It is like Proteus and Thetis, those gods of mutation “who wander through the night world, disguised in a thousand ways as foreigners of the most varies countries”.1 In the carioca nights, Wagner’s lights sparkle beyond the city. The artist condenses distances and proximities, does not belong to this nor to another place. Marisa Flórido Cesar
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Apud TRÍAS, Eugenio. El artiszta y la ciudad. Barcelona: Anagrama, 1997. p. 58.
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Contato 120 lâmpadas fluorescentes verdes de 40W instalados no Castelinho do Flamengo / 120 green 40W fluorescent lamps installed at Castelinho do Flamengo / setting Cazé e Moisés montagem
/ acknowledgements Jordão Corrêa Neto Elisa de Castro Lima Selma Cardoso Mendes Ailton Vieira Julio Liberato Sandro de Moraes Silva Ricardo Teglas agradecimentos
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I N T E R FERÊNCIAS URBANAS Prêmio 2008 Rio de Janeiro
projeto e coordenação
fotografia
project and coordination
photography
Roberta Alencastro
Fernando Leite
assessor de coordenação
exceto: p. 29, André Amaral
assistant coordinator
Robson Camilo comissão de seleção selection comission
Adolfo Montejo Navas Agnaldo Farias Fernando Cocchiarale Marcelo Campos Marisa Flórido Cesar
p. 36, Chang Chi Chai p. 61, Clarissa Campello p. 92-93, Deborah Engel p. 50, 51, 52, 53, Felipe Varanda p. 19, 21, 22, Joel Queiroga Pessôa p. 60 (esq.), Luiza Baldan p. 60 (dir.), p. 82 (acima, esq.), Roberta Alencastro p. 79, 80-81, Saulo Laudares
agradecimentos produção
acknowledgements
produc tion
Tisara Arte Produções / Mauro Saraiva produção executiva executive produc tion
Heloisa Vallone Loane Malheiros
6ª Superintendência Regional do IPHAN
Carlos Fernando de Souza Leão Andrade Secretaria Municipal das Culturas
Ricardo Macieira Subprefeitura da Zona Sul II
Marcelo Maywald IV Administração Regional
administração administration
Loane Malheiros Antônio Tomé de Araújo Góes assessoria de comunicação
Vitória Cervantes RioLuz
Sidney Medeiros Falcão Eraldo Luiz da Silva Fundação Parques e Jardins
media liaison
Osmar Caetano de Souza e Cristina Serrano
Meio & Imagem/Ana Ligia Petrone
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