SUTURAS URBANAS
O PLANO DAS 13 QUADRAS PARA A AVENIDA SANTO AMARO
RODRIGO DE BONI
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RODRIGO DE BONI
SUTURAS URBANAS SUTURAS URBANAS SUTURAS URBANAS SUTURAS URBANAS SUTURAS URBANAS SUTURAS URBANAS Pรกg.2
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO APRESENTADO AO CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSIDADE PAULISTA COMO PARTE DOS REQUISITOS PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE ARQUITETO E URBANISTA ORIENTADORA: MARIA CLÁUDIA OLIVEIRA
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DEDICATÓRIA
A todos aqueles que me convenceram que finalizar este curso seria um ato de amor próprio. Aos meus familiares, consanguíneos e por laços de “matrimônio”, que me impulsionaram de encontro ao meu futuro. Para minhas duas almas gêmeas, meus irmãos Gus e Leka. A minha mãe, minha incondicional fã número um. Ao meu pai, meu eterno patrocinador, em corpo e em alma. Aos meus sobrinhos, por alimentarem minha alma de criança. A todos meus professores de História (suas vertentes e desdobramentos), por despertarem minha paixão pelo assunto - em especial Lilian Silva e Herta Franco. A minha psicóloga, Dra. Cleo Menezes, e meu psiquiatra, Dr. Paulo Alberto Siciliano, parceiros da difícil jornada do autodescobrimento. A minha orientadora Professora Maria Cláudia Oliveira, por me guiar através desta tarefa prazerosa, porém hercúlea. Ao Professor Júlio Bernardes, por sua firmeza e sensibilidade, no trato e no traço. À Professora Ana Elena Salvi, por nunca ter desistido de mim. Às amigas Maryangella Sé e Carolina Bertozzi, pelo apoio prático e pelo suporte emocional. Ao meu comparsa e companheiro Cauê Custódio, uma incansável fonte de força, luz, amor e paciência. E a minha natureza curiosa e criativa, alimentada pelos filmes que vi, livros que li e lugares que tive o privilégio de visitar.
SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO_______________________________________09 2. A COMPLEXA TAREFA DE PENSAR A INTERVENÇÃO URBANA_____________13
2.1. Porque devemos repensar nossas cidades?_____14 2.2. A cidade do indivíduo e a cidade coletiva_____18 2.3. Abordando cicatrizes____22
3. O EIXO SANTO AMARO___________29
3.1. Sobre o processo de análise____________30 3.2. Uma breve história do eixo____________32 3.3. Políticas públicas atuais e futuras sobre o eixo Santo Amaro____44
4. O RECORTE_____________________61
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4.1 Definindo a área de intervenção________62 4.2 Desvendando potenciais________68
5. ESTUDOS DE CASO__________79
7. OBJETO DE PROJETO: MIA (MUSEU INTERATIVO DE ARTE) O EDIFÍCIO-ÂNCORA DA QUADRA 03.____________163
5.1 Introdução aos estudos de caso____80 5.2 Inderhavnen______81 5.3 11th Street Bridge Park (Anacostia Crossing)__107 5.4 Centro Comercial Bom Retiro_______114
6. SUTURAS URBANAS: O PLANO DAS 13 QUADRAS______123 6.1 A construção do partido urbano______124 6.2 O partido urbano________________128 6.3 O programa urbano____________131 6.4 Parâmetros básicos de ocupação_______134 6.5 O projeto urbano______________________136
7.1 Conceitos e partido para o MIA_______164 7.2 O programa arquitetônico______168 7.3 O projeto ilustrado: maquetes e croquis____171
8. BIBLIOGRAFIA_______________181 ANEXO. PROJETO ARQUITETÔNICO
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Capítulo 1. INTRODUÇÃO
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Quino, Toda Mafalda
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Como exercício projetual de finalização de curso inserido no universo acadêmico, os docentes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Paulista têm como praxe a sugestão de uma área específica de intervenção para que cada um dos alunos elaborem intervenções particulares. Na conjuntura em que este trabalho foi realizado, os mesmos ofertaram como objeto de estudo o eixo da Avenida Santo Amaro em São Paulo, mais especificamente o trecho ensejado entre as Avenidas Juscelino Kubitschek, ao Norte, e o corredor formado pelas avenidas Vicente Rao e Roque Petroni Junior, ao Sul. Se o início do processo se dá de forma coletiva na determinação da zona a se debruçar, a forma de intervir – estratégias, abordagem, recorte, objeto e projeto – evolui de forma personalista, apoiada na percepção individual das problemáticas da referida área, da análise de seus processos formadores, das variáveis urbanas encontradas e das virtualidades escondidas em sua situação presente. Desta forma, a elaboração da monografia apresentada a seguir tem na sua essência a maneira particular com que se deu a leitura deste espaço e que culminou na gênese de uma proposta arquitetônicaurbanística.
das áreas urbanas que, por alguma razão, tornaram-se subaproveitadas, relegadas, obsoletas. Pra tal, foi imprescindível esquadrinhar as causas e as razões, históricas e teóricas, que permitiram que tecidos como o circunscrito no eixo da avenida e seus arredores imediatos sejam verdadeiras cicatrizes abertas, feridas purulentas que frequentemente se abrem no meio da trama urbana das grandes cidades contemporâneas. Este exercício investigativo, movido pela curiosidade e pelo fascínio em relação ao pensamento urbanístico (uma área de estudo relativamente nova na história humana) foi fundamental para a concepção de um plano de ação, o projeto arquitetônico per se.
interligando os dois lados da avenida; uma estrutura arquitetônica dotada de um plano urbanístico para guiar a nova ocupação para um futuro em que a Santo Amaro permita a escala humana, a adaptabilidade, a escolha, a apropriação e, fundamentalmente, o direito coletivo à cidade. E isto só se dará ao passo em que a proposta esteja alinhada com as possibilidades perdidas do passado, as perceptíveis no momento presente e as imagináveis do futuro, através da aplicação do conceito de maleabilidade (econômica e emotiva). Este último será o conceito condutor não só da concepção do diagnóstico alcançado, mas também do programa e do partido do projeto desenvolvido.
O próprio conceito de “cicatriz” determinou o processo. Como lidar com elas de forma “cirúrgica”? E de que maneira podemos realizar semelhante “operação”, se as “suturas” propostas para curar o “doente” podem estar fadadas a um eventual fracasso, numa sobreposição de “tecidos cicatriciais” resultantes de “procedimentos” ineficazes?
Admito que foi necessária certa dose de coragem e presunção para alcançar um projeto de escala desafiadora, uma estrutura de muitos tentáculos, como uma tarântula que se projeta sobre uma teia de lotes subutilizados voltados Como ponto de partida, adotou-se a bagagem teórica acumulada durante para o eixo: uma série de passarelas elevadas, edifícios multifuncionais, o período universitário a fim de procurar compreender a própria existência unidades comerciais moduláveis e áreas ajardinadas permeáveis intralotes
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Capítulo 2. A COMPLEXA TAREFA DE PENSAR A INTERVENÇÃO URBANA
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2.1 - Porque devemos repensar nossas cidades? “A questão não deveria ser colocada. Tudo muda. No entanto ela está colocada, porque nós estamos ainda bestificados sob o choque: a ideia de cidade oscilou muito no decorrer do século.”
o espaço urbano, como tratar as heranças de outros tempos com outros determinantes, que se propuseram a produzir seus próprios espaços sob a luz de outras ideias que não são mais as nossas? É um exercício que ultrapassa a esfera teórica e profissional daqueles que pensam e constroem a cidade. É a questão urbana, a questão humana. Reinventar, requalificar, construir, intervir. Mas como? Onde? E Por quê?
Christian de Portzamparc, A Terceira Era da Cidade
A questão é complexa. Ao apresentar seu estudo sobre o tema em “Direito à cidade”, Lefebvre corrobora com a afirmação:
Percorra as ruas e avenidas, os prédios, as praças, o construído e o não construído, o cheio e o vazio. As cidades parecem se transformar bem diante de nossos olhos. Rapidamente. Todos os dias. Para onde estamos sendo levados? Quem está guiando esse barco? Estamos satisfeitos com o que vemos?
“O fenômeno urbano manifesta hoje sua enormidade, desconcertante para a reflexão teórica, para a ação prática e mesmo para a imaginação. Sentindo a finalidade da industrialização, a sociedade urbana se forma enquanto se procura”.
O espaço é o palco das interações humanas, A cidade, como testemunha dessas interações, segue seus determinantes. Materializa a sociedade que somos historicamente, tecnologicamente, economicamente, moralmente. A cidade é a concretização do aqui e do agora. Mas esse axioma é incompleto: a cidade é também parte de nossa esfera íntima. Esta diretamente relacionada com quem somos e o que fazemos em nossas vidas cotidianas. Há uma relação bilateral dinâmica entre nós e o espaço que construímos, que percorremos, que vivenciamos. Seja como indivíduo único que somos, seja como grupo. Sendo assim, podemos presumir que a cidade também é, em sua natureza, a concretização do “eu” e do “nós”. Mas as cidades não são fenômenos instantâneos – são sucessões de “aquis” e “agoras”, de diversos “eus” e outros tantos “nós”, que se sucederam incessantemente pela linha do tempo. Se há uma relação intrínseca entre nós e a cidade, porque nos sentimos passivos diante das transformações constantes do panorama destas? Estamos satisfeitos com o que vemos (e vivemos) todos os dias? E se há uma ruptura evolutiva natural entre as gerações que vivenciam
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CIDADE ARCAICA OU CIDADE CLÁSSICA Fontes: https://www.ancient.eu/Greek_Architecture/;
A palavra industrialização pode conotar um ar moderno à problemática, e de fato é um processo histórico que impôs novos paradigmas à construção de nossas cidades e a própria eclosão de uma sociedade urbana. Mas a aventura da construção das cidades humanas, com todas suas peculiaridades e dilemas, se dá desde o início da experiência coletiva do homem em um espaço fixo, um espaço construído para atender as suas necessidades. Lefebvre continua: “(...) a Cidade preexiste à industrialização. Esta é uma observação em si mesmo banal, mas cujas implicações não foram inteiramente formuladas. As criações urbanas mais eminentes, as obras mais belas da vida urbana (...) datam de épocas anteriores à industrialização. Houve a cidade oriental (ligada ao modo de produção asiático), a cidade arcaica (grega ou romana, ligada à posse de escravos), depois a cidade medieval (numa situação complexa: inserida em relações feudais mas em luta contra a feudalidade da terra). “
CIDADE MODERNA OU RENASCENTISTA Fontes: https://londontopia.net/history/
CIDADE MEDIEVAL Fontes: http://jonathanking.co/map-of-strasbourg/;
CIDADE INDUSTRIAL https://humanities.princeton.edu;
Mesmo que o autor utilize o texto aqui destacado para, em sua obra, iniciar o debate sobre os processos urbanos sob a influência da industrialização, podemos nos ater a afirmação de uma forma mais simplista: há uma relação interdependente entre cidade e forma de produção. Para elucidarmos esta questão, basta lembrarmos que a cidade aparece no momento em que o homem domou o campo e não mais precisou percorrer grandes distâncias em busca de fontes de alimento. A estocagem do excedente permitiu ao homem permanecer num mesmo local por longos períodos de tempo. E o tempo foi ferramenta crucial na modificação do ambiente em que o homem escolheu para ficar. Como na história do universo, tempo e espaço são duas faces da mesma moeda: formaram um relacionamento duradouro, mas volátil. Essa abordagem da cidade como palco das relações de produção permeia a obra de diversos teóricos que ousaram se debruçar sobre a questão urbana. Como a evolução histórica das relações de trabalho, das formas de produção e dos processos político se dá de forma complexa e variada em todo o globo, como dar conta de traduzir esses paradigmas sem nos debruçarmos sobre eles de forma demasiadamente longa e pormenorizada? Em seu estudo sobre “a cidade da nova era”, Christian Portzamparc, propõe uma abrangência com escala maior. Para ele a cidade é em sua essência, a cidade da ocupação: a cidade que se desenvolveu ao longo do tempo através do assentamento humano, da sua relação com a rua, com os espaços abertos. É a cidade que se construiu sobre si mesma, num processo catalisador fluido, mesmo que nem sempre harmônico, que abraça as mudanças temporais da natureza de seus determinantes, de seus indutores.
“O design da cidade é (...) uma arte temporal, mas raramente pode utilizar as sequencias controladas e limitadas de outras artes temporais, como a música, por exemplo. Em ocasiões diferentes e para pessoas diferentes, as sequências são invertidas, interrompidas, abandonadas e atravessadas” A pluralidade de estilos e ideias que dialogam concretamente nas cidades, não é indesejável. A imagem da cidade se vale desses recortes de tempo que se sobrepõe e coexistem, que se referenciam entre si. Qualquer um que tenha visitado Roma pode corroborar com essa avaliação: ande por uma rua barroca e encontre uma ruína romana, e depois um prédio moderno, e logo ali uma construção renascentista. A essência de muitas cidades e seu sucesso (seja para os cidadãos que ali vivem, seja para os turistas que ali passam) está na pluralidade, nestas amostras de tempo-espaço. Pra Lefebvre, áreas da urbe que apresentam tais características podem ser inclusive bem mais que apenas uma justaposição arquitetônica, serão de fato espaços de resistência, onde a “obra” perdura, onde é possível a manutenção da verdadeira experiência urbana e seu aspecto essencialmente social. Não obstante, de uma forma geral, sobretudo sob a lógica da indústria, “as sequências são invertidas, interrompidas, abandonadas”. Há um subproduto neste processo: áreas inteiras podem perder seu significado sob uma nova ordem que se forma no horizonte. Ela não tem mais valor, não tem mais uso. Seus prédios foram relegados, suas ruas esvaziadas. São cicatrizes: marcas indesejáveis de uma era que já passou.
A velocidade com que a cidade criou essas cicatrizes, porém, se deu de diferentes formas durante o tempo. Há uma acentuação na rapidez Este processo de constante reconstrução que influi sobre nossas desses processos nas cidades no período pós Revolução Industrial, cidades nunca é abrupto. É dinâmico, mas paradoxalmente onde o espaço se torna parte do mercado ao mesmo tempo em que gradual. Não é um processo de autoconsumação total. A cidade absorve a reprodução da lógica do capitalismo. pode erguer novos prédios sobre o antigo, buscar novas áreas, inchar, se expandir, abandonar o existente ou se sobrepor. É um A produção industrial em larga escala, tomou a cidade para si, processo contínuo, incompleto, que nunca chega a uma síntese estratificando seu espaço de acordo com suas necessidades definitiva. Antes que isso ocorra, todas as cartas são embaralhadas inerentes a sua lógica de produção (mão de obra, matéria prima, e redistribuídas. E gradualmente, mais uma vez, estamos sob novas rede de distribuição, acesso aos recursos naturais). E se o espaço forças transformadoras que buscarão novos determinantes e seguirão disponível na teia urbana não é suficiente adequado para suas novos indutores e a transformação, apesar de continuar, se dará necessidades primordialmente econômicas, a indústria irá de forma diferente. Neste processo de constante autoconsumação manipulá-lo de forma a adequá-los aos seus pré-requisitos. e reinvenção é que tecidos urbanos de caracterticas distintas se sobrepõem - o tempo e o espaço, nas cidades, percorrem a mesma Com a lógica da produção pela máquina eclode também a lógica distancia em velocidades diferentes. Kevin Lynch, em “A Imagem da do capital, em parte atrelado também ao fortalecimento do setor Cidade” resume:
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terciário: dos bancos, dos escritórios, das empresas, dos serviços. Há uma urgência dessas instituições pelo espaço privilegiado – urgência essa que nem sempre poderá ser mensurável. O espaço torna-se também um fetiche, e este fetichismo do espaço opera muitas vezes na esfera do subjetivo. O espaço se estratifica em desejável e indesejável, e se desejo é valor nesta nova ordem, ele torna-se valioso ou desvalorizado. Portanto, como produto resultante da industrialização das cidades, temos um novo fenômeno: a urbanização - um processo simultaneamente autônomo e dependente do seu “progenitor”. “Temos a nossa frente um duplo processo ou, se preferir, um processo com dois aspectos: industrialização e urbanização, crescimento e desenvolvimento, produção econômica e vida social. Os dois ‘aspectos’ deste processo, inseparáveis, têm uma unidade, e no entanto o processo é conflitante” (Lefebvre) Neste contexto, a luta de classes, enquanto parte das “interações humanas” que ocorrem no “espaço”, mesmo não sendo exclusivas da sociedade urbana industrializada, ganha força, como um rio cujas margens se estreitam e a água ganha energia e movimento. E na esteira desta nova dinâmica entre classes, teremos a eclosão da revolução russa no início do século XX e na subsequente expansão do modelo socialista pelo mundo do pós-guerras. O modelo socialista terá em seu cerne a busca pela igualdade entre as classes, e isto inclui, na arena urbana, a subversão das relações entre produção e espaço. Sob estes novos axiomas, a cidade deverá ser funcionalizada e planificada. É o que Portzamparc chamará de cidade da segunda era, no mesmo estudo que já apresentamos acima: “E bruscamente esta cadeia continua foi interrompida. De início com a ideia de arrasar as cidades para então reconstruílas mais vastas e mais distantes (...) as cidades enfim limpas e regulares... Época messiânica de ‘novos tempos’, tempo da industrialização e da revolução soviética. Época onde toda modernidade deveria, como ponto de partida, começar suprimindo o passado. E disso tudo resultaria a cidade moderna.”
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Para atingir esse novo ideal de vida urbana, o socialismo se valerá de preceitos presentes nas vanguardas modernistas. Mas o casamento entre socialismo e tais vanguardas não é monogâmico - outras cidades vão absorver esta lógica e colocá-la em prática. Paradoxalmente, a cidade da tabula rasa será a cidade a ser reconstruída da Europa devastada pela guerra e a cidade em processo de industrialização dos países em desenvolvimento. E sob este novo paradigma distorcido, uma relação disforme entre o modernismo (que pretendia induzir as transformações sociais) e a lógica da estratificação dos espaços impostas pelo capitalismo industrial, que cidades como São Paulo irão desenvolver seus tecidos modernos durante o século XX.
A abordagem proposta por Portzamparc é tão poderosa que devemos então nos conter e nos debruçar sobre ela. Sem receio de soar dramático, é no entendimento deste “X” enigmático que recai todo o pensamento urbanístico. A equação proposta justifica a análise histórica aqui apresentada ao passo que esta é instrumento indispensável para a compreensão dos processos formadores de nossas cidades para extrair algumas conclusões importantes: a cidade é a relação entre produção e espaço, e o espaço enquanto “palco das interações humanas” absorve esta dinâmica. A aceleração deste axioma sob a industrialização teve efeito violento em nossos tecidos urbano uma vez que estabeleceu relação promíscua entre espaço e capital. Os efeitos são dúbios: expandimos e abandonamos, modernizamos, mas esquecemos, críamos o belo, o científico e funcional, mas descartamos o préSem risco de spoilers, é sabido que a revolução socialista, como foi existente no exato momento em que esse não mais nos serve. concebida, ruiu simbolicamente após a queda do muro de Berlim Isto tudo sob a influência de uma nova ordem voraz, subjetiva e em 1989, marcando um retorno ao modus operandi da urbanização- especulativa, que se autoconsome velozmente na busca incessante industrialização. Mas este velha lógica também não será mais pelo novo. a mesma: de um lado, a evolução técnico-científica aplicada às relações produtivas e principalmente à disseminação da informação; Desta forma, havemos de convir que o desenho de nossas cidades do outro as heranças não descartadas da segunda era no tangível urge pela intervenção dos arquitetos e urbanistas em conjunto com ao pensar no espaço – da estética modernista ao direito coletivo os demais agentes que influem dentro de seus fluídos limites. É um compromisso corajoso e improtelável de mitigar os efeitos danoso (como a ocupação dos miolos dos lotes). destas relações de causa e efeito, de cicatrizar as feridas que abrimos em nossos territórios, de criar cidades mais justas, de proporcionar Essa nova lógica da constante construção e destruição, do novo, o direito individual e coletivo às nossas cidades. Mas acharemos a do autofagismo desenfreado dos paradigmas, da volatilidade verdade universal que sobreviverá ao nosso tempo e aos tempos das relações e da individualidade é o que Bauman chamará de por vir? Talvez não, talvez nunca. “Reinventar, requalificar, construir, “modernidade líquida”. É frente a esta nova complexidade que intervir”. Não obstante, há um equilíbrio a ser achado entre utopia nos encontramos, uma nova incógnita a ser considerada pelos e indulgência. E da maneira que abordamos este “X” da questão planejadores de espaço nos tempos atuais. Portzamparc resume: recai o sucesso de nossas intervenções, medido em adaptabilidade ao embate entre tempo e espaço. O que nos deixa ainda com a “Após a cidade pré-industrial e a cidade industrial, as quais mais enigmática das questões: Como? não podem, de modo algum, constituir um modelo teórico para o momento atual, portanto, continuamos obrigados a inventar as formas da cidade contemporânea, da cidade da era das metrópoles, das grandes acumulações materiais, da rede de imateriais e ainda desta dupla herança contraditória: Terceira Era = Primeira Era + Segunda Era + X (X= incógnita atual, os novos dados)”
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2.2 - A cidade do indivíduo e a cidade coletiva.
que a escala da cidade submete-se à escala humana de acordo com seu universo real e imaginário. Esta capacidade da relação inconsciente com o espaço é tão particular ao indivíduo que é por si só uma tarefa demasiadamente desafiadora. Em “A Imagem da Cidade”, Kevin Lynch depara-se com a mesma problemática: Mas funcionam também sob uma efígie um pouco menos tangível – o imaginário.
“A paisagem urbana também é algo a ser visto e lembrado, um conjunto de elementos do qual esperamos que nos dê prazer.”
A esfera do conceito de “imaginário” aplicado às cidades é ampla. Abordemos esta questão primeiramente do ponto de vista histórico. As primeiras cidades humanas foram fruto da estocagem do excedente agrícola, sendo a figura do armazém uma construção central e definidora deste novo espaço. O surgimento Kevin Lynch, A Imagem da Cidade. do armazém implica no controle do seu estoque e, portanto é a gênese das relações política entre os que controlam aquilo que neles estão guardados, os que produzem e os que esperam pela distribuição do que se produziu. Todavia, o controle político deste excedente agrícola logo englobará um elemento subjetivo, “O Outro é que não existe” presente na figura do sacerdote. É o sacerdote que, dotado de poderes religiosos, administra as relações entre armazenagem e distribuição, ou seja, torna-se o responsável pelo acumulo das Jacques Lacan riquezas da comunidade. Este poder lhe é concedido de forma coletiva, fruto de um consenso entre cada um dos indivíduos desta comunidade. A ele é atribuída uma qualidade intangível e Para elucidarmos a questão sobre como podemos intervir em imensurável. Concomitantemente, há valor imaginário atribuído nossas cidades de maneira efetiva, devemos partir do princípio de ao “armazém”, que subsequentemente torna-se o “templo”. que o próprio conceito de efetividade está sujeito ao fracasso. O desenho urbano está intrinsecamente preso na cápsula espaço- A organização especial a partir de crenças religiosas é tema tempo imposta pelos períodos históricos que a sociedade estará extenso e daria por si só uma rica peça de estudo. Mas no inevitavelmente submetida, com toda sorte de implicações que momento devemos nos reter apenas a outro poderoso aspecto estas mudanças podem gerar. A imprevisibilidade da sucessão desta habilidade: a maneira subjetiva que o homem tem em se de “aquis” e “agoras” e a consequente destruição irremediável relacionar com o que está em sua volta e de lhe atribuir valores de suas verdades são capazes de transformar a solução de hoje imaginários. na catástrofe do amanhã. A chave então pode estar no binômio “eu” / “nós”, ou seja, a ligação gravitacional entre o individuo e o A imagem que criamos de nossas cidades está na capacidade de estabelecermos uma leitura prática, mas também emotiva coletivo que o cerca. daquilo que nos circunda. Esta emoção esta conectada ao nível Aqui, como ponto de partida, devemos reconhecer que fomos inconsciente de percepção de cada um, o que implica em uma negligentes até agora ao tentar elucidar de forma completa os gama enorme de condicionantes a serem decifrados (criatividade, agentes responsáveis pela formação da urbe. As cidades podem experiências de vida, bagagem emocional, bagagem intelectual, ser – e são – o resultado das relações de produção e espaço. traumas, só para enumerar alguns). Assim, é assertivo constatar
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“Este estudo tenderá a passar por cima das diferenças individuais, por mais interessante que possam parecer para o psicólogo”. A saída encontrada por Lynch será basear-se num aparente consenso que ele acredita haver em grupos que compartilhem de alguma característica comum. Esta ideia de um fio condutor que nos une (classe econômica, crenças religiosas, etnias, etc.) e que nos agrupa em unidades coletivas menores e, portanto mais fáceis de serem decifradas, pode parecer generalista, mas não é. Lynch faz esta escolha acreditando que está negligenciando em parte nossa individualidade. Mas permitam-me a presunção ao discordar. A ideia de coletividade do inconsciente está presente na psicologia jungiana, mas para nos auxiliar a decifrar a correlação entre individuo e coletivo, usaremos outro célebre teórico da psicanálise: Jaques Lacan. As complexas relações dialéticas entre “eu” e “nós” em Lacan estão em sua vasta análise da figura do “outro” enquanto entidade determinante e determinada do “eu”. O outro (o coletivo) frente ao “eu” (individual) é simultaneamente indutor e induzido. A sintetização desta abordagem está em “O outro é que não existe”, proposição tão enigmática que uma miríade de estudiosos procurou decifrar. Como para nós arquitetos e urbanistas o enfoque é não outro que a compreensão da forma como o individuo se relaciona com o espaço urbano, podemos nos debruçar neste conceito resumidamente para que ele se torne aplicável: - Para Lacan, todas as pessoas com as quais nos relacionamos
são por nós decifradas e entendidas segundo a maneira particular que percebemos o mundo. Assim, a nossa personalidade é o filtro definidor do outro, ou seja, o “outro” é um conjunto de características reconhecíveis para o indivíduo, num constante exercício de rotulagem do “outro” como o reflexo do “eu”. - Nós somos o cerne da construção da identidade do “outro”, mas há um paradoxo: o coletivo influi na nossa própria elaboração interna como indivíduo. O “outro” também é uma entidade individual para si mesmo, o outro também irá nos definir. A interiorização desses significados a nós atribuídos pelo “outro” se dá pela linguagem e pela maneira como o indivíduo a absorve. Desta forma, há uma interessante via de mão dupla entre “eu” e o “outro”, entre o individual e o coletivo. A categorização proposta por Lynch é abrangente, não generalista. Ao estabelecer o “grupo” como unidade de estudo, Lynch coloca também o indivíduo como figura central da percepção do espaço. Não há significado coletivo sem o significado individual porque a estereotipagem ocorre simultaneamente, como dois vetores opostos que não se anulam. A experiência humana do espaço opera nestas duas esferas psicológicas: não há espaço coletivo sem que este esteja estritamente ligado à percepção individual, e vice-versa. A questão da legibilidade coletiva e individual do espaço é abordada assertivamente em “O Eclipse”, de Michelangelo Antonioni (L’Eclisse, Itália, 1962). A fim de enriquecer o debate sobre o assunto, acredito que possamos nos ater um pouco na análise deste filme. A história se desenrola ao redor de dois personagens: Piero (Alain Delon) é um corretor da bolsa de valores em ascensão e é dotado das características que este tipo de atividade econômica atual exige - é ambicioso, agitado, desenvolto; Vittoria (Monica Vitti) é uma mulher do seu tempo, independente, de espírito livre, já inserida com igualdade no mercado de trabalho, mas com carências afetivas que parecem destoar da vida que leva – ela busca o significado no amor. Ambos são romanos, mas Antonioni os insere numa Roma bem diferente daquela cidade clássica, “eterna” que habita o imaginário coletivo. É uma Roma moderna, de edifícios padronizados, de terrenos vazios, de grandes vias, dos ônibus, dos carros, dos semáforos, dos postes de luz, dos poucos
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pedestres. Não há marcos urbanos com características distintas: o cineasta nos priva de quaisquer mecanismos comparativos que nos permita diferenciar esta Roma de qualquer outra cidade contemporânea localizada em qualquer outra parte do mundo É uma Roma em construção, uma Roma que expande seus limites. É nesta Roma, inédita aos turistas (e a nós espectadores) que Piero e Vittoria vão se conhecer, flertar, passear, conversar, se apaixonar, romper. Uma história corriqueira num ambiente familiar. Nos derradeiros instantes finais do filme, Antonioni abandona as personagens e passa 7 minutos filmando espaços: uma esquina com um poço d’água, uma faixa de pedestres, um parque e seu sistema automático de irrigação, um prédio em construção, uma caixa d’água, uma pilha de tijolos. Estes elementos serão reapresentados novamente em outros quadros, mas sob outros ângulos. Vez ou outra, vemos outros personagens que percorrem esses mesmos locais: uma babá passa com um carrinho de bebê, uma carruagem, uma mulher loira que se assemelha a Vittoria, um carro com faróis acessos. Mas o que são esses lugares? O espectador já os viu antes – são os mesmos espaços que foram palco de muitas das interações entre os dois personagens principais durante a história: um pedido de beijo a frente do poço, um flerte tocando o jato d’água que irriga o jardim, uma caminhada apaixonada sobre a faixa de pedestres. Se por ventura você entrasse em uma sala de cinema e só tivesse acesso a estes 7 minutos finais, estes espaços seriam difíceis de serem identificados. Mas para aqueles que acompanharam a história desde o início, cada um daqueles pontos espaciais foi dotado de um significado particular. A estes espaços, propositalmente banais e muitas vezes desinteressantes, foram atribuídas qualidades emocionais individuais, ou seja, a legibilidade de cada um deles foi construída em um nível inconsciente próprio. Eu gostei do filme? Acreditei nas personagens? Emocionei-me ao ver aquele beijo? Envolvi-me naquele encontro? Claro, essa afetividade com cada espaço está, ao mesmo tempo, diretamente atrelada à experiência das personagens. Tanto Piero como Vittoria também possuem suas próprias ligações emocionais com esses marcos. Como internalizamos este espaço – sua legibilidade – está conectada
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Fonte: Imagens extraídas de “O Eclipse”, de Michelangelo Antonioni (DVD de Colecionador, da “Versátil”)
à nossa capacidade coletiva de percebê-los enquanto grupo de espectadores em uma sala de cinema, mas sua gênese se dá simultaneamente na esfera individual da percepção (de cada um dos personagens e de cada um de nós como espectadores únicos que somos). A compreensão destes espaços se dá pela entidade “coletivo” sem sobrepujar a entidade “indivíduo” uma vez que uma depende da outra para ser elaborada. Portanto, legibilidade é conexão, é significado. E a significação é um processo que ocorre na esfera individual e coletiva de forma indissociável. O filosofo francês Gilles Deneuve resume: “Conceito e imagem andam de mãos dadas ao produzir um ao outro; o ‘o conceito como um todo’ não se diferencia sem externalizar-se em uma sequencia de imagens associadas, e as imagens não se associam sem serem internalizadas em um conceito como o todo que os integra.” “O Eclipse” é anterior às teorias defendidas por Lynch presentes em “A Imagem da Cidade”. E não há fontes que corroborem com a ideia de que este tenha sido influenciado por Antonioni na elaboração de sua análise sobre o espaço da cidade, sobretudo quanto aos seus poderes de despertar a imaginabilidade e consequentemente ser dotado de estrutura e identidade. Mas ambos parecem convergir na abordagem: “Imaginabilidade: a característica, num objeto físico, que lhe oferece uma alta probabilidade de evocar uma imagem forte em qualquer observador dado. É aquela forma, cor ou disposição que facilita a criação de imagens mentais claramente identificadas, poderosamente estruturadas e extremamente úteis do ambiente. Também poderíamos
chamá-la de legibilidade ou, talvez, de visibilidade num sentido mais profundo, em que os objetos não são apenas passíveis de serem vistos, mas também nítida e intensamente presentes aos sentidos.” Apliquemos esta conclusão a respeito de “eu” e do “nós” àquilo que esmiuçamos no primeiro capítulo deste estudo. Se a cidade também é fruto da sucessão de “aquis” e “agoras”, seria correto afirmar que essas dois binômios estão conectados como em um sistema binário de duas estrelas de massa e intensidade luminosas iguais. Há uma interdependência entre os dois. As relações produtivas, os fatos geopolíticos, as relações morais estabelecidas por nossos costumes vigentes num ponto do tempo contribuem para elaborar a percepção do coletivo e do indivíduo. E a percepção de realidade presente nestas duas entidades do inconsciente poderá aceitar, moldar, modificar e transformar a história, redefinindo seu rumos, guiando o homem para aquilo que “está por vir”. Vejam: a figura do armazém e do templo avançaram pela história acompanhando a evolução conjunta entre esses dois binômios, entre essas duas “estrelas”. As igrejas, as pirâmides, os arranha-céus, as praças, as torres, as casas, as fortificações, as ruas e as avenidas: tudo evoluiu através da percepção individual e coletiva do espaço inserida em um contexto econômico, social, tecnológico e histórico. Aí está o “X” proposto por Portzamparc. Seríamos prepotentes ao nos arriscarmos a resolver a equação? Poderia então “X” ser o equivalente a uma relação proporcional entre “aquis/agoras” e “eu/nós”? Aceitar esta afirmação parece clarear nosso horizonte de possibilidades no tocante às maneiras de intervir em nossas cidades, mas ainda não elucida de forma completa a questão de como fazê-las. Tentemos a seguir.
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2.3 - Abordando cicatrizes “Há necessidade de explorar tão longe no futuro, de explorar o horizonte dos horizontes”? Henry Lefebvre, Direito à Cidade Admitimos anteriormente que a construção de nossas cidades é influenciada por um sistema binário entre forças históricas e relações sociais individuais e coletivas regidas pelo espaço-tempo. Porém, essa evolução continua pode ser fácil de generalizar em retrospecto por historiadores, mas se dá na prática de forma fluída - não há fronteiras visíveis entre passado, presente e futuro. Esta sobreposição temporal é visível no tecido urbano, na sobreposição de estilos, formas e funções. Na sociedade industrial este processo se acelera: o “sólido” não mais se “desmancha no ar” – ele se “liquidifica”. Pensar naquilo que está por vir é um esquizofrênico exercício de futurologia, não obstante é papel do arquiteto-urbanista confrontar-se com esse desafio ao intervir nas cidades. Como ponto de partida, recorramos novamente a Lefebvre em “Direito à Cidade”:
“Orientar o crescimento na direção do desenvolvimento, portanto na direção da sociedade urbana, isso quer dizer antes de mais nada: prospectar as novas necessidades, sabendo que tais necessidades são descobertas no decorrer de sua emergência e que elas se revelam no decorrer da prospecção.”
público como um todo é uma qualidade difícil de mensurar. Significa que, no momento de sua concepção, ele deve admitir em seu desenho que a verdade de hoje será inevitavelmente dissolvida no futuro. Nossas cidades estão cheias de exemplos de edifícios que se renovaram e hoje abrigam outros usos que não aqueles a quais foram destinados inicialmente. O Museu do Louvre, em Paris, por exemplo, foi inicialmente concebido como fortaleza no século XII, tornou-se residência real oficial da corte francesa e, quando esta se mudou para Versailles no final do século XVII, ele foi incumbido de ser a sede das diversas Academias Francesas relacionadas às artes. O Louvre não previu a Revolução Francesa, porém sua importância histórica e forte ligação com o imaginário de seu povo não permitiram que ele fosse relegado: o Louvre é hoje o mais célebre dos museus e sua visitação é pública. A estação Julio Prestes em São Paulo não foi concebida como sala de espetáculos, fora construída para transportar sacas de grãos e café vindos do interior paulista e do norte paranaense para a capital. Seu arquiteto, Cristiano Stockler das Neves, não poderia prever o declínio da produção cafeeira, a industrialização da cidade e a preferência das políticas públicas pelo transporte rodoviário. Seu prédio foi abandonado e posteriormente restaurado. Seu uso foi então parcialmente modificado: a antiga estação é atualmente o lar da Sala São Paulo, importante palco da música erudita brasileira. Apesar de ambos serem casos pungentes de renovação e requalificação, eles não podem ser balizadores na busca pela adaptabilidade. São edifícios que pertencem a uma família cujas intervenções sofridas (renovação, requalificação, restauração, mudança de uso) foram fruto de sua importância enquanto patrimônios públicos, enquanto referências histórico-arquitetônicas para as cidades onde estão inseridos e, consequentemente, para a identidade de suas respectivas sociedades. As transformações sofridas por edifícios desta natureza têm na maioria das vezes o poder público como fiador. Estabelecer tais espaços como exemplos acarretaria numa afirmação errônea de que todos os edifícios, para serem maleáveis, devem ser concebidos como patrimônio histórico em potencial. Isto, por si só, é ridículo. Um espaço pode ser concebido para ser um marco em nossas cidades, porém esta qualidade não é essencial para seu sucesso futuro.
Desta2z forma, o exercício de intervir em nossas cidades deve simultaneamente ser orientado pelas possibilidades que se levantam no horizonte do desenvolvimento (tecnológico, econômico, social) e levar em consideração o surgimento de outras novas, ainda não concebidas. O desenho urbano ou o desenho arquitetônico proposto deve ser primordialmente Para atingir a já referida “maleabilidade”, o espaço deve se conectar maleável, adaptável. A adaptabilidade de um edifício ou de um espaço de forma elástica com os conceitos que abordamos nos capítulos
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ele deve trabalhar junto ao imaginário da sociedade urbana (“eu”/”nós”) ao mesmo tempo em que compreende as relações entre produção-espaço que ocorrem no tempo atual e suas possibilidades futuras (“aquis”/”agoras”).
anteriores:
Lynch compreende a necessidade desta conexão emotiva “elástica” entre usuário e espaço. Ao debater este tema (o qual, como visto anteriormente, ele denomina “imaginabilidade”) ele escreve:
“O conceito de imaginabilidade não conota, necessariamente, alguma coisa fixa, limitada, precisa, unificada ou regularmente ordenada, embora às vezes possa possuir tais qualidades. Também não significa evidente a um relance, óbvio, ostensivo ou explícito. O ambiente total a ser modelado é extremamente complexo. (...) Um ambiente bonito tem outras propriedades básicas: significado ou expressividade, prazer sensorial, ritmo, estímulo, escolha. Nossa concentração na imaginabilidade não nega a importância delas. Nosso objetivo consiste apenas em levar em conta a necessidade de identidade e estrutura em nosso mundo perceptivo, e ilustrar a relevância especial dessa qualidade para o caso específico do espaço urbano, complexo e mutável.” Portanto, o espaço capaz de conectar-se ao espectador deve evocar conjuntamente (parafraseando Jane Austen) razão e sensibilidade. Deve ser legível e ao mesmo tempo complexo. Deve ser aprendido e reaprendido levando em consideração as experiências em níveis sensoriais diferentes. Deve ser capaz de conectar-se com diversos usuários em diferentes esferas do consciente e do inconsciente. Todavia, a ideia de conexão deve admitir que será reformulada no transcorrer do tempo. O espaço deve proporcionar a escolha. Vá ao Ibirapuera, em São Paulo, em um domingo ensolarado. Dirija-se a marquise. Esta laje-cobertura foi projetada por Oscar Niemeyer na década de 1950 para conectar os equipamentos culturais distribuídos pelo parque. Mas talvez o que menos você verá serão pessoas se deslocando entre esses
edifícios, você será testemunha de uma variedade de atividades sendo executadas sob esta laje: alguns skatistas e patinadores ensaiam manobras, famílias andam de bicicleta, pessoas tiram fotos dos grafites e das obras de artes ali espalhadas e grupos de adolescentes se reúnem em rodas para conversar. Vez ou outra alguém toca um instrumento e um grupo de espectadores se amontoa para escutar. A marquise é a síntese do parque: há uma variedade de idades, gêneros, classes sociais neste mesmo espaço. A escolha que cada usuário faz sobre como desfrutar do mesmo espaço é peculiar ao seu gosto individual ou àquele do seu pequeno grupo. E no momento em que esses diferentes usos são sobrepostos, a marquise ganha uma imagem coletiva.
Claro, a marquise do Parque Ibirapuera, até o momento, nunca foi fruto de nenhum projeto de renovação urbana, mas aqui ela serve de exemplo para nos mostrar que o espaço que proporciona lazer é um espaço que possui grande probabilidade de conectar pessoas, proporcionando experiências diversas e induzindo a conexão através da emoção. Porém, muitos dos projetos que eclodiram pelo mundo a partir de meados do século XX e quem se propuseram a intervir em cicatrizes urbanas recorreram a outros artifícios além deste.
transformaram um velho navio em museu, removeram o estacionamento de veículos para dar lugar aos pedestres, restauraram os edifícios e suas fachadas coloridas. As modificações pontuais trouxeram uma gama de novas atividades econômicas para o canal: restaurantes, bares, escritórios, lojas e ateliês. Esta miríade de atividades trouxe turistas e moradores locais para comprar, passear, comer, contemplar, descansar. Alguns ali trabalham outros ali residem. Nyhavn passou por pequenas alterações, de desenho urbano a políticas públicas, para atingir uma transformação muito mais ampla: a renovação do seu uso, a reconexão com a cidade e seus usuários, Peguemos outro exemplo: o porto de Nyhavn, em Copenhague. Um a construção de novas realidades para novas necessidades. É um espaço aglomerado de piers, armazéns, estabelecimentos ligados às atividades que permite escolhas: a escolha da atividade econômica exercida em seus portuárias, prostíbulos e bares para marinheiros funcionavam ali desde que domínios e a escolha das atividades exercidas pelo pedestre. o canal fora aberto no século XVII. Outrora um espaço vital economicamente para a cidade, o porto tornou-se obsoleto com a chegada de novas embarcações de maiores proporções usadas no comércio internacional. Para reverter a situação de abandono, uma série de medidas foram tomadas pela prefeitura da cidade a partir dos anos 1970, incentivada por uma sociedade civil formada para preservar a memória do porto, para revitalizar a área: Porto de Nyhavn no final do século XVI. Fonte: https://www.arcticfriend.com/copenhagen-stopover/
Fonte: https://parqueibirapuera.org/ ESPAÇO CONSTRUÍDO
CONEXÃO COLETIVA CONEXÃO INDIVIDUAL
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Porto de Nyhavn em 2017. Fonte: Arquivo Pessoal
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Assim como a marquise do parque paulistano, a maleabilidade de Nyhavn está atrelada à sua capacidade de permitir a constante renovação de conexões emotivas (o que poderíamos chamar de “maleabilidade emocional”). Todavia, o projeto de Nyhavn conta, devido às particularidades do espaço, com outro tipo de maleabilidade: a econômica. Mesmos pertencentes à esferas distintas, essas propriedades tem um denominador em comum, a escala humana.
internacionalização da cidade em que estão inseridos. Tornam-se grandes marcos, importantes cartões-postais.
o espaço deve ser produzido de forma a adaptar-se a ambos de forma elástica (maleabilidade econômica e maleabilidade emocional).
A proporção que projetos de intervenção urbana irá atingir é obviamente difícil de prognosticar. Mas estratégias para assegurar que o desenvolvimento local será preservado podem ser adotadas para evitar que os munícipes inicialmente atingidos pelas melhorias propostas sejam posteriormente relegados e mesmo expulsos da área renovada.
3. As imagens das cidades são criadas nas relações dialéticas entre consciente e inconsciente, coletivo e individual, razão e sensibilidade. Essas relações se modificam ininterruptamente, e o espaço deve proporcionar a constante reconstrução destas imagens. Isto se dará através da conexão e reconexão do usuário, permitida através da escolha.
O High Line Park em Nova York, por exemplo, foi concebido sob a premissa de revitalizar uma antiga via férrea desativada e entregar um espaço de lazer de qualidade aos moradores da área degradada ao entorno. O sucesso do projeto foi tão grande que o parque suspenso rapidamente tornou-se um dos principais pontos de visitação da metrópole norte-americana. A gestão do parque, porém, procura preservar sua relação com a comunidade O plinth deve ser capaz de “abraçar uma grande variedade de lindeira ao empreendimento: muitos dos moradores em situação de funções, inclusive funções sociais e habitação no andar térreo”, vulnerabilidade são empregados na manutenção do parque e cursos assim os autores determinam assertivamente que ele deve ser capaz de jardinagem, botânica e gestão de espaços verdes são oferecidos de adequar-se aos futuros gêneros de atividades que posam vir a a esta população. Além disso, para mitigar o impacto do grande existir. Esta capacidade é fundamental para a sobrevivência do nível fluxo, regras específicas para emissão de ruídos foram criadas para do térreo, e por conseguinte será determinante para a construção da preservar o conforto dos prédios adjacentes. identidade do usuário com a rua. Este raio de influência do térreo se estenderá também ao edifício como um todo (pavimentos superiores), Fundamental será agora sumarizar as conclusões extraídas desta uma vez que os benefícios da conexão entre pedestres e ruas breve análise teórica, uma vez que ela servirá de fio condutor, podem acarretar em espaços mais bem cuidados, com maior fluxo juntamente com a análise específica da área, para a elaboração de de pessoas, seguros e agradáveis. Estas consequências poderão ser um projeto de intervenção. Sendo assim, concluímos: mensuráveis economicamente pelos proprietários dos lotes urbanos e é ai que a estratégia dos plinths atinge um ponto importante: ela 1. Ao abordarmos cicatrizes urbanas em nossas cidades, devemos compreende a monetarização do espaço urbano e a força do poder compreender a gênese de sua instalação sobre o tecido urbano, privado (mercado imobiliário, empresas, escritórios, etc.) e não as ou seja, em que ponto esta determinada porção da cidade falhou ignora. Entendendo o alcance destes interesses na criação dos ao tentar atender aos determinantes históricos e econômicos espaços, ela cria uma mola amortecedora entre o direito social ao que influem no espaço urbano e aos determinantes oriundos das espaço e a possibilidade de lucro privado. Há uma negociação entre relações individuais e coletivas com o espaço. Lembremos sempre essas duas forças. que as relações homem-espaço estão em constante mutação e que entender a história destas iterações, suas possibilidades atendidas e O equilíbrio entre essas forças não é fundamental para o êxito de aquelas que não se concretizaram, nos fornece pistas e armas para um projeto de intervenção urbana, mas é desejável. Muitas vezes, lidar com situações futuras. projetos desta natureza terão como consequência a gentrificação do espaço. Numa escala maior, alguns projetos extrapolam a escala 2. Os binômios “aquis/ágoras” e “eu/nós” são interdependentes, metropolitana com o intuito de servirem como indutores de uma gravitacionando entre si através do espaço-tempo. Consequentemente,
4. A cidade é uma sobreposição de escalas, mas ela funciona primordialmente na escala humana. Ao adotar a escala humana no desenho urbano e arquitetônico, estamos garantindo o direito coletivo à cidade, portanto defendendo sua premissa fundamental.
A capacidade de adaptar-se e conectar-se ao usuário a partir da escala humana é inerente à cidade que experimentamos ao nível dos olhos. Em seu livro-estudo open-source “Cidade ao Nível dos Olhos”, Karssenberg, Laven, Glasser e van ‘t Hoff sugerem que esta experiência começa no nível térreo do edifício, o que eles chamam de plinth: onde dentro e fora negociam, onde o público encontra o privado, onde o coletivo e o individual convergem no nível econômico e emocional.
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5. O desenho urbano deve permitir a amortização das forças conflitantes que nele atuam, e sua capacidade de negociação entre elas estará atrelada a sua capacidade de compreendê-las e de se reinventar através do tempo. Podemos sintetizar, portanto, que a variável “X” proposta por Portzamparc pode ser solucionada não por uma formula matemática, mas por um diagrama, onde “aqui/agoras”, “eu/nós” e “espaço/tempo” devem ser considerados como parte intrínseca de um mesmo processo que determina a formação de espaços, e a abordagem mais assertiva de considerá-los é admitindo que são fundamentalmente mutáveis. Sendo assim, devem todos estar dotados de “maleabilidade”.
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Capítulo 3. O Eixo Santo Amaro
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3.1. Sobre o processo de análise Conforme dito anteriormente, este exercício acadêmico propõe como área de análise e intervenção o eixo da Avenida Santo Amaro da capital paulista, especificamente no trecho circunscrito entre a Avenida Juscelino Kubitscheck (no Itaim Bibi), ao Norte, e o corredor composto pelas avenidas Vicente Rao e Roque Petroni Junior (no Brooklin), ao Sul. Partindo deste eixo, será necessário determinar um recorte de interesse e apresentar uma proposta projetual de intervenção urbana. Para isso, nos separaremos um pouco da análise teórica, mas sem relegá-la: ela será indubitavelmente a fonte inspiradora para a elaboração dos conteúdos dos capítulos por vir. Mas será necessário adotar uma abordagem mais específica para seguirmos adiante. Neste capítulo, através de uma breve análise histórica da região, do entendimento das suas relações físicas e subjetivas com o macro contexto urbano onde está inserida e da apresentação das políticas públicas passadas, presentes e futuras que nela incidem, pretende-se chegar a uma área menor, o tal “recorte” referido acima, que se tornará o palco da intervenção a ser elaborada. Este recorte do tecido do eixo poderá até ser determinado por certas qualidades subjetivas, sendo sua própria definição atrelada a uma preferência personalista deste autor. Porém, deverá contar impreterivelmente com uma justificativa que seja fruto de um diagnóstico, e este último só poderá ser atingido através do cruzamento das análises previamente listadas.
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3.2 - Uma breve história do eixo “A história de uma cidade não somente uma cotribuição ao conhecimento do passado, que vai aumentar o patrimônio das lembranças históricas, mas que permite também considerar o presente numa perspectiva correta, e ajuda a projetar melhor - com maior consciência e responsabilidade – o futuro do ambiente urbano” Leonardo Benevolo, na Apresentação de São Paulo, Três Cidades em um Século de Benedito Lima de Toledo.
Abordagens distintas foram adotadas por diferentes autores para tentar traduzir as mudanças dinâmicas que influíram sobre São Paulo no transcorrer do tempo. Estes historiadores fragmentaram a trajetória da cidade de forma a estabelecer momentos distintos em seu processo de urbanização. Benedito Lima Toledo propôs uma classificação em três tempos: cidade colonial, metrópole do café e cidade atual. Nelson Goulart, assim como o prefeito-urbanista Prestes Maia, dividirá a linha cronológica em quatro tempos, mas o fará seguindo características fisionômicas (cidade de taipa, cidade europeia, cidade moderna, metrópole) enquanto o segundo enxergará rupturas atreladas aos períodos significativos da administração urbana (João Teodoro, Antônio Prado, Raimundo Duprat e ele próprio). A partir da visão de Maia, Cândido Malta Campos irá propor igualmente uma análise balizada pelos ciclos administrativos, mas através de intervalos mais pormenorizados. Independente da metodologia, observamos que as transformações urbanas transcorridas em São Paulo foram de intensidade ímpar, e qualquer estudo que se elabora com a premissa de se debruçar sobre elas precisa fazê-lo com minúcia. Como este não será o objetivo fundamental deste trabalho, a abordagem sobre a história da cidade será sintética, com o intuito de facilitar a aplicação das informações ao eixo de interesse e ao recorte proposto para a intervenção. Recomendo, porém, a qualquer arquiteto-urbanista que
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se proponha o desafio de intervir em São Paulo, ter uma ou duas dessas obras como seus livros de cabeceira.
O Monumento as Bandeiras, de Brecheret, em São Paulo. Fonte: Arquivo Pessoal
Quando os bandeirantes, acompanhado dos padres jesuítas, venceram a transposição da Serra do Mar vindos do litoral, estabeleceram, em 1954, um povoado em uma colina alta e plana ensejada entre três cursos d’água: os rios Tamanduateí, Tietê e Anhangabaú. A partir da construção do colégio de taipa com o intuito de catequizar os índios da região, surgiu então um povoado no planalto, que ganharia importância por sua localização estratégica entre a cadeia montanhosa vizinha à costa e o interior do território.
A privilegiada posição do modesto assentamento colonial levaria São Paulo a almejar voos maiores quando no início do século a cidade já se projetava como importante entreposto comercial, resultado do fluxo de pessoas e mercadorias entre o porto de Santos e o interior do estado, região já importante para a agroexportação nacional. Até este momento, porém, a ocupação da vila se restringia ao terreno original, acompanhando suas curvas de nível conforme preconizava o modelo português de loteamento (que difere do modelo hipodâmico da America Espanhola). Além desse miolo central, havia apenas uma rede de chácaras e sítios isolados, cujas vocações agrárias estão apenas em sua nomenclatura, conforme define Lima de Toledo: Pátio do Colégio, construção inicial da ocupação jesuíta em São Paulo. Fonte: Arquivo Pessoal
“(...) Essas propriedades eram moradias desafogadas e implantadas em meio a pomares e densos arvoredos. Uma forma de viver nem urbana, nem rural, ou conciliadora entre ambas.”
Mapa do município de São Paulo em 1842. Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo (disponível em http://www.arquivoestado.sp.gov.br). Pág.33
O Campos Elíseos na década de 1880 – primeiro endereço da elite paulistana. Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo (disponível em http://www.arquivoestado.sp.gov.br). No final do século XIV e início do século XX, a cidade agregou suas vocações comerciais ao sucesso do cultivo do café no Estado. Esta nova variável econômica mudaria a aura provinciana da cidade e novas ambições foram almejadas pelo poder público para a até então “capital caipira” do Estado. Assim, quando este passou a planejar e impulsionar o crescimento do núcleo da cidade, foi necessária uma nova ótica modernizadora sobre o espaço em que a cidade estava assentada.Fundamental então foi o emprego do conhecimento técnico para se debruçar sobre as características topográficas e hidrográficas do terreno circundante. O ímpeto da expansão procurou transpor a sucessão de vales, rios, várzeas, colinas e charcos. A primeira dessas importantes obras de engenharia foi o viaduto do Chá, inaugurado em 1862, que permitiu que a cidade vencesse o vale do Anhangabaú e promovesse o desenvolvimento da colina vizinha a Oeste, o hoje chamado “centro novo”. A visão de uma geografia a ser transposta e adaptada aos impulsos da cidade que crescia foi um ponto decisório na maneira como São Paulo se espraiou pelo planalto. Se no início vales, seus córregos e suas várzeas foram atravessados por pontes, com a onda higienista e sanitarista que mais tarde influi sobre os rumos da cidade, os cursos d’água foram canalizados e deram lugar às estradas e avenidas. Se esses foram, na época da colônia, os caminhos que levavam os bandeirantes à exploração do interior, agora se transformavam nas veias irradiadoras da cidade que crescia. Simultaneamente, ocorreu a estratificação do terreno paulistano tendo os rios como norteadores. As elites ligadas à cultura do café procuraram os pontos mais altos, menos alagadiços, e, portanto mais salubres, para se instalar – primeiramente o bairro de Higienópolis, no fim da década de 1880 e posteriormente no espigão da Avenida Paulista (principalmente no início do século XX). As várzeas, principalmente dos grandes rios – Tietê e Tamanduateí - foram ocupadas pelas camadas menos abastadas da sociedade da capital.
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A Avenida Paulista, em 1907. Fonte: Arquivo Barra Funda (disponĂvel em http://www.saopauloantiga.com.br).
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Após a década de 30, o declínio da cafeicultura nacional, gerado pela Imagem aérea de 1958 da região central, várzea do Carmo e zona queda do preço da saca no mercado internacional, foi o estopim para industrial do Brás e Mooca. Fonte: http://www.geoportal.com.br/ que a elite paulistana investidora nesse setor empregasse seu capital memoriapaulista nas atividades industriais. Foi um fenômeno de velocidade ímpar, que emulou os processos de industrialização das cidades europeias do início da era moderna, onde o investimento nas atividades fabris também foi resultado da transferência do excedente financeiro da atividade agrária, da manufatura e dos serviços inseridos na cidade (bancários, comerciais, etc.). E esta guinada produtiva rapidamente materializou seus novos condicionantes no tecido urbano, guiando a cidade às novas possibilidades e às novas frentes de expansão (sobretudo do tecido urbano). Isto é percebido diretamente com o processo de instalação das plantas das fábricas, que se daria nos terrenos disponíveis mais baratos próximos às várzeas do Tietê e ao leste da várzea do Carmo (atual parque Dom Pedro I), guiando a cidade à novos limites territoriais. A industrialização não só trouxe novos paradigmas na organização do espaço, mas também novos condicionantes de crescimentos, Sendo estes últimos diretamente ligados a uma série de inovações tecnológicas que surgiram intrínsecas a este processo: a instalação da rede de energia e iluminação pública, a rede de bondes e as ferrovias. Claro, como vimos anteriormente, essas novas relações produtivas impostas pelo sistema industrial acabaram por interferir na produção espacial da cidade, bem como nas relações sociais de seus habitantes, seja na macroesfera dessas interações (relações de trabalho, choque de classes) como na microesfera (inter-relações cotidianas). Como elementos indissociáveis que são, o vetor resultante desta equação impôs nova lógica e nova velocidade aos processos de urbanização de São Paulo. Seria de grande valia se pudéssemos abordar a cidade que emergiu sobre esse prisma de uma forma generalizada. Mas como demanda o transcorrer do presente estudo, será necessário que voltemos nosso foco a uma área específica, o eixo do estudo, o corredor da Avenida Santo Amaro. Mas antes de inseri-lo no contexto da era da São Paulo em processo de industrialização, será preciso um breve retrocesso cronológico.
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Imagem de satélite da mesma região em 2019. Fonte: Google Earth.
Na órbita da então incipiente capital do Estado, algumas vilas se desenvolviam seguindo percursos distintos. Entre algumas dessas dezenas de pequenas centralidades encontrava-se a aldeia de Jeribatiba, ao sul do Córrego da Traição (atualmente canalizado sob a Avenida dos Bandeirantes). A história do pequeno povoado tangencia a da capital: seu assentamento se deu igualmente pelo plano dos jesuítas, capitaneados pelo Padre Manuel da Nóbrega, em converter os indígenas do planalto ao catolicismo. O alto contingente de nativos “atendidos” pelo projeto dos jesuítas levou o Padre José de Anchieta a determinar o estabelecimento de um povoado fixo e a construção de uma capela própria. O crescimento deste núcleo elevaria a então pequena aldeia ao status de freguesia em 1686, já sob a alcunha de Santo Amaro. O inchaço populacional da região deu-se com relativa independência da dinâmica da capital vizinha, sobretudo com a instalação de colonos alemães que se estabeleceram na região à época do final do Primeiro Reinado de Dom Pedro I. A conexão entre os dois núcleos se dava através da Estrada de Santo Amaro, rota que surgia do prolongamento da Avenida Brigadeiro Luis Antônio vinda do Largo dos Piques (atual Largo da Memória) e partia em direção ao sul, até o Largo 13 de Maio.
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Mesmo em rota de colisão, a conurbação dos dois tecidos distintos se dava de forma tímida. Talvez esse termo possa parecer exagerado, mas se compararmos à velocidade com que a capital se apropriava dos terrenos circundantes ao centro histórico e adensava este primeiro, a ocupação e o loteamento das chácaras entre Santo Amaro e São Paulo não apresentavam semelhante entusiasmo. Mas alguns fatores que estavam por vir mudariam este cenário.
A conexão entre São Paulo e Santo Amaro (em vermelho) e o limite entre os municípios (em amarelo) sobreposta em imagem de satélite de 2019. Fonte: Google Earth.
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O pungente impulso da industrialização que mais tarde influiu sobre a capital espraiar-se-ia para as vilas satélites, como Santo Amaro. Frente ao inchaço e aos novos e desafiadores paradigmas de urbanização, foi necessária a aplicação de técnicas modernizadoras. Num segundo momento, a solução técnica enveredou para um novo olhar, até então inédito em sua concepção, o urbanismo. O planejamento e a ordenação do crescimento da cidade estiveram presentes nas administrações da primeira metade do século XX, que se propuseram a traçar modelos para a ocupação, solucionar problemas já existentes e pensar nos espaços públicos e nas futuras frentes de crescimento. O mais célebre destes planos talvez tenha sido o Plano de Avenidas desenhado por Prestes Maia, elaborado entre as décadas de 1920 e 1930. À época de sua elaboração, São Paulo e Santo Amaro ainda eram duas municipalidade distintas, mas o modelo teórico já incluía o eixo da Avenida Brigadeiro Luís Antônio - Estrada Santo Amaro como via radial essencial.
O Plano de Avenidas de Prestes Maia (croqui e modelo esquemático). Fonte: LIMA DE TOLEDO, B. Prestes Maia e as Origens do Urbanismo Moderno em São Paulo. 1ª Edição, São Paulo: Ed. ABCP, 2005.
Mapa SARA de 1930 mostra o limite entre São Paulo e Santo Amaro. Fonte: Geosampa.
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Constatar a importância de Santo Amaro para o macroplanejamento da incipiente Grande São Paulo não justifica por si só o processo peculiar da anexação deste município à capital. Afinal, outras municipalidades sofreram o mesmo processo de conurbação. Alguns historiadores atribuem o fato à instalação do Aeroporto de Congonhas nos limite de Santo Amaro. Com a ocupação do Campo de Marte na Revolução de 1932, uma das medidas do Estado Novo de Getúlio Vargas foi proteger o acesso à cidade de São Paulo por via área, anexando o equipamento à cidade e, consequentemente, determinando a inclusão de todo o município de Santo Amaro sob a administração da capital. A anexação administrativa não encerra a cronologia da ocupação entre São Paulo e Santo Amaro (longe disso!). A história da dinâmica entre essas duas áreas passaria por outros momentos determinantes até culminar no padrão de ocupação que encontramos no presente momento. O crescimento da capital acarretaria em novas relações com o parcelamento do solo que teriam caráter mais subjetivo se comparado àqueles que atrelaram valor aos lotes no inicio da industrialização. Novos empreendimentos estavam agora não só conectados à posição geográfica, mas a elite procurava terrenos mais afastados da vida agitada do centro e das zonas fabris. Dentre algumas destas novas frentes de crescimento, destaca-se aquela que incide diretamente sobre a nossa área de estudo: a irradiação da ocupação do espigão da Paulista rumo aos charcos que se estendia do seu sopé até as várzeas do Rio Pinheiros. Um desses empreendimentos foi a instalação do Jardim América pela Companhia City em 1929, bairro planejado projetado por Barry Parker e Robert Urwin, empregando a estética elaborado por Ebenezer Howard em seus estudos teóricos sobre a cidade-jardim em “Cidades jardins do Amanhã”.
O loteamento do Jardim America, de Urwin e Parker, para a Companhia City em 1929. Fonte: MALTA CAMPOS, C. Os Rumos da Cidade: Urbanismo e Modernização em São Paulo. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2002
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Há uma característica emblemática no empreendimento do Jardim America: ele personifica uma nova maneira de precificar o solo da capital. O valor do terreno não está mais simplesmente ligado à topografia e a hidrografia, mas se estabelece uma estratificação dos lotes por status, um conceito por si só subjetivo e imposto por um fenômeno que hoje consideramos corriqueiro: a especulação imobiliária. Este fenômeno tem no seu cerne a criação de características imaginárias para o parcelamento e a ocupação do solo da cidade, ou na transformação do valor de uso do terreno em valor de troca (Marx). O mercado influi quase que de forma independente com o tecido natural onde a cidade esta inserida, criando novos condicionantes “geográficos”, atrelados à um gradiente de novos paradigmas (localização privilegiada, equipamentos disponíveis, vantagens locais, acesso à circulação e serviços, beleza do entorno, etc.) a serviço da possibilidade de comercialização. Em suma, o mercado influirá nos rumos da cidade ao passo que forja conexões imaginárias com seus possíveis compradores. É sob esta influência que a cidade se espraia para o quadrante sul-sudeste, e que aglutinará por consequência nosso eixo de estudo. Primeiramente, podemos focar na ocupação do lado leste da Avenida Santo Amaro. Se os bairros do Campo Belo e do Alto da Boa Vista já eram concentrações oriundas do adensamento do núcleo original do antigo município de Santo Amaro, fruto principalmente do adensamento de imigrantes alemães (como supracitei), a ocupação das glebas pertencentes às áreas dos bairros atualmente chamados de Vila Nova Conceição e Moema só se deram com força a partir da década de 50, com a instalação do Parque Ibirapuera. O assentamento do parque sobre o outrora lamacento terreno ao redor do Córrego do Sapateiro foi concebida como parte das comemorações do quarto centenário da cidade. Seu side effect como puxador do crescimento através do interesse das classes mais abastadas, porém, se deu com mais força nas décadas de 80 e 90, com o estabelecimento em massa de uma nova classe média com alto poder aquisitivo proveniente das atividades econômicas terciárias.
A construção do Ibirapuera, na década de 1950
A construção do Ibirapuera, na década de 1950. Fonte: Folha/Uol (disponível em www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2014/08/1500934parque-ibirapuera-faz-60-anos-veja-momentos-e-curiosidades.shtml)
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O bairro do Itaim Bibi, no quadrante oeste desta equação, também começou a eclodir sob a influência dos bairros Jardins (América, Europa, Paulista e Paulistano) que se aproximavam cada vez mais da várzea do rio Pinheiros. A abertura da Avenida Brigadeiro Faria Lima em 1960 e a finalização das obras das Marginais, na década de 1970, aprofundaram a tomada desta região, sobretudo pelos edifícios de escritório, que se instalaram em decorrência da “boa localização” decorrente das melhorias viárias. A aglomeração das atividades terciárias atraiu gradativamente as classes mais abastadas, num adensamento predial intenso. A Vila Olímpia, por sua vez, serviu como uma extensão desta ocupação inicial do Itaim, e sua verticalização se deu mais intensamente no final da década de 1990 e início de 2000. Porém, se as glebas do Itaim ainda eram fruto do parcelamento das chácaras que ali se encontravam, o processo da Vila Olímpia se deu mais pela substituição da ocupação residencial de baixa intensidade pelas torres de escritório. Isto se deu de tal forma veloz que os arruamentos entre os espigões permanecem em sua maioria ainda subdimensionados, como se voltados ao uso predecessor. Mesmo inserida no meio desse vertiginoso processo, a Avenida Santo Amaro permaneceu com suas características de corredor de ligação, de uma distribuição do tráfego entre o centro de São Paulo e o bairro de Santo Amaro ao sul, mesmo que agora sobre ela insidia a responsabilidade de alimentar os bairros altamente adensados em suas imediações. O parcelamento do solo adjacente nunca chegou a admiti-la como parte integrante de seus processos distintos. A antiga estrada pareceu ser duplamente excluída do processo de industrialização e urbanização da cidade (ou da dialética resultante Anúncios para comercialização de lotes da Estrada de Santo Amaro de 1948. Fonte: GIESBRECHT, R. Breve História da Brigadeiro e da entre ambos). Avenida Santo Amaro. (disponível em http://blogdogiesbrecht.blogspot.com/2013/12/breve-historia-da-brigadeiro-e-da.html)
O “médico dos Fords”, na estrada de Santo Amaro Fonte: Folha da Manhã, 2/12/1928)
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Matéria sobre a inauguração da Nova Estrada de Santo Amaro, Fonte: Folha da Manhã, 24/07/1952
Ao mesmo tempo, esse novo centro financeiro do sul-sudeste evocou fortemente o passado da avenida como via-corredor. O eixo tornouse essencial não só como indutor do fluxo como originalmente foi concebido, mas também por ser parte integrante da ocupação orientada pelas Marginais e suas pontes, suas paralelas e transversais, como se este novo padrão da metrópole estivesse sobreposto no modelo de cidade “estrela” de Prestes Maias (e suas vias radiais e perimetrais), principalmente nos bairros alimentados pela via expressa da várzea do Rio Pinheiros. Esta influência das marginais na expansão do tecido urbano paulistano foi fruto primordialmente das sucessivas políticas rodoviaristas das administrações municipais. Esta relação dúbia que a metrópole teceu com a Avenida Santo Amaro ganhou um novo capítulo em 1985, quando a administração Covas instalou na via o corredor de ônibus. A implantação das faixas centrais exclusivas ao transporte coletivo deram-se através do estreitamento das calçadas e o alargamento do leito carroçável para permitir o adensamento do fluxo, o que acarretou na degradação do comercio local e na cristalização da imagem da Santo Amaro como “vizinha indesejável”, mas necessária. Curioso também notar que a partir da instalação do corredor, a avenida tomou pra si um novo papel na escala da circulação da cidade – ela não mais estava apenas ligada à Avenida Brigadeiro Luis Antônio como ligação Centro-Santo Amaro, mas era também parte integrante de um novo sistema juntamente com as avenidas Nove de Julho, São Gabriel e João Dias. Esta nova inter-relação impostas pelo sistema de ônibus intensificou sua relevância como via conectora das macrorregiões da cidade. Como consequência, o aumento do fluxo de automóveis e ônibus na avenida, associado às mudanças pontuais que a instalação do corredor impôs ao padrão urbanístico da avenida, acarretaram na degradação gradual da ocupação contígua ao eixo. Consequência esta que nem o “alto padrão” financeiro dos bairros adjacentes conseguiram reverter. A Santo Amaro tornou-se a avenida do “tinha tudo para ser”, mas “nunca foi”, uma grande cicatriz aberta, relegada pelos processos de crescimento da cidade ao mesmo tempo em que foi parte fundamental destes. A ocupação atual da avenida: calçadas exíguas, comércio parcialmente abandonado, poucos pedestres e lotes subaproveitados. Fonte: Arquivo pessoal.
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3.3 - Políticas públicas atuais e futuras sobre o eixo Santo Amaro Ainda como parte da macroanálise atrelada à compreensão dos processos históricos que culminaram em sua situação corrente, será fundamental elucidar a seguir quais as políticas públicas incidentes sobre o eixo da Avenida Santo Amaro como um todo, além das suas características morfológicas pertinentes à análise. Ao fazê-lo, podemos compreender 1) o papel da área de estudo perante a dinâmica geral da cidade; 2) O que a legislação municipal preconiza sobre o futuro da localidade; e 3) as possibilidades de intervir no espaço balizadas pela legislação específica (mesmo que eventualmente possamos discuti-la ou modifica-la, caso for possível ou pertinente ao estudo a ser desenvolvido). Através da análise global destas posturas administrativas existentes, teremos em mãos ferramentas primordiais para determinar um recorte de interesse passível de intervenção projetual, que é fundamentalmente o produto culminante do trabalho. Vale salientar, uma vez mais, que o trecho proposto para a análise compreende o eixo da avenida acrescido de um raio de 200 metros adjacentes, ensejados entre a Avenida Juscelino Kubitschek, ao Norte, e o corredor das avenidas Vicente Rao e Roque Petroni Júnior, ao Sul.
- LEGENDA -
Eixo da Avenida Santo Amaro
Fonte: Geosampa
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Pรกg.45
3.3.1. Quanto à legislação incidente e o planejamento urbano metropolitano O Plano Diretor Estratégico (PDE), ou lei nº 16.050 da Prefeitura Municipal de São Paulo, está vigente desde sua aprovação em 31/07/2014, na administração de Fernando Haddad. Como a intervenção proposta pelo trabalho pauta-se na lei, será válido ressaltarmos os princípios básicos da mesma, pois este será o fio condutor não só da proposta, mas também do processo de análise do eixo e da definição do recorte. No Capítulo II, Artigo 5, temos: “Art. 5º Os princípios que regem a Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico são: I - Função Social da Cidade; II - Função Social da Propriedade Urbana; III - Função Social da Propriedade Rural; IV - Equidade e Inclusão Social e Territorial; V - Direito à Cidade; VI - Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado; VII - Gestão Democrática.” Tendo essas linhas gerais em mente, os mapas a seguir representam algumas das leis e políticas públicas de maior relevância para a abordagem.
a. Macroáreas da Estruturação Metropolitana
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Fonte: Geosampa
- LEGENDA -
Estruturação Metropolitana - MEM
Qualificação da Urbanização - MQU
Urbanização Consolidada -MUC
Redução da vulnerabilidade Urbana - MRVU
Eixo da Avenida Santo Amaro
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Segundo o PDE: “As porções dos territórios que integram a Macroárea de Estruturação Metropolitana passam por processos de mudanças nos padrões de uso e ocupação e conversão econômica, com concentração de oportunidades de trabalho e emprego geradas pela existência de legados industriais herdados do passado, novas atividades produtivas, polos de atividades terciárias, grandes vias estruturais e infraestruturas que fazem parte dos sistemas de transporte coletivo de massa.” (título II, capítulo 1, seção 1, subseção 1, parágrafo único) “A Macroárea de Urbanização Consolidada localiza-se na região sudoeste do Município, é caracterizada por um padrão elevado de urbanização, forte saturação viária, e levada concentração de empregos e serviços e é formada pelas zonas exclusivamente residenciais e por bairros predominantemente residenciais que sofreram um forte processo de transformação, verticalização e atração de usos não residenciais, sobretudo serviços e comércio.” (título II, capítulo 1, seção 1, subseção 2, artigo 13) Relação com o eixo Santo Amaro: Encontra-se na intersecção das duas macroárias, reunindo potencialidades relacionadas às duas abordagens. Parte de seu território está dentro ou imediatamente adjacente ao eixo Faria LimaBerrini-Chucri Zaidan, considerado o mais pungente centro financeiro da cidade. Diagnóstico: Apesar de o PDE preconizar a importância da avenida para o macrodesenvolvimento do tecido urbano paulistano, a situação corrente apresenta baixa ocupação e atividades econômicas não condizentes com suas potencialidades. É ainda notavelmente inferior Fonte: Geosampa qualitativamente e quantitativamente se comparados à ocupação do eixo Faria Lima-Berrini-Chucri Zaidan.
- LEGENDA -
Setores da Orla Ferroviária e Fluvial Faria Lima - Água Espraida - Chucri Zaidan
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EIXO DA AVENIDA SANTO AMARO
Fonte: Geosampa
- LEGENDA -
Metrô - Linha Linha 1 - Azul
Eixo da Avenida Santo Amaro
Linha 2 - Verde Linha 3 - Vermelha Linha 4 - Amarela Linha 5 - Lilás Linha 15 - Prata Metrô - Estação
b. Rede de Transporte e Eixo de Estruturação Urbana
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Fonte: Geosampa
- LEGENDA -
Corredores
Faixas Exclusivas
Eixo da Avenida Santo Amaro
Fonte: Geosampa
- LEGENDA -
Rede Cicloviária
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Eixo da Avenida Santo Amaro
- LEGENDA -
Eixos Previstos
Eixos de Estruturação Transformação Urbana
Fonte: Geosampa Eixo da Avenida Santo Amaro
Pรกg.51
Segundo o PDE: “Art. 22. A rede estrutural de transportes coletivos é o sistema de infraestrutura que propicia a implantação dos eixos de estruturação da transformação urbana.
IV - ampliar a oferta de habitações de interesse social na “Os eixos de estruturacao da transformacao urbana, definidos pelos elementos estruturais dos sistemas de transporte coletivo proximidade do sistema estrutural de transporte coletivo; de media e alta capacidade, existentes e planejados, determinam V - promover a qualificação urbanística e ambiental, incluindo a áreas de influencia potencialmente aptas ao adensamento § 1º As áreas que integram os eixos de estruturação da ampliação de calçadas, enterramento da fiação e instalação de construtivo e populacional e ao uso misto entre usos residenciais e transformação urbanaestão definidas por faixas de influências do galerias para uso compartilhado de serviços públicos; não residenciais.” (título II, capítulo 2, seção 8, artigo 75) sistema estrutural de transporte coletivo de média e altacapacidade que atravessam as macroáreas que integram a zona urbana do VI - garantir espaço para a ampliação da oferta de serviços e Relação com o eixo Santo Amaro: Município, (...) considerando as linhas, ativas ou em planejamento, equipamentos públicos; do trem, metrô,monotrilho, VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), VLP Destacado como eixo potencial de estruturação urbana. (Veículo Leve sobre Pneus) e corredores de ônibus municipais VII - desestimular o uso do transporte individual motorizado, e intermunicipais de média capacidade com operação em faixa articulando o transporte coletivo com modos não motorizados de Diagnóstico: exclusiva à esquerda do tráfego geral. transporte; A Avenida Santo Amaro encontra-se aquém dos potenciais § 2º Os eixos de estruturação da transformação urbana são porções VIII - orientar a produção imobiliária da iniciativa privada de modo estabelecidos por seu status de Eixo de Estruturação Urbana, do território onde é necessário um processo de transformação a gerar: sobretudo se tivermos em vista a rede de transporte coletivo presente do uso do solo, com o adensamento populacional e construtivo em seu leito carroçável (sistema de ônibus) ou nas cercanias (rede articulado a uma qualificação urbanística dos espaços públicos, a) diversificação nas formas de implantação das edificações nos metroviária). mudança dos padrões construtivos e ampliação da oferta de lotes; serviços e equipamentos públicos. As áreas mais condizentes com o que determina o PDE são aquelas voltadas aos miolos dos bairros adjacentes ou que estão diretamente b) maior fruição pública nos térreos dos empreendimentos; Art. 23. Os objetivos urbanísticos estratégicos a serem cumpridos ligadas a Operação Urbana da Faria Lima. Atualmente, pode-se ver pelos eixos de estruturação da transformação urbana são os c) fachadas ativas no térreo dos edifícios; o despertar do interesse do mercado mobiliário em alguns trechos seguintes: da avenida, mas isso se dá de forma desconexa, percebendo-se uma d) ampliação das calçadas, dos espaços livres, das áreas verdes e predileção pelos lotes próximos ao Itaim Bibi. Na maior parte das I - promover melhor aproveitamento do solo nas proximidades permeáveis nos lotes; vezes, mesmos que os novos empreendimentos estejam locados nos do sistema estrutural de transporte coletivo com aumento na lotes diretamente ligados à avenida, suas entradas são voltadas às densidade construtiva, demográfica, habitacional e de atividades e) convivência entre os espaços públicos e privados e entre usos ruas transversais. urbanas; residenciais e não residenciais; Ainda, seguindo o que determina o PDE, vemos discrepância na II - compatibilizar o adensamento com o respeito às características f) ampliação da produção de Habitação de Interesse Social e de presença de calçadas de larguras exíguas, fios elétricos aéreos, ambientais, geológico-geotécnicas e os bens e áreas de valor mercado popular; pouca vegetação, pouca incidência de fachadas ativas, ausência de histórico, cultural, paisagístico e religioso; fruição pública dos empreendimentos, ínfima variedade de edifícios IX - prever a implantação de mercados populares com áreas para que promovam a interação público-privado, baixa variedade e III - qualificar as centralidades existentes e estimular a criação o comércio ambulante e usos complementares, em especial em qualidade de serviços e comércios ofertados e nenhuma articulação de novas centralidades incrementando a oferta de comércios, locais com grande circulação de pedestres e nas proximidades com os transportes não motorizados (ciclofaixas e ciclovias). serviços e emprego, em especial na Macroárea de Redução de estações de trem e metrô e terminais de ônibus, observandoda Vulnerabilidade Urbana e na Macroárea de Redução da se a compatibilidade entre o equipamento, as instalações, o fluxo Vulnerabilidade e Recuperação Ambiental; seguro de pedestres e as normas de acessibilidade.” (título II, capítulo 1, seção 3, subseção 1, artigo 22 e 23)
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Segundo o PDE: “Art. 137. A Prefeitura poderá realizar Operações Urbanas consorciadas, de acordo com a Lei Federal nº 10.257, de 2001, com o objetivo de promover, em um determinado perímetro, transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental, previstas no Projeto de Intervenção Urbanística elaborado para a área. Art. 138. As Operações Urbanas Consorciadas têm por finalidade: I - otimizar a ocupação de áreas subutilizadas, por meio de intervenções urbanísticas; II - implantar equipamentos estratégicos para o desenvolvimento urbano; III - ampliar e melhorar o sistema de transporte coletivo, as redes de infraestrutura e o sistema viário estrutural; IV - promover a recuperação ambiental de áreas contaminadas e áreas passíveis de inundação; V - implantar equipamentos públicos sociais, espaços públicos e áreas verdes; VI - promover Empreendimentos de Habitação de Interesse Social e urbanizar e regularizar assentamentos precários; VII - proteger, recuperar e valorizar o patrimônio ambiental, histórico e cultural; Fonte: Geosampa
- LEGENDA -
Operação Urbana Água Espraiada
VIII - promover o desenvolvimento econômico e a dinamização de áreas visando à geração de empregos. Art. 139. A lei específica que regulamentar cada Operação Urbana Consorciada poderá prever, mediante contrapartida:
Eixo da Avenida Santo Amaro
Faria Lima
I - a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias; c. Operações Urbanas
II - formas de regularização de edificações executadas em desacordo com a legislação vigente.” (título II, capítulo 3, seção 3, subseção 2, artigos 137 a 139).
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d. Utilidade Pública e Interesse Social Relação com o eixo Santo Amaro: Existem duas Operações Urbanas que estão parcialmente conectadas à Avenida Santo Amaro - a Operação Urbana Faria Lima e a Operação Urbana Águas Espraiadas. Diagnóstico: Nenhuma das Operações Urbanas contíguas ao eixo da Santo Amaro procurou abordar a requalificação total do eixo, mesmo que as potencialidades deste (e sua subutilização perceptível) já estivessem assinaladas na legislação. Apenas algumas glebas da avenida – aquelas circunscritas no cruzamento das zonas de transformação com a mesma – são passíveis de gozar das benesses da requalificação do tecido urbano. Poderíamos concluir que há uma falha, quase uma negligência, por parte da municipalidade ao não excluir o eixo nesses planos. Isto evidencia-se ao considerarmos que o traçado da Santo Amaro é responsável pela conexão entre esses dois polos de transformação.
Fonte: Geosampa
- LEGENDA -
DUP
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Eixo da Avenida Santo Amaro
Segundo o PDE: “Nos eixos de estruturação da transformação urbana, poderão ser desenvolvidos Projetos de Intervenção Urbana para promover os objetivos estabelecidos no “caput” desse artigo.” título II, capítulo 1, seção 3, subseção 1, artigo 23, parágrafo único) Relação com o eixo Santo Amaro: Como vimos, o PDE qualifica a avenida como Eixo de Transformação Urbana. Neste mapa, podemos visualizar a área passível de implementação de um Projeto de Intervenção Urbana específico, conforme expresso também no título II, capítulo 1, seção 3, subseção 1, artigo 22 e 23 (supracitado).
Diagnóstico: A legislação parece reparar a não inserção da Santo Amaro nas políticas das Operações Urbanas adjacentes. Talvez, a Prefeitura possa ter parcialmente entendido a falta de interesse mercadológico na avenida caso ela continuasse a apresentar os parâmetros urbanos atuais. Ao demarcar o eixo como DUP – Declaração de Utilidade Pública – a municipalidade admite que será preciso que ela seja a parcialmente a fiadora dos processos de transformação, ou seja, será necessário que ela realize, ou induza a realização, de melhorias nas características da ocupação atual da avenida para promover o desenvolvimento desta de forma compatível ao que estabelece a lei.
Fonte: Geosampa
- LEGENDA -
QUALIFICAÇÃO ZCs ZC
ZEIS ZEIS-1
ZCa
ZEIS-2
ZC- ZEIS
ZEIS-3
ZCOR ZCOR-1 ZCOR-2
ZDE
TRANSFORMAÇÃO ZEU ZEU ZEUa
PRESERVAÇÃO ZPR ZPR ZPR ZPR
ZDE-1
ZEUP
ZDE-2
ZEUPa
ZM
e. Zoneamento
ZPDS ZPDS ZPDSr
CLUBES AC-1
ZMIa
AC-2
ZMIS
ZEIS-3
ZMISa
Eixo da Avenida Santo Amaro
ZPR
ZCORa ZM
Praças/Canteiro
ZER
ZDE
ZCOR-3
PRAÇAS E CANTEIROS Praças/Canteiro
ZEAPM ZEPAM ZEP ZEP ZOE ZOE
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Segundo o PDE:
ou de subcentros regionais ou de bairros, caracterizadas pela coexistência entre os usos não residenciais e a habitação, porém “A divisão do território municipal em zonas deve observar os com predominância de usos não residenciais, podendo ser objetivos e as diretrizes definidos nesta lei para as macrozonas, subdivididas em zonas de centralidades de baixa, média e alta macroáreas, rede de estruturação da transformação urbana e rede densidade.” (título II, capítulo 2, seção 3, subseção 1, artigo 36) hídrica ambiental. (título II, capítulo 2, seção 3, subseção 1, artigo 31) ZEU: “Os eixos de estruturacao da transformacao urbana, definidos pelos elementos estruturais dos sistemas de transporte coletivo Relação com o eixo Santo Amaro: de media e alta capacidade, existentes e planejados, determinam áreas de influencia potencialmente aptas ao adensamento Presentes na linha principal deste trecho do eixo em estudo, temos a construtivo e populacional e ao uso misto entre usos residenciais e predominância das abaixo listadas. não residenciais.” (título II, capítulo 2, seção 8, artigo 75) ZER-1: “As Zonas Exclusivamente Residenciais - ZER são porções do território destinadas exclusivamente ao uso residencial de Diagnóstico: habitaçõesunifamiliaresemultifamiliares,tipologiasdiferenciadas, níveis de ruído compatíveis com o uso exclusivamente residencial Observam-se duas desconformidades com o potencial expresso pela e com vias de tráfego leve e local, podendo ser classificadas em: Lei de Zoneamento: I - ZER-1, de baixa densidade construtiva e demográfica. (título II, capítulo 2, seção 3, subseção 1, artigo 33)
1) Subutilização dos lotes diretamente voltados para a avenida
2) Utilização condizente com os parâmetros, porém com as fachadas Z-COR: “§ 3º A Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo e principais voltadas aos miolos dos bairros. os Planos Regionais regulamentarão as interfaces das Zonas Exclusivamente Residenciais através de dispositivos que garantam a adequada transição de intensidade de usos, volumetrias, gabaritos e outros parâmetros com as demais zonas. § 4º Os corredores de comércio e serviços em ZER deverão manter as características paisagísticas da zona. (título II, capítulo 2, seção 3, subseção 1, artigo 33, incisos 3 e 4) ZM: “As Zonas Mistas - ZM são porções do território destinadas à implantação de usos residenciais e não residenciais, inclusive no mesmo lote ou edificação, segundo critérios gerais de compatibilidade de incomodidade e qualidade ambiental, que têm como referência o uso residencial podendo ser subdivididas em zonas mistas de baixa, média e alta densidades.” (título II, capítulo 2, seção 3, subseção 1, artigo 35) ZC: “As Zonas de Centralidades - ZC são porções do território destinadas à localização de atividades típicas de áreas centrais
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Quadro 3: Parâmetros de ocupação dos lotes, exceto de Quota Ambiental
TRANSFORMAÇÃO
TIPO DE ZONA
QUALIFICAÇÃO
Taxa de Ocupação Máxima
C.A. mínimo
C.A. básico
C.A. máximo
T.O. para lotes até 500 m²
ZEU-u
0.5
1
4
0.85
0.7
NA
5 (g)
NA
3 (h)
20
ZEU-a (a)
NA
1
2
0.7
0.5
28
5 (g)
NA
3 (h)
40
ZC-u
0.3
1
2
0.85
0.7
28
5 (g)
NA
3 (h)
NA
ZC-a (a)
NA
1
1
0.7
0.7
20
5 (g)
NA
3 (h)
NA
ZC-ZEIS
0.5
1
2
0.85
0.7
NA
5 (g)
3 (h)
3 (h)
NA
ZCOR-1
0.05
1
1
0.5
0.5
10
5
3
3
NA
ZCOR-2
0.05
1
1
0.5
0.5
10
5
3
3
NA
ZCOR-3
0.05
1
1
0.5
0.5
10
5
3
3
NA
ZM-1
0.3
1
2
0.85
0.7
20
NA
NA
3 (h)
NA
ZM-2
0.3
1
2
0.85
0.7
28
5
NA
3 (h)
NA
ZM-a (a)
NA
1
1
0.5
0.5
20
5
NA
3.00
NA
ZER-1
0.05
1
1
0.5
0.5
10
5
3
3
NA
ZER-2
0.05
1
1
0.5
0.5
10
5
3
3
NA
ZER-a
NA
1
1
0.5
0.5
10
5
3
3
NA
ZONA
Recuos Mínimos (m) Gabarito de altura T.O. para máxima lotes (m) igual ou superior a 500 m²
Frente
Cota parte máxima de Fundos e Laterais terreno por Altura da Altura da unidade edificação edificação (m²) menor ou superior a igual a 10m 10m
ZEU
ZC
ZCOR
ZM
PRESERVAÇÃO
Coeficiente de Aproveitamento
ZER
Notas: NA = Não se aplica (a) Nas zonas inseridas na área de proteção aos mananciais aplica-se a legislação estadual pertinente, especialmente as leis específicas das bacias Billings e Guarapiranga. (b) Atendidos os requisitos previstos no art. 83 da Lei 16.050/14, a zona ZEUP-u passa a recepcionar automaticamente os parâmetros da zona ZEU-u. (c) Atendidos os requisitos previstos no art. 83 da Lei 16.050/14, a ZEUP-a passa a recepcionar os parâmetros da zona ZEU-a. (d) o CAmáx será igual a 2 nos casos em que o lote resultante for menor que 1.000 m², respeitadas as disposições dos parárafos 2 e 3 do art. 55 da Lei 16.050/14. (e) o CAmáx será igual a 2 nos casos em que o lote resultante for menor que 500 m², respeitadas as disposições dos parárafos 2 e 3 do art. 55 da Lei 16.050/14. (f) o CAmáx será igual a 1 nos casos em que o lote resultante for menor que 500 m², respeitadas as disposições dos parárafos 2 e 3 do art. 55 da Lei 16.050/14. (g) O recuo frontal será dispensado conforme disposições estabelecidas no art. 30. (h) Os recuos laterais e de fundo serão dispensados conforme disposições estabelecidas no art. 29. (i) Nas ZPI localizadas na Macrozona de Proteção e Recuperação Ambiental e nos Subsetores Noroeste e Fernão Dias do Setores Eixos de Desenvolvimento da Macroárea de Estruturação Metropolitana, a taxa de ocupação máxima deverá ser de 0,50 e o lote mínimo deverá ser de 5.000 m².
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3.3.2. Quanto às características morfológicas da ocupação .
- LEGENDA -
Atê 92 92 - 146 146 - 207 207 - 351 351 - 30346
a. Densidade demográfica
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Eixo da Avenida Santo Amaro
- LEGENDA -
Resid. Horizntal Baixo Padrão
Indústria e Armazéns
Equipamentos Públicos
Resid. Horizontal Médio/Alto Padrão
Resid. e Comércio / Serviços
Escolas
Resid. Vertical Baixo Padrão
Resid. e Indústria / Armazéns
Terrenos Vagos
Resid. Vertical Médio/Alto Padrão
Comércio / Servicos e Ind. Armazéns
Outros
Comércio e Serviços
Garagens
Sem Predominâncias Seminformação
Eixo da Avenida Santo Amaro
b. Predominância do Uso do Solo
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Capítulo 4. O Recorte
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4.1 Definindo a área de intervenção “As trevas não têm forma nem feitio, a não ser onde a luz as transforma em espaço. Nos locais em que as trevas entre as luzes tornam-se mais profundas, indefinidas e sem forma, a única maneira de lhes dar forma e estrutura é acendendo outras fogueiras ou ampliando bastante as existentes.”
No extenso tecido da Avenida Santo Amaro, é palpável essa sobreposição de situações distintas. Qualquer observador pode enxergar com certa facilidade pontos e manchas completamente abandonados, subutilizados, deteriorados. O paciente está doente e agoniza. Algumas iniciativas incipientes de mudar este diagnóstico surgem em pontos isolados. Para podermos discuti-las, será preciso identificá-las.
No quadrante Sul do eixo, próximo à Roque Petroni e à Avenida Jornalista Roberto Marinho, nos bairros do Brooklin e do Campo Belo, um rompante transformador está em curso. É fruto das demolições e desapropriações decorrentes da instalação de novos equipamentos voltados ao transporte de massa: as estações da linha 5 Lilás do metrô e as do futuro monotrilho da Linha Ouro. Atrelada a estas demolições, está a própria tendência de tais equipamentos serem, no caso paulistano, atrativos de novos empreendimentos e Jane Jacobs, Morte e Vida de Grandes Cidades indutores da valorização dos terrenos (tamanha a necessidade dos munícipes em estarem servidos destas modalidades de transporte). Concomitantemente, a área esta sob influência de um mecanismo de renovação proposto pela prefeitura que se apresenta em pleno Ao abrir esse estudo, admitimos que a definição de um recorte como fôlego: a Operação Urbana das Águas Espraiadas. O resultado deste objeto de intervenção seria embasada por uma curiosidade teórica processo em andamento está ainda para ser visto. em compreender os processos de formação das cidades e de suas cicatrizes, alimentados por uma (breve) análise histórica da região No extremo oposto, no quadrante Norte, a substituição dos terrenos proposta e enriquecida por uma compilação de dados geopolíticos e abandonados ou subutilizados se dá primordialmente pelo interesse cartográficos a respeito da situação atual da Santo Amaro. Chegamos do mercado imobiliário em estender os limites rentáveis do Itaim então ao derradeiro momento da escolha. Anteriormente, também já Bibi e da Vila Nova Conceição, dois bairros voltados ao público os preveni: a definição de onde intervir inevitavelmente será, até certo de alto padrão que já contam com miolos altamente verticalizados grau, fruto de uma percepção personalista. Cada leitor do presente e carentes de novos terrenos. Neste contexto, as oportunidades trabalho poderá – e terá pleno direito – em discordar da decisão aqui mercadológicas da Avenida Santo Amaro apresentam-se de forma apresentada. Não obstante, a predileção por uma porção territorial muito atrativa: terrenos relativamente baratos quando comparados às para intervir é essencial, e será responsabilidade do autor, mais do ofertas nas imediações e com potencial de comercialização elevado, que convencê-los, justificar-se convincentemente. principalmente se – vejam só! –tiverem suas entradas voltadas às ruas transversais. Neste caso, também ecoam as consequências A citação de Jacobs que abre esse capítulo é uma analogia de de uma Operação Urbana, bem mais antiga que a primeira e já em profunda beleza para o provocador desafio que se apresenta para estágio bem mais avançado de consolidação dos seus resultados: A urbanistas ao intervirmos em cidades, sobretudo em metrópoles Operação Urbana da Faria Lima. contemporâneas como São Paulo. Luz e sombra conotam cheios e vazios, símbolos da vida e da morte que se alternam em nossos A Operação transformou o eixo da Faria Lima e da Hélio Pelegrino tecidos urbanos. Mais especificamente, referem-se aos conceitos de em um pungente corredor de altos arranha-céus, ora repletos de apropriação e abandono dos espaços das cidades. escritórios de grandes empresas, ora uma vertical sobreposição de mansões. Com a malha intensamente ocupada, o perímetro desta
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Operação extrapola os limites físicos e abraça novas áreas lindeiras, como a Vila Uberabinha, antiga nesga residencial contígua à Moema e à Vila Nova Conceição outrora desvalorizada pela proximidade com a favela que se encontrava à beira do córrego de mesmo nome antes da reurbanização da região. A Avenida Santo Amaro, inserida nesta porção territorial, absorve parte desta valorização. Em ambos os extremos, o interesse transformador se dá quase que unilateralmente pela força do capital, raro são os empreendimentos que se instalam e parecem respeitar mesmos os preceitos estabelecidos por ambas as Operações Urbanas para dar de fato a oportunidade da regeneração do tecido da Santo Amaro. Se o “padrão” das construções é “alto”, o que oferecem ao coletivo é, em sua maioria, absolutamente nada. Ciente desta lacuna a ser preenchida, a Prefeitura Municipal lançou em 2015 um plano de intenções para o melhoramento das características urbanas da avenida denominado “Requalificação Urbana da Avenida Santo Amaro”. O Plano é concebido como uma extensão natural da Operação Urbana da Faria Lima (aprovada em sua primeira versão em 1995 e posteriormente modificada em 2004), um mea-culpa necessário, porém tardio, do fato de a Santo Amaro ter sido negligenciada pelas políticas públicas predecessoras contíguas a ela. Reconhece a importância do corredor para os bairros adjacentes quanto ao seu papel na rede de circulação viária e no seu potencial de concentração de atividades econômicas importantes para estes, como definido em sua introdução: “São áreas demarcadas ao longo dos sistemas de transporte coletivo de alta e média capacidade – como metrô, trem e corredores de ônibus – onde se pretende potencializar o aproveitamento do solo urbano, articulando o adensamento populacional e de atividades urbanas à mobilidade e qualificação dos espaços públicos. Para que estas transformações se viabilizem, o Plano Diretor Estratégico definiu critérios para orientar as transformações desejadas, através de incentivos urbanísticos e fiscais e mecanismos para ativação das áreas de adensamento ao longo do tempo conforme novas linhas de transporte público sejam construídas. Com isso pretende-se qualificar a vida urbana, conciliando o
estímulo a usos e atividades que estejam voltadas para rua, como comércio, serviços e equipamentos sociais, potencializando o espaço público como local de encontro e maximizando o uso do tempo e espaço.” A abrangência do novo plano constitui uma faixa de 2,7km dos 7,4km totais da Avenida, entre a Juscelino e a Bandeirantes, tendo como princípios fundamentais a orientação da ocupação dos novos empreendimentos neste trecho ensejados e a definição de parâmetros urbanísticos gerais para o passeio público e para o leito carroçável. Desta forma, pretende cobrir as responsabilidades do poder público e privado para o redesenho da avenida, com foco na experiência do pedestre: “No decorrer de 2014 e 2015 a Prefeitura Municipal de São Paulo desenvolveu o Projeto de Requalificação da Avenida Santo Amaro, apoiado no Plano de Melhoramentos Viários de 2006 e nas diretrizes do Plano Diretor Estratégico. O projeto tem como premissa principal considerar os percursos humanos em todas suas dimensões: a pé, de bicicleta e no transporte coletivo. Engloba as conexões entre os diferentes modais e o atendimento às necessidades de cada meio de locomoção: percursos acessíveis, espaços de estar, lazer, descanso e alimentação ao longo dos percursos sombreados; atendimento aos ciclistas através de cruzamentos seguros, paraciclos, serviços básicos e bicicletários; conforto e segurança no acesso e permanência nas paradas de ônibus e diminuição do tempo de espera. Para atendimento destes objetivos, o projeto prevê, em ambos os lados da avenida, a ampliação de calçadas, nova pavimentação de vias e espaços públicos, melhoria da infraestrutura para transporte coletivo, enterramento de redes, melhoria da drenagem urbana, iluminação, sinalização e semáforos, implantação de mobiliário urbano, comunicação visual, paisagismo e ajardinamento.”
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Consideremos, portanto, que temos duas forças distintas incidindo sobre o eixo: o capital privado, livre e volátil, e as políticas públicas, que articulam posturas legais e soluções parcelares para melhorar (amortizar os danos?) a qualidade daquilo que se vivencia em seus limites (e toda a complexidade de condicionantes que influem sobre esta “qualidade”). Sobre as intenções e o desenrolar do interesse do mercado imobiliário, só podemos contar com nossa intuição e com nossa capacidade de observação de suas tendências, embasados pelo perceptível. O mapeamento destas forças é intangível, e não há maneira de mensurar estes dados de forma clara sobre uma planta sem o perigo de incorrer ao erro. Apesar de previsíveis ao observador e possíveis de serem descritas (como proposto anteriormente), não há leitura cartográfica que dê conta da cristalização de suas posturas presentes e futuras. Resta então, como única fonte palpável de análise geográfica, a articulação daquilo que a lei municipal preconiza para a avenida. Temos então um ponto de partida para a análise da área.
Ao perceber esta “sombra” no planejamento municipal para a área, duas perguntas se apresentaram de forma crucial para o desenrolar do estudo: 1) Porque tal área foi relegada pelas políticas públicas e 2) Como integrá-la ao processo de renovação da avenida? A primeira medida buscando a elucidação dessas questões foi prática: realizar reconhecimento em campo da área, para entender sua situação corrente e, posteriormente, poder enxergar suas potencialidades. Resumidamente, o MAPA ANALÍTICO 2 (Síntese do Levantamento Fotográfico), apresenta aquilo que foi observado.
A decadência e subutilização da área são periclitantes. Estacionamentos vazios, prédios abandonados e lojas e escritórios (quando existentes) que se mantém à duras penas. Pipocam estabelecimentos voltados às hordas de veículos que transitam diariamente pelo corredor: mecânicos, borracharias, lojas de autopeças. Esse tipo de atividade apresenta relativo sucesso se comparadas às outras atividades A primeira possibilidade de análise consiste então em perceber de oriundas ao trecho. Igualmente ligados aos automóveis, os postos de que maneira estes dois instrumentos legais , a Operação Urbana Faria gasolina brotam vez ou outra, mas aqui eles respondem ainda a uma Lima e O Plano de Requalificação, se articulavam. Deste cruzamento demanda escondida (mas latente ao bom observador) por lugares de dados, há uma alarmante constatação: em sua franja sul, ambos de convívio e provisão de serviços diversos à população (agências relegam as quadras finais da Vila Olímpia e de Moema, aquelas de correios, lotéricas, lojas de conveniência). Num quadro mais abrangente, detecta-se que a qualidade do construído, seja pela imediatas à Avenida dos Bandeirantes (VER MAPA ANALÍTICO 1). forma ou por sua função, está bem aquém daquela que poderíamos sonhar. Há um recorrente sintoma do abandono: pichações cobrem as envoltórias dos prédios indiscriminadamente. Não obstante, para aqueles que são familiarizados com a Santo Amaro, a área previamente referida como “sombra” não difere enormemente do que é encontrado com triste frequência no restante do percurso. Mas este quadrante em especial esconde um segredo: parte de suas quadras compartilham de um impeditivo, a verticalização de seus lotes é vetada, uma vez que estão sob a área de influência da circulação aérea do Aeroporto de Congonhas. Se sobrepusermos o zoneamento municipal vigente sobre a área, podemos observar com clareza a demarcação de zonas de baixa densidade próximas à Bandeirantes, como uma tatuagem da projeção das rotas aeroviárias (ver MAPA ANALÍTICO 3).
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4.2 Desvendando potenciais Com o diagnóstico da situação atual em mãos (através do reconhecimento de campo) e com o conhecimento das forças transformadoras presente e futuras (mesmo que virtuais) que incidem sobre a Santo Amaro, o processo analítico prossegue para a emersão embrionária de um plano, uma abordagem incipiente para elucidar as possibilidades desta integração. Mas mesmo o termo “integração” parece vago e desafiador. Integrar à que? Os planos públicos de transformação e às zonas de interesse de mercado são dois possíveis pontos de ancoragem. Ligar as “quadras relegadas” a um ou a outro é uma solução unilateral. Ao propor que a cirurgia contemple essas duas forças, espera-se que ambas conjuntamente sejam capazes de proporcionar mudanças nos parâmetros que qualifiquem o espaço (seja ele público ou privado). Mas aqui dois novos problemas se apresentam: qual será o sucesso das políticas públicas em longo prazo? E como contar com o interesse privado com toda sua volatilidade e todo seu anseio pela rentabilidade, muitas vezes predatória para as funções coletivas do espaço urbano? Qualquer integração que procure contar com esses dois distintos condicionantes deve ser capaz de ao menos almejar mediar esses dois vetores. Há ainda outra problemática: se ambos os vetores encontram-se dispersos sobre o eixo, a integração poderse-ia direcionar para todos os lados na projeção do eixo. Mais uma vez, alguns critérios devem ser adotados para que tornemos viável qualquer tipo de plano quanto à sua escala. Se voltarmos nosso olhar ao sul, temos a Avenida dos Bandeirantes, via perimetral ao centro histórico, limite do chamado “centro expandido”, fundamental acesso entre as marginais e as rodovias Imigrantes e Anchieta. Sua escala física e simbólica, bem com a quantidade de tráfego que acomoda diariamente, consiste em um elemento de difícil transposição. Um obstáculo tão complexo torna-se imediatamente atrativo por suas potencialidades. Ao norte, as “quadras relegadas” encontram suas vizinhas históricas que constituem o mesmo bairro onde estão inseridas, mas cujo padrão lindeiro de ocupação (aquele do interior do bairro) é dispare. Como vimos, será dispare também a forma como o futuro às tratará, e como os planos públicos ofertam a elas novas possibilidades. Face a esta “escolha de Sofia”, lembremonos da escala de projeto e tomemos uma decisão: a ligação sul poderá apresentar-se como uma diretriz futura, pois é vital e
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relevante que nossa “sombra urbana”, nossas “quadras relegadas”, tenham a oportunidade de oferecer a transposição da Avenida dos Bandeirantes e permitir a integração entre Moema, Vila Olímpia, Campo Belo e Brooklin em uma escala compatível com a humana. Como objeto de projeto, foquemos nas quadras ao norte. Desta forma, poderemos elaborar estratégia mais rica e profunda. Não é uma caminho menos corajoso, mas a predileção pelas quadras contíguas à norte nos oferta um caminho mais plausível e compatível com a escala de projeto que se vislumbra. Superado este impasse, rememoremos os dilemas que a porção norte à “sombra” nos apresenta: como esta zona de baixa densidade se articula com as zonas imediatas que permitem maior verticalização? Como elas se articulam inclusive com os lotes dos bairros que compartilham dos mesmos parâmetros físicos e legais de ocupação? E de que forma ela se interdialoga, ou seja, como ambas as margens da avenida, neste ponto, se conectam? Na linha do eixo, a resposta à última das perguntas é tristemente observável. A decadência da situação dos lotes quanto sua ocupação, conservação e qualidade, e a deficiência do espaço público em atender suas funções primordiais, são características compartilhadas. Esta intertextualidade periclitante facilita a justificativa do plano de integração, mas num momento imediato serve como premissa para uma consideração mais dramática: a demolição do subutilizado, do decadente e do abandonado será a medida inicial necessária a ser tomada. Isso permitirá uma integração acima da parcialidade da esfera legal e da volatilidade do capital. A intervenção urbanística poderá então ser uma mediadora entre interesses variados, desenhando novos parâmetros urbanísticos que ordenem o interesse do capital, permitam a apropriação coletiva e garantam a recuperação da avenida. Ao mesmo tempo, deve promover a integração do miolos dos bairros com esta zona ciliar. Mais ainda, deve também suprir aquilo que muitas vezes não encontramos no interior desses: a oferta de áreas onde a vida cotidiana possa florescer, garantindo assim o êxito do espaço livre e do espaço construído. A vida urbana se tornará então a fiadora do sucesso de qualquer plano de integração, além de ser o ponto de equilíbrio entre o coletivo e o privado. Ao cruzar os dados do zoneamento com o levantamento fotográfico in loco, surge um primeiro esboço daquilo que seria suscetível à demolição e daquilo que seria prioritário (e necessário) manter.
As zonas definidas pelo Plano Diretor municipal nos fornecem instrumentos - coeficiente de aproveitamento e taxa de ocupaçãoque possibilitam um diagnóstico dos lotes e suas edificações baseado em dados quantitativos. O viés qualitativo se dá pela observação das preexistências, mas mesmo esta abordagem subjetiva só pode ser justificada pela prerrogativa da legislação. Esta suscetibilidade à demolição, a qual podemos chamar de “potencial de transformação”, está expressa no MAPA ANALÍTICO 4.
Como discorrido anteriormente, parte da vocação da avenida para cicatriz urbana se deu também por sua não integração física com os bairros que a circundam. Ela se apresenta muitas vezes como um obstáculo para a integração dos bairros que se encontram em suas margens opostas (por motivos históricos também previamente abordados). Aqui, cabe então uma representação cartográfica das características do eixo quanto sua circulação, compreendendo o corredor de ônibus, a ciclofaixa e os pontos onde o viário permite a transposição de um bairro ao outro. Os dados compilados sobre mobilidade no MAPA ANALÍTICO 5, promovem uma análise mas profunda quando enriquecidos por aquilo que já observamos sobre o eixo quanto sua situação física atual e se rememorarmos o estudo teórico e histórico previamente apresentados: 1) O corredor de ônibus, importante modal para o escoamento do tráfego e para o acesso coletivo à Santo Amaro e aos bairros que esta serve, é crucial para o macroplanejamento urbano. Mas, sua implantação acarretou em pioras qualitativas nos espaços públicos de circulação (calçadas exíguas, por exemplo). 2) O ponto de ônibus mais próximo às “quadras relegadas” da franja sul é um ponto nodal do supracitado sistema, um gerador de fluxo.
O raio de influência do ponto de ônibus, as potencialidades da presença próxima da ciclofaixa e a deficiência da interconexão do fluxo entre bairros corroboram com a metodologia para a ancoragem do plano de integração neste trecho que até agora vem sido apresentado nos mapas: a porção da avenida que estende as “quadras relegadas” próximas à Santo Amaro até os limites da Avenida Pavão (em Moema, à direita) e a Avenida Gomes de Carvalho (à esquerda, na Vila Olímpia). Esta amostragem nos permite ainda a conexão das quadras meridionais do trecho com áreas mais consolidadas de seus bairros: a Leste, a zona residencial de baixa densidade de Moema e os corredores altamente verticalizados da Avenida dos Eucaliptos e da Avenida Cotovia; a Oeste, a área da Vila Olímpia sob a influência da borda da Operação Urbana da Faria Lima. O MAPA ANALÍTICO 6 sobrepõe os mapas 5 e 6 para avançarmos em um plano concreto de demolições e reminiscências. Na sequência, o MAPA ANALÍTICO 7 avança na abordagem. Ele agrega como demolível as duas categorias previamente listadas nos mapas 4 e 5 (“demolível subutilizado” e “demolivel não condizente com o PDE”), além dos postos de gasolina ( já tão abundantes pela avenida). Ainda, estabelece as unidades não demolíveis do trecho proposto, permitindo então vislumbrarmos claramente as áreas de intervenção e suas possibilidades. Aqui, atentemo-nos mais uma vez no ato de demolir como estratégia inicial de projeto. Apesar de ser, de certa
forma, um recurso dramático como me referi anteriormente, demolir torna-se vital para a renovação do tecido, sobretudo se considerarmos que o Plano de Requalificação da Santo Amaro preconiza melhorias para o passeio público (alargamento, aterramento da fiação aérea, arborização) e a permeabilidade dos lotes (o modelo da quadra aberta). Toda a abrangência do plano será mais tarde apresentada. Por hora, atenhamo-nos à estas principais diretrizes. Se comparado ao MAPA 6, o MAPA 7 parece avançar timidamente na análise. Porém, esta carta nos fornece a base física para a proposta. Como articularemos estas quadras? De que forma conectar o “a construir” com as reminiscências”? Como dar vazão às transformações propostas pela municipalidade e estendê-las às “quadras relegadas”? Como influir de forma a agregar todas as forças e os condicionantes que atuam sobre o espaço urbano e mediá-las? Recorrendo novamente à analogia de Jacobs: Como dar luz às trevas? Reunamos então os dados representados nos mapas para verificarmos suas virtualidades: 1) A legislação presente e a futura criam uma “sombra”, uma área a qual chamamos “quadras relegadas”, desconectadas dos planos de melhoramentos da avenida. 2) A potencialidade construtiva destas quadras não parecem despertar o interesse privado. E se obsevarmos a maneira como a especulação imobiliária atuou em outros trechos da avenida, atraí-lo sem que
3) Os cruzamentos de veículos esporádicos intrabairros evidenciam as diferenças históricas entre as ocupações e a descontinuidade destes tecidos. 4) A ciclofaixa que se “esconde” timidamente no miolo de Moema não permite ao usuário nem o acesso nem a transposição da avenida, sintoma da ineficiência (física) desta em atender a escala humana da mobilidade.
No perímetro vermelho, a “sombra” ou “quadras relegadas”; no azul, as quadras de “ancoragem” do Plano. O eixo amarelo marca a Avenida Santo Amaro. Fonte: Desenho do autor sobre imagem do Google Earth Pág.69
haja uma garantia da preservação da função pública do espaço urbano é arriscar sua integridade. Mesmo nas áreas sob influência da Operação Urbana, os novos empreendimentos preferiram voltarse às ruas transversais, desperdiçando as premissas legais que pretendiam induzir a requalificação da Santo Amaro (fachadas ativas, permeabilidade dos lotes, estabelecimentos de uso misto)
5) Verificação das possibilidades de conexão destas quadras através de passagens térreas e áreas, respectivamente por meio dos fechamentos de cruzamentos e interligação pedonal das quadras (onde possível) e criação de sistema de passarelas. 6) Integração da ciclofaixa com o sistema de circulação proposto.
3) A intenção de melhorias dos espaços de circulação pedonal não alcança estas quadras (nova arborização, alargamento das vias e aterramento da fiação aérea). Ainda, desperdiça a presença de um modal já estabelecido timidamente no miolo de Moema: a ciclofaixa (que não acessa a avenida e não permite a transposição da mesma). 4) Os lotes voltados à Santo Amaro encontram-se, em sua maioria, em estado avançado de degradação, abandono e subutilização. Não se conectam com o interior de seus bairros, nem com seus pares na margem oposta da própria avenida. Assim, o campo da análise deve saltar para a esfera da proposta. A proposição, ainda em estágio incipiente no MAPA ANALÍTICO 8, é uma leitura criativa (portanto personalista) destas problemáticas. Porém, reúne prática e tática para a verificação das hipóteses e das possibilidades, sendo que estas duas últimas serão baseadas naquilo que foi verificado e observado. Baseia-se em um plano, cujos principais pontos devem ser enumerados: 1) Demolição dos lotes que não condizem com a ocupação preconizada pela legislação e que não garantem a função social do espaço urbano (também almejado pela nova legislação). 2) Permanência dos lotes cuja permanência é essencial (hospital Santa Paula) ou cuja demolição não é justificável perante a legislação. 3) Interligação das “quadras relegadas” com as forças transformadoras da avenida (poder público e privado). Isso se dará através de projeto (ligação com as quadras da Vila Olímpia e Moema) e diretriz (passagem cicloviária entre Moema e Campo Belo sob a Avenida dos Bandeirantes)
Fonte: Arquivo pessoal
Essas premissas iniciais são, neste ponto, ainda conjecturas. Como síntese desta primeira etapa, o MAPA ANALÍTICO 9 articula a proposta (embrionária) e as legislações existentes em vigor (Operação Urbana Faria Lima e Projeto de Requalificação Urbana da Avenida Santo Amaro). Para dar corpo a qualquer espécie de projeto, precisamos 4) Reurbanização das quadras com os objetivos de estimular a que essas premissas sejam dotadas de conceitos e diretrizes, o que renovação do tecido, estender as políticas públicas preexistentes e acarretará em um partido, um programa e um projeto urbano. Antes mediar a apropriação dos lotes pelo mercado imobiliário, garantindo de fazê-lo (mais adiante, no capítulo 6), ocuparemo-nos a seguir de que qualquer reestruturação urbana mantenha a função social analisar alguns casos existentes que possam enriquecer o debate dos espaços públicos e respeite os parâmetros intendidos para a através de alguma intertextualidade com a proposta esquemática. ocupação.
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Capítulo 5. Estudos de Caso
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5.1 Introdução aos estudos de caso “A emoção da ciência traduzida em técnica pelo homem é a mesma comunicada pela obra de arte. Equilíbrio, estrutura, rigor, aquele mundo outro que o homem não conhece, que a arte sugere, do qual o homem tem nostalgia.” Lina Bo Bardi
“Não acredito que se possa ensinar arquitetura, só se pode inspirar aos outros.”
Isto ilustra o quão desafiadora é a definição daquilo que se estudará. Como escolher, entre muitos, aqueles determinados projetos os quais enxergamos certa potencialidade de intersecção com nossas ideias ainda em ebulição, quando elas mesmas, como dito anteriormente, não tomaram ainda contornos claros, e nem mesmo foram devidamente representadas através da linguagem arquitetônica? Certa dose de intuição é necessária, claro. Mas também certa leviandade em focar em apenas três exemplos, uma vez que a pluralidade do exercício da arquitetura (e sobretudo do urbanismo) não se enseja apenas no projeto (elaborado ou estudado), mas num infinito repertório pessoal, de percepção do mundo que nos cerca, de suas representações abstratas, do sublime e do cotidiano. Há então uma incontável gama de referências próprias que cada um carrega consigo que dificilmente seriam palpáveis para serem colocadas em palavras.
Portanto, sendo incapaz de traduzir aquilo que nos forma como profissionais, os estudo de casos tornam-se uma pequena gota no oceano, e a própria Zaha Hadid análise será influenciada por aquilo que é o imensurável do indivíduo. No momento em que as considerações acerca os projetos apresentados forem listadas, elas estarão sendo racionalizada de forma extremamente particular, e servem apenas o propósito deste ou daquele autor e de seu projeto que A escolha de determinados projetos para a análise como estudo de se vislumbra no futuro. Sendo assim, seria de grande valia se todos aqueles caso acontecem nos primeiros momentos da concepção criativa, ainda que se deparassem com essa análise tirassem suas próprias considerações e embrionária no campo das ideias e em franco processo de elaboração. inspirações, mas que também fossem condescendentes com as conclusões Tal processo, em seu fim, culminará no projeto a ser apresentado. Mas particulares que serão descritas, pois apesar de personalistas, elas servirão no universo da arquitetura e do urbanismo, o desenrolar cronológico será para apontar possibilidades e intertextualidades com o trabalho final. indubitavelmente repleto de descobertas e enriquecimentos, fenômenos que são impossíveis de prever no momento em que começa a jornada do desenho. Desta forma, o uso da análise projetual do repertório existente inevitavelmente irá incidir sobre o processo criativo de forma retroativa. Estes objetos de estudo serão ferramentas para elucidar caminhos, ampliar horizontes, definir parâmetros e inspirar. Podem surpreendentemente revelar as forças e fraquezas daquilo que foi preconcebido. Mais do que justificar partidos, programas e estilos (ou formas, funções e estruturas), esmiuçar essas referências poderá iluminar o caminho a percorrer.
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5.2 Inderhavnen
COPENHAGUE, DINAMARCA ANO STATUS ÁREA DE INTERVENÇÃO ARQUITETOS DESCRIÇÃO
1980 EM ANDAMENTO FAIXA DE 42 KM NAS DUAS MEARGES DO PORTO DIVERSOS - RENOVAÇÃO DA ANTIGA ÁREA DO PORTO INTERNO - REVITALIZAÇÃO DO NYHAVN - MELHORIA DA MOBILIDADE - RENOVAÇÃO DA FAIXA COSTEIRA E DO INTERIOR DO CANAL DE CHRISTIÁNIA 9EX.: KRøYER PLADS - EM EXPANSÃO
Fonte: COBE Architects
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5.2.1 Nyhavn, um ponto de partida. A própria definição da área tocada pelo projeto de renovação do tecido do Inderhavnen, o porto interno de Copenhague, na Dinamarca, parece ser fluida e de difícil demarcação. Seus limites se expandiram gradualmente a partir de um efeito dominó causado por intervenções pontuais, que acarretam em novas intervenções subsequentes, e mais outras, e assim por diante. Há certa organicidade particular a este projeto que o torna (quase) único no rol dos recentes projetos que se propuseram ao redesenho de áreas portuárias abandonadas por sua incapacidade em atender aos novos condicionantes logísticos e técnicos do comércio internacional.
Quando em 1980 a municipalidade resolveu olhar para a região com novos olhos, além de encontrar a supracitada situação, um novo e hoje indesejado integrante havia se apoderado do espaço – o automóvel. Toda a área do Nyhavn, canal central incrustado nos limites do centro financeiro e administrativo da capital, estava relegada a um grande estacionamento, sem vida, e dotado de atividades as quais nem todos os citadinos podiam (ou queriam) desfrutar.
A municipalidade se debruçou então sobre essa área histórica, pedindo auxílio de estudos e iniciativas teóricas por parte dos arquitetos para dar A história de intervenções como a de Inderhavnen começa antes mesmo gênese a um processo de revitalização. O arquiteto-professor Jan Gehl de sua concepção projetual. Em um determinado momento, a área alcança foi um dentre outros arquitetos de prestígio escandinavos que teorizou um ponto sem volta em sua outrora vitalidade para ingressar em um sobre a área. Tirem os carros, permitam aos pedestres acessar, passear, descendente, geralmente (como no caso) decorrente da inadaptabilidade contemplar, pedalar, sentar, descansar, comer, conviver. Devolvam à vida desta em atender às novas lógicas de produção que se impõe e se renovam cotidiana aquilo lhe pertence. Mas ver o que? E viver o que? através do tempo. Na esfera das áreas portuárias, isso significa quase sempre um subdimensionamento frente às novas necessidades do comercio Nesta primeira fase, a prefeitura foi cirúrgica: instalou um museu marítimo internacional (em escala) e inadequação aos avanços tecnológicos (grandes valendo-se de embarcação do século XVIII, flutuando sobre o estreito embarcações precisaram de maiores canais com leitos mais profundos, são canal. Simples acupuntura urbana. Seguiu-se uma série de incentivos necessários maiores atracadouros, espaços generosos para grandes gruas, para o restauro dos edifícios lindeiros alinhados ao lote, revigorando as piers, silos e armazéns com maior capacidade de estocagem). Incapaz de se características arquitetônicas e tipológicas. Mas o restauro pelo restauro expandir, de se renovar devido a suas amarras e imites espaciais, o porto e teria sido uma infindável futura fonte de despesas. Aliado a esta iniciativa, suas atividades inerentes não tem outra opção – “os incomodados que se incentivou-se a instalação, nos térreos, de cafés, bares e lojas comerciais mudem”. Esta lógica fabril que incide sobre os espaços altamente ligados para atrair a população. A nostalgia da velha Copenhague logo trouxe às atividades econômicas comerciais e industriais não agiu diferentemente seus habitantes. E não demorou muito para o lugar fervilhar de turistas, com o pequeno porto de Nyhavn e seus canais internos adjacentes ao centro encantados pela qualidade cênica desta nesga portuária, uma “península” da capital dinamarquesa. Em meados do século XX, o antigo porto do século edificada cujo visual partia do cetro para culminar na abertura da cidade XVII encontrava-se já deserto. para o mar. Toda a logística das navegações comerciais moderna migrou. Migrou mais ao norte, próximo ao mar aberto, para mais longe do centro de ocupação original de Copenhague. E o que restou foi uma miríade de antigos escritórios aduaneiros abandonados, uma cais às moscas e diversos estabelecimentos de caráter duvidosos – bares, bordéis e cassinos clandestinos.
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A Oeste, o Nyhavn se liga ao Charlottenborg e à Praça Kongers Nytrov (ponto nodal do centro) – Fonte: arquivo pessoal
A Leste, o Nyhavn avista o Inderhavnen e sua nova ponte pedonal (Bro Over Inderhavnen) Fonte: Arquivo pessoal.
Cervejarias, cafés, restaurantes; barcos novos e antigos atracados ao canal para visitação pública mesclam-se às construções coloridas típicas do século XVII – Fonte: arquivo pessoal
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Nyhavn era uma parte de todo o sistema portuário antigo, apenas um diminuto canal construído para dentro do centro para facilitar o desembarque de mercadorias. Mas na margem oposta do canal ainda se encontravam os já referidos piers e armazéns igualmente delegados ao ostracismo. E se por um lado estes armazéns estavam visualmente conectados, em sua margem oposta, com o centro do poder monarca dinamarquês, o Amelienborg, do outro, em terra firme, estava espremido numa faixa estreita entre a calha do braço do mar e outro canal construído pelo homem: O canal de Christiânia. Este último, cortando uma ilha cuja ocupação ao Sul é bem peculiar: uma comunidade hippie, de status independente, estabelecida nas décadas de 1960 e 1970, chamada Cidade Livre de Christiânia. Havia assim toda uma faixa subutilizada e decadente, impedida de prosperar por sua posição espremida entre as instalações portuárias desativadas e o assentamento da contracultura. O sucesso da requalificação e restauro de Nyhavn foi o pontapé para que a prefeitura de Copenhague procurasse um raio maior de influência, que englobasse todos estes lotes relegados.
A área em destaque abrange o perímetro de intervenção: Nyhavn a Leste, a orla do Inderhavnen ao centro e o Canal de Christiânia a Oeste. Fonte: Esquema do autor sobre mapa extraído do Googlemaps
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5.2.2 Os Edifícios-Âncoras Em destaque, a localização dos edifícios-âncoras – Fonte: Esquema do autor sobre mapa extraído do Googlemaps
A delimitação de uma área maior para abordar não acarretou na elaboração de um masterplan por parte da prefeitura da cidade, como ocorreu nos projetos espanhóis de Madri Rio e 22@ (em Barcelona). A municipalidade traçou algumas intervenções pontuais e promoveu a participação de uma variada gama de escritórios de arquitetura para a intervenção, aportadas por uma crescente vontade popular de embarcar nesta jornada, impulsionada pelas palpáveis transformações de Nyhavn. O mote principal agora não seria apenas o restauro e a revitalização, mas sim a renovação.
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Para reforçar o interesse de renovação, o poder público incentivou a construção de prédios âncoras: três edifícios de caráter semipúblico, com forte apelo simbólico. A inserção de prédios desta natureza em planos de renovação urbanística normalmente se dá seguindo alguns preceitos básicos: trazer o interesse público para área, promover o caráter coletivo do empreendimento urbano, incentivar a apropriação coletiva do espaço através dos múltiplos usos e tornar possível a integração social.
O primeiro dos edifícios-âncoras foi esta extensão em vidro e granito da Biblioteca Nacional, posicionado na margem esquerda do Inderhavnen, logo a frente de Christianborg Slot. Tem dupla função simbólica para com o projeto urbano: instiga o centro da cidade a voltar sua atenção ao canal marítimo, ao passo em que direciona a atenção de Christiânia em direção ao centro. Como consequência, a requalificação daquilo que esta ao meio, o curso d’água, além da reconexão entre suas duas margens opostas.
a) Den Sorte Diamant (Diamante Negro) Projeto: Schmidt, Amin e Lancem. Ano de conclusão: 1999 Tamanho: 28,000 m²
Implantação do edifício faceada ao Inderhavnen Fonte: https://www.shl.dk/the-royal-library/
Fonte: arquivo pessoal
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Perspectiva Fonte: https://www.shl.dk/the-royal-library/
Vista a partir do canal de Christiânia: À frente, a ponte para pedestres. Ao fundo, o anexo da biblioteca. Fonte: Arquivo pessoal.
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b) Operaen Projeto: Henning Larsen Ano de Conclusão: 2005 Área: 41.000 m²
O mais emblemático dos três projetos, a Opera de Copenhague tornou-se símbolo da cidade. Estrutura de ferro, cobertura metálica e revestimento de mármore projetam-se sobre o curso d’água, mantendo a relação com o canal já estabelecida pelo Diamante Negro e a união visual entre as duas margens opostas. Para tal, localiza-se em lote simbólico: imediatamente oposto ao conjunto monumental de palácios de Amelienborg, residência da família real dinamarquesa. “Uma declaração de amor e arte à cidade” segundo o partido elaborado pelos dois arquitetos.
Fonte: Arquivo pessoal
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Fonte: Arquivo pessoal
A รณpera vista a partir de seu correspondente na margem oposta: o complexo de palรกcios reais de Amelienborg Fonte: https://henninglarsen.com/en/projects/0400-0599/0553-operaen/
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c) Skuespilhuset (Casa de Espetáculos do Teatro Real Dinamarquês) Projeto: Lundgaard e Tranberg Ano de conclusão: 2008 Área: 21.000 m², sendo 18.600 m² acima do nível do solo.
Talvez o mais democrático dentre os edifícios-âncoras, a Casa de Espetáculos ganhou um aposto em inglês em seu nome original: Playhouse (ou algo como casa de brincar, em tradução livre). O programa primordial deveria abrigar a nova casa de teatro real dinamarquesa, portanto, não necessariamente acessível á todos os tipos de público (mesmo em uma cidade de relativa baixa desigualdade entre classes e de grande poder aquisitivo). A dupla de arquitetos, porém, estabeleceu que parte do programa se desse de forma suspensa, criando uma praça de convívio no solo que por sua vez se estende sobre parte do canal em um grande píer. Esta era, inclusive, uma exigência imposta pelo concurso do qual o projeto foi vencedor. Este deck de convivência possibilitou uma ocupação mais democrática por parte da vida cotidiana, tornando-se um ponto de encontro e lazer mesmo para aqueles que não necessariamente visitem o local para assistir uma das peças em cartaz. Mesmo com uma volumetria superior àquela dos edifícios que compunham a ambiência do entrono, a arquitetura procurou a utilização de materiais comuns à arquitetura local, como os tijolos vermelhos e a madeira dos telhados.
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Fonte: http://www.ltarkitekter.dk/skuespilhuset
Fonte: http://www.ltarkitekter.dk/skuespilhuset
Planta pavimento superior: o auditório, no terraço, projeta-se sobre o píer e sobre o canal. Fonte: http://www.ltarkitekter.dk/skuespilhuset Fonte: http://www.ltarkitekter.dk/skuespilhuset
Fonte: http://www.ltarkitekter.dk/skuespilhuset
Corte transversal Fonte: http://www.ltarkitekter.dk/skuespilhuset
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5.2.3 O Plano de Mobilidade O círculo vermelho demarca a Bro Over Inderhavnen (ponte pedonal). O traço da mesma cor indica a localização da Cirkelbroen. Já o a linha azul, a conexão entre a linha de metrô original e a nova estação de Christianshavn. – Fonte: Esquema do autor sobre mapa extraído do Googlemaps
Concomitante à instalação dos edifícios-âncoras, o poder público da capital dinamarquesa traçou planos de melhorias de acessibilidade ao canal de Christiânia. Havia já uma ponte que saía do centro, pela Avenida Borsgade, atravessava toda a ilha e desembocava na margem oposta, após as antigas fortificações. Mesmo que eficaz quanto a garantir o acesso dos automóveis a estas regiões, este corredor de tráfego não contemplava a escala pretendida pelo plano de renovação: a escala humana. Pedestres deveriam contar com diferentes modais e diversos acessos à outra margem do braço de mar para que a área pudesse contar de fato com a apropriação coletiva. A circulação viária de baixa densidade na ilha de Christiânia já proporcionava um fluxo qualitativo para o pedestre, tanto nas calçadas de generosas proporções, quanto na variedade de vias pedonais. Todavia, havia ainda o desafio de levar a população a desfrutar desta infraestrutura existente e do futuro tecido renovado. O primeiro passo foi definir como fazê-lo. A linha de metrô existente foi duplicada e houve um prolongamento de seu braço em direção à ilha, percurso semelhante ao da ponte de veículos existente. A estação de Christianshavn foi fundamental para a reinserção da região junto ao conjunto urbano tradicional na margem oposta. Ainda, a linha M2 – amarela - possibilitou a conexão direta entre o Aeroporto Internacional e o centro.
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Mapa esquemático da rede de metrô de Copenhague Fonte: https://conhecendolugares.com/2017/09/10/copenhague/
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Em seguida, uma ponte exclusiva para pedestres e ciclistas estendeu as promenades do porto de Nyhavn à ilha e ao seu canal interno. Seu desenho e posicionamento foi fruto de um concurso público. O desenho ganhador, do escritório Flint e Neill, deveria ainda garantir a passagem das embarcações através de um sistema de elevação da pista.
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Vista noturna a partir de Nyhavn com vista para a antiga planície dos armazéns (já em processo de renovação). Fonte: www.ourwaytours.com
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Vista oposta à anterior: de Christianshavn à Nyhavn. Fonte: http://www.chriskarlson.com/blog/2011/9/25/rotch-case-study-royal-danish-playhouse-copenhagen-opera-hou.html
Em azul, a ponte proposta por Henning Larsen, não construída, ligava Nyhavn a opera. A linha amarela representa a proposta escolhida de Flint e Neill, e sua subsequente ligação do canal com a ilha Arsenaloen. Fonte: http://www.chriskarlson.com/ blog/2011/9/25/rotch-case-study-royal-danish-playhouse-copenhagen-opera-hou.html
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O coroamento do plano se deu com o projeto e construção de uma pequena e estratégica ponte com a mesma função da anterior. Mas dessa vez o objetivo era melhorar a fluidez entre ambos os lados do canal de Christiânia, até então um entrave para os pedestres, que precisavam voltar uma grande extensão para cruzar o curso d’água, tornando o final do canal um lugar deserto e desinteressante. O projeto de Olafur Eliasson para a Cirkelbroen remeteu aos antigos atracadouros do porto, além de dialogar esteticamente com o primeiro dos edifícios âncoras do plano de intervenções, o Diamante Negro.
Fonte: https://www.detail-online.com/article/five-circles-pedestrian-bridge-in-copenhagen-26938/
Fonte: https://www.detail-online.com/article/five-circles-pedestrian-bridge-in-copenhagen-26938/
Fonte: Arquivo pessoal
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5.2.4 Krøyers Plads e a Renovação do Canal de Christiânia A transformação resultante dessas ações estratégicas patrocinadas pelo poder público municipal se deu através de um processo orgânico e gradual, fruto de diferentes iniciativas da esfera privada. Houve, porém uma primeira determinação da prefeitura em manter e restaurar os edifícios voltados ao canal que possuíam valor histórico, que se encontravam em bom estado de conservação ou que apresentavam uso pungente, condizente com as intenções de levar a população ao desfrute da região. Este diagnóstico resultou num tripé de abordagens: restauro, conservação e demolição. O que se viu a seguir foi uma mistura entre a ocupação tradicional da cidade (edifícios alinhados à rua e pátios internos) e novos prédios embasados no conceito da quadra aberta. Quando possível, mesmo em conjuntos antigos, intervenções foram feitas para que estes também permitissem o acesso público ao miolo da quadra ou a transposição dos quarteirões através destes. Nova tipologia permitindo o acesso ao miolo da quadra. Fonte: Arquivo pessoal
Devido ao caráter da ocupação deste trecho urbano, a maioria dos edifícios mantidos foram aqueles que se voltavam ao canal, uma vez que apresentavam ainda caráter histórico ou possibilidade de revitalização ou readequação de uso de acordo com as estratégias do plano urbano. A porção costeira da ilha voltada ao braço do mar outrora reservada aos píers e armazéns foi onde ocorreu a maioria das demolições e onde posteriormente eclodiram diversas novas construções. Uma das diretrizes para esses novos empreendimentos foi o diálogo com a volumetria existente adjacente. A população havia, ao longo dos anos, fortemente se oposto à transformação da ilha em um oásis de alta verticalização em Copenhague. Esta solução hibrida entre o novo e o velho foi complementada pelo incentivo ao uso misto, especialmente no que diz respeito à ocupação do térreo por atividades comerciais e serviços: a construção do plinth.
Edifício restaurado fazendo face ao canal central de Christiânia. Fonte: Arquivo pessoal
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Rua restrita ao acesso de veículos permite o acesso à Praça da Christians Kirke Fonte: Arquivo pessoal
Novos edifícios próximos à área dos antigos armazéns Fonte: Arquivo pessoal A ocupação antiga face ao canal - Fonte: Arquivo pessoal Pág.99
A Gemini Towers do MVRDV, a praça-praia de Bjarke Ingels, o Banco Nacional de Arne Jacobsen e o Museu Judeu de Daniel Libeskind foram alguns dos edifícios emblemáticos que surgiram na região durante o processo. Dentre esses novos projetos, podemos tomar um como estudo de caso para elucidar a abordagem projetual estabelecida pelo plano de renovação: os edifícios da Krøyers Plads. O mapa analítico abaixo mostra a localização deste empreendimento, bem como a compilação das informações descritas acima: uso misto e sobreposição de soluções para a ocupação das quadras
Projeto Serviço Residencial Institucional Área verde
Uso do solo e implantação do projeto - Fonte: Rodrigo De Boni e Patrícia Oliveira Pág.100
O projeto elaborado por COBE Architects, concluído em 2016, pretendia a ocupação direta de um lote de 2 hectares anteriormente ocupado por um galpão de armazenagem do porto, portanto diretamente na linha costeira do Inderhavnen. A preocupação em manter a tipologia da área e as características arquitetônicas das construções antigas alinhou-se a outro condicionante estabelecido pelo partido do escritório de arquitetura: o diálogo com a Praça da Christians Kirke. Esta relação estabelecida com o marco acarretou na concepção de um corredor visual entre as duas construções (a nova e a histórica), tomando emprestado o alinhamento dos edifícios entre eles, o arruamento, e a proliferação dos plinths nos edifícios novos e antigos dispostos no percurso.
Fonte: COBE Architects O estudo volumétrico do edifício, além de estabelecer a supramencionada relação com o entrono, acarretou na composição da forma dos três prédios que compunham o projeto. Isto se deu também através da subversão dos elementos tradicionais da arquitetura dinamarquesa tradicional: ritmo das janelas, materiais da envoltória e tipologia dos telhados. Área de pedestres Projeto Institucional Área verde
Conceito da relação da Krøyers Plads (à esquerda) com os edifícios do entorno (as torres mais altas, da esquerda para a direita, são da Vor Frelsen Kirke e da Christian Kirke) Fonte: Rodrigo De Boni e Patrícia Oliveira sobre estudo do arquiteto.
Correlação entre as três lâminas do projeto; circulação pedonal adjacente e o visual da igreja. Fonte: Rodrigo De Boni e Patrícia Oliveira Pág.101
Subversão dos elementos tradicionais da arquitetura dinamarquesa Fonte: Rodrigo De Boni e Patrícia Oliveira sobre estudo do arquiteto
A implantação das três lâminas então permitiu a criação de uma praça central correlata ao visual da igreja e com o caminho pedonal entre eles, ao mesmo tempo em que conversou com o corpo d’água a Oeste, através da construção de um píer espraiado sobre o mar, em desnível, criando patamares e escadas-estar para a possibilidade de área em promover a contemplação e a convivência. No térreo, cada uma das lâminas foi dotada de um rasgo transversal permitindo a fluidez do pedestre por dentre o edifício. E na ocupação dessa faixa foram posicionados estabelecimentos comerciais e serviços para dar continuidade ao conceito de fachada ativa recorrente nos projetos inseridos no plano do Inderhavnen. Nos demais pavimentos superiores, conjuntos de apartamentos residências. O resultado, plástico e harmônico, orgânico, porém emblemático, público e privado, ilustra o trabalho dos seus criadores a partir dos condicionantes estéticos da arquitetura local bem como os parâmetros legais e emocionais determinados pelo plano geral de renovação do Inderhavnen.
A praça central e a volumetria dos edifícios Fonte: Rodrigo De Boni e Patrícia Oliveira sobre estudo do arquiteto
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Planta - Fonte: COBE Architects Fachadas ativas, volumetria e os caminhos pedonais. Fonte: Rodrigo De Boni e Patrícia Oliveira sobre estudo do arquiteto
Corte. – Fonte: Rodrigo De Boni e Patrícia Oliveira sobre desenho do arquiteto.
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Fonte: COBE Architects
Fonte: COBE Architects Pรกg.104
Fonte: COBE Architects
Fonte: COBE Architects
Fonte: COBE Architects Pรกg.105
5.2.5 Aprendendo com o Inderhavnen Ao estudarmos o projeto de renovação do Inderhavnen, algumas conclusões poderão ser extraídas para que posteriormente possam ser aplicadas tanto ao projeto urbano quanto ao projeto arquitetônico que se desenvolverão no presente trabalho: - O estabelecimento de políticas e parâmetros pelo poder público foi elemento chave para criação de um padrão para a ocupação futura pelo poder privado, ao passo em que garantiu a integridade dos valores inicias do projeto: acesso e uso determinado pela escala humana e pela circulação de pedestres, tipologia arquitetônica harmônica com o entorno, renovação do tecido cicatricial e restauro das edificações históricas.
- A justaposição de funções exercidas por um tecido urbano é fundamental como estratégia de apropriação coletiva e promove maleabilidade econômica e emotiva, condicionantes desejáveis para que a intervenção seja bem sucedida através de diferentes momentos históricos. Esta justaposição se dá nas escalas de circulação e seus vários modais, na dialética entre os espaços públicos e privados, na construção do funcional e do subjetivo, na evocação de significados possíveis de releitura e no zoneamento multifuncional (seja ele no edifício como unidade ou na totalidade da área).
- As intervenções de mobilidade em diversos níveis de circulação só puderam ser bem sucedidas quando aliada a estratégias do uso do solo, à criação de plinths (fachadas ativas) e à permeabilidade dos lotes (quando possível), sem necessariamente abandonar as preexistências importantes. - Os edifícios-âncoras, em sua maioria instituições voltadas ao lazer e a cultura, além de distintos por sua arquitetura, servem a um duplo propósito: promover a apropriação da vida cotidiana e atrair investimentos para a área. Apesar da possibilidade de tornarem-se marcos internacionais e inseri a cidade em uma teia global de destinos turísticos, o diálogo inicial com os citadinos deve sempre ser preservado com o intuito de evitar a gentrificação do espaço ou a apropriação unilateral dos equipamentos por turistas. - O planejamento participativo, ou seja, englobando público, privado e população local é arma importante para mitigar tanto a gentrificação quanto o efeito “elefante branco”. Paralelamente, permite que haja uma relativa organicidade no redesenho do tecido, o que aumentam as probabilidades de a área ser maleável economicamente e emotivamente e, portanto, mantendo seu caráter democrático. Porventura, isso possibilitará a já mencionada apropriação do espaço pela vida cotidiana urbana.
Fonte: COBE Architects
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5.3 11th Street Bridge Park (Anacostia Crossing)
WASHINGTON, ESTADOS UNDIDOS ANO STATUS ÁREA DE INTERVENÇÃO ARQUITETOS DESCRIÇÃO
2014 ESTUDO COMISSIONADO 284m OMA - PARQUE-PONTE CONECTANDO CENTRO HISTÓRICO E COM UNIDADE DE CLASSE MÉDIA TRADICIONAL - PROMOVER INTEGRAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL E SUSTENTABILIDADE - CIRCULAÇÃO E PERMANÊNCIA
Fonte: OMA Pág.107
5.3.1 Um Parque Elevado sobre o Rio Anacostia “Assim como as águas do estuário da Baia de Chespake, onde água fresca e água salgada de encontram para criar uma rica biodiversidade, a Anacostia Crossing cria um lugar para o compartilhamento da rica diversidade cultural das comunidades de ambos os lados do rio. A integração plena de arquitetura, paisagismo e infraestrutura permite a criação de uma experiência social cívica sustentável”.
A citação acima, em tradução livre, encerra a descrição do partido arquitetônico do projeto do 11th Street Bridge Park proposto pelo Office of Metropolitan Architecture, capitaneado por Rem Koolhaas em parceria com nove outros arquitetos. O texto, porém, nos serve como abertura para a análise do projeto, uma vez que sintetiza a abordagem do grupo na concepção deste parque linear que se projeta como ponte sobre o rio Anacostia, em Washington, Estados Unidos. O projeto de 2014 ainda esta classificado com “estudo comissionado”, mas reportagens recentes parecem garantir sua futura implantação. A passarela para pedestres, também denominada Anacostia Crossing, serve como ligação entre dois bairros díspares localizados nas duas extremidades do rio que os separa. A Oeste, o conjunto monumental da capital estadunidense e seu complexo de museus e galerias. Na porção Leste, uma comunidade de classe média de ocupação tradicional, rica em produção de artesanato e com comercio voltado à população local.
Croqui ilustra tridimensionalmente a interseção entre os dois caminhos. No ponto de central, loca-se uma praça para eventos. – Fonte: OMA Pág.108
A ponte-edifício ancora-se nas duas margens para servir como mais que um trajeto: um espaço de convivência e intercambio, de permanência, lazer e contemplação. Há, portanto a convergência do “deslocar” com o “permanecer”, respeitando a escala humana, a escala do pedestre. Claro, a predileção por esta escala vale-se do fato de que a conexão entre as margens pelo automóvel já está garantida pela ponte existente localizada imediatamente atrás do projeto. Consequentemente, o parque suspenso dialogará não só com ambas as comunidades e o rio sob o seu percurso, mas também será ponto focal daqueles que transpõe o rio em seus carros.
Esquema da inclinação e distância percorrida pelas duas lâminas. A simetria permite a intersecção em um eixo central. – Fonte: OMA
O desenho da ponte procura traduzir também a confluência das duas realidades. Duas lâminas partem de cada uma das margens e percorrem caminhos espelhados: a parte ancorada no solo de um dos bancos do rio eleva-se até um aclive-mirante em sua extremidade culminante. A outra lâmina faz o mesmo a partir de seu lado do rio. Os dois planos se cruzam ao meio, formando um “X”. Desta forma também, para o pedestre transpô-la, será necessário, em algum ponto, que este cruze de uma lâmina a outra, numa continuação da simbologia do intercâmbio entre as duas comunidades ligadas.
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As áreas para “relaxar”, “conviver”, “aprender” e “brincar” distribuídas em croqui tridimensional do projeto. – Fonte: OMA A elevação das duas lâminas também proporciona espaços que garantam a permanência do usuário tanto pelo seu uso permanente, quanto pela possibilidade de eventos sazonais, simultaneamente oferecendo áreas sombreadas e relativa proteção aos ventos frios do inverno. A distribuição dos usos permanentes e não permanentes se dá de forma lógica em categorias: “relaxar, conviver, brincar e aprender”. Tais atividades são locadas sob e sobre as lâminas, ou mesmo na intersecção entre os dois planos que correm em direções e alturas opostas. São equipamentos plugins de estimulo à vida cotidiana urbana como a escada-estar, a rede de descanso, o deck de convivência,o playground infantil e a praça de eventos. Instalações que mesmo que não originais, podem ser repetidas e testadas por outros empreendimentos urbanos como indutores da participação coletiva.
Esquema da distribuição do programa. Fonte: OMA
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A implantação em dois níveis também permite a sobreposição de áreas abertas e coletivas, com áreas mais íntimas e reservadas posicionadas em uma cota inferior. Por fim, há ainda a possibilidade de se ter acesso ao próprio rio abaixo. Nada melhor como o próprio escritório de arquitetura para resumir a estratégia:
“Os caminhos também formam plataformas elevadas em um declive de 5% com vistas para o Rio Anacostia, para as atividades na ponte, e marcos proeminentes dentro de Washington DC e Anacostia. Estas plataformas fornecem simultaneamente sombra e abrigo para o café no lado sudeste e o espaço de aprendizado e rede por entre as árvores no lado noroeste, por exemplo. De cada lado, uma cachoeira marca seu término e reconecta-os ao rio abaixo. No lado leste, esta cascata está ligada a um sistema de filtragem ativo que, juntamente com novas áreas de zonas úmidas adjacentes aos pilares da ponte, trabalha ativamente na limpeza do rio”. Curioso é que, ao estabelecer os marcos de Washington como parâmetros visuais para a concepção da ponte, o escritório OMA realiza estudo volumétrico semelhante àquele que COBE elaborou para a Krøyers Plads, mesmo que a relação volumétrica não seja tão óbvia quanto a existente no projeto dinamarquês.
Planta com a distribuição do programa. Fonte: www.archdaily.com
A revitalização do elemento água também parece ser uma intertextualidade entre os dois projetos. Se em Copenhague o canal do porto apresenta-se como uma cicatriz intransponível, no caso de Washington, além de separar as duas comunidades lindeiras (a pungente capital e o provinciano bairro de classe média) existe também o desafio de devolver a salubridade ao rio.
Isto ocasionou algumas estratégicas simbólicas (como a catarata no ponto culminante das duas lâminas de circulação), mas também determinou alguns usos institucionais distribuídos pela ponte-parque (museu sobre a história do rio e centros educativos de conscientização ambiental e de discussão de estratégias sustentáveis).
O 11th Street Bridge Park, à esquerda, em comparação com outros monumentos e Washington. Fonte: OMA.
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Perspectiva Ilustrativa – Fonte: OMA
Perspectiva Ilustrativa – Fonte: Washington Post
Perspectiva Ilustrativa – Fonte: www.archdaily.com
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Perspectiva Ilustrativa – Fonte: www.archdaily.com
5.3.1 Aprendendo com o 11th Street Bridge Park Perspectiva Ilustrativa – Fonte: www.archdaily.com
Ao estudarmos o projeto do 11th Street Bridge Park, algumas conclusões poderão ser extraídas para que posteriormente possam ser aplicadas tanto ao projeto urbano quanto ao projeto arquitetônico que se desenvolverão no presente trabalho: - Mesmo tratando-se de uma passarela entre duas margens do rio, o projeto promove uma miríade de experiências com o intuito de promover a apropriação coletiva. “Passar” torna-se também “contemplar”, “ficar”, “conviver”, “aprender”, “brincar”. O leque de opções oferecido ao usuário permite a constante renovação dos parâmetros individuais de identificação com o espaço construído e com aquilo que o envolve (o rio, os marcos existentes, os cheios e os vazios). Novamente, vemos a construção da maleabilidade emocional como estratégia para o sucesso do projeto.
- A função social da arquitetura em articular as diferentes realidades coletivas (classes, etnias, culturas, histórias) torna-se um ponto crucial do projeto, uma vez que o propósito do edifício-ponte está em não só transpor o rio, mas também interligar as duas comunidades díspares assentadas em cada uma de suas margens. - O equipamento como um todo, mesmo que voltado ao pedestre, acoplase às estruturas de circulação prévia ao posicionar-se imediatamente em frente à ponte rodoviária existente. Ele requalifica o modelo vigente (através da intertextualidade visual) e oferece uma alternativa de circulação voltada à escala humana.
- A qualidade dos espaços internos se dá diretamente pelo desenho dos espaços abertos (praças, gramados, jardins, pisos). Na verdade, o projeto parece ter criado os interiores a partir dos exteriores, o que, de certa forma, vai na contramão do que normalmente se adota como estratégia projetual de espaços livres. Pág.113
5.4 Centro Comercial Bom Retiro
SÃO PAULO, BRASIL ANO STATUS ÁREA DE INTERVENÇÃO ARQUITETOS DESCRIÇÃO
Pág.114
1957 CONSTRUÍDO 17.075m² LUCIAN KORNGOLD - CONJUNTO MULTIFUNCIONAL DISPOSTO EM 2 LÂMINAS DE 5 ANDARES E TORRE CENTRAL DE 11 ANDARES - TIPOLOGIA DA QUADRA ABERTA -CIRCULAÇÃO E FACHADA ATIVA EM 2 NÍVEIS (TÉRREO E PASSARELA)
Esquemas teóricos de Christian de Portzamparc sobre a cidade da primeira era (à direita) e da segunda era (à esquerda). – Fonte: revista online “Vitruvius” de 11 de abril de 2011
5.4.1 Uma tipologia pioneira Muito antes das teorias sobre o urbanismo da nova era de Portzamparc terem garantido a fama da quadra aberta, ao propor ser esta a metodologia urbana conciliadora entre os preceitos da cidade antiga e do urbanismo funcional, esta tipologia já havia sido experimentada em diversas partes do mundo. Na realidade, a própria teoria de Portzamparc não pretendia inventar a roda, apenas embasar teoricamente uma abordagem de projeto que parecia atender aos conceitos modernos de direito à cidade e possuía foco prioritário na escala da vivência humana. É de se surpreender, porém, que projeto semelhante elaborado por Lucjan Korngold no bairro de Bom Retiro, na década de 50, tenha colocado em prática essa estratégia, ainda em fase embrionária, mesmo sob a efervescência dos conceitos modernistas. A afirmação ganha força, sobretudo ao contextualizarmos o peso do modernismo no Brasil, onde tais paradigmas ainda floresciam e estavam fortemente enraizados à identidade arquitetônica nacional (principalmente pela obra bem sucedida e prolixa de Oscar Niemeyer).
Fonte: Arquivo Pessoal Pág.115
Implantação do Centro Comercial Bom Retiro Fonte: revista online “Vitruvius” de 11 de abril de 2011
Vista aérea do centro comercial. Fonte: revista online “Vitruvius” de 11 de abril de 2011
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O pioneirismo de Korngold foi possível graças ao perfil cosmopolita dos investidores que o contrataram para o projeto, imigrantes europeus como ele, que buscavam estabelecer-se na capital paulista e enriquecer com atividades comerciais. Talvez, neste caso, a otimização do lucro com as possibilidades do lote, um miolo de quadra com saídas opostas voltadas às ruas Ribeiro de Lima (a Leste) e José Paulino (a Oeste), no coração do bairro imigrante do centro de São Paulo, tenha definido a tipologia e a implantação. Em outras palavras, a inovação se deu ao se abraçar as possibilidades apresentadas pelo terreno aliadas as condicionantes do projeto. É o que escreve Abílio Guerra, em seu artigo para a revista online “Vitruvius” de 11 de abril de 2011, em artigo intitulado “Quadra aberta: uma tipologia urbana rara em São Paulo”:
Assim, para atender a demanda dos seus contratantes, Korngold cria duas torres de 5 pavimentos que se apoiam nas preexistências lindeiras. Ao centro, uma torre maior, de 11 pavimentos. Entre as edificações, um arruamento que emula as vias externas, invade a quadra e permite que o pedestre transponha a distância entre as duas ruas adjacentes ao cruzar o interior do lote. No térreo, lojas com pé direito duplo para permitir a instalação de letreiros e um eventual mezanino interno para estocagem de mercadorias. Concomitante a estratégia apresentada na implantação, uma passarela superior conecta as duas lâminas mais baixas e tem, assim como no térreo, estabelecimentos comerciais voltados ao seu percurso. Esta “sobreposição de dois térreos” funciona como se o conceito (tão moderno) de fachadas ativas tivesse sido duplicado verticalmente. Claro, é possível que ela tenha sido adotada principalmente para maximizar as possibilidades de lucro com o empreendimento. Há ainda, no pavimento superior às lojas, uma centena de conjuntos comerciais de tamanhos variados. Segundo último documento existente de aprovação do projeto junto á prefeitura, datado do ano de 1957, somam-se ao todo 73 lojas e 347 salas comerciais distribuídos pelos três volumes.
“Aproveitando o miolo de quadra, que pode ser acessado por dois lotes em ruas distintas José Paulino e Ribeiro de Lima -, o arquiteto polonês projetou uma edificação contínua (...) que se encosta-se aos muros dos fundos dos lotes lindeiros, conformando uma clareira, no centro da qual dispôs uma pequena torre (...). A arquitetura é fortemente marcada pela simplicidade geométrica do modernismo europeu, que se acomoda às restrições orçamentárias de um edifício voltado ao empreendimento imobiliário.”
Plantas dos níveis (em sentido horário, nível passarela, nível superior, térreo e primeiro pavimento) – Fonte: revista online “Vitruvius” de 11 de abril de 2011.
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Massa das edificações. Fonte: Desenho do autor sobre imagem em “Korngold, a Trajetória de Um Arquiteto Imigrante”, de Anat Falbel (FAU/USP , 2003)
- LEGENDA -
CIRCULAÇÃO PEDONAL ÁREAS LIVRES ZONA EDIFICADA
Análise da Implantação: à esquerda, o pavimento térreo; à direita, o pavimento ao nível das passarelas. Fonte: Desenho do autor sobre imagem em “Korngold, a Trajetória de Um Arquiteto Imigrante”, de Anat Falbel (FAU/USP , 2003)
Estudo das Proporções e Usos (elevação esquemática sem escala). Fonte: Desenho do autor
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Mesmo voltada ao lucro imobiliário, a solução pioneira de Korngold acaba contemplando (e dando vida) às teorias de Portzamparc ao incitar a apropriação coletiva do espaço através dessa tipologia particular. Simultaneamente, é percussora também ao considerar a perspectiva “ao nível dos olhos”, além de subvertê-la tridimensionalmente, estendendo-a aos domínios da passarela no piso superior.
Algumas características da passarela verificadas em levantamento in loco Fonte: Desenho do autor sobre foto do arquivo pessoal.
Algumas características da passarela verificadas em levantamento in loco Fonte: Desenho do autor sobre foto do arquivo pessoal.
Perspectivas – Fonte: revista online “Vitruvius” de 11 de abril de 2011. Pág.119
Fonte: Arquivo pessoal
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5.4.2 Aprendendo com o Centro Comercial Bom Retiro Ao estudarmos o projeto do Centro Comercial Bom Retiro, algumas conclusões poderão ser extraídas para que posteriormente possam ser aplicadas tanto ao projeto urbano quanto ao projeto arquitetônico que se desenvolverão no presente trabalho: - Mesmo que a solução da quadra aberta adotada por Korngold seja um testemunho de uma tipologia em experimentação, a solução de dotá-la de fachada ativa no térreo funciona como chamariz para o fluxo de pedestres e dialoga com a ocupação tradicional circundante. Apesar da ausência de espaços exclusivamente pedonais, já que o interior do lote é cortado por arruamentos semipúblicos que se assemelham às vias do bairro, as atividades econômicas plurais (serviço e comercio) exercidas por todo o complexo garantiram a presença coletiva que, por sua vez, impôs novas soluções para aperfeiçoar e dar qualidade à sua permanência. Mesas, bancos e canteiros dispostos sobre o leito carroçável e a restrição do acesso de veículos de não proprietários mostram como o uso cotidiano acaba por estabelecer novos paradigmas que não estavam inicialmente previstos em projeto. - A extensão da fachada ativa do térreo para o pavimento da passarela contribui tanto comercialmente (potencializar o lucro imobiliário) quanto para a escolha do usuário. Temos então uma solução mediadora entre as forças econômicas e a escala (e a experiência) do usuário. Há maleabilidade tanto econômica, quanto emotiva. - As proporções do térreo (pé-direito em relação à passarela) são suficientemente passíveis de modulação e personalizáveis (construção e dimensionamento de mezanino e instalação de letreiros ou fechamentos). - As proporções da passarela permitem o fluxo confortável de pedestres e funcionam ora como calçada elevada, ora como pavimentos internos que permitem o acesso aos conjuntos superiores ou o retorno ao térreo (aporte à circulação vertical). Isso permite novamente que o usuário conecte-se ao espaço de forma facultativa e renovável, além de promover a surpresa (relação dentro e fora).
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Capítulo 6. SUTURAS URBANAS: O PLANO DAS 13 QUADRAS
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6.1 A construção do partido urbano “Estou procurando uma linguagem. O ser humano tem muitas linguagens: há aquela em que conversamos com as crianças; há ainda aquela que se fala de amor. Mas há também a linguagem em que falamos conosco mesmos, construímos nossas conversas interiores. Na rua, no trabalho, em viagens: em todo o lugar, ressoa algo diferente, mudam não somente as palavras, mas alguma outra coisa.” Svetlana Aleksiévitch, O Fim do Homem Soviético
“Manipulações programático-espacias podem, de certa forma, sugerir – mas nunca definir ou prescrever – as circunstâncias pelas quais se expressam o ato de morar e o de demorar-se na arquitetura. A montagem de uma situação espacial, como nos textos derridianos, abre a possibilidades do acontecimento, de algo além do previsto pela montagem, do porvir. É nisso que se aposta.” Igor Guatelli, Arquitetura dos Entre-Lugares
Ilustração de Rod Hunt, coleção “Cities and Maps”
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Nocapítulo4,aonosdebruçarmossobreaáreaderecorte,discorremossobrealgumas possibilidades para a elaboração de um plano urbanístico de intervenção para a área a qual nomeamos como “quadras-relegadas”, ou “sombras”. Estabelecemos também, mais do que um simples desejo, a importância de integrá-las às duas forças já atuantes no eixo da Avenida Santo Amaro: o poder público municipal e o mercado imobiliário. Além de mediar esses dois interesses, devemos também assegurar que eles trabalhem para a criação de um ambiente urbano democrático, ou seja, que garantam as qualidades coletivas do espaço e que não criem barreiras (visíveis e invisíveis) para a participação e a apropriação pública. Apontamos ainda outra direção para o exercício da intervenção urbana: a integração destas quadras àquele tecido cujos atrativos já foram estabelecidos por suas potencialidades construtivas (e mercadológicas) e/ou pela intenção transformadora da legislação urbana da cidade. Esta integração, o que poeticamente podemos chamar de sutura, será efetuada através de uma ancoragem do plano renovador junto a este tecido com uma dupla pretensão, que funciona em vetores opostos: evitar um padrão urbanístico para as “quadras-relegadas” que possa ele mesmo tornar-se um fator excludente e, simultaneamente, conduzir as potencialidades já presentes no tecido consolidado (ou virtualmente consolidado) em direção à “sombra”.
unidimensional e leviana, esses três binômios devem estar dotados de maleabilidade para que, de alguma forma, permitam a reconfiguração e a reconexão do espaço (construído e não construído) com eles mesmos, ou seja, com as próprias forças condicionantes que serão indubitavelmente apresentadas em formas diferentes em momentos que sucederão a “solução” proposta. “Solução” assim, entre aspas, uma vez que não há, nem deve haver, a pretensão de atingirse uma síntese na metodologia ou no desenho e, por isso mesmo, estes devem permitir uma abertura permanente para novas perguntas e, consequentemente, novas possibilidades de respostas. A maleabilidade permite que o empirismo do fazer urbanístico não implique necessariamente num processo ininterrupto de demolição e reconstrução.
Este conceito teórico proposto deve encontrar sua vazão aplicável e tornar-se estratégia criativa concreta na elaboração de diretrizes associadas ao caso da Avenida Santo Amaro e o ao nosso recorte de estudo. Esta implicação foi crucial na elaboração das virtualidades encontradas através da análise: um ponto de partida para que o campo as ideias se concretize em tática e prática. Mas como nenhum projeto urbano se desenvolve sobre tabula rasa, é fundamental que consideremos a existência de outras estratégias já elaboradas para o mesmo De maneira incipiente, apresentamos também, no supracitado capítulo, universo ao qual estamos nos debruçando, mais especificamente aquilo que a instrumentos para por em prática uma tática urbanística: a demolição parcial das municipalidade estabelece como intenções futuras para a região e que estão preexistências (baseadas na observação de suas precariedades e na inadequação contidas no Plano de Requalificação Urbana da Avenida Santo Amaro. em relação ao que preconiza a legislação incidente) e possibilidades de conexões físicas entre quadras em diferentes esferas (aéreas ou ao nível do solo, em diferentes categoriais de modais de circulação, entre edifícios ou na articulação dos espaços livres). Todo esse primeiro leque que se abre através da análise estabelece um horizonte possível, mas ainda está longe de constituir uma definitiva postura projetual, um ponto de partida, um partido. Para tanto, será primordial que contemos com outros indutores cruciais no processo: conceitos e diretrizes. Conceito aplicável será aquele resultante da discussão teórica elaborada no capítulo 2, fio condutor metodológico para a elaboração do plano de renovação. Assim, será valioso para o prosseguimento lógico do trabalho que este seja sucintamente reapresentado. A partir da discussão dos determinantes incisivos no processo de construçãodesconstrução das cidades, das problemáticas resultantes da relação dialética entre industrialização-urbanização e do desafio de buscarmos uma base metodológica de apoio para o fazer urbanístico em uma “nova era” das cidades, fora proposto um diagrama que correlaciona os condicionantes histórico-econômicos (binômio “aquis/agoras”) e os condicionantes da percepção coletiva e individual do espaço (binômio “eus/nós”), ambos infindavelmente em transformação através do espaçotempo. Como qualquer estratégia dogmática para o arquiteto-urbanista é parcelar,
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b) Ambiente Urbano: Conexão de equipamentos, ampliação de passeios, (promover a inclusão de) pedestres e ciclistas, conectar áreas verdes.
O Plano de Requalificação, conforme já mencionado, visa à melhoria dos condicionantes físicos da paisagem urbana da avenida. Em sua concepção, ele discorre sobre estratégias para alcançar tal objetivo classificadas em três esferas distintas (porém inter-relacionadas): mobilidade, ambiente urbano e uso e ocupação do solo, cada qual com seu rol de diretrizes próprias: a) Mobilidade: paradas em canteiro central, renovar abrigos, ultrapassagem livre, acessibilidade universal e renovação da frota.
Fonte: Caderno do Plano de Requalificação Urbana da Avenida Santo Amaro. Disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/projetos-urbanos/requalificacao-santo-amaro/
Fonte: Caderno do Plano de Requalificação Urbana da Avenida Santo Amaro. Disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/projetos-urbanos/requalificacao-santo-amaro/
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DIRETRIZ INICIAL (PMSP) c) Uso e Ocupação do Solo: Uso misto, circulação não computável, remembramento dos lotes, densidade habitacional, fruição pública, fachada ativa e calçadas largas.
DIRETRIZ DO PARTIDO FECHAMENTO PEDONAL ENTRE VIAS (ONDE POSSÍVEL)
AMBIENTE URBANO
PEDESTRES E CICLISTAS
POSSIBILIDADE DE ESCOLHA DE CIRCULAÇÃO E ACESSOS AOS EDIFÍCIOS E EQUIPAMENTOS SOBREPOSIÇÃO DE ESCALAS DE MODAIS DE CIRCULAÇÃO CONEXÃO E RECONEXÃO DO USUÁRIO COM O ESPAÇO LIVRE E CONSTRUÍDO INTEGRAÇÃO VISUAL E EMOTIVA POR MEIO DO PAISAGISMO (PAISAGISMO LÚDICO)
CONECTAR ÁREAS VERDES
SUSTENTABILIDADE DAS ÁREAS VERDES INCREMENTAR A VARIEDADE E QUANTIDADE DE ESPÉCIES POSSIBILIDADE DE ESCOLHA DE CIRCULAÇÃO E ACESSOS Á EQUIPAMENTOS SOBREPOSIÇÃO DE ESCALAS DE MODAIS DE CIRCULAÇÃO
AMPLIAÇÃO DE PASSEIOS
CONEXÃO E RECONEXÃO DO USUÁRIO COM O ESPAÇO LIVRE E CONSTRUÍDO FECHAMENTO PEDONAL ENTRE VIAS (ONDE POSSÍVEL) QUADRA ABERTA POSSIBILIDADE DE ESCOLHA DE CIRCULAÇÃO E ACESSOS AOS EDIFÍCIOS E EQUIPAMENTOS QUADRA ABERTA MULTIFUNCIONALIDADE DOS EDIFÍCIOS
CONEXÃO DE EQUIPAMENTOS
MULTIFUNCIONALIDADE DO TECIDO URBANO (USO MISTO DAS QUADRAS) FACHADA ATIVA / CRIAÇÃO DE PLINTHS EXTENSÃO VERTICAL DOS PLINTHS PLUG-INS: EQUIPAMENTOS PROMOTORES DA APROPRIAÇÃO COLETIVA QUADRA ABERTA
USO MISTO
MULTIFUNCIONALIDADE DOS EDIFÍCIOS MULTIFUNCIONALIDADE DO TECIDO URBANO (USO MISTO DAS QUADRAS) MALEABILIDADE DO ESPAÇO COSTRUÍDO (ESPAÇOS MODULARES E ADAPTÁVEIS)
CALÇADAS LARGAS
FECHAMENTO PEDONAL ENTRE VIAS (ONDE POSSÍVEL) QUADRA ABERTA DEMOLIÇÃO DO SUBUTILIZADO / PRECÁRIO / NÃO CONDIZENTE COM A LEGISLAÇÃO
Fonte: Caderno do Plano de Requalificação Urbana da Avenida Santo Amaro. Disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/projetos-urbanos/requalificacao-santo-amaro/ Se alguns dos pontos elencados pelo plano de transformação da prefeitura convergem com a nossa análise, outros parecem estar à margem do alcance de nossa proposta, como é o caso do item “mobilidade” - uma série de posturas circunscritas primordialmente na esfera da “gestão”. Outros, como “acessibilidade universal”, são condicionantes elementares para qualquer projeto, e sua natureza não necessita de subsequentes elucidações teóricas. De resto, para aqueles que concernem à esfera do urbanismo, levemos em conta sua incorporação como diretrizes gerais, sobretudo se mantivermos a premissa da criação de uma estratégia de projeto que seja mediadora entre o poder público, o poder privado e o interesse coletivo. Filtrando-as através de nossos alicerceis conceituais, podemos alavancar o debate criando uma conciliação entre o preexistente e o personalista.
USO E OCUPAÇÃO DO SOLO
DENSIDADE HABITACIONAL
MULTIFUNCIONALIDADE DOS EDIFÍCIOS MULTIFUNCIONALIDADE DO TECIDO URBANO (USO MISTO DAS QUADRAS) MALEABILIDADE DO ESPAÇO COSTRUÍDO (ESPAÇOS MODULARES E ADAPTÁVEIS) FRUIDEZ ENTRE ESPAÇOS INTERNOS E EXTERNOS FECHAMENTO PEDONAL ENTRE VIAS (ONDE POSSÍVEL) POSSIBILIDADE DE ESCOLHA DE CIRCULAÇÃO E ACESSOS AOS EDIFÍCIOS E EQUIPAMENTOS SOBREPOSIÇÃO DE ESCALAS DE MODAIS DE CIRCULAÇÃO CONEXÃO E RECONEXÃO DO USUÁRIO COM O ESPAÇO LIVRE E CONSTRUÍDO INTEGRAÇÃO VISUAL E EMOTIVA POR MEIO DO PAISAGISMO (PAISAGISMO LÚDICO)
FRUIÇÃO PÚBLICA
QUADRA ABERTA MULTIFUNCIONALIDADE DOS EDIFÍCIOS MULTIFUNCIONALIDADE DO TECIDO URBANO (USO MISTO DAS QUADRAS) FACHADA ATIVA / CRIAÇÃO DE PLINTHS EXTENSÃO VERTICAL DOS PLINTHS PLUG-INS: EQUIPAMENTOS PROMOTORES DA APROPRIAÇÃO COLETIVA MALEABILIDADE DO ESPAÇO COSTRUÍDO (ESPAÇOS MODULARES E ADAPTÁVEIS) QUADRA ABERTA MULTIFUNCIONALIDADE DOS EDIFÍCIOS MULTIFUNCIONALIDADE DO TECIDO URBANO (USO MISTO DAS QUADRAS)
FACHADA ATIVA
FACHADA ATIVA / CRIAÇÃO DE PLINTHS EXTENSÃO VERTICAL DOS PLINTHS MALEABILIDADE DO ESPAÇO COSTRUÍDO (ESPAÇOS MODULARES E ADAPTÁVEIS) FRUIDEZ ENTRE ESPAÇOS INTERNOS E EXTERNOS DEMOLIÇÃO DO SUBUTILIZADO / PRECÁRIO / NÃO CONDIZENTE COM A LEGISLAÇÃO
REMEMBRAMENTOS DOS LOTES
QUADRA ABERTA FRUIDEZ ENTRE ESPAÇOS INTERNOS E EXTERNOS
CIRCULAÇÃO NÃO COMPUTÁVEL
MALEABILIDADE DO ESPAÇO COSTRUÍDO (ESPAÇOS MODULARES E ADAPTÁVEIS) DEMOLIÇÃO DO SUBUTILIZADO / PRECÁRIO / NÃO CONDIZENTE COM A LEGISLAÇÃO
Mesmo mais alinhadas com as propostas conceituais, diretrizes ainda são apenas diretrizes, Para transformá-las em realidade prático-sensível, será preciso que elas deixem o campo das ideias e adentrem o fascinante (e arriscado) terreno do projeto. Isto exigirá que as comparemos com aquelas virtualidades iniciais encontradas através da análise. Por fim o leitmotiv: o partido.
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6.2 O partido urbano
O projeto urbano desenvolvido sobre a Avenida Santo Amaro partiu da prerrogativa de promover a inserção de 5 quadras que se encontram à sombra dos planos transformadores e da legislação vigente junto ao restante do tecido do eixo que contam com a ação de forças renovadoras no presente ou num futuro próximo. Ao suturar esta cicatriz urbana junto ao tecido virtualmente “saudável”, ou seja, cujo horizonte transformador é mais palpável devido à presença de políticas públicas atrativas, o projeto visou à elaboração de novos padrões urbanísticos visuais e de ocupação e uso do solo, dotando todo o ambiente lindeiro à via de um potencial e de uma qualidade até então a esta sonegado pelo poder público e pelo poder privado. A demarcação do terreno a renovar foi influenciada pela presença de uma ciclofaixa desconexa presente no miolo de Moema, que serviu como linha-guia para a reunião de 8 outras quadras ao escopo, totalizando 13 quarteirões como objeto de estudo e intervenção urbana. Após debruçar-se sobre as preexistências destas quadras, o plano ousadamente apontou aquelas que poderiam ser demolidas e aquelas cuja permanência era necessária ou cujos parâmetros físicos encontram os condicionantes legais do zoneamento. O resultado criou uma partitura espacial concreta, com lacunas a preencher, mas pontuada por algumas notas esparsas, prontas para serem conectadas à nova sinfonia urbana. A conexão física entre as quadras parte do nível do térreo, com o fechamento oportuno de alguns cruzamentos para passagens pedonais, unicamente onde a estrutura de circulação viária permitiu que tal solução fosse adotada sem prejudicar a fluidez do transporte automotivo. Numa opção mais dramática, a costura entre as quadras será feita por um equipamento acoplado sobre elas e transpassando o leito carroçável da avenida no plano aéreo: um sistema de passarelas.
Croqui: Ilustração conceitual do Plano das 13 Quadras.
Croqui: As perspectivas e as emoções inspiradas na obra de Louise Bourgeois.
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O sistema de passarelas repousa sobre as quadras como as aranhas de Louise Bourgeois, transitando entre diferentes (e por vezes conflitantes) esferas. Apresenta-se em dimensões monumentais, mas sob sua estrutura e seu tabuleiro, a passarela é acolhedora. Permite a transposição dinâmica do terreno, mas convida à contemplação. Convida o usuário a observar a cidade em uma escala inusitada, pairando sobre a vida urbana que flui sob ela, ao passo em que propõe um outro modo de circular, seja em pequena escala (passando ao lado e dentro dos edifícios construídos) ou na macroescala (conectando os bairros opostos entre si e permitindo ao pedestre e ao ciclista o trânsito entre as 4 pontas culminantes do projeto). A passarela é um duplo (Dostoievski), um elemento ambíguo, que dialoga com seu oposto: é concreta e palpável enquanto estrutura física, mas abstrata enquanto permite uma conexão aberta com o usuário, consentido a constante escolha de como este poderá desfrutar do espaço construído e do espaço não construído. Ela subverte as perspectivas da cidade, se impondo sobre a dinâmica frenética da vida do térreo ao mesmo tempo em que a mimetiza. Como os aracnídeos monumentais da escultora franco-americana, ela permite diversas leituras por parte do espectador.
Esta via pedonal elevada fornecerá também uma oportunidade mercadológica: estender as possibilidades comerciais do térreo a um segundo nível, criando uma sobreposição vertical de plinths, sendo, portanto um elemento propício ao despertar do interesse do mercado imobiliário, dos pequenos e dos grandes negócios. Conecta-se obrigatoriamente também com aquilo que está construído acima de sua abrangência.
Croqui: As perspectivas e as emoções inspiradas na obra de Louise Bourgeois.
Croqui: Modulação maleável.
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Aqui e ali, o espaço não edificado estará dotado de equipamentos que se acoplam ao solo e se alternam em todo o sistema: os chamados plug-ins. Estes elementos de dimensões e utilidades variadas são um convite à apropriação do espaço e procuram a sustentabilidade do todo através da promoção do direito coletivo. Eles sugerem atividades, mas nunca impões um uso dogmático do espaço residual entre as construções. Inserem-se entre prédios, muros, espelhos d’água e canteiros, ao ar livre ou sob a passarela, incitando a presença, a permanência e a livre vivência. A via elevada também poderá tornar-se um parque. Ela permite que sobre o seu leito, o usuário possa acessar a copas das árvores, transformando estas em verdadeiros jardins e pomares suspensos. Aqui, vale ressaltar que o uso das espécies respeitou as indicações existentes feitas pela prefeitura para o plantio e, nas quadras às margens destas indicações, foram sugeridos exemplares frutíferos, tornando a vegetação um elemento lúdico para o usuário. Já ao nível do solo, o sistema de passarelas será também uma enorme marquise para o pedestre, provendo conforto e incitando às atividades coletivas que se desenrolam nos miolos das quadras.
O plano procurou, tendo como guia a Lei de Zoneamento e a Operação Urbana Faria Lima, ocupar as quadras em seu máximo potencial, conforme sua concepção exigiu. Determinar as diretrizes para os volumes a serem construídos seguiu não só estes condicionantes burocráticos, mas também as particularidades espaciais de cada uma das quadras e de seu entorno imediato. Todo o plano prima pela multifuncionalidade do edifício, bem como a multiplicidade de usos da área de intervenção como um todo. Esta postura projetual é fundamental para a promoção do uso coletivo da arquitetura. Edifícios residenciais, comerciais e institucionais estão sempre dotados de alguns espaços para lojas e serviços no nível do térreo e da passarela (o já mencionado plinth verticalmente estendido). Estes espaços em especial foram detalhados quanto às suas potencialidades de modulação (e ocupação) vertical e horizontal, amortizando assim a possibilidade de tornarem-se obsoletos ou subdimensionados para eventuais novos usos que surgirão.
O sistema de quadra abertas permitirá o alargamento dos passeios da avenida, conforme preconiza o Plano da Prefeitura, pois mesmo que o alinhamento inicial esteja dentro do padrão proposto, a ausência de muros e barreiras permitirá o livre acesso ao interior dos lotes, bem como a completa fluidez pública. Ilustração da PMSP para a nova arborização da Santo Amaro. Fonte: Caderno do Plano de Requalificação Urbana da Avenida Santo Amaro. Disponível em: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/projetos-urbanos/ requalificacao-santo-amaro/
Croqui: Parâmetro proposto pelo plano
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Onde foi possível e oportuno, o projeto posicionou edifícios âncoras, elementos significativos para a plasticidade do conjunto, para atrair o interesse do capital privado e para a promoção do caráter coletivo e participativo do projeto. Um edifício voltado ao lúdico (o museu interativo da quadra 03), um voltado à memória e à sustentabilidade (o aquário sobre a ponte) e um voltado à prática esportiva (o edifício da quadra 11); todos eles com sua particular dose de promoção da cultura. Há ainda um quarto edifício institucional posicionado na quadra limítrofe de numero 13, onde se intenciona a instalação de uma sociedade civil que zele pela integridade do plano, que tenha poderes para aprovar novos projetos circunscritos no eixo do plano, que possa propor eventuais modificações e ajustes (via participação pública) e que faça revindicações junto ao poder público que sejam de interesse da integridade do espaço renovado (e sua possível adaptação às necessidades ou desafios futuros). Desta forma, a renovação proposta almeja suprir os bairros adjacentes, a cidade e seus citadinos, de espaços públicos e privados que respeitem a premissa coletiva (e acolhedora) do urbano, através de estratégias maleáveis e mediadoras entre os interesses distintos que atuam na construção dos lugares da cidade. Instiga uma sucessão de oportunidades e escolhas renováveis individuais e coletivas que gravitam entre o construído e o não construído, pensando nos diversos níveis da experiência e nas múltiplas facetas da vida urbana.
6.3 O programa urbano O Plano das 13 Quadras abrange uma área total de pouco mais de 4 hectares. Propõe a demolição de 14.145m², mas planeja a construção de 85.658,50 m², um acréscimo de 71.513,50m² de área construída. Conta com edifícios comerciais, residenciais e institucionais espalhados pelas nesgas destas quadras que estão imediatamente voltadas à Avenida Santo Amaro. O projeto ainda conta com duas diretrizes não computáveis neste primeiro momento: aponta a necessidade de uma passagem subterrânea sob a Avenida dos Bandeirantes (ligando Moema ao Campo Belo) e assinala a construção do edifício institucional sobre a ponte entre as quadras 05/07 e 10. Sobre este último, sua área de implantação está delimitada no projeto, mas não está contabilizada nas estatísticas, uma vez que suas dimensões dependerão de projeto específico. Sua construção é crucial e deve ser incorporado à arquitetura geral do plano através de concurso.
A passarela, em sua dupla função, serve de aporte vertical à circulação, mas também é parte funcional das áreas livres públicas nos miolos das quadras. Desta forma o plano as computa simultaneamente como “área construída” (como demanda a legislação municipal) e como área livre (segundo sua real funcionalidade para o projeto). São acessadas por meio de rampas, escadas e elevadores públicos. As áreas públicas, além de permitirem o generoso plantio de espécies arbóreas (320 unidades de 7 diferentes espécies), contam com canteiros, espelhos d’água e eventuais sanitários públicos. A pavimentação destas áreas se dá pela extensão do piso utilizado no passeio público.
A tabela a seguir esmiúça os números quadra a quadra e os apresenta em sua totalidade. PLANO URBANÍSTICO EM NÚMEROS
QUADRA 01
COMERCIAL (m²)
ÁREA TOTAL (m²)
ÁREA DEMOLIDA (m²)
ÁREA CONSTRUÍDA (m²)
ACRESCIMO CONSTRUTIVO (m²)
PROJEÇÃO DAS EDIFICAÇÕES NO LOTE* (m²)
ÁREA LIVRE (m²)
ÁREA PASSARELA (m²)
ÁREA LIVRE + ÁREA SOB PASSARELA (m²)
LOJAS E SERVIÇOS
4,866.00
2,433.00
4,820.00
2,387.00
2,336.00
2,530.00
790.00
3,320.00
4,030.00
QUADRA 02
2,299.00
1,149.50
2,224.00
1,074.50
874.00
1,425.00
600.00
2,025.00
1,624.00
QUADRA 03
5,027.00
2,513.00
4,956.75
2,443.75
2,312.50
2,714.50
379.50
3,094.00
384.14
QUADRA 04
1,364.00
545.60
1,360.00
814.40
572.00
792.00
280.00
1,072.00
1,080.00
ESCRITÓRIOS
674.25
10,746.50
10,072.25
1,348.50
1,348.50
182.00
1,530.50
2,284.00
1,322.40
3,256.00
1,933.60
1,322.40
1,983.60
646.00
2,629.60
2,333.12
QUADRA 08
3,860.00
1,930.00
3,830.00
1,900.00
1,544.00
2,316.00
830.00
3,146.00
2,683.30
316.70
QUADRA 09
3,250.00
812.50
12,930.90
12,118.40
1,982.50
1,267.50
118.00
1,385.50
2,463.00
9,749.90
166.00
994.95
828.95
611.80
3,435.20
525.00
3,960.20
1,259.50
19,326.90
18,067.40
1,511.40
3,526.60
298.00
3,824.60
1,292.46
QUADRA 12
4,728.00
1,182.00
18,796.50
17,614.50
1,985.75
2,742.25
395.00
3,137.25
325.20
QUADRA 13
629.00
157.25
2,416.00
2,258.75
440.30
188.70
49.00
237.70
D 01 (PRAÇAS)
TOTAL
41,111.00
14,145.00
85,658.50
71,513.50
16,841.15
24,269.85
8,280.50
18 34 29 600.00
24
788.98
24
1,338.60
30
469.95 5,208.75 5,267.10
11,738.71
11,470.60
1,183.86
39
1,183.14
13
A COMPUTAR / DEPENDE DE PROJETO ESPECÍFICO
5,092.50
29,362.35
18,499.22
ÁRVORES (unidade)
31
276.88
A COMPUTAR / DEPENDE DE PROJETO ESPECÍFICO
D 02 (PONTE)
PLUG-IN INSERIDO NO EDIFÍCIO (m²)
17
2,697.00
4,047.00
ADMINISTRAÇÃO
21
3,306.00
5,038.00
LAZER E CULTURA
4,193.11
QUADRA 06
QUADRA 10
INSTITUCIONAL
40
QUADRA 05/07
QUADRA 11
HOTEL
RESIDENCIAL (m²)
16,794.44
8,280.50
43,574.16
16,679.35
15,931.82
A COMPUTAR 1,653.09
17,584.91
2,727.58
320
*: Referente aos elementos computados para cálculo da taxa de ocupação (projeção das plantas dos edifícios e da passarela sobre o terreno)
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O programa também distribui nestas áreas equipamentos indutores da apropriação coletiva, os chamados plug-ins (numa alusão aos equipamentos móveis e modulares propostos teoricamente pelo grupo Archigram). São eles:
b) Colmeia Pública: o menos óbvio dos plug-ins, ele estabelece uma relação indireta com o coletivo. Promove essencialmente a salubridade das áreas verdes e preserva a dinâmica natural da fauna urbana. Experiências semelhantes estão sendo feitas em diversas cidades do mundo. As colmeias podem estar instaladas em postes, bem acima do nível do solo, e podem ser baixadas para manuseio através de sistema de roldanas ou manivelas. A extração e exploração comercial do mel podem ser delegadas a empresas privadas (através de licitação) ou mesmo geridas pela sociedade civil responsável pelo Plano.
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i) Palco para Eventos: músicos e artistas de rua podem contar com uma infraestrutura propicia para realizarem suas performances (eletricidade e cobertura, por exemplo). O agendamento destes espaços e a curadoria de eventos também podem ser realizados pela sociedade civil mantedora das 13 quadras.
e) Escada-Estar: misto de elemento de circulação, área verde e equipamento de permanência. Podem estar diretamente adjacentes a um palco de eventos ou apenas convidar o pedestre a sentar-se e relaxar.
a) Bowl de Skate: de tamanhos variados, geralmente acompanhados de outros elementos adjacentes para a prática deste esporte, que é uma atividade que tem em seu âmago a essência urbana. A presença de skatistas, mesmo que polêmica para alguns, traz vida pulsante às áreas públicas.
c) Deck de Convivência: piso de madeira reservado para mesas e cadeiras, dando suporte aos possíveis estabelecimentos voltados à alimentação ou mesmo convidando o usuário à permanência e ao descanso. Podem estar cobertos ou descobertos, no térreo ou mesmo sobre as passarelas.
d) Equipamento de Ginástica: estações multifuncionais voltadas a todas as idades.
f) Escultura: arte ao ar livre, um elemento decorativo que incita a reflexão. A curadoria das peças pode ser feita igualmente pela sociedade civil mantedora do Plano. Podem ser temporárias ou permanentes.
j) Playground Infantil: brinquedos para crianças não são apenas lúdicos, eles ensinam os pequenos cidadãos a desfrutar o espaço público, conviver e compartilhar.
g) Máquina de Livraria: semelhante às máquinas já existente nas estações do metrô paulistano. Estas peças podem ser geridas pela prefeitura ou mesmo ter seu uso explorado por empresas do ramo através de licitações. Promove o hábito de ler e simultaneamente convida o leitor a utilizar demoradamente o espaço público para desfrutar da obra.
h) Muro Galeria: grafite, a expressão urbana e democrática da arte. Um elemento renovável e mutável, que torna mais interessantes os muros limítrofes dos quarteirões. Novos desenhos podem ser periodicamente feitos com autorização e agendamento prévio, como acontece em espaços públicos em Berlim (mesmo sobre resquícios do célebre muro da capital alemã) ou no Beco do Batman, em Pinheiros.
k) Piscina Pública: deverá contar com infraestrutura que permita o controle de entrada, a qualidade da água e todos os demais procedimentos necessários para manter este equipamento salubre. Porém, devem ter um caráter mais acessível do que equipamentos semelhantes já existentes em algumas instituições da cidade.
m) Quadra de Tênis: menos coletivo, mas talvez o mais plástico dos esportes. É também mais acessível a um público não necessariamente jovem também interessado em praticar atividades físicas ao ar livre.
n) Totem de Carregador de Celular: carregar os dispositivos em totens propícios convida o transeunte a demorar-se no espaço público e, por conseguinte, desfrutar de suas instalações e estabelecimentos. É um equipamento que pode ser explorado também pela iniciativa privada através da licitação.
l) Quadra Poliesportiva: indutores da prática esportiva coletiva e democrática.
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6.4 Parâmetros básicos da ocupação
- D02: A passagem subterrânea entre Moema e Campo Belo sob a Avenida dos Bandeirantes, sua conexão com a rede de ciclofaixa adjacente e a revitalização das praças David Nasser e Ângelo Falgetano. e. A construção e a manutenção dos edifícios institucionais das quadras 03, 11 e 13. f. O plantio e manutenção de todas as espécies arbóreas previstas no Plano.
As diretrizes listadas a seguir tratam de breves linhas gerais para a elaboração de um estatuto e de um código legal próprio para o Plano das 13 Quadras, com o intuito da preservação de seus parâmetros de projeto, de suas aspirações de incitar a apropriação e participação coletivas e de salvaguardar sua maleabilidade sem que haja a descaracterização de seus preceitos. Servem como fio condutor para uma mais profunda carta de regimento, sendo esta uma incumbência da alçada de legisladores. Contudo, a elaboração de tal documento deve contar com o debate público e o auxílio de um corpo técnico formado por arquitetos, urbanistas, engenheiros e sociólogos.
I. Quanto às incumbências da construção e da manutenção 1. É de responsabilidade da Prefeitura de São Paulo, com recursos próprios ou através de Parcerias Público Privadas: a. A construção e a manutenção de todo o sistema de passarelas e seus acessos presentes nas áreas externas dos edifícios. b. A construção e a manutenção de todas as áreas livres e ajardinadas das quadras, nos seus miolos e nas áreas reservadas ao passeio público. c. A construção, instalação e manutenção dos plug-ins nas áreas externas conforme locados em projeto. d. A mediação de concurso específico e a construção das propostas vencedoras para as duas diretrizes especificadas no projeto, sendo elas. - D01: O edifício institucional e o paisagismo sobre a ponte entre as quadras 05/07 e 10.
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2. É reservada à iniciativa privada e ao mercado imobiliário a ocupação das massas destinadas aos edifícios comerciais e residenciais previstas no Plano. 3. A PMSP poderá ceder ou compartilhar seus direitos e responsabilidades pela manutenção dos equipamentos públicos (edifícios institucionais, plug-ins, áreas livres e sistema de passarelas) às instituições privadas através de licitação. Eventuais empresas que se tornem responsáveis por essas áreas devem manter rigorosamente os parâmetros de ocupação do plano. A exploração comercial dos equipamentos estará restrita ao name righting (ou a comercialização do mel, no caso das colmeias públicas de abelhas).
II. Quanto aos parâmetros de ocupação dos edifícios privados. 1. É necessária a manutenção da metragem quadrada estabelecida para os espaços comerciais (lojas) no nível do térreo e da passarela. 2. As modulações horizontais e verticais (faixas) dos espaços comerciais reservados às lojas e aos serviços, no nível do térreo e da passarela, podem ser reconfigurados e manipulados para atrair ou acomodar diferentes usos. Esta possibilidade de modulação deve ser contemplada em projeto. A reconfiguração dos módulos poderá ocorrer em qualquer momento, estando sujeita a aprovação da Sociedade Mantedora das 13 Quadras. 3. Nas quadras não localizadas nas ZCORs, a dimensão dos mezaninos deve ser mantida em no mínimo 50%. Onde o mezanino foi considerado com metragem acima desta, parte deste potencial construtivo excedente poderá ser usado pela construtora e pelos proprietários do edifício para a verticalização ou para a construção de garagens no sobsolo, nunca excedendo os limites horizontais reservados ao edifício.
4. Nas quadras onde o coeficiente de aproveitamento não atinge 100% do potencial, parte deste excedente será divido entre o número de edifícios nela contido, podendo este ser relocado para eventual verticalização ou construção de garagens no subsolo, nunca excedendo os limites horizontais reservados ao edifício. 5. Conforme prevê o Plano de Requalificação Urbana da Avenida Santo Amaro da PMSP, as circulações verticais internas ao edifício não serão computadas como áreas construídas. Uma parte deste potencial construtivo excedente poderá ser usada pela construtora e pelos proprietários do edifício para a verticalização ou para a construção de garagens no sobsolo, nunca excedendo os limites horizontais reservados ao edifício. 6. A Orientação das Fachadas Ativas (O.F.A.) expressas no Plano deve ser rigorosamente respeitada. Estão classificadas entre: - OFAE: Orientação da Fachada Ativa para o Exterior (da quadra), ou seja, voltada à avenida ou à rua limítrofe da quadra em questão. - OFAI: Orientação da Fachada Ativa para o Interior (da quadra), ou seja, voltada ao interior (miolo) da quadra. - OFAM: Orientação da Fachada Ativa para o Meio (do edifício), ou seja, voltada á área de circulação pública interna ao edifício. 7. Os proprietários dos edifícios privados e seus construtores são responsáveis pela manutenção e instalação das áreas públicas de circulação que estejam ensejadas nos limites de seus edifícios, assim como são igualmente responsáveis pelos acessos públicos ao sistema de passarelas que se encontrem em igual condição. Devem respeitar rigorosamente suas locações e dimensões mínimas, podendo aumentar a metragem quadrada destes equipamentos se assim desejarem. 8. Os proprietários dos edifícios privados e seus construtores são responsáveis pela manutenção e instalação dos plug-ins especificados no Plano que estejam ensejados dentro do limite de seus edifícios. Devem respeitar rigorosamente suas locações e dimensões mínimas, podendo aumentar a metragem quadrada destes equipamentos se assim desejarem.
III. Sobre a Sociedade Mantedora das 13 Quadras (SM13)
g. Pela manutenção e exploração das colmeias públicas.
1. Será composta por técnicos, administradores públicos e pela sociedade civil, tendo um estatuo próprio que contemple a ampla participação pública, promovendo a cidadania, o debate de ideias e a apropriação coletiva.
h. Por prover serviços de dúvidas e reclamações aos usuários.
2. Contará com estrutura composta por corpo técnico, diretoria e conselho, promovendo um quadro que prime pela participação igualitária do poder público e da sociedade civil, e que compartilhe entre ambas estas esferas as capacidades de tomadas de decisões e as responsabilidades e deveres de gerência. 3. Terá orçamento independente da Subprefeitura da Vila Mariana, podendo contar com doações (espontâneas ou através de ações estimuladoras específicas). 4. Será o órgão guardião da integridade arquitetônica do conjunto do Plano das 13 Quadras e de seu caráter coletivo, sendo responsável: a. Pela pré-aprovação dos projetos privados, antes do envio dos mesmos para a aprovação junto à Prefeitura (tendo esses necessariamente sidos previamente debatidos em audiências públicas).
i. Por promover ações que estimulem a participação pública na gerência dos equipamentos e das áreas coletivas. j. Por fiscalizar o atendimento dos parâmetros construtivos e de uso e ocupação do solo preconizados pelo Plano. k. Por prover instalações e equipe adequadas ao atendimento ao público. l. Por promover debates e audiências públicas para discutir ou prestar contas sobre decisões ou projetos para a área do Plano. m. Pela fiscalização do estado de conservação das áreas ajardinadas. n. Pela solicitação da poda da vegetação arbórea junto à PMSP e pela integridade das mesmas.
b. Pela elaboração de planos modificativos do espaço público a partir de necessidades que possam surgir em decorrência do uso ou das mudanças de uso através do tempo (tendo esses necessariamente sidos previamente debatidos em audiências públicas). c. Pela solicitação por manutenção e restauro dos equipamentos e das instalações públicas junto à PMSP. d. Pela elaboração é pré-aprovação de projetos modificativos dos espaços privados (tendo esses necessariamente sidos previamente debatidos em audiências públicas). e. Pela curadoria e gerência dos eventos públicos ensejados na área do plano. f. Pela curadoria e gerência das peças artísticas (esculturas e galeria muros) ensejados na área do plano.
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6.5 O projeto urbano
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QUADRA 01.
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QUADRA 02.
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QUADRA 04.
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QUADRA 05 e 07.
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QUADRA 10.
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QUADRA 12.
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QUADRA 13.
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Capítulo 7. OBJETO DE PROJETO: MIA
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“A centralidade lúdica tem suas implicações: restituir o sentido da obra trazido pela arte e pela filosofia – dar ao tempo prioridade sobre o espaço, não sem considerar que o tempo vem se inscrever e se escrever num espaço – pôr a apropriação acima do domínio. O espaço lúdico coexistiu e coexiste ainda com espaços de trocas e de circulação, com o espaço político, com o espaço cultural.” Henry Lefebvre, O Direito à Cidade
Croqui: conexão do museu com as demais quadras do Plano das 13 Quadras
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7.1 Conceitos e partido para o MIA (Museu Interativo de Artes) Ao se estabelecer na Quadra 03 do Plano das 13 Quadras, o MIA – Museu Interativo de Artes – atende a determinação deste quanto à instalação de um edifício de características institucionais. No que enseja tal conceito, torna-se parte integrante essencial ao tomar para si uma tríplice função: a apropriação coletiva do espaço (e do tecido em que está inserido), sua distinção como marco visual estimulante às conexões subjetivas dos usuários e instigar o interesse do poder privado em estabelecer suas atividades no entorno imediato (suporte à sustentabilidade econômica da área). Em seu interior, o museu articula atividades lúdicas e interativas através da promoção de um acervo democrático que se renova constantemente, constituído por formas artísticas relacionadas à produção (e divulgação) via mídias digitais. Concebe um percurso fluido de espaços museológicos moduláveis e adaptáveis onde o usuário é simultaneamente espectador e produtor daquilo que vê. Ao se assentar no platô mais generoso de terreno de grande aclive, o museu estimula a articulação aberta com os espaços circundantes, seja pelo acesso a partir do térreo (calçada e miolo de quadra), seja pela via-parque elevada, conjunto de passarelas preconizado pelo plano urbano. O usuário adentra seus limites sem que tenha que transpor portas e catracas, estabelecendo um diálogo sem barreiras entre interior e exterior.
A localização das duas lâminas articuladas que compões seu conjunto também prioriza o diálogo visual com uma tradicional e importante preexistência vizinha – o Hospital Santa Paula. Este edifício é parte integrante do tecido abordado pelo plano, mas seu programa, apesar de nobre, não proporciona o uso e a apropriação coletiva por motivos tangíveis. Desta forma, o museu propõe uma conexão visual e emotiva com a instituição, forma de integrá-lo ao projeto de renovação urbana. A cobertura em forma de avião de papel do pavilhão mais próximo ao hospital é o ponto de partida dessa relação, pois além de apresentar-se ludicamente ao observador que a vê por cima, suas duas lâminas deixam exposto um rasgo envidraçado que se irradia na laje para possibilitar (mesmo que de maneira exígua) um vislumbre daquilo que se desenrola dentro do museu. Esta cobertura também se eleva levemente da laje e permite a iluminação zenital do edifício e sua ventilação natural por efeito chaminé. Ainda, sua pequena inclinação direciona a água da chuva para o espelho d’água que circunda este pavilhão, mesmo que as funções prioritárias deste último sejam dar profundidade e destaque ao edifício que engloba e corrigir desnível com a calçada da Rua Cabo Verde.
Croqui: Insolação e ventilação em Corte
Croqui: Implantação
Tais soluções se estendem ao pavilhão adjacente, mais alinhado com a Avenida Santo Amaro, conectado ao primeiro através de rótula aérea: dois pilares metálicos revestidos de argamassa branca mimetizam um origami de papel e sustentam cobertura treliçada envidraçada, que igualmente permite ventilação (desta vez cruzada), iluminação zenital e a continuação da dialética visual com os ocupantes das dependências hospitalares do vizinho próximo. Ainda, mais uma estrutura “de papel” se apresenta ao observador, desta vez àqueles que avistam o edifício da sua face sul: duas portas microperfuradas brancas abrem o ambiente do restaurante do pavimento superior para a praça em desnível abaixo como duas folhas de caderno de proporções gigantescas.
Croqui: Implantação
Croqui: Escoamento das águas pluviais Pág.165
Croqui: Extensão dos parâmetros para o pavilhão articulado
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A disposição dos dois pavilhões e de sua rótula conectora também cria uma série de espaços públicos articulados, dotados de equipamentos que induzem a apropriação (maleável) através do lazer, da observação, do descanso e da permanência – os equipamentos plug-ins - elementos que funcionam como chamarizes para a vida urbana e qualificam os espaços livres entre as construções. A concepção da “língua”, escadaria suspensa na extremidade do edifício voltada ao conjunto de praças na nesga sul do terreno, procura coroar o diálogo entre o espaço “livre” e o espaço “construído”, ao passo que desconstrói a turva e tênue linha que separa estas duas “instâncias” do projeto. Essencialmente, o brincar (a arte), o conviver, o aprender e o contemplar se instalam dentro e fora do edifício do museu.
Croqui: Extensão dos parâmet Croqui: As “estruturas de papel” do pavilhão articulado ros para o pavilhão articulado
Tais estruturas “de papel” brincam de forma dúbia com o acervo digital do museu. Primeiro, oferecem-se como contraponto ao caráter efêmero dessas mídias. Mas ao passo que estabelecem relação com os demais elementos construtivos evidenciados em sua envoltória – o concreto e o metal rememoram o jogo infantil do pedra-papel-tesoura, e assim reforçam a essência lúdica daquilo que será disposto no interior. Croqui: Conceito do uso dos materiais
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7.2 O programa arquitetônico A busca pelo lúdico, enquanto leitmotiv do projeto, estende-se ao programa estabelecido especialmente para o museu. Programa este que prima por atividades participativas provenientes da intersecção entre arte e tecnologia. Elencar o formato digital como veículo museológico permite a composição de um acervo infinitamente renovável por excelência, além de permitir a produção democrática do conteúdo. É uma abordagem programática que visa incitar o caráter participativo da arte, além de aplicar a tecnologia para o recreativo e para o compartilhamento (de ideias e experiências). É uma aplicação recreativa desse zeitgeist dúbio que é o digital: elemento que contraditoriamente nos aproxima e nos isola com velocidade e importância idênticas. É no compartilhamento de nossas percepções que o lúdico pode transpor a individualidade e estabelecer conexões profundas, como ilustrado magistralmente na cena final de Blow-Up (Antonioni, de novo!). Em sua atribuição essencial, o programa é uma versão abstrata dos plug-ins, uma vez que procura incentivar a apropriação coletiva do espaço. O programa articula-se em volta dos espaços de exibição. A disposição destes segue a premissa já estabelecida pelo partido arquitetônico: a busca pela articulação entre o dentro e o fora, o diálogo entre-espaços (Guatelli). Conta também com espaços comerciais (cafés e lojas), uma “imposição” do programa e do partido do Plano das 13 Quadras. Por fim, as dependências mais burocráticas (apoio e administração) gravitam entre os ambientes de uso coletivo, mas estão dispostas de maneira a não interferir na fluidez do uso e não eclipsar os espaços de exposição. De maneira teórica, os espaços concebidos procuraram articular 4 conceitos primordiais: circular, contemplar, conviver e descansar.
Bill Watterson, Calvin e Haroldo: O Mundo é Mágico
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Parlamentarium. Fonte: Arquivo Pessoal
Para assegurar a interatividade e a participação coletiva, os espaços de exibição contam com um arsenal de soluções que permitem a alternância de conteúdo e a escolha do usuário. Isto está presente nas peças tecnológicas de vinculação (telas touchscreen, monitores, sensores e computadores) e nos painéis voltados para a apresentação de conteúdo não digital (sala Tetris), uma vez que eles permitem que o visitante dialogue com a disposição dos elementos de exposição. Algumas dessas soluções são inspiradas em experiências assertivas presentes em outros museus, como o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo (Projeto de Paulo Mendes da Rocha; desenho de exibição de Ralph Appelbaum), e o Parlamentarium, em Bruxelas (projeto de Atelier Bruckner). Alguns salões foram propositalmente deixados vazios, sem peças fixas, para abrigarem exposições temporárias da forma que melhor servir cada caso. Aqui, mais do que um corriqueiro artifício, trata-se de assegurar a maleabilidade do próprio museu e de seu conteúdo. Como já mencionado anteriormente, a articulação arquitetônica entre os dois pavilhões que compõem o edifício acontece na rótula suspensa no segundo pavimento. Ali, uma peça-chave do programa se estabelece: um salão que permite que o usuário trafegue com uma espécie de carrinho, cujo sensor embutido na face inferior dialoga com aqueles embutidos no piso labiríntico (cujo desenho é livremente inspirado nos padrões geométricos dos carpetes de O Iluminado, de Stanley Kubrick – por sua vez uma referência aos padrões do inconsciente humano). A solução expositória incita o visitante a cruzar o espaço enquanto desfruta do conteúdo, e então adentrar a porção do pavilhão anexo reservada à midiateca: uma combinação de livraria digital, videoteca, coworking e centro de inclusão digital (alugueis de tablets e notebooks estão entre as atividades previstas).
Museu da Língua Portuguesa. Fonte: g1.globo.com/sao-paulo
Parlamentarium. Fonte: Arquivo Pessoal
Museu da Língua Portuguesa. Fonte: veja.abril.com.br
Parlamentarium. Fonte: Arquivo Pessoal
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Por fim, na tabela anexa à este capítulo, uma breve discrição de cada uma das dependências do museus (e de suas respectivas dimensões) ilustram esta breve descrição, e servirão como guia para desfrutar do projeto aqui apresentado. Sejam bem vindos.
Cena Final de “Blow Up”, de Michelangelo Antonioni. Fonte: Imagem extraída de DVD (Arquivo Pessoal)
Padrão do carpete de “O Iluminado” de Stanley Kubrick. Fonte: Imagem extraída de DVD (Arquivo Pessoal)
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7.3 O projeto ilustrado: maquetes e croquis.
Croqui: Estudo inicial (Abril/19) - Elevação (Avenida Santo Amaro)
Croqui: Estudo pré-executivo (Junho/19) - Elevação (Avenida Santo Amaro)
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Croqui: Estudo acesso da Rua Cabo Verde
Croqui: Circulação entre pavilhões Pág.172
Croqui: Sanguão interativo e espaços expositórios circundantes
Croqui: “Língua”/Escada-Estar/Praça de eventos Pág.173
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Perspectiva: Vista sudoeste a partir da Avenida Santo Amaro
Perspectiva: Acesso ao museu a partir da ponte Perspectiva: Vista aĂŠrea PĂĄg.175
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Perspectiva: Fachada e acessos a partir da Rua Cabo Verde
Perspectiva: Vista a partir dos bancos em frente ao muro galeria em direção à passagem sobre a rótula
Perspectiva: Praça interna em frente ao acesso à Mídiateca
Perspectiva: Vista interna da porção sul do terreno (“Língua”e Escada-Estar) Pág.177
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Maquete física 1:200
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BIBLIOGRAFIA.
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SUTURAS URBANAS
O PLANO DAS 13 QUADRAS PARA A AVENIDA SANTO AMARO
RODRIGO DE BONI