PONTO DE VISTA 03 PORTO ALEGRE/RS SEMESTRE 2023/2 ANO XI • NUMERO 17
"O jornalismo ambiental precisa incomodar", diz André Trigueiro
unipautas JORNAL DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA UNIRITTER
Jonatan Alexandre
O CLIMA MUDOU, E AGORA? Quando o Rio dos Sinos engole a Praia do Paquetá em Canoas, a principal cidade da região metropolitana de Porto Alegre, Claudiomir
Oliveira, 56 anos, só chega em casa de barco. No momento em que esta foto foi tirada pelo estudante de jornalismo Jonatan Alexandre, no meio da tarde de 25 de outubro de 2023, a água estava baixa, batia na altura do joelho, bem diferente do mês de setembro, quando chegou a dois metros.
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EMERGÊNCIA CLIMÁTICA 11 Porto Alegre prepara plano de mitigação e adaptação
Elson Sempé Pedroso / CMPA Emater/RS-Ascar / Divulgação
AGRONEGÓCIO 06
Soja avança cada vez mais para dentro do bioma Pampa
Gabriela Bargamann
SUSTENTABILIDADE 22
Energia solar é mais limpa e até mais barata nas residências
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EDITORIAL
A função social de um jornal diante da
EMERGÊNCIA CLIMÁTICA ROBERTO BELMONTE*
32 páginas, começamos a jornada por uma reflexão acerca emergência climática da função social de um jornal é o principal assunto impresso. Primeiro a turma da 17ª edição do Uni- foi desafiada a produzir um pautas, jornal criado em 2013 texto sobre a entrevista que para publicar notícias e repor- o jornalista da RBS Marcelo tagens produzidas pelos estu- Rech, presidente da Associadantes de jornalismo do Cen- ção Nacional de Jornais, deu tro Universitário Ritter dos para a Coletiva TV em março Reis (UniRitter). Nem pode- deste ano justamente sobre a ria ser diferente em função do sobrevivência dos diários em rastro de destruição deixado papel. O programa, disponípelos ciclones extratropicais vel no YouTube, trata dos lique assolaram o Rio Grande mites e potencialidades deste do Sul no segundo semestre produto tradicional. de 2023, turbinados pela incaO segundo desafio foi repacidade humana de respei- alizar a cobertura do evento tar os limites da natureza. de lançamento do Programa Para chegar a esta edição de Primeira Pauta realizado anu-
A
almente nos principais cursos de jornalismo do Rio Grande do Sul. Em setembro, recebemos no campus Fapa o editor-chefe de GZH, Pedro Moreira, e as colunistas de política e economia Rosane de Oliveira e Giane Guerra. Os estudantes tiveram a oportunidade de conversar com os profissionais da RBS sobre diversos temas ligados ao dia a dia de uma redação jornalística. Mostrei em sala de aula diversos veículos de circulação estadual e nacional, até os jornais de cachorro, vendidos como pão quente nas bancas em Porto Alegre. Também levei para a turma exempla-
res do Extra Classe, criado e mantido pelo Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), atualmente com circulação bimestral, que publica reportagens com pautas sociais e ambientais. Acho muito relevante uma entidade de classe bancar há 28 anos um jornal impresso. Mas a meu ver é o Boca de Rua a experiência mais importante da capital gaúcha quando o assunto é função social de um jornal. Por isso apresentei em aula o documentário De Olhos Abertos, dirigido pela cineasta Charlotte Dafol, sobre o veículo impresso produzido e comer-
Giane Guerra, Rosane de Oliveira e Pedro Moreira conversaram com estudantes de jornalismo do Centro Universitário Ritter dos Reis na noite de 04 de setembro de 2023 - Crédito: Roberto Belmonte
expediente
O jornal Unipautas é um projeto da disciplina Práticas em Jornalismo: Produção de Jornal do curso de Jornalismo do campus Fapa do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) de Porto Alegre (RS). Coordenador do curso de Jornalismo Luciano Suminski Professor responsável Roberto Villar Belmonte Projeto gráfico e diagramação Lizandra Azambuja, aluna da disciplina Estágio Supervisionado do curso de Design Gráfico, com apoio da professora Ana Brock e do professor Lorenzo Ellera. Reportagem e redação Alisson Santos, Jennifer Ferreira, Amanda Lima Karolczak, Sara Lane Neves Silva, Fernando Ramires, Matheus Vidor, Giuliane Fagundes, Larissa Abreu, Rayane Gonçalves, Guilherme Valentini Nascimento, Jonatan Wiatroscki de Alexandre Giovanni Covolo, Luis Fernando de Oliveira Nascimento, Natália Piva e Paulo Costa.
cializado por moradores de rua de Porto Alegre, projeto da Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação (Alice), com edição de Rosina Duarte e coordenação de fotografia de Luiz Abreu. Em meio a estas provocações a pauta desta edição foi surgindo. Por coincidência (ou sincronicidade), o jornalista ambiental André Trigueiro, da TV Globo e da Globonews, esteve em Porto Alegre no final de outubro e topou receber nossa reportagem. O resultado é esta entrevista exclusiva que começa na página ao lado. Também alteramos nosso planejamento inicial para registrar o lançamento de mais um livro do escritor e professor Pedro Branco, realizado no campus Fapa. Como professor de jornalismo, eu sempre ressalto em sala de aula a importância da imersão do repórter na realidade. A presença no local é fundamental. A reportagem de capa sobre o Rio dos Sinos no município de Canoas é um exemplo deste esforço de, literalmente, encharcar o pé no barro. Assim como a história dos pescadores profissionais, da obra de drenagem da zona norte da capital e da comunidade em área de risco afetada pelas cheias do Arroio Demétrio em Gravataí. A turma conversou ainda com protagonistas das batalhas de rap, com especialistas que acompanham o avanço da soja no bioma Pampa, pesquisadores das adaptações da agricultura e da pecuária a um planeta mais quente, e técnicos que explicam como utilizar energia elétrica em casa. Diante da emergência climática, descrever as causas, discutir consequências e apontar caminhos possíveis é a função social do jornalismo que procuramos destacar nesta edição. Boa leitura!
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Professor da Faculdade de Comunicação Social do Centro Universitário Ritter dos Reis e integrante do Grupo de Pesquisa Jornalismo Ambiental (CNPq/UFRGS)
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PONTO DE VISTA
ANDRÉ TRIGUEIRO
“O jornalismo ambiental precisa incomodar” Em entrevista exclusiva ao Unipautas, Trigueiro falou sobre a polêmica entrevista com o Governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite e ressaltou a importância do jornalismo no enfrentamento à emergência climática e ainda aproveitou para dar dicas aos estudantes de jornalismo que desejam seguir na área ambiental.
A entrevista do jornalista André Trigueiro com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, realizada ao vivo na GloboNews na primeira semana de setembro, repercutiu em todo o país – Crédito: Captura de Tela
NATÁLIA PIVA
A
ndré Trigueiro é referência quando se fala em jornalismo ambiental no Brasil. Professor na PUCRJ, escritor e apresentador do programa Cidades e Soluções, na GloboNews, ele esteve em Porto Alegre no último sábado de outubro para palestrar no 12º Congresso Espírita do Rio Grande do Sul, onde aproveitou para lançar nova edição do seu livro Espiritismo e Ecologia, originalmente publicado em 2009 pela FEB Editora. Durante o evento, recebeu a reportagem do jornal Unipautas, da UniRitter. André Trigueiro falou sobre a importância do jornalismo no enfrentamento à mudança do clima e comentou a discussão que teve com o Governador do RS, Eduardo Leite, ao vivo na Globo News no dia 6 de setembro. “Eu lamento que tenha ocorrido essa tensão e eu espero que a gente tenha uma outra oportunidade de conversar”, afirmou. Na ocasião, o RS lidava com as enchentes causadas pelas
cheias dos rios Taquari e Antas. Quando o governador disse estar surpreso com o que aconteceu, Trigueiro afirmou que na situação ambiental atual, não é possível mais se surpreender com fenômenos climáticos extremos. A afirmação incomodou Leite, o diálogo esquentou e o mal-estar entre os dois virou assunto em todo país. Nesta entrevista exclusiva ao Unipautas, Trigueiro também explicou a relação entre espiritismo e ecologia, e deu dicas para estudantes de jornalismo interessados nas pautas ambientais que, segundo ele, neste século são uma obrigação de todo jornalista devido à gravidade da emergência climática. Confira a seguir os principais trechos da conversa. Como o jornalismo pode contribuir com o enfrentamento da emergência climática?
André Trigueiro: É a missão do jornalismo! A função social do jornalista é compartilhar informações que sejam
úteis, interessantes, para que a sociedade realize escolhas que sejam as mais inteligentes em favor da qualidade de vida, em favor da nossa segurança, da nossa saúde, da nossa resiliência. Então, não há opção para o jornalismo hoje, a não ser cobrir com a devida competência, com a devida profundidade, com a devida ética, todos os pormenores da crise ambiental, onde está inserida a crise climática, ambas sem precedentes na história da humanidade. Não dá para colocar isso como algo opcional, uma alternativa. Não é só para as mídias especializadas. O jornalista no século XXI, gostando ou não do assunto, tendo afinidade ou não com esses temas, tem a obrigação de contar o que está acontecendo, qual a gravidade do momento, quais são as saídas, quais são as perspectivas para corrigir o rumo dos acontecimentos e o que acontece se a gente fizer como sempre fez, sem nenhuma responsabilidade sobre o que as evidências científicas estão mos-
trando. É uma crise que tem a nossa digital, o nosso DNA! Ela é causada por nossos hábitos, comportamentos, estilos de vida, padrão de consumo. O jornalismo não pode ter rabo preso, não podemos passar pano para isso.
clima ou eventos climáticos extremos. Eu lamento que tenha ocorrido essa tensão e eu espero que a gente tenha uma outra oportunidade de conversar. Existe algum estado no Brasil com uma política adequada de enfrentamento à mudança do clima?
Você fez um questionamento forte ao governador do Rio Grande do Sul ao vivo na GloTrigueiro: Eu acho que o bo News. Como avalia a entre- Brasil está muito atrasado em vista e a repercussão que ela vários aspectos. Eu não conteve? seguiria destacar para você
Trigueiro: Eu lamento. Não tenho nada contra o governador, é uma pessoa que eu respeito, reputo como séria. Entendo que ele estivesse naquele dia emocionalmente envolvido com toda a tragédia, que ele viu de muito perto. Mas, me chamou atenção o fato de ele ter dito que se surpreendeu com a virulência das chuvas e da vazão dos rios. Hoje, não apenas no Brasil, mas no mundo, nenhum de nós deveria se surpreender com o que se convencionou chamar de “novo normal” do
um estado sequer na federação que eu me sentisse à vontade para apresentar como modelo, em relação a duas agendas do Painel Intergovernamental de Mudança Climática da ONU, o IPCC: a agenda da mitigação para reduzir a emissão de gases e a agenda da adaptação que é como a gente, posto que o clima está mudando, protege a população e os interesses econômicos e ambientais. Eu vou dar alguns exemplos para ficar bem claro. O Brasil tem aproximadamente 10 milhões
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PONTO DE VISTA
de pessoas vivendo em áreas de risco, não é vivendo mal, numa moradia indigna, não! É área de risco! Eu não vejo nenhum político que entenda como prioridade, em tempos de eventos climáticos extremos, reassentamento ou melhoria das condições de habitabilidade das pessoas, para que elas continuem onde estejam sem estar vulneráveis. Não é nem uma chuva acima da média, é uma chuva! O Brasil também está muito atrasado em relação à capacidade de prever eventos climáticos banais. Vou usar o exemplo da maior chuva em termos de volume, a mais assustadora já registrada no Brasil, que foi no início deste ano no litoral norte de São Paulo. Mais de 600 milímetros de chuva. O que o nosso arsenal tecnológico: radares, satélites, o que a gente consegue mapear? Que vai chover muito forte no litoral norte, mas a gente não consegue precisar o quão forte. Só que não é por falta de tecnologia. Em outros lugares do mundo, notadamente nos países desenvolvidos do hemisfério norte, se aproxima uma nuvem carregada e você sabe que o temporal vai ser forte. Você tem equipamentos que conseguem precisar a quantidade de raios, ou se vai ter granizo, a partir da densidade de composição da nuvem. É como se fosse um scanner, uma tomografia computadorizada da nuvem. Você consegue identificar exatamente o nível de risco que essa nuvem representa e se tem uma maior precisão do local que será atingido para emitir um alerta à população para que elas possam se proteger. O município do Rio de Janeiro se destaca com o Centro de Operações, que foi criado depois de uma tragédia que a cidade sofreu, com mortos, desabrigados e desalojados. O Rio criou em parceria com o Instituto Brasileiro de Meteorologia esse Centro, onde você consegue tomar decisões rápidas e em qualquer circunstância que envolva um problema, como a explosão de um gasoduto ou uma chuva muito acima da média que alagou a cidade e fez o morro descer. Se comanda a cidade do Centro de Operações, mas isso é um município. O Brasil é um dos países mais vulneráveis do mundo. Nós temos uma defasagem tecnológica para prever eventos climáticos que podem ser muito danosos à população e tudo isso
exige, em primeiro lugar, que os governantes tenham informações e saibam processá-las. Se o problema está acontecendo, qual grau de importância eu vou atribuir a ele? O que houve neste ano de 2023 foi a combinação climática entre o aquecimento global e o fenômeno climático El Nino. Tivemos o inverno mais quente do Brasil, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia, o setembro mais quente também. Vem por aí o verão dos verões. Estamos preparados? Eu tenho medo de fazer essa pergunta porque a minha perspectiva não é boa. Como o jornalismo diário de televisão pode ajudar na prevenção de desastres ambientais como, por exemplo, rompimento de barragens, enchentes, desabamentos de encostas e estiagens prolongadas?
Trigueiro: O jornalismo é factual. A gente precisa entender, por exemplo, aqui no Rio Grande do Sul, vamos lá! O que é o Rio Grande do Sul? Junto com Santa Catarina, é porta de entrada para eventos extremos, porque nessa região você tem o choque do ar mais frio vindo do Polo Sul e o ar mais quente, vindo da Zona Equatorial. Tornados, chuvas muito acima da média, granizo, ciclones… nesta região acontece. Então, isso tem que estar na pauta. Historicamente, quais são os municípios mais vulneráveis do estado em relação a esse gênero de eventos? O que os governantes pensam em fazer? Estamos na vigência do El Nino e o aquecimento global está vindo com suas credenciais turbinar essas ocorrências tão desastrosas. Quais são as políticas públicas que estão convergindo na direção da maior proteção da população e a onde o fio está desencapado e pode dar curto-circuito a qualquer momento? Tudo isso é pauta do meu ponto de vista. O que houve nessa tragédia, em uma bacia hidrográfica que ficou desconfigurada com aquela quantidade colossal de água, temos outra pauta, a reconstrução. Só que a reconstrução nos mesmos termos? Você vai permitir que as construções residenciais, comerciais voltem a existir no mesmo lugar em que elas estavam? Historicamente pela vazão do rio, você vai dizer esse é o limite que o rio chega, portanto, todo o
André Trigueiro é professor de Jornalismo Ambiental na PUC do Rio de Janeiro, criou e apresenta o programa Cidades e Soluções da GloboNews – Crédito: Roberta Salinet / Divulgação planejamento urbano da cidade considera a hipótese do rio subir até tal ponto, isso mudou. Se isso mudou e elevou o sarrafo, o planejamento urbano tem que estar sensível a isso. O Rio Grande do Sul é um estado produtor, é um estado que tem um perfil econômico claramente vocacionado para o agronegócio, e tem um avanço do agro sobre os pampas, área agricultável em bioma. E temos questões envolvendo eventuais problemas, da resiliência da soja para essa alternância abrupta e por vezes violenta do clima. O que significa plantar soja no Rio Grande do Sul hoje considerando essas anomalias, é um bom negócio ou não? Esse avanço sobre os biomas tem quais consequências? A gente só vai olhar o preço da tonelada da soja que é uma commodity muito valorizada ou vai considerar outras variáveis do impacto causado pela ex-
pansão da fronteira agrícola? para ecologistas, o universo Tais perguntas são pautas. é um conjunto de fenômenos interligados, interdependenO que o espiritismo tem a tes que interagem o tempo todo. Ambos têm uma visão ver com ecologia? Trigueiro: Espiritismo e eco- muito interessante do coletilogia surgem no mesmo perí- vo. O espiritismo e a ecologia odo histórico, a segunda me- existem para promover a quatade do século XIX, junto com lidade de vida, da nossa espéa psicanálise de Freud, com cie e do tabuleiro, da vida em a teoria da evolução de espé- geral. Curiosamente, os dois cies. Espiritismo e ecologia têm posições críticas em relatem origem a partir do traba- ção ao consumismo e hiperlho de duas pessoas: um fran- consumo, que a gente ainda cês, que usou o pseudônimo vive com um deslumbramenAllan Kardec, e um alemão to monumental da matéria, chamado Ernest Haeckel. as black fridays da vida, NaUm criou o espiritismo, o ou- tal, aquela coisa toda. Então, a tro a ecologia. Os dois, com gente está falando de áreas do uma visão respeitosa e muito conhecimento e do saber que bem fundamentada de ciên- dialogam também em relacia, combatendo mistificação, ção à proteção da vida. Toda fraude, superstição. Utiliza- religião ou doutrina espirituram uma visão sistêmica, que alista por princípio defende significa não se ater a análise a vida, ou deveria defender. sensorial, superficial das coi- Se fala de Deus, o criador da sas. As leis que regem a vida vida, então a vida é um bem e a natureza são complexas. sagrado. Os ecologistas tamTanto para espíritas quanto bém sabem disso.
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PONTO DE VISTA
Como o seu livro se encaixa plo, um prédio inteligenComo um estudante de jor- versidades oferecem algum no momento atual da crise cli- te, que coleta água de chuva, nalismo pode se preparar para curso que junte a fome com a vontade de comer? Um curmática? tem placa fotovoltaica, aque- cobrir pautas ambientais?
Trigueiro: Eu lancei esse livro em 2009 e agora eu estou relançando com a maior parte dos conteúdos oxigenados. Nele tem várias mensagens que a gente acessou e resolveu publicar, mostrando exatamente uma ética existencial de nós humanos, o topo da cadeia evolutiva, dotados de intelecto superior, livre arbítrio, noção de deus. Nós somos os grandes predadores, somos a inteligência mais evoluída do planeta entre todas as espécies. Nós somos parte do problema dessa crise ambiental e climática e precisamos fazer parte da solução. Na Carta Encíclica Laudato Si de 2015, a primeira encíclica ambiental da história da igreja, o Papa Francisco escreveu: "A crise ambiental é uma crise ética”. Ela não é uma crise que surgiu do nada, ela surgiu da nossa cultura. Ética é um assunto que por sua definição é completamente afeito à religião. Em resumo, se religião significa de fato nos ligar e religar ao criador, então há uma dimensão ética nessa relação. Esse debate é muito sério. Não dá para separar. "Eu sou uma pessoa de Deus e do bem, mas não estou nem aí para o meio ambiente". Essa equação não fecha. Se você é uma pessoa que acredita em Deus, se diz religiosa, tem essa afinidade com a possibilidade de Deus existir, então se liga! Porque você precisa ter esse mesmo nível de adesão à vida, mas não somente a sua e sim a toda criação. A gente precisa mudar muita coisa e o espiritismo por natureza fala o tempo todo de evolução. Não é possível evoluir sem mudar, ninguém veio ao mundo para permanecer o mesmo. A gente tem que fazer a diferença! Mas não é possível fazer a diferença sem incomodar muito. Eu digo para os meus alunos, se no seu jornalismo você não incomodar ninguém, nunca, tem algo errado. E isso está mais errado ainda se o seu jornalismo for jornalismo ambiental. Se numa matéria de meio ambiente você nunca incomoda ninguém, tem algo errado com o que você está fazendo. Eu tenho o programa Cidades e Soluções na Globo News há mais de 15 anos. “Ah André, mas você só está falando das soluções”, sim, porque quando você aponta um caminho para uma solução, por exem-
ce água do banho com coletor solar, bicicletário, materiais não impactantes, iluminação e ventilação naturais, é claro que eu estou incomodando. Quem? Quem não faz assim.
Não espíritas podem ler seu livro? Trigueiro: No prefácio deste livro, eu agradeço muita gente, inclusive um teólogo católico. Muita gente que não é espírita acessou o livro, até porque boa parte dos capítulos, por incrível que pareça, acessa temas da espiritualidade, e não do espiritismo. Espiritualidade é essa visão mística, transcendental que é comum a todas as religiões, e o final do livro tem um glossário de A à Z com as terminologias ambientais, o que é licenciamento ambiental, o que é gás estufa, isso está lá, para que todos entendam, compreendam e elaborarem um pensamento que ajude a gente a mudar o que está aí. Está tudo lá, ninguém é especialista em meio ambiente, só Deus. A gente precisa ter acesso a várias fontes para construir uma convicção a respeito de como a vida se resolve e como de fato o atual estado de coisas não nos favorece.
Trigueiro: A formatura não é um ponto final na formação do jornalista. Somos contadores de histórias e as histórias não cabem em quatro anos de curso, elas estão sempre se modificando. Você vai fazer uma reportagem hoje, e vai fazer a mesma daqui a quatro ou cinco anos, já é outra história. Então nós somos, ou precisamos ser, autodidatas. A gente vai ter que procurar por nossa conta e risco boas fontes, quem pode nos ajudar a entender melhor o que está acontecendo, bons cursos dentro de uma área que você acha importante ir além do conhecimento mais superficial do tema. Se for clima, será que as uni-
so de especialização, um curso de extensão, eventualmente uma pós-graduação, enfim, é legal isso. E de alguma forma, ir construindo um conhecimento a respeito das histórias que você acha importante contar, não ficar só na superfície, fazer uma imersão. Isso te valoriza no mercado, isso te valoriza na cobertura dos assuntos. E eu acho que os temas ambientais, principalmente a questão climática daqui para frente, como vem sendo nesses 30 anos que eu cubro, só faz crescer em termos de importância e senso de urgência. É inadiável, não dá para postergar, não dá para fingir que não está acontecendo. Ah, isso é baixo astral, as pessoas
não querem ler, mas o empresário precisa saber, enquanto investidor, onde ele está se metendo, para onde o dinheiro dele está indo. Políticos antenados precisam saber onde aplicar da melhor forma os recursos públicos. Tudo isso está no pacote. E isso não cessa. Eu dou aula na PUCRJ de jornalismo ambiental há 20 anos, e a cada semestre eu tenho que atualizar a grade, o planejamento sobre como eu vou colocar os assuntos que eu estou trabalhando, porque é dinâmico, não para, não cessa. Isso é bom!
O que a ação humana tem de responsabilidade com o que está acontecendo no planeta?
Trigueiro: Estamos determinando que esse planeta se torne mais hostil para nós. Eu não aceito isso. Eu acho que a nossa espécie é inteligente o suficiente para saber o que está em jogo. Não é inteligente continuar abrindo novas jazidas de carvão e petróleo, não é inteligente deixar de investir o que deveria ser investido no transporte público de massa eficiente, barato e rápido para investir no transporte individual, não é inteligente a gente continuar se iludindo com o hiperconsumo, não é inteligente a gente ter lixão a céu aberto podendo reutilizar. No Rio de Janeiro, semana passada a Federação das Indústrias chegou à conclusão que nós estamos enterrando de recicláveis o equivalente a dois bilhões de reais por ano, não é lixo! A gente precisa mudar, e rápido! O que precisa acontecer para a gente tomar as decisões que precisam ter lugar?
O jornalista André Trigueiro lançou nova edição do seu livro Espiritismo e Ecologia, originalmente publicado em 2009 pela FEB Editora, durante o 12º Congresso Espírita do Rio Grande do Sul realizado no Centro de Eventos da PUCRS no último final de semana de outubro – Crédito: Roberta Salinet / Divulgação
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AGRONEGÓCIO
Soja avança pelo Pampa gaúcho A monocultura da oleaginosa ameaça o futuro do bioma no Rio Grande do Sul e preocupa produtores com uso de agrotóxicos em escala industrial.
Lavoura de soja plantada no Bioma Pampa no Rio Grande do Sul - Crédito: Emater/RS-Ascar / Divulgação
AMANDA KAROLCZAK E SARA LANE
O
bioma Pampa localizado no estado do Rio Grande do Sul representa cerca de 2% de todo o território nacional. Ele abriga uma rica diversidade de espécies de plantas e animais, com uma vegetação composta por gramíneas, arbustos, ervas e árvores esparsas. Sendo o único que ocorre em apenas uma unidade da federação. Com o passar dos anos, a cultura da soja foi se alastrando pela região, gerando grande impacto nas áreas nativas. A soja tem sido um dos produtos mais importante na agricultura brasileira, pelo seu relevante papel no comércio de commodities e nas inovações tecnológicas nos meios de produção. Segundo dados divulgados em março pela Emater/RS, estima-se
que a produção da oleaginosa no Estado tenha sido de 14,16 milhões de toneladas na safra 2022/2023, em uma área plantada de 6,51 milhões de hectares. Juntamente com o Cerrado, o pampa gaúcho é um dos biomas que mais perdeu vegetação nativa, decorrentes das plantações de soja. Segundo dados do MapBiomas, a cultura da soja chega a ter 10 vezes mais territórios do que áreas urbanas em todo o país. O desenfreado crescimento da soja no pampa preocupa. A destruição de vertentes para o cultivo dessas lavouras tem causado secas em algumas regiões como consequência da devastação do bioma. De acordo com a Emater/ RS, em 1988 a área plantada da oleaginosa no município
Tabela dos Municípios e as variações de Bagé era de 4 mil hectares, enquanto em 2022 esse número avançou para 42 mil hectares de área plantada, resultando em um crescimento expressivo de 950%. Já em Pelotas, houve um aumento de 87,69% em um espaçamento de 34 anos.
Para o jornalista e pesquisador Sérgio Pereira, “o agronegócio da soja é hoje o maior inimigo do Pampa”. Entre os seis biomas nacionais, ele é o que está com a maior parcela do território ocupado pela agricultura, registrando 31% em 2020. Já a área ocupada
por vegetação natural passou de 2.183.932 hectares em 1985 para 2.227.452 hectares em 2020, conforme dados do MapBiomas, citados por Pereira. “O primeiro impacto é a invasão de espaços, o que implica a retirada da pastagem natural. Já o outro envolve a
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AGRONEGÓCIO
O avanço da oleaginosa na região do Pampa contaminação e esgotamento do solo por fertilizantes químicos e agrotóxicos. Os pesticidas e fertilizantes utilizados nas plantações de soja também podem levar a contaminação da água, fator prejudicial à qualidade. Além das questões climáticas, à medida que com o avanço do desmatamento pode liberar quantidades de carbono na atmosfera.
"MUITAS ÁREAS ACABAM FICANDO IMPRODUTIVAS APÓS O ESGOTAMENTO DO SOLO PELOS QUÍMICOS”, INFORMA O PESQUISADOR. Pereira conta que pela valorização do preço da soja no mercado internacional e pela precária fiscalização por parte dos órgãos responsáveis, a tendência é de crescimento vertiginoso não apenas sobre as áreas do Pampa, mas também sobre áreas hoje ocupadas com outros cultivos. Como, por exemplo, a área de plantio do arroz, que vem reduzindo gradativamente nos últimos anos, perdendo lugar para a oleaginosa. O coordenador da Rede Campos Sulinos, Valério De Patta Pillar, diz que se continuar esse ritmo de conversão dos campos, em poucas décadas haverá poucos remanescentes de vegetação nativa campestre nas regiões do RS onde os solos são mais favoráveis ao uso agrícola e silvicultural. Em algumas regiões, onde o processo de conversão agrícola dos campos é mais antigo, como no Planalto Médio, há em média menos de 20% de remanescentes campestres, e alguns municípios têm menos de 5%.
O USO EXCESSIVO DOS AGROTÓXICOS A aplicação excessiva e em larga escala de venenos para eliminação de pragas para aumentar a produtividade nas lavouras de soja, muitas vezes de maneira ilegal, contribui para a contaminação do solo e da água, além de causar danos irreparáveis ao meio ambiente. O uso destes venenos também prejudica o pequeno produtor, afetado em suas lavouras devido a nuvem química lançada por aviões agrícolas nas plantações de soja. Os prejuízos aos produtores que não utilizam agrotóxicos em suas plantações são grandes, devido a contaminação do solo, prejudicando as plantas. Porque além das plantas contaminadas, os pequenos produtores dificilmente são ressarcidos financeiramente pelas gigantes indústrias de exportação pela perda da sua produtividade. Sem contar os danos que os venenos do agronegócio podem causar à saúde. Para o produtor rural Paulo Sérgio Ludwig, além da perda da diversidade da região, a soja todo ano com o uso excessivo dos venenos começa a causar a perda da fertilidade da terra. “O nosso solo tem bastante sementes guardadas há anos, e a cada ano que passa, conforme continuamos com os usos exorbitantes de venenos, matando o solo, estaremos acabando com o nosso banco de sementes, e principalmente, de gramíneas que são ricas em nutrientes para o gado, ou de leguminosas, que são importantes para o pampa.” Ainda segundo Ludwig, “passando o veneno e removendo o solo, é óbvio que a biodiversidade do Pampa será prejudicada”. O produ-
florestas as Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e a Reserva Legal (RL), conforme estabelece a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei 12651/2012)”. Outro ponto de preservação apresentado por Valério Pillar seria se os proprietários cumprissem a lei e pedissem autorização ao órgão ambiental estadual (SEMA/FEPAM no RS) para converter vegetação nativa, inclusive campos, em lavouras ou outro uso da terra que implique a supressão da vegetação nativa, e se os tor acredita que haverá mui- servidores do órgão ambienta perda de biodiversidade, tal puderem negar a autorizae que as secas excessivas são ção com base em critérios que um reflexo da produção em considerem o nível de ameagrande escala da cultura da ça de extinção de cada tipo de soja no Estado. ecossistema em cada região. Além de impactar o pequeno produtor, com o uso abunSe o órgão ambiental estadante de agrotóxicos que pre- dual cumprir a Lei 12651/2012 judicam todo o solo da região, e analisar todas as declaraa tendência é que a soja se tor- ções feitas pelos proprietáne uma monocultura somen- rios no Cadastro Ambiental te para as grandes indústrias Rural (CAR), exigindo ajusde exportações. Paulo Lu- te ou compensação nos casos dwig acredita que os peque- em que faltar APPs e RL e se nos produtores que hoje vi- for proibido o uso de herbivem do plantio da soja, daqui cidas que afetam a biodivera alguns anos não irão mais sidade nos remanescentes de conseguir produzir. Então, vegetação nativa no entorno eles precisarão mudar de cul- das áreas cultivadas, também tura, porque para o pequeno são outros fatores apontados produtor, a soja não é lucra- pelo coordenador da Rede tiva. Campos Sulinos que podem Por exemplo, um hectare de ser aplicados para contribuir soja comparado a qualquer com a preservação do bioma outro tipo de agricultura, é Pampa. capaz de render muito mais em meio hectare, ou em mePROJETO DE RECUPERAÇÃO tros quadrados, do que um hectare de soja, em comparaO governo do Estado, por ção com comida de verdade. meio da Secretaria de Meio Então a soja é pouco rentável Ambiente e Infraestrutura economicamente. Mas para o grande produtor, ela é muito rentável, já que segundo o próprio Ludwig, o ganho da oleaginosa é por escala.
(SEMA), assinou em julho de 2023 um protocolo de intenções para a execução do projeto de Recuperação de Biomas. O protocolo assinado prevê o repasse de cerca de 15 milhões ao longo dos próximos cinco anos, através da empresa Rio Grande Energia Sul como pagamento de débitos de Reposição Florestal Obrigatório (RFO) para ações de recuperação e conservação do Pampa. Criado em 05 de julho de 2018, o projeto tem o compromisso de proteger por lei o bioma Pampa, que representa 68% da área total do Estado, sendo considerado patrimônio cultural do Rio Grande do Sul.
O que é a Lei nº 12651/2012 A lei estabelece normas gerais sobre a Proteção da Vegetação Nativa, incluindo Áreas de Preservação Permanente, de Reserva Legal e de Uso Restrito; a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais, o controle e prevenção dos incêndios florestais, e a previsão de instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos.
PRÁTICAS AGRÍCOLAS SUSTENTÁVEIS Segundo o coordenador da Rede Campos Sulinos, Valério De Patta Pillar, existem algumas práticas de planejamento do uso da terra e práticas agrícolas que poderiam manter as paisagens mais sustentáveis. “A biodiversidade campestre, dos remanescentes que ainda não foram destruídos, poderia ser conservada se a conversão da vegetação nativa for limitada a apenas uma parte de cada propriedade, mantendo em campos e não apenas nas
Soja plantada no Bioma Pampa no Rio Grande do Sul - Crédito: Emater/RS-Ascar / Divulgação
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AGRONEGÓCIO
Mudança do clima desafia o campo Culturas tradicionais do Rio Grande do Sul como o arroz e o trigo, assim como a pecuária, buscam saídas para continuar produzindo com rentabilidade em um planeta mais quente com fenômenos climáticos extremos mais frequentes.
Imagem de Bagé (RS) feita no final de fevereiro de 2023 mostrando região impactada pela estiagem - Crédito: Fábio Pozzebom / Agência Brasil
GIULIANE FAGUNDES, LARISSA ABREU E RAYANE GONÇALVES
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as últimas duas décadas, a população gaúcha tem sofrido com as mudanças climáticas no Rio Grande do Sul. O contraste entre as secas e as enchentes vividas nos últimos meses coloca o Estado em alerta e preocupa diversos setores da economia que dependem das condições climáticas, como o agronegócio. Segundo o último relatório divulgado pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapi), em 2022, cerca de 300 mil propriedades rurais sofreram pelos efeitos da estiagem e as projeções de prejuízos foram superiores a 40 bilhões de reais.
“O Estado tem políticas para irrigação há algum tempo, mas verificamos que elas não têm sido suficientes para uma blindagem de toda a nossa produção e então estamos reforçando as nossas ações para estimular o produtor a investir em irrigação”, declarou o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, durante a 46ª edição da Expointer realizada em 2023 ao anunciar juntamente ao secretário da Seapi, Giovani Feltes, que seria destinado 86,9 milhões de reais para projetos de irrigação e distribuição de água por meio de poços artesianos. Os recursos fazem parte de ações
estruturantes do programa Supera Estiagem. Estiagem não é novidade para o produtor gaúcho, e sim, uma dor de cabeça constante nos últimos anos. A perda de safras, falta de água para os animais, entre outros fatores que são ocasionados por esse fenômeno, prejudica cada vez mais o setor. Em 2022, de acordo com o relatório de estiagem n°5/2022, da Seapi, um levantamento da Emater/RS-Ascar mostrou que 128 municípios apresentaram perdas superiores a 70% no cultivo. Ainda, 17,3 mil famílias chegaram a ficar com dificuldades de acesso à água.
Uma das medidas capazes de reduzir esses impactos é a reservação de água por meio de açudes nas propriedades rurais e também o uso de cisternas para o aproveitamento da água da chuva. “A construção do açude tem que ser realizada no período da seca”, destaca o engenheiro agrônomo da Emater/RS-Ascar Marcelo Biassusi. Ele explica que se for feito durante o período das chuvas há um risco maior de desbarrancar ou encher de água antes que esteja finalizada a obra. “Mas essas não são as únicas maneiras, também é importante ter a mata ciliar próxima aos açudes, pois elas
ajudam a manter a água no solo”. Biassusi chama a atenção para o manejo correto do solo, para evitar a evaporação da água no período de altas temperaturas, e isso é possível através da cobertura do solo por meio de vegetação ou com a palha. Marcelo ainda ressalta a importância de evitar o excesso de mecanização (como a utilização de maquinários pesados) ou excesso de revolvimento do solo, pois isso pode levar a compactação da terra e a perda de matéria orgânica. Além disso, “criando barreiras vegetais, é possível reduzir a incidência do vento, pois 65% das perdas de água são por evaporação”.
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AGRONEGÓCIO
“ANO PASSADO FOI UM ANO DE LA NIÑA, COM UMA PRIMAVERA SECA E NO CASO DO TRIGO, FOI A MAIOR SAFRA DA NOSSA HISTÓRIA, NO ENTANTO, ESTE ANO, COM O EL NIÑO SERÁ DIFERENTE”, AFIRMA O AGROMETEOROLOGISTA DA EMBRAPA TRIGO.
Variedade SCSBRS126 Dueto em fase experimental na estação de Itajaí - Crédito: Epagri / Disponibilizada para uso exclusivamente acadêmico
ARROZ MODIFICADO
estiver mais alta, a produção No melhoramento genéti- pode ser reduzida, principalco de plantas, é possível ver mente no período reprodutimedidas como a modifica- vo da planta. ção genética feita no arroz irrigado para suportar extre- “ANOS DE EL NIÑO, mos de temperatura em sua EM GERAL, A TENDÊNfase reprodutiva na estação CIA DE PRODUTIVIDAexperimental da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Ex- DE É MENOR”, RELAtensão Rural de Santa Cata- TA. rina (Epagri) de Itajaí. A pesquisa é realizada em parceria O fenômeno climático, rescom a Embrapa, e esse traba- salta Tomita, favorece a inlho em conjunto originou a cidência de Brusone (doença variedade SCSBRS126 Dueto. causada por fungos que afeA pesquisa, que iniciou em tam o arroz e o trigo), devi2008 e seguiu até 2023, mos- do a temperatura, umidade e tra que o novo cultivar é o re- dias nublados. Assim, modisultado do cruzamento das ficações genéticas como a revariedades (IRGA 424) e a li- alizada na SCSBRS126 Duenhagem da Embrapa to são consideradas uma BRA040081 (BRS Pampa). esperança para o produtor Após serem feitos vários tes- que vem se deparando cada tes em câmara de crescimen- vez mais com esse cenário de to controlado, com o moni- instabilidade climática. toramento de luz e umidade, foi possível confirmar a resiliEL NIÑO ência da variedade a baixas e também a altas temperaturas O causador das enxurradas e (até 38°C). enchentes mais recentes no Rio Hoje, no Rio Grande do Grande do Sul é o El Niño, feSul, as mudanças climáticas nômeno natural que está assão um problema para o cul- sociado ao aquecimento das tivo do arroz irrigado. “Atu- águas do Oceano Pacífico e almente, estamos com difi- ocorre em um intervalo de cinculdades na semeadura em co a sete anos, atingindo as zoalgumas regiões devido ao nas tropicais do planeta. Com excesso de chuva”, explica a a sua configuração em abril, o Diretora Técnica do Institu- ápice do fenômeno é na primato Rio-Grandense do Arroz, vera, onde a região Sul do BraFlávia Tomita. Ela ainda in- sil é a mais afetada, com maior forma que dependendo da volume de precipitação e vaépoca em que a temperatura riabilidade climática extrema.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (InMet), entre setembro e agosto, choveu de 300mm a 500mm no Rio Grande do Sul, mais do que a média esperada para o período. De acordo com Gilberto Cunha, agrometeorologista e pesquisador da Embrapa Trigo, o El Niño segue a mesma tendência dos anos anteriores, mas os fenômenos não acontecem da mesma forma, mudando a força e intensidade. As previsões do tempo para estes meses foram bem feitas pela meteorologia, mas ele explica que embora haja modelagem e estudos, a maior dificuldade está na previsão dos impactos e consequências das chuvas. A agricultura foi um dos setores mais afetados, prejudicando as culturas de inverno, ou seja, o trigo, aveia branca, cevada e centeio. Em anos extremamente úmidos como 2023, estas culturas sofrem com as doenças de plantas, principalmente as de espigas que são de difícil controle para o agricultor.
Já os dados disponibilizados pelo pesquisador da Seapi, na área de ecofisiologia, Rogério Ferreira, diz que mesmo a previsão para a safra sendo alta, havia o conhecimento de que os riscos e problemas nas plantações poderiam ser grandes em decorrência do El Niño, porém, o que surpreendeu foi a intensidade do fenômeno ser maior do que o esperado. Segundo os pesquisadores, a colheita, que acontece entre outubro e novembro, neste ano chuvoso exigiu do produtor um cuidado maior com as questões sanitárias e proteção de plantas. A principal preocupação está nas doenças de espigas do trigo, a principal delas é a giberela, causada pelo fungo fusarium, que além de afetar o rendimento físico, produz contaminantes que são prejudiciais à saúde humana e animal.
Rogério explica que já existem adaptações para diminuir os danos causados pelo excesso de chuva, modernas e que possuem alta tecnologia e grande tolerância em relação à umidade, ou seja, a produção já possui boa resistência às doenças foliares e também à germinação na espiga. Ainda assim, mesmo tendo o programa de melhoramento do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária (DDPA), algumas doenças fúngicas de difícil controle que ocorrem na fase da floração da cultura continuam sendo vistas como desafios e tornando-se resistentes no desenvolvimento das plantas. Em busca de dar resiliência ao desempenho do trigo, há o melhoramento genético vegetal, que cria cultivares com maior resistência genética a doenças e que toleram mais os estresses, como excesso de chuvas ou solos com alumínio. Além disso, a pesquisa trabalha também com a área de proteção de plantas com seleção, escolha e testes de moléculas químicas que tenham ação fungicida mais eficiente, assim como, a tecnologia de aplicação de quando e como aplicar a pulverização para melhor cobrir e proteger as espigas com o agente fungicida. Para o pesquisador Rogério Ferreira, a excelência e a disponibilidade da tecnologia para o trigo e o material genético ajudam muito, portanto, se não houvesse esses instrumentos, os problemas seriam maiores.
FUNGOS NO TRIGO Segundo maior produtor de trigo do país, em 2022, o Rio Grande do Sul bateu o recorde de maior safra com 5,7 toneladas de grãos colhidos. A estimativa até o primeiro semestre deste ano era de que a safra de 2023 fosse a segunda maior.
A pecuária gaúcha também precisa se adaptar às alterações climáticas para continuar produzindo de maneira sustentável - Crédito: Carine Massierer / Emater/RS-ASCAR
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AGRONEGÓCIO
“Mesmo com a ajuda da ciência, se a chuva continua intensa, não terá como evitar maiores perdas, então é um desafio muito grande, mesmo que estejam sendo realizadas ações para mudar isso”, destaca. Rogério ainda ressalta que a área de pesquisa agropecuária e o desenvolvimento de novas tecnologias levam tempo, e para ele o caminho seria investir mais no setor e em extensão rural. Para que isso ocorra, as melhores recomendações técnicas tem que chegar até o produtor, o que é um trabalho amplo que não envolve apenas a pesquisa, mas também diversos setores do estado.
PLANO ABC Assim como a agricultura, a pecuária vem procurando meios para se preparar para as mudanças do clima. Dessa forma, foi criado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC), com o objetivo de promover práticas agrícolas sustentáveis, como o plantio direto, a integração lavoura-pecuária-floresta e o manejo adequado do solo, com a finalidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa no setor agropecuário. Em uma das linhas do programa no estado está o projeto de extensão de Produção Integrada de Sistemas Agropecuários (Pisa). O coordenador técnico, Paulo César de Faccio Carvalho, professor titular de agronomia e zootecnia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Presidente da Sociedade Brasileira de Sistemas Integrados de Produção Agropecuária (SBSipa), explica que o Pisa é uma metodologia que reúne uma série de inovações tecnológicas que são aplicadas em nível de produtor rural e essas técnicas possuem o mesmo sentido, que é contemplar o aumento de produtividade e a mitigação de emissão de gases simultaneamente.
“O PISA REÚNE ESSE CONJUNTO DE TÉCNICAS QUE SÃO PRODUTOS DAS NOSSAS PESQUISAS NA UFRGS OU
Feira Ecológica do Bom Fim é referência em alimentos agroecológicos produzidos sem agrotóxicos por agricultores familiares - Crédito: Larissa Abreu
DE OUTRAS UNIVERSIDADES OU EMPRESAS DE PESQUISAS, MAS SÃO TODAS COMPROVADAS COMO MEDIDAS MITIGADORAS, POIS PASSAM POR FILTROS CIENTÍFICOS”. De acordo com ele, são reunidas todas essas informações no programa e são levadas ao produtor por uma arranjo institucional. Esse acordo conta com a presença do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul). Eles são responsáveis por realizar a conexão com os produtores através de consultores especializados que realizam um trabalho de acompanhamento ao longo de quatro anos com os assistidos. Alguns exemplos dessas técnicas são o plantio direto, diversificação de sistemas,
pastoreio rotatínuo e planejamento forrageiro, que de acordo com Carvalho, são comprovadamente sequestradoras de carbono e confere resiliência nos sistemas de produção no sentido de suportarem melhor as variações climáticas futuras. “Por exemplo, passamos agora por três anos de seca e essas técnicas no campo comprovam de fato que os produtores que estavam realizando essas práticas tiveram menor perda em comparação a aquelas que praticam uma agricultura e pecuária de maneira convencional”, explica. Dentre as abordagens, está contemplado o pastoreio rotatínuo que é uma inovação específica dos grupos de pesquisa do estado. Ele informa que o modelo de pastoreio é baseado no comportamento natural do animal, trabalhando a mitigação de gases e também aumentando o bem estar animal. “O Rio Grande do Sul possui a maior taxa de diversificação de integração de todo país, uma a cada cinco propriedades rurais no estado
utilizam sistemas integrados”. Ainda segundo Paulo Carvalho, coordenador técnico do Pisa, menos de 10% são feitas com árvores e quando há a presença de árvores é mais para a priorização do bem estar animal. “Mas dentro do Pisa nós utilizamos as árvores em meio a pastagem e também com lavoura de milho, por exemplo, pois as árvores ajudam a capturar o metano emitido pelos animais”, ressalta. Apesar de todos os planos, ele adverte que a pecuária ainda não está preparada para lidar com as ondas extremas de calor que estão atingindo o país e o mundo. “A pecuária é mais vulnerável por não possuir diversificação e mesmo que não estejamos tão preparados, por mais que ainda falte muito, o nosso estado é um dos que está mais apto para enfrentar essas mudanças", afirma.
que diz Iliete Aparecida, de 56 anos, natural de Santa Catarina e moradora do município de Viamão há 54 anos. Ela também é membro da comissão permanente da Feira Ecológica do Bom Fim. Segundo Aparecida, o governo do Estado pontua valores a serem passados para as pessoas vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, porém, essa medida não irá ajudar realmente. Para ela, é preciso garantir para essas pessoas o que elas já tinham. “O dinheiro é público e tem que ser investido para quem precisa”, destaca. Ela ressaltou as dificuldades que os produtores estão tendo por conta do clima no estado, a falta de matéria prima e o difícil acesso às estradas. “Os alimentos que vem da agricultura estão chegando destruídos em razão das últimas chuvas”, pontuou. De acordo com ela, os produtores que traPRODUÇÃO REDUZIDA balham na feira estão com as produções reduzidas “O governo do estado só para a comercialização. governa no presente, não tem planejamento nenhum”, é o
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EMERGÊNCIA CLIMÁTICA
CAPITAL GAÚCHA ENFRENTA
EXTREMO CLIMÁTICO HISTÓRICO
FERNANDO RAMIRES E MATHEUS GUARAGNI
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Prefeitura de Porto Alegre contratou estudos para adaptar a capital gaúcha idade ao novo contexto climático global e controlar as
emissões de gases de efeito estufa até o meio do século. Pago com recursos obtidos no Banco Mundial, o Plano de Ação Climática visa amenizar os efeitos das cheias do Lago
Guaíba, o impacto das altas temperaturas e acolher possíveis refugiados climáticos que a cidade terá. Considerado apenas propaganda por parte dos ambientalistas, a
iniciativa o projeto tenta preparar a capital para fenômenos climáticos extremos cada vez mais frequentes, como a enchente histórica do mês de setembro
Porto Alegre foi afetada em setembro de 2023 por fortes chuvas que culminaram na cheia do lago Guaíba. O nível foi o terceiro maior da cidade, ficando atrás das enchentes de 1941 e 2015 – Crédito: Elson Sempé Pedroso / CMPA
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EMERGÊNCIA CLIMÁTICA
Porto Alegre prepara plano de ação climática
As áreas periféricas e as ilhas (foto) sãos as regiões mais sensíveis à mudança do clima em Porto Alegre – Crédito: Fernando Antunes / CMPA Brasil
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stabelecido como meta para 2024, o Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas da Prefeitura de Porto Alegre não irá zerar as emissões de gases de efeito estufa, mas poderá ser uma chance da cidade diminuir os efeitos da ebulição global que já estão assolando o município. A partir de compensações para a poluição gerada pela capital que já foi referência ambiental no país, técnicos da prefeitura estimam que o caminho para Porto Alegre seja a troca da matriz energética do transporte e o uso saudável do Lago Guaíba, que recentemente saiu da caixa assustando os 1,3 milhão de porto-alegrenses durante a enchente de setembro de 2023. Atualmente 84 mil pessoas moram em 142 áreas de risco em Porto Alegre, de acordo com mapeamento realizado pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia. Segundo o relatório, que teve a participação da Defesa Civil e do Departamento Municipal de Habita-
ção (Demhab), divulgado no início deste ano, dentro de algum tempo será possível observar refugiados climáticos, migrando entre bairros. Para a médica veterinária Carolina Burlamarque, residente em um dos bairros afetados pela enchente de setembro, uma das soluções para que isso não seja uma realidade presente na cidade é a antecipação, com a prefeitura traçando metas para mitigar os efeitos das mudanças no clima. “Acredito que um cronograma com medidas para compreender o que irá acontecer na cidade seja fundamental”, sugere. Essa é uma das premissas do Plano de Ação Climática (PLAC), realizado pela prefeitura de Porto Alegre com recursos a fundo perdido do Banco Mundial, por meio do City Climate Finance Gap Fund, sem contrapartida municipal. Os US$ 250 mil obtidos no ano passado possibilitaram a contratação de uma consultoria formada por WayCarbon, em consórcio com o ICLEI América do Sul, Ludvino Lopes Advogados e Ecofinance Negócios.
Com 692 praças, 11 parques e quatro unidades de conservação, Porto Alegre possui 70 quilômetros de orla a beira do lago Guaíba, no qual deságuam os rios Gravataí, Sinos, Caí e Jacuí, afetando diretamente nas cheias da capital. Segundo o mapeamento das áreas de risco da cidade, atualizado neste ano pela Defesa Civil, o município possui 142 áreas de risco, sendo 51 áreas de alto risco, com cidadãos vivendo nelas, tornando-se uma das principais preocupações o tempo de resposta para garantir a segurança dessas pessoas, explica o coordenador-geral da pasta, Evaldo Rodrigues Junior. “Estamos à frente da Comissão Permanente de Atuação em Emergências (Copae), que é responsável por realizar a ligação entre os diversos órgãos municipais e estaduais para diminuir o tempo de resposta em caso de emergências, como a que tivemos recentemente”, explica. O processo de elaboração da política de enfrentamento à mudança do clima não é consenso entre os integrantes do
Conselho Municipal de Meio Ambiente. No entendimento do professor e pesquisador da UFRGS Paulo Brack, representante do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ), O PLAC do que jeito que está é propaganda. “Em Porto Alegre vejo uma regressão no processo democrático. Um Plano de Ação Climático tem que passar por uma discussão com a sociedade, mas é difícil porque o governo municipal não nos escuta”, lamenta. Assinado há cerca de um ano durante a Conferência Mundial do Clima, no Egito, pelo secretário Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), Germano Bremm, e pela diretora de Projetos e Políticas de Sustentabilidade da Smamus, Rovana Bortolini, foi somente em março deste ano que o início dos 17 meses que a consultoria contratada possui para elaborar o documento com as medidas para a cidade foram oficialmente programados, se estendendo até julho de 2024. Dentro do planejamento consta a entrega de sete produtos,
divididos nas etapas de engajamento e mobilização; diagnóstico; desempenho do plano de ação climática. Um dos produtos previstos no contrato foi divulgado em outubro no site da iniciativa (https://prefeitura.poa. br/smamus/plano-de-acao-climatica), o relatório com Análise de riscos e vulnerabilidade climática do Plano de Ação Climática de Porto Alegre. O estudo alerta que “a região mais vulnerável às ameaças climáticas se concentra na porção mais afastada da região banhada pelo Lago Guaíba, em bairros mais periféricos da cidade. Essa região é caracterizada por apresentar grande parte dos conjuntos habitacionais que carecem de infraestrutura, além de apresentarem uma maior concentração de pobreza da população. Somado a isso, essa região mais periférica é onde se encontra uma maior concentração da população negra, o que torna essa população mais vulnerável aos riscos climáticos”. Com o objetivo central de cumprir a meta de zerar as
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EMERGÊNCIA CLIMÁTICA
Funcionários da Secretaria Municipal de Saúde visitaram em setembro unidades de saúde da Ilha dos Marinheiros e Ilha do Pavão para organizar ações de atendimento extraordinárias em função das fortes chuvas que alagaram várias áreas destes territórios – Crédito: Cristine Rochol / PMPA emissões climáticas da cidade até 2050, o PLAC irá propor mecanismos e instrumentos que possibilitem a implementação e realização de metas já estabelecidas. Segundo um estudo realizado por Paulo Rosman, doutor em engenharia costeira e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Porto Alegre é uma das sete cidades brasileiras potencialmente inundáveis caso ocorra uma elevação no nível do mar. Sendo a décima maior cidade costeira do país, a capital do Rio Grande do Sul, embora não seja oficialmente enquadrada como zona costeira e não seja banhada diretamente pelo mar, recebe grande influência do mar pela sua localização nas margens da Lagoa (Laguna) dos Patos. Nos últimos 100 anos, Porto Alegre ficou mais quente e mais chuvosa, de acordo com estudos do MetSul. Com um aumento significativo de 1.316,6 mm em 1931 para 1.494,6 mm em 2020, as chuvas na cidade e no estado são a maior preocupação dos moradores das áreas de risco. “Nas chuvas recorrentes do mês de setembro minha casa foi alagada. Moro na avenida Guaíba, na zona sul. As primeiras casas do condomínio foram as mais atingidas. Na minha, que fica mais para o final do terreno, as águas chegaram a entrar em todo o térreo, onde fica cozinha, sala, pátio e banheiro. Não perdi tudo, mas estragaram móveis, ficamos sem luz por dois dias e depois que a água baixou, tinha muito barro para limpar”, relata Carolina Burlamarque, que mora em um condomínio afe-
tado pelas chuvas deste inverno que causaram uma cheia histórica no nível do lago. Além do aumento das chuvas, outra grande preocupação dos cidadãos é a expansão urbana para áreas preservadas e o desgaste de espaços verdes. Segundo o professor e pesquisador Paulo Brack, os projetos da prefeitura vão na contramão do então planejamento climático que está sendo desenvolvido. “A gente viu o que aconteceu no Parque Harmonia, infelizmente destruído e que justamente vai contra qualquer tipo de proposta no que se refere a mudanças climáticas, até porque se permitiu o corte de até 432 árvores. Isso demonstra que o município de Porto Alegre está na contramão daquilo que deveria fazer, que é um plantio de árvores para reduzirem micro climaticamente o aquecimento da cidade recorrente da urbanização do concreto, do aumento de pavimentos”, explica em relação a aprovação da supressão de vegetais no parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Parque Harmonia), concedido para a iniciativa privada pelos próximos 35 anos. “A gente compreende que, por vezes, os projetos não agradam a todos, mas as soluções macro precisam começar de alguma maneira. Os técnicos da prefeitura que estão, em colaboração com a consultoria, fazendo o nosso Plano de Ação Climática, já preveem que as árvores são a melhor medida para mitigarmos os gases de efeito estufa, mas não podemos deixar vegetais que possam causar quaisquer riscos para a população. So-
mos responsáveis por isso”, diz o secretário da Smamus, Germano Bremm. A prefeitura divulgou em 2019 um inventário de emissões de gases de efeito estufa, que revelou quais são as principais fontes emissoras da cidade. No estudo, o setor de transporte se caracterizou como a principal fonte, com 67,7% das emissões. No mesmo ano, o setor de energia estacionária (consumo diário das pessoas) somou 23% das emissões, seguido dos resíduos, com 8,8%, e de agricultura, florestas e uso do solo, com 0,5%. “Nossa maior dificuldade é a obtenção de dados. A gente consegue de algumas áreas, mas não o suficiente. Temos dificuldades com a agricultura e indústria, por exemplo. A participação da população também pode auxiliar nos encontros”, informa Rovana Bortolini, diretora de Projetos e Políticas de Sustentabilidade da Smamus. Desde que foi iniciado, o PLAC teve apenas um convite para um workshop aberto
e enviado à população, mas conta com reuniões e representantes da sociedade civil na equipe técnica, chamados de ‘atores-chave’. Nos últimos anos, a prefeitura considera que já adotou uma série de ações para tentar frear as emissões da cidade, como: isenção da obrigatoriedade de vagas de estacionamento em empreendimentos residenciais, incentivos na construção civil para edifícios que cumpram medidas amigas do meio ambiente tanto na fase de construção quanto uso da edificação e, dentre os mais polêmicos, a revisão do atual Plano Diretor, documento que definirá o futuro dos próximos 10 anos da cidade, os quais precisam ser sustentáveis, o que, segundo ambientalistas, não acontece atualmente. Para Paulo Brack, além de o Plano de Ação Climática ser uma propaganda, o Plano Diretor da cidade se caracteriza como uma forma de a construção civil ter ainda mais espaço. “A mudança que está sendo feita é para pior, é para aumentar ainda mais os níveis de construção civil, isso também tem uma pegada ecológica negativa”, afirma o representante do INGÁ. A atual gestão municipal não concorda. “Nós não conseguiremos ter um desenvolvimento saudável da cidade se os eixos ambientais e urbanísticos não andarem juntos”, afirma o secretário da Smamus, Germano Bremm. Medidas como incentivo ao adensamento de zonas hoje degradadas já estão sendo tomadas pela prefeitura, com incentivos urbanísticos e fiscais para moradores do Centro Histórico e Quarto Distrito, antiga zona industrial da cidade. Para a arquiteta Giordana Oliveira Ferrari, analista de riscos climáticos
da WayCarbon, uma das empresas contratadas para fazer o PLAC, essa medida auxilia a não proliferação de doenças relacionadas às alterações do clima, por descaracterizar zonas periféricas, trazendo a população para áreas com maior oferta de serviços. “A região mais vulnerável às ameaças climáticas, como vetores de arboviroses (Dengue, Chikungunya e Zika), secas meteorológicas, deslizamentos/ erosão, tempestades e ondas de calor, é a dos bairros mais periféricos da cidade, por ser caracterizada pelos grandes conjuntos habitacionais que carecem de infraestrutura, além de apresentarem uma maior concentração de pobreza da população”, contextualiza Ferrari. A analista da WayCarbon informa ainda que algumas cidades no país já desenvolveram planos de ação climática, como Recife (2020), João Pessoa (2023), Salvador (2020) e São Paulo (2020). Segundo ela, as ações pontuais já desenvolvidas em Porto Alegre auxiliam a remediar danos ainda maiores. Previsto para ser finalizado e entregue à Câmara de Vereadores como projeto de lei em julho de 2024, o Plano de Ação Climática poderá se caracterizar como apenas mais uma medida para frear os efeitos irreversíveis que estão assolando o planeta. “O plano vai demonstrar quais são as principais ações passíveis de mitigação de forma mais assertiva, aí sim, depois dele finalizado, vamos compreender quais podemos fazer para mitigar, porque zerar as emissões não conseguiremos, então podemos compensá-las para equilibrar”, explica a diretora de Projetos e Políticas de Sustentabilidade da Smamus, Rovana Bortolini.
Dados extraídos do Inventário de emissões de gases de efeito estufa divulgado pela Prefeitura de Porto Alegre em 2019
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EMERGÊNCIA CLIMÁTICA
Casa de bombas em construção pode resolver problemas na Zona Norte Obra em construção na avenida Sertório vai ampliar a capacidade de escoamento da água durante enxurradas
O Departamento Municipal de Água e Esgoto informa que em 2025 será concluída a obra da Casa de Bombas Silvio Brum 2 na avenida Sertório - Crédito: Consórcio ACA-RGS-Dolphin / Divulgação
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EMERGÊNCIA CLIMÁTICA
ALISSON SANTOS E JENNIFER FERREIRA
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roblema crônico da zona norte de Porto Alegre, os frequentes alagamentos durante os períodos de chuva forte podem ter data para terminar. Após um conglomerado de 11 obras espalhadas por bairros da região, a derradeira construção se encontra na avenida Sertório. A Casa de Bombas Silvio Brum 2 deve fazer a macrodrenagem do Arroio Areia e resolver os problemas de alagamentos na região. A cidade de Porto Alegre enfrentou diversos períodos de chuva intensa neste inverno. Na zona norte, é comum que ocorram alagamentos, dificultando a locomoção dos moradores e interrompendo suas atividades. Até as escolas precisam fechar as portas, pois não conseguem receber estudantes. Engana-se quem pensa que o problema iniciou neste ano.
Por este motivo, moradores criaram um grupo no Facebook em 2017 chamado “Alagados do Bairro Santa Maria Goretti - Porto Alegre", que conta com mais de 1,3 mil membros. A escritora e psicóloga Bruna Girardi Dalmas é uma das que participa sempre mandando fotos e vídeos quando as ruas alagam, e oferece ajuda aos vizinhos do bairro se for preciso. Bruna conta que seus avós paternos se mudaram para rua Brino, no bairro Santa Maria Goretti, em 1958. Nesta área fica a bacia do Arroio Areia que sempre sofreu com inúmeros problemas de alagamentos, enchentes e diversos contratempos relacionados à falta de estrutura das ruas. Ela só se mudou para o bairro em 2018, mas visita a região desde o seu nascimento em 1990. As bombas hidráulicas para o escoamento das águas a fim de evitar que as casas e as ruas sofressem ala-
gamentos foram instaladas em meados de 1972. Mas essas nunca supriram de forma eficaz o volume excessivo de água em decorrência das chuvas. À medida que a cidade foi crescendo, os problemas aumentaram. Em 1978, a avenida Sertório começou a ser construída o que potencializou de forma drástica os alagamentos do bairro Santa Maria Goretti. "O que acontece é que todas as vezes que chove na região do bairro Santa Maria Goretti é um caos. Alagamentos, enchentes, ruas inundadas, residências ilhadas, transtornos de todas as esferas. Tudo isso gera prejuízos não só em termos de logística na cidade, mas causa transtornos financeiros e emocionais aos moradores”, relata Bruna Dalmas. No trecho próximo da casa onde Bruna mora, a rua Brino já foi aberta e reaberta diversas vezes para tentar solucionar os problemas vindos dos alagamentos, o que deixou
ocupa uma área de 20,85 km². Suas águas escorrem para o Rio Gravataí. A água que cai nessa área escorre para a parte mais baixa, onde está a obra. A partir daí ela será bombeada para o Rio Gravataí, que, por sua vez, deságua no Lago Guaíba. A nova casa possui cinco bombas, duas delas irão operar o tempo inteiro, e as outras três irão ajudar em dias de chuva mais intensa. Segundo o engenheiro civil Lorenzo Selbach, responsável pelo andamento das obras na casa de bombas Silvio Brum 2, a obra irá aumentar a captação de água, e o conjunto de obras realizadas na zona
norte beneficiará mais de 120 mil famílias. O contrato começou em 2016, mas o início das construções apenas em 2018, e então teve a pandemia que também prejudicou o andando das obras devido às diversas restrições sanitárias. De acordo com o engenheiro Selbach, o foco é terminar a nova casa de bombas, e também a recém começada obra dentro do Country Club (campo ao lado do Shopping Iguatemi). A reportagem perguntou por que a zona norte tem mais alagamentos do que outras partes da cidade. No entendimento do engenheiro, "a gente acaba mexendo muito
na cidade. E quanto mais a gente mexe na cidade, mais a gente muda a topografia e a capacidade do solo”. Em regiões que alagam com frequência é possível fazer redes subterrâneas ou reservatórios que funcionam como uma barragem para amortecer a água. Ao invés de a água ficar alagada, o alagamento será direcionado ao reservatório, ficando ali, e aos poucos fazendo o escoamento. “Uma das soluções que as pessoas sugeriram seria ter
um canteiro de grama nas laterais das vias, é uma solução simples, mas que ajudaria na permeabilidade do solo", exemplifica Selbach. Sobre o atraso nas obras a justificativa foi realmente a demora para começar e a pandemia, e como a maioria dos trabalhos é feita na rua acaba sendo um processo lento, muitas vezes sendo necessário deslocar o trânsito. Para isso, o DMAE precisa autorizar qualquer mudança, isso também acaba gerando atraso.
tal, serão investidos cerca de R$ 108 milhões provenientes do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), com R$1,3 milhão de contrapartida da prefeitura, beneficiando 180 mil pessoas. A obra mais importante do conjunto é a nova Casa de Bombas Silvio Brum, que já está com 20% executada. “Esta obra, com investimento de R$ 18 milhões, é funda-
mental para o sistema de proteção, pois a construção da estação que fica no ponto final do Arroio Areia irá minimizar os alagamentos históricos que atingem a região”, informou o diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Maurício Loss, em nota publicada no final de novembro. O consórcio ACA Brasil/ Angolaca/ACA/RGS/Dolphin
é responsável pela execução. Já estão concluídas dez obras do conjunto: localizadas na avenida Sertório, avenida Carneiro da Fontoura, rua Anita Garibaldi, avenida Plínio Brasil Milano, avenida Nilo Peçanha; e os reservatórios na Praça Francisco Guerra Blessmann, na Praça Fortunato Pimentel, e na Praça Lopes Trovão.
vários trechos fechados por mais de quatro anos. Durante este tempo diversas empreiteiras começavam e paravam os consertos, quando o trecho que leva a Assis Brasil foi reaberto havia a esperança de melhoras, o que ocorreu foi uma piora significativa nos alagamentos em dias de chuva com a potencialização de
trechos que ficam inviáveis para a circulação de carros e pedestres. "Ainda acredito que haja formas de solucionar já que hoje temos mais recursos tecnológicos, ambientais e de gestão. Mas falta bom senso, boa vontade e atitudes eficientes", lamenta uma das integrantes do grupo no Facebook.
CASA DE BOMBAS A reportagem do jornal Unipautas conferiu de perto as obras da Casa de Bombas Silvio Brum 2 na avenida Sertório nº 3424. Com previsão de conclusão para 2025, ela é executada pelo consórcio de empresas ACA, RGS, Dolphin, vencedor da licitação aberta pela prefeitura de Porto Alegre em 2015. A antiga instalação de mesmo nome será desativada, dando lugar a esta construção mais moderna e com muito mais capacidade de escoamento da água nas ruas da zona norte. A nova casa de bombas completa as obras de macrodrenagem do Arroio Areia, cuja bacia hidrográfica
Grupo público criado em 2017 ajuda moradores da Zona Norte de Porto Alegre a enfrentar as frequentes enchentes que atingem a região – Crédito: Reprodução de tela
O QUE DIZ O DMAE Por meio de nota, a assessoria de imprensa do Departamento Municipal de Água e Esgoto de Porto Alegre informou que quando a nova estação ficar pronta o DMAE irá desativar a antiga casa de bombas para uma reforma na parte elétrica e avaliação dos grupos motor-bomba. A obra, ainda segundo o DMAE, também prevê que a execução de entrada de
energia e instalações elétricas de uso comum atenda as duas unidades, ficando para a futura reforma apenas componentes pertinentes à unidade antiga. Ainda segundo o DMAE, o grande objetivo do conjunto de 26 obras da macrodrenagem do Arroio Areia é amenizar alagamentos históricos em 14 bairros das zonas Leste, Norte e Noroeste. No to-
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EMERGÊNCIA CLIMÁTICA
Quando o Rio dos Sinos engole Canoas Reportagem analisou como as últimas cheias impactaram moradores da praia do Paquetá e zonas urbanas da cidade com a segunda maior população da Região Metropolitana de Porto Alegre.
A residência de Claudiomir Oliveira, assim como a maioria das casas na região da Praia do Paquetá, é mais alta e adaptada, como uma palafita, para ambientes de alagamentos constantes - Crédito: Jonatan Alexandre
JONATAN ALEXANDRE
M
“Não sairia nem se me oferecessem, vivo aqui e já estou acostumado”, afirmou. Aos 56 anos, Claudiomir sobrevive da pesca e foi um dos poucos moradores que ficaram no local quando as cheias do Rio dos Sinos se intensificaram por conta das chuvas.
orar na praia é o sonho de muitas pessoas. Há 25 anos, Claudiomir Oliveira fez deste desejo uma realidade. Localizada na zona sul de Canoas (RS), a praia do Paquetá é o local onde ele vive, praticamente isolado. É possível encontrar sua casa no fim da linha da praia, lu- “TODOS OS ANOS, EM gar que, dependendo das cheias UM MÊS OU DOIS, SAdo Rio dos Sinos, só pode ser BEMOS QUE VAMOS acessada de barco. No mês de setembro deste ano, o nível da PASSAR TRABALHO”. água ultrapassou os dois metros Entretanto, a última vez que de altura e chegou perto de invaa enchente tinha chegado em dir sua residência, que é adaptaum nível tão alto, relembrou da para esse tipo de ambiente.
ele, foi em 2015 e o maior problema do alagamento deste ano foi a água demorar mais tempo para baixar em comparação a outros anos. Apesar disso, o pescador diz não ter medo de morar no local e enxerga sua condição com naturalidade. Acima de tudo, viver neste ambiente se tornou uma necessidade para ele. “Não tenho para onde ir e nem tenho como pagar aluguel em outro lugar”. Entretanto, esta visão não se repete entre outros moradores da região, como é o caso de Otalia Wianoski, 66 anos, que precisou se deslocar de sua casa com medo do que poderia acontecer.
“Nunca tinha visto uma enchente tão grande e prolongada como esta”, relatou a moradora que reside no local há quase 20 anos. A enchente também resultou em perdas de alimentos e produtos dentro do comércio que ela tem, devido a falta de energia e demora para baixar o nível de água. Foram mais de 20 dias sem luz e mais de um mês com água dentro de casa. A moradora contou ainda que a prefeitura de Canoas já propôs um projeto para que a pavimentação da parte mais baixa da região fosse nivelada com a rodovia que dá acesso à praia, a fim de minimizar
os alagamentos. Proposta que não saiu do papel por conta de alguns comerciantes locais que foram contra. Atualmente, relatou ela, a prefeitura também proibiu os moradores de fazer qualquer tipo de construção nas suas casas. Ou seja, além de não arquitetar nada para evitar que a água suba, também não querem realocar os habitantes para um novo local.
SITUAÇÃO DE RISCO
Percebe-se que mesmo com a iminência de riscos para essa população, muitas pessoas se negam a sair da região e abandonar suas casas, por
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EMERGÊNCIA CLIMÁTICA
não terem para onde ir ou com receio de perder tudo que foi conquistado. Mas, afinal de contas, é possível deixar a região mais segura, construindo mecanismos de contenção para as cheias ou realocando os moradores que têm esse desejo, mas não possuem condições próprias para isso? “O município é quem decide onde pode ou não pode ocupar”, disse Arno Kayser, representante do Movimento Roessler para Defesa Ambiental. Segundo o ecologista, é dever da Prefeitura saber quais áreas estão sujeitas a inundações a fim de preservar pessoas que ocupem tais regiões. Se há a possibilidade de se instalar numa determinada área, seja para fins econômicos ou habitacionais, também deve-se ter conhecimento sobre os perigos do local. “Você vai expor uma população a uma situação de risco, pode não dar nada por um tempo, mas um dia pode acontecer um problema”. Arno alerta que o melhor a se fazer é pensar em medidas preventivas antes que aconteçam novos desastres. “Para não ter que depois sair gastando bilhões para ir atrás das pessoas e salvá-las.” Atualmente a prefeitura de Canoas realiza trabalhos de evacuação em conjunto com a Defesa Civil. Mesmo assim, como garantir de forma efetiva a segurança para as pessoas que vivem no local e dependem do rio para sua subsistência? Diante deste questionamento, quais ações que o município está pensando e ainda pretende fazer para evitar novos transtornos e prejuízos? “A praia do Paquetá é uma área de ocupação na margem do Rio dos Sinos, é uma área de inundação natural que não tem dique de proteção”, explicou o secretário adjunto de Obras, Dariu Filho. Segundo ele, a região sofre com alagamentos periódicos causados pelo excesso de chuvas e as cheias da bacia hidrográfica do Sinos, mas, apesar disso, não existem medidas de engenharia pensadas para controlar esse problema. As medidas de segurança adotadas pela prefeitura visam retirar as pessoas temporariamente do local afetado até que o nível da água volte à normalidade. O próprio se-
cretário admite que a praia do Paquetá oferece riscos aos seus moradores. “Seguro não é, as pessoas têm que morar lá e terem planos de contingenciamento”. Entretanto, obras de engenharia para esse tipo de localidade litorânea, afirmou ele, são possíveis de serem realizadas. A moradora Otalia Wianoski questiona: “Eles (prefeitura) não querem que seja feito aterro ou construção nas casas, então por que não indenizam essas pessoas e tiram daqui?”. Se a prefeitura oferecesse algum tipo de recurso financeiro para sair do local, manifestou ela, não pensaria duas vezes. O que resta para a moradora é torcer para que nada mais grave aconteça daqui para frente. “Temos medo.”
ENTENDENDO AS CAUSAS O representante do Movimento Roessler para Defesa Ambiental Arno Kayser explica que a causa para as cheias do Rio dos Sinos se tornarem tão perigosas está na relação com outros rios que compõem suas águas. De todos os rios que tem relação direta com o Sinos, o Jacuí acaba impactando mais por ser o maior. “A corrente do Jacuí funciona como uma barragem natural para a água, sendo assim, o Rio dos Sinos não tem força para vencer essa correnteza maior, daí ele represa”, esclareceu. Quando essa diferença de volume é muito alta, advertiu Arno, esse refluxo do Sinos pode chegar em cidades que estão em níveis mais baixos, como São Leopoldo. Naturalmente, a praia do Paquetá está incluída neste contexto. Como não há previsão de obras para a praia do Paquetá, Arno orienta que a população não ignore os sistemas de alertas. “As comunidades que já estão estabelecidas e não sairão tão facilmente precisam trabalhar com esse tipo de estratégia, mesmo que isso signifique a perda de bens materiais.” "No caso do Taquari, a comunidade foi alertada uns quatro ou cinco dias antes e não saiu de casa. Não se deram conta porque nunca haviam tido a experiência do rio subir tanto. Morreu mais de 50 pessoas e isso poderia ter
sido evitado”, lamenta o ecologista Arno Kayser.
TEM SOLUÇÃO? As enchentes podem ser controladas a partir de mecanismos que reduzam o excesso de escoamento pluvial e/ou amorteçam as ondas de cheias em rios urbanos e podem ser de dois tipos: estruturais e não-estruturais. As estruturais são aquelas que visam modificar os processos de chuva-vazão na bacia hidrográfica ou zona urbanizada, implementando-se ao longo da sua extensão, e incluem o controle da cobertura vegetal e da erosão do solo. Geralmente são obras de engenharia e, pela sua ampla utilização, podem ser chamadas de convencionais. Elas procuram atenuar ou controlar o excesso de escoamento pluvial, porém os efeitos das enchentes acabam sendo deslocados para outros locais. Tais medidas procuram aumentar os processos de infiltração e evapotranspiração. Já as medidas de controle não estruturais são medidas de proteção que procuram evitar ao máximo e mitigar os prejuízos das enchentes, agrupando-as em: regulação da ocupação de zonas com risco de inundação, construções à prova de enchentes, sistemas de previsão e alerta de inundações e previsão de cheias a partir de modelos matemáticos. Para buscar soluções, foi criado o Comitê Sinos em 1988, inspirando a criação de outros comitês em todo o país. A entidade pioneira é um fórum onde um grupo de pessoas, com diferentes visões e atuações, se reúnem para discutir sobre o uso da água da bacia hidrográfica do Rio dos Sinos. Algumas universidades e instituições ligadas à causa possuem parceria com o comitê, compartilhando seus estudos referentes ao rio. O Comitê Sinos, por sua vez, levanta essas discussões, faz a intermediação entre todos os entes envolvidos e procura solicitar ao Estado medidas para solucionar os problemas apontados por essas pesquisas. “Exercemos mais a discussão e o envolvimento, por exemplo: fazendo ponte com as prefeituras, mostrando a
importância do plano diretor, que ele precisa considerar as planícies de inundação e que não se pode liberar construções em áreas alagáveis, pois isso pode gerar riscos ou problemas”, explicou Viviane Machado, presidenta do Comitê Sinos. “Às vezes, uma solução pensada para uma cidade, que seja boa e resolva a situação daquele local, pode afetar negativamente outro município”, observou. Viviane ressalta que as questões públicas do Rio dos Sinos, referentes aos alagamentos provocados por suas cheias, são analisadas de forma regional. Esta observação é necessária visto que algumas cidades se encontram totalmente dentro da bacia hidrográfica. Ou seja, para resolver determinado problema em um município que está dentro da bacia é preciso levar em consideração todas as cidades que o compõem, o que, segundo ela, dificulta todo o processo. “A construção de um dique, por exemplo. Tu podes fazer um dique que vai solucionar o alagamento de um município ou região que seja baixa e ele pode alagar a cidade vizinha”, ponderou a presidenta do Comitê Sinos.
ÁREAS URBANAS AFETADAS As enchentes do Rio dos Sinos também causam transtornos em bairros da cidade de Canoas, a segunda mais populosa da Região Metropolitana. Os alagamentos nessas áreas são um reflexo do constante crescimento populacional e econômico que, de acordo com o último levantamento do Censo Demográfico (2022), teve um aumento nos últimos 10 anos. A população residente em 2022 é de 347.657 pessoas, em 2010 esse número era de 323.827, contabilizando um aumento de 7,36% em 10 anos, tornando-se a quinta cidade mais urbanizada do Rio Grande do Sul. No contexto da drenagem urbana esse fator atrapalha na filtração de água do solo quando há grandes quantidades de chuva como as apresentadas neste inverno. De acordo com um mapeamento feito pelo Comitê Sinos, cerca de sete bairros de Canoas estão dentro dessas zonas por onde o rio tem fluxo.
“Com relação aos alagamentos da cidade como um todo, é uma questão de microdrenagem”, disse o secretário adjunto de Obras, Dariu Filho. Quando há uma precipitação muito acentuada acontecendo em um curto período de tempo, explicou ele, a microdrenagem do município não consegue despachar todo o volume de água para os canais de macrodrenagem. O secretário afirma que chuvas de 30 a 50 milímetros já são suficientes para dificultar o escoamento desses canais.
MATO GRANDE Um dos lugares afetados pelo acúmulo de chuvas é o bairro Mato Grande. Canoas possui oito casas de bombas com um total de 29 bombas, porém essa região ainda não possui um sistema de drenagem adequado. “Temos um projeto, um novo polder, que consistirá num dique e duas casas de bombas, que visam resolver os alagamentos na zona do Mato Grande”, afirmou Dariu Filho. A previsão de conclusão da obra é de três anos. Além das novas obras, a prefeitura pretende fazer melhorias nos processos de manutenção e limpeza das redes e das caixas coletoras, objetivando uma vazão mais eficiente e um despacho mais rápido aos canais de macrodrenagem. As ações serão feitas, prioritariamente, nos bairros Harmonia, Niterói, Rio Branco e Mato Grande. “Estamos fazendo também um levantamento dos pontos mais críticos de microdrenagem para fazer um projeto de ampliação de reforço da rede. Se avaliarmos que a microdrenagem é insuficiente, que é subdimensionada, vamos reforçá-la e ampliá-la, implantando novas redes, com diâmetros maiores e aumentando sua capacidade de vazão”, informou o secretário adjunto de Obras. Nas chuvas deste inverno, a praia do Paquetá não registrou nenhuma perda humana, o que soa como ponto positivo. Mas não se pode negligenciar os efeitos climáticos. A tendência com o passar dos anos é que esse tipo de problema se agrave como consequência local da mudança do clima do planeta.
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EMERGÊNCIA CLIMÁTICA
Moradores em áreas de risco são
os mais afetados pelas enchentes Plano Diretor de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais está sendo elaborado em Gravataí por orientação do Ministério Público do Rio Grande do Sul.
Maria e o filho Wellington Nogueira em frente à casa da família, que foi invadida pelo Arroio Demétrio em junho deste ano.– Crédito: Natália Piva
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EMERGÊNCIA CLIMÁTICA NATÁLIA PIVA
A
s enchentes que atingiram o estado neste inverno são velhas conhecidas dos moradores da rua Amapá, em Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre. Eles vivem às margens do Arroio Demétrio, afluente do Rio Gravataí, em uma região conhecida como Sapolândia. Para o local alagar, não precisa ser um grande volume de chuvas, como as de junho e setembro, onde a água chegou a ultrapassar a marca de um metro de altura. A moradora Graziela Maria conhece bem a sensação de ter a residência invadida. Em junho, o casebre onde vive com o filho e o marido, Wellington e João Nogueira, às margens do Demétrio, foi engolida pelo arroio. A água alcançou o telhado e quase tirou sua vida, que foi salva pelo marido após ela desmaiar.
O caso da família Nogueira é parecido com a do seu Lauro Rosa, morador da rua Amapá há 24 anos. Na mesma chuvarada de junho, seu carro ficou submerso pela água, que subiu a ponto de entrar pela janela da casa.
“SE FOSSE À NOITE, TERÍAMOS MORRIDO”. Os moradores relatam ser comum as enchentes. Rosangela Scher, moradora há 34 anos do local, já viu muitas vezes seus vizinhos perderem os bens para a chuva. “No mínimo duas vezes por ano”, afirma a moradora que veio de Santa Rosa para o bairro, sem perceber a situação de risco do local. Segundo ela, a prefeitura nunca prestou auxílio aos moradores. “O máximo que eles fazem é limpar o arroio”.
Em frente à casa do seu Lauro, a água ultrapassou 1,5 metros de altura. – Crédito: Natália Piva
dezembro de 2024, um Plano cas podem proteger a população MANEJO DAS ÁGUAS “ELE AMARROU UM Diretor de Drenagem e Maestá lá não por vontade próCASACO EM VOLTA DE MANCHAS DE INUNDAÇÃO que pria, mas sim por necessidade. No dia 16 de dezembro de nejo de Águas Pluviais. Um MIM E ME PENDUROU A rua Amapá está em uma “A água virá, não tem como fa- 2022, o Ministério Público e consórcio formado pelas emde inundação, local zer puxadinho. Se não tomar a Prefeitura de Gravataí assi- presas Rhama Analysis - ConNO TETO DA CASA”. mancha sultoria Ambiental e Concreque não deve ser habitado E assim ela aguardou a ajuda chegar. Os próprios vizinhos se mobilizaram para o resgate. Com um barco, foi resgatada e encaminhada ao Hospital Dom João Becker, em Gravataí, onde ficou por dois dias internada. João informa que já foi solicitada uma solução aos políticos do município diversas vezes, mas nunca obtiveram resposta.
em função dos alagamentos constantes. É o que mostra o estudo estudo realizado em 2015 pela Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), em parceria com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí. Segundo o presidente do Comitê Gravataí, Sérgio Cardoso, somente políticas públi-
precauções, vão ficar embaixo d’água”. Uma das medidas tomadas pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul foi recomendar às prefeituras que não fossem aprovados loteamentos nesses locais. Além disso, o MP também determinou ao município de Gravataí a elaboração de um projeto que crie ações para proteger a população das cheias, que desde sempre atingem o município.
naram acordo. O município assumiu a obrigação de realizar ações e obras de manejo e drenagem de águas pluviais urbanas para a resolução de problemas específicos de inundações e de alagamentos em diversas localidades, entre elas a bacia hidrográfica do Arroio Demétrio. O município de Gravataí também assumiu a obrigação de elaborar, até o dia 31 de
Além da água, o Arroio Demétrio acumula lixo e esgoto, que invade as casas em situações de cheia – Crédito: Natália Piva
mat Engenharia e Tecnologia já foi contratado para elaborar o projeto, com custo de quase três milhões de reais. Procurado, o assessor de imprensa da empresa Rhama Analysis, Daniel Rostirola, não respondeu às perguntas da reportagem até o fechamento desta edição. Já o engenheiro Jairo Cardoso, responsável na Prefeitura de Gravataí pela supervisão do Plano, informou que as obras serão divididas em curto, médio e longo prazo, de acordo com a prioridade e necessidade de investimentos. Ele ainda disse que não há uma definição das ações a serem realizadas, mas a possibilidade de retirar as famílias da Sapolândia não é descartada. “Podem ter obras tanto habitacionais como de contenção de danos. Será feito um balizamento do que vai ser mais viável”, afirma Cardoso. O MP deu prazo até 2042 para conclusão das obras e ações necessárias. Os ciclones deste ano, porém, que causaram estragos históricos no Vale do Rio Taquari e quase tiraram a vida de Graziela já fazem parte do novo normal climático no Rio Grande do Sul em função da mudança do clima causada por atividades econômicas. Apesar de ciclones serem comuns no Rio Grande do Sul, agora eles vêm acompanhados de chuvas mais intensas e de grande densidade.
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IV PRÊMIO FACS
Prêmio Inquieto de Jornalismo destaca
reportagem na Amazônia
TCC Prático de Danielly Oliveira abordou a formação do estado de Rondônia a partir da perspectiva do povo Paiter-Suruí.
Danielly Danielly Oliveira Oliveira recebeu recebeu oo Prêmio Prêmio Inquieto Inquieto de de Jornalismo Jornalismo 2023 2023 do do orientador orientador do do seu seu trabalho trabalho de de conclusão conclusão de de curso, curso, professor professor Roberto Roberto BelBelmonte monte -- Crédito: Crédito: Humberto Humberto Simões Simões
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IV PRÊMIO FACS
Estudantes de jornalismo da UniRitter que realizam jornadas esportivas das cabines dos estádios Arena e Beira Rio conquistaram o primeiro lugar da categoria Videocast do IV Prêmio FACS de Jornalismo – Crédito: Humberto Simões Moura, Carlos Viana, Cid DA REDAÇÃO Martins, Cristiano Porto Klaelo jornalismo ambien- novicz, Edu Rabin, Emiliano tal em profundidade Cunha, Felipe Diniz, Gabriel desenvolvido em repor- Suminski, Guilherme Gonçaltagem sobre a formação do ves da Luz, Ítalo Bicca, Lorenestado de Rondônia a partir zo Ellera Bocchese, Luciano da perspectiva do povo Pai- Suminski, Ricardo Cunha, ter-Suruí, a jornalista Danielly Ricardo Azeredo e Roberto Oliveira foi a vencedora do Villar Belmonte. Prêmio Inquieto de Jornalismo 2023. O trabalho foi desenvolvido como TCC Prático de conclusão de curso, em banca realizada em junho de ASSESSORIA DE 2023 com a presença do reCOMUNICAÇÃO pórter Bernardo Esteves, da revista Piauí, como avaliador 1º LUGAR externo. A partir de janeiro Anja Vinhos de 2024, o trabalho será puFernanda Caroline, blicado em capítulos no site Larissa Abreu e Rayane Sumaúma – Jornalismo do Gonçalves Centro do Mundo, criado por Eliane Brum.
P
O
utro trabalho diferenciado do curso de jornalismo da UniRitter conquistou o primeiro lugar na categoria Videocast. Desenvolvido na disciplina de Estágio Supervisionado no primeiro semestre de 2023, o projeto Na Gaveta propicia a transmissão de jornadas esportivas nas cabines de imprensa dos estádios Are-
Pelo segundo ano consecutivo, festa de premiação do Prêmio FACS da UniRitter é realizada no Bar Casa Mata, no bairro Cidade Baixa – Crédito: Humberto Simões na e Beira Rio. Arthur Carvalho Vieira, Rafael Nunes Brum, Lucas Rosa de Oliveira, Jadersom Simoes da Silva e Leonardo de Oliveira Duarte são os alunos pioneiros da iniciativa. A experiência deu tão certo que continuou no segundo semestre de 2023. Na última rodada do Campeonato Brasileiro de 2023, dia 7 de dezembro, o Na
Gaveta realizou pela primeira vez uma jornada duplex pelo YouTube, duas transmissões ao vivo diferentes, uma para o jogo do Inter, outra para o jogo do Grêmio. Este projeto foi viabilizado por meio de uma parceria entre a UniRitter e Associação dos Cronistas Esportivos Gaúchos (ACEG-RS).
Estudantes de jornalismo vencedores no Prêmio FACS 2023
“Desde o início do curso de jornalismo eu sabia que iria fazer um trabalho final que me representasse. E, provavelmente, não tem nada que me represente melhor do que o lugar de onde eu vim. Crescer no território nortista me possibilitou ver de perto uma realidade que o restante do país desconhece. Rondônia é um estado com um pouco mais de 40 anos de criação e que teve o seu povoamento, majoritariamente, durante o período da Ditadura Militar”, escreveu a repórter premiada no memorial descritivo do trabalho, disponível no repositório acadêmica Runa da Ânima. O Prêmio Inquieto de Jornalismo 2023 foi revelado durante a solenidade de premiação do IV Prêmio FACS, realizada na noite de 24 de novembro no Bar Casa Mata, no bairro Cidade Baixa. Os avaliadores desta edição foram: Alberi Neto, Alexandra Zanella, Ana
2º LUGAR
Cacau Show Fernanda Caroline, Larissa Abreu e Rayane Gonçalves
DOCUMENTÁRIO EM VÍDEO 1º LUGAR
Forma Pensamento Arthur Carvalho da Silveira, Ana Júlia Araujo, Gabriel Guaraldo, Érica Sena e Thales Cunha
2º LUGAR
Brisando Maria Eduarda Bittencourt Machado, Eduardo Silva, Emilena Gonçalves, Lisiane Klutzke e Rafael Sanhudo
3º LUGAR
Escolhas Impostas Mariana Gomes da Silva, Rafaela Rodrigues Amaro e Sara Lane Neves Silva
FOTOJORNALISMO 1º LUGAR
Experiência atrai mais o público do que preço à Feira do Livro Maria Eduarda Bauer da Silva
JORNALISMO EM ÁUDIO 1º LUGAR
A gente resiste Danielly Oliveira
2º LUGAR
Resumo Noturno Eliza Gomes Farias, Daniel Pires, Fábio Rodrigues Junior, Pedro Curi
3º LUGAR
2º LUGAR
REPORTAGEM EM TEXTO
3º LUGAR
Maré de Ferro Iago Kominski Cavalheiro, Enzo Giacomelli Quadro, Éric Cremonese Idálgo e Luíza Vasconcelos
1º LUGAR
A Gente Resiste: uma reportagem sobre a formação do estado de Rondônia a partir da perspectiva do povo Paiter-Suruí Danielly Oliveira
2º LUGAR
PODCAST
Ressignificando territórios: a ancestralidade indígena no Morro Santana Rian da Silva Rodrigues e Michelle Garcia
1º LUGAR
3º LUGAR
Ode às Mulheres – um podcast narrativo sobre o avanço da violência de gênero no Rio Grande do SulDanielly Oliveira
2º LUGAR Adoção Fora da Curva Michelle Garcia Santos
A luta pela diversidade no futebol brasileiro Arthur Carvalho Vieira
TELEJORNALISMO 1º LUGAR
Jornal da Ritter Eliza Gomes Farias, Daniel Pires, Fábio Rodrigues Junior e Pedro Curi
Reportagem estacionamento Larissa Schöntag, João Gabriel Silva de Matos e Giovanna da Silva Rosito
A Surpreendente Corrida Eleitoral de Edegar Pretto Fernando Ramires e Arthur Vieira
VIDEOCAST 1º LUGAR
Na Gaveta Arthur Carvalho Vieira, Rafael Nunes Brum, Lucas Rosa de Oliveira, Jadersom Simoes da Silva e Leonardo de Oliveira Duarte
2º LUGAR
Pod dar Voz Eliza Gomes Farias, Daniel Pires, Fábio Rodrigues Junior e Pedro Curi Os vencedores das demais categorias do IV Prêmio FACS podem ser conferidos no site https://facs.uniritter. edu.br/vencedores-do-ivpremio-facs .
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SUSTENTABILIDADE
Limpa e mais barata
A energia solar é cada vez mais adotada como fonte de geração nas cidades. Além de baratear a conta de luz, ajuda a reduzir a emissão de gases de efeito estufa.
GIOVANI COVOLO E LUIS FERNANDO OLIVEIRA
E
m meio ao crescimento das preocupações com a emissão de gases do efeito estufa que aumentam o aquecimento global, potencializando fenômenos climáticos extremos como as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em 2023, também é cada vez maior a procura por energia limpa. É notório que fontes sujas, como o carvão mineral e os combustíveis derivados do petróleo, trazem prejuízos ao planeta. Além disso, elas causam poluição local ao emitir substâncias como dióxido de enxofre e óxido nitroso. Esses gases prejudicam diretamente o sistema respiratório. Para tentar conter o aquecimento global, torna-se necessário mais investimentos em energia limpa. Para a população urbana, a mais popular e de mais fácil acesso é a energia solar fotovoltaica, os populares painéis solares. Consistem em sistemas de produção que excluem qualquer tipo de poluição. Mas como deve ser feita a instalação? Este sistema sempre traz retorno financeiro? Para tentar responder a estas perguntas, a reportagem do Jornal Unipautas conversou com o representante de uma empresa do setor e dois usuários. O primeiro passo para se obter um sistema fotovoltaico é a necessidade de economia com energia elétrica. Segundo Deolinei Alves, engenheiro elétrico e CEO da SauerEng, para que compense a instalação desses equipamentos, é necessário que haja um alto valor gasto na conta de luz pago para a concessionária.
“EM GERAL, INDIVÍ-
DUOS COM GASTOS A PARTIR DE 200 A 300 REAIS POR MÊS JÁ PODEM SER CONSIDERADOS CLIENTES Painéis solares na casa de Gabriela Bargmann, localizada no Condomínio Buena Vis- INTERESSANTES PARA ta, em Viamão - Crédito: Gabriela Bargamann / Arquivo pessoal A UTILIZAÇÃO DESSA
MATRIZ ENERGÉTICA”, AFIRMA. Em seguida é feito um estudo das condições do local de instalação. No primeiro momento, um drone é utilizado para fazer imagens que, posteriormente, são importadas para um software responsável por recriar o ambiente no virtual, em formato 3D. Dentro desse programa é possível realizar medições e projetar situações como o quanto de luz solar o local recebe, visando montar um panorama geral sobre a eficiência do equipamento caso ele seja instalado naquele lugar. Também é necessária uma inspeção da estrutura e dos materiais presentes no local, a fim de saber se ele suporta o peso do sistema quando for implantado. Na maioria das vezes esses locais são telhados ou estacionamentos. Com base nesses estudos, são apresentados aos clientes todos os resultados, mostrando se é viável ou não a instalação, o número de placas necessárias e uma projeção dos resultados do sistema fotovoltaico. Também é apresentado um estudo da rede elétrica local para ver se ela comporta receber a energia produzida, caso seja do tipo ligado à rede ou misto. Quando os sistemas são muito grandes, se faz necessário a construção de uma subestação para comportá-lo. Na sequência, é apresentado o orçamento total que a pessoa irá gastar para realizar todos os processos a serem feitos para a instalação do sistema fotovoltaico, junto com o preço das placas e equipamentos necessários para a realização do projeto. A partir desse momento, a pessoa vê se tem ou não viabilidade financeira de continuar o processo. O custo total para isso é considerado alto, muitas vezes sendo necessário um financiamento junto a instituições financeiras para o prosseguimento do projeto.
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SUSTENTABILIDADE
Placas solares são materiais resistentes e têm uma baixa demanda de manutenção, com vida útil média de 25 anos - Crédito: Maria Godfrida por Pixabay No entanto, nos casos de sistemas ligados à rede, os mais comuns, o retorno do investimento se dá em até cinco anos. Caso o usuário possa e decida continuar, o próximo passo é entrar em contato com a concessionária, no caso dos sistemas mistos e ligados à rede, para se obter uma autorização necessária para iniciar a instalação dos equipamentos. Após isso, encomenda-se as placas, que podem ser nacionais ou importadas, e instala-se o sistema no local. Também se faz um acompanhamento após a instalação dos equipamentos. No entanto, as placas solares são materiais resistentes e têm uma baixa demanda de manutenção. São equipamentos que têm uma vida útil média de 25 anos. “Então a gente entrega a situação pronta. Essa é a proposta. Desde o estudo, avaliação, aprovação da concessionária, fornecimento de material, instalação, comissionamento e entrega do equipamento funcionando e pós-venda. Então esse estudo é feito, monta-se esse custo, da quantidade de placa, os serviços necessários, as adequações necessárias”, afirma Deolinei Alves.
DIFERENÇA ENTRE SISTEMAS Os sistemas fotovoltaicos podem ser classificados de acordo com sua ligação com
a rede elétrica local. O sistema isolado da rede não possui qualquer ligação com a concessionária, tendo toda sua energia produzida armazenada em baterias e essas, por sua vez, abastecem o local, tornando-o autônomo. No entanto, além de ser mais caro, esse sistema tem uma vida útil menor. Isso acontece pelo alto custo das baterias existentes, que duram em média apenas cinco anos. O sistema misto é conectado a rede elétrica local, porém também possui uma bateria. Assim, na maior parte do tempo, ele disponibiliza energia para a rede da concessionária, porém, caso falte luz na localidade, ele libera a eletricidade presente na bateria para abastecer a unidade. Por último, e mais comum, tem o sistema ligado à rede. Nesse caso, a energia produzida é ligada na rede elétrica local, indo atender diretamente a demanda da região. No final do mês, a concessionária desconta os créditos da fatura de uma ou mais unidades previamente estabelecidas, obtidos de acordo com a potência fornecida à rede durante o período. Esse sistema é o mais utilizado por ser mais barato e ter menor tempo de retorno de investimento com maior vida útil, em média de 25 a 30 anos. Além disso, existe diferenciação entre os painéis solares. Atualmente existem dois
tipos no mercado: o monocristalino e o policristalino. O primeiro é mais eficiente que o segundo, porém é mais caro. Isso se deve à predominância do silício em sua composição. “Nós fazemos um cálculo sobre o que vale mais a pena para o cliente e o que a gente acha que se adequa melhor a necessidade dele. Tudo isso em cima do custo-benefício para ele”, afirma Deolinei Alves, da empresa SauerEng.
NOVA LEGISLAÇÃO Antes do início de 2023, as usinas fotovoltaicas ligadas à rede elétrica não sofriam qualquer taxação por parte das concessionárias pelo uso da rede. No entanto, com a aprovação da Lei 14.300/2022, foram estabelecidas novas regras para a produção de energia solar residencial. A nova legislação, que entrou em vigor no dia 7 de janeiro deste ano, estipula que sistemas considerados microgeradores - de até 3 Megawatts de Potência (MWp) com bateria e 5 MWp sem bateria - sofrerão uma taxação escalonada de 15% a cada ano até 2029. Essa taxação deve ser feita em cima do Fio B, componente da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) que integra o valor pago pelo cliente à concessionária. Dessa forma, se uma pessoa instalar um sistema dentro desses parâmetros ainda em
2023, será cobrado uma taxa de 15% sobre Fio B. Em 2024, essa taxa irá subir para 30% e assim por diante até 2029. Vale lembrar que se o sistema for instalado em 2025, por exemplo, a cobrança sobre a unidade será de acordo com a taxa em vigor no ano, ou seja, 45%. Fio B é a taxa cobrada pela utilização da infraestrutura da rede de distribuição local até as unidades consumidoras da região. Ela varia de uma concessionária para outra e leva em conta fatores como o número de unidades consumidoras e a área de concessão. Em 2029, segundo a Lei 14.300/2022, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) passará a ser responsável pela nova regulamentação do setor e determinará quais serão as regras para a valoração dos custos e benefícios da Geração Distribuída (GD).
SUSTENTABILIDADE NA PRÁTICA O diretor do Colégio Romano Senhor Bom Jesus, Luciano Oliveira, decidiu tornar a instituição 100% limpa, movida à energia solar fotovoltaica. E não se trata apenas de economia na conta de luz, mas principalmente de alfabetização ecológica. “A educação de matérias como matemática e português são muito importantes, mas acima de tudo, quando os pais nos confiam
no seu bem mais precioso, precisamos ajudá-los a criar bons cidadãos para o mundo, ensinar sustentabilidade faz parte disso”. Luciano Oliveira, que além de diretor da Rede Romano, também é padre há 20 anos, pensa em adotar o mesmo sistema de geração de energia solar em todas as oito escolas da rede espalhadas pelo Rio Grande do Sul devido ao sucesso que os painéis solares do colégio localizado no bairro Jardim Itu, zona norte de Porto Alegre, trouxeram. Segundo ele, sucesso no sentido de ensinamentos aos alunos, responsáveis e funcionários que por lá passam. Há 10 anos o diretor promove na escola a “Semana da consciência humanitária”, na qual faz oficinas com o tema sustentabilidade e mudanças climáticas, além de show de talentos e shows de bandas locais. O evento tem o intuito de usar o ambiente da escola para convidar alunos, familiares e pessoas interessadas a aprender sobre a assunto. Quando perguntado sobre o significado de ser uma das primeiras escolas a adotar o sistema de geração limpa de energia, Luciano Oliveira ficou emocionado. Ele salientou que é algo incrível e que sempre se interessou pelo assunto. No entanto, reconhece que demorou para colocar em prática ações sustentáveis, devido ao pouco tempo disponí-
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SUSTENTABILIDADE
vel. O diretor falou ainda que, mesmo sentindo gratidão e orgulho pelo reconhecimento, sente que não faz mais que a obrigação. “São poucos que praticam a sustentabilidade. Infelizmente, poluir e destruir é muito mais fácil que ter uma iniciativa do bem. Mas só de saber que estou ensinando coisas boas e influenciando famílias já me sinto orgulhoso”, afirma. A vendedora de cosméticos Gabriela Bargmann, 35 anos, é mãe de um aluno do 4º ano do Colégio Romano Senhor Bom Jesus. Ela ficou interessada quando soube dos painéis solares no telhado da escola e procurou se informar sobre a instalação e benefícios dos painéis fotovoltaicos. Porém, não encontrou muita coisa até entrar em contato com uma empresa especializada. Após fazer uma consulta, fez um orçamento, e hoje, segundo ela, por influência direta do colégio, também possui energia solar em sua residência. Para a vendedora de cosméticos, a economia na conta de luz foi de 95%. Além disso, a valorização do seu imóvel e as vantagens financeiras a longo prazo são os principais benefícios para se investir na energia solar. Além disso, Bargmann relata que, além de adquirir os painéis solares, tem adotado outras práticas sustentáveis no cotidiano da sua família. “Pode parecer algo pequeno, mas acordar diariamente sabendo que estamos fazendo o bem para o meio ambiente é muito bom. Isso nos impulsionou a melhorar em tudo, estamos reciclando, evitando ao máximo desperdícios, e isso tem nos tornado uma família melhor nesse sentido”, afirmou.
POTÊNCIA INSTALADA De acordo com o Segundo Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) de Porto Alegre, a capital emitiu 2373 quilotoneladas de dióxido de carbono (CO2) no ano de 2019. Isso representa uma queda de 3,18% em relação ao ano anterior, 2018. Energias limpas como a solar contribuem com esta redução. A energia solar pode ser utilizada tanto para geração de eletricidade (pelos sistemas de energia solar fotovoltaica quanto para aquecimento de água (com os aquecedores de energia solar térmica). Na energia solar fotovoltaica, quando as partículas de ener-
gia da luz do Sol (fótons) incidem sobre os painéis solares, ocorre a geração de uma corrente elétrica que pode ser direcionada e utilizada para alimentar residências, empresas e indústrias, tanto na cidade quanto em áreas rurais.
leiro. De acordo com dados Segundo a Secretaria do do Atlas Solar do RS, a geMeio Ambiente e Infraestru- ração distribuída de energia tura, o Rio Grande do Sul já fotovoltaica conta com 42,7 é o terceiro colocado no Brasil MW (MegaWatt) em painéis em potência de energia solar solares espalhados por 4520 instalada, e corresponde a unidades consumidoras, com 12% de todo o parque brasi- um investimento de 213,5 mi-
lhões de reais. Além do Programa RS Solar, que abastece de energia limpa os poderes Executivo e Legislativo Estadual, Universidades e Entidades Sensoriais.
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SUSTENTABILIDADE
Ciclovia da Ipiranga: desabamento, interdição e futuro
Após três meses interditada, a ciclovia permanece sem explicações sobre desabamento e incerteza sobre quando voltará a funcionar.
Mesmo com interdição, ciclistas se arriscam e permanecem usando a ciclovia da avenida Ipiranga em Porto Alegre - Crédito: Joaquim Moura
JOAQUIM MOURA
A
Prefeitura de Porto Alegre interditou toda a ciclovia da avenida Ipiranga no dia 6 de setembro. A decisão inédita aconteceu após desabamentos de seções dos taludes do Arroio Dilúvio. Com as enchentes que começaram a atingir a capital gaúcha no inverno, as águas subiram com frequência, o que pode ter atingido a estrutura. Outra hipótese são as obras de drenagem realizadas recentemente. O primeiro desabamento aconteceu próximo ao Planetário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que imediatamente foi isolado pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). Dois meses após o primeiro bloqueio, o trecho da via próximo à avenida Silva Só, no bairro Santa Cecília desabou. A prefeitura
de Porto Alegre então optou por interditar toda a ciclovia. Iniciada em 2011 e com o primeiro trecho inaugurado no ano seguinte, a ciclovia da avenida Ipiranga é uma das principais vias de mobilidade para os ciclistas de Porto Alegre. Com sua construção feita em fases, hoje indo até a Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), ela permanece fechada. O ex-vereador e ativista do ciclismo Marcelo Sgarbossa diz que há a possibilidade de que a empresa que fez a dragagem do Arroio Dilúvio, no primeiro semestre de 2023, tenha retirado mais terra do que o necessário, cavando demais e assim enfraquecendo a estrutura dos taludes, mas que até o momento não foi apresentado nenhum estudo referente aos desabamentos. “Há muitas dúvidas em relação à dragagem, como o porquê de ter sido feito por uma empresa privada, se an-
tes era feito pelo DMAE? A empresa ganhou por toneladas e por isso retirou demais? Esta empresa possuía experiência para este trabalho? Qual o embasamento técnico para as retiradas? São perguntas que estão sendo feitas e até o momento não foram respondidas pela prefeitura”, relata Sgarbossa. Com um plano de ciclovia previsto com mais de 450 quilômetros de extensão, a capital hoje possui 78,67 quilômetros de malha cicloviária que estão efetivamente implementados e em uso na cidade. Sendo uma das faixas mais usadas da cidade, a interdição da ciclovia da Ipiranga fez com que ciclistas tivessem que repensar a sua mobilidade no cotidiano. Foi o que aconteceu com o servidor público Sylvio Sirangelo, ciclista desde 2013. Ele mora no bairro Jardim Botânico e usa a via na maior parte do seu trajeto para o trabalho.
“A ciclovia da Ipiranga é quase uma via expressa, fazendo uma diferença enorme para locomoção, principalmente garantindo a segurança de ciclistas que não estão acostumados a andar no trânsito. Mesmo com a interdição, há
ciclistas que passam as travas e permanecem usando a ciclovia”, relatou. O futuro da ciclovia aguarda o resultado de estudo técnico da Prefeitura. Até o fechamento desta edição, ela continuava interditada.
Taludes do arroio Dilúvio em Porto Alegre desabaram em vários trechos - Crédito: Joaquim Moura
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COMPORTAMENTO
Pesca comercial sobrevive em Porto Alegre e Viamão Atividade no lago Guaíba e na lagoa dos Patos é prejudicada por espécies invasoras e por os ciclones extra-tropicais
GUILHERME VALENTINI NASCIMENTO
A
pesca comercial em Porto Alegre e em Viamão enfrenta um duplo desafio ambiental. Entre os obstáculos enfrentados, destaca-se a invasão das palometas, espécie invasora que tem impactado consideravelmente o ecossistema. Além disso, a região tem sofrido com os efeitos dos ciclones, ocasionando consequências significativas para o material e para as circunstâncias da água para os pescadores locais, prejudicando a venda de pescados nas colônias. Viver de peixe está cada vez mais difícil. As palometas, popularmente conhecidas como piranhas-do-sul, têm se multiplicado de forma considerável nas águas do Lago Guaíba e na Lagoa dos Patos. Essa espécie invasora tem causado desequilíbrios no ecossistema local, prejudicando a diversidade da fauna aquática e afetando a pesca comercial na região. Um dos prejudicados é Gilberto Moacir. Pescador profissional há 37 anos, ele está preocupado com a situação.
as palometas atacam as iscas e redes rapidamente, tornando a pesca menos rentável e sustentável, além de uma de suas principais presas serem os pintados e tainhas, que estão entre as espécies mais comercializadas na região.
CICLONES EXTRATROPICAIS
Além da presença das palometas, os profissionais têm enfrentado as consequências dos ciclones que atingem a região. O fenômeno provoca ventos violentos e fortes chuvas, gerando danos às embarcações e equipamentos dos pescadores. Ele também faz o nível da água subir, prejudicando a migração de peixes do mar para a água doce, que são os capturados em maior volume na pesca comercial. Para João Lamb, pescador profissional há seis anos, a subida das águas é o maior obstáculo que ele enfrenta. “Eu vivo dois terços da minha vida dentro desse barco e, quando sobe a lagoa, é uma crueldade sem fim, nada de peixe, ondas violentas, é um risco que eu não desejo a Ele ainda ressalta APESAR DO AUMEN- ninguém”. que é obrigado a sair mesmo TO DAS TILÁPIAS NO com essas condições, que difimuito viver da pesca. GUAÍBA E NA LAGOA, cultam Espera que com a chegada do AS PALOMETAS ESTÃO verão a água baixe. Fora todas estas dificuldaCOMPLICANDO MIdes, de pesca tamNHA VIDA, JÁ PEGUEI bém materiais são danificados com os MUITAS NA REDE E ciclones, devido aos lixos na margem dos lagos irem para ELAS MORDEM MEU com profundidade MATERIAL, DAÍ FICAR locais maior, fazendo com que redes COSTURANDO UMA sejam abertas no meio do lixo, REDE A CADA SEMA- o que causa um grande prejuos profissionais. NA É COMPLICADO.” ízoFoipara o que aconteceu com Rodrigo Machado, pescador Além dos danos, destaca, elas comem peixes captura- profissional há 23 anos. Ele teve recentemente um prejuídos que seriam vendidos. Os profissionais enfrentam zo de mais de 17 mil reais em dificuldades para capturar redes. “No mês de outubro, outras espécies de peixes, pois perdi uma quantidade imensa de material, seis redes top
“
O pescador profissional João Lamb em seu barco pesqueiro, no Arroio Itapuã – Crédito: Guilherme Valentini Nascimento de linha e duas novas, com menos de seis meses de uso. Até hoje tenho pesadelos”. O profissional também ressaltou que vai ter que trabalhar seis dias da semana até meados de dezembro para recuperar o prejuízo trazido pelos ciclones deste inverno.
PROFISSIONAIS DA PESCA Apesar de todos os obstáculos impostos pelas alterações ambientais, ainda existem pescadores comerciais nas proximidades da capital gaúcha. Na colônia de pescadores Z4, em Itapuã, município de Viamão (RS), José Luís Nascimento, um dos sócios e vendedor da colônia, afirma que percebe cada vez mais presentes profissionais embarcando para exercer a pesca dentro da Lagoa dos Patos. Ele reconhece que isto, apesar de ser um aumento da
economia pesqueira no local, acaba dificultando um pouco o trabalho dos pescadores com menos condições de ir "mais a fundo" na Lagoa dos Patos. "Às vezes quem está começando tem dinheiro e quer investir num barco bom já.” Profissionais com barcos inferiores não tem acesso a locais mais profundos e ficam em desvantagem, pois terão menos exemplares para capturar em relação aos com melhor condição de embarcação, que podem explorar mais a Lagoa dos Patos. Porém, Luís vê que para a Vila de Itapuã a atividade pesqueira crescente é muito interessante, pois ultimamente houve um aumento de clientes na colônia. "Fico feliz que a gurizada vem se interessando a viver de pesca, pois o futuro é deles. Hoje já temos um aumento de clientes, vindos da zona sul de Porto Ale-
gre e também de Viamão, só para comprar nossos peixes que são frescos." Já na Colônia de pescadores Z5, com filiais no Mercado Público, Porto Alegre e Ilha da Pintada, o número de pescadores diminuiu. Para Victor Ipatinga, vendedor de peixes há oito anos, essa diminuição se deve às enchentes recorrentes na Ilha da Pintada. O comerciante afirma que, no futuro, pretende mudar o local em que trabalha. "É muito triste tu chegar em casa e se deparar com goteiras, água até a canela. É desumano viver assim." Ele ainda diz que pretende num futuro próximo se mudar para o litoral gaúcho, mas que pretende continuar vivendo da pesca, seja capturando peixes ou vendendo. Victor lembra que quando se mudou para a Ilha da Pintada, teve um grande apoio de
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COMPORTAMENTO sua família por parte de pai, grande parte composta por pescadores, porém não tinha ideia de que haveria tantos problemas com enchentes. Ele recorda que já teve sua casa atingida mais de 15 vezes, inclusive antes dos ciclones, mas, segundo ele, a mídia nunca noticiou o sofrimento passado pelos moradores. O vendedor ainda diz que os afiliados da Z5 diminuíram muito desde que ele chegou: "O pessoal que pescava e vendia chegava a 200 pescadores para carregar nossas duas sedes e também vender para algumas peixarias do Mercado Público. Hoje em dia é de no máximo 150. Porém o consumo não diminuiu e às vezes nos falta mercadoria".
FALTA INCENTIVO Os profissionais ainda reclamam da falta de incentivo do poder executivo de Porto Alegre, comparando com outros locais do estado, onde os pescadores têm muito mais apoio e benefícios. "É algo que deveria ser mais valorizado pela prefeitura, apesar de terem nos ajudado mais nos últimos anos, ainda é complicado", afirma o pescador Gilberto Moacir. Ele cita municípios do Litoral Norte que dão benefícios para seus pescadores e reconhecem sua importância para a economia local.
Já Rodrigo Machado reclama que o máximo de "ajuda" que ele recebeu foi a fiscalização pegando seus peixes e equipamentos. "Em outubro, é só bagre que cai na rede. Hoje em dia até pode se comercializar, mas uns cinco anos atrás enchiam o saco com a pesca do bagre branco". O pescador comercial alega que, na ocasião, não viu que tinha pego um bagre em idade reprodutiva e, por somente um peixe, perdeu sua semana de pesca. O profissional diz que desde o início de sua carreira como pescador, nunca recebeu um centavo da prefeitura de Porto Alegre por seus serviços prestados. Ainda esbraveja que a pesca é uma economia tão importante quanto qualquer outra indústria alimentícia, ressaltando que além de todos problemas, na renovação de carteira profissional de pesca, é uma burocracia e se a fiscalização pega alguém sem o documento, prende. O trabalho da pesca na Lagoa dos Patos e no Lago Guaíba abrange várias espécies, mas as mais comercializadas são as de água salgada que entram por Rio Grande: o Bagre branco, o Bagre preto, a Corvina, a Tainha e a Anchova. Já as de água doce nativas são: Jundiá, Branca, Pintado (a mais comercializada), Traíra, Piaba e Tilápia (espécie invasora).
Contudo, a pesca de alguns destes peixes é proibida em algumas épocas do ano, assim como a do camarão, que é muito comercializado principalmente na Lagoa dos Patos. A pesca do Bagre é proibida no estado do dia 29 de novembro até 31 de março. A pesca da Anchova e da Piaba também são proibidas em suas épocas reprodutivas
FAMÍLIA E SONHOS Os pescadores sofrem muito em sua ausência com sua família, pois boa parte do tempo de suas vidas eles passam dentro do barco. João Lamb relaciona a vida de pescador com a vida de caminhoneiro. “Cara, tempo com a família, isso posso falar por 90% do pessoal, é muito pouco, infelizmente. Hoje, eu passo com a minha família um a cada três dias mais ou menos, ou seja, a cada 30 dias eu fico só 10 com eles. Sinto muita falta”. Ele ainda ressalta que seu maior sonho é melhorar cada vez mais sua embarcação para ter conforto, pois ele faz todas suas atividades diárias dentro do barco, desde a higiene pessoal, como escovar os dentes e tomar banho, até dormir. O pescador ressalta que as vezes é desumano passar o que ele passa em um barco de 10 metros. “Eu tendo uma embarcação melhor,
terei conforto, precisarei trabalhar menos, poderei passar mais tempo com minha família. Esse é meu maior sonho”. Já a relação de Gilberto Moacir com sua família é quase inexistente. “Não tenho filhos, nem esposa, sempre fui casado com a pesca e com o meu objetivo de mudança. Sou muito grato a minha mãe e meu pai, que formaram meu caráter e me amaram, mas não estão mais aqui entre nós”. O pescador afirma que seu tempo livre é utilizado para planejar suas próximas idas à Lagoa dos Patos ou assistir jogos do Internacional no bar com seus amigos. Já o seu maior sonho é se mudar para Torres e viver da pesca na principal cidade do Litoral Norte gaúcho. Para ele será a maior conquista de sua vida, projeta que deve demorar somente mais dois anos para realizar a grande vitória de viver da pesca por lá. Rodrigo Machado é grato pela pesca em sua vida. Antes do incidente com suas redes, ele conseguia passar quatro dias da semana com sua família “Hoje em dia tiro um dinheiro tranquilo pra mim ter uma vida sem muito estresse, graças a Deus não tenho mais dívidas, meus filhos estão com a vida encaminhada. Hoje só pesco três a quatro vezes por semana e nos outros
Barcos pesqueiros na margem do Arroio Itapuã em Viamão (RS) - Crédito: Guilherme Valentini Nascimento
dias consigo descansar bem.” Ele diz que é muito grato a sua família e deve toda sua prosperidade à sua profissão e ao seu esforço.
BRINCAR DE PESCAR O pescador sonha em se aposentar em até seis anos para se dedicar somente aos seus filhos, netos e sua esposa e que a primeira coisa que fará quando se aposentar é vender sua lancha, comprar um barco pequeno para “brincar de pescar” de vez em quando e realizar uma viagem com toda sua família para fora do Brasil. A pesca comercial em Porto Alegre e Viamão enfrenta um cenário desafiador, marcado pela invasão das palometas e pelas consequências dos ciclones. Os pescadores locais precisam lidar com a redução na disponibilidade de peixes e com prejuízos causados pelos predadores invasores e pelos eventos climáticos extremos. Para garantir a atividade pesqueira sustentável e rentável na região, é fundamental que sejam adotadas medidas de controle das palometas e políticas de apoio aos pescadores afetados pelos ciclones, além de maior ajuda por parte da prefeitura e do governo do estado aos profissionais da pesca, visando a sua segurança e o seu sustento.
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CULTURA
O tocador de estórias
Pedro Branco autografa seu novo livro de ficção no campus Fapa da UniRitter e conversa com estudantes sobre a escrita criativa e o ofício de escritor. foi produzido inteiramente por seres humanos. A publicação de um livro no Brasil depende de apoio de editoras, que recebem inúmeras histórias todos os dias. Tal concorrência fez com que muitos autores passassem a publicar suas histórias em plataformas digitais, ou através de editoras independenNOVOS DESAFIOS tes. Para Pedro, publicar um Com o avanço de diferentes livro através destas opções tecnologias, os autores agora pode ser a melhor maneira de enfrentam um novo dilema: construir o seu nome no mera inteligência artificial. Hoje, cado literário. ainda em evolução, ela consegue produzir roteiros e criar HOJE EM DIA É MUIhistórias sem ajuda humana. Para Pedro, a IA não precisa TO MAIS FÁCIL PUBLInecessariamente ser um de- CAR UM LIVRO COM safio, mas sim, pode servir AS FERRAMENTAS de ajuda. “Muitas vezes eu utilizo o Chat GPT, não para DISPONÍVEIS, ENTÃO fazer o texto todo, mas para RECOMENDO.” organizar as minhas ideias e Apesar de tópicos que caume ajudar a compor a história”, afirma o escritor. Pedro sam medo e anseio em muitas também enfatiza que toda a pessoas, como inteligência pesquisa acerca das religiões artificial e como ser autor nos para a caracterização afro-in- dias atuais, o encontro se endígena em O Tocador de Tro- cerrou com uma lição: pode vão não seria bem sucedida e existir um escritor dentro de tão aprofundada caso escrita cada um de nós, e é possível por uma inteligência artifi- tornar esse processo uma recial. Como artista, ele sugere alidade. Não se sabe se foi que a inteligência artificial Apoema quem deu coragem seja sinalizada quando utili- ao Pedro, ou Pedro quem deu zada. Deste modo, o especta- coragem a Apoema, mas a dor saberá se determinado li- semelhança deles é bem fácil vro, ilustração ou roteiro teve de ser vista: ambos lutam por a ajuda de uma máquina, ou aquilo que acreditam. mo linear. “Algumas histórias eu simplesmente abandonei, e outras eu decidi recomeçar por achar que não estavam boas o suficiente, ou por detalhes que deveriam ser outros, então optei por escrever tudo do zero”, relata.
“
Sessão de autógrafo do livro O Tocador de Trovão aconteceu na noite de 13 de novembro no Prédio 1 do campus Fapa do Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) - Crédito: Jennifer Ferreira
JENNIFER FERREIRA
E
m uma noite de segunda-feira chuvosa, alunos, professores e admiradores de Pedro Branco, professor de comunicação e escritor, se reuniram em uma sala de aula gigante do campus Fapa da UniRitter para prestigiar e conhecer sua mais recente obra: O Tocador de Trovão. O evento foi mediado pela estudante de jornalismo Ana Júlia Araújo. Diante de sorrisos, olhares curiosos e um bate papo descontraído, o autor conversou com o público sobre o processo de escrita criativa,que, segundo ele, não é nada linear, e os desafios de ser um escritor no Brasil. Crescimento da inteligência artificial, valores altos
para uma publicação e falta de incentivo das editoras são alguns destes fatores. Em O Tocador de Trovão, Pedro leva o leitor ao universo de Apoema, um menino preto que acaba de perder a mãe, e deseja enterrá-la no cemitério de sua cidade. Sem sucesso, o menino decide lutar para conseguir concretizar o seu desejo, e descobre um poder: o toque de seu tambor pode conectar os vivos aos mortos. Agora, Apoema embarca em uma jornada contra três autoridades: um padre, um prefeito e um médico, a fim de conseguir enterrar sua mãezinha. Para isso, o menino deverá ter fé, coragem e confiança. Mistério, aventura e ficção espírita fazem parte das mais de 600 páginas da obra. Para expressar o sobrenatural e a
fantasia, rituais afro-indígenas foram utilizados como inspiração. Para isso, o autor realizou um estudo sobre essas culturas, além de contar com a ajuda de uma especialista no assunto. Segundo Pedro Branco, ele não esperava que seu primeiro best-seller Uma Colheita de Inverno teria tanto sucesso. Ele postou a história no Wattpad, aplicativo que permite que seus usuários publiquem suas próprias ficções e interajam com seus leitores, e não entrou mais na rede. Ao retornar a plataforma, o livro já era um sucesso estrondoso. A partir dali, sua jornada como autor alcançou novos patamares, como a Bienal do Rio de Janeiro, em 2019. Apesar do sucesso, a escrita de seus livros não seguiu um rit-
A conversa de Pedro Branco na UniRitter foi mediada pela estudante de jornalismo Ana Júlia Araújo - Crédito: Jennifer Ferreira
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Dar sangue para ver sangue
CULTURA
Da marginalização à construção: os caminhos para a popularização das batalhas de rap em Porto Alegre e região metropolitana
Fundada em 2015, a Batalha da São Hell acontece no palquinho atrás da estação do Trensurb em São Leopoldo Crédito: Diego da Rosa / Arquivo Pessoal
PAULO COSTA
S
e você estiver nas proximidades do Mercado Público, no centro de Porto Alegre, no último sábado de cada mês e ouvir o grito "SANGUE!", não se assuste. Este brado chama a atenção em uma das áreas mais movimentadas da cidade, e ao mesmo tempo que pode gerar desespero, gera curiosidade. Também não se trata de uma emergência física, mas, de certa forma, o grito de "SANGUE!" é um apelo emocional. É importante reforçar que não se tratam de vidas em risco, pelo menos não fisicamente. Em 80 segundos, o confronto entre MC’s definirá quem “vai matar ou vai morrer” ou “quem vai morrer e vai matar”, mas o fato real, que de forma unânime a plateia quer ver “sangue”! Todo esse cenário não é fictício, e muito menos encenação, ele existe e é muito real. O grito estrondoso? Bem, ele é um elemento crucial da Batalha do Mercado, que acontece ao longo do Largo Glênio Péres há mais de uma década, e atualmente é conduzido por Yago Zandrio, apresentador,
organizador e MC de batalhas de rap. A palavra sangue serve para trazer o alarido do público, que também repete a palavra por mais três vezes, e tem como objetivo esquentar o clima antes do início de um round em que MC’S se enfrentam em um duelo que envolve criatividade, expressão e representatividade, de um movimento que resistiu - e segue resistindo - e vem se expandindo ao longo dos anos: o movimento das batalhas de rap.
CRESCE A CENA A expansão das batalhas de rap em Porto Alegre é impulsionada por uma nova geração de rimadores inspirados nas raízes do movimento, conforme destacado por Zandrio, organizador da Batalha do Mercado e MC. Já tendo representado o Rio Grande do Sul no Duelo Nacional de MC's – maior competição de duelo de rimas do Brasil -, ele enfatiza a evolução do cenário das batalhas na capital, realçando a importância de
referências das gerações anteriores para compreender e moldar o futuro das rodas de rima. “Sobre a evolução das batalhas, se eu olhar pro movimento desde o ano que eu comecei, em 2015, hoje vejo que a gurizada tá mais disposta, e isso tem a ver com as gerações que chegaram (e aqui se enquadra a minha) e estão chegando. Que aprenderam e se inspiram no pessoal das antigas: o pessoal que sustentou e fez com que o movimento acontecesse em um momento muito mais difícil”, diz Zandrio. O apresentador da Batalha do Mercado observa que a geração mais jovem demonstra maior versatilidade na construção de rimas e disposição em meio ao atual cenário das batalhas. Atualmente os MC’s se destacam na criação de rimas criativas e na exploração de diversas vertentes do rap, como Trap, Boombap, Trocadilho, Detroit, entre outras. Zandrio destaca ainda o papel essencial das redes sociais na evolução e popularização das batalhas de rima. Segun-
do ele, a cena atingiu seu auge em 2016, impulsionada pela disseminação de conteúdo online das batalhas de rap em todo o Brasil. “A gente tá vivendo aquele ‘boom’ da internet mais uma vez. A internet vem propondo isso pro cenário das batalhas, isso porque estamos aparecendo em diferentes redes sociais, no TikTok, no Instagram”, explica Zandrio sobre o momento das batalhas em 2023. O MC diz que esse resultado se deve à mobilização e profissionalização contínua que a cena exigiu e deve explorar, principalmente no que diz respeito ao aprimoramento na captação das batalhas e no pós-tratamento desse conteúdo que será compartilhado, bem como a evolução e o desenvolvimento artístico e criativo dos MC’s em suas rimas. Durante esse período, também houve uma diminuição na quantidade de edições de batalhas de rap em Porto Alegre, conta Zandrio. “Teve uma época que tinha batalha todo santo dia: tinha a Batalha da Escadaria toda quinta;
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CULTURA tinha a Batalha do Brooklin toda sexta; tinha a Batalha do Arco todo sábado”. O rapper também relata que surgiram novos eventos que ajudaram a fortalecer o movimento e voltar a preencher as lacunas no calendário como a Batalha da Bonja e a Batalha da Marginal. Para dar continuidade nesse processo de expansão e popularização das batalhas em Porto Alegre, Zandrio projeta um futuro em que crê que um dos pontos importantes nessa crescente do movimento está associado à realização de mais edições e eventos, de maneira que todos os dias da semana sejam preenchidos.
SUPERANDO OBSTÁCULOS
Entretanto, no meio desse cenário, as dificuldades persistem. O apresentador da Batalha do Mercado aponta uma carência de apoio financeiro e estrutural no movimento de rap em Porto Alegre. De acordo com Zandrio, os MCs frequentemente custeiam suas A 1° Marcha do Hip-Hop, realizada no final de outubro para homenagear os 50 anos do movimento, passou pelo Largo G próprias despesas, incluindo do Mercado, no centro de Porto Alegre - Crédito: Paulo Costa transporte e equipamentos, e nem sempre a organização pode recompensar os vence- gião metropolitana. Após de- gãos públicos municipais que dições para dar esses mate- desse apoio não apenas para dores de forma justa devido à sembarcamos do trem, são se mostram dispostos em aju- riais”, desabafa, relembrando as rodas de rima, mas tamfalta de apoio. necessários poucos passos dar o movimento, e os que as dificuldades em conseguir bém para combater o estigma para chegarmos até o palqui- não dão tanta atenção, e aca- apoio na organização da Due- histórico associado ao moviCLARO QUE A GEN- nho que abriga a Batalha da bam impondo alguns empe- lo de Gigantes, batalha que mento hip-hop. Ela menciona São Hell há quase nove anos, cilhos, que apesar de compre- acontece no município e no sua própria experiência de TE FAZ MUITO MAIS onde a reportagem entrevis- ensíveis, são inviáveis para está com suas ativi- enfrentar preconceitos deviPELO RAP, PELA CUL- tou a musicista, poetisa e or- um movimento que não visa momento do à sua ligação com o rap, dades suspensas ganizadora de batalhas Laura fins lucrativos. TURA, ‘PELO ESPORJá em São Leopoldo, destaca incluindo a necessidade de da Silva Fraga, conhecida na Para enfrentar esses desa- Laura, organizadora da Bata- sair da igreja que frequenTE’, MAS EU VEJO cena como Laurinha. fios, Laura destaca a busca lha da São Hell, a prefeitura tava. Apesar disso, observa QUE SE TRABALHAR No seu entendimento, as ba- contínua por colaboração jun- por meio da Secretaria Mu- uma crescente aceitação do talhas do Rio Grande do Sul to às autoridades municipais nicipal de Cultura (Secult) se movimento. BEM, EXISTE UM CAenfrentam muitos obstáculos, de São Leopoldo e Cachoei- mostrou aberta em receber “A gente já realizou várias MINHO MUITO ABER- principalmente no quesito rinha, outra cidade da região batalhas dentro de bairros que e apoiar a cultura hip-hop, TO PARA TORNAR O estrutura. A falta de equipa- metropolitana. Ela ressalta fornecendo os equipamentos são mais ‘família’ (tranquilos) mentos como caixas, mesa que lidar com a burocracia para que as batalhas aconte- e viu que o pessoal abraçou MOVIMENTO ALGO som e microfones ainda para obter equipamentos e çam. No entanto, ela mencio- bastante. Também já visitaPROFISSIONAL, QUE de exige uma atenção maior por permissões de uso de locais na um desafio atual: a falta de mos escolas onde realizamos SE CONSIGA GANHAR parte das organizações, que públicos nesses casos requer tomadas na área do palqui- oficinas falando sobre a hisDINHEIRO POR MEIO buscam o apoio de agentes dedicação, paciência e tempo. nho, na estação do Trensurb, tória do hip-hop e a história públicos na busca de cedên- Tendo em vista que os órgãos onde as batalhas acontecem. das batalhas de rima, onde os DAS BATALHAS cia dessa aparelhagem que é públicos peçam exigências “Ou a gente usava a tomada alunos e professores também LÁ ATRÁS QUANcrucial para a realização das específicas e garantias para li- do Museu do Trem, ou a gen- nos abraçaram muito bem”. batalhas. beração de local e cedência de te saia pedindo para algum Laura enfatiza ainda que tais DO EU COMECEI, SE “As duas batalhas que aju- equipamentos, e compara a vizinho da estação, e nesses ações de reconhecimento são OLHASSE PARA 2023, do a organizar são focadas na diferença entre as prefeituras tínhamos que ter aque- essenciais para mudar a perEU JÁ PENSAVA QUE performance. E um dos objeti- dos dois municípios no apoio casos las extensões gigantes, que cepção da sociedade com revos delas é preparar os MC’s às batalhas. ISSO JÁ SERIA UMA passavam pelo meio da rua lação ao movimento hip-hop, para shows grandes, ou pelo Em Cachoeirinha, informa mesmo. Então para a coisa que se trata de um movimenREALIDADE PARA NÓS menos trazer essa sensação. Laura, a prefeitura solicitou ainda é tudo muito to de expressão artística e culSABE?”conta Zandrio, que Então é importante a gente garantias financeiras, que são funcionar, cheio de gambiarra”, conta. tural que relata a vida de forse mostra otimista sobre os utilizar equipamentos como difíceis de serem cumpridas A organização, ressalta Lau- ma genuína. desafios que envolvem as microfone, caixas e mesa de por um movimento que não ra, vem buscando soluções, e Quanto ao preconceito, batalhas. som. Mas sempre foi muito visa o lucro e é composto por já realizou algumas reuniões Wesley “Homer” da Costa, Esses obstáculos são unani- difícil conseguir esses equi- pessoas de baixa renda. “Uma com a Trensurb. A empresa organizador da Batalha da midade nas batalhas de rap, pamentos. Além disso, con- das garantias impostas pela se mostrou aberta ao diálogo, Fé, em Viamão, cidade da ree para mostrar que não há di- seguir energia em lugares pú- prefeitura de Cachoeirinha mas ainda não respondeu à gião metropolitana colada em ferença, basta atravessarmos blicos é difícil!”, relata Laura. envolvia a compra de produ- solicitação. Porto Alegre, diz que existem pelo subterrâneo da moviA fundadora e também or- tos de limpeza para limpar os pessoas que não gostam do mentada Avenida Mauá e em- ganizadora do Duelo de Gi- banheiros da praça. Parecem gênero, porém respeitam, enbarcarmos no Trensurb com gantes, batalha que acontece esquecer que o movimento ESTIGMA E PRECONCEITO- quanto outros mantêm uma destino a São Leopoldo, uma em Cachoeirinha, faz ainda é formado por pessoas que Laura enfatiza a importância visão preconceituosa que das principais cidades da re- uma comparação com os ór- muitas vezes não tem conmarginaliza o movimento.
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UNIPAUTAS /// DEZEMBRO 2023/// 31
CULTURA jovens a rimar e compreender o movimento.
PAPEL DOS MC'S
Glênio Peres, palco da Batalha
“O PROBLEMA SÃO
“Das batalhas da região metropolitana e de Porto Alegre que eu conheço, a maioria dos MC’s, apresentadores e organizadores está envolvida nesses tipos de projetos. Que acaba sendo importante para o movimento como um todo”, explica. Além disso, Homer destaca que as redes são uma espécie de cartão de visita, pois acabam despertando o interesse das pessoas para que compareçam nas batalhas de forma presencial, contribuindo na criação da atmosfera. O organizador da Batalha da Fé ressalta a importância do papel dos MC’s na atração do público. “As coisas acontecem muito por causa deles. São pessoas que abdicam do seu tempo para participar das batalhas, que passam a semana inteira treinando, lendo, buscando informações justamente para que na hora da batalha consigam mandar uma rima boa. Isso faz com que as pessoas que assistem vídeos na internet, se interessem pelo movimento”, explica Wesley “Homer” da Costa, que reforça que as batalhas são lugares que vão além do entretenimento, que se tratam de locais em que a expressão e o conhecimento são compartilhados.
AQUELAS PESSOAS QUE NÃO CONHECEM E NÃO BUSCAM TER CONHECIMENTO. ELAS TÊM UMA VISÃO TOTALMENTE PRECONCEITUOSA E POR ESPAÇOS DE INCLUSÃO ISSO O MOVIMENTO Homer vê as batalhas como SOFREU POR MUITO espaços de inclusão para toTEMPO, E AINDA SO- das as pessoas, mas especialmente para as minorias e as FRE. O MOVIMENTO das periferias. SegunHIP-HOP SE TRATA DE pessoas do o apresentador da Batalha UMA CULTURA QUE JÁ da Fé, elas também podem funcionar como ferramentas NASCE MARGINALIresgate, em que rimas reZADA, POR FALTA DE de presentam vivências e acaINFORMAÇÃO E PELO bam estimulando a reflexão e o conhecimento. RACISMO”, RELATA. Para Homer, a internet foi fundamental na quebra de paradigmas. Segundo ele, o movimento hip-hop está em um momento que desfruta do reconhecimento. “É só ver onde os artistas do rap estão. Inclusive, alguns são cria de diversas batalhas do Brasil”. Além disso, essa ascensão nas redes é um dos principais fatores para o amplo alcance social e o uso educacional. O organizador da Batalha da Fé destaca ainda como isso levou a cultura hip-hop às escolas, com oficinas ensinando
Para Wesley “Homer”, as batalhas com o tempo se tornaram uma importante ferramenta na conscientização e na educação, justamente por conta dessa disseminação de conhecimento promovida por MC’s, que com ritmo e poesia, contam suas histórias, vivências e percepções de forma criativa. Por mais que se tenham dificuldades no caminho, é importante resistir para que esse canal que ouve e reflete vivências e conhecimento siga aberto, reforçando que para ver sangue, é necessário dar o sangue.
Uma batalha delas As batalhas receberam um destaque notável em todo Brasil por serem espaços para que MC’s por meio da rima levantem diversas bandeiras. Desta forma, as rodas de rima se tornaram lugares para a luta de diversas causas. Em meio a esse contexto, a organizadora da Batalha da São Hell, Laura da Silva Fraga, conhecida na cena como Laurinha, também falou à reportagem sobre a importância da representação feminina. Laura começa relembrando o seu início na função de organizadora de batalhas, e o classifica como “desafiador”, pois era uma mulher em meio a um cenário predominantemente frequentado por homens, fator que muitas vezes trazia limitações expressivas que acabavam afetando a condução do evento. “Quando iniciei nas batalhas, eu quase nunca via mulheres rimando. Já na parte de organização tinham algumas: como a Nega Mari e a Areta, que é a fundadora da Batalha do Mercado, mas já não estava mais à frente da batalha. Isso era muito pouco, muito pouco mesmo. Eu notava que talvez a falta de representatividade de mulheres nesses ambientes pudesse gerar insegurança para outras mulheres que curtiam e queriam se aproximar do movimento”, recorda. Segundo a organizadora da Batalha da São Hell, uma das justificativas sobre a escassez da participação feminina em batalhas de rap é a reação do público, que muitas vezes subestima e desvaloriza as rimas das MC’s, e até questionavam a condução das batalhas feita pela apresentadora. “Quando eu resolvi ser organizadora de batalha as pessoas achavam surpreendente uma mulher estar à frente daquilo e eu me perguntava ‘porque isso é tão surpreendente?’. Vale ressaltar que não é porque estão nos impedindo. Mas é porque se trata de um lugar onde a maioria são homens, e isso é subjetivo para as mulheres e traz alguns desconfortos que vamos desconstruindo”. Fazendo uma comparação com o passar do tempo, Laura diz que essa situação vem mudando de forma gradual, e cita que o respeito por parte das mulheres tem que ser conquistado, quando se trata de algo que deve prevalecer sempre, e exemplifica na prática da função de apresentadora de organizadora de batalha. “Eu dizia para os MC’s parar (de rimar), pois havia acabado o tempo do round, e eles não paravam. Mas quando um organizador homem dizia para parar, eles paravam. Ou seja, eles não respeitavam as minhas ordens, subestimando o que eu estava pedindo. Eles questionavam e ignoravam a minha autoridade e a minha fala o tempo todo. Para mim no início foi complicado, mas depois que eles começaram a me conhecer, passei a ser respeitada”. Atualmente, Laura não tem se preocupado em ser rotulada em meio às adversidades que podem ocorrer em meio às rodas de rima, como um erro na contagem de versos, por exemplo. “Eu não dou mais bola. Se falarem algo, eu só mando tomar no cu. No início eu me incomodava, agora já não mais, até porque se alguém for me desvalidar, essa pessoa vai passar vergonha na frente da plateia toda. E as meninas em geral estão tendo essa atitude também”, relata. Laura também reforçou a importância de iniciativas feitas pelas organizações de batalhas que visam atrair mais mulheres para junto do movimento. E cita a organização de uma batalha exclusiva para mulheres e pessoas da sigla LGBTQIA+, proposta por ela. “Para participar do evento era necessário contribuir com um pacote de absorvente e no final das contas conseguimos arrecadar cerca de 500 pacotes. Eu convidei um monte de MC’s homens, e só apareceram quatro para assistir a nossa batalha. Mas isso não diminuiu o evento que foi gigantesco, o público compareceu, inclusive muitos homens que não rimam, mas acompanham a cena”, cita a organizadora da Batalha da São Hell e Duelo de Gigantes. Para Laura, ações como essa tem como objetivo proporcionar um ambiente mais acolhedor e representativo para as mulheres, além da solidariedade.
Para conferir de perto as batalhas de rap
*As datas que ocorrem os eventos podem sofrer alterações
32 /// UNIPAUTAS /// DEZEMBRO 2023
BATALHAS DE RAP EM MARCHA
Paulo Costa
A 1° Marcha do Hip-Hop, realizada no final de outubro de 2023 para homenagear os 50 anos do movimento, passou pelo Largo Glênio Peres, no centro de Porto Alegre, palco da Batalha do Mercado. Artistas entrevistados pela reportagem relatam os caminhos e descaminhos para a popularização das batalhas de rap em Porto Alegre e região metropolitana.
PROFESSOR PEDRO BRANCO LANÇA O TOCADOR DE TROVÃO
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PESCA PROFISSIONAL RESISTE EM PORTO ALEGRE E VIAMÃO
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Jennifer Ferreira
Guilherme Valentini
Em seu novo livro, O Tocador de Trovão, Pedro Branco leva o leitor ao universo de Apoema, um menino preto que acaba de perder a mãe. Mistério, aventura e ficção espírita fazem parte da obra.
A pesca comercial em Porto Alegre e em Viamão enfrenta um duplo desafio ambiental: a invasão das palometas, uma espécie de piranha, e os efeitos dos ciclones extratropicais cada vez mais frequentes e intensos.