Sargento getulio

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ANÁLISE DA OBRA GETÚLIO VARGAS DE JOÃO UBALDO RIBEIRO, UM AUTOR CONTEMPORÂNEO Roberta Mathias Sargento Getúlio é um livro interessante da literatura contemporânea, a narrativa do autor João Ubaldo Ribeiro parece pertencer tão somente a um regionalismo literário, pois é possível interpretar e observar traços de denúncia social na obra, visto que o protagonista da narrativa, Getúlio, aborda a quanto o Sergipe brasileiro estava atrasado em conquistas sociais e políticas em relação ao resto do país, também faz-se muito presente o sotaque nordestino, características essas vistas no trecho: [...] O Chefe disse: me traga esse homem vivo, seu Getúlio. Quero o bicho vivão aqui, pulando. O homem era valente, quis combate, mas a subaqueira dele enganchou a arma, de sorte que foi o fim dele. Uma parabelada no focinho, passarinhou aqui e ali e parou. Foi manso, manso, de beiço quebrado. Tárcio queria logo passar uma máquina zero no cabelo dele, mas não pôde ser. Era só questão de dar umas porretadas de ensinamento, não era como quando fomos quebrar o jornal comunista. Essa quebra ninguém mandou, mas o jornal aporrinhava o Chefe, de sorte que um dia foi queimado e faltou água para os bombeiros. Não sobrou nada e tinha um comunista chorando na porta. [...] Foi o fim dos udenistas comunistas. Ô gente mofina só é comunista. Na hora que arrocha, se vão-se todos para cachaprego. Levei diversos. (RIBEIRO, 2008, p. 18 e 19).

Porém, essas características segundo as percepções de Silva (2002), em “Sargento Getúlio e o romance moderno: reflexões sobre os aspectos de representação da realidade” dá-se para oferecer suporte para o entendimento da realidade do local da narrativa através dos pensamentos que o personagem vai revelando no decorrer do romance, e dessa forma captar os sofrimentos e as dificuldades presentes no interior do indivíduo, e, esta preocupação formal é uma característica nova na representação da realidade. Vale ainda ressaltar que o autor apesar de expor uma denúncia social, não aborda críticas e nem soluções para esses problemas. As referências históricas são colocadas de modo a possibilitar novas hipóteses interpretativas e identificar o cenário da obra. Diante deste contexto, Schollammer aborda que: De modo geral, percebe-se, nos escritores da geração mais recente, a intuição de uma impossibilidade, algo que estaria impedindo-os de intervir e recuperar a aliança com a atualidade e que coloca o desafio de reinventar as formas históricas do realismo literário numa literatura que lida com os problemas do país (Schollammer, 2011, p. 14).

Em uma breve comparação com a obra “O matador” de Patrícia Melo com “Sargento Getúlio” tem-se no primeiro um romance que mostra o processo de embrutecimento de um homem que começa a matar por acaso, por força das circunstâncias. Enquanto no segundo vemos um homem que começa a matar e cometer atos brutais quase que também por um acaso. Getúlio foi nomeado Sargento em uma época onde a polícia e a política eram colocadas em um mesmo grupo, o protagonista tinha orgulho por ter sido escolhido sargento, mas isso não queria dizer que era feliz com isso. Matar tornou-se algo comum para ele, pois isso fazia parte da sua rotina, até descrevia detalhes de seus atos brutais. E é a partir de seus relatos e pensamentos que se pode entrar em contato com seu universo, sua personalidade e suas


motivações. Getúlio era um homem “cabeça fechada” se analisada a obra. Não concordava com a evolução do país, criticava e condenava à morte comunistas e udenistas, era quase totalmente fiel a seu Chefe. Para ele estava agindo correto segundo seus princípios de mundo. Getúlio cria monólogos ao tempo todo, esses monólogos são feitos ao decorrer da sua viagem com seu companheiro Amaro. A voz de Amaro aparece, mas se perde na voz de Getúlio. Em Aracaju tenho as costas quentes e não é assim que Getúlio vai se ver de uma hora para outra. Principalmente depois de entregar vosmecê. Tem ambientes em Aracaju, gente a seu favor. Coisas. Não gosto desse serviço, não gosto de levar preso. Avexa-me. Depois de levar vosmecê lá, asse nto os quartos num lugar e largo essa vida de cigano. Só se doutor Zé Antunes pedir muito. Mesmo assim. Me aposento-me. (RIBEIRO, 2008, p. 17). [...] Usina de açúcar é bom, ninguém tira um cabra de lá. Não gosto disso, não sabe vosmecê. Ninguém entra numa usina para tirar um cabra. Não gosto disso, é contra lei. Devia ser contra lei. (RIBEIRO, 2008, p. 22). [...] Não sei como é que tem um sujeito que passa a vida apalpando as partes dos outros. Profissão é profissão. Não gosto de médico. Nunca atirei num médico. Ou já atirei? Não me lembro. Sinimbu dizem que era médico em Pernambuco. Agora é finado, pronto, não é médico nem em Pernambuco nem em Petrolina. Nem no Maranhão, nem lugar nenhum, nem no fiofó da juda. Bicho seboso. Deram um banho de capucho de milho no cadave esfregando bastante [...] Ninguém não repara defunto sujo, veste a roupa de votar, enfia dentro, acabou. (RIBEIRO, 2008, p. 23). [...] De noite Amaro conta histórias de trancoso, depois que a gente amarremos o bicho bem amarrado e demos água a ele e ficamos lá e Amaro diz: foi um dia uma vaca história, deu um peido se acabou-se a história e a gente damos muitas risadas e, como não temos mais o que dizer, só ficamos repetindo foi um dia uma vaca história deu um peido se acabou-se a história. [...] (RIBEIRO, 2008, p. 107).

Deste modo, a linguagem do romance é formada por fluxos de consciência e monólogos interiores que acabam por romper com a ordem cronológica e é nessas observações que se dá a manipulação dos elementos presentes na organização discursiva da narrativa que se compreende como João Ubaldo Ribeiro é capaz de imprimir ao seu romance um caráter moderno.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Revista Eletrônica Literatura e Autoritarismo: “Rememoração e Reminiscência”, Grupo de Pesquisa Literatura e Autoritarismo – CNPq, Universidade Federal de Santa Maria, Vol. 01, n. 16 (2002 - .Santa Maria). OURIQUE, J. L. P.; UMBACH, R. U. K. (Orgs.).


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