Revista de psicologia 2

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Revista de

Psicologia “De um curso a Um Discurso” VOLUME 2 - NÚMERO 2 - 2010


Copyright©2010 by Núcleo de Publicações Acadêmicas do Centro Universitário Newton Paiva Volume 2 - Número 2 2010

Centro Universitário Newton Paiva Campus Silva Lobo Belo Horizonte – Minas Gerais


editORiAL Apresentamos a Revista do curso de psicologia, que contempla os artigos elaborados pelos alunos perante as práticas de estágios desenvolvidas em 2009 e 2010. estes trabalhos serão expostos na Jornada de psicologia, um espaço para a transmissão e discussão do saber produzido a partir da prática de estágios. portanto, nesta edição da revista, evidencia-se novamente o traço da escrita que inscreve as trajetórias da formação do aluno e o percurso que este faz, do ensino da psicologia à travessia que se dá no e para o trabalho, passando pela escuta daqueles que constituem a sociedade contemporânea. Refletimos aqui, neste editorial, sobre o trabalho e o seu sentido individual e social, como um meio de produção da vida de cada sujeito, pois cria sentidos existenciais e contribui na estruturação da identidade e da subjetividade. Assim, o trabalho, na forma do atendimento oferecido nesses estágios, em instituições diversas e na Clínica de psicologia, abre as mais amplas possibilidades para a formação do psicólogo, ao mesmo tempo em que possibilita, por meio dos núcleos psicoterapêutico, de políticas de Saúde e de Gestão, a ampliação do nosso compromisso diário: a prestação de serviços à comunidade. Comissão editorial


expediente pROFeSSOReS SUpeRViSOReS Antônio eustáquio Furiati Catarina Angélica Silva Santos Claudia Santos neto Machado pinto denise Leitoguinho Rossi Fabricio Ribeiro Fernando dório Genilce Cunha Geraldo Majela Martins Ghoeber Morales Gustavo teixeira Juliana Mendanha Karlysson teixeira Luiza Angélica Caldeira Maxleila Reis nádia Laguárdia Lima Raquel neto Alves

COMiSSÃO editORiAL délcio Fernando Guimarães denise Leitoguinho Rossi Fabricio Ribeiro Fernando dório Junia Lara Geraldo Majela Martins Marluce Godoy Maxleila Reis Merie Bitar

edição núcleo de publicações Acadêmicas do Centro Universitário newton paiva Cinthia Mara da Fonseca pacheco emerson Luiz de Castro eustáquio trindade netto Juniele Rabêlo de Almeida Marialice nogueira emboava editora de Arte e projeto Gráfico Helô Costa - 127/MG diagramação: Fillipe Gibram Geisiane de Oliveira (estagiários da Central de produção Jornalística da newton paiva - CpJ)

Revisão técnica de Linguagem Mariza Mônica Santos Moura núcleo de publicações acadêmicas CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA


expediente Presidente do Grupo Splice Antônio Roberto Beldi Reitor Luis Carlos Souza Vieira

Pró-Reitor Acadêmico Sudário Papa Filho

Pró-Reitor de Planejamento e Gestão Arnaldo Antônio Cersóssimo Filho

Secretário Geral Carlos Wolney Mota dos Santos

Coordenadora do Curso de Psicologia Júnia Maria Campos Lara

Coordenadora da Clínica de Psicologia Merie Bitar Moukachar

Coordenação do Centro de Excelência para o Ensino Fernanda Amaral Ferreira


SUMÁRiO


Núcleo Psicoterapêutico

Família: herança e construção. Autores: Alessandra Cristina Alvim, Gisele Cristina de Oliveira, Genilce Cunha.......................................................................................13

Segredo familiar: adoção.

Autores: Ana Carolina Silva Saldanha Bottino, Cláudia Neto................................................................................................................15

A metodologia dos grupos multifamílias e o serviço público: ampliando Redes Sociais. Autores: Felipe Arthur Martins, Flaviane da Costa Oliveira, Genilce Cunha...........................................................................................17

O sintoma da criança hospitalizada: uma questão familiar. Autores: Bruna Luciana Domingues Brandão, Luiza Angélica Fonseca..................................................................................................20

Sombra e Luz – Tempo e Angústia. Autores: Bruno Batista Lourenço, Raquel Neto...................................................................................................................................22

Os efeitos da punição sobre o comportamento de crianças e adolescentes. Autores: André Carla Mares Guimarães Souza, Maxleila Reis..............................................................................................................24

Identificação. Autores: Cristiane Dias Figueiredo, Geraldo Martins............................................................................................................................27

Violência doméstica: um fenômeno gerador de rupturas e desequilíbrio emocional do sistema familiar. Autores: Elenice Geralda Ferreira, Izabel Cristina de Amorim Fonseca, Genilce Cunha.........................................................................29

Liberdade ou abandono? Autores: Daniel Sampaio Carneiro, Raquel Neto.................................................................................................................................31

A Importância da Psicanálise na Dinâmica Social do Indivíduo. Autores: Déa Maria Moreira de Oliveira, Geraldo Martins...................................................................................................................34

Ser-em-relação: a comunicação entre terapeuta e cliente. Autores: Débora Patrícia Oliveira Pereira, Juliana Brandão....................................................................................................................37

A disfunção do desejo sexual feminino e a terapia comportamental. Autores: Denise Viana de Mello Dutra, Maxleila Reis...........................................................................................................................39

A Clínica Fenomenológica-Existencial Autores: Elce Queiroz Almeida, Raquel Neto......................................................................................................................................41

O transtorno de pânico além das técnicas: Um estudo sobre o Transtorno de Pânico com foco na Análise do Comportamento Autores: Elisângela Silva Nogueira, Maxleila Reis.................................................................................................................................43

A angústia e a culpa na relação familiar. Autores: Fabio Fernandes Teixeira, Raquel Neto.................................................................................................................................47


A Questão da inclusão de pessoas portadoras de deficiência dentro das organizações. Autores: Fani Cristina Ferreira, Antônio Furiati....................................................................................................................................49

LIBERDADE: A coragem de ser e não-ser. Autores: Fernando José Ferreira da Silva, Fernando Dório.....................................................................................................................52

A angústia do ser humano de existir para a morte Autores: Frankilene Soares de Matos, Raquel Neto.............................................................................................................................55

Agressividade Infantil: fragmentos de um atendimento clinico Autores: Frederico Braga Dantas Gomes, Gustavo Teixeira..................................................................................................................58

Eu, prisioneiro de mim... Autores: Caroline Turatti Cardoso, Margaret Pires do Couto.................................................................................................................60

A importância da comunicação entre o par-conjugal. Autores: Glaucilene Ramalho, Claudia Neto.......................................................................................................................................63

Sobre o narcisismo: o caso Joana. Autores: Graciane de Carvalho Fonseca, Catarina Angélica Santos.......................................................................................................65

Fragmento de um caso clínico. Autores: Halsey Douglas Ribeiro Silva, Catarina Angélica Santos...........................................................................................................67

A angústia do ser faltoso. Autores: Inara de Souza Moreira, Raquel Neto...................................................................................................................................69

O adoecimento da família. Autores: Ingryde Guedes, Shirley de Oliveira Martins, Cláudia Neto......................................................................................................71

O Processo Terapeutico na Clínica de Terapia Familiar Sistêmica. Autores: Isabela Leroy de Oliveira, Lôla Rodrigues Flôres, Genilce Cunha...............................................................................................73

Obesidade: um expressar silencioso na clínica psicanalítica Autores: Itavahn de Freitas Alves, Nádia Laguardia.............................................................................................................................75

O transtorno obsessivo-compulsivo e as vantagens da inserção do acompanhante terapêutico na terapia. Autores: Jane Karenina Rodrigues, Maxleila Reis.................................................................................................................................79

O Supereu e a Culpa. Autores: Julia Caldas Niquini, Catarina Angélica Santos.............................................................................................................................81

O REVELAR DO SER: contribuições de uma psicoterapeuta iniciante. Autores: Leila Ferreira de Sousa, Fernando Dório................................................................................................................................83


Angústia e Desejo. Autores: Leonardo Vieira Medeiros, Geraldo Martins.............................................................................................................................87

Bem comigo – Bem contigo. Autores: Lorena Maria Marinho Ribeiro, Juliana Brandão......................................................................................................................90

Reflexos dos estilhaços de uma existência. Autores: Luís Gustavo dos Santos, Fernando Dório................................................................................................................................92

Desenvolvendo as habilidades sociais de pré-adolescentes. Autores: Luiz Felipe Silva Melo, Gustavo Teixeira.................................................................................................................................96

A criança hospitalizada e sua família Autores: Margareth Felippe Trindade, Claudia Neto............................................................................................................................99

De que se Trata Isso que me Faz Sofrer? Autores: Maria Cristina Guimarães Gomes, Geraldo Martins..............................................................................................................101

A Histérica e a dificuldade de perder o que não tem. Autores: Maria das Graças Ferreira Braga Ribeiro, Nádia Laguárdia...................................................................................................104

Que tem no corpo essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida: resiliência como propulsora para a superação de adversidades. Autores: Maria Teresinha de Oliveira Cardoso, Cláudia Neto.............................................................................................................106

O corpo que se vê e o corpo que se sente Autores: Marlene da Conceição Cunha Carvalho, Raquel Neto...........................................................................................................108

A histeria através dos tempos Autores: Mayra Assunção, Geraldo Martins.......................................................................................................................................111

Silêncio também é fala. Autores: Mônica Claudinéa da Silva. Raquel Neto.............................................................................................................................114

Autoimagem e o questionamento do eu Autores: Paula Regina Rangel Abranches, Raquel Neto......................................................................................................................116

A arte do encontro Autores: Poliana Mayra Teixeira Lopes, Juliana Brandão......................................................................................................................118

O ciúme patológico e os crimes passionais Autores: Raquel Rocha Marçal de Figueiredo, Cláudia Neto. .............................................................................................................120

A fantasia e suas funções na psicoterapia infantil. Autores: Renata Berenice Gonçalves Nunes, Maxleila Reis.................................................................................................................123


Vínculo terapêutico no plantão psicológico: uma discussão sob a perspectiva da análise do comportamento. Autores: Renata Cristina Rodrigues Alves. Ghoeber Morales.................................................................................................................125

Da psicanálise ao amor transferencial. Autores: Renata Satller do Amaral, Geraldo Majela Martins..............................................................................................................128

Ser Mais além do Olhar. Autores: Rúbia Estefanie Soares de Macedo, Catarina Angélica Santos...............................................................................................131

A importância da escuta psicanalítica Autores: Sabrynny Neves Esteves, Nádia Laguárdia...........................................................................................................................133

Dragon Ball Z. Autores: Sanderson Nascimento Soares, Geraldo Martins...................................................................................................................135

Neurose obsessiva: a dúvida enquanto estratégia. Autores: Thâmara Kalil de Campos Alves, Catarina Angélica Santos...................................................................................................138

Mais Moins Mães. Autores: Thiago Edmundo dos Santos, Catarina Angélica Santos..........................................................................................................141

Manifestações psíquicas no adoecimento: a experiência de desamparo Autores: Vanessa Cristina Soares Machado, Luiza Angélica Fonseca...................................................................................................143

O amor e o feminino na histeria feminina: Leitura no discurso psicanalítico Autores: Vurima Priscila Lima Rodrigues, Geraldo Majela Martins.......................................................................................................146

Caso Pedro: Contribuições da Daseinsanalyse. Autores: Welber de Barros Pinheiro, Fernando Dório.........................................................................................................................149

Núcleo de Gestão A Questão da inclusão de pessoas portadoras de deficiência dentro das organizações. Autores: Fani Cristina Ferreira, Antônio Furiati...................................................................................................................................152

Inclusão dos Portadores de Necessidades Especiais no Trabalho: uma análise da Psicologia Autores: Fernanda Rodrigues de Figueiredo Galhano, Antônio Furiati..................................................................................................155

Preparação para a aposentadoria e o papel do psicólogo nas organizações Autores: Pollyanna Magalhães Nobi, Antônio Furiati.........................................................................................................................158

Treinamento Organizacional: Um instrumento gerador de qualidade de vida para o colaborador e de desenvolvimento para a empresa. Autores: Aline J. R. Machado, Denise Rossi........................................................................................................................................161

Qual é o papel do líder no ambiente organizacional? Autores: Alisson Freitas Costa, Denise Rossi......................................................................................................................................164


Os reflexos da cultura organizacional nos estilos de liderança. Autores: Bruna Luciana Domingues Brandão, Denise Rossi................................................................................................................168

Fatores Organizacionais que Interferem no Trabalho em Equipe. Autores: Caroline Naiara Vieira Chaves Pinto, Denise Rossi................................................................................................................171

A motivação como estratégia para diminuir o índice de absenteísmo Autores: Débora Rossi de Almeida Pires, Denise Rossi........................................................................................................................174

A mudança organizacional: como um diagnóstico contribui para um processo de resistência a mudança? Autores: Fabielle Lopes do Couto, Denise Rossi.................................................................................................................................178

A motivação e suas potencialidades. Autores: Gabriela Tavares Liduário, Denise Rossi...............................................................................................................................181

A pesquisa de clima como ferramenta de diagnóstico. Autores: Gilmara de Carvalho Gonçalves, Denise Rossi.......................................................................................................................185

Motivação: causas e benefícios no trabalho. Autores: Girlaine Maria da Cunha, Denise Rossi................................................................................................................................188

A comunicação nas organizações. Autores: Karla Luciana Costa, Karlysson de Castro.............................................................................................................................192

Pesquisa de clima organizacional: academia forma e equilíbrio. Autores: Ketty Kelly dos Santos, Karlysson de Castro.............................................................................................................................194

Treinamento e desenvolvimento de pessoas: agregando valores. Autores: Liliane Heleno Marques Dias, Karlysson de Castro...................................................................................................................196

Uma abordagem acerca do psicólogo organizacional. Autores: Luciana de Oliveira Amaro, Karlysson de Castro.....................................................................................................................198

Organização: sob a intervenção do psicólogo. Autores: Márcia Helena Barroso Simões, Karlysson de Castro..............................................................................................................200

Treinamento e desenvolvimento: dois processos valiosos para a organização Autores: Marcus Vinicius Marinho Gil Júnior, Karlysson de Castro.........................................................................................................202

O papel do líder na motivação da equipe. Autores: Rejane de Melo Moreira, Denise Rossi.................................................................................................................................204

Rotatividade: uma questão de comunicação. Autores: Tatiane de Oliveira, Denise Rossi........................................................................................................................................208


Núcleo de Políticas de Saúde Das errâncias do sujeito ao direito as errâncias: implicações da inimputabilidade na clínica dos loucos infratores. Autores: Alice Aparecida da Silva Ribeiro, Fabrício Ribeiro...................................................................................................................211

Doente por amor: o manejo da transferência e a erotomania na clínica da psicose. Autores: Bárbara Coelho Ferreira, Fabrício Ribeiro............................................................................................................................215

Reforma Psiquiátrica: contextualização e reflexos sobre o cuidado com o doente mental. Autores: Heloisa Cristina Vieira de Andrade, Fabrício Ribeiro.................................................................................................................218

Acompanhamento psicológico de adolescentes em conflito com a lei: o adolescente e sua medida. Autores: Leziane Parré, Fabrício Ribeiro...........................................................................................................................................220


Família: herança e construção Alessandra Cristina Alvim1 Gisele Cristina de Oliveirai Genilce Cunha2 RESUMO: O presente artigo tem como objetivo apresentar algumas contribuições da abordagem sistêmica na compreensão da dinâmica familiar, fazendo uma análise de temas como: relacionamentos, escolha do parceiro e suas interações, demonstrando que construímos relações de acordo com nossas heranças culturais familiares, tanto em sentido de reafirmá-las quanto negá-las, e que os padrões de interações podem influenciar na construção de famílias disfuncionais. Palavras–chave: Teoria sistêmica. Família. Escolha do parceiro. Interações.

Este texto faz uma breve apresentação de temas relacionados à família, discutindo os relacionamentos e suas interações, a dinâmica familiar e a escolha do parceiro através da teoria sistêmica. A concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e de integração, considerando a complexidade, a instabilidade e a intersubjetividade de determinado indivíduo a ser estudado, cujo seu funcionamento será entendido como um sistema. Partimos do princípio que sistemas são totalidades interligadas, cujas propriedades não podem ser reproduzidas a unidades menores e que a natureza do sistema é intrinsecamente dinâmica. Temos, portanto, sistemas demarcados por estruturas que não rígidas, e sim manifestações flexíveis, apesar de se apresentarem estáveis. Minuchin (1982) afirma que a família tem funções de proteção psíquica de seus membros. A socialização e transmissão da cultura da qual fazem parte é que irá variar de geração para geração. Ou seja, a família está sujeita a mudanças relacionadas ao contexto histórico-social de cada um de seus membros, apresentando vínculos emocionais e uma história compartilhada sob a forma de valores e de funções transmitidas pelo mito. As famílias transmitem modelos, mesmo aquelas que cuidam para não acontecer. O sistema familiar é definido por Cerveny (1994) como o contexto no qual ocorre a transmissão dos padrões interacionais que, às vezes, pode não passar de uma geração à subsequente, mas até pular gerações. Cerveny (1994) acrescenta ainda que Toda família repete e há repetições que mantêm a família como um sistema, podendo, inclusive, prover esse sistema uma identidade especificada que o diferencia dos outros. A repetição dos padrões interacionais multigeracionalmente toma outra dimensão quando impede o sistema familiar

de mudar e crescer ou quando mantém uma família num nível tão disfuncional que a interação terapêutica se faz necessária (CerveNy,1994, pag 41) Sarti (2003) considera que cada família, e muitas vezes cada membro, terá uma versão de sua história sobre si mesmo. Cada família organiza sua história numa narrativa oficial, construindo os significados para a experiência vivida dentro dos limites de seu mundo e de sua cultura; e demarcando interações circulares dinâmicas que se modificam conforme as mudanças ocorridas no contexto e na forma de comunicação de cada sistema. Segundo Austin (1990) a linguagem e a fala são importantes como figuras de fundo, tanto para dar sentido à existência como para construir as relações. As relações são construídas pelas regras comunicacionais e permitem-nos inferir a qualidade relacional ao nível das escolhas do parceiro. A escolha do parceiro conforme Andolfi (1995) expressa um jogo extremamente sutil e sofisticado. Quando as relações são construídas baseadas na igualdade e minimização das diferenças, o que a teoria sistêmica denomina de interação simétrica, os elementos de uma comunicação colocam-se ao mesmo nível, refletindo assim os comportamentos uns dos outros, minimizando as suas diferenças e amplificando as semelhanças comunicacionais. Ou seja, um parceiro não exige submissão do outro. Já a interação complementar diz de interações que reforçam as diferenças comunicacionais, no sentido em que um elemento complementa a comunicação do outro. O extremo desta dependência conduz a uma complementaridade rígida. Assim, no que se refere à tomada de decisões, os elementos ocupam uma posição definida na relação, onde alguém decide e alguém obeRevista de Psicologia l

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dece. Muitas vezes até utilizam discursos não-verbais. onde cada um comunica ao outro o modo como espera que ele se comporte e aquele, por sua vez, pressupõe o que é esperado dele na relação e as respectivas definições de relação encaixam-se. De acordo com Andolfi (1995), a escolha do parceiro se dá por meio de uma “atenção seletiva” ou “desatenção seletiva” a eventos importantes da vida, baseando-se então num jogo de “vazios” e “cheios” que permitem, por meio da interpretação dinâmica, que o relacionamento prossiga ou evolua, ou que seja interrompido. Nesse sentido, É de acordo como vivemos nosso emocionar, em particular nossos desejos, e não de acordo com o nosso raciocinar, que viverão nossos filhos e o mundo que geraremos, eles e nós ao transformarmo-nos construindo a história de nosso viver. (MARTURANA, VERDEN-ZOLLEN, 1997, pag. 13) Assim sendo, as histórias são produzidas no mundo da vida, envolvendo sempre uma medida social pela participação de outras pessoas na sua construção. Deste modo, mesmo que se trate de uma história pessoal, o seu contexto de produção compreende não só uma dimensão individual, uma vez que as vozes das famílias e o contexto no qual a pessoa vive e desenvolve suas relações, regulam-se como “outros” internalizados sendo, portanto, co-autores de nossas narrativas. REFERENCIAS ANDOLFI, Maurizio. O casal em crise. Mauricio Andolf, Cláudio Ângelo, Carminie, Saccu; (Tradução Silvanma Finzi Foa), São Paulo: Sumus, 1995 AUSTIN, J.L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. CERVENY, C.M.O. Familia e Narrativas, Gênero, Parentalidade, Irmãos, Filho nos divórcios, Genealogia, História, Estrutura, Violência, Intervenção sistêmica, Rede Social. A família como modelo-desconstruido a patologia. Ed Psy II, 1994. MINUCHIN, Salvador (1982). Famílias: funcionamento e Tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas. MINUCHIN, S.; FISHMAN, H. Charles. Técnicas de terapia familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. NICHOLS, Michael P.; SCHWARTZ. Terapia familiar: conceitos e métodos. (tradução Maria Adriana Verissimo Veronese) 7ª Ed. P9orto alegre, 2007.

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Revista de Psicologia

Richard C. Terapia familiar: conceitos e métodos. Ed. Artmed. Porto Alegre, 1998. SARTI, C.A. A família como espelho. 2 ed. São Paulo : Cortez. 2003

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva


Segredo familiar: adoção Ana Carolina Silva Saldanha Bottino1 Claudia Neto2 RESUMO: O presente artigo tem como tema principal o segredo da adoção no contexto familiar. Palavras-chave: Família. Segredo. Adoção. Teoria Sistêmica.

Quando o assunto é adoção, muitos pais ficam com dúvidas de como conversar com os seus filhos: se realmente deve-se contar que a criança foi adotada ou se seria melhor guardar como segredo. Muitos desses pais temem falar sobre a adoção com a criança, gerando um segredo familiar. Segundo Schettini3 (1998, apud Rocha, Teixeira e Ataíde), vários são os fatores que podem levar à adoção. A possibilidade de um dos membros ser estéril, idade avançada, impossibilidade de passar por uma gravidez, são apenas alguns desses fatores. O caso é que a adoção passa pelo processo do poder ou não ter um filho: o poder dos pais adotantes de criar, mas não gerar; e dos pais doadores que podem gerar, mas não criar. É nessa situação que o filho adotivo se estabelece e constrói sua história de vida. De acordo com Kaplan (2003)4, “a adoção é definida como um processo no qual uma criança é levada para dentro de uma família por um ou mais adultos que não são seus pais biológicos, mas são reconhecidos pela lei como seus pais”. Segundo Wagner e Falcke (2005), frente a uma atitude não aprovada pela cultura familiar, os segredos surgem como forma de esconder alguns fatos que não correspondem às exigências estabelecidas pelos padrões da família. Em uma entrevista para Associação Gaúcha de Terapia Família, a psicóloga Iara Camaratta (2007)5 afirma que: Atrás dos segredos familiares escondem-se muitos sentimentos e fantasias perturbadores e, por vezes, contraditórios, tais como orgulho, vaidade e vergonha; piedades e impiedades; jogos de poder e de submissão; crenças e valores desencontrados; discursos amorosos em favor de anseios egoístas; medo de causar um enorme sofrimento ao filho, de ser acusado por suas próprias impaciências ao serem reconhecidos como pais adotivos, de sofrer abandono, etc. (CAMARATTA, 2007). Wagner e Falcke (2005) citam que quando os relaciona-

mentos familiares encontram-se marcados pelo segredo, toda a forma de comunicação da família pode ficar alterada com a sustentação do sigilo. Tanto como a mentira quanto as informações escondidas podem alterar a confiança interpessoal na relação. O ato de manter o segredo gera ansiedade nos membros da família envolvidos, embora o evento seja escondido, a intensidade dos sentimentos em relação a ele dificilmente pode ser disfarçada. O maior segredo imposto pela família é a existência da família biológica. Segundo Hartman (1994), esta conexão com a família doadora deve ser firmemente rompida. De acordo com a autora: A negação das realidades da adoça e o manto de segredo eram reforçados por outras atitudes sociais e pessoais. A maioria das crianças adotadas nascera de pais solteiros, e portanto, o esforço visava proteger a criança de fatos “vergonhosos” dês seu nascimento. Frequentemente, explicações falsas e mais aceitáveis socialmente eram oferecidas, e os membros dos grupos de adotados, compartilham, com um humor consideravelmente irônico, histórias sobre um grande número de casais que parece ter morrido em acidentes automobilísticos sem deixar parentes. (HARTMAN, 1994, p. 94) A ligação estabelecida entre os segredos e o estigma é aprendida pelo adotado. Hartman (1994) defende que uma pessoa estigmatizada fica defendida pelo segredo, mas esse mesmo segredo promove no ser uma estigmatização. A mãe biológica estaria protegida pela negação e segredo, essa passa a ser um segredo para o filho gerado. Os pais adotivos também são estigmatizados pelo fato de não poder gerar um filho. A mesma autora (1994) justifica que na terapia, uma vez que a história da adoção tenha surgido como parte da avaliação, o tratamento, mesmo que seja lento e com obstáculos, não é complicado. Cabe ao terapeuta tanto “desconstruir” como construir a história da adoção. Este trabalho pode ser realizado Revista de Psicologia l

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através da coleta de dados sobre o cliente, ou por meio de uma busca e do estabelecimento de algum contato pessoal entre o filho adotivo e os seus pais biológicos. A decisão de procurar ou não os pais biológicos cabe somente ao adotado. Bertocci e Schechter (1994, apud, Hartman, 1994) descobriram a acessão de que na busca pelos seus pais biológicos é percebida, pela maioria deles, como benéfica e como algo que enriquece os seus relacionamentos com suas famílias adotivas. Entretanto, mesmo que a investigação pela família de origem não obtenha o resultado esperado pelo adotado, a maioria sente-se realizado pelo evento de fazer esta busca. Em suma, pode-se dizer que: Para todos a busca é uma jornada pessoal de validade e capacitação. É um ato imensamente político, que insulta a passividade. É a recusa em aceitar o silêncio. Requer um compromisso direto com a verdade. É simplesmente uma jornada extra que o adotado assume para responder a questão: ‘Quem sou eu? (Partrige & Heller, 1988, apud Hartman, 1994). Quando acontece o segredo, a estigmatização está presente nos adotados, nos pais biológicos e nos pais adotivos. Os pais que favorecem a privação dos filhos adotados do direito de conhecer a verdade sobre si mesmo devem buscar como princípio orientador o melhor em benefício da criança. Para a Teoria Familiar Sistêmica, o segredo na família apresenta um efeito devastador na confiança, na comunicação familiar e gera uma ansiedade sobre os membros. Para Hartman (1994), o papel do Psicólogo nesse contexto passa a ser o de desenvolver formas de ajudar os membros do triângulo da adoção a se relacionar. A Teoria Familiar Sistêmica privilegia uma adoção aberta, sem segredos, por ser melhor para o filho adotado. REFERÊNCIAS Disponível em: http://www.profala.com/artpsico54.htm, acesso em 14/04/2009; Disponível em: http://www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsection/item. php?itemid=293, acesso em 14/04/2009; Disponível em: http://www.agatef.com.br/publicacoes_artigos_detalhe.php?id_artigo=19, acesso em 14/04/2009; HARTMAN, Ann. Segredos na Adoção. WAGNER, A. & col. Como se perpetua a família: A transmissão dos Modelos Familiares. Tradução de Dayse Batista. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. p.94-112

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Revista de Psicologia

IMBER-BLACK, Evan. Os segredos na família e na terapia familiar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Disponível em http://www.profala.com/artpsico54.htm 4 Disponível em http://www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsection/item. php?itemid=293 5 Disponível em http://www.agatef.com.br/publicacoes_artigos_detalhe.php?id_ artigo=19


A metodologia dos grupos multifamílias e o serviço público: ampliando Redes Sociais Felipe Arthur Martinsi Flaviane da Costa Oliveira1 Genilce Cunha2 RESUMO: A contemporaneidade anuncia desafios e possibilidades à atuação da Psicologia, convocando os profissionais a ocuparem novos espaços e a construírem novas práticas. Nesse sentido, pensaremos a inserção da psicologia nestes cenários contemporâneos, em especial no que tange à atuação do psicólogo no serviço público. Apresentaremos a metodologia de grupos multifamílias indo de sua criação a sua utilização atual, seus desafios e perspectivas. Trata-se de um estudo de caso a partir de observações livres e observações participantes, realizadas pelos autores, em um Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) na cidade de Belo Horizonte e no Centro de Referência da Mulher e da Família (CRMF) vinculado ao Centro Universitário Newton Paiva. Assim, vislumbramos a necessidade de ampliação da capacitação do profissional psicólogo nesta forma de atendimento, uma vez que a mesma se configura como importante recurso no contato com os grupos familiares enquanto amplificador de redes sociais. Palavras-Chave: Atendimento a famílias. Multifamílias. Psicologia no serviço público. Redes sociais. Família e contemporaneidade Inicialmente, cabe situar nossa perspectiva sobre o conceito família, uma vez que o mesmo encontra-se no cerne da atuação que pretendemos descrever. Sabe-se que o conceito de família pode ser dado a partir de diversas perspectivas: histórica, funcional, relacional etc.; estando, portanto, diretamente relacionado a uma corrente teórico-epistemológica (AUN, 2005). Quando falamos em família, assumimos, neste trabalho, a perspectiva de autores como Aun (2005), que compreendem a família como uma instituição social, com funções sociais e psicológicas que se modificam a partir do contexto histórico-social vivenciado. Os estudos de Aun (2005), Bucher (1999) e Osório (2002) permitem-nos vislumbrar uma conceituação básica para família, onde esta figura como uma unidade básica de interação social com funções biológicas, sociais e psicológicas. Ao longo da história, vários esforços classificatórios dos modelos familiares foram realizados e, muitas vezes, contribuíram para a estigmatização de grupos minoritários e a disseminação da ideologia liberalista. Além de cristalizar um modelo hegemônico de estruturação e funcionamento dos grupos familiares, a atuação ética do profissional psicólogo deve agregar conhecimentos sobre os fatores que influenciam as mudanças vivenciadas. No Brasil, Aun (2005) aponta as influências européias recebidas pelas formações familiares a partir da vinda da família real portuguesa ao país durante o século XIX. Assim, passou a figurar no país um modelo hegemônico de família nuclear burguesa, marcado pela separação e hierarquia entre público e privado,

masculino e feminino, adulto e infantil etc. A partir dos anos 60, os papéis familiares então vigentes sofreram modificações influenciadas por diversos fatores: a consolidação do modelo capitalista de produção; o aumento dos estudos universitários; a entrada da mulher no mercado de trabalho; o crescimento dos movimentos feministas; a legalização das separações; e o surgimento e divulgação de novos métodos contraceptivos. De uma forma ampla, o atendimento clínico a famílias é uma prática em desenvolvimento no campo psi. Essa demanda social surgiu no início do século XX, quando vigorava o modelo de atendimento individual muito influenciado pelos pressupostos psicanalíticos. Assim, nasceram os primeiros grupos de estudo e pesquisa em diversos países, que levaram à constituição de um grande arcabouço teórico em termos de terapia familiar (SAMPAIO e GAMEIRO, 1985). Rompendo com a lógica newtoniana ou linear de causalidade dos fenômenos, estudiosos puderam condensar pressupostos de áreas com a Cibernética3 e da Teoria Geral dos Sistemas4, que subsidiaram a superação da lógica de atendimento individual então vigente, passando a compreensão da família como uma unidade com propriedades singulares, incapazes de serem percebidas a nível individual, e levando a uma mudança de foco buscando conhecer o padrão de relacionamento familiar (NICHOLS e SCHWARTZ, 1998). Nos Estados Unidos, o crescimento de serviços de Saúde Mental constituído nos anos 50 levou as primeiras iniciativas sistematizadas de atendimento familiar; inicialmente interessados nas formas de comunicação nas famílias esquizofrênicas (SAMPAIO e Revista de Psicologia l

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GAMEIRO, 1985). Entre os anos de 1950-1979, nos Estados Unidos, H. Peter Laqueur, considerado o pai do modelo terapêutico de grupo multifamiliar, desenvolvia a metodologia, que hoje é foco de nosso estudo (HOLZMANN e GRASSANO, 2002). A Metodologia de Multifamílias: surgimento e aplicações O modelo de grupos multifamiliares foi pensado por Laqueur, durante sua passagem pelo Hospital de Vermont, a partir de reuniões com famílias que possuíam um membro internado com o diagnóstico de esquizofrenia,e que assim podiam falar sobre suas dificuldades e experiências. Simultaneamente, George H. Orvin começou a trabalhar com esses grupos com famílias de adolescentes infratores, também nos Estados Unidos. A partir daí, inúmeros outros grupos surgiram nas mais diversas áreas: junto a toxicômanos, alcoólatras, crianças hospitalizadas, comunidades etc. (HOLZMANN e GRASSANO, 2002). Costa (1998, p.252) define o grupo multifamiliar como “Instrumento de apoio, capacitação, suporte e promoção de mudanças”, onde os participantes do sistema determinado pelo problema5 podem discutir e buscar soluções práticas, aprendendo uns com os outros pela troca de experiências e pelo vislumbre de semelhanças e diferenças, e estabelecendo novos padrões relacionais. O grupo multifamílias é um instrumento importante no alcance e fortalecimento da rede social das famílias e de seus integrantes. A rede social abrange o universo relacional do indivíduo, ou seja, os indivíduos de conjuntos mais vastos, incluindo grupos informais amplos, subgrupos culturais e os elementos de contextos econômicos, culturais e político-sociais. Assim, o objetivo principal da metodologia de multifamílias é a criação de um espaço relacional de desenvolvimento de competências e compartilhamento de experiências e aprendizagem. O caminhar dos grupos leva os participantes a assumirem a condição de coterapeutas, fazendo intervenções e servindo de modelo para outras famílias participantes. Segundo Holzmann e Grassano (2002), existem alguns fatores que contribuem para a eficácia do grupo: o vislumbre de que outros enfrentam o mesmo problema e das formas como puderam superar dificuldades; o fortalecimento de uma rede de apoio em que todos se sentem aceitos; o contato com novos modelos de ação; e a existência de feedback entre os membros. No cenário contemporâneo, onde a psicologia é convocada a atuar nas políticas públicas de atenção a população, a metodologia de grupos multifamílias parece apresentar-se como alternativa interessante na emancipação das famílias em situação de risco social. O grupo multifamiliar 18 l

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[...] permite o desenvolvimento da coesão intrafamiliar, entre a família e a comunidade e maior consciência de suas competências. Se pensarmos em famílias de camadas populares, fragilizadas pelas precárias condições de vida e pelas rupturas de vínculos sociais e afetivos, as reuniões de multifamílias são uma oportunidade para o desenvolvimento da resiliência familiar, na contingência das possibilidades das interações entre os elementos dos sistemas envolvidos no problema (COELHO, 2004). O CRAS e o CRMF: ampliando redes sociais O avanço dos investimentos governamentais nas políticas de assistência6 amplia o campo de trabalho da psicologia e convoca os profissionais a construírem novas formas de atendimento que se adaptem aos objetivos propostos. A partir da implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), a assistência social passou a organizar sua atuação a partir de duas grandes estruturas articuladas entre si: a Proteção Social Básica (serviços de atenção básica) e a Proteção Social Especial (serviços de atendimento a necessidades de média e alta complexidade). O Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) se insere no âmbito da Proteção Social Básica e objetiva “o desenvolvimento local, buscando potencializar o território de modo geral” (CREPOP, 2007, p. 12). Atuando dentro da lógica do trabalho em rede, o CRAS busca subsidiar suas ações a partir dos equipamentos e formas de organização existentes na comunidade. As atividades do psicólogo no CRAS devem estar voltadas para a atenção e prevenção a situações de risco, objetivando atuar nas situações de vulnerabilidade por meio do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários e por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições pessoais e coletivas (CREPOP, 2007, p. 23). O mapeamento da rede social de apoio a grupos atendidos nas comunidades, proposto pelo CRAS, aproxima os diferentes atores presentes no cenário social. A partir da atuação em grupos multifamílias, os profissionais do CRAS podem, além de mapear as famílias e os problemas por elas enfrentados, facilitar e integrar o acesso dos participantes aos serviços públicos disponíveis. Nesta perspectiva, a universidade tem um duplo papel, o de personagem desta rede de atendimento e o de capacitação dos profissionais. Durante as atividades de observação livre e participante, presentes em práticas de estágio supervisionado, pudemos vislumbrar este ponto de encontro entre a acadêmica e o social.


Nesse sentido, o CRMF enquanto ator da rede social de apoio da comunidade da regional oeste de Belo Horizonte/MG, a partir de um cenário desenhado pela equipe do CRAS, levou-nos à compreensão do papel ativo da universidade dentro da realidade social, oferecendo atendimento psicológico e outros serviços às famílias e indivíduos. Por outro lado, a prática na condução de grupo multifamiliares possibilitada pelo CRMF parece preencher a lacuna existente entre a demanda social de atuação do psicólogo e a academia – que, em alguns casos, ainda sustenta a formação de profissionais acostumados aos settings analíticos tradicionais. Uma formação profissional comprometida com a transformação social e rica em alternativas de atuação, tal qual a metodologia de grupos multifamílias, parece ser um caminho promissor para a ampliação do papel da psicologia enquanto ciência engajada, com a emancipação das classes economicamente desfavorecidas e com seu papel ético e social. Uma formação que possa romper com o distanciamento entre o profissional psicólogo e a população atendida e onde os atendidos possam figurar como os condutores do processo de resolução de problemas. Compreender o papel ativo do indivíduo e a influência das relações sociais, valores e conhecimentos culturais sobre o desenvolvimento humano pode favorecer a construção de uma atuação profissional que seja transformadora das desigualdades sociais. Ao levar em consideração essa dimensão do desenvolvimento dos sujeitos, contribui-se para a promoção de novos significados ao lugar do sujeito cidadão, autônomo e que deve ter vez e voz no processo de tomada de decisão e de resolução das dificuldades e problemas vivenciados. (CREPOP, 2007, p.18) REFERÊNCIAS AUN, J. G.; VASCONCELLOS, M. J. E.; COELHO, S. V. Atendimento sistêmico de famílias e redes sociais: volume 1: fundamentos teóricos e epistemológicos. Belo Horizonte: Ophicina de Arte e Prosa, 2005. 234 p. BUCHER, J. S. N. F. O casal e a família sob novas formas de interação. In: FÉRES-CARNEIRO, T. (Coord.) Casal e família: entre a tradição e a transformação. Rio de Janeiro: NAU, 1999. Cap.5. p. 82-95.

_____. Multifamílias: Construção de Redes de Afeto. Curitiba: Integrada, 2002. Cap. 1, p. 25-39. NICHOLS, M. P.; SCHWARTZ, R.C. Terapia familiar: conceitos e métodos. Tradução: Magda França Lopes. Artmed, 1998 524 p. OSÓRIO, L. C. Casais e famílias: uma visão contemporânea. Porto Alegre: Artmed. 2002. 110p. SAMPAIO, D.; GAMEIRO, J. Terapia Familiar. 2. ed. Porto: Afrontamento, 1985. 170p.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmicos do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 A cibernética foi criada pelo matemático Nobert Wiener (1948) a partir do estudo dos circuitos de feedback (realimentação dos impulsos elétricos) de aviões da Segunda Guerra Mundial. Wiener teve de integrar o circuito de feedback negativo no sistema de defesa antiaérea dos Estados Unidos e aliados, a fim de que o mesmo fosse capaz de derrubar os aviões alemães que eram muito rápidos para os radares. Neste caso, o feedback positivo do sistema não permitia o rearranjo na mira da artilharia o que levava a descontroles. Gregory Bateson – um dos pioneiros na terapia familiar – encontrou-se com Wiener em um encontro multidisciplinar, as conferências Macy. Assim, começava o diálogo entre as áreas (NICHOLS e SCHWARTZ, 1998). 4 Esta teoria teve origem na matemática, física e engenharia da década de 1940, afirma que diferentes sistemas mecânicos ou biológicos compartilham atributos, ou seja, correspondem a um todo composto por partes (NICHOLS e SCHWARTZ, 1998). 5 Sistema constituído daqueles que está envolvido direta ou indiretamente com o problema e que farão parte da conversação sobre o mesmo. Para maiores detalhes consulte: AUN, Juliana G. The co-construction process as a context for autonomy: alternative for politics of assistence to the handicapped. Human System, number special. Culture in Systemic Practice, Inglaterra, 1998, v.9, n34, p. 289-305. 6 A partir da Constituição Federal de 1988, ampliaram-se iniciativas de integração entre a Saúde e a Previdência Social, constituindo, assim, o Sistema Brasileiro de Seguridade Social, e desde 1993, com a vigência da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). Em 2004, estabeleceu-se, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004) operacionalizada no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2005.

CREPOP. Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas. Referência técnica para atuação do (a) psicólogo (a) no CRAS/SUAS. Conselho Federal de Psicologia (CFP). Brasília, CFP, 2007. 48p. COSTA, L. F. Reuniões multifamiliares: condições de apoio, questionamento e reflexão no processo de exclusão de membros de família. Ser Social, n.3, jul.-dez.1998. Brasília, DF. UNB. p. 245-273. HOLZMANN, M. E. F.; GRASSANO, S. M. Construção das Fundações. In: Revista de Psicologia l

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O sintoma da criança hospitalizada: uma questão familiar Bruna Luciana Domingues Brandão1 Luiza Angélica Fonseca2 RESUMO:O sintoma da criança responde por aquilo que existe de sintomático na estrutura familiar. Deste modo, o contexto familiar possibilita à criança, nas suas diferentes interações, que essa se constitua enquanto sujeito. Assim sendo, pretende-se pelo presente artigo abordar a relação familiar e sua interferência na formação do sintoma na criança hospitalizada. Palavras-chave: Hospitalização. Sintoma da criança. Relação familiar.

Para a Psicanálise, a família é responsável por fornecer identificações, tendo como função a transmissão subjetiva, ou seja, ela nomeia o desejo da criança, inserindo-a num universo simbólico e na lei. A estrutura familiar corresponde à estrutura mítica edípica, “[...] aquela que organiza a relação entre a mãe, a criança e a função paterna, fundamento da constituição do sujeito e da transmissão da castração” (FERREIRA, 1999, p. 59). Nesse viés, um dos mecanismos estruturantes para o sujeito é a neurose, que se trata de uma resposta às vicissitudes da operação de separação, que intervém entre a mãe e a criança, o Nome-do-Pai (FERREIRA, 1999). A neurose é o destino dos falantes, e se o pai falha para encarnar a instância paterna temos a opção neurótica.

Outro na sua função de transmitir a Lei, a castração. Portanto, o sintoma escreve, de maneira enigmática, a interpretação daquilo que o Outro se constitui, estruturalmente, como falta. Assim, o sintoma torna-se uma linguagem codificada, em que a criança mantêm o seu segredo. O sintoma vem no lugar de uma palavra que falta. Nessa perspectiva, as palavras ou a falta delas têm um valor simbólico para a criança e a forma como são ditas podem evidenciar o modo de relação com esse Outro. Desta forma, “se a criança tem a impressão de que todo acesso a uma palavra verdadeira lhe é vedado, pode em certos casos procurar na doença uma possibilidade de expressão” (BERNARDINO, 1997, p.57).

A verdadeira neurose não é necessariamente uma doença e deve inicialmente ser considerada como um tributo à dificuldade da vida. Diagnosticamos doença e anormalidades apenas quando o grau das perturbações incapacita a criança, amola os pais, ou representa um inconveniente para a família (BERNARDINO, 1997, p. 57).

A organização sintomática vem em defesa de um mínimo de subjetividade, oscilando entre se fazer objeto imaginário do gozo do Outro e destituir-se deste lugar através do fracasso do ideais daqueles que encarnam o Outro. [...] o sintoma é uma tentativa desesperada de sustentar um mínimo de subjetividade diante do imperativo do Grande Outro (Op.Cit, p. 59).

As dificuldades ou “falhas” da criança, às vezes, vêm como resposta ao ideal do Outro. Essas dificuldades que podem causar certo incomodo na criança devem estar ligadas à relação dos pais ou ao meio social no qual está inserida. Deste modo, podemos identificar a criança como sintoma dessa organização familiar. Bernardino (apud MANOMMI3, 1967) faz referência à função da palavra no sintoma, e que ela aparece para dar lugar ao sintoma como palavra verdadeira, mesmo que disfarçado para fazer exatamente substituição ao que o adulto não dá conta de enfrentar. Logo, o sintoma está ancorado diretamente no discurso, no enunciado do Outro. Mas sendo o sintoma um portador da enunciação do sujeito inconsciente, ele estará respondendo a insuficiência do

Para isso, devem-se escutar as modalidades de resposta que o sujeito produz e que se manifestam pela via do sintoma, ou seja, escutar a resposta inventada frente ao enigma que é o Outro para o sujeito (FERREIRA, 1999, p. 54). Observa-se que muitos pacientes chegam ao hospital trazendo questões referentes à sua posição como sujeito e isto muitas vezes é mascarado pela doença. O paciente não chega sozinho ao hospital, com ele vêm a doença, seus familiares e todas as implicações com relação aos papéis e suas demandas. A instituição hospitalar é o espaço onde o desamparo humano pode presentificar-se com as mais diversas roupagens, que fazem suscitar as reações mais diversas. Nesse viés, no hospital, os psicanalistas sustentam o seu lu-

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gar como uma posição no discurso, que se insere em sua forma discreta, quase imperceptível, pois o discurso da falta não ocupa espaço, ele abre o espaço para a circulação dos demais discursos. Assim, “os psicanalistas se oferecem como pura presença real, ponto em que o sujeito se desvanece abrindo espaço para o objeto a, faltoso, despido de suas formas” (MOURA, 1996, p.5). Assim, durante a hospitalização, ao falar o sujeito pode inserir-se no tempo da sua história, na tentativa de sair do lugar de objeto, visto que “o inapreensível do Outro, o que se perde no objeto, é a causa do saber de que o objeto é presença que sustenta a ausência, constituindo-se então a ética do desejo” (MOURA, 1996, p.11). Quando fala, o sujeito renuncia à coisa e sua satisfação passa à linguagem, constituindo-se na própria ação. Para exemplificar o tema proposto apresentaremos o caso de João, hospitalizado na pediatria de um hospital conveniado onde ocorre o Estágio O Lugar da escuta na Psicanálise. Considerando o sigilo necessário, todos os nomes referidos neste texto são fictícios. João tem 10 anos e os pais separaram-se quando ele tinha um ano. João chega ao hospital com pescoço duro e não conseguia mexer as pernas. Segundo a equipe pediátrica, mesmo João sendo submetido a todos os exames não foi diagnosticado nada, mas em virtude de dores lombares, cefaléia e vômito, João acabou internado por suspeita de princípio de pneumonia. Durante o atendimento, Maria, mãe de João, relata que o filho está presenciando o conflito desencadeado pela separação dos pais, pois, de acordo com a mãe, o mesmo encontra-se “dividido” entre o pai e a mãe. Maria relata que não quer o filho perto do pai, pois ele não é uma boa influência para ele, pois, diz que seu ex-marido tem problemas na justiça e que “mexe com coisas erradas”. Num dos momentos do atendimento, João diz à estagiária que era bom estar no hospital, porque ali, ele e a mãe poderiam “brincar de posição”. Indagado pela estagiária como seria esse brincar ele relata que: “mudo a posição e ela me olha” (sic), pois segundo o mesmo, sua mãe trabalha o dia todo fora de casa e estando ali ela poderia olhá-lo. Em relação ao caso acima relatado, percebe-se que a criança consegue fazer da falta no Outro sua consequente demanda, tendo em vista que o corpo de João encena uma busca de saída, de uma expressão para a situação que vivencia no seu ambiente familiar. O sintoma que essa criança apresenta é uma forma encontrada por ela para “falar de suas questões particulares”, pois procura via sintoma convocar esses pais a ocupar suas respectivas funções. Convocação essa, que faz com que João se situe frente a

seu próprio desejo, tentando não mais ficar submetido ao desejo do Outro. A criança representa, encena, “fala”, de algo de real da história dos pais, pois se não for assim posto em cena pela criança não irá aparecer no contexto pessoal destes. O sintoma da criança é o modo pelo qual ela encontra para se posicionar “[...] inscreve-se no discurso da família [...], o sujeito cria o sintoma para suportar a verdade que lhe apresenta a família, e mais exatamente, a mãe e o pai” (FERREIRA, 1999, p. 58). Portanto, o sintoma é uma resposta à estrutura familiar. Contudo, os sintomas da criança trazem em seus significados algo que não pertence à criança, mas àqueles que encarnam para ela os “Outros reais” - frequentemente os pais. “Mesmo que o sintoma se afirme como emergência do Real no corpo da criança, ele é um dizer pertencente ao campo simbólico daqueles que trazem a queixa” (FERREIRA, 1999, p. 55). Considera-se, portanto, que no hospital, o trabalho do analista consiste em possibilitar o caminho da destituição à restituição da pessoa hospitalizada na posição de sujeito. Assim, faz-se relevante a escuta analítica no contexto hospitalar infantil, na medida em que se observa que a criança assujeitada a um sintoma “orgânico” pode também estar sendo afetada por questões da estruturação familiar. O sintoma apresentado pela criança advém como uma resposta a uma questão familiar conflituosa que deixa as mais diversas seqüelas. E, em muitas das vezes, a família desconhece os reais motivos que causam a patologia apresentada pela criança submetida à hospitalização, visto que o sintoma é a expressão de um desejo particular do sujeito e a forma como a criança busca o seu lugar enquanto sujeito. REFERÊNCIAS BERNARDINO, Leda Mariza Fischer. Sim, Toma! In: BERNARDINO, Leda Mariza Fischer (org.). Neurose infantil versus neurose da criança. Salvador: Algama, 1997. p. 53- 65. FERREIRA, Tânia. A neurose da infantil e a neurose da criança. In:_____. A escrita da clínica: psicanálise com crianças. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p.47-63. MOURA, Marisa Decat de (org). Psicanálise e hospital. Rio de Janeiro: Revinter, 1996. 118 p.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 MANNOMI, Maud. A criança, sua doença e os outros: o sintoma e a palavra. Rio de Janeiro, Zahar, 1967. Revista de Psicologia l

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Sombra e Luz – Tempo e Angústia “Eu não sou Ninguém! E tu, quem és? Tu és Ninguém Também? Então formamos um par? Mas... cuidado! Não fales, porque se souberem... Que estrago! Como é chato ser Alguém! Ser tão famoso como um Sapo. Que passa o mês de junho todo a coaxar seu próprio nome. Diante de um embasbacado Charco”DICKINSON (1999, p. 47). Bruno Batista Lourenço1 Raquel Neto2 RESUMO: O presente artigo tem como objetivo fazer um breve relato dos atendimentos clínicos no período de 2009 do paciente L., usando como enfoque do trabalho os temas tempo e angústia. A experiência do tempo é uma realidade primeira, através da qual o homem se percebe. A situação do homem é essencialmente ambígua. Ser-no-mundo significa existir para si e para o mundo, incluindo o mundo social em que o ser com os outros assegura a realidade no modo de sua coexistência. Palavras-chave: Angústia. Tempo. Existencialismo. Ser-no-mundo. No Mito da Caverna, do livro VII da República, Platão narra a alegoria da teoria do conhecimento e da paidéia. Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro, cuja entrada permite a passagem da luz exterior. Desde seu nascimento, geração após geração, seres humanos ali vivem acorrentados, sem poder mover a cabeça para a entrada, nem locomover-se, forçados a olhar apenas a parede do fundo, e sem nunca terem visto o mundo exterior nem a luz do Sol. Acima do muro, uma réstia de luz exterior ilumina o espaço habitado pelos prisioneiros, fazendo com que as coisas que se passam no mundo exterior sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna. Por trás do muro, pessoas passam conversando e carregando nos ombros figuras de homens, mulheres e animais cujas sombras são projetadas na parede da caverna. Os prisioneiros julgam que essas sombras são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são os seres vivos que se movem e falam. Um dos prisioneiros, tomado pela curiosidade, decide fugir da caverna. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões e escala o muro. Sai da caverna, e no primeiro instante fica totalmente cego pela luminosidade do Sol, com a qual seus olhos não estão acostumados; pouco a pouco, habitua-se à luz e começa a ver o mundo. Encanta-se, deslumbra-se, tem a felicidade de, finalmente, ver as próprias coisas, descobrindo que, em sua prisão, vira apenas sombras. Deseja ficar longe da caverna e só voltará a ela se for obrigado, para contar o que viu e libertar os demais. Comparando o Mito da Caverna de Platão com a abordagem de Heidegger, chega-se à compreensão de que o sentido de ser do homem se desvela em sua íntima relação com o tempo, através da reflexão de sua existência com a totalidade. Segundo 22 l

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Augras (1993), tempo é a estrutura fundamental do existir humano, pois não há mundo sem pessoa, nem pessoa sem mundo e nem tempo sem existência. O tempo é a extensão e criação da realidade humana, é paradoxalmente condição de sua existência e garantia de sua impermanência. Recusar o tempo é a própria tentativa de recusar a condição humana em si mesmo, é recusar nossos limites, é a tentativa de negação da morte. O homem cria o tempo, mas não o determina. Falar do tempo é descrever toda a insegurança ontológica do homem que percebe-se temporal, marcado por uma finitude, onde é lançado no mundo carregando em si a marca da angústia. A partir daí pode-se relatar o caso do cliente L. com as noções apresentadas acima. L. tem 14 anos e chega à psicoterapia por vontade própria, acompanhado dos pais. Se mostra um adolescente tímido, assustado, de postura curvada e andar desajeitado. Em sua fala nota-se sofrimento por ser diferente, estereotipado como “nerd” e por ter dificuldades de criar vínculos e amizade com o resto dos adolescentes. L. diz se achar feio e tímido, não gosta de conversar, pois várias vezes é criticado. Tem alguns amigos, mas mantém um relacionamento distante e sem intimidade. Passa basicamente os finais de semana em casa vendo televisão, jogando computador ou estudando. L. é um bom aluno e tira boas notas na escola, porem atribui sua dedicação escolar a uma vontade de passar logo por tudo e não ter mais que ir à escola e nem suportar as críticas de seus colegas de sala. Como no Mito das Cavernas, L. está aprisionado, se vê sem possibilidades, angustiado e impotente. Está preso em um tempo mítico e delimitado pelas críticas e julgamento dos outros. Não se lança, não explora suas possibilidades. Está congelado em si


mesmo, e sua única solução é “apressar” o tempo para tentar fugir desse outro que representa sua morte. L. está mal situado no tempo, pois o tempo nasce da relação com as coisas. L. vive o dilema entre angústia e existência, se vê frente a sua condição de ter sido “lançado” no mundo e de estar ante suas possibilidades. Busca “encontrar-se aí”, o que não diz respeito a uma localização espacial, mas à facticidade da existência de um mundo onde o significado de suas tramas constitui como uma história frente a outras histórias, como uma existência que busca ser concreta. A situação do ser no mundo é marcada pela estranheza e pela angústia. Nesse sentido, Augras (1993) define que a compreensão do outro não descansa apenas na compreensão de si, mas se justifica a partir da situação do homem como desconhecido de si mesmo. Ou seja, a coexistência é também co-estranheza. O outro fornece um modelo para a construção da imagem de si. Por ser outro, ele também revela que a imagem de si comporta uma parte de alteridade. L. sente-se um estranho no mundo, onde tem a percepção de que sua existência esta sempre em jogo, pois é atormentado pela imagem fictícia que faz de si. Imagem que aparece como angústia e que em nada se sustenta. Essa angústia é apenas uma situação, além da qual nada há, além do fato de estarmos “aí”, frente ao desconhecido, à precariedade, ao estado de desamparo. No decorrer dos atendimentos terapêuticos com L., ele começa a caminhar em direção a si mesmo, transformando sua vivência e convivendo com a angústia e com o desconhecido. L. passa a ser mais autêntico consigo mesmo, associando suas experiências a um sentimento, colocando-se frente ao mundo e aceitando sua angústia enquanto experiência da condição humana. Assim, aceitar o tempo residiria no fato de percebermos a polaridade de forças como uma condição no sentido que ambas as direções são inerentes a existência. O dilema de tais forças é justamente aquilo que da “um sabor de humanidade” as nossas experiências de cada dia.

RÉE, Jonathan. Heidegger : história e verdade em ser e tempo. São Paulo: UMESP, 1999.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

REFERENCIAS ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. Existencialismo e psicoterapia. São Paulo: Traço, 1984. AUGRAS, Monique. O ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagóstico. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1993. BOSS, Medard. Angústia, culpa e libertação : (ensaios de psicanálise existencial). 4. ed. São Paulo: Duas cidades, 1988 DICKINSON, Emily. Fifty poems (cinqüenta poemas). Rio de Janeiro, Imago/Alumni, 1999, pág. 47.

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Os efeitos da punição sobre o comportamento de crianças e adolescentes “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem” Brecht Carla Mares Guimarães Souza1 Maxleila Reis2 RESUMO: Este artigo tem o objetivo de descrever os subprodutos da punição, destacando como esses podem ser prejudiciais à vida das pessoas, dando maior ênfase aos efeitos produzidos sobre o comportamento de crianças e adolescentes. Para isso, será apresentada uma breve definição sobre o que é a punição e como essa acontece em nossa sociedade. Posteriormente serão oferecidas possíveis alternativas de controle menos prejudiciais ao indivíduo, esclarecendo que a total eliminação do controle comportamental é impossível. Palavras-chave: Controle, comportamento, punição, coerção, reforço positivo. Segundo a visão da filosofia Behaviorista Radical, todo comportamento, seja humano, ou não, é controlado pelas consequências e pelos estímulos antecedentes. Esse controle pode acontecer de formas distintas. Uma das formas é através de um controle não-coercitivo onde os prejuízos para o sujeito são mínimos. Já a outra forma de controlar o comportamento humano é através de um controle chamado pelos analistas do comportamento de coerção, ou controle coercitivo. O controle coercitivo acontece quando o comportamento é controlado de forma aversiva para o sujeito. Sabe-se, portanto, que o controle sobre o comportamento está em toda parte do mundo e isso não há como negar, mas sabe-se também que nem todo controle é coercitivo. O comportamento humano pode ser afetado por alguns processos comportamentais; como o reforçamento e a punição, sendo que subdividem-se em: reforçameto positivo e negativo, punição positiva e negativa. O reforçamento vai sempre aumentar a probabilidade de determinado comportamento acontecer e a punição tende a suprimir a ocorrência de tal comportamento (informação verbal)3. A coerção, assim como qualquer outro tipo de controle, tem a finalidade de influenciar comportamentos. Porém, quando o controle acontece de forma coercitiva, surgem diversos subprodutos nocivos à vida social e pessoal do indivíduo que tem o seu comportamento punido. Considera-se controle coercitivo, quando o comportamento é controlado por reforçamento negativo ou punição (SIDMAN, 1995). As crianças e adolescentes abordados neste artigo sofrem os efeitos da punição, efeitos esses que podem acompanhar este sujeito até a sua vida adulta. Principalmente os pais e professores, buscando cessar determinados comportamentos que para eles 24 l

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são considerados inadequados, utilizam de algum meio coercitivo para inibir tal comportamento. Assim que utilizam a punição, o comportamento da criança é interrompido, gerando certo alívio e conforto para aquele que puniu. O que pais e professores muitas vezes não ficam atentos é que os subprodutos gerados pela punição podem marcar a criança por toda sua vida, podendo prejudicar vários aspectos da vida social e pessoal desta criança. A punição pode produzir inúmeros efeitos negativos, dentre eles destaca-se o comportamento antissocial. Crianças que passam a apresentar comportamentos agressivos e rebeldes têm em sua história de vida a constante presença da punição como principal forma de controle de seus comportamentos. Essas crianças mostram-se desconfiadas, inseguras e incapazes e, muitas vezes, tornam-se membros de grupos e gangues para se sentirem importantes e reconhecidas. O rendimento escolar também pode se agravar, uma vez que a própria escola pode também ganhar função de estímulo aversivo para as crianças. Marinho (1999) relata que além da conduta antissocial, as crianças expostas a um controle por punição também podem manifestar dificuldades escolares, déficit em habilidades sociais, comportamento agressivo e baixa habilidade para solucionar problemas, além de apresentarem sentimento de culpa, ressentimento, entre outros. Para Sidman (1995) a punição condicionada é um outro efeito da punição em crianças. Segundo ele, crianças que são educadas a partir do uso da punição costumam agir da mesma forma com outras pessoas, especialmente quando se tornam adultos. Normalmente, crianças que têm seus comportamentos frequentemente punidos tornam-se mais agressivas e mais propícias a fazer da punição a sua forma de controlar comportamentos alheios.


Outros efeitos da punição, estudados pela Análise do Comportamento, são os comportamentos de fuga, esquiva e contracontrole. Esses efeitos aparecem tanto em crianças como em adultos. “Uma característica comum de ação de quem foi agredido é a fuga. Ela é muito presente, pois quem sofre agressão quer, talvez, antes de mais nada, se livrar dela. Isso é alcançado, muitas vezes, através da fuga.” (NAMO; BANACO, 1999, p. 195). Fuga e esquiva não possibilitam aprendizado, pelo contrário, elas paralisam o sujeito. As pessoas que se comportam apenas para fugir ou esquivar de estímulos aversivos normalmente têm dificuldades em se expor a novas contingências, podendo apresentar um comportamento mais retraído e ter dificuldade de relacionamento social. O contracontrole é outro efeito da punição, onde aquele que tem o seu comportamento punido irá discriminar uma forma de controlar o comportamento do controlador, passando de vítima do controle para agente controlador. Assim, Sidman (1995) afirma que, para que o contracontrole seja eficaz, é imprescindível reconhecer que existe o controle, com seu amplo componente coercitivo, uma vez que negar a existência do controle não impede que este exista, pelo contrário, pode aumentar ainda mais a sua eficácia. Os múltiplos produtos da punição e do reforçamento negativo nos fornecem bases racionais para concluir que estes tipos de controle contribuem para muitos problemas e enfermidades sociais. O sucesso imediatamente visível da coerção muitas vezes parece justificar seu uso, mas os efeitos colaterais não-pretendidos, que algumas vezes aparecem muito tempo depois, anulam o sucesso imediato. No final das contas, a coerção invalida seus próprios objetivos. (SIDMAN, 1995, p. 247). Visto os inúmeros subprodutos que podem surgir após o uso efetivo da punição, é importante que as pessoas se conscientizem e busquem novas formas de controle comportamental que possam minimizar os prejuízos à vida daqueles que tem o comportamento punido. Para isso, é importante ter consciência de que a coerção está presente na sociedade para, a partir daí, buscar possíveis alternativas. O reforço positivo é uma possibilidade de controle bastante defendida pelos analistas do comportamento. Através do uso do reforçamento positivo, é possível controlar os comportamentos, assim como a coerção, porém, sem a produção dos efeitos nocivos que a coerção pode trazer às pessoas e à sociedade em geral. Não precisamos punir para evitar ou impedir as pessoas de agirem mal. Podemos alcançar o mesmo fim com reforçadores positivos, sem produzir os indesejáveis efeitos colaterais

da coerção. Uma maneira de impedir que as pessoas façam algo sem puni-las é oferecer-lhes reforçadores positivos por fazerem alguma outra coisa. (SIDMAN, 1995, p. 248). Contudo, é necessário certo esforço para que a sociedade abandone a coerção e passe a utilizar métodos não coercitivos para controlar os comportamentos. Sabe-se que a punição e o reforçamento negativo são mais fáceis e rápidos para serem aplicados, mas o resultado alcançado a longo prazo, provavelmente, não será o esperado. Na clínica de Psicologia são recebidas crianças que apresentam as dificuldades relatadas por Marinho (1999). Essas crianças costumam ter em sua história de vida uma presença significativa da punição como principal forma de controle de seus comportamentos. Por não terem acesso a outro tipo de controle, utiliza-se o controle coercitivo, em especial a punição, como única opção. Assim, com esse modelo de controle comportamental vigente, a sociedade passa a utilizar com alta frequência a coerção, uma vez que essa apresenta resultados mais rápidos, sendo mais acessível ao agente punidor. Porém, sabe-se que este tipo de controle é apenas temporário, já que não possibilita ao sujeito punido um aprendizado. É de suma importância que pais e professores, como principais controladores do comportamento da criança, consigam perceber os perigos do uso da coerção na educação dessas. Entendendo que a punição não é o melhor caminho, é preciso que pais e professores descubram novas formas menos aversivas de controlar e modificar o comportamento infantil, possibilitando à criança aprendizado, crescimento e conhecimento de si. Apesar do controle coercitivo ser dominante em nossa sociedade, é imprescindível buscar novas formas de controle, entendo que a punição não é o melhor caminho. A Teoria Comportamental pode ser eficiente no sentindo de auxiliar os pais e professores para que esses consigam observar melhor e assim discriminar a forma como estão controlando os comportamentos das crianças. Dessa maneira, conseguindo entender como ocorre e os efeitos que são causados pela punição, pais e professores conseguem alterar a punição pelo reforço positivo, constituindo uma relação mais enriquecedora com os seus filhos e alunos. REFERÊNCIAS MARINHO, Maria Luiza. Comportamento infantil anti-social: programa de intervenção junto à família. In: KERBAUY, Rachel Rodrigues; WIELENSKA, Regina Chritina. Sobre Comportamento e Cognição: Psicologia Comportamental e Cognitiva – reflexão teórica à diversidade na aplicação. Santo André-SP: ARBytes, 1999, p. 207 – 215; NAMO, Danilo; BANACO, Roberto Alves. Contribuições do modelo de coerção Revista de Psicologia l

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de Sidman para a análise da violência de São Paulo: relação com o contexto sócio-político-econômico. In: KERBAUY, Rachel Rodrigues; WIELENSKA, Regina Chritina. Sobre Comportamento e Cognição: Psicologia Comportamental e Cognitiva – reflexão teórica à diversidade na aplicação. Santo André-SP: ARBytes, 1999, 192 – 206; SIDMAN, Murray. Existe algum outro caminho? In: ______. Coerção e suas implicações. Tradução: ANDERY, Maria Amália; SÉRIO, Tereza Maria. São Paulo: Editoral Psy, 1995, p. 246 – 275.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Informação extraída da aula didática do professor Ghoeber Morales em Belo Horizonte no dia 24 de abril de 2006.

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Identificação “Direi que a identificação é o movimento ativo e inconsciente de um sujeito, isto é, o desejo inconsciente de um sujeito de apropriar-se dos sentimentos e fantasias inconscientes do outro.” NÁSIO (1999, p. 83) Cristiane Dias Figueiredo1 Geraldo Martins2 RESUMO: Este artigo nos remete à compreensão de como pode surgir a identificação com o outro, ou com um traço do outro no sujeito. Palavras-chave: Freud. Identificação. Traço. Outro. Inconsciente.

Com base em fragmentos de um caso clínico, discutiremos a história de vida de A. que busca tratamento na CAMT (Clinica de Atendimento Multidisciplinar) da Newton Paiva. Durante o atendimento de Psicologia, relata suas dúvidas, inseguranças e anseios. A história de A. relata problemas familiares, financeiros e amorosos. Suas principais queixas no atendimento eram que ”... levava uma vida financeiramente boa dentro de casa com sua família (pai, mãe e um irmão) e que de repente seu pai perdeu o emprego. Sua mãe trabalhava com doces, e quase não estava tendo encomenda e que ela teve que deixar seu emprego para ajudar a cuidar da avó que morava com eles e estava muito doente. Como consequência teve que sair da faculdade, porque não tinham mais dinheiro e até hoje sonha em voltar, mas as condições não permitem. Com o passar do tempo as coisas melhoraram um pouco, seu pai conseguiu outro emprego como gerente em um restaurante, sua mãe recuperou alguns clientes, e ela está trabalhando com o irmão, ganhando muito pouco, por enquanto ainda não da para voltar a estudar. Relata que a vida ainda está muito difícil porque a avó ajudava em casa, mas infelizmente ela faleceu...” Ao falar se emociona, e revela que este é um dos motivos que lhe deixa muito angustiada, além da ajuda financeira da avó que está fazendo muita falta, ela tinha um enorme afeto por ela e por isso está sofrendo muito. Em seguida falou do namorado, disse que eram amigos antes, que ele já mostrava algum interesse nela, e com o tempo ela passou a gostar muito dele. Sente que é correspondida, mas a queixa atual é que começou a ficar, “neurótica” se ela liga e ele não atende já fica louca e começa a pensar “coisas negativas”, que desenvolveu gastrite nervosa, não consegue comer nada, que o estomago dói. Seu namorado não lhe deu nenhum motivo para ficar desse jeito, ela acredita que conviveu muito com uma prima que é “grude” com seus namorados e acabou deixando se influenciar, disse que nunca foi assim, se considerava uma pessoa tranquila, que é elogia-

da pelo próprio namorado que fala que ela é diferente das outras mulheres, pois “não pega no pé dele...’’. Agora se tornou insegura, não concorda com a forma como a prima agia com seus namorados e agora se comporta da mesma maneira, considera que essa era uma das coisas que ela temia e agora faz o mesmo. Mas afirma que não deixa transparecer seus sentimentos para o namorado.”... Ele não sabe que penso tanta besteira...” A. se identifica com sentimentos dos outros, nesse caso com os de sua prima, relata que se sente perdida e não sabe agir como antes de forma tranquila, assim faz o que as pessoas acreditam que ela deva fazer, e assim está deixando de ser ela mesma. Para Freud em Psicologia de grupo e a análise do ego e dois verbetes de enciclopédia (1921) a identificação foi reconhecida como laço emocional muito forte por outra pessoa. Para o menino a identificação começa no complexo de Édipo quando ele mostra interesse especial pelo pai, de ser como ele, crescer como ele e até tomar seu lugar. Mas com o passar do tempo o menino começa a perceber que o pai está em seu caminho em relação á mãe, seu objeto sexual, e se torna mais hostil e com o desejo de substituto. Já as meninas, desejam tomar o lugar da mãe, porque desejam o pai, mas mesmo o desejando, é possível que se identifiquem com ele, querendo ser como ele, ou tê-lo, mas quando isto não acontece se identificam com a mãe e a amam e as odeiam ao mesmo tempo. A partir daí Freud pode perceber que a identificação pode tanto ter um sentimento de ternura e aproximação, como o desejo de afastamento da pessoa. A. relata que ela e sua prima eram muito próximas e sem motivo algum se afastaram, hora sente muita falta da companhia dela, a considera como a irmã que não teve, e hora é insuportável a convivência entre ambas de forma que se mantém bem afastadas. O que A. sente por sua prima é o mesmo que encontrar ou reconhecer alguma coisa ou alguém. Se confunde com ela, assimila-se e torna-se idêntica, a ponto de agir como ela em muitas situações. No caso de A. na relação amorosa, se comporRevista de Psicologia l

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ta com seu namorado da forma como a prima se comportaria. A. se considera uma pessoa mudada, com comportamentos que nem ela está reconhecendo. Relata que sua mãe lhe aconselhou a fazer mais o que tem vontade ao invés de seguir a opinião dos outros, e afirma que sua vontade é que seus sentimentos voltassem a ser como antes, quando ela era uma pessoa tranquila, mas sente que perdeu está qualidade e agora age como uma mulher insegura. A. assumiu as características da prima, que inconsciente ela colocou no lugar de objeto, e agora copia a pessoa amada, ou a pessoa odiada, nem sempre em tudo, afinal a identificação é como se a pessoa tomasse emprestado um traço do outro que ela elegeu como objeto e a partir dai passa a segui-lo. A. contou que estava se sentindo tão angustiada ultimamente que resolveu viajar para o Rio de Janeiro enquanto seu namorado estava para Disney, já que ela não pode acompanhá-lo por motivos financeiros. A. pensou que fosse morrer por ficar sem o namorado 15 dias, mas que está se sentindo melhor do que imaginava. No Rio quase não lembrou dele, mas quando voltou para a realidade passou a sentir saudades, mas que está tentando se controlar porque tem muito medo que as “neuras” venham novamente com a mesma intensidade de antes. A. se sente triste, incomodada e até insatisfeita com suas ações, por isso deseja tanto não sentir estes sentimentos mais. Para Freud (1921) A. não está satisfeita com seu próprio Ego e vê a possibilidade de encontrar satisfação no ego do outro, tornando-o como ideal. A. se sente mal porque desconfia de seu namorado e afirma que não era assim, acredita que mudou suas atitudes por conviver muito com a prima, que não sabe porque se coloca nesta posição, mas ao mesmo tempo não consegue assumir seus sentimentos, aliás nem reconhece quais são verdadeiramente seus sentimentos, então mais uma vez age como o outro em busca de encontrar satisfação. A. ressaltou que quando seu namorado chegar, não vai ficar indo no serviço dele, já que sempre teve o hábito de visitá-lo duas vezes por semana, mesmo antes de eles começarem a namorar, pois eles têm uma amiga que trabalha no mesmo local. Mas que agora não irá mais porque esta amiga e outras pessoas ficam falando que homem não gosta de “mulher que fica correndo atrás”, que eles ficam doidos quando a mulher “não está nem ai”, sai sozinha e não da satisfação. Segundo Násio em O prazer de ler Freud (1999) é possível que A. se identifique com o outro de duas formas, a primeira, é a vontade consciente de ser como o outro, fazendo o que eles consideram correto, o que a faz lhe sentir bem e segura para tomar suas decisões. E a segunda o processo é inconsciente, a pessoa tem a vontade de ser igual ao outro mas não sabe dessa vontade, 28 l

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que a psicanálise chama de desejo. A. se identifica com as emoções sentimentos, afetos, desejos, fantasias, inclusive com a forma do outro de pensar. “Identificar-se com é uma ação, um ato, o movimento ativo de um sujeito que quer se tornar-se idêntico a outro, diferente de si próprio.” (Násio, 1999, p.81) No entanto a identificação de uma pessoa pela outra é eleger, amar, imitar, querer ser o outro seja de forma consciente ou inconsciente. A identificação é o que leva esta pessoa a ser o que é, influência em suas atitudes, comportamentos, decisões e até mesmo sentimentos. REFERENCIAS FREUD, Sigmund (1921) Identificação: In______ Psicologia de grupo e a análise do ego e dois verbetes de enciclopédia. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 37 a 69. (Edição standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud, 8) NASIO, Juan-David. O prazer de ler Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva


Violência doméstica: um fenômeno gerador de rupturas e desequilíbrio emocional do sistema familiar. Elenice Geralda Ferreira1 Izabel Cristina de Amorim Fonsecai Genilce Cunha2 RESUMO:Por deste artigo objetivamos trazer à tona uma discussão acerca da violência doméstica, um fenômeno gerador de rupturas e desequilíbrio emocional no sistema familiar e em cada um dos seus membros. Apontamos a vergonha como um segredo familiar no qual pode-se mistificar ou destorcer um processo de comunicação interfamiliar. Palavras-chave: Violência doméstica. Lei Maria da Penha. Família.

A violência doméstica é um problema expressivo na sociedade contemporânea, que atinge mulheres, crianças e adolescentes; implicando em desgastes físicos, emocionais e psicológicos. Hoje, no Brasil, acredita-se que o fenômeno faz parte de um grande problema de saúde pública. Como forma de proteção às mulheres no âmbito familiar, em 2005 criou-se a Lei 11.340/06, titulada de Lei Maria da Penha em homenagem a uma farmacêutica bioquímica que ficou paraplégica por causa de um tiro nas costas dado pelo próprio marido. Ela se tornou um ícone na luta contra a violência doméstica e a impunidade dos agressores. A lei se aplica à violência que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológica, e dano moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, onde haja o convívio de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. Também em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. De acordo com Fernandes (2008), uma das alternativas de melhor compreensão a respeito das dinâmicas familiares está no pensamento sistêmico, que amplia a compreensão sobre os sistemas humanos e sobre os padrões interacionais que mantêm a estabilidade do grupo, apesar das constantes mudanças que podem ser observadas. Para Minuchin (1990), os membros da família se relacionam de acordo com certos ajustes que dirigem suas transações, e habitualmente, não explicitamente enunciados ou mesmo reconhecidos, formam a estrutura da família. O autor relata que a estrutura familiar não é uma entidade imediatamente acessível ao observador, há um processo de união com a família na qual os dados do terapeuta e seus diagnósticos são alcançados experiencialmente. Assim:

Ele ouve o que os membros da família contam-lhe a respeito da maneira pela qual eles experienciam a realidade. Mas também, ele observa a maneira pela qual os membros da família se relacionam com ele e entre si. O terapeuta analisa o campo transacional, em que ele e a família se encontram, a fim de fazer um diagnóstico estrutural. (MINUCHIN, 1982 p.90) Ao estudarmos diferentes conceituações de família, percebemos que ela é um grupo natural que, através do tempo, tem desenvolvido diferentes padrões de interação. A estrutura familiar é constituída por esses padrões, que por sua vez governam o funcionamento dos membros da própria família, delineando sua gama de comportamentos e facilitando sua convivência (MINUCHIN E FISHIMAN, 1990). Outro conceito declara que a família pode ser descrita como sendo um espaço no qual ocorre o desenvolvimento psicológico do indivíduo, de um estado de fusão/indiferenciação para um estado de separação/individualização cada vez maior. Este ciclo é determinado não apenas por estímulos biológicos e pela interação psicológica, mas também por processos interativos no interior do sistema familiar. Igualmente, o curso da história futura do indivíduo pode ser prevista à base do clima emocional predominante na família de origem (ANDOLFI e col., 1984). Em se tratando de violência doméstica, Fernandes (2008) diz que a violência é um fenômeno humano que envolve uma relação de poder e submissão, fenômeno este que acompanha o ser humano desde os princípios de sua história, porém só recentemente o discurso da ordem e da disciplina passou a ser questionado. Ainda de acordo com a mesma autora, a abordagem sistêmica possibilita a ampliação da compreensão acerca dos sistemas humanos e desperta a sociedade para a complexidade das inteRevista de Psicologia l

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rações interpessoais, exigindo assim a construção de uma pratica terapêutica no atendimento às vitimas de violência. Desta forma, relata que a violência doméstica carrega tabus e outros aspectos envolvidos na manutenção do seu segredo, que consequentemente mantém um ciclo vicioso, bem como a vergonha. Em se falando de vergonha, Imber-Black (1994) descreve uma vergonha herdada, e pontua que a imagem que temos sobre nossa família está baseada em inpults radicalmente limitados, desta forma extraímos tudo que é introduzido. “O que começou como pessoas, locais, eventos e modos de viver juntos o que chamamos de processo familiar torna-se, ao longo do tempo, injunção internas ou comandos sobre como ser, como ver a si mesmo e como perceber o mundo” (IMBER-BLACK, 1994, p. 46). O sentimento de vergonha em relação à violência pode ser uma maneira de manter um segredo familiar. Sabe-se que os segredos envolvem tabus culturais. Eles protegem algo, mantendo-o invisível a outros. Assim, Chauí3 (1999, apud Fernandes, 2008, p. 45) afirma que o sentimento de vergonha é uma das consequências da violência. O indivíduo, ao ser violentado, seja por uma violência de natureza física, psicológica ou sexual, passa a sentir-se menos digno que outros seres humanos, pois a violência incute na vítima um senso de impotência e de inutilidade. Uma criança que cresce sob a violência pode vir a acreditar em sua própria desvalia, e quando se tornar adulta pode pensar de si mesma como ser desmerecedor e incapaz de estabelecer relações afetivas seguras, confiáveis e duradouras, assim como, construir um projeto de vida pessoal e profissional. A internalização do sentimento de vergonha evita a possibilidade de reparo (FERNANDES, 2008). Concluímos que os segredos fazem parte dos fenômenos sistêmicos os quais estão diretamente ligados aos relacionamentos interfamiliares. É necessário que o terapeuta tenha cuidado na sistematização de um segredo familiar, pois, às vezes, a família se estrutura a partir dele, ou seja, distorce ou mistifica os processos de comunicação. Tal cuidado possibilitará que pontes interpessoais rompidas sejam consertadas, assim como oportunidade para o crescimento pessoal dos membros e da família como um todo. REFERÊNCIAS ANDOLFI, M. ; ANGELO, C. ; MENGLI, P. E NICOLO-CORIGLIANO, A. N. Por trás da Máscara Familiar. Porto Alegre: Artes Médicas,1984. FERNANDES, Carine Suder. CREPALDI, Maria Aparecida. Terapia familiar breve em programas que atendem famílias vitimadas pela violência: uma proposta de intervenção. 2008. 89f. Monografia (Especialização em Terapia Relacional Sistêmica) – Familiare Instituto Sistêmico, Florianópolis, 2008.

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http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340. htm. Acesso em: 22 de nov. de 2009. MASON, Marilyn J. Vergonha: reservatório para os segredos na família. In: IMBER-BLACK, Evan e (col.). Os segredos na família e na terapia familiar.; trad. Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. p. 40-54. MINUCHIN, S. e FISHMAN, H. C. Técnicas de Terapia Familiar. Trad. Claudine Kinsch e Maria Efigênia F. R. Maia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. MINUCHIN, Salvador. Famílias: funcionamento e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. REICHENHEIM, Michael Eduardo; DIAS, Alessandra Silva e MORAES, Claudia Leite. Co-ocorrência de violência física conjugal e contra filhos em serviços de saúde. Rev. Saúde Pública [online]. 2006, vol.40, n.4, pp. 595-603. ISSN 0034-8910. doi: 10.1590/S0034-89102006000500007. http://www.scielo.br/ scieloOrg/php/reference.php?pid=S0034-89102006000500007&caller=www. scielo.br&lang=pt Acesso em: 22 de nov. de 2009.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmicas do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 CHAUÍ, M.Uma ideologia Perversa. Folha de São Paulo: Sumus, 1986.


Liberdade ou abandono? Daniel Sampaio Carneiro1 Raquel Neto2 RESUMO: O período do adolescer é uma fase de descobertas e de início da aquisição da independência, sendo necessário o estabelecimento de limites, por parte dos pais, para que os jovens possam aprender o que é certo ou errado e formar uma personalidade saudável. O propósito deste trabalho é abordar o atendimento clínico psicoterapêutico de V., um adolescente que passa por uma fase de dificuldades escolares e, devido ao abandono familiar, traduzido em liberdade excessiva, está lançando-se em experiências destrutivas sob o ponto de vista existencial. Palavras-chave: Liberdade. Superproteção. Abandono. Para-o-outro. Estar-em-situação.

V.3 é um adolescente de quatorze anos que procura a clínica de psicologia da Newton Paiva com queixa de “problemas escolares”. Corre o risco de ser reprovado devido às baixas notas obtidas em algumas matérias, principalmente matemática e inglês. No primeiro contato com o processo terapêutico, V. aparenta estar bastante apreensivo. Ao iniciar a conversa, atem-se apenas em responder o que lhe é perguntado, com poucas palavras. Mora com os avôs maternos, duas tias e o irmão mais velho. Revela que sua mãe mora com o padrasto e três irmãs mais novas. Sobre o pai biológico, afirma que não tem muito contato, sendo que não o vê há mais ou menos quatro anos. De acordo com Angerami: O sentido da vida é a propulsão motivacional da existência. A pessoa desprovida de sentido de vida pode ser considerada existencialmente morta, sendo de uma forma geral, totalmente entregue ao tédio existencial. O homem, ao longo de sua existência deve renovar o sentido da vida e significação para suas coisas e fatos a cada momento, fazendo disso o bálsamo cicatrizante das chagas existenciais. (ANGERAMI, 1984, p. 19). Quando a mãe decidira casar-se novamente, deixou que V. escolhesse com quem iria morar, ao que ele preferiu ficar com os avôs, já que não tinha uma boa relação com o padrasto. Na escola, V. alega ser um aluno pouco participativo, calado e com poucos colegas. Estuda de manhã e diz sentir bastante sono quando vai para a escola. Angerani (1984) afirma que: Ocorre muitas vezes que o paciente simplesmente existe, não tendo uma força realmente vital que possa transformá-lo de maneira significativa. Situações existem onde o

paciente precisa libertar-se do confinamento existencial, imposto por si próprio, através de uma percepção inadequada e até mesmo errônea dos fatos da realidade. Nessas situações o paciente torna-se existencialmente insigne, sem qualquer sentido e propulsão de vida. (ANGERAMI, 1984, p. 39). Perguntado sobre a relação com o pai, V. fala muito pouco. Parece preferir não tocar nesse assunto. Comenta apenas que o pai é uma figura apagada em sua vida, pois não participa do seu dia a dia e também não o procura para nada. Voltando ao ambiente escolar, V. afirma ser bastante desatento, tendo dificuldades para se concentrar nas atividades escolares. Diz que na maioria das vezes em que se pede para fazer uma atividade, seja em sala de aula ou para casa, ele nunca termina, por este motivo é comum ser chamado à presença do coordenador de seu turno para uma conversa. Segundo Kierkegaard (1998), Assim como talvez não haja, dizem os médicos, ninguém completamente são, também se poderia dizer, conhecendo bem o homem, que nem um só existe que esteja isento de desespero, que não tenha lá no fundo uma inquietação, uma perturbação, uma desarmonia, um receio de não se sabe o quê de desconhecido ou que ele nem ousa conhecer, receio duma eventualidade exterior ou receio de si próprio. (KIERKEGAARD, 1998, p. 203) O mesmo autor acrescenta que “num homem sem vontade, o eu é inexistente; mas quanto maior for a vontade, maior será nele a consciência de si próprio”. (KIERKEGAARD, 1998, p. 207) Segundo Ferreira e Maturano (2002), comportamentos inadequados frequentemente se desenvolvem em contextos de Revista de Psicologia l

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adversidade ambiental, que existem problemas nas relações interpessoais, falta de supervisão, monitoramento, suporte e investimento dos pais no desenvolvimento da criança, incluindo também práticas punitivas e modelos agressivos. O que gera uma inadaptação psicossocial e aumenta a probabilidade do jovem apresentar dificuldades escolares com sérias consequências, como comportamentos antissociais. (Ferreira e Maturano 2002). V. comenta que, no período da noite, sai com colegas para a rua e que geralmente fica até a madrugada conversando. Perguntado sobre o posicionamento dos familiares frente a este comportamento, diz que quando sai de casa, ainda no princípio da noite, ninguém coloca objeções e quando retorna as pessoas da casa já estão dormindo. O adolescente precisa ampliar sua liberdade em relação aos pais e buscar a sua independência, como sair com amigos, ir a festas, chegar mais tarde em casa, mas precisa cumprir horários, dizer com quem e onde está e estudar. A criança e o jovem precisam de liberdade, mas também necessitam e buscam em seus pais a resposta para uma pergunta primordial: até onde posso ir? Ao testar os pais, está emitindo uma mensagem muito clara: está dizendo que precisa de ajuda para descobrir o que pode e o que não pode fazer e a atitude dos pais será de extrema importância neste aprendizado. Impedir a independência progressiva do adolescente, tolhendo-lhe a liberdade, é impedir que ela se transforme numa pessoa consciente, autônoma e com personalidade. Entretanto, esta liberdade não deve ser confundida com permissividade ou abandono. Percebe-se ao escutar V. que há certo distanciamento dele e suas emoções, pois comenta, mas não esboça nenhuma ligação sentimental com os acontecimentos. Ele encontra-se vivendo para-o-outro, perdido nas possibilidades e carente de orientação e limites. [...]aquilo a que se refere minha apreensão do outro no mundo como sendo provavelmente um homem é minha possibilidade permanente de ser-visto-por-ele, ou seja, a possibilidade permanente para um sujeito que me vê de substituir o objeto visto por mim. O “ser-visto-pelo-outro” é a verdade do “ver-o-outro”. Assim, a noção do outro não poderia, em qualquer circunstância, ter por objetivo uma consciência solitária e extramundana, na qual sequer posso pensar: o homem se define com relação ao mundo e com relação a mim; é este objeto do mundo que determina um escoamento interno do universo, uma hemorragia interna; é o sujeito que a mim se revela nesta fuga de mim mesmo rumo à objetivação. (SARTRE, 1997, p. 332). 32 l

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V. participa de festas frequentadas por colegas da escola e vizinhos de bairro, que iniciam na noite e terminam na manhã do dia seguinte. Questionado sobre a ingestão de bebidas alcoólicas, V. confirma que bebe frequentemente nessas festas. A partir desse relato, fica mais claro que nessa fase de formação que reflete a adolescência, V. não possui um modelo familiar que regularize seu cotidiano, impingindo as regras e modulando seu comportamento. V. está andando de skate com os colegas durante a madrugada. Nessa fase os adolescentes procuram por grupos para fortificar sua identidade. Eles se mostram morbidamente, por vezes curiosamente, quase sempre, preocupados com o que possam parecer aos olhos dos outros, em comparação com o que eles próprios julgam ser, e com a questão de como associar papéis e aptidões cultivados anteriormente aos protótipos ideais do dia. (ERIKSON, 1976, p. 152). O que ocorre, portanto, é que V. se lança em experiências com risco eminente de perigo ou até mesmo de morte, talvez como forma de aparecer diante daqueles a quem diz desprezar sua família. Seria o grito desesperado de alguém que deseja existir? Eu estou aqui e quero ser escutado! Entretanto, a maneira encontrada por ele coloca em risco sua integridade física. O indivíduo se faz na medida em que ele é feito pela situação e pelos acontecimentos. Ao mesmo tempo em que ele se define, é definido por outros e nessa mescla de passividade e atividade, precisa reinventar-se sempre. Ele não está feito. O estar-em-situação só tem sentido se o sujeito se faz presente. (ABERASTURY, 1986, p. 28). Segundo Erthal (2004), “a família, depósito do conjunto institucional, traduz os conflitos da época”. O indivíduo se define por seu projeto, por ser capaz de fazer e desfazer o que fizeram dele. As condições familiares e culturais poderão mitigar, favorecer, demorar ou precipitar o desenvolvimento, mas não poderão impedir que o adolescente deva elaborar por si mesmo lutos (...) importantes. (ERTHAL, 2004, p. 27). ”Ser no mundo significa existir para si e para o mundo, não apenas o mundo da natureza, configurado em termos humanos, mas também, é claro, o mundo social em que o ser com os outros assegura a realidade no modo da coexistência”. (AUGRAS, 1993, p. 21) Preocupado em sua ambiguidade, o ser no mundo só pode permanecer como ser do projeto, ou seja, assumindo a existência


em sua temporalidade. No caso de V., percebe-se que o motivo inicial de sua busca, motivado pelo baixo rendimento escolar, apenas representava o sintoma que, após ser desvelado, demonstra uma estrutura familiar deficitária, onde as figuras paterna e materna não colocam os limites necessários ao desenvolvimento adequado, traduzindo sua culpabilidade em uma liberdade e superproteção, que coloca em risco o adolescente em sua busca por um lugar no seio familiar. REFERENCIAS ALMEIDA, Fernando José de. Sartre: É Proibido Proibir. 1ª ed.,São Paulo: FTP, 1988, 72 p. ALVES, Raquel Neto. Professora da Disciplina de Clínica Fenomenológico- Existencial – Humanista I - Análise Existencial. Aulas ministradas no Centro Universitário Newton Paiva, curso de Psicologia, 9º período, 2º semestre de 2009. ALBERASTURY, Arminda. Adolescência. 4ª ed.,Porto Alegre: Artes Médicas, 1986, 246 p. ANGERAMI, Valdemar Augusto. Existencialismo e Psicoterapia. 1ª ed., São Paulo: Traço Editora, 1984, 88 p. AUGRAS, Monique. O ser da compreensão: Fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. Petrópolis: Vozes, 1993, 96 p. ERIKSON, Erik H. Identidade Juventude e Crise. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976, 322 p. ERTHAL, Tereza Saldanha. Treinamento em psicoterapia vivencial. Campinas: Livro Pleno, 2004, p.158. ERTHAL, Tereza Saldanha. Psicoterapia vivencial: Uma abordagem existencial em psicoterapia. Campinas: Livro Pleno, 2004, p. 229. MATURANO, Edna Maria; Ferreia, Marlene de Cássia Trivellato Ferreira. (2002). Ambiente familiar e os problemas do comportamento apresentados por crianças com baixo desempenho escolar. Psicologia: Reflexão e crítica, vol. 15, n° 1, Porto Alegre, p.1 -16. SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica. 4ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 782 p.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Nome fictício.

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A Importância da Psicanálise na Dinâmica Social do Indivíduo Déa Maria Moreira de Oliveira1 Geraldo Martins2 RESUMO: O artigo propõe uma discussão sobre as características negativas e positivas da atitude da Psicanálise e do ser humano diante da doença psíquica social, e a busca de um tratamento. Sugere ainda o olhar psicanalítico como sendo um modo cuidadoso de abordar a questão social, bem como refletir sobre o papel do psicólogo neste contexto, uma vez que é sabido que toda prática psíquica é pautada em um querer e buscar entender o que se passa com o “Individuo”. Palavras-chave: Psicanálise. Social. Individuo.

HISTÓRICO A Revolução Industrial e o Capitalismo mudaram definitivamente a forma de convívio em sociedade. A formação de riquezas e o acúmulo de capital proveniente do Sistema Capitalista produzem além do bem estar para muitos poucos, o seu contrário, a miséria para a avassaladora maioria, como bem advoga Rosdolski (2001). A globalização nos tem imposto uma variedade de doenças “sintomas” gerados pelas desigualdades, brigas por poder, egoísmo, individualismo e descrença nunca antes vistos na história da humanidade. Sabemos hoje que a América Latina esta vivenciando a maior desigualdade social do planeta assim como a maior crise existencial do ser humano, o crescimento descontrolado das cidades, perversões, depressão, melancolia, provindas da do Mal-Estar sofrido pela humanidade. Nesta modernidade, observa-se junto com os avanços tecnológicos, uma organização social que convive com a transgressão de normas elementares, abusos e corrupção generalizados, assim como a promoção, para muitos, da exclusão do acesso aos bens e aos modos de gozo imediatos próprios do modelo econômico. Esse modelo gera uma sensação de desproteção aliada a um crescente desamparo discursivo, caracterizado pela fragilização das estruturas discursivas que suportam o vínculo social, contribuindo assim, para os processos de exclusão social e o aparecimento das muitas doenças psicologias. Só é possível o enfrentamento a toda esta conjuntura (que se impõe aos sujeitos que se encontram em vulnerabilidade, entendida aqui como situação de baixa capacidade material, simbólica e comportamental) buscar na terapia enfrentar e superar os desafios com os quais se defrontam muitos indivíduos. Este enfrentamento deve acontecer através da implantação e implementação de políticas públicas de saúde mental e social. Um maior comprometimento e envolvimento dos profissionais da 34 l

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Psicologia com a questão social do individuo. Estas medidas seriam, portanto, um desdobramento da qualidade de vida psíquica. As doenças psíquicas, ou os sintomas sociais nascem hoje tendo como público alvo crianças, adolescentes, adultos e idosos vulnerabilizados pelo crescente Mal-Estar causado pelo crescimento desenfreado da tecnologia, conhecimento, desejo de adquirir e possuir, do gozo desenfreado. Sendo assim, a busca da cura ou tratamento deveria partir da iniciativa pessoal. O indivíduo precisa se conscientizar que o caminho esta na busca do entendimento desse Mal-Estar, desse sintoma, através da terapia. A Psicanálise se alvitra a fortalecer e se propõem a buscar junto com o sujeito caminhos para ajudar na superação de problemas através do conhecimento pessoal, facilitando a sua interação com o social. Atuando até mesmo como um instrumento operacional para desenvolver ações dinâmicas, devidamente planejadas para devido fim, uma quase ação que leve o individuo a valorizar a se mesmo, o aprendizado mútuo, a troca de idéias de experiências, estimulando o desenvolvimento de postura crítica, investindo no desenvolvimento de relacionamentos interpessoais e o respeito às diferenças. Podendo assim, atingir as varias dimensões (lógica, cognitiva, reflexiva, afetiva, ética, estética e lúdica) nesse desenvolvimento integral do sujeito. A PRÁTICA DO PSICÓLOGO NO SOCIAL SOB ORIENTAÇÃO DA PSICANÁLISE. Davidoff (1983) afirma ser a psicanálise uma das quatro visões atuais da psicologia moderna e que muitos psicólogos orientados psicanaliticamente desenvolvem suas práticas nas mais variadas atividades. A psicanálise coloca que os objetos e as emoções humanas tornaram-se os produtos mais elaborados de uma cultura que se caracteriza pela criação contínua do lixo e do desperdício. (MRECH, 1999).


A possibilidade da intervenção psicológica de orientação psicanalítica no social pode achar alguma direção na contribuição que a psicanálise possibilita à educação. Esta contribuição viável da psicanálise se faz no sentido da forma de participação do próprio sujeito na sociedade. Para a educação o discurso psicanalítico propõe que seria desejável que ela deveria se interessar pelo desejo do aprendiz, o que ele deseja saber e aprender é o primeiro passo, afinal o saber só é possível se houver o desejo em aprender. Se isto se faz possível, existe uma possibilidade de repetição com a atividade psíquica, social e educativa. Para isso deve-se erguer um processo de construção de aprendizagem cidadã, o sujeito participa desde o início da arquitetura da própria atividade, logo, este primeiro processo de construção despertaria no indivíduo um desejo em aprender sobre ele mesmo e o que esta sendo edificado por ele mesmo. A psicanálise pode contribuir também para articular, ressignificar e transformar os elementos simbólicos e causadores de estresse de grupos que vivem as fragmentações da vida social e cultural contemporânea. Esta sociedade contemporânea é a sociedade do esteriótipo, das crenças prévias, de como as pessoas devem pensar e sentir, e por mais que esta forma de organização nos venda o saber e as imagens estereotipadas como verdadeiras fontes de saber, podemos através do saber de nós mesmos não acreditar nelas ou não nos encontrarmos por elas representados. Para a psicanálise, os estereótipos, as imagens, e os preconceitos são fenômenos essencialmente imaginários, ou seja, aquilo que em função de imagens o sujeito acredita e dá validade. Se o imaginário, para a psicanálise, é o registro daquilo que se congela da imagem fixada no espelho, é possível que o sujeito se perceba como não inserido nela, ou seja, podendo dela sair. Assim a psicanálise pode levar a compreensão dos estereótipos e da saída deles. O psicólogo pode alterar o que está posto, ou seja, ao que Lacan (1964) sugere como “o que estava lá há um bocado de tempo antes que viéssemos ao mundo, e cujas estruturas circulantes nos determinam como sujeito”. Assim, dentro de uma orientação psicanalítica, o psicólogo pode proporcionar dentro de um contexto social atividades que venham dar possibilidade ao sujeito de elaborar um saber a respeito do seu próprio processo, que possibilite a ele se localizar frente à lógica. A prática psicológica, independente da teoria que a dá suporte em questões sociais, ainda é relativamente nova, confundindo-se apenas com a escuta qualificada e acolhimento, fortalecimento, promoção de autoestima e superação de violência.

No geral, as atividades consideradas próprias e exclusivas deste profissional foram sempre aquelas essencialmente clínicas, individuais ou em grupo. Outro fato é que as diferentes compreensões sobre o que é próprio e específico do psicólogo também indicam indefinição do lugar deste profissional, e remetem à discussão sobre os limites e as possibilidades de intervenção deste. O que é esperado do trabalho do psicólogo é que este vá ao encontro de produzir no sujeito participante um efeito estruturante e organizador das questões as quais está inserido o sujeito em vulnerabilidade social. Assim, este fazer do psicólogo utilizando-se da orientação psicanalítica, no tocante à reconstrução deste lugar em que o sujeito esta inserido na sociedade, pode oferecer subsídios para a construção junto ao individuo social, novas possibilidades e espaços para o protagonismo social, auxiliando o sujeito a perceber a lógica em que se encontra engendrado e o caminho pelo qual este indivíduo poderá ressignificar sua vida pessoal, familiar e comunitária, consequentemente cidadã. Minimizando e aprendendo a lidar com este sintoma causado pelo Mal-Estar da civilização Moderna. É obvio que outras vertentes teóricas podem auxiliar o trabalho do psicólogo nessa construção, mas é sempre muito importante ressaltar que, independente da escolha teórico-metodológica que o psicólogo lançará mão, o protagonismo social, a busca pela compreensão de se mesmo, a cidadania e a sensação de bem-estar sejam os objetivos finais destas atividades. As possibilidades de intervenção são inúmeras, principalmente neste âmbito de aprendizagem, e cabe aos profissionais envolvidos nestas reafirmarem sua postura, visando sempre o enfrentamento da vulnerabilidade social e pessoal do individuo em que estão inseridos neste fenômeno de Mal-Estar social desencadeado pela Modernidade. REFERENCIAS FREUD, S. (1987b). O Mal-Estar na Civilização (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 21). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1930[1929]). DAVIDOFF, L. L.. Introdução à psicologia. São Paulo: McGraw-Hill. (1983) DUPAS, M. A. Psicanálise e Educação: Construção do Vínculo e Desenvolvimento do Pensar. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2008; LUCENA FILHO, E.L. Reflexões Sobre o Psicólogo no CRAS: A Possibilidade de Si Perceber. In Redepsi, Revista de Psicologia <http://www.redepsi.com.br/ portal/modu ... tion/item.php?itemid=1195.> MRECH, L.M. Psicanálise e Educação: Novos Operadores de Leitura. São Revista de Psicologia l

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Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2003. PEDROSO, R. C. Violência e Cidadania no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 2003; ROSDOLSKIR..Gênese e estrutura de O Capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001;

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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Ser-em-relação: a comunicação entre terapeuta e cliente Débora Patrícia Oliveira Pereira1 Juliana Brandão2 RESUMO: Este artigo irá discorrer sobre o caso clínico de NM, atendida na clínica-escola do Centro Universitário Newton Paiva durante dois meses. Os atendimentos foram pautados no compromisso de criar um clima promotor de crescimento através das atitudes facilitadoras da Abordagem Centrada na Pessoa de Carl Rogers, que acredita no potencial que a pessoa tem de se desenvolver. Assim, foi possível compreender NM e acompanhá-la em sua resignificação, encontrando o ser que havia se perdido. Palavras-chave: Condições facilitadoras. Tipos de intervenções. Comunicação. Relação terapêutica.

NM., trinta e um anos, sexo feminino, na época, casada e com três filhos, tomou conhecimento da clínica de psicologia por meio da clínica de odontologia da Newton Paiva, que a indicou ao acompanhamento psicoterapêutico. No primeiro atendimento, NM chorou muito e relatou estar passando por momentos difíceis após a separação conjugal, queixando não ter força para nada. Relatou um vazio profundo, ter crises nervosas nas quais perde o sentido e o controle do corpo e que treme muito. Não dorme, não se alimenta e vive também uma angústia que faz com que sinta o peito apertado, um vazio, a falta de um sentido para sua vida. Diz que fica em casa chorando o tempo todo. A respeito desse primeiro atendimento, a estagiária de psicologia fazia intervenções em forma de reiteração, na tentativa de que a cliente se sentisse compreendida. Segundo Tambara e Freire (2007, p.128), reiteração é uma forma de comunicação na qual o terapeuta não acrescenta novos elementos ao que fora comunicado pelo cliente. “Consiste em resumir ou reproduzir algumas palavras significativas de comunicação do cliente.” Aparentemente muito simples, esta forma de comunicação possui um grande poder para ativar as forças de autonomia e crescimento do cliente, se estiverem presentes também as condições facilitadoras, que aqui serão brevemente abordadas. A primeira condição facilitadora descrita por Rogers (1983) é a aceitação incondicional que implica ser uma pessoa não-crítica, uma pessoa positiva, com atitude de aceitação com relação a qualquer coisa que outra pessoa venha a apresentar no momento. Compreensão empática é outra condição facilitadora, é sentir cuidadosamente os sentimentos e significados pessoais que estão sendo vivenciados pela pessoa, e comunicar esta atitude de aceitação e entendimento à mesma. É escutar de forma especial. E, por fim, congruência, que significa que o terapeuta está vivendo

abertamente os sentimentos e atitudes que fluem naquele momento e se faz transparente para o cliente. ROGERS (1983) afirma que, se as pessoas são aceitas e consideradas, elas tendem a desenvolver uma atitude de maior consideração em relação a si mesmas. Quando as pessoas são ouvidas de modo empático, isto lhes possibilita ouvir mais cuidadosamente o fluxo de suas experiências internas. Mas à medida que uma pessoa compreende e considera o seu eu, este se torna mais congruente com suas próprias experiências internas. A pessoa torna-se então mais verdadeira, mais genuína. Essas tendências, que são a recíproca das atitudes do terapeuta, permitem que a pessoa seja uma propiciadora mais eficiente de seu próprio crescimento. Sente-se mais livre para ser uma pessoa verdadeira e integral. (ROGERS 1962 apud ROGERS 1983). Essas condições são imprescindíveis para o desenvolvimento do processo terapêutico, pois propiciam um clima de desenvolvimento e de crescimento em um ambiente psicológico. Quando estão presentes, ocorrem mudanças ma personalidade e no comportamento da pessoa. Voltando ao caso estudado, na segunda sessão, NM relatou o motivo pelo qual o marido havia saído de casa: disse ter descoberto traição do marido. Em suas falas, foram percebidos vários sentimentos: raiva, nervosismo, ódio, desapontamento. Intervenções de reflexo de sentimentos foram feitas no sentido de indicar à cliente que ela está sendo ouvida, compreendida. “No reflexo de sentimentos o terapeuta comunica ao cliente os sentimentos que ele percebe nas “entrelinhas” de suas palavras.” Revista de Psicologia l

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(TAMBARA; FREIRE, 2007, p.131). Na sessão seguinte, NM demonstrava em suas falas uma pequena esperança de reconciliação com o marido, para que pudesse preencher o vazio deixado na família. Mas, com o passar dos dias, em encontros com o marido (encontros onde discutiam e brigavam muito, segundo seu relato), NM relatava que sentia mais nojo do marido, lembrava do que ele tinha feito a ela, que a tinha deixado e deixado seus filhos pequenos, lembrava o quanto ela fora humilhada pelo marido que a chamava de velha. NM era de uma igreja que relatava ser muito rígida: não podia cortar cabelos, usar roupas que mostrasse braços e pernas, maquiagem, nem brincos ou colares. Então tinha os cabelos grandes e brancos e vivia boa parte de seu tempo dedicada à igreja, deixando de lado os cuidados de si mesma. Para Rogers (1983), o indivíduo tem dentro de si mesmo vastos recursos para autocompreensão, com função de alterar seus conceitos sobre si mesmo, suas atitudes e de seu comportamento autônomo. Em processo terapêutico, era possível ver NM caminhando em direção ao crescimento. A cada sessão, NM parecia ter alterado os conceitos sobre si mesmo, apareceu com cabelos cortados e pintados, unhas bem feitas, colares e brincos. Mas uma coisa chamava a atenção: tinha marcas nos braços as quais dizia ser ela mesma que provocava em momentos de nervosismo e raiva, e que os fazia sem sentir. Nesses momentos, a terapeuta comunicava a ela sua compreensão através de intervenções em forma de elucidação. “Na elucidação o terapeuta comunica sua compreensão de significados ou sentimentos que ainda não foram simbolizados pelo cliente, isto é, na elucidação, o terapeuta faz referência a experiências que o cliente não integrou no seu auto-conceito.” (TAMBARA; FREIRE, 2007, p.139). Após a seguinte intervenção: “Não sei se lhe entendi bem, mas parece que esse seu comportamento de se machucar diz respeito aos momentos em que está nervosa pensando no que seu marido fez com você. É isto?”, a cliente responde: “- É isso mesmo. Fico muito nervosa quando penso nele, sinto uma raiva muito grande dele, e quando vejo já me machuquei.” Nessa mesma sessão, NM relata que o reconciliamento com o marido é algo que não vai dar certo e que não quer alimentar uma esperança nela e nos filhos, pois sabe que não tem futuro. Relata que só pensa em seguir sua vida, cuidar dos filhos, procurar um emprego, ou seja, ter uma vida nova. Pode-se perceber que NM mudou suas atitudes e seus comportamentos, encontrando uma nova relação com o seu mundo e com o mundo exterior. Segundo Rogers (1983), “o indivíduo, em seu estado normal, busca a sua própria realização, a auto-regulação e a independência do controle exterior”. Isso se afirma em outra sessão em que 38 l

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NM relata que as coisas estavam melhorando a cada dia. NM tem uma atitude de maior aceitação em relação a si mesmo, fala que percebe sua mudança tanto fisicamente quanto em seus comportamentos: “Percebo que mudei muito desde a primeira vez que vim aqui. Cheguei aqui desesperada e olha (mostra as mãos sem tremer), nem estou tremendo mais. As pessoas também têm percebido isso, pois chegam para mim e falam.“ Relatou que não treme mais como antes, que quando fica nervosa controla sua mão para não se machucar, e que quer viver uma nova vida, cuidar dos filhos e seguir em frente. A relação terapêutica estava proporcionando à cliente um pensamento reflexivo sobre sua vida, sobre si mesma. Ficou clara a importância das atitudes facilitadoras de um clima promotor de crescimento, pois através delas e da comunicação entre terapeuta-cliente é que foi possível o crescimento e desenvolvimento de NM. REFERENCIAS ROGERS, Carl Ranson; ROSENBERG, Rachel Lea. A pessoa como centro. São Paulo: E.P.U., 1977. ROGERS, Carl Ranson. Um jeito de Ser. Trad. Maria Cristina Machado Kupfer, Heloísa Lebrão, Yone Souza Patto. São Paulo: E.P.U., 1983. 156p. TAMBARA, Newton; FREIRE, Elizabeth. Terapia Centrada no Cliente: teoria e prática: um caminho sem volta. 2ª ed. Porto Alegre: Delphos, 2007. 192p.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.


A disfunção do desejo sexual feminino e a terapia comportamental Denise Viana de Mello Dutra1 Maxleila Reis2 RESUMO:O presente artigo tem como objetivo demonstrar a relevância da terapia comportamental no tratamento de uma das disfunções sexuais mais presentes em consultórios, a disfunção do desejo sexual. Muitas mulheres só procuram uma clínica psicológica em busca de ajuda quando esta disfunção está comprometendo o seu relacionamento e sua vida. A Terapia Comportamental possibilitará que a mulher identifique eventos ou acontecimentos importantes que podem influenciar em seu desempenho sexual. Palavras-chave: Disfunção do desejo. Terapia comportamental. Análise Funcional INTRODUÇÃO O processo de atividade sexual é muito complexo, visto que tanto os sistemas orgânicos (neurológico, endócrino e vascular) como os aspectos psicológicos devem estar resguardados. Na maior parte dos casos, os aspectos psicológicos apresentam grande influência através da cultura, educação e religiosidade. A exposição às contingências socioculturais como família, religião e regras aprendidas a respeito do sexo controlam a respostas sexuais tanto de forma adequada quanto de forma aversiva. Apesar da percepção de que as mulheres têm o direito de se satisfazerem sexualmente, a influência sociocultural frequentemente as coloca em uma posição de preencher o papel meramente reprodutivo, retirando, portanto, a permissão do prazer sexual feminino, e com isto trazendo a culpa por sentir tais desejos. As mulheres não podem apagar sua sexualidade psicossocial (identidade sexual sendo mulher), mas podem negar a capacidade biofísica da função sexual natural por supressão física ou psicológica, condicionada ou deliberadamente controlada, da relação sexual. (MASTERS;JOHNSON, 1985, p. 162) A ausência do desejo sexual faz com que a mulher não se sinta disponível para o sexo, e com isto, quando o parceiro a procura, ela se sente invadida, esquivando-se do contato sexual. De acordo com Pedrosa (2009), o desejo é a “fase da resposta sexual humana em que estão presentes fantasias sexuais e estímulos visuais, auditivos, olfativos, gustativos e táteis que prepararão o organismo (corpo e mente) para um possível ato sexual”. Uma relação sexual disfuncional pode acarretar vários desgastes na vida do indivíduo, visto que ocorre entre outros, o comprometimento da autoestima. Em momentos propícios para a relação sexual, muitas pessoas podem apresentar ansiedade,

medo, vergonha ou mesmo fuga desta situação aversiva a elas. Uma mulher estará apta aos prazeres sexuais não só porque seu corpo está sendo estimulado, mas também porque sua relação consigo mesma e a relação emocional com o outro permitem-lhe desfrutar de tal entrega. (BARBACH, 1975, apud SILVA, 2001, p.54) Uma história de relacionamentos sexuais inadequada pode levar a mulher a diminuir o valor reforçador da atividade sexual. Os estímulos advindos da resposta sexual podem tanto serem enfraquecedores como fortalecedores. O reforço, além de fortalecer o comportamento público que o produziu, aumentando sua frequência, produz efeitos sobre comportamento encobertos relacionados ao pensar e ao sentir. No entanto, a punição e a extinção, além de enfraquecerem, ou seja, diminuírem a probabilidade de ocorrência do comportamento que as produziu, geram “efeitos colaterais” sobre o mundo privado de um individuo. (SKINNER, 2000 apud Silva, Marinho e Mousinho 2007, p. 147) As informações inadequadas sobre a relação sexual podem ser aprendidas através da ausência de repertórios ou por emissão de respostas disfuncionais no contexto sexual. Ou seja, cada pessoa apresenta uma história de aprendizagem efetiva, como também sua própria história sexual, na qual qualquer estímulo pode se tornar tanto funcional como disfuncional no controle da resposta sexual. De acordo com Barbach (1975, apud SILVA, 2001, p. 55), várias mulheres têm falsas crenças, medos e expectativas errôneas em relação ao seu potencial sexual. Essas crenças são frequentemente mencionadas em seus grupos terapêuticos, tais como: Revista de Psicologia l

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- Sexo deve ser algo natural, não precisa ser aprendido; - Os homens que devem estimular e ensinar as suas parceiras sobre o sexo; - A importância do sexo é maior para os homens do que para as mulheres. - Percepção negativa em relação aos genitais e práticas sexuais; - Medo de rejeição do parceiro por não serem “quentes” na cama. (BARBACH, 1975, apud SILVA, 2001, p. 55) TERAPIA COMPORTAMENTAL A análise funcional é o principal instrumento do terapeuta comportamental. Essa análise consiste em fazer um levantamento criterioso das variáveis que controlam o comportamento, que nada mais são do que eventos e acontecimentos que fazem parte do cotidiano das pessoas. A partir do levantamento dessas variáveis é possível criar estratégias que melhorem e aumentem o bem-estar do cliente, através do aumento da frequência de comportamentos desejáveis e funcionais, que promovam a satisfação pessoal. [...] O objetivo geral da terapia comportamental, pode ser enunciado como o de criar novas condições de aprendizagem de estratégias funcionais de ação e, consequentemente, de avaliação e correção, buscando eliminar o comportamento desajustado. De forma mais específica e elaborada, a Terapia Comportamental implica, portanto, a identificação e a análise das funções que os comportamentos problemáticos têm, para que metas de aprendizagem de outras funções possam ser implementadas e treinadas. O propósito desse processo é o de criar (novas) condições para a aquisição de repertórios diferenciados de comportamento eficiente. (MACHADO, 2002, p. 51) Zeglio (2001) diz que através de aprendizados, o cliente irá perceber seus pensamentos, idéias preconcebidas, sentimento de culpa, evitação do contato sexual, fantasias contrárias à intimidade e ao compromisso, que contribuem para o estabelecimento de formas inadequadas de comunicação entre ela e sua parceria sexual. Dentro do processo terapêutico, são usadas algumas técnicas comportamentais para possibilitar maior êxito no tratamento que, de acordo com Rodrigues Júnior (2001), elas têm a função de restabelecer o equilíbrio emocional do indivíduo. De acordo com Zeglia (2001), a disfunção sexual que mais tem levado mulheres e casais para tratamento em consultórios psicoterápicos é a disfunção do desejo. É importante que a mulher perce40 l

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ba que é necessário se conhecer, ter informações sobre seu corpo e suas respostas sexuais, como também saber avaliar a história de vida pessoal e social e os impactos desta em sua vida sexual. A assertividade é outro fator primordial, visto que a mulher deve saber expressar de forma espontânea seus pensamentos e sentimentos. A terapia comportamental, através da análise funcional, ajudará a mulher a identificar eventos ou acontecimentos importantes em sua história de vida que poderão influenciar no seu desempenho sexual, e a partir deste levantamento, criar estratégias que aumentem sua capacidade sexual funcional, aumentando assim o bem-estar e realização, além de restabelecer o equilíbrio emocional da cliente. REFERÊNCIAS BARBACH, L.G. FOR YOURSELF FULFILLMENT OF FEMALE SEXUALITY. Nova York, Doubleday, 1975. apud SILVA, Maria do Carmo de Andrade e. A história da terapia sexual. In: RODRIGUES JR, Oswaldo M. (Org.) Aprimorando a saúde sexual: manual de técnicas de terapia sexual. São Paulo: Summus, 2001. p. 54-57. MACHADO, S.A. Sobre terapia comportamental: questões freqüentes da comunidade. In: TEIXEIRA, A.M.S.; MACHADO, A.M.; ASSUNÇÃO, M.R.B.; CASTANHEIRA, S.S. (Org.). Ciência do Comportamento: Conhecer e avançar. Santo André: ESETec Editores Associados, v.1, p. 44-64, 2002. MASTERS, WILLIAM H.; JOHNSON, VIRGINIA E. A inadequação sexual humana. Roca, 1985. 364p. PEDROSA, João Batista. Terapia comportamental no tratamento da disfunção sexual. Disponível em: <http://www.syntony.com.br/pedrosa/artigos. asp?artMes=ago2006b.asp&submit0306.x=5&submit0306.y=7>. Acesso em 3 mar. 2009. RODRIGUES JR, Oswaldo M. O processo terapêutico em sexologia. In:__________. Aprimorando a saúde sexual: manual de técnicas de terapia sexual. São Paulo: Summus, 2001. p. 85-96 SKINNER, BF. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 2000. apud SILVA, Antônio Isidro da; MARINHO, Geison Isidro; MOUSINHO, Liana da Silva. Terapia sexual sob a perspectiva analítico-comportamental. In: Starling, R. R. (Org.). Sobre comportamento e cognição. Santo André: Esetec, 2007. v.19, cap 12, p. 147. ZEGLIO, Carla. Inibição do desejo sexual feminino. In: RODRIGUES JR, Oswaldo M. (Org.) Aprimorando a saúde sexual: manual de técnicas de terapia sexual. São Paulo: Summus, 2001. p. 327-335.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.


A Clínica Fenomenológica-Existencial Elce Queiroz Almeida1 Raquel Neto2 RESUMO:O presente artigo tem como objetivo abordar questões observadas na prática dos estágios supervisionados a partir dos pressupostos da abordagem Fenomenológica. Aborda, também, os pressupostos de uma relação terapêutica, bem como os principais pontos a serem trabalhados com o cliente nesta relação. Palavras–chave: Existencialismo. Humanismo. Relação Terapêutica. Intervenção Terapêutica.

O existencialismo é primeiramente uma corrente filosófica que busca compreender a condição humana. Neste contexto, refere-se a um movimento, concebendo o ser humano como um ser emergente, que não possui uma essência definidora, pois sua existência precede a sua essência. A máxima do existencialismo é encontrada na afirmação de Jean Paul Sartre “a existência precede a essência”, o que significa dizer que, antes de tudo, o homem cria a essência, dentro da sua própria existência. Isto representa uma parte consistente do que Sartre enfatiza quando diz: “Nós somos o que escolhemos ser” (MAY, 1977, p.132) Conforme May (1977), a abordagem existencialista não é um sistema de terapia, mas uma atitude frente à terapia; não é um conjunto de novas técnicas, mas uma preocupação com a compreensão da estrutura do ser humano, características estas que devem estar presentes em todas as técnicas. A base da relação terapêutica na fenomenologia é a escuta e a fala. A fala permite ao cliente uma melhor compreensão e percepção de si mesmo. O cliente é um ser emergente, em transformação durante todo o processo psicoterápico, considerado um ser responsável por suas escolhas. O terapeuta existencial trabalha com a aceitação da escolha do indivíduo e responsabilidade sob as escolhas. A escuta é uma habilidade básica do terapeuta, que segundo Giovanetti (1993), revela uma postura mais dinâmica, que exige uma atenção maior para aquilo que se passa, uma interrogação sobre o significado mais profundo do que é dito. A relação terapêutica nada mais é que uma relação humana, na qual se proporciona a ambos os envolvidos – terapeuta e cliente, um meio de aprendizado de si mesmo e para o terapeuta, principalmente, um aprendizado da dinâmica do outro. O psicoterapeuta existencial deve procurar sempre conhecer a si mesmo e trabalhar suas questões pessoais mais conflituosas, para que durante o proces-

so psicoterapêutico possa ocupar o lugar do outro sem emitir juízo de valor. Conforme Erthal (1995), “... o terapeuta deve ser autocongruente e transparente, desejando se envolver com o cliente como uma pessoa completa. Precisa compreender e aceitar o seu “self” tanto quanto o de outros indivíduos”. Durante o processo psicoterápico, o psicoterapeuta procura focalizar a vivência do cliente como um todo, buscando informação sobre vários contextos da vida do cliente como, por exemplo, saber seu relacionamento com a família, com colegas de trabalho, com amigos e na vida sentimental. Dessa forma, o terapeuta poderá conhecer toda a dinâmica do paciente e focalizar posteriormente em pontos conflituosos que se repetem em diferentes contextos. É preciso salientar que o terapeuta deve examinar e apreender a linguagem verbal e não verbal do cliente, sempre baseado no contexto. Nas palavras de Erthal (1995) “Não se pode não comunicar. O silêncio, a imobilidade ou qualquer outra forma de renuncia já é em si uma comunicação”. O terapeuta na fenomenologia existencial busca apreender o cliente para realizar intervenções mais assertivas a partir da fala verbal ou não verbal do cliente. Para Erthal (1995), o terapeuta precisa ser capaz de entender seu cliente, compreender suas declarações e responder de maneira que facilite a realização dos objetivos fixados. A partir dessas intervenções, o cliente passará a perceber seus comportamentos e principalmente a sua responsabilidade sobre eles, podendo o terapeuta sinalizar o cliente de suas condutas e comunicação não verbal. A partir das intervenções do terapeuta, grande parte dos clientes demonstra resistência, principalmente em momento de tomar decisões assertivas. Segundo Poltster (1977), “O que normalmente é considerado resistência não é apenas uma barreira inerte que deve ser removida, mas uma força criativa para administrar um mundo difícil.” Quando o cliente passa a ser resistente às mudanças, embora demonstre e fale que tem percepção que precisa tomar outras atitudes, ele passa por um processo de confronto consigo mesmo, podendo a princípio não saber difeRevista de Psicologia l

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renciar o que é seu, uma característica sua com a do outro. Um ponto importante observado nos atendimentos clínicos é o contato que o cliente estabelece com o terapeuta e com as pessoas do seu convívio. As experiências de vida, a capacidade de adaptação e a readaptação do cliente serão determinantes para estabelecer a forma de contato do cliente. Todo contato apresenta uma fronteira que deve ser respeitada e, se for da escolha do cliente, expandi-la, o que mostrará um grande crescimento pessoal, mas sempre respeitando o limite. A seletividade para o contato, determinada pela fronteira do eu do individuo, irá governar o estilo de sua vida, incluindo a sua escolha de amigos, o trabalho, a geografia, a fantasia, o fazer amor e todas as outras experiências que sejam psicologicamente relevantes para a sua existência. (POLTSTER, 1997, p.122). Na prática clínica, encontramos clientes que não conseguem assumir a responsabilidade das suas escolhas, “delegando essa tarefa” para outras pessoas. Ainda vinculado a esse comportamento, vimos clientes totalmente dependentes da atitude e da opinião de outras pessoas. Segundo Rogers (1977), o homem não é autêntico consigo mesmo, nem com a sua própria avaliação orgânica da experiência, pois na busca de preservar a estima de outras, passa a introjetar valores de outros, abandonando os seus. Enfim, o terapeuta no processo psicoterápico apreende a mensagem do cliente, deixando de lado seus valores e se insere no mundo do outro, valorizando o contexto e enxergando além das formas de expressão utilizadas pelo cliente. A comunicação entre terapeuta e o cliente ultrapassa o nível da fala, fluindo pelos gestos, tons de voz e expressões corporais. O processo terapêutico fenomenológico existencial tem como base trabalhar com o cliente suas escolhas e suas responsabilidades sob elas, além de conscientizá-lo, abordando conteúdos tragos em sua fala verbal e não verbal, presentificando acontecimentos passados e futuros. Assim, o cliente passará a apreender mais sobre si mesmo e a ser mais responsável com as suas escolhas. REFERENCIA GUIMARÃES, C.G. A Angustia de ser em liberdade. “De um curso a um discurso” - A Clinica em Trans – Formação. 23ª Jornada de Psicologia. Centro universitário Newton Paiva. Belo Horizonte, 2007. CARVALHO, L. C. Clinica Existencial Fenomenológica - CAMT. “De um curso a um discurso” - A Clinica em Trans – Formação. 23ª Jornada de Psicologia. Centro universitário Newton Paiva. Belo Horizonte, 2007.

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ERTHAL, Teresa Cristina S. Treinamento em psicoterapia Vivencial. Petrópolis, RJ. Ed. Vozes, 1994. GIOVANETTI, J.P. O encontro na perspectiva terapêutica existencial. Cadernos de Psicologia. V. 1, n. 1, Jun.1993. p.31-34. MAY, R. Psicologia Existencial. IN Millow; Teorias da Psicopatologia e Personalidade. RJ, Interamexicana, 1977. POLTSTER, E. & M. Terapia Integrada. Editora Summus, 1977. ROGERS, C. Uma Teoria da Personalidade. IN Millon; T. Teorias da Psicopatologia e Personalidade. RJ, Interamexicana, 1977

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva


O transtorno de pânico além das técnicas:Um estudo sobre o Transtorno de Pânico com foco na Análise do Comportamento. “Não considere nenhuma prática como imutável. Mude e esteja pronto a mudar novamente. Não aceite verdade eterna. Experimente.” B.F. Skinner. Elisângela Silva Nogueira1 Maxleila Reis2 RESUMO: Este trabalho tem por objetivo estabelecer uma discussão referente à prática do Estágio VI e VII em Clínica Comportamental, realizado na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, o qual proporcionou atendimento clínico de clientes que relatavam experimentar reações corporais compatíveis com as manifestações de Transtorno de Pânico. No entanto, é feita uma articulação teórica com foco na Análise do Comportamento e o Transtorno de Pânico. Características desse transtorno de ansiedade são apresentadas conforme definição do DSM IV, além de abordar a ansiedade sob a perspectiva da Teoria Comportamental. A utilização das técnicas também é ressaltada, sendo feita uma discussão quanto à sua utilização, de forma que destaca a importância da Análise Funcional em casos de Transtorno de Pânico. Palavras-chave: Transtorno de Pânico. Análise Funcional. Uso das técnicas.

INTRODUÇÃO O estudo sobre o transtorno de pânico será abordado sob o enfoque da Teoria Comportamental e inclui uso da análise funcional do comportamento. É a partir da identificação das variáveis e explicitação das contingências que controlam o comportamento, que torna-se possível o levantamento de hipóteses acerca da aquisição e manutenção dos repertórios considerados problemáticos e, portanto, possibilita o planejamento de novos padrões comportamentais. (DELITTI, 1997). Dessa forma, o objetivo deste trabalho é apresentar a importância da análise das variáveis ambientais (das quais o comportamento é função), além de apresentar o uso das técnicas em casos de pânico. No entanto, é enfatizada a importância de uma análise funcional antes mesmo de se intervir com as técnicas apenas por usar. O não ser para outro. O transtorno de pânico é um dos transtornos classificados como de ansiedade, conforme descrito no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM IV). Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) a ansiedade é uma das responsáveis pela metade (740 milhões de pessoas) das doenças mentais existentes no mundo e, em 2020, será a segunda maior causa de incapacitação. O transtorno de pânico atinge de 2% a 4% da população mundial, de acordo com a OMS. O transtorno de pânico caracteriza-se pela presença de ataques repentinos de ansiedade como taquicardia, sudorese, falta de ar, tremores, tonteiras, pernas bambas, formigamentos entre

outros; além de ideação de morte por sufocamento ou ataque cardíaco, loucura, perda de controle e desmaio (BERNIK e RANGÉ, 2001). Ainda conforme os mesmos autores, a experiência de quem tem um ataque de pânico é aterrorizadora, pois há uma enorme ansiedade na expectativa de que algo assim possa acontecer novamente e que da próxima vez não haja escapatória. Os ataques de pânico apresentam características específicas de acordo com o DSM IV (1995), sendo definidas da seguinte maneira: “A característica essencial de um ataque de pânico é um período distinto de intenso medo ou desconforto acompanhado por pelo menos 4 a 13 sintomas somáticos ou cognitvos. O ataque tem um inicio súbito e aumenta rapidamente, atingindo um pico em geral em 10 minutos ou menos, sendo com frequência acompanhado por um sentimento de perigo ou catástrofe iminente e um anseio por escapar.” (DSM IV, 1995, p. 376). Deve-se levar em conta também a preocupação com as consequências e a alteração comportamental significativa provocada por esses ataques. Sendo então o pânico um transtorno de ansiedade, cabe ressaltar o constructo de ansiedade na perspectiva da Teoria Comportamental. Conforme Banaco e Zamignani (2005, p.77Revista de Psicologia l

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78), “a ansiedade tem sido definida como um estado emocional desagradável acompanhado de desconforto somático, que guarda relação com outra emoção - o medo”. Porém, esse estado emocional está atrelado a um evento futuro que muitas vezes não condiz com a realidade, ou não se adequa a uma ameaça real. Os mesmos autores definem a ansiedade como um futuro carregado de aversividade. Ainda de acordo com Banaco e Zamignani (2005), a ansiedade é composta por respostas que modificam o ambiente, ou seja, são operantes. Além de ser uma resposta reflexa perante um estímulo aversivo condicionado, a ansiedade seria também composta de respostas operantes de fuga e esquiva de estímulos aversivos incondicionados e condicionados. No que se refere ao transtorno de pânico, os mesmos autores (2005) descrevem uma situação de crise da seguinte maneira: Podemos aqui imaginar uma situação na qual pela primeira vez ocorreu um ataque de pânico. A primeira resposta ansiosa ocorreu como um reflexo incondicionado eliciado pela ativação biológica do organismo, configurando um ataque de pânico. Essa resposta, entretanto, ocorreu em um contexto no qual estavam presentes muitos outros estímulos; além disso, outras respostas (públicas e privadas) do indivíduo poderiam estar sendo emitidas no momento do ataque. Os estímulos que estavam presentes na ocasião do ataque de pânico, bem como as respostas que o indivíduo emitia no momento podem, por associação com o estímulo aversivo incondicionado, adquirir a função de estímulo aversivo condicionado e estímulo discriminativo para a emissão de respostas de esquiva. As funções eliciadoras e discriminativas desses estímulos condicionados, por sua vez, podem ser transferidas para outros estímulos por meio de novos pareamentos, pelo processo de generalização de estímulos, ou ainda por meio da formação de classes equivalentes de estímulos. Vale lembrar que inclusive as respostas que o indivíduo emitia podem ser sujeitas aos mesmos processos, adquirindo a função de estímulos eliciadores e discriminativos condicionados. (BANACO E ZAMIGNANI, 2005). Por meio dessa análise, fica revelado o enorme conjunto de estímulos e respostas que podem ter relações com as respostas ansiosas (Banaco e Zamignani, 2005). Portanto, para identificar os estímulos e respostas que estão relacionadas com as respostas ansiosas, cabe fazer uma análise funcional para verificar quais as contingências que controlam o comportamento do cliente. Na Análise Funcional, cabe analisar em que contexto ou situações 44 l

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uma resposta ocorre, analisar a resposta em si e que consequências elas trazem para a vida da pessoa. Delitti (1997) destaca que o comportamento do cliente é o foco primário da análise funcional e que tal comportamento tem uma função. O cliente é alguém que se encontra em uma situação que considera aversiva e procura o terapeuta para que este quadro se altere. Pode-se dizer que a proposta de mudança está na análise das contingências que controlam o comportamento do cliente, ou seja, descrever dentro de quais determinadas circunstâncias o indivíduo responde daquela forma e quais consequências se seguem a essa resposta, de forma a mantê-la (BANACO, 1999). Ainda conforme Banaco (1999) qualquer mudança nas circunstâncias, na resposta ou na conseqüência, modificará toda a relação, e, portanto, o comportamento. A Análise Funcional possibilita que o terapeuta avalie a história de vida do indivíduo, para entender de que forma sua história de aprendizagem produz efeitos em seus comportamentos atuais. O terapeuta poderá então avaliar o repertório existente no passado, a capacidade de discriminação do cliente e as contingências que atuaram na instalação ou não daquele conjunto de padrões comportamentais. A partir desta avaliação, e da análise de sua relação com o ambiente, será possível levantar hipóteses acerca de por que determinados padrões comportamentais permanecem (por regras) mesmo quando as contingências são totalmente diferentes. (DELLITI, 2003, p. 39). É a partir da análise funcional que se levantará as hipóteses referentes ao caso e, assim, estabelecer quais são os objetivos terapêuticos e propor relações de contingências como meio de enfraquecer ou eliminar comportamentos do repertório do indivíduo. Gongora (2003) destaca que, para saber se existe um problema clínico e se caberia um tratamento, é preciso proceder à análise funcional do comportamento problema. É preciso ver quais variáveis são responsáveis por este comportamento e também quanto ele pode ser desadaptativo para a pessoa. A autora (2003) ainda propõe a análise do repertório total do cliente e não apenas de uma classe isolada de comportamento. No transtorno de pânico, pessoas pouco assertivas, com um repertório pouco eficaz para obter reforço social positivo, com o tempo, podem vir a sentirem ansiosas como um possível efeito colateral de um repertório pouco reforçado positivamente. Partindo de tal pressuposto, cabe ressaltar que “o indivíduo não tem o problema dentro dele, não padece da doença. O que interessa é modificar a forma pela qual a relação entre indivíduo e seu ambiente se estabeleceu”. (BANACO, 1999, p.78).


Percebe-se, portanto, que as intervenções em casos de transtorno de pânico, de acordo com a Teoria Comportamental, estão diretamente atreladas à análise funcional. Cabe analisar qual é a função das crises de pânico na vida do cliente, o que reforça suas respostas de ansiedade e quais são os estímulos relacionados na produção de tais respostas. Como meio de intervenção para o transtorno de pânico, cabe destacar também o uso de técnicas. As principais técnicas utilizadas em casos de pânico são: a técnica de exposição; a estratégia A.C.A.L.M.E-S.E.; treino respiratório; registro de crises de pânico e exposição interoceptiva. O objetivo da utilização de algumas técnicas é fazer com que o cliente discrimine quais são as contingências que controlam seu comportamento, para então alterá-las. Porém, algumas ressalvas devem ser feitas quanto ao seu uso, uma vez que para a utilização das técnicas dentro da abordagem Comportamental é fundamental que se faça uma Análise Funcional, isso para avaliar a real necessidade de intervir utilizando as técnicas. Dessa forma, Banaco (1999) faz algumas observações quanto à utilização das mesmas em casos clínicos. A mesma relação pode ser evocada para a utilização das técnicas comportamentais: a partir de uma descrição comportamental do tipo DSM IV ou CID 10, conhecendo-se a descrição do conjunto de procedimentos denominados técnicas e sabendo-se de sua efetividade em casos de descrição semelhante, pode-se estar utilizando uma técnica que fará com que aquele sintoma (comportamento específico) desapareça, mas a relação comportamental permaneça, sob novas formas de respostas que tenham a mesma função que a anterior. (BANACO,1999, p.80) O autor ressalta que não se aplica uma técnica por aplicar. Caso isso seja feito, pode haver uma eliminação de um comportamento específico, no caso do transtorno de pânico são as respostas de ansiedade, porém a relação comportamental permanece com a emissão de tais respostas em outros contextos ou situações que tenham a mesma função na vida do indivíduo. Portanto, somente uma análise funcional poderá indicar quais intervenções são apropriadas para que a terapia apresente resultados satisfatórios. De acordo com Banaco (1999), as técnicas comportamentais são boas, válidas e úteis; porém precisam ser empregadas num contexto terapêutico, e seu emprego ser decorrente da análise funcional formulada por um profissional habilitado. (BANACO, 1999).

CONCLUSÃO: A Teoria Comportamental não tem seu foco apenas nos sintomas ou comportamentos específicos, ela leva em conta a história de contingências atuais e passadas da pessoa, isso por meio da análise funcional do comportamento, em que se analisam quais são as variáveis ambientais das quais o comportamento é função. A avaliação que se faz do comportamento é global e não apenas do que se apresenta no momento como comportamento problema. Avalia-se, então, todo o repertório comportamental do cliente e as respostas emitidas por ele (sejam elas respondentes ou operantes), buscando entender como foi seu processo de aprendizagem comportamental, independente da queixa que ele traz. Por meio da análise das contingências busca-se manter os comportamentos desejáveis, alterar aqueles indesejáveis e proporcionar a aprendizagem de novos comportamentos, a fim de ampliar o repertório comportamental do indivíduo. No Transtorno de Pânico, o tratamento não se estabelece apenas na eliminação dos sintomas, busca-se entender qual é a função das crises na vida do cliente, podendo então avaliar reforço positivo produzido ou se esquiva de estímulos aversivos quando em uma situação de crise. Paralelamente, identifica-se o repertório geral de comportamentos do indivíduo. Na prática de estágio realizado na Clínica de Psicologia, pacientes em atendimento chegaram com a demanda de Transtorno de Pânico e todos relatavam experimentar reações corporais condizentes com as manifestações desse Transtorno. Em todos os casos realizou-se uma análise das contingências para estabelecer quais seriam as intervenções adequadas, dessa maneira considerando o cliente como único e desenvolvendo intervenções apropriadas para cada um, como meio de desenvolver ou instalar comportamentos, alterar padrões, enfraquecer ou eliminar comportamentos de seus repertórios. O uso das técnicas no tratamento foi mais um instrumento complementar para que se atingisse o comportamento desejável do cliente no processo terapêutico, não estando a Terapia Comportamental embasada especificamente em tais técnicas. REFERÊNCIAS BANACO, Roberto Alves. Técnicas cognitivo-comportamentais e análise funcional. In: KERBAUY, R.R; WIELENSKA, R.C. (org.). Sobre comportamento e cognição: Psicologia comportamental e cognitiva: Da reflexão à diversidade da aplicação. Santo André: ESETec, 1999, v.4, cap.9, p.75-82. DELITTI, Maly. A análise funcional: o comportamento do cliente como foco da análise funcional. In: ______. Sobre comportamento e cognição: A prática da análise do comportamento e da terapia cognitivo comportamental. São Paulo: Arbytes, 1997. cap.6, p.37- 44. Revista de Psicologia l

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GONGORA, M. A. N. Noção de Psicopatologia na Análise do Comportamento. In: Carlos Eduardo Costa; Josiane Cecilia Luzia; Heloísa Helena Nunes Sant’Anna. (org.). Primeiros Passos em Análise do Comportamento e Cognição. Santo André: ESETec, 2003, p. 93-109. MANUAL diagnóstico e estatístico de transtornos mentais : DSM - IV. 4 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. xxv, 830 p. RANGÉ, Bernad, BERNIK Márcio A. Transtorno de Pânico e agorafobia. In: RANGÉ, Bernad (org.). Psicoterapias cognitivo-comportamentais: um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Artmed, 2001. cap.9, p.145-149.(OK) ZAMIGNANI, Denis Roberto; BANACO, Roberto Alves. Um panorama analítico-comportamental sobre os transtornos de ansiedade. Rev. Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. São Paulo, vol.7, n.1, p.77-92, junho 2005. Disponível em: http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/rbtcc/v7n1/v7n1a09.pdf

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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A angústia e a culpa na relação familiar Fabio Fernandes Teixeira1 Raquel Neto2 RESUMO: Este artigo tem como objetivo abordar, dentro de uma perspectiva fenomenológico-existencial, questões presentes no atendimento à família de Carla3, que foi representada nas sessões pela sua mãe Mônica4, de 55 anos. As temáticas principais levantadas na vivência de Mônica se relacionam com a angústia, desconhecimento das próprias possibilidades, experiência de não liberdade e culpa existencial. Durante o processo, Mônica realizou um movimento no sentido de se posicionar de forma mais autêntica, adquirindo maior conhecimento de suas possibilidades e aprendendo novas formas de se relacionar com a filha.

Palavras-chave: Angústia. Liberdade. Culpa.

O atendimento de Mônica teve início em novembro de 2007 durante a implementação do estágio de Atendimento a grupos em situação de uso indevido de drogas na CAMT5, em agosto desse mesmo ano, sendo que Carla já se encontrava em tratamento antes desse período. Os atendimentos decorreram com o objetivo de facilitar a elaboração das experiências de Mônica, através do reconhecimento dos sentidos constitutivos, presentes nas vivências relatadas por ela durante o processo terapêutico. No decorrer dos atendimentos, apareceram suas dificuldades no diálogo e aceitação sobre a orientação sexual de Carla, e uma relação de interdependência que aparece no processo familiar. Mônica, inicialmente, relatou seu sofrimento face ao comportamento de Carla no que se refere ao uso de drogas e álcool, que, mesmo estando em tratamento e em período de abstinência, trazia para a mãe o medo de uma recaída. “Tenho medo dela voltar a mexer com drogas, com bebida, essas coisas e que a Carla não tem a cabeça no lugar”. Mônica se responsabiliza em diversos momentos pela situação de Carla, contando das poucas oportunidades que teve na vida, trabalhando para se sustentar e cuidando dos filhos, mesmo assim diz sentir culpa em relação à forma que criou a filha, apontando para a atenção precária que dispensou à Carla em sua infância, pois tinha mais cuidado e era mais rígida com o irmão mais velho. Para Boss (1988, p.39), “todos os sentimentos de culpa baseiam-se neste ficar-a-dever. Ficar-a-dever que é, se os senhores quiserem, a culpabilidade existencial do ser humano”. Conforme elaboramos a relação do sentido de suas ações passadas e as escolhas de sua filha, Mônica progrediu tanto em perceber que Carla tem responsabilidade pelos seus próprios atos, como em elaborar qual o valor de suas ações na criação de sua filha. De acordo com Boss (1988, p. 31), “Só faremos justiça, tanto à angústia como à culpabilidade

humanas, se deixarmos cada fenômeno de culpa concreto, seja ele como for, assim como ele se mostra de imediato, mas investigando com um cuidado ainda maior sua própria essência.”. Durante seus relatos, trouxe mais um elemento, a orientação sexual de Carla, situação que aparece para ela como um conflito difícil de lidar, pois não aceita esse relacionamento dentro de sua casa. Mônica marca assim, a importância do seu espaço vital, sua casa, seus valores e crenças e a dificuldade que ela possui em conviver com outras pessoas de possuem valores e formas de ser diferentes do que ela acredita como certo. No decorrer dos atendimentos, Mônica marcou seu posicionamento firme no sentido de não aceitar a presença diária da namorada de Carla, fato que culminou na saída de casa por parte da filha. Mônica marca sua posição diante dessa situação, amplia sua compreensão sobre a escolha da filha e desenvolve habilidades de se colocar em situações de enfrentamento. [...] enquanto ser-no-mundo, o Ser-aí já existe sempre junto às coisas. E como está sempre junto às coisas, está sempre com os outros. Não é primeiramente um ‘eu’ que deve posteriormente estabelecer relações com os demais Seres-aí e, sim, é originariamente um ser-com-o-outro. (GILES, 1975, p. 231). O diálogo é um aspecto da relação entre mãe e filha que aparece sempre como conflituoso no relato de Mônica. Sempre está envolvido em cobranças, discussões e brigas, e mostra da dificuldade que é para Mônica dizer não aos pedidos de Carla e de impor limites em suas ações. Conforme Mônica elabora melhor sobre o que ela quer e o que ela acredita, vem conseguindo pequenos progressos no sentido de permitir que Carla se responRevista de Psicologia l

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sabilize e que desenvolva autonomia na solução de seus problemas. No que tange os projetos de vida, Mônica diz não haver felicidade. Nesse ponto, aparece seu desgosto com o trabalho de faxineira que realiza, pois deseja trabalhar por conta própria, fazendo o que gosta. Para Angerami-Camon (1985, p. 42), “o sentido da vida para o adulto, na quase totalidade das vezes, é a realização profissional com que se empenha durante grande quantidade de tempo da existência”. Ao mesmo tempo, Mônica participa de outras atividades, como grupos de apoio a usuários de droga, onde afirma sentir-se muito bem em poder ouvir sobre as dificuldades e soluções de outras pessoas. Também vem desenvolvendo cursos e trabalhos com artesanato, assim como escreve poesias e diz de como se expressa através destas. Segundo Angerami-Camon, (1985, p.31), “A angústia de liberdade surge com a consciência precisa de que somos responsáveis pelos nossos próprios atos”. Cito um fragmento de poesia escrita por Mônica sobre um dos grupos que participou: Estou gostando muito, os vejo como minha família, aqui viemos hoje pra uma grande partilha. Partilha não só de alimentos, mas carinho, amizade, alegria, sofrimento tristeza e dor, partilham de muito amor. Mônica demonstra que, embora estejam presentes muitas dificuldades, sejam financeiras ou sociais, existem possibilidades que se abrem enquanto ela dirige suas ações em tarefas que produzem valores de criação. Segundo Frankl (1989, p. 83), “por muito limitadas que sejam as possibilidades de realizar valores, a realização de valores de atitudes continua a ser possível”. Uma existência, por muito empobrecida que pareça – na realidade, porém, só o será em valores criadores e vivenciais – pode oferecer ainda uma última oportunidade, a de realizar valores... tudo depende da atitude que o homem adote perante um destino imutável. (FRANKL, 1989, p. 83) Ainda de acordo com Frankl (1989, p. 103), existe mesmo uma tensão entre o que o homem é e o que ele deseja ser, uma tensão entre existência e essência, provocando, face à pressão das necessidades, a exigência e solicitação de um sentido que deve estar a frente do ser. Para Boss (1988, p. 43), no que se refere ao processo psicoterápico: Temos que nos contentar em remover do caminho, aqui e ali, uma pedrinha, um obstáculo, para que aquilo que já está aqui, e que sempre formou a essência do paciente, possa sair, por si, ao aberto, De sua reserva até agora mantida. (Boss, 1988, p. 43). 48 l

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Como resultado do processo ainda em andamento, Mônica demonstrou desenvolver maior autonomia em suas decisões, demarcando melhor seu espaço pessoal na relação com a filha à medida que amplia sua rede de relacionamentos através de outras atividades, como trabalhos e cursos de artesanato, poesias e grupos de apoio que participa. Mônica se abre mais para momentos de diálogo com a filha e aprende como se posicionar e atribuir responsabilidades, demonstrando certa evolução do processo psicoterápico, no sentido de minimizar a dependência que existe entre as duas. REFERÊNCIAS ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. Psicoterapia existencial. São Paulo: Pioneira, 1985. 104p. BOSS, Medard. Angústia, culpa e libertação. 4a ed. São Paulo: Duas Cidades, 1988. 77p. FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo. A escuta e a fala em psicoterapia. São Paulo: Vetor, 2000. 193p. FRANKL, V. Psicoterapia e sentido da vida. 3ª ed. (A. M. Castro, Trad.). São Paulo: Quadrante, 1989. 352p. GILES, Thomas Ransom. História do Existencialismo e da Fenomenologia. Vol.1. São Paulo: EPU, 1975. 328p.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Nome fictício para preservar a identidade da cliente. 4 Nome fictício para preservar a identidade da mãe da cliente. 5 Clínica de Atendimento Multidisciplinar à Prevenção e ao Tratamento da Toxicomania.


A Questão da inclusão de pessoas portadoras de deficiência dentro das organizações. Fani Cristina Ferreira1 Antônio Furiati2 RESUMO: Este artigo tem como objetivo pesquisar, através de revisões bibliográficas, a inclusão de pessoas com deficiência nas empresas, como essas empresas estão lidando com a questão das diferenças, e se realmente estão abrindo espaço e transpondo as barreiras para que essas pessoas, apesar da sua deficiência, busquem oportunidades para se posicionar numa sociedade que ainda se mostra tão resistente a mudanças. Tem por objetivo, também, pesquisar o papel da psicologia do trabalho e sua importância nas empresas. Palavras-chave: Empresas. Deficiência. Barreiras. Inclusão.

1 - Introdução A inserção da pessoa com deficiência nas organizações, de acordo com Carvalho-Freitas; Marques (2007), é um tema que vem sendo discutido por teóricos de várias áreas ao longo dos anos e tem demonstrado que o cenário organizacional está mudando, apesar de muitas empresas ainda contratarem apenas em função da Lei de Cotas. A Lei de Cotas foi implantada com objetivo de “forçar” as empresas a reservar uma parte de suas vagas às pessoas com algum tipo de deficiência. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego – MTE (2007), empresas com cem ou mais empregados estão obrigadas a preencher de dois a cinco por cento de seus cargos com beneficiários da Previdência Social reabilitada ou com pessoa portadora de deficiência habilitada, na seguinte proporção: até duzentos empregados, dois por cento; de duzentos e um a quinhentos empregados, três por cento; de quinhentos e um a mil empregados, quatro por cento; ou mais de mil empregados, cinco por cento. 2 – Quebrando barreiras De acordo com o MTE (2007), atualmente existem no Brasil cerca de 24 milhões de pessoas com deficiência e muitas delas, infelizmente, continuam em busca de oportunidades para ingressar no mercado formal de trabalho. Para Carvalho-Freitas; Marques (2007) o que dificulta, e muito, na hora da contratação da pessoa com deficiência é, na maioria das vezes, a falta de conhecimento e as dúvidas dos empregadores em relação à inserção e à gestão do trabalho dessas pessoas, o que indica falta de aprofundamento teórico sobre a questão da deficiência. Para Ferreira (1998) apud Tanaka; Manzini (2005, p.275),

a desinformação poderia produzir desconhecimento sobre as reais incapacidades e limitações do deficiente e, também, das suas potencialidades, necessidades, expectativas e sentimentos, o que, de uma certa forma, acabaria conservando os preconceitos existentes em relação a essa população. Não seria somente a desinformação sobre a deficiência o que dificultaria a contratação da pessoa com deficiência, mas também o despreparo, as dúvidas em relação à deficiência e as barreiras que se tornaram obstáculos para a contratação dessas pessoas. Sassaki (1997, p.63) aponta algumas dessas barreiras que podem e devem ser quebradas: “a barreira atitudinal; a falta de ambiente acessível; a não-vontade de efetuar acomodações razoáveis e a falta de informação sobre recursos de reabilitação e técnicas de desenvolvimento de empregos.” Esse seria o ponto de partida para as empresas se tornarem inclusivas. Para Sassaki (1997) uma empresa inclusiva é, aquela que acredita no valor da diversidade humana, contempla as diferenças individuais, efetua mudanças fundamentais nas práticas administrativas, implementa adaptações no ambiente físico, adapta procedimentos e instrumentos de trabalho, treina todos os recursos humanos na questão da inclusão etc. (SASSAKI, 1997, p. 65.) Ainda segundo o mesmo autor, para tornar-se inclusiva, uma empresa precisa sobretudo, da iniciativa dos próprios empregadores na busca de informações sobre a questão da inclusão e também do empenho desses em tentar efetuar mudanças internas relacionadas à adaptação de locais de trabalho; adaptação das máquinas, ferramentas e equipamentos; adoção de Revista de Psicologia l

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esquemas flexíveis de horário de trabalho; adoção de programas de emprego apoiado (treinamento no próprio local de trabalho); revisão das políticas de contratação de pessoal; revisão da filosofia da empresa; capacitação dos entrevistadores de pessoal; entre outros fatores. No Brasil, a inclusão vem sendo praticada por algumas empresas, não no sentido apenas de responsabilidade social, mas no sentido de mostrar para a sociedade a necessidade de abrir espaços para as pessoas deficientes, e também o esforço desses empregadores em envolver suas empresas no projeto da inclusão, abrindo espaço para essas pessoas e, desta forma, modificando o ponto de vista dos empregadores e da sociedade como um todo.

trabalho tem um importante papel a cumprir, pois, analisando o trabalho é que se permite compreender como os trabalhadores enfrentam as variações das situações no dia a dia e, a partir disso, torna-se possível entender o contexto vivido por cada trabalhador. Esse enfrentamento, segundo Azevedo; Cruz (2006, p.95), é

3 – O papel do Psicólogo do trabalho Segundo Sampaio (1998) a psicologia do trabalho é uma disciplina em movimento e sua história passou por três momentos distintos: como Psicologia industrial, desenvolvendo aplicações e teorias direcionadas ao aumento da produtividade do homem no setor de trabalho em série; como Psicologia organizacional, também desenvolveu ferramentas teóricas e práticas que fizeram com que as estruturas organizacionais fossem repensadas, aumentando, assim, a produtividade e a satisfação do trabalhador e como Psicologia do trabalho, propriamente dita, preocupando-se com a saúde mental do trabalhador, seu significado e as relações de trabalho. De acordo com Sampaio (1998) o campo da Psicologia do trabalho vem crescendo gradativamente e muitos profissionais da área ainda limitam sua ação no campo do recrutamento, seleção e treinamento. No entanto, pesquisas realizadas com esses profissionais mostram que todos têm consciência de seu amplo papel dentro das organizações, podendo contribuir em atividades consideradas essenciais para a empresa e seus empregados, ajudando a empresa a pensar. Para Bastos; Achcar (1994), a psicologia do trabalho está afastando-se da visão reducionista e redescobrindo significados, superando o modelo restrito marcado por seus primórdios e deslocando-se dos processos de seleção e de intervenções centradas nos indivíduos, para atividades que lidam com grupos e com a própria estrutura organizacional. Vale ressaltar que a Psicologia, seja em qualquer campo de atuação, lida com o ser humano, sua individualidade e subjetividade e também seu contexto histórico. Devido a isso, o psicólogo do trabalho não pode deixar de lado a variabilidade humana. Para Azevedo; Cruz (2006, p.95) são vários os aspectos que diferenciam os indivíduos, “as principais características que os tornam seres únicos dizem respeito às variáveis físicas, aos padrões emocionais, aos estilos cognitivos e aos níveis de representação do conhecimento e dos graus de qualificações.” O psicólogo do

Por isso, o psicólogo deve levar em consideração as idiossincrasias dos trabalhadores, ou seja, cada indivíduo é um ser único e especial, com suas limitações e potencialidades e essas características “necessitam ser cuidadosamente ponderadas na análise do trabalho.” (AZEVEDO; CRUZ, 2006, p. 95). Portanto, as condições de vida do trabalhador e seu contexto histórico e familiar podem influenciar nas suas atividades laborais, e com isso, contribuir para que seu desempenho profissional seja satisfatório, ou não. Para uma boa intervenção, é preciso que o psicólogo conheça as variáveis e os reguladores que os trabalhadores utilizam para lidar com as diferenças existentes entre o que lhes é indicado a fazer e o que eles realmente fazem. Assim, o psicólogo terá pistas para conseguir fazer uma elaboração de suas estratégias de intervenção e identificar as principais variáveis presentes nas exigências da tarefa e suas prováveis consequências para o trabalhador (AZEVEDO; CRUZ, 2006). Finalizando, o psicólogo do trabalho tem um longo caminho a percorrer, seja atuando como consultor, selecionando e recrutando pessoas, seja lidando com técnicas grupais nas organizações ou fazendo intervenções individuais. Seja qual for sua área de atuação, lida com a diversidade humana, independente de raça, cor, gênero ou deficiência. O psicólogo tem o papel de representar e levantar a bandeira da inclusão, contribuindo para a quebra das barreiras do preconceito e da exclusão, nos diversos âmbitos da sociedade, não somente dentro das organizações.

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influenciado pela diversidade individual, em relação a estatura e gênero, e pela diversidade intra-individual, referente às alterações do estado de cada um quanto aos efeitos dos ritmos biológicos, fadiga ligada aos acontecimentos do dia, fadiga acumulada entre feriados e efeitos do envelhecimento (AZEVEDO; CRUZ, 2006, p.95)

REFERÊNCIAS AZEVEDO, Beatriz Marcondes de; CRUZ, Roberto Moraes. O processo de diagnóstico e de intervenção do psicólogo do trabalho. Cadernos de Psicologia Social do trabalho, 2006, vol. 9, n.2, p. 89-98. Disponivel em: http://pepsic.bvs-psi.org. br/pdf/cpst/v9n2/v9n2a07.pdf. Acesso em: 30 de out. 2009. BASTOS, Antonio Virgilio Bittencourt; ACHCAR, Rosemary. Dinâmica profissional e formação do psicólogo: uma perspectiva de integração. In: Conselho Federal de


Psicologia. Psicólogo Brasileiro – Práticas emergentes e desafios para a formação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994, p. 245-271. CARVALHO-FREITAS, Maria Nivalda de; MARQUES, Antonio Luiz. A Inserção de pessoas com deficiência em empresas brasileiras: uma dimensão especifica nas organizações. XXXI Encontro da ANPAD: Rio de janeiro, 2007. GOULART, Iris Barbosa; SAMPAIO, Jader dos Reis. Psicologia do Trabalho e Gestão de Recursos Humanos: estudos contemporâneos. In: SAMPAIO, Jader dos Reis (Org.) Psicologia do trabalho em três faces. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998, p. 19-39. MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO - SECRETARIA DE FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO. A Inclusão de Pessoas com deficiência no mercado de trabalho – 2. Ed. – Brasília: MTE, SIT, 2007. 100 p. SASSAKI , Romeu Kazumi. Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997. 176 p. TANAKA, Eliza Dieko Oshiro; MANZINI, Eduardo José. O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiência. Revista brasileira de educação especial, 2005, vol. 11, n.2, p. 273-294. Disponivel em:http://www.scielo.br/pdf/rbee/v11n2/v11n2a8.pdf. Acesso em 12 de out. 2009.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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LIBERDADE: A coragem de ser e não-ser “O importante não é o que fazem de nós, mas o que nós fazemos daquilo que fazem de nós. O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo.” Jean Paul Sartre Fernando José Ferreira da Silva1 Fernando Dório2 RESUMO: O presente artigo relata as experiências adquiridas durante o estágio curricular, na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, apresentando algumas reflexões teóricas acerca da abordagem Fenomenológica-existencial aplicada em psicoterapia, articuladas com um caso clínico. Palavras-chave: Liberdade. Angústia. Responsabilidade. Autenticidade. Auto-conhecimento.

A questão da liberdade é um dos temas mais fascinantes e também mais delicados com que trabalhamos neste período de formação acadêmica e de estágios curriculares. Ela está intimamente relacionada com as relações interpessoais e a queixa de que a liberdade do cliente está sendo cerceada pela interferência do outro o que se percebe ser muito comum em psicoterapia. Ao fazer uso de sua liberdade, o homem é forçado a fazer suas próprias escolhas. A partir do momento em que uma escolha é feita, as outras possibilidades relacionadas com o objeto de sua escolha deverão ser descartadas. Diante da impossibilidade de optar por todas as alternativas simultaneamente e o fato de ter que renunciar a algumas delas, resulta no homem um sentimento de perda, que poderá desencadear no sentimento de angústia. Segundo Strathern (1999) Kierkegaard, o primeiro a utilizar o termo existencialismo, afirmava que o homem é livre para todas as possibilidades, inclusive criar algo do nada e contribuir para a própria realização. Mas também é livre para negar esta realização. Ou seja, o homem também é livre para o não-ser. É através de suas escolhas que o homem exerce a sua liberdade e mesmo quando decide por nada escolher, ele já está escolhendo. De acordo com Feijoo (2000) a liberdade é a situação da qual o homem não pode escapar e se constitui na condição de escolha do homem ante ao leque de possibilidades que se apresentam. O sentido da vida do homem não lhe é dado por Deus, assim gratuitamente, nem lhe é imposto por determinismos naturais, mas é construído a partir de cada ação humana no decorrer de sua existência. Logo, como a vida não tem um sentido já dado, é o homem na sua ação que produz o sentido de seu viver e de seu morrer. (FEIJOO, 2000, p. 66). Diante de tantas possibilidades de escolha, das incertezas e da falta de sentido, haverá em cada escolha sempre um grande risco de errar. Mas o homem tem que se abrir às suas possibi52 l

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lidades e seguir em frente. Mesmo diante da insegurança e da dúvida do que lhe aguarda no futuro, ele não deverá recuar nem estacionar. Tal abertura do homem perante o futuro, que ele mesmo constrói através de suas escolhas irá promover a angústia, o sentimento indicador do dilema humano de se desejar seguir em frente, mas ao mesmo tempo temer-se ao incerto e ao desconhecido. Segundo Feijoo (2000) a responsabilidade emerge, então, como condição da liberdade de escolha, pois cada um colherá exatamente o fruto do que plantar, ou seja, as conseqüências de seus atos e atitudes. Durante o último estágio, obteve-se a oportunidade de trabalhar com uma adolescente, a qual chamaremos de C, para preservar o seu anonimato. C que contava vinte anos de idade quando iniciamos seu atendimento, fora encaminhada pelo Conselho Tutelar para tratamento de toxicomania aos dezesseis anos, sendo que à época, ela não apresentava mais esta queixa como tema central. Conforme registros em seu prontuário, C. já havia sido atendida em outras instituições e quando chegou à Clínica, apresentava um quadro de dependência química cruzada (álcool, tabaco, cocaína, maconha). Aos poucos C. suspendeu o uso das drogas ilícitas, passando a consumir regularmente só o tabaco e eventualmente (aos fins de semana) o álcool. C relatou que durante o tempo em que esteve internada em um centro de recuperação para dependentes químicos, vivenciou experiências homossexuais com outras internas. Ela afirmou que posteriormente experimentou também relacionamentos com parceiros do sexo oposto, chegando quase a ficar noiva de um rapaz que segundo ela, ainda lhe traz muitas lembranças. Afirmou ainda que seu coração ainda disparava quando via alguém parecido com o antigo namorado na rua e que se ele ainda a aceitasse, ele seria o único homem no mundo com


quem ela se casaria. Todavia, C. alega ter se apaixonado por outra menina, que aqui chamaremos N, por motivos éticos. Elas, então, começaram a namorar e resultou que N foi morar com C, na casa de sua mãe, em imóvel compartilhado com o restante da família. Nesse aspecto de sua vida C agiu com segurança e autonomia, assumindo sua opção sexual e sustentando sua escolha diante o olhar do outro que sempre a incomodou e censurou. De acordo com Santos et al (2000) (...) o homem é autoconsciente e capaz de transformar sua natureza, questionando seus motivos e interesses, bem como suas escolhas e condutas, podendo mudar sua condição, como por exemplo, passar da heterossexualidade para o homossexualismo, porque o homem se define por suas possibilidades de escolhas, quer dizer, tudo que configura a sua realidade. (SANTOS ET AL, 2000, p. 340) Durante o início dos atendimentos C. demorou-se em relatos sobre uma obra que estariam fazendo, construindo um pequeno apartamento em cima da casa de sua mãe. Ela nomeava as dificuldades encontradas na consecução de sua obra como as principais responsáveis pela sua angústia e seus problemas, uma vez que estava ansiosa para terminar a obra e mudarem-se para o andar de cima, onde ela e a parceira poderiam ter mais liberdade, mas que dificuldades de ordem financeira estariam adiando muito este momento. A princípio, julgamos que C. se detinha nestes relatos em um discurso periférico, evitando falar de seus sentimentos e das questões que verdadeiramente a estavam incomodando. Posteriormente, em supervisão, discutiu-se a possibilidade de se ler as entrelinhas de sua fala, onde pode-se perceber a dimensão da espacialidade como uma dimensão valiosa da existência humana. Monique Augras, em O Ser da compreensão (1971) enfatiza a relevância do espaço físico por onde o ser se movimenta, como uma extensão de seu próprio corpo, onde ele poderá expressar a sua subjetividade. Poder-se-ia dizer então que o espaço é o corpo do homem, não sendo limitado às suas fronteiras somáticas, mas incluindo as extensões implícitas. Seria aquilo que Minkowski chama de espaço primitivo. (...) A vivência do espaço se expressa deste modo através da fenomenologia da corporeidade vivida, na sua presença e movimentação. Nesse ponto, o espaço primitivo é a morada do homem e como tal, o seu significado pode ser aproximado a partir da análise da casa, espaço criado pelo homem para assegura a sua

proteção. (AUGRAS, 1971, p. 41) Assim, mais do que a aceitação da família em acolher sua companheira para coabitar no mesmo imóvel, era muito importante para C. que elas tivessem um cantinho só delas, independente da casa da mãe, onde pudessem vivenciar com autonomia as suas mais íntimas experiências, como todo casal. Ocorre, que segundo C, nos últimos dois anos o relacionamento das duas vinha se desgastando muito devido aos ciúmes da parceira, ao ponto de ocorrerem constantes brigas e discussões, passando pela agressão física. Desde então, de acordo com C, ela tentou por várias vezes romper o relacionamento, não obtendo sucesso. Um dos motivos alegados por C para a sua dificuldade em romper com N foi o capital que esta ultima investiu na construção da obra na casa de sua mãe, ao qual estaria agora exigindo ressarcimento para seguir seu caminho e restituir a liberdade de C. Leia-se como liberdade, a própria condição de ir e vir do ser humano, que segundo C, lhe era negada devido aos ciúmes doentios de N. Segundo Sartre (Giles, 1997) o homem está condenado a ser livre, a fazer suas escolhas e se responsabilizar por elas na construção de sua liberdade e da obra de sua vida. Assim, mesmo quando o homem decide não escolher, já está escolhendo. Todavia, a liberdade do homem está condicionada a sua capacidade de agir: A liberdade, sendo essencialmente projeto, isto é, tarefa, projeto de liberdade, ela se descobre no próprio ato. A consciência sartriana, em vez de ser, já que não tem essência, deve se fazer, se criar, e uma vez que ela é espontaneidade pura, ela é invenção constante.(...) O fazer é em si tão importante como o ser. Ter, fazer e ser são as categorias básicas da realidade humana. (...) Ser é agir. (GILES, 1997, p. 293) Durante o tempo em que trabalhamos com C, foi possível perceber a sua dificuldade em se implicar e a se responsabilizar com a construção de seu próprio destino, buscando sempre a afiliação ou a associação com terceiros para empreender os seus projetos, imputando sempre a eles a culpa pelo seu fracasso. Apesar de afirmar durante os atendimentos que queria retornar aos estudos para conseguir arranjar um emprego e retomar a direção de sua vida, quando esse emprego se apresentou C não o assumiu, retornando para casa, da porta da empresa, onde já se encontrava uniformizada, pronta para começar a trabalhar. No mesmo dia à tarde, recebeu um telefonema da empresa lhe propondo uma nova oportunidade. No dia seguinte ela repetiu a cena, perdendo a vaga. Posteriormente C. afirmou que não teve Revista de Psicologia l

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coragem para entrar na empresa e assumir o seu cargo. Em um dos atendimentos, C afirmou que sempre que as pessoas ou as instituições facilitaram demais a sua vida, concedendo-lhe oportunidades extras ou sendo complacentes com a sua falta de interesse, assiduidade ou comprometimento com os projetos com quais se envolvia, ela não lhes dava maior importância, acabando por abandoná-los. O prontuário de C, quando registra suas ausências aos atendimentos em sua trajetória na Clínica, retrata esta realidade. Mais uma vez C. não compareceu a diversos atendimentos sem qualquer justificativa, que segundo as normas institucionais, caracterizou a sua desistência do processo. Através de um último contato por telefone, C. afirmou estar em outro município, o que nos deixou otimistas, pois este fato pode representar um primeiro passo em um movimento seu em direção à liberdade, tão falada nestes últimos meses. REFERÊNCIAS: AUGRAS, Monique. O ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. Petrópolis: Vozes, 1978 – 95p. FEIJOO, Ana Maria Lopes Calvo de. A Angústia: das reflexões de Kierkegaard e Heidegger à Psicoterapia In: ______ Angústia e psicoterapia. Angerami, Valdemar Augusto (org.) São Paulo: Casa dó Psicólogo, 2000. GILES, Thomas Ranson. História do existencialismo e da fenomenologia. São Paulo: EPU, 1989 SANTOS, ET AL. A homossexualidade como modo de existência. In: ______ Fenomenologia e análise do existir. Josgrilberg ET AL. (Organizadores) São Paulo. Editora Metodista Digital. 2000. SARTRE, Jean Paul. O Ser o e nada: Ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 1997. STRATHERN, Paul. Kierkegaard em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. ________________. Sartre em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

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A angústia do ser humano de existir para a morte “O que não me mata, torna-me mais forte.” Friedrich Nietzsche Frankilene Soares de Matos1 Raquel Neto2 Resumo: Este estudo visa explorar as vivências de luto e suas repercussões na existência humana, estabelecendo correlações entre o luto e a visão fenomenológico-existencial. Pretende-se abordar, neste trabalho, alguns conceitos da abordagem fenomenológico-existencial, descrever as vivências do ser humano na situação de perda através de um caso clínico, e discutir possibilidades de atuação do terapeuta nessa abordagem. Palavras–chave: Morte. Perda. Angústia. Luto. Psicologia.

A morte é um acontecimento inerente ao ser humano. O senso comum trata o tema com restrição, sendo que existe um certo “tabu” envolvendo a própria palavra. As pessoas escolhem termos mais amenos para falar da finitude do ser humano, talvez numa busca de aceitar a concretude do fato. Para as crianças, costuma-se não abordar o assunto e levá-las a sepultamentos e velórios é uma coisa inconcebível, tratando-se sempre a ausência do outro como um distanciamento voluntário, como “fulano foi viajar”, ou aborda-se de forma folclórica: “virou uma estrelinha e está te olhando lá do céu”. A angústia para o ser humano parece ser tão insolúvel que procuramos disfarçar o tema a encará-lo. Mas, e na solidão, no âmago de cada ser? Como encarar esta ausência do seu ente querido? Diante das diversas abordagens em psicologia, acreditamos que a fenomenológico- existencial transita pelo “tabu morte” com muita propriedade, uma vez que permite ao indivíduo se posicionar diante do fenômeno como um fato concreto, irrefutável, próprio da condição humana. O objetivo deste estudo é pesquisar maneiras que possam contribuir para o bem-estar do indivíduo que está sofrendo diante da perda de um ente querido, ajudando-o a se libertar da culpa que possa estar sentindo ao se deparar com a morte. Com o auxílio de um caso clínico, pretendemos descrever as reações vividas por uma filha, enfocando principalmente seus sentimentos diante da morte de sua mãe. R. foi casada duas vezes e se separou. Tem duas filhas, uma de cada casamento. Teve mais sete irmãos que foram abandonados pela mãe quando ainda eram crianças. Segundo relatado pela cliente, o pai de R. maltratava muito sua mãe e dizia não amá-la. Vivia ameaçando a mãe de ir embora e deixá-la sozinha com as crianças. Certo dia, os pais de R. resolveram se separar. Seu pai construiu uma nova família. Sua nova esposa criou os oito filhos que o

pai de R. tivera. Nas sessões, R. relata algumas das atitudes que sua madrasta tinha em relação a ela e aos irmãos. R. relata que nunca conhecera sua mãe biológica, e foi descobrir que não era filha da madrasta aos dez anos de idade, através de um evento escolar, onde seu nome no diário de classe estava diferente do que conhecera. Após chegar em casa e dizer à madrasta o que havia ocorrido, essa por sua vez, compareceu na escola no dia seguinte procurando obter informações sobre o fato. R. conviveu com essa história durante muitos anos de sua vida. Até então, o que sabia era sobre o abandono da mãe em relação a ela e aos irmãos. Certo dia, recebera a notícia que sua mãe estava no hospital muito mal e decidiu que queria conhecê-la. Não só a ela, mas a todos os irmãos. R., em um primeiro momento, não queria visitar sua mãe. A raiva e o rancor do suposto abandono tomavam conta de seu coração. “Como posso sentir amor por alguém que me abandonou? Mãe é quem cria. Não tenho nenhum vínculo com essa mulher”. (Relato de R). Porém, mesmo diante da dor, R. foi visitar sua mãe enferma. Chegando ao hospital, outra vez teve resistência em ver sua mãe. Os irmãos já tinham ido ao quarto e a viram muito mal. Quando chegou sua vez, R. entrou no quarto e, muito devagar, se aproximou da cama onde estava sua mãe. Ficou ali sentada durante aproximadamente uma hora sem conseguir dizer nada. R. conta que inúmeros sentimentos passavam em seu coração naquele momento: raiva, rancor, dor, perdão, amor, saudade, alegria, tristeza, etc. Era uma mistura de sentimentos que não sabia se posicionar diante deles, por isso não demonstrava nenhuma emoção. Depois de estar algum tempo do lado de sua mãe sem dirigir-lhe nenhuma palavra, resolveu então perguntar: “por que você nos abandonou”? Não obteve a resposta no momento em que perguntou. Mas, alguns minutos depois, veio o sussurro: “nunca abandonei vocês”. Neste dia, R. não disse mais nada à Revista de Psicologia l

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mãe devido ao seu estado de saúde e foi embora. Esteve a pensar durante o resto do dia o que realmente de fato teria acontecido em sua vida e a dos irmãos. No dia seguinte, recebe a notícia que sua mãe havia falecido. Sente raiva por não saber da verdade e não haver outra forma de sabê-la senão pela própria mãe e tê-la culpado durante todos esses anos por abandono. Atualmente, não sabe o que realmente aconteceu. A versão do pai era abandono. Para dar conta da angústia em que vivia, fazia uso constante de medicamentos controlados. R. suspirava o tempo todo, trazia uma expressão sofrida no rosto, perdeu totalmente a alegria de viver, não se preocupava com sua aparência, com a alimentação, fazia uso de medicamentos sedativos para dormir e antidepressivos. Não estava em tratamento psicoterápico até então. Foi quando seu médico a encaminhou para a terapia. “Morte é um caminho que sempre esteve na vida, nós recusamos reconhecer isto. Seria interessante considerarmos que a cada dia partimos e morremos mesmo em vida. A cada dia, nascemos para novas situações e, paradoxalmente, constatamos que somos seres para a morte. Porém, existem situações que não escolhemos, mas que precisa mos aceitar”. (FUKUMITSU, 2004, p.20). O ser humano é dotado do sentimento de angústia que, durante o processo terapêutico, pode levá-lo a se posicionar diante de si mesmo e a se lançar em suas realizações. A negação ou a não aceitação desse sentimento, pode ser revertida em sintomas, patologizando, assim, a negação do próprio eu. A existência humana é finita. O encontro com a morte é um fato inevitável. O que este estudo propõe para evitar um adoecimento diante da finitude do ser é tornar-se consciente do fato de que a própria existência implica a possibilidade do não existir, isto é, existência e finitude estão indissociavelmente ligadas. Ter a consciência da morte deve servir para impulsionar a vida, pois não se vive esperando o momento intransferível de morrer e, por isso, devemos contemplar intensamente cada momento que nos surge no aqui e agora. Cada pessoa percebe-se diferentemente. Nunca uma situação ocorrida com outra pessoa é vivida igualmente por outrem. Tentar se posicionar e viver como o outro viveu é se anular, ser inautêntico e deixar-se ser corrompido e destituído de possibilidades. A psicoterapia que lida com indivíduos que estão abalados diante da morte do outro deve ajudá-los a questionar não só a sua posição diante da vida e da perda, mas as escolhas vivenciadas por quem morreu. 56 l

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Abordar a morte do outro como uma situação penosa pode estar diretamente ligada ao confrontamento de: quem sou eu, como estou assumindo as minhas vontades e responsabilidades, o que pesa mais em minha vida, meus conceitos ou os pré- conceitos e normas ditadas pela sociedade. “Concluindo. Quero enfatizar a discussão correlacionada com as escolhas. Somos responsáveis por nossas escolhas. Porém, às vezes, ao enfrentarmos situações de perdas podemos sentir que não podemos fazer nossas próprias escolhas. Acredito que, como seres humanos, não escolhemos sofrer. Se pudéssemos evitar o sofrimento, com certeza o faríamos. Em contrapartida, escolhemos o modo com percebemos nosso sofrimento. É nosso dever recuperar nossas vidas. Apesar da dor causada pela perda, temos de nos reconectar com a força, a esperança e o sentido de vida que nos é inerente. A maneira que lidamos com o sofrimento é uma questão de escolha”. (FUKUMITSU, 2004, p.83). Ainda segundo a autora, nossas perdas são as lições mais difíceis que precisamos aprender. Perdas fazem parte de nossa experiência de aprendizagem em vida. Perdas acontecem, porque são também experiências. O que fazemos com nossas experiências é uma questão de escolha. O que fazemos com a dor, com as necessidades e com as questões da vida pertence a um território que é do humano e somente a nós cabe a responsabilidade de estar vivos.

REFERÊNCIAS AUGRAS, Monique. O ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 1996. BECKER, Ernest. A negação da morte. Rio de Janeiro: Record, 1973. BOSS, Medard. Angústia, culpa e libertação. 4 ed. São Paulo: Duas Cidades, 1988. ERTHAL, Tereza. Terapia vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1989. FUKUMITSU, Karina Okajima. Uma visão fenomenológica do luto: um estudo sobre as perdas no desenvolvimento humano. Campinas (SP): Livro Pleno, 2004. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1989. KOVÁCS, Maria Júlia. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1992. KUBLER-ROSS, Elizabeth. Sobre a morte e o morrer. 4 ed. São Paulo:


Martins Fontes, 1991. RIBEIRO, Wânier. Fragmentos de um caso clínico: enfoque fenomenológicoexistencial. Psique. Belo Horizonte, Ano 10, n.16, p.57-76, maio 2000. STEINER, George. As idéias de Heidegger. São Paulo: Cultrix, 1982. STRATHERN, Paul. Sartre em 90 minutos. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. TILLICH, Paul. A coragem de ser. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

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Agressividade Infantil: fragmentos de um atendimento clinico Frederico Braga Dantas Gomes1 Gustavo Teixeira2 RESUMO: Este artigo aborda o tema da agressividade infantil sob a perspectiva teórica e clínica do Behaviorismo Radical. Partindo das observações feitas no estágio e com a contribuição da literatura, o objetivo do trabalho é evidenciar o importante papel que o ambiente familiar hostil pode desempenhar na instalação de comportamentos de agressividade infantil. Palavras-chave: Agressividade infantil. Behaviorismo Radical. Ambiente familiar.

Deixemos bem claro desde o princípio que a agressividade é um padrão comportamental que possui uma gama enorme de determinantes. Por ser impossível fazer uma análise englobando todas as variáveis existentes, elegeu-se o ambiente hostil como variável independente para os comportamentos em questão. É importante enfatizarmos o fator “ambiente” em nossa análise. Isso se deve ao fato de que [...] o Behaviorismo Radical tem como filosofia a proposta do estudo do comportamento a partir de uma reflexão ambientalista, e não a partir de estados internos, como explicação para o mesmo. (MARQUES, 2004, p.08). Matos e Tomanari (2002, p.7) ratificam tal idéia ao afirmarem que A Análise Experimental do Comportamento é uma área da Psicologia que se insere no contexto das disciplinas das ciências naturais, tais como a Biologia, a Física, a Química. Porque é uma ciência natural, não se utilizam, nesta área, explicações que recorrem a fatores que não existam nas dimensões espacial e temporal (não se aceitam explicações metafísicas ou sobrenaturais, por exemplo). Uma instância de explicações metafísicas para o comportamento recusada pela Análise Experimental do Comportamento é atribuir ao self – um agente autônomo que causa o comportamento das pessoas e que opera em um construto hipotético denominado mente – a causa de um comportamento. Com isso, dizemos que o estabelecimento de um padrão comportamental é resultado da interação que se estabelece entre o sujeito e suas experiências, tanto em ambientes do passado, quanto no seu ambiente atual. 58 l

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O caso a ser apresentado refere-se a Jean Carlos3, menino de nove anos de idade que mora com os pais e com a irmã um ano mais nova, portadora de déficit auditivo. Durante o período de acompanhamento do caso, a questão que mais se destacou em meio aos problemas apresentados pela criança foi a agressividade da mesma contra a irmã. Através das entrevistas iniciais tanto com a criança quanto com a mãe, levantaram-se alguns dados importantes que nos ajudam a compreender melhor a dinâmica familiar na qual Jean Carlos está inserido. Num contexto geral, o que se percebe é que a criança vive num ambiente onde há constantes brigas e total iminência de punição. No primeiro contato com a mãe de Jean Carlos, esta afirma que a relação com a criança é bastante conturbada: “Vivemos em pé de guerra. Batemos de frente e eu gosto de ser contra ele. Eu faço para irritá-lo, sou terrível! Até parece que temos a mesma idade. Ele fala que eu falo e grito muito, e isto é verdade. Acho que ele é adulto demais e precisa ser mais criança.” Diante disto, apresenta-se de maneira clara o predomínio da coerção no âmago das relações familiares que vem sendo estabelecidas durante o passar dos anos. Isso faz com que a coerção passe a ser vista pela população como algo natural, algo da vida. Por tratarmos da relação entre o ambiente hostil e os comportamentos de agressividade em crianças, devemos mostrar como a coerção social as atinge desde muito cedo. Conforme Sidman (1989, p.42), Assim que os bebês começam a se mover por conta própria, a “mexer” nas coisas, adultos recorrem à restrição e punição para estabelecer limites. Não é difícil encontrar pais que raramente falam com suas crianças exceto para admoestar, corrigir ou criticar. Mesmo quando bebês, somos expostos ao modelo coercitivo; aprendemos rapidamente que a coerção é o modo-padrão para fazer


com que os outros façam o que queremos. Isso não acontece porque somos cruéis ou maus por natureza ou porque queremos inculcar essas qualidades em nossos filhos, mas porque não conhecemos alternativas efetivas. A natureza raramente fornece outro modelo para que imitemos. Os primeiros comportamentos aprendidos na infância possuem uma característica bastante peculiar: eles possuem grande potencial para permanecerem durante a vida adulta do individuo. Isto se deve ao fato de que quando um organismo jovem aprende uma dada resposta e esta passa a ser reforçada constantemente, a aquisição de outros tipos de comportamentos acaba ficando comprometida (LUNDIN, 1977). Seguindo esta linha de raciocínio, sugere-se que as crianças que apanham podem apresentar um nível de agressividade maior porque, ao serem agredidas pelos seus pais, passam a aprender maneiras similares de se comportarem diante das mais diversas situações. Sobre esta hipótese, Bandurra, Ross e Ross (1961, apud REGRA, 2000, p. 159) [...] afirmam que o castigo físico pode reduzir a freqüência e a intensidade de um comportamento, e pode oferecer, simultaneamente, um modelo agressivo à criança e aumentar a probabilidade da resposta futura. Ainda em relação à questão comportamento agressivo infantil e ambiente hostil, cabe acrescentarmos a existência de um mecanismo inato da agressão induzida por punição. Em presença disto, alegamos que a cada ação há uma reação, ou seja, a cada vez que o sujeito for exposto a um estímulo aversivo de natureza violenta, haverá logo em seguida uma retaliação por parte dele próprio. Caso seja bem sucedido, o reforçamento será inevitável e, consequentemente, teremos o aumento na probabilidade de ocorrência do comportamento agressivo (SIDMAN, 1989). Voltando às relações familiares, a relação com o pai parece ser bem distinta, pois, segundo o relato da mãe e o da própria criança durante os atendimentos, o pai representa um ídolo para o filho. Em contrapartida, a relação do casal segue a linha da hostilidade, dado às constantes brigas, ao alcoolismo do pai e ao processo de separação que quase terminou em divórcio há um ano e meio atrás. Não obstante a tudo isto, há ainda a questão que gira em torno da irmã de Jean Carlos. Percebeu-se durante os atendimentos e entrevistas com os pais que há uma certa superproteção da mãe para com a filha, uma vez que esta última possui deficiência auditiva e este fato funcionaria como justificativa para o comportamento da mãe. Algo de que Jean Carlos se queixou em vários atendimentos foi da falta de critérios da mãe para punir ou agradar

os filhos. Isso porque, segundo a criança, é comum a mãe fazer vistas grossas aos comportamentos desviantes da irmã, ao passo que ele próprio é constantemente punido por comportamentos de menor gravidade. Todo este contexto tornou-se propicio para que Jean Carlos criasse a autoregra “Minha mãe gosta mais da minha irmã do que de mim.”, o que contribui para o surgimento de um clima de rivalidade e, consequentemente, agressividade entre as duas crianças. O caso de Jean Carlos nos coloca diante da importância de investigarmos a fundo todas as relações que o indivíduo estabelece em seu meio social, principalmente as relações familiares quando estamos em atendimento infantil, pois elas podem fornecer uma enorme fonte de informações que vão auxiliar o terapeuta no processo ativo de criação de hipóteses e estratégias de intervenção. REFERÊNCIAS BANDURA, A.; ROSS, D. e ROSS, S. A. (1961). “Transmission of aggression through imitatio of aggressive models”. J. Abnorm. Soc. Psychol 63, pp. 575-582. apud REGRA, Jaíde A. Gomes. A agressividade infantil. In: SILVARES, Edwiges Ferreira de Mattos (Org.). Estudos de caso em psicologia clínica comportamental infantil. Campinas: Papirus, 2000. Vol. II, Cap. 6, p. 157-194. LUNDIN, Robert W. A influência das condições biológicas e das primeiras condições ambientais no desenvolvimento da personalidade. Personalidade: uma Análise do Comportamento.Tradução de Rachel Rodrigues Kerbauy e Luiz Otávio de Seixas Queiroz. 2. ed. São Paulo: Pedagógica e Universitária, 1977. Cap.VIII, p. 233-260. MARQUES, Roberto Gomes. Uma contribuição do Behaviorismo Radical na análise funcional do comportamento anti-social. 2004. 23 f. Monografia (Graduação em Psicologia) – Centro Universitário Newton Paiva, Belo Horizonte, 2004. MATOS, Maria Amélia; TOMANARI, Gérson Yukio. Por uma ciência natural: a Análise Experimental do Comportamento. Análise do Comportamento no laboratório didático. São Paulo: Manole, 2002. Cap. 2, p. 07-11. SIDMAN, Murray. Coerção e suas implicações.Tradução de Maria Amália Andery e Tereza Maria Sério. Campinas: Psy II, 1989. 301 p.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 3 Nome Fictício

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Eu, prisioneiro de mim... Gisele Eller Diniz1 Raquel Neto2 RESUMO: O propósito deste trabalho é abordar o atendimento clínico psicoterapêutico de B., um cliente que se apresenta passivo diante da vida, inautêntico em seus atos, prisioneiro e traidor de seus anseios. Bem como apresentar os arcabouços teóricos que sustentam o atendimento em seu transcorrer. Palavras-chave: O olhar do outro. Ser-Para-outro. O espaço. O psicoterapeuta.

B. é um adolescente que tem sua vida permeada por desejos, medos, sentimentos e projetos que, em sua fala, apresentam-se cada dia mais distantes. Ele se apresenta para a psicoterapia a pedido da mãe, a qual relata que B. tivera uma crise, na qual se filmou apunhalando seus cadernos com uma tesoura. A queixa da mãe se apresenta também com relação aos estudos, dizendo que B. tem se mostrado desinteressado, vindo até a repetir o ano. No primeiro encontro, B. passa a maior parte do tempo em silêncio. Diz pouco de si. No decorrer das sessões é que vai se permitindo dizer um pouco mais sobre si e a família, sobre a morte do irmão que acontecera quando este era ainda muito criança. Ele diz não temer a morte, porém não o diz de forma direta. Seus sentimentos são um emaranhado de desejos em lançar-se na desconhecida estrada de conhecer-se e tomar consciência de seu existir no mundo, e, ao mesmo tempo, de manter-se submerso, aprisionado nos desejos de sua mãe, a qual mostra-se superprotetora e, ao mesmo tempo, desligada, distante de seu filho caçula. A perda de um irmão, ainda na infância, empurrou-o em um abismo de dúvidas sobre o seu lugar no mundo, no seio familiar. Desde então, o outro que permite o conhecimento e o sentido da existência desapareceu para B. em meio ao inconformismo da mãe diante da perda do filho do meio. Sua mãe não conseguira elaborar o luto. Para Cancello (1991, p.34), a morte de alguém nunca é assimilada no ato da parada fisiológica. Essa pessoa fazia parte da vida de outras, de seus projetos. Depois de sua morte, há necessidade de um tempo para reestruturação de quem fica, sendo o sentido do luto, reconciliar-se com o morto, retirá-lo das perspectivas do futuro, integrá-lo na história dos vivos como um capítulo encerrado. Pelo relato da mãe, ela sente-se culpada por não estar presente no momento que o filho fora atropelado, o que a leva a carregar uma culpa da qual não consegue jamais se redimir. B. precisa lutar desesperadamente para encontrar sua identidade e não ocupar o lugar do irmão que morreu, lugar este que, 60 l

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ao mesmo tempo, B. parece procurar ocupar. Neste sentido, Cancello (1991, p.32) vai dizer que B. pode estar sendo tratado como um ser genérico. Segundo Almeida (1991, p.31), B. tem espaço para consumir, tempo para gostar daquilo que todos gostam no meio familiar, mas não tem tempo e espaço para existir autenticamente dentro e fora deste meio. Ainda Almeida (1991, p.31) diz que existir tem sua origem etimológica na palavra latina “ex-sistere”, que quer dizer “estar em pé, fora de”. Isto é, poder observar o próprio ser como se estivesse fora dele. B. pensa em si mesmo, em seus poucos projetos apresentados ao longo dos atendimentos psicoterápicos, no mundo que lhe vai fazer, no corpo que é ele, o qual deseja num desespero mudo, modificar. Ele expressa o desejo de pintar o cabelo de vermelho, porque assim, segundo B., ele será igual aos outros adolescentes, será notado entre eles e, talvez quem sabe até mesmo por sua própria família. A outra forma de ser notado seria vestindo-se completamente de preto. Sua mãe impõe-se a essa vontade alegando que “Somente meninos rebeldes, que os pais não ligam é que andam assim!”. B. procura desesperadamente se encontrar e ser encontrado no olhar do outro. [...] se projeto realizar a unidade com o outro, significa que projeto assimilar a alteridade do outro enquanto tal, como minha possibilidade própria. Com efeito, trata-se, para mim, de fazer-me ser adquirindo a possibilidade de adotar sobre mim o ponto de vista do outro. Mas não se trata de adquirir uma pura faculdade abstrata de conhecimento. Não é da pura categoria do outro que projeto me apropriar: tal categoria não é concebida, nem mesmo concebível. Mas, por ocasião da experiência concreta, padecida e ressentida do outro, é este outro concreto, como realidade absoluta, que almejo incorporar em mim mesmo, na sua alteridade. (SARTRE, 1997, p.455).


B. mistura-se à realidade em que se apresenta, acomodando-se muitas vezes a esta. Há momentos em que ensaia um movimento para modificar seu modo de existir, mas logo este lhe é novamente podado por sua vontade de agradar a mãe. Sartre (1997, p. 454) vai dizer que tudo vale para o outro. Esse outro que desvela minha nudez, me vê como jamais me verei. Onde meu ser-para-outro me aparece, sendo eu por este responsável na medida que o outro me fundamenta. Para a mãe, B. é o filho que tem problemas na escola, que não tira boas notas, e cujo desejo de pintar o cabelo é tido como um ato de rebeldia, desleixo. B. se torna assim, autor e traidor de seus desejos, ao passo que acaba por existir para-o-outro e não com-o-outro. Para B. o possível vai tão somente até os limites impostos por sua mãe, os quais, mesmo que relutante por um momento são por ele abraçados. Ao mesmo tempo em que deseja contrariar a mãe, busca manter-se o mesmo aos olhos desta. [...]este existir, escolhido e criado – ou a passagem do possível à realidade –, é feito usando-se a liberdade. Está nas mãos de cada um. É seu privilégio. Isto não quer dizer que todos tenhamos uma existência autêntica pelo fato de sermos homens. Ser autêntico é sempre buscar a identidade entre nossos valores e nossa atividade: é fazer aquilo em que acreditamos. É no processo livre de escolha, a cada, de nossa essência que construímos a existência humana. Escolhemos nossa essência ao procedermos à escolha do personagem que pretendemos ser. (ALMEIDA, 1991, p.35). É na realização de sua própria vida, existência concreta e na sua história pessoal que o homem constrói suas características, sua essência. É Também nessa mesma história que cada um de nós as remodela, aperfeiçoa, cria..., diz Almeida (1991, p.44). B., desta forma, encontra-se paralisado por uma ideia estreitada do mundo. Não vai adiante com seu projeto de modificar-se em sua aparência, ao mesmo tempo em que a relação com sua mãe tornou-se um ninho onde ninguém se transforma. Ele segue vivendo de maneira inautêntica, tentando salvar a mãe de seu luto interminável. Enquanto sua mãe mantém-se cada vez mais reclusa em seu luto, sendo aquela que não pode ser contrariada. Não há entre eles, segundo Cancello (1991, p.33), a emoção compartilhada, o sinal mínimo indicando a aproximação máxima. A ele resta a súplica de ser notado, capturado pelo olhar do outro que não o nota. A mãe o pressiona o tempo todo para que estude mais. Ele tem raiva disso, mas ao mesmo tempo, deseja agradá-la. Sobre o olhar do outro, Sartre (1997, p.327) nos diz que

minha apreensão do outro como objeto, sem sair dos limites da probabilidade e por causa desta probabilidade mesmo, remete, por essência, a uma captação fundamental do outro, na qual este já não irá se revelar a mim como objeto. E é deste lugar de objeto, de um sem lugar, rejeitado e sem espaço, que B. procura sair. [...] aquilo a que se refere minha apreensão do outro no mundo como sendo provavelmente um homem é minha possibilidade permanente de ser-visto-por-ele, ou seja, a possibilidade permanente para um sujeito que me vê de substituir o objeto visto por mim. O “ser-visto-pelo-outro” é a verdade do “ver-o-outro”. Assim, a noção do outro não poderia, em qualquer circunstância, ter por objetivo uma consciência solitária e extramundana, na qual sequer posso pensar: o homem se define com relação ao mundo e com relação a mim; é este objeto do mundo que determina um escoamento interno do universo, uma hemorragia interna; é o sujeito que a mim se revela nesta fuga de mim mesmo rumo à objetivação. (SARTRE, 1997, p. 332). B. quer ter um significado no olhar do outro, para o outro. B. fala repetidamente sobre isso. Na forma de seu discurso, percebem-se as expressões que se repetem e os gestos. Alguns chamam a atenção pelo modo como são expressos – uma cruzada de braços, o olhar fixo no meu, esperando por uma palavra libertadora de minha parte, até mesmo um gesto amigo. Sobre o diálogo psicoterapêutico: O diálogo, em psicoterapia, difere radicalmente de um falar “qualquer”. Não é um simples “bate-papo”, como querem fazer alguns de seus detratores. No processo psicoterápico a palavra aprisionadora é denunciada, e são criadas as condições para proferir a palavra libertadora. O aprisionamento aponta para o lugar onde a libertação pode acontecer – assim como a mentira só pode existir onde há verdade. (CANCELLO, 1991, p.45-46). B. fala, algumas vezes até repetidamente, sobre seus planos de pintar o cabelo de vermelho, vestir-se de preto, ver-se livre da casa onde não há espaço para ele. Raramente reflete sobre si próprio. E o terapeuta? Segue o fio de B., de seu discurso do outro, de si, no correr do tempo. Procura facilitar o emergir dos conflitos deste que busca apropriar-se de si mesmo. Não é possível saber o significado que B. dará, no futuro, à sua própria vida. Se ele vai alçar asas ao desconhecido e constante vir-a-ser. Confiar nele é o que se pode fazer. Revista de Psicologia l

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O psicólogo, no lugar da escuta, na compreensão do relato daquele que, muitas vezes tomado de angústia, vai ao seu encontro, pode apreender os pontos de desordem ou de estagnação, facilitando o discurso do cliente e permitindo que os aspectos conflitivos emerjam. Este emergir na fala do cliente, ao se deixar afetar pela falado terapeuta, pode proporcionar o desvelamento, mantendo a questão pela angústia. Desta forma, pela reflexão de si mesmo, o cliente pode descobrir-se em liberdade na escolha de suas possibilidades. (FEIJOO, 2000, p. 18). Os existencialistas afirmam que a essência humana não existe nas idéias, nem é dada gratuitamente ao homem. A essência humana é construída por cada um de nós no próprio existir, no engajar-se em seu projeto existencial, procurando seu caminho. (Almeida, 1991, p.34). REFERENCIAS ALMEIDA, Fernando José de. Sartre: É Proibido Proibir. 1ª ed.,São Paulo: FTP, 1988, 72 p. ALVES, Raquel Neto. Professora da Disciplina de Clínica Fenomenológico- Existencial – Humanista I - Análise Existencial. Aulas ministradas no Centro Universitário Newton Paiva, curso de Psicologia, 9º período, 2º semestre de 2009. AUGRAS, Monique. O ser da compreensão: Fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. Petrópolis: Vozes, 1986, 96 p. BATALHA, Wilson de Souza Campos. A Filosofia e a Crise do Homem. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 459 p. CANCELLO, Luiz A. G. O Fio das Palavras. 2ª ed. São Paulo: Summus, 1991, p. 83. FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo. A Escuta e a Fala em Psicoterapia: Uma Proposta Fenomenológico-Existencial. 1ª ed. São Paulo: Vetor, 2000, p. 18. SARTRE, Jean-Paul. O Ser e o Nada: Ensaio de Ontologia Fenomenológica. 4ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 782 p.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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A importância da comunicação entre o par-conjugal Glaucilene Ramalho1 Claudia Neto2 RESUMO: O presente artigo vem enfatizar a importância da comunicação entre o casal e apresenta dois casos observados na clínica. Também é pontuada a questão da individualidade e da conjugalidade presente no casamento. Palavras-chave: Casamento. Casal. Comunicação. Conjugalidade.

O casamento contemporâneo ocupa um lugar importante na vida das pessoas e requer um alto grau de intimidade, pois tem um significado intenso na vida dos indivíduos e gera um grande investimento afetivo. Esta vivência compartilhada dos parceiros è abordada por Magalhães (2003) no seu texto Transmutando a subjetividade na conjugalidade, como conjugalidade que se estrutura a partir do encontro amoroso, que é considerado fonte de motivação e de manutenção do casamento. De acordo com Magalhães: Os estudos sobre a conjugalidade ressaltam a estrutura que se forma a partir das constituições individuais dos parceiros e do interjogo dinâmico inconsciente que ocorre no par conjugal. Contudo, consideramos que o encontro amoroso e a conjugalidade que evolui desse encontro, através da recordação, da repetição e da elaboração dos Édipos dos parceiros, exercem influências estruturantes e desestruturantes para cada um deles. (MAGALHÃES apud CARNEIRO, 2003, p.226).

Enfim, a conjugalidade influencia a subjetividade do sujeito. Nela haverá momentos de fusão e também momentos de diferenciação entre os parceiros. A conjugalidade tende a operar como sendo um espaço de elaboração, de projeção, de transformação entre o “eu” e o “nós”. Segundo Magalhães (2003), o “eu” surge a partir de um “nós” ilusório, aquele da simbiose mãe-bebê e que vai ressurgir de forma transmutada no par conjugal. Portanto, a conjugalidade é de fato um espaço de transicionalidade, que tem como objetivo propiciar a afirmação das subjetividades dos parceiros de forma criativa e com potencial de elaboração e não só de repetição. De acordo com Sinmel, em seu texto Casamento contemporâneo: construção de identidade conjugal (CARNEIRO, 2001)

constata-se que, no que diz respeito ao casamento moderno, o parceiro deseja o outro por inteiro. Há um aumento das expectativas, uma extrema idealização do outro e uma superexigência consigo mesmo, provocando tensão e conflito na relação conjugal. (SINMEL apud CARNEIRO, 2001, p.69) Ainda de acordo com Carneiro: Na contemporaneidade, as relações conjugais são constituídas em torno da construção das identidades dos cônjuges. O compromisso nessas relações é o de sustentar o desenvolvimento individual , e a relação se mantém enquanto for prazeroso e útil para cada um. Todavia, quanto mais a busca de autonomia individual no seio do casamento mais o casal pode se fragilizar. (CARNEIRO, 2001, p.69) A comunicação é um fator primordial entre o casal, é uma das condições necessárias para a intimidade, para que haja interação conjugal. A intimidade é entendida nesse contexto como uma abertura para o outro. Para Carneiro, tal intimidade para ser alcançada depende, essencialmente, da igualdade entre os parceiros e da comunicação emocional de cada um consigo mesmo e com o outro. (CARNEIRO, 2001, p.70) Na clínica observamos este contraste na intimidade de dois casais, o primeiro é chamado de João e Ana, casal que tem o mesmo nível cultural e intelectual. Eles têm algumas falhas na comunicação, como por exemplo, crêem que já se sabe o que o outro deseja ou que se conhecem suficientemente bem, dessa forma não é necessário dizer. Mas, apesar disso, percebemos que há uma cumplicidade entre ambos, eles se amam e se respeitam. O segundo casal, que chamaremos de José e Maria, é bem diferente. José é um homem rude, não terminou nem o primeiro grau e tem um emprego baseado no trabalho braçal. Maria é professora, formada em pedagogia e tenta dominar a situação no lar. Maria corrige o marido o tempo todo, vive dizendo para ele Revista de Psicologia l

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voltar a estudar, o que o faz sentir inferior a ela. Além disso, obriga-o a dar todo o salário para ela administrar. Com o passar dos anos, José tornou-se um homem violento, talvez como defesa, já que não tem argumentos diante da esposa, que lhe é “superior”. Ele parte para a agressão, motivo pelo qual procuraram a clínica, orientados pela Delegacia de Mulheres. Observamos na vida desses dois casais que, quando a diferença é exorbitante, o casal terá dificuldades de se comunicar ou de chegar a um denominador comum. Percebemos que João e Ana se respeitam; existem conflitos, mas são superáveis, mesmo diante dos problemas, que são resolvidos até com certo humor. João adora fazer trilha e Ana sabe disso, mas reclama. Ele diz que para evitar o “bla bla bla” da esposa só comunica na hora que está indo. Ana ri e diz que é verdade e que briga porque gostaria que aquele tempo fosse gasto com ela e com os filhos. Já o segundo casal quase não se suporta: José chegou a confessar para as terapeutas que hoje está com Maria apenas por causa das filhas. Maria não dá nenhuma abertura para José. Ela não o aceita como ele é, quer moldá-lo o tempo todo, humilha-o, diz que foi ela quem comprou o carro e o faz de seu motorista. O casamento é a união entre individualidade e conjugalidade, o que é diferente de fusão, pois o sujeito inserido nessa relação não deixa de ser um, uma pessoa, que tem desejos e necessidades diferentes do outro. E é isso que precisa ser observado e respeitado entre os cônjuges. Na pesquisa sobre construção da identidade conjugal no casamento contemporâneo, desenvolvida por Carneiro (2001), homens e mulheres disseram que é importante dentro do casamento a valorização da individualidade na vida a dois, ao mesmo tempo em que enfatizam a importância de compartilhar e dividir. (CARNEIRO, 2001, p.78). Nesse aspecto, precisamos enfatizar que tanto para compartilhar quanto para dividir é preciso primeiramente comunicar. Segundo Cerveny (1994), referindo-se à pesquisa do grupo Palo Alto, explica que a comunicação não só transmite informação, mas também define a relação. A família se comunica por meio do espaço, do olhar, do silêncio, do movimento. A família é vista como um circuito de retroalimentação, onde o sujeito é afetado pelo comportamento de cada uma das pessoas envolvidas nesse processo. REFERENCIAS CARNEIRO, Terezinha Feres. Casamento contemporâneo: construção da identidade conjugal. In __. Casamento e Família do social à clinica. Rio de Janeiro. NAU, 2001, p. 67-80. ______. Transmutando a subjetividade na conjugalidade. In: __ Família e casal:

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arranjos e demandas contemporâneas. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, S.ao Paulo: Loyola, 2003, p.225-245 CERVENY, Ceneide Maria de Oliveira. Família e repetição. In__: A família como modelo: desconstruindo a patologia. Rio de Janeiro. Editorial Psy II, 1994, p3 – 61

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva


Sobre o narcisismo: o caso Joana Graciane de Carvalho Fonseca1 Catarina Angélica Santos2 RESUMO: Neste breve artigo, busca-se apresentar alguns fragmentos de um caso clínico atendido na Clinica de Psicologia Newton Paiva, por um período de um ano, e analisá-lo à luz da teoria psicanalítica de Freud. Palavras-chave: Ideal do eu. Narcisismo. Desejo.

Joana3, vinte e um anos, procura atendimento na clínica, pois deseja trabalhar a respeito das decisões que precisa tomar diante de situações da sua vida pessoal e profissional que a aborrecem. Trabalha como empregada doméstica em casa de família e relata a não satisfação com este afazer. Deseja muito que as coisas mudem tanto no campo profissional quanto pessoal e que ela possa mudar de emprego muito brevemente. Durante as sessões, Joana se posiciona como autossuficiente e afirma que deseja um emprego em outras áreas que não seja a de doméstica, pois pensa que tem capacidade para desenvolver outros trabalhos. Alega, também, que quando conseguir um novo emprego será difícil sua atual patroa a substituir em seu trabalho por outra pessoa, declarando que não há ninguém que consiga fazer um trabalho tão bem feito quanto o seu. Ela se diz, em vários momentos, ser uma pessoa insubstituível no trabalho, chegando muitas vezes próxima da arrogância. Esse relato nos faz pensar na teoria freudiana do narcisismo, a qual nos ateremos neste artigo, para sustentar a discussão clínica do “caso Joana”. Freud no texto intitulado “Sobre o narcisismo: uma introdução”, de 1914, discute a teoria do narcisismo e distingue dois tipos, a saber: narcisismo primário e narcisismo secundário. O primeiro tipo refere-se ao modo de satisfação da libido chamado de autoerotismo, esse último é conceituado como o prazer que o órgão retira de si mesmo, ou seja, do próprio corpo como “chupar” dedo, no caso do bebê. As pulsões autoeróticas, ainda que parciais, funcionam de forma independente e procuram cada qual por si – oral, anal, escópica, invocante - a satisfação no corpo do infans. Nesse período, ainda não existe uma unidade comparável ao eu, nem uma real diferenciação do mundo. O funcionamento psíquico da criança é indiferenciado, completo, sem faltas e é como se o bebê pudesse dizer: “eu me basto a mim mesmo”. Se tal narcisismo, por um lado, faz parte da constituição subjetiva de todos nós, por outro, a exacerbação do mesmo pode conduzir a patologias graves como é o caso da psicose.

Freud (1914) destaca a posição dos pais na constituição do narcisismo primário, que é o primeiro tempo da constituição da subjetividade dos filhos. Ele nos fala que o amor dos pais pelos filhos é o narcisismo destes renascido e transformado em amor objetal. Ainda segundo Freud (1914), o narcisismo primário representaria, de certa forma, uma espécie de onipotência que se cria no encontro entre o narcisismo do bebê e o narcisismo dos pais. “Se prestarmos atenção à atitude de pais afetuosos para com os filhos, temos de reconhecer que ela é uma revivência e reprodução de seu próprio narcisismo, que há muito abandonaram”. (Freud, 1914, p. 97). No caso do narcisismo secundário há dois momentos: primeiro há um investimento nos objetos e depois esse investimento retorna para o Eu (ego). Quando o bebê já é capaz de diferenciar seu próprio corpo do mundo externo, ele identifica suas necessidades e quem ou/o que as satisfaz. O sujeito concentra em um objeto suas pulsões sexuais parciais, há um investimento objetal, que em geral se dirige à mãe e ao seio como objeto parcial. Com o tempo, a criança percebe que ela não é o único objeto de desejo da mãe, ou seja, que ela não é tudo para o Outro. Então, o desejo da criança consiste em fazer-se amar pelo Outro, em agradá-lo para não correr o risco de perder seu amor, mas isso só pode ser feito através da satisfação do ideal do eu. Se pensarmos nos dois tipos de narcisismo descobertos por Freud, iremos localizar no caso de Joana o narcisismo secundário de modo muito exacerbado. Esse tipo de narcisismo constitui a subjetividade, conforme dito acima. No entanto, para que se avance na constituição, é necessário que o sujeito vá além. A analisanda se mostra sempre disponível para o trabalho (quer sempre agradar o Outro) e julga-se sempre capaz de ser a única a fazer tudo da melhor maneira possível, de modo ordenado e perfeito. Pode-se pensar que, inconscientemente, a satisfação sentida pela analisanda com o trabalho satisfaz também o Outro, Revista de Psicologia l

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e isto é uma forma de ela não se deparar com a falta. Ou seja, o sujeito busca recuperar através do ideal-de-ego, a perfeição perdida de outrora que era o ego ideal. A esse respeito Freud no diz: O narcisismo do indivíduo surge deslocado em direção a esse novo ego ideal, o qual como o ego infantil, se acha possuidor de toda perfeição e valor. Como acontece sempre que a libido está envolvida, mais uma vez aqui o homem se mostra incapaz de abrir a mão de uma satisfação de que outrora desfrutou. (Freud, 1914, p.100). Joana, em seu discurso, demonstra ser possuidora de perfeição e valor e isso aparece em vários momentos de sua análise. Acredita que ninguém pode ser melhor que ela e aqueles que a perdem estão em desvantagem em relação àqueles que sabem conquistá-la. Tal idéia pode ser observada quando Joana encontra um ex-namorado no shopping. Na ocasião, o rapaz estava acompanhado da esposa, filho e, aparentemente, não percebeu sua presença. A analisanda, porém, não admitiu à analista que se sentiu triste com o reencontro e que desejava estar ao lado daquele rapaz. Ainda, depois de reconhecer tal desejo4, denega-o afirmando que se alguém saiu perdendo, nessa história, foi ele que nunca encontrará outra pessoa “a sua altura”. Nota-se, no discurso da analisanda, sua indisposição em renunciar à perfeição narcísica de sua infância, conforme nos indica Freud em seu texto. O sujeito não quer lidar com a falta, esta é colocada no Outro para que o primeiro não seja obrigado a sentir o mal estar provocado por esse encontro, como se pode verificar no caso de Joana. Para Freud, o ego ideal é alvo do amor de si mesmo (self-love). E é esse amor que foi desfrutado na infância pelo ego real. Isso é o que nos demonstra Joana quando se depara com a realidade da perda do ex-namorado e com a saída do emprego para melhorar sua condição pessoal e vida profissional. O que nos chama a atenção é que a analisanda resiste em abrir mão de uma satisfação que outrora desfrutou. O que se pode verificar é que Joana não se dispõe facilmente em renunciar à perfeição narcísica de sua infância. No entanto, ela se depara com uma questão em sua análise (a sua implicação como sujeito do desejo) que é a de ter de “arredar pé” desse lugar de completude para enfrentar os caminhos obscuros de seu desejo. Nas sessões analíticas ocorridas no final do semestre, Joana se refere ao seu medo de precisar pedir ajuda aos seus familiares e/ou namorado. Ela pensa que eles deveriam oferecer ajuda a ela. Também queixa-se que seus familiares não percebem sua necessidade de apoio para sair do emprego, ou seja, da casa onde mora e ter seu próprio domicílio. Parece-nos que a tão precavida e decidida iniciativa de Joana de sair do emprego atual e procurar 66 l

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outro, na tentativa de diversificar seu campo de trabalho, a remete a uma mudança de posição de seu sintoma. Isso pôde ser constatado nos atendimentos desse semestre. Ela pára de se queixar do Outro com tanta veemência e busca trilhar novos caminhos, mas para isso precisa “abrir mão” do narcisismo exacerbado para enxergar que o outro também deseja. O que todo analista pode constatar é que isso não se faz impunemente. REFERENCIAS FREUD, Sigmund. Sobre o Narcisismo. Uma introdução (1914). Edição Standart das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1974, p. 81-108. Vol.XIV LAPLANCHE, Jean. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes. 1992.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora e supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Nome Fictício 4 O desejo é a realização de um anseio inconsciente. O desejo é, antes, de mais nada, o desejo inconsciente e a realização de desejo. O desejo do inconsciente tende a realizar-se restabelecendo, segundo as leis do processo primário, os sinais ligados as primeiras vivências de satisfação. O desejo está ligado a signos infantis indestrutíveis. (Laplanche, 1992. p. 113)


Fragmento de um caso clínico Halsey Douglas Ribeiro Silva1 Catarina Angélica Santos2 RESUMO: O presente artigo visa apresentar o caso clínico de Maria, uma jovem universitária de 20 anos em sua tentativa de passagem ao ato, para assim, compreendermos dentro dos conceitos psicanalíticos da clínica lacaniana a repetição como um trabalho da pulsão de morte. Palavras - chave: Afeto. Autoextermínio. Pulsão de morte.

O objetivo deste trabalho é estabelecer uma relação entre um fragmento extraído de um caso clínico atendido na Clinica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva e alguns conceitos teóricos psicanalíticos da clínica de orientação lacaniana. Assim sendo, torna-se fundamental, em um atendimento clínico, estabelecer um diagnóstico do sujeito que nos procura, pois este busca alívio para seu sofrimento. Estabelecer o “diagnóstico diferencial só se coloca em psicanálise (no sentido do processo analítico) se encontram numa relação lógica, chamada de implicação [...]. O diagnostico só tem sentido de orientação para a conclusão da análise”. (QUINET, 2007, p. 18) Com base nos fenômenos relatados durante as sessões, destaca-se um leque de possibilidades quanto ao diagnóstico estrutural do caso - neurose, psicose ou perversão - ressaltando-se que ele só pode ser pensado com base na especificidade da transferência estabelecida com o analista. “É a partir do simbólico que se pode fazer o diagnostico estrutural [...] a inscrição do Nome-do- Pai”. (QUINET, 2007, p. 19) A paciente que chamamos de Maria chega à clínica dizendo sobre uma tentativa de autoextermínio na qual ingeriu um número excessivo de medicamentos antidepressivos. Maria, 20 anos, estudante universitária, mora com os pais e duas irmãs mais novas de 19 e 18 anos. Segundo seu relato, sempre atendeu aos apelos da mãe, não tendo direito de realizar seus mais simples desejos. O curso universitário que realiza foi sugerido pela própria mãe e por isso tem a intenção de desistir. A mãe de Maria, sexagenária, teve as filhas em uma idade já avançada. Seu pai, também sexagenário, encontra-se atualmente com sérios problemas de saúde, se limitando a ficar em casa sem uma profissão que lhe garanta a subsistência familiar. Segundo a paciente, sua educação sempre esteve sob o direcionamento da mãe, que escolhe suas roupas, seus cursos e até mesmo seus namorados, para que no futuro Maria adquirisse uma boa formação e consequentemente um bom emprego e se

tornasse a tutora dos pais. Nesta fase, Maria se depara com seus próprios questionamentos em relação à ausência de afeto de sua mãe e de seu pai. Minha mãe e meu pai só querem que eu faça o que eles querem, nunca o que eu quero. Diante desse fato e na busca de se esquivar, ou mesmo na busca da compreensão dos pais, Maria faz uma passagem ao ato ingerindo medicamentos antidepressivos. Sendo assim, podemos entender que tal ato caracteriza alguns adolescentes histéricos que se fazem representar num grito de um sujeito desejante sempre direcionado ao Outro, um grito de socorro. Freud (1939) nos trás o seguinte entendimento sobre a autodestruição; [...] a tendência à autodestruição está presente em certa medida num número muito maior de pessoas do que aquelas em que chega a ser posta em prática; os ferimentos auto-infligidos são, em geral, um compromisso entre essa pulsão e as forças que ainda se opõem a ela. (FREUD, 1976, p. 163) Freud nessa citação nos aponta para a intrincação das pulsões de vida e morte, referindo-se às práticas destrutivas menos visíveis de um autoextermínio. Pode-se perguntar se Maria (a paciente) não busca naquele momento um gesto de socorro junto a seus pais. Não seria o autoextermínio uma última tentativa de se separar do desejo da mãe? Segundo Rinaldi (1999), Lacan destaca o conceito de repetição enquanto conceito fundamental, “Lacan é sensível à ligação que Freud estabelece entre repetição e pulsão de morte na medida em que ela denuncia o que há de essencial na repetição, que Lacan designa como encontro do real”. (RINALDI, 1999) Ainda em RINALDI (1999); Revista de Psicologia l

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A repetição é esse trabalho fundamental da pulsão de morte que relança insistentemente algo inassimilável, da ordem do real. É esse encontro, essencialmente faltoso, que os sonhos traumáticos insistem em trazer de volta, no movimento de retorno a uma impossível origem, a um estado de repouso absoluto, com a eliminação de todas as tensões. No lugar desse objeto impossível de encontrar, o que se encontra sempre é o real, o que introduz a diferença no circuito da repetição. É este inassimilável à cadeia simbólica, traumático, que determina o movimento do desejo, que é sempre desejo de outra coisa. Considerando estas formulações entre repetição e pulsão de morte, podemos visualizar melhor a narrativa de nossa paciente, que apresenta de forma contundente o desejo de uma adolescente. Maria se vê diante de cenas repetidas durante seu percurso de vida. Traz em si um real insuportável que evidencia a ação da pulsão de morte. O desejo da mãe é original e fundador, mas ao mesmo tempo destrutivo e mortal. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. Equívocos na ação. In:__. A psicopatologia da vida cotidiana. Tradução de José Otávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1975, Cap. 8, p. 157-170, (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. VI, 1937-1939). QUINET, Antonio. As 4 + 1 condições da análise. In:__. As funções das entrevistas preliminares. 11ª Ed. Rio de Janeiro: ZAHAR, 2007. Cap.1, p.18-19. RINALDI, Doris. Repetição e pulsão de morte: Um comentário sobre Leila. Disponível em http://www.geocities.com/hotsprings/villa/3170/DorisRinaldi.htm> acesso em 10. mai. 2009.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do décimo período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora e supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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A angústia do ser faltoso Inara de Souza Moreira1 Raquel Neto2 RESUMO: O presente artigo retrata a angústia que é própria da existência humana. Angústia que coloca o homem em ação, mas que também o paralisa e o determina. Determinismo que o leva ao desespero, à busca incansável por uma existência autêntica, autônoma, pensando em uma sincronicidade positiva entre o passado, presente e futuro. Palavras-chave: Angústia. Tempo. Dívida. Culpa.

Tempo, espaço e coexistência são os pilares para a formação da existência. Portanto, entender o tempo é observar o Homem em sua maior contradição: a tensão entre permanência e transitoriedade, poder e impotência, vida e morte (AUGRAS, 1993). Experimentamos o tempo como um fluir, um fluxo de momentos contínuos que se sucedem a partir de nossas experiências ou vivências. Assim, podemos entendê-lo como uma sucessão do passado/presente/futuro. A vivência do tempo biológico envolve, portanto, a de um presente que encerra as implicações passadas e futuras (AUGRAS, 1993). Todo momento depressivo sintomático se instala em um passado vazio de sentido, congelando e petrificando a pessoa em um presente, que segundo Augras (1993), “é antes de qualquer coisa, o tempo da ação imediata”. O tempo se apresenta como uma orientação significativa do ser. E é nesse tempo presente e de ações imediatas que a pessoa se perde, se desorganiza e se angustia. Uma desorganização no tempo e no espaço prejudica a pessoa a se projetar. Quando ela não consegue se perceber no centro, uma desorganização no seu mundo acontece e isso a faz se perder e a encaminha para uma decadência. Todas as aprendizagens e experiências somáticas fornecem ademais suporte para a vivência de um processo contínuo, de aquisição, mas também de despojo que, á medida que constrói o indivíduo, do mesmo modo o encaminha para a decadência. (AUGRAS, 1993) O angustiar-se é inerente à condição Humana. A angústia existencial possibilita ao homem criar e concluir, transcender-se e compreender-se. É necessário que ele se compreenda e se projete em um poder-ser em função de sua própria presença. Para Boss (1977), angústia e culpa são consideradas, em diversos lugares e de acordo com velhos provérbios, como aquilo

que apreende o mundo no íntimo. O ser humano é de possibilidades, de muitos caminhos e escolhas e, inevitavelmente, o decidir e o se posicionar frente a situações conflituosas ou não gera angústia. Para Heidegger (1989), decisão diz: deixar-se proclamar no ser e estar em débito mais próprio. “A decisão se mostrou um existir originário e próprio a presença do ser fica indecisa, fechada em seu poder-ser fala mais próprio” (HEIDEGGER, 1989). A fala e a reflexão são mecanismos para enfrentar a angústia. Para Augras (1993), a fala do indivíduo exprime a organização do seu mundo constantemente criado, questionado, ameaçado e construído. O que de cada angústia é sempre um ataque lesivo à possibilidade do estar-aí ( Dasein) Humano, No fundo, cada angústia teme a extinção deste, ou seja, a possibilidade de um dia não estar mais aqui. O pelo que da angústia Humana é por isto, o próprio estar aí, na medida em que ela sempre se preocupa e zela só pela duração deste. (BOSS, 1977) Porém, nem sempre sabemos lidar com nossa angústia de forma positiva, é aí que ela se torna vital, patológica, congelando o ser humano, impedindo a manifestação de seus desejos e a continuidade de sua obra. Segundo Augras (1993), a significação da obra está dentro do espectador. A obra disputa nele este significado, porque a transformação do mundo que ele vem propor é, em última análise, a transformação do próprio espectador. O homem é um ser de possibilidades, por isso a importância em acentuar a realização de suas necessidades, sendo elas vistas como um fator que compele o indivíduo na procura do objeto que satisfaça uma falta biológica ou motive suas realizações existenciais. Revista de Psicologia l

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O ser humano que se constrói, lança e se engendra é um ser de processos e projetos. Para Augras (1993), “criar é um ato de liberdade, de revelação e transmutação. É linguagem além da fala, universo além do mundo”. Existir é transformar-se. A existência sem projetos, sem sentido ou significado, pouco contribuirá para algo de expressivo em nossas vidas. Se não refletirmos a respeito do dia a dia e da vivência satisfatória de nossos desejos, cada vez mais obstáculos aparecerão. Enquanto projeto, ele é em si mesmo essencialmente um nada. O nada mencionado pertence a presença enquanto o ser-livre para suas possibilidades existenciárias. A liberdade, porém, apenas se dá na escolha de uma possibilidade, ou seja, implica suportar não ter escolhido e não poder escolher outras. (BOSS, 1977) Permitir que em um passado com falas e atitudes de outrem tome conta da existência, abrindo no tempo presente um vazio de sentidos, e a necessidade de estar sempre “cobrindo buracos” é viver uma existência inautêntica. É ser e viver por todos os outros. A fala enuncia o encontro na medida em que o indivíduo se expressa. A sua intencionalidade e sempre comunicativa, a expressão implica a compreensão da coexistência (AUGRAS, 1993). Para Boss (1977), culpa é aquilo que carece e falta. Ser e estar em débito tem ainda um significado mais amplo, o de ser responsável ou de “ser a ocasião de alguma coisa” (HEIDEGGER, 1989). O conceito formal de estar em débito no sentido de tornar-se culpado com relação a outrem deixa-se formular do seguinte modo: ser-fundamento da falta na presença de um outro, de tal maneira que esse próprio ser-fundamento determina-se “ faltoso. Esta falta está em não se satisfazer uma exigência do ser com os outros existentes (AUGRAS, 1993) O outro fornece um modelo para a construção da imagem de si. Por ser outro, contudo, ele também revela que a imagem de si comporta uma parte igual de alteridade. Portanto, viver em débito, ter sempre dívidas, talvez possa ser entendido em um modo de ser–com-os-outros, em um não saber viver faltoso, em dizer não, é viver com uma sobrecarga em função dos outros. Para Boss (1977), todos os sentimentos de culpa baseiam-se num ficar a dever. O ser humano deve sempre buscar apoio para identificar e aceitar a verdade pessoal.

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REFERÊNCIAS AUGRAS, Monique. O Ser da Compreensão: Fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. (3a ed.). Petrópolis, Vozes, 1986. BOSS, Merdad. Angústia, culpa e libertação. 2ª Ed. Livraria duas cidades, São Paulo, 1977. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 2ª Ed. Petrópolis, Vozes, 1989.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva


O adoecimento da família Ingryde Guedes1 Shirley de Oliveira Martins Cláudia Neto2 RESUMO: Este trabalho tem como objetivo elucidar, num esboço inicial, as contribuições da Psicologia Sistêmica na terapia familiar por meio de uma breve exposição de conceitos teóricos, e um estudo de caso relacionado a esse campo. Busca, também, apontar como o comportamento de um membro da família altera o comportamento de outros no contexto familiar. Palavras-chaves: Psicologia. Terapia Sistêmica. Sintoma. Família. A teoria da terapia familiar está fundada no pressuposto de que o homem não é um ser isolado, ele é um membro ativo e reativo de grupos sociais conforme Minuchin (1990) testa. A terapia familiar tem como foco o tratamento de todos os membros da família, e seu objetivo é tratar indivíduos pertencentes ao mesmo grupo. O indivíduo doente é entendido como o sintoma do sistema doente, e o problema do indivíduo como pertencente a um sistema maior, entendendo-se que o comportamento de um membro altera o comportamento de outros no contexto familiar. Nichols e Schwartz (1998) citam um estudo desenvolvido por Bateson (1956) com famílias que possuem membros esquizofrênicos. Esse estudo formula a hipótese de que a esquizofrenia possa ser resultado da interação familiar. Mais tarde, Jackson (1957) cria o conceito da homeostase familiar: é um estado não estático, dinâmico, que as famílias procuram manter ou restaurar, onde os membros da família atuam como governantes ativadas pelo erro (Haley, 1963; apud Nichols e Schwartz, 1998). Pode ocorrer que algum membro da família piore, quando outro tem uma melhora significativa. O impacto da melhora de um paciente sobre a família nem sempre é negativo. Fisher e Mendell (1958) relatam uma propagação de mudanças positivas dos pacientes para outros membros da família. Entretanto, a questão não é se o efeito da mudança do paciente sobre a família é positivo ou negativo. A questão é que a mudança em uma pessoa modifica o sistema. (Nichols Schwartz, 1998, p. 25). Algumas vezes a maneira familiar de se manter neste equilíbrio homeostático inclui um sintoma que é inaceitável para eles ou para a sociedade. Desta forma, a função do sintoma é o de manter a família em equilíbrio suportável para criar condição de convívio que pode ou não ser uma forma saudável para os

membros envolvidos. Para exemplificar será apresentado um caso atendido na Clinica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Clarice (esposa), nome fictício, procura a clínica com a queixa de ser acusada pelo marido de traição. Luiz (marido) é usuário de maconha há 35 anos e havia sido internado em um hospital de Belo Horizonte por ter tido uma crise na qual ficou muito agitado. Ficou internado por 15 dias e ao sair, não quis continuar com a medicação, alegando que o medicamento o fazia ficar tremulo e o seu trabalho exige muita atenção. Essa acusação é causa de muitas brigas e constantes investigações por parte do marido. Clarice apresenta-se muito deprimida, dizendo não saber o que fazer. Ângela, sua filha mais velha, com 18 anos, quer a separação do casal. Jéssica com 12 anos, não tem certeza ser quer a separação, espera que o pai melhore e volte a ser o pai “legal” que era. Laura com apenas 6 anos, quer que o pai pare de brigar com a mãe. As sessões eram feitas com a presença da mãe e das filhas mais novas, a filha mais velha compareceu a duas sessões. Após as entrevista iniciais, a condução do processo terapêutico ficou em torno de como Clarice iria tomar suas decisões e conduzir a vida da família, já que isso era tarefa do marido e esse não tinha condição para tal. A pressão de Ângela para Clarice se separar era muito grande. Ela dizia não suportar mais as brigas em casa e não aceitava a passividade de sua mãe. Ângela havia tentado suicídio por 2 vezes. As terapeutas que faziam o acompanhamento da família entraram em contado com a psicóloga que fazia atendimento na empresa que Luiz trabalha. Esta rede de apoio foi importante, pois ele não sabia das dificuldades da família e não tinham conhecimento do uso de drogas feito por Luiz. Após algumas sessões, Luiz teve uma nova crise no emprego e foi conduzido ao Hospital, onde foi medicado e aderiu ao tratamento, ficando afastado do emprego por um tempo. A relação familiar melhorou um pouco, Clarice voltou a ficar mais animada, mas Ângela voltou a tentar suicídio, passando a ter uma Revista de Psicologia l 71


raiva muito grande do pai. Não queria ficar no mesmo lugar que o pai, não conversava com ele e se negava a ir à Clínica de Psicologia. As informações eram trazidas por Clarice. O sintoma pode servir a funções diferentes, em épocas diferentes, para conjuntos diferentes de relação conforme Papp (1992) nos diz. Ângela se apresentava muito deprimida, falando que queria ir ao encontro de sua tia já falecida; algumas vezes falou ter visto esta tia. O pai, saindo da posição de paciente identificado, aquele que traz problemas, coloca a filha nesta posição: aquela que não consegue mais trabalhar e estudar, ter um convívio familiar, criando um clima constante de tensão como existente na época que o pai acusa a mãe de adultério. Desta forma, o equilíbrio doente da família permanece, ora elegendo o conflito do casal, ora a psicose do marido, ou a depressão da esposa, ora as tentativas de suicídio da filha. Como atestam os teóricos, a crise é o melhor momento para as mudanças, já que a família, pressionada pela circunstancias críticas e de sofrimento agudo, movimenta-se em direção à ruptura de sua patologia, colocando-se sob os cuidados de uma terapia. Neste caso, apesar de observarmos alguns passos significativos de mudanças; mesmo pressionada pela filha Clarice pensa em se separar, Luiz participa de duas sessões da terapia, volta ao psiquiatra e adere ao tratamento medicamentoso, Clarice se apresenta mais tranqüila; não se pode dizer que o equilíbrio disfuncional da família tenha sido de todo rompido. Pode-se dizer que a família ainda precisa desse ponto instável e conflituoso de ligação e não está pronta ainda a abrir mão disso em favor de novas formas de convivência. Nesse caso, a separação do casal. REFERENCIAS MINUCHIN, Salvador. Famílias: funcionamento & tratamento. Tradução de Jurema Alcides Cunha. Porto Alegre, Artes Médicas, 1982. NICHOLS, Michael P.; SCHWARTZ, Richard C. Terapia Familiar: Conceitos e Métodos. 3º. Ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. PAPP, Peggy. O processo de mudança: uma abordagem pratica a terapia sistêmica de família. Tradução de Maria Efigênia F.R. Maia e Claudine Kinsch. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmicas do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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O Processo Terapeutico na Clínica de Terapia Familiar Sistêmica. Isabela Leroy de Oliveirai Lôla Rodrigues Flôres1 Genilce Cunha2 RESUMO:Este artigo tem por objetivo apresentar como acontece o processo terapêutico na clínica de Terapia Familiar Sistêmica. Será apresentado o papel do terapeuta e da família, que juntos estabelecem um contrato e formam o sistema terapêutico, com vistas a reorganizarem os aspectos que bloqueiam o desenvolvimento do grupo familiar. Palavras-chave: Terapia Familiar Sistêmica.

A Terapia Familiar pode ser conduzida de diferentes formas; uma vez que cada família é uma, suas demandas e seus processos de mudança são diferentes. Sendo assim, o terapeuta deverá deixar a cargo da família a exposição de seus problemas imediatos e de seus obietivos de mudança, permanecendo como um dos agentes. Ele se torna um preparador de contextos de mudança, que reorganiza com a família os aspectos que para ela se tornarão bloqueadores do seu desenvolvimento. Objetivos como a abertura de canais de comunicação na família, a resolução conjunta de problemas e a promoção de autonomia individual são especificos da Terapia Familiar e fazem parte do contrato terapêutico que é feito entre a família e o terapeuta. Há necessidade dos indivíduos da família reconhecerem seus próprios recursos e utilizarem-se deles, resolvendo suas diferenças e seus conflitos a partir de uma autopercepção e da percepção do outro; também do grupo familiar perceber que a mudança de relação entre eles depende de uma postura de implicação de cada um na busca de mudança. O processo de mudança é coparticipativo para todo o sistema. O processo terapêutico se dá, portanto, a partir do encontro do sistema familiar com os terapeutas que passa a constituir o sistema terapêutico, caracterizando-se por regras de relação específicas; em que se busca a resolução de problemas relacionais. A terapia ocorre em um contexto interacional e em um setting específico. Não há uma linearidade em que terapeuta ajuda e o cliente é ajudado. Há uma interação entre estes, em uma unidade, que promove relações com a finalidade de fazer emergir novas formas de interação na família, nos comportamentos, na definição do problema e nas suas soluções. (COELHO, 2005). A família chega com um problema, o terapeuta irá avaliá-la. Ao considerar o problema como uma construção social, do qual o terapeuta faz parte, Maturana e Mendez afirmam que um problema só existe quando este é definido como tal por alguém para o outro.

Um problema é algo que alguém vive como uma dificuldade e que ele ou ela assim o definem para si próprio ou para alguma outra pessoa. Um problema, portanto, tem a ver como alguém vê a si próprio ou a uma pessoa, é como ele ou ela constroem um domínio social que aceita o problema como tal. (MENDEZ ,CODDOU e MAITURANA, 1988, p. 1). A ciência tradicional relaciona o sintoma ao problema da pessoa, ou seja, pensa no indivíduo portador do sintoma como “doente”. Na visão contemporânea da ciência, o observador, agente de saúde, faz parte do sistema. Portanto, o que ele distingue como saúde ou doença orienta suas percepções e ações, ao mesmo tempo em que as modifica a partir das distinções dos consultores na construção da realidade (COELHO, 2005). Essa percepção consiste em considerar que o problema é construído nas relações, de modo que, tanto o contexto familiar como o terapeuta observador definem o problema a partir da linguagem. Da mesma forma que se considera a construção do problema na Terapia Familiar, considera-se a sua desconstrução. Ampliar o problema é redefini-lo, desconstruir a ideia de que ele está no indivíduo. Se está nas relações, mudando-se estas, desconstrói-se o problema. Normalmente, a queixa trazida pela família se localiza no indivíduo, o qual nomeamos paciente identificado (PI). O objetivo do terapeuta será ampliar a visão da queixa/problema a partir da interação, quando conhece o contexto interpessoal em que o problema ocorre e a história do problema, indo além do individual, focalizado nas relações das pessoas envolvidas no problema. “A exploração dos subsistemas também sublinha a necessidade de definir os limites do problema com que a terapia vai lidar. A solução sucessiva desses problemas constitui o objetivo do processo terapêutico”. (ANDOLFI, 1996). Revista de Psicologia l 73


Assim, a avaliação da família inclui várias redefinições interdependentes no correr do processo. Geralmente, a família em crise, ao procurar a terapia familiar, coloca nas mãos do terapeuta a responsabilidade da solução do problema. O terapeuta deve proporciar uma redefinição da relação terapêutica; restituindo ao grupo a responsabilidade pela solução de seus problemas de interação e pelo processo de mudança; colocando-se apenas como agente de ajuda; sendo o espaço terapêutico um campo de interações dinâmicas, um lugar de conversação, reflexão e clarificação; proporcionando um contexto de autonomia ao sistema familiar. Deve haver também uma redefinição do contexto, ou seja, uma ressignificação da atmosfera afetiva favorável à família, permitindo que ela redescubra relações não expressas, tirando o foco do paciente identificado (PI). Ampliando o contexto das relações, o PI sairá do papel que exerce na família e esta fará um movimento em direção a mudanças relacionais. A redefinição do problema é fundamental à família, que se tornará responsável pelas mudanças no processo terapêutico, desculpabilizando o portador do sintoma. Na terapia familiar sistêmica, o problema que se localiza nas relações familiares é também ampliado para as relações do contexto em que ocorre, intersistêmico. (ADOLFI, 1996). Portanto, podemos dizer que a avaliação relacional é obtida a partir das narrativas construídas pela família e pelo terapeuta sobre o problema e, a partir disso, construir novas narrativas. Novas propostas, relações diferentes, novos significados que vão surgindo e partir dessas conversações fazem com que a família perceba possibilidades, movimentando-se num processo evolutivo, e promovendo assim mudanças interacionais. REFERENCIAS AUN, Juliana Gontijo; VASCONCELLOS, M. J. E. ; COELHO, S. V. Atendimento Sistêmico de Famílias e Redes Sociais: Fundamentos Teóricos e Epistemológicos. Belo Horizonte: Ophicina de Arte & Prosa, 2005. 234 p. ANDOLFI, Maurizio. A Terapia Familiar. Um enfoque interacional. Campinas: Editorial Psy, 1996. MENDEZ, C.L.; CODDOU, F.; MATURANA, H. O emergir da patologia. Tradução de Cristina Magro e Nelson Vaz. Revista Journal of Psychology. P. 144-172, 1988.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmicas do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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Obesidade: um expressar silencioso na clínica psicanalítica Itavahn de Freitas Alves1 Nádia Laguardia2 RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre a obesidade, que acompanha, de forma velada, as queixas de alguns analisandos. Para realizar esta reflexão, foi utilizada a teoria psicanalítica que destaca, para além do corpo orgânico, sua dimensão pulsional. Palavras-chave: Obesidade. Psicanálise. Pulsão. Fase oral. Freud.

INTRODUÇÃO Para que tanta gordura em uma só pessoa? Por que comer tanto? O autor do presente trabalho, durante seus estágios clínicos curriculares para graduação como psicólogo, constatou que, além das diversas queixas sobre relacionamentos amorosos, conflitos familiares, profissionais e pessoais, havia certa prevalência de uma queixa menos explícita, que se esboçava de forma silenciosa, velada, através do corpo. Surgiu então o interesse em investigar a obesidade e suas implicações psíquicas. Para a psicanálise, um corpo que se enche de comida, de forma a exceder o limite da necessidade, desrespeitando a saciedade, parece querer preencher algo que se faz incompleto. Conforme Ana Paula Varela, em: Você tem fome de quê (2006): O homem insatisfeito, nas suas dúvidas, tenta alcançar o controle sobre os eventos que compõem sua vida, formulando e oferecendo infinitos significados a várias questões. Estas, silenciosas, tomam formas diferenciadas, tomam corpo, se mostram pelo corpo. REVISÃO DE LITERATURA A obesidade envolve as dimensões fisiológicas, sociais e psíquicas. Para esse trabalho, buscamos recortar a dimensão psíquica da obesidade, que tem origem no processo de construção do corpo, segundo a teoria psicanalítica. Segundo Sigmund Freud, em Os instintos e suas vicissitudes (1915), nada existe que nos impeça de subordinar o conceito de pulsão ao de estímulo e de afirmar que uma pulsão é um estímulo aplicado à mente. Existem evidentemente outros estímulos à mente, além daqueles de natureza pulsional, estímulos que se comportam muito mais como fisiológicos. Fragmento de um caso clínico: “ a ansiedade é tão grande

que não tenho vontade de fazer nada... o telefone e a companhia me dão pavor... não consigo me organizar... fico exausta o dia todo, em casa não consigo nem me impor com meu marido... não tenho paciência com os meus filhos, a única coisa que me dá prazer na vida é quando começo a comer e como até ficar embuchada ou até ficar com azia” Uma pulsão, para Freud (1915), jamais atua como uma força que imprime um impacto momentâneo, mas sempre como um impacto constante. Além disso, visto que ela incide não a partir de fora, mas de dentro do organismo, o melhor termo para caracterizar um estímulo pulsional seria ‘necessidade’. O que elimina uma necessidade é a ‘satisfação’. Isso pode ser alcançado apenas por uma alteração adequada da fonte interna de estimulação. Freud (1915) pede que imaginemo-nos na situação de um organismo vivo quase inteiramente inerme, até então sem orientação no mundo, que esteja recebendo estímulos em sua substância nervosa. Esse organismo muito em breve estará em condições de fazer uma primeira distinção e uma primeira orientação. Por um lado, estará cônscio de estímulos que podem ser evitados pela ação muscular (fuga); estes, ele os atribui a um mundo externo. Por outro, também estará cônscio de estímulos contra os quais tal ação não tem qualquer valia e cujo caráter de constante pressão persiste apesar dela. Esses estímulos são os sinais de um mundo interno, a prova de necessidades pulsionais. A substância perceptual do organismo vivo terá assim encontrado, na eficácia de sua atividade muscular, uma base para distinguir entre um ‘de fora’ e um ‘de dentro’. Segundo Freud (1915), chegamos assim à natureza essencial das pulsões, considerando em primeiro lugar suas principais características - sua origem em fontes de estimulação dentro do organismo e seu aparecimento como uma força constante - e disso deduzimos uma de suas outras características, a saber, que nenhuma ação de fuga prevalece contra elas. Conforme Freud (1915), o sistema nervoso é um aparelho Revista de Psicologia l 75


que tem por função livrar-se dos estímulos que lhe chegam, ou reduzi-los ao nível mais baixo possível; ou que, caso isso fosse viável, se manteria numa condição inteiramente não-estimulada. Não façamos objeção, por enquanto, à indefinição dessa idéia e atribuamos ao sistema nervoso a tarefa falando em termos gerais - de dominar estímulos. Vemos então até que ponto o modelo simples do reflexo fisiológico se complica com a introdução das pulsões. Os estímulos externos impõem uma única tarefa: a de afastamento; isso é realizado por movimentos musculares, um dos quais finalmente atinge esse objetivo e, sendo o movimento conveniente, torna-se a partir daí uma disposição hereditária. Assim, para Freud (1915) não podemos aplicar esse mecanismo aos estímulos pulsionais, que se originam de dentro do organismo. Estes exigem muito mais do sistema nervoso, fazendo com que ele empreenda atividades complexas e interligadas, pelas quais o mundo externo se modifica de forma a proporcionar satisfação à fonte interna de estimulação. Acima de tudo, obrigam o sistema nervoso a renunciar à sua intenção ideal de afastar os estímulos, pois mantêm um fluxo incessante e inevitável de estimulação. Freud concluiu que as pulsões e não os estímulos externos constituem as verdadeiras forças motrizes por detrás dos progressos que conduziram o sistema nervoso, com sua capacidade ilimitada, a seu alto nível de desenvolvimento atual. Naturalmente, nada existe que nos impeça de supor que as próprias pulsões sejam, pelo menos em parte, precipitadas dos efeitos da estimulação externa, que no decorrer da filogênese ocasionaram modificações na substância viva. O mesmo verificou que, até a atividade do aparelho mental mais desenvolvido está sujeita ao princípio de prazer, isto é, que ela é automaticamente regulada por sentimentos pertencentes à série prazer-desprazer. Onde não se pode rejeitar a hipótese ulterior, segundo a qual esses sentimentos refletem a maneira pela qual o processo de dominação de estímulos se verifica - certamente no sentido de que os sentimentos desagradáveis estão ligados a um aumento e os sentimentos agradáveis a uma diminuição do estímulo. Freud sugeriu que, se agora nos dedicarmos a considerar a vida mental de um ponto de vista biológico, uma pulsão nos aparecerá como sendo um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, como o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, e como uma medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo. Sigmund Freud em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1915), estabeleceu o conceito da libido como uma força quan76 l

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titativamente variável que poderia medir os processos e transformações ocorrentes no âmbito da excitação sexual. Diferenciou essa libido, no tocante a sua origem particular, da energia que se supõe subjacente aos processos anímicos em geral, e assim lhe conferiu também um caráter qualitativo. Ao separar a energia libidinosa de outras formas de energia psíquica, deu-se expressão à premissa de que os processos sexuais do organismo diferenciam-se dos processos de nutrição por uma química especial. A análise das perversões e das psiconeuroses levou Freud à compreensão de que essa excitação sexual é fornecida não só pelas chamadas partes sexuais, mas por todos os órgãos do corpo. Para Freud (1915) essa libido do ego, no entanto, só é convenientemente acessível ao estudo analítico depois de ter sido psiquicamente empregada para investir os objetos sexuais, ou seja, quando se converteu em libido do objeto. Vemo-la então concentrar-se nos objetos, fixar-se neles ou abandoná-los, passar de uns para outros e, partindo dessas posições, nortear no indivíduo a atividade sexual que leva à satisfação, ou seja, à extinção parcial e temporária da libido. Freud declara que podemos ainda inteirar-nos, no tocante aos destinos da libido, de que ela é retirada dos objetos, mantém-se em suspenso em estados particulares de tensão e, por fim, é trazida de volta para o interior do ego, assim se reconvertendo em libido do ego. Em contraste com a libido do objeto, também chamamos a libido do ego de libido narcísica. Do ponto de observação da psicanálise podemos contemplar, como que por sobre uma fronteira cuja ultrapassagem não nos é permitida, a movimentação da libido narcísica, formando assim uma idéia da relação entre ela e a libido objetal. A libido narcísica ou do ego parece-nos ser o grande reservatório de onde partem as catexias de objeto e no qual elas voltam a ser recolhidas, e a catexia libidinosa narcísica do ego se nos afigura como o estado originário realizado na primeira infância, que é apenas encoberto pelas emissões posteriores de libido, mas no fundo se conserva por trás delas (FREUD, 1905, p.223). A partir da noção de zona erógena e da organização da sexualidade infantil, Freud desenvolveu a noção de organização da libido, com fases da libido. O conceito de fase tem que ser pensado com a idéia de relação de objeto, relação que a criança estabelece com o mundo em determinado momento. A primeira fase definida por Freud é também a que vamos nos deter, para permanecermos no foco de nossa investigação. Esta fase é a oral, a primeira fase da evolução sexual pré-genital.


A primeira dessas organizações sexuais pré-genitais é a oral, ou, se preferirmos, canibalesca. Nela, a atividade sexual ainda não se separou da nutrição, nem tampouco se diferenciaram correntes opostas em seu interior. O objeto de uma atividade é também o da outra, e o alvo sexual consiste na incorporação do objeto - modelo do que mais tarde irá desempenhar, sob a forma da identificação, um papel psíquico tão importante. Como resíduo dessa hipotética fase de organização que nos foi imposta pela patologia podemos ver o chuchar, no qual a atividade sexual, desligada da atividade de alimentação, renunciou ao objeto alheio em troca de um objeto situado no próprio corpo (FREUD, 1905, p.204). Freud esclarece que o prazer está ligado à ingestão de alimentos e à excitação da mucosa dos lábios. O objetivo sexual consiste na incorporação do objeto, ou seja, essa é a forma de o bebê relacionar-se com o mundo. Isso se apresenta como protótipo para identificações futuras, pois é a partir da significação comer-ser/comido que se caracterizará a relação de amor com a mãe. Essa fase não se caracteriza somente por uma determinada parte do corpo, e sim, por um modo de relação de objeto: a incorporação. O ato de sugar o seio que aparece no lactente, para Freud pode continuar até a maturidade ou persistir por toda a vida. Esse ato consiste na repetição rítmica de um contato de sucção com a boca (os lábios), do qual está excluído qualquer propósito de nutrição. Uma parte dos próprios lábios, a língua ou qualquer outro ponto da pele que esteja ao alcance - até mesmo o dedão do pé - são tomados como objeto sobre o qual se exerce essa sucção. Freud afirma que na meninice, o sugar o seio é frequentemente equiparado aos outros “maus costumes” sexuais da criança. Parece-lhe que a concatenação de fenômenos que se pode discernir através da investigação psicanalítica, autoriza a ver no sugar uma manifestação sexual e a estudar justamente nele os traços essenciais da atividade sexual infantil. Segundo Freud, temos a obrigação de fazer um exame aprofundado desse exemplo. Como traço mais destacado dessa prática sexual, salientemos que a pulsão não está dirigida para outra pessoa; satisfaz-se no próprio corpo, é autoerótica, para dizê-lo com a feliz denominação introduzida por Havelock Ellis (1910) de acordo com Freud (1905). Freud afirma que o ato da criança que suga é determinado pela busca de um prazer já vivenciado e agora relembrado. No caso mais simples, portanto, a satisfação é encontrada mediante

a sucção rítmica de alguma parte da pele ou da mucosa. É fácil adivinhar também em que ocasiões a criança teve as primeiras experiências desse prazer que agora se esforça por renovar. A primeira e mais vital das atividades da criança - mamar no seio materno (ou em seus substitutos) - há de tê-la familiarizado com esse prazer. Diríamos que os lábios da criança comportaram-se como uma zona erógena, e a estimulação pelo fluxo cálido de leite foi sem dúvida a origem da sensação prazerosa. A princípio, a satisfação da zona erógena deve ter-se associado com a necessidade de alimento. A atividade sexual apóia-se primeiramente numa das funções que servem à preservação da vida, e só depois se torna independente delas. Quem já viu uma criança saciada recuar do peito e cair no sono, com as faces coradas e um sorriso beatífico, há de dizer a si mesmo que essa imagem persiste também como norma da expressão da satisfação sexual em épocas posteriores da vida (FREUD, 1905). A necessidade de repetir a satisfação sexual dissocia-se então da necessidade de absorção de alimento - uma separação que se torna inevitável quando aparecem os dentes e o alimento já não é exclusivamente ingerido por sucção, mas é também mastigado. De acordo com Freud, a criança não se serve de um objeto externo para sugar, mas prefere uma parte de sua própria pele, porque isso lhe é mais cômodo e a torna independente do mundo externo, que ela ainda não consegue dominar; ainda porque, desse modo, ela se proporciona como que uma segunda zona erógena, mas que de nível inferior. A inferioridade dessa segunda região a levará, mais tarde, a buscar em outra pessoa a parte correspondente, os lábios. (Pena eu não poder beijar a mim mesmo, dir-se-ia subjazer a isso.) Como aponta Freud, nem todas as crianças praticam esse chuchar. É de se supor que cheguem fazê-lo aquelas em quem a significação erógena da zona labial for constitucionalmente reforçada. Persistindo essa significação, tais crianças, uma vez adultas, serão ávidas apreciadoras do beijo, tenderão a beijos perversos ou, se forem homens, terão um poderoso motivo para beber e fumar. Caso sobrevenha o recalcamento, porém, sentirão nojo da comida e produzirão vômitos histéricos. Por força da dupla finalidade da zona labial, o recalcamento se estende à pulsão de nutrição. Muitas das pacientes com distúrbios alimentares, globus hystericus, constrição na garganta e vômitos foram, na infância, firmes adeptas do chuchar. Assim, de acordo com Varela (2006), a partir da idéia de zona erógena, podemos diferenciar o corpo da medicina e o corpo da psicanálise. O autor afirma que assim como o instinto está para a necessidade, para o corpo biológico, a pulsão inaugura outro corpo, ou seja, o corpo pulsional. Podemos pensar que o instinto Revista de Psicologia l

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está para a necessidade, que está para o corpo biológico; enquanto a pulsão está para o desejo, que está para o corpo erógeno. O desejo surge do afastamento entre a necessidade e a exigência. Não é mais um objeto real que satisfaz, mas um objeto-fantasma... O corpo fantasmático é o corpo-representação, e não um corpo anatomofisiológico (VARELA, 2006, s.p.). Para Varela (2006), o obeso encontra no corpo uma forma de expressar aquilo que não pode ou não consegue expressar pela via da fantasia, do sonho ou da linguagem. O obeso sente, mas, não conseguindo significar a sensação como linguagem falada, ele significa no corpo. Assim, para essa autora, o obeso sofre por uma falha no processo de simbolização. Essa falha impede um deslocamento simbólico, que possibilitaria o recurso da fantasia. CONCLUSÃO No centro da relação entre mãe e filho está, segundo Freud, o ato de alimentar. Durante a amamentação, o leite ocupa o lugar de objeto de necessidade, enquanto o seio ocupa o lugar de objeto de desejo. A criança que deseja o seio da mãe, fica à mercê do seu desejo e da disposição da mesma em lhe ofertar o seio. (Fato ocorrido na primeira infância, que irá se repetir ao longo da vida adulta, de forma mascarada, em uma constância infinita). Essa posição de submissão a um Outro terá efeitos na vida psíquica do sujeito. O alimentar, enquanto função orgânica, confunde-se com a função erótica, através de um deslocamento do registro da necessidade para o desejo. O prazer pelo comer, nos dá uma importante pista sobre a dimensão erótica e simbólica do corpo, dimensão esta que vai colocar o sujeito no lugar de desejante. Identificamos alguns pacientes que parecem permanecer numa posição de submissão a um Outro, buscando, de forma incessante, serem saciados, preenchidos, confundindo a demanda de amor com a necessidade. Assim, a privação afetiva, jamais saciada, busca ser suprida pelo alimento. Se a pulsão nasce da necessidade, logo dela se desvencilha. No entanto, nesses pacientes, a pulsão parece confundir-se com a necessidade, talvez por uma falha simbólica que dificultou o recurso da fantasia, que, segundo Freud, leva à obtenção de prazer e adia a necessidade. Assim, os obesos encontram no corpo um meio de expressar o que não podem, ou não conseguem expressar pela via da fantasia, do sonho e da linguagem.

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REFERENCIAS FREUD, Sigmund. (1916 [1915]). Os instintos e suas vicissitudes. In ___ A história do movimento psicanalítico, artigo sobre a metapsicologia e outros trabalhos. Rio de janeiro: Imago. 1914-1916. p.117-123. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 14). FREUD, Sigmund. Fragmento de um caso de histeria. In:___ Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos. Rio de janeiro: Imago. 1901-1905. p. 170-224.( Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7). VARELA, Ana Paula. Você tem fome de quê? V 26. Brasília/DF. 2006. Disponível em: <http://pepsic.bvs-sisi.org.br/scielo.php?scrip=sci_arttext&pid>. Acessado em: 24/11/2008.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva


O transtorno obsessivo-compulsivo e as vantagens da inserção do acompanhante terapêutico na terapia Jane Karenina Rodrigues1 Maxleila Reis2 RESUMO: O artigo apresenta uma breve definição do Acompanhamento Terapêutico e aspectos importantes do Transtorno Obsessivo Compulsivo. São listadas características do transtorno e as principais técnicas utilizadas. Palavras-chave: Transtorno obsessivo-compulsivo. Técnicas. Acompanhante terapêutico. Análise funcional.

De acordo com Cordioli (2008), o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) pode apresentar vários sintomas, sendo, por isso, considerado heterogênio. Trata-se de um transtorno psiquiátrico grave, classificado pela APA (American Psychological Association) entre os transtornos de ansiedade, ao lado das fobias (fobia social e específica), do transtorno de pânico e da ansiedade generalizada. Entre seus sintomas estão os comportamentos obsessivos e compulsivos. Obsessões são pensamentos ou impulsos que invadem a sua mente de forma repetitiva e persistente. Podem ainda ser cenas, palavras, frases, números, músicas, etc. Sentidas como estranhas ou impróprias, geralmente são desagradáveis, pois, são acompanhadas de medo, angústia, culpa, desconforto, nojo ou desprazer. O indivíduo, no caso do TOC, mesmo não desejando ou considerando tais pensamentos absurdos, impróprios ou ilógicos, não consegue afastá-los ou suprimi-los de sua mente. (CORDIOLI, 2008, p. 12). Conforme Cordioli (2008), os comportamentos obsessivos mais comuns são a preocupação excessiva com sujeira, com contaminação, com simetria, exatidão, com sequência, com ordem, pensamentos ou cenas violentas, economia, religião, pensamentos supersticiosos, pensamentos que o indivíduo não consegue afastar da cabeça, etc. Já os comportamentos compulsivos mais comuns são os de lavagem, limpeza, verificações, contagens, acúmulo, coleção, repetições, confirmações, tocar, olhar, bater de leve, raspar, estalar dedos ou articulações, etc. (CORDIOLI, 2008). De acordo com o DSM-IV-TR (2002), há critérios diagnósticos para a classificação do TOC. São eles: A) Presença de obsessões ou compulsões. […]

B) Em algum momento durante o curso do transtorno, o indivíduo reconheceu que suas obsessões são excessivas e irracionais. Isso não se aplica a crianças. C) As obsessões ou compulsões causam sofrimento acentuado, consomem tempo (mais de uma hora por dia) ou interferem significativamente na rotina, no funcionamento ocupacional (ou acadêmico) e em atividades ou relacionamentos sociais habituais do indivíduo. D) Se outro transtorno […] estiver presente, o conteúdo das obsessões ou compulsões não está restrito a ele […]. E) A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (p. ex., abuso de droga ou medicamento) ou condição médica geral. Além do tratamento medicamentoso e da terapia em consultório, para Guerrelhas (2007), o acompanhamento terapêutico (A.T.) é uma modalidade nova, não só para a Análise do Comportamento, mas para a Psicologia como um todo, que tem uma eficácia em muitos casos. Na abordagem citada, de acordo com essa autora, o A.T. pode ser definido tanto como aquele profissional que trabalha no ambiente natural do cliente, onde as contingências mantenedoras dos comportamentos disfuncionais ocorrem, como também atua como auxiliar de um terapeuta comportamental, ou de um psiquiatra, ou ainda, de uma equipe multidisciplinar. Portanto, neste caso, a função de A.T. é de auxiliar ou complementar o trabalho daqueles profissionais. As contingências econômicas podem dificultar a solicitação desses profissionais, já que trata-se de um trabalho intensivo, em que o profissional deve dispender várias horas por semana com seu cliente, por isso, o tratamento se tornaria inviável para a maior parte dos clientes. Visando a busca por um tratamento de qualidade com profissionais capacitados e, ao mesmo tempo, que não seja tão oneroso para o cliente, a saída tem sido contratar estudante ou profissional recém-formado (o qual será sempre supervisionado por um terapeuta experiente), que terá Revista de Psicologia l

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mais disponibilidade de tempo e horários alternativos. (GUERRELHAS, 2007). Conforme a autora, o A.T. é indicado em casos de pacientes portadores de transtornos psiquiátricos graves e/ou crônicos, nos quais há déficits comportamentais básicos. O paciente deve também ser acompanhado por um médico psiquiatra e estar submetido a tratamento medicamentoso. Segundo CORDIOLI (2008), várias técnicas são utilizadas no processo terapêutico, sendo as mais comuns a Exposição com Prevenção de Resposta (EPR), Modelação, Modelagem, Esvanecimento (fading), Parada de Pensamento, Reforçamento Diferencial de Outros Comportamentos (DRO), Exposição e Dessensibilização Sistemática. A principal ferramenta utilizada para o trabalho do terapeuta, segundo Prette e Garcia (2007), é a análise funcional a partir da qual pode-se “identificar as variáveis associadas ao comportamento do cliente e discriminar suas contingências controladoras”. (PRETTE; GARCIA, 2007, p. 184-185) Das técnicas citadas, a mais utilizada no tratamento do TOC é a EPR. Guimarães (2001), citando o tratamento pela exposição e prevenção de resposta (EPR), diz que essa técnica consiste no “confronto proposital do paciente com o estímulo ou situação desenscadeadora da resposta de medo ou de ansiedade. A exposição é feita repetidamente, de uma só vez ou de forma gradual, ao vivo ou por imagens […]”. (GUIMARÃES, 2001, p. 181). O objetivo dessa técnica, de acordo com a autora, é prolongar o tempo de exposição do indivíduo ao estímulo aversivo, até que a ansiedade chegue ao ponto máximo e, assim, comece a baixar. O paciente perceberá que a ansiedade poderá baixar naturalmente e a sua expectativa de que algo ruim acontecerá não se confirma. Dentro da técnica EPR, existe a técnica exposição e bloqueio de resposta compulsiva. Segundo a mesma autora, estudos comprovam que ambas as técnicas utilizadas em conjunto têm um efeito positivo de aproximadamente 75%, enquanto que aplicadas separadamente apresentam sucesso de 20% a 40%. Busca-se, com essa técnica, a generalização de comportamentos aprendidos, e a habituação (ou seja, “a diminuição espontânea e progressiva das respostas a situações ou a estímulos não-nocivos […] quando se permanecem em contato direto ou de forma repetida durante o tempo necessário”.) (CORDIOLI, 2008, p. 66). Finalmente, Ingberman e Franco (2007), ao fazerem as considerações finais sobre um estudo de caso de um paciente portador de TOC e submetido ao acompanhamento com um AT, comentam que A realização de um trabalho desta natureza foi uma experiência de grande aprendizado para a A.T., pois ela pôde 80 l

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participar do atendimento de um caso de difícil manejo, com acompanhamento semanal de uma psicóloga experiente, tendo acesso a um vasto conhecimento integrado e coeso, no qual diferentes possibilidades de avaliação e intervenção puderam ser implementadas de forma mais completa e com atenção diferenciada. (INGBERMAN; FRANCO, 2007, p. 360). REFERÊNCIAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-IV-TR. 4ₐ ed. rev. Porto Alegre: Artmed, 2002. CORDIOLI, Aristides. Vencendo o transtorno obsessivo-compulsivo: manual de terapia cognitivo-comportamental para pacientes e terapeutas. 2ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2008. 256 p. GUERRELHAS, Fabiana. Quem é o acompanhante terapêutico: história e caracterização. In:______A clínica de portas abertas: experiências e fundamentação do acompanhamento terapêutico e da prática clínica em ambiente extraconsultório. Santo André: ESETec, 2007, p. 33-34. GUIMARAES, Suely. Exposição e Prevenção de Respostas no Tratamento do Transtorno Obsessivo Compulsivo. In:______Psicologia Clínica e da Saúde. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2001, v.01, p. 181. INGBERMAN, Yara Kuperstein; FRANCO, Ana Paula. Estudo de um caso com queixas múltiplas atendido em ambiente extraconsultório: o caso A. In:_______ A clínica de portas abertas: experiências e fundamentação do acompanhamento terapêutico e da prática clínica em ambiente extraconsultório. Santo André: ESETec, 2007, p. 360. PRETTE, Giovana Del; GARCIA, Rosana Maria. Técnicas comportamentais: possibilidades e vantagens no atendimento em ambiente extraconsultório. In:_________ A clínica de portas abertas: experiências e fundamentação do acompanhamento terapêutico e da prática clínica em ambiente extraconsultório. Santo André: ESETec, 2007, p. 183.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do Centro Universitário Newton Paiva, colação de grau em 2009. 2Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva


O Supereu e a Culpa Julia Caldas Niquini1 Catarina Angélica Santos2 RESUMO: O objetivo deste artigo é relacionar o conceito psicanalítico de supereu e sentimento de culpa em caso clínico atendido na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, durante o período de um ano. Palavras-chave: Supereu. Complexo de Édipo. Sentimento de culpa. Evaldo3 é um jovem de vinte e sete anos, que chega à clínica por intermédio da namorada, que também faz tratamento na mesma instituição. Único homem de uma família composta por avó, mãe e três irmãs. Uma das irmãs é casada e não mora com eles, enquanto as outras duas são mais novas. Sua irmã caçula foi adotada no dia do falecimento de uma outra irmã por acidente de carro. Evaldo diz que ninguém de sua família, nem mesmo a própria moça, sabem como essa adoção aconteceu ao certo e que isso é um grande mistério familiar. O pai se separou da mãe quando ele ainda era criança (tinha nove anos de idade) e nunca mais voltou. Atualmente trabalha como segurança em um supermercado e nas horas vagas como garçom e animador de festas. Parou de estudar no primeiro ano do ensino médio e diz ter dado muito trabalho na escola por não gostar de estudar. Agora está fazendo supletivo para terminar o ensino médio. Ex-usuário de drogas, diz ter parado a mais ou menos dois anos. Conheceu a atual namorada há cerca de dois anos “na noite”. Também usuária de drogas, ela é graduada em Letras e dez anos mais velha que o namorado. A queixa inicial do analisando é a necessidade de organizar sua vida, que assim como sua vida familiar é uma completa “bagunça”. Reclama que não consegue por em prática seus objetivos e que se arrepende das coisas que aconteceram na época em que abusava das drogas. Em uma das sessões, Evaldo conta que sua namorada é mais velha que ele e tem “problemas de libido” e, ainda, que eles não conseguem se entender quanto à sexualidade. Ela parece não ver as necessidades sexuais dele. Nesse ponto do discurso do analisando, vemos que ele está às voltas com o conflito edípico, pois escolhe inconscientemente uma mãe para cuidar dele. O texto de Freud de 1923 vem nos esclarecer sobre o complexo de Édipo. Segundo ele, esse complexo é um conflito no qual a criança se encontra dividida entre a realização do desejo incestuoso e a lei que o interdita. Esse conflito não está representado pela lei e o desejo, mas é o conflito entre a realização deste desejo e a lei, já que a lei não é capaz de fazer a criança

deixar de desejar. A elucidação de Freud citada acima nos ajuda a pensar que a pessoa em análise busca reviver no namoro algo do conflito edipiano não vivido e, portanto, recalcado, que é a sexualidade infantil e o desejo incestuoso pela mãe. Ao namorar uma mulher mais velha, uma mulher “proibida” no sentido sexual, Evaldo repete, na atualidade, algo da sexualidade infantil recalcada. Em seu relato, Evaldo assegura que sua namorada é bastante exigente com ele em relação a tudo, quer seja no estudo, no controle para que ele não saia à noite, e até mesmo quanto ao tipo de amigos que ele venha a ter. Ele diz se sentir inferiorizado e não se acha capaz de fazer parte do mundo intelectual e social da namorada, pois acredita não saber conversar com os amigos dela. Pode-se, nesse ponto, tomar a teoria da constituição do supereu em Freud para compreender o nível de exigência que Evaldo tem em relação à vida social da namorada – não entende os amigos dela - e a exigência da mesma em relação ao namorado, assim como a submissão do mesmo quanto aos caprichos dela. O supereu é uma das instâncias do aparelho psíquico constituída juntamente com o id e o eu (ego), conforme nos apresenta Freud. Na constituição do supereu a lei é introjetada pela criança durante o conflito edípico. A criança aceita a lei por medo de ser castrada, por medo de perder o amor do Outro. No entanto, essa lei “divide” a criança entre aquilo que ela deseja e o que é proibido de ser vivido. Essa submissão da criança à lei faz com que ela assimile tal proibição como sendo psiquicamente sua. Assim, uma parte do eu da criança se identifica com a figura parental interditora, enquanto a outra parte continua a desejar. A partir de então, a criança se torna capaz de encarnar nela mesma, simultaneamente, desejo e lei. A parte do eu que faz as vezes de lei interditora é o que Freud (1923), chama de Supereu. No caso estudado, pode-se verificar que a namorada de Evaldo, em muitas situações, torna-se esse supereu exigente e cruel, enquanto ele fica submetido aos seus caprichos e se sentindo culpado por não corresponder às expectativas dela. Revista de Psicologia l

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Freud (1923) concebe duas categorias radicalmente opostas e ainda assim coexistentes do supereu. Uma se assemelha à consciência e designa a instância da constituição do aparelho psíquico que rege as condutas, os julgamentos e se oferece como modelo Ideal. Esse supereu representa a parte subjetiva dos fundamentos da moral, da arte, da religião e de qualquer aspiração ao bem-estar social e individual do homem. Uma segunda categoria do supereu é o de um investigador inconsciente e perverso, que subjuga o eu pelo feitiço de um ideal de gozo. Esse supereu ordena que o eu satisfaça seu desejo de gozo absoluto, como apelo do id que incita o eu a violar a proibição. O id se apresenta como o imperativo do gozo. Goza! É o supereu feroz e cruel (NAZIO, 1997). Se por um lado a namorada de Evaldo parece funcionar para ele como a segunda categoria do supereu cruel, por outro, o próprio paciente submetido a esse supereu perverso e investigador se deixa capturar pelo sentimento de culpa inconsciente, o que o faz desistir das metas propostas e nunca alcançadas como, por exemplo, morar sozinho, já que possui independência financeira. Conforme Freud (1930), o funcionamento do supereu está atrelado ao sentimento de culpa inconsciente do sujeito. Essa culpa é uma variedade topográfica da angústia e coincide completamente com o medo do supereu. A função do superego consiste em manter a vigilância sobre as ações e as intenções do ego e julgá-las, exercendo sua censura. O sentimento de culpa, a severidade do superego, é, portanto, o mesmo que a severidade da consciência (FREUD, 1930, p.139). Neste caso clínico é possível verificar que Evaldo já apresentou problemas como o uso de drogas e agora queixa-se da desordem em sua vida, do desejo pela mulher “proibida” e pode-se notar que ele vive dividido entre aquilo que deseja e a culpa que sente ao pensar nesses desejos. Durante seus atendimentos, o paciente explicita uma enorme vontade de sair de casa, pois segundo ele só assim seria possível se concentrar em seus objetivos. Ele diz que as pessoas de sua família não o auxiliam em nada e por isso ele não consegue pensar em sua vida, porque tem sempre que pensar por todos. Novamente, o paciente se cobra e exige mais de si. Ao pretender sair de casa acaba se paralisando, pois se sente culpado por deixar “o barco afundando” na família. O que nos parece importante, nesse caso clínico, é a questão do sentimento de culpa vivido inconscientemente por Evaldo. A esse respeito Freud nos diz:

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Mesmo na neurose obsessiva há tipos de pacientes que não se dão conta de seu sentimento de culpa, ou que apenas o sentem como um mal-estar atormentador, uma espécie de ansiedade, se impedidos de praticar certas ações. (FREUD, 1930 p.138). Conforme Freud nos ensina, o sentimento de culpa faz parte tanto da consciência quanto do inconsciente e é um mecanismo que se apresenta para o sujeito, ainda, que este não seja capaz de ter consciência dele. Evaldo se mostra durante todo o tratamento bastante disposto a fazer modificações em sua vida como voltar a estudar e contribuir para que sua família se organize. No entanto, o sentimento de culpa vivido como mal-estar faz com que o analisando evite tomar decisões e, por diversas vezes, ele próprio cria inconscientemente situações de punição como não morar sozinho e ter de resolver os problemas da família. Ele entra numa espécie de ansiedade que o impede de tomar decisões e com isso posterga a ação que é uma das características da neurose. Evaldo parece se punir como se seus desejos precisassem ser freados e, ainda, assim os mesmos não param de habitá-lo, criando uma situação angustiante na qual ele não sabe bem como se posicionar. Para finalizar esse artigo, faz-se necessário esclarecer que o processo analítico deste paciente ainda não terminou. Ele dará continuidade ao seu tratamento na Clínica de Psicologia, porém com outro estagiário. REFERENCIAS FREUD, S. (1996). O ego e o id. (J. Salomão, Trad.). Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas (Vol. XIX, p. 13-86). Rio de Janeiro: Imago (Originalmente publicado em 1923) FREUD, S. (1996). O mal estar na civilização. (J. Salomão, Trad.). Edição Standart Brasileira das Obras Psicológicas Completas (Vol. XXI, p. 67-148). Rio de Janeiro: Imago (Originalmente publicado em 1930 [1929]). NÁZIO, Juan David. Lições sobre os sete conceitos cruciais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. Cap. 6, pg. 129 – 145.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Nome fictício.


O REVELAR DO SER: contribuições de uma psicoterapeuta iniciante “Em tempo: transformar é também criar as condições para que o outro se transforme, seguindo a direção que para ele fizer sentido. Em psicoterapia tenta-se isso” Luiz A. G. Cancello (1991) Leila Ferreira de Sousa1 Fernando Dório2 Resumo: Este artigo é resultado de uma prática de estágio que tem como objetivo apresentar a relação estabelecida entre psicoterapeuta e cliente durante o processo psicoterápico, assim como a compreensão da realidade existencial do cliente. O espaço utilizado é a clínica escola de Psicologia, do Centro Universitário Newton Paiva e o referencial teórico é a Psicologia Existencial-Fenomenológica. Palavras-chave: Psicoterapia. Fenomenologia. Ser-com-os-outros. Ser-no-mundo.

Este artigo tem o intuito de descrever a relação psicoterapeuta-cliente que ocorre no setting terapêutico a qual de certa forma, contribui para o êxito ou até mesmo, para o fracasso do processo psicoterápico. A fala do cliente e a escuta da psicoterapeuta foram os subsídios utilizados para identificar as manifestações dos conflitos internos e angústias experienciadas neste processo, uma vez que, segundo Feijoo: O percurso psicoterapêutico vai se dar de modo que o psicoterapeuta possa assumir o lugar de mensageiro do discurso do cliente, num processo mútuo de corresponder e des-prender [...]. No corresponder, a fala desprende-se quando escuta. No des-prender, a escuta se dá simultaneamente com o responder. Compreende-se que é deste modo que se dá o processo de “escutas e falas” do psicoterapeuta e do cliente. (FEIJOO, 2002, p. 154-155). A clínica psicológica, na perspectiva fenomenológico-existencial, baseia-se na premissa de que o homem se constitui no mundo como ser-no-mundo, isto é, situado nele e em relação com ele. Neste sentido, o psicoterapeuta trabalhará para que seu cliente “possa se reconhecer em sua vulnerabilidade, com liberdade perante seu ser de possibilidades e não como um ente simplesmente dado pela sua função no mundo.” (Feijoo, 2002, p.132). O processo psicoterápico transcorre por caminhos onde o desenvolvimento pessoal do cliente soma-se ao do próprio psicoterapeuta. Sendo assim, Angerami-Camon diz que: “existe uma contaminação nas duas partes do processo, pois se é fato que o paciente se desenvolve no processo

psicoterápico abrindo seu campo perceptivo para inúmeras possibilidades que a vida se lhe apresente, é também verdadeiro que o psicoterapeuta se desvela nesse processo e, além de modificar seu campo preceptivo, cresce em níveis muito exacerbados no tocante á sua própria condição humana.” (ANGERAMI-CAMON, 2002, p.17-18). Para melhor compreender o que se passa no processo psicoterapêutico, cabe relatar um encontro entre um cliente e uma psicoterapeuta iniciante. Neste artigo o nome verdadeiro do cliente será substituído por Pedro, na intenção de preservar a sua identidade. Pedro chega a clínica escola da faculdade encaminhado pelo centro sócioeducativo onde cumpre medida em regime de internato. Não sabe ao certo o motivo sobre seu encaminhamento para o atendimento psicológico, só sabe que “tinha que vir” (sic). Aos quinze anos relata estar preso por latrocínio, tráfico de drogas e homicídio. Pedro mora com a mãe, um irmão, uma irmã e uma sobrinha. Seu pai morrera quando estava tutelado em um centro de internação em outro município. Durante a sessão, a psicoterapeuta tem a percepção de que Pedro fala de modo ameaçador e desafiador, ao contar sobre sua participação em assaltos, perseguições policiais e rebeliões. O que a deixa sem saber o que dizer, pois até certo ponto, sentia-se realmente receosa. Nas sessões seguintes percebe que Pedro fala de coisas superficiais mantendo uma linguagem impessoal, sinalizando à psicoterapeuta a se inteirar de sua realidade. Questionando sobre o significado de algumas gírias, ele a convida a compreender o seu mundo e ao mesmo tempo se aproximar do dela, uma vez que também quer saber coisas sobre sua realidade. Revista de Psicologia l 83


Como psicoterapeuta iniciante, a mesma não sabe ao certo como sair destes questionamentos e desafios impostos pelo cliente, chega às vezes a finalizar a sessão, aparentemente mais angustiada que ele próprio. Pedro tem o hábito de fazer pausas em seus relatos, olha rapidamente para sua psicoterapeuta, investiga sua expressão facial, seus pensamentos. Percebe-se, talvez que Pedro busca confiança. Deseja saber se pode confiar em sua psicoterapeuta, se ela irá compreender o que fala ou se fará o papel de juíza. Procura ver sua disponibilidade em ter acesso a sua realidade existencial. Na função de psicoterapeuta iniciante, a mesma, deu-se conta de como o interesse em compreender o cliente em suas vivências mais singulares frequentemente bloqueia a compreensão do que ele esta experimentando no setting psicoterápico. O processo psicoterápico promove o encontro de dois seres, de dois mundos diferentes, no qual, se o psicoterapeuta não estiver aberto a mudanças, a suspender seus valores, o cliente também não estará. Na Psicoterapia Existencial, o psicoterapeuta utiliza como método de investigação a fenomenologia, por meio do qual ele deve suspender, colocar entre parênteses conhecimentos, valores, crenças pessoais, com o objetivo de estabelecer uma relação de confiança, um espaço seguro para se realizar uma investigação sobre a maneira como a pessoa está no mundo. Para assim, remeter o indivíduo a si mesmo, fazendo-o reconhecer sua impessoalidade e questionar-se sobre sua própria existência e suas relações com o mundo e outros entes, descobrindo quem ele de fato é e construindo quem ele quer ser. Para Lessa e Novaes de Sá: O objetivo da psicoterapia não é enquadrar o paciente em padrões morais ou em modelos teóricos, mas buscar compreender as possibilidades singulares de existir de cada um, tal como ele as experimenta em suas relações com as pessoas e coisas que lhe vêm ao encontro no mundo. (LESSA; NOVAES DE SÁ, 2006, p.394). O discurso de Pedro é grandioso e recheado de imaginações. Conta e reconta sua história de envolvimento no tráfico em diferentes ângulos. Não se implica como agente construtor de sua realidade, mas sim, como uma vítima do sistema. Relata um episódio de rebelião em um dos centros sócioeducativos no qual esteve internado. Diz que uma determinada juíza ao entrar nesta instituição foi recebida com pedaços de telhas atirados pelos adolescentes que estavam em cima dos telhados dos alojamentos. Em reação, a juíza deu ordem aos policiais para que estes atirassem balas de borracha nos garotos, o que lhe causara gran84 l

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de estranheza. “Como era possível uma juíza mandar atirar balas de borrachas em adolescentes, e se uma dessas balas acertasse o olho de um menino e este morresse?” (sic). Na tentativa de chamar a atenção de Pedro para as conseqüências de seus atos, a psicoterapeuta lhe responde: “E se um desses pedaços de telha acerta a cabeça da juíza e ela morre?” (sic). Pedro demonstra certo nervosismo e responde com um sorriso um tanto quanto irônico: “Se isso acontecer é uma juíza a menos pra nos prender” (sic). A psicoterapeuta responde de imediato: “E se um desses adolescentes morrer será um adolescente a menos para matar, roubar, traficar...” (sic). Pronto, a palavra foi lançada, não há mais volta. Um silêncio extenso e tenso paira no ar. Psicoterapeuta e cliente se entreolham. Pedro expressa grande surpresa em seu rosto, parece não acreditar no que ouviu. Mas este foi um dos pontos cruciais no processo psicoterapêutico de Pedro, algo de diferente neste dia aconteceu. A fala da psicoterapeuta neste momento da sessão, tentava chamar a atenção de Pedro, mostrar-lhe uma relação de trocas no modo de existir, e que aquilo que acontece ao outro, também pode lhe acontecer. Uma vez, que o homem é um ser de relações, um dos modos de ser é um ser-com-os-outros. De acordo com Roberto, O Dasein partilha com os outros o espaço que lhe circunda. Em sua ocupação ele se encontra a si mesmo e aos outros. Sem o outro de nada adianta existir. Ser lançado no mundo possibilita ao Dasein mergulhar na aventura da partilha deste mundo com os outros. O Dasein é com os outros. O Dasein como ser-com-os-outros: estando lançado-no-mundo, o Dasein mantém uma interação consigo mesmo, com os demais entes (todas as coisas) e com o mundo. (ROBERTO, 2009). Na sessão seguinte, Pedro demonstrou um pouco mais de abertura, porém, ainda manifestou grande dificuldade em falar de si. Continou a contar sobre seus feitos na comunidade onde residia antes de ser preso, do controle que tinha e ainda tem, sobre o tráfico de drogas na região. Sobre compra de armamentos, suas guerras com os traficantes de outras comunidades. Diz de suas visitas a casa da mãe nos finais de semana, e de seus planos de destruição em massa de uma comunidade rival, algo da ordem de seu imaginário grandioso e onipotente. Neste ponto, é importante que o psicoterapeuta mantenha-se atento a fala de seu cliente, ou seja, aos fenômenos que este apresenta, para que consiga através de sua tagarelice, extrair revelações mais autênticas a seu respeito. De acordo com Feijoo


(2000, p. 140) “não é o cliente que deve ser rotulado como resistente porque tagarela, aliás, é nisto que reside sua dificuldade. É o psicoterapeuta, com sua capacidade de escuta, que deve buscar na tagarelice a revelação daquele que lhe pede ajuda”. E assim foi feito. A psicoterapeuta de Pedro buscou compreender este discurso grandioso de seu cliente, como a maneira deste existir. Ao psicoterapeuta não cabe investigar se é verdade ou mentira o que seu cliente diz. Em psicoterapia, “verdade, aqui, significa não mentira. E como não há apenas um sentido possível, pois as direções de uma vida são inesgotáveis, há diversas aberturas verdadeiras. Mentira é tudo o que fecha os caminhos. É o lugar onde o erro tenta o psicoterapeuta” (Cancello, 1991, p. 40). Portanto, independente da constatação de verdade ou mentira, o que o cliente fala é a sua verdade, e a maneira como ele vai lhe dar com isso é o que importa. As sessões prosseguem. É preciso paciência, pois, “com impaciência, pode-se afastar o outro de sua possibilidade mais própria” (Feijoo, 2000, p.133). Pedro está se modificando lentamente. Embora responsabilizando o outro por suas escolhas, já fala um pouco mais de si. Atribui ao pai a responsabilidade pela escolha dos atos infracionados. Conta que seu genitor batia em sua mãe, então ele se revoltava e por isso começou a mexer com as drogas. Porém, sempre que era convocado a aprofundar um pouco mais nessas questões, se fechava e passava a falar com impessoalidade no intuito de retirar o foco de si próprio. O tempo vai passando. A situação de Pedro dentro da medida sócioeducativa é de extrema importância para a psicoterapia. No momento ele tem sido inserido no processo de desligamento, o que tem lhe gerado grande angústia. Segundo informações dos responsáveis pelo centro sócioeducativo, a mãe de Pedro, perante ele, diz estar feliz com sua liberação, porém quando não está por perto, relata que embora o filho não tenha conflitos com ninguém, ela não o quer de volta, uma vez que foi ela quem o denunciou a polícia. Quando os profissionais envolvidos no caso de Pedro dizem a ele a posição da mãe, ele chora o dia inteiro. Na sessão seguinte ao fato, Pedro chega visivelmente angustiado. A psicoterapeuta diz perceber que ele está mais agitado, pergunta-lhe se aconteceu alguma coisa, mas Pedro não quer falar. Sua vontade é respeitada. Silêncio na sala. Depois de algum tempo, pergunta novamente se ele quer conversar. Pedro desta vez responde que sim, que uma conversa o fará bem, porém, continua em silêncio. A saída que encontra é dar asas ao seu imaginário, passando a falar sobre como destruirá uma das comunidades com a qual tem guerra. A psicoterapeuta deixa-o falar, procura não intervir, pois seu discurso não mais se sustenta. Pedro diz estar ansioso em relação a sua saída do centro sócioeducativo. Em todo o processo, é a primeira vez que diz de um sentimento seu.

Pedro não dá mais conta de se manter neste papel, e diz em meio a toda sua angústia ser apenas um “traficante lero-lero” (sic). A psicoterapeuta se surpreende e lhe pergunta: “Como é ser um traficante lero-lero Pedro?”. Ele responde: “É só distribuir a droga, não faz muita coisa não” (sic), em seguida continua sua fala com superficialidade. Mas, sua angústia é maior. Pedro precisa revelar quem realmente é. Então de traficante lero-lero, ele diz ser apenas um “lero-lero” (sic). De cabeça baixa diz: “Eu só falo que faço as coisas, mas na verdade eu não faço nada” (sic). Diante desta fala algo se revela. A seu tempo, o modo de ser-no-mundo de Pedro apareceu, trazendo consigo a esperança de ser a abertura para revelações fundamentais, ou seja, a abertura do ser perante o existir, “pois em termos de existência, acredita-se poder apenas compreender, acompanhar o existir no seu fluir no tempo.” (Feijoo, 2002, p.135). Na percepção da psicoterapeuta, Pedro encontra-se perdido no seu eu em busca de um lugar no espaço, da construção de sua identidade, na qual de acordo com Feijoo: No desespero de não ser si mesmo, ele é aquilo que o mundo diz que ele deve ser. Vai para o impessoal. O tempo todo o eu baseia-se na consciência de ter um eu, ou seja, na modalidade da consciência, indo ao mundo e vindo a si próprio. E é aí que está o grande perigo, pois é muito fácil se perder no mundo, como também perder-se em si mesmo. (FEIJOO, 2002, p.146) Portanto, é papel do psicoterapeuta compreender o seu cliente, proporcionando-lhe um espaço acolhedor, onde ele possa se reconhecer como agente construtor de sua existência. Ao proporcionar uma fala em liberdade, o psicoterapeuta permite também, que o ser se revele, se mostre em si mesmo no sentido da palavra, do gesto ou do silêncio. Pedro até aqui permaneceu na inautênticidade, no seu modo de ser-no-mundo cercado de contradições, porém seu processo continua. Não sabe-se o que acontecerá daqui para frente. É preciso mais uma vez esperar pelo tempo. Esperar e acreditar que transformações são possíveis. Uma vez que a psicoterapia existencial-fenomenológica nos concebe o homem “sempre como abertura para possibilidades de outras formas de expressão, autênticas, próprias e singulares”. (Feijoo 2002, p.141). O psicoterapeuta deve assim, avançar no processo com seu cliente na abertura de novos caminhos, na ampliação de seu campo perceptivo, restabelecendo o movimento de encontro com si próprio, como acontecer, como existir. Revista de Psicologia l

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REFERÊNCIAS ANGERAMI-CAMON, Valdemar. Psicoterapia, detalhes e nuances. In: ______: ANGERAMI-CAMON, Valdemar (Org.) Psicoterapia Fenomenológico-Existencial. São Paulo: Pioneira Learning, 2002. Cap. 1, p.1-43. CANCELLO, Luíz A. G. C. O sonho. In: ______. CANCELLO, Luíz A. G. C. O fio das palavras: um estudo de psicoterapia existencial. São Paulo: Summus Editorial, 1991. 2 ed. p. 35-42. FEIJOO, Ana Maria L. Calvo. A psicoterapia em uma perspectiva fenomenológico-existencial. In: ______: ANGERAMI-CAMON, Valdemar (Org.) Psicoterapia Fenomenológico-Existencial. São Paulo: Pioneira Learning, 2002. Cap. 7, p.131-157. In: ______. Metodologia. In: ______: FEIJOO, Ana Maria L. Calvo. A escuta e a fala em psicoterapia: uma proposta fenomenológico-Existencial. São Paulo: Vetor, 2000. Cap. 4, p.119-169. LESSA, Jadir Machado; NOVAES DE SÁ, Roberto. A relação psicoterapêutica na abordagem fenomenológico-existencial. 2006. p. 393-397. Disponível em: <http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aps/v24n3/v24n3a13.pdf>. Acesso em: 13 de maio de 2010. ROBERTO, Luciano da Silva. Os modos de ser do “Dasein” a partir da analítica existencial heideggeriana. 2009. Disponível em: <http:// www.pensamentoextemporaneo.wordpress.com/2009/08/15/os-modos-de-ser-do-%E2%80%9Cdasein%E2%80%9D-a-partir-da-analitica-existencial-heideggeriana/ >. Acesso em: 30 de maio de 2010.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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Angústia e Desejo Leonardo Vieira Medeiros1 Geraldo Martins2 resumo: O presente trabalho tem como objetivo estudar a angústia em sua ramificação teórica. Através de revisão bibliográfica discutirá a relação entre o que na prática da clínica psicanalítica, se torna indissociável; a angústia e sua relação como o desejo. Percebe-se como este escrito a possibilidade de reatar os laços entre o sujeito e sua busca incessante pelo objeto perdido através da ética Psicanalítica. Palavras-chave: Angústia. Desejo. Ética.

No atendimento realizado no estágio, com a direção clínica da teoria psicanalítica e supervisionado pelo Professor Geraldo Martins, no período 2009/2010, deparamos com sujeitos que buscam para si uma ajuda, uma orientação. Dentro desse atendimento nos é vetado sugestionar àquele que vem ao nosso encontro, restando a tentativa de compreendê-los em seu sofrimento e buscar em seu dito a orientação que é, ele mesmo, balizador de suas vidas. Com isso, buscamos aqui discorrer nosso trabalho através da experiência vivida na clínica. A paciente em questão nos procura com um histórico familiar conturbado, onde houve violências e perdas significativas, para as quais percebeu no trabalho constante, na sua rotina profissional sobrecarregada, um modo de escamotear a falta inerente à vida. Tal recurso sustentou sua conduta durante muito tempo, porém, o horizonte da aposentadoria, agora muito mais perto, é o fato que escancara sua devoção profissional em detrimento da mesma para com sua vida pessoal. A paciente procura o serviço da Psicologia com o temor de que vá perder o sentido de sua vida, quando não mais houver o trabalho, sua fonte única de investimento. Para buscar teorizar acerca de tal acontecimento trataremos da angústia que, conforme Zeferino Rocha, em Os destinos da angústia na Psicanálise Freudiana (2000), os homens, em todas as épocas valeram-se desse sentimento para formalizar suas vivencias profundas de medo, temor, terror, desespero e desamparo. A angústia remete à aflição intensa, ao sofrer, à sensação de impotência e diz respeito a uma condição existencial, algo que se volta para o próprio sujeito, se centra nele e se liga a reações somáticas ou a um objeto que geralmente não oferece perigo. Com a impossibilidade de livre satisfação da pulsão em razão de alguma circunstância, o sujeito é acometido sob acúmulo da libido, a estados de angústia que evidenciam sintomas de medo e reações orgânicas das mais diversas. O fracasso na descarga de excesso de estímulos desemboca na irrupção da angústia. Ela

surge como um sinal de que há uma perturbação na economia psíquica, atua como um sinal de desamparo frente às exigências da pulsão. E é frente a esse desamparo que a paciente faz uma espécie de previsão, como se já houvesse, antes da aposentadoria, um sinal dessa angústia. O desamparo se refere à emergência da angústia. Indica o estupor, a incapacidade, a impotência que o sujeito tem para se ajudar com seus próprios recursos em que ele se sente inerte. Como um estado de alerta, nossa teorização, aqui explanada, coloca em questão essa inércia apontando para a exaltação do estado de alerta, e mais ainda, diz respeito a uma dinâmica interna do sujeito, ou como dito anteriormente, um desamparo frente às exigências da pulsão. Como fonte única de investimento a paciente teme, mesmo sem saber, essa avalanche pulsional que ameaça romper as barreiras e dissipar seu ser. Para a Psicanálise, a via de saída da dor, longe de ser a abolição do desejo, que corresponde ao culto à pulsão de morte, ao princípio de Nirvana como um retorno ao inanimado, é precisamente o seu oposto, ou seja, a saída através da conjunção da “sede” com a “ignorância”, cujo produto é o desejo de saber (QUINET, 1999, p. 91). Em seu livro O Seminário: Livro 8: a transferência, Jacques Lacan (1992) cita sobre a angústia sua relação com o desejo. Partindo do ponto de vista econômico Freud, citado por Lacan, busca onde é captada a energia do sinal de angústia. Tomando como pressuposto a eterna busca do sujeito pelo objeto perdido, ou seja, a relação do sujeito cindido com o objeto causa de desejo, podemos dizer que a angústia emerge quando o investimento no objeto causa de desejo se mostra ausente. A paciente nesse caso não reconhece a legitimidade do trabalho como objeto causa de desejo. A produção do sinal de angústia é como um modo de clamor Revista de Psicologia l

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pelo sujeito cindido encaixado no desejo, ou seja, perseguindo os objetos causa de desejo imagináveis e concretizáveis durante toda vida a fim de tomar seu lugar na ordem do desejo. Ao contrário da paciente que permaneceu engajada na lógica do gozo, como a procura de uma descarga completa. Conforme Colette Soler em Extravios do Desejo (1999), pode-se pensar que o desejo é, ele mesmo, um tipo de defesa, onde ele cair, levanta-se o gozo. Só há sinal de angústia na medida em que se lida com o objeto de desejo e no sentido de que o mesmo perturba o Eu ideal, pois não há completude já que o desejante escancara a falta. A angústia tem em si uma característica de expectativa (Erwartung) que denota a relação com o desejo. Em virtude do mecanismo do recalque, que por alguma razão pode agir sobre o objeto, apenas restará dele a expectativa, característica da angústia sob a qual se sustenta a relação com o desejo. O desejo é diferente da necessidade e, por isso, contém em si um caráter perigoso, tão perigoso quanto uma ameaça externa, “... a angústia é o que lhes disse, uma relação de sustentação do desejo, pois o objeto falta, invertendo os termos, o desejo é um remédio para a angústia” (LACAN, 1992, p. 357). A paciente já parece ter uma implícita compreensão de que onde não há desejo, há o culto ao gozo, sendo esse inadequado ao sujeito, já que ele não traz a satisfação prometida ou ainda devasta o sujeito. Mesmo entendendo que a busca, por melhor que seja não alcançará tudo que se procura, reconhece que sua economia pulsional se dirige a um abismo que na falta do trabalho, será outro, talvez não tão bom. De acordo com Antônio Quinet em Extravios do Desejo (1999), pode-se entender que um patamar impossível de ser alcançado como Ideal é o ponto para se apreender que a falta é constitutiva e guia do sujeito para a busca do seu desejo. Ao proporcionar um tratamento pelo caminho do desejo, a psicanálise oferece a essa paciente um caminho que parte da dor de existir do sujeito e oferece a direção para se viver com satisfação. Contudo, apenas faz-se necessário que o sujeito tenha coragem de enfrentar a dor de viver, fazendo da falta que dói a falta que constitui o desejo. REFERÊNCIAS LACAN, Jacques. A angústia na sua relação com o desejo. In: __________. O Seminário: Livro 8: a transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 348-358. QUINET, Antônio. Atualidade da depressão e a dor de existir. In: __________. Extravios do desejo: Depressão e Melancolia. Rio de Janeiro: Marca d’Água Livraria e Editora Ltda, 1999. p. 87-94. _______. Um mais de melancolia. In:________. Colette Soler. Extravios do desejo: Depressão e Melancolia. Rio de Janeiro: Marca d’Água Livraria e Edi-

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tora Ltda, 1999. p. 96-111. ROCHA, Zeferino. Os destinos da angústia na psicanálise freudiana. São Paulo: Escuta, 2000. 169 p.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva


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Bem comigo – Bem contigo “Quando eu me escolho eu corro o risco de perder coisas e pessoas, mas eu me ganho.” Wolber Alvarenga Lorena Maria Marinho Ribeiro1 Juliana Brandão2 RESUMO:Este artigo trata de um estudo de caso, tendo como base epistemológica a Abordagem Centrada na Pessoa, de Carl Rogers. É trabalhada a questão da autoestima a partir da análise do caso do cliente, atendido em estágio curricular do Centro Universitário Newton Paiva, supervisionado pela professora Juliana Brandão. Palavras-chave: Autoestima. Self. Congruência.

Este artigo tem como objetivo fundamental fazer um estudo do caso de Caio Scarpeli3 tendo como concerto norteador a autoestima. A base epistemológica para este artigo é a Psicologia Humanista, mais especificamente a Abordagem Centrada na Pessoa. Caio Scarpeli, 27 anos, do sexo masculino, solteiro, possui formação superior completa em Publicidade e Propaganda, porém não atua em sua profissão e hoje está desempregado. Reside com seus pais e irmão e isso lhe provoca certa angústia por se sentir um adulto, mas não possuir meios financeiros para deixar a casa. Caio Scarpeli inicia sua terapia relatando que já esteve em processo terapêutico em outro momento e, encaminhado a um psiquiatra, chegou a tomar remédios. Diz ter se sentido bem durante o tratamento anterior e por isso resolveu procurar atendimento novamente. O cliente conta que se sente sozinho, sentindo necessidade de ter uma parceira. Relata querer uma namorada e este desejo é muito decorrente em toda sua terapia. Um outro ponto levantado por Caio Scarpeli é seu desemprego, o que o faz se sentir inútil, por não ter uma profissão. O cliente Caio se define como sendo observador, calculista (ou analítico) e muito crítico com suas próprias atitudes. Muitas vezes demonstra não gostar de sua aparência e não acreditar em seus potenciais. Frente a algo novo, seja em relacionamentos ou a aspectos profissionais, não se permite vivenciar algumas situações. Em outras palavras, pode-se dizer que ele já imagina tudo que pode vir a acontecer e não dá oportunidades ao novo, mesmo que as consequências de se enfrentar o novo sejam positivas ou negativas. Antes de iniciar algo, já se esquiva, com medo de não conseguir. É nítido perceber na fala de Caio Scarpeli uma insegurança, que o remete às não possibilidades da vida, às não tentativas e escolhas, se privando de algo que poderia ser bom para si, e 90 l Revista de Psicologia

mesmo se não o fosse, já seria uma experiência. Caio Scarpeli “não se arrisca e não petisca”. Afonso Langone e Nara Vieira4 (2009) no artigo Auto-estima: Atualização do conceito da Abordagem Centrada na Pessoa, definem autoestima como sendo: a capacidade de consideração para com o próprio Eu como Unidade. É percepção de potencialmente ser capaz, feliz, apessoado, sentindo e percebendo valores de dentro para fora. É acreditar em si como potencial de vir-a-ter e ser, tendo ideais: de vida, de prosperar, de ter dignidade, caráter, confiança e dinamismo, acreditando em si e no outro; de interagir e integrar, integrando. Analisando, então, o caso de Caio Scarpeli a partir de seus atendimentos em processo psicoterapêuticos, conseguimos identificar alguns pontos em sua fala como oposto à definição de autoestima, nos remetendo a pensar o caso dele como possuidor de baixa autoestima. Branden5 (2000) citado por Poliana Mayra Teixeira Lopes (2006), em seu projeto O papel da auto-estima para a formação do self, aponta que: O nível de nossa auto-estima tem profundas conseqüências em todos os aspectos de nossa existência: como atuar em nosso local de trabalho; como lidar com as pessoas; até onde podemos chegar; quanto podemos realizar – e, no domínio pessoal, por quem provavelmente nos apaixonaremos, como interagirmos com o cônjuge, os filhos e amigos; que nível de felicidade pessoal podemos atingir. Existem correlações positivas entre auto-estima saudável e vários outros traços de personalidade que estão direta-


mente relacionadas com a nossa capacidade de realização e felicidade. (BRANDEN, 2000 apud LOPES, 2006, p. 4). Nota-se, então, que vários aspectos malsucedidos trazidos por Caio Scarpeli são reflexos de suas próprias atitudes de não aceitação de si, de não acreditar em suas capacidades. Nesta perspectiva, conseguimos entender a autoestima como primordial em nossa vida, pois a partir dela conseguimos ser mais determinados e, com sua ausência, tudo se torna mais difícil e menos acessível. Segundo Andréia Campos de Miranda (2001, p. 106) em seu artigo A Baixa Auto-Estima: Uma visão Rogeriana, a “autoestima fortalece, dá energia e motivação. Ela nos inspira a obter resultados e nos permite sentir prazer e satisfação diante de nossas realizações”. Miranda (2001) diz que, com a autoestima elevada, buscamos desafios e o novo é sempre mais estimulante, porém, a baixo autoestima nos limita ao conhecido, não nos permite ir adiante daquilo que não conseguimos enxergar “a olhos nus”. No entanto, podemos pensar que todos possuímos um lado mais obscuro do que o outro, que não é assim tão aceitável, embora seja fundamental para nossa formação enquanto indivíduo. É necessário, então, que mesmo não tão satisfeitos com pontos negativos de nossa personalidade, nos aceitemos do jeito que somos. Desta maneira, Antônio Monteiro dos Santos (1987, p. 63), em seu livro Quando Fala o Coração reflete que: Escutando-nos e encarando “o que somos”, ficamos mais familiarizados não somente com a nossa parte que funciona bem, mas também com o nosso lado escuro. Aprendemos a estimar e apreciar as qualidades que nos ajudam a realizar nossas vidas, e ao mesmo tempo ficamos sabendo como aceitar o nossos defeitos. Podemos relacionar essa citação com a noção de congruência ou acordo interno de Rogers (1957), trazido por Sérgio Leonardo Gobbi et al (2005), em seu livro Vocabulário e noções básicas da abordagem centrada na pessoa, relatando que quando somos congruentes nas relações somos livres e profundamente nós mesmos, com nossa experiência real precisamente representada em nossa conscientização de nós mesmos. Quando somos congruentes com nossos pensamentos, atos e vontades torna-se mais fácil aceitarmos nosso próprio eu. Neste sentido, Santos (1987, p. 65) discute que: Quando somos congruentes conosco mesmos, nossas ne-

cessidades, nossos desejos e nosso curso de ação são uma coisa só. Seguimos o caminho do coração sem sermos assaltados por conflitos e dúvidas. A energia do momento flui suavemente, levando-nos na direção a que nossa trilha naturalmente nos conduz. Portanto, se houvesse uma aceitação de seu próprio eu, Caio Scarpeli não entraria em conflito com suas vontades, e o que ele entende por não poder, não passa por cima do querer. Sendo a autoestima o engrandecimento de sua própria pessoa, notamos em Caio Scarpeli um empobrecimento da mesma, não se dando assim a oportunidade nem ao menos de tentar. Assim, pode-se concluir que em processo terapêutico, Caio Scarpeli tem encontrado espaço para falar dele mesmo, para tomar consciência de suas próprias falas, conseguindo assim notar em si uma barreira causada por ele mesmo, o impossibilitando de seguir em alguns momentos de sua vida. Desta forma, a baixa autoestima, o trava, no entanto, tendo consciências de seus atos e que este sentimento está o prejudicando, Caio Scarpeli está em processo de mudança com ele e com o próximo. REFERÊNCIAS GOBBI, Sério Leonardo et al. Vocabulário e noções básicas da abordagem centrada na pessoa. São Paulo: Vetor, 2005 LANGONE, Afonso e VIEIRA, Nara. Autoestima: atualização do conceito da Abordagem Centrada na Pessoa. Disponível em: http://www.encontroacp.psc.br/ autoestima.htm. Acessado dia 28 de outubro de 2009 LOPES, Poliana Mayra Teixeira. O papel da auto-estima para a formação do self. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva, 2006. MIRANDA, Andréia Campos de. A Baixa Auto-Estima: Uma Visão Rigeriana. In: COPPE, Antônio Angelo Fávar (org.). De um Curso a um Discurso - Travessia. XVII Jornada de Trabalhos dos alunos do curso de formação de psicólogo. 2001. SANTOS, Antônio Monteiro, et al. Quando Fala o Coração. Porto Alegre: Artes Médicas. 1987

NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do Curso de Psicologia – Estagio Supervisionado no ano de 2009. 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Nome fictício 4 http://www.encontroacp.psc.br/autoestima.htm 5 BRANDEN, Nathaniel. Auto-estima e os seus seis pilares. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2000. Revista de Psicologia l

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Reflexos dos estilhaços de uma existência Luís Gustavo dos Santos1 Fernando Dório2 RESUMO: O passar dos anos pode parecer fulgaz. Depende do foco que se tem da vida. Por vezes, percebe-se que o invólucro da existência é metamorfoseado a todo instante. É possível que, a cada momento da vida, tenta-se ser e fazer uma melhor escolha. Compactuar com a dor de existir diante do espelho através da imagem que não tem mais o mesmo viço. Ocasionalmente, a imagem subtrai-se vedando os sentidos. Às vezes, compreende-se que o crepúsculo dos anos pode nos tornar sábios. Invadir nossa natureza e deparar com o que chamamos de pecados, vaidade, receios. Tenta-se, portanto, fazer-nos juntar os fragmentos de uma vida. Entretanto, um dia o véu escuro pode tirar o brilho dos olhos e o silêncio encerrar um tempo, fazendo na mudez das horas ainda um suspirar de uma existência. Assim serão os reflexos dos estilhaços de uma existência. Palavras chave: Existência. Imortalidade. Angústia. Culpa. Emoção.

Em algum momento da vida, uma pergunta reflexiva sutilmente invade o cotidiano. O que é existir? Simplesmente respirar?! Que mundo moderno é este, concebido na virtualidade das relações, na efemeridade do tempo, no monólogo das palavras ao vento em um espaço entre quatro paredes, na pergunta de poucas respostas em relação à reflexão do quem sou? O espelho não é mais o oráculo antigo que diz algo sobre a imagem. É possível que o espelho represente o abismo ao qual Narciso afundou quando viu o seu reflexo. Que imagem se busca na atualidade? Talvez não se saiba, pois há algo de fragmentado e impreciso quando a imagem é refletida A existência ainda é um dilema, apesar das palavras de René Descartes, ao afirmar, com efeito, e lógica, a máxima “Penso, logo existo”. Será?! Tudo que se apresenta na realidade é algo verossímil? No final do século XIX, em Copenhague, nascia Sören Aabye Kierkegaard. Segundo sua biografia no livro Kierkegaard em 90 minutos, de Paul Strathern (1999), Kierkegaard fora um filósofo e é descrito como um homem angustiado e atormentado. Strathern (1999, p.32/34) explicita dois temas importantes da obra de Kierkegaard, que estão relacionados ao modo de viver, que são a “estética e a ética”. A indústria de cosméticos e os grandes laboratórios fármacos produzem uma necessidade contemporânea: a busca pela beleza estética. O exterior tem grande relevância nas relações com o outro. Mas quantos temores, angústias e desesperos acometem àqueles que desejam algo que se pressupõe estar relacionado à estética, à aparência? Entretanto, o que é aparente não se liga à ética. A ética indica a reflexão em relação ao interior de si mesmo, a existência e a busca de respostas acerca dos porquês de ser no mundo. A dúvida de ser em si é uma tônica importante neste século em 92 l

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relação à conquista pela perfeição exterior que por vezes é tênue e meramente superficial. Na clínica contemporânea pode-se observar o quanto as pessoas encontram-se angustiadas diante do medo que lhes apresenta de variadas formas. Do amor não correspondido, da solidão de uma palavra não comunicada, da perda daquilo ou daqueles que lhes são íntimos, do que o outro lhe pode tirar do aqui - agora. Eis, então, o abismo que se abre diante dos pés. A dialética do existir, o caráter dual que forma o nevoeiro da dúvida: a virtude, o pecado, a água turva que nubla os olhos em dias tempestivos ou o clarão de um sorriso para que amanhã seja melhor. A certeza da incerteza do que se é diante de si para o outro. Para José Maurício de Carvalho, em seu artigo, A existência humana, é por meio do contato que formamos a consciência da nossa condição, 2007, “o mundo da pessoa é resultado de escolhas contínuas e irreversíveis que ele faz sobre este chão e que se objetiva na cultura e no saber da Natureza.” (CARVALHO, 2007, p.37) A tragédia possui um tom de irreversibilidade. A fatalidade de uma perda irreparável denota a clareza da situação de seres falíveis que somos. A imortalidade seria apenas uma palavra que nem os livros a suportam, pois depois de velhos eles esfacelam. As fotos e as pinturas são meras ilusões de uma realidade que, com o tempo, perdem os pigmentos. Talvez imortal seja apenas o encontro, o momento que ficou na consciência com um significado real, realizando uma compreensão. É necessário refletir o quanto o desespero, como flecha, atinge as pessoas em algum momento na existência. Certeira de que algum problema sem solução trinca o ser humano em sua


existência insólita. A melancolia invade e devassa o ser formando ondas de angústia crescentes. Conforme Ranis Fonseca, no artigo, O desespero como parte integrante da condição humana, 2009, “à medida que o ser humano vai perdendo o encanto pelas ilusões próprias ao mundo dos sentidos, ele começa a adquirir mais consciência da existência em suas profundas contradições.” (FONSECA, 2009, p.15) A trinca no ser humano pode representar um traço nosológico, em que o sujeito na sua condição de existir no mundo encontra-se com suas estruturas abaladas. Emílio Romero relata em seu livro, O inquilino do imaginário, 2001, que: ... as classificações são artificiais... Quando dizemos de um sujeito que tem um caráter obsessivo, afirmamos que apresenta uma série de traços próprios dessas pessoas, o que não supõe negar sua individualidade. Em psicoterapia, sempre levamos em conta esta idiossincrasia pessoal; nunca pensamos que apenas estamos perante um tipo, que é apenas ideal; consideramos as peculiaridades pessoais... Certamente enganaríamos se nossa pesquisa em psicologia chegasse apenas até a classificação do sujeito. (ROMERO, 2001, p.154) Cabe ressaltar o quanto é dada importância à classificação ou à rotulação determinista de uma patologia daquele que se encontra em sofrimento mental. Seria como se a solução fosse dar um nome adequado ao que significaria um modo de estar vivendo. Seria simples, contudo, quanto tão complexo é compreender, perceber a historicidade que se apresenta na fala do sujeito que tenta remontar os fragmentos de uma angústia que fere e tenta colar as rupturas da consciência com os clarões da vivência. Ou seja, com as verdades que a memória pode conceder. O que seria mais importante no setting? A relação com o outro, as sensações e o fenômeno que transcende durante as sessões? Entretanto, o que dizer de um sujeito cuja realidade não se relaciona com o comum? Que compreensão sobre isto poderia ter? De acordo com Franz Victor Rudio, em seu livro Dialogo Maiêutico e Psicoterapia Existencial, 2001, ao escrever sobre os distúrbios psicológicos afirma que “o indivíduo tenta “falsear”, na sua consciência, as “revelações” da realidade e, assim, desorganiza o seu “mundo fenomênico”.” (RUDIO, 2001, p.124) Propõe-se pensar que as classificações nosológicas significam apenas um nome, pois o que tem real importância é a compreensão do ser humano que se revela ao terapeuta. Sendo assim, a partir de que momento pode-se ver humano no diferente? O que

há de humano em si não é percebido no outro? A monstruosidade é a fantasia da realidade. Deve-se ocultá-la, levá-la ao porão ou esquecê-la no sótão da sociedade? A lei do papel é humanizadora, mas não espelha a cultura que faz ver no outro o que há de humano na sua história de vida. As falhas existem. Mas quando se poderá, enquanto sociedade admiti-las e repensá-las no sentido de restaurar a ecologia da vida? Pode-se considerar que neste século XXI a ecologia do mundo encontra-se em processo degradação? Alfried Längle, em seu texto A vivência-do-ser como chave da experiência-de-sentido, 1992, diz que “O ponto de partida aqui é, em outras palavras, a fenomenologia do ser, do meu estar-aí (Da-sein) e do meu estar-consciente (Bewusst-sein).” (LÄNGLE, 1992, p.48) Os atos praticados no passado podem não retroceder. Ainda não inventaram uma máquina do tempo, apenas a ficção científica vislumbra tal possibilidade que como utopia pode um dia atingir. E quanto tempo tem-se para um sorriso, um abraço, uma des-culpa? Uma culpa. Segundo Albert Camus, em seu livro O mito de Sísifo, 2004, este nos apresenta o personagem Sísifo que não morre, ou não quer morrer, pois não ama e quer viver. Contudo, “seu desprezo pelos deuses, seu ódio à morte e sua paixão pela vida lhe valeram esse suplício indizível no qual todo ser se empenha em não terminar coisa alguma. É o preço que se paga pelas paixões desta Terra.” (CAMUS, 2004, p.138) Sísifo empurra uma pedra até o cume de uma montanha, ao chegar lá a pedra rola de volta e ele reconduz incessantemente a pedra novamente ao cume. A repetição e o volume ou peso da pedra pode-se associar ao que cada um tem em sua existência. Deixar a culpa ou a pedra que se inscreve no cotidiano não é tão fácil. Talvez falte compreensão para o deixar ser. Propor um novo ser ante as dificuldades do cotidiano. Não seria assumir uma atitude de Poliana, positivista, como no livro que leva o mesmo nome, da autora Eleanor H. Porter. Mas permitir abrir um pouco mais a fresta íntima, deixar a luz entrar clareando um pouco o lado obscuro do ser. No senso comum a culpa é sempre do outro. Assumir a responsabilidade de um ato para algumas pessoas é por demais difícil, pois inclui valores, princípios morais e culturais. Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo, em seu livro A escuta e a fala em psicoterapia, uma proposta fenomenológico existencial, 2000, diz que “a culpa nasce da angústia e se dá pela liberdade não exercitada em sua possibilidade plena. O arrependimento, que não anula a escolha, traz a lamentação e, portanto a tristeza.” (FEIJOO, 2000, p.68) A culpa é como uma adaga que perfura o ser na sua essência, pois ele a veste e a internaliza, assumindo para si as dores e os pesares que não suporta. Contudo, tirar a veste da culpa e limparRevista de Psicologia l

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-se não é algo tão fácil como abrir a torneira do chuveiro e deixar escoar pelo ralo aquilo que se tem de impuro. Algumas vezes ouve-se alguém dizer que o destino é pecar. Há alguns anos havia uma coleção de livros intitulados “Meu destino é pecar”, da autora Cassandra Rios. Mas a frase do título revela uma queixa e gera perguntas como: de qual pecado se fala? Ou que és tu? O que deseja neste mundo? Para Tereza Cristina Saldanha Erthal, no livro Terapia vivencial, uma abordagem existencial em psicoterapia, 1989, pressupõe que: A imagem do eu não inclui apenas as interpretações do que “eu sou”, mas também o que eu “desejo e devo ser”. A auto-idealização geralmente implica numa autoglorificação e dá ao indivíduo a sensação de um ser superior em comparação com as outras pessoas. Não se trata, no entanto, de um “endeusamento cego”. A imagem idealizada representa um acúmulo de inumeráveis aprendizagens, e de suas valorações, efetuadas na mesma direção. É formada a partir de necessidades especiais e qualidades que o indivíduo dispõe. (ERTHAL, 1989, p.62) A busca de sentido da vida pode ser através da emoção. Algo que se relaciona aos sentimentos e aos reflexos diante da vida. Segundo André Dartigues no livro O que é a fenomenologia?, 1992, a emoção: É uma “transformação do mundo” que tentamos operar quando esse mundo se tornou por demais urgente e difícil e quando os caminhos ordinários de adaptação não são mais praticáveis. Transformação que se opera sem que tenhamos abandonado o plano irrefletido como se nos entregássemos, sem nos darmos conta disso, a um jogo no qual o mundo real, com suas dificuldades, seria substituído por um mundo fictício onde estas dificuldades teriam desaparecido. (DARTIGUES, 1992, p.104) Neste sentido não tão distante cabe um exemplo literário sobre o personagem Dorian Gray, do livro de Oscar Wilde escrito no final do século XIX intitulado O retrato de Dorian Gray, 2009. Tal personagem possuía uma beleza incomensurável. Picado pelo vírus da vaidade contraiu um pecado capital, conforme Dante Alighieri em Divina Comédia. Investido na possibilidade de ser imortal e belo, Dorian, aprisiona-se em uma certa juventude, comete delitos e esconde o quadro que revela seu ser. O invólucro estético exterior não reflete o traço de insanidade ou a sombra de seus tormentos interiores que estavam ocultos no retrato. 94 l

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Portanto, em um momento de desvelamento diante de uma de suas vítimas, Dorian diz: Há anos passados, quando eu era ainda um adolescente – replicou Dorian, esmagando a flor entre os dedos -, você me conheceu, adulou-me, ensinou-me a envaidecer-me da minha beleza. Um dia, apresentou-me a um seu amigo; este me explicou as maravilhas de ser jovem. Você terminou o retrato que me revelou a maravilha de ser belo. Em um momento de loucura, de que ainda hoje não sei se me devo arrepender ou não, eu formulei um desejo insensato... que você talvez qualifique de súplica... (WILDE, 2009, p. 130) Dorian transmite ao retrato o vazio de sua existência e a efemeridade da viçosidade. Narciso encanta-se com a imagem sem diferir a fantasia do real. Ambos adentram o abismo do reflexo do não compreender em si ou o para si. Na contemporaneidade, a era tecnológica supre pouco as necessidades para o ser-no-mundo. O virtual confirma a ausência do outro, o escorrer de uma lágrima sentida ou o contato de um abraço forte, em que dois corações se encontram fazendo com que o calor do pulsar de ambos surja uma alegria indescritível. Mas há o contato sem sentido, o toque impreciso, os sintomas, queixas, o vínculo rompido, a falta de gentileza, de amor para com o outro e consigo mesmo. O suspiro ecoando no silêncio do adeus. O psicólogo refletindo diante da vidraça de si mesmo se a chuva que molha sua janela pode significar ao menos uma gota nas tempestades daqueles que o escutam, que os olhos vêem e os sentidos compreendem. Enfim, a contemporaneidade está preparada para uma vida de conflitos e desequilíbrios na ecologia da vida e da natureza? As indústrias de cosméticos e fármacos podem atenuar os sinais da velhice? Podemos assumir uma atitude vampiresca e sugar a seiva alheia tornando-nos escravos e onipotentes na vida do outro. Mas não deixaremos de sermos nós mesmos carregados de frustrações, buscando um sol para aquecer o frio das sombras. REFERÊNCIAS CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Tradução: Ari Rotman e Paulina Watch. Rio de Janeiro: Record, 2004.158p. CARVALHO, José Maurício. A existência humana. Fenomenologia. Revista Filosofia Ciência & Vida, São Paulo, Escala, ano I, nº 11, p. 34-39, 2007. DARTIGUES, André. O que é fenomenologia? Tradução: Maria José J.G. de Almeida. São Paulo: Moraes, 1992. p.101-107.


ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Terapia vivencial, uma abordagem existencial em psicoterapia. Petrópolis: Vozes, 1990. p.57-67 FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo de. A escuta e a fala em psicoterapia, uma proposta fenomenológico-existencial. São Paulo: Vetor, 2000. 197p. LÄNGLE, Alfried. A vivencia-do-ser como chave da experiência-de-sentido. In:______Dar Sentido à vida, a logoterapia de Viktor Frankl. Frankl at AL. Petrópolis. Rio de Janeiro: Vozes, 1992. p.47-61. RANIS, Fonseca. O desespero como parte integrante da condição humana. Filosofia em sala de aula, encarte do professor, nº29, p.10-16; Revista Filosofia Ciência & Vida, São Paulo, Escala, ano IV, nº 40, 2009. ROMERO, Emílio. O inquilino do imaginário. 3ª ed. São Paulo: Lemos Editorial, 2001. p.153-155. RUDIO, Franz Victor. Diálogo Maiêutico e Psicoterapia Existencial. São José dos Campos: Novos Horizontes, 2001. p.109-133. STRATHERN, Paul. Kierkegaard em 90 minutos. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed. 1999. 84p. WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Tradução: Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2009. 190 p.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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Desenvolvendo as habilidades sociais de pré-adolescentes Luiz Felipe Silva Melo1 Gustavo Teixeira2

RESUMO: O Presente trabalho tem por objetivo realizar uma breve revisão de literatura acerca das habilidades sociais e os comportamentos englobados dentro desta ótica. O texto considera a importância da história de vida no aprendizado, e traz como exemplo de Treinamento em Habilidades Sociais um caso clínico. Palavras-Chave: Habilidades Sociais. Reforçamento. Treino das habilidades sociais.

As habilidades sociais são desenvolvidas desde cedo e continuam sofrendo modificações ao decorrer da vida. Segundo Brandão e Derdyk (2003), o modo como nos relacionamos com os outros não é determinados geneticamente, mas sim aprendido no decorrer da vida. Para uma melhor compreensão deve-se se ter em mente um conceito global do que é Habilidade Social. O comportamento socialmente habilidoso é esse conjunto de comportamentos emitidos por um individuo em um contexto interpessoal que expressa os sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos desse individuo, de um modo adequado à situação, respeitando esses comportamentos nos demais, e que geralmente resolve os problemas imediatos da situação enquanto minimiza a probabilidade de futuros problemas (Caballo, 1996, p. 365). Partindo deste conceito pode-se dizer que existem mais dois tipos de comportamentos que se contrapõe ao comportamento socialmente habilidoso. São eles: o comportamento Agressivo e o comportamento Passivo ou não assertivo, que será assinalado no exemplo de caso posteriormente. O comportamento agressivo, de acordo com Brandão e Derdyk (2003), diz respeito às pessoas que precisam se valorizar depreciando os outros, não respeitam a opinião de ninguém e se expressam hostilmente, muitas vezes partindo para agressão física ou verbal. A análise do comportamento parte do pressuposto que todo comportamento tem uma função, sendo assim, a emissão destes comportamentos inadequados são mantidos por suas consequências. As pessoas que exibem um comportamento agressivo geralmente conseguem atingir seus objetivos. Neste caso, essas pessoas são reforçadas por se comportarem de determinada maneira. Alguns reforços consistem na apresentação de estímulos, 96 l

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no acréscimo de alguma coisa, por exemplo, alimento [...] estes são denominados reforços positivos. Outros consistem na remoção de alguma coisa, por exemplo, muito barulho [...], estes se denominam reforços negativos. (SKINNER, 2007, p. 81). Devemos considerar também as agressões induzidas por punições, pois “Punição e Privação levam a agressão.” (SIDMAN, 1995, p.221). As pessoas que agem principalmente baseadas em reforçadores negativos são as chamadas pessoas passivas ou pessoas não assertivas, que segundo Brandão e Derdyk (2003), são aquelas que fogem de qualquer confronto por menor que seja. Nunca tomam uma decisão ou iniciativa, não são diretos ao conversar e acabam não atingindo seus objetivos, sentindo-se culpados, com raiva ou inferiorizados. As Habilidades Sociais contribuem muito para uma melhor qualidade de vida em amplos aspectos. Para Brandão e Derdyk (2003), estas habilidades são fundamentais para o desenvolvimento profissional e pessoal. Partindo desse ponto de vista, fica fácil entender porque há o treino de Habilidades Sociais e sua importância em ajudar os indivíduos. É bom ressaltar que há situações que um pouco de agressividade será necessária, ou até mesmo o comportamento não assertivo terá sua função. Após esses motivos fica evidente a importância de um treino em Habilidades sociais. Esse treinamento de habilidades sociais, ou THS, segundo Caballo (1996, p.397), “compõe-se de um conjunto de procedimentos de terapia comportamental que ensina os indivíduos a comportar-se adequadamente em situações sociais”. O procedimento de THS pode ser divido em quatro etapas que de acordo com Caballo (1996), são elas: a construção de um sistema de crenças que mantenha respeito pelos próprios direitos pessoais e por todos os direitos dos demais; a


auto-observação, onde o paciente deve saber discriminar entre respostas não assertivas, assertivas e agressivas; ênfase na reestruturação cognitiva dos modos inadequados de pensar do individuo desajustado e o ensaio comportamental de respostas socialmente adequadas em determinadas situações. CASO CLÍNICO: Marcos3, que tem 12 anos, participa de uma associação que atende crianças de 6 à 14 anos de bairros carentes. Marcos havia sido atendido por outra estagiária quando tinha nove anos, onde há relato de amostras de comportamento agressivo. Na época sua mãe estava se separando de seu pai e houveram diversas brigas as quais Marcos pode presenciar, e possivelmente copiou tais comportamentos agressivos (modelação). Assim após os pais se separarem os comportamentos agressivos cessaram, instaurando assim um repertório comportamental não assertivo facilmente observável. Marcos mora com sua mãe e fica os fins de semana na casa de seu pai, talvez seu maior reforçador e modelo. Marcos tem paixão por vídeo-games, e joga todo fim de semana. A queixa da mãe era que Marcos era “esquisito”, isto porque segundo ela, ele não tinha amigos e só brincava com seus primos que são bem mais novos (7 e 8 anos). Outra queixa era o desempenho escolar onde Marcos acabara de repetir um ano. Nos primeiros atendimentos, Marcos demonstrou ser um garoto com um bom repertório, conversou bastante comparado aos relatos a respeito dele. O vídeo-game foi utilizado como mediador para estabelecer e fortalecer a relação terapêutica. Após isto iniciou-se os procedimentos de Modelagem, reforçando as respostas adequadas, como por exemplo, criação de jogos onde os escores eram utilizados para brincar de matemática e reforçando as respostas corretas (considerando respostas corretas não só a resolução da conta mas o simples fato de levantar a mão e perguntar, já que na escola esse comportamento por relato do próprio Marcos não era emitido por “vergonha”). Sem contar o principal fator que era a modelação através dos jogos, principalmente futebol de botão, o presente autor tentou demonstrar respostas compatíveis com a situação como a comemoração exacerbada de um gol, correndo pela sala, gesticulando com os braços, para demonstrar que isto não era ofensivo ao outro jogador. A reestruturação cognitiva foi um importante processo. Uma das queixas de Marcos era que ele não conseguia dizer não. Por exemplo, após certo tempo de atendimento, Marcos havia conseguido aumentar seu repertório e conseguiu fazer um amigo de sua idade, o problema se dava quando os dois estavam jogando vídeo-game na casa de seu pai e seus primos chegavam e não queriam que ele jogasse e exigiam que parasse de brincar com seu ami-

go. Marcos acabava cedendo, pois dizia que se não o fizesse seus primos iriam chorar ou não iriam gostar mais dele. Deste modo começou a ser questionado, por que desligar o vídeo-game se o vídeo-game além de ser dele ainda estava em sua casa. Foi questionado a respeito do que realmente aconteceria se ele não cedesse a pressão de seus primos. Marcos foi conseguindo generalizar seus comportamentos adquiridos nas sessões para sua vida, o que proporcionou alguns ganhos e a medida que novas respostas mais adequadas foram sendo emitidas acabaram por si só sendo reforçadas. Na escola Marcos teve uma melhora significativa. Agora quando tem dúvida levanta a mão para perguntar e é um dos melhores alunos da sala. Marcos é o goleiro do time de sua sala e já deu amostras que não tem receio de se posicionar perante seus colegas mesmo quando tentam intimidá-lo. Na associação as orientadoras disseram que ele está “falante até demais”, agora expõe o que pensa como contar, por exemplo, que gosta de algumas garotas. Marcos fez novos amigos e passou a não ceder sempre aos caprichos dos primos que no começo reclamaram de sua nova postura, mas se acostumaram. Quanto à mãe de Marcos, ela diz que o filho melhorou bem na escola e segundo ela “parece que ele está mais esperto, agora ele deu de falar e até quer me corrigir às vezes”. Como já foi dito, as habilidades Sociais são de suma importância para o crescimento e adaptação do individuo ao meio que está inserido. Muito dos problemas que aparecem na clinica psicológica devem-se ao fato de problemas interpessoais, daí a importância de um individuo com um bom repertório em habilidades sociais, sendo que a chance da pessoa socialmente habilidosa de obter sucesso em seus comportamentos, e se sentir bem é muito maior. Deste modo as pessoas socialmente habilidosas geralmente obtêm reforços interpessoais que aumentam a autoestima e, por obterem êxito em seus comportamentos, também possuem boa autoconfiança, o que colabora ainda mais para a manutenção desses comportamentos assertivos. REFERÊNCIAS BRANDÃO, Fernanda Silva; DERDYK, Priscila. Coto assertivo: um guia para jovens. In: BRANDÃO, Maria Zilah da Silva; CONTE, Fátima Cristina (Orgs.). Falo ou não falo?Expressando sentimentos e comunicando idéias. Arapagas: Mecenas, 2003, cap.6, p. 49-55. CABALLO E. Vicente. O Treinamento em Habilidades Sociais. In:____. Manual de Técnicas de Terapia e modificação do Comportamento. São Paulo: Santos , 1996. cap,18, p.361-398. SIDMAN, Murray. Coerção e suas implicações. Campinas: Psy, 1995 301 p. SKINNER, B.F. Ciência e Comportamento Humano. João Carlos Revista de Psicologia l

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Todorov;Rodolfo Azzi. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 489 p.

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A criança hospitalizada e sua família Margareth Felippe Trindade1 Claudia Neto2 RESUMO: Este trabalho enfoca a atuação do psicólogo junto à criança hospitalizada, objetivando a diminuição do sofrimento e, juntamente com a família, criando novas formas de se relacionarem com a doença. Palavras-chave: Criança. Hospital. Família.

A atuação do psicólogo junto às crianças hospitalizadas objetiva fundamentalmente a diminuição do sofrimento inerente ao processo do adoecer e da hospitalização. O psicólogo atua no sentido de fazer com que a hospitalização e a situação de doença sejam melhor compreendidas pela criança e sua família, bem como de evitar situações difíceis e traumáticas. “Brincando” e “conversando” com o psicólogo, as crianças expressam seus medos, dúvidas, angústias, aliviando assim seu sofrimento e caminhando para uma recuperação mais rápida. O presente trabalho surge da necessidade de refletir sobre o atendimento psicológico à criança hospitalizada, buscando conhecer os meios e o processo utilizado por uma criança submetida a um tratamento invasivo para expressar a sua vivência. Parte-se do pressuposto de que a expressão é um momento importante da compreensão e elaboração simbólica. Dentro do hospital, sua primeira impressão é de estranhamento, há um profundo desconhecimento, algo invasivo vai surgindo, e com isso a criança associa com algo punitivo, gerando uma sensação de abandono. O hospital para a criança é um lugar de proibições, onde ela não pode fazer as coisas que gosta; é um lugar de solidão, lágrima e saudade. A família é o conjunto natural para o crescimento e cura de um contexto que o terapeuta de família dependerá para atualização de seus objetivos terapêuticos. A família é um grupo natural que através dos tempos tem desenvolvido padrões de interação. Esses padrões constituem a estrutura familiar, que por sua vez governa o funcionamento dos membros da família, delineando sua gama de comportamentos e facilitando sua interação. Uma forma viável de estrutura familiar é necessária para desempenhar suas tarefas essenciais e dar apoio para a individuação ao mesmo tempo em que provê um sentido de pertinência. (VASCONCELLOS, 2005). Para Minuchin (1982), a estrutura familiar é o conjunto invisível de exigências funcionais que organiza as maneiras pelas quais

os membros da família interagem, mas a estrutura da família deve ser capaz de se adaptar quando as circunstâncias mudam. Na área médica, as práticas sistêmicas contrastam fortemente com as práticas tradicionais, nas quais geralmente se evidencia um pensamento linear, determinista, de busca de compreensão clara de relações de causa-efeito e de intervenções que sempre pretendem a cura de uma patologia. .(VASCONCELLOS, 2005). Para Vasconcelos (2005), ficou evidente também como os efeitos e interações entre alguns membros da família podem ser identificados no funcionamento do corpo de outros membros da família. Isso pode conduzir os profissionais da área médica a novas maneiras de ver e lidar com os ‘’sintomas físicos’’ de seus pacientes. São muitas as situações de crise vividas dentro do hospital. Elas são caracterizadas por dor, doenças, perdas, desespero e desamparo. A criança passa a ser um objeto em uma situação na qual os enfermeiros e médicos ditam todas as ordens, estabelecendo horários de comer, tomar banho, e etc. Para Oliveira (1999) a dor de estar internada pode tomar maior dimensão se essa criança não puder falar de seu sofrimento. A importância do psicanalista e o atendimento sistêmico no hospital é de acolher o pedido de ajuda do sujeito, onde é inevitável algum tipo de crise nesse lugar onde a sombra da morte ronda. Segundo Kruel (1999 apud Decat,1999), a psicanálise trabalha de modo a fazer com que o tempo da urgência dê lugar ao tempo de compreender. É preciso que o paciente se coloque a falar do que esta acontecendo. A partir daí é que vão poder se formular as perguntas que estabilizam a criança. Portanto, a criança doente e hospitalizada demonstra a capacidade de observação e captar situações que acontecem ao seu redor, onde os adultos tentam ocultar. Nesse aspecto, a incompreensão do adulto e sua falta de respostas aos questionamentos da criança doente provocam mais dor e são causadores de conflitos. Revista de Psicologia l

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Neste sentido, Angerami (1996) informa que as crianças doentes têm um contato direto e íntimo com seu corpo, portanto, percebem a sua deterioração, e suas perguntas pedem um maior esclarecimento do que já sabem. Vários efeitos psicológicos podem ser citados como conseqüência da situação da doença grave, morte e hospitalização em crianças como: negação da doença, revolta, ansiedade, depressão, projeção, solidão, entre outros. Concluo que a proposta do trabalho com crianças e famílias deve fazer do hospital um lugar que atenue o sofrimento ao colocar o sintoma para deslizar metonimicamente através da associação livre, pondo a cadeia de significantes em movimento. No final desse percurso, o deslocamento com as verdades que o analisante isolou liberando a pulsão, permitindo um movimento endereçando ao outro. Esse movimento possibilita que a criança passe a sua dor de existir ao prazer de viver, que sustenta na falta estrutural que se chama desejo. A terapia familiar trata aquilo que torna difícil para a família, ajudando-os a enfrentar seus problemas e criar novas maneiras de se organizarem. Com as sessões terapêuticas, a família e a criança entram em contato com os sentimentos e produzem novas formas de vivenciar com a doença produzindo um bem estar. REFERENCIAS MOURA,Marisa Decat de.(org.) Psicanálise e hospital. Rio de Janeiro: Revinter,1999.p16. ANGERAMI,Augusto Valdemar-Camon (org.) E a psicologia entrou no hospital...,São Paulo: Pioneira,1996.p21. MINUCHIN,Salvador Famílias: funcionamento & tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas,1982.p.34 ESTEVES DE VASCONCELLOS,MJ. Pensamento sistematicamente nossas relações familiares, a partir do novo paradigma da ciência In: AUN, J ESTEVES DE VASCONCELLOS, M.J. COELHO,S. Atendimento sistêmico de famílias e redes sociais. Vol1. Fundamento teóricos e epistemológicos.Belo Horizonte: Ophicina de arte e prosa,2005,p.107.

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De que se Trata Isso que me Faz Sofrer? “Eu te peço que recuses o que te ofereço, porque não é isso.” Lacan Maria Cristina Guimarães Gomes1 Geraldo Martins2 RESUMO: Este trabalho tem como objetivo pensar as dificuldades e os impasses para o estagiário frente ao início da clínica em uma perspectiva psicanalítica. Será apresentado um fragmento de caso e um breve percurso pelos caminhos, condições da análise proposto por Freud e Lacan. Palavras - chave: Demanda, transferência, analista, diagnóstico, condução do tratamento.

As primeiras palavras de L. ao entrar no consultório são: “eu vim aqui porque eu preciso de ajuda. É que eu tenho muito medo. Interrompe-se e pergunta: eu posso falar qualquer coisa, de mim e da minha família?”. Diante da afirmativa de que ali, de tudo poderia falar L. continua. “É que na minha família tem muito caso de suicídio. Na família da minha mãe, três pessoas se suicidaram. Duas tias e um tio”. “Não sei direito como aconteceu, eu era muito criança. Eu tenho muito medo sabe? As pessoas ficam falando que esse negócio de esquizofrenia é hereditário. Eu fico pensando, não paro de pensar. E se for hereditário? É hereditário? A questão que aqui se coloca é com relação à direção do tratamento. FREUD (1913) salienta em seu texto; Sobre o início do tratamento, (novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I) que o que está em jogo neste momento é o tratamento de ensaio, que visa entre outras coisas ligar o paciente à pessoa do analista, através do estabelecimento da transferência, sem a qual não há tratamento. Encontra-se também presente a questão do diagnóstico diferencial estrutural entre neurose e psicose, situações distintas, nas quais se coloca uma direção específica para o tratamento. Freud informa que neste momento se deve deixar o paciente falar quase todo o tempo, cabendo ao analista falar o estritamente necessário para fazê-lo prosseguir em seu discurso. L. prossegue: ”Mas são essas coisas, esse medo de estar doente, igual na minha família. Tenho pavor de tomar remédio para cabeça, porque pra problema de cabeça não tem cirurgia”. Prossegue em seu sofrimento, em sua indagação: sou louca ou não sou? Na supervisão, momento em que se configura um dos três pilares da Psicanálise, coloca-se a questão da demanda. Lacan (1998) salientou que toda demanda é demanda de amor e que como tal, no processo analítico, não poderá ser atendida, situação importante para a continuidade do trata-

mento. Atendendo-se a demanda poderá acontecer a interrupção do trabalho de análise. Para o estagiário coloca-se a questão: como manejar de maneira a não responder atendendo a demanda e ao mesmo tempo trazer algo que sustente o sujeito no querer prosseguir? Conforme Lacan (1998) em, A direção do tratamento e os princípios de seu poder, é certo que o analista dirige o tratamento, mas este não deve de modo algum dirigir o paciente. Neste sentido, a direção do tratamento consiste em levar o sujeito a aplicar a regra analítica. E neste empreendimento, o paciente não é o único com dificuldades ao investir a sua quota. O analista também paga; com suas palavras que serão elevadas a seu efeito de interpretação pela operação analítica, com sua pessoa, na medida que a empresta como suporte aos fenômenos provocados pela transferência, e também com o que “há de essencial em seu juízo mais íntimo, para intervir numa ação que vai ao cerne do seu ser’’. (LACAN, 1998, p. 593) FREUD (1937), em Construções em análise, alerta sobre a preocupação dos analistas principiantes em relação a interpretar as associações do paciente e em como lidar com o recalcado. Traz neste texto que as reais dificuldades que terão que enfrentar, será o manejo do transferência. O analista fica no limite, buscando manter o amor transferêncial, mas buscando não satisfazer a demanda e, é ai que se encontra o delicado da questão, a arte do manejo. MILLER (1995), em A lógica na direção da cura sustenta que “o sujeito da experiência analítica aprende o que não pode obter através da demanda, aprende a não pedir mais, porque toda demanda é fundamentalmente sem saída”. Porém, somente no final de análise, quando se desvanece o Outro a quem demandar e o próprio lugar da demanda é que se pode desistir da demanda. Revista de Psicologia l

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L. precisará ainda estabelecer a transferência, se queixar do seu sintoma, significado do Outro, que segundo Quinet (2007), em As 4 + 1 condições da análise, no inicio do tratamento possui um estatuto de resposta. Precisará passar por uma retificação subjetiva de sua posição frente ao Outro. QUINET (2007), afirma ainda que a retificação subjetiva é uma das condições da análise proposta por Freud. Trata-se de uma interpretação que visa fazer uma mudança na posição do sujeito em relação ao sintoma do qual se queixa. Visa introduzir o sujeito na responsabilização da escolha de sua neurose. Algo, para o sujeito histérico, no sentido de indagar sobre a sua participação na desordem da qual se queixa. Assim o sintoma, antes possuidor de um estatuto de reposta, passará a um estatuto de enigma endereçado a aquele analista, se configurando assim, no sintoma analítico, que permitirá a entrada em análise, na qual haverá uma questão a ser decifrada. Neste momento o analista fará o ato analítico aceitando-o em análise. Assim, aceitar um paciente no consultório não significa aceitar em análise. Neste sentido, a questão não seria se o sujeito é analisável, mas que a anasabilidade é função do sintoma, do sintoma enquanto sintoma analítico. A partir de então se daria início a análise propriamente dita. O sujeito já retificado em sua posição frente ao Outro, buscará decifrar o enigma ao qual seu sintoma esta a responder, situação somente possível, graças à presença do analista enquanto sujeito-suposto-saber, em sua capacidade de se fazer semblante de objeto (a), com seus vários atos, que levará o analisante a fazer várias voltas sobre os pontos enigmáticos de sua cadeia significante. Segundo Quinet (2007) ao analista caberá colocar questões a respeito do significado do sintoma para aquele sujeito e, fazendo uso do tempo lógico do seu discurso fará os cortes, escansões, que decidirá o sentido e a identidade do analisante. Atitude possível somente quando se está seguro quanto à questão do sujeito. L. relata que passa muitas coisas pela sua cabeça. Pensa que busca ajuda por que tenho medo de fazer igual. Relata que afastou da família quando o último caso de suicídio aconteceu, há 20 anos. Sente uma coisa muito ruim só de pensar em ir lá. Ela diz: “Eles falavam muitas coisas e, eu fui ficando com esses medos. Eles dizem que minha família é de loucos”, momento em que é apontado para ela que estas são questões do outro. Para L. será preciso ainda uma ‘’construção do Outro’’. Outro no qual se encontra misturada, Outro que morre. Outro morto. Poderia- se pensar no caso de L. pelo viés do obsessivo, para o qual a pergunta fundamental que se coloca para o sujeito é sobre estar vivo ou estar morto? Apesar de todos estes medos L. trabalha e, conforme seu dizer trabalha com metas, adora trabalhar com metas, afinal; “quem não gosta de ganhar um dinheirinho a mais?”. Sofre com pensamentos constantes, a respeito do traba102 l Revista de Psicologia

lho, no qual precisa se sair muito bem frente a um patrão que dela exige além da conta, e da morte como Outro que lhe ronda, lhe espreita, goza. Algo novo anuncia-se, um corpo que não funciona, corpo cansado, sem energia, que dói. Relata que talvez seja pela falta de exercícios. Não pode caminhar, os joelhos doem. Indagada sobre a possibilidade de caminhar devagar, responde que diante de qualquer pequena caminhada, os joelhos doem. O médico recomendou natação, mas ainda não se decidiu, ainda não encontrou tempo. Tal situação remete à posição do sujeito histérico frente ao Outro a quem dirige suas demandas. SOLER (2006), em O que Lacan dizia das mulheres sustenta que o sujeito histérico busca deixar insatisfeito o gozo do Outro. Assim, visa um mais ser, exige ser alguma coisa para o Outro, o objeto precioso causa de seu desejo. Seria um caso de histeria? O diagnóstico diferencial é importante, não como uma forma de classificação, mas apenas para um efeito de direção do tratamento. Para o sujeito psicótico, conforme Lacan, não se pode ter como referência o Nome-do-Pai e a castração, tendo o analista a função de ocupar o lugar de secretário do alienado, e no caso de neurose, no plano dos tipos clínicos, para cada sujeito, inventa-se uma análise. Assim, a proposta para este momento é prosseguir, conforme Freud (1913), neste processo de sondagem, apostando em um possível sinal de transferência, e principalmente, qual o tipo de transferência será estabelecida pelo sujeito, e em como sua demanda se particulizará representada pelo seu sintoma. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. Construções em análise. (1937). In: _______. Moisés e o Monoteismo, esboço de psicanálise e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1980. p. 289-304. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 23). _______. Sobre o início do tratamento. (1913). In: _______. O caso schereber, artigos sobre a técnica e outros e outros trabalhos: (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I). Rio de Janeiro: Imago, 1980. p. 137-139. (Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, 12). LACAN, Jacques. A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: _______. Escritos. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 591-652. MILLER, Jacques-Alain. A lógica na direção da cura. 1995. Seminário do IV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano. Demanda e Desejo na Entrada em análise, de 03 de dezembro de 1993, em Belo Horizonte. Seção Minas Gerais da Escola Brasileira de Psicanálise do Campo Freudiano. QUINET, Antonio. As 4 + 1 condições da análise. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. 115 p.


SOLER, Colete. O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. p. 52.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.

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A Histérica e a dificuldade de perder o que não tem “Na menina, a castração é assumida por ela mesma quando a mãe, que tem desejo do desejo do pai, se converta para ela em uma mulher que sabe encontrar em seu homem aquilo que ele não possui ” François Perrier Maria das Graças Ferreira Braga Ribeiro Nádia Laguárdia RESUMO: O presente artigo foi desenvolvido a partir de um caso atendido na Clinica de Psicologia da Newton Paiva. Ele aborda, a partir do referencial teórico psicanalítico, a neurose histérica, relacionando-a com a saída do Édipo na menina. Palavras-Chave: Édipo da Menina. Falo. Histérica. Insatisfação.

Norma , 51 anos, chega à clinica relatando que desde que seu pai morreu, há cinco anos, vem sofrendo com ansiedade, angústia e tem chorado muito. Sua médica a orienta buscar ajuda terapêutica, além do tratamento farmacológico. Norma, em seu discurso, traz de forma recorrente a reedição do Édipo atualizado, numa disputa fálica com seu irmão. Conta que eles são brigados e só conversam o mínimo necessário. Acrescenta que sua mãe tem preferência por ele, confere a ele a autoridade e a confiança para poder administrar todos os bens da família, inclusive a pensão deixada pelo pai para a mãe. Segundo Freud (1924), a crença na universalidade do pênis é pré-condição necessária para a constituição do Complexo de Édipo em ambos os sexos. Na menina, o Édipo não termina com a castração. O principal acontecimento se dá com a separação da mãe, que remete à separação original do seio materno. Segundo Freud, tendo em vista que a mulher não se consola com esta separação, carrega com ela a marca do ressentimento por ter sido deixada na insatisfação. Esse ressentimento, esse ódio primitivo desaparece sob efeito do recalcamento, e surge novamente por ocasião do complexo de castração. Nesse momento fundamental ocorre a separação entre mãe e filha. Ainda segundo Freud (1924), em toda a relação entre uma menina e seu pai, há que se considerar que houve antes, com igual ou maior intensidade, uma relação de amor com a mãe. A menina goza de sua mãe pela alimentação e pelos cuidados corporais. É o mesmo que dizer que são os primeiros cuidados com a criança que introduzem a sexualidade infantil. A menina somente chega ao amor do pai pela via do amor da mãe. Essa mudança de objeto de amor ocorre a partir da percepção da própria castração. Ou seja, a menina fica em falta da mãe, na entrada de um terceiro na relação, o pai ou aquele que pode ocupar esse lugar. É à medida que o desejo da mãe se volta para esse outro que a menina 104 l

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percebe que não completa a mãe, que não é tudo para a mãe. É só quando se dá conta de que sua mãe não é completa, mas faltante, assim como ela mesma, que então pode abandonar seu apego primário à mãe e tomar o pai como objeto. Quando ocorre essa mudança de objeto de amor, a filha acusa a mãe de não ter cuidado bem dela, de não lhe ter alimentado o suficiente, isto é, “a mãe não lhe deu leite bastante, não a amamentou o suficiente”. (FREUD, 1924 p. 269). Freud considera que o Édipo da menina é mais complicado que o do menino e enumera quatro consequências possíveis: a primeira ocorre na menina um sentimento de inferioridade, de menos valia. A menina reconhece sua ferida narcísica e surge a inveja do pênis. A segunda consequência da inveja do pênis caracteriza o modo particular do ciúme feminino. Ainda no registro narcísico, a partir da imagem do outro, em que Freud remete à fantasia “Uma criança é espancada”. De modo especial, o primeiro tempo dessa fantasia, é: “o pai bate na criança de quem tenho ciúmes”. Nesta fantasia feminina, a criança espancada é acariciada e nela só os meninos são espancados, logo ser espancado equivale a ser “amado”. A terceira consequência se dá ao certificar-se da sua castração, que leva então o desvanecimento da ligação terna à mãe, enquanto objeto. Deste modo, a filha responsabiliza a mãe por sua falta de pênis, acusando-a de não lhe ter dado um verdadeiro orgão genital como deu ao menino. Finalmente, a inveja do pênis na menina provoca uma intensa reação contra a masturbação clitoridiana, que comporta a humilhação narcísica insuportável. Posteriormente, a menina coloca o pai como substituo da mãe, o desejo de um filho toma lugar do desejo do pênis que culmina na equação simbólica: pênis= filho, até que ocorra uma nova posição. Norma acredita que se o pai estivesse vivo isto não estaria


acontecendo. Idealiza seu pai, que em seu discurso a coloca num lugar de destaque em relação ao irmão. Segundo Norma, o pai sempre a achou mais dinâmica, mais inteligente que o filho. Ela diz: “papai era severo, mas amoroso, batia muito quando necessário, mas era correto. Papai quando era vivo acreditava no meu potencial, me escutava e tinha muito receio de que eu desenvolvesse, mais e melhor que meu irmão, mesmo assim ele delegou a ele muitas tarefas e não confiou nenhuma a mim”. Palonsky (1997) ressalta que, na competição fálica, a histérica pode se posicionar frente ao homem como se fosse homem, até para dizer que, como homem, é melhor do que eles. Nesta competição é o outro (semelhante) que é castrado e não o grande Outro. Tornar o outro castrado é apontar sua impotência, não só como uma metáfora. Para a histérica, manter o Outro completo é um modo de defender-se da angústia provocada pelo Outro castrado, deste modo trazer a castração para si é permanecer sempre como insatisfeita. A demanda de amor da mulher neurótica implica em não haver limites, nunca o que é recebido é suficiente, algo sempre falta. A menina busca a completude através do falo, e como não encontra algo que a preencha, mantém-se eternamente insatisfeita. Segundo Lacan (1970), a histérica promove o pai à condição ideal. Esta condição se faz presente mesmo quando a histérica evidencia o pai como um incapaz em relação a uma função que ele não teve bom desempenho. No entanto, mesmo que ela chegue a considerá-lo incapaz, a histérica dá a ele um destino simbólico que se aproxima ao título de um ex-combatente. Afinal ele é pai até o fim de sua vida, assim como um ex-combatente. Campos (2007) destaca o pai como a figura de proa da família e da sociedade civil. Um pai é como um muro de proteção, que impede, protege e delimita a vida do sujeito. Ele diz não ao gozo incestuoso, mas diz sim ao desejo com gozo regulado. Norma, em uma sessão, relata que: “(...) eu andei pensando e percebi que tenho muita dificuldade em lidar com as perdas, foi assim com a morte de meu pai, o divórcio, e as perdas finceiras também (...)” A problemática histérica gira em torno da falta do falo, dessa posição de não ser o falo e de também não tê-lo, seu sintoma se apresenta sob forma de demanda. Sua insatisfação aparece como alguma coisa que falta, algo que ela não alcança. O trabalho analítico visa uma saída que implica o atravessamento da angústia no confronto com o real. “Se deparar com a impossibilidade é a única saída para o que é possível”. (PALONSKY, 1997, p.83)

REFERENCIAS ANDRÉ, Serge. O que quer uma mulher?Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1998 Cap. 10, p.170-188. CAMPOS, Sergio d. Perspectivas futuras da paternidade. P.1-5 s/d FREUD, S. A dissolução do Complexo de Édipo (1924) In______ Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas. Trad. De Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1969 v. XIX. FREUD, S. Sexualidade feminina (1931) In______ Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas. Trad. De Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1969 v. XXI. PALONSKY, Cíntia. M. Estruturas clínicas na clínica: A histeria. Belo Horizonte. PUC Minas, 1997, 86 p.

Notas de rodapé 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 François Perrier, no seu artigo “Estrutura histérica e dialogo analíticos”, 1987, p. 167 4 Nome Fictício

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Que tem no corpo essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida: resiliência como propulsora para a superação de adversidades Maria Teresinha de Oliveira Cardoso1 Cláudia Neto2 RESUMO: O presente artigo tem como objetivo buscar um embasamento teórico para as situações vivenciadas pelas pessoas diante de situações adversas e a forma como estas lidam com as intempéries cotidianas, conseguindo reestruturar suas vidas a partir do ponto em que se encontram, utilizando estratégias de superação. Palavras-chave: Superação. Coragem. Estratégias. Adversidade.

As pessoas que se tornam capazes de fazer brotar amor, coragem, alegria e prazer em meio aos obstáculos e revezes que vivenciam, e estão a todo instante bordejadas pela força geradora que as fazem desvendar novos caminhos em um mundo por onde a devastação imperou, podem fazer parte do que propõe o conceito de Resiliência. São chamados resilientes, os indivíduos que aprendem a conviver com um cenário adverso e dele são capazes de extrair forças suficientes para resistir e superar as adversidades ou serem positivamente transformados por elas. Masten (2001) apud Cecconello (2003) se refere ao termo resiliência como sendo um fenômeno caracterizado por resultados positivos na presença de sérias ameaças ao desenvolvimento da pessoa. Segundo Cecconello (2003), os fatores que contribuem para a resiliência dentro das famílias são vários e estão quase sempre relacionados à coesão familiar, à qualidade do relacionamento entre pais e filhos, ao envolvimento paterno na educação da criança e às práticas educativas envolvendo afeto, reciprocidade e equilíbrio de poder. Esses fatores favorecem o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Nesse cenário, encontramos pessoas que a sociedade desconhece e permanecem obscuras e veladas sem voz; que se sentem a todo tempo expropriadas de seus direitos; sofrendo violações alarmantes que povoam a crônica diária, como a exclusão social, preconceito, abuso sexual, sofrimento frente às catástrofes sociais e naturais, separações conjugais traumáticas, o impacto das drogas na família, desemprego e uma série inumerável de outras agressões físicas, morais e psicológicas. Nesse sentido nos ancoramos na afirmação de Masten e Garnezy (1985), que defendem a ideia de que a resiliência pode 106 l

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ser tanto ameaçada pelos eventos de vida estressantes como reforçada por eles. Para eles, as circunstâncias mais favoráveis para promover resiliência não estão relacionadas com a ausência de stress, mas com desafios graduais que reforçam as habilidades pessoais, as estratégias de superação que se apoiam nas características pessoais. Para esses autores, o sucesso durante a negociação com os eventos de vida estressantes parece desempenhar um efeito inoculador, reforçando a resistência ao stress. (CECCONELLO, 2003). Na minha prática de estágio na Clínica de Psicologia da Newton Paiva pude notar essa força de superação nos casais que buscam atendimento. O que podemos observar é que uma grande maioria dessas famílias, mesmo em situação fragilizada, demonstra uma certa força que as capacita e prepara para encarar os desafios próprios das crises. Atualmente psicologia tem se apropriado do conceito de Resiliência para dar voz a esse tipo de personagem que escreve e atua no enredo de sua própria história. Nos atendimentos na clínica, têm-se a oportunidade de conhecer muitas pessoas resilientes e aprender com eles. Um caso em especial de L., uma mulher de 28 anos, de origem humilde, semianalfabeta, casada e com 3 filhos, que chega ao consultório com um histórico familiar de abandono paterno e exposição a todos os tipos de privações na infância. Em seu relato, L. conta que cresceu tendo como cenário a crueza da vida na periferia, onde a carência material atrelada à fragilidade dos vínculos afetivos e sociais a colocaram ainda muito cedo frente a frente, com uma realidade fria e inóspita. Obrigada pela situação, foi forçada a depender da caridade das pessoas para ajudar na manutenção da casa, o que a obrigava a perambular todos os dias pelas ruas do bairro pedir auxílio.


Mas, aos 14 anos, L. traz para a mãe a seguinte fala: - A partir de hoje, vamos fazer qualquer coisa, menos pedir esmolas. E começa então a sua caminhada na direção da conquista da autonomia. L. vai lavar e passar roupas, o que deixou cicatrizes permanentes na parte externa dos dedos de suas mãos pelo ato constante de esfregar. Aos 16 anos L. se une maritalmente a J. , um homem 17 anos mais velho que ela, com o qual tem mais dois filhos. Numa situação de extrema submissão, dominada por um ciúme excessivo de J., L. se vê impotente e mergulha num processo depressivo, chegando a pensar no suicídio como libertação para o seu sofrimento. Neste momento que ela chega ao consultório, fragilizada, sem esperanças, desorientada quanto ao seu papel de mulher, L. traz sua história sofrida e um rótulo dado pelo companheiro: “Meu marido me diz todos os dias que eu sou um inseto”. A partir desse significante, foi possível trabalhar com L. a construção de sua própria verdade. Qual era o conceito que ela tinha de inseto dentro dela que a fazia colar nessa fala e incorporar o seu sentido real? Ao ser convocada a pensar sobre sua posição frente a esse rótulo, L se põe a trabalho, buscando ressignificar os conceitos que tinha sobre si. Passou a se olhar com mais cuidado, e a buscar o seu lugar na relação com o marido, os filhos e principalmente consigo mesma. A fala do marido foi deixando de incomodá-la, pois sabia que não ocupava mais aquele lugar de inseto. Arranjou um emprego de doméstica e hoje ajuda o marido na reforma da casa com o seu salário, cuida dos filhos, vai às reuniões da escola, participa das festas da família e viaja com a família. O marido nunca mais a chamou de inseto e atualmente a trata com carinho e a respeita. Este ano, voltou a estudar e faz planos para o futuro. Atualmente L. diz que não é uma pessoa perfeita, porque não existe ninguém perfeito, mas considera-se muito feliz com o que conseguiu superar em sua vida. Podemos constatar neste caso, a proposta defendida pelos estudiosos de que a Resiliência não é uma qualidade étnica e extraordinária, nem uma característica intransferível de um grupo especial de pessoas. É, sobretudo, o resultado das qualidades comuns que uma determinada pessoa já possui. Quando estes valores e virtudes são corretamente articulados e suficientemente desenvolvidos, trazem como resultado essa característica que marca as mulheres que são capazes de operar grandes transformações seja em si mesmas ou no mundo que as circunda. Isso pode ser confirmado teoricamente nos princípios defendidos por Walsh (1996), quando nos revela que a importância de estudos sobre resiliência familiar reside na identificação de fatores que habilitam as pessoas a lidarem efetivamente com os processos de transição normativa e não normativa, superando os eventos

estressantes de vida. A identificação desses fatores possibilita fortificar a família como uma unidade funcional, cuja força contribui para o desenvolvimento da resiliência de todos os seus membros. Podemos concluir que pessoas e ambientes resilientes podem ser encontrados em toda a sociedade, onde se observam atos de doação individual de homens e mulheres que se implicam e se engajam em causas nobres, alimentados por uma força propulsora da busca pelo possível, mesmo diante das barreiras estabelecidas pelas relações de poder. REFERÊNCIAS CARNEIRO,Teresinha-Féres (org.) Casal e Família.Entre a tradição e a transformação.Rio de Janeiro:Nau Editora,1999. CECCONELLO, A. M. Resiliência e vulnerabilidade em famílias em situação de risco.Tese de pós-graduação. Curso de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rio Grande do Sul, 2003. GEBARA,Ivone.”Levanta-te e anda.” Alguns aspectos da caminhada da mulher na América Latina.São Paulo:Edições Paulinas, 1989.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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O corpo que se vê e o corpo que se sente “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” Caetano Veloso Marlene da Conceição Cunha Carvalho1 Raquel Neto2 RESUMO: O presente trabalho pretende elucidar questões sobre a Autoimagem corporal, a imagem que o indivíduo faz de si mesmo, assumindo a responsabilidade de ser livre ou de ser apenas um ser-para-o-outro. Esse ser-para-o-outro pode transformar o indivíduo numa imagem condenável, limitando, assim, suas possibilidades de ser. Palavras-chave: Autoimagem. Corpo. Existência. Indivíduo. Possibilidades. Self real. Self ideal. A Imagem Corporal se desenvolve desde o nascimento até a morte, dentro de uma estrutura complexa, sofrendo modificações que implicam na construção contínua e reconstrução incessante. Schilder (1999, p.7) conceitua imagem corporal afirmando que “[...] entende-se por imagem do corpo humano a figuração de nossos corpos formada em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós”. O ser é algo que se dá na existência. O ser gerencia a percepção que fará surgir o pensar, o escolher, o decidir e o agir. Um mesmo estímulo é recebido de forma diferente pelos diferentes seres e a devolução que se dá ao mundo é também particular. A realidade do mundo somente é experienciada por meio do corpo. É a partir das relações no mundo que a pessoa se define e dá significado a si mesma. A nossa autoimagem surge nesse relacionamento eu-mundo. Conforme Erthal (1999, p.57) “a imagem que o indivíduo cria de si mesmo determina os comportamentos que desenvolve”. É necessário que essa imagem seja apreendida, pois o homem é um ser de possibilidades, está sempre além de si, seja pela via da representação, ou pela construção de seu projeto existencial. A imagem corporal é a maneira pela qual o corpo se apresenta para o indivíduo. As pessoas aprendem a valorizar seus corpos através da interação com o ambiente, assim sua autoimagem é desenvolvida e reavaliada continuamente durante a vida. Schilder (1999) relata que: A construção da imagem corporal se baseia não apenas na história individual da pessoa, como, também em suas relações com os outros. A história interna é, também, a história de nossas relações com outros seres humanos. (SCHILDER, 1999, p. 154). Pode-se dizer que o nosso corpo é, antes de tudo, nosso 108 l

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primeiro e maior mistério. Augras (2002, p.41) refere-se ao corpo do homem como espaço e os outros espaços sendo construídos a partir dos movimentos do corpo no mundo, “não sendo limitado às suas fronteiras somáticas, mas incluindo as extensões implícitas”. Essa vivência no espaço se expressa através da presença e movimentação do corpo no mundo. O ser humano não é explicado em termos de uma teoria, mas sim compreendido de acordo com um esclarecimento fenomenológico de seu existir-no-mundo, que abrange a sua relação com outras pessoas e a sua relação consigo mesmo. Ao longo de seu desenvolvimento, o indivíduo sofre constantes transformações, tanto no corpo quanto na sua imagem corporal. Sendo assim, podemos perceber que o corpo não mente, mais que isso, ele conta muitas histórias e em cada uma delas há um sentido a ser revelado. É uma imagem que o indivíduo cria de si mesmo e que reage perante o olhar do outro, através dos sentimentos, atitudes e ideias. Perceber o próprio corpo significa reconhecer todas as nossas intenções, tanto as que serão expressas nas palavras, como as que vão inclusas no tom da voz, nos gestos, nos olhares, na fisionomia e na atitude postural. É o corpo que vivencia todos os sentimentos e os manifesta. Ele se funde no amor, congela no medo, treme na raiva, anseia por contato e calor humano, gera sensações, emoções e imagens. O indivíduo precisa ter consciência do que sente. Gaiarsa (1991, p.15) define corpo “como o que eu vejo, no outro ou em mim”. Essa imagem externa que eu vejo no espelho e que é exatamente como o outro me vê. Mas no espelho é fácil ver o que a gente quer em vez de ver o que realmente somos, porque o espelho reflete a essência e o ser do indivíduo. Por que as pessoas se zangam ou acham graça quando nós as imitamos? É porque estamos mostrando a elas, como elas são exatamente. Mostramos em ato e afetos as suas intenções e que


o corpo fala tanto quanto as palavras. Segundo Sartre (1997, p.444) “o corpo-para-outro é o corpo-para-nós, porém inapreensível e alienado”. Parece então, que o outro cumpre por nós uma função para a qual somos incapazes e que, no entanto, cabe-nos executar: ver-nos como somos. Somos e temos um corpo e ele é o nosso principal instrumento de ação. Somos este rosto que todos os dias encontramos no fundo do espelho, estas mãos que nos permitem dar conta das inúmeras atividades, somos estas pernas, pele, estabelecendo contato com o mundo em busca de relação e sentido. A conquista da autoimagem se dá por aprendizagem, ao interagir com as pessoas que são importantes. O indivíduo recebe retorno verbal e não verbal que reforça suas particularidades. A avaliação que faz de si surge a partir da avaliação que os outros fazem dela. A imagem corporal se torna através da síntese de sensações que derivam dos inúmeros contatos físicos entre a criança e os pais. Estas sensações recebem um sinal positivo ou negativo conforme sejam experienciados de maneira prazenteira ou dolorosa. As sensações positivas favorecem a formação de uma imagem corporal clara e integrada. As sensações negativas conduzem a distorções ou falhas na imagem corporal. (LOWEN, 1979, p.80). Há também a linguagem que o corpo expressa aquela que não é verbal. Foi através dessa expressão corporal, que a cliente foi observada, através dos encontros psicoterapêuticos vivenciados nos estágios da Clínica de Psicologia Newton Paiva, sob a supervisão da professora Raquel Neto. Nesses encontros, a adolescente Maria, nome fictício, de dezessete anos vivencia esta fase transitória entre a infância e a vida adulta. Maria sofre constantes transformações, tanto no corpo, quanto em sua imagem corporal. Em um dos atendimentos, Maria demonstrava que não estava satisfeita com a sua autoimagem. Sofria por isso, se comparava à irmã, dizia ser mais feia, menos inteligente, demonstrava grande ódio e vontade de bater na irmã todas as vezes que a via. Na escola Maria procurava se isolar, chorava e vivia angustiada, segundo a mãe. Comparava-se à irmã, dizendo que a mesma beijava quase todos os garotos da escola e ela, aos dezessete anos, ainda não havia beijado. A irmã se maquiava e ela não. Maria vivia sob a sombra da irmã. Talvez um dos grandes desafios para Maria fosse confiar que o corpo e a imagem são fenômenos construídos socialmente. As mudanças corporais trazem distorções na autoimagem e promo-

vem uma enorme distância entre o corpo idealizado e o corpo vivido. Maria se sentia solitária, deprimida e com dificuldade de compartilhar suas experiências com as outras pessoas. Maria, em uma das sessões, disse que: “Quando eu acordo não me olho no espelho, já sei que os meus cabelos vão estar para cima, e que eu sou feia mesmo”. Muitas vezes Maria deseja ser a irmã. Por ter tido câncer no fígado aos sete anos e depois suspeita de que a doença poderia ter voltado, Maria era a protegida da mãe, que a sufocava, confundindo proteção com amor e a infantilizava. Maria vivia em um Self Ideal, o qual a impedia de vê-la tal como ela era e não percebia o sentido verdadeiro de sua vida. O Self Ideal enfoca o somatório de características na qual o sujeito gostaria que fizesse parte de sua estrutura. No momento em que a pessoa passa a acreditar que estas características por ela desejadas são reais, o processo evolutivo natural torna-se prejudicado, pois está vivenciando a fantasia do desejo ao invés de sua realidade, que poderá distorcer a simbolização do Self Real. (GOBBI, 2005, p.141). No vigésimo atendimento, Maria já com seus dezoito anos, precisou se transformar em “outra” para se reconhecer. Mesmo se olhasse no espelho, não iria se enxergar como um ser com qualidades e defeitos. Em sua tentativa, sua autoimagem já estava destruída. Foi através do trabalho psicoterapêutico que Maria pode começar a perceber sua imagem e procurar a sua realização através de suas possibilidades. Maria não mais se retorce ou deita no sofá em posição de feto. Não chupa o dedo, não arranca as unhas com os dentes e nem bate mais os pés ora no armário, ora na parede, porque até o momento se comunicava através da linguagem não verbal. Queria expressar seus sentimentos, mas não dava conta de falar. Era como se fosse um bebê que só se debatia. Maria consegue compartilhar seus sentimentos através da comunicação verbal. Ela discursa sobre suas emoções relatando vários fatos ao mesmo tempo, consegue falar da doença, de suas intimidades, da família e da sua vida escolar. Ao observar a terapeuta, ela quer ter o mesmo cabelo, a mesma agenda, o mesmo caderno, passou a usar esmalte e enfeites no cabelo. Maria a analisa e tenta melhorar sua autoimagem usando-a de espelho. Essa convivência está trazendo para Maria a construção de sua identidade. Vale ressaltar que o interesse e atenção das pessoas que nos cercam exercem muita influência na elaboração de nossa imagem corporal, o que nos leva a concluir que no processo de estruturaRevista de Psicologia l

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ção da imagem corporal as experiências e sensações obtidas por ações e reações dos outros em nossas relações sociais são parte integrante do processo e da construção da imagem corporal. Não quer dizer que Maria tenha deixado de observar a irmã, pelo contrário, hoje ela consegue perceber que existem outras pessoas fazendo parte do seu ambiente. A imagem corporal, apesar de não ser completa e esconder mistérios, é uma experiência que se vive a cada instante. De acordo com a epígrafe citada no texto, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, as pessoas são o que sentem, estão satisfeitas com alguns aspectos e com outros não. Da imagem corporal advêm possibilidades e limitações. Nosso corpo não é isolado. Ele depende dos outros à sua volta e muitas vezes se confunde, querendo seguir um padrão de beleza unificado. A cultura, a mídia, a moda, assim como outros aspectos, interferem na formação da autoimagem, fazendo do corpo um objeto de consumo que induz as pessoas a não aceitarem sua própria imagem, querendo modificá-la conforme os padrões ditados. Aprendemos a detestar em nós, o que a sociedade rejeita. Enfim, o corpo exprime, sinaliza intenções, mostra emoções, assume atitudes, faz gestos e caras. Não faria nada disso se não houvesse uma finalidade. Cada ser humano faz uma leitura individualizada de seu corpo e assim o vivencia. REFERÊNCIAS AUGRAS, Monique. O espaço. In: ____. O ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. 12 ed. Petrópolis/ RJ: Vozes, 2008. p.38-52. ERTHAL, Tereza Cristina. Introdução. In: ____. Terapia vivencial: uma abordagem existencial em psicologia. 3 ed. Petrópolis/ RJ: Vozes, 1999. p. 57. GAYARSA, José A. O que é o corpo. 4 ed. São Paulo: Brasiliense,1991, p.14-68. LOWEN, Alexander. A imagem corporal. In: ____. O corpo traído. 5 ed. São Paulo: Summus, 1979, p.79-81. PENSADOR, Infor. Disponível em: <http://www.pensador.info/autor/Caetano_ Veloso>. Acesso em: 20 mai. 2009 SARTRE, Jean Paul. A terceira dimensão ontológica do corpo. In: ____. O ser e o nada. 4 ed. Petrópolis/ RJ: Vozes, 1977. cap.2. p.441-450. SCHILDER, Paul. Introdução. In: ____. A imagem corporal: as energias construtivas da psique. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.07-13. ____. A estrutura libidinal da imagem corporal. In: ____ A imagem corporal: as energias construtivas da psique. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999. cap. 2. p.133-227.

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NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva


A histeria através dos tempos “Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que tristes os caminhos, se não for A presença distante das estrelas!” Mario Quintana Mayra Assunção1 Geraldo Martins2 RESUMO: O presente artigo propõe analisar o fenômeno da histeria, desde o tempo de Freud até hoje. Trataremos sobre a histeria relacionada à questão do feminino e a lógica da castração. Além disso, será abordado como a histeria foi adquirindo novas formas a partir de uma nova ótica cultural em sua nova apresentação e avaliação. Palavras-chave: Histeria. Psicanálise. Castração.

A partir do caso clinico da paciente V será realizado um estudo sobre a histeria através dos tempos. No primeiro momento serão abordados fragmentos do histórico da histeria e, posteriormente, trataremos da histeria nos dias atuais. De acordo com Sergé André (1998) em seu livro “O que quer uma mulher?”, o sujeito da psicanálise é histérico (ou sujeito a histeria), pois a análise conduz o sujeito pelo desfiladeiro das demandas, como na pergunta clássica da histérica: “Qual é o objeto do meu desejo?” Observa-se que os sintomas histéricos sofreram mudanças e nos dias atuais será difícil encontrar histéricas com conversões. Os sintomas mudaram, pois são também influenciados pela época e pela cultura, e trazem uma marca do discurso contemporâneo, marcado pelos avanços científicos e tecnológicos. Hoje, o culto aos ideais de beleza femininos, com mulheres magérrimas e siliconadas, tem marcado as maneiras pelas quais o sujeito apreende o seu corpo. Segundo Freud o que está em jogo na histeria é o corpo, o corpo erógeno, inscrito na linguagem e por outro lado, na impossibilidade de articular o gozo aí inscrito. Alguma coisa na história do seu corpo não pode se formular a não ser no sintoma. Assim, o sujeito se apoiará em ortopedias corporais, em medidas substitutivas das paralisias histéricas dos sintomas que paralisam. Na histeria ficará em evidência o conflito, a divisão do sujeito que se fará presente nas reações intensas e penosas resultantes de um conflito entre as duas tendências contrárias. A paciente V, de 27 anos, desempregada, solteira relata que tem dificuldade de relacionamento, a ponto de não ter vida social. Além disso, relata ser uma pessoa nervosa e irritadiça. Faz acompanhamento psiquiátrico há 10 anos. V relata ainda que quando se encontra nesse estado de ner-

vosismo ela vai ao shopping fazer compras para se sentir melhor. Ela comenta que deve muito dinheiro por conta desse comportamento desenfreado e que possui diversos cartões de crédito. Segundo V o ato de consumir de maneira exacerbada ameniza por algum momento os sintomas que sente. Além disso, ela comenta que sente com alguma frequência: falta de ar, dores de cabeça, vontade de vomitar e palpitações no coração quando se sente ameaçada. V diz que costuma pensar com frequência nas ex-namoradas dos seus namorados. Disse que namora um rapaz de 30 anos de idade e que pensa com raiva da ex-namorada dele, que segundo ela atrapalhou a relação entre eles no início. Segundo a paciente, ela geralmente procura em seus parceiros o afeto que faltou na relação com os seus pais, principalmente com o seu pai. Além disso, ela costuma ter dificuldades para transar com o seu namorado atual e sentia com os ex-namorados também, pois sente um mal estar em seu corpo. As primeiras referências médicas sobre a histeria foram encontradas há cerca de quatro mil anos atrás. Conforme Melman (1985) em seu livro “Novos estudos sobre a histeria”, a histeria era pensada como doença que acomete o útero, apresentando distúrbios de inanição e sintomas diversos que se deslocavam para o corpo contrariando o funcionamento dos órgãos, desconhecendo a própria anatomia. Durante o tratamento, o terapeuta tratava de eliminar a subalimentação do órgão de restituir-lhe assim sua umidade e gravidade e de recolocá-lo no lugar. Ele podia associar a inalação de substancias fétidas repulsivas com fumigações vaginais perfumadas e atraentes. (MELMAN, 1985, p.40) Na idade média, a “animalidade feminina” era percebida Revista de Psicologia l 111


como rebelião e lhe eram atribuídas pretensões diabólicas. A insatisfação da histérica era considerada uma ofensa à ordem divina e uma falta de submissão esperada normalmente das criaturas. Um contemporâneo de Freud, pertencente a Salpetri’êre, Faret, no livro “ Novos estudos sobre a histeria” escrito por Melman (1985) comenta a cerca da histeria como uma loucura moral: Essas doentes são verdadeiras comediantes; enganam as pessoas com as quais se relacionam... É seu maior prazer... Em uma palavra, a vida das histéricas não é mais que uma mentira perpétua; elas tomam ares de piedade e devoção, e chegam a se fazer passar por santas, enquanto por outro lado, abandonam-se, em segredo, as ações as mais vergonhosas, enquanto criam interiormente cenas das mais violentas com seus filhos, seus maridos, nas quais dizem coisas grosseiras e algumas vezes obscenas, e abandonam-se a ações as mais desordenadas. (...) (FALRET, apud MELMAN, 1985, p.44) Para Freud, a histeria estaria relacionada não somente a um trauma psíquico infantil, mas a uma ideia inconsciente com contexto sexual recalcado. O sujeito histérico seria aquele que quando criança teria sofrido ou fantasiado um abuso sexual por um adulto. Estaria aí a origem traumática, onde um excesso de estimulação com a mínima possibilidade de elaboração acabaria por gerar um sintoma, uma inibição ou uma angústia. Freud chega a acreditar que a neurose histérica fosse mesmo uma consequência de uma perversão por parte de um adulto sedutor. Na histeria há uma estimulação de assédios sexuais por parte da criança: Assim ela não será somente passiva, seduzida, mas também ativa, aquela, que provoca a sedução. Esta ambivalência sado-masoquista trará sofrimento ao sujeito histérico. Pode-se dizer que as histéricas que Freud analisou nos levam a pensar que a problemática histérica inicia-se a partir da falha do pai que pode ser uma doença, falta de caráter, desleixo ou impotência. Se o pai da histérica é estruturamente impotente, é de fato porque ele não lhe pode dar apoio com que ela conta para assentar sua identidade feminina. (...) Elas se tornam doentes pela falta do Outro, tentando reparar essa falta, chegando por vezes, ao sacrifício de sua vida pessoal, especialmente a amorosa. O que a histérica quer obter desse pai é outra coisa que não seja o falo: Um signo que a funde numa feminilidade enfim reconhecida. (ANDRÉ, 1998, p. 112). A neurose histérica vem representar uma feminilidade falsa, 112 l

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uma vez que se trata da recusa do encontro com a própria falta e também com a falta do Outro. O sexual é o que rege a estrutura e todo encontro com o sexo é traumático. A histérica impossibilita assim a sua subjetividade ao se identificar com o Outro. Pode-se dizer que na histérica hoje, diante das mudanças dos sintomas no decorrer dos anos, ou até mesmo o aumento de certos sintomas, faz-se necessário considerar aspectos sociais e culturais, como por exemplo, a mídia e o corpo perfeito. As manifestações atuais dos sintomas demonstram o mesmo desejo insatisfeito de que sofriam as histéricas freudianas. Podem demonstrar sintomas somáticos, como dores localizadas, dores de cabeça e anorexias; mas também, os avanços tecnológicos e científicos oferecem ao sujeito objetos de consumo com o intuito de satisfazer o desejo, sempre insatisfeito. Lacan já comentava o quanto somos dependentes dos gadgests, desses objetos que invadem cada vez mais a nossa vida cotidiana, proliferando-se sem controle. Isto levou diversos analistas a frisar a maneira como se confundem, para os sujeitos, o objeto de consumo e o objeto do desejo no discurso capitalista. Os mesmos objetos, em todo o planeta e nas mais diversas culturas, terão esta função de suscitar o desejo, oferecendo-se como objetos do desejo. (SANTIAGO, 1997, p.80) Percebe-se então que as formas estéticas do corpo, atualmente padronizadas, decorrem da globalização. Dessa forma, o sujeito não suporta a padronização e busca manifestar suas particularidades por vias penosas, como na bulimia e anorexia, sintomas ”da moda”. De acordo com Harari (2007) em seu livro “Uma anorexia social”, a anorexia e a bulimia se manifestam atualmente porque as histéricas se deixam levar pelos padrões da moda, identificando com ideais de beleza feminina impostos pela cultura. Na anorexia, a histérica com sua suposta falta de apetite e vômitos demonstra com seus atos que não há demanda de objeto, mas de amor; ao recusar o alimento ela faz existir algo além do objeto. Ela segue sem comer, demonstrando assim com seu ato que é indiferente aos riscos da vida. O desejo da anoréxica é querer que a insatisfação esteja em toda a parte, que só exista insatisfação, tanto na necessidade quanto do desejo. Retomando o caso clínico da paciente V podemos dizer que ela se encontra frente às manifestações do contexto atual dos sintomas e diante do mesmo desejo insatisfeito de que sofriam as histéricas na época de Freud. Observa-se na paciente V que ela tenta amenizar os sintomas somáticos, como falta de ar, palpita-


ções, vontade de vomitar, dores pelo corpo fazendo compras de forma compulsiva e exacerbada, ou seja, os avanços do nosso tempo atual oferecem ao sujeito objetos de consumo na tentativa de satisfazer o desejo que é sempre insatisfeito. Neste breve histórico sobre a histeria, podemos verificar uma evolução nos estudos sobre a doença. As primeiras explicações médicas relacionavam os sintomas com um distúrbio do útero. A partir da Idade Média, as buscas da origem da histeria baseavam-se em explicações sobrenaturais e divinas. Depois, a histeria passou a ser considerada uma loucura moral, pois as mulheres apresentavam sintomas nervosos intencionais, provocando assim uma desordem público-social. Com Charcot, a histeria estaria relacionada à anatomia e a fisiologia do sistema nervoso. Freud em seguida daria um passo fundamental para descobrir a origem dos sintomas histéricos e seu tratamento, a partir da noção do inconsciente, fundando a psicanálise. REFERENCIAS ANDRÉ, Serge. O que quer uma mulher? Tradução Dulce Duque Estrada. Rio de janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1998. FREUD, Sigmund. (1974[1893]. Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos: Comunicação preliminar. In: _ Estudos Sobre a Histeria. Rio de janeiro: Imago, 1974 p. 205-221. (Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 2). FREUD, Sigmund. (1972[1905]. Um caso de histeria. In: _ Três ensaios sobre a Teoria da Sexualidade e outros trabalhos. Rio de janeiro: Imago, 1972 p. 190-197. (Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7). HARARI, Angelina. Uma anorexia social. In: Correio / Escola Brasileira de Psicanálise. Belo Horizonte, n.47, agosto 2007. MELMAN, CHARLES. Novos estudos sobre a histeria. Porto Alegre: Artes médicas, 1985. SANTIAGO, Ana Lydia. Anorexia e Função Fálica. In: Curinga/ Escola Brasileira da Psicanálise. Belo Horizonte, n.52, setembro, 2007.

notas de rodapé 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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Silêncio também é fala Mônica Claudinéa da Silva1 Raquel Neto2 RESUMO: Este artigo tem como finalidade conceituar temas existenciais observados ao longo do processo psicoterápico de uma adolescente em tratamento na clínica de Psicologia da Newton Paiva, no período de agosto a novembro de 2008. A temática deste texto tem como referência as práticas clínicas cuja fundamentação teórica utilizada é a fenomenológica existencial. Palavras-chave: Liberdade. Angústia. Fala. Psicoterapia.

Tomando como base todo o processo psicoterápico, é possível articular teoria e prática através de temas existenciais como: angústia e liberdade. Os conceitos serão analisados do ponto de vista de como a cliente lida com os mesmos em seu cotidiano. De maneira resumida, Feijoo (2000, p. 67) esclarece os conceitos acima mencionados: A angústia, sentimento que ocorre frente à possibilidade, caracteriza a situação de liberdade. O homem é livre para o pecado. Tanto o pecado quanto a liberdade não se dão a partir de nenhuma premissa. “A liberdade é infinita e provém do nada”. A angústia surge frente ao real estabelecido e ao futuro. (FEIJOO, 2000, p. 67) Y é uma adolescente de 15 anos que procura a clínica trazida pela mãe cuja queixa inicial se resume no comportamento tímido de Y e nas reprovações sucessivas na mesma série. Queixa-se igualmente da falta de interação com os colegas da escola, bem como com a própria família. Y era membro de um coral da sua comunidade, onde tocava flauta e foi retirada pela mãe com a justificativa de matriculá-la em escola integral visando melhorar seus rendimentos escolares. Por se tratar de uma família de poucos recursos, as atividades do coral – ensaios e apresentações – eram um dos poucos entretenimentos disponíveis. Nosso primeiro encontro foi marcado pela ansiedade e angústia. Para Feijoo (2000, p. 86) “A angústia constitui-se, portanto, como uma estrutura ontológica da existência”. Y estava sozinha na sala de espera e, ao ser abordada pela terapeuta, não responde ao cumprimento dessa, colocando-se prontamente a acompanhá-la até o consultório. Y assenta-se na beirada do sofá e parece não estar à vontade. Começa a roer as unhas e mantém-se ruborizada por quase toda a sessão. Não fala absolutamente nada, restringindo-se a responder às perguntas da terapeuta. Num dado momento, Y desaba em choro escondendo o 114 l

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rosto com as mãos. A terapeuta acolhe essa forma de expressão. Quanto ao conceito de fala, Feijoo (2000, p. 43) afirma que [...] é a fala que dá voz a hermenêutica. Daí, aquele que investiga pode se guiar pelo próprio diálogo. Ao permitir que a fala se dê em liberdade, permite-se também a revelação do ser. Mostrar-se a si mesmo é discursar. Discursar é o acontecer, ou mostrar-se no sentido da entidade, isto é, da palavra, do gesto, do silêncio, enfim, do comportamento. (FEIJOO, 2000, p. 43) Heidegger (1990) citado por Feijoo (2000, p. 44) corrobora o conceito acima descrito acrescentando que O ser humano fala. Falamos acordados e nos sonhos, falamos continuamente; falamos inclusive quando não pronunciamos palavra alguma e quando escutamos ou lemos, falamos também quando nem escutamos ou lemos senão que efetuamos um trabalho ou nos entregamos ao ócio. (HEIDEGGER, 1990) Ao longo do processo psicoterápico, esse era o modo-de-ser-com-o-outro de Y. Não se expressava verbalmente limitando-se a responder, com a cabeça, às interpelações dirigidas a ela. Em face disso e visando amenizar a angústia visível de Y, a terapeuta propõe atividades de colagens, desenhos, pinturas que são prontamente aceitos por Y, mas que ao ser solicitada a falar sobre sua obra, esta se nega a fazê-lo. Para Augras (2002, p. 78) “a fala do indivíduo exprime a organização do seu mundo, constantemente criado, questionado, ameaçado e reconstruído”. A fala é um meio eficaz que favorece o processo psicoterápico. A este respeito Feijoo (2000, p. 15) aponta que, [...] Sabe-se que a psicoterapia consiste em uma relação


de produção mútua, na co-presença ‘cliente-psicoterapeuta’. Neste contexto, o interesse dirige-se para uma proposta de mobilização e até mesmo de mudança por uma das partes, o dito ‘cliente’. A outra parte, o ‘psicoterapeuta’, fica implicada na situação de ampliar a sua compreensão acerca da existência do outro. No processo psicoterapêutico, a relação caracteriza-se como o elemento fundamental para que a proposta de psicoterapia seja levada a cabo. (FEIJOO, 2000, p. 15) A terapeuta reflete sobre seu modo de ser-com-o-outro sempre ‘preparando’ algo que facilitasse a fala de Y. Assim, a terapeuta conclui que, ‘se desarmar’ talvez fosse o melhor caminho para criar um vínculo cliente/psicoterapeuta. Nesse sentido, nada foi ‘preparado’, em termos de atividades, para as próximas sessões. O que se deu foi um imenso silêncio! Foram várias sessões em completo silêncio! Quanto a esse modo-de-ser, Augras (2002, p. 83) alerta: “Todos sabem, contudo, que o silêncio, a reticência, são tão expressivos quanto as palavras”. Em meados de outubro, a terapeuta já bastante incomodada com Y que permanecia em seu silêncio, usa de congruência dizendo a ela sobre seus esforços e frustrações referentes ao processo que parecia não caminhar. Para surpresa da terapeuta, Y diz gostar muito de ir às sessões e se põe a falar sobre suas novas conquistas na escola. Surge a contradição. Nessa perspectiva, Augras (2002, p. 83) diz que,

Sob a ótica de Erthal (1995, p. 28-30) qualquer compreensão do homem surge, tendo por base, a compreensão de si, mesmo em face de conflitos existenciais. Portanto, o cliente é a pessoa que melhor atribuirá sentido às suas experiências. Na visão de Augras, (2002, p. 85) “O caminho para o conhecimento do cliente passa pelo autoconhecimento do psicólogo”. REFERÊNCIA AUGRAS, Monique. O ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2002. ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Treinamento em psicoterapia vivencial. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. FEIJOO, Ana Maria Lopes Calvo de. A escuta e a fala em psicoterapia: uma proposta fenomenológico-existencial. São Paulo: Vetor, 2000. YALOM, Irvin D. O executor do amor e outras estórias sobre a psicoterapia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

[...] Se as informações fornecidas forem contraditórias, não devem por isso ser desprezadas. Pelo contrário, é no esforço de síntese que o psicólogo terá a maior chance de compreender a verdade do indivíduo. Claro que isso supõe, por parte do profissional, bastante liberdade e integração para aceitar as suas próprias contradições e encarar a sua própria verdade. As discrepâncias da fala do cliente serão então reconhecidas como eco do próprio discurso tumultuado. (AUGRAS, 2002, p. 83) Início de sessão, a terapeuta surpreende Y mexendo em seu celular que havia esquecido sobre a mesa. Atenta à situação, a terapeuta se remete a ela dizendo de sua percepção, o que permite a Y expressar sua expectativa quanto à sua aprovação na escola, pois se assim acontecesse, sua mãe a presentearia com um ‘celular igual ao seu’. Já próximo ao final da sessão, Y reflete sobre sua própria forma de estar-com-o-outro: “Hoje foi legal...Quer dizer, todo dia é legal. Gosto de vir aqui e gosto também de você. Acho que foi legal por que hoje a gente falou...Quer dizer, eu falei!” Revista de Psicologia l

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Autoimagem e o questionamento do eu Paula Regina Rangel Abranches1 Raquel Neto2 RESUMO: O nosso desenvolvimento é repleto de experiências. Sempre ficará um aprendizado que levaremos para a vida. Nos deparamos muitas vezes com questionamentos sobre quem somos, o que queremos, quais são os nossos objetivos, dentre outros. Isto nos leva a buscar o autoconhecimento, e constrói a nossa autoimagem. Palavras-chave: Autoimagem. Autoestima.

O Ser não nasce preparado para o mundo. Sua relação com o mundo será constituída ao longo de sua vida. Augras (1993) nos aponta que o mundo humano é essencialmente mundo da coexistência. O homem se define como ser social e o seu crescimento depende do encontro com o outro. De acordo com Erthal (1989), damos significado ao mundo e valores às coisas, o que é meu e o que me cerca. As minhas escolhas me informam sobre o que é meu ser. A escolha original determina o valor das causas e dos motivos que podem direcionar nossas ações parcialmente. A imagem que o indivíduo cria de si mesmo determina os comportamentos que desenvolve. É mister que ele apreenda essa imagem para que possa assumi-la de forma responsável. (ERTHAL, 1989, p.57) M. é um jovem de 16 anos, chegou à psicoterapia dizendo que se acha diferente das outras pessoas de sua idade, que não aceita errar, não consegue se aproximar de alguém, diz ser tímido, e dedicado aos estudos. Fala termos técnicos em seu discurso e apresenta domínio intelectual sobre alguns assuntos como de Direito e culturais. Sente-se diferente das outras pessoas de sua idade o que possivelmente, leva-o ao afastamento. A compreensão de si fundamenta-se no reconhecimento da coexistência, e ao mesmo tempo constitui-se como ponto de partida para a compreensão do outro. (AUGRAS, 1993, p.56) Ao relatar que é tímido, M. é questionado se conseguia fazer uma relação com a timidez e o fato de ser totalmente dedicado aos estudos. Ele disse que poderia ser uma “defesa” contra os aspectos da vida que ele não dominava, não possuía segurança. Para Erthal (1989), a identidade de alguém é expressa por suas ações, portanto, seu valor não está na sua produção, mas em si mesmo enquanto produtor dessas ações. Erthal (1989) cita o conceito de self-fenomenal como sendo o campo fenomenológico, e o conjunto de experiências que influenciam o comportamento em que o sujeito irá experimentar 116 l

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como parte de si mesmo. A percepção que a pessoa tem de sua realidade é que vai determinar sua conduta, portanto, dentre as experiências do indivíduo, aquelas mais estáveis vão caracterizá-lo. A autora diz que esse núcleo estável do self-fenomenal chama-se autoconceito ou autoimagem. Ainda conforme Erthal (1989), a imagem do eu não constitui apenas no que eu sou, mas do que desejo e devo ser. A autoidealização do ser implica na sua autoafirmação dando ao indivíduo a sensação de ser superior em relação aos outros. Essa imagem idealizada está carregada de várias aprendizagens e valores que caminham na mesma direção. Por outro lado, conforme Mosquera; Stobãus (2006), o ser tem uma tendência à autorrealização, muitas vezes chegando a diferenciar-se do meio através de transações e transições no mundo. Destaca que a autoimagem é a organização da própria pessoa composta de uma parte real e outra subjetiva, o que irá implicar no entendimento e significação do meio em que vive, o que antes era apenas atribuído ao meio. Para Mosquera; Stobãus (2006), o ser humano tem necessidade de se sentir valorizado, ou de uma autoestima positiva sendo esta aprendida mediante a interiorização ou introjeção das experiências de valorização dos outros para com ela. Ainda de acordo com Mosquera; Stobãus (2006), a autoimagem é o que vemos de nós mesmo, das nossas capacidades e de como realmente somos. Já a autoestima é o quanto gostamos de nós mesmo, nos amamos e nos apreciamos. Ambas irão surgir no processo de atualização na interação em grupo, portanto, são interinfluências constantes que nos levam a nos entender e entender o outro. Acrescenta este autor que as pessoas podem vivenciar experiências positivas ou negativas que influenciam na autoimagem. O ideal seria sermos realista em relação a nossa pessoa aceitando limites e possibilidades. Em uma sessão, M. inicia dizendo do acolhimento de sua


turma indicando-o para ser o palestrante de uma atividade em seu colégio. Assumiu ter uma percepção errada dos outros e que o problema seria com ele. Conforme Augras (1993), os papéis sociais exigem, muitas vezes, que postulamos uma determinada máscara, para assim lidar com as diferenças. Ainda diz que a máscara tem uma função de aproximação, assegurar a identificação do indivíduo pelos demais. Assim, de acordo com a imagem que o indivíduo faz de si mesmo, pode escolher os comportamentos mais coerentes com ela. Pode escolher assumir a responsabilidade de ser livre ou escolher, pela má-fé, ser apenas um ser-para-o-outro. Este ser-para-o-outro de cada um pode petrificar o indivíduo numa imagem condenável, limitando, assim, as possibilidades de ser. (ERTHAL, 1989, p.66) Portanto, Erthal (1989) ressalta que precisamos compreender a imagem que o indivíduo aprendeu a ter de si mesmo, a totalidade de significação que está presente em sua existência. Examinar sua vida entendendo o processo de valorização, pelo qual faz suas alternativas de vida, procurando entender a formação de seu projeto. Ainda para Erthal (1989), o psicoterapeuta, tendo uma escuta empática e autoaceitação, ajuda o indivíduo a desenvolver uma autoconsciência e autocompreensão. Portanto, pode-se compreender que M. usa de suas informações para tamponar uma realidade que lhe é insuportável, implicando-se em uma autoafirmação para se sentir superior aos outros. Com as sessões foi possível perceber que utiliza sua dedicação aos estudos como uma máscara que o protege contra a sua própria imagem diante dos outros. REFERENCIAS AUGRAS, Monique. O outro. In:__ O ser da compreensão: fenomenologia da situação de psicodiagnóstico. Vozes: Petrópolis, 1993. p.55-74 ERTHAL, Tereza Cristina Saldanha. Auto-imagem ou projeto original: possibilidades e limitações da mudança. In:__ Terapia Vivencial: uma abordagem existencial em psicoterapia. Vozes: Petrópolis, 1989. p.55-67 MOSQUERA, Juan José Mouriõ; STOBÄUS, Claus Dieter Stobäus. Auto-imagem, auto-estima e auto-realização: qualidade de vida na universidade. 2006. Disponível em <http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/psd/v7n1a06.pdf> Acessado em 25/05/09

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A arte do encontro Poliana Mayra Teixeira Lopes1 Juliana Brandão2 RESUMO: Este trabalho tem como objetivo discorrer sobre a arte do encontro terapeuta-cliente a partir do eixo epistemológico da Psicologia Humanista, mais especificamente da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) e dos pressupostos teóricos de Carl Ranson Rogers. Destaca-se a dificuldade do encontro com um outro até então desconhecido e ressalta-se a importância e a beleza desse encontro que pode ser entendido como uma arte. Palavras-chave: Encontro. Arte. Eu-Tu. Relação terapeuta-cliente.

O presente artigo discorre sobre a arte do encontro terapeuta-cliente, tendo como base o eixo epistemológico da abordagem Humanista, mais especificamente a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) e os pressupostos teóricos de Carl Ranson Rogers. Muitos acadêmicos, quando iniciam sua prática de atendimento nos estágios curriculares, ficam inseguros mesmo após a realização de várias leituras, supervisões e mesmo sendo considerados aptos para a realização dos atendimentos. Isso é compreensível por se tratar de um encontro com o outro que até então lhes é desconhecido. Esse encontro pode ser considerado como uma arte, uma habilidade que o terapeuta apresenta diante do outro. Segundo Miranda (2006), falar de arte é falar das habilidades necessárias para a execução de um trabalho em diversos campos da experiência e da prática humana. É uma capacitação especial para a realização de uma tarefa específica, expressando a beleza e a harmonia da subjetividade humana. O processo de psicoterapia tem como missão ajudar o cliente que vem ao encontro do psicoterapeuta a buscar uma nova organização de sua vida. Há, muitas vezes, uma necessidade dessa pessoa de se (re)descobrir e se (re)organizar profundamente. O psicoterapeuta, então, pode ajudar o cliente, sendo um facilitador de seu processo, ajudando-o a descobrir o rumo de sua existência, que pode se concretizar por meio de uma “experiência” de descobrir o verdadeiro sentido da vida e da tentativa de ser coerente consigo mesmo, buscando um acordo interno. Gobbi et al (2005) diz que acordo interno seria o mesmo que congruência ou autenticidade. Ele então conceitua autenticidade ou congruência como uma capacidade de ser o que realmente se é com o reconhecimento e aceitação de si próprio e de suas próprias vivências, de forma clara e voltada para a relação com o outro. Sendo autêntico, a pessoa entra num processo de conhecer e aceitar o que ele é de fato. É importante salientar que o diálogo é uma das possibilida118 l

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des para tentar abordar e compreender o outro. A fala é a melhor manifestação de diálogo, mas o diálogo pode ser genuíno e acontecer mesmo quando o silêncio está presente. As palavras são um começo para um encontro Eu-Tu, mas não são estas que o definem. Hycner (1995) cita que Buber descreve a relação do Eu-Tu como sendo atitudes primárias do ser humano para assumir uma relação com o outro. A experiência Eu-Tu é estar plenamente presente quanto possível com o outro, com pouca finalidade ou objetivos direcionados para si mesmo. É uma experiência de apreciar a “alteridade”, a singularidade, a totalidade do outro, enquanto isso também acontece, simultaneamente, com a outra pessoa. É uma experiência mútua: é também uma experiência de valorizar profundamente, estar em relação com a pessoa – é uma experiência de “encontro”. (Hycner 1995, p. 33) Para Miranda (2006), esse encontro acontece quando uma pessoa fica diante de outra, movendo-se as duas em direção a um mesmo ponto. Encontrar uma pessoa é ficar frente a frente com ela, passando a conhecê-la, a perceber sua condição, a descobri-la. Se tratando desse encontro no setting terapêutico, a relação interpessoal encontra-se em sintonia profunda com ele de forma recíproca, sendo possível “casar” a arte com o encontro. Alguns encontros acontecem quando dois olhares se cruzam, sem nenhuma palavra, quando o diálogo acontece no “reino” do “entre”, sendo genuíno e mútuo. Costa (2001) diz que: O cliente que chega para o atendimento, muitas vezes, carece desse encontro, não só o encontro de si, mas no e do outro. O “entre”, constituído na relação, será o termômetro do envolvimento genuíno do psicoterapeuta com o


cliente. Quando o primeiro dispõe-se, verdadeiramente, a entrar no campo da experiência desse último, um processo de enriquecimento mútuo põe-se em andamento. (p.115) A relação terapeuta-cliente é denominada também como um encontro. Rogers (1987) entende a relação terapeuta-cliente como uma relação de ajuda, na qual pelo menos uma das partes procura promover na outra o crescimento, o desenvolvimento, a maturidade, um melhor funcionamento e uma maior capacidade de enfrentar a vida. Para ele, é fundamental que o outro seja respeitado na sua integridade, independente de qualquer mérito, competência ou diagnóstico. Trata-se antes de tudo, de uma consideração pelo outro. A forma como terapeuta-cliente se relacionam no processo do tratamento terá efeitos no seu resultado. Portanto, pode-se dizer que o encontro terapeuta-cliente é visto como uma arte a partir do momento em que eu desenvolvo habilidades de respeito e compreendo a subjetividade do meu cliente, e a arte é vista como um encontro quando eu posso estar realmente com essa pessoa considerando-o e valorizando o que ele me oferece. REFERÊNCIAS COSTA, Patrícia Gonçalves. O encontro possível na relação psicoterápica. In.:______ De um Curso a um Discurso - Travessia. XVII Jornada de Trabalhos dos alunos do curso de formação de psicólogo. COPPE, Antônio Angelo Fávaro et al (org.). 2001. GOBBI, Sérgio Leonardo et al. Vocabulário das noções básicas da abordagem centrada na pessoa. 2.ed. São Paulo: Vetor, 2005. HYCNER, Richard & JACOBS, Lynne. A base dialógica: Relação e cura em Gestalt-terapia. São Paulo, 1995. MIRANDA, Clara Feldman. Encontro: uma abordagem humanista. 3. Ed. Belo Horizonte: Crescer, 2006. ROGERS, Carl Ranson. Tornar-se pessoa, São Paulo: Martins Fontes, 1987

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O ciúme patológico e os crimes passionais Raquel Rocha Marçal de Figueiredo1 Cláudia Neto2 RESUMO: Este artigo busca decorrer sobre a questão dos crimes passionais e do ciúme doentio, analisando os tipos de ciúme, o perfil do assassino passional e tentando compreender o que leva quem ama a matar o ser amado. Palavras-chave: Ciúme. Ciúme patológico. Crimes passionais. A raiz histórica do ciúme segundo Santos (2007) tem relação com nossa raiz cultural judaico-cristã, sendo que dos povos antigos, os judeus eram os que mais valorizavam o ciúme. A monogamia, uma das principais justificativas para a manifestação do ciúme, é um traço cultural do povo hebreu e nela está embutido o sentido de posse. A mulher é vista como propriedade do homem. No Dicionário Houaiss, ciúme é um estado emocional complexo que envolve um sentimento penoso provocado em relação a uma pessoa de que se pretende o amor exclusivo; receio de que o ente amado dedique seu afeto a outrem; zelo; medo de perder alguma coisa. Muitas pessoas cultivam esse desagradável sentimento acreditando que isto seja uma prova de amor. Mas na verdade, reflete o medo que alguém sente de perder o outro ou sua exclusividade sobre ele conforme Santos (2007)3 O ciúme é sem dúvida o mais alto preço negativo que se paga num relacionamento. É um sinal de alerta. Analisando detalhadamente o ciúme, logo de início, não se trata de um sentimento voltado para o outro, mas sim voltado para si mesmo, para quem o sente, pois é na verdade, o medo que alguém sente de perder o outro ou sua exclusividade sobre ele. É um sentimento egocentrado, que pode muito bem ser associado à terrível sensação de ser excluído de uma relação. O normal, mais comum, é a pessoa sentir-se enciumada em situações eventuais nas quais , de alguma forma, se veja excluído ou ameaçado de exclusão na relação com o outro. Em um grau maior de comprometimento emocional, quando há uma instabilidade neurótica ou de auto-afirmação, a pessoa pode apresentar-se como ciumento. Na psicanálise, o tema ciúme remete-nos a pensar o que leva o sujeito a se sentir inseguro, desprotegido em uma relação e o que traz escondido, guardado em seu inconsciente, provocando sofrimento e conflito. Freud (1922) discute o tema, considerando que o ciúme apresenta três camadas ou graus: estado 120 l

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emocional normal, projetado ou delirante. O estado emocional normal é semelhante ao luto e carregado de sofrimento pela perda do objeto amado. Ele observa que: Embora possamos chamá-lo de “normal”, o ciúme não é, em absoluto, completamente racional, isto é, derivado da situação real, proporcionado às circunstâncias reais e sob o controle do ego consciente; isso por achar-se profundamente enraizado no inconsciente, ser uma continuação das primeiras manifestações da vida emocional da criança e originar-se no Complexo de Édipo ou de irmão-e-irmã do primeiro período sexual. (FREUD, 1922 p.271) Para Freud (1922), o ciúme projetado, é derivado da infidelidade concreta e está associado, no próprio ciumento, com as suas próprias traições como um desejo ou possibilidade de trair o parceiro. O sujeito atribui ao parceiro erótico a própria infidelidade, ou os próprios impulsos reprimidos. O ciúme da segunda camada, o ciúme projetado, deriva-se, tanto nos homens quanto nas mulheres, de sua própria infidelidade concreta na vida real ou de impulsos no sentido dela que sucumbiram à repressão. É fato da experiência cotidiana que a fidelidade, especialmente aquele seu grau exigido pelo matrimônio, só se mantém em face de tentações contínuas. Qualquer pessoa que negue essas tentações em si própria sentirá, não obstante, sua pressão tão fortemente que ficará contente em utilizar um mecanismo inconsciente para mitigar sua situação. Pode obter esse alívio - e, na verdade, a absolvição de sua consciência - se projetar seus próprios impulsos à infidelidade no companheiro a quem deve fidelidade. (FREUD, 1922 p. 271), A terceira camada para Freud (1922) remete ao ciúme delirante que pode ser considerado anormal e doentio. O sujeito sofre constantemente, se vê atormentado com a infidelidade do


parceiro, quase sempre sem motivo real, tendo a absoluta certeza de que é traído (a), mesmo que as evidências provem o contrário. O indivíduo vive em função do outro, fantasia constantemente que o outro pode estar com outra pessoa, vivendo em estado de tensão. Para Santos (2003), essas dúvidas podem se tornar supervalorizadas ou delirantes, e é nesse ponto que o ciúme patológico ou paranóide começa a se manifestar. O ciumento sempre desconfia da outra pessoa. Por isso jamais acredita nela, mesmo que esta consiga provar que suas suspeitas são fantasiosas e infundadas. Por aí se pode perceber que o ciúme se apresenta quase como um verdadeiro delírio, ainda que esse termo seja reservado para casos mais graves, verdadeiras doenças psiquiátricas, em que a simples desconfiança se transforma na mais absurda convicção. (SANTOS, 2007 p. 12) No desenvolvimento paranóide, segundo Santos (2007), ocorre uma ruptura de personalidade, como acontece na esquizofrenia ou na psicose alcoólica. A pessoa desenvolve um quadro delirante com perda total da critica e parte para a agressividade, que pode acabar em suicídio ou homicídio. Esse sujeito pode matar apenas por suposição, quase sempre sem motivo real. Segundo Eluf (2003), crimes passionais são aqueles cometidos em razão de relacionamento sexual ou amoroso. Os motivos que movem a conduta criminosa são advindos do ódio, da possessividade, do ciúme, da busca da vingança, do sentimento de frustração aliado a prepotência, da mistura de desejo sexual frustrado com rancor por não suportar a perda de seu objeto de desejo ou para lavar sua honra ultrajada. Santos (2003), explica que esse ato violento é quase sempre inesperado advindo de pessoas que apresentavam geralmente um comportamento discreto e suave. Amigos e parentes do assassino geralmente ficam perplexos diante do fato. Muitas vezes essa situação é seguida por um profundo arrependimento, que pode levar o agressor a dirigir sua revolta contra si mesmo, suicidando-se. Tentar explicar esse fenômeno não é nada fácil, pois são muitas a s variáveis envolvidas. Há desde elementos biológicos, como por exemplo uma disritmia cerebral, até contradições psicodinâmicas, as quais permitem ao indivíduo manter reprimidos seus instintos agressivos com tanta intensidade(proporcional a força destes) que em situações limites, a explosão se dá na mesma proporção. As pessoas habitualmente violentas, agressivas física ou verbalmente, paradoxalmente tem mais controle nessas situações. Pode-

-se daí concluir que o freqüente exercício dessa agressividade mantém o quantum energético em equilíbrio constante. Já os pacatos, os mansos por manterem toda sua agressividade reprimida, não conseguem suportar a torrente energética represada quando do rompimento das barreiras que acumulavam antes da situação limite. (SANTOS, 2003 p. 95) Ainda segundo Santos (2003), outra explicação seria que algumas pessoas que não receberam quando criança uma dose suficiente de atenção e cuidado dos pais desenvolveriam uma forma falsa de ser na vida, escondendo em si mesmas toda raiva e depressão, dirigidas àquelas que não souberam supri-la do amor necessário. Numa separação ou término de uma relação amorosa, essa pessoa remete à raiva passada na infância, projetando-a em quem a ameaça abandonar e dá vazão ao instinto agressivo, ao instinto de morte; mata quem a deixa e, em seguida, arrependido, se mata. Essa base de carência afetiva será marcante em toda existência da pessoa, sendo atribuída a ela um considerável número de desordens emocionais apresentadas pelos adultos, podendo, em alguns casos, determina falhas gigantes de personalidade que levam o indivíduo a comportamento nitidamente delinqüentes e anti-sociais. Para essas pessoas [...] não há como negar que se trata de uma doença, o final é sempre dramático e quando chegam a um tratamento, geralmente são trazidos por familiares ou pela própria policia. (SANTOS, 2003 p.96). Segundo Santos (2003), poucas mulheres cometem crimes passionais, sendo que na maioria dos casos elas contratam alguém para executar o crime. São mais comuns atos de mutilação do que propriamente homicídio. Ocorre a mutilação do pênis como forma de vingança ou para prevenir novas infidelidades. Para Eluf (2003), o criminoso passional é em regra homem, de pouco recurso fabulatório, imaginativo e criativo, que tem poucos anseios e aspirações. O perfil do passional: é homem geralmente de meia idade (há poucos jovens que cometeram o delito), é ególatra, ciumento e considera a mulher um ser inferior que lhe deve obediência ao mesmo tempo em que a elegeu o problema mais importante de sua vida. Trata-se de pessoa de grande preocupação com sua imagem social e sua respeitabilidade de macho. Emocionalmente é imaturo e descontrolado, presa fácil da idéia fixa. Assimilou os conceitos da sociedade patriarcal de forma completa e sem crítica. (ELUF, 2003 p. 198). Revista de Psicologia l

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Segundo Eluf (2003), o criminoso passional se sente possuidor da vitima. Quando se vê traído, acha-se no direito de matar e alega a tese da legítima defesa da honra. Matando, mostra à sociedade que sua reputação não foi atingida impunemente, restaurando o respeito perdido. A maioria dos homicidas passionais confessa o crime. Para eles não faz sentido matar a companheira supostamente adúltera e a sociedade não ficar sabendo. È possível entrever os motivos que levam um ser dominado por emoções violentas e contraditórias a matar alguém, destruindo não apenas a vida da vítima mas, muitas vezes, sua própria vida no sentido físico ou psicológico. Sua conduta, porém, não perde a característica criminosa e abjeta, não recebe aceitação social. (ELUF, 2003 p.112) O que paira no ar e carece de explicação é por que o sujeito que ama mata o ser amado, uma vez que matando está assinando sua própria sentença. Ou seja, estará correndo risco de perder a sua liberdade devido a um impulso e ainda fica estigmatizado para toda vida, podendo ficar para a história como uma referência do que não se deve fazer, um mal para a sociedade. A paixão não pode ser usada para perdoar o assassinato, somente para explicar o sujeito do crime passional. REFERÊNCIAS ELUF, Luiza Nagib. A Paixão no banco dos réus. 2. ed - São Paulo: Saraiva, 2003. 199 p. FERREIRA - SANTOS, Eduardo. Ciúme: o lado amargo do amor. São Paulo: Ágora, 2007. FERREIRA - SANTOS, Eduardo. Ciúme: o medo da perda. São Paulo: Claridade, 2003. 254 p. FREUD, Sigmund. Alguns Mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e no homossexualismo. (1922. In: E.S.B., Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 18. Dicionário Houaiss da língua Portuguesa. Instituto Antonio Houaiss – Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2001

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Disponível em: <www.ferreira-santos.med.br/ciúme>

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A fantasia e suas funções na psicoterapia infantil Renata Berenice Gonçalves Nunes1 Maxleila Reis2 RESUMO: Este artigo apresentará uma análise do comportamento de fantasiar a partir da Teoria Comportamental, trazendo sua definição e abordando suas funções. Para um melhor entendimento, serão ressaltados aspectos observados na prática da clínica com crianças. Palavras - chave: Fantasia, comportamento, análise funcional, terapia analítico-comportamental

O presente artigo tem o objetivo de discutir como a fantasia apresentada pelas crianças poderá ser utilizada como um recurso dentro do processo terapêutico. Para tanto, foi feito um levantamento teórico acerca do comportamento de fantasiar, apontando suas funções e vicissitudes à luz da Teoria Comportamental. Também serão apresentados exemplos a partir da prática do estágio supervisionado VI e VII em Clínica Comportamental realizado na Clínica Escola de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. O comportamento de fantasiar tem aparecido na clínica infantil como um recurso encontrado pelas crianças para expressar seus sentimentos, sendo muitas vezes uma maneira de esquivar-se de estímulos aversivos. Também, o fantasiar pode auxiliar o terapeuta a discriminar os aspectos reforçadores e aversivos das contingências as quais essas crianças estão expostas nos vários meios em que convivem. Além disso, pode ser utilizado nas intervenções. (HABER; CARMO, 2007). De acordo com a Teoria Comportamental, o fantasiar é um comportamento encoberto, visto que não é possível observá-lo publicamente. No entanto, o relato verbal permite o acesso a estes eventos privados que: “são identificados como comportamentos, estados ou condições internas do organismo, ou seja, estímulos internos” (HABER; CARMO, 2007, p.48); como por exemplo, os pensamentos, sentimentos, sonhos, sensações, dores, movimentos peristálticos entre outros. Em todos esses comportamentos somente o próprio indivíduo tem acesso. Na definição proposta pela língua portuguesa, fantasiar significa “imaginar, devanear, vestir fantasia” (BUENO, 1996, p.287). Skinner analisou o comportamento de fantasiar, definindo-o como “ver por percepção direta ou pela memória” (PENTEADO, p. 267). A partir dessas definições, pode-se aludir que a fantasia diz de algo particular do indivíduo, de sua história de vida e dos tipos de interações que estabelece com o meio. Na relação terapêutica, tem-se uma amostra de como o indivíduo se comporta e da interação que estabelece em outros

ambientes. A fantasia apresentada pelo cliente nessa relação deve ser considerada no sentido de que o comportamento que ele evoca na presença do Psicólogo, e a demanda que ele apresenta sinaliza as condições que vive na interação com o meio. A fantasia apresentada pela criança na terapia possibilita o acesso do terapeuta às autorregras, aos comportamentos inadequados e à discriminação das crianças sobre suas ações. Dessa forma, é necessário conhecer a história de reforçamento da criança, buscando a relação do fantasiado com o dia a dia dela, para discriminar o que de fato corresponde à realidade. (HABER; CARMO, 2007). Outro aspecto relevante da fantasia é quando o terapeuta a utiliza como instrumento de diagnóstico e intervenção. O psicólogo poderá planejar a intervenção com base nas informações fornecidas pela criança e atuar nos ‘momentos de fantasia’, levando o cliente a discriminar os determinantes de seus comportamentos inadequados e as possíveis alternativas. (Nalin-Regra,1993, apud Haber; Carmo, 2007, p.47) Uma intervenção possível na clínica infantil é levar a criança a apropriar-se dos personagens, através das histórias, brinquedos, filmes, livros, figuras, roupas e acessórios, onde a criança vivencia o faz de conta e escolhe ser um personagem. Na medida em que ela se apropria da história, do comportamento e dos sentimentos dos personagens, experiencia vários comportamentos que se assemelham às situações vividas por ela no dia a dia, aumentando assim seu repertório comportamental e desenvolvendo a habilidade de se comportar assertivamente nas diversas situações. Dessa forma, a criança vivenciando um personagem consegue ter mais clareza de seus sentimentos e poderá descobrir novas e diferentes maneiras de se comportar em situações adversas, além de refletir sobre suas emoções. Percebe-se que a fantasia que aparece na terapia auxilia Revista de Psicologia l

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o terapeuta na escolha de técnicas de intervenção que ajudem a criança a encontrar padrões de comportamento mais adaptativo. (REGRA, 2001) No atendimento a uma criança (Y) do sexo masculino de 6 anos de idade, realizado na prática do estágio supervisionado Clínica Comportamental na Clínica Escola de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, pode-se observar as várias funções abordadas anteriormente que a fantasia pode desempenhar. O garoto (Y) nos primeiros atendimentos não conseguia descrever seus comportamentos de maneira detalhada, além de apresentar também dificuldades de expressar seus sentimentos e pensamentos de forma direta, apesar de demonstrar desde o início ser uma criança ativa e extrovertida. Um dos recursos utilizados para desenvolver habilidades de relatar e identificar o repertório comportamental e, desta forma, identificar os estímulos reforçadores e aversivos que controlam seu comportamento, foi o lúdico, que propicia o comportamento de fantasiar já que a criança ainda não tem recursos para expressar e reconhecer com clareza seus pensamentos encobertos, sendo essa questão facilitada pelo brincar, onde a criança emite comportamentos de fantasiar. Em uma situação apresentada no segundo atendimento, Y escolhe os cavalos e os bonecos para brincar. Inicia-se uma briga de cavalos, todos do mesmo tamanho, falando que “se for um maior com um menor não dá para brigar”. Então a terapeuta pergunta por que estavam brigando. Ele relata que uma briga é por causa da namorada, a outra pela televisão, porque cada um quer ver um programa e a televisão é só uma. Nesse momento percebe-se que Y está relatando de forma metafórica uma situação vivida no dia a dia com sua irmã. Neste sentido, a fantasia contribuiu para que a terapeuta pudesse ter elementos da interação de Y em outros ambientes diferentes do consultório. Em seguida Y inicia brigas com cavalos maiores e menores. A terapeuta pergunta para ele se tem outra maneira de resolver os problemas sem ser com brigas. Ele diz que tem que ter, pega um cavalo e pede desculpa para o outro. Em seguida, inicia uma “briga de humanos” da mesma forma, com pessoas do mesmo tamanho e depois maiores com menores. Quando os humanos estão brigando, a terapeuta diz que às vezes as famílias brigam. Ele comenta: “eu odeio quando a família briga”. Neste momento devem ser considerados os sentimentos relatados a partir do comportamento de fantasiar, pois ele pode estar apresentando alguma situação vivida por Y e sua família, já que ele está sob guarda provisória com sua tia aguardando a adoção definitiva que está em trâmites legais. Y então coloca todos os humanos e animais dentro de um ca124 l

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minhão e inicia uma briga entre o touro vermelho (que é do mal) e o cavalo branco (do bem), sendo que ele escolhe ser o branco. Eles brigam e a cada hora um se fere, mas o branco é vitorioso. O caminhão começa a cair de um barranco e o touro do mal está dentro do caminhão, atrás das pessoas e dos outros animais. O cavalo branco salva a todos, inclusive o touro do mal. Y fala: “não é só porque ele é do mal que não vou ajudar ele”. Ele comenta: “eu odeio quando a família briga”. Anuncio o fim da sessão e começamos a guardar os objetos, ele comenta: “já esta acabando, passa rápido, hoje eu não gostei porque teve muita briga”. Nesse atendimento, percebe-se que Y pôde descrever contingências aversivas vividas por ele e os sentimentos desagradáveis que são produto das memas, além de identificar respostas diferentes e mais adequadas para determinadas situações, aumentando assim o repertório comportamental. A partir do que foi exposto pode-se considerar que o terapeuta que trabalha na clínica infantil deve estar atento ao comportamento de fantasiar, pois, a partir do mesmo será possível identificar a função desse na vida da criança. Lidar com a fantasia possibilita a construção de uma intervenção que contribua para com o indivíduo na identificação dos sentimentos, na descrição do repertório comportamental, e na coleta de dados fundamentais para que seja feita a análise funcional. REFERÊNCIAS BUENO, Silveira. Minidicionário da língua portuguesa – Ed. Ver. E atual. São Paulo:FTD,1996. HABER,Gabriella Mendes; CARMO, João do Santos. O fantasiar como recurso na clínica comportamental infantil. In: Revista Brasileira de Terapia Comportamental Cognitiva, 2007, v. IX, nº 1, p. 45-61. REGRA, Jaíde A. G. A fantasia infantil na prática clínica para diagnóstico e mudança comportamental. Cap. 22; p. 186-194. In: WIELESKA, Regina Chistina org. Sobre comportamento e cognição: psicologia Comportamental e cognitiva – Questionando e ampliando a teoria e as intervenções clínicas e em outros contextos. Santo André, SP: ARBytes, 2000, v.6. PENTEADO, Lylian.C. P. Fantasia e imagens da infância como instrumento de diagnóstico e tratamneto0 de um caso de fobia social. Cap. 32; p. 267-275. In: WIELESKA, Regina Chistina org. Sobre comportamento e cognição: psicologia Comportamental e cognitiva – Questionando e ampliando a teoria e as intervenções clínicas e em outros contextos. Santo André, SP: ARBytes, 2000, v.6.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do 10º período do curso de psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva


Vínculo terapêutico no plantão psicológico: uma discussão sob a perspectiva da análise do comportamento Renata Cristina Rodrigues Alves1 Ghoeber Morales2 RESUMO: O vínculo terapêutico sempre foi discutido nas mais diversas abordagens psicológicas por ser elemento de extrema importância para o desenvolvimento do processo com o cliente. Não se pode prever o tempo necessário para que tal ligação aconteça, uma vez que cada cliente estabelece uma relação única com o terapeuta. Nessa perspectiva, objetiva-se discutir se é possível o estabelecimento de vínculo no atendimento de plantão psicológico. Para tanto, será apresentado um caso clínico para ilustrar os aspectos abordados. Palavras-chave: Análise do Comportamento. Plantão Psicológico. Vínculo terapêutico.

INTRODUÇÃO: A visão humanista, mais especificamente a Abordagem Centrada na Pessoa, de Carl Rogers, foi base teórica para a criação do primeiro plantão psicológico no Brasil. Fundado na década de 60, no Instituto de Psicologia da USP (Inusp) por Rachel Rosemberg, recebeu o nome de Serviço do Aconselhamento Psicológico-SAP. Furigo (2006, p. 74) cita esse tipo de modalidade da prática psicológica como um “Pronto Atendimento Psicológico inspirado em experiências norte-americanas vividas nas walk-in clinics”. Segundo Szymansky (2004, p. 174), “a implantação do serviço no Inusp inaugurou uma nova forma de trabalho” na psicologia. Mahfoud (1987, p. 83) esclarece sobre a importância do serviço: O plantão permite um sistema de inscrição, por si, terapêutico – já no momento de pedido de atendimento, isto porque propicia ao cliente configurar com mais clareza seu pedido de ajuda – ainda que isso não mude sua perspectiva. Trata-se de facilitação à clarificação de sua demanda [...] Considerando as características do plantão psicológico, Mahfoud (1987, p. 83) lembra que as possibilidades são limitadas: “Sua viabilidade se insere nos próprios limites da relação de ajuda”. Para que o plantão psicológico possa “mostrar-se como uma modalidade de prática psicológica atenta ao cuidado e ao desamparo através de uma intervenção clínica socialmente contextualizada” (AUN, 2004, p. 7) é preciso que o terapeuta conheça o seu cliente. Para Skinner (2008), tal conhecimento pode se dar por duas vias: a partir da análise de como a pessoa é, o que é, como está sendo, como virá a ser ou a partir do que ela faz. O primei-

ro meio está relacionado ao Humanismo, que busca conhecer o indivíduo através de relações interpessoais tornando ideias e sentimentos comuns ao cliente e ao terapeuta. O autor considera esta uma forma passiva de conhecimento pelo terapeuta. Uma forma ativa seria pela segunda forma de relacionar-se com o cliente: a partir da análise comportamental. Esta teoria explica comportamentos com foco no ambiente e não nos estados psíquicos (embora não os desconsidere). A prática no plantão psicológico propiciou inúmeras mudanças e adequações deste modelo de atendimento clínico, mas pode-se considerar que permanece inalterada sua principal característica, que é tornar mais claro para o cliente sua problemática demandada. Segundo Delitti (2005), a terapia comportamental objetiva alterar o repertório do cliente a partir do processo de ensino-aprendizagem no qual podem ser extintos comportamentos considerados inadequados para ele e/ou criar novas formas de ação que possibilitem melhor adaptação com o ambiente. No atendimento de plantão, mesmo com um número de atendimentos bem menor do que o que ocorre num processo terapêutico, tenta-se também modificar o repertório do cliente através do processo de ensino aprendizagem visando ampliar a visão do atendido sobre a problemática trazida para o consultório. Como essa modalidade clínica possui algumas limitações, como citado por Mahfoud (1987), torna-se essencial que a relação entre a díade terapeuta-cliente seja qualificada. O terapeuta, através de uma audiência punitiva, pode acabar por promover um controle aversivo, de modo que prejudique a aliança terapêutica necessária para a mudança de comportamento do cliente. As consequências podem ser comportamentos de fuga e esquiva, indesejáveis no contexto terapêutico. Para não funcionar como uma audiência punitiva, o terapeuta precisa eviRevista de Psicologia l

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tar, entre outros aspectos, usar uma linguagem mais complexa do que a linguagem do seu cliente e emitir regras e/ou reforçamentos arbitrários em excesso (MEDEIROS, 2002 apud ALVES; ISIDORO-MARINHO, 2010). Além destes aspectos, constituem-se como facilitadores do vínculo a disponibilidade de tempo para que o cliente possa expressar-se livremente; a atenção integral por parte do terapeuta; a cautela para emissão de julgamentos ou conclusões a respeito da problemática do cliente; a capacidade de compreensão, a integridade e a honestidade nas comunicações. A empatia, a cordialidade e a sensibilidade para os fatos ocorridos no ambiente terapêutico também são considerados facilitadores (CORDIOLI; CEITLIN, 1998). CASO CLÍNICO: Maria3, 48 anos, procurou a clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva encaminhada por sua psiquiatra. Com diagnóstico de esquizofrenia há 7 anos, sofria com a questão da aceitação da doença pela única filha de 16 anos. Divorciada há aproximadamente 16 anos, tinha medo que o ex-marido ficasse sabendo de sua doença e quisesse tirar a filha de sua guarda. Tomava medicação controlada, embora há 3 anos não tivesse qualquer crise relacionada à doença. No primeiro atendimento relatou que estava sofrendo muito com as brigas constantes com a filha adolescente a qual a ameaçava todo o tempo dizendo que iria morar com o pai. Este lhe devia vinte mil reais de pensão e por mais que tivessem feito acordos na justiça nenhum valor havia sido pago. Deixou bem claro para a plantonista que embora se recordasse de alguns atos cometidos durante suas “crises esquizofrênicas4” não gostaria de falar sobre eles durante os atendimentos. Há cerca de 7 meses deixou de realizar atividades que lhe davam prazer como projetos na igreja, bordar, tricotar, pintar e contar histórias para crianças. Queixou-se também de não ser vaidosa e que há 4 meses nem varria sua casa por falta de ânimo e com isso, tudo estava em completa desordem. Durante os cinco atendimentos a plantonista buscou trabalhar com a cliente a relação mãe e filha (com comportamentos mais assertivos da primeira em relação à segunda) bem como a disposição para realizar tarefas rotineiras. Como fazia atendimentos com um médico psiquiatra, a cliente vez ou outra levava para a sessão relatos do outro profissional como se quisesse confrontar a plantonista com opiniões diferentes das que estavam sendo trabalhadas naquele contexto. A plantonista buscou não reforçar esse comportamento, voltando tais questões levantadas para a cliente no sentido de tentar identificar o que a mesma acreditava ser o mais adequado para sua vida. Reforçou todos os comportamentos “adequados” da cliente e a cada sessão as melhoras eram 126 l

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visíveis. Em menos de um mês, Maria relatou melhoras no relacionamento com a filha e já havia começado alguma limpeza em sua casa. Apresentava-se às sessões mais alegre e asseada, caprichando no visual. Relatava que queria arrumar sua vida da mesma forma como estava organizando sua mente. Em algumas ocasiões Maria declarou-se muito satisfeita com os atendimentos por ter sentido liberdade para falar sobre assuntos que antes não conseguia comentar com ninguém. A plantonista agradecia a confiança, mas alertava que a cliente era também responsável pelos atendimentos e a liberdade que sentia provinha da disponibilidade para se expor e colocar em prática aquilo que era trabalhado nos atendimentos. No penúltimo dos cinco atendimentos a que tinha direito, Maria decidiu revelar o que acontecera durante suas “crises esquizofrênicas”. A justificativa foi que ela percebeu que não conseguiria colocar sua vida em ordem sem trabalhar consigo o que havia feito, porque tais pensamentos passavam por sua cabeça diariamente. De forma tranquila, a plantonista ouviu o relato da cliente buscando discutir com ela os motivos pelos quais ela poderia ter agido da maneira como agiu. Foram abordados temas relacionados à sua infância, sua família, sua vida sexual, o casamento, o relacionamento com a filha e suas relações com o trabalho. No final do atendimento Maria disse estar muito mais tranquila, agradeceu a forma como foi acolhida e informou que tinha certeza que daquele momento em diante tinha forças para realizar as mudanças que desejava para sua vida. A cliente assumiu responsabilidades sobre algumas situações bem como passou a considerar a responsabilidade de outras pessoas em eventos em que se achava culpada. Ao final das cinco sessões, Maria concordou em ser encaminhada para um atendimento psicoterápico mais longo que o plantão psicológico, uma vez que percebeu algumas questões que gostaria de cuidar. CONCLUSÃO: Levando-se em consideração os fundamentos do Plantão Psicológico e o caso clínico apresentado, pode-se afirmar que o vínculo terapêutico nesse tipo de atendimento é possível. No relato clínico, a evidência da formação do vínculo fica explícita quando se considera as “crises esquizofrênicas” reveladas pela cliente. Já no primeiro atendimento, Maria informou que não gostaria de tratar sobre suas ações durante as crises. Tal informação denunciou a resistência da cliente em falar de assuntos que não lhe eram prazerosos para uma desconhecida. Três sessões depois, porém, ela relatou tais fatos para a plantonista, o que demonstra que a relação terapêutica ocorreu da forma desejada


num contexto psicoterápico. Caso contrário, os atendimentos poderiam ter sido mais superficiais e a cliente poderia ter levado para discussão apenas os acontecimentos rotineiros de sua vida ou até mesmo desistido dos atendimentos. Pode-se dizer que as intervenções foram eficazes, já que plantonista e cliente estavam envolvidas no processo de tal forma que foi possível construir uma relação de confiança entre a díade. A partir do caso, ficou evidente a importância da plantonista de se colocar com uma postura reforçadora e como uma audiência não-punitiva para auxiliar a cliente a realizar mudanças para seu próprio bem-estar. A esse respeito, Delitti Afirma que:

MAHFOUD, Miguel. Vivência de um desafio: plantão psicológico. In: ROSENBERG, R. L. (Org.). Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa. São Paulo: EPU, 1987. cap. 6, p. 75-83.

Quando o cliente entende a relação terapêutica como uma relação onde é cuidado e apoiado, ele começa a revelar informações, sente-se protegido, confia no terapeuta, identifica o relacionamento como especial, diferente do que tem com outras pessoas. Como conseqüência, as respostas adquiridas e reforçadas nesta interação frequentemente se generalizam para outros ambientes, ficando sob o controle das contingências naturais. (DELITTI, 2005, p. 3)

SZYMANSKI, Heloisa. Plantão psicoeducativo: novas perspectivas para a prática e pesquisa em psicologia da educação. Psicologia da Educação, São Paulo, v. 19, p. 169-182, dez. 2004. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/psie/ v19/n19a09.pdf>. Acesso em: 15 set. 2009.

REFERÊNCIAS ALVES, Nathalie N. F.; ISIDORO-MARINHO, Geison. Relação Terapêutica sob a Perspectiva Analítico-Comportamental. In: FARIAS, Ana Karina C. R.(Org.). Análise comportamental clínica: aspectos teóricos e estudos de caso. Porto Alegre: Artmed, 2010. Cap. 4, p. 66-94.

MEDEIROS, Carlos Augusto. Comportamento verbal na terapia analítico comportamental. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 4, n. 2, p.105-118. SKINNER, Burrhus. Frederik. Humanismo e Behaviorismo. In: ______. Reflections on Behaviorism and Society (1978). Tradução de Hélio José Guilhardi e Patrícia Piazzon Queiroz. IAAC – Instituto de Análise Aplicada de Comportamento. Campinas, 2008, p. 1-7. Disponível em: <http://www.iaac.com. br/textos/skinner/humanismoebehavorismo.pdf>. Acesso em: 10 set. 2009.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 3 Nome fictício. 4 Denominação dada pela cliente para seus momentos de descontrole.

AUN, Heloisa Antonelli et al. Plantão Psicológico em Unidades de Internação da FEBEM/SP: resgate da subjetividade. In: 2º CONGRESSO BRASILEIRO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA, 2004, Belo Horizonte. Anais do 2º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2004. p. 1-8. Disponível em: <http://www.ufmg.br/congrext/ Saude/Saude129.pdf>. Acesso em: 16 set. 2009. CORDIOLI, Aristides V; CEITLIN, Lúcia H. F. O Início da Psicoterapia. In: CORDIOLI, Aristides V. (Org.). Psicoterapias: abordagens atuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. 2 ed. Cap. 7, p. 99-107. DELITTI, Maly. A Relação Terapêutica na Terapia Comportamental. In: GHILHARD, Hélio José e AGUIRRE, Noreen Campbell (Orgs.). Sobre comportamento e cognição: Expondo a variabilidade. Disponível em: <http://ceaconline. com.br/relacaoterapeutica.pdf>. Acesso em: 01 set. 2009. FURIGO, Regina Célia Paganini Lourenço. Plantão Psicológico: uma contribuição da clínica junguiana para Atenção Psicológica na área da Saúde. 2006. 291 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Centro de Ciências da Vida, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 2006. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/tde_arquivos/6/TDE-2007-01-04T064506Z-1238/ Publico/Regina%20Celia%20Furigo.pdf>. Acesso em: 15 set. 2009.

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Da psicanálise ao amor transferencial Renata Satller do Amaral1 Geraldo Majela Martins2 RESUMO: Inicialmente, caracterizando a importância das entrevistas preliminares, esse texto pretende marcar as singularidades do manejo transferencial no que se refere ao enamoramento do analisando pelo analista. Palavras-chave: Entrevistas Preliminares. Psicanálise. Transferência.

1 INTRODUÇÃO O manejo transferencial será retratado no presente texto, a fim de construir o conhecimento acerca do tema, relacionando-o a aspectos do atendimento clínico em construção. Os fundamentos das entrevistas preliminares serão introdutórios à transferência, uma vez que essa será discutida pelo enamoramento do analisando pelo analista. Veremos o desenvolvimento do analisando diante do tratamento e suas implicações com a resistência, caracterizando o manejo transferencial. Observaremos que ao retribuir os progressos do analisando, o tratamento chegará ao fim, pois nunca alcançaria o sucesso naquilo que os pacientes afrontam na análise – acting out (atuar), ou seja, repetir na vida real, o que necessitaria somente ser lembrado, reproduzido como matéria psíquica e conservado dentro do campo dos eventos psíquicos. 2 DO RELATO CLÍNICO Segundo as supervisões e orientações teóricas seguido das particularidades da psicanálise, o manejo transferencial figura-se desde o primeiro contato telefônico com o cliente, até a elaboração desse trabalho. Iniciado os estudos sobre as entrevistas preliminares e suas implicações, compreende-se que o analista deve reconhecer a transferência, dedicar a ela e dar condições para sua permanência, pois conforme Martins (1994), em Entrevistas preliminares: entrada para uma psicanálise, as entrevistas preliminares asseguram a transferência. Conforme relatado anteriormente, diante do primeiro contato telefônico, o analista apresentou o possível dia e horário para atendimento, a fim de acertar o início das sessões. Entretanto, o cliente afirmou que teria disponibilidade após duas semanas e em tal data, o mesmo desmarcou o atendimento. Salienta-se que desde o primeiro contato, o analista escutou o cliente, orientando-se a partir dos constantes re-agendamentos do clien128 l

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te e da falta de disponibilidade narrada, enfatizando que estaria aguardando-o no dia e horário acertado. No primeiro dia de atendimento, caracterizado pelo encontro físico, face a face, o cliente diz: “até que enfim conseguimos nos encontrar”. Esse primeiro “encontro dos corpos é caracterizado por aquele que relata e transmite para um segundo”. (MARTINS, 1994, p. 8). A introdução de um terceiro é considerada como virada, uma passagem para o sujeito ouvinte, em que essa terceira pessoa é criada, desconstruindo a díade inicial que instaura a transferência. Veremos a seguir o arranjo da transferência. 3 DO AMOR TRANSFERENCIAL O cliente apresenta-se ao analista explicitando sua queixa e diante disso, surge uma primeira questão: as entrevistas preliminares e seu desenvolvimento para a entrada em análise. Martins (1994) afirma que inicialmente, as análises de prova, constituintes das entrevistas preliminares, seriam a ocasião que uma pessoa é introduzida no campo da análise – espaço do sujeito. Essa passagem consagra a transferência que instaura o Outro. Diante das análises de prova, o analista sabe que está trabalhando com energias impulsivas precisando desenvolver os atendimentos com prudência. Freud em Observações sobre o amor transferencial (1915) discute o manejo da transferência no que se refere ao enamoramento do analisando pelo analista. Afirma que o enamoramento é a condição para o tratamento analítico, no entanto, os leigos no assunto acreditam que existem apenas dois desfechos para tal circunstância. O primeiro caracteriza-se pela união legal entre analista e analisando. E o segundo, mais comum, é a renúncia do trabalho e afastamento do analista e analisando. Na segunda situação, considerando a condição do analisando, o mesmo faz outra experiência de análise, com outro analista, porém, ele fica igualmente enamorado, e, além disso, rompendo com ele e iniciando outra vez, o mesmo acontecerá com


o terceiro analista e assim por diante. Sendo assim, o analista deve distinguir que o enamoramento é instigado pela situação analítica e não deve ser conferido à sua pessoa. Freud (1915) salienta que para o analisando, entretanto, existem duas escolhas – desistir do tratamento psicanalítico, ou aceitar enamorar-se de seu analista. Existe um terceiro desfecho compatível com o tratamento. Seria o início de um relacionamento amoroso ilícito e sem permanência duradoura. Porém, segundo Freud (1915), esse caminho é difícil, uma vez que passa por questões morais consagrados por moldes profissionais. Inicialmente, esse enamoramento, conforme pondera Freud (1915), parece não possibilitar vantagens para o tratamento. Percebe-se que o analisando, perde a compreensão do tratamento e o interesse por ele, e não fala ou ouve nada a não ser seu amor, determinando retribuição. Os sintomas são abandonados ou não direciona sua atenção para os mesmos, afirmando que está bem. Essa transformação ocorre na ocasião em que o analista tenta direcioná-lo para aceitar ou recordar algum fragmento angustiante ou recalcado em sua vida. Ele esteve enamorado, mas nesse momento, a resistência utiliza seu amor para dificultar a continuação do tratamento, desviando seu interesse pelo trabalho e colocando o analista em posição desconfortável. Em Análise Terminável e Interminável, Freud (1937) apresenta um atendimento caracterizado por constante desenvolvimento do analisando, entretanto o progresso se interrompeu, não progredindo no esclarecimento da neurose de sua infância e suas relações com a doença posterior. O analisando achava sua posição confortável e não desejava que a análise chegasse ao fim. Fixando um limite de tempo para análise, as resistências acabaram, e nos últimos meses do tratamento, o analisando reproduziu suas lembranças e descobriu amarrações que pareciam necessárias para compreender sua neurose inicial e conter a atual. Percebemos que o tempo limite refere-se ao manejo transferencial do analista diante das resistências do analisando. Freud (1937) relata que só é eficaz esse artifício, acertando o tempo correto para o analisando. Mas não pode garantir a realização completa da tarefa. Vejamos: (...) podemos estar seguros de quem embora parte do material se torne acessível sob a pressão da ameaça, outra parte será retida e, assim, ficará sepultada, por assim dizer, e perdida para nossos esforços terapêuticos, pois, uma vez o analista tenha fixado o limite de tempo, não pode ampliá-lo; de outro modo, o paciente perderia toda a fé nele (...). Tampouco se pode estabelecer qualquer regra geral quanto à ocasião correta para recorrermos a esse ar-

tifício técnico compulsório; a decisão deve ser deixada ao tato do analista. Um erro de cálculo não pode ser retificado (...). (FREUD, 1937, p. 250). Freud (1915) assegura que o analista deve ter cuidado para não afastar-se do amor transferencial, repeli-lo ou torná-lo desagradável para o analisando, mas deve ser decidido, rejeitando qualquer retribuição. Deve dominar o amor transferencial, tratando-o como algo irreal, como uma circunstância que deve atravessar no tratamento remontando suas origens inconscientes, colocando em controle do analisando o que é oculto em sua vida erótica trazendo para a consciência. O analista percebendo que está a prova de qualquer tentação, poderá remover de forma mais imediata dessa situação seu conteúdo analítico. Dessa forma, o analisando, cujo recalque sexual foi depositado em segundo nível, se sentirá seguro para consentir que todas as suas precondições para amar e as fantasias que aparecem de seus desejos sexuais, peculiares de seu estado amoroso, venham à luz. Conforme Freud (1915), ele mesmo alcançará o caminho para as origens infantis de seu amor. Esse amor genuíno se constitui de repetições e cópias de reações anteriores, inclusive infantis. O trabalho tende a descobrir a escolha objetal infantil do analisando e as fantasias elaboradas em volta dele. O amor transferencial caracteriza-se por aspectos que necessitam ser ressaltados: Em primeiro lugar, é provocado pela situação analítica; em segundo, é grandemente intensificado pela resistência, que domina a situação; e, em terceiro, falta-lhe em alto grau de consideração pela realidade, é menos sensato, menos interessado nas conseqüências e mais cego em sua avaliação da pessoa amada do que estamos preparados para admitir no caso do amor normal. Não devemos esquecer, contudo, que estes afastamentos da norma constituem precisamente aquilo que é essencial a respeito de estar enamorado. (FREUD, 1915, p. 218). A conduta do analista diante do amor transferencial, do tratamento analítico, deve ser sustentada por causas éticas unidas às técnicas. Freud (1915) salienta que o analista tem uma tríplice batalha: enfrenta seu próprio psiquismo contra as forças que tentam colocá-lo como objeto de enamoramento. Fora da análise, contra os opositores que discutem sua técnica científica e dentro da análise, enfrenta os pacientes manejando o tratamento de modo que o amor não fique contra o tratamento. 4 CONCLUSÃO Revista de Psicologia l

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Foram apresentadas introduções sobre as entrevistas preliminares enlaçando a importância de tais que possibilitam a transferência. Para as entrevistas preliminares, é necessário um maior aprofundamento a respeito, uma vez que essas passam por outros aspectos singulares, constituintes da psicanálise. Da transferência, vimos à importância do manejo da mesma, uma vez que o primeiro contato é primordial para a condução do tratamento. Diante das análises de prova, percebemos que o analista trabalha com forças explosivas, em que os avanços são realizados de forma cautelosa. No primeiro contato, o analista deve ter prudência na escuta e resistências do cliente, conduzindo os atendimentos, a fim de concretizar o encontro da análise. A partir de Freud em Observações sobre o amor transferencial, caracterizamos a posição do analisando enamorado; esse perde a compreensão e interesse pelo tratamento, e não fala ou ouve nada a não ser o seu amor, determinando sua retribuição. O surgimento de uma exigência de amor é consequente da resistência, uma vez que o analisando apresenta uma compreensão interna, absorvida pelo seu amor. Resistir em Freud é persistir, ou seja, insistir no enamoramento que é o amor em psicanálise. Entendemos que aquilo que insiste é a repetição, ou seja, o inconsciente. Assim, a partir da resistência do enamoramento, o analista produz o manejo da transferência, que é dominar o amor transferencial, tratando-o como algo irreal, como algo que remonta suas origens inconscientes, depositando para o analisando o que é oculto em sua vida erótica e trazendo para a consciência.

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REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. (1915 [1914]). Observações sobre o amor transferencial (novas recomendações sobre a técnica da psicanálise III). In: ______. O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1980. p. 205-221. (Edição standart brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12). FREUD, Sigmund. Análise terminável e interminável. In: ______. Moisés e o monoteísmo, esboço de psicanálise e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1975 cap. IX, p. 239-288. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 23). MARTINS, Geraldo Majela. Entrevistas preliminares: entrada para uma psicanálise. Psique, Belo Horizonte, ano 4, n.5, p.7-17, nov. 1994.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.


Ser Mais além do Olhar Rúbia Estefanie Soares de Macedo1 Catarina Angélica Santos2 RESUMO: Neste artigo apresentamos algumas considerações de um atendimento realizado na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, sobre a questão de uma mulher e sua queixa inicial: o olhar. Em atendimento verifica-se que se trata muito mais do olhar, mas do ser que se apresenta no atual com uma atitude infantilizada, característica de um inconsciente que persistir da relação dual de mãe e filha. Palavras Chave: Psicanálise. Sintoma. Gozo. Inconsciente. Resistência

Maria é uma mulher de 46 anos que está em tratamento na clínica de Psicologia. Relata que foi encaminhada à clinica de psicologia pelo Hospital das Clínicas, local em que faz acompanhamento oftalmológico. Ela relata ter subvisão, que é um comprometimento no funcionamento visual com redução da visão central para leitura e perda da visão das cores, sendo de origem hereditária ou adquirida. Maria diz “enxergo muito pouco e preciso sempre da ajuda da minha mãe”. Ela descobriu o problema de visão em época escolar, quando tinha dificuldade para ler no quadro e, devido a essa impossibilidade, estudou até a quarta série. Sempre precisou do auxílio de sua mãe e tornou-se dependente dela para ir aos lugares, fazer tarefas e outros. Sua visão fica ainda mais comprometida quando seu pai lhe chama atenção, ela diz: “não gosto que ninguém me xinga, quando meu pai ou minha mãe me xinga, meu olho fica virando de um lado para o outro sem parar, muito rápido, não posso ficar nervosa”. Quando indagada sobre o motivo do atendimento na clínica, Maria declara não saber e que nunca teve interesse em saber, veio porque foi encaminhada pelo hospital das clínicas. No decorrer das sessões Maria fala da relação de dependência da sua mãe e relata: “eu preciso da minha mãe, ela está ao meu lado para me socorrer”. O significante “socorrer” para Maria parece ser sinônimo de: “ela fica do meu lado, me olha, para eu não cair, cuida de mim”. Verifica-se uma relação dual de dependência entre Maria e sua mãe. Segundo Lacan em “Duas Notas sobre a Criança”: (...) a criança aliena em si todo acesso possível da mãe à sua própria verdade, dando-lhe corpo, existência e, mesmo exigência de ser protegida, neste caso o sintoma que acaba dominando diz respeito à subjetividade da mãe, nesse caso correlato de uma fantasia que a criança é envolvida. (LACAN, 2001, p. 01).

Portanto, a criança no inicio das experiências infantis estabelece uma relação dual que aliena o ser numa total dependência da mãe. Esta relação poderá se repetir na vida adulta, como vimos no caso de Maria, que está a todo o momento sendo acompanhada por sua mãe e não se separa dela, como ela declara, pois se reconhece incapaz para realizar as atividades sem o auxilio de sua mãe. O sintoma orgânico apresentado por Maria, a visão enquanto deficiente, garante no momento a culpa pelo estado de dependência em que se encontra. Ainda de acordo com Lacan: A distância entre a identificação com o ideal e a parte apreendida do desejo da mãe, se não tem mediação (aquela que normalmente a função paterna assegura), deixa a criança aberta a todas as capturas fantasmáticas. Ela torna-se o “objeto” da mãe e não tem outra função que a de revelar a verdade desse objeto. (LACAN, 2001, p.1). No caso clínico apresentado, como a relação de Maria e sua mãe é estabelecida pela identificação primária e com a ausência da figura paterna, a filha tem como parâmetro a mãe que a orienta e a cuida. As estereotipias de ambas sinalizam a mediação da figura materna que perpassa para filha nas relações atuais. A relação estabelecida inicialmente entre a mãe e a criança tem uma ligação através da figura do grande Outro, reconhecido pela criança. Já a criança, torna-se objeto real entregue ao gozo materno e, no oposto desta posição real, a criança imaginária onde se deposita o narcisismo materno, ou seja, aquilo que se julga ocultar a falta sentida pela mãe. De acordo com Faria (1998: 45) o estágio do espelho é primordial, um momento precedente ao primeiro tempo do Édipo. Verifica-se no estágio do espelho que a constituição do sujeito humano está baseada desde o inicio na alienação. “O papel da mãe como aquela que cuida da criança, que a olha, que fala com Revista de Psicologia l

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ela é fundamental nesse momento. Através desses cuidados, ela se oferece como espelho para a criança, sem a qual não é possível a conquista da unidade corporal, sem o qual ela não poderá dispor do efeito estruturante desta primeira imagem”. Esta ligação entre mãe e criança é percebida na relação atual entre Maria e sua mãe, em que por um plano imaginário já estiveram unidas pelo falo como falta da mãe e a criança ocupando o lugar de objeto. Temos hoje a extensão dessas relações no campo real, representado pela resistência do inconsciente com reminiscências que se apresentam na relação de alienação de filha com a mãe, em que Maria se mantém ligada à mãe pela sua incapacidade de realizar as tarefas. Para a menina, a mãe se apresenta ao mesmo tempo como um objeto de amor (Um Outro) e como um pólo de identificação (um outro). Segundo André (1998), em seu livro “o que quer uma mulher”, (1998: 185) se para o menino este duplo estatuto pode ser cindido pela entrada em cena do pai, passando à identificação para o lado paterno e a mãe permanecendo como objeto de amor; para a menina a identificação com a mãe parece ser a condição pela qual seria possível não mais amá-la. Ainda de acordo com o autor: Na ambivalência com relação à mãe entra em jogo mais do que uma relação imaginária há a reconstrução da dialética mãe-filha sobre a base da dialética passividade e atividade. Na época de uma ligação exclusiva com a mãe, os objetivos sexuais da filha são, diz Freud, de natureza ativa e de natureza passiva. A dialética atividade/passividade equivale a uma oscilação entre ser o objeto da mãe e tomar a mãe por objeto: é uma luta em torno do objeto, do lugar, do objeto, onde vão se distribuir as posições subjetivas. (SERGE, 1998, p185). Para constituir-se enquanto sujeito é necessário que haja uma revolta da criança contra a passividade estabelecida na relação com a mãe, na posição do suposto falo imaginário que vem para tampar a falta da mãe, retirando-se assim da posição de objeto do Outro, de objeto da mãe, a partir da qual é o próprio Outro que se torna seu sujeito, Serge (1998:186). A mãe é ativa, sob todos os pontos de vista, com relação à criança e pode-se mesmo dizer a respeito da amamentação, que ela tanto alimenta a criança quanto deixa que esta se alimente dela, declarando nisso a relação de alienação, da completude. Maria declara ter uma boa relação com sua mãe, que a cuida e a olha muita bem, não necessitando de terceiros para a sua companhia ou de outras atividades como trabalho, estudos para o seu desenvolvimento, ou seja, a mãe por si basta nessa relação de alienação e passividade. 132 l

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Segundo Serge (1998: 211) é o gozo que faz barreiras ao saber, é ele que funda o “nada quero saber disso”, e assim que Maria se apresenta no atendimento “não sei porque fui encaminhada para este tratamento e nem quero saber, tenho medo de dizerem que posso ficar louca”, compreende o quanto pode ser frustrante para ela sair desta posição infantil que resiste e de gozo. Assim, a queixa orgânica como demanda para tratamento e a visão enquanto ineficiente declaram o ser para além do olhar quando em análise. No decorrer dos atendimentos, percebemos que seu sintoma estava muito mais relacionado à uma posição infantilizada com relação a sua mãe. Maria podendo ser para muitos profissionais uma doente a ser diagnosticada, nada mais é que um sujeito que tem como gozo uma relação primordial antepassada que se apresenta no atual, a relação de alienação de filha e mãe que resisti e que constitui a maneira de ser de Maria. REFERENCIAS SERGE, André. O que quer uma mulher? In: ___. Uma Menina e sua Mãe. Tradução de Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. p185-186. SERGE, André. O que quer uma mulher? In: ___. Gozos. Tradução de Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,1998. p211. FARIA, Michele Roman. Introdução à psicanálise de crianças: o lugar dos pais. In: ___. Mãe/ Função Materna/ Outro. São Paulo: Hacker Editores, 1998. p. MILLER, Jaques Allain. Duas notas sobre a criança. Revista Curinga. Nº 15/16, BH, p.1-2 , Ab 2001.

notas de rodapé 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva


A importância da escuta psicanalítica Sabrynny Neves Esteves1 Nádia Laguárdia2 RESUMO: O presente artigo apresenta uma reflexão sobre o início do tratamento clínico, destacando a importância da escuta analítica e seus efeitos sobre o sujeito. Para fazer essa reflexão, utiliza textos de Sigmund Freud e Antônio Quinet, que discorrem sobre a prática analítica. Palavras–chave: Escuta psicanalítica. Associação livre. Morte. Luto.

Freud inaugura um novo tempo, que é o tempo da palavra como forma de acesso por parte do homem ao desconhecido em si mesmo. Esse acesso é possibilitado pela escuta analítica, que ressalta a singularidade de sentido da palavra enunciada. Freud destaca a emergência da transferência na situação de comunicação entre paciente e analista. O paciente chega com palavras marcadas pela angústia que demandam uma ajuda em sua dor. O analista escuta as palavras por ver nestas a via de acesso ao desconhecido que habita o paciente. A situação analítica é uma situação de comunicação, onde circulam demandas nem sempre regidas pela racionalidade ou de fácil deciframento. Mas, através da demanda endereçada ao analista, o sujeito deixa escapar o desejo. A psicanálise surge através de seu único instrumento: a escuta. Freud (1913), ao refletir sobre o início do tra­tamento, alerta-nos para as dificuldades encontradas no estabelecimento de técnicas para a análise. Por se tratar do sujeito, é impossível instituir padrões na prática analítica. O rigor analítico não se encontra nas regras, mas está na condução da análise, sobre a qual o analista deve responder. Daí a importância de se estabelecer um trabalho prévio à definição de se aceitar um indivíduo em análise A psicanálise é marcada pelo convite feito ao analisando de que comunique-se e associe livremente, assumindo uma posição ativa diante de seu processo de cura. Ao falar, o sujeito comunica muito mais do que aquilo a que inicialmente se propôs. O inconsciente busca ser escutado e ter seus desejos satisfeitos, comunicando-se por meio de complexas formações: sonhos, chistes, atos falhos, sintoma ou lapsos; fenômenos esses que apontam para esse desconhecido que habita o sujeito. Segundo Falcão; Macedo (2005), Assim a associação livre ganha destaque. Ao paciente cabe comunicar tudo o que ocorre, sem deixar de revelar algo

que lhe pareça insignificante, vergonhoso ou doloroso, enquanto que ao analista cabe escutar o paciente sem o privilégio, de qualquer elemento de seu discurso. Na efetivação dessa regra fundamental instaura-se a situação analítica, abrindo possibilidades do desvelamento da palavra.3 Associando, o paciente fala de um outro – o inconsciente que lhe é desconhecido e irrompe em sua fala quando a lógica consciente se rompe. A condução do processo analítico deve possibilitar a descoberta, por parte do paciente, de que ele é quem sabe sobre si, um saber que é patrimônio de um território desconhecido de si mesmo. Entretanto, de acordo com Quinet (1996, p.18), é necessário um tempo preliminar ao tratamento analítico propriamente dito, que Freud chamava de tratamento de ensaio. Ele relata que a primeira meta da análise é a de ligar o paciente ao seu tratamento e à pessoa do analista. O tratamento de ensaio, segundo Freud, dura algumas semanas antes da entrada da análise propria­mente dita, período no qual o analista observará sinais que leva­rão à determinação ou não do caso apresentado além da tentativa. Este tratamento inicial já é considerado parte inicial da análise, mesmo que ainda não se saiba se o paciente formulará uma demanda que possibilite a continuidade do tratamento, constituindo-se como uma sábia prudência que, segundo ele, poderá evitar a interrupção da análise posteriormente. Designado por Lacan como entrevistas preliminares, este tratamento inicial é considerado a ‘porta de entrada’ na análise, abrigando três funções básicas para o anda­mento de um trabalho psicanalítico: o sintomal, a trans­ferencial e a diagnóstica. Portanto, a prática das entre­vistas preliminares significa que o começo é demorado, cuja função se encontra nesta preparação para algo mais consistente. Há um tempo de compreender, que implica na questão diagnóstica, e de concluir, que é quando o analista toma Revista de Psicologia l

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sua decisão. Portanto não há entrada em análise sem as entrevistas preliminares. (QUINET, 1996) Segundo Quinet (1996), deixa-se que o paciente fale não apenas o que quiser, de forma intencional e bus­cando um alívio, mas também tudo mais que lhe ve­nha à cabeça, mesmo que lhe pareça sem importância ou absurdo. A importância de encorajá-lo a “contar sua história com suas próprias palavras” possibilita ao ana­lista realizar um diagnóstico, que diz respeito à com­preensão da dinâmica dos sintomas e dos conflitos que o paciente traz. Tendo abordado os princípios básicos da prática psicanalítica, será apresentado abaixo um fragmento de um caso clínico, que permite ilustrar os efeitos da escuta analítica sobre um sujeito. Pedro4, do sexo masculino, com 53 anos de idade, chega ao consultório relatando que havia 45 dias que perdera seu filho mais velho em um acidente de carro. Bem, o motivo de eu estar aqui é por causa que perdi o meu menino (27 anos) num acidente de carro a mais ou menos 45 dias. Ele sofreu o acidente de carro, ficou 15 dias internado, e acho que ele ficou internado, só para nos preparar para o pior. Acho que ele ainda tinha algumas coisas para resolver. Eu não consigo entender... será que fiz tantas coisas erradas assim, para merecer isso? Acho que deveria ter frequentado a igreja mais vezes... Eu daria tudo pela vida do meu filho... queria muito estar em seu lugar... Diante desse fato tão trágico, Pedro só consegue falar do filho que perdeu, que ele descreve como sendo o seu alicerce, o seu companheiro. Manifesta então uma preocupação com o fato de estar falando repetidamente do filho, pois acredita que está incomodando a psicóloga. Foi feita uma intervenção nesse momento, marcando a importância dele falar sobre o que tivesse necessidade, sem se preocupar com a psicóloga. Foi também esclarecido sobre o processo de luto, que envolve um tempo de elaboração e que esse tempo é individual. Pedro precisou repetir, muitas vezes, a cena do acidente, relatando suas diferentes versões. Mesmo ao buscar “ver o acidente”, através de uma filmagem feita por alguém que presenciou a cena, Pedro continua precisando “falar dela”, numa tentativa de construir uma significação possível para esse encontro com o real. A partir da abordagem psicanalítica, sabemos que a morte, enquanto limite, engendra uma dimensão de urgência, impulsionando a vida, através das questões que mobiliza em cada sujeito. Neste sentido, cabe ressaltar que a presença e a escuta do psicanalista permitem que algo deste confronto com a finitude possa 134 l

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ser encaminhado pela fala. Admitimos a morte do outro e podemos, inclusive, desejá-la inconscientemente. Porém, não reconhecemos nossa própria finitude e, quando a morte nos leva alguém que amamos, essas duas atitudes para com a morte (desejo e negação) entram em conflito. Diante do sujeito confrontado com a iminência da morte, a psicanálise aposta na fala como aquilo que pode ajudar o ser falante a situar e significar algo relacionado à finitude, oferecendo a escuta para aquele que, mesmo tendo a vida perto do fim, precisa ser relançado como sujeito desejante. REFERENCIAS FALCÃO, Carolina Neumann de Barros; MACEDO, Monica Medeiros Kother. A escuta na psicanálise e a psicanálise da escuta. Psyché, janeiro-junho, ano: 2005/ vol. IX, numero 015. Universidade São Marcos. São Paulo, Brasil, p.65-76. disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/307/30715905.pdf. Acessado em : 20 de maio de 2009. FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psico­lógicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janei­ro: Imago, 1969. Sobre o início do tratamento: novas recomenda­ções sobre a técnica da psicanálise I. v.12. 1913. PERALVA, Elisa Lima Mayerhoffer. O Confronto com a finitude na clinica hospitalar: da morte como limite à urgência da vida. Disponível em: http://www. praxiseformacao.uerj.br/pdf/a0607ar11.pdf. Acessado 20 de maio de 2009. QUINET, Antonio. As 4 + 1 condições da análise. 4.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1996.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/307/30715905.pdf. 4 Nome fictício


Dragon Ball Z Sanderson Nascimento Soares1 Geraldo Martins2 RESUMO: A partir do caso de M. como ponto de sustentação da psicanálise clínica, o presente texto pretende marcar na prática os conceitos de histeria, olhar e pulsão escópica elaborados por Freud. Palavras-chave: Histeria. Olhar. Pulsão escópica.

O sujeito da psicanálise se constitui a partir da experiência da satisfação originária, na qual a criança elimina a tensão excitada pela fome. A intensa satisfação provocada por esta experiência deixa um traço mnêmico. Traço este que a criança tentará reeditar durante a vida, pois imagina o Outro, cuja palavra lhe oferece, como detentor de tudo que possa ser desejado por ela. Assim, a criança demanda ser desejada, tocada, encantada e olhada pelo Outro, logo, o seu desejo é ser o falo, o único objeto suscetível de preencher a falta do Outro. Todavia, o olhar do Outro é desviado, sua ausência ou falta coloca em xeque o lugar supostamente ocupado pela criança no desejo do Outro, lançando-a na dialética do ser ou não ser, o falo. Vê e ser vista, eis a questão de M. O caso de M. aqui apresentado não escapa a esta dialética. M. do sexo feminino tem 19 anos. A demanda de atendimento psicológico é vinculada por ela a ataques de pânico que ressurgiram no momento em que passa a residir em outra cidade com um amigo seu e da família. Seu amigo D. como o nomearemos aqui, possui 47 anos, é casado e tem uma filha. M. sempre inicia os atendimentos perguntando se terá que contar tudo novamente ou perguntando o que era desejo do analista saber. No princípio de um dos atendimentos M. diz que irá contar o episódio, possivelmente, o episódio que mascara a sua questão, então M. revela “no episódio anterior, igual ao Dragon Ball Z”. Nos atendimentos anteriores a esta fala, M. constitui, a partir de seu relato, uma cena na qual é desejada, sobretudo, olhada, vista. Seu amigo D. a vê como filha, contudo, segundo M. “ele faz uma quadro da filha nua e coloca no quarto dela”, “é como se ele tivesse me visto nua”. Para ela existem câmeras escondidas em seu quarto ou no banheiro, apesar de não ter encontrado nada. O quadro de M. nua pregado na parede incita a cólera, a ira “ele é nojento, otário” e conclui “ele é pedófilo”. Em seu arti-

go “A cabeça da Medusa”, de (1940[1922], p. 289), Freud afirma: “O terror da Medusa é assim um terror de castração ligado à visão de alguma coisa”. Nas obras de arte, os cabelos da Medusa são representados por serpentes. Serpentes estas que nos remetem à castração. Assim como Medusa, M. sofre do medo de ser “decapitada”, ou seja, castrada. Segundo a mitologia, a visão da cabeça da Medusa torna o espectador rígido de terror e transforma-o em pedra. Neste sentido, M. ao ver a serpente, o Dragon Ball que está presente na forma de ausência no quadro dela nua, provoca a certeza da falta, a falta do Dragon enquanto substituto do pênis, marcando que o outro tem o Dragon ou o pênis que ela não tem. Assim que M. passou a morar com D., ele institui que ela não poderia trancar a porta do quarto. Durante a noite D. frequentemente entra no quarto de M. para fechar a janela. Neste instante, M. finge estar dormindo e supõe: “ele estava me olhando”. M. se diz segura no quarto, “assegurada”, ou seria a ser segurada. Todavia, sente nojo de D. por entrar no quarto dela quando está dormindo, por isso ela pede a ele que não entre mais no seu quarto quando ela estiver dormindo. Porém, esta cena se repete, pois, a porta do quarto está sempre aberta para D. entrar e fechar a janela deixada aberta por M, que por sua vez ainda não consegui fechá-la. M. indica ao analista qual o horário que é passado na tela de sua fantasia o episódio do Dragon Ball Z ao indagar: “será porque à noite tenho mais medo do que de dia?”, sem pestanejar responde: “as coisas acontecem à noite”. À noite o Dragon aparece, mesmo não sendo possível vê-lo, pois finge dormir, o que provoca raiva e nojo em M. Contudo, sua aparição deixa um resto noturno que ofusca, petrifica os olhos de M. quando se vê nua no quadro pregado na parede do seu quarto. A presença do falo, encarnado aqui pelo Dragon, presentifica a ausência do pênis de M. Daí talvez M. brigar e ameaçar D. dizendo que irá sair da casa dele se ele não retirar o quadro de seu quarto. Este sentimento de repulsa é justificado por Freud em Revista de Psicologia l

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“Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância”, texto de (1910, p. 102) quando diz: “Antes da criança ser dominada pelo complexo de castração [...] começa a exteriorizar um intenso desejo visual, como atividade erótica instintiva. Quer ver os genitais de outras pessoas”, sendo, o olhar inicialmente empregado a fim de compará-lo com o seu próprio órgão genital, mas a descoberta de não possuir pênis provocará o sentimento de repulsa. Nos momentos de crise, M. treme, fica tonta e seu coração dispara, todavia diz: “todo mundo fica perto”. Quando sua namorada ameaça se suicidar, M. relata: “caí no chão feito merda, rolando pra lá e pra cá, chorando e tremendo”. A histérica é quem melhor revela que o desejo do sujeito é o desejo do Outro. Ela oferece seu corpo como palco de gozo, no qual o sujeito obtém algum tipo de satisfação, apesar de seu sofrimento ou desprazer, numa encenação visual, no qual o sujeito que fita-lhe encontra-se retido, petrificado, pela mostração produzida. Talvez por isto M. tenha ficado indignada com a namorada que despreza sua atuação dramática embalada pela anunciação do suicídio “eu fico lá preocupada, passando mal, nervosa, caio no chão e ela vem me perguntar por que eu estou assim”. Assim sendo, o episódio frequentemente repetido no discurso de M. é o episódio na qual ele é olhada, ora por seu amigo D., ora pela sua namorada. Todavia, M. apresenta não somente o desejo de ser vista, mas também o de ver, pois “a noite fica pior, fico com medo do escuro, não tem luz, não da para ver nada”. Na pulsão escópica está explícito a questão do olhar, do vê e ser visto pelo Outro. Quinet afirma em “Um olhar a mais”, texto de 2002 que no campo escópico: A aspiração da histérica é ser vedete (de vedere, ver), ou seja, ser o centro dos olhares para agradar ao mestre estimulando seu desejo. Porém, vedetta, em italiano, que deu origem ao termo em português, significa também um lugar elevado onde se coloca uma sentinela, lugar privilegiado para olhar (QUINET, 2002, p. 196). Segundo Quinet (2002, p. 11) “a pulsão escópica [...] confere ao olho a função háptica de tocar com o olhar, de despir, de acariciar com os olhos”. É exatamente esta a função do olhar de D., uma vez que, M. o descreve como aquele que somente canta e toca, como o provedor, ou não seria, aquele que com seu olhar encanta e toca-lhe, logo, o Dragon Ball Z encarnado. A fim de ser olhada M. provoca o olhar do outro através de seu corpo produzindo assim um jogo com o olhar, semelhante 136 l

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ao jogo de esconde-esconde, na qual ela se mostra e depois se esconde. Segundo M. seu amigo diz: “eu sou tudo, toco muito, canto muito”. Este jogo produz uma satisfação mútua, pois M. diz “não tem jeito tem que jogar o jogo dele ... não posso trancar a porta do quarto”. Cumpre salientar que é no quarto que M. se sente segura, “assegurada”, daí a sua dificuldade de se desvencilhar deste jogo, que não é somente de D., mas que também é seu jogo do inconsciente. Assim como Medusa, fazendo uso do olhar, M. ofusca, fascina e deslumbra D. e a si própria, na medida em que este espetáculo produzido por M. “embaça” sua visão, não lhe permite ver o teatro privado da qual é protagonista, pois, o olhar petrifica-lhe na ignorância do que há por trás da cena da qual é diretora e atriz principal, ou seja, ela encontra-se alheia ao que está para além da aparência, do mostrado, do atuado. No momento de crise no qual encontra-se tonta, caída no chão e tremendo, M. almeja encontrar o remédio “rivotril”, porém, “não consegui enxergar direito”. Tendo em vista que “os remédios não estão resolvendo como antes”, M. busca o remédio do analista quando pergunta: “você tem um remédio para me dá? ... quero parar de sentir medo”. Neste momento o analista acolhe a demanda de tratamento e pontua: “podemos construir um aqui”. Em outro atendimento no qual relata estar a mercê do jogo de D., ela inclui o analista no seu sintoma perguntando: “nós iremos jogar o jogo dele?... você choraria por mim ? ... e agora quem poderá me defender, o chapolin colorado?”. No final do atendimento seguinte M. indaga o analista: “para que serve a caixa de lenços? ... vou fingir que estou chorando para poder levar um lenço desse para poder limpar a lente dos meu óculos”. M. aponta para algo do analista que possa limpar a sua visão. Portanto, o que M. pretende limpar, desembaçar é a visão do episódio anterior ocorrido na constituição do sujeito, na qual vê o Dragon Ball Z. Para tanto, M. indica uma mudança de posição e responsabilização no que diz respeito ao seu sofrimento, ou seja, se retifica de alguma forma quando diz sobre as crises: “sei que é coisa minha ... será que isso vai passar, será que se eu sair da casa dele e arrumar trabalho vai mudar ou vai mudar e depois vai voltar? ”. Continua no próximo episódio de Dragon Ball Z. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. (1940[1922]). A cabeça da Medusa. In: _______. Além do princípio de prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 289-290. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 18).


______________. (1910). Leonardo da Vinci e uma lembrança da sua infância. In: _______. Cinco lições de psicanálise, Leonardo da Vinci e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 67-143. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 11). QUINET, Antonio. Um olhar a mais: ver e ser visto na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.

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Neurose obsessiva: a dúvida enquanto estratégia Thâmara Kalil de Campos Alves1 Catarina Angélica Santos2 RESUMO: O presente artigo refere-se a um caso clínico com sintomas característicos de neurose obsessiva, atendido na Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Foram identificadas questões relevantes na história clínica do paciente (fundamentalmente a dúvida) que puderam ser analisadas à luz da teoria psicanalítica freudiana. Palavras-chave: Neurose obsessiva. Sintoma. Dúvida.

Foi por meio das entrevistas iniciais que a estrutura clínica da neurose obsessiva de nosso analisando se tornou clara para nós. Durante o percurso do nosso trabalho, os pontos que podemos sublinhar tiveram a intenção de tornar claros os efeitos da incidência da dúvida, na estruturação da neurose obsessiva, dentro de uma perspectiva psicanalítica. Procurou-se, com a breve descrição deste caso, localizar semiologicamente as apresentações da neurose obsessiva e, certamente, a obra de Freud nos oferece material farto para uma interpretação explicativa da doença, o que resulta numa melhor abordagem diagnóstica e terapêutica dos pacientes. Ao examinarmos a incidência da dúvida sobre a posição subjetiva do neurótico obsessivo, podemos pensar no seu papel enquanto estratégia desenvolvida pela própria estrutura da neurose como forma de garantir que, o que está velado, não seja desvelado, questão crucial que marca a neurose obsessiva, como nos ensina Freud: O problema de saber por que e como uma pessoa pode ficar doente de uma neurose acha-se certamente entre aqueles aos quais a psicanálise deveria oferecer uma solução, mas provavelmente será preciso encontrar primeiro solução para outro problema, mais restrito – a saber, por que é que esta ou aquela pessoa tem de cair enferma de uma neurose específica e de nenhuma outra. Este é o problema da escolha da neurose (FREUD, 1913, p.341). Bernardo3, 39 anos, casado há 13 anos, com formação superior e cursando mestrado, atualmente exerce a profissão de coordenador do curso de atualização para dentistas. Reside apenas com sua esposa e não têm filhos. Na época de sua primeira consulta, relatou que já havia feito terapia durante um ano, com dois outros estagiários, na mesma clínica. Apresentou-se queixando de ansiedade, falta de dinheiro, 138 l

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insatisfação com sua vida afetiva, dizendo não gostar de “dever” e que estava “sem crédito” na praça, com o “nome sujo” e que sua vida estava uma “bagunça”. A queixa relativa à vida “bagunçada” passou a ser sua questão durante todo o processo de análise nesse último semestre. Dizia dos sentimentos e ressentimentos gerados pela traição de sua esposa, há cerca de um ano e meio, quando viajou para outro país a fim de regularizar sua cidadania e buscar outras possibilidades no campo profissional. Esse foi o motivo que o levou a procurar ajuda de um psicólogo pela primeira vez. Relatou que, na época, sofreu muito com a traição e ficou com a autoestima muito baixa. Sua esposa insistia em negar que o havia traído, apesar de ele ter tido várias provas do ocorrido por meio de e-mails dela, os quais “vasculhou até encontrar” algo. Num segundo momento, Bernardo diz que agora seu casamento estava bem, normal, que ele e a esposa não brigavam mais, que tinham projetos juntos como ter filhos, comprar outro imóvel e que, ultimamente, ele tem estado mais tranquilo, dedicando praticamente todo o seu tempo ao trabalho e deixando o “resto” para depois. Alega que o que sua esposa lhe fez já não o incomoda mais, mas sim os pensamentos invasivos e incontroláveis e a raiva que lhe acomete quase sempre quando olha para a ela. Diz que às vezes tem muita vontade de se vingar, mas, ao mesmo tempo se pergunta: “de que isso adiantaria?”. Mais adiante diz ainda gostar da esposa, o que mais tarde coloca em dúvida: “o que estou fazendo com esta mulher chata e feia e que me traiu?” Questiona-se: “Qual é a minha?” e ele mesmo responde: “não sei”. Bernardo justifica a atitude de sua esposa dizendo que, quando foi traído, ela estava sendo influenciada pelas “más companhias que arrumou à época, moças mais ricas e libertinas que ela”, completando com o dito popular bastante significativo: “galinha que anda com pato morre afogada”. Diz que sua esposa o culpa pela traição, por tê-la deixado sozinha e carente, precisando do carinho de outro homem, apesar da decisão de sua


viagem ter sido um consenso entre o casal. Em seguida, joga por terra todas suas justificativas e diz que ela era a verdadeira culpada, pois é uma mulher adulta, que sabe muito bem o que faz e é responsável por seus atos. Bernardo permanece então nessa ambivalência: a culpava e se sentia culpado, negava e aceitava a culpa que a esposa lhe incutida. Relata que chegou a sair de casa quando voltou da viagem e soube da traição, mas depois voltou, e hoje se arrepende. A idéia de traição é recorrente, mas ele tem dúvidas quanto à atitude mais adequada a ser tomada. Às vezes dizia querer permanecer casado, às vezes dizia que desejava se separar para ser feliz e ser merecedor de uma vida melhor. Ás vezes responsabilizava-se pela traição de sua esposa e pelo fato de seu casamento estar “morno”, e não mais “quentinho”, como desejava, às vezes não. “Separar ou não separar? Eis a questão”. De acordo com Freud, 1909, a dúvida, ou a necessidade da incerteza, é uma necessidade mental compartilhada pelos neuróticos obsessivos. Eles empreendem grande esforço a fim de evitar a certeza e permanecer na dúvida. Evitam o conhecimento de quaisquer fatos que possam auxiliá-los a chegar a uma decisão sobre seu conflito. O neurótico obsessivo é prisioneiro de seu destino e, por causa da própria estrutura de sua neurose, faz-se imperativo que ele fracasse. Tudo é organizado de forma que ele fracasse, não fazendo nada além do que pensar nisto. No caso que abordamos, a questão do relacionamento conjugal constitui um assunto espinhoso. Bernardo descrevia o relacionamento com a esposa enfatizando sempre o ódio existente. Porém, contraditoriamente, no momento em que percebe um desejo dela por outro homem, sente-se magoado e com vontade de se vingar. Poderia causar estranheza a afirmação de que o amor e ódio coexistiam no analisando. Entretanto, na neurose obsessiva, essa é uma possibilidade real e, além disso, ela nos oferece pistas sobre a possível origem da doença. Freud nos ensinou que a ambivalência é o resultado direto de uma mudança nas características da vida pulsional. Considera-se dentro da normalidade, durante a fase anal sádica, a criança vivenciar amor e ódio pelo mesmo objeto, simultaneamente. Doravante, os pacientes com neurose obsessivo-compulsiva, quando ameaçados pela perda de um objeto amoroso, abandonam a posição edipiana e retornam para esse estágio contraditório, relacionado com a fase anal. Assim, o conflito de sentimentos surge nos padrões de comportamento anormais e na dúvida cruel frente a suas definições. Segundo Freud (1913) existem dois determinantes envolvidos nas neuroses: aquilo que uma pessoa traz consigo para a sua vida, o constitucional, e aquilo que a vida lhe traz, o acidental. Mas, que o motivo que determina a escolha da neurose é inteiramen-

te do constitucional, que tem caráter de disposições. De acordo com sua teoria, antes de o adulto chegar a um estado normal ele tem de passar por um longo e complicado desenvolvimento, o que nem sempre ocorre de forma serena e progressiva. Uma parte desse desenvolvimento pode apegar-se a um estágio anterior, no qual havia satisfação pulsional, e isso resulta no que Freud chamou ‘ponto de fixação’, para o qual a função sexual pode regredir se o sujeito adoecer devido a alguma perturbação externa. A disposição à neurose obsessiva, que produz seus sintomas bem cedo, reside em fases posteriores de desenvolvimento libidinal. Há, segundo Freud: “[...] um estádio no qual os instintos componentes já se reuniram para a escolha de um objeto e este objeto é já algo extrínseco, em contraste com o próprio eu (self) do sujeito, mas no qual a primazia das zonas genitais ainda não foi estabelecida” (FREUD, 1913, p.343). Ainda, de acordo com Freud, 1913, as pulsões que dominam esta organização pré-genital da vida sexual são a anal-erótico e a sádica. Na sintomatologia da neurose obsessiva os impulsos de ódio e do erotismo anal desempenham importante papel. Eles assumem a representação das pulsões genitais, das quais foram precursores no processo de desenvolvimento. Há uma regressão da vida sexual ao estádio pré-genital sádico e anal erótico, onde encontramos a disposição à neurose obsessiva. Durante as sessões o paciente conseguiu identificar e nomear seus sentimentos de raiva e ressentimento com relação à esposa - no princípio ele não usava a palavra traição, esse significante só foi introduzido mais tarde. Aos poucos foi relatando que a convivência entre ele e a esposa tornou-se intolerável. Já havia tentado tratar do relacionamento, porém, sempre ficava na dúvida sobre a melhor saída para a relação e para ele. Tinha medo de se arrepender e do que poderia vir a perder. Por fim, não restou nenhum questionamento quanto à estrutura neurótica do paciente. A dúvida era o pano de fundo do relato de Bernardo. Freud (1909) aponta que a dúvida é um método utilizado pelo neurótico obsessivo com vistas a se atrair para fora da realidade e isolá-lo do mundo. Eles orientam seus pensamentos preferencialmente para os temas como duração da vida, vida após morte e memória. Os pensamentos sobre a possibilidade da morte de outras pessoas ocupam-lhes a mente incessantemente, sendo, por vezes, uma possibilidade de solução aos conflitos aos quais eles não foram capazes de resolver. Isso ocorre principalmente na matéria do amor. Diante de Revista de Psicologia l

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todo conflito que se introduz em suas vidas, esperam que ocorra a morte de alguém que lhes é importante, normalmente, um dos objetos de amor entre os quais hesitam suas inclinações. Não nos surpreende que Bernardo apresente tal sintoma, pois, para os neuróticos obsessivos, a dúvida funciona como válvula de escape, uma estratégia, quando não encontra solução para os seus conflitos. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. Duas histórias clínicas (O “Pequeno Hans” e o “Homem dos ratos”). In: FREUD, Sigmund. Obras completas. E. S. B., vol. X, Rio de Janeiro: Imago, 1987. ______. A disposição à neurose obssessiva: uma contribuição ao problema da escolha da neurose. In: FREUD, Sigmund. Obras completas. E. S. B., vol. XII, Rio de Janeiro: Imago, 1987

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Nome fictício

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Mais Moins Mães Thiago Edmundo dos Santos1 Catarina Angélica Santos2 RESUMO: Este artigo busca articular fragmentos de um caso clínico à escrita de uma experiência analítica ocorrida em um trabalho de estágio. A demanda de análise da paciente culminou no giro discursivo da mesma, fazendo uma mudança em sua posição subjetiva diante do Outro. Palavras-chave: Sintoma analítico. Fantasia. Criança.

O trabalho desenvolvido no estágio clínico, com ênfase em psicanálise, da Clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, é a porta de entrada para os estudantes de psicologia que se interessam por essa clínica e que desejam acolher sujeitos com sofrimentos psíquicos. Foi através das entrevistas preliminares que iniciamos o atendimento de Helena, 39 anos, vendedora, solteira e filha caçula de uma numerosa família de oito irmãos, sendo em sua maioria mulheres. Ela e sua família passam por um momento difícil, pois sua mãe faleceu há quatro meses deixando-a órfã de pai e mãe o pai dela já havia falecido há mais de dez anos. Nos atendimentos seguintes, a analisanda não fala sobre a morte dos pais, mas sim sobre a difícil relação que tem com seu namorado. Ele tem 25 anos, é negro e tem uma situação financeira inferior à dela. Comenta que o namorado pega muito no seu pé, liga várias vezes e está sempre com ela para atender aos seus pedidos. Helena considera que o namorado a sufoca por estar tão presente em sua vida. Conta, ainda, que suas irmãs reparam as diferenças existentes entre ela e o namorado, falam mal dele e dizem que ele parece não ter outras ocupações na vida a não ser ficar sempre com Helena. No final das sessões a analisanda sempre repete que tem sonhos com os pais juntos, vestindo roupas brancas, no entanto, tais sonhos não vão além disso. Pode-se notar que a queixa principal de Helena sobre a perda dos pais é deslocada para o relacionamento com o namorado e as irmãs. Helena é considerada a irmã com voz ativa na família, diante de alguns assuntos e pelas iniciativas que toma para resolver os problemas que por eles enfrentados com a morte dos pais. A analisanda fala, recorrentemente, que, naquele momento, encontrava dificuldades para lidar com problemas que antes lhe pareciam de fácil resolução. As queixas sobre o namorado eram muitas, a saber: sua imaturidade, algumas mentiras que contava e até mesmo sobre planos de casamento que o mesmo fazia, mas que Helena não conseguia se incluir neles. Em outra sessão ela relatou que a causa do seu desprazer relacionava-se às

concessões que ela fazia ao namorado perante seus insistentes pedidos – uso do carro, vendas sem seu prévio consentimento e outros arranjos. Pode-se interrogar: se a queixa inicial de Helena foi direcionada à morte da mãe, como, então, seu discurso em análise não passa pela falta da mãe a ponto de lhe implicar nessa questão? Não falar sobre a mãe foi um arranjo que a analisanda fez para suportar a perda? Que uso ela faz de seu sintoma para lidar com a falta? No decorrer do tratamento, a analisanda dizia de sua vida profissional como a parte boa da sua semana e o relacionamento com o namorado como a outra parte que lhe deixava sufocada pelo excesso de solicitações feitas por ele. A analisanda, sem se dar conta, repetia determinados temas e não se ocupava de outros que outrora motivara a busca de análise – a morte da mãe, por exemplo. O sintoma apresentado por Helena está em consonância com seu desprazer, com algo que insiste em seus registros durante o tempo em que localizava no seu discurso o que lhe preocupava. Diferente do elemento fantasmático que produz sonhos acordada sobre seus relacionamentos com outros homens, no passado, e também em no que diz respeito à inabalável relação que Helena tinha com a mãe. O que leva Helena de um discurso para outro tem a ver com o desprazer do sintoma queixa e com aquilo que ela considera prazeroso, como os sonhos que tinha com a mãe vestida de branco, um fantasma, uma repetição que significava a mesma coisa, o mesmo sentido. Esse caso ilustra a travessia pela clínica analítica do sintoma queixa – projeção no Outro - ao sintoma analítico, ou seja, quando uma intervenção do analista faz o sujeito se questionar, se implicar com o que diz, ao invés de se queixar. Houve nesse momento uma divisão subjetiva: tema do namoro e do seu papel diante do namorado. Helena tentou várias vezes colocar limites no namorado, principalmente em relação ao uso abusivo do carro dela. Esse parecia ser o ponto no qual ela se embaraçava, isto é, ela sempre “cedia” aos caprichos de seu namorado, assim como uma mãe neurótica não consegue se desvencilhar das birRevista de Psicologia l 141


ras do filho. Ela parecia mais a mãe do rapaz que propriamente sua namorada. Com a localização do significante “ceder” houve uma mudança na posição subjetiva de Helena, que a partir de então não se queixava tanto do namorado. Ela constatava seu modo de agir com ele: eu era muito chata com o meu namorado. Neste ponto, Lacan (2003) em seu texto intitulado “Duas notas sobre a criança” nos diz: O sintoma da criança acha-se em condição de responder ao que existe de sintomático na estrutura familiar. O sintoma – esse é o dado fundamental da experiência analítica – se define, nesse contexto, como representante da verdade. O sintoma pode representar a verdade do casal familiar. Esse é o caso mais complexo, mas também o mais acessível a nossas intervenções. (LACAN, 2003, p. 369) Conforme Lacan nos ensina, o sintoma é criado para mostrar a verdade do casal familiar. O sintoma de Helena vem nos dizer que ela colocava o namorado no lugar de objeto-filho fazendo todas as suas vontades – assim como algumas mães fazem às suas crianças - para tamponar sua própria falta. Enquanto o objeto se mostra absoluto e sem faltas, ele serve de tampão para obturar a falta no sujeito. Em sessões posteriores, a analisanda começa a se dar conta do que vinha acontecendo na sua relação com o namorado e pondera suas afirmações críticas relativas a ele, percebendo que em tudo que acontecia havia também sua participação e sua responsabilidade. Ou seja, apesar do incômodo sentido com os constantes pedidos do namorado, ela sempre o satisfazia. Propiciava que determinados abusos dele ocorressem e de forma inconsciente e neurótica os promovia para não se deparar com a falta nela mesma. Intolerante às disputas sentimentais, Helena não dividia o espaço da casa do namorado com sua sogra, que é quase da mesma idade que ela, alegando que não se sentia bem em dormir lá. No dia em que o namorado convoca Helena a dormir em sua casa, independente do que ela considerava sobre a privacidade e o desconforto, ela se rende ao convite e passa a aceitar uma nova condição ao lado do namorado e diante da amiga de longa data e também sogra. Passa a dar menos importância para questões menores que não faziam do relacionamento algo saudável e bom de se viver. Um giro no discurso de Helena, ponderado pela barra que o namorado coloca quando convoca Helena a não mais ser uma mulher somente incomodada com o cotidiano, mas sim uma mu142 l

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lher que pudesse desfrutar de menos privacidade em comparação com a casa de Helena que dorme, em um quarto separado da casa. Não interessa, esse convite foi feito de um homem para uma mulher, para a sua mulher em novos arranjos para se viver. Numa pequenina vinheta sobre os pais, que tanto Helena evitava em falar, relembra do dia do enterro da mãe, quando também viu numa pequena caixa os restos mortais do pai. Helena achou curioso o espaço que agora ocupava essa questão do morto, já que teve uma educação que por influência dos pais não frenquentava velórios nem enterro, inclusive não assistiu ao sepultamento do próprio pai. Perguntas que foram ficando para trás entre uma supervisão e outra, já que o enfoque do trabalho clínico se baseava em acolher o que o sujeito diz sobre os temas eleitos para falar. Repetir determinados temas como a sua relação amorosa e os desgastes que isso lhe implicava foi algo que bordejava o embaraço que Helena tinha para fazer suplência à falta que sentia da mãe. No lugar de uma namorada mais velha, ela condizia o relacionamento como quem assume traços de uma mãe e o jovem rapaz completaria a parceria no que repete sem se inscrever como no sintoma, uma relação entre mãe e filho. REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. (1908). ‘Gradiva’ de Jensen e outros trabalhos. In_______ Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade. Rio de Janeiro: Imago, 1969 p. 167. (Edição brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 9). LACAN, Jacques (1969). Outros escritos. Nota sobre a criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2003 p. 369-370.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva


Manifestações psíquicas no adoecimento: a experiência de desamparo Vanessa Cristina Soares Machado1 Luiza Angélica Fonseca2 RESUMO: A partir do trabalho clínico desenvolvido com pacientes internados em um Centro de Tratamento Intensivo, observou-se que, no momento do adoecimento, o sujeito vê-se desamparado, pois se encontra em situação de total passividade, impossibilitado de resolver com os seus próprios recursos as suas dificuldades, sendo confrontado com a falta que está estampada em seu próprio corpo. O presente artigo propõe-se apresentar a questão do desamparo psíquico relacionado ao adoecimento e à hospitalização. Para tal trabalho, privilegia-se a psicanálise como referencial teórico. Palavras-chave: desamparo psíquico, constituição do sujeito, adoecimento, hospitalização, psicanálise.

A doença faz com que o sujeito tenha contato com uma realidade que ele não quer enfrentar: o desamparo. A experiência do nascimento e da morte é solitária e, apesar da constituição do sujeito acontecer através da relação com o Outro, o homem lida sozinho com a sua dor, perdas e angústias. O desamparo psíquico refere-se ao estado em que o recém-nascido se encontra dependente do Outro para satisfação de suas necessidades por causa de sua imaturidade psíquica e motora. Dessa forma, há um desprovimento de recursos próprios para ajudar-se (ROCHA, 1999, p. 335). [...] os perigos do mundo externo têm maior importância para o jovem da espécie humana, de modo que o valor do objeto que pode protegê-lo contra eles e tomar o lugar da sua antiga vida intra-uterina é enormemente aumentado. O fator biológico, então, estabelece as primeiras situações de perigo e cria a necessidade de ser amado que acompanhará a criança durante o resto da vida. (FREUD, 1976, p. 179) Nos primeiros meses de vida, a criança vive um conjunto de experiências ritmadas. Quando está com fome apresenta uma descarga motora, chora, grita em busca de alívio de tensão, sendo, então, atendida pelo Outro, que irá suprir as suas necessidades. A criança vivencia a primeira mamada de ordem significativa, que é a experiência de satisfação original. Essa experiência é registrada no aparelho psíquico. A criança vai sempre buscar a repetição dessa satisfação, entretanto não será possível alcançá-la novamente, constituindo-se como ser de falta e, consequentemente, como sujeito desejante. “A criança passa a querer a coisa trazida e aquele que a trouxe.” (ELIA, 2004, p. 52)

O objeto de desejo é o próprio objeto da Psicanálise e como tal é perdido. Perdido a partir de uma primeira experiência mítica de satisfação, que para Freud é sexual de corpo a corpo entre a mãe e o bebê em que este teria um objeto plenamente satisfatório e que daí por diante não mais o encontraria, senão pelas coordenadas simbólicas desse objeto representadas pelos traços mnêmicos, rastro desse gozo. A partir de então tudo no sujeito tende a buscá-lo e a busca dessa Coisa que foi miticamente perdida Freud dá o nome de desejo. (ANDRADE, 1988, p.13) Segundo Rocha (1999, p. 339), na reformulação da teoria freudiana da angústia, Freud aponta a relação da angústia com o desamparo. A angústia originária tornou-se modelo das demais situações de angústia. A angústia-sinal opera como defesa contra a angústia originária do desamparo que se repete nas situações traumáticas, como uma angústia automática. Durante a vida do sujeito, a angústia originária se repete nas várias formas de angústia de separação. A angústia originária do nascimento estaria, pois, ligada não à experiência de separação, mas ao estado de desamparo, no qual o recém-nascido vive num estado de total passividade e de incapacidade de poder encontrar em si a ajuda que precisa para responder às suas necessidades fundamentais. (ROCHA, 2000, p. 109) Diante do adoecimento, o sujeito se vê numa situação de total passividade, pois não é capaz de, com os seus próprios recursos, tomar atitudes para mudar a sua condição de vida. Está Revista de Psicologia l 143


à mercê do saber médico que irá tentar atender as suas necessidades biológicas. Simultaneamente, o sujeito com seus desejos, sonhos e medos é silenciado. Dessa forma, quando o homem entra em contato com os limites que lhes são impostos durante a sua vida, por exemplo no adoecimento e hospitalização, ele vive a angústia do desamparo. “Na urgência, o sujeito é lançado no estado inicial do desamparo, estado que pode repetir-se em qualquer momento da vida, revelando a precariedade da condição humana.” (MOURA, 1996, p.10) Assim, duas são as situações que, para Freud, se encontram nas origens da angústia: em primeiro lugar, a situação traumática, cujo modelo, por excelência, é a situação de desamparo, fonte prototípica de toda angústia que acompanha o ser humano pelo resto da vida, e, depois, a situação de perigo, que pode ser externo ou interno que o ego procura controlar. (ROCHA, 2000, p. 131) O sujeito está em busca de completude, entretanto no momento do adoecimento é confrontado com a falta que está estampada no seu corpo. O sintoma produz alguns aspectos psicológicos no sujeito, apontando para o desamparo, para a falta e para possibilidade de morte (SARNO; FERNANDES, 2004). Segundo Rocha (1999, p. 336), “o desamparo é constituinte da inserção do sujeito no mundo da linguagem e deixa transparecer essencialmente uma falta fundamental.” A experiência que temos de nosso organismo, de suas exigências, proezas, debilidades ou doenças, nós só a temos através do campo da significação, do sentido, ou seja, pelo fato de que, por sermos falantes, somos marcados pela linguagem, pelo significante, mesmo no mais extremo nível de intimidade que possamos estabelecer com nossos órgãos e com nosso corpo. (ELIA, 2004, p. 46) A falta faz parte da constituição do sujeito, que sempre tentará supri-la, mas a demanda não corresponderá a sua falta. De acordo com Elia (2004, p. 48), “A falta é fundante do sujeito, mas, em contrapartida, requer o ato do sujeito para se fundar como falta.” Num atendimento à senhora D. M. V., hospitalizada no Centro de Tratamento Intensivo em decorrência de cirurgia ortopédica para correção de fratura no fêmur, pôde-se observar a demanda de ser reconhecido que acompanha o sujeito no decorrer de sua vida, como defesa frente ao perigo de desamparo. Senhora D. M. V. relatou durante um atendimento que sofreu quedas durante três segundas-feiras consecutivas. “Na primeira 144 l

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segunda-feira uma mesa de jogos caiu sobre a minha perna, depois na outra, eu fui colocar um lençol no varal e, quando eu joguei o lençol, eu fui junto e cai. Agora, nesta segunda-feira, eu caí de novo e agora estou aqui”. Continuou falando sobre a sua família: “Tive dez filhos. O meu filho mais velho tem 54 anos, há dois anos ele sofreu A.V.C. Hoje, ele está como uma criança. Na semana em que ele adoeceu, ele foi a minha casa e me disse que gostava muito de mim, que se algum dia ele não gostasse de alguém, só de lembrar do amor que ele tinha por mim, ele passaria a gostar dessa pessoa. Disse, também, que, quando pega o ônibus que passa na rua da minha casa, ele sempre se senta do lado que dá para me olhar no jardim da minha casa e caso não tenha lugar disponível desse lado do ônibus, ele prefere viajar em pé, só para me ver”. D. M. V. continuou: “Depois que meu filho adoeceu eu sequei. Olhe o meu braço, está igual a um gafanhoto. Semana passada foi aniversário dele. A esposa dele comprou um bolo e ele ficou lá sentado, como uma criança. Queria que você visse como ele era inteligente, todos gostavam dele”. Após o relato da senhora D. M. V., observa-se a importância que o olhar do filho tinha para essa mãe. Quando o filho retirou o seu olhar, a mãe “caiu”. E o seu corpo “secou”. De acordo com Rocha (1999, p. 336), o sujeito, ao longo de sua vida, irá passar por experiências que terão como modelo a situação originária de desamparo. Além da dependência biológica, o desamparo também significa estar à mercê do desejo do Outro. Senhora D. M. V. sofreu quedas no físico e psíquico, o que a levou ao adoecimento e, consequentemente, à hospitalização. O fato de estar adoecida intensificou a angústia que remeteu à perda do olhar do filho, justamente porque se reportou à experiência de castração e de desamparo. Das situações traumatizantes, como dissemos, a situação por excelência é a do desamparo do recém-nascido, que pode ser vitima de uma situação traumatizante, o adulto também o pode, e, quando isto acontece, ele se sente tão desamparado como a criança. O que define o desamparo é a situação de total passividade em que se em encontra o sujeito, na incapacidade de poder, com seus próprios recursos encontrar saída para seus impasses. Somente quando o sujeito (seja ele criança ou adulto) vai, aos poucos, passando do estado de total passividade para o de atividade, é que ele se torna capaz de reconhecer o perigo e de preveni-lo com o sinal de angustia. (ROCHA, 2000, p. 130) Diante do que foi exposto, pode-se concluir que mesmo quando o sujeito está acompanhado por familiares e assistido


pelo aparato clínico, ele passa pela experiência do adoecimento de modo desamparado. O sujeito encontra-se numa situação de desamparo, pois está carente de recursos psíquicos para lidar com essa experiência frente à castração ressignificada no contexto de hospitalização. REFERÊNCIAS ANDRADE, Antonio Luiz Quinet de. O corpo e seus fenômenos. In: Simpósio do Campo Freudiano, 1988, Belo Horizonte: conferência pronunciada no Simpósio do Campo Freudiano, 25 março 1988. CARVALHO, Stela Cardoso de. Na angústia do desmame – o surgimento do sujeito. In: MOURA, Marisa Decat (Org.). Psicanálise e hospital. Rio de Janeiro: Revinter, 1996. P. 91-102. ELIA, Luciano. O conceito de sujeito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2004. 80 p. FREUD, Sigmund. Inibições, sintomas e angústia. In: ______. Um estudo auto-biográfico, inibições sintomas e Angústia, a questão da análise leiga e outros trabalhos. Tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. V.XX, parte 2, p.107-198. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud) MOURA, Marisa Decat. Psicanálise e urgência subjetiva. In: ______ (Org.). Psicanálise e hospital. Rio de Janeiro: Revinter, 1996. P. 03-19. ROCHA, Zeferino. Desamparo e metapsicologia – para situar o conceito de desamparo no contexto da metapsicologia freudiana. Síntese-Revista de Filosofia, Belo Horizonte, v. 26, n. 86, p. 331-346, 1999. ______. Os destinos da angústia na psicanálise freudiana. São Paulo: Escuta, 2000. P. 71-162. SARNO, Luiza, FERNANDES, Andréa. Psicanálise e Hospital Geral: limites e possibilidades. Cogito, Salvador, v. 6, n. 1, p.151-153, 2004. Disponível em:<http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-94792004000100034&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 04 maio 2008.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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O amor e o feminino na histeria feminina: Leitura no discurso psicanalítico Vurima Priscila Lima Rodrigues1 Geraldo Majela Martins2

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar a construção de um caso clínico a partir do fragmento de um atendimento realizado na clínica de Psicologia Newton Paiva sobre o viés da psicanálise. Neste caso clínico pudemos teorizar sobre a histeria e a falta no feminino.

Palavras chave: Amor, Feminino, Histeria.

O atendimento teorizado é um texto produzido a partir do Estágio Supervisionado VII de orientação teórica psicanalítica do curso de Psicologia no Centro Universitário Newton Paiva, realizado do 2º semestre de 2009 com término no primeiro semestre de 2010, sob a supervisão do professor Geraldo Majela Martins. Propomos a realização de uma construção de caso a partir da história de Luiza3, de trinta e três anos, que procura a Clínica de Psicologia Newton Paiva com a queixa de ter sido abandonada pelo seu companheiro. Eles tiveram um relacionamento com a duração de quatro anos e moraram juntos por dois anos. Segundo a paciente, esse relacionamento era tranquilo e amigável, apesar da carência que Luiza sentia, devido à falta de carinho e sexo. Para Luiza, o companheiro a havia abandonado sem motivo aparente, de uma hora para outra, e relata que aquela reação dele havia sido muito assustadora e imprevisível, pois ele não havia dado indícios dessa separação, estando até então tudo “normal” entre eles. Ao entrar em contato com a clínica Luiza se mostra muito abatida, tomando remédios para dormir e mostrando-se muito emocionada. Sua família preocupada em relação ao seu comportamento resolve agir através de seu irmão que é estudante da instituição e encaminhou Luiza para acompanhamento psicológico. Luiza logo no primeiro encontro se diz muito infeliz e apresenta-se aos prantos e com olheiras profundas em decorrência de muito choro, diz ter emagrecido muito porque não tinha mais fome e estava sem dormir devido ao abandono de seu companheiro. Segundo Luiza, o companheiro era um homem pelo qual ela dedicara toda sua vida. Ela não deixava faltar nada e realizava todos os seus desejos verbalizados ou não. Preocupava-se com cada detalhe de sua vestimenta entre tantos outros detalhes, 146 l

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conforme palavras de Luiza; “eu vivia por ele e para ele”. Passada uma semana Luiza apresenta-se sorridente, sem olheiras e diz que está muito feliz porque já havia encontrado outro amor. Renega muito incisivamente todo seu sentimento para com seu antigo companheiro dizendo por várias vezes e reafirmando em cada entrevista que, “Deus a livrasse de pagar a língua” e voltar com o companheiro. De acordo com seu discurso, ela não sentia absolutamente mais nada por ele. É como se ele nunca tivesse existido para ela. Percebemos em seu relato a não elaboração desta separação e sua dificuldade em elaborar o luto, o que a leva a negar seu amor pelo antigo companheiro e a buscar um substituto para o antigo amor. Em nosso artigo abordaremos o tema amor e a sexualidade feminina que mostram ser conflitantes para Luiza. Segundo Marie-Claire Boons em A propósito do Amor (1986), citando Freud nos Três Ensaios Sobre a Sexualidade (1905), desde a perda do objeto-seio, que induz ao auto-erotismo, pulsão e amor se diferenciam, pois de um lado, o objeto da pulsão, como o seio perdido é indiferente, intercambiável, enquanto o amor visa uma representação global da mãe superestimada. Ainda em Boons (1986), citando Freud em Além do Principio do Prazer (1920), pulsão sexual e amor se juntam no termo Eros que se opõem como pulsões de vida fazendo ligações e pulsão de morte às destruições. Mais tarde ocorre a introdução do narcisismo, onde a sexualidade e o amor se articulam, dizendo que o ser humano tem dois objetivos sexuais originários: ele mesmo e aquele que lhe dirigiu os primeiros cuidados e estes objetos induzem a dois tipos de amor: segundo si mesmo/ ou a mulher que o alimenta, o homem que protege. Boons (1986), diz que o estado amoroso não leva em conta nem a realidade nem suas consequências, sendo cego na


apreciação idealizante do ser amado, sendo as temáticas constantes a propósito do amor: sujeição, credulidade, obediência as ordens do outro, que é considerado como todo poderoso. Podemos perceber claramente essas temáticas em Luiza quando esta diz que vivia em razão do outro e que por mais que ele não demonstrasse desejo sexual por ela, esta era crédula em relação a esse amor, visto que se viu completamente perdida no momento do desenlace do casal. Luiza se dizia responsável e cuidadora de seu ex, como diz Boons (1986), a paixão secreta em si mesma uma atenção infinita para com o outro. A pessoa não se contenta em reconhecer o Outro em que ela se reconhece. Ela se impõe uma responsabilidade quanto a ele. Uma obrigação que não vem de uma lei exterior e sim de onde se origina toda a lei. Luiza dizia que esperava muito ter um filho com seu ex e que aguentava tudo pelo filho que eles tentavam produzir. Boons (1986) nos esclarece sobre esse assujeitamento de Luiza em razão de seu ex-companheiro, dizendo que muitos casais se congelam em uma relação de poder, em que um faz a lei e o outro se torna escravo, crendo que vão encontrar sua recompensa, porém o escravo quer escravizar o outro, o amarrando nas suas redes de satisfações. O escravo se doa mas é um doar com interesse onde normalmente reinam nesta posição. Sobre o feminino em Luiza podemos perceber um lugar de dificuldade em relação a este lugar. No decorrer dos atendimentos verificamos a repetição de Luiza em relação ao seu novo relacionamento amoroso onde o lugar de falta fica configurado. Luiza não sabe lidar com o estar só e em seu discurso verificamos essa problemática, onde a mesma bordeja seu sintoma. Seu discurso sempre difere das atitudes as quais sempre a remetem ao abandono provocando seus parceiros para que estes a deixem, como para afirmar sua condição de mulher abandonada. Luiza volta ao lugar de infante quando se coloca como objeto em suas relações. Como podemos perceber com Serge André em O que quer uma mulher? (1991), ao dizer que a criança é inicialmente gozada, mais que goza, pois ela obtém do Outro que lhe presta cuidados, e esta experiência primária da passividade sexual, onde o sujeito é gozado pelo Outro, é o que Lacan nos ensinou a designar como posição na qual o sujeito se reduz a ser objeto de causa do desejo do Outro. Ainda em André (1991), a falta do Outro é que forma o ponto de partida na histeria, é a falha fundamental encontrada no pai. O falo que a histérica encontra no pai é geralmente insuficiente. O pai da histérica é estruturalmente impotente, este pai não pode dar o apoio com que a histérica conta para assentar sua identidade

feminina. O que se mostra como causa da histeria é uma falta absolutamente radical. Para André (1991), esta falta de apoio para uma identificação feminina faz com que a imagem corporal numa mulher não possa reinvestir e erotizar o real do corpo. A histérica sendo privada de uma identificação feminina, dessa forma se vê reduzida ao estatuto de objeto de consumo entregue à perversão do macho e essa passividade é insuportável a ela. Doente pela falta do Outro, ela vai devotar sua vida pessoal, especialmente sua vida amorosa, para receber enfim, o falo do pai, para obter um signo que a funde numa feminilidade enfim reconhecida. André (1991), diz que a histérica, numa tentativa de remendar a falta sentida pelo pai, tenta identificar-se com uma imagem feminina, produzindo um signo da mulher; surgindo então a inveja. Podemos corroborar com os ensinamentos de André ao analisar a relação de Luiza com sua enteada, que no inicio era de puro encantamento e após a identificação passou a ser de inveja comprovando assim a identificação com o feminino ideal. Para André (1991) a mulher se encontra um pouco em falso no plano de sua identificação imaginária. Sua imagem lhe parece como essencialmente frágil e vacilante daí a extrema atenção que as mulheres dão em geral a essa imagem, pois necessita ser constantemente assegurada de sua feminilidade. André (1991) nos diz que o modo depressivo pelo qual a histérica se apresenta normalmente ao seu analista é bem mais reconfortante do que confrontar-se com o furo enigmático onde cai quando esta se interroga com o que significa “ser uma mulher”. Com a superestimação de outra mulher a histérica encontra um dispositivo cômodo de uma feminilidade da qual se confronta muito diretamente. Ou ela aceita o caminho de sua demanda e sintoma e se empenha em seus projetos de reparação do Outro, bem como de sua imagem corporal, e com isso, dedica-se cada vez mais ao Outro, até sacrificar toda sua existência e a invejar cada vez mais a outra mulher, da qual acredita possuir a imagem perfeita da qual ela se sente despossuída, onde na maioria das vezes, ela encontra o limite do nada e normalmente adoece, deprime, testemunhando assim que não pode reparar o Outro nem sua imagem. Outra saída será a histérica se engajar numa espécie de normalização de sua histeria em lugar de se obstinar em sua demanda. Pode fazer da não resposta a sua demanda, o próprio objeto de seu desejo, colocando este como um desejo que não pode, nem deve ser satisfeito. Desta forma se definindo como aquilo que falta à relação sexual, orientando seu desejo mais para o pólo do amor que para o gozo. Fazendo isso, a histérica é transportada em direção a um Revista de Psicologia l

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modo de desejar análogo ao amor cortês. Referências: ANDRÉ, Serge. O que quer uma mulher? Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 1991. 265 p. BOONS, Marie-Claire. A propósito do amor. Belo Horizonte: Reverso. Rev. nº 25 p. 4 -21. Julho: 1986

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 3 Nome fictício.

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Caso Pedro: Contribuições da Daseinsanalyse Welber de Barros Pinheiro1 Fernando Dório2 RESUMO: Este trabalho teve como objetivo trazer as contribuições da Daseinsanalyse para um estudo de caso. Foram trabalhados os principais conceitos da Daseinsanalyse e sua aplicação na clínica. Pedro (nome fictício) foi atendido durante nove sessões na clínica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva sob a supervisão do professor Fernando Dório. Palavras-chave: Daseinsanalyse. Psicoterapia. Fenomenologia.

A Daseinsanalyse permite compreender o homem segundo as dimensões que são específicas ao ser humano. Baseia-se na fenomenologia como um meio de aproximação e desvelamento dos fenômenos do ser e do existir humano. Isso quer dizer que o existir humano deve ser compreendido de acordo com as dimensões específicas do ser a luz de sua própria experiência. (CARDINALLI, 2005) Porém: A tarefa da terapia daseinsanalítica é libertar o paciente para a sua tarefa de se aproximar da sua historia [...] ela trata o paciente, com o propósito de ampliar a liberdade dele para que ele possa fazer a sua própria historia. Não o passado, não o presente, não o futuro, não a conduta, não o sintoma, mas a totalidade da sua historia: é essa nossa referência na clínica psicológica. (POMPEIA, 2005, p. 42) Cardinalli (2005, p. 58) afirma que “[...] o foco da situação terapêutica é a maneira como determinada pessoa está se relacionando consigo mesma, com os outros e com tudo que se apresenta em seu mundo.” Percebe-se então a importância em se escutar a dinâmica da existência do cliente. Para exemplificar o tema proposto, foram trabalhados alguns fragmentos do estudo de caso Pedro. Pedro tem 12 anos, mora com os pais e foi encaminhado para a clínica de Psicologia pela escola em que estuda. Segundo seu relatório de encaminhamento, Pedro se recusa a fazer as atividades dentro da sala de aula, não presta atenção às aulas e faz muita bagunça. Na ficha de inscrição da clínica, Carmen (nome fictício) sua mãe, atribui que tais problemas enfrentados por Pedro na escola, se referem à perda de um irmão há sete meses com leucemia, fato este que tem abalado toda a família. A Daseinsanalyse vai dizer que para se conhecer melhor o mundo do cliente, é necessário ir além da coleta e da elaboração

de dados trazidos pelo cliente ou sobre ele. É necessário compreender o outro, na maneira de como ele vive, de como se apresenta ao outro, pensa, reage e sente. (SPANOUDIS, 1997) Parte da tarefa do psicoterapeuta é escutar o cliente da forma como se apresenta, e não o fixar em rótulos e queixas que vêm de fora. Como no caso de Pedro, tanto a escola quanto a mãe dizem dele e por ele, mas o que Pedro diz? Durante as sessões, Pedro traz sempre em sua fala o discurso do outro, o que os outros dizem e pensam dele. Pedro vivencia no setting terapêutico a dificuldade em fazer escolhas e se responsabilizar por elas. Diz sempre que “tanto faz” (sic) ou que o terapeuta pode escolher por ele. As sessões foram marcadas por muitos momentos de silêncio. “[...] para uma coisa nova germinar, ela precisa do vazio de um espaço, da calma de um momento [...]”. (SAPIENZA, 2008, p.15) O foco do trabalho psicoterápico é favorecer a aproximação e a compreensão do paciente da sua própria experiência [...] refere-se à totalidade de relações referentes e significativas que constituem o mundo de uma determinada pessoa [...] este entendimento da existência humana não considera que a experiência do paciente se mostra de forma explícita e patente, pois o existir inclui o movimento de encobrimento e de ocultamento. (CARDINALLI, 2005, p. 59) Em determinado momento de uma das sessões, Pedro pergunta ao terapeuta se ele atendia outras pessoas ali, assim como ele. Se essas pessoas melhoravam. Quantas vezes mais ele deveria voltar e se quando terminasse o terapeuta, chamaria sua mãe e contaria a ela o que está acontecendo. O Terapeuta pontuou se ele tinha algo a ser melhorado, Pedro diz rapidamente que não, “que não tem jeito eu não gosto mesmo de escola” (sic). Foi à primeira vez que Pedro falou de si, o que ele pensa e sente sobre o que os outros falam dele. “Terapia é um pouco Revista de Psicologia l

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isto: uma rara ocasião de aprofundar o pensamento em coisas que, a primeira vista parecem ser simples questões de opinião, já resolvidas, mas que, na verdade, precisam ser pensadas”. (SAPIENZA, 2008, p. 36) E foi a partir dessa abertura de Pedro que se conseguiu trabalhar algumas questões incômodas para ele. Algumas sessões foram realizadas na sala de brinquedoteca. Pedro, na interação com jogos e brincadeiras, trazia muito de si e de suas dificuldades. Porém, ficou claro, que o recurso lúdico da brinquedoteca havia se esgotado e tanto Pedro quanto o terapeuta, estavam aliviando a angustia do silêncio neste lugar. Fato este que movimentou o terapeuta a chamar Pedro para o centro dos acontecimentos de sua vida. O terapeuta pontuou que não iriam mais precisar daquela sala de brinquedos para conversar. Após alguns minutos de silêncio, o terapeuta retoma com Pedro o motivo pelo qual ele se encontra ali, na clínica de Psicologia, das queixas feitas pela escola e o que ele pensava disso. Tanto a escola quanto a mãe de Pedro diziam que a perda de seu irmão estava proporcionando a ele todos esses problemas na aprendizagem. Pedro ficou surpreso com esse discurso e diz não gostar de falar neste assunto. Cardinalli diz que: [...] a maneira como o paciente está podendo ser, mais imaturo, dependente ou distanciado dele mesmo, é o ponto de partida do trabalho do terapeuta; e, muitas vezes a primeira tarefa terapêutica é ajudar o paciente a admitir e aceitar o seu sofrimento e suas limitações, de tal forma que ele possa se aproximar e se apropriar de seu modo de ser mais restrito. Este modo de ser do paciente apresenta certa afinação ou tonalidade afetiva e uma compreensão especifica de si mesmo, do outro e do mundo, que no inicio do trabalho terapêutico, muitas vezes, não pode ser tematizada e esclarecida pelo próprio paciente. (CARDINALLI, 2005, p. 61) Em uma das sessões, Pedro conta de suas dificuldades na escola, de estar fazendo algo complexo e de repente não conseguir mais se concentrar. Refere-se à morte do irmão como “negosso”, diz não gostar de falar sobre isso, pois fica triste e começa a lembrar do irmão durante grande parte de seu dia, ficando parado e olhando para o nada. Para Cardinalli: [...] o lócus onde efetivamente ocorre o tratamento, pois é ai que surge a oportunidade de ocorrer mudanças na vida do paciente, seja no sentido de ele saber mais dele mesmo e ampliar a compreensão do seu viver, quando de estabelecer novas maneiras de existir. Assim, o paciente junto com 150 l

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o terapeuta poderá perceber e desenvolver os seus modos de existir. (CARDINALLI, 2005, p. 60) Entretanto, Pedro, reflete e diz sobre a possibilidade de ser por isso que a professora, conforme suas palavras: “pega no meu pé” (sic). Descreveu vários sentimentos em relação ao irmão: saudades, medo de ficar pensando nele, e lembranças dele no hospital sentindo dor. Após alguns instantes pede para se aproximar da janela, estava com falta de ar. Em seguida pronuncia estar sentindo-se bem, sorri e pergunta ao terapeuta: “como vocês fazem isso? Fazer a outra pessoa falar de coisas que ela não quer falar” (sic). Terapia é um pouco isto: oportunidade de o paciente poder olhar, de novo, para o que foi vivido e passou – ou não passou -, para o que é vivido agora, e autenticar tudo como sendo dele, como sendo ele [...] possibilidade de dirigir um olhar diferente para a própria existência e, assim, reformular significados. (SAPIENZA, 2008, p. 25) A próxima sessão ocorreu no começo do semestre seguinte. Pedro chega ao atendimento pedindo para sair mais cedo, pois iria tocar. Ele faz parte de um grupo de percussão da comunidade onde mora. Desde a morte do irmão ele havia se afastado do grupo. Falou um pouco de sua viagem, das coisas que fez e da mudança de escola. Relatou conhecer todo mundo na escola e que até agora está tudo bem. O homem é compreendido com o contexto real e concreto em que vive, e, mesmo se for indiferente a isso, esse ser indiferente é uma escolha, e seu modo de responder as solicitações de seu mundo, de seu tempo. Não há a desculpa de se dizer determinado pelos fatos que configuram uma situação. (SAPIENZA, 2007, p. 36) A nona e última sessão, foi marcada pelo pedido de Pedro para finalizar os atendimentos. Pedro disse não querer retornar mais a terapia, porém não foi possível trabalhar nesta sessão os motivos que o levaram a tomar essa decisão. O pedido de finalização dos atendimentos psicológicos pode ser visto, também, como um ganho pessoal de Pedro, pois posicionar-se e tomar decisões sozinho sempre lhe trouxe dificuldades. Pedro e o terapeuta resolveram juntos chamar Carmem e comunicar a decisão. Carmen já sabia da decisão e disse não concordar, mas não poderia fazer nada. Foi deixada em aberto a possibilidade de retorno à clínica caso exista interesse. Houve também algumas tentativas


posteriores de marcação de mais um atendimento para trabalhar a questão do término dos atendimentos, porém Pedro não quis retomar aos atendimentos. A conclusão deste trabalho possibilitou ao terapeuta, dentre outras coisas despedir-se de Pedro, na certeza de que: Há algumas coisas [...] que independem de teorias. Uma delas é a postura do psicólogo diante de coisas fundamentais, como, por exemplo, o respeito: pelo paciente, pelo contexto da sessão de terapia, pelo segredo profissional; o bom senso de saber que a terapia, seja qual for, não pode tudo [...]. (SAPIENZA, 2008, p. 13)

REFERÊNCIAS CARDINALLI, Ida Elizabeth. As contribuições das noções de ser-no-mundo e temporalidade para a psicoterapia daseinsanalítica. Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse, São Paulo, n. 14, 2005. 80 p. POMPEIA, João Augusto. Daseinsanalyse e a clínica. Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse, São Paulo, n. 14, 2005. 80 p. SAPIENZA, Bile Tatit. Conversa sobre terapia. São Paulo: EDUC Paulus, 2008. 160 p. ______. Do desabrigo a confiança: Daseinsanalyse e terapia. São Paulo: Escuta, 2007. 132 p. SPANOUDIS, Solon. Conhecer o outro na entrevista. Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse, São Paulo, n. 1, 2 e 4, 1997. 79 p.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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A Questão da inclusão de pessoas portadoras de deficiência dentro das organizações Fani Cristina Ferreira1 Antônio Furiati2 RESUMO: Este artigo tem como objetivo pesquisar, através de revisões bibliográficas, a inclusão de pessoas com deficiência nas empresas, como essas empresas estão lidando com a questão das diferenças, e se realmente estão abrindo espaço e transpondo as barreiras para que essas pessoas, apesar da sua deficiência, busquem oportunidades para se posicionar numa sociedade que ainda se mostra tão resistente a mudanças. Tem por objetivo, também, pesquisar o papel da psicologia do trabalho e sua importância nas empresas. Palavras-chave: Empresas. Deficiência. Barreiras. Inclusão.

1 - Introdução A inserção da pessoa com deficiência nas organizações, de acordo com Carvalho-Freitas; Marques (2007), é um tema que vem sendo discutido por teóricos de várias áreas ao longo dos anos e tem demonstrado que o cenário organizacional está mudando, apesar de muitas empresas ainda contratarem apenas em função da Lei de Cotas. A Lei de Cotas foi implantada com objetivo de “forçar” as empresas a reservar uma parte de suas vagas às pessoas com algum tipo de deficiência. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego – MTE (2007), empresas com cem ou mais empregados estão obrigadas a preencher de dois a cinco por cento de seus cargos com beneficiários da Previdência Social reabilitada ou com pessoa portadora de deficiência habilitada, na seguinte proporção: até duzentos empregados, dois por cento; de duzentos e um a quinhentos empregados, três por cento; de quinhentos e um a mil empregados, quatro por cento; ou mais de mil empregados, cinco por cento. 2 – Quebrando barreiras De acordo com o MTE (2007), atualmente existem no Brasil cerca de 24 milhões de pessoas com deficiência e muitas delas, infelizmente, continuam em busca de oportunidades para ingressar no mercado formal de trabalho. Para Carvalho-Freitas; Marques (2007) o que dificulta, e muito, na hora da contratação da pessoa com deficiência é, na maioria das vezes, a falta de conhecimento e as dúvidas dos empregadores em relação à inserção e à gestão do trabalho dessas pessoas, o que indica falta de aprofundamento teórico sobre a questão da deficiência. Para Ferreira (1998) apud Tanaka; Manzini (2005, p.275), a desinformação poderia produzir desconhecimento sobre 152 l

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as reais incapacidades e limitações do deficiente e, também, das suas potencialidades, necessidades, expectativas e sentimentos, o que, de uma certa forma, acabaria conservando os preconceitos existentes em relação a essa população. Não seria somente a desinformação sobre a deficiência o que dificultaria a contratação da pessoa com deficiência, mas também o despreparo, as dúvidas em relação à deficiência e as barreiras que se tornaram obstáculos para a contratação dessas pessoas. Sassaki (1997, p.63) aponta algumas dessas barreiras que podem e devem ser quebradas: “a barreira atitudinal; a falta de ambiente acessível; a não-vontade de efetuar acomodações razoáveis e a falta de informação sobre recursos de reabilitação e técnicas de desenvolvimento de empregos.” Esse seria o ponto de partida para as empresas se tornarem inclusivas. Para Sassaki (1997) uma empresa inclusiva é, aquela que acredita no valor da diversidade humana, contempla as diferenças individuais, efetua mudanças fundamentais nas práticas administrativas, implementa adaptações no ambiente físico, adapta procedimentos e instrumentos de trabalho, treina todos os recursos humanos na questão da inclusão etc. (SASSAKI, 1997, p. 65.) Ainda segundo o mesmo autor, para tornar-se inclusiva, uma empresa precisa sobretudo, da iniciativa dos próprios empregadores na busca de informações sobre a questão da inclusão e também do empenho desses em tentar efetuar mudanças internas relacionadas à adaptação de locais de trabalho; adaptação das máquinas, ferramentas e equipamentos; adoção de


esquemas flexíveis de horário de trabalho; adoção de programas de emprego apoiado (treinamento no próprio local de trabalho); revisão das políticas de contratação de pessoal; revisão da filosofia da empresa; capacitação dos entrevistadores de pessoal; entre outros fatores. No Brasil, a inclusão vem sendo praticada por algumas empresas, não no sentido apenas de responsabilidade social, mas no sentido de mostrar para a sociedade a necessidade de abrir espaços para as pessoas deficientes, e também o esforço desses empregadores em envolver suas empresas no projeto da inclusão, abrindo espaço para essas pessoas e, desta forma, modificando o ponto de vista dos empregadores e da sociedade como um todo.

trabalho tem um importante papel a cumprir, pois, analisando o trabalho é que se permite compreender como os trabalhadores enfrentam as variações das situações no dia a dia e, a partir disso, torna-se possível entender o contexto vivido por cada trabalhador. Esse enfrentamento, segundo Azevedo; Cruz (2006, p.95), é

3 – O papel do Psicólogo do trabalho Segundo Sampaio (1998) a psicologia do trabalho é uma disciplina em movimento e sua história passou por três momentos distintos: como Psicologia industrial, desenvolvendo aplicações e teorias direcionadas ao aumento da produtividade do homem no setor de trabalho em série; como Psicologia organizacional, também desenvolveu ferramentas teóricas e práticas que fizeram com que as estruturas organizacionais fossem repensadas, aumentando, assim, a produtividade e a satisfação do trabalhador e como Psicologia do trabalho, propriamente dita, preocupando-se com a saúde mental do trabalhador, seu significado e as relações de trabalho. De acordo com Sampaio (1998) o campo da Psicologia do trabalho vem crescendo gradativamente e muitos profissionais da área ainda limitam sua ação no campo do recrutamento, seleção e treinamento. No entanto, pesquisas realizadas com esses profissionais mostram que todos têm consciência de seu amplo papel dentro das organizações, podendo contribuir em atividades consideradas essenciais para a empresa e seus empregados, ajudando a empresa a pensar. Para Bastos; Achcar (1994), a psicologia do trabalho está afastando-se da visão reducionista e redescobrindo significados, superando o modelo restrito marcado por seus primórdios e deslocando-se dos processos de seleção e de intervenções centradas nos indivíduos, para atividades que lidam com grupos e com a própria estrutura organizacional. Vale ressaltar que a Psicologia, seja em qualquer campo de atuação, lida com o ser humano, sua individualidade e subjetividade e também seu contexto histórico. Devido a isso, o psicólogo do trabalho não pode deixar de lado a variabilidade humana. Para Azevedo; Cruz (2006, p.95) são vários os aspectos que diferenciam os indivíduos, “as principais características que os tornam seres únicos dizem respeito às variáveis físicas, aos padrões emocionais, aos estilos cognitivos e aos níveis de representação do conhecimento e dos graus de qualificações.” O psicólogo do

Por isso, o psicólogo deve levar em consideração as idiossincrasias dos trabalhadores, ou seja, cada indivíduo é um ser único e especial, com suas limitações e potencialidades e essas características “necessitam ser cuidadosamente ponderadas na análise do trabalho.” (AZEVEDO; CRUZ, 2006, p. 95). Portanto, as condições de vida do trabalhador e seu contexto histórico e familiar podem influenciar nas suas atividades laborais, e com isso, contribuir para que seu desempenho profissional seja satisfatório, ou não. Para uma boa intervenção, é preciso que o psicólogo conheça as variáveis e os reguladores que os trabalhadores utilizam para lidar com as diferenças existentes entre o que lhes é indicado a fazer e o que eles realmente fazem. Assim, o psicólogo terá pistas para conseguir fazer uma elaboração de suas estratégias de intervenção e identificar as principais variáveis presentes nas exigências da tarefa e suas prováveis consequências para o trabalhador (AZEVEDO; CRUZ, 2006). Finalizando, o psicólogo do trabalho tem um longo caminho a percorrer, seja atuando como consultor, selecionando e recrutando pessoas, seja lidando com técnicas grupais nas organizações ou fazendo intervenções individuais. Seja qual for sua área de atuação, lida com a diversidade humana, independente de raça, cor, gênero ou deficiência. O psicólogo tem o papel de representar e levantar a bandeira da inclusão, contribuindo para a quebra das barreiras do preconceito e da exclusão, nos diversos âmbitos da sociedade, não somente dentro das organizações.

influenciado pela diversidade individual, em relação a estatura e gênero, e pela diversidade intra-individual, referente às alterações do estado de cada um quanto aos efeitos dos ritmos biológicos, fadiga ligada aos acontecimentos do dia, fadiga acumulada entre feriados e efeitos do envelhecimento (AZEVEDO; CRUZ, 2006, p.95)

REFERÊNCIAS AZEVEDO, Beatriz Marcondes de; CRUZ, Roberto Moraes. O processo de diagnóstico e de intervenção do psicólogo do trabalho. Cadernos de Psicologia Social do trabalho, 2006, vol. 9, n.2, p. 89-98. Disponivel em: <http:// pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/cpst/v9n2/v9n2a07.pdf>. Acesso em: 30 de out. 2009. BASTOS, Antonio Virgilio Bittencourt; ACHCAR, Rosemary. Dinâmica profissional e formação do psicólogo: uma perspectiva de integração. In: Conselho Federal de Revista de Psicologia l

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Psicologia. Psicólogo Brasileiro – Práticas emergentes e desafios para a formação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994, p. 245-271. CARVALHO-FREITAS, Maria Nivalda de; MARQUES, Antonio Luiz. A Inserção de pessoas com deficiência em empresas brasileiras: uma dimensão especifica nas organizações. XXXI Encontro da ANPAD: Rio de janeiro, 2007. GOULART, Iris Barbosa; SAMPAIO, Jader dos Reis. Psicologia do Trabalho e Gestão de Recursos Humanos: estudos contemporâneos. In: SAMPAIO, Jader dos Reis (Org.) Psicologia do trabalho em três faces. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998, p. 19-39. MINISTERIO DO TRABALHO E EMPREGO - SECRETARIA DE FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO. A Inclusão de Pessoas com deficiência no mercado de trabalho – 2. Ed. – Brasília: MTE, SIT, 2007. 100 p. SASSAKI , Romeu Kazumi. Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997. 176 p. TANAKA, Eliza Dieko Oshiro; MANZINI, Eduardo José. O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiência. Revista brasileira de educação especial, 2005, vol. 11, n.2, p. 273-294. Disponivel em: <http://www.scielo.br/pdf/rbee/v11n2/v11n2a8.pdf>. Acesso em 12 de out. 2009.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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Inclusão dos Portadores de Necessidades Especiais no Trabalho: uma análise da Psicologia A mente que se abre a uma nova idéia, jamais voltará ao seu tamanho original. Albert Einstein Fernanda Rodrigues de Figueiredo Galhano1 Antônio Furiati2 RESUMO: Este artigo discorre sobre a importância da inclusão dos portadores de necessidades especiais no mercado de trabalho sob o viés da psicologia organizacional. A partir das discussões acerca da organização do trabalho pretende apontar as transformações e desafios da prática inclusiva e as contribuições da psicologia. Palavras - chave: Inclusão. Portadores de necessidades especiais. Trabalho e psicologia.

“O processo de inclusão político-sócio-cultural demandado por diversos setores da sociedade tem acontecido, embora que ainda de forma bastante parcial. Isso demonstra a urgência de tratar a inclusão na contemporaneidade” (MARTINS, 2003). (...) já é tempo da psicologia vir a contribuir no sentido de conhecer modos de pensar, apreciar e agir dos sujeitos acerca de temas emergentes da contemporaneidade, ao tomar contextos referentes ao mundo de trabalho que passa por reestruturações e renovações tecnológicas e sobre ele repousar um olhar que se caracterize ao mesmo tempo, crítico e criativo (GRISCI, 1999). A partir desse contexto, o presente artigo embasa-se na psicologia (ciência voltada ao estudo do ser humano e facilitadora do seu desenvolvimento) e nas discutições ocorridas no estágio “Promoção de Saúde e Trabalho” sobre a organização do trabalho para analisar os impactos da inclusão dos portadores de necessidade especiais no mercado de trabalho. Para tal, é importante citar as considerações de Toledo (1986) sobre a Psicologia Organizacional: É o estudo do fator humano na organização. Este estudo abrange a atração, retenção, treinamento e motivação dos recursos humanos na empresa, assim como a criação de condições organizacionais de trabalho e sistemas de recompensa (...) que auxiliem na criação de clima propício para que funcionários possam atingir suas metas de trabalho e desenvolvimento profissional. (...) A psicologia organizacional em seu contexto mais amplo, coloca ên-

fase nos aspectos grupais e organizacionais do trabalho. Segundo Chiavenato (1999), na maioria das organizações o grande diferencial e a principal vantagem competitiva das empresas decorrem das pessoas que nelas trabalham. São as pessoas que geram e fortalecem a inovação e o que deverá vir a ser. Existe uma tendência das organizações ampliarem seu papel, deixando de ser somente unidades de produção de bens e serviços; para se tornarem, também, espaços sociais em que os indivíduos, isolados ou em grupos, possam realizar aprendizagens mais significativas para o desenvolvimento de seus potenciais inexplorados; onde tenham oportunidade de usar seus talentos em prol do próprio desenvolvimento e do desenvolvimento da organização e da sociedade (MOSCOVICI 1994, p.73). Para Morin (2001) os momentos de transformação organizacional constituem potencialmente uma oportunidade para reorganizar o trabalho de tal forma que a qualidade de vida e a eficácia organizacional sejam melhoradas; já que o trabalho representa um valor importante, exerce influência considerável sobre a motivação dos trabalhadores e também sobre sua satisfação e sua produtividade. Nós trabalhamos porque precisamos do dinheiro para sobreviver. Mas também trabalhamos porque isto contribui para a nossa dignidade, nosso valor como pessoas. O trabalho nos dá mais controle sobre nossa vida e nos conecta com as outras pessoas. Sinto-me realmente privilegiado em ser remunerado pelo o que adoro fazer. Toda sociedade que exclui pessoas do trabalho, por qualquer motivo, sua deficiência ou sua cor ou seu gênero, está destruindo a esperança e ignorando talentos. Se fizermos isso, coloRevista de Psicologia l

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caremos em risco todo o futuro (ROBERT WHITE, apud SASSAKI, 1997, p.1). Tendo em vista as considerações acima, Araujo e Schmidtn (2006) afirmam que a inclusão é um processo no qual a sociedade se adapta para permitir a participação das pessoas em todos os seus setores, inclusive daquelas pessoas com necessidades especiais, e essas, por sua vez, se preparam para assumir seus papéis na sociedade. Nota-se que o acesso ao mercado de trabalho é um dos aspectos do processo de inclusão; importante por proporcionar às pessoas condições para a satisfação de suas necessidades básicas, sua valorização e o desenvolvimento de suas potencialidades. O Brasil conta com 24 milhões de pessoas com deficiência, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essas pessoas, porém, não circulam nas ruas, nas escolas comuns, nos locais de lazer e cultura e muito menos têm acesso ao trabalho. É hora, portanto, de se reverter esse quadro. Segundo Abranches (2000), aproximadamente desde 1990 é crescente a pressão social no sentido de que os direitos humanos dessas pessoas sejam respeitados dando cumprimento, entre outras coisas, à oferta de serviços de educação, reabilitação, saúde, transporte, emprego, etc. A história de oferta de profissionalização para portadores de necessidade especial passou por diversas fases ao longo dos tempos. De acordo com Sassaki (1997), podem-se identificar diferentes momentos nos procedimentos de profissionalização adotados pela sociedade e direcionadas às pessoas portadoras de necessidades especiais, como por exemplo, a fase de exclusão social, de segregação institucional, da integração e da inclusão social. Na fase de integração, diversas modalidades de trabalho eram oferecidas às portadoras de necessidades especiais – o trabalho plenamente integrado, no qual essas trabalhavam em setores de empresas públicas ou privadas sem que houvesse qualquer reestruturação ambiental ou cultural da própria empresa para receber tais funcionários; trabalho integrado, no qual as empresas se dispunham a fazer pequenas alterações em seu espaço físico ou nos postos de trabalho para favorecer a colocação desses funcionários; e o trabalho semi-integrado, em que eles trabalhavam em setores exclusivos das empresas, portanto segregativos, com ou sem alterações (SASSAKI, 1997). Essas formas de integração favorecem que os funcionários com necessidades especiais tenham dificuldade em se envolver em programas de treinamento e desenvolvimento de recursos humanos, seja por dificuldades de acesso, seja por falta de integração social real com os demais participantes da empresa. 156 l

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Na fase da inclusão, o que se pretende é que empregadores, instituições formadoras e os portadores de necessidades especiais enfrentem juntos os desafios da qualificação, da produtividade e da competitividade. No Brasil, a profissionalização dessas pessoas tem sido oferecida, prioritariamente, por instituições especializadas, por centros de reabilitação e por associações de pessoas deficientes. As modalidades de profissionalização oferecidas vão desde o treinamento para a colocação em emprego competitivo até o programa de emprego apoiado, passando por alternativas como o trabalho protegido (oficinas) ou programas de pré-profissionalização (SASSAKI, 1997). A literatura atual tem se mostrado favorável a programas de emprego apoiado, como forma viável de inclusão de portadoras de necessidades especiais no mercado de trabalho, apesar de ainda ser uma modalidade pouco difundida entre as agências profissionalizantes (RAGAZZI, 2001; ARANHA, 2003) Segundo Sassaki (2000), desde a Carta para o Terceiro Milênio, proclamada em 1999, a meta de todas as nações é de evoluírem para sociedades que protejam os direitos das pessoas com deficiência mediante o apoio ao pleno empoderamento e inclusão delas em todos os aspectos da vida. No entanto, essa meta depara-se com alguns problemas, como por exemplo, da educação e da empregabilidade, em que se destaca o preparo profissional inadequado dos usuários de instituições especializadas e o despreparo atitudinal, arquitetônico e programático das empresas para receber trabalhadores com deficiência (SASSAKI, 2000) Conforme Sassaki (2000), para uma efetiva educação profissional e colocação no mercado é preciso educar a sociedade para que ela adote a visão inclusivista na elaboração e prática das políticas públicas em torno dos direitos e necessidades de todos os segmentos populacionais. Assim é preciso estar atento para não perpetuar, nas novas políticas públicas, certas práticas geradas sob o paradigma da integração social, tais como: criação de subsistemas separados para pessoas com deficiência (escolas especiais, classes especiais, brinquedos separados em parques de diversões etc.). Tais práticas são segregativas, discriminatórias e reforçadoras de estigmas, entre outros aspectos negativos. É preciso uma mudança de atitude que envolva a pessoa com deficiência, sua família, a instituição especializada e a comunidade, em especial o mercado de trabalho. A atualização das políticas públicas, assim como a elaboração de novas políticas públicas, deve passar, portanto, pelo prisma da inclusão social a fim de que possamos ter a garantia de que estamos no rumo certo diante das novas tendências mundiais no enfrentamento dos desafios da diversidade humana e das diferenças individuais em todos os


campos de atividade humana. Também é importante que a sociedade, em especial as empresas, mude em termos de filosofia de contratação das pessoas deficientes; com a implementação de programas de prontidão simultânea para empregar pessoas com deficiência e das pessoas com deficiência para desenvolver sua empregabilidade; implementação de sistemas nacional e estaduais de educação profissional e colocação no mercado de trabalho; as escolas comuns e as escolas especiais devem tornar-se cada vez mais inclusivas. Por fim, o autor enfatiza a atualização das instituições especializadas em termos de filosofia de atendimento à pessoas com deficiência, oferecendo programas e serviços condizentes com o atual movimento de empoderamento e vida independente (SASSAKI, 2000) A psicologia em geral, em especial a psicologia organizacional, tem, como um de seus papéis, a importância de favorecer a inclusão, orientando e formando profissionais dessa área com ênfase no ser humano, para permitir uma maior conscientização popular e acadêmica sobre esta temática, realçando o significado do trabalho na vida do homem, como espaço de realização pessoal e de formação de identidade, e o risco à saúde física e psíquica do trabalhador advindo da não-concretização destas vivências positivas (GRISCI, 1999). O homem não é uma máquina. O homem tem emoções, sentimentos e necessidades que, muitas vezes, fogem à sua vontade. Cabe ao administrador e o psicólogo conhecer este ser cada vez mais para visualizá-lo em suas plenas potencialidades, seja ele portador de necessidades especiais ou não (GRISCI, 1999)

CHIAVENATO, Idalberto. Administração de recursos humanos: fundamentos básicos. 4.ed. São Paulo: Atlas, 1999. Grisci, Carmem Lígia Iochins - Trabalho, Tempo e Subjetividade: Impactos da Reestruturação Produtiva e o Papel da Psicologia nas Organizações - in: Revista Psicologia, Ciência e Profissão, nº 1, ano 19, p. 02 - 13, Brasília, 1999. MARTINS, Geraldo. Notas em per-curso: as faces da inclusão – do individual ao político-social. In__________ BETIM, Prefeitura Municipal – Secretária Municipal de Educação e Cultura. Coletânea de textos referentes à Jornada de Estudos dos Pedagogos: Dilemas, desafios e perspectivas no campo da prática. Betim, 2003. (mimeo) p.12-14. MORIN, Estelle M. Os sentidos do trabalho. Revista de Administração de Empresas, São Paulo , v.41, n.3 , p. 8-19, jul./set. 2001. MOSCOVICI, Fela. Equipes dão certo: a multiplicação do talento humano. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1994 239 pAraujo e Schmidtn (2006) RAGAZZI, C.L.M. Emprego com apoio: alternativa viável para inserção de pessoas com deficiência mental no mercado de trabalho? 2001. Dissertação (Mestrado em Educação Especial - Educação do Indivíduo Especial) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997. ____________, Implicações do paradigma da inclusão para o emprego d e pessoas com deficiência. In: ABRANCHES, Cristina e outros. Inclusão dá trabalho. Belo Horizonte: Armazém de Idéias, 2000, 83-112. TOLEDO, F., Dicionário de Recursos Humanos. São Paulo: Atlas, 1986.

NOTAS DE RODAPÉ Portanto, incluir é reconstruir nossa subjetividade para termos as ferramentas que permitam a sobrevivência, a solidariedade e o convívio com as diferenças. “Só assim poderemos sustentar os quatro pilares da educação que fundamentarão o novo milênio: aprender a ser, aprender a conviver, aprender a fazer e aprender a conhecer” (MARTINS, 2003).

1 Acadêmica do curso de Psicologia, do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

REFERÊNCIA ARANHA, M.S.F. Trabalho e emprego: instrumento de construção da identidade pessoal e social. Brasília: Corde, 2003. ARAUJO, Janine Plaça; SCHMIDT, Andréia. A inclusão de pessoas com necessidades especiais no trabalho: a visão de empresas e de instituições educacionais especiais na cidade de Curitiba. Rev. bras. educ. espec., Marília, v. 12, n. 2, ago. 2006 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1413-65382006000200007&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 11 out. 2009. doi: 10.1590/S1413-65382006000200007. Revista de Psicologia l

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Preparação para a aposentadoria e o papel do psicólogo nas organizações Pollyanna Magalhães Nobi1 Antônio Furiati2 RESUMO: O presente artigo tem como objetivo pesquisar a importância do trabalho para a construção da identidade social, o conceito de aposentadoria, as consequências que esta pode causar no trabalhador, e o papel do Psicólogo nas organizações no que diz respeito aos programas de preparação para aposentadoria. Palavras-chave: Identidade social. Trabalho. Aposentadoria. Papel do psicólogo.

1 – Introdução A visão de trabalho sempre esteve ligada a algo negativo, ruim, associado à tortura, sofrimento, pena e labuta. Para Albornoz (1995), o conceito de trabalho oscila e está ligado, muitas vezes, às ações dos homens carregadas de emoções, dor, suor do rosto ou fadiga. Contudo, tais ações são vistas como fator fundamental para a sobrevivência e realizações do sujeito, e devem gerar certo reconhecimento social. Lima (1988) ressalta que alguns autores buscaram estudar a evolução e as transformações do conceito de trabalho na sociedade. Se antes do capitalismo o trabalho era especialmente para garantir a sobrevivência material, este conceito se modificou no decorrer do tempo. Dois grupos de autores apresentaram visões diferentes sobre o trabalho, um primeiro diz que “trabalhar para o homem moderno transformou-se numa mera venda do seu tempo, não importando a quem ou para o que seja. O que importa é o resultado econômico, já que a tarefa que executa não tem o menor sentido” (LIMA, 1988, p.69). E um segundo grupo, tendo Weber como precursor, diz-se da reavaliação do trabalho dentro do cristianismo, “a partir da Reforma Protestante, quando passa a representar o cumprimento de um dever e a busca de realização [...] o trabalho deixou de ser um meio, tornando-se um fim em si mesmo.” (LIMA, 1988, p.70) Para Lima (1988), o trabalho na cultura contemporânea representa, além da sobrevivência material, um valor moral diante da sociedade. As pessoas sentem-se bem por executarem seus trabalhos com eficiência, acreditam que assim estão cumprindo seu dever, sendo valorizados socialmente por isso. O trabalho passa a ser a principal dimensão da existência humana, e as outras se tornam secundárias. Segundo Santos (1990), o sujeito é apresentado a uma sociedade pronta, com padrões a seguir, e se constrói com as ex158 l

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periências sociais ao estabelecer relações com o ambiente social no qual está inserido; reconhece a importância dos papéis sociais para a construção da identidade social, pois esses caracterizam a identidade de outro e o lugar de cada sujeito no grupo social. Ainda segundo Santos (1990), a inserção no mercado de trabalho é vista como algo natural ao ser humano em sua condição de vida. Ao passar para o mundo adulto, espera-se que isso aconteça como uma sequência da vida, sendo um atributo de valor em uma sociedade que valoriza especialmente o fator produtivo. 2 – Aposentadoria Segundo Oliveira (2001, p. 55-56), aposentadoria “sugere descanso, repouso, quietude, alívio, desaceleração, parada, ruptura com os estilos de vida assentados no trabalho cotidiano e o consequente formalismo que o caracteriza: horários, responsabilidades [...].” É a passagem da vida formal no trabalho para a desocupação, e consequentemente pelo ócio. O conceito de aposentadoria encontrado na literatura sugere o que deveria acontecer com as pessoas que se aposentam de seus trabalhos. Contudo, o autor ressalta que na maioria das vezes não é isso que acontece, pois, conforme mencionado anteriormente, a sociedade na qual o individuo é inserido ao nascer é uma sociedade do trabalho, que valoriza aqueles que ganham o pão pelo suor do próprio rosto. Ressalta, ainda, que a aposentadoria é vivida de maneiras diferentes, uma vez que o trabalho é vivenciado de forma particular, subjetiva. Contudo, acaba gerando praticamente os mesmos efeitos, ocorrem fenômenos como “perda do referencial, o declínio físico, a sensação de abandono, a dependência de outras pessoas, a perda da noção de futuro [...].” (OLIVEIRA, 2001. p.56). O envelhecimento acontece para todos, é inevitável, e acontece praticamente junto com a aposentadoria, daí o declínio


acentuado da vida humana. O autor destaca ainda a fala da maioria das pessoas referente à aposentadoria, durante anos de pesquisa sobre o tema: “Deixe vir, saberei cuidar dela assim que chegar”. No entanto, quando a aposentadoria bate à porta, muitos não sabem lidar com ela; suas principais consequências são a síndrome da inutilidade e as doenças relacionadas ao sistema imunológico, passando por crises profundas de depressão. 3 – Preparação para a aposentadoria e o papel do Psicólogo nas organizações Diante de uma sociedade capitalista, em que as pessoas são valorizadas sociamente pelo que fazem, Zanelli e Silva (1996) apontam que a aposentadoria efetuada de modo abrupto torna-se um momento propício para episódios amargos, como separação conjugal, doenças severas e até suicídios. A aposentadoria deveria ser vista como parte do processo da carreira de todo trabalhador, uma transição como outra qualquer, contudo, se não for feita uma preparação para recebê-la, pode não acontecer de forma tranquila. Para Zanelli e Silva (1996, p. 30-31), “a transição que ocorre na aposentadoria pode ser facilitada sobremodo quando promovem situações ou vivências no contexto organizacional, enquanto a pessoa ainda executa as suas atividades de trabalho”, pois, romper bruscamente suas rotinas é potencializar um início de desajustes em várias esferas da vida pessoal. Ainda segundo os autores, muitas pessoas vivenciam os momentos antecedentes à aposentadoria de forma obscura, agindo de maneira pueril, revelando falta de esclarecimentos e resistências diante da situação. Diante disso, é fundamental clarificar ao trabalhador que “as influências pelas quais passa ou passará têm implicações decisivas na adequação e ajuste individual. E [...] facilitar a concepção de atividades alternativas ou, [...], repensar projetos de vida”. (ZANELLI; SILVA, 1996, p. 32). Sendo assim, a preparação, tomada de consciência, e a busca de novas áreas de interesse incentiva a descoberta de potencialidades, a fim de prevenir conflitos emergentes. Preparar-se para a aposentadoria é “ensinar que as possibilidades de ação não se esgotam com o fim de uma carreira”. (ZANELLI; SILVA, 1996, p. 32). Zanelli e Silva (1996) propõem que sejam formados grupos para a execução do Programa de Preparação para Aposentadoria, que tem como finalidade o desenvolvimento e criação de uma pré-aposentadoria. A formação de grupos favorece um compartilhamento da vivência singular de cada integrante, contribuindo para o crescimento de todos e a preservação da autoestima. A participação de todos na exposição dos seus sentimentos é importante para que o contexto de ressocialização seja criado. Os autores salientam que o Programa é um processo que visa a resso-

cialização na base do respeito ao ser humano, diante da consciência dos prejuízos que o rompimento brusco das rotinas do trabalho pode causar aos sujeitos. O Programa não é um processo terapêutico, mas pode surgir uma necessidade de encaminhamento de alguns participantes para um acompanhamento psicológico. Zanelli e Silva (1996) apontam que o Programa é visto pela organização e pelos empregados de formas diferentes; para a organização, pode significar um aprendizado de um novo padrão de relacionamento com os trabalhadores; já para os empregados, pode significar a possibilidade de um reconhecimento, ou um alerta para problemas no sistema produtivo. O Programa de Preparação para Aposentadoria apresentado por Zanelli e Silva (1996) teve início em 1992 e foi realizado pelos alunos do curso de Psicologia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), orientados pelos professores José Carlos Zanelli e Narbal Silva. Iniciou-se com uma pesquisa preliminar realizada com participantes da organização que tinham intenção de se aposentar nos próximos dois anos. Nesta pesquisa, ”descrevem-se os seus componentes e são feitas sugestões de palestras informativas associadas às vivências grupais, com intenção de facilitar mudanças no nível cognitivo e no nível afetivo, predispondo para novos projetos de vida” (ZANELLI; SILVA, 1996. p. 35). O Programa foi realizado em dez encontros, um por semana, com grupos de no mínimo 8 (oito) pessoas e no máximo 15 (quinze) participantes. Foram realizadas diversas técnicas, dentre elas entrevistas, palestras, com diversos temas, e dinâmicas, que facilitam a integração e propiciam um ambiente para que todos consigam expor seus sentimentos e vivências subjetivas. Após a conclusão do Programa, são feitas algumas atividades completares, como um acompanhamento e uma avaliação, “para verificar não só a qualidade do trabalho desenvolvido, como também para constatar se os objetivos propostos estão sendo alcançados no nível das aspirações dos participantes.” (ZANELLI; SILVA, 1996. p. 101) Após o estudo do Programa de Preparação para Aposentadoria, é possível se fazer uma análise de qual o papel do Psicólogo dentro das organizações e diante de trabalhadores que irão se aposentar. Propiciar um autoconhecimento, conseguir fazer com que as pessoas enxerguem suas qualidades e habilidades fora da organização, é agir de forma a facilitar um processo de escolha a esses futuros aposentados. Escolher no sentindo de buscar atividades substitutivas, que ocupem tempo e gerem prazer, para que o momento da aposentadoria seja vivenciado de forma produtiva, não de decadência. Criar um programa semelhante a esse nas organizações pode ser um dos papéis do profissional da Psicologia, que tem como função auxiliar para que o ambiente do trabalho seja cada vez mais saudável. Assim como o pós-trabalho. Revista de Psicologia l 159


REFERÊNCIAS ALBORNOZ, Suzana. O que é trabalho. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995. 102 p. (Coleção Primeiros Passos). CODO, Wanderley. O que é alienação. 10. ed. São Paulo: Brasiliense, 1997. 96 p. LIMA, Maria Elizabeth Antunes; O significado do trabalho Humano. CARVALHO, Abigail de Oliveira (Org.). Administração Contemporânea: o significado do trabalho humano. Belo Horizonte: UFMG, 1998. 284 p. OLIVEIRA, João Cândido de. Aposentadoria: um caminho que nem sempre leva o caminhante ao melhor lugar. Belo Horizonte: Cultura, 2001. 271 p. SANTOS, Maria de Fátima de Souza. Identidade e aposentadoria. São Paulo: E.P.U, 1990. 80 p. ZANELLI, José Carlos; SILVA, Narbal. Programa de preparação para aposentadoria. Florianópolis: Insular, 1996. 112 p.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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Treinamento Organizacional: Um instrumento gerador de qualidade de vida para o colaborador e de desenvolvimento para a empresa Aline J. R. Machado1 Denise Rossi2 RESUMO: Este trabalho teve como ponto de partida a Pesquisa de Clima Organizacional realizada em uma empresa de Belo Horizonte. A partir dessa pesquisa, foi feito o Diagnóstico Organizacional, que permitiu o levantamento das necessidades da empresa. Definida a demanda, foi possível traçar um plano de ação, que inclui elaboração e realização de treinamento para desenvolver os colaboradores. O objetivo deste artigo é, portanto, refletir sobre o treinamento organizacional como meio de promoção de qualidade de vida no trabalho, buscando discutir sobre como esse tema tem sido tratado na sociedade atual. Palavras-chave: Trabalho, qualidade de vida, treinamento, desenvolvimento.

Introdução O presente artigo partiu da Pesquisa de Clima Organizacional realizada na Clínica Carijós durante o segundo semestre de 2009, que se constituiu da identificação dos indicadores para o Diagnóstico de Clima Organizacional. O trabalho foi fundamentado nas teorias organizacionais da gestão de pessoas e utilizou o Questionário de Diagnóstico Organizacional – QDO3 e entrevistas individuais com os gestores e funcionários da empresa como métodos para obtenção de dados, o que permitiu o levantamento de hipóteses e a formulação de sugestões de intervenção. A Pesquisa foi realizada com o objetivo de identificar o estado em que a Clínica Carijós se encontrava naquele momento. Diante da demanda identificada, foi elaborado um plano de ação contendo sugestões de intervenções e de outras ações corretivas e preventivas a serem inicialmente implantadas na empresa no primeiro semestre de 2010, como prática da disciplina Estágio Supervisionado V (Psicologia do Trabalho II). Dentre as sugestões, estava a implantação de um programa de treinamento comportamental para a equipe, o que foi ao encontro da demanda já identificada pela área de Recursos Humanos da empresa e se caracterizou como ponto fundamental para a prática do estágio. Desenvolvimento Propõe-se, neste trabalho, um recorte da realidade da empresa pesquisada. Tal recorte consiste no aprofundamento em um tema fundamental que necessitava de avanço na organização. Toma-se, portanto, como objeto desse estudo o treinamento enquanto instrumento de promoção de Qualidade de Vida no

Trabalho – QVT para o colaborador e de desenvolvimento para a empresa. Pode-se dizer que é consenso a afirmação de que o trabalho tomou uma dimensão vital para o homem moderno. Para muitas pessoas, o trabalho é a maior fonte de laço social, de dignidade, de valorização e até de trocas afetivas, uma vez que é o lugar onde elas passam grande parte do dia. Contudo, é importante ressaltar que uma ambiguidade cerca o mundo do trabalho. Se por um lado, ele é extremamente valorizado, por outro, pode ser também fonte de sofrimento psíquico e físico. Diante da extrema relevância do trabalho na vida humana, o tema QVT ganha cada vez mais notoriedade na sociedade contemporânea. De acordo com Bom Sucesso (1997), a palavra “trabalho” vem do latim tripalium, que se refere a um antigo instrumento de tortura utilizado para punir criminosos. Se em outro período da história da humanidade o trabalho foi concebido como algo humilhante e desqualificante, hoje se busca, através dele, encontrar prazer, significado e dignidade. Embora o tema QVT faça parte do cotidiano, os parâmetros para a definição do que é viver com qualidade são múltiplos e resultam das características, expectativas e interesses individuais. Segundo Chiavenato (1999), o termo foi difundido por Luis Davis na década de 70 e se refere à preocupação com o bem estar geral e à saúde dos trabalhadores no desempenho de suas tarefas. Posteriormente, muitos outros autores forneceram definições para o termo. Para França (2001), QVT representa um dos maiores desafios empresariais. Tendo em vista que uma organização é formaRevista de Psicologia l

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da por pessoas, interessa-lhe que seus colaboradores se encontrem saudáveis, física e psiquicamente. Contar com profissionais saudáveis é do interesse de qualquer organização. Entretanto, é preciso compreender que “saúde não é apenas ausência de doença, mas também o completo bem estar biológico, psicológico e social...” (FRANÇA e ZAIMA, 2002, p. 407). Entende-se, assim, que não é suficiente para uma empresa a contratação de profissionais que não apresentem patologias, mas é necessário que seja oferecido um ambiente que favoreça o bem estar biopsicossocial do colaborador no seu trabalho. No mercado de trabalho atual, para Bom Sucesso (1997), não cabe acreditar que pessoas produzam resultados de qualidade apesar do baixo salário, da centralização de decisões e do baixo investimento em treinamento e desenvolvimento. Nas organizações do século XXI, emerge a realidade de que a produtividade está cada vez mais associada ao desenvolvimento de um ambiente de cooperação em lugar do trabalho estafante e individual. Assim, a competência em se relacionar com o outro passa a ser tão importante quanto a competência técnica. A promoção da QVT está relacionada ao valor dado pela empresa ao seu colaborador. Tal atitude organizacional se vincula a uma inter-relação entre investimento no funcionário e benefício da produtividade. De acordo com França (2001), a valorização das pessoas é o primeiro passo para viabilizar uma vida mais saudável com produtividade. Chiavenato (1999) coloca que a QVT assimila duas posições antagônicas. Por um lado há a reivindicação dos empregados quanto ao bem estar e satisfação no trabalho e por outro, o interesse das organizações quanto aos seus efeitos sobre a produtividade. Bom Sucesso (1997) afirma que o trabalho pode ser castigo, dever inevitável, forma de se obter sustento, mas também, experiência associada ao prazer. Esta última possibilidade ocorre quando há significado e contribuição naquilo que se faz. Embora o salário seja citado como a maior razão para se trabalhar, o empregado também pode buscar estabilidade, desafio, possibilidade de crescimento e de aprendizagem, convivência, amizade, status. A autora aponta a pesquisa de clima como estratégia essencial, que identifica até que ponto as expectativas individuais são atendidas pela organização, pois permite mapear a realidade interna de uma organização e buscar caminhos para melhorar a qualidade de vida de seus colaboradores. Tendo em vista a competição acirrada do mercado de trabalho e os problemas sociais e econômicos pelos quais passa grande parte da população, a falta de capacitação do profissional pode ser causadora de sofrimento. O trabalhador se vê em dificuldade de exercer sua função, podendo surgir o medo da substituição 162 l

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por outro profissional mais capacitado. Além disso, pode-se dizer que a exigência pela produtividade também tem se tornado sem limites. Esses e inúmeros outros fatores contribuem para o adoecimento do colaborador. Diante disso, o treinamento pode ser utilizado para minimizar seus efeitos sobre o trabalhador, já que fornece capacitação, valorização e possibilidade de desenvolver novas habilidades. De acordo com Chiavenato (1999), desenvolver pessoas não é apenas dar-lhes informações, mas fornecer a formação básica para aprender novas atitudes, soluções, ideias, conceitos, que modifiquem seus hábitos e comportamentos e que façam com que elas se tornem mais eficazes naquilo que fazem. Assim, treinar pessoas implica formar, que é muito mais que informar, e, ainda, agregar valor às pessoas e à organização. Portanto, QVT parte do reconhecimento de que um colaborador bem treinado e bem posicionado se encontra em melhor condição de lidar com as dificuldades e pressões que as novas relações de trabalho impõem. Considerações Finais Pode-se dizer que, no mundo do trabalho, viver com qualidade provém do reconhecimento dos direitos e responsabilidades, da contribuição social e do orgulho pela própria ocupação. Certamente, o treinamento organizacional não é capaz de abarcar todas as ações necessárias à promoção da qualidade de vida dentro de uma empresa, mas pode ser usado como um valioso método para o alcance desse objetivo, contribuindo para um ambiente de trabalho salutar, que possibilita maior bem estar para o colaborador e produtividade para a empresa. Para além dos ganhos de produtividade da organização, é fundamental colocar que promoção de qualidade de vida no trabalho implica, essencialmente, respeito pela pessoa. Referências CHIAVENATO, Idalberto. Desenvolvendo Pessoas. In:___. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999. Parte V, p. 289-343. CHIAVENATO, Idalberto. Higiene, segurança e qualidade de vida. In:___. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999. Cap. 15, p. 374-398. BOM SUCESSO, Edina de Paula. Trabalho e qualidade de vida. Rio de Janeiro: Ed. Dunya, 1997. 183p. FRANÇA, Ana Cristina Limongi. Treinamento e qualidade de vida.In: BOOG, Gustavo G. (org.). Manual de treinamento e desenvolvimento. São Paulo: Makron Books, 2001. p. 235-254.


FRANÇA, Ana Cristina Limongi. ZAIMA, Gustavo. Gestão de qualidade de vida no trabalho. In: BOOG, Gustavo G. (org.). Manual de gestão de pessoas e equipes. São Paulo: Editora Gente, 2002. p. 403-421.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Metodologia quantitativa elaborada pela profª Denise Rossi do Laboratório de Gestão de Pessoas - LAGEP do Centro Universitário Newton Paiva

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Qual é o papel do líder no ambiente organizacional? Alisson Freitas Costa1 Denise Rossi2 RESUMO: Este artigo tem como objetivo mostrar o papel do líder no ambiente organizacional como a pessoa responsável pelo desenvolvimento financeiro e humano da empresa, identificando e trabalhando os pontos a serem desenvolvidos. Sabemos que ser líder é uma tarefa muito difícil e que exige muita dedicação, onde ser estratégico, ter sabedoria e também ter perfil arrojado são os pontos fundamentais, pois, liderar pessoas não é nada fácil. Palavras-chave: Líder. Liderança. Organização. Colaboradores.

1 – INTRODUÇÃO Este artigo é resultado da pesquisa de clima realizada em uma copiadora de pequeno porte onde foi utilizado como instrumento o Diagnóstico de Clima Organizacional, com objetivo de identificar o estado atual da empresa, por meio da análise de seus pontos fortes e pontos fracos existentes no presente e das oportunidades e riscos que esta poderá encontrar no futuro. Para a realização da pesquisa de Clima Organizacional na empresa pesquisada, foram realizadas visitas técnicas á empresa com o intuito de conhecer o espaço físico, assim como a participação de seus colaboradores e aspectos relevantes de sua história, a partir de uma entrevista com seu gerente. Também foram entrevistados funcionários, o que possibilitou a coleta de alguns dados sobre a função, sugestão de melhorias, perfis dos cargos e dentre outras informações referentes aos cargos ocupados. Foi também aplicado o Q.D.O (Questionário de Diagnóstico Organizacional)², instrumento quantitativo de grande relevância no desenvolvimento da pesquisa, já que se estrutura em 8 indicadores: os objetivos da organização, estrutura, liderança, relacionamento com colegas e chefia, mecanismos de apoio, recompensas, propensão a mudanças e postura dos colaboradores. Todos esses indicadores são considerados importantíssimos para o crescimento e desenvolvimento da empresa pesquisada. A partir dos resultados apresentados na pesquisa de clima, todos os indicadores apresentaram um ótimo resultado, sendo que o mais baixo foi o indicador “Propensão a Mudanças” com 72% e o maior foi “Postura no Trabalho” com 90%, ou seja, no geral, o resultado final foi bem satisfatório. Percebeu-se que dentre os oito indicadores, “Liderança” apresentou um resultado de 88%, ou seja, muito bom, mas, durante as entrevistas, notou-se certa 164 l

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dúvida dos funcionários sobre sua chefia, gerando alguns questionamentos (tais como: mais atividades para uns do que para outros; falta de critério em avaliar o trabalho de cada colaborador; falta de organização na divisão de tarefas e outros). Como apenas seis funcionários responderam ao Q.D.O (Questionário de Diagnóstico Organizacional) é bem provável que seria diferente o resultado caso tivesse um número maior de participantes nesta pesquisa. A partir deste fato, estabeleceu-se o interesse de pesquisar o indicador “Liderança” para desenvolver esta pesquisa teórica sobre o papel de um líder no ambiente de trabalho. 2 – REFERENCIAL TEÓRICO O desenvolvimento das lideranças nas organizações tem gerado polêmica, dúvidas e diversos questionamentos nestes últimos tempos. A maior quantidade de dúvidas relaciona-se às questões ligadas aos vários tipos de liderança e à resistência das organizações em investir no capital humano. Muitas das vezes, não conseguem verificar resultados práticos e palpáveis no decorrer do processo. O empresário, a organização e seus executivos querem ter a certeza de que cada centavo aplicado em programas será revertido em lucros. Baumgratz (2006) define liderança como a ênfase na liberdade dos subordinados e na serviciência dos líderes. Na verdade, ele considera a liderança como a arte de “libertar as pessoas para fazerem o que se exige delas de maneira mais eficiente e humana possível”. O autor considera ainda que a primeira responsabilidade de um líder seja a definição da realidade e a última é agradecer; entre as duas deverá tornar-se um servidor da organização e dos seus membros - é o contraste entre os conceitos de propriedade e de dependência. Desta forma, a medida de uma boa


liderança encontra-se nos seus seguidores: quando estes atingem o seu potencial, alcançam os resultados pretendidos e estão motivados, é sinal de uma boa liderança. (...) apesar da escala e extensão da ação do líder poder variar de um contexto ao outro, de acordo com a tradição cultural, religião, costumes, problemas sociais e econômicos específicos de sua região, forte ênfase deve ser colocada nas tecnologias de comunicação e habilidades motivacionais e organizacionais dos futuros líderes, para capacitá-los a agir como “formadores de equipes”, animadores e mediadores de conflitos. (RATTNER, 1998, p. 49) A liderança sob conceito de Empowerment foi introduzida por Blanchard (1996, p. 39 e 47). Os Empowerment são conceitos através do quais os gerentes gradualmente, transferem às equipes de trabalho a responsabilidade e a autoridade condições essenciais para um desempenho superior. O Empowerment não é dar poder às pessoas, mas, antes liberar as pessoas para que possam fazer uso do poder, dos conhecimentos, das habilidades e da motivação que já têm. Para que tais situações ocorram, é necessário que os gerentes criem condições favoráveis de aprendizado, ação e decisão para que as pessoas possam fazer uso da autonomia e assumir a iniciativa e a responsabilidade pela coleta e análise de dados, e pela tomada de decisões o que, nas organizações tradicionais, é atribuição quase exclusiva dos gerentes. A Liderança, portanto, é um termo carregado de conotações enviesadas que evoca a idéia de comando ou controle de um indivíduo sobre os seus seguidores, tendo como base um conjunto de traços pessoais. Se o poder é visto como algo negativo, a liderança tende a ser considerada como uma qualidade. Essa colocação tem sido um dos fatores que impedirá, através dos tempos, uma análise neutra e sistemática desse fenômeno que surge toda vez que pessoas se reúnem em grupo, seja esse formal ou informal. O líder, portanto, assume um papel fundamental para a própria existência destes grupamentos, já que são através deste importante “mentor” que se traçam os objetivos e as estratégias de sobrevivência, ponderadas quando se trata dos homens e/ou organizadas instintivamente, como no caso dos animais. A histó-

ria humana, por exemplo, mostra o papel de diversos líderes no campo religioso, militar, monárquico, intelectual dentre outras áreas. Estas pessoas se destacaram por possuir características “distintas” da maioria dos indivíduos. A origem desta influência pode ser formal, como a conferida a um alto cargo na organização, ou não. A liderança não sancionada é aquela capacidade de influenciar os outros que emerge fora da estrutura formal da organização é geralmente tão importante quanto à influência formal, ou até mais. (ROBBINS, 2002, p. 168) Para Chiavenato (2005) o líder moderno é denominado e classificado como “renovador”. Nesse contexto, os liderados de maneira geral, esperam que o líder apresente algumas características que o materializam e dão a ele estabilidade como líder, que são: cabeça estratégica; integridade, autenticidade; atitudes positivas; ousadia, capacidade de assumir riscos; abertura para as possibilidades das novas tecnologias e coerência. Para se destacar como um bom líder, o indivíduo tem que possuir como uma de suas principais ferramentas a capacidade de motivar os liderados. Dentro desse contexto, liderança e motivação se constituem em duas variáveis extremamente importantes para a sobrevivência das organizações. Globalização, acirramento da concorrência e flexibilização do mercado de trabalho levam os líderes a assumirem posturas cada dia mais complexas. Segundo Chiavenato (2005) todos os seres humanos têm a capacidade de utilizar diferentes estilos de liderança. Em outras palavras, são atitudes e comportamentos que podem ser apreendidas durante a vida. Independente de condição social, de nível de educação formal, de raça e religião todos nós somos capazes de identificar e agir de acordo com cada um dos estilos. A escolha do estilo predominante se dá por diversas razões, entre elas, pode ser citada a personalidade, a forma de educação, as condições de vida, o momento e os objetivos e resultados que habitualmente temos alcançado. De acordo Chiavenato (2005), existem três tipos de liderança, que são a liderança autocrática, liberal e democrática e estas possuem algumas características:

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O fator mais importante a ser destacado é que o líder precisa saber administrar pessoas, esse é o diferencial. Ele deve ir até as pessoas. Dessa forma, ele estará fazendo com que sua equipe sinta-se mais participante e motivada. Isso aumenta a relação de confiança.

Para Santos (1997) o líder deve apresentar características diferenciadoras se forem feitos traços de comparação com os gerentes e que são reproduzidos no quadro que se refere e denota este traço comparativo entre um verdadeiro líder e um gerente:

Características diferenciadoras entre os líderes e gerentes. Como se pode constatar existem grandes diferenças entre o que é liderar e o que é gerenciar. As características observadas no quadro 1 apontam o líder como um indivíduo muito mais ousado e original. A figura do gerente, por sua vez, é acomodada e não ousada. O que se observa com as características verificadas pelos autores é que o líder é mais original, mais participativo e inovador, além da importante participação no processo de crescimento de pessoas. De acordo com Baumgratz (2006) é muito importante o líder seguir algumas dicas em sua função, tais como:

trabalho? – Que problemas você tem que posso ajudar a resolver? 2 - Procure certificar-se de que a pessoa entendeu o que você falou, sempre que explicar algo pergunte: – Fui claro? 3 - Lembre-se de que não basta que a pessoa entenda. É preciso que ela acredite, participe e “vista a camisa”. 4 - Mantenha-se informado, seja criativo e utilize todos os recursos que possam contribuir para maior eficácia da sua equipe. 5 - Examine com os membros do seu grupo, regularmente, a eficácia de toda a organização. 6 - Não façam seus colaboradores perderem tempo com diretrizes e exigências que servem apenas para satisfazer seus caprichos ou manias burocráticas (BAUMGRATZ, 2006).

1 - Comunique-se com as pessoas que você chefia ou supervisiona, deixando-as à vontade para expressar suas opiniões sem temores, e pergunte regularmente a cada uma delas: – Como posso ajudá-lo a fazer melhor o seu

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Para ser um bom líder, bom senso e sensibilidade são essenciais para propiciar a motivação dos grupos de colaboradores ou liderados nas empresas e organizações.


3 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a Globalização e a entrada da humanidade na era da informação, a competição e a concorrência entre as empresas elevaram-se a níveis jamais imaginados e tendem a continuar a crescer cada vez mais. Estes fenômenos demandam que as empresas tenham que melhorar e muito sua competitividade como condição de sobrevivência. Diante de um mercado tão competitivo, o ser humano passa a se constituir no mais importante recurso de uma organização. O importante agora, e daqui para frente, é ter pessoas que maximizem o uso do capital e que saibam gerar, desenvolver e aplicar conhecimentos, métodos e tecnologias, notadamente às relacionadas com o ser humano, de como tornar as pessoas motivadas para atingirem aos objetivos organizacionais. Para que se possa implantar, desenvolver, conduzir e gerir uma liderança eficaz se faz necessário o entendimento da mesma, uma vez que se tem como diretriz, um líder, o qual conduzirá os demais componentes da organização a sucumbir às expectativas anteriormente expostas a eles em forma de objetivo, aprendizagem ou meta. Por isso a liderança é uma ferramenta imprescindível no mercado atual. As empresas ou organizações necessitam desenvolver mecanismos para alcançar seus objetivos, precisam locar pessoas para desenvolver a liderança e gerar motivação, sem estes elementos sua sobrevivência no competitivo mercado irá desvalorizar á sua imagem, além de gerar uma grande decadência.

REFERENCIAS BAUMGRATZ, Euler de Paula. Liderança: uma habilidade gerencial. Informativo da A.H.M.G. São Paulo: Abril, 2006. BLANCHARD, K et alli. Empowerment. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996. CHIAVENATO, Idalberto. Gerenciando com as Pessoas, ed. 2. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. RATTNER, H. Liderança para uma Sociedade Sustentável. São Paulo: Nobel, 1998. ROBBINS, S. P. Comportamento Organizacional. São Paulo: Prentice Hall, 2002. SANTOS, Enise A. A liderança nos grupos autogeridos. In Anais do II SEMEAD, 1997, p. 158.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmico do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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Os reflexos da cultura organizacional nos estilos de liderança1 “Liderar é a própria arte de ser humano.” (Cecília Bergamini) Bruna Luciana Domingues Brandão2 Denise Rossi3 RESUMO O presente artigo tem por finalidade discutir os resultados da pesquisa de clima organizacional realizada na Mecânica durante a prática de estágio em Psicologia do Trabalho. Os resultados obtidos apontam que o modo como a liderança é desempenhada no ambiente de trabalho interfere nas relações interpessoais, gerando um mal-estar entre colaboradores e gestor perceptível no clima organizacional. Será apresentada uma revisão da literatura que abrange o tema em questão, bem como a importância dos relacionamentos interpessoais e da cultura organizacional no exercício da liderança no âmbito organizacional. Palavras-Chave: Liderança. Relacionamentos Interpessoais. Cultura Organizacional.

1 INTRODUÇÃO Este artigo é resultado da pesquisa de clima organizacional realizada na empresa Mecânica no segundo semestre de 2009, durante a prática do estágio de Psicologia do Trabalho I, que propõe estabelecer os indicadores para o Diagnóstico de Clima Organizacional. Este tem por objetivo identificar o estado atual da empresa, levantando-se aspectos humanos e comportamentais do trabalho, bem como medir as variáveis, pontos positivos e negativos que interferem no seu desempenho. Para obtenção dos dados, aplicou-se o Questionário Diagnóstico Organizacional (QDO)4 e realizaram-se entrevistas com os oito funcionários e com o proprietário da Mecânica, o que possibilitou a coleta de dados referentes à história da empresa e aos cargos ocupados, como função, perfil do cargo e sugestões de melhorias. Em geral os indicadores avaliados no Diagnóstico Organizacional, por meio do QDO, apontaram para uma satisfação mediana por parte dos colaboradores da empresa, como se observa no gráfico a seguir:

Por meio dos dados, constatou-se que, em relação à liderança, os colaboradores se mostram satisfeitos com a gestão exercida pela chefia. Porém, em relatos proferidos nas entrevistas realizadas, esses se mostraram queixosos, sendo possível identificar insatisfação em relação à pouca presença do proprietário nos setores de trabalho e à pouca escuta por parte do mesmo. Cabe destacar que, na entrevista com o proprietário, esse relata que há falhas no que diz respeito ao seu posicionamento com seus funcionários. Ele afirma que percebe que tem dificuldade de delegar tarefas, demonstrando uma posição centralizadora da sua parte. Para análise do diagnóstico organizacional, bem como das intervenções realizadas na empresa Mecânica, este artigo partiu da premissa de que o modo como a liderança é exercida pode suscitar nos liderados questões aversivas que dificultam o bem-estar no ambiente de trabalho, na relação com a chefia e, consequentemente, na cultura e no clima organizacional. A seguir, será realizada uma apresentação de conceitos teóricos acerca do tema proposto pelo presente artigo. APRECIAÇÃO TEÓRICA Observa-se que, com o aumento da competitividade no mercado, cada vez mais se exige dos líderes mais flexibilidade, competência e comprometimento. É necessário, principalmente, que um líder saiba conviver com as diferenças e administrar conflitos dentro das organizações, para estabelecer, com seus colaboradores, confiança no alcance dos objetivos organizacionais e individuais.

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Nesse viés, vários são os conceitos de liderança, mas todos eles enfatizam que liderar é estar em contato direto com as pessoas, influenciando-as, direcionando-as e ensinando-as, com o intuito de estabelecer um relacionamento entre as partes orientado por um objetivo comum. Dentre os conceitos de liderança, destaca-se que “Liderança é influência pessoal, exercida em uma situação e dirigida através do processo de comunicação, no sentido do atingimento de um objetivo específico”. (BERGAMINI, 1994, p. 15). Nessa perspectiva, a liderança desponta como um encontro interpessoal do qual fará emergir um líder. Logo, “[...] o desempenho do papel do líder só se dará pela formação do vínculo com o liderado. Isso nos diz que não existe papel de líder isoladamente, a não ser em face do seu complementar liderado.“ (BERGAMINI 1994, p.146). Dessa forma, o vínculo estabelecido nessa interação é considerado condição para o ajustamento de cada um em circunstância do trabalho. Sendo assim, é necessário que o líder, cercado pelos mais diversos padrões de necessidades, consiga direcionar sua ação com intuito de atendê-las, pois esse só conseguirá caracterizar as expectativas motivacionais dos seus subordinados servindo-se das suas próprias atitudes, para que, assim, consiga fazer emergir a sinergia contida no interior de cada pessoa. Como afirma BERGAMINI (1994, p.121), “compreender e aceitar as diferentes necessidades das pessoas pode abrir um longo percurso no sentido de apreciá-las e resolver dificuldades administrativas”, como produtividade, criatividade, satisfação e motivação. Isso assinala que o líder precisa compreender as diferenças individuais dos seus subordinados, tendo em vista que é válido considerar essas particularidades como fonte de recursos organizacionais que compõem a estrutura da empresa. O “[...] maior conhecimento das pessoas que nela trabalham só pode ser atingido através da descoberta do significado ou do sentido que dão à organização e ao trabalho que aí desempenham.” (BERGAMINI, 1994, p.120 a 121). Diante disso, o líder tem oportunidade de administrar o sentido que as pessoas dão ao seu trabalho e em particular à organização a que pertencem. A eficácia do mesmo, como agente transformador, busca suas bases no conhecimento que este possui da cultura organizacional. De acordo com Pereira (1999), a cultura organizacional é o conjunto de crenças e valores que moldam o comportamento das pessoas em uma organização, intervindo significativamente na sua maneira de agir. A cultura exprime a identidade da organização. Ela é construída ao longo do tempo e passa a impregnar todas as práticas, construindo um complexo de representações mentais e um siste-

ma coerente de significados que une todos os membros em torno dos mesmos objetivos e dos mesmos modos de agir. (CHIAVENATO, 1999, p. 138-139). A estrutura organizacional e a cultura organizacional criam o clima organizacional, que é estabelecido no interior da organização. Entende-se por clima organizacional um conjunto de características ou atributos que se manifestam de forma relativamente constante no ambiente interno, sendo experimentado por todos os seus integrantes, e que influencia significativamente o comportamento desses. (PEREIRA, 1999). Nesse viés, a interação entre o clima e a cultura organizacional permite observar que o comprometimento das pessoas na organização está relacionado com o desempenho do líder, pois é através dele que é possível obter ou não a identificação dos objetivos propostos pela organização, assim como a cultura nela inserida. O líder participa do crescimento e desenvolvimento da organização como um todo, visto que contribui para o desenvolvimento das pessoas e coopera para a solução de problemas e conflitos existentes em toda organização. CONSIDERAÇÕES FINAIS A hipótese orientadora desse trabalho buscou apresentar a liderança manifesta pelo líder como algo que determina o nível de desempenho atingido pelo grupo por ele comandado. Diante disso, é preciso considerar as interações interpessoais e a comunicação entre o líder e o grupo, pois o desempenho organizacional advém não somente do estilo do líder, mas dos fatores que promovam a influência sobre ele, como a cultura organizacional. Dessa forma, faz-se necessário rever os paradigmas que norteiam os valores da cultura dentro das empresas, pois se percebe que grande parte delas não deposita confiança nas pessoas, visto que há uma impregnada preocupação com a produtividade e lucratividade e não em como as pessoas podem contribuir para o aumento da produtividade da empresa e ampliar, assim, ainda mais seus lucros. É impossível não perceber os reflexos do modelo de liderança no desenvolvimento organizacional. Diante disso, é importante que se desenvolva uma liderança voltada para o ser humano, visto que as pessoas querem encontrar seu valor dentro das organizações, ou seja, desejam ser vistas e reconhecidas e não apenas executar suas tarefas. Assim sendo, é preciso que o líder ofereça contingências que estabeleçam uma sincronia entre as expectativas do grupo e as da organização, no intuito de absorver todos os pontos fortes das pessoas a seu favor e também em benefício da empresa, a fim de se constituir ambientes sadios com pessoas motivadas e produtivas. Revista de Psicologia l 169


REFERÊNCIAS BERGAMINI, Cecília Whitaker. Liderança: administração dos sentidos. São Paulo: Atlas, 1994. p.234. CHIAVENATO, Idalberto. Orientação das pessoas. In: ______ Gestão de Pessoas: O novo papel dos Recursos Humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999. cap. 6, p. 137- 157. PEREIRA, Maria José Lara de Bretas. O que é e como se faz um Diagnóstico Organizacional. In:______. Na cova dos Leões: O consultor como facilitador do processo decisório empresarial. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1999. cap. 14, p. 135-148.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Artigo apresentado ao Estágio Supervisionado V. Revisado por Grazielle Helen Ferreira, mestranda em Lingüística na Universidade Federal de Minas Gerais. 2 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Email: brulu20@yahoo.com.br. 3 Orientadora do artigo e professora do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. Email: deniserossi@yahoo.com.br. 4 Metodologia quantitativa elaborada pela profª Denise Rossi no LAGEP- Laboratório de gestão de pessoas.

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Fatores Organizacionais que Interferem no Trabalho em Equipe Caroline Naiara Vieira Chaves Pinto1 Denise Rossi2 RESUMO: O presente artigo aborda quais os fatores organizacionais podem interferir no trabalho em equipe na GESTALI - Gestão em alimentação, empresa participante da Pesquisa de Clima realizada pelo estágio IV em 2009, bem como o que pode ser feito para desenvolver esses fatores, contribuindo para a melhoria do desempenho dos funcionários e consequentemente do trabalho em equipe realizado na organização. Palavras-chave: Comunicação. Integração. Trabalho em equipe.

INTRODUÇÃO O presente artigo é fundamentado na pesquisa de clima realizada em uma empresa de alimentação industrial que está no mercado desde 2002 e oferece refeições prontas como café da manhã, almoço e jantar para clínicas, hospitais, escolas, indústrias, comércios, empresas prestadoras de serviços, construção civil e órgãos públicos. A pesquisa na empresa objetivou identificar o funcionamento desta, o nível de satisfação e insatisfação dos funcionários com relação à empresa, bem como suas estratégias, as variáveis da cultura organizacional e os seus padrões culturais. A partir disso, foi feita uma análise dos resultados obtidos com o intuito de apresentar um plano de intervenções para melhorar e desenvolver vários aspectos na organização. A pesquisa realizou-se a partir de uma primeira visita para conhecimento da estrutura física da empresa. Posteriormente, foi feita a aplicação do QDO3 (Questionário de Diagnóstico Organizacional que contém 8 indicadores : postura dos funcionários, propensão à mudança, mecanismos de apoio, recompensas, relacionamentos, liderança, estrutura e objetivos) de forma coletiva em 19 funcionários. Em seguida, houve a realização de uma entrevista semiestruturada5 e individual em cada um desses. Com os gestores, foi feita uma entrevista semi estruturada na qual se relata a história da empresa e qual a percepção que os donos têm da mesma. No geral, os resultados da pesquisa de clima apontaram para um nível satisfatório de acordo com os indicadores avaliados. Porém, foram ressaltados nas entrevistas individuais alguns fatores que interferem no bom desempenho do trabalho em equipe. Durante a realização das entrevistas foi possível identificar, através de relatos dos funcionários, situações em que a falta de uma comunicação mais efetiva, de interação e integração prejudicam

a realização do trabalho da equipe. Na empresa pesquisada, o trabalho é realizado em equipe, onde um funcionário depende da realização adequada e eficiente da tarefa do outro. Por isso, pode-se dizer que é de extrema importância que o grupo trabalhe em sintonia para que consigam o resultado final esperado pela organização. Diante disso, julga-se relevante levantar quais os fatores organizacionais podem interferir no trabalho em equipe dos funcionários da empresa pesquisada, sendo este o tema desenvolvido no artigo. O trabalho em equipe é de fundamental importância em algumas organizações, já que essa pode ser uma forma de trabalho mais participativa saudável e produtiva. Pode-se citar como características do trabalho em equipe: a quebra da rigidez que a hierarquia em empresas compartimentadas, o que facilita a comunicação interna; a reunião da diversidade dos conhecimentos em diferentes áreas, aproximando as pessoas e contribuindo para o crescimento; o conhecimento flui melhor quando se trata de uma equipe, facilitando assim a inovação; criar oportunidade para que o exercício de liderança seja despertado nos membros. Além de contribuir para um comprometimento, um espírito de cooperação, aprendizagem e transformação. Para que se configure como um trabalho em equipe, este deve manter liderança compartilhada e os membros devem se integrar com o objetivo de agregar conhecimento. O trabalho é contínuo e a própria equipe impõe suas metas propostas pela organização. Nas reuniões, valoriza-se o diálogo e a realização de dinâmicas para solucionar problemas. Faz-se uma avaliação direta dos produtos, e as ações são decididas e implementadas em conjunto. Pode-se dizer que uma equipe é formada considerando e compartilhando princípios idéias e ideais, não apenas pela execução das tarefas que envolvem o trabalho. Constroem-se valores Revista de Psicologia l

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éticos que contribuem para comportamentos de respeito e solidariedade para com as pessoas da equipe, dando qualidade aos relacionamentos. O diálogo é a principal ferramenta que a equipe utiliza para uma interação entre as pessoas com pensamentos diferentes. Isso contribui para a aprendizagem coletiva, que possibilita o crescimento individual e permite ainda que o conhecimento produzido circule dentro da organização (CHIAVENATO, 2005). De acordo com Chiavenato (2005), a comunicação é tida como prioridade em empresas que buscam o sucesso no mercado, sendo um fator de grande importância para a execução eficaz do trabalho realizado em equipe. Comunicação é a transmissão de uma informação de uma pessoa para a outra e compartilhada por ambas. Para a comunicação efetiva, o receptor deve compreender e interpretar a informação dada. Comunicar é, então, tornar comum a mais de uma pessoa a informação, pois toda comunicação envolve, no mínimo, duas pessoas: a que transmite e a que recebe a informação. Bowditch (2004) diz que os significados da mensagem surgem a partir da interação social, por isso o significado da informação se altera de acordo com a própria informação e o com seu contexto. Para melhor entender esse processo deve-se considerar: quem está comunicando a quem, ou seja, quais são os papéis dessas pessoas; a linguagem e os símbolos utilizados na comunicação, os quais permitem que a informação passada seja compreendida; o canal de comunicação utilizado, e como a informação é recebida através desse canal (escrita ou falada); o conteúdo da comunicação, ou seja, boas ou más notícias, estranhas ou familiares; características interpessoais do transmissor e se em sua relação com o receptor existe confiança, influência entre outros e em qual contexto a comunicação acontece, se é entre setores ou no mesmo setor. Existe ainda o que podemos definir como as quatro funções básicas da comunicação interpessoal: a primeira é o controle, que esclarece informações implanta normas e estabelece relações de autoridade e responsabilidade. A segunda é a informação que serve como base para tomadas de decisão. A terceira função é de motivação, que ajuda obter cooperação e compromisso para com as metas e objetivos. Por último, a emoção para expressar sentimentos e emoções. (BOWDITCH,2004) De acordo com o mesmo autor, o objetivo de uma comunicação eficaz é o entendimento. Mas nem sempre esse objetivo é alcançado. Um exemplo é quando uma pessoa está falando, passando informações ou fazendo uma pergunta, a outra pessoa que deveria estar escutando-a não o faz e sim se prepara para responder às perguntas. Com isso não se escuta a mensagem como um todo e falta uma comunicação efetiva entre elas. Exis172 l

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tem barreiras físicas, interpessoais e intrapessoais que atrapalham a comunicação efetiva, tais como a sobrecarga de informações, que ocorre quando temos mais informações do que somos capazes de utilizar; o tipo de informação passada, que pode colocar em conflito os valores e crenças da pessoa; a fonte de informações, já que se tem credibilidade em algumas pessoas do que em outras, tende-se a acreditar mais em informações vindas de quem conhecemos; a localização física, que diz da proximidade entre o transmissor e o receptor e o lay out entre departamentos, promovendo a distância entre as pessoas também são fatores que dificultam a comunicação. Para melhorar a eficácia da comunicação deve-se apoiar em duas habilidades básicas: a habilidade de transmissão, que diz da capacidade de se fazer compreender por outras pessoas, fazendo uso da linguagem e de símbolos que sejam importantes para a comunicação e a habilidade de escutar, que é a capacidade de entender os outros, prestando atenção sendo empático e fazer uma leitura da linguagem corporal e dos sinais não-verbais. (BOWDITCH,2004) O feedback é um outro fator que contribui de forma significativa para uma comunicação eficaz na organização. Feedback é o processo pelo qual o receptor da mensagem se comunica de volta com o transmissor, e geralmente envolve uma avaliação (positiva ou negativa) do que foi dito ou feito. Dificuldades como fazer crítica no trabalho realizado por um subordinado, dizer que não alcançou o objetivo esperado impedem o processo do feedback. Porém, julga-se fundamental a comunicação através desse processo, pois ele auxilia o transmissor a avaliar se a forma com que está se comunicando e passando informações está adequada, se precisa melhorar ou ainda quando o feedback for positivo ajuda ao transmissor perceber que a forma como as informações são transmitidas estão adequadas. (Schermerhorn, 1999) Fazendo-se uso da linguagem adequada, fornecendo informações claras, utilizando diferentes canais que estimulem a percepção de receptor e sempre que possível fazer comunicação face a face e dar feedback positivo ou negativo são fatores fundamentais que contribuem para a comunicação efetiva e eficaz do trabalho em equipe. (BOWDITCH,2004) Outro fator importante no bom desempenho do trabalho em equipe é a relação interpessoal e interação dos componentes desta. O processo de interação está presente em toda organização e interfere na realização das atividades e com isso nos resultados esperados. Nesse processo aparecem surpresas, frustrações, acontecimentos inesperados que causam desconforto e insegurança, mesmo quando as atividades são planejadas. Esses imprevistos contribuem para a dificuldade de interação e de convivência com pessoas com comportamentos diferentes dos seus. No ambiente


organizacional tende-se a pensar que as pessoas façam sempre o que é esperado, mas nem sempre isso ocorre, deixando-as confusas e surpresas diante do acontecido. Isso ocorre porque as pessoas não são como máquinas que funcionam isoladas, pois a interação afeta o funcionamento de cada um e de todos, alterando desta forma o desempenho esperado pela equipe ou por cada membro dela. (Moscovici, 1994) De acordo com a mesma autora, nas organizações onde se trabalha em equipe, a interação entre seus membros ocorrem em dois níveis: o primeiro é o nível da tarefa, das atividades que são visíveis e observáveis que são acordadas com o grupo e abrange os esforços feitos para se atingir os objetivos definidos para a atividade. O segundo é o nível sócio-emocional que envolve as sensações e sentimentos diversos que surgem no grupo ou já existiram, contribuindo para os processos interpessoais e manutenção do grupo. Na relação construída pelo grupo surgem divergências por membros do grupo terem percepções diferentes, pois, cada pessoa traz suas características, personalidade, crenças e valores e se comportam de acordo com eles, o que contribui para que surjam conflitos na equipe, uma questão inerente ao grupo já que não é possível satisfazer todas as necessidades e desejos de cada integrante da equipe. Porém, o conflito pode ser funcional ou disfuncional de acordo com a intensidade, evolução, contexto e como é tratado. Sendo assim, um conflito pode não causar danos ou prejuízos e ter funções como estimular o interesse e a curiosidade do grupo para oposições, tirando-o da posição estagnada que o equilíbrio que a concordância traz para o grupo e leva-o a mudanças pessoais, sociais e grupais. Não existe uma forma padronizada para se resolver os conflitos. Deve-se compreender a dinamicidade do conflito e suas variáveis, pois é necessário antes de tudo tentar fazer um diagnóstico da situação conflituosa para se fazer algum plano de ação. Divergências interpessoais, natureza das diferenças e estágio de evolução são variáveis que devem ser avaliadas para um diagnóstico mais preciso e uma melhor forma de lidar com o conflito. (Moscovici1998,) Como já foi dito, os conflitos estão sempre presentes dentro de um grupo. Porém, pode-se evitar alguns destes formando grupos com pessoas que tenham pontos de vistas, valores, metas e métodos parecidos. Em algumas empresas além de evitar conflitos, esse método reforça sentimentos de segurança entre os membros da equipe. Apesar da sua eficácia aparente, existe o risco de uma diminuição da criatividade e de novas idéias, já que nesse tipo de grupo a concordância entre os membros é alta e julga-se inapropriado discordar do mesmo. (Moscovici,1998, p.148).

CONCLUSÃO A pesquisa desse artigo realizou-se em uma empresa do ramo de alimentação industrial no ano de 2009, no qual foi desenvolvido o tema: fatores organizacionais que interferem no trabalho em equipe da empresa. Com base nos resultados da pesquisa, foram realizadas intervenções na empresa pesquisada com o objetivo de contribuir para a melhoria das relações interpessoais e estabelecer uma comunicação mais efetiva na organização. Tais intervenções foram feitas através de reuniões e treinamentos com os funcionários e gestores utilizando, dinâmicas e textos para facilitar a reflexão do tema proposto em cada encontro, alguns dos temas foram; integração, confiança, comunicação, diferenças, criatividade. Foi possível perceber uma melhoria significativa na qualidade das relações interpessoais do grupo, bem como a interação do mesmo. Na devolutiva, os funcionários e gestores relataram terem percebido mudanças comportamentais que contribuíram para melhor desempenho do grupo como uma equipe e conseqüentemente uma maior produtividade no trabalho. Além da comunicação mais efetiva e que atenda os objetivos esperados por todos na empresa. REFERÊNCIAS BOWDITCH, James L; BUONO, Anthonyf. Comunicação. In: ____. Elementos de Comportamento Organizacional. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004. Cap.5, p.80-92. CHIAVENATO, Idalberto. Preparando a equipe de trabalho. In:­­____. Gerenciando com as pessoas: transformando o executivo em um excelente gestor de pessoas. Rio de Janeiro, RJ: Elsevier, 2005. Cap.4, p.147-180. MOSCOVICI, Fela. Energia no grupo: Tensão e conflito Interpessoal. In: ____ Desenvolvimento interpessoal. 8. ed. J. Olympio, 1998. Cap.11, p.145-156. MOSCOVICI, Fela. Equipes dão certo: a multiplicação do talento humano. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1994. 239 p. SCHERMERHORN JR., John R.; HUNT, James G.; OSBORN, Richard N. Comunicação. In: ____Fundamentos de comportamento organizacional. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 1999. Cap.15, p.239-252.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Metodologia quantitativa elaborada pela profª Denise Rossi no LAGEP – Laboratório de gestão de pessoas. Revista de Psicologia l

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A motivação como estratégia para diminuir o índice de absenteísmo Débora Rossi de Almeida Pires1 Denise Rossi2 RESUMO: O presente artigo analisou, através de pesquisa de clima organizacional e de pesquisa bibliográfica, a relação entre desmotivação e os altos índices de absenteísmo observados durante o estágio realizado em uma creche comunitária. Concluiu-se que na Creche comunitária pesquisada, a motivação está diretamente relacionada com o absenteísmo. Palavras-chave: Motivação. Absenteísmo. Creche comunitária.

INTRODUÇÃO O interesse pelo tema deste artigo revelou-se a partir do resultado da Pesquisa de Clima Organizacional realizada no 1º semestre de 2009 em uma Creche Comunitária. Os dados foram obtidos através de um instrumento quantitativo denominado Questionário de Diagnóstico Organizacional (QDO)3, utilizado para realizar a Pesquisa de Cima a partir da investigação de oito indicadores: estrutura, objetivos, liderança, relacionamento, recompensas, mecanismos de apoio, propensão à mudança e postura dos funcionários. Como instrumento qualitativo utilizou-se a entrevista individual semi-estruturadas, realizada com 11 funcionários da creche. Os resultados obtidos apontaram que os colaboradores pesquisados têm: postura adequada, seguindo as orientações e determinações dos superiores, colaborando desta forma para o crescimento da instituição e agindo de acordo com as normas internas (postura dos funcionários); acreditam que as mudanças que acontecem são introduzidas de forma adequada e ajudam

a instituição crescer, facilitando a implantação de novas práticas ou promoção de mudanças dentro do ambiente organizacional (propensão à mudança); revelam que a organização da empresa facilita o desenvolvimento do trabalho e o bom relacionamento entre os colaboradores (mecanismos de apoio); oportunidade de crescimento, melhoria como pessoa e reconhecimento ao alcançar as metas (recompensas); bom relacionamento com o superior imediato e com os colegas de trabalho o que facilita no desenvolvimento de sua função (relacionamento); o superior imediato auxilia e acompanha o desenvolvimento do trabalho, motivando a equipe a vencer obstáculos, atingindo seus objetos e metas (liderança); a forma como as tarefas são organizadas e subdivididas ajuda a empresa a atingir as metas e objetivos propostos (estrutura); e, por fim, revelam que os funcionários concordam com os objetivos e metas estabelecidas, e o superior imediato ajuda na compreensão dos mesmos (objetivos). Com base nos resultados da Pesquisa de clima, foi possível construir o seguinte gráfico:

O tema Absenteísmo, que significa a ausência do funcionário, seja por falta ou atraso, no ambiente de trabalho, manifestou-se devido a aspectos observados durante as entrevistas realizadas

com todas as funcionárias da creche. No decorrer da pesquisa, diversas funcionárias ficaram afastadas por atestados médicos, o que levou a aluna pesquisadora a pensar em uma forma de entender

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quais os motivos, para então pensar em estratégias de intervenção que possam diminuir esse alto índice de absenteísmo. Após pesquisar e realizar uma entrevista com a gestora da creche, a aluna concluiu que uma forma de diminuir esse índice seria com a implantação de programas motivacionais, que são ações que pretendem motivar os funcionários através de alguma recompensa. Frente ao exposto acima, o tema de interesse para o artigo interroga a seguinte questão: Como a motivação pode diminuir o índice de absenteísmo dos funcionários da creche? REFERENCIAL TEÓRICO Segundo Robbins (2008), motivação é “o processo responsável pela intensidade, direção e persistência dos esforços de uma pessoa para o alcance de uma determinada meta”. Portando a motivação é um dos fatores que levam o funcionário a obter um bom desempenho. Um dos motivos pelo qual a motivação é tão focalizada é por ela ser mais facilmente influenciável se comparada com as demais características da personalidade: aptidões, habilidades, etc. (CHIAVENATO, 2005- p.213). A motivação é algo intrínseco, ou seja, é individual. Cada pessoa tem suas próprias necessidades que influenciam seus pensamentos e a direção do comportamento que ela irá emitir frente a cada situação. Apesar dessas diferenças individuais, algumas necessidades são basicamente semelhantes quanto à maneira que a pessoa organiza seu comportamento a fim de obter satisfação. Com base nessas diferenças individuais, várias teorias buscam identificar quais as necessidades são comuns a todas as pessoas. De acordo com Chiavenato (1997), “as teorias das necessidades partem do princípio de que os motivos do comportamento residem dentro do próprio indivíduo.” Dentre essas teorias, a mais conhecida é a Hierarquia das necessidades, de Abraham Maslow. Nesta teoria, as necessidades são arranjadas em uma pirâmide, onde são separadas em cinco níveis, por ordem de importância. Na base da pirâmide ficam as necessidades mais básicas ao bem-estar físico, e no topo da pirâmide estão as necessidades de ordem superior, como a autorrealização. Portanto, os níveis de necessidades humanas são: 1)Necessidades Fisiológicas, que dizem respeito a sobrevivência, como por exemplo fome, sede, abrigo e sexo; 2)Necessidades de Segurança, que dizem respeito a segurança e proteção contra danos físicos e morais; 3) Necessidades sociais, diz respeito a afeição, aceitação, amizade e sentimento de pertença ao grupo; 4) Necessidades de estima, inclui fatores internos como respeito próprio, realização e autonomia, e a fatores externos, como o status, reconhecimento e atenção; 5)Necessidades de auto-realização, são as necessidades humanas mais elevadas, são principalmente orientadas para o desenvol-

vimento integral da potencialidade individual. Segundo Robbins (2008), “na medida em que cada umas dessas necessidades é atendida, a próxima torna-se dominante.” De acordo com a teoria de Maslow, para motivar alguém, é necessário saber em qual nível da hierarquia a pessoas se encontra, para então focar na satisfação das necessidades deste nível. Segundo Bergamini (1997), é muito comum nas organizações, pessoas que não nutrem nenhuma motivação naquilo que fazem. Esses trabalhadores não experimentam nenhuma satisfação ou realização pessoal gerada por aquilo que fazem em seu trabalho. O emprego, neste caso, passa a ser entendido como uma forma de sustento e de angariar recursos para que possam sentir-se felizes fora dele. É nesse momento que o trabalho deixa de exercer seu papel como referencial de autoestima e valorização pessoal, passando a ser fonte de sofrimento e não oportunidade de realização sadia dos desejos interiores que cada um tem. Segundo Schermerhorn (2002), “os trabalhadores mais satisfeitos com seus empregos tendem a ter melhor registro de presença e estão menos propensos a faltar por motivos não-explicados do que os insatisfeitos.” Ou seja, quanto mais motivado o funcionário, menor será o índice de absenteísmo. De acordo com Chiavenato (1999), o absenteísmo constitui na “soma dos períodos em que os funcionários se encontram ausentes do trabalho, seja por falta, atraso ou algum motivo interveniente”. A quantidade e a duração das ausências estão relacionadas com o grau de satisfação dos funcionários. Com base nesses fatores, Chiavenato (1999), afirma que A motivação para a assiduidade é afetada pelas práticas organizacionais (como recompensas à assiduidade e punições para o absenteísmo), pela cultura de ausência (quando as faltas ou atrasos são considerados aceitáveis ou inaceitáveis) e atitudes, valores e objetivos dos empregados. (CHIAVENATO, 1999. p. 69) O absenteísmo interfere diretamente no planejamento da Gestão de pessoas em uma organização, pois quando são feitos os cálculos a respeito da força de trabalho da empresa, não se leva em consideração os funcionários que irão chegar atrasados, faltar e tirar férias, alterando o número de funcionários ativos. Ou seja, a ausência dos empregados provoca certas distorções quando se referem ao volume e disponibilidade da força de trabalho, e consequentemente trás prejuízo à empresa. Segundo Chiavenato (1999), “cada pequena redução nos índices de absenteísmo pode trazer razoável economia para a organização. Portanto, é de suma importância para a organização conseguir diminuir o alto índice de absenteísmo e isso poderá ser feito Revista de Psicologia l 175


através de programas de controle da ausência, onde os funcionários assíduos são recompensados com prêmios. Entretanto, para essas recompensas funcionarem como motivadoras, é importante que se observe, como foi dito anteriormente, em que nível da hierarquia das necessidades o funcionário está, e assim a basear a premiação na satisfação das necessidades deste nível. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da Pesquisa de Clima Organizacional realizada na creche comunitária foi observado um alto índice de absenteísmo, ou seja, as funcionárias constantemente se ausentavam ou chegavam atrasadas. Após a pesquisa bibliográfica, a aluna pesquisadora concluiu que o alto índice de absenteísmo na Creche Comunitária está diretamente relacionado à motivação. Portanto, a resposta para a questão principal deste artigo, seria que funcionários motivados dão um novo significado ao trabalho, sentindo-se valorizados e satisfeitos com a profissão e com a organização da qual fazem parte. Isso faz com que eles se empenhem para obter bons resultados e não faltem por motivos injustificáveis. REFERENCIAS BERGAMINI, Cecília Whitaker. Motivação nas organizações. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1997. CHIAVENATO, Idalberto. Gerenciando pessoas : o passo decisivo para a administração participativa. 3. ed. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1997 CHIAVENATO, Idalberto. Gerenciando com as pessoas: transformando o executivo em um excelente gestor de pessoas . Rio de Janeiro, RJ: Elsevier, 2005. CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de pessoas : o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999. ROBBINS, Stephen P. Comportamento organizacional. São Paulo: Prentice Hall, 2008. SCHERMERHORN JR., John R.; HUNT, James G.; OSBORN, Richard N. Fundamentos de comportamento organizacional. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2002. p. 94-95

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Metodologia quantitativa elaborada pela profª Denise Rossi no LAGEP- Laboratório de gestão de pessoas

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A mudança organizacional: como um diagnóstico contribui para um processo de resistência a mudança? Fabielle Lopes do Couto1 Denise Rossi2 RESUMO:Este artigo tem como objetivo abordar algumas hipóteses que levam ao processo de resistência à mudanças na organização e quais as suas conseqüências a partir da Pesquisa de Clima Organizacional realizada em uma Autoescola . Palavras–chave: Resistência. Pesquisa de clima. Processos de mudanças.

INTRODUÇÃO O interesse pelo tema surgiu a partir da coleta de dados realizada pelo diagnóstico de clima no primeiro semestre de 2009 no estágio IV, Psicologia do Trabalho I, aplicado em uma Autoescola . Como o diagnostico é uma ferramenta que propõe mudanças e melhorias no ambiente organizacional, os dados coletados nesta pesquisa apontaram para tal necessidade. Porém, a partir dos resultados, as ações propostas não foram implantadas, emergindo um processo de resistência a mudanças já existente no ambiente. Tais dados foram obtidos através do instrumento quantitativo (QDO)3, utilizado para realizar a pesquisa de clima da organização que investiga oito indicadores: Objetivos da organização, Estrutura, Liderança, Relacionamentos, Recompensas, Mecanismos de apoio, Propensão à mudança e Postura dos colaboradores. Segundo o Dicionário de Administração de Recursos Humanos, de Flavio Toledo e B. Milioni, “a pesquisa de clima organizacional é o levantamento do clima organizacional ou cultura da organização, buscando identificar e avaliar as atitudes e padrões de comportamento, com vistas a orientar políticas de ação e correção de problemas.” A pesquisa de clima organizacional busca detectar imperfeições que existem na relação da empresa e os funcionários, com o objetivo de corrigi-las. A pesquisa revela o estado de ânimo dos funcionários, busca identificar a existência de problemas no campo das relações de trabalho e proporciona um meio efetivo para melhorar os ambientes de trabalho, possibilitando que os funcionários se sintam melhor no desenvolvimento de suas atividades e mais envolvidos com as empresas onde atuam. Diagnostico Organizacional é um processo interativo entre o consultor e o sistema – cliente que visa identificar e medir as variáveis que interferem significativamente no desempenho de uma empresa, tem como objetivo descobrir as forças, vantagens ou pontos fortes de uma organização, bem como as estratégias 178 l

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para explorá-las ao máximo e identificar as fraquezas de uma organização, desvantagens ou pontos fracos, buscando eliminá-los ou pelo menos abrandar seus efeitos (PEREIRA, 1999). A pesquisa realizada na Autoescola apresentou os seguintes resultados, a partir dos Q.D.O.s aplicados (pesquisa quantitativa): Postura dos funcionários: 93%: No geral, os colaboradores pesquisados revelam que estão interessados e comprometidos com responsabilidade em relação à empresa. Propensão à mudança: 75%: No geral, os colaboradores pesquisados mostram-se abertos a mudanças dentro do ambiente organizacional, o que pode servir como facilitador no desenvolvimento da empresa. Mecanismo de apoio: 74%: Os colaboradores pesquisados revelam que há uma boa interação entre os funcionários e quando necessário encontram apoio para desenvolver tarefas. Recompensas: 68%: Os funcionários revelam satisfação em relação às recompensas, sendo essas tanto no âmbito salarial, pessoal e profissional. Relacionamento: 88%: No geral, os colaboradores pesquisados revelam que há um bom relacionamento entre os funcionários e a proprietária. Liderança: 73%: os funcionários mostram-se satisfeitos com a forma de liderança da gestora, tanto nos processos como na equipe. Estrutura: 70%: Em geral, os colaboradores estão satisfeitos com a organização do trabalho e com aspectos físicos e tecnológicos da empresa. Objetivos: 78%: Os funcionários revelam saber com clareza os objetivos da empresa. A partir da analise qualitativa, a pesquisa realizada na Autoescola apresentou os seguintes resultados:

Descrição da função X Cargo ocupado


No geral os participantes apresentam compatibilidade nas suas funções desenvolvidas, e estão adequados ao cargo que ocupam. Participação em decisões referentes ao cargo ocupado No geral os participantes participam das decisões tomadas referente ao cargo que ocupam. Relacionamento entre os funcionários Todos os participantes declaram manter um bom relacionamento com os demais funcionários. Relacionamento com os superiores Todos os participantes declaram manter um bom relacionamento com a superior. Os resultados da pesquisa realizada foram satisfatórios, o que revela bom nível de satisfação dos funcionários em relação à empresa. Entretanto, se o resultado foi satisfatório o que pode ter gerado a resistência?

REFERENCIAL TEÓRICO As organizações são parte indissociável, influenciada e influenciadora da complexidade da vida moderna. Em todo o mundo as pessoas estão constantemente se organizando sob as mais diferentes formas, buscando efetividade em seus projetos, realização de sonhos pessoais ou simplesmente adaptação às regras imposta pelo mercado. As dificuldades de compreensão da dinâmica organizacional representam um obstáculo para a mudança nas organizações. Mudanças estão ocorrendo constantemente, seja de forma prevista, desejável ou incontrolável. Se as organizações desejam controlar ou pelo menos se adaptar às mudanças que estão se processando, é necessário compreender todas as dimensões de sua própria realidade e assim aproveitar todo o potencial da transformação. Não há como modificar um comportamento se a pessoa não assumir responsabilidade pela sua própria mudança, desempenho e habilidades. Smith, (1997) afirma: O modo como nos comportamos é uma função daquilo em que acreditamos; que o que acreditamos é uma função de como percebemos a realidade; e que nossas percepções da realidade, por sua vez, são função do mundo como nós e outros nos comportamos. A mudança fundamental, então, depende da modificação de todas as partes do ciclo. ( SMITH, 1997 p.55 ) Um bom domínio de novas habilidades é muito importante para que a iniciativas a serem realizadas sejam bem sucedidas. A maioria dos indivíduos cujas iniciativas dependem de amplas mudanças de comportamento enfrenta um serio desequilíbrio. O sucesso exige a adesão de muitas pessoas que devem aprender novas habilidades, novos comportamentos e novos relacionamentos de trabalho, mas a maioria reluta em assumir responsabilidade

pela mudança e só o fará se disso dependerem as consequências específicas de desempenho. Enquanto isso, poucas têm a autonomia ou recursos necessários no inicio de sua iniciativa para influenciar as metas e as fontes de relutância de um grande número de pessoas. Mudar envolve, necessariamente, capacidade de compreensão e adoção de práticas que concretizem o desejo de transformação. Isto é, para que a mudança aconteça, as pessoas precisam estar sensibilizadas por ela. Ao implementar mudanças ou inovações, as organizações, muitas vezes, têm de enfrentar resistências internas que podem estar ligadas a uma reação à incerteza e insegurança causadas pelo medo ao desconhecido e ao ainda não experimentado. Kaufmam (1971) descreve alguns fatores dentro das organizações que resistem à mudança. Tais fatores incluem familiaridade com os padrões existentes, a oposição à mudança por parte de grupos dentro da organização que podem ter motivações altruístas ou egoístas, e uma simples incapacidade para mudanças. Outros obstáculos relacionados a mudanças dizem respeito aos recursos. As organizações podem não ter capacidade financeira ou de pessoal para se empenharem em esforços no sentido da mudança, mesmo que seja identificada a necessidade de mudar. As organizações têm sido alvo das tão discutidas mudanças organizacionais, porém essas ocorrem inevitavelmente no cotidiano sob qualquer aspecto, não se restringindo somente ao contexto organizacional. Cabe ressaltar que culturas muito fortes com sistemas de valores coesos podem apresentar maior resistência às mudanças, principalmente àquelas que vão de encontro ao ponto de vista vigente na organização. Chiavenato (1999), define cultura organizacional como um conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender como lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna e que funciona bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados a novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir em relação a esses problemas. É o conjunto de crenças e valores que moldam o comportamento das pessoas em uma organização. Constitui o modo institucionalizado de pensar e agir (PEREIRA, 1999). Os aspectos culturais da organização contribuem com a resistência, sendo que a cultura propõe identidade organizacional, fatores que irão conduzir a uma aprovação em caso de mudanças. Naturalmente as pessoas tendem a resistir. O maior problema está em como lidar com esta resistência e se esta pode impedir um processo planejado e bem implantado de mudanças. A resistência às mudanças não é advinda somente por parte das pessoas, a própria organização também resiste. As questões culturais, sejam elas organizacionais ou sociais, influenciam na resistência, em Revista de Psicologia l

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função de que as transformações poderão afetar diretamente o equilíbrio da organização. A mudança no contexto organizacional engloba alterações fundamentais no comportamento humano; nos padrões de trabalho e nos valores em resposta a modificações ou antecipando alterações estratégicas, de recursos ou de tecnologia. A chave para enfrentar com sucesso o processo de mudança é o gerenciamento das pessoas, mantendo alto nível de motivação e evitando desapontamentos. O grande desafio não é a mudança tecnológica, mas mudar pessoas e a cultura organizacional, renovando os valores para ganhar vantagem competitiva. CONCLUSÃO A partir da Pesquisa de Clima Organizacional realizada na Autoescola e da revisão bibliográfica para a elaboração deste artigo, pôde-se concluir que o problema da resistência a mudanças é bastante comum. Atitudes geradas pela gestora e funcionários da Autoescola, tais como: dificuldade para o agendamento das atividades sugeridas no plano de ação (a serem realizadas pelas estagiárias pesquisadoras), a falta de espaço físico e a falta de comprometimento contribuíram para a manutenção da mesma. A postura inadequada da gestora de não convocar sua equipe para participar mais ativamente do projeto do estágio proposto e aprovado por ela, contribuiu com o baixo comprometimento e resistência dos funcionários na adesão às ações propostas. Talvez este fato tenha uma explicação nas relações estabelecidas entre a proprietária/gestora e os funcionários que lá estão há bastante tempo. Surgiram demandas, a gestora concordou com os termos da pesquisa organizacional e relatou que a Autoescola realmente precisava de mudanças. O diagnóstico revelou resultados incoerentes em relação ás necessidades apontadas pela gestora, pois todos os indicadores mostraram resultados satisfatórios. Por fim, gestores e organização têm funções complementares, cada qual com sua capacidade, domínio e competência para auxiliar nesse processo. Para se ter uma boa gestão, é indispensável entre os envolvidos o comprometimento, colaboração e informações eficazes para um bom desenvolvimento das atividades e consequentemente do estágio. Assim, agindo dessa forma, é mais provável que a pesquisa alcance resultados satisfatórios. REFERÊNCIAS Processo de mudanças. Disponível em www.revistaoes.ufba.br/getdoc.php. Acesso em 30 de setembro. Resistência à mudança. Disponível em http://www.gpi.ufrj.br/pdfs/artigos. Acesso em 30 de setembro e 21 de outubro. Autores Renata Saldim (UFRJ) / Maria Alice Rainho (UFRJ) / Heitor Mansur ( UFRJ).

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SMITH, Douglas K. Fazendo a mudança acontecer. Dez princípios para Motivar e Deslanchar o Desempenho das Empresas. Rio de janeiro: Campus, 1997, 322.p. PEREIRA, Maria José Lara de Bretas. Na cova dos leões: o consultor como facilitador do processo decisório empresarial. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1999. 187 p. CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999.457p. http://www.ead.fea.usp.br/semead/10semead/sistema/resultado/trabalhosPDF/34.pdf. Acesso em 21 de outubro. Autores Jefersosn David Araujo Sales / Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe – FANSE/ Patrícia katiana da Silva / Faculdade Adventista de Administração do Nordeste.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Aluna do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 QDO - Metodologia Quantitativa Desenvolvida pela Professora Denise Rossi em Pesquisas realizadas no LAGEP - Laboratório de Gestão de pessoas


A motivação e suas potencialidades Gabriela Tavares Liduário1 Denise Rossi2 RESUMO: Este artigo apresenta uma reflexão teórica acerca do tema Motivação e tem como finalidade discutir as relações humanas e identificar algumas medidas que podem atuar como potencializadoras do processo da motivação na empresa pesquisada. Apresenta um estudo sobre clima organizacional e propõe verificar o grau de satisfação dos colaboradores em uma Instituição de Ensino frente às praticas organizacionais. Aponta ainda algumas considerações sobre as teorias motivacionais. Conclui que a Instituição de Ensino pesquisada, em todas as etapas do processo do trabalho mostrou-se interessada no clima organizacional, nos resultados da pesquisa e, sobretudo, em saber se os colaboradores estavam realmente satisfeitos ou não em trabalhar nela. Palavras-chave: Motivação. Relações Humanas. Potencialidades. Clima. Comportamento Organizacional

INTRODUÇÃO No contexto contemporâneo muito se tem falado em organizações. O mutável mundo de hoje, em que tudo acontece cada vez mais rápido, só nos deixa uma saída: ter colaboradores motivados na busca constante por resultados satisfatórios. Tendo em vista as múltiplas transformações que tem atingido as organizações, é vital investir na obtenção de um clima organizacional harmonioso. Acreditamos que os momentos de transformação organizacional constituem, potencialmente, uma oportunidade para reorganizar o trabalho. É preciso ter algo mais e isso consiste em proporcionar às pessoas um ambiente de trabalho e de confiança, em que a valorização estimule e motive as pessoas a produzir mais e melhor de tal forma que a eficácia organizacional seja melhorada. Fato é que nada adiantará as organizações investirem em elementos tecnológicos e não observarem o principal recurso: o funcionário colaborador. Assim, pode-se dizer que um dos aspectos mais importantes é a concepção dos relacionamentos interpessoais nas relações de trabalho. Dessa maneira, humanizar as organizações é um dos grandes desafios dessas mudanças. Algumas organizações utilizam instrumentos que auxiliam na aproximação deste conceito, procurando avaliar o nível de satisfação do colaborador em relação à empresa. Sendo as pessoas o seu maior patrimônio, seu recurso mais importante, direciona-se um olhar novo para melhoria no seu clima organizacional, com finalidade de elevar os resultados do trabalho humano na prática de gestão das organizações institucionais de ensino. Assim, o presente trabalho aborda o tema motivação procurando compreender suas potencialidades, apresentando um estudo sobre o clima e o comportamento organizacional com o

objetivo de analisar junto aos funcionários de uma Escola Municipal as variáveis relacionadas ao clima organizacional que influenciam na motivação de seus colaboradores. Quanto aos aspectos metodológicos evidencia-se aqui um estudo de clima organizacional, por meio de pesquisa bibliográfica e documental para dar embasamento teórico ao tema. A opção metodológica recaiu sobre a abordagem qualitativa realizada através de uma pesquisa de campo exploratória, na qual foram realizadas entrevistas individuais e um Questionário de Diagnóstico Organizacional (QDO)3 como instrumento de coleta de dados. O resultado obtido no QDO apresenta oito indicadores pesquisados junto aos 20 colaboradores da Instituição. O interesse deste estudo constituiu no levantamento de valores organizacionais, para verificar posteriormente se teria havido transmissão e aprendizado, uma vez que estas características de compartilhamento de valores são fundamentais para analisar quais os fatores no ambiente de trabalho dessa organização são percebidos como forças impulsionadoras de fatores motivacionais. REFERENCIAL TEÓRICO Reconhecer o que motiva as pessoas é fundamental para o sucesso de qualquer organização. Motivos são forças conscientes ou inconscientes que levam o individuo a apresentar um determinado comportamento. Diversas teorias e inúmeras técnicas têm tentado explicar o funcionamento desta força misteriosa que leva as pessoas a agirem em direção ao alcance de seus objetivos. Entretanto, apesar desse aglomerado de teorias, ainda não se conseguiu explicar a motivação considerando a vulnerabilidade delas no que se refere às necessidades humanas. Davidoff (1983), Hersberg (1975) e outros estudiosos abordam a motivação a partir de enfoques diferentes, pelo fato de Revista de Psicologia l 181


não adotarem as mesmas linhas de pensamento. Essa diferenciação não diz respeito à conceituação, mas sim, em como se motiva uma pessoa. Assim, a motivação refere-se, sobretudo, ao comportamento que é causado por necessidades internas e que é dirigido aos objetivos que podem satisfazer essas necessidades. As pessoas são diferentes no que tange à motivação, uma vez que as necessidades variam de indivíduo para indivíduo, produzindo diferentes padrões de comportamento. Sabe se que esse fenômeno constitui o fator decisivo no êxito da ação de todo e qualquer indivíduo. Desse modo, atualmente se discute bastante sobre o tema, pois está cada vez mais comprovado que as empresas vêm apresentando carências nessa questão. Isso se deve a esse mundo conturbado e competitivo, consequência de um capitalismo assustador. Baseando-se no pressupostos de Chiavenato (1998, p.7677) três definições explicam o comportamento humano, das quais a análise nos interessa, pois elas estão relacionadas com processo de motivação: Primeiro existe uma causalidade do comportamento humano. Tanto a hereditariedade como o meio ambiente influem decisivamente sobre o comportamento das pessoas. Segundo há uma finalidade em todo comportamento humano. É orientado e dirigido para objetivos pessoais e, por fim, existe sempre um impulso uma necessidade que servem para designar os motivos do comportamento. Desse modo, é importante associar atitudes motivacionais e esses objetivos. Esses fatores motivacionais influenciam diretamente no comportamento do indivíduo dentro da organização. A variável humana, devido à sua complexidade, tem sido um dos maiores problemas enfrentados pelas organizações empresariais. Diversos estudos a respeito das forças que impulsionam as ações humanas em determinada direção já foram efetivadas. A teoria da Hierarquia das Necessidades Humanas, ainda hoje, é amplamente contemplada com objetivo de motivar pessoas no trabalho. A propagação do tema motivação humana, além das comprovações de que o trabalhador motivado pode vir a ser um dos grandes diferenciais de uma organização trouxe a crença que a motivação do homem possa ser vista como um dispositivo “mágico“, capaz de solucionar os problemas organizacionais e, consequentemente, as confusões evidenciam que a grande dificuldade deste assunto reside no seguinte argumento: ‘’Não há uma única motivação capaz de determinar como todos os operários se conduzirão com relação às tarefas e, conseqüentemente, não há estratégia especifica que faça todos em todas as partes terem um moral elevado... ’’ (GELLERMAN,1976,P.163). 182 l

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Por isso, motivação indica o processo pelo qual um conjunto de razões ou motivos explica, induz, incentiva e estimula algum tipo de ação humana. Dentro dessa perspectiva, pode-se compreender, à luz das teorias que fundamentam essa discussão, que a motivação é um problema dinâmico, ela varia no tempo e no espaço de acordo com a situação e o indivíduo. Além disso, varia no mesmo individuo em épocas e situações diferentes. Contudo, é um fenômeno contínuo e bastante complexo. As dificuldades humanas podem impedir que essas transformações sejam concretizadas. Os trabalhos de modernização organizacional devem procurar diminuir essas barreiras que dificultam as relações interpessoais considerando que, do ponto de vista humano, esse é um problema básico das organizações e muitas vezes esse aspecto é negligenciado em seus programas. Conforme análise de Murray (1967, p.39), somente depois de conhecermos os motivos humanos e aprendermos algo sobre os complexos efeitos da motivação é que podemos compreender melhor o comportamento humano. Portanto, as motivações estão na perspectiva do amanhã. As mudanças pessoais e organizacionais só ocorrem quando são trabalhadas em função do futuro. A motivação não pode ser medida, pois não é passível de observação. Para a compreensão do processo motivacional, não se pode deixar de evidenciar algumas teorias acerca da motivação. De acordo com Bergamin (1990 p. 58-59), as teorias motivacionais de Maslow, Mc Gregor e Herzberg gozaram de grande prestígio e tiveram a mais ampla divulgação e aceitação. Os dois primeiros preocuparam-se especialmente em ordenar a sequência de aparecimento e valorização dos objetivos motivacionais, enquanto Herzberg apresenta um enfoque já mais diferenciado, separando esses fatores em dois tipos distintos na qual o autor afirmou que qualitativamente existem dois tipos de fatores ou objetivos: os motivacionais e os higiênicos sendo o primeiro de ordem intrínseca e o segundo de ordem extrínseca ao indivíduo. Para Herzberg, os fatores extrínsecos aos indivíduos não motivam, apenas previnem a sua satisfação. Diante disso, várias teorias foram elaboradas na tentativa de explicar o processo motivacional, através da identificação de necessidades comuns às pessoas. Acredita-se que não há interesse em propor a superioridade de uma relação às outras, mas tais estudos contêm características que podem se complementar, uma vez que nenhuma é abrangente o suficiente para todas as situações. As teorias sobre motivação são úteis no sentido de fornecer ao gestor conhecimento das necessidades humanas no ambiente de trabalho, e a possibilidade de tentar motivar sua equipe, a fim


de que esta se comporte em prol dos resultados positivos tanto para o individuo quanto para a organização. No entanto, existem criticas à teoria das necessidades de Maslow. Como afirma Robbins (2002), a teoria não oferece comprovação, na prática, de que a satisfação de uma necessidade ativa um movimento em direção a outro nível, nem que as necessidades não satisfeitas geram a motivação. A teoria das expectativas de Victor Vrron afirma que a tendência de o individuo agir de determinada maneira depende da intensidade da expectativa que ele tem do resultado e do impacto que este lhe causa. Isso sugere que o funcionário motiva-se e faz um esforço maior quando acredita que isso lhe trará resultados positivos. Nesse caso, Robbins (2002) reconhece a dificuldade de se explicar a motivação de todas as pessoas da mesma forma. Para criar um ambiente propício à motivação, o gestor necessitará de habilidades para identificar as expectativas dos funcionários. Podemos dizer que motivação se caracteriza como um fenômeno individual e intencional, uma vez que depende tanto do estímulo como da escolha do comportamento empregado. Pode ser definida ainda como desejo de exercer altos níveis de esforço em direção a determinados objetivos organizacionais ou não. O comportamento não é causal, nem aleatório, mas sempre dirigido para algum objetivo. Portanto a motivação seria a totalidade daqueles fatores que determinam a atualização de formas de comportamento dirigidas a um objetivo. Ela indica o processo pelo qual um conjunto de motivos induz, explica, incentiva ou estimula algum tipo de ação ao comportamento humano. Bergamini (1990) cita Abraham Maslow como o primeiro dos teóricos que merece destaque no que diz respeito aos objetivos mo-

tivacionais no trabalho. A hierarquia dos motivos humanos, na opinião da autora, foi uma solução inovadora para que se tentasse compreender o melhor comportamento humano com todas as suas variáveis. No trabalho, os comportamentos são gerados pelo sistema de necessidades. Tais comportamentos requerem autonomia, vontade e constituem as contribuições necessárias às organizações. Outro aspecto relevante abordado por Bergamini (1990, p.62) reside no fato de que não podendo motivar ninguém, o que resta a ser feito é facilitar o livre curso da energia motivacional contida no interior de cada pessoa. Quando se consegue condições organizacionais que facilitem o livre curso da força motivacional interior, ela induzirá cada individuo a utilizar mais plenamente suas aptidões. Para a compreensão das dificuldades que envolvem o assunto da motivação em situação de trabalho, nos valemos da advertência de Handy; Se pudéssemos compreender e então prever os modos como os indivíduos são motivados, poderíamos influenciá-los, alterando os componentes desse processo. Tal compreensão certamente levaria à obtenção de grande poder, uma vez que, permitiria o controle do comportamento sem as armadilhas visíveis e impopulares do controle... Talvez devêssemos sentir alivio quanto ao fato de que não foi encontrada qualquer formula garantida da motivação (HANDY, 1978, p.28). A realização de objetivos pessoais dos funcionários reflete diretamente no seu desempenho dentro da organização; e consequentemente, na concretização dos objetivos da organização.

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Para que fosse possível o desenvolvimento da pesquisa, foi feito um estudo das variáveis de clima organizacional, na qual foram observadas quais dessas variáveis faziam parte do ambiente organizacional dessa Instituição de Ensino. Analisou-se a influência dessas variáveis na motivação de seus colaboradores. Constatou-se que o índice mais positivo da Instituição de Ensino é o relacionamento interpessoal, isso demonstra que os pontos de comunicação são atingidos, uma vez que apresenta um ótimo relacionamento no ambiente de trabalho, facilitando o diálogo e consequentemente, a produtividade. CONSIDERAÇÕES FINAIS O clima organizacional está intimamente relacionado com a motivação dos membros de uma empresa e o ambiente humano dentro do qual as pessoas de uma organização fazem seu trabalho. Ele não pode ser visualizado, mas, pode ser percebido psicologicamente. Refere-se aos aspectos internos da organização que levam à provocação de diferentes espécies de motivação nos seus participantes. Ele faz parte da qualidade do ambiente organizacional e depende das condições econômicas da empresa, da estrutura e da cultura organizacional, das oportunidades de participação pessoal etc. Nota-se que quando há elevada motivação entre os membros, o clima organizacional se eleva e ocorrem relações de satisfação e interesse de colaboração. O contrário traz estado de apatia e baixa produtividade. Isso mostra a importância das pesquisas de clima organizacional e de utilizar-se dela como dispositivo de suporte à tomada de decisões da organização tarefas. Interessa ao gestor conhecer e estimular os elementos motivacionais em seu ambiente de trabalho. Desse modo, a valorização do funcionário torna-se uma ferramenta gerencial importante para as empresas independente do ramo de atividade que exerce. O ser humano traz consigo variadas potencialidades. De modo geral, ele precisa de estímulos externos e isso se dá pelo condicionamento positivo. Entretanto, para Herzberg (1967, p.14-15), esse condicionamento não leva à motivação, mas ao movimento. A motivação, de acordo com esse autor, ao contrário do condicionamento, é tão somente desencadeada por estímulos internos. Cabe ressaltar que para manter um ambiente sempre motivado são necessários os “combustíveis” fundamentais para a sua manutenção. Esses dispositivos são ações feitas através do gestor e dos outros funcionários que estão envolvidos dentro da organização. Percebe-se que tanto o gestor como os colaboradores admiram o trabalho que vem sendo desenvolvido pela instituição, apesar de todas as dificuldades que se apresentam. Verificou-se também que a Instituição considera de fato as 184 l

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pessoas o seu mais importante recurso e que há algo em trabalhar para esta empresa que motiva as pessoas a fazerem o melhor delas em prol da organização. Enfim, pode-se concluir que existem variadas formas de trabalhar os aspectos motivacionais de uma equipe. Independente de teorias de motivação que o gestor tome como referência, o mais importante é tratar o ser humano com respeito e com a devida consideração, segundo as percepções e atitudes das pessoas que nela estão inseridas. REFERÊNCIAS BERGAMINI, C.Whitaker Motivação. São Paulo 3ª ED. Atlas. 1990. CHIAVENATO.I Recursos Humanos: Ed Compacta, 5ª.edição.São Paulo Atlas,1998. Davidoff.L. Introdução à Psicologia .São Paulo .Ed.MC Grau-Hill-1983. GELLERMAN, S.W MOTIVAÇÃO e Produtividade. São Paulo, Editora Melhoramentos. 1976. HANDY, C. B. Como compreender as organizações? Rio de Janeiro: Zahair,1978. MURRAY EDWARD. J. Motivação e Emoção. Tradução de Álvoro Cabral. Rio de Janeiro Zahar Editores 1967. ROBBINS, STEPHEN. P. Comportamento organizacional Tradução Técnica. Reynaldo Marcondes 9ª edição. São Paulo: Prentice Hall, 2002.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Questionário de Diagnostico Organizacional instrumento desenvolvido pela professora Denise Rossi através de pesquisas realizadas no LAGEP (Laboratório de Gestão de Pessoas).


A pesquisa de clima como ferramenta de diagnóstico Gilmara de Carvalho Gonçalves1 Denise Rossi2 RESUMO: A atualidade requer uma postura que garanta a competitividade entre as organizações. O setor de recursos humanos se torna um aliado nesta busca pelo crescimento organizacional. Procurando compreender melhor a própria organização, a pesquisa de clima surge como uma ferramenta para o diagnóstico e a tomada de ações necessárias para a busca pelo crescimento. Neste sentido, o psicólogo tem condições de propiciar o crescimento organizacional, através da sua escuta e do seu olhar diferenciado da realidade da empresa. Palavras–chave: Organizações. Recursos Humanos. Clima Organizacional. Cultura Organizacional. Pesquisa de Clima. Diagnóstico. Consultoria

1 - INTRODUÇÃO Atualmente as organizações precisam lidar com fatores que diversificam sua postura. A globalização, a alta competitividade, a demanda dos consumidores, entre outros aspectos, pontuam para os gestores uma necessidade de ações que garantam a competitividade das organizações e a longevidade no mercado. O setor de Gestão de Pessoas, dentro deste contexto, deve se adaptar aos objetivos organizacionais, buscando atender às demandas externa e interna, executando ações que permitam o crescimento da própria empresa. 2 - A pesquisa de clima como ferramenta de diagnóstico Na busca pelo crescimento organizacional, o novo modelo de Gestão de Pessoas oferece ferramentas para diagnosticar eventuais problemas, além de reafirmar qualidades da empresa. Para Campos (2004), enquanto a filosofia da empresa é mais duradoura e estável, as políticas de recursos humanos são mais mutáveis e dependem, dentre outros fatores, das reações do mercado, da influência do Estado e das estabilidades política, econômica e social do país. Uma de suas funções é facilitar o ajustamento e a integração da pessoa recém contratada à cultura organizacional. Após o processo seletivo, os candidatos são admitidos na organização e, para iniciarem a trabalhar, devem ser integrados ao contexto organizacional, desprendendo-se de antigas formas de trabalho. Esse contexto diz respeito à filosofia organizacional, onde estão subentendidos os comportamentos desejados, suas necessidades e expectativas. Segundo Tôrres (2008) a cultura compõe o contexto dentro do qual as pessoas trabalham e se relacionam nas organizações. Acrescenta ainda que a organização tende a envolver as pessoas com os seus tentáculos para ajustá-las a esse contexto.

Um aspecto que a globalização traz para a cultura organizacional é a convivência de diversas culturas organizacionais em uma mesma organização. Para Chu e Wood (2008), [...} é preciso estar atento para o caráter híbrido da cultura organizacional. Tal condição pode implicar na convivência, em uma mesma organização, de grupos com distintos traços culturais. Por exemplo, um banco brasileiro adquirido por um banco europeu poderá conter áreas nas quais o personalismo e a alta distância do poder são traços marcantes e a orientação para resultados é um traço tênue, enquanto em outras áreas a situação é inversa. Saber identificar tais subculturas é algo essencial para atendimento dos objetivos organizacionais. O diagnóstico organizacional possibilita colher informações essenciais sobre o clima da organização. Segundo Chiavenato (1997) clima “é o meio interno da organização, a atmosfera psicológica e característica que existe em cada organização”. Pesquisar o clima de uma organização requer um distanciamento do funcionamento atual da empresa, para se manter o máximo de imparcialidade por parte do profissional. Segundo Bispo (2006), a pesquisa de clima organizacional é: ...uma ferramenta objetiva e segura, isenta de comprometimento com a situação atual, em busca de problemas reais na gestão dos Recursos Humanos. A análise, o diagnóstico e as sugestões, proporcionados pela pesquisa, são valiosos instrumentos para o sucesso de programas voltados para a melhoria da qualidade, aumento da produtividade e adoção de políticas internas. Revista de Psicologia l

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A pesquisa de clima pode ser feita através de formulários, onde o dados devem ser analisados e interpretados. Bispo (2006) diz que o ideal é a contratação de terceiros para a aplicação da pesquisa, com o intuito de obter resultados mais próximos da realidade da empresa, mais precisos e livres de influências ou pressões de quaisquer tipos. Contudo, o autor afirma que várias empresas têm elaborado e aplicado sua própria pesquisa e obtido bons resultados. Tamayo Et al (2000), acrescenta a possibilidade de utilização de testes psicométricos em diagnóstios organizacionais, em intervenções e em estudos da cultura da empresa. O levantamentos dos dados deve ser feito de acordo com a demanda da organização. Neste sentido, as entrevistas e os formulários devem ser desenvolvidos para atender às características e necessidades de cada organização. O esclarecimento aos funcionários é de fundamental importância na media em que este traz informações sobre o clima da empresa. Para Bispo (2006), Antes de iniciar a coleta de dados, é necessário fazer um amplo trabalho de conscientização junto aos funcionários para demonstrar a finalidade e a importância da pesquisa de clima organizacional. Nesta conscientização, é necessário frisar a importância da máxima sinceridade nas respostas para que seja possível obter os dados mais fiéis possíveis mostrando claramente como está o nível de relacionamento entre a empresa e os seus funcionários. Outro ponto importante a ser comunicado aos funcionários é do caráter voluntário da pesquisa de clima organizacional. A não obrigatoriedade deve ser reforçada pelo comprometimento por parte do funcionário em produzir o maior número de informações que darão à pesquisa uma visão mais clara da real situação da empresa. Segundo Bispo (2006), é importante ressaltar também que não haverá, como consequência da pesquisa, qualquer tipo de represália que possa vir a prejudicar qualquer funcionário. Acrescenta ainda que deve ser elucidado que o objetivo da aplicação da pesquisa é melhorar o relacionamento entre a empresa e os funcionários e não piorar a situação existente, seja ela qual for. Os dados colhidos através das ferramentas utilizadas devem ser tabulados para que possam ser analisados. Com eles, pode-se obter informações sobre os problemas da organização para com seu funcionário. Diante dessas infromações, medidas devem ser tomadas para a solução dos problemas encontrados. Estas medidas podem ser a curto prazo ou a longo prazo. Bispo (2006) pontua que, 186 l

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A solução de cada problema vai depender de sua gravidade; dos recursos necessários para a solução, incluindo os financeiros, materiais, humanos e o fator tempo; do relacionamento do problema encontrado com outros problemas detectados e a sua solução conjunta; do esforço conjunto e da confiança mútua entre a empresa e seus funcionários para a solução destes problemas; e da capacidade dos administradores em encontrar boas soluções para os mesmos. Neste sentido, o papel do psicólogo se torna importante, na medida em que este possui ferramentas capaz de detectar melhor as dificuldades e qualidades da organização. 3 - CONCLUSÃO O psicólogo que deseja trabalhar em uma organização tem que fazer uso de suas ferramentas essenciais: o olhar e a escuta. Com essas ferramentas diferenciadas, ele sai do lugar de aplicador de testes ou do profissional estagnado em processos seletivos, para o lugar de consultor. O papel do consultor interno na área de Recursos Humanos é de: [...} assessoramento estratégico aos clientes internos, cabendo a ele colaborar, acompanhar na solução de questões, participar em projetos específicos de seu cliente, acompanhar tendência de Recursos Humanos, assessorar as áreas no levantamento de necessidades de treinamento, colaborar na identificação de novos talentos, oferecer suporte na execução de programas específicos de cargos, salários, benefícios etc. [...] Em algumas empresas também faz parte da função do consultor o contato com todos os funcionários, buscando ouvi-los em suas necessidades. (ORLICKAS, 2001, p. 65) Dentro deste contexto, o psicólogo deve conhecer também áreas tais como a estatísticas e informática, visando acompanhar a evolução tecnológica e conhecer ferramentas que lhe possibilite a coleta e a apresentação do diagnóstico organizacional. Portanto, no novo modelo de Gestão de Pessoas, onde a consultoria é uma peça chave para a obtenção de resultado, o profissional de psicologia, no papel de consultor interno, possui capacidade de possibilitar o alcance destes. Através da pesquisa de clima como diagnóstico da organização, o psicólogo, com seu olhar e sua escuta, possibilita uma melhor integração entre os funcionários e a organização, minimizando os problemas e maximizando a qualidade e produtividade da organização.


REFERENCIAS BISPO, Carlos Alberto Ferreira. Um novo modelo de pesquisa de clima organizacional. Prod., São Paulo, v. 16, n. 2, ago. 2006 . Disponível em <http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65132006000200007&ln g=pt&nrm=iso>. acessos em 28 out. 2009. doi: 10.1590/S010365132006000200007. CAMPOS, Keli Cristina de Lara et al . Avaliação do sistema de treinamento e desenvolvimento em empresas paulistas de médio e grande porte. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 17, n. 3, 2004 . Disponível em <http://www.scielo. br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-79722004000300015&lng=pt&nr m=iso>. acessos em06 jun. 2009. doi: 10.1590/S0102-79722004000300015. CHIAVENATO, Idalberto. Gerenciando Pessoas. 3. ed. São Paulo: Makron, 1997. CHU, Rebeca Alves; WOOD JR., Thomaz. Cultura organizacional brasileira pós-globalização: global ou local?. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro, v. 42, n. 5, out. 2008 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0034-76122008000500008&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 28 out. 2009. doi: 10.1590/S0034-76122008000500008. ORLICKAS, Elizenda. Consultoria interna de Recursos Humanos / Elizenda Orlicks. – São Paulo: Futura, 2001. TAMAYO, Alvaro; MENDES, Ana Magnólia; PAZ, Maria das Graças Torres da. Inventário de valores organizacionais. Estud. psicol. (Natal), Natal, v. 5, n. 2, dez. 2000 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1413-294X2000000200002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 22 nov. 2009. doi: 10.1590/S1413-294X2000000200002. TORRES, Leonor Maria de Lima. (Re)Pensar a cultura e a formação em contexto de trabalho: tendências, perspectivas e possibilidades de articulação. Sociologias, Porto Alegre, n. 19, jun. 2008 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222008000100009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 28 out. 2009. doi: 10.1590/S1517-45222008000100009.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva

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Motivação: causas e benefícios no trabalho Girlaine Maria da Cunha1 Denise Rossi2 RESUMO:O presente artigo objetiva elaborar uma análise gradual e cuidadosa da causa e benefício da motivação, em decorrência dos resultados da empresa, sua importância e gravidade. Busca também exaltar os aspectos estruturais, disposição, adaptação e ordem, buscando aprimorar a percepção, de forma a evidenciar como a equipe motivada pode auxiliar no âmbito organizacional em uma nova perspectiva estrutural física e emocional. Discorre-se ainda, sobre a importância dos fatores, internos ou externos, que irão influenciar na relação deste profissional com a organização. Este trabalho utiliza-se da pesquisa de clima realizada em um Instituto de seleção de estagiários de forma a contextualizar o tema. Palavras-chave: Motivação. Ambiente. Dinâmica organizacional. Interação social. Subjetividade.

INTRODUÇÃO O presente artigo objetiva relatar a importância da motivação no ambiente de trabalho. O tema proposto foi desenvolvido através do resultado da parceria do estágio supervisionado IV (Psicologia do Trabalho I) do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva com o Instituto . A prática do estágio constituiu em identificar os indicadores para o Diagnóstico de Clima Organizacional, levantando os aspectos humanos e comportamentais do trabalho. A pesquisa quantitativa e realizou-se com o QDO3 (Questionário de Diagnostico Organizacional) e avaliou oito indicadores: Postura dos funcionários 78%, Propensão à mudança 58%, Mecanismos de apoio 69%, Recompensas 49%, Relacionamentos 82%, Liderança, 78% Estrutura 62% e Objetivos 69%. O indicador recompensa que foi um dos apontados com o menor índice de satisfação entre os pesquisados. Tais aspectos sugeriram à aluna pesquisadora esta temática para a investigação teórica neste artigo. REFERENCIAL TEÓRICO Para Robbins (2002), motivação é efeito da influência mútua do individuo com a situação, ou seja, ela é responsável pela “intensidade direção e persistência dos esforços de uma pessoa para alcançar uma determinada meta”. Assim, entendemos motivação como esforço que buscamos para alcançar uma meta, deixando claro que a intensidade dessa energia é muito importante, e as duas devem ir ao encontro com o caminho dos objetivos da organização. O termo motivação vem sendo estudado há muitos anos, e cada vez mais se entende a necessidade e importância desta nas relações de trabalho. Nas teorias contemporâneas achava-se que a motivação poderia ser compreendida como uma hierar188 l

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quia das necessidades, onde cada indivíduo, de acordo com suas necessidades, tinha suas motivações. Eles acreditavam que a esta poderia ser muitas das vezes resolvida com os fatores extrínsecos ao sujeito (ROBBINS, 2002). A teoria desenvolvida por McGregor propôs a existência de duas premissas quando se falava de ser humano: a gestão participativa caracterizada pela teoria Y, onde o indivíduo preza pelo autodesenvolvimento, o trabalho e visto como algo que proporciona prazer, ou seja quanto mais responsabilidades mais encantado o individuo evidencia ao trabalho. E a Teoria X que preza pelo estilo tradicional autocrático onde o individuo precisa ser coagido e pressionado visto que para este o trabalho é encarado como uma obrigação (ROBBINS, 2002) Outra teoria importante quando se fala de motivação é o conjunto de fatores, nomeado como “fatores higiênicos e motivacionais”, desenvolvida por Herzberg. Os fatores higiênicos referem-se às condições que rodeiam o empregado, ou seja, fatores extrínsecos ao ambiente, englobando as condições físicas e ambientais do trabalho. Contudo o autor considera esses fatores muito limitados em sua capacidade de estimular o comportamento dos empregados, eles dedicam a evitar a insatisfação e não em motivá-los. Cada vez mais se percebe que a motivação é um fator intrínseco, ou seja, algo que vem ao encontro com o sujeito sem um modelo ideal, em que pode ser descrito como oportunidades de crescimento, responsabilidade e envolvimento com o trabalho em si; tomar decisões e implantá-las, realização e autoestima. Assim, para Herzberg, o trabalho só proporciona prazer se ele der possibilidade do sujeito ir ao encontro de sua satisfação intrínseca, algo que o impulsiona a buscar novos desafios, sendo que esses podem ser de diferentes jeitos ou formas. (ROBBINS, 2002)


Segundo Bergamini (1993) ... “percebe-se que a felicidade motivacional e função de uma árdua e profunda luta de cada um e que não há ninguém que possua um molde especial que na qual se possa cunha-la a granel”. Pág 16 Para Robbins (2002), atualmente, através das teorias contemporâneas, entendemos que a motivação é um fator interno que pode ser complementado com os fatores externos, visto que o desejo de realizar algo surge da subjetividade, ou seja, motivo ou necessidades do ser humano em obter aquela resposta, em que suas experiências, cultura, necessidades de existência, relacionamento e o desejo de crescimento influenciam diretamente no seu comportamento e na intensidade do mesmo. Isso por que à medida que o sujeito vivencia e experimenta sua história, ele passa a escolher prioridades e preferência. As pessoas agem de forma a satisfazer suas necessidades, o que muitas das vezes se torna incompreensível na organização. Esta é uma forma de explicar por que as pessoas se comportam ou agem de tal forma, ou seja, “motivos para fazer o que fazer”. Explicando melhor a motivação é um motor que leva à ação. De acordo com Bergamini (1993), qualquer pessoa possui seu sinal motivacional, ou seja, o sinal é a justificativa de suas escolhas, que estão totalmente ligadas a sua origem: seu modo pessoal de ser e de dar o devido valor a determinado fato ou acontecimento. “As pessoas não fazem a mesma coisa pela mesma razão”. Assim, cada um procura os seus interesses e as formas de conseguir pôr em pratica, tais objetivos. Freud (1974) relata que a necessidade, desejo, ação e satisfação das pessoas estão ligadas a um desejo inconsciente, algo de sua experiência que foi recalcado ou reprimido, que por tais fator adquire força própria em uma direção e será emitido em forma de gozo em determinada situação. Fator esse que nos deixa entender como cada experiência passada carrega sua responsabilidade, para aquilo que hoje e motivo de satisfação. Assim compreende a abrangência do termo motivação, pois a motivação do indivíduo está ligada a toda uma historia passada. E assim não se pode ter ambiguidade quando falamos dessa força interna, pois não existe história com características e significados iguais. Para Chiavenato (2003), para entender o comportamento das pessoas é preciso avaliar sua motivação e tudo aquilo que estimula a pessoa a agir de determinada forma “a motivação constitui um importante campo do conhecimento da natureza humana e da explicação do comportamento humano”. Assim fica claro que a motivação é algo intrínseco ou extrínseco. Intrínseco por que vem da subjetivida-

de do individuo, e extrínseco por que pode ser alterada através dos estímulos que a organização proporciona ao individuo. De acordo com Bergamini (1993) existe uma falta interna que deve ser ocupada. Esta só se realizara quando encontrar seu combustível, que será considerado como produtor da satisfação. Assim, no momento em que houver a fusão dessa necessidade com a satisfação do desejo, terá ocorrido o “ato motivacional”, pois a falta é preenchida pela exultação da necessidade. Esse processo se repete por toda a história, e em cada momento os mecanismos motivacionais construirão tudo novamente, cada vez de forma diferente, sendo único e novamente inexplicável cada ato motivacional. Para esta autora, ... Cada tipo de personalidade da origem a uma diferente orientação comportamental em termos de características motivacionais, o que confirma que, embora as pessoas façam coisas parecidas, suas rações e maneiras de agir lhes são particularmente diferentes... Bergamini (1993) Pag 94 Não é simples para a organização entender e estimar as causa e desígnio de cada um. E não se pode esquecer que a pessoa que está na tentativa de entender tais motivos, provavelmente tem motivos e intenções motivacionais diferentes. Por tais fatores entendemos que seja necessário que as organização estejam dispostas a vislumbrar desse sujeito os motivos internos e os desejos que lhe impulsiona, para que esta energia seja canalizada nos objetivos da organização e, para isso, é necessário ir de encontro desse grande desafio que quando bem desenvolvido resulta em uma equipe motivada. Trabalhar com o homem é manejar uma ferramenta imprecisa, onde é necessário um manejo por parte da empresa, para conseguir dar a manutenção necessária para que essa ferramenta trabalhe bem e “motivado”. Esse manejo, muitas das vezes, pode ser confundido como um condicionamento, ou seja, uma forma de modificar comportamento através de estímulo-resposta. O que nos leva a pensar que os fatores extrínsecos podem ser reforçados, mas eles sozinhos não conseguem aumentar a motivação desses indivíduos. De tal modo que fica clara que os fatores higiênicos desenvolvidos por Herzberg são importantes, mas não suficientes. Para Bergamini (1993), uma alternativa para entender a motivação dentro de uma organização é agrupar as pessoas de acordo com seus objetivos, mas de forma a entender particularmente quais os meios de cada um perpetraria para atingir esse objetivo da organização. Ou seja, não é a organização que traça o caminho a ser seguido, ela pode traçar a meta dessa equipe, mas cada um Revista de Psicologia l

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deve utilizar dos meios que lhe impulsiona a fazer tais objetivos. Em outros termos as pessoas trazem de suas experiências seus desejos e impulsos. Assim, quando alguns desses fatores são colocados à mostra, obtemos o resultado com maior ou menor apontador de satisfação, e cabe a empresa se atentar para tal informação. Segundo Bergamini (1993) Se as organizações estiverem devidamente atentas para esse aspecto poderiam evitar muitas medidas de caráter geral que tomam e podem ser consideradas como altamente desmotivante.... da mesma forma desistiriam de encontrar formulas mágicas ou medidas impessoais no afã de motivar seus pessoais. Deste modo, o trabalho desenvolvido por um determinado grupo que possua o mesmo objetivo, vai ser criado de formas diferentes e em consequência um sentido diferente, esse sentido pode ser ligado a fatores externos como os de necessidades básicas de cada um, o que diferencia um do outro. Já os motivos intrínsecos esclarecem a importância de tal atividade, assim o individuo procura em seu trabalho uma forma de buscar desafios que estejam de acordo com seus interesses e estes não devem ser muito fáceis, pois não será capaz de motivá-lo, nem muito difíceis, pois o frustrará quando vir a dificuldade em alcançá-los. Assim, quando a empresa auxilia nesta busca de autorrealização, o individuo se envolve na procura de objetivos que os motivam intrinsecamente, este por conseqüência, atendem suas necessidades e ainda são bem vistos e incentivados pela empresa, sendo que o resultado desse conjunto de satisfação gera um profissional motivado, fator importante e fundamental para o direcionamento de uma organização. Para Robbins (2002), outras formas que auxiliam a empresa nessa busca de motivação em sua equipe são os programas motivacionais, que vão desde o “muito obrigado” espontâneo até programas formais explícitos, nos quais tipos específicos de comportamento são encorajados e os procedimentos para conquista do reconhecimento são identificados claramente. Citaremos e esclareceremos a seguir alguns destes programas. A empresa pode implementar um programa de administração por objetivos, atribuindo a este programa o desenvolvimento de seus funcionários. Assim é necessário concentrar o foco geral em um alvo especifico para cada unidade de integração da organização (Robbins, 2002). Segundo Robbins (2002). Os meios práticos da organização são revertidos em específicos e cada hierarquia da empresa possui seu objetivo, “isto é, divisão, departamento, individuo”. O resultado é 190 l Revista de Psicologia

uma hierarquia de objetivos assim todos se unem para o resultado da organização, cada um de sua maneira. Portanto, a definição de objetivos visa uma sujeição das metas e este estabelecimento leva o funcionário a um resultado maior, pois possibilita uma resposta imediata de seu desenho. Percebe-se também a necessidade do feedback, pois ele atua como um impulso para os resultado das metas específicas. Robbins (2002) relata a necessidade de a empresa estar atenta aos reforços que a mesma estabelece aos seus funcionários, pois este pode ser o motivador, que o impulsiona a alcançar seus objetivos, podendo vir de um muito obrigado até programas específicos de reconhecimento. Ele demonstra ao funcionário uma importância imediata a tal ato, que por sua vez reforça e condiciona que esses comportamentos ocorram novamente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após esta investigação teórica e da pesquisa de clima realizada no Instituto onde a pesquisa realizou-se percebe-se, portanto que é imprescindível que se entenda e conheça de forma sistêmica toda a cultura da organização para que se possa caminhar junto com os “norteadores motivacionais” que resultarão para ela em uma forma explícita dos motivos de tais práticas. Portanto, a partir do momento em que a organização passar a agir com os fatores intrínsecos, a mesma alcançará resultados duradouros, e os fatores extrínsecos vão agir como complemento dos interesses dos funcionários na organização. Assim, é necessário que a Gerência de Estágio do Instituto troque o motor que direciona e impulsiona esses profissionais, entendendo a origem do problema e investindo nos talentos que, quando motivados, poderão oferecer grande resultados. É como o indivíduo se sente a respeito de seu trabalho. Aqui é importante ressalvar a realização das atividades, ou seja, qual o conteúdo de trabalho e da responsabilidade que estes profissionais exercem. Os fatores motivacionais são os que produzem satisfação e aumento de produtividade em níveis de excelência, e consequentemente progresso profissional. A cultura do Instituto busca jovens em formação, assim a maioria dos profissionais envolvidos são estudantes que iniciaram sua carreira profissional e hoje já estão concluindo sua graduação. No entanto, os mesmos desenvolvem as mesmas funções de quando iniciaram sua carreira. Percebe-se na pesquisa realizada satisfação geral em todos os indicadores, exceto no indicador recompensas. Através desse estudo teórico, entende-se que falta oferecer a estes profissionais novos conhecimentos a partir do desempenho pessoal de cada um, e assim, quando apresentarem perfor-


mance e vontade intrínseca, estes terão possibilidade de realizar e conhecer outras atividades. Sabe-se que a cada vez mais busca-se nos desenvolver e alcançar a autorrealização, e quando fala-se em profissionais em formação sabe-se que o conhecimento é um norteador motivacional. Desta forma, a motivação consiste em alinhar as informações e percepções no mundo das organizações, de forma que as ações sejam planejadas com maior coerência em seus propósitos. Por fim, este estudo sugere ao Instituto realizar ações que diferencie os potenciais e desempenhos que possuem na empresa, e que o mesmo programe treinamentos para desenvolver as competências de seus profissionais e valorize constantemente os avanços através dos feedbacks, podendo assim comemorar as vitórias de sua equipe motivada. REFERÊNCIAS ROBBINS, Stephen. P.Comportamento organizacional. 9 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002. 485 p. CHIAVENATO, Idalberto. Administração nos novos tempos. Rio de Janeiro: Campus, 2003. xxviii, 710 p. FREUD, Sigmond. O mau-estar na civilização. Rio de janeiro: imago, 1974. p. BERGAMINI, Cecília Whitaker. Motivação. 3. ed. Atlas, 1993 FONSECA, Kátia. O que é motivação. Disponível em: <http://www.rh.com. br/Portal/Motivacao/Artigo/4285/o-que-e-motivacao.html>. Acessado em 13 de outubro de 2009.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Patenteado e disponibilizado pela Professora do Centro Universitário Newton Paiva Denise Rossi.

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A comunicação nas organizações Karla Luciana Costa1 Karlysson de Castro2 RESUMO:O presente artigo é resultado de uma pesquisa de clima realizada na Academia Forma e Equilíbrio, tendo como objetivo investigar a comunicação organizacional, os fatores de satisfação dos colaboradores e de aprimoramento da qualidade dos serviços prestados. Palavras-chave: Comunicação. Pesquisa de clima. Comunicação organizacional.

A pesquisa de clima realizada na Academia Forma e Equilíbrio foi uma proposta de consultoria organizacional, realizada por alunos do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva, que atendesse às demandas de orientação ao modelo de gestão de organizações. A primeira etapa do trabalho foi a realização de um diagnóstico, onde a pesquisa de clima organizacional foi utilizada como instrumento de coleta de dados. A pesquisa tem como objetivo ouvir os funcionários da Academia Forma e Equilíbrio e entender os aspectos culturais que permeiam a satisfação e insatisfação dos mesmos. A segunda etapa do trabalho foi a implementação das sugestões apontadas na pesquisa organizacional realizada no estágio VII, Psicologia Organizacional II. Iniciaram-se os trabalhos de intervenção em uma reunião com os colaboradores das áreas da academia: piscina, recepção, fisioterapia, ginástica, hidroginástica, pilates e coordenações. Verificou-se a necessidade de trabalhar com as equipes, realizando reuniões, aplicando dinâmicas, apresentando de vídeos sobre a comunicação e interagindo com os colaboradores como um todo. Nessa perspectiva, o presente trabalho utiliza-se de referencial teórico embasado nas teorias organizacionais de gestão de pessoas, abordando os aspectos culturais e climáticos. Com os fatores pesquisados, é possível obtermos respostas qualitativas e quantitativas, e assim podemos analisar se a comunicação dentro da organização está contribuindo para os colaboradores desempenharem suas funções com excelência. A comunicação tem relação direta no que diz respeito à excelência da qualidade dos serviços desenvolvidos nas organizações. Comunicar-se significa: Ato ou efeito de emitir, transmitir e receber mensagens por meio de métodos e/ou processos convencionados que através da linguagem falada ou escrita, quer de outros sinais, signos ou símbolos, quer de aparelhamento técnico especializado, sonoro e/ou visual. A ação de utilizar os meios necessários para realizar tal comunicação (FERREI192 l

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RA, 1986, p.444). De acordo com Ferreira (1986), a comunicação é um meio que se pode entender como uma interação, ou seja, para comunicar-se é necessário que exista mais de uma pessoa para que possa haver troca de informações. Informações essas que podem ser faladas, escritas, gesticuladas ou até mesmo visualizadas. Para que a comunicação seja bem entendida e interpretada, é necessário que o emissor tenha habilidade e disponibilidade para aprender e entender o que fazer com a mensagem emitida. Para que as pessoas possam se comunicar, é necessário que estejam dispostas a aprender a emitir e interpretar uma mensagem. Moscovici (1980) nos orienta sobre a importância de saber emitir e saber interpretar a mensagem, pois um saber direciona o outro. A partir da mensagem emitida e elaborada é que o outro poderá seguir em direção à execução do conteúdo da mensagem. Portanto, fica claro que em uma comunicação existe uma troca de significados. Existe um significado para quem emite e uma elaboração de significados para quem recebe a mensagem. De acordo com Moscovici (1980), habilidade da comunicação é desenvolver a agilidade com as palavras, ou seja, o líder deverá conhecer o seu grupo, conhecer a ele próprio e depois fazer um treino diário com as palavras, para que a mensagem a ser emitida ao grupo seja transparente e inteligível a todos. Habilidade com as palavras não seria apenas usar e exercitá-las corretamente, mas também saber utilizar a entonação específica para cada situação, para cada um dos componentes do grupo e até mesmo para o grupo inteiro. Pressupõe-se que uma comunicação bem articulada será bem entendida e, assim, irá reverter em resultados satisfatórios às organizações. Portanto, a comunicação dentro das organizações é de suma importância, pois é através da comunicação que cada membro dessa organização irá nortear e desenvolver suas funções cabíveis. Moscovici (1985) ainda nos sugere que as habilidades de comunicação interpessoal podem descrever comportamentos


como percepção e sentimentos que poderão ser valorizados para o surgimento de feedback proveitoso dentro das organizações. No processo de desenvolvimento da competência interpessoal, feedback é um processo de ajuda para mudança de comportamento; é a comunicação a um pessoa, ou grupo, no sentido de fornecer-lhe informações sobre como sua atuação está afetando outras pessoas. Feedback eficaz ajuda o indivíduo (ou grupo) a melhorar seu desempenho e assim alcançar seus objetivos (MOSCOVICI, 1980, p.26). De acordo com o autor, é necessário o feedback dentro das organizações e entre os membros dessa. Mas, pode-se perceber que dar e receber feedbacks não é tarefa fácil. Existem casos em que, quem irá receber o feedback, talvez não esteja preparado para ouvi-lo, e em outros casos, a pessoa não está preparada para emiti-lo, pois toda mudança de comportamento é difícil, e muitas vezes o indivíduo, ou o grupo, não está preparado para tal mudança. De acordo com Chiavenato, tanto as organizações quanto seus colaboradores são influenciados pelo meio em que vivem. Assim, percebe-se como é importante uma comunicação bem estruturada e bem elaborada para que todos possam entender a mensagem e principalmente desenvolver com competência o que a mensagem diz. Assim se vê a necessidade de fazer uma pesquisa de clima para entender a particularidades de uma determinada organização. De acordo com Pereira (1999), clima organizacional é definido como uma interação de pessoas e a localidade da empresa. Sendo assim, acredita-se que o comportamento dos colaboradores de uma empresa está ligado a suas crenças, valores, morais e, por este motivo, ambos devem ser estudados em conjunto. Cada empresa tem sua característica específica e sua particularidade, então é necessário saber se a empresa está disposta a passar por inovações. Entende-se por clima organizacional algo dinâmico, e que poderá ser percebido de inúmeras maneiras, portanto infere-se que pessoas influenciam no clima da empresa e vice-versa. Em relação à pesquisa de clima e cultura, fica claro que o

seu principal alvo é identificar o potencial da empresa. Através dessa identificação, é necessário elaborar mudanças nas quais a empresa esteja preparada e capaz de suportar. Existe uma dificuldade em estudar o ambiente pelo fato de haver humanos, e esses são, na maioria do tempo, seres que mudam seu comportamento, que diretamente influenciam no ambiente em que este estão inseridos. Pode-se perceber que o diagnóstico organizacional é um processo de interação entre consultor e a organização, que vem possibilitar a identificação das variáveis que, em um determinado momento, está influenciando no processo de desempenho da organização. Com a exposição sobre a comunicação, pode-se perceber um fator de relevante importância dentro do ambiente organizacional. É através de uma comunicação eficiente que a empresa se posiciona em seu ambiente interno, que reflete em seu ambiente externo, ou seja, no mercado. Assim acredita-se merecer a atenção de seus administradores. REFERENCIAS CHIAVENATO, Idalberto; Gestão de Pessoas: O novo papel dos recursos humanos nas organizações, Rio de Janeiro: Campus, 1999. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. FRAISSE, Paul; PIAGET, Jean. Tratado de psicologia experimental. Tradução de Frei Eliseu Lopes. Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1969. MOSCOVICI, Felá. Desenvolvimento interpessoal: Leituras e exercícios de treinamento em grupo. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos, 1980. PEREIRA, Maria José Lara de Bretas, Na Cova dos Leões: o consultor como facilitador do processo decisório empresarial, São Paulo, Makron Books do Brasil, 1999.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva.

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Pesquisa de clima organizacional: academia forma e equilíbrio Ketty Kelly dos Santos1 Karlysson de Castro2 RESUMO:O assunto que será discutido neste artigo aborda o processo de consultoria realizado na academia Forma e Equilíbrio, visando apresentar a pesquisa de clima organizacional como modelo de ferramenta usada na coleta de dados neste processo, já que o clima organizacional é o reflexo da cultura da organização. Portanto, o presente artigo trata de elucidar os conceitos de cultura e clima organizacional com o intuito de relacionar a teoria com a prática do estágio de Psicologia Organizacional I e II, realizado na Academia Forma e Equilíbrio. Palavras-chave: Consultoria. Cultura Organizacional. Clima Organizacional e Pesquisa de Clima. Os processos de consultoria e assistência técnica em recursos humanos realizados na Academia Forma e Equilíbrio tiveram como objetivo o aperfeiçoamento da organização, conduzindo-a a níveis melhores de eficiência e eficácia, através de uma atuação apropriada nos processos intervenientes e mediadores para modificar os insumos organizacionais, determinando o desempenho da organização. As atividades eram pautadas em intervenção de curto, médio e longo prazo e planejamento de estratégias. O trabalho partiu da sensibilização dos funcionários para o envolvimento e comprometimento com o sucesso das mudanças e a implantação do setor de Gestão de Pessoas; foram também realizadas observações do ambiente, caracterização da organização, entrevistas, pesquisas, aplicação de teste e treinamentos. As atividades desenvolvidas na Academia foram o Diagnóstico Organizacional, a Pesquisa de Clima Organizacional, o Desenvolvimento gerencial e de equipes, e o Treinamento e desenvolvimento de pessoas. O artigo tratará diretamente da pesquisa de clima realizada na Academia Forma e Equilíbrio. Porém, antes de falar sobre a pesquisa de clima, torna-se necessário explicar o que é a cultura e o clima organizacional, pois eles estabelecem como as pessoas agem e interagem dentro da organização. Cultura e Clima Organizacional A cultura organizacional é um conjunto de valores, crenças e tecnologias que são mantidas unidas pelos mais diferentes membros, independente dos níveis hierárquicos, ela esta ligada às dificuldades e às operações do dia a dia da organização como as metas e os objetivos organizacionais (CHIAVENATO, 1999). A cultura organizacional irá produzir, juntamente com os mais diferentes públicos; como a sociedade e o mercado; o conjunto de percepções, ícones, índices e os símbolos que podem ser chamados de imagem corporativa (NASSAR, 2000, apud LIMA; ALBANO, 2002). A cultura organizacional pode sofrer mudanças ao longo do tempo, mesmo que a organização resista, pois a cultura não é algo 194 l

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pronto e acabado, ela está em constante mudança e irá variar de acordo com a sua história e seus atores (CHIAVENATO, 1999). Vale ressaltar que algumas organizações estão inseridas em um mesmo contexto social, econômico e cultural. Porém, apresentam características singulares, já que o modelo de gestão, o tipo de liderança, o comprometimento dos colaboradores e o seu meio social local fazem a diferença para que ocorram algumas distinções em cada organização. Por esse fato, torna-se indispensável uma análise do clima organizacional antes de fazer qualquer intervenção. O clima organizacional é analisado de acordo com cada elemento da cultura organizacional, como os valores, políticas, tradições, costumes gerenciais, comportamentos e expressões dos colaboradores envolvidos. Ele influencia diretamente e indiretamente nos comportamentos, na motivação e na produtividade dos colaboradores. Pode-se dizer, então, que o clima organizacional incorpora características ou atributos relevantes ao ambiente interno, que é experimentado por todos os membros da organização, porém ele não é estático, mas sim dinâmico. Segundo Chiavenato (1999), o clima organizacional é um dos principais elementos de uma organização. Ele é constituído pelos sentimentos, a maneira como as pessoas interagem entre si e como elas interagem em seu ambiente interno e externo. Além disso, segundo Luz (2001, apud, LIMA; ALBANO, 2002), o Clima demonstra o grau de satisfação tanto material como emocional dos colaboradores de uma organização. Dessa forma, ele deve ser favorável. Mas, para isso, e necessário que ocorra um equilíbrio na relação da organização com os colaboradores e dos colaboradores com a organização, e a pesquisa de clima serve para identificar e medir as variáveis que permeiam significativamente o clima dentro de uma organização. De posse da importância teórica acima apresentada sobre a cultura e o clima organizacional, foi realizada na Academia Forma e Equilíbrio a aplicação do Questionário de Diagnóstico Organizacional (QDO)3, como uma ferramenta para diagnosticar o clima da organização e mensurar as variáveis que influenciam o comportamento


humano na Academia. O seu reflexo em oito indicadores é especificado no gráfico abaixo.

O resultado obtido no QDO, de acordo com o gráfico, é um retrato da média dos oito indicadores pesquisados junto aos 25 colaboradores da Academia. Os colaboradores pesquisados revelam satisfação com a postura em relação à empresa, demonstrando comprometimento, responsabilidade e interesse pelo que realizaram. Eles revelam, também, que a organização tem condições favoráveis para o exercício da mudança de inclusão de novos processos. Os mecanismos de integração entre as diversas áreas da empresa, assim como a comunicação interpessoal, atendem as necessidades e as expectativas dos colaboradores. Os sistemas de recompensa financeira e de reconhecimento profissional estão adequados ao mercado e, segundo eles, o relacionamento interpessoal é satisfatório. Os colaboradores afirmaram que a liderança utiliza instrumentos eficazes para a comunicação interpessoal e motivação dos colaboradores, além disso, revelam uma boa satisfação no que se refere ao ambiente físico, divisão e organização das funções dos cargos. E, de acordo com o gráfico, pode-se afirmar que os colaboradores revelaram possuir um conhecimento adequado sobre os objetivos da organização. No geral, o diagnóstico de clima da Academia Forma e Equilíbrio apontaram rendimento satisfatório nos indicadores avaliados na pesquisa, o que revela bom nível de satisfação dos funcionários em relação à organização. Portanto, pode-se afirmar que a pesquisa de clima organizacional é uma ferramenta para diagnosticar e identificar as variáveis da cultura organizacional no âmbito geral ou de áreas específicas; e a forma pela qual elas influenciam o comportamento humano na empresa, além de identificar se os padrões culturais existentes na empresa facilitam ou dificultam a introdução de inovações. REFERENCIAS CHIAVENATO, Idalberto. Administração de Recursos Humanos. Funda-

mentos Básicos. São Paulo: Atlas S.A, 1999. p. 194. CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de Pessoas. O novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999. p. 457. LIMA, Súsi M. Barcelos e; ALBANO, Adriana Gaffrée Burns. . Rev. CCEI - URCAMP, v.6, n.10, p. 33-40 - ago., 2002. Um Estudo sobre Clima e Cultura Organizacional na Concepção de Diferentes Autores. Disponível em: http://www.facape.br/ruth/adm-comortoran/oneitodecultura__climaorganza ional.pdf. Acesso dia: 25/11/2009 LUZ, Janine Pacheco da. Metodologia para análise de clima organizacional: um estudo de caso para o Banco do Estado de Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 2001. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção), Universidade Federal de Santa Catarina, 2001. Disponível em: http://www.estela.ufsc.br/ defesa/pdf/10805/pdf. Acesso em: 1º maio 2002. Apud LIMA, Súsi M. Barcelos e; ALBANO, Adriana Gaffrée Burns. Um Estudo sobre Clima e Cultura Organizacional na Concepção de Diferentes Autores. Rev. CCEI - URCAMP, v.6, n.10, p. 33-40 - ago., 2002. Disponível em: http://www.facape.br/ruth/adm-comortoran/oneitodecultura__climaorganza ional.pdf. Acesso dia: 25/11/2009 NASSAR, Paulo. História e cultura organizacional. In: Revista Comunicação Empresarial – Nº 36, 2000. Apud LIMA, Súsi M. Barcelos e; ALBANO, Adriana Gaffrée Burns. . Rev. CCEI - URCAMP, v.6, n.10, p. 33-40 - ago., 2002. Um Estudo sobre Clima e Cultura Organizacional na Concepção de Diferentes Autores. Disponível em: http://www.facape.br/ruth/adm-comortoran/ oneitodecultura__climaorganza ional.pdf. Acesso dia: 25/11/2009.

NOTAS DE REDAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 3 QDO: Questionário de Diagnóstico Organizacional desenvolvido pela professora e coordenadora do LAGEP Denise Rossi.

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Treinamento e desenvolvimento de pessoas: agregando valores Liliane Heleno Marques Dias1 Karlysson de Castro2 RESUMO: O presente artigo aborda o estágio realizado na empresa P3 nas atividades de Treinamento e Desenvolvimento de Pessoas; e como obter bons resultados dessa prática agregando valores para seus funcionários e a organização. Palavras-chave: Treinamento. Desenvolvimento. Organização e profissional de RH.

INTRODUÇÃO As pessoas passaram a constituir o principal patrimônio das organizações, desde o mais simples operário ao seu principal executivo. O capital humano é o principal diferencial competitivo das organizações bem-sucedidas. E, desta forma, precisam de pessoas ágeis, empreendedoras, capacitadas, que produzem e prestam seus serviços de maneira eficiente. E para que tudo isso ocorra é imprescindível o investimento e a utilização da ferramenta de Treinamento e Desenvolvimento de Pessoas. Organizações bem-sucedidas como a empresa P investem em treinamento para alcançar seus objetivos e obter um retorno garantido. Para a empresa P, o treinamento não é visto como uma simples despesa, mas um precioso investimento nas pessoas que nela trabalham e, consequentemente, na organização que a longo e médio prazo irá colher os frutos desse investimento. Atuação do Profissional de RH Para ser um bom profissional de RH, segundo Ulrich (2000), é importante criar culturas e locais de trabalho que desenvolvam capacidade individual e comprometimento com a empresa, devem desenvolver organizações que assegurem uma capacidade sustentável e aumentem o capital intelectual e é por meio do estabelecimento e da manutenção de uma cultura coerente que os eventos podem se tornar padrões sustentáveis. Para Ulrich (2000), os profissionais de RH devem assumir o papel de líderes, desenvolvendo as capacidades dos funcionários, de maneira a permitir que lidem adequadamente com os cinco desafios competitivos: globalização, lucro através do crescimento, tecnologia, capital intelectual e mudança. Treinamento e Desenvolvimento de Pessoas Diante deste mundo mutável e competitivo, as organizações precisam preparar-se continuamente para os desafios da inovação e da concorrência. Agregando valores às pessoas, treinando-as e desenvolvendo-as que as organizações obtêm sucesso e 196 l

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crescimento. Principalmente, se for levada em consideração a gestão estratégica como uma ferramenta que possibilita um melhor planejamento das atividades de treinamento e desenvolvimento pelo profissional de RH. Segundo Chiavenato (1999), o treinamento é um meio de desenvolver competências nas pessoas para que elas se tornem mais produtivas, criativas e inovadoras, a fim de contribuir melhor para os objetivos organizacionais, cada vez mais valiosos. O treinamento é uma fonte de lucratividade ao permitir que as pessoas contribuam efetivamente para os resultados do negócio. É uma maneira eficaz de agregar valor às pessoas, à organização e aos clientes. O treinamento enriquece o patrimônio humano das organizações e é o responsável pelo capital intelectual das organizações. O propósito do treinamento é aumentar a produtividade dos empregados em seus cargos, influenciando, assim, seus comportamentos e ensinando habilidades básicas para o desempenho das atividades. Sua orientação é ajudar os empregados a utilizar suas principais habilidades e capacidades para serem bem-sucedidos (CHIAVENATO, 1999). Há uma diferença entre treinamento e desenvolvimento de pessoas, segundo Chiavenato (1999). Apesar dos métodos serem similares para afetar a aprendizagem, sua perspectiva de tempo é diferente. O treinamento é orientado para o presente, focalizando o cargo atual e buscando melhorar as habilidades e capacidades relacionadas com o desempenho imediato do cargo. O desenvolvimento de pessoas focaliza geralmente os cargos a serem ocupados futuramente na organização e as novas habilidades e capacidades que serão requeridas. Mas ambos, treinamento e desenvolvimento (T&D), constituem processos de aprendizagem. De acordo com Chiavenato (1999), o treinamento é um processo cíclico e contínuo composto de quatro etapas: diagnóstico, desenho, implementação e avaliação. Essas etapas foram


vistas e trabalhadas durante o estágio na empresa P. A primeira etapa do treinamento consiste no levantamento das necessidades que a organização apresenta. Necessidades de treinamento são as carências de preparo profissional das pessoas, desta forma é necessário saber quais habilidades precisam ser desenvolvidas em um individuo ou grupo para que possam desempenhar melhor seu trabalho (CHIAVENATO, 1999). Na empresa P, esse levantamento é realizado com cada gestor, cada um pensa estrategicamente nos treinamentos que irão agregar valores aos seus colaboradores e as atividades ligadas ao setor pelo qual são responsáveis. Em alguns setores, os treinamentos indicados, além de capacitar os colaboradores, são exigidos pelo cliente para cumprir as normas de qualidade. A segunda etapa do processo é o desenho do programa de treinamento, que se refere ao planejamento das ações. Após o levantamento das necessidades, torna-se necessário reuni-las em um programa integrado e coeso. È preciso avaliar as necessidades da organização e das pessoas e estabelecer critérios precisos para estabelecer o nível de desempenho almejado (CHIAVENATO, 1999). Essa etapa do processo do desenho do programa de treinamento na empresa P se dá através da construção do PAT (Programa Anual de Treinamento). No PAT constam todas as informações necessárias para se colocar em prática os treinamentos indicados pelos gestores, bem como o investimento disponível para cada mês. A condição, implementação e aplicação do programa de treinamento é a terceira etapa do processo. É neste momento que inicia-se a prática, ou seja, os treinamentos que foram solicitados e programados são executados (CHIAVENATO, 1999). A quarta é última etapa do processo é a avaliação do programa de treinamento, que consiste em verificar sua eficácia, isto é, certificar se o treinamento realmente atendeu às necessidades da organização, das pessoas, dos gestores e dos clientes (CHIAVENATO, 1999). Na empresa P, fica a cargo de cada gestor avaliar o resultado do treinamento solicitado. Ele avalia o rendimento de cada colaborador treinado e se os objetivos foram alcançados. Segundo Chiavenato (1999), um programa de treinamento bem-sucedido pode proporcionar internamente a melhoria de eficiência dos serviços, aumento da eficácia dos resultados, criatividade e inovação nos produtos e serviços oferecidos ao mercado, melhor qualidade de vida no trabalho, qualidade e produtivi-

dade. Externamente, pode proporcionar maior competitividade organizacional, assédio de outras organizações aos funcionários da empresa e melhoria da imagem da organização. Chiavenato (1999) também afirma que para um bom funcionamento nos processos de treinamento e desenvolvimento e necessário que os profissionais do RH agreguem valor às pessoas e às organizações, evolvam ativamente os gerentes e suas equipes nos conteúdos dos programas de T&D. Na empresa P percebe-se que nem todos os gestores dão a devida importância aos treinamentos que devem ser realizados, pois nem sempre fazem uma boa programação e deixam essa ferramenta em último lugar na lista de prioridades. Essa postura diz a respeito da própria cultura da organização, que aos poucos vai sendo modificada diante de seus objetivos atuais que são valorizar e investir no capital humano. CONCLUSÃO O treinamento das pessoas em uma organização deve ser uma atividade contínua, constante e ininterrupta. Mesmo quando as pessoas apresentam excelente desempenho, alguma orientação e melhoria das habilidades sempre deve ser introduzida ou incentivada. A base principal para os programas de melhoria contínua é a constante capacitação das pessoas para patamares cada vez mais elevados de desempenho. Mas esse sucesso só será alcançado com o apoio de toda gerência e se o trabalho a ser desenvolvido estiver alinhado com a cultura e objetivos da organização. REFERÊNCIAS CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de Pessoas: O novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999. ULRICH, Dave. Recursos Humanos Estratégicos: Novas perspectivas para os profissionais de RH. São Paulo: Futura, 2000.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 3 O nome da empresa foi reservado a pedido de seus gestores.

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Uma abordagem acerca do psicólogo organizacional Luciana de Oliveira Amaro1 Karlysson de Castro2 RESUMO:As organizações apresentam uma necessidade de tornarem-se cada vez mais competitivas devido à globalização, mantendo de forma continua sua qualidade e visando a melhoria de seu desempenho. Para que ocorram mudanças é fundamental conhecermos o modelo de gestão, para podermos implantar o modelo de intervenção proposto a promover mudanças. Concluímos que toda intervenção desenvolvida proporciona certo grau de ansiedade ao processo de mudanças. Palavras-chave: Gestão. Cultura. Clima. Mudança e Psicologia Organizacional.

A ENTRADA DO PSICÓLOGO NAS ORGANIZAÇÕES No inicio do século XX, a Psicologia entra nas organizações a partir da formulação da Abordagem Humanística da Administração. Nesse momento, a ênfase no trabalho é deslocada da tarefa e da estrutura organizacional para as pessoas. A primeira face da Psicologia do Trabalho surge atrelada aos interesses das indústrias, instrumentalizando alguns pressupostos do taylorismo. Baseia-se no aspecto produtivo e resumia-se inicialmente à seleção e à colocação profissional, o que gerou o nascimento de uma organização americana denominada Psychology Corporation para desenvolver e distribuir testes psicológicos e realizar serviços de consultoria a indústrias e outras organizações (SAMPAIO, 1998). Sua função era a verificação das características pessoais através de testes, chamada de seleção científica. Desenvolvia ainda trabalhos de colocação profissional, orientação vocacional, baseada em testes e estudos sobre as condições de trabalho com intuito de aumentar a produtividade. Essa forma de atuação da psicologia denomina-se Psicologia Industrial, que desenvolveu os seguintes temas: a seleção (com base na psicometria), a classificação de pessoal, a avaliação de desempenho, as condições de trabalho, o treinamento e a liderança (SAMPAIO, 1998). Surge então a necessidade de se estudar as estruturas da organização, nascendo portando a Psicologia Organizacional. Vários trabalhos foram desenvolvidos no sentido de aumentar a produção através da motivação do trabalhador. Esses trabalhos vinham desde a seleção de pessoal, passando pelo estudo sobre reforçadores do clima e da cultura, estudos sobre fadiga, prevenção de acidentes, treinamento e desenvolvimento de recursos humanos. A Psicologia Organizacional não foi uma ruptura radical com a Psicologia da Indústria, e sim uma ampliação do objeto de estudo, visto que os psicólogos continuavam atrelados ao problema da produtividade das empresas (SAMPAIO, 1998). 198 l

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È importante citar algumas tarefas do Psicólogo nas Organizações para ilustrar como esse se posiciona no contexto organizacional: Seleção e Colocação de Pessoal - Planejamento de Recursos Humanos Treinamento de Pessoal - Desenvolvimento de Recursos Humanos - Avaliação de desempenho - Saúde Mental no trabalho - Plano de cargos e salários - Condições de trabalho - Mudança e Análise das Organizações - Ensino e Pesquisa - Gerência: ocupar cargos de gerência das áreas de atuação da Psicologia do Trabalho; ocupar cargos de gerência em áreas afins (como RH, por exemplo) (SAMPAIO 1998). A profissão do Psicólogo Organizacional tem sido tema de reflexão, discussão e estudos por parte dos profissionais que a exercem. Esses estudos buscam não só compreender os determinantes histórico-sociais que moldaram o perfil de atuação do psicólogo hoje, como também questionar a sua prática na perspectiva ética de sua profissão (BASTOS, 1992). O desenvolvimento dos conceitos e técnicas para lidar com os desafios continuamente estiveram vinculados a uma base ou a antecedentes sociais e culturais (ZANELLI, 2008, p.489). Ainda hoje, os profissionais de Recursos Humanos são vistos como mais uma ferramenta de manipulação dos trabalhadores dentro das organizações. Talvez por uma dificuldade do psicólogo em encontrar uma maneira de se posicionar dentro da empresa, visto que ele realmente é mais um trabalhador desta. Esse posicionamento do profissional de Recursos Humanos é levantado a partir do pressuposto que o empresário tem como única preocupação o lucro. Sendo assim, os indivíduos que compõem o seu quadro de funcionários são apenas recursos utilizados para a obtenção desse lucro, não reconhecendo que os recursos humanos; e por tanto dotados não somente de talen-


tos, mas também de limitações próprias de sua espécie, variam de indivíduo para indivíduo (ZANELLI, 2008) Devido à globalização, o empresário deve oferecer serviços e produtos de qualidade para garantir seu espaço no mercado de trabalho. Por isso, foram construídas políticas de qualidade nas empresas, onde um de seus itens foca a valorização dos trabalhadores (AZEVEDO, 1993). Outro fator que se faz importante na atuação do psicólogo organizacional é seu papel de agente de saúde mental. O psicólogo da empresa reflete sobre essa responsabilidade que lhe compete (LADEIRA, 1996). Contudo, a importância deste trabalho baseia-se em chamar atenção dos psicólogos para a constante reflexão sobre o lugar que estão ocupando nas organizações e as possíveis formas de trabalho. Possibilitando-os pensar que, antes de serem trabalhadores, possuem um papel ético e social a cumprir. O Papel do Psicólogo na Instituição Academia Forma e Equilíbrio O objetivo do Diagnóstico Organizacional foi promover o conhecimento da organização através do olhar dos funcionários, entendendo os pontos fortes e aqueles que precisam ser desenvolvidos ou melhorados. Com base nos dados obtidos, a Academia poderá rever os seus processos administrativos, gerenciais e os aspectos motivacionais, estabelecendo as correções necessárias. Os colaboradores foram submetidos a entrevistas individuais. A partir da análise das entrevistas, foram apontados os seguintes aspectos: Pontos fortes: festas e eventos, alunos fiéis, clima familiar, diversidade das modalidades, investimentos, professores capacitados, avaliação física, estrutura física, administração, autonomia e localização. Pontos a serem desenvolvidos: trabalho em equipe, comunicação, limpeza, interação, novas modalidades, retenção de alunos e recepção. De acordo com os funcionários, no geral, a imagem da empresa está relacionada a uma boa academia, sendo considerada a melhor da região, com boa localização e estrutura. O ambiente de trabalho é bom, proporciona o trabalho em equipe e qualidade de vida para alunos e professores. Algumas dificuldades encontradas pelos funcionários para o desempenho do cargo estão relacionadas ao volume do som, sobrecarga de trabalho e falta de comunicação entre os funcionários. Já como facilitadores, contamos com a estrutura da academia, o ambiente agradável, o bom relacionamento com alunos e apoio

da coordenação. A academia investe em treinamentos, estrutura e eventos. Com relação à tomada de decisões, os professores destacaram que têm autonomia, principalmente nas decisões referentes às aulas. As decisões administrativas são tomadas pela coordenação. Os relacionamentos de modo geral são satisfatórios. Entretanto, foi destacada a necessidade de melhorias na comunicação interna na academia. Para trabalhar com retenção de alunos, os funcionários destacam o trabalho em equipe, investimentos na recepção e atenção ao aluno, oferecendo de novas modalidades, melhoria nas atividades das aulas e capacitação dos professores. Investimentos na motivação dos alunos e no marketing também foram destacados Também foram elaborados e trabalhados diversos painéis com professores e coordenadores para avaliar a comunicação, liderança e trabalho em equipe. Através desses painéis, os colaboradores falaram abertamente sobre seus desafios, metas, e planejamento para o próximo ano, buscando ativamente a melhoria contínua de seus trabalhos. Em síntese, assinalamos que vivemos em um mundo cujas transformações se dão de forma acelerada. Essas mudanças afetam significativamente as organizações. REFERÊNCIAS AZEVEDO, Marco Antônio. A formação do Psicólogo Organizacional e alguns dilemas da Psicologia como Ciência. Belo Horizonte, 1993. BASTOS, Antônio Virgílio Bittencourt. O que pode fazer o Psicólogo Organizacional. Revista Psicologia Ciência e Profissão, v.10 n.1 Brasília 1990. Disponível em: <www.pol.org.br>. Acesso em 19/09/09. LADEIRA, Marcelo Bronzo. O Processo do Estresse Ocupacional e a Psicopatologia do Trabalho. São Paulo: Revista de Administração. V 31, n1, p. 64-74, março 1996. SAMPAIO, Jader dos Reis: As três faces da Psicologia do Trabalho. In: Psicologia do Trabalho e Gestão de Recursos Humanos: estudos contemporâneos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998. ZANELLI, José Carlos; BORGES-ANDRADE, Jairo Eduardo; BASTOS, Antônio Virgílio Bittencourt (Orgs). Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2008.

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Organização: sob a intervenção do psicólogo Márcia Helena Barroso Simões1 Karlysson de Castro2 RESUMO:Atualmente, em decorrência da contínua evolução científica e tecnológica, nos deparamos com uma sociedade predominantemente como massa, em detrimento do homem como indivíduo. Ao estudar a psicologia organizacional, pretende-se resgatar atividades intermediárias capazes de interagir na relação dos funcionários aos fundamentos epistemológicos sob a intervenção da Psicanálise, fazendo uso do psicodiagnóstico para avaliar as possibilidades de desenvolver habilidades reflexivas e atitudes críticas na prática profissionalizante e no desempenho pessoal. O psicodiagnóstico é um campo de autoconhecimento e conhecimento no tratamento dos aspectos psicológicos. Palavras-chave: Gestão. Globalização. Organização. Psicanálise. Transmutações.

DISCUTIR O CONCEITO RELACIONAL NO VIÉS DA PSICANÁLISE. Este artigo versa verificar a importância e a contribuição da escuta psicanalítica no processo da execução das atividades dos funcionários na empresa. Visa ainda estudar e resgatar atividades intermediárias capazes de interagir na relação dos funcionários aos fundamentos epistemológicos e éticos sob a intervenção do psicodiagnóstico (psicanálise), assim como avaliar as possibilidades de desenvolver habilidades reflexivas e atitudes críticas na prática profissionalizante e no desempenho pessoal. O psicodiagnóstico é um campo de autoconhecimento e conhecimento no tratamento dos aspectos psicológicos. Levando em conta também um lado muito importante que é a observação. O uso dos instrumentos psicológicos varia de acordo com a avaliação psicológica, como, por exemplo, testes, escalas, questionários, entrevistas, observações, provas situacionais, etc. No entanto, em uma amostra de comportamento, o teste psicológico é um instrumento objetivo e padronizado, sendo os mesmos classificados em grandes grupos clínicos, psicométricos e de personalidade. A psicologia tem, nos últimos anos, agregado outros indicadores, devido às suas preocupações com o estresse e a forma de evitá-lo, à busca de satisfação no trabalho, à importância da saúde mental e à necessidade de garanti-la no ambiente de trabalho. A psicanálise aponta para um campo de entendimento e tratamento dos aspectos psíquicos em torno do sofrimento. É tendo em vista essa dimensão, que o psicanalista tem como objetivo acolher o sujeito nessa travessia da experiência. Como estratégia pensa o sofrimento no registro do simbólico, sendo que pela palavra o psicanalista vai realizar o seu trabalho, utilizando a escuta psicanalítica. 200 l

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Segundo Soler (apud MOURA, 1996, p. 80), “exercer a psicanálise é reconhecer os seus limites”, um campo que, uma vez delimitado e definido seus limites, descortina-se o lugar do possível e emergem inúmeras possibilidades. O psicanalista vai transformar a urgência onde o sujeito não tem palavras, partindo da construção analítica, introduzindo-o de novo na cadeia significante, para que possa perguntar sobre o desejo e o equilíbrio do gozo em uma estrutura. A aplicação da psicanálise enquanto teoria e prática têm como finalidade fortalecer o seu contexto, não apenas restringindo as paredes do consultório, mas também como compromisso social e político promover mudanças nas organizações. É dentro desta escuta que o psicólogo vai utilizar na gestão de informações valiosas, insights e experiências dentro e entre comunidades de pessoas e organizações com necessidades e interesses parecidos. É a transferência e criação de conhecimentos em comum da necessidade e vontade de compartilhar. Conforme Codo (1984), pode-se dizer que cada gesto humano está carregado de características do meio em que vive e em que trabalha. Por isso, é importante que um psicólogo estude as relações de trabalho para melhor compreender a natureza humana. Para isso, Codo nos mostra que é necessário fazer uma distinção entre determinação e subordinação. O psicólogo entende que as ações humanas não são dependentes do sistema capitalista (relação de produção), escolhas e decisões sociais. Mudaram os paradigmas, o mundo mudou. Para uma breve reflexão a cerca dessas mudanças, torna-se pertinente nos ater sobre uma proposta de atuação de Desenvolvimento Organizacional que abrange a administração e o planejamento, diante das incertezas. Percebemos que as mudanças históricas e culturais norteiam as epistemologias que interpretam os fenômenos que circundam o mundo humano. Interpretação essa que configura normas, va-


lores, crenças e o saber fazer de cada sociedade. A Humanidade nunca vivenciou esse complexo de violência em cadeia, mudanças de paradigmas, onde se espera uma significação de homem e mundo dando sentido e significado à natureza e à história, onde o mesmo apreende o mundo como manifestação da nova ordem. Hoje, como as mudanças atropelam as empresas, trazendo impactos imediatos às relações entre chefes e funcionários, o clima organizacional tem como gestão uma atividade que exige atenção permanente, participação de toda a hierarquia e um trabalho constante. A globalização expande o capitalismo, gerando uma desigualdade mundial, em nível internacional, mercados diferentes são criados em função de um mesmo objetivo: comercializar produtos (os grandes engolindo os pequenos). De acordo com Beckhard (apud BOOG, 2002. p. 288) Desenvolvimento Organizacional é um esforço planejado que abrange toda a organização. Administrado a partir do topo, busca aumentar a eficiência e a saúde da organização por meio de intervenções programadas nos seus processos, usando a ciências do comportamento. A gestão de pessoas fundamenta-se no fato de que o desempenho de uma Organização depende fortemente da contribuição das pessoas que a compõem e da forma como elas estão organizadas, são estabelecidas e capacitadas, e como são mantidas num ambiente de trabalho. Ainda, como estão estruturados e organizados os membros da força de trabalho, de modo a habilitá-los a exercer maior poder e liberdade de decisão, levando à maior flexibilidade e à reação mais rápida aos requisitos mutáveis do mercado. As organizações atualmente estão mudando a sua cultura e estrutura de maneira a adequar as necessidades do mercado e dos clientes, além de oferecerem formas de trabalho flexíveis, descentralizadas, ágeis e mutáveis. Assim você poderá avaliar-se e adequar o seu talento de maneira a atendê-las, pois estas empresas procuram profissionais habilitados no relacionamento humano, inovador, facilidade de focar metas e objetivos, espírito empreendedor, trabalhos em equipe e comprometidos com ela e voltados para o futuro. Ou seja, ocorre mudança nos organogramas. PRINCIPAIS IDÉIAS DISCUTIDAS NA ACADEMIA FORMA E EQUILÍBRIO. Na Academia Forma e Equilíbrio foram utilizados questionários para fazer o levantamento das prioridades de trabalho. Houve uma reorganização na estrutura da mesma, que interferiu em vá-

rios aspectos importantes, como por exemplo, na cultura organizacional e na política de gestão. Primeiramente, estudar a relação entre a empresa e os funcionários, sob a intervenção da psicanálise, e quais as contribuições da escuta psicanalítica no processo da execução das atividades dos funcionários na empresa. Hoje a academia tem uma profissional da área de psicologia atuando e implantando o RH na organização. Esse trabalho consiste em encontrar um modelo de gestão, discutir o conceito relacional e estudar o perfil dos funcionários. Compreender o impacto funcional (relacional) dos funcionários sob a luz da psicanálise. Com base nos dados obtidos, a empresa poderá rever os seus processos administrativos, gerenciais e os aspectos motivacionais, estabelecendo as correções necessárias. A estrutura da academia, ambiente agradável, relacionamento com alunos e apoio da coordenação são apontados como facilitadores. Trabalhos (dinâmicas, testes) realizados na academia Forma e Equilíbrio tinham também como objetivo avaliar a comunicação, a resistência, a frustração, o relacionamento interpessoal e a liderança. Observa-se que determinada pessoa está um pouco mais preparada para lidar com situações novas e desafiadoras, já outra se mostra totalmente resistente a encarar novos desafios. Na academia forma e equilíbrio, foram pontuadas as equipes em que a comunicação é necessária, mesmo que seja através de e-mail. Outro ponto levantado é a questão da hierarquia, onde os professores devem se reportar aos seus coordenadores, o que muitas vezes não tem acontecido. Em muitos casos, eles se reportam direto ao gestor. Explica-se que a questão hierárquica/organograma é onde está definido o papel que cada um deve seguir.

REFERÊNCIAS BOOG, Gustavo. Manual de Gestão de Pessoas e Equipes. São Paulo: Editora Gente, 2002. CHIAVENATO, Idalberto. Carreira e competência: Gerenciando o seu maior capital. São Paulo: Editora Saraiva. 2002. LAME, Silva T. Maurer; CODO, Wanderley. Psicologia Social: O Homem em Movimento. São Paulo: Editora Brasiliense. 1984. SOLER, Colette. Finales de analisis. Buenos Aires: Manantial, 1988. Artigos clínicos. Salvador: Fator, 1991. Rio de Janeiro: Revinter.

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Treinamento e desenvolvimento: dois processos valiosos para a organização Marcus Vinicius Marinho Gil Júnior1 Karlysson de Castro2 RESUMO:No presente artigo serão apresentadas as alterações na dinâmica de uma empresa onde o pesquisador realizou estágio no período de um ano. Trata-se de uma academia esportiva na qual todos os procedimentos e decisões estavam voltados para o gestor ou proprietário e, com a implantação do setor de Recursos Humanos, incorpora-se uma nova visão que estrutura-se de uma forma mais competitiva diante do mercado. Palavras-chave: Gestão Estratégica de Pessoas. Treinamento e Desenvolvimento. Liderança.

INTRODUÇÃO Nos dias atuais podemos observar que vem se tornando cada vez mais necessário para as organizações a adesão às novas tendências da área de Gestão de Pessoas. Nesse processo, organização e pessoas caminham lado a lado. Ao realizar um estágio, ao longo de um ano, em uma academia foi observado como é valiosa a implantação de Recursos Humanos nas organizações. A partir dos processos do RH, o colaborador é o foco, pois é ele quem leva a organização a atingir seus objetivos. Anteriormente à implantação do RH, a academia Forma e Equilíbrio era exclusivamente centrada no gestor: A organização funcional da academia era formada por gestor/proprietário, recepcionista e professores. Com a implementação dessa nova tendência, a cultura da empresa deixou de ser pano de fundo, conscientizando gestor e colaboradores dos valores, visão e missão da empresa/marca Forma e Equilíbrio. A descentralização das decisões da empresa vem refletindo positivamente no desempenho das funções dos colaboradores. Atualmente tem-se a descrição de cargos que, além de definir o que compete a cada funcionário, facilita na realização das funções. Assim, a partir da gestão estratégica, o capital intelectual e o talento humano vêm sendo incorporados à empresa. A academia Forma e Equilíbrio passou a investir no desenvolvimento do potencial dos colaboradores para atingir o sucesso. Treinamento e Desenvolvimento A partir da gestão estratégica, nota-se a importância do desenvolvimento de treinamentos para os colaboradores, proporcionando-lhes conhecer e se encaixar dentro da rotina da empresa. Para Santos (2008), a Gestão Estratégica engloba todos os processos referentes à gestão como planejar, organizar, liderar e controlar, através do qual a empresa irá determinar “onde es202 l

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tão”, “para onde querem ir” e “como que irão chegar lá”; e age em consonância com os objetivos traçados, ajustando-se continuamente a toda e qualquer alteração ocorrida em seu meio, mais particularmente nas preferências dos clientes. Assim sendo, a estratégia define o comportamento da organização, que é condicionada pela missão organizacional, pela visão do futuro e pelos objetivos principais da organização. A gestão estratégica requer um planejamento estratégico, onde será estabelecido um direcionamento a ser seguido. A academia Forma e Equilíbrio busca através do T&D obter uma otimização na relação entre empresa, ambiente, colaboradores e clientes. Segundo Campos et al. (2004), o treinamento e desenvolvimento são processos que auxiliam o empregado a obter maior eficiência no seu trabalho, tanto presente quanto futuro, através de hábitos apropriados como pensar, agir e botar em prática habilidades, conhecimentos e atitudes. O treinamento e desenvolvimento só são completos quando o empregado, na medida em que adquire conhecimentos e informações, passa a mudar seu comportamento. O gestor da academia Forma e Equilíbrio, com a implementação do RH, percebeu que é importante informar e possibilitar a adaptação de seus colaboradores à nova realidade da empresa. A psicóloga contratada pela empresa apostou em treinamentos para melhorar a qualidade de vida pessoal e profissional dos colaboradores, o que auxiliou na formação de equipes com bom desempenho e, como consequência, maximizou os resultados da empresa. Para a adaptação da organização funcional da empresa – gestor/administrador, coordenadores, professores e recepcionistas – todos os colaboradores passaram por treinamentos específicos técnicos e comportamentais. O gestor e os coordenadores (novo cargo aderido à empresa) passaram por treinamentos de liderança. Rowe (2002) introduz o conceito de Liderança Estratégica como sendo a capacidade de influenciar outras pessoas a tomar


decisões de forma voluntária e rotineira que aumentem a viabilidade em longo prazo da empresa/organização. É a capacidade de prever, imaginar, manter a flexibilidade, pensar estrategicamente e trabalhar com outras pessoas que irão dar início às mudanças para um futuro viável para a empresa. Como anteriormente todas as decisões estavam centradas no gestor, e a equipe de coordenadores é formada por funcionários já contratados (os professores) e fez-se necessário um treinamento de liderança para conscientizá-los do papel do líder, o qual é munido pelo reconhecimento e não pelo status em relação a seus subordinados e ou equipe de trabalho. Os professores e recepcionistas, além de serem motivados a investir em cursos específicos de suas áreas, participaram de Workshops de vivências situacionais, de técnicas de atendimento ao cliente, de administração de conflitos e um programa de integração voltado a um novo perfil da empresa. A Forma Equilíbrio passou a acreditar que o talento humano é o bem mais precioso e necessário ao cumprimento da missão da organização e que, através de seus colaboradores, a empresa atingirá os resultados esperados. CONCLUSÃO A Gestão Estratégica de pessoas mostra o quão significativo é o processo de dar oportunidades para o individuo trabalhar, mostrar e desenvolver suas potencialidades. Através dos treinamentos e dos demais processos, que hora não foram mencionados, a academia Forma e Equilíbrio oportunizou aos colaboradores um autoconhecimento, melhorando a visão de si mesmos, o seu bem-estar e, consequentemente, a sua atuação na empresa.

Dos treinamentos comportamentais, o principal foi o de atendimento ao cliente, com ênfase no relacionamento interpessoal. Foi possível contar com a presença de todos os colaboradores da área, que participaram ativamente, inclusive os líderes. Os treinamentos melhoraram significativamente a motivação e satisfação dos colaboradores da academia Forma e Equilíbrio, tanto para com seus colegas de trabalho, quanto para a organização, refletindo na excelência do serviço prestado. Assim sendo, observa-se que o investimento na área de Treinamento e Desenvolvimento, quando bem planejado e focado nas necessidades do negócio, contribui e muito para o alcance dos resultados esperados. REFERÊNCIAS CAMPOS, Keli Cristina de Lara et al. Avaliação do sistema de treinamento e desenvolvimento em empresas paulistas de médio e grande porte. Psicol. Reflex. Crit. [online]. 2004, vol.17, n.3, pp. 435-446. ISSN 0102-7972. CARVALHO, Antonio Vieira de; NASCIMENTO, Luiz Paulo do. Administração de Recursos Humanos (Vol.1). São Paulo: Pioneira, 2002. ROWE, W. Glenn. Liderança Estratégica e Criação de Valor, RAE – Revista de Administração de Empresas, v.42, n.1, p. 7-19, São Paulo, Jan./Mar. 2002. SANTOS, Antonio J. Robalo. Gestão Estratégica: Conceito, Modelos e Instrumentos. Lisboa: Escolar Editora, 2008.

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O papel do líder na motivação da equipe Rejane de Melo Moreira1 Denise Rossi2 RESUMO:Objetiva-se com esse artigo mostrar o papel do líder de uma organização no que se refere à motivação dos seus colaboradores. Pretende-se confirmar a necessidade de voltarmos o pensamento para os aspectos motivacionais do líder, que traz sobre si a responsabilidade de cuidar da motivação dos seus liderados. É um assunto amplo, por se tratar de seres humanos completamente diferentes, mas que possuem essencialmente, o desejo de satisfazer-se, de crescer, de ser respeitado, elogiado, reconhecido. Palavras-chave: Liderança. Motivação. Produtividade. Autoestima. Comportamento Motivacional.

INTRODUÇÃO A Pesquisa de Clima e Cultura Organizacional é usada para identificar o potencial de uma organização e adotar mudanças de qualquer natureza. Pode ser utilizada também para a introdução de modelos contemporâneos de gestão, os quais implicam alterações profundas nos processos de trabalho. Segundo Rossi (2005) conceitua-se como Clima Organizacional a manifestação de características ou atributos da organização através do comportamento dos funcionários. O Clima não é estático, é dinâmico e pode ser comparado ao nível de satisfação ou insatisfação dos funcionários em relação á empresa que trabalham. De acordo com Pereira (1999), a Cultura Organizacional é o conjunto de crenças e valores que moldam o comportamento das pessoas em uma organização, e constitui o modo institucionalizado de pensar e agir. Os resultados do Diagnóstico de Clima Organizacional apresentados neste artigo foram extraídos de uma parceria do estágio supervisionado IV (Psicologia do Trabalho I) do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva com um Posto de gasolina. A Pesquisa de Clima e Cultura Organizacional realizada foi composta por uma metodologia quantitativa através do Questionário de Diagnóstico Organizacional (QDO)3, avaliando os oito indicadores seguintes: postura dos funcionários, propensão á mudança, mecanismo de apoio, recompensas, relacionamentos, liderança, estrutura e objetivos. E uma metodologia qualitativa através de entrevistas individuais semi-estruturadas, análise documental da história da organização, visitas técnicas, análise do ambiente interno e externo e outras informações apuradas a partir do contato com a organização. O objeto do Diagnóstico de Clima Organizacional foi men-

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surar o nível de satisfação dos colaboradores, objetivando promover o conhecimento do Posto Ponte Nova Ltda. através do olhar dos seus colaboradores. Também se buscou identificar o estado atual da organização por meio de análises dos pontos fortes e aqueles que precisam ser desenvolvidos ou melhorados, e das oportunidades e riscos que a organização poderá encontrar no futuro. Com o Diagnóstico de Clima Organizacional, as variáveis da cultura organizacional foram identificadas. Essa cultura é enraizada desde o início das atividades no Posto em 1964, data de sua inauguração, e influencia o comportamento dos colaboradores. Pode-se citar como exemplo de uma das variáveis o autoritarismo de um dos proprietários. Esse autoritarismo faz com que os colaboradores trabalhem sobre pressão, quando o mesmo está presente. Analisou-se que em sua maioria esse padrão de cultura dificulta a introdução de inovação no ambiente de trabalho, devido ao suposto “medo” que os colaboradores apresentaram diante de um dos proprietários da liderança atual. Referente à Pesquisa Qualitativa, no geral, todos os 34 participantes apresentaram compatibilidade nas suas funções desenvolvidas, que são diretamente ligadas ao atendimento dos clientes em geral. Obteve-se através dos resultados, que todos os colaboradores apresentaram bom relacionamento com os demais funcionários e com os supervisores. De acordo com a Pesquisa Quantitativa (QDO) obteve-se resultados favoráveis nos oito indicadores já apresentados. Ficou evidente a colaboração de todos para as mudanças organizacionais. Sendo que de um modo geral, os colaboradores revelaram que tem clareza de onde a organização objetiva chegar e clareza com que isso é tratado dentro do ambiente de trabalho.


Foram investigadas também no Diagnóstico de Clima Organizacional as estratégias motivadoras utilizadas pelo Posto, e obteve-se um resultado de motivadores externos como premiações diversas e recompensas em dinheiro, além das obrigatórias de acordo com a lei, que são oferecidas pelo líder. Essas estratégias apresentaram um alto grau de satisfação de todos os colaboradores. As principais ações oferecidas no Plano de Ação descrito pelas pesquisadoras foram: auxílio na elaboração do Planejamento Estratégico (missão, visão, valores e objetivos da organização), evidenciado através da Pesquisa Qualitativa, em que os funcionários apresentaram clareza sabendo do que se tratava, mas a organização em si não tinha um conhecimento claro do mesmo. Orientação na revisão e descrição de cargos e funções para fins de esclarecimentos aos funcionários e construção do organograma. Reuniões em períodos mais curtos com a participação do proprietário que é o líder da organização. Criação de um programa de satisfação tanto para colaboradores quanto para clientes. Organização e implantação de programas de reconhecimento e premiação de colaboradores, treinamentos e atividades de interação. O Diagnóstico de Pesquisa de Clima Organizacional junto com a Entrevista Devolutiva (feedback), apontou de um modo geral um rendimento satisfatório nos indicadores avaliados na pesquisa, o que revela bom nível de satisfação dos colaboradores em relação a organização. Quanto ao resultado obtido através dos resultados do Diagnóstico de Clima Organizacional, fez-se a pergunta para este artigo: Qual o papel do líder na motivação dos colaboradores da organização?

REFERENCIAL TEÓRICO A motivação e a liderança são utilizadas nas organizações para designar as competências e destacar bons funcionários por meio dos mecanismos utilizados na busca da motivação da equipe de trabalho. O tema motivação, atualmente muito enfatizado no meio organizacional, é objeto de estudo de muitos pesquisadores, pois ao passar do tempo, percebeu-se a importância individual do funcionário na organização. A pessoa passa a fazer parte da organização, deixando de ser apenas uma peça no processo produtivo. As pessoas desconhecedoras dos princípios básicos do comportamento motivacional acreditam que a grande motivação de quem trabalha é o salário, concluem que o homem trabalha somente por meio de sobrevivência, não estão cientes de que quando o colaborador reclama de salário, é porque não acredita que a organização possa lhe oferecer outra satisfação pessoal. Como definir motivação? Motivação é a essência da liderança. Trata-se da força que move pessoas, nações, organizações. “(...) motivação é um aspecto cognitivo, ou seja, aquilo que as pessoas sabem sobre si mesmas e sobre o ambiente em que vivem bem como seus valores pessoais e necessidades. A motivação são fatores motivacionais que elevam a satisfação das pessoas.” CHIAVENATO (2005). A verdadeira satisfação com o trabalho está ligada com a competência e qualidade profissional dos líderes, tendo em vista que é a partir destes fatores que as pessoas desenvolvem um bom trabalho. Acredita-se que a motivação serve para que as pessoas se sintam livres de detalhes e da execução de tarefas definidas, para poder se mover livremente em direção ao verdadeiro desafio da Revista de Psicologia l 205


liderança, que é motivar. Dentro deste contexto evolui-se o papel do líder, que deixa de ser o temido “chefe”, e passa a ser um facilitador das relações de trabalho. Um líder deve ser um modelo para a organização. Qualquer um pode tornar-se um líder se assumir o papel de liderança. Líder é aquele que faz com que as pessoas respirem juntas, é aquele que fortalece e promove a interação da equipe. O líder deve saber escutar as pessoas, pensar e executar as melhores soluções junto de seus colaboradores, que sabem o que é melhor para si, para a organização e para a clientela. Escutar também implica em checar informações, verificar dados e confrontar, para a verdadeira identidade dos fatos. É também promover e estimular as pessoas para o sucesso. Ser líder é uma conquista, um desafio, é manter-se motivado saber motivar.

e as armadilhas durante todo o percurso. Para isso, faz-se necessário avaliar a pressão existente em cargos de gerência, em relação ao clima organizacional, principalmente no que se refere à motivação dos liderados. Para tanto, parte-se da afirmativa de que o líder também é um ser humano, que tem expectativas, sonhos, problemas, enfim, ele também pode precisar de apoio. Assim, pode-se dizer que um líder que não está motivado, dificilmente motivará alguém. (SILVA, 2007)

Um líder nunca deve tratar seus colaboradores como se fossem todos iguais, pois eles possuem necessidades diferentes. É necessário procurar compreender o que é importante para cada um deles, deve-se considerar sempre as competências individuais de cada um. Para que o líder possa planejar o seu sistema motivacional, ele deve estar atento aos mais importantes fatores motivacionais: dinheiro, segurança, elogio, reconhecimento, participação, aperfeiçoamento profissional, avaliação e incentivo. Cabe ao líder fazer o diagnóstico das motivações dos seus colaboradores, não na intenção de mudar comportamentos, mas no sentido de que sua ação no meio ambiente permita, tanto quando possível, maiores oportunidades de satisfação motivacional das pessoas.

A preocupação das empresas com a motivação dos seus colaboradores é grande, mas não simplesmente porque ela se preocupa com o bem-estar deles, mas principalmente porque a motivação é um fator que influencia diretamente a produtividade e, consequentemente o lucro. À frente disso está o líder, seja ele um gerente, um supervisor, um coordenador, enfim, seja qual for o cargo de liderança que ele ocupar. O seu papel é o de manter a motivação dos liderados, e ainda assim, manter-se motivado, porque segundo Filho (2008), o líder que não consegue se automotivar não tem a menor chance de ser capaz de motivar os outros. Essa é a árdua tarefa do líder: motivar e manter-se motivado. Identifica-se com esta pesquisa que o perfil dos líderes do Posto Ponte Nova Ltda. são do tipo carismático/democrático e autoritário/coercitivo. O líder carismático/democrático é aquele que inspira em seus colaboradores a confiança, aceitação, obediência e envolvimento emocional. É visto por seus liderados como alguém que possui qualidades excepcionais e que sempre esta ali para realizar os que eles solicitam. É de certa forma, o líder do povo, pelo povo, e para com o povo, preocupa-se com participação do grupo, estimula e orienta, acata e ouve as opiniões do grupo, pondera antes de agir. Aquele que determina, junto com o grupo, as diretrizes, permitindo o grupo esboçarem as técnicas para alcançar os objetivos desejados. Já o líder autoritário/coercitivo é aquele extremamente dominador e pessoal nos elogios e nas criticas ao trabalho de cada membro do grupo. É uma pessoa ditadora e soberana, o que comanda o grupo só pensando em si, não aceita as idéias de outro membro do grupo. Tem como consequência uma reação do grupo de modo geral hostil que se distancia por medo.

A função motivacional do líder deve estar ligada às crescentes recompensas pessoais dos subordinados no sentido dos objetivos do trabalho, fazendo com que o caminho para essas recompensas se torne mais fácil de ser percorrido, reduzindo os bloqueios

CONSIDERAÇÕES FINAIS A Liderança e a Motivação são dois aspectos essenciais no alcance do sucesso das organizações. Uma Liderança eficaz condiciona e é determinante para motivar. A Motivação é uma das grandes forças impulsionadoras do comportamento humano, e é

“Um líder motiva sim, deve motivar. (...) É obrigação do líder, fazer aflorar em seu colaborador os motivos que ele tem para agir, que estão lá dentro dele, mas adormecidos. E isto não é no geral, é no particular, é um a um. Pessoas não são iguais, têm motivos diferentes. (...) Manter um empregado motivado é uma missão diária, do empresário ou do líder e o resultado de vários fatores. Manter o empregado motivado, vestindo a camisa da empresa requer conhecimentos de liderança do empresário (ou do líder), dar o exemplo – fazer o que ele fala ser educado, gentil, cortês, cordial, empático sem ser piegas ou falso”. (CARVALHO, 2008).

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ela que determina os níveis de desempenho pessoal e profissional. Na organização está diretamente ligada com a produtividade e valor atribuído interna e externamente. É necessário que a empresa esteja em um processo de organização interna satisfatória, onde os setores e as pessoas possuam apoio e recursos para executarem seus trabalhos de forma harmônica. Portanto, o clima organizacional deve ser favorável e merece atenção constante. O líder motivado e motivador é fundamental na organização. Seu papel é de extrema importância e sua função é estratégica para que os objetivos organizacionais sejam atingidos. Assumir um cargo de liderança, não é tarefa fácil, exige muita competência e muita dedicação, pois as pressões por resultados são grandes. Para atingir esse resultado depende-se das pessoas da equipe. Liderança é uma capacidade, que nasce com a pessoa, ou que é desenvolvida por ela, dependendo da sua necessidade, é uma habilidade muito procurada pelas empresas, porém, o que se espera delas, é ser praticamente um “super-herói”, o que é um erro, não apenas porque super-heróis não existem, mas também porque se trata de um ser humano, conduzindo outros seres humanos. Pode-se dizer que o comportamento motivacional referente aos líderes do presente artigo nem sempre é estável, já que ambos usam da motivação externa sempre que necessário, pagando em forma de remuneração e prêmios para manter os funcionários motivados e nem sempre recorre a ações de significação do trabalho para sua equipem, como reconhecimento do trabalho realizado, elogios, valorização pessoal, fazendo com que o colaborador trabalhe apenas com o intuito de receber o benefício. A organização precisa perceber que funcionário motivado e produtivo é aquele que ocupa uma função capaz de explorar e estimular seus conhecimentos e habilidades, bem como lhe fornecer reconhecimento. Conclui-se então que o papel do líder vai além de ser manter motivado, é ter estratégias motivacionais eficazes para manter seus colaboradores motivados e manter em alta a produtividade da organização.

rtigo=398&acao=exibir>. Acesso em: 29. Set. 2009. CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. 2.ed. rev.atual. Rio de Janeiro: Elsevier, Campus, 2005. 529 p. FILHO, Luiz Almeida Marins. Os 12 maiores atributos da Liderança. Artigos. Disponível em: <http://www.guiarh.com.br/PAG21C.htm>. Acesso em 29 jul. 2009. MCGREGOR, DOUGLAS. Motivação e liderança. São Paulo: Brasiliense, 1973. 239 p. PEREIRA, Maria José Lara de Bretas. Na cova dos leões: O consultor como facilitador do processo decisório empresarial. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1999, 187 p. PIRES, Eduardo Tavares. Liderança motivacional nas organizações. 2007. 18 f. Monografia (Pós-graduação em Gestão estratégica de empresas) - Centro Universitário Newton Paiva, Belo Horizonte, 2007. 1 CD-ROM. ROBBINS, Stephen P. Comportamento organizacional. 11. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2009. 536p. ROSSI, Denise L. Manual de Diagnóstico Organizacional. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva, 2005. SILVA, Márcia Lúcia da. Motivação e liderança nas organizações: mecanismos de eficácia. Belo Horizonte, 2007. 70 f. SPECTOR, Paul E. Psicologia nas organizações. São Paulo: Saraiva 2002. 452 p.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Questionário de Diagnóstico Organizacional: instrumento desenvolvido pela Professora Denise Rossi através de pesquisas realizadas no LAGEP – Laboratório de Gestão de Pessoas do Centro Universitário Newton Paiva.

REFERÊNCIAS BENNIS, W. & Nanus, B. (1985), Líderes: estratégias para assumir a verdadeira liderança, S. P., Editora Harbra Ltda. BERGAMINI, Cecília Whitaker. Liderança: administração do sentido. São Paulo: Atlas, 1994 234 p. BERGAMINI, Cecília Whitaker. Motivação nas organizações. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1997. 214 p. CARVALHO, Zenaide. Como manter o empregado motivado? O líder que faz a diferença. <http://www.catho.com.br/cursos/index.php?p=artigo&id_a Revista de Psicologia l

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Rotatividade: uma questão de comunicação Tatiane de Oliveira1 Denise Rossi2 RESUMO: O presente artigo tem como finalidade analisar e articular os dados coletados, através da Pesquisa de Clima Organizacional efetuada no 1º semestre de 2009 em uma Panificadora, e a partir deste diagnóstico compreender melhor como a comunicação inadequada ou a falta da mesma, pode contribuir para o aumento da rotatividade entre os funcionários de uma organização, tendo como foco a empresa em questão. Palavras-Chave: Rotatividade. Comunicação Interna. Cargos. Compromisso.

Para que a questão da rotatividade fosse identificada e vinculada com a possível forma de comunicação adotada pela Panificadora, fez-se necessário para a aplicação da pesquisa de clima organizacional, compreender o que significa Clima Organizacional. O clima organizacional pode ser definido como sendo as impressões gerais ou percepções dos empregados referente ao seu ambiente de trabalho. Embora essas opiniões possam divergir entre os indivíduos, devido à percepção diferente de cada um, o clima organizacional reflete o comportamento organizacional, ou seja, os valores ou atitudes afetam a maneira pela qual as pessoas ou grupos se relacionam no ambiente de trabalho. O clima organizacional, a exemplo da cultura, não é estático, é dinâmico, e não é percebido do mesmo modo por todas as pessoas. Segundo Pereira (1999): Embora as características individuais e organizacionais sejam fatores determinantes do clima organizacional, uma vez constituído, ele passa a atuar como uma variável independente, e tal qual, constitui importante fator de disponibilidade ou de resistências às mudanças. (PEREIRA, 2003, pg 52) Portanto, identificando os objetos que compõem um clima organizacional através do instrumento adequado (no caso específico a pesquisa de clima), esse fator, rotatividade no setor comercial (a empresa é dividida em setor industrial, que compreende a parte de panificação e setor comercial, onde vendedores, atendentes e caixas se enquadram) da empresa, se mostrou muito evidente e por meio do diagnóstico, as investigações posteriores detectaram a comunicação interna como um retrato desse desafio enfrentado pela empresa, presente no mercado há mais de 16 anos e em crescente expansão. 208 l

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A Panificadora contava com 7 funcionários quando de sua fundação. Hoje contam-se mais de 53 colaboradores e a panificadora pretende expandir o projeto de servir almoço, que teve como ponto de partida a última reforma. Para realização desta pesquisa, foram feitas visitas iniciais para o reconhecimento da estrutura física da empresa, entrevistas individuais e aplicação do questionário QDO3 (Questionário de Diagnóstico Organizacional), em um total de 35 (trinta e cinco) funcionários. Os resultados obtidos no QDO, através dos resultados das médias dos oito indicadores pesquisados junto aos 35 colaboradores, foram: Postura dos funcionários: 86% - No geral, os colaboradores pesquisados revelaram que trabalham evitando o desperdício e buscando a economia de material, seguem as orientações dos superiores, estão dispostos a colaborarem e se esforçarem para o desenvolvimento da empresa, agem de acordo com as normas internas estabelecidas pela empresa e com honestidade e ética no exercício de suas funções. Propensão à mudança: 79% - No geral, os colaboradores pesquisados revelaram estarem abertos à implantação de novas práticas ou a mudanças promovidas dentro da organização. Concordam com a forma como as mudanças são propostas pela empresa, pois acreditam que a panificadora promove as mudanças necessárias para adequar-se as necessidades do mercado e dos seus clientes. Às vezes são autorizados a fazer mudanças em sua forma de trabalho e consideram que a empresa tem capacidade para se adequar à necessidade de mercado. Mecanismos de apoio: 72% - No geral, os colaboradores pesquisados revelaram que há um bom relacionamento interpessoal na organização, quase sempre têm facilidade para adquirir informações necessárias para exercer suas funções, a empresa favorece a comunicação e integração entre os colaboradores, o tipo de organização e os controles dessa empresa,


raramente facilitam o desenvolvimento do trabalho o que exige que os funcionários desenvolvam funções em todos os setores. Recompensas: 68% - No geral, os colaboradores pesquisados revelaram satisfação regular quanto ao reconhecimento e crescimento profissional, insatisfação considerável quanto à remuneração, já que vezes existem oportunidade de promoção. Relacionamentos: 80% - Os colaboradores em questão apontaram que frequentemente têm um relacionamento harmonioso com seus superiores imediatos e o mesmo está disponível para ouvi-los quando preciso. Afirmam também bom relacionamento com seus colegas, facilitando o desenvolvimento de suas funções, com boa resolução dos problemas ocorridos na empresa. Liderança 74%: - No geral, os colaboradores pesquisados revelaram que normalmente são reconhecidos por seus superiores imediatos, o acompanhamento recebido por eles facilita o crescimento da empresa, os lideres estão empenhados para que a empresa atinja seus objetivos. Estrutura 64%: - Os colaboradores em questão apontaram certa insatisfação no que diz respeito à forma na qual as tarefas são organizadas e na maneira como são divididas as funções que ajuda a atingir as metas estabelecidas. Objetivos 76%: No geral os colaboradores pesquisados revelaram entender os objetivos e as metas desta empresa e estarem de acordo com elas, compreendendo as ações de melhorias proposta pela empresa. As respostas dos funcionários apresentaram percentual acima da média de 50% aos seguintes requisitos: Postura dos funcionários - 86%, Propensão à mudança - 79%, Mecanismos de apoio - 72%, Recompensas - 68%, Relacionamentos - 80%, Liderança - 74%, Estrutura - 64% e Objetivos - 76%. Indaga-se por que o fator rotatividade identificado na pesquisa é alto sendo que o índice de satisfação com a empresa mostrou-se tão alto. A partir das entrevistas e observações realizadas pela pesquisadora, sugere-se a hipótese do processo de comunicação ser um fator responsável pela baixa retenção dos funcionários. A essa indagação é que se propõe esse construto, tendo como objetivo salientar esses aspectos internos estudados na organização. Segundo Marlene Marchiori (2005), A função da comunicação tem sido amplamente discutida e considerada pelos empresários, principalmente quando se observa que um dos fatores cruciais das melhores empresas para se trabalhar no Brasil refere-se à comunicação. Diferentes segmentos têm se preocupado com a avaliação do ambiente interno das organizações. Exemplo amplamente divulgado é a pesquisa da Revista Exame – Melhores Empre-

sas para se trabalhar – que aponta organizações que têm os funcionários mais felizes, satisfeitos e, muito provavelmente, mais produtivos do país. O que mais vale para estes funcionários é um sentimento de orgulho pela empresa, credibilidade dos líderes, nível de informação sobre os rumos do negócio e tratamento com justiça. Fatores que, se observarmos, parecem simples de serem trabalhados. Mas o que podemos efetivamente realizar para esta conquista? As organizações dependem constantemente de pessoas para alcançar seus resultados, observando e levando em conta suas estratégias. Ao mesmo tempo as pessoas dependem das empresas para atingirem seus objetivos profissionais, sendo essa relação mútua observada em nossa sociedade. Para que as empresas alcancem suas metas e objetivos é preciso que elas invistam nos funcionários, proporcionando um ambiente mais agradável, ouvindo mais os interesses das equipes, gerando maior segurança e crença nos objetivos e estratégias da empresa. A Gestão de pessoas visa alargar suas estratégias de ação de acordo com a empresa, se ajustando à filosofia e às necessidades dela. As políticas das organizações refletem os valores éticos, e através deles, entende-se as relações estabelecidas na empresa entre os empregados, acionistas, consumidores e fornecedores. A partir das políticas se definem os procedimentos e os cursos das ações, que vão orientar e nortear as atividades da equipe de Gestão, promovendo o desempenho eficiente do pessoal, já que a organização representa o meio que permite aos colaboradores alcançar os objetivos individuais relacionados direta e indiretamente com seu trabalho. A Gestão de Pessoas é contingencial e situacional, pois ela depende de vários aspectos como a cultura, a estrutura, as características do contexto ambiental, o negocio da organização, a tecnologia utilizada, os processos internos e uma infinidade de outras variáveis importantes. (CHIAVENATO,1999, pg ). A rotatividade de pessoal, também conhecida por turnover, está relacionada com a saída de funcionários de uma organização. As razões para o desligamento podem ser diversas; os indivíduos podem solicitar a sua demissão por descontentamento com alguma política da empresa, falta de motivação, ou busca de uma melhor colocação profissional. Assim como a empresa também se coloca neste direito e busca por profissionais mais capacitados para integrar o seu quadro funcional, ou ainda procura pela inovação em seus sistemas. Revista de Psicologia l

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Ultimamente, com um maior investimento das organizações em áreas de recursos humanos e gestão de pessoas, têm sido frequente a avaliação das principais causas que levam os funcionários a saírem de uma empresa e também quais os fatores que levam a instituição a demiti-lo. Além de ser dispendioso para a empresa, o alto índice de turnover, assinala que algo não está indo bem e precisa ser melhorado. Além dos custos que envolvem as admissões e demissões, existe todo um contratempo suscitado na empresa por falta de mão-de-obra, o que pode abalar mais futuramente a sua produtividade. Com o mercado altamente concorrido, é crescente a busca constante por profissionais com um maior grau de profissionalização, o que dificulta na busca de um colaborador ideal para muitas empresas, pois pode se deduzir que os melhores profissionais já estejam empregados. Mas as empresas apresentam a consciência de que ninguém é insubstituível, por mais gastos que possa gerar para a empresa é um fato real e que precisa ser resolvido. É claro que o papel do profissional de recursos humanos deve estar atento às constantes modificações do mercado externo e também da realidade das pessoas que compõe a organização. Podem ser movidas ações que venham a auxiliar a manter um baixo indicador de rotatividade de pessoal, cabe à gestão de pessoas encontrar quais as melhores ferramentas eficazes para auxiliar na manutenção de pequeno índice de turnover. Improdutividade, salário, motivação, tédio na execução das tarefas e melhor reconhecimento profissional são as principais causas que atingem o indicador de rotatividade de pessoal. Os profissionais da área de gestão de pessoas que tenham por objetivo reduzir o seu índice de rotação de pessoal devem analisar todo o processo de recrutamento, seleção, treinamento, motivação e também como está sendo o desenvolvimento do colaborador dentro da organização. Os problemas relacionados ao alto nível de rotação de pessoal podem ter seu início mesmo durante o recrutamento e seleção, o recrutador pode acreditar que uma pessoa que possua uma boa qualificação profissional técnica mesmo não possuindo as competências exigidas pelo cargo possa desenvolver um bom trabalho. Após a seleção, pode ser notório que o selecionado não possuía um perfil adequado para exercer a função na qual foi selecionado. Podem ocorrer também problemas com o treinamento, o colaborador não receber uma capacitação adequada. Na empresa pesquisada, foi diagnosticado que ao ingressar os funcionários, na maioria das vezes, eram informados superficialmente sobre as atribuições do cargo, bem como dos seus direitos e deveres perante aquela organização. Isso, ao decorrer do tempo, gerava frustração, quanto às exigências diárias, já que os funcionários eram demandados mais do que supostamente es210 l Revista de Psicologia

tariam contratados para efetuar. Estudando o plano de cargos da empresa e o manual que era mostrado aos iniciantes no seu ingresso, pode ser identificada a comunicação logo no recrutamento como um dos fatores preponderantes para que fosse gerada insatisfação, mesmo numa empresa tão bem avaliada por seus funcionários. A este diagnóstico, outros fatores envolvendo a comunicação interna da empresa foram evidenciados, e um trabalho de readequação dessa forma de manter a comunicação com os clientes internos foi sugerida. Desse modo, pudemos verificar que nem sempre altos índices de satisfação com fatores como salários e benefícios asseguram a retenção de funcionários em uma organização. A informação e a forma de veicular a mesma, podem agregar valores, diminuir custos e ajustar o objetivo de uma empresa em crescimento, como é o caso da Panificadora pesquisada, beneficiando a todos. REFERÊNCIAS CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de Pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. MOBLEY, William H. Turnover: Causas, conseqüências e controle. Porto Alegre: Ortiz, 1992. PEREIRA, L. A. (2003) Poder e clima organizacional: um estudo de caso em uma empresa petroquímica. Florianópolis, 2003. Dissertação (Mestrado). Departamento de Engenharia de Produção e Sistemas, Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em: <www.intranetportal.com.br> – Acesso em 29/09/2009 Disponível em: <http://www.borkenhagen.net/artigos/comunicorgan.htm> Acesso em 01/12/2009

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do 10º período do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professora supervisora de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Metodologia quantitativa elaborada pela profª. Denise Rossi no LAGEP – Laboratório de Gestão de Pessoas


Das errâncias do sujeito ao direito as errâncias: implicações da inimputabilidade na clínica dos loucos infratores Alice Aparecida da Silva Ribeiro1 Fabrício Ribeiro2 Resumo:O presente trabalho pretende discutir questões relacionadas ao louco infrator, inimputabilidade e o uso do dispositivo “acompanhante terapêutico” para reinserção do louco na cidade. A partir das lentes da psicanálise faremos a leitura de um caso acompanhado pelo PAI-PJ e assistido pela rede de saúde mental de Belo Horizonte. Palavras-chave: Acompanhante Terapêutico. Inimputabilidade e Louco Infrator. Com o advento da Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial um dispositivo vem ganhando força no cenário da saúde mental, o acompanhamento terapêutico, realizado com o objetivo de reinserir aqueles que precisam de auxílio na travessia do encontro com a cidade. Para alguns pacientes com um histórico longo de internação o retorno as ruas pode se tornar um ponto de embaraço para o sujeito. Há dificuldades em estabelecer laços razoáveis com a cidade, no exercício da cidadania que ficou alienada nos porões dos hospitais, ou mesmo o que nos afirma Palombini (2007) na adesão às formas tradicionais de tratamento que agora se realizam fora dos manicômios. Para esses casos o at pode ser um dispositivo de grande valia assim como no caso de Luis3 acompanhado pelo PAI-PJ4 desde o início do programa em 2000. Naquele momento Luis respondia por um homicídio cumprindo Medida de Segurança de internação sentenciada em 1997. Tal medida é aplicada a portadores de sofrimento mental considerados inimputáveis, ou seja, não são passíveis de responsabilização de seus atos em função do acometimento de sofrimento mental. a Medida de Segurança é enquadrada como dispositivo de tratamento e se destina a defesa social, diferenciando-se das penas, que seriam uma reação política para com o culpado no que se refere à prática de conduta criminosa. A pena associa-se à prática delituosa, com a possibilidade de responsabilizar o criminoso, enquanto a Medida de Segurança é conseqüência da periculosidade suposta ao agente. (RIBEIRO, 2006, p.70) Ao receber da justiça como sentença a Medida de Segurança

e ser considerado inimputável Luis não pode se responsabilizar por seu ato criminoso, o que não é sem consequências para o sujeito. Tal fato dificultou o acompanhamento do caso pelo PAI-PJ, e nas vindas de Luis ao programa era comum o paciente dizer que vinha porque era obrigado e que não devia nada para justiça. Segundo Barros, os casos de inimputabilidade estabelecida pelo ordenamento jurídico mostram quão necessário se torna para a clínica da psicose que o direito convoque o sujeito a responder pelo seu crime, a produzir sentido lá onde o ato se fez. Trata-se de discutir a incidência da lei sobre um ato fora da lei (BARROS 2004,p.124). Luis é morador de uma das residências terapêuticas desde 2006, após um período de nove anos de internação no Hospital Raul Soares. Em junho de 2009 o PAI-PJ ainda não havia conseguido fazer com que Luis se vinculasse aos serviços oferecidos pelo programa. Contudo, naquele momento, Luis começava a esboçar melhoras após uma crise que durou cerca de dois anos. Demandava das cuidadoras de sua residência que elas o acompanhassem em pequenas saídas como ir até a padaria fazer um lanche, ir comer pizza ou receber seu dinheiro no banco. A residência então demanda ao PAI-PJ um at para que esse acompanhamento pudesse ser feito, já que as cuidadoras nem sempre poderiam se afastar das tarefas da casa e do cuidado dos outros moradores. Foi pensado em alguém que pudesse se apresentar enquanto um acompanhante da residência visto que a relação que Luis estabelecera com a justiça era melindrosa. Foi combinado que a supervisora da casa iria me apresentar ao paciente facilitando a entrada do at que Revista de Psicologia l

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aconteceria semanalmente pela manhã. Nos primeiros meses de acompanhamento Luis se mostrava sempre alheio a minha presença, circulava pela casa com dificuldade de fazer contato com os outros moradores permanecendo a maior parte do tempo dentro de seu quarto que fica na garagem da casa. Ali chama a atenção o odor impregnante de fezes, urina e água sanitária. Sempre que tentava me aproximar dizendo que estava ali para saber como ele estava, Luis se afastava e dizia “se você quer saber sobre mim vai perguntar pra cuidadora, vai lá falar com ela!” Nesses momentos intervinha dizendo que não teria nada a tratar com as cuidadoras e que se ele não quisesse conversar eu voltaria depois. Foi um longo período acolhendo a recusa de Luis em consentir com o acompanhamento, contudo era preciso ofertar o espaço para a palavra e esperar o tempo do sujeito. Segundo Ribeiro (2006, p.65) “é esta a posição diante da loucura que a psicanálise insistentemente apresenta a todos dedicados ao trabalho em saúde mental, que existe um saber onde as luzes da razão se fizeram ausentar.” Foi essa a aposta feita pela at, de que Luis mesmo insano saberia apontar o caminho a ser trilhado pelo acompanhamento. Em nossa primeira saída fomos ao banco para cadastrar a senha de seu cartão do benefício “De volta pra casa5” a pedido da coordenadora da residência. Nesse momento ainda foi preciso a presença de uma das cuidadoras, pois seria difícil para Luis aceitar sair somente com a presença da at. Quando chegamos o banco estava fechado, mesmo assim Luis pede para conversarmos com o gerente e diz “você vai lá e pede pra chamar o gerente, conversa com ele”, pontuo dizendo que era ele, Luis quem melhor poderia conversar. Luis diz que quando vem ao banco com a supervisora da casa, ela mesma conversa e resolve tudo com o gerente, mais uma vez foi preciso intervir, digo que agora a supervisora não estava com ele e que a conta e o dinheiro eram de seu interesse, portanto seria importante que pudesse conversar. Luis responde mostrando seu estado de assujeitamento em relação ao outro; “você não é estudada? Conversa com eles então, eu não sei dizer. Você me trouxe até aqui, agora você resolve!” Assujeitado aos imperativos do Outro que lhe vocifera ordens, aniquila seu corpo e o despoja de seu ser, o psicótico permanece muitas vezes submetido a esses imperativos alienantes. Quase sempre é trazido por alguém que, num primeiro momento, fala por ele. Inclusive é tarefa do analista retomar o valor simbólico perdido de sua palavra. (GUERRA;MILAGRES,2005p.3) 212 l

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Retomar o valor simbólico, tarefa árdua que segue no horizonte de cada intervenção com Luis, que por diversas vezes nos convoca a sermos aquele que fala por ele insistindo em dizer que “doido não sabe das coisas, doido não tem querer”. A psicanálise nos ensina que do lado do analista está o ato analítico e a palavra estará sempre do lado do sujeito. Portanto era preciso insistir com cautela. Luis mesmo perante a impossibilidade de recebermos naquele dia resolve o problema dizendo a mim e a cuidadora que nos acompanhava: “vocês são mesmo muito bobas, acham que é só chegar qualquer dia e vir receber, pra vir ao banco tem o dia certo! É o dia primeiro.” Frente a essa solução, pergunto se não seria possível retornarmos no dia certo, Luis consente. Em nossa segunda ida ao banco Luis se apresenta muito agitado, faz cochichos sem sentido, não quer esperar na fila do banco, pede para ir embora. Nesse momento era importante dizer a Luis que era ele quem decidiria e que eu estava ali só para acompanhá-lo. Luis se acalmava e persistia na fila. No encontro com o gerente que já o conhecia, Luis me faz um pedido “fale por mim, vai até o gerente e conversa com ele pra mim.” Concordei em auxiliá-lo na conversa, já que havia percebido como estava sendo difícil lidar com aquela situação. Foi então que o gerente pede que criemos uma senha para o cartão, e para minha surpresa após alguns instantes de pausa, Luis pede papel e caneta e anota a senha. Voltamos para a residência com o dinheiro no bolso após essa saída “cansativa” como define Luis ao dizer o que achou da ida ao banco. Após essa saída, nos acompanhamentos que seguiram, Luis alternava entre querer “sair um pouco” ou dizer “eu sou aposentado cansado, quero ficar no meu quarto”. Em um dos acompanhamentos Luis diz aos berros “você num vem aqui mais não, eu vou suicidar viu doutora, vai embora daqui!” Intervenho dizendo que se ele não quisesse conversar eu voltaria depois. Em contato posterior com a residência tive notícias de que Luis havia brigado com sua mãe pelo telefone. A cuidadora conta que a relação de Luis com sua mãe é muito difícil, “ela liga todos os dias, mas ele nunca quer falar. Quando a atende, briga com ela por ter deixado ele aqui e não vir visitá-lo.” Dentro do projeto terapêutico de Luis, seu afastamento da figura materna era uma orientação acatada pela rede de saúde mental. A relação de Luis com essa mãe sempre fora desastrosa6, D. Maria, durante o tempo de internação de Luis, estava sempre com ele, não deixando que se responsabilizasse por seus atos e acobertando seus mau-feitos. Quanto ao adoecimento de Luis, sua mãe dizia que ele era assim por ter ficado órfão aos seis meses e não ter recebido o carinho do pai, e por ser doente não sabe o que faz. Segundo Palombini (2007, p.146) “o at vem a ser aquele que ocupa o lugar terceiro, significando, com seu corpo mesmo, o intervalo, a falta não simbolizada


entre o sujeito e o Outro, capaz de barrá-lo em seu gozo.” Ser o terceiro que dialetiza a relação de Luiz com a residência pela “alternância entre presença e ausência, alienação e separação” inerentes à função de secretária do alienado. Após esse episódio segue quase um mês sem que Luis quisesse conversar. Num belo dia de sol, Luis diz “o que você é (se referindo à minha formação) – Sou estudante de psicologia. – Ah! Você é psicóloga! Você quer que eu saia com a Sra? Você ta me levando, né? – Luis estamos indo juntos, eu vou te acompanhar!” “Doutora pede um dinheiro lá na casa pra gente sair um pouco.” Fomos fazer um lanche com direito a coxinha e coca-cola, antes de chegarmos a padaria ele diz “eu quero ficar com um pouco do meu dinheiro e com a chave da casa. Não aguento mais ficar preso naquela cadeia”. Intervenho dizendo que tem toda razão, mas era importante conversar com a supervisora da residência sobre esse assunto, pois lá era sua casa e não uma cadeia. Foi possível constituir um lugar de escuta junto a Luis, para ele eu era a sua psicóloga. Certo dia me pergunta aonde eu trabalhava e respondo que era em um programa que ajudava as pessoas a realizarem seu tratamento. Lacan nos ensina que se soubermos escutar, o delírio (...) manifesta uma relação muito específica do sujeito em relação ao conjunto do sistema da linguagem em suas diferentes ordens. Só o doente pode testemunhar isso, e ele o testemunha com a maior energia (LACAN 2002, p. 237). Em vários momentos do acompanhamento Luis conta de como tem sido difícil se tornar sujeito de sua própria história, “olha o que eu virei! Eu tenho que ter minha identidade, meu dinheiro. Como é que me viro nessa hein, doutora? Eu sou doente mental, não sei das coisas, sou burro!” E ao mesmo tempo em que começa a falar de suas dificuldades me conta sobre sua relação com a família, “sou o caçula de sete filhos, minha mãe mora no interior, meu pai morreu quando eu tinha um ano de tiro na cabeça. Ele tava na zona, brigou com um cara e levou um tiro”. Luis conta que não tem muito contato com seus parentes, mas não sabe por que isso acontece; “fico o tempo todo no meu quarto pensando neles. Tô fudido! Meus irmãos são filhos da puta que não vem mais me ver. Como é que eu vou sair daqui sem o apoio deles?” Conta também que já andou sozinho pelo bairro, mas agora as cuidadoras não confiavam nele e que isso precisava mudar. “Preciso ficar com minha identidade. Morro de medo da polícia. Se ela me parar e eu estiver sem identidade como é que eu vou fazer?” Palombini (2007) nos esclarece que a rua na diversidade de seus elementos, ao mesmo tempo que propicia a presentificação das

desmedidas do Outro, é também pródiga em lhe oferecer meios de comedimento. Cada sujeito irá a seu modo estabelecer, no encontro com a cidade, seus laços sociais. Sobre seu adoecimento Luis conta que aos 18 anos ficou “doente mental, com esquizofrenia na cabeça” e por isso teve que ser internado no hospital Raul Soares, ora atribui seu adoecimento ao trabalho, ora diz que ficou assim por ter feito sexo. Diz que faz tratamento com seu médico do CERSAM e sempre que vamos sair carrega consigo seu remédio, uma caixinha de tic-tac. Luis toma um “comprimido” sempre antes de fazer seu lanche e diz “é meu remédio não é Doutora?” Lacan (2002) em seu texto “Secretários do Alienado” nos adverte que é preciso tomar ao pé da letra o que os pacientes psicóticos nos dizem e nesse lugar onde o sujeito nos testemunha seu sofrimento, nos contentaremos em ser “secretário do alienado.” À medida que o acompanhamento avança Luis começa a trazer novas questões. Em um dos acompanhamentos com a at, o paciente faz menção há um encontro com o juiz e que nesse encontro foi determinado que ele ficasse com sua identidade e o cartão do banco para “morar de aluguel.” Diz ser inocente e que o outro (que oscilava entre um dos moradores, a cuidadora) é que era o culpado. Ao ser questionado sobre ter estado com o juiz, Luis diz que esteve sim, mas agora não devia mais nada para essa pessoa. “A Sra quer que eu seja culpado não é doutora? Mas eu não sou!” 7 E continua “como é que eu vou sair com a Sra? Eu não fiz nada eu sou inocente!” Luis pede um cigarro no bar e quer sair sem pagar, intervenho dizendo que era preciso pagar, pois isso não estava certo e poderiam até chamar a polícia pra ele. Luis responde que como ele era doente mental isso não daria em nada, não seria responsabilizado. Ao andar pela rua deixa a calça cair até a altura dos joelhos dizendo que ele era doido e que poderia andar até pelado, pois nada iria acontecer. A psicanálise nos ensina que da posição de sujeito somos sempre responsáveis e isso Luis ainda precisava saber. Nesse sentido Ribeiro nos aponta que, a sentença judicial produz uma certa contenção, ao estabelecer a medida judicial que o louco deverá cumprir. Este corte pode produzir cercanias que orientam o sujeito diante da cultura. A responsabilidade penal, neste sentido, pode convocar o louco em sua posição de sujeito, apropriando-se dos motivos que o levaram a romper com o pacto social e construir saídas mais razoáveis.(...) Ao produzir um sentido de responsabilidade endereçado ao outro do direito, a palavra do louco ganha dignidade, afastando-se da posição de objeto, quando foram condenado ao lugar de doentes (RIBEIRO (2006, p. 68). Revista de Psicologia l

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Em uma de nossas idas à barbearia ele pergunta “Dra a sra tem medo? Pois eu tenho medo.” Ao ser questionado sobre o que o amedronta, Luis não soube dizer, mas logo que senta para fazer sua barba diz “a sra vai me acompanhar no futuro? A sra vai estar lá?” Apaziguo dizendo que hoje eu o acompanhava e que nós iríamos sempre combinando o próximo encontro assim como temos feito durante esse tempo, porque ninguém sabe o que tem no futuro. Saímos pelo bairro e Luis pede sua coca-cola para tomar com sal, “toma uma coca também doutora, eu pago, a sra é tão boa pra mim! Agente toma a coca e fica como amigo, irmão!” Pontuo dizendo que não estava ali para ser sua amiga e que eu o acompanhava porque era o meu trabalho. Segundo Palombini (2007), acompanhar a loucura é, nesse sentido, acompanhar também ao Outro, ao que, da cultura, manifesta-se como negação da diferença, recusando-se à estranheza do laço que a psicose intenta. Hoje Luis anda pelo bairro com a at, a seu modo cuida da higiene de seu corpo, circula pela residência, por vezes conversa com alguns moradores. Compreende que a residência é a sua casa e aos poucos tem se apropriado dela. Temos, porém que advertir ao direito que ao inserir o louco infrator em suas engrenagens não permite a ele que re-signifique sua história e apresente novas construções de sentido. Em nossa prática percebemos que aos trabalhadores da saúde mental o louco faz um convite ao trabalho e construção de novas redes no engenho do exercício da cidadania. REFERENCIAS BARROS, Fernanda Otoni. Democracia, liberdade e responsabilidade: o que a loucura ensina sobre as ficções jurídicas. In_____ Legalidade & Subjetividade. Org: Philippi, Jeanine Nicolazzi – 2 ed. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004. DUTRA, Maria Cristina Bachelany. As relações entre psicose e periculosidade: contribuições clínicas da concepção psicanalítica da passagem ao ato. São Paulo: Annablume : Belo Horizonte : Fumec, 2002 GUERRA, Andréa Máris Campos e MILAGRES, Andréa Franco. Quantos paus se faz um acompanhamento terapêutico?: contribuições da psicanálise a essa clínica em construção. Estilos clin. [online]. dez. 2005, vol.10, no.19 [citado 21 Fevereiro 2010], p.60-83. Disponível na World Wide Web: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282005000200004&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1415-7128. LACAN, Jacques. Secretários do Alienado. In_____ O seminário livro 3. As psicoses. 1955-1956. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. Trabalho originalmente publicado em 1981. PALOMBINI, Analice de Lima. Vertigens de um psicanalista a céu aberto: a cidade – contribuições do acompanhamento terapêutico à clínica na reforma psiquiátrica. RIBEIRO, Fabrício Junio Rocha. Da razão ao delírio: por uma abordagem

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interdisciplinar do conceito de loucura. Disponível em: <http://www1.pucminas.br/documentos/dissertacoes_fabricio_junio.pdf>. Acesso em 28 de fev 2010.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva; 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Nome fictício. 4 Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 5 Benefício concedido a portadores de sofrimento mental com histórico de longa internação como auxílio na reinserção social. 6 O caso “Luis, o inocente culpado” foi descrito por Maria Cristina Bechelany Dutra em seu livro “As relações entre psicose e periculosidade: contribuições clínicas da concepção psicanalítica da passagem ao ato”, onde a autora apresenta fatos do caso logo após o crime de Luis e conta sobre sua relação com a mãe. 7Esse par de oposição construído por Luis é presente em suas elaborações desde o tempo em que ficara internado no Hospital Raul Soares.


Doente por amor: o manejo da transferência e a erotomania na clínica da psicose Bárbara Coelho Ferreira1 Fabrício Ribeiro2 RESUMO:O presente artigo pretende apresentar os descaminhos no manejo da transferência, em um caso de psicose, acompanhado pela Casa PAI-PJ3. Após breve relato do conceito de transferência e sua singularidade no trabalho com psicóticos, destacaremos a erotomania como uma das formas possíveis de transferência na psicose e o manejo delicado que exige. Palavras-chave: Psicose. Erotomania. Acompanhamento Terapêutico

A letra freudiana nos ensina que a Psicanálise tem como modus operandi o manejo da transferência. Labor que convoca o analista a posicionar-se diante do que podemos nomear de mola mestra da cura, motor terapêutico que leva o paciente ao tratamento analítico. O conceito de transferência, segundo MILLER (1988), sofreu algumas modificações no percurso de Freud a Lacan. Apesar de tais transformações, a conceituação lacaniana, avança, mas sem deixar de ser essencialmente freudiana. Lacan situa um ponto fundamental para compreendermos a transferência que, não está clara em Freud: o sujeito do suposto saber. Suposto saber que nos leva do lugar até então ocupado por Freud, leditor do inconsciente, e que agora atribuímos a Lacan. Conceito considerado por Lacan o pivô no qual se articula tudo que se relaciona com a transferência. A retomada do conceito de transferência é o que permite Lacan inaugurar a clínica da psicose, diferenciando-a da clínica da neurose. O sujeito psicótico, forcluído do significante Nome-do-Pai, opera com outros recursos, fala de outro lugar. A relação do psicótico com o Outro é peculiar. Não há uma barreira simbólica que produza uma escansão, um sopro de ar, permanecendo, na maioria das vezes, uma relação especular, imaginária. “É na medida em que ele não conseguiu, ou perdeu esse Outro, que ele encontra o outro puramente imaginário” (LACAN, 1988, p.328). Sendo assim o analista deve ter cautela no manejo da transferência, considerando ser este um cingido pelo imaginário. Lacan (1988) indica sobre a possibilidade de escuta da psicose, e que não devemos recuar diante da mesma. No entanto se faz necessário esclarecer que o lugar do analista passa distante da suposição de saber. Na clínica das psicoses o analista ocupará outro lugar: objeto. Encarnar uma posição de não-saber como condição para

que o sujeito psicótico se autorize a uma tentativa de enunciação, para além de todo enunciado, para além de toda identificação, e, por outro lado, a saltar, por meio de um “não” intratável, sobre quem quer que surja como “sabendo” ao se dirigir ao sujeito psicótico (BAIO, 1999: 71). Sendo assim, a transferência na clínica da psicose diz de uma ruptura com a posição de suposto saber do analista. O sujeito do suposto saber cai, e é justamente da posição de não saber, posição de esvaziamento, que o analista deve se localizar o lugar de secretariar o alienado. Como podemos perceber no caso de Amadeu4, 49 anos, paciente antigo acompanhado pela Casa PAI-PJ – Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental Infrator do estado de Minas Gerais. O paciente responde processo por lesão corporal seguida de morte, e por este ato recebeu pena de seis anos de reclusão. Sendo que, após exame de insanidade mental foi considerado inimputável por ser portador de sofrimento mental. Sendo assim, inicia o cumprimento de medida de segurança de internação em hospital da rede privada da capital Mineira. Amadeu permaneceu internado durante vinte anos em um nesta instituição, até sua desinternação devido às novas políticas de saúde mental do município, que teve como consequência o fechamento do hospital. A partir deste ponto o trabalho do Programa se organizou de modo a possibilitar a inserção de Amadeu na cartografia da cidade. O início do trabalho foi marcado por várias tentativas frustradas, não só para o paciente deixar o hospital, mas, também em reintegrá-lo ao núcleo familiar. O restabelecimento dos vínculos com a família foram gradativamente reconstruídos, entretanto não foi possível pensar sua moradia com os mesmos, devido a questões do próprio paciente. Percebe-se que a proximidade do paciente com sua família têm como efeito certa desorganiRevista de Psicologia l

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zação do mesmo e, também, no arranjo familiar. Essa questão se resolveu após Amadeu receber uma vaga pela Secretaria de Saúde Mental, para morar numa Residência Terapêutica, local em que Amadeu se refere como sendo “a casa da grande família”. O modo de se referir à moradia revela o uso que o paciente faz deste lugar: sua casa. Além da vaga na Residência Terapêutica, Amadeu começou a fazer tratamento no Centro de Referência em Saúde Mental – CERSAM. O ponto de principal avanço no caso, agora acompanhado efetivamente pelo PAI-PJ, iniciou-se com a entrada do Acompanhante Terapêutico (AT). Trabalho de ressocialização do paciente que precisou enfrentar as rupturas com a cidade que o tempo de internação produziu. A figura do AT aparece neste caso enquanto mediador das situações que ocorrem num setting terapêutico a céu aberto. A possibilidade de propiciar a retomada do laço de Amadeu com o social, através do dispositivo do AT, fez-se necessária após tantos anos de reclusão, de “prisão” como o próprio paciente aponta e pelas questões da própria estrutura. O sujeito que já está fora – forcluído devido a sua estrutura, deve se arranjar e utilizar de dispositivos que busquem certa amarração, para se torne possível a inserção no meio social. “Mesmo inserido na cultura, na linguagem e no cotidiano, o louco não se encontra submetido às mesmas normas simbólicas de organização, por conta de sua constituição” (GUERRA, 2004: 47). Desta forma o trabalho inscreve-se na produção de cercanias que permitam o sujeito, mesmo fora do discurso, incluir a seu modo, ancorando-se nas trilhas construídas no encontro com a cidade. Amadeu passa contar com o dispositivo do AT, convocando-o todo o tempo no caminhar do seu tratamento. Minha entrada enquanto AT do caso aconteceu quando a acompanhante do caso saiu do PAI-PJ. O processo de transição das AT’s foi informado a Amadeu, sendo que, ao ser apresentada a ele, o mesmo entende este processo de mudança dizendo: você é minha nova secretária. Momento fundamental para entendermos a posição do AT neste caso, secretariá-lo, obediente nos caminhos por ele trilhados. Ensina-nos sobre a posição do analista diante ao sujeito psicótico: secretário do alienado. Ao me colocar no lugar de secretária, Amadeu aponta de qual lugar devo me pronunciar, o que nos indica uma posição possível para que o psicótico possa se anunciar como sujeito, deslocando-se do assujeitamento ao Outro como pressupõe a questão da estrutura. De acordo com Ribeiro (2002) Orientados pela psicanálise, o acompanhante se situa como “testemunho” e “secretário”, como disse Lacan, não colocando em dúvida os dizeres do psicótico, nem verificando a veracidade de seu discurso em termos dos “dados 216 l

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da realidade”. O que se oferece aqui ao psicótico é uma possibilidade de falar sem ser rejeitado, de não estar tão só. Paralelamente, o acompanhante age sobre a palavra delirante marcando seus limites e fazendo surgir furos, ou seja, nem tudo pode ser atribuído ao Outro. (RIBEIRO, 2002) Logo no início do acompanhamento, em uma das vezes que fui me encontrar com o paciente, Amadeu me vê e fala “minha secretária está aqui”. Percebe-se que o paciente diz sobre o lugar ocupado pelo AT e demarca qual a sua função. Ao ser indagado sobre o que iremos fazer naquele dia, o paciente diz que me levará para casa de sua irmã para me apresentar a ela. Ao chegarmos à casa apresenta-me dizendo: Eu vim trazer a Bárbara aqui pra você conhecer, ela é minha namorada. Pontuo dizendo que meu papel não era esse. Neste momento Amadeu ri e diz: ela é do PAI-PJ, minha secretária. A peculiaridade deste caso que convoca o analista no manejo da transferência localiza-se no eixo erotômano. Neste modo de se apresentar diante do analista revela que é doente por amor e afirma ter ficado preso por amar demais. De acordo com Broca (citado por Riguini 2005), a erotomania é a modalidade do amor de transferência na psicose e estabelece uma forma de laço social, ou supre a dificuldade do sujeito em estabelecer esse laço. É aí que está apontada a direção para um laço social possível. Singular, certamente, mas possível. O paciente canta algumas músicas endereçadas à acompanhante durante os AT’s, sendo, a principal delas o seguinte trecho da música “Secretária” de Amado Batista: Secretária que trabalha o dia inteiro comigo/ Estou correndo um grande perigo de ir parar no tribunal/ Secretária às vezes penso em falar contigo/ Mas tenho medo de ser confundido por um assédio sexual. A interpretação dos significantes presentes neste trecho da música nos aponta o modo de conduzir o caso. Ao dizer, através da música, do amor pela secretária, Amadeu assinala sobre a via em que se dá a transferência. Soler (1991) afirma que a erotomania é uma posição do sujeito psicótico, uma posição de objeto do Outro. Sendo assim, isso implica: 1) uma relação com o Outro na qual o sujeito é tomado como alvo da libido; 2) uma certeza, que constitui o saber psicótico. Cabe ao analista, no caso, ao acompanhante terapêutico o lugar de esvaziamento, fazendo vacilar a certeza do psicótico. Com relação ao perigo de ir parar no Tribunal o paciente nos direciona sobre a grande questão do caso: o fato de ser doente por amor e esta ser a causa de sua prisão. Uma orientação que atravessa a condução do caso, passa pela banalização deste conteúdo quando o mesmo se apresenta no acompanhamento. Manobra no sentido de acolher se consolidar o que está sendo


dito, com pontuações como: você não corre esse tipo de risco não, estou aqui pelo meu trabalho e o Juiz sabe disso. Em outro momento do acompanhamento terapêutico, Amadeu convoca o acompanhante e canta mais um trecho de música que traz a marco do amor: esse medo terrível de amar outra vez é meu, né? O amor é o que está em jogo e aparece em cena durante a realização dos AT’s. Segundo Lacan (1988) a relação amorosa na psicose passa pela abolição do sujeito, admitindo uma heterogeneidade radical do Outro. Desta forma o manejo da transferência com a psicose orienta-se por uma operação de esvaziamento. Manobrar a transferência é dirigi-la com o objetivo estratégico de propiciar um limite a essas experiências que invadem o psicótico, deixando-o sem opção de qualquer resposta (MENDES, 2005: 22). Destaca-se que este caso caminha por um paradoxo. Ao mesmo tempo em que Amadeu coloca a AT no lugar de secretária, demarcando o lugar de esvaziamento, não saber que o analista deve ocupar na clínica da psicose, sentimos também contrariamente os efeitos da erotomania. Pela via da transferência o paciente convoca o analista em um lugar devastador. Sendo que cabe ao analista a manobra do tratamento. O psicanalista certamente dirige o tratamento, o primeiro princípio desse tratamento lhe é soletrado logo de saída [...] é o que não se deve de modo algum dirigir o paciente (LACAN, 1998: 592). Portanto, a direção do tratamento caminha de acordo com os passos do paciente. Durante os AT’s faz-se necessário consentir com o caminho apontado por Amadeu. Sendo que, neste caso a transferência exige um manejo delicado, considerando as peculiaridades. É assim que se faz a clínica, no caso a caso, nas singularidades. O paciente deve saber o lugar do Outro nessa relação. O Outro da transferência na psicose deve ocupar de não-saber para que se possa convocar o sujeito a responder por si e para deslocá-lo da posição de objeto. Na erotomania, especificamente, o que há de fazer é buscar tentativas de pontuar para o paciente que a relação AT - paciente sustenta-se pelo trabalho e não será possível a concretização deste amor. Certa vez, Amadeu diz: “Bárbara, você tem que ser minha namorada, o Reverendo mandou você para ser minha namorada. Eu sou doente, sou doente por amor”, intervenho dizendo que o meu lugar ali não era este, que estava ali pelo meu trabalho no Tribunal de Justiça, que o juiz é quem me manda ir conversar com ele. Neste momento, ele diz “ah, é secretária, né?” pontuo que sim, secretária.

GUERRA, Andréa Máris Campos. Oficinas em saúde mental: percurso de uma história, fundamentos de uma prática. In: FIGUEIREDO, Ana Cristina (Org.). Oficinas terapêuticas em saúde mental: sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2004. p.23-58. LACAN, Jaques. O seminário: livro 3: As psicoses (1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. 366 p. _____. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 531-590. MACIEL, Viviane de Souza. A transferência no tratamento da psicose. Mental. [online]. jun. 2008, vol.6, no.10 [citado 07 Setembro 2009], p.x-xx. Disponível em: <http://pepsic.bvspsi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679442720080 00100003&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1679-4427>. Acesso em: 25/08/2009. MENDES, Aline Aguiar. Tratamento na psicose: o laço social como alternativa ao ideal institucional. Mental rev. (Barbacena). [online]. Jun. 2005, p. 15-28. Disponível em: http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/mental/v3n4/v3n4a02.pdf. Acesso em: 20/07/2009. MILLER, Jacques-Alain. Percurso de Lacan: uma introdução. 2. ed. Jorge Zahar, 1988 152 p. RIBEIRO, Thais da Cruz Carneiro. Acompanhar é uma barra: considerações teóricas e clínicas sobre o acompanhamento psicoterapêutico. Psicol. cienc. prof. [online]. jun. 2002, vol.22, no.2 [citado 22 Octubre 2008], p.78-87. Disponível em: <http:// pepsic.bvspsi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S14149893200200020001 0&lng=es&nrm=iso>. ISSN 1414-9893.> Acesso em: 18/08/2009. RIGUINI, Renata Damiano. Da passagem ao ato à transferência: duas soluções em um caso de psicose. Psyche (Sao Paulo). [online]. dez. 2005, vol.9, no.16 [citado 07 Setembro 2009], p.153-164. Disponível em: >http://pepsic.bvs-psi. org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141511382005000200010&lng=pt& nrm=iso>. ISSN 1415-1138>. Acesso em: 20/08/2009. SOLER, Collete. Artigos Clínicos. Salvador: Fator, 1991.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental Infrator do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. 4 Nome fictício.

REFERÊNCIAS BAIO, V. O Ato a partir de muitos. Curinga, Belo Horizonte-MG, n. 13, p. 6673, 1999. Revista de Psicologia l

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Reforma Psiquiátrica: contextualização e reflexos sobre o cuidado com o doente mental “Os profissionais de saúde mental são poetas da existência,têm uma missão esplêndida(...) Não enquadre excessivamente seus pacientes dentro dos muros de uma teoria, caso contrário reduzirá suas dimensões.Cada doença pertence a um doente.Cada doente tem uma mente. Cada mente é um universo infinito3” Augusto Cury Heloisa Cristina Vieira de Andrade1 Fabrício Ribeiro2 Resumo:Este artigo tem por objetivo estabelecer uma reflexão acerca da história da loucura, do processo da Reforma Psiquiátrica e dos serviços substitutivos criados com o objetivo de fazer emergir um novo paradigma para a psiquiatria. São abordados aspectos referentes aos efeitos do cuidado com o doente mental para melhor contribuição e sucesso no tratamento. Enfatiza-se a importância de manter o ideal antimanicomial da reforma psiquiátrica em evidência, para que os serviços substitutivos funcionem de forma efetiva. Palavras-chave: Reforma Psiquiátrica. Desinstitucionalização. Antimanicomial. Escuta.

A história da loucura nos mostra como eram desumanas as práticas de tratamento voltadas ao portador de sofrimento mental. O tratamento era basicamente isolar os alienados e interná-los, para que se restabelecessem e decidissem os seus destinos baseados na razão. No espaço asilar, o louco ficava no lugar de objeto, “coisificado em sua condição de doente. Todas as intervenções, por mais fisicamente cruéis, eram aceitas, tendo em vista o horizonte de cura, que o saber psiquiátrico almejava” (RIBEIRO, 2006, p. 50). Pouco se fazia para uma assistência digna e adequada ligada à saúde mental, e por certo precisava-se de mudanças significativas nesta área. A partir daí se instaura a necessidade de uma reforma, um novo conceito de loucura, uma sociedade sem manicômios e o afastamento gradual da prática psiquiátrica vigente. É neste sentido que começa-se, em fins da década de 70, a partir de encontros dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), a se pensar em um movimento que tinha como foco resgatar a cidadania dos doentes mentais e defender o direito desses pacientes, possibilitando a desinstitucionalização e deslocando o objetivo de tratamento da doença mental, para promoção da saúde mental (Amarante, 1998). O MTSM se caracterizou por ser o primeiro movimento em saúde mental com participação popular, com composições múltiplas e ações de profissionais de todas as categorias, sendo assim identificado como uma luta popular no campo da saúde mental. Conforme Franco Basaglia citado por Amarante (1998, p.57) “para participar bastava apenas identificar-se com seus princípios...” Os trabalhos efetivados por este movimento aconteciam 218 l Revista de Psicologia

principalmente na região sudeste e eram realizados encontros e conferências em âmbito estadual e nacional. O principal objetivo destas reuniões eram discutir projetos, formas de trabalho integrado e uma política aceitável de saúde mental (Amarante, 1998). Surge então, um novo destino para a saúde mental que se baseou na idéia de desinstitucionalização, em que, ocorre de fato a ideologia da reforma psiquiátrica brasileira, tendo como direção a luta antimanicomial e propiciando de certa forma, uma ruptura com a psiquiatrização, a institucionalização e com a preponderância de um modelo asilar. Neste novo cenário havia três lemas de principal discussão: 1- Por uma sociedade sem manicômios, que focalizava a utopia de um movimento além do limite assistencial; 2- Organização dos trabalhadores da saúde mental, que levantavam questões com a interdisciplinaridade, alianças e estratégias; 3- análise e reflexões das práticas concretas, que procurava avançar e levantar críticas acerca dos pacientes e formas de tratamento (Amarante, 1998). Apresentado pelo deputado Paulo Delgado, em 1989, saiu o Projeto de Lei 3657/89, que concretizava a regulamentação no campo jurídico-político em relação ao tratamento do doente mental, indicando a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por uma rede de serviços abertos à assistência ao portador de sofrimento mental, tais como, Centro de Atenção Psicossocial - CAPS, Centro de Convivência, Centro de Referência em Saúde Mental – CERSAM, Residenciais Terapêuticas e outros serviços, que tinham como objetivo propor estratégias para mudanças e fazer emergir um novo paradigma para a psiquiatria (Amarante, 1998).


Entretanto, os princípios e diretrizes da reforma psiquiátrica brasileira carecem de ser reafirmados e renovados, uma vez que, na prática, muito do que se ver é a cronificação do sujeito na instituição, a falta de preparo e a desqualificação dos funcionários ligado à saúde mental. Fazendo prevalecer ainda a natureza manicomial de um serviço que foi criado em prol de uma luta que é antimanicomial. Pitta (1994) exalta a importância de utilizar o cuidado com o outro como uma ferramenta básica para a missão de escutar a desconcertante lógica daqueles que são considerados ilógicos.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 3 Parte do livro O Vendedor de Sonhos, de Augusto Cury, p. 32

A um só tempo temos que “desinstitucionalizar” a assistência psiquiátrica ofertada por nossas instituições e também desenvolver uma tecnologia de cuidados que considere um compromisso ético de acolher e cuidar de pessoas culturalmente desinseridas, socialmente abominadas, transfigurando-as em sujeitos amorosos, passíveis de alguma inteligibilidade, de provocar simpatia, solidariedade, alianças terapêuticas. (...) Escutar é um ato psicológico que impõe uma disposição interna de acolher signos, ora claros, ora obscuros, e buscar alcançar algum registro que viabilize algum campo de trocas (PITTA, p. 154). No campo da saúde mental, embora muitos paradigmas já tenham sido quebrados, ainda são necessárias melhorias, principalmente, na forma de se dirigir aos pacientes. É preciso levar em consideração que o sujeito da psicose apresenta-se muita das vezes, como usuários passivos da instituição e cabe aos profissionais da saúde mental se implicarem no seu trabalho e enfrentar o desafio de encontrar formas para escutar, somando um cuidado ético e acarretando, desta forma, uma melhor qualidade de vida para os pacientes portadores de sofrimento mental. As transformações nessa área não se dão apenas na ordem do explícito e das práticas, elas acontecem aos poucos, sendo que cada funcionário deve se dedicar no cuidado e atenção com o outro para que se atinja o ideal antimanicomial. REFERENCIAS Amarante, Paulo. (Org.). Loucos pela Vida - a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Coleção Panorama/SDE/ENSP. 1998. PITTA, Ana. Cuidando de Psicóticos. In:_____. Clínica da Psicose: um projeto na rede pública. Rio de Janeiro: Te Corá Editora: Instituto Franco Basaglia, 1994. RIBEIRO, Fabrício Júnio Rocha. Breve recorte histórico da loucura na modernidade. In:_____. Da razão ao delírio: por uma abordagem interdisciplinar do conceito de loucura. 2006. 131 f. Dissertação (Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-graduação em Psicologia. Belo Horizonte, 2006.

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Acompanhamento psicológico de adolescentes em conflito com a lei: o adolescente e sua medida “Sabemos que a adolescência, tomada enquanto trabalho psíquico a partir do excesso pulsional produzido pela puberdade e pelo novo encontro do sujeito com o Outro sexo e o Outro da cultura, por definição, tende a escapar a tudo a aquilo que está instituído. No campo da psicanálise, isto não poderia ser diferente.” Luciana Gageiro Coutinho, 2006. Leziane Parré1 Fabrício Ribeiro2 RESUMO: O presente artigo foi elaborado a partir da prática do Estágio de Interface entre Psicanálise e Direito, através do PAI-PJ – Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG. A presença do ato infracional na adolescência tem sido cada vez mais frequente na contemporaneidade. É cada vez maior o número de adolescentes que se envolvem no crime, como um apelo à Lei. O acompanhamento a partir da escuta e da oferta da palavra pode promover a reconstrução dos laços familiares e sociais, além de possibilitar o resgate da cidadania. Dessa forma, o adolescente pode construir novos caminhos que o permita fazer novos enlaçamentos; outra via, que não passe pela criminalidade. Palavras–chave: Adolescente. Ato Infracional. Acompanhamento.

A Clínica psicanalítica com adolescentes tem suas peculiaridades nas quais encontramos algumas considerações clínicas e teóricas pertinentes que merecem atenção especial, tais como: a demanda inicial ser do outro, as entrevistas preliminares e o trabalho com a transferência na adolescência, e a questão do acting out e da passagem ao ato nos sintomas dos adolescentes. Nessa clínica, na maioria das vezes, a demanda inicial por atendimento é do outro - pais, responsáveis legais ou instituição. Neste contexto, o início do trabalho consiste em dar voz para que o adolescente mude da posição de ser falado para o de ser falante, desconstruindo a demanda do outro e possibilitando a construção da demanda própria de cada sujeito. Essa demanda inicial do outro não é descartada, devido à presença que estes têm na vida do adolescente e o quanto o investimento desses no adolescente pode favorecer ou dificultar o processo, uma vez que é nesse contexto que os sujeitos adolescentes podem emergir. Especificamente no caso do adolescente em conflito com a lei, temos presentificada a saída pela via do crime. É sabido que através da inserção social o sujeito adolescente busca inscrever-se no campo do Outro, na cena social, o que exige a função mediadora da palavra. Quando nessa inserção o sujeito não encontra recursos simbólicos de expressão, podem surgir atos desregrados. O adolescente reinscreve-se no laço social, conferindo-lhe novas significações. Nessa operação, passa por uma atualização da cena da sedução, na qual ele faz a passagem do assujeitamento ao desejo do Outro – tematizado pelo desejo 220 l

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da mãe ou pela Lei do pai – para uma nova e poderosa versão do pai, a organização social; “uma versão desencarnada, mas ainda discurso, com seus ditos e não ditos”. (ROSA, 2004). Para Freud (1905), essa operação de separação dos pais, necessária para o adolescente inserir-se na comunidade social configura-se como a modificação mais importante dessa fase. Interrogar o sujeito sobre o sintoma apontado pelo discurso familiar e social possibilita a produção de sua própria versão a respeito daquilo que lhe aflige, bem como daquilo que provoca incômodo naqueles que o cercam. No momento em que o adolescente não consegue verbalizar seu mal-estar, onde falta-lhe a função mediadora da palavra, o único recurso encontrado pode ser o de traduzir em ato. “Enfim, quando falta significantes, surge uma conduta irruptiva. Diante do impossível a dizer, o sujeito traduz em ato.” (LACADÉE, 2007). No entanto, quando o adolescente pode falar por si próprio, pode se responsabilizar por seus atos. Por isso, é importante ofertar para o adolescente a possibilidade do resgate da palavra. Mais que isso, ofertar novos significantes para que esse sujeito reconstrua o laço social, inserindo-se no campo do Outro. Oferecer a possibilidade de tratar seu mal-estar pela via da palavra e não mais somente pelo ato, significa apostar que o sujeito possa inventar uma solução singular, encontrando um novo lugar para posicionar seu desejo e seu gozo, sustentando também sua posição subjetiva diante do Outro. A presença do ato infracional na adolescência tem sido cada


vez mais frequente. A adolescência é considerada um momento propício para crise, uma vez que é um momento de travessia, de reposicionamento. É ainda um momento em que a insuficiência da função paterna faz sintoma. Observa-se que na contemporaneidade a função paterna vem sofrendo um esvaziamento enquanto lei, enquanto aquela que possibilita a organização familiar, ou seja, há um declínio da função paterna. De acordo com Barros, [...] a palavra do pai não é mais a palavra da lei, e o código substitui a soberania paterna pela materna, numa inversão que atesta a impossibilidade da isonomia de direitos. O declínio da paternidade no código reflete ao mesmo tempo que afeta, as relações da família moderna, cujos filhos provavelmente manifestarão os efeitos dessas transformações familiares em suas relações sociais e em sua relação com a lei. (BARROS, 2001: 05). A Clínica atual tem nos mostrado o uso que cada um tem feito do Pai que constrói para si. Sintomas da contemporaneidade se multiplicam pela cidade denunciando a fragilidade das respostas subjetivas. Assim, aumenta a cada dia o número de adolescentes que se apresentam socialmente a partir do ato infracional, muitas vezes, transparecendo um apelo a Lei. Acompanhar o adolescente na inscrição do agir no campo da palavra, só é possibilitado a partir da relação com o Outro, como apresentou Coutinho (2006), “...ao dizer de seus atos em nome próprio, o sujeito se situa diante do Outro, o que pouco a pouco permite uma reconstituição do campo do Outro, para além da busca por um olhar alienante através do agir.” A adolescência vista como o momento em que as amarrações entre simbólico, real e imaginário se afrouxam e devem ser refeitas, configura-se num estado limite do sujeito, dificultando um diagnóstico estrutural, mediante um estatuto do agir precário, típico dos adolescentes. Uma espécie de “curtocircuito” subjetivo evidenciado no agir. Em se tratando de adolescentes em cumprimento de medida de internação, a agitação da instituição também agita o sujeito adolescente que, escasso de recursos simbólicos de expressão para responder, responde em ato. Uma resposta muitas vezes precipitada. O processo de acompanhamento do adolescente acontece numa cadeia incessante de questionamentos, constantemente renovada, uma vez que o sujeito nada sabe do significante que o determina, pois como aprendemos com Lacan, não há saber para o inconsciente. As questões do sujeito são sempre re-endereçadas de volta a ele, para que se abra a possibilidade de se pôr em questão aquilo do qual ele próprio vem fazer questão no acompanhamento. Ou seja, o próprio adolescente deverá construir um

saber acerca do significante que o orienta. Assim, a partir da oferta da escuta e da palavra, os acompanhamentos promovem laços sociais mais fortes do adolescente com a família e com a sociedade, de maneira que este se posicione enquanto sujeito de desejo. Ou seja, quando queremos saber do sujeito, e não de seus atos, das normas, ele pode emergir com suas questões próprias. Cabe ressaltar que trabalhar com o adolescente nas medidas é trabalhar com a medida do Direito e, ao mesmo tempo com a medida singular, própria de cada sujeito. Ou seja, os critérios que determinam o cumprimento de uma medida, não necessariamente dizem respeito ao cumprimento da medida subjetiva de cada adolescente. Enfim, o cumprimento cronológico da medida não significa uma retificação subjetiva. Então, fica uma reflexão: O que significa cumprir uma medida? O acompanhamento psicológico do adolescente em conflito com a lei possibilita-o assumir sua posição de cidadão através da produção do seu próprio saber para circular na vida, além de possibilitar a construção de um saber capaz de orientá-lo sobre o fora de sentido, o fora da lei. Não há garantias de que o adolescente continuará sustentando sua posição após o término de sua medida, uma vez que é sabido que toda aposta no sujeito constitui-se num risco, porém, é preciso apostar nesse sujeito que está implicado em seu projeto singular. A partir da palavra e da responsabilização subjetiva apostamos que é possível conduzir o adolescente a fazer escolhas orientadas pelo seu desejo; único meio pelo qual o sujeito pode reivindicar seu eu e traçar uma outra história. REFERÊNCIAS BARROS, Fernanda Otoni de. Do Direito ao Pai. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva, Del Rey, 2001. COUTINHO, L.G. Pensando sobre as especificidades da clínica psicanalítica com adolescentes. Latin American Journal of Fundamental Psychopathology on line. <http://www.psicopatologiafundamental.org/?s=79>Vol. 6 (2), nov. 2006. FREUD, S. Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade [1905]. Rio de Janeiro: Imago Ed., 2002. LACADÉE, P. O risco do adolescente. Estado de Minas. Belo Horizonte, 16 jun. 2007. Caderno Pensar 3. ROSA, M. D. O discurso da violência e suas implicações para o adolescente. Faces da Violência. Correio da APPOA, Porto Alegre, 2004. v. 126, n. ano XI, p. 23-28.

NOTAS DE RODAPÉ 1 Acadêmica do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva 2 Professor supervisor de estágio do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva Revista de Psicologia l

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