Kaiser David Konrad
| EXERCÍCIO |
O USS George Washington visita o Brasil O super navio-aeródromo nuclear participou de operações inéditas na costa brasileira Kaiser David Konrad 88 TECNOLOGIA & DEFESA
Fotos: Roberto Caiafa
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o mês de novembro, o Brasil recebeu a ilustre visita do navio-aeródromo de propulsão nuclear USS George Washington, da Marinha dos Estados Unidos (US Navy). O CVN-73 capitaneava o Carrier Strike Group Nine (CSG-9), formado pelos destróiers da Classe Arleigh Burke USS Chafee (DDG-90) e USS Mcfaul (DDG-74), e o navio de abastecimento Big Horn (T-AO-198) da Classe Henry J. Kaiser. O grupo de ataque estava comandado pela contra-almirante Lisa Franchetti, também responsável por conduzir a comissão intitulada Southern Seas 2015, que partiu da Base Naval de San Diego, na costa oeste dos Estados Unidos, com destino a Norfolk, na costa leste, onde o George Washington fará seu reabastecimento programado. Durante a viagem de circunavegação pelo continente americano e na sua passagem pelo Pacífico Sul, o CSG-9 realizou importantes exercícios bilaterais com as forças do Peru e Chile, antes de entrar na área de responsabilidade da 4ª Frota, subindo o Atlântico Sul e alcançando o litoral brasileiro, onde primeiramente foi recebido na jurisdição do 5º Distrito Naval pelo seu comandante, vice-almirante Leonardo Puntel, para dar início à 56ª edição da operação UNITAS.
CVN-73 - ESPÍRITO DA LIBERDADE Comandado pelo capitão de mar-eguerra Timothy C. Kuehhas, o USS George Washington é da Classe Nimitz e leva cerca de seis mil marinheiros. Trata-se de uma cidade-flutuante sustentada por 60 mil toneladas de aço estrutural e que desloca em plena carga mais de 97 mil toneladas. Construído pelo estaleiro Newport News Shipbuilding, entrou em atividade em 4 de Julho de 1992 (data comemorativa da independência dos Estados Unidos) e é movido por dois reatores nucleares que podem operar de forma contínua por mais de 20 anos antes de necessitar reabastecimento. Pode transportar 3,5 milhões de galões de combustível de aviação e operar embarcadas mais de 80 aeronaves, além de uma pequena força expedicionária composta por 500 fuzileiros navais para segurança e operações especiais. Capaz de navegar mais de 800 quilômetros por dia, representa o principal instrumento de diplomacia coercitiva utilizado pelos Estados Unidos na atualidade. Tão logo se fez ao mar, no seu primeiro desdobramento, o George Washington serviu como cenário para as comemorações do 50º aniversário do Dia D. Em 1996, o navio foi palco de um encontro histórico da comissão militar conjunta composta pelos líderes das antigas facções beligerantes da Bósnia e Herzegovina, e exerceu uma função vital de manutenção da paz na Operação Decisive Endeavor, para depois seguir rumo ao Golfo Pérsico onde conduziu a Operação Southern Watch, que visava assegurar uma zona de exclusão aérea sobre o sul do Iraque, tendo permanecido naquela região em outros dois desdobramentos consecutivos. Em 2002, sua Ala Aérea Embarcada forneceu suporte aéreo às tropas em terra que lutavam contra o Talibã, no Afeganistão, o que mostrou que até mesmo nações sem costa marítima podem se tornar alvo de operações aéreas lançadas a partir de um navio-aeródromo. Logo depois de integrar a Operação Liberdade Duradoura, no Iraque, o navio entrou em período de doca seca no Estaleiro Naval de Norfolk onde recebeu reparos estruturais e passou por um programa de modernização tecnológica, saindo em 2008.
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PODER AÉREO EMBARCADO O CVN-73 recebeu para a comissão Southern Seas 2015 o Carrier Air Wing Two, uma força aeronaval composta por nove esquadrões comandados pelo capitão de mar-e-guerra Max G. McGoy, e que é baseada na Naval Air Station Lemoore. O navio não estava com dotação completa, por isso transportava apenas 48 aeronaves, que eram pertencentes aos Fighter Squadron 2 (VFA-2) “Bounty Hunters”, equipado com caças F/A-18F Super Hornet; Fighter Squadron 137 (VFA-137) “Kestrels”, com F/A-18E Super Hornet; Strike Fighter Squadron 34 (VFA-34) “Blue Blasters”, com os F/A-18C Hornet; Strike Fighter Squadron 192 (VFA-192) “Golden Dragons”, com seus F/A-18C Hornet; o Carrier Airborne Early Warning Squadron 113 (VAW-113) “Black Eagles”, equipado com as aeronaves-radar E-2C Hawkeye; o Eletronic Attack Squadron 136 (VAQ-136) “Lancers”, com os novos EA-18G Growler; o Fleet Logistics Support Squadron 30 Det.2 (VRC-30) “Providers”, composto pelos C-2A Greyhound; e mais dois esquadrões de helicópteros para missões C-SAR,
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Um F/A-18C Hornet do Strike Fighter Squadron 34 no lançamento
transporte e guerra antissubmarino, respectivamente os Helicopter Sea Combat Squadron 4 (HSC-4) “Black Knights”, com MH-60S Knighthawk, e o Helicopter Maritime Strike Squadron 78 (HSM-78) “Blue Hawks”, com os MH-60R Knighthawk.
A UNITAS EM ANDAMENTO Como sempre, trata-se de um exercício multinacional de caráter estritamente militar que treinou a interoperabilidade e o combate em ações de superfície, aérea, antissubmarina, de guerra eletrônica e de interdição marítima, tendo seu fechamento com a realização da Exercise Scenario Phase, na
qual foi simulado um conflito entre duas forças antagônicas, havendo um escalonamento da crise até que fosse formada uma Força Marítima Multinacional, que atuou conforme um mandato do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. O resultado final contribuiu para a manutenção do nível de adestramento dos meios navais e aéreos da Esquadra Brasileira, que teve a sua Força-Tarefa comandada na ocasião pelo contra-almirante Newton Calvoso Pinto Homem, comandante da 2ª Divisão da Esquadra, e também para o incremento da cooperação e estreitamento dos laços de amizade entre a Marinha do Brasil e das demais nações participantes, representadas pelas fragatas Almirante Rive-
Os helicópteros MH-60S e MH-60R Knighthawk foram utilizados em missões ASW, ASuW e em alerta SAR
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ros, da Armada Chilena, e Quiñones, da Marinha de Guerra do Peru; o navio-patrulha oceânico da Armada Mexicana Baja California; e o navio de apoio logístico RFA Gold Rover, da Royal Navy, mais os meios da US Navy, que desta vez, incluiram a participação de um moderno avião de patrulha marítima Boeing P-8A Poseidon, algo até então inédito. A Marinha do Brasil participou com as fragatas Liberal (F43), Constituição (F42), e Greenhalgh (F46); os navios -patrulha Gurupá (P46) e Benevente (P61); o navio-patrulha oceânico Apa (P121); os rebocadores de alto-mar Almirante Guilhobel (R25) e Tritão (R21), o submarino Tapajó (S33), e aeronaves UH-12/13 do esquadrão HU-1, e AF-1 do VF1. Foram realizados exercícios de trânsito com oposição de superfície e trânsito com múltiplas ameaças, que consistiram no deslocamento de uma força de um ponto a outro em uma área de exercício, na qual existiam ameaças de superfície, aérea e de submarino isoladas ou simultâneas. O objetivo era efetuar a passagem de uma força naval sem que houvesse dano aos navios. Para que isso ocorresse foi necessário possuir perfeita consciência situacional, identificando positivamente todos os navios, submarinos e aeronaves que se encontrassem na região, a denominada compilação do quadro tático. Quanto melhor for, maiores serão as chances de se efetuar o trânsito com segurança, uma vez que, na guerra moderna, devido ao desenvolvimento de armas e sensores, quem detecta o adversário primeiro possui vantagem para atacar ou se defender. Durante esta edição da UNITAS aconteceram também exercícios de tiros sobre alvo de superfície e antiaéreos, executados com os navios em formatura a cerca de 1.000 metros de distância entre si. Foram utilizados alvos específicos para os canhões, de maior ou menor calibre, de modo a permitir a verificação da precisão do tiro e a prontidão operacional das tripulações. No tiro de superfície, o alvo foi uma boia laranja, com dimensões de 2X2 metros, sobre a qual os navios em formatura cumpriram procedimentos de um Grupo de Ação de Superfície (Surface Action Group – SAG), culminando no engajamento com canhões de maior calibre. No tiro antiaéreo, no período noturno, o alvo empregado foi uma granada iluminativa (GIL) que possui um brilho intenso por alguns segundos. Os navios foram posicionados em formatura específica, onde um lançou a GIL para que os demais abrissem fogo com canhões de 40mm e metralhadoras.
COM A FORÇA AÉREA Um relevante destaque da presença da US Navy foi a realização de um exercício paralelo de combate com a Força Aérea Brasileira (FAB). Chamado de USABRA, nele foram cumpridas missões de interceptação e ataque, combates aéreos sobre o litoral da Região Sul nas modalidades BVR (além do alcance visual) e WVR (dentro do campo visual) entre os F-18 e os F-5M da FAB, dos Esquadrões 1º/14ºGAv, 1º/4ºGAv e 1ºGAvCa, que operaram a partir da Base Aérea de Canoas, na grande Porto Alegre (RS), e que eram vetorados por aviões-radar E-99 do 2º/6ºGAv. Caças-bombardeiros A-1 pertencentes aos 1º/10ºGAv e 3º/10ºGAv, de Santa Maria (RS) e 1º/16ºGAv de Santa Cruz (RJ), praticaram missões de ataque escoltados por caças F-5M e F-18 contra alvos de superfície vetorados pelos P-95 Bandeirulha do 3º/7ºGAv, de Florianópolis (SC), e P-3AM do 1º/7ºGAv, de Salvador (BA). Também foram registradas missões de ataque ao solo com a presença de ameaças aéreas, o que representou uma oportunidade para intercâmbio de conhecimentos, experiências e doutrinas operacionais, podendo simular as missões com um moderno vetor de combate e apreender na prática com pilotos veteranos de guerra. No USS George Washington os caças da US Navy davam alerta de 5, 15, 30, 60 e 120 minutos. Cada esquadrão
Contra-Almirante Lisa Franchetti, comandante do Carrier Strike Group Nine
Construir relacionamentos ste ano marca a realização da 56ª edição da UNITAS que, como os exercícios anteriores, foi desenhada com intuito de aumentar a interoperabilidade e construir relacionamentos entre as Marinhas participantes. Desde 1960, a UNITAS tem proporcionado oportunidades de formação únicas e evoluiu para incluir o treinamento para ameaças encontradas no ambiente marítimo da atualidade. A Marinha do Brasil é uma força militar muito capaz e profissional e nossas Marinhas têm frequentemente operado juntas em exercícios e como parte de forças-tarefa multinacionais. Nós somos gratos pela liderança do Brasil na fase de Atlântico da UNITAS. Nossas Marinhas têm uma relação forte e duradoura que inclui treinamentos e exercícios bilaterais, multilaterais e intercâmbios, que são exemplos importantes do nosso compromisso contínuo para a região, e que as relações estreitas entre nossas Marinhas continuem a ser cultivadas. A fase de Atlântico da UNITAS 2015 é uma oportunidade extremamente valiosa para melhorar a interoperabilidade e construir relacionamentos na região. Concomitante a este exercício, a Ala Aérea Embarcada Dois (CVW 2) participa de um exercício bilateral com a Força Aérea Brasileira que é constituído de uma série de eventos de treinamento com a oportunidade única de trabalhar em conjunto num ambiente operacional complexo que inclui combates aéreos simulados e com diversas aeronaves. Nossos pilotos estavam ansiosos por este treinamento e para trabalhar com a altamente capaz Força Aérea Brasileira. Tais exercícios de rotina ajudam a garantir a segurança a longo-prazo e a estabilidade em todo o domínio marítimo. Eles também nos dão uma grande oportunidade para construir relacionamentos com nossos colegas no mar e no ar, e que estabelecem as bases para a continuação da cooperação militar no futuro.
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CMG Mark Hamilton
Aeronave de alerta aéreo antecipado E-2C Hawkeye
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O Handler Boss é o responsável por todas as movimentações de aeronaves no convés de voo
Oficial-aviadora da US Navy no convés de voo a caminho de mais uma missão no F-18
Hard Power: O navio-aeródromo não é um mero instrumento de defesa à disposição de uma Marinha, mas de ataque, uma arma estritamente ofensiva que se insere na estratégia de defesa nacional norte-americana pela sua capacidade e característica intrínsecas de projetar o Poder Aéreo e Naval ao fornecer a flexibilidade de uma posição avançada necessária para manter a influência dos Estados Unidos no exterior, sendo capaz de se mover rapidamente de um ponto geográfico a outro, e de assumir uma função crítica em uma crise mundial ou numa situação
de emergência internacional ou humanitária, proporcionando a vantagem decisiva de levar a guerra até ou além das fronteiras do inimigo e alcançar a superioridade aérea e naval sobre ele. TECNOLOGIA & DEFESA 95
Os EA-18G Growler foram amplamente empregados no exercício em missões de ataque eletrônico
ficava posicionado numa área do convés de voo à espera da sua hora para decolar ou ser acionado. Alguns pilotos ficavam prontos para acionamento imediato enquanto outros aguardavam, com os canopys abertos e as asas ainda dobradas, a ordem para dar partida nos motores. No início das operações aéreas a primeira aeronave a ser lançada era o E-2C Hawkeye, para aumentar a área de vigilância-radar ao redor do grupo de ataque, proporcionando melhor consciência situacional e garantindo que o CSG-9 não fosse surpreendido por nenhuma aeronave adversária aproximando-se do seu perímetro de segurança, e com a função de coordenar os ataques das esquadrilhas. Ele foi seguido por pelo menos um F-18 equipado com tanques especiais para reabastecimento em voo – e que seria o último a pousar. Depois partiam as aeronaves especiais de ataque eletrônico EA-18G Growler e, por último, os Hornet/Super Hornet em sucessivas ondas. Durante toda a operação de catapultagem, e depois, no recolhimento das aeronaves, um helicóptero Seahawk fazia voo pairado ao lado do navio pronto para resgate em caso de acidentes no convoo ou de ejeção. Mais de quatrocentas surtidas foram realizadas durante o exercício com a Marinha dos Estados Unidos, número digno de uma verdadeira campanha militar, fato que demostrou o elevado grau de aprestamento operacional das unidades subordinadas à Terceira Força Aérea. Segundo o brigadeirodo-ar Fernando Almeida Riomar, “esta foi uma oportunidade ímpar de troca de experiências entre os pilotos, de ganho operacional e de aprimoramento de doutrina. Nós tivemos cerca de 150 missões, isso porque a meteorologia não ajudou muito. Invariavelmente nesses exercícios o Brasil tem sido muito elogiado pelas outras forças”. Num único dia o navio-aeródromo lançou quatro ondas, cada uma composta por nove Hornet/Super Hornet, dois Growler para ataque 96 TECNOLOGIA & DEFESA
eletrônico, vetorados por turboélices de alerta aéreo antecipado E-2C contra as esquadrilhas brasileiras apoiadas por aviões de reabastecimento KC-130 do 1º/1ºGT, e KC-135 da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF). De acordo com o comandante do Comando-Geral de Operações Aéreas, “exercícios como a Operação UNITAS são de grande importância para a FAB, pois não só permitem que os pilotos aprimorem técnicas complexas em um ambiente crítico de operação, mas também favorecem a integração e a cooperação entre as Forças”. O alto grau de complexidade e realismo das missões impressionou pilotos brasileiros e norte-americanos, sendo este o maior treinamento já realizado entre a FAB e a US Navy em mais de duas décadas.
PARCEIROS ESTRATÉGICOS A visita ao Brasil do Carrier Strike Group Nine, com o USS George Washington, proporcionou às tripulações da Força Aérea e da Marinha a oportunidade única de treinar combate convencional ao lado e contra as forças altamente capazes e bem equipadas da US Navy. O elevado nível de tecnologia empregada em seus meios navais e aéreos, notadamente o EA-18G Growler, ratificou para os comandantes e estrategistas brasileiros as novas exigências para poder combater no moderno teatro de operações aéreas, fundamentais para ampliar as capacidades de combate das Forças Armadas brasileiras quanto à dissuasão e neutralização de qualquer ameaça aos interesses e a segurança do País no seu entorno estratégico. A UNITAS e os exercícios paralelos feitos com o parceiro norte-americano foi um exemplo da cada vez maior aproximação e cooperação entre as Forças Armadas do Brasil e dos Estados Unidos, unidas na confiança e no dever de trabalhar conjuntamente para alcançar o objetivo comum de garantir a estabilidade, a segurança e a paz na região do Atlântico Sul.