Panorama conceitual Gênero e sexo são a mesma coisa? A diferença de sexo torna homens e mulheres desiguais? As diferenças de gênero são naturais (definidas pela biologia) ou culturais (construídas socialmente)? Qual a importância da sexualidade e da orientação sexual para as políticas públicas?
(...) a condição de gênero está ancorada nos significados que indicam o que é ser homem ou ser mulher e não na anatomia dos corpos.
Vivemos em uma sociedade extremamente marcada pelas diferenças de gênero. Quando falamos de gênero, estamos nos referindo às construções e às expectativas sociais sustentadas em relação aos homens e às mulheres. Em outras palavras, gênero diz respeito ao modo como nossa sociedade constrói representações sobre ser homem e ser mulher e pressupõe que sejam naturalmente estabelecidas. Desde pequenos, educamos os meninos para agirem de uma determinada forma e as meninas, de outra. Para as Ciências Sociais, o conceito de gênero foi demarcado pelo pensamento feminista nos anos 1970, e se refere à construção social do sexo anatômico. Foi criado para distinguir a dimensão biológica da dimensão social, baseando-se no raciocínio de que há machos e fêmeas na espécie humana, mas que a maneira de ser homem e de
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ser mulher é instituída pela cultura. Assim, o conceito de gênero contribui para pensarmos as relações sociais estabelecidas entre homens e mulheres. Para entendermos o que é gênero, cabe uma separação entre a noção de gênero e a noção de sexo. Sexo diz respeito às características físicas e anatômicas dos corpos, isto é, o sexo refere-se às características que distinguem o corpo do homem do corpo da mulher, como os órgãos genitais. Já o conceito de gênero aponta para o conjunto de fatores socioculturais atribuídos aos corpos, estabelecendo a ideia de masculino e feminino. Em outras palavras, a condição de gênero está ancorada nos significados que indicam o que é ser homem ou ser mulher e não na anatomia dos corpos. Assim, as ciências sociais enfatizam que as identidades masculina e feminina não são construções biológicas, são culturais, engendradas sobre os corpos e variáveis através da história, ou seja, as diferenças de gênero são principalmente diferenças estabelecidas entre homens e mulheres por meio das relações sociais que se dão na história, fazendo de gênero uma categoria de classificação dos indivíduos, assim como a classe social e a raça/etnia (Heilborn, 1997).
(...) os estudos de gênero evidenciam a possibilidade de reverter injustiças e construir um horizonte equânime na relação entre homens e mulheres (Heilborn, 1999; 2004).
Pesquisas orientadas pela categoria de gênero revelam que as diferenças atribuídas aos homens e às mulheres produzem e reforçam relações de poder. Estas diferenças são estabelecidas em contextos históricos de dominação que persistem no tempo. O conceito de gênero contribui para a análise da sociedade, ao questionar os padrões sociais estabelecidos para homens e mulheres. Ao provar que as diferenças de padrões foram construídas historicamente, os estudos de gênero evidenciam a possibilidade de reverter injustiças e construir um horizonte equânime na relação entre homens e mulheres (Heilborn, 1999; 2004). A presença da categoria gênero no cotidiano é notada tanto em textos que orientam as políticas públicas, quanto naqueles difundidos em jornais e revistas. Sua origem remonta à produção teórica feminista e dialoga com diversos campos disciplinares: história, sociologia, antropologia, ciência política, demografia, entre outros.
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Dentre as diversas autoras importantes para o desenvolvimento do conceito de gênero, destaca-se a historiadora Joan Scott. Uma de suas publicações mais conhecidas no Brasil é o texto Gênero: uma categoria útil de análise histórica,1 que contribuiu para que pesquisadores/as da área de Ciências Humanas reconhecessem a importância das relações sociais que se estabelecem com base nas diferenças percebidas entre homens e mulheres. Outra pesquisadora importante para o tema é a antropóloga norte-americana Gayle Rubin, que em 1975 defendia a existência de um sistema sexo-gênero em todas as sociedades. Há também uma significativa produção científica realizada por pesquisadoras francesas, dentre as quais se sobressaem Christine Delphy e Danièle Kergoat, que elaboram o tema “DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO DOMÉSTICO”, em decorrência das relações de gênero, que naturalizam como femininas as atividades de cuidado. Segundo esta visão, haveria uma exploração por parte dos homens e dos maridos, ao se beneficiarem diretamente do trabalho doméstico gratuito desenvolvido pelas mulheres. De forma indireta, toda a sociedade seria beneficiada. Porém, não há reconhecimento do trabalho doméstico e tampouco de quem o desenvolve. DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO DOMÉSTICO Para uma história da análise sobre a divisão sexual do trabalho doméstico, ver os artigos: HIRATA, Helena & KERGOAT, Danièle. Novas configurações da Divisão Sexual do Trabalho. Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas, v. 37, n. 132:595-609, set.-dez. 2007; BRUSCHINI, Cristina. Trabalho Doméstico: inatividade econômica ou trabalho não remunerado. In: ARAÚJO, Clara; PICANÇO, Felícia & SCALON, Celi. Novas conciliações e antigas tensões? Gênero, família e trabalho em perspectiva comparada. São Paulo: Edusc, 2008. Consultar ainda na página do CLAM www.clam.org.br a entrevista do sociólogo sueco Göran Therborn sobre “Relações de poder entre os sexos”. Sugestão de vídeo: “Acorda Raimundo, Acorda!”, disponível em http://www.youtube.com/ watch?v=Rd6BiFzeaSM de 2’36 a 5’06.
1 | Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/generodh/gen_categoria.html Acesso em 24 mar. 2010.
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O embate entre natureza e cultura Então, a natureza ou o biológico não determina quem nós somos? Ou natureza e cultura exercem forças diferentes na definição do que é ser homem ou ser mulher? Quais destes fatores interferem mais? Como você aprendeu a ser homem ou a ser mulher? Quais valores foram transmitidos a você sobre o que é ser homem ou o que é ser mulher? Em sua cidade que papéis estão definidos como tipicamente masculinos ou tipicamente femininos? Faz diferença ser mulher branca ou mulher negra? Ou seja, em seu contexto, esperam-se papéis e comportamentos distintos de uma e de outra? Se o gênero é uma construção histórica, é possível que em contextos distintos (no tempo e no espaço) haja diferenças entre o que se atribui aos homens e às mulheres?
Na comparação entre diversas sociedades, pode se perceber que homens e mulheres são representados e modelados socialmente de maneira muito variada, deduzindose, assim, a fraca determinação da natureza na definição de comportamentos sociais e, ao mesmo tempo, confir-
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mando que a espécie humana é essencialmente dependente da socialização (Elias, 1987). Entretanto, no senso comum, acredita-se que as condutas de homens e de mulheres são originadas por uma espécie de programação natural e biológica de comportamento que viria junto com o tipo de corpo físico com que cada indivíduo nasce. Um exemplo são as convicções muito difundidas sobre correlação inata entre sexo e personalidade. Tomando a cultura ocidental, supõe-se que o masculino seja dotado de maior agressividade e o feminino de maior suavidade e delicadeza. Margareth Mead, uma antropóloga americana que resolveu estudar esta questão na década de 1930, em seu (...)determinadas livro Sexo e Temperamento (1988), traz os resultados da pesquisa realizada na Nova Guiné sobre o que então se culturas podem chamava de “papéis sexuais”, e que hoje em dia chamamos de “construção social do gênero”. Da comparação não enfatizar uma entre três culturas (Arapesh, Mundugomor e Tchambuli) que compartilhavam de uma organização social se- relação entre sexo melhante, Mead destacou que em duas delas (Arapesh, Mundugomor) a cultura não estabelece um padrão sene personalidade. timental distinto para homens e mulheres. Existiria, assim, um tipo de personalidade ou temperamento socialmente aprovado para todos/as os/as integrantes da sociedade. Segundo os critérios de avaliação da cultura ocidental, a cultura Arapesh poderia ser caracterizada como maternal, tendo na docilidade o traço de personalidade valorado. Já entre os Mundugomor o comportamento agressivo era incentivado para homens e mulheres. Na terceira sociedade analisada, os Tchambuli, suas personalidades se opõem e se completam idealmente, sendo que os signos de masculino e feminino estão invertidos em relação ao padrão ocidental. Os homens são mais gentis e delicados do que as mulheres, que são fortes e bravas. O caso analisado por Mead diz respeito à questão de como determinadas culturas podem não enfatizar uma relação entre sexo e personalidade. Já em outras, o sistema simbólico em torno da diferença sexual pode eleger a “afetividade” como um campo privilegiado de diferenciação entre os gêneros. Queremos enfatizar que não existe uma relação direta entre o sexo do corpo e a conduta desempenhada por mulheres e homens. Há todo um processo de aprendizado ou de internalização referente às construções de gênero, que acontecem muito cedo, desde a infância. O ambiente escolar pode ser citado como exemplo de um espaço em que se
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(...) apesar da superioridade social atribuída ao masculino, a classificação de gênero prejudica também os homens.
verifica a divisão entre os comportamentos considerados masculinos, destinados aos meninos, e os comportamentos femininos, destinados às meninas. As brincadeiras e os brinquedos infantis são bastante delimitados em “para meninas” e “para meninos”. É comum as meninas serem estimuladas desde cedo a gostar de cores suaves; são presenteadas com bonecas e miniaturas de utensílios domésticos (ferrinho de passar, maquininha de lavar, batedeirazinha etc.) que as aproximam das tarefas de casa, como cozinhar, lavar ou cuidar de bebês. Elas não são muito bem vistas quando participam das brincadeiras consideradas masculinas, ditas violentas ou agressivas. Ao se atreverem, são tachadas de “maria-moleque”.
Os meninos, por sua vez, devem ficar afastados dos ambientes e das brincadeiras tidos como femininos – brincar de casinha, com bonecas e outros jogos mais calmos e lúdicos – sob risco de porem à prova sua masculinidade e serem acusados de “maricas” e “afeminados”. Assim, meninos são ensinados a apreciar esportes de ação, aventura e certa violência; recebem como brinquedos armas, espadas, bolas, carrinhos; são preparados para lutar e para se posicionarem de forma mais agressiva e assertiva na relação com seus pares. E com este modelo de educação, vão aprendendo e determinando o que é ser homem, como um homem precisa se comportar, quais espaços devem ser ocupados exclusivamente por homens. Poderíamos imaginar que os efeitos nocivos deste modelo se restrinjam às mulheres, no entanto, o que podemos notar é que, apesar da superioridade social atribuída ao masculino, a classificação de gênero prejudica também os homens. Já nos primeiros anos de escola, meninos são considerados, a priori, desatentos e bagunceiros e, em consequência, menos motivados para o estudo do que as meninas. Na adolescência, podem sofrer a expectativa, ou até a pressão, de contribuírem para a renda familiar ou pessoal como um requisito “obrigatório” dos homens. A conjunção entre escola e trabalho pode ser um fator do abandono escolar para eles. A ideia de que o homem deve ser o provedor de um domicílio ou de suas próprias despesas atua como estímulo à interrupção da escolaridade. Evidentemente, o gênero não está dissociado da posição de classe social; o abandono da escola se dá, sobretudo, entre meninos e rapazes pobres.
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No entanto, de modo geral, os rapazes são obrigados a corresponder às expectativas de provedor atribuídas à masculinidade. Na Unidade 3, analisaremos alguns dados sobre o impacto negativo desta concepção na trajetória escolar dos homens, e também como o sistema simbólico em torno da diferença sexual organiza distintas esferas da vida social, entre elas, o trabalho. É importante notar que também a divisão sexual do trabalho (Kergoat, 2007) começa a ser moldada na infância, na divisão de tarefas e espaços, distribuídos distintamente entre meninos e meninas. Ao estimular meninos e meninas a assumirem atitudes diferenciadas e a ocuparem espaços igualmente distintos – para elas, a passividade no ambiente doméstico e, para eles, a atividade no espaço público – de forma mais ou menos sutil vai se influenciando também a sua inserção profissional futura. Mas não só; muitas vezes não se percebe o quanto os gestos, os brinquedos, as palavras etc. moldam o feminino e o masculino. Acredita-se que estes sejam meros acessórios para aquilo que o sexo biológico já definiu.
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Disputas e conquistas: direitos reprodutivos e direitos sexuais Desde o início deste curso temos refletido sobre diversidade e igualdade. Igualdade não significa o mesmo. Ela deve ser entendida como um princípio que admite o convívio e o respeito às diferenças, sem que estas sejam cristalizadas em desigualdades imobilizadoras. Direitos sexuais e direitos reprodutivos são direitos humanos. Como garanti-los?
Um dos recentes desdobramentos da concepção de direitos humanos pauta-se na ideia de “direitos sexuais”, o que abarca a noção de bem-estar assegurado (como o da saúde, por exemplo) e de dignidade garantida ao estilo de vida que se expressa na forma peculiar de atração erótica e nas maneiras de obtenção de prazer de cada sujeito, salvaguardado o respeito ao consentimento daquele/a com quem se exerce tais preferências. Essas formas variadas de desejo, que escapam à concepção do sexo voltado para a reprodução ou no âmago do que se derivou como “norma heterossexual”, sempre estiveram presentes em distintos momentos históricos e em variadas sociedades, mas a grande novidade das sociedades contemporâneas é reivindicar a legitimidade e o tratamento equitativo para tais modalidades de ser.
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CONTRACEPÇÃO HORMONAL (ANTICONCEPCIONAIS) A pílula anticoncepcional, que ofereceu às mulheres a possibilidade da separação entre sexo e reprodução, chegou ao Brasil em 1962. Nos anos de 1967 e 1968, quando o Ibope realizou amplas pesquisas sobre o comportamento da mulher em São Paulo e no Rio de Janeiro, estimava-se que as farmácias já vendiam mais de 5 milhões de pílulas por mês. Embora o contraceptivo oral trouxesse alívio às mulheres casadas – limitadas a métodos incômodos e inseguros para controlar o número de filhos – e viesse a contribuir decisivamente para uma maior liberdade sexual feminina na década seguinte, havia uma rejeição expressiva em torno dos 30%. Na primeira quinzena de junho de 1967, o Ibope quis saber de universitários paulistas e cariocas sobre a vida acadêmica e sentimental. [...] No sexo, 59% dos estudantes julgavam que a liberdade para rapazes e moças já era a mesma e 56% aprovavam que meninas tivessem “relações completas” antes do casamento. Na prática, porém, 88% admitiam que os homens procuravam mais as virgens para se casar, e 70% colocavam que o respeito era menor para com aquelas que perderam a virgindade. Nesse sentido, a pílula anticoncepcional não era uma “boa solução moral” para 53%; e 70% não viam na pílula a superação do mito da virgindade, mesmo eliminado o risco de gravidez. Dados recentes da Pesquisa sobre Demografia e Saúde 2006 revelam que o conhecimento da pílula anticoncepcional é praticamente universal no Brasil, ou seja, quase todas as mulheres já ouviram falar neste método. Atualmente, o contraceptivo oral é o principal método utilizado pelas mulheres com idade entre 15 e 44 anos (27,4%), tendo ultrapassado a proporção representada pela esterilização feminina (25,9%), método até então prevalente no Brasil (Perpétuo & Wong, 2009).
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A chamada revolução sexual – que costuma ser localizada nos anos 1960 – representou um símbolo dessa nova maneira. Como abordamos no histórico do Movimento Feminista, a CONTRACEPÇÃO HORMONAL, embora não acessível ainda a todas as mulheres, afastou as implicações diretas entre sexo e reprodução; as mulheres, impulsionadas pelo feminismo, insistiram no tema de que o “nosso corpo nos pertence”, reivindicando usufruir a sexualidade sem constrangimentos. O aparecimento do movimento de liberação homossexual trouxe para a cena pública que os amores e a atividade sexual realizada por pessoas do mesmo sexo, designada de homossexualidade, mereciam reconhecimento e respeito. Por várias razões, e a elas não escapa a própria lógica da “dominação masculina”, tema que abordaremos na próxima unidade, o sexo entre homens sempre teve maior visibilidade e também maior perseguição. O relativo silêncio que recobre a lesbianeidade é expressivo de uma mentalidade que delega ao feminino um lugar secundário. Podemos dizer que as discussões e as mudanças relativas aos papéis sociais masculinos e femininos e à afirmação da diversidade sexual decorrem em grande parte das lutas e das conquistas de direitos políticos dos movimentos feministas e LGBT dentro e fora do Brasil. As ações desses movimentos, somadas ao interesse internacional sobre temas como população, saúde reprodutiva e o controle da epidemia de HIV/Aids, têm contribuído para dar visibilidade às questões de gênero e sexualidade particularmente na área da saúde, tanto nas pesquisas acadêmicas, como na definição de agendas e políticas governamentais internacionais (Barbosa & Parker, 1999). A incorporação da concepção de direitos reprodutivos e de direitos sexuais ilustra avanços nesta direção.
Desde o início da década de 1990 a Saúde Reprodutiva tem sido concebida, pelos movimentos sociais de alcance tanto nacional como internacional, em termos de Direitos Reprodutivos e Sexuais, estes sendo entendidos como uma ampliação dos direitos sociais, civis e políticos que visam proteger a saúde e as escolhas sexuais e reprodutivas das cidadãs e dos cidadãos. Tais termos foram legitimados pela Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, ocorrida em 1994 no Cairo, e pelo documento da IV Conferência Mundial da Mulher de 1995, em Pequim, e representaram conquistas nos planos legislativo (códigos e leis), judicial (decisões de tribunais) e de políticas públicas (portarias e programas). Para Miriam Ventura (2002) os Direitos Reprodutivos compreendem: 1. o direito de decidir sobre a reprodução sem sofrer discriminação, coerção, violência ou restrição de filhos e intervalo entre os nascimentos; 2. o direito de ter acesso à informação e aos meios para o exercício saudável e seguro da reprodução e da sexualidade; 3. o direito de ter controle sobre o próprio corpo; 4. o direito de exercer a orientação sexual sem sofrer discriminações ou violência. É possível contabilizar avanços significativos na legitimação do conceito de Direitos Reprodutivos, como garantia do direito ao pleno exercício da sexualidade e da reprodução. Entretanto, o conceito de Direitos Sexuais, embora atrelado à concepção de Direitos Reprodutivos, encontra maior dificuldade de afirmação e reconhecimento, haja vista as resistências em se admitir a diversidade sexual, que engloba múltiplas expressões legítimas da sexualidade. Por meio das lutas e do ativismo político e social dos movimentos feministas, gay-lésbicos, travesti-transexual-transgênero, de profissionais do sexo e de movimentos de combate à Aids tem se buscado romper o silêncio acerca das diferentes formas de expressão da sexualidade e ampliar a noção de Direitos Sexuais para além do campo da saúde. O conceito de Saúde Sexual pode ser interpretado como reforço do ideal – de evidente conotação moral – do corpo e do espírito sadios, e da sua contrapartida na medicaliza-
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ção da sexualidade como forma de controle sobre os usos do corpo. Entretanto, mais que a saúde como ideal normativo, a perspectiva dos Direitos Sexuais (para além dos Direitos Reprodutivos e da Saúde Sexual) diz respeito ao direito à saúde, como um aspecto (entre outros) do marco jurídico que legitima o direito de cada pessoa a que seu corpo, seu desejo e seu direito de amar sejam reconhecidos e respeitados. As garantias à igualdade, à não-discriminação e aos direitos humanos individuais e coletivos foram consagradas pela Constituição Brasileira de 1988. As conquistas relativas ao direito à autonomia no uso do corpo e ao reconhecimento da diversidade sexual vêm reforçar aquilo já contemplado no espírito do marco jurídico vigente.
GLOSSÁRIO Lesbianeidade – lesbianeidade ou safismo refere-se à relação homossexual entre mulheres. Mulheres que sentem afeto, desejo e têm relações sexuais com outras mulheres são chamadas de lésbicas, numa referência às habitantes da ilha de Lesbos, na Grécia, onde viveu a poetisa Safo, famosa por seus poemas de amor dirigido a mulheres. O termo lesbianeidade, a exemplo de homossexualidade, substitui o termo lesbianismo, abandonando o sufixo “ismo” que indica doença.
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Violência de gênero Em briga de marido e mulher não se mete a colher? Quais as responsabilidades dos/das profissionais da área de saúde, ao se depararem com mulheres vítimas de violência doméstica? Quais as responsabilidades da sociedade de modo geral? Qual a estrutura de serviços necessária e adequada ao atendimento de mulheres vítimas de violência? Como prevenir a violência de gênero?
São inegáveis as conquistas sociais das mulheres brasileiras nas últimas décadas e a redução de algumas desigualdades de gênero. No entanto, a violência contra as mulheres ainda é uma questão social grave e com consequências diretas na vida, em geral, e na saúde sexual e reprodutiva. No texto sobre o “machismo latino”, procuramos mostrar como no Brasil e em vários outros países latino-americanos, a violência contra as mulheres não é somente praticada, mas muitas vezes também legitimada por parte da sociedade em “nome da honra”, principalmente quando envolve suspeita de infidelidade conjugal
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23% de todas as mulheres estão sujeitas à violência doméstica. (...) Dados indicam que 70% das agressões ocorrem dentro de casa e que o agressor é o próprio marido ou
dela. A forma mais comum de violência contra as mulheres é o abuso cometido pelo companheiro, que envolve desde agressão psicológica e/ou física até relação sexual forçada. O cenário mais real da violência doméstica ainda não é conhecido, pois a agressão, na maioria das vezes, não é denunciada às autoridades, e a mulher busca ajuda com amigas ou dentro da família, quando não silencia totalmente. No Brasil, uma pesquisa histórica de âmbito nacional, que forneceu dados sobre vitimização, data de 1988 e foi realizada como suplemento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), com algumas perguntas sobre agressão física. Naquela época, constatou-se que 63% dos casos de agressão física no espaço doméstico tinham a mulher como vítima. Em pesquisa internacional realizada pela Sociedade Mundial de Vitimologia, verificou-se que no Brasil 23% de todas as mulheres estão sujeitas à violência doméstica.
Na década de 1980, no âmbito estadual, foram criadas as companheiro. Delegacias de Defesa das Mulheres, que nos anos 1990 passaram a ser chamadas de Delegacias Especiais de Atendimento às Mulheres (DEAM). Cobrem somente 10% do território nacional (totalizavam 339, em 2005), embora estados como São Paulo apresentem uma boa cobertura. Dados coletados nestas delegacias indicam que 70% das agressões ocorrem dentro de casa e que o agressor é o próprio marido ou companheiro. Destas agressões, 40% resultam em lesões corporais graves. A partir dos casos registrados nas delegacias, estudos analisando os processos abertos mostram que 81% dos casos se referem à lesão corporal dolosa, com abertura de casos na Justiça a partir das evidências de agressão, 5% correspondem a estupro ou atentado ao pudor e 8% a ameaças. Na maioria dos casos (60%), após a queixa não ocorre a separação conjugal. Os estudos mostram que 80% das mulheres têm entre 20 e 40 anos, com vida conjugal de longa duração, e que a violência ocorre mais entre pessoas com maior nível educacional. Este último dado deve ser motivo de maior investigação, pois a declaração da violência é tida, na maioria das vezes, como uma vergonha ou de res-
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ponsabilidade exclusiva da mulher. Para chegar à denúncia, é necessário reconhecerse como cidadã digna de direitos, ter informações quanto aos canais de denúncia e à rede de apoio às mulheres vítimas de violência. Fator agravante para a não-declaração de atos de violência por parte da vítima é o receio quanto à forma com que será atendida, seja na delegacia, seja no serviço de saúde. O medo de não ser ouvida, de ser criticada, de ter que ficar horas esperando pelo atendimento diante de olhares penalizados, desconfiados ou de acusação e o fato de sentir-se responsável pelo fracasso da relação, entre outros fatores, muitas vezes desencorajam e retardam uma tomada de atitude. É fato que muitos/as profissionais não recebem a devida preparação para lidar com situações de violência. Citamos como exemplo o atendimento a mulheres vítimas de violência sexual; há profissionais da saúde que desconhecem os procedimentos adequados: oferta de contracepção de emergência, proteção medicamentosa contra DST/ HIV e profilaxia para hepatite B. Estima-se que o Brasil perde cerca de 10,5% do seu PIB em decorrência da violência contra as mulheres, sem contar as perdas econômicas individuais a que estas mulheres estão sujeitas. Em relação à legislação, houve mudanças significativas nas últimas décadas; uma delas se refere à substituição do Código Civil Brasileiro de 1916 que discriminava a mulher em várias situações, como ao permitir que o homem movesse ação para anular o LEI Nº 10.224/2001 casamento se descobrisse que “sua” mulher não era virgem e, da mesma forma, permitia aos pais e às mães utilizarem a “desonestiA Lei de Assédio Sexual, de 15 de maio de dade da filha que vive na casa paterna” como 2001, determina ser crime constranger almotivo para deserdá-la. Em 2003, com a guém com o intuito de obter vantagem ou aprovação do novo código civil, foram insfavorecimento sexual, fazendo prevalecer tituídas a lei de criminalização do assédio ser superior no exercício de emprego, cargo sexual (LEI 10.224/2001), a de proibição de ou função. discriminação contra a mulher na legislação http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/ trabalhista (LEI 9.029/1995) e a de notificação LEIS/LEIS_2001/L10224.htm Acesso em de casos de violência contra mulheres aten20/03/2010. didas nos serviços de saúde públicos e priva-
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Obs er v a ç ã o:AL e i L E I Nº12. 015, DE7DEAGOS T ODE2009a l t e r ouoCódi g oP e na l no ques er e f e r ea osc r i me sc ont r aadi g ni da des e x ua l . Al e i naí nt e g r ae s t ádi s poní v e l no pe ndr i v eof e r e c i doj unt oa oma t e r i a l doc ur s o.
Aspectos
conceituais: definindo a violência contra as mulheres
O conceito de violência contra as mulheres1, adotado pela Política Nacional, fundamenta-se na definição da Convenção de Belém do Pará (1994), segundo a qual a violência contra a mulher constitui “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado” (Art. 1°). A definição é, portanto, ampla e abarca diferentes formas de violência contra as mulheres, tais como: A violência doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher, compreendendo, entre outras, as violências física, psicológica, sexual, moral e patrimonial (Lei nº 11.340/2006); A violência ocorrida na comunidade e que seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar; A violência perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra (violência institucional).
1. O termo é utilizado no plural, para dar visibilidade às diversidades raciais, étnicas, geracionais, de orientação sexual, de deficiência e de inserção social, econômica e regional existentes entre as mulheres.
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A violência contra as mulheres não pode ser entendida sem se considerar a dimensão de gênero, ou seja, a construção social, política e cultural da(s) masculinidade(s) e da(s) feminilidade(s), assim como as relações entre homens e mulheres. É um fenômeno, portanto, que se dá no nível relacional e societal, requerendo mudanças culturais, educativas e sociais para seu enfrentamento, bem como o reconhecimento de que as dimensões de raça/etnia, de geração e de classe contribuem para sua exacerbação. Joan Scott (1994) afirma que o gênero é igualmente utilizado para designar as relações sociais entre os sexos sua reflexão direciona-se no sentido da produção do saber sobre a diferença sexual. Para ela, a “História é tanto objeto da atenção analítica quanto um método de análise. Vista em conjunto desses dois ângulos, ela oferece um modo de compreensão e uma contribuição ao processo através do qual gênero é produzido”. O conhecimento histórico não é o documento fiel da realidade vivida, logo, não documenta as reais e únicas condições vivenciadas por homens e mulheres ao longo do tempo, ela sim, oferece um modo de compreensão e uma contribuição ao processo através do qual gênero é produzido. O gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. A violência de gênero segundo Saffioti (O Poder do Macho,1987) “é tudo que tira os direitos humanos numa perspectiva de manutenção das desigualdades hierárquicas existentes para garantir obediência, subalternidade de um sexo a outro. Trata-se de forma de dominação permanente e acontece em todas as classes sociais, raças e etnias”. Simone de Beauvoir (O Segundo Sexo,1949) em seu estudo sobre a mulher e o seu papel na sociedade aponta como a subalternidade da mulher ao homem advém de uma perspectiva em que o papel feminino é destituído de identidade cultural, e histórico, classificado como algo natural, meramente biológico. Beauvoir descreve então sua recusa naquela ideia da naturalidade e aponta como ocorre a construção social dos sexos. Desta forma atribui diferentes espaços de poder para homens e mulheres, nos quais a mulher em geral ocupa lugares de menor em-
Aspectos conceituais: definindo a violência contra as mulheres
poderamento, de desvalorização e de subalternidade. Não se trata, portanto, de diferenças, mas de desigualdades que são produzidas e reproduzidas em diferentes espaços – no âmbito doméstico, no trabalho, nas religiões, nas profissões, etc. A violência contra as mulheres só pode ser entendida no contexto das relações desiguais de gênero, como forma de reprodução do controle do corpo feminino e das mulheres numa sociedade sexista e patriarcal. As desigualdades de gênero têm, assim, na violência contra as mulheres, sua expressão máxima que, por sua vez, deve ser compreendida como uma violação dos direitos humanos das mulheres. Portanto, o conceito de violência contra as mulheres, que tem por base a questão de gênero, remete a um fenômeno multifacetado, com raízes histórico-culturais, é permeado por questões étnico-raciais, de classe e de geração. Nesse sentido falar em gênero requer do Estado e dos demais agentes uma abordagem intersetorial e multidimensional na qual as dimensões acima mencionadas sejam reconhecidas e enfrentadas. Além do mais, uma política na área de violência contra as mulheres exige uma atuação conjunta para o enfrentamento do problema, que envolva diversos setores, tais como: a saúde, a educação, a assistência social, a segurança pública, a cultura, a justiça, entre outros; no sentido de dar conta da complexidade da violência contra as mulheres e de garantir a integralidade do atendimento àquelas que vivenciam tal situação.
Especificando
conceitos: os diferentes
tipos de violência contra as mulheres
21 O conceito de violência contra as mulheres é, tal como mencionado, bastante amplo e compreende diversos tipos de violência: a violência doméstica (que pode ser psicológica, sexual, física, moral e patrimonial), a violência sexual, o abuso e a exploração sexual de mulheres adolescentes/jovens, o assédio sexual no trabalho, o assédio moral, o tráfico de mulheres e a violência institucional. A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres reconhece essa diversidade, ainda que suas ações estejam mais fortemente direcionadas para as seguintes expressões de violência:
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2. Violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; Violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou, ainda, que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;Violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; Violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; Violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Violência Doméstica – entendida como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause à mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial no âmbito da unidade doméstica, no âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (Lei nº 11.340/2006). A violência doméstica2 contra a mulher subdivide-se em: violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral. O Parágrafo Único da Lei Maria da Penha dá visibilidade à violência doméstica e familiar contra as mulheres lésbicas, ao afirmar que “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”. Violência Sexual – É a ação que obriga uma pessoa a manter contato sexual, físico ou verbal, ou participar de outras relações sexuais com uso da força, intimidação, coerção, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro mecanismo que anule o limite da vontade pessoal. Manifesta-se como: expressões verbais ou corporais que não são do agrado da pessoa; toques e carícias não desejados; exibicionismo e voyerismo; prostituição forçada; participação forçada em pornografia; relações sexuais forçadas - coerção física ou por medo do que venha a ocorrer (Taquette, 2007). Violência Física – Qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher. Violência Psicológica – Conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima da mulher ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. Violência Patrimonial – Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
Aspectos conceituais: definindo a violência contra as mulheres
Violência Moral – Entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. Violência Institucional – É aquela praticada, por ação e/ou omissão, nas instituições prestadoras de serviços públicos3. Mulheres em situação de violência são, por vezes, ‘revitimizadas’ nos serviços quando: são julgadas; não têm sua autonomia respeitada; são forçadas a contar a história de violência inúmeras vezes; são discriminadas em função de questões de raça/etnia, de classe e geracionais. Outra forma de violência institucional que merece destaque é a violência sofrida pelas mulheres em situação de prisão, que são privadas de seus direitos humanos, em especial de seus direitos sexuais e reprodutivos. Tráfico de Mulheres – O conceito de Tráfico de Mulheres adotado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República do Brasil (SPM/PR) baseia-se em uma abordagem focada na perspectiva dos direitos humanos das mulheres e no Protocolo de Palermo, em que há três elementos centrais: 1. movimento de pessoas, seja dentro do território nacional ou entre fronteiras; 2. uso de engano ou coerção, incluindo o uso ou ameaça da força ou abuso de autoridade ou situação de vulnerabilidade; e, 3. a finalidade de exploração (exploração sexual; trabalho ou serviços forçados, incluindo o doméstico; escravatura ou práticas similares à escravatura; servidão; remoção de órgãos; casamento servil). Toda vez que houver movimento de pessoas por meio de engano ou coerção, com o fim último de explorá-la, estaremos diante de uma situação de tráfico de pessoas. Importante ressaltar que, para fins de identificação do tráfico de pessoas, o uso de engano ou coerção inclui o abuso da ‘situação de vulnerabilidade’, mencionada na definição do Protocolo de Palermo. Isso significa dizer que não importa que a pessoa explorada tenha consentido em se transportar de um local a outro, desde que esteja em seu local de origem em situação de vulnerabilidade que a faça aceitar qualquer proposta na busca de encontrar uma oportunidade de superá-la. Exploração Sexual de Mulheres – Segundo o Código Penal Brasileiro em seu Capítulo V – do Lenocínio e do Tráfico de Pessoa para fim de Prostituição ou outra forma de Exploração Sexual no Artigo 227 diz que exploração sexual “é induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem” e no Artigo 228 fala que é “induzir ou atrair alguém
3. A violência institucional compreende desde a dimensão mais ampla, como a falta de acesso aos serviços e a má qualidade dos serviços prestados, até expressões mais sutis, mas não menos violentas, tais como os abusos cometidos em virtude das relações desiguais de poder entre profissional e usuário. Uma forma comum de violência institucional ocorre em função de práticas discriminatórias, sendo as questões de gênero, raça, etnia, orientação sexual e religião um terreno fértil para a ocorrência de tal violência” (Taquette, 2007).
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E nfrentamento
à
V iolência
contra as
M ulheres
Política Nacional
4. Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, UNICEF, 1996. 5. Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código Penal Brasileiro, com as modificações de 2004. 6. A violação está relacionada a algum tipo de transação comercial ou alguma troca e/ou benefício em dinheiro, ofertas ou bens, por intermédio da exploração sexual de menores de 18 anos. Em muitas cidades, existe um mercado com fins sexuais, em que o corpo de adolescentes (na maioria do sexo feminino, das várias classes, originadas de cidades do interior, zonas rurais, populações ribeirinhas ou bairros de periferia) é “abusado” ou “explorado” para uma demanda consumidora (na maioria do sexo masculino e mais idoso), numa prática clandestina, ilegal e, muitas vezes, ligada ao crime organizado, redes de tráfico sexual internacional ou redes de pornografia e erotização de crianças e adolescentes (Taquette, 2007). 7. www.mte.gov.br.
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à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone”. A Secretaria de Políticas para as Mulheres compreende a exploração sexual de mulheres como uma das formas de violência contra a mulher que se configura como um meio pelo qual um indivíduo tira proveito da sexualidade de outra pessoa (neste caso, das mulheres) com base numa relação desigual de poder, podendo fazer uso da coerção física, psicológica e do engano. Exploração sexual4 para fins comerciais trata-se de uma prática que envolve troca de dinheiro com/ou favores entre um usuário um intermediário/aliciador/agente e outros que obtêm lucro com a compra e venda do uso do corpo das crianças e dos adolescentes, como se fosse uma mercadoria”. Exploração sexual comercial de mulheres, adolescentes/jovens – A exploração sexual comercial de crianças e adolescentes5, também conhecida pela sigla ESCCA, é considerada como uma questão social e uma prática criminosa. Representa uma violação de direito humano fundamental, especialmente do direito ao desenvolvimento de uma sexualidade saudável, bem como uma ameaça à integridade física e psicossocial. Existem três formas primárias de exploração sexual comercial6 e que possuem uma relação entre si: a prostituição, a pornografia e o tráfico com fins sexuais, incluindo-se aí o turismo sexual. Assédio Sexual – A abordagem, não desejada pelo outro, com intenção sexual ou insistência inoportuna de alguém em posição privilegiada que usa dessa vantagem para obter favores sexuais de subalternos ou dependentes. Para sua perfeita caracterização, o constrangimento deve ser causado por quem se prevaleça de sua condição de superior hierárquico ou ascendência, inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Assédio Sexual7 é crime (art. 216-A, do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 10.224, de 15 de maio de 1991). Assédio Moral – É toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, escritos, comportamento, atitude, etc.) que, intencional e frequentemente, fira a dignidade e a integridade física ou psíquica de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho. Cárcere Privado – Segundo o Art. 148 do Código Penal Brasileiro, configura-se quando uma pessoa é impedida de andar com liberdade e é mantida presa contra a vontade. E se a vítima é a mãe, pai, filho, filha ou esposa do agressor, a pena é aumentada.
Rede de Atenção Integral às Pessoas em Situação de Violências O que é Rede? O conceito de rede se refere a formas de organização e articulação baseadas na cooperação entre organizações que se conhecem e se reconhecem. É uma articulação política entre pares que, para se estabelecer, exige: reconhecer (que o outro existe e é importante); conhecer (o que o outro faz); colaborar (prestar ajuda quando necessário); cooperar (compartilhar saberes, ações e poderes) e associar-se (compartilhar objetivos e projetos). Estas condições preliminares resultam, respectivamente, em autonomia, vontade, dinamismo, multiliderança, informação, descentralização e múltiplos níveis de operacionalização (OLIVEIRA, 2001). O que é uma Rede de Atenção à Saúde? As Redes de Atenção à Saúde (RAS) são arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado (Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010). São organizações que se concretizam por meio de um conjunto de serviços de saúde, vinculados entre si, que apresentam vários conteúdos básicos, como: missão e objetivos comuns; operam de forma cooperativa e interdependente; intercambiam constantemente seus recursos; são estabelecidas sem hierarquia entre os pontos de atenção à saúde, organizando-se de forma poliárquica; implicam um contínuo de atenção nos níveis primário, secundário e terciário; convocam uma atenção integral com intervenções promocionais, preventivas, curativas, cuidadoras, reabilitadoras e paliativas; funcionam sob coordenação da APS; prestam atenção oportuna, em tempos e lugares certos, de forma eficiente e ofertando serviços seguros e efetivos, em consonância com as evidências disponíveis; focam-se no ciclo completo de atenção a uma condição de saúde; têm responsabilidades sanitárias e econômicas inequívocas por sua população; e geram valor para a sua população (MENDES, 2011). As Redes temáticas são aquelas que se organizam em torno de um tema, segmento ou área de atuação das entidades e indivíduos participantes. A temática abordada é o fundamento desse tipo de rede, seja ela genérica ou específica. Neste caso a violência, como um dos graves problemas de saúde, exige um trabalho em rede, de forma articulada, baseado na solidariedade e na cooperação
entre organizações que, por meio da articulação política, negociam e partilham recursos de acordo com os interesses e necessidades. A construção de redes pressupõe que as decisões sejam adotadas de forma horizontal nos princípios de igualdade, democracia, cooperação e solidariedade (BRASIL, 2010). Desta forma uma rede deve envolver propósitos comuns de equipes com discussão e implementação de processos para o alcance dos resultados. Veja a figura abaixo que ilustra esta construção:
LUIZ,2012
Segundo Schraiber e D´Oliveira, 2003, a violência é um tema que vem sendo a cada dia mais abordado como uma questão de saúde. Entretanto muitos profissionais desta área têm sérias dúvidas sobre a oportunidade de se trabalhar um problema desta natureza em uma rede de serviços de saúde, geralmente pública, para a qual são referidas a maioria das propostas, e bastante sobrecarregada. Realmente, os profissionais têm muito pouco conhecimento acerca do que fazer nestes casos, já que a sua formação raramente inclui algum conhecimento técnico específico sobre o tema (SCHRAIBER, D´OLIVEIRA, 2003). No entanto, o setor de saúde, por ser um dos espaços privilegiados para identificação das pessoas em situação de violências, tem papel fundamental na definição e articulação dos serviços e organizações que, direta ou indiretamente, atendem situações de violências.
É fundamental destacar que a intervenção nos casos de violência é multiprofissional, interdisciplinar e interinstitucional. A equipe de saúde precisa buscar identificar as organizações e serviços disponíveis na comunidade que possam contribuir com a assistência, a exemplo das Delegacias da Mulher e da Criança e do Adolescente, do Conselho Tutelar, do Conselho de Direitos de Crianças e Adolescentes, CRASS, CREAS, do Instituto Médico Legal, do Ministério Público, das instituições como casas-abrigo, dos grupos de mulheres, das creches, entre outros. O fluxo e os problemas de acesso e de manejo dos casos em cada nível desta rede precisam ser debatidos e planejados periodicamente, visando à criação de uma cultura que inclua a construção de instrumentos de avaliação (BRASIL, 2011). Isso envolve uma atuação voltada para o estabelecimento de vínculos formalizados entre os diversos setores que devem compor a rede integrada de atenção a vítimas de violências; para a promoção de atividades de sensibilização e capacitação de pessoas para humanização da assistência e ampliação da rede de atendimento; e, para a busca de recursos que garantam a supervisão clínica e o apoio às equipes que atendem pessoas em situação de violência (BRASIL, 2011). Na atenção as pessoas em situaçãode violências é essencial que o atendimento seja realizado em rede de forma articulada e integrada para a garantia da assistência de forma integral. Esta rede pode ser composta pelos sistemas de saúde, assistência social, justiça, segurança pública, Ministério Público, Defensoria Pública, Varas da Infância e Juventude, Conselho Tutelar e conselhos de direitos e a sociedade civil organizada existentes no território (BRASIL, 2010). Estruturar rede de atenção a pessoas em situação de violências é um processo contínuo e permanente que envolve muita articulação e comprometimento entre os setores envolvidos, mas, principalmente o envolvimento dos(as) profissionais destas instituições. Reconhecer seu território, realizar o diagnóstico de serviços e conhecer como funcionam seus fluxos é um passo importante na definição e construção de fluxos que irão constituir a rede. De forma resumida a estruturação da rede de atenção a pessoas em situação de violências passa por seis principais ações: 1. Diagnóstico do território e serviços, ou seja, saber o que tem no seu território de abrangência. 2. Reconhecer a função dos (as) profissionais que trabalham nas instituições que compõem a rede, ou seja, ter claro a definição de papeis dos(as) profissionais. 3. Construção e articulação de fluxos ou linhas de cuidado através de parcerias e trocas de experiências e pactuar tais fluxos de encaminhamento e de referências/contrareferências.
4. Pactuação em forma de leis, decretos, outros, principalmente para assegurar o comprometimento dos(as) gestores(as), independente da mudança. 5. Capacitar ou sensibilizar de forma permanente e continua todos (as) os (as) profissionais para a atenção em rede. 6. Criar protocolos, guias, cartilhas, para facilitar o aprendizado e divulgar para a população saber que pode ser acolhida. É importante salientar que mesmo se a rede não estiver totalmente estruturada é possível realizar acompanhamento e encaminhamento às vítimas de violência, contanto que o (a) profissional tenha conhecimento dos serviços existentes (SCHRAIBER e D´OLIVEIRA, 2003) Nesse sentido, o quadro abaixo (Quadro 1), apresenta o detalhamento de alguns passos essenciais para a materialização da rede de cuidados e de proteção social (intra ou interssetorial), cujos passos não necessariamente seguem uma hierarquia podendo acontecer de forma concomitante. Quadro 1: Estruturação da Rede Intrassetorial e Intersetorial Passos
Estruturação da Rede Intrassetorial e Intersetorial 1. Mapear todos os serviços governamentais e não governamentais que atuam no cuidado integral, na promoção, defesa e proteção dos direitos de crianças e adolescentes, mulheres e homens no território, inclusive serviços de atendimento
Diagnóstico da situação
ao agressor, bem como os serviços regionalizados, quando for o caso. 2. Identificar no município os serviços que se constituem como “porta de entrada” ou primeiro atendimento para atenção integral as pessoas em situação de violências. 3. Caracterizar os serviços/instituições que realizam o atendimento das pessoas em situação de violências (composição da equipe multiprofissional; existência de protocolos e fluxos de atendimento, articulação em rede – intra e intersetorial –, tipo de atendimento prestado; endereço, telefones, e-mail, horário de atendimento
Mobilização
entre outros). 4. Pactuar com os(as) gestores(as) locais (distritais, municipais e estaduais) que
social e
compõem a rede de cuidado e de proteção social a priorização da atenção integral
Advocacy
as pessoas em situação de violências. 5. Formalizar em atos normativos (leis, decretos, portarias, planos de ação, protocolo de intenção, carta compromisso e outros). 6. Construir alianças estratégicas com Conselhos Tutelares e de Direitos; associações comunitárias; meios de comunicação; Ministério Público, Segurança
Pública; Poderes Legislativo e Judiciário dentre outros. 7. Sensibilizar e capacitar os (as) profissionais de saúde dos três níveis de atenção em linha de cuidado, nas dimensões do acolhimento, atendimento Capacitação
(diagnóstico, tratamento e cuidados), notificação e seguimento do caso na rede
permanente e
de cuidado e de proteção social. 8. Articular com os serviços de promoção, proteção e defesa dos direitos das
formação
pessoas em situação de violências para a inclusão de conteúdo da atenção
continuada
integral à saúde na formação continuada para profissionais e gestores(as). 9. Articular com as instituições de ensino e pesquisa para a inserção do tema da prevenção de violências e a promoção da cultura de paz nas disciplinas dos cursos de saúde, assistência social e educação, bem como nas pesquisas. 10. Instituir grupo de gestão colegiada da rede de cuidado e de proteção social das pessoas em situação de violências e suas famílias para articular, mobilizar, planejar, acompanhar e avaliar as ações da rede. 11. Planejar as ações de atenção integral à saúde das pessoas em situação de violências em linha de cuidado, a partir do serviço, para o percurso interno e externo no setor saúde. 12. Elaborar protocolos de acolhimento e atendimento humanizados (abordando
Planejamento e gestão
os aspectos técnicos e éticos) para o serviço de saúde e da rede intersetorial, definindo corresponsabilidades, áreas de abrangência, fluxos do atendimento e seguimento para a rede, normativas específicas, podendo ser utilizados ou adaptados os protocolos existentes. 13. Adotar estratégias de acompanhamento e apoio técnico e psicossocial às equipes de saúde que atendem as pessoas envolvidas em situações de violência e estimular que a rede intersetorial também siga essas estratégias. 14. Implantar/implementar o sistema Vigilância de Violências e Acidentes (Viva Contínuo). 15. Divulgar para a sociedade os serviços com endereço completo e os horários de atendimento às pessoas em situação de violências (Guia de Serviços).
Fonte: BRASIL, 2010.
Monitoramento e Avaliação É importante que a rede de atenção passe por momentos e processos contínuos de monitoramento e avaliação onde as questões abaixo elencadas possam ser respondidas: •
Quais são os objetivos da rede? Eles estão sendo alcançados?
•
Como a rede trabalha ? Com que recursos?
•
Como os diversos pontos se comunicam e com que periodicidade?
•
Existem pactos de convivência ou padrões de relacionamento entre seus membros?
•
Os interesses, compromissos, atitudes e motivações visam o coletivo e a causa?
A partir das respostas a estas questões, ações de correção de possíveis desvios devem ser adotadas e pactuadas entre os componentes da rede de atenção (LUIZ, 2012).
Guia de serviços É necessário que todos os serviços de orientação ou atendimento tenham pelo menos uma listagem com endereços e telefones das instituições componentes da rede. Essa lista deve ser do conhecimento de todos os colaboradores dos serviços, permitindo que as mulheres tenham acesso a ela sempre que necessário e que possam conhecê-la independentemente de situações emergenciais (BRASIL, 2011).
IDENTIFICANDO OS SERVIÇOS QUE COMPÕEM A REDE INTRA E INTERSSEORIAL DETALHAMENTO DA REDE INTRASSETORIAL Além do trabalho em rede, que pode dar suporte a cada serviço que atende pessoas em situação de violências, dentro de seu serviço é importante integrar o seu trabalho com os demais profissionais que têm colaborações efetivas a dar para o plano de assistência global, como por exemplo, as psicólogas, as assistentes sociais, as enfermeiras, educadoras, pessoal auxiliar, etc... A especificidade do trabalho de cada qual não é anulada pelo trabalho cooperativo e complementar. Antes, é reforçada. Por isso é importante mudar a cultura institucional do isolamento dos especialistas para a noção da competência especializada potencializada na busca do cuidado integral. O trabalho de uns completa o trabalho de outros (SCHRAIBER, D´OLIVEIRA, 2003). As especificidades do atendimento nos diferentes níveis deatenção em saúde exigem dos (as) profissionais habilidades e conhecimentos diferenciados para a abordagem de cada caso, levando em consideração o serviço onde o profissional se encontra e os dispositivos da rede que lhe são oferecidos. A Figura 1 ilustra um exemplo dessa articulação de rede intrassetorial do setor saúde,
tendo a Atenção Primária, Unidades Básicas/Equipes da Saúde da Família, como coordenadora do cuidado no território (BRASIL, 2010). Figura 1: Exemplo de Rede Intrassetorial de saúde
Fonte: BRASIL, 2010.
A Rede Intrassetorial de Saúde é constituída inicialmente pelos Serviços de Atenção Básica/Primária à saúde e pode ser constituída pelos serviços de atenção especializada, urgência e emergência; serviços de saúde mental, além de serviços estratégicos de apoio como o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), Núcleos de Prevenção das Violências e Promoção da Saúde.
Serviços da Atenção Primária à Saúde A atenção primária à saúde é o primeiro nível de atenção do sistema de saúde. Constitui-se na porta de entrada preferencial do Sistema Único de Saúde (SUS), onde se incluem os cuidados essenciais de promoção, proteção, reabilitação e manutenção da saúde, prevenção de agravos,
diagnóstico e tratamento dos problemas de saúde mais comuns e relevantes da população (BRASIL, 2010). Os princípios que orientam o desenvolvimento da atenção básica/primária são os da universalidade, da acessibilidade, do primeiro contato com o sistema de saúde, do registro da clientela, da coordenação do cuidado, do vínculo e da continuidade da atenção, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social (BRASIL, 2010). As equipes da atenção primária/saúde da família precisam realizar o acolhimento, assim como as ações educativas e preventivas sobre o uso abusivo de álcool e outras drogas. Devem também, garantir acesso a exames complementares; fornecer medicamentos básicos; prestar o atendimento e orientar as mães / os cuidadores a respeito da saúde sexual e reprodutiva de crianças e adolescentes. O acompanhamento e a evolução de cada caso nas unidades de saúde, nos domicílios ou ainda mediante o encaminhamento para unidades de atenção especializada e acompanhamento do cuidado são atribuições das equipes, além de promoverem ações de prevenção da violência e de promoção da cultura de paz junto à família, na escola, na comunidade e em outros espaços sociais (BRASIL, 2010). Tais equipes possuem espaço privilegiado para a identificação dos casos de violência pelo grande leque de ações e pelo envolvimento dos profissionais com as ações de saúde individual e coletiva desenvolvidas no território. Por estarem geograficamente muito próximos das famílias, os profissionais da atenção primária têm maior possibilidade de identificar sinais e sintomas de violências, realizar o acolhimento, atendimento (diagnóstico, tratamento e cuidados), notificar os casos e encaminhar para rede de cuidados e de proteção social (BRASIL, 2010). Serviços de atenção especializada, urgência e emergência Em geral, os serviços de saúde de atenção especializada para atendimento às pessoas em situação de violência estão vinculados a um estabelecimento de saúde, público ou conveniado com a rede SUS (Hospital, Maternidade, Unidade de Urgência e Emergência e os Centros de Aconselhamento e Testagem – CTA), podendo ainda ser prestado por Organização Não Governamental (ONG). Todos devem dispor de equipes multidisciplinares e sua composição varia de acordo com a capacidade instalada e o tipo de organização dos serviços. Em geral, essas equipes são compostas por médicos (pediatras, ginecologistas, psiquiatras), enfermeiros, psicólogos e assistentes
sociais,
mas
pode
haver
também
odontólogos,
nutricionistas,
pedagogos,
fonoaudiólogos, fisioterapeutas, advogados, dentre outras categorias profissionais (BRASIL, 2010).
Em situações em que esses serviços se constituem como porta de entrada ou primeiro contato, é de sua responsabilidade prestar a atenção integral conforme protocolos e fluxos estabelecidos, em linha de cuidado, nas dimensões do acolhimento, atendimento (diagnóstico, tratamento e cuidados) e notificação e seguimento na rede de cuidados e de proteção social constituídos no território (BRASIL, 2010). São integrantes do componente pré-hospitalar fixo e devem ser implantadas em locais/unidades estratégicos para a configuração das redes de atenção à urgência, com acolhimento e classificação de risco em todas as unidades, em conformidade com a Política Nacional de Atenção às Urgências. A estratégia de atendimento está diretamente relacionada ao trabalho do Serviço Móvel de Urgência – SAMU -192 –, que organiza o fluxo de atendimento e encaminha ao serviço de saúde adequado à situação(BRASIL, 2010). Esses serviços integram a rede de atenção especializada no território para os casos de violência de maior gravidade, a exemplo de tentativas de suicídio, agressão física e violência sexual (BRASIL, 2010). Serviços de Saúde Mental O suporte no âmbito da saúde mental às pessoas e suas famílias em situação de violência pode ser um importante fator de cuidado e proteção, tanto no que diz respeito ao fortalecimento dos indivíduos e dos grupos familiares para o rompimento da cadeia da violência quanto para o acompanhamento de possíveis sequelas psíquicas e emocionais resultantes das situações a que estão expostas (BRASIL, 2010). Muitos fatores psicossociais estão presentes e compõem os diferentes tipos de violência, seja pelo uso abusivo de álcool e outras drogas, seja pela presença de algum tipo de transtorno mental, como a depressão (que pode ocasionar situações de negligência e abandono), seja pelos contextos de vulnerabilidade a que os grupos familiares estão submetidos. Nesse aspecto, é possível que a atenção à saúde mental precise se dar não somente às pessoas que sofreram algum tipo de violência, mas também aos seus agressores (BRASIL, 2010). A rede de atenção psicossocial é constituída por diversos dispositivos assistenciais que possibilitem a atenção psicossocial, segundo critérios populacionais e demandas locais dos municípios, entre outros. Para o atendimento de pessoas e suas famílias em situação de violência, bem como os/as autores de agressão destacam-se: a) Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) – são serviços extra-hospitalares, de atenção diária, de base comunitária e que possuem equipe multiprofissional. Os CAPS têm papel estratégico
no que se refere à regulação da porta de entrada da rede assistencial de saúde mental e devem ser lugares de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais e/ou que apresentam problemas devido ao uso abusivo de álcool e outras drogas, promovendo a inserção social de seus usuários por meio de ações intersetoriais e oferecendo atenção à saúde mental na rede de saúde (BRASIL, 2010). b) Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPSI) – é um serviço de atenção diária destinado ao atendimento de crianças e adolescentes com transtornos mentais graves. Estão incluídos nessa categoria os portadores de autismo, psicoses, neuroses graves, usuários de álcool e outras drogas e todos aqueles que, por sua condição psíquica, estão impossibilitados de manter ou estabelecer laços sociais. Os CAPS e CAPSI acompanham indiretamente casos de violência, quando esta situação é subjacente, e não o motivo que desencadeou o atendimento; e devem ser articulados com os serviços da atenção primária e os serviços de referência para violências. A inexistência desses serviços requer a pactuação dos gestores com os serviços especializados de outros municípios vizinhos (BRASIL, 2010). c) Centro de Atenção Psicossocial para Usuários de Álcool e Outras Drogas (CAPS AD) – devem oferecer atendimento diário a pacientes que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas, permitindo o planejamento terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada de evolução contínua. Possibilitam ainda intervenções precoces, limitando o estigma associado ao tratamento (BRASIL, 2010). d) Saúde Mental na Atenção Básica – o trabalho integrado entre as ESF e Saúde Mental potencializa o cuidado e facilita uma abordagem integral, aumentando a qualidade de vida dos indivíduos e comunidades. Também propicia um uso mais eficiente e efetivo dos recursos e pode aumentar as habilidades e a satisfação dos profissionais (BRASIL, 2010). O trabalho junto à atenção primária pode se dar de duas maneiras: apoio matricial às ESF por intermédio de uma equipe mínima de Saúde Mental ou apoio pelos profissionais dos Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF) (BRASIL, 2010). É importante ressaltar que a assistência psicológica pode ajudar bastante em casos de violência, mas precisa ser bem compreendida como parte de um plano de ações que deve fazer sentido para a (o) usuária (o). Nos casos de patologia psiquiátrica, o encaminhamento é obrigatório. Se a assistência fizer sentido no plano de rota traçado, a aderência e o resultado da atenção podem ser mais bem sucedidos (SCHRAIBER, D´OLIVEIRA, 2003). • Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF): criados com o objetivo de ampliar a abrangência das ações de atenção primária, mediante a assessoria e apoio à Estratégia de Saúde da
Família (ESF) na rede de serviços e no processo de territorialização e regionalização. Dentre as atribuições dos NASF estão previstas as capacitações de profissionais da saúde, da assistência social, da educação e demais profissionais afins, bem como das famílias, em relação aos cuidados diferenciados as pessoas em situação de violência. As equipes dos NASF têm também um papel matricial às equipes da ESF, dando apoio técnico e garantindo suporte aos profissionais de saúde (cuidado do cuidador). Destaca-se o papel do psicólogo e do assistente social dentro da equipe do NASF no cuidado integral às crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências (BRASIL, 2010). • Núcleos de Prevenção das Violências e Promoção da Saúde: instituídos pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 936, de 20 de maio de 2004) e implantados nos serviços de Vigilância em Saúde/Vigilância Epidemiológica das Secretarias de Saúde Estaduais, Municipais e do Distrito Federal; e em universidades federais e estaduais. Os Núcleos têm como objetivos principais: a) articular a gestão e as ações de prevenção de violências e promoção da saúde e cultura de paz, mediante a definição de estratégias e intervenções intersetoriais; b) implantar e implementar o sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), visando promover a qualidade da informação para o planejamento de ações de enfrentamento da violência com as demais áreas do setor saúde (criança, adolescente, mulher, saúde mental, urgência/emergências, etc.) e com os demais setores e instituições de promoção de direitos, proteção e defesa; c) qualificar e articular a rede de atenção integral às pessoas vivendo situações de violência e desenvolver ações de prevenção de doenças e agravos e promoção da saúde para segmentos populacionais mais vulneráveis; e d) capacitar os profissionais, movimentos sociais e conselhos de direito, dentre outros, para o trabalho de prevenção da violência em parceria com os setores que atuam na educação permanente (BRASIL, 2010). REDE INTERSETORIAL Além dos serviços de saúde, existem outros serviços no território que atendem as pessoas em situação de violências que devem estabelecer um fluxo referenciado, dialógico e permanente de informações com todos os serviços disponíveis no município e, na ausência desses, recomenda-se buscar interlocução com serviços de municípios vizinhos para fazer parte da rede de cuidados e de proteção social (BRASIL, 2010). O diálogo e a interlocução com a Rede Intersetorial é essencial para a atenção às pessoas em situação de violências e esta pode se constituir através de diversos sistemas e políticas, tais como o
Sistema Único da Assistência Social (SUAS), Sistema de Justiça e de Direitos Humanos, Sistema de Ensino, Segurança Pública e a Sociedade Civil Organizada. Figura 2: Exemplo de Rede Intersetorial.
Fonte: BRASIL, 2010. Muitos serviços, até mesmo do setor Saúde, podem estar já atuando no acolhimento pessoas em situação de violências. Outros serviços podem estar trabalhando com atenção a homens que são agressores, ou homens que gostariam de evitar também a violência (...). É relevante conhecê-los e
ter um cadastro atualizado dos mesmos, para encaminhar casos e trocar experiências (SCHRAIBER, D´OLIVEIRA, 2003). O uso de uma ampla rede intersetorial enriquece as opções da saúde e reforça a qualidade e o potencial de suas ações, além de estimular a melhoria qualitativa e quantitativa dos serviços disponíveis (SCHRAIBER, D´OLIVEIRA, 2003). Sistema Único de Assistência Social (SUAS) O SUAS integra uma política pactuada nacionalmente, prevendo a organização participativa e descentralizada da Assistência Social, com ações e serviços voltados para o fortalecimento da família. Duas unidades de referência do SUAS nos territórios para a oferta de serviços são fundamentais para a proteção social de pessoas e suas famílias em situação de vulnerabilidade, risco social e violência: Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) É uma unidade pública da política de assistência social, de base municipal, integrante do SUAS.Localizada em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social. Destina-se à prestação de serviços socioassistenciais de proteção social básica às famílias e aos indivíduos, à articulação desses serviços no seu território de abrangência e à ação intersetorial na perspectiva de potencializar a proteção social. Algumas ações da Proteção Social Básica do SUAS devem ser desenvolvidas necessariamente nos CRAS, como o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), entre outras ações. (BRASIL, 2009). Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) Constitui-se numa unidade pública e estatal onde se ofertam serviços especializados e continuados a famílias e indivíduos nas diversas situações de violação de direitos e violência. Como unidade de referência, deve promover a integração de esforços, recursos e meios para enfrentar a dispersão dos serviços e potencializar ações para os(as) usuários (as). No CREAS conta-se com equipe multidisciplinar (assistente social, psicólogo (a), advogado (a)) e promove-se acompanhamento especializado e continuado a pessoas e famílias com vivência de situação de violências (BRASIL, 2011).
Sistema de Justiça e de Direitos Humanos O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 145, dispõe que “os estados e o Distrito Federal poderão criar varas especializadas e exclusivas da infância e da juventude, cabendo ao Poder Judiciário estabelecer sua proporcionalidade por número de habitantes, dotá-las de infraestrutura e dispor sobre o atendimento, inclusive em plantões” (BRASIL, 2010). O Conselho Tutelar (CT) “é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente” (art. 131) e tem como atribuições, entre outras, requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e emprego, exercendo função importante na interlocução com a autoridade judiciária para o efetivo cumprimento destes direitos (arts. 98, 101, 131 e 136, ECA/90) (BRASIL, 2010). Em alguns estados existem Delegacias Especializadas para apurar crimes contra crianças e adolescentes, mulheres bem como Varas da Infância e da Juventude que atuam na proteção e defesa dos direitos de crianças, adolescentes e suas famílias (BRASIL, 2010). Sistemas de Ensino O sistema de ensino é formado pela rede de educação federal, estadual, distrital e municipal complementada pelo sistema privado. São equipamentos desse sistema os Centros de Educação Infantil (creches e pré-escola), Escolas de Ensino Fundamental e Médio e Instituições de Ensino Superior (BRASIL, 2010). Na Rede de Cuidados e de Proteção Social, a comunidade escolar é, sobretudo, um espaço de prevenção e de promoção da cultura de paz. Vem sendo chamada, também, a contribuir com a identificação, a notificação e o encaminhamento de casos de violação de direitos de crianças e adolescentes, em cumprimento ao que determina o Estatuto da Criançae do Adolescente (art. 13, 56 e 245) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394/96, que estabelece: “O currículo do ensino fundamental incluirá, obrigatoriamente, conteúdo que trate dos direitos das crianças e dos adolescentes, observada a produção e distribuição de material didático adequado” (BRASIL, 2010).
Sistema Único de Segurança Pública (SUSP)
O SUSP foi criado para articular as ações federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal na área da segurança pública e da justiça criminal, de forma a integrá-los na prática, sem interferir na autonomia dos órgãos de segurança no âmbito local. Os estados podem participar do SUSP por meio da assinatura de um protocolo de intenções entre governo do Estado e Ministério da Justiça. São alguns dos órgãos que compõem este sistema no território: Delegacia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente, Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher, Delegacias de Polícia Civil e Militares, Postos da Polícia Rodoviária Federal, Guardas Municipais, Instituto Médico Legal (IML) (BRASIL, 2010). Assistência jurídica: As pessoas necessitam de dois tipos básicos de ações nesta área: 1) Acessar informações sobre lei e direitos. Diversas ONGs têm serviços de Assessoria jurídica e as promotoras legais populares, quando existentes, podem ser de grande valia. 2) Contactar um advogado (a) que leve adiante o processo para a pessoas em situação de violência. Existem Procuradoria de Assistência Judiciária (PAJ) e Comissões de Juizados Especiais (COJEs) que cumprem estas funções. Os Centros Acadêmicos de Escolas de Direito muitas vezes têm serviços voltados para a população carente que podem ser acionados. Assistência Policial: Os crimes cometidos (lesão corporal, injúria, calúnia, ameaça, etc...) na esfera doméstica podem e devem ser denunciados à polícia. As Delegacias de Defesa da Mulher, Crianças e Adolescentes costumam ser o melhor lugar para estas denúncias. Nos casos em que for necessário, as Delegacias Comuns também podem e devem ser utilizadas (SCHRAIBER, D ´OLIVEIRA, 2003). Sociedade Civil Organizada A sociedade civil também precisa compor a rede interssetorial. Essa participação se dá por meio dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, da Mulher, do Idoso, presentes em todos os estados da federação, no Distrito Federal e na maioria dos municípios brasileiros. Os conselhos são órgãos paritários com representação do governo e da sociedade civil organizada e desempenham papel importante no processo de formulação, deliberação, acompanhamento e avaliação de políticas voltadas para esse público. As representações são de vários seguimentos da sociedade: ONGs, Comissão de Direitos Humanos, centros de ensino e pesquisa, instituições religiosas, lideranças comunitárias, associação de moradores, pastoral da criança, entre outras (BRASIL, 2010). Destaque:
Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 A Central de Atendimento à Mulher é um serviço do governo federal que auxilia e orienta as mulheres em situação de violência através do número de utilidade pública 180. As ligações podem ser feitas gratuitamente de qualquer parte do território nacional. O Ligue 180 foi criado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres em 2005 e conta com atendentes que cobrem o período de 24 horas diárias, inclusive nos feriados e finais de semana - ocasiões em que o número de ocorrências de violência contra a mulher aumenta. As atendentes da Central são capacitadas permanentemente em questões de gênero, legislação, políticas governamentais para as mulheres. Cabe à Central o encaminhamento da mulher para os serviços da rede de atendimento mais próxima, assim como prestar informações sobre os demais serviços disponíveis para o enfrentamento à violência. A Central 180 também recebe e encaminha as denúncias das mulheres em situação de violência. Saiba mais acessando: http://www.sepm.gov.br/ A REDE DE ATENDIMENTO À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA A rede de atendimento às mulheres em situação de violências apresenta características e serviços específicos como prevê a Lei Maria da Penha: “a assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção...” (Art. 9º). Além disso, a Lei estabelece a criação de serviços especializados no atendimento dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, tais como: centros de referência de atendimento à mulher; casas-abrigo/serviços de abrigamento; núcleos de defensoria pública; serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados; centros de educação e reabilitação dos agressores centros de responsabilização e educação dos agressores (todos previstos no art. 35) e juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 29). Por se tratar de uma norma jurídica, a previsão de criação de serviços especializados reforça a responsabilidade de os governos implantarem políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres e formaliza a necessidade de uma rede articulada e intersetorial de atendimento à mulher em situação de violência (SILVA, 2011).
SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES - PROGRAMA MULHER, VIVER SEM VIOLÊNCIA
Instituído pelo Decreto nº 8.086, de 30 de agosto de 2013. Ações que contempla: -
Casa da Mulher Brasileira
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Ampliação da Central 180
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Centro de Atendimento às Mulheres nas Fronteiras
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Campanhas Continuadas de Sensibilização
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Unidades Móveis para Mulheres em Situação de Violência no Campo e na Floresta
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Fomento à atenção humanizada na Segurança Pública e no SUS a pessoas em situação e violência sexual com registro de informações e coleta de vestígios. Parcerias e Ações Voltadas a Atenção a Pessoas em Situação de Violências As ações de atenção a pessoas em situação de violências envolvem uma rede inter e
intrassetorial que objetivam a assistência jurídica e de proteção, a informação sobre seus direitos, a capacitação a reinserção profissional e o apoio na busca de condições de emprego e moradia. Abaixo um diagrama de algumas parcerias, papéis das diferentes áreas e principais resultados desta integração para o apoio a pessoas em situação de violências.
Fonte: Brasil, 2001.
Referências Bibliográficas BRASIL.Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Violência Intrafamiliar: orientações para prática em serviço. Cadernos de Atenção Básica. nº 8. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. BRASIL. Portaria GM/MS nº 936, de 18 de maio de 2004. Dispões sobre a a Estruturação da Rede Nacional de Prevenção da Violência e Promoção da Saúde e a Implantação e Implementação de Núcleos de Prevenção à Violência em Estados e Municípios. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Por uma cultura da paz, a promoção da saúde e a prevenção da violência / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília: Ministério da Saúde, 2009. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Departamento de Proteção Social Básica. Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS/ Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. – 1. ed. – Brasília: 2009. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Departamento de Proteção Social Especial. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). Brasília: 2011. BRASIL. Portaria GM/MS nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece as Diretrizes para a Organização das Redes de Atenção à Saúde no âmbito do SUS. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Revista Secretaria de Atenção à Saúde. Brasília, 2012. Disponível em < http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/revista_sas_pt.pdf> Acesso em 15 Jul. 2012. LUIZ, C.L. Apresentação Estruturação de Redes de Violências. In.: Seminário de Políticas Públicas na Defesa dos Direitos e no Combate a Violência contra as Mulheres, Florianópolis, 22 Ago. 2012. MENDES, E.V. As Redes de Atenção à Saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2011. OLIVEIRA, F. Redes: o desafio da democratização dos saberes e poderes, limites e possibilidades. Minas Gerais: Conselho Estadual da Mulher, 2001. SCHRAIBER , L.B.; D´OLIVEIRA ,.A.F.P. L.. O que devem saber os profissionais de saúde para promover os direitos e a saúde as mulheres em situação de violência doméstica. Projeto Gênero, Violência e Direitos Humanos – Novas Questões para o Campo da Saúde. Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde. Departamento de Medicina Preventiva – Faculdade de Medicina USP. São Paulo, 2003.
SILVA, T.C. Rede de Enfrentamento à Violência contra às Mulheres. Coleção Enfrentamento à Violência contra as mulheres. Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Secretaria de Políticas para as Mulheres – Presidência da República Brasília, 2011.
ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ISABEL SEIXAS DE FIGUEIREDO
CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL: considerações sobre os órgãos e objetos de controle
BRASÍLIA - 2009
ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ISABEL SEIXAS DE FIGUEIREDO
CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL: considerações sobre os órgãos e objetos de controle
Monografia apresentada à banca examinadora da Escola Nacional de Administração Pública como exigência parcial para obtenção do título de especialista em gestão pública, sob orientação da professora doutora Maria das Graças Rua.
BRASÍLIA - 2009
ISABEL SEIXAS DE FIGUEIREDO
CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL: considerações sobre os órgãos e objetos de controle
Monografia apresentada à banca examinadora da Escola Nacional de Administração Pública como exigência parcial para obtenção do título de especialista em gestão pública, sob orientação da professora doutora Maria das Graças Rua.
BANCA EXAMINADORA
ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Brasília, ____ de ______________ de 2009
Pode mesmo afirmar-se que o barômetro de um verdadeiro Estado Democrático de Direito está na maneira como as polícias atuam relativamente aos cidadãos (Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, em acórdão de 1996.)
RESUMO
O trabalho que ora se apresenta é resultado de um estudo acerca de um aspecto importante do controle da administração pública: o controle da atividade policial. Versa basicamente sobre três núcleos temáticos: a) a particular importância do controla da polícia, que por vezes exerce concretamente o monopólio de uso da força do Estado; b) o (não) funcionamento dos principais órgãos de controle da atividade policial, Ministério Público, Poder Judiciário, Corregedorias e Ouvidorias de Polícia; e c) os objetos e condutas sobre os quais se deve exercer o controle da polícia. Na conclusão, apresenta brevemente alguns pontos relativos à questão de “como controlar” a polícia, apontando a necessidade de profissionalização dos mecanismos de controle.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 01 1 CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................................................. 03 2 O CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL ................................................................... 09 2.1 POR QUE CONTROLAR A POLÍCIA ........................................................................ 11 2.2 QUEM CONTROLA A POLÍCIA ................................................................................ 14 2.2.1 O Poder Judiciário e o controle da Polícia ........................................................... 17 2.2.2 O Ministério Público e o controle da Polícia ....................................................... 20 2.2.3 As Corregedorias e o controle da Polícia ............................................................. 24 2.2.4 Ouvidorias: um novo arranjo institucional de controle da Polícia ....................... 27 2.3 O QUE CONTROLAR .................................................................................................. 32 2.3.1 As políticas públicas de segurança ...................................................................... 33 2.3.2 A prestação do serviço de segurança pública ...................................................... 37 2.3.3 Corrupção e desvios ............................................................................................. 39 2.3.4 Violações e abusos ............................................................................................... 42 CONCLUSÕES ...................................................................................................................... 46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 48
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CGU - Controladoria Geral da União CLAD - Centro Latino Americano de Administração para o Desenvolvimento CNMP - Conselho Nacional do Ministério Público DIPO - Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo FNSP - Fundo Nacional de Segurança Pública LOMP - Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (LC 75/1993) MP – Ministério Público NEV – Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo OPESP – Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo PC – Polícia Civil PM – Polícia Militar SEDH – Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça TCU –Tribunal de Contas da União
LISTA DE TABELAS, GRÁFICOS E FIGURAS
TABELA 1 - Mecanismos de Controle da Polícia segundo Fiona Macaulay (p. 16) TABELA 2: Tipologia de "estados" e atos de "corrupção operacional" (p. 41)
GRÁFICO 1 - Confiança e medo da PM pela população de São Paulo segundo pesquisa Datafolha (p. 10) GRÁFICO 2 - Confiança na Polícia Militar (%) – Rio de Janeiro (p. 10) GRÁFICO 3 - Confiança na Polícia Civil (%) – Rio de Janeiro (p. 11) GRÁFICO 4– Casos de Homicídio Doloso X Autos de Resistência – Rio de Janeiro 2003 a 2008 (p. 43) GRÁFICO 5 – Casos de Homicídio Doloso X Pessoas Mortas pela Polícia – São Paulo 2003 a 2008 (p. 44)
FIGURA 1 - Orientações da SENASP sobre fluxo da gestão de políticas públicas de segurança (p. 35)
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INTRODUÇÃO
O conceito de cidadania é um o principal alicerce da caracterização do Estado Moderno. Grosso modo, podemos dizer que é com a noção fundamental do povo como titular do poder do Estado que temos a passagem do modelo absolutista – e da conseqüente confusão entre soberano e Estado – para o Estado Moderno e a evolução do súdito – aquele que está sujeito à – para o cidadão – aquele que é titular de direitos. Assim, o Estado Moderno existe a partir da premissa do povo como titular do poder público, o que implica que toda sua atuação (o que inclui sua responsabilização e os mecanismos de controle) se dá em função da cidadania. Desta forma, a governança e os processos de responsabilização públicos pautam a adequação do Estado à sua finalidade primeira, que pode ser resumida na noção de “realização do bem comum de todos”. A atuação do Estado Moderno é pautada pelo respeito à cidadania, ao direito a ter direitos, conforme Hannah Arendt, o que, a contrario sensu, permite dizer que da cidadania decorre sua legitimidade. É nesse prisma que estudar formas de funcionamento e estruturação dos mecanismos de controle da administração pública se mostra relevante. A existência de mecanismos funcionais e eficientes de controle pode ser caracterizada como indicador de qualidade de respeito à cidadania em uma democracia. Partindo dessa premissa, este trabalho tem como objeto específico o controle da atividade policial no Brasil. Está estruturado da seguinte forma: No primeiro capítulo, é abordada a importância do controle da administração pública, apontamos a atividade como fundamental à adequação estatal ao Estado de Direito e mencionamos algumas classificações dos mecanismos e momentos de exercício do controle. O segundo capítulo versa especificamente sobre o controle da polícia, ressaltando sua importância, avaliando e descrevendo os principais órgãos controladores e buscando sistematizar os principais objetos sobre os quais entendemos que o controle deva ser exercido. Esse capítulo foi desenvolvido com base em pesquisas bibliográficas, mas contou também com o acumulo profissional que a autora tem, após mais de 10 anos de trabalho na
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área, primeiro em São Paulo, na Ouvidoria de Polícia do Estado, e no governo federal, na coordenação de um programa sobre o assunto da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Nesse sentido, por vezes o leitor notará certa dificuldade em me distanciar do objeto de estudo – que, mais do que objeto, é uma causa a qual venho dedicando quase toda a minha vida profissional. Essa “causa” parte da compreensão de que possivelmente não há conduta mais grave na atuação estatal do que permitir que vidas de seus cidadãos sejam ceifadas ilegalmente por seus agentes. Em meu entendimento, essa atuação – ainda por demais verificada no Brasil hoje – basicamente implica a quebra do pacto, deslegitima o Estado e torna a confiança da população nele quase irrecuperável. Por fim, no capítulo conclusivo, o trabalho aponta alguns aspectos caros à profissionalização dos órgãos de controle, abrindo espaço para que novas idéias sejam formuladas em relação ao tema “como controlar a polícia”, aspecto operacional também fundamental.
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1 O CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A concepção teórica do Estado Moderno, submetido ao direito, tendo como finalidade a realização do “bem comum de todos”1 e como princípio fundamental a democracia - que se desdobra na supremacia da vontade popular, na preservação da liberdade dos indivíduos e na igualdade de direitos (Dallari, 2007, p. 145 e seguintes) -, traz uma série de condicionantes à atuação estatal. Estes condicionantes se traduzem em um regime jurídico específico, formado por princípios administrativos que limitam a atuação do Estado e buscam assegurar sua legitimidade, ou seja, o lastro entre suas ações e a vontade do povo que o compõe – o que inclui mecanismos de participação e de accountability2. Dentre eles, podemos citar3: a submissão do Estado à ordem jurídica; a concepção de que a atividade pública se traduz em função, é um “poder-dever” (e não uma faculdade) condicionado pela finalidade para a qual foi concebido; a transparência e publicidade dos atos estatais, que implica exteriorização de tudo o que diz respeito ao Estado e é fundamental para o exercício do controle; a responsabilização objetiva do Estado pelos prejuízos que cause a terceiros pela atuação de seus agentes. No Brasil, esses princípios gerais se desdobraram em uma série de princípios específicos, previstos no artigo 37 da Constituição Federal (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) que balizam a atuação estatal, e fomentam e subsidiam seu controle. A idéia básica por trás da limitação do poder estatal está na avaliação de que o poder político é potencialmente tirânico e tende ao abuso. Esta análise, se é demonstrada por períodos históricos específicos (seja pelo absolutismo, seja pelas ditaduras contemporâneas), 1 A submissão do Estado à lei e à vontade do povo originou dispositivo específico na Declaração francesa de 1789: “a sociedade tem direito de pedir a qualquer funcionário público uma prestação de contas de sua administração” (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – artigo 15). 2 Accountability está sendo usado aqui como termo complexo que comporta tanto a noção de prestação de contas como a de responsabilização. Discussão sobre a complexidade da tradução do termo e suas dimensões pode ser encontrada no capítulo Reforma do Estado e as Organizações Pós-Burocráticas - Accountability ou responsabilização, da dissertação de Sano (2003) 3 Parte dos princípios mencionados foi colhida em Sundfeld, 1992, página 151 e seguintes.
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também já foi tema de escritos fundamentais da ciência política, como a compreensão de Montesquieu de que todo o poder tende ao abuso se não tiver outro poder para controlá-lo, ou a famosa colocação de Madison segundo a qual “se os homens fossem governados por anjos, dispensar-se-iam os controles internos e externos” (O Federalista nº 51, 1788). Por outro lado, no plano concreto, soma-se à tendência tirânica do Estado a ampla discricionariedade4 de que dispõem os órgãos da Administração no exercício de suas funções. A discricionariedade, que permite ao administrador certa margem de escolha com relação ao exercício de seu poder-dever possibilita e, por vezes, favorece o desvio de poder. Daí a necessidade de controle dos atos da Administração, que implica pensar formas e mecanismos que tenham a função de verificar – e assegurar - a adequação da atuação administrativa com as finalidades e os princípios constitucionais – o que, em última análise, serve como garantia de respeito institucional ao Estado de Direito. A instituição de mecanismos de controle da atividade estatal vem evoluindo desde a configuração do Estado Moderno. Se, em um primeiro momento, o mecanismo principal de controle era a repartição do exercício do próprio poder do Estado, donde vem a separação das funções legislativa, executiva e judiciária, esses próprios segmentos criaram também mecanismos de autocontrole e, principalmente a partir da segunda metade do século XX, fortaleceu-se a concepção de controle exercido pela própria sociedade. Tantos são os mecanismos e as formas de controle da administração pública atualmente, que existem estudos propondo classificações a partir de diversos recortes, tais como: quem exerce, como exerce e quando exerce. Basicamente, podemos pensar que o mecanismo de controle pode ser exercido antes, durante ou depois da atuação administrativa, que pode ser exercido por mecanismos internos ou externos à instituição controlada e que pode ser exercido de forma inclusiva ou exclusiva. Maria Sylvia Zanella di Pietro (2004), trabalha os conceitos de controle prévio, controle concomitante e controle posterior. O controle prévio seria aquele exercido em situações em que a Administração precisa, geralmente por força constitucional, de autorização para realizar determinado ato (como, por exemplo, no caso de algumas nomeações). O controle concomitante é o que “acompanha a atuação administrativa no momento em que ela 4
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, “(...) haveria atuação discricionária quando, em decorrência do modo pelo qual o Direito regulou a atuação administrativa, resulta para o administrador um campo de liberdade em cujo interior cabe interferência de uma apreciação subjetiva sua quanto à maneira de proceder nos casos concretos, assistindo-lhe, então, sobre eles, prover na conformidade de uma intelecção, cujo acerto seja irredutível à objetividade e ou segundo critérios de conveniência e oportunidade administrativa.” – Discricionariedade e Controle Jurisdicional, p. 09.
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ocorre”, como no caso do monitoramento da execução orçamentária. E o controle a posteriori atua no sentido de “rever os atos já praticados, para corrigi-los, desfazê-los ou apenas confirmá-los e abrange atos como os da aprovação, homologação, anulação, revogação ou convalidação”. O controle da administração pode também ser classificado em interno ou externo, de acordo com a relação entre quem controle e quem é controlado. Nesse sentido, explica Di Pietro (2004) que “é interno o controle que cada um dos poderes exerce sobre seus próprios atos e agentes. É externo o controle exercido por um dos poderes sobre o outro (...)”. Com relação a esse conceito, duas observações se fazem necessárias. Primeiramente é preciso esclarecer que o chamado controle externo é mais abrangente do que dispõe a jurista, posto que podemos encontrar órgãos de um mesmo poder exercendo controle uns sobre os outros. Neste caso, não nos parece razoável pensar em controle interno, mas sim em controle externo. Como exemplo, podemos considerar a atuação da Controladoria Geral da União (CGU). Apesar de fazer parte do Poder Executivo, não nos parece que ela exerça controle interno em relação aos demais órgãos do Executivo, mas sim controle externo. Essa classificação é importante porque pertinente à autonomia do órgão controlador. Assim, é necessário ter claro que ainda que, por exemplo, tanto a CGU quanto a Corregedoria controlam a atividade da Polícia Federal, não há semelhança na atuação dos dois órgãos, uma vez que a CGU, apesar de pertencer ao Executivo tem quadro funcional e hierárquico próprio, enquanto a Corregedoria é hierarquicamente subordinada à própria Polícia Federal. Nesse caso, parece-nos razoável que o critério de distinção entre controle interno e externo seja relacionado à estrutura funcional da instituição controlada e não aos poderes formalmente constituídos (Legislativo, Executivo e Judiciário). A estrutura funcional – e sua hierarquização/subordinação – é fator condicionante da autonomia do exercício de controle. Assim, quando o controle é exercido por órgão da própria instituição controlada, estamos tratando de controle interno; quando é órgão de outra instituição, independentemente do “Poder”, trata-se de controle externo.5 A outra observação importante diz respeito à adoção do controle social como espécie do gênero controle externo. Se a distinção entre controle interno e externo parte da autonomia do órgão controlador em relação ao controlado, necessariamente temos que assumir os 5
Essa distinção é importante porque boa parte dos escritos sobre controle restringem a noção de controle externo do Executivo à atuação do Tribunal de Contas, deixando de lado tanto o Ministério Público, como os órgãos de controle externo que existem no próprio Executivo, como a CGU.
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mecanismos de controle do Estado pela sociedade (sejam formais ou informais) como mecanismos de controle externo. Por fim, podemos pensar em controle exclusivo ou inclusivo6. O controle é exercido de forma inclusiva quando o órgão controlador exerce outras atribuições além das relacionadas à atividade de controle. Aqui, podemos citar a atuação do Ministério Público (que faz controle da Administração dentre diversas outras atribuições), dos três poderes (que além de se controlarem reciprocamente, exercem preponderantemente sua atividade fim), dos partidos políticos, da imprensa, da sociedade civil, etc. Os órgãos que trabalham apenas com a atividade de controle são, então, órgãos de controle exclusivo – é o caso das corregedorias, da CGU, do TCU, etc. Essa última classificação é importante porque diz respeito à especialização do órgão de controle. Ora, se entendermos a atividade de controle como atividade essencial e não mera formalidade, parece-nos razoável pensar que a especialização – ou exclusividade – qualifica a ação e, conseqüentemente, seu resultado. Assim, pelo menos a princípio, podemos supor que o controle exercido de forma exclusiva tende a ser mais eficiente do que o inclusivo. Outro aspecto importante no que tange à questão do controle da administração pública diz respeito ao objeto do controle. Em que pese o fato de que temos que considerar que o objeto de controle é diferenciado de acordo com o órgão controlador, podemos afirmar, genericamente, que controlar a administração pública é atividade atinente não apenas aos meios (procedimentos e recursos), mas também – e talvez principalmente – aos fins. Essa, aliás, a linha orientadora da atividade de controle na Reforma Gerencial do Estado78. Assim, tem-se que: controlar a atuação do poder público se relaciona tanto com questões referentes ao uso do dinheiro público, como com questões que versam sobre qualidade da prestação dos serviços públicos e à constitucionalidade, legitimidade e efetividade das políticas públicas.
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A terminologia controle exclusivo/inclusivo é adotada aqui a partir da conceituação de BAYLEY, 2001, p. 175. CLAD, 1998, página 34. 8 Segundo Marcos Vinicius Pó e Fernando Luiz Abrucio, as principais ações previstas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado relacionadas à accountability eram “a participação de usuários; a utilização de contratos de gestão como forma de responsabilização por resultados; adoção de mecanismos de controle social nos serviços locais e o aumento da transparência na implementação das ações do governo, possibilitando seu acompanhamento e avaliação. As noções de controle e accountability ficariam, dessa forma, estreitamente ligadas a avaliação e publicidade dos resultados e informações dos órgãos, assim como na institucionalização de mecanismos de participação.” – PÓ e ABRUCIO, 2006, página 682. 7
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Neste sentido, o CLAD (1998, p. 34) trabalhou a idéia de que, com a reforma do Estado e a ampliação da autonomia gerencial das agências e dos gestores, o controle deixa de ser essencialmente burocrático e passa a se voltar a temas atinentes à eficiência e efetividade. Com isso, teríamos estruturas voltadas ao controle de resultados, ao controle contábil de custos (que não é voltado apenas aos gastos em si, mas também à “descoberta de formas mais econômicas e eficientes de fazer as políticas públicas”), e à execução em si das políticas e prestação dos serviços públicos (objeto essencial do controle social, caracterizado como “instrumento fundamental para lidar com a complexa relação entre os cidadãos e seus agentes, os políticos e os burocratas”). No Brasil, do ponto de vista da atuação dos poderes constituídos, temos que enquanto o Legislativo, em regra, tem se voltado tanto aos aspectos financeiros, quanto aos relacionados à efetividade da atuação da Administração, para o Judiciário esse segundo aspecto ainda é relativa novidade. O Legislativo, especialmente em decorrência de sua atuação política, tradicionalmente preocupa-se com o controle das finanças públicas – seja no acompanhamento da execução orçamentária, seja nos “escândalos” relacionados a desvios de verbas públicas, seja na atuação conjunta com o Tribunal de Contas – e com o resultado da atuação da Administração – que, em última análise, é fundamental também para o processo eleitoral dos próprios parlamentares. Já o Judiciário, tradicionalmente mais conservador, voltou-se apenas recentemente a questões relativas à formulação, execução e finalidade de políticas públicas, tendo por costume o trabalho exclusivamente voltado ao controle dos meios (controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, controle de procedimentos licitatórios, de processos seletivos de funcionários públicos, de execução de gastos públicos etc. – ou seja, temas relacionados aos já referidos princípios do artigo 37 da Constituição). A noção de que possa caber ao Judiciário o controle de políticas públicas – e, além disso, da efetividade na prestação de serviços públicos – ainda é tema relativamente recente. A questão da “judicialização da política” é tema hoje candente nos meios jurídicos e políticos do país e encontra uma oposição tradicional que se fundamenta em uma série de cânones quase indiscutíveis tais como: a falta de legitimidade dos juízes, principalmente por não terem nenhuma representatividade;
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a impossibilidade dos juízes tratarem do controle da discricionariedade administrativa sem que estivessem invadindo a órbita de atuação do Executivo; a transformação do Judiciário em um super poder que se sobreporia aos demais, quebrando a fórmula da tripartição assentada no equilíbrio. Apesar de ainda restarem inúmeras questões a serem equacionadas, particularmente no que tange aos limites da intervenção do Poder Judiciário, a partir da década de 1990, o Judiciário brasileiro – provocado tanto pelo Ministério Público, quanto pela maior organização da sociedade civil e, conseqüentemente, com a ampliação do uso de instrumentos jurídicos como a ação civil pública – tem ampliado sua atuação no controle de políticas públicas, particularmente no que diz respeito a políticas voltadas à proteção e promoção de direitos fundamentais, como educação e saúde. Assim, hoje é possível identificar uma maior atuação do Judiciário tanto em situações em que se verifica ausência de política pública como nas que se verifica a prestação insuficiente/inadequada de serviços públicos. Há, porém, que se registrar que o Judiciário ainda é tímido no que tange ao controle de conteúdo das políticas públicas – seja no aspecto do controle de sua constitucionalidade, seja no que diz respeito ao processo de formulação (participação popular, critérios para definição de agenda, etc.)910.
9 A propósito, ainda que com posições conflitantes, confira-se DALLARI BUCCI, 2006, APPIO, 2005 e FREIRE JÚNIOR, 2005. O próprio CLAD menciona a necessidade de fortalecimento do controle judicial – obra citada, página 37. 10 Após esclarecer que o “juízo de validade de uma política (...) não se confunde nunca com o juízo de validade das normas e dos atos que a compõem”, Fábio Konder Comparato defende a judiciabilidade das políticas públicas, propondo inclusive a amplitude de seu objeto: “(...) estabeleçamos, desde logo, que o juízo de constitucionalidade, nessa matéria, tem por objeto não só as finalidades, expressas ou implícitas, de uma política pública, mas também os meios empregados para se atingirem esses fins. (...) Pode ocorrer, ainda, que a política governamental viole a Constituição em razão da própria maneira como é estruturada. Tudo isso, quanto à inconstitucionalidade comissiva. Impossível, porém, não reconhecer que, também em matéria de políticas públicas, pode haver inconstitucionalidades por omissão” - COMPARATO, 1999, página 45 e seguintes.
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2 O CONTROLE DA ATIVIDADE POLICIAL
Dentre as diversas atividades desenvolvidas pelo Poder Público, especialmente as que constituem diretamente prestação de serviço, as ações relacionadas à segurança pública assumem, nos últimos anos, particular importância no Brasil. A escalada dos crimes violentos criou uma verdadeira indústria da segurança, que faz com que, além do medo real, a população passe a ter também uma grande “sensação de insegurança”, estimulada muitas vezes pela imprensa e por empresas que buscam lucrar com isso11. Esses fatores transformaram a melhoria da segurança pública em uma das principais demandas da população brasileira na última década, o que trouxe à baila uma séria questão: a população brasileira não confia em sua polícia, considera-a ineficiente na resolução de crimes e excessivamente violenta. Essa desconfiança é apontada em inúmeras pesquisas, dentre elas uma realizada pelo instituto Datafolha com a população da cidade de São Paulo, em 2003, que também assinala essa desconfiança, conforme se depreende do gráfico seguinte, que compara quatro pesquisas feitas pelo instituto sobre confiança e medo da Polícia Militar:
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Como exemplo, podemos citar o faturamento do mercado imobiliário com os condomínios fechados com “segurança 24 horas”, o crescimento em tamanho e quantidade, das empresas de segurança privada, o faturamento com a blindagem de veículos etc.
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GRÁFICO 1 - CONFIANÇA E MEDO DA PM PELA POPULAÇÃO DE SÃO PAULO SEGUNDO PESQUISA DATAFOLHA
Fonte: Datafolha12
A desconfiança nas instituições policiais também marca a população do Rio de Janeiro, conforme demonstra pesquisa recente, realizada pelo Instituto de Segurança Pública daquele Estado, sistematizada nos gráficos seguintes:
GRÁFICO 2 - CONFIANÇA NA POLÍCIA MILITAR (%) – RIO DE JANEIRO
Fonte: ISP
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Disponível em <http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=639>
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GRÁFICO 3 - CONFIANÇA NA POLÍCIA CIVIL (%) – RIO DE JANEIRO
Fonte: ISP
Uma relação entre polícia e população pautada pela desconfiança impede qualquer ação efetiva de combate à criminalidade. Dentre outras razões porque a polícia precisa da população para trabalhar, como ocorre, por exemplo, na produção de provas testemunhais. O cenário delineado acima confirma a importância do controle da atividade policial, um dos elementos fundamentais para a construção de novas políticas de segurança pública.
2.1 POR QUE CONTROLAR A POLÍCIA
Além da noção geral de que em uma república democrática o exercício do poder pelo Estado deve ser pautado pela responsabilização e pela prestação de contas, donde decorre a existência de mecanismos internos e externos de controle, a atividade da polícia é marcada por determinadas peculiaridades que o tornam o controle particularmente fundamental. “A maneira pela qual a polícia desempenha seu papel é um indicador infalível do nível de qualidade da sociedade democrática”. Essa afirmação, contida no Programa do Conselho da Europa para Polícia e Direitos Humanos de 2000 e citada por Bruno Comparato(2006, p.
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09) é um bom resumo da importância do controle da atividade policial, que se deve, basicamente aos seguintes fatores: a) a polícia é quem concretiza, em última instância, o monopólio que o Estado tem do uso da força – inclusive física - para implementar suas decisões; e b) a discricionariedade que marca a atuação da administração pública é especialmente sensível na atividade policial exatamente porque pode implicar no uso da força. Além disso, no Brasil, a vinculação das polícias com o aparato repressor do Estado durante a ditadura militar também é, como veremos, um fator importante para que o controle da polícia assuma particular relevância. Num Estado de Direito é preciso enquadrar e limitar o poder do Estado pelo Direito, para que todos possam agir “conforma a lei”. A autoridade pública também deve agir em consonância com o Direito. A polícia é a instituição que garante que as leis e as decisões judiciais sejam corretamente observadas. A polícia, contudo, pelo simples fato de manejar a força, pode facilmenta ultrapassar os limites da violência legítima. Em um regime republicano, todas as instituições devem prestar contas de suas ações. A ênfase deve ser aumentada quando se trata da prestação de serviços que podem usar a força, para que a diferença entre arbítrio e uso legítimo da instituição seja bem delimitada. (...) a maneira pela qual esse monopólio da força é exercido é um bom indício da qualidade da democracia em uma dada sociedade e se os direitos humanos são respeitados ou não. (Comparato, 2006, p. 8 e 9).
Em sua atuação, a polícia dispõe de ampla margem de discricionariedade. A redução desta discricionariedade é possível, mediante a adoção de medidas como a padronização de procedimento operacionais, por exemplo, mas sua existência é inerente à atuação policial, que necessariamente se depara com situações não previstas, uma vez que lida com fenômenos complexos e dinâmicos da vida em sociedade. Desta forma, também é necessário pensar o controle da polícia a partir desta característica discricionária, sobre o que trata Theodomiro Dias Neto (2003, p. 103 e 104) nos seguintes termos: (...) são muitos os problemas que derivam da falsa idéia de que a polícia exerce uma função mandatária, limitada à execução mecânica da lei. A imprevisibilidade e a diversidade dos problemas inviabilizam qualquer tentativa de padronização do trabalho policial. É o policial que define a dinâmica de seu trabalho, em função das prioridades dos recursos disponíveis, das características da área, dos problemas e do público envolvido. (...) Por não ser publicamente reconhecida, a discricionariedade acaba sendo exercida de maneira oculta, informal, sem orientação, com legalidade questionável e fortemente influenciada pelos valores da subcultura.
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A discricionariedade é significativamente extensa não apenas no exercício concreto da atividade policial, mas também na formulação de políticas de segurança pública, o que traz a demanda de controle também da formulação e, mais especificamente, da implementação de políticas de segurança pública. Outra questão, fundamental no Brasil, é a relação entre as polícias e o aparelho repressivo durante a ditadura militar. Em que pese os avanços no processo de redemocratização do país, com relação às polícias algumas observações importantes devem ser feitas: 1.
A nova Constituição não avançou na redemocratização das polícias, mantendo a mesma estrutura de segurança pública vigente no período ditatorial, que é refratária não apenas à noção de controle (particularmente ao externo), como a qualquer forma de abertura para a sociedade em geral1314;
2.
Apesar de diversas alterações curriculares, inclusive com a inclusão de cursos sobre direitos humanos, as polícias, principalmente as militares, ainda são treinadas com base nas mesmas diretrizes curriculares, que se pautam, ainda que implicitamente, pela ideologia do combate ao inimigo, e não da proteção da população;
3.
As ilegalidades praticadas e admitidas na ação policial durante o período da ditadura fizeram com que a polícia não tivesse a necessidade ou a preocupação em profissionalizar-se. Assim, a utilização de métodos violentos muitas vezes ainda é a forma mais fácil de solucionar problemas – o que explica a freqüência na eliminação de opositores e a utilização da tortura como “técnica de investigação”15.
4.
Do ponto de vista disciplinar, a maioria das forças policiais ainda está subordinada a regulamentos arcaicos, não totalmente adaptados ao Estado de
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As Polícias Militares foram, inclusive, estruturadas no período militar e seguem sendo forças reservas e auxiliares do Estado, nos termos do artigo 144 da Constituição Federal. 14 Em linhas gerais, podemos trabalhar, no Brasil, com a idéia da polícia como instituição fechada, especialmente no que se refere à Polícia Militar. Apesar de iniciativas como a adoção de modelos de policiamento comunitário, de técnicas de mediação de conflitos e até mesmo da publicação de estatísticas sobre atuação policial em alguns Estados, as polícias ainda são refratárias ao maior contato com a população, particularmente no que tange a seu modo de atuar, sua gestão e o controle de seus “erros”. Informações como critérios de distribuição do efetivo, conteúdo programático dos cursos de formação, quantidade e tipo de equipamentos etc. são ainda tratados com “segredos de Estado” pela maioria das forças policiais do país. A manutenção da Justiça Militar como órgão de processamento e julgamento de boa parte dos crimes praticados por policiais militares é também exemplo importante, tanto do chamado “entulho autoritário” da ditadura, quanto da impermeabilidade da instituição. 15 A impunidade dos crimes praticados pelos agentes do Estado na ditadura, bem como a manutenção de torturadores nos quadros das polícias também é causa da manutenção de uma cultura de “impunidade” das violações praticadas pela polícia.
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Direito e ainda pautados à preservação da “imagem da instituição” e não à qualidade da prestação do serviço público. Em última instância, temos que controlar a polícia mais do que “vigiar” as práticas e os resultados da ação policial, possibilita verificar a adequação entre o comportamento policial e os desejos da sociedade, ou seja, entre a polícia que temos e a polícia que queremos. Significa criar meios para avaliar não apenas a eficiência da polícia, mas também sua legitimidade.
2.2 QUEM CONTROLA A POLÍCIA
A exemplo do que ocorre em outros países, o controle da atividade policial no Brasil é exercido por diversos órgãos, alguns deles criados especificamente com esta finalidade e outros que a exercem dentro de um círculo amplo de atribuições. Por outro lado, temos organismos internos e externos à própria polícia que têm a função de controlá-la. O controle interno geralmente é exercido por um órgão específico, que na maioria dos Estados costuma ser a Corregedoria. Encontramos Estados que têm uma única Corregedoria, tanto para a Polícia Civil quanto para a Militar e Estados que têm uma Corregedoria para cada Polícia. Em alguns Estados a função corregedora é centralizada, em outros, descentralizada, seja em relação ao órgão que exerce, seja em relação à descentralização espacial (existência de “núcleos de corregedoria nas diversas regiões do Estado). O controle externo, por sua vez, é exercido por vários órgãos de naturezas diversas. Dentre eles encontramos órgãos governamentais, entidades da sociedade civil e até mesmo a imprensa que, apesar de não ser sistemática, constitui-se em mecanismo eficaz no controle da atividade policial (embora, geralmente, o faça pontualmente e a partir de casos concretos, ou seja, de maneira reativa). Como mencionado, também os órgãos que exercem controle da polícia o fazem de maneira inclusiva – quando o exercício se dá em conjunto com outras atribuições – ou exclusiva – quando têm por finalidade específica o exercício do controle da atividade policial. Dentre os primeiros estão incluídos o Ministério Público, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, (órgãos governamentais / mecanismos institucionais), os partidos políticos e as
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organizações da sociedade civil. Exercem controle exclusivo as Corregedorias, as Ouvidorias de Polícia e alguns conselhos de segurança criados pelo Poder Público e que possibilitam a participação da comunidade na gestão da segurança pública. Avaliando as estruturas de controle da polícia em diversos países, David Bayley (2001, p. 176 a 181) propõe uma classificação interessante dos órgãos de controle, conforme mencionamos brevemente no primeiro capítulo. Partindo de noção que vem ao encontro à anteriormente exposta de que o que diferencia controle interno e externo é a localização do órgão controlador, o pesquisador americano identificou uma “estrutura de mecanismos complexos pelos quais se obtém o controle da polícia”, baseado em quatro tipos principais: • MECANISMOS EXTERNOS EXCLUSIVOS – mecanismos que podem estar sob o governo ou fora dele, em organismos específicos. Podem trabalhar com a supervisão das operações, como ocorre com as comissões de segurança pública do Japão, que supervisionam “desde a contratação, promoção e disciplina até posicionamento, equipamentos e procedimento” ou como as comissões de avaliações civis que existiam nos EUA na década de 1960 e eram “responsáveis por receber e investigar reclamações sobre má-conduta policial”. Em linhas gerais, sistematiza Bayley, alguns desses instrumentos “possuem total autoridade sobre operações policiais; outros avaliam apenas questões disciplinares; e alguns são apenas consultivos”. • MECANISMOS EXTERNOS INCLUSIVOS – controlam a polícia de forma intermitente ou indireta, como ocorre com o Poder Judiciário e o Legislativo, além dos partidos políticos, a imprensa e, em alguns casos, os ombudsmen, como em alguns países escandinavos, que “possui os poderes de receber e investigar qualquer oficial do governo”. • MECANISMOS INTERNOS EXPLÍCITOS – são os órgãos internos da polícia responsáveis pela supervisão e pelo exercício do poder disciplinar. • MECANISMOS INTERNOS IMPLÍCITOS – são mecanismos internos das organizações policiais, desenvolvidos para outros fins, mas que também se traduzem, ainda que indiretamente, em atividade de controle. Como exemplo, Bayley cita “recompensas, tais como promoções e aumentos de salário” e a ampliação do contato entre a polícia e a comunidade. Fiona Macaulay (2002) também trabalha a questão do controle da polícia no Brasil e apresenta uma classificação dos mecanismos com foco em sua autonomia. O quadro a seguir
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foi elaborado pela pesquisadora a partir da diferenciação entre processamento de reclamações – que ela chama de oversight - e a abordagem mais diagnóstica e preventiva – chamada de review – e versa apenas sobre agências de oversight: TABELA 1 - MECANISMOS DE CONTROLE DA POLÍCIA SEGUNDO FIONA MACAULAY
Fonte: Macaulay (2002, p. 08)
Com algumas variações dependendo do arranjo institucional dos Estados, o quadro acima apresenta os quatro principais atores do controle da atividade policial do país. Eventualmente, seria possível ampliar o ator “Justiça Militar” para Poder Judiciário, não apenas porque este trabalha com as duas polícias, mas também pelo fato de que, ao conceder e
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verificar o cumprimento de mandados – como os de prisão e busca e apreensão – a Justiça como um todo exerce, de certa forma, controle sobre a atividade policial. Somando a descrição específica do caso brasileiro feita por Macaulay com a classificação geral de Bayley apresentada acima, temos que, além desses quatro principais atores, a polícia também é controlada por outros mecanismos externos, que exercem o controle de forma não exclusiva, como a mídia, as entidades da sociedade civil que trabalham com segurança pública e direitos humanos e o Poder Legislativo. Toda essa ampla de sujeitos poderia levar à conclusão de que a polícia brasileira é extremamente bem controlada o que, se fosse fato e eficiente, teria como conseqüência forças policiais bem diferentes das que temos hoje, marcadas por denúncias e casos graves de corrupção e violações de direitos humanos. Basicamente os instrumentos de controle da polícia no Brasil ainda cumprem sua missão de forma bastante ineficiente. Em que pese a existência de causas gerais para esse fracasso coletivo, tais como a novidade da noção de controle da polícia no país e a própria impermeabilidade das organizações policiais a seu exercício, ainda podemos identificar a falta de profissionalização dos mecanismos formais de controle. Em que pese o fato de que as violações e a corrupção na polícia não seja a principal pauta da mídia e do Legislativo bem como a ausência de informação da sociedade civil sobre a atuação policial, a principal questão para o insucesso do controle da atividade policial está na ausência de profissionalização dos mecanismos formais do Estado que têm essa função, ou seja, os atores citados na figura acima.
2.2.1 O Poder Judiciário e o controle da Polícia
Os principais estudos sobre como o Poder Judiciário controla a atividade policial se dão sob o prisma da prestação jurisdicional e têm como foco os crimes e violações praticados por policiais militares. Esse recorte se deve basicamente a dois fatores: a) existência de uma justiça especializada no julgamento destes crimes, formada, em última análise, por uma maioria de juízes vindos das próprias corporações militares, e não por juízes togados, o que sugere o
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questionamento de sua imparcialidade; e b) a particularidade do regime jurídico das polícias militares, que, apesar da Constituição de 1988, seguem sendo “forças reservas e auxiliares do Exército” e são pautadas por códigos específicos, o Código Penal Militar e o Código de Processo Penal Militar. Esses dois fatores, junto à atribuição de policiamento ostensivo que caracteriza a atuação da Polícia Militar, fizeram, ao longo dos tempos com que os movimentos de defesa dos direitos humanos se insurgissem reiteradamente contra a Justiça Militar, acusada de não controlar de forma efetiva a violência policial, contribuindo para a impunidade de policiais torturadores e assassinos. A atuação da Justiça Militar é comentada por Macaulay(idem, p. 9 e seguintes), que entende que “the military courts score very low on all three measures of accountability” (transparência, fiscalização e responsabilidade). A Justiça Militar atua com base em inquéritos instaurados e conduzidos pelos próprios policiais militares, muitas vezes do mesmo batalhão em que está lotada a pessoa investigada uma vez que, como veremos, nem sempre as Corregedorias da Polícia Militar têm atribuição para atuar em todo o Estado, concentrando seu trabalho nas capitais ou em crimes de maior repercussão. Assim, a existência de normativa própria, a composição das turmas de julgamento e a origem dos inquéritos suscitam dúvidas sobre a imparcialidade desta Justiça, o que foi uma das razões para que o Congresso Nacional aprovasse, em 1996, um projeto de lei que transferia para a Justiça Comum o julgamento dos crimes dolosos contra a vida praticados por policiais militares. Apesar desta mudança, uma pesquisa sobre os três primeiros anos de vigor da lei em São Paulo, mostrou que mais de 70% dos casos de homicídio16 praticados por policiais apreciados pela Justiça Comum foram arquivados a pedido do Ministério Público17. Este dado sobre a atuação do Judiciário em relação aos homicídios praticados por policiais militares fica ainda mais interessante se cotejados com pesquisa realizada pela Ouvidoria de Polícia de São Paulo (2002) que constatou que os inquéritos apreciados pelas Varas do Júri eram justamente os instaurados pela Polícia Militar, uma vez que os inquéritos instaurados pela Polícia Civil para apurar os mesmos fatos eram encaminhados às Varas Criminais comuns.
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A terminologia homicídio aqui utilizada engloba tanto os homicídios simples, como as mortes resultantes de ação policial, geralmente chamadas de “morte em confronto”. Optamos por usar homicídios por entender que a eventual existência de excludentes (estrito cumprimento do dever legal ou legítima defesa) recai sobre a ilicitude do fato, mas não sobre o fato em si (ou seja, constatada a excludente, o homicídio deixa de ser antijurídico, mas não deixa de ser homicídio, nos termos tipificados no artigo 121 do Código Penal). 17 Folha de São Paulo 28/11/2004,
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Os inquéritos instaurados pela Polícia Civil, em São Paulo, “geralmente são tipificados como “resistência seguida de morte” e, ao passarem pelo crivo da distribuição informatizada do Poder Judiciário, não são distribuídos às Varas do Júri, mas sim às Varas Criminais comuns, posto que o crime “resistência” não é um crime doloso contra a vida”. A pesquisa constatou que apenas 61% dos inquéritos instaurados pela Polícia Civil para apurar mortes com envolvimento de policiais militares são distribuídos à Vara do Júri. Esta última pesquisa mencionada também aponta uma questão importante, que é a falta de atenção específica do Poder Judiciário no controle da violência policial. Em que pese o fato de que o Judiciário só age mediante provocação, o que faz com que a existência de processo e a condenação sejam condicionadas à boa atuação do Ministério Público, não há no país nenhum cuidado específico para o processamento dos casos citados – que, independentemente do mérito sobre a condenação, deveriam, por força legal, ser sempre apreciados pelas Varas do Júri. Vale mencionar que após tomar conhecimento da pesquisa feita pela Ouvidoria de São Paulo, a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado editou um provimento (nº 14/2002), que determinou a distribuição de todos os casos com evento morte, exceto, é claro, “as hipóteses induvidosas” de latrocínio e homicídio culposo, à Vara do Júri. Além de atuar na apreciação dos crimes praticados por policiais o Poder Judiciário também controla a polícia por outros meios. Ordinariamente o Judiciário exerce controle sobre a polícia ao conceder e verificar o cumprimento de mandados, mas, em certos casos, a atividade de controle é mais concentrada, como ocorre em São Paulo, que conta com um juiz corregedor da polícia judiciária que atua junto ao Departamento de Inquéritos Policiais (DIPO). O DIPO controla a polícia ao exercer suas atividades típicas, como verificar o cumprimento de prazos e das medidas cautelares (como autorização de escutas telefônicas, mandados de busca e apreensão e mandados de prisão), mas também tem a competência de instaurar sindicâncias em relação às autoridades policiais, bem como de realizar correições ordinárias e extraordinárias nas unidades policiais e nos presídios. Apesar de o modelo ser bastante interessante – até porque assegura que o juiz que oficia na fase pré-processual não seja o mesmo a julgar o mérito, fortalecendo o princípio da ampla defesa – ele só existe em São Paulo e tem encontrado fortes limitações no que diz respeito à possibilidade de apurar a má conduta policial18. 18
Vide HC 880.226.3/0-00, da 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo
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As limitações do Judiciário no controle da polícia não são prerrogativa do sistema brasileiro. Após relatar alterações legislativas que visavam fortalecer o controle do Judiciário sobre a legalidade da atuação da polícia judiciária (investigativa), Bittner (2003) aponta limitações também no cenário norte-americano: “(...) Até o ponto em que se pode observar, entretanto, os juízes se tornaram a custódia da legalidade do procedimento policial. Na realidade, entretanto, as aparências enganam e nada poderia ser mais distante da verdade. Nossos tribunais não tem controle sobre o trabalho policial, nem reivindicam ter tal controle, e parece altamente improvável que num futuro próximo vão reivindicar tais poderes, permanecendo, portanto, tudo como está. De fato, hoje os tribunais têm até mesmo menos controle sobre a polícia do que sobre os advogados na prática privada”.
A partir do recorte de mecanismo de controle inclusivo de Bayley, temos que a atuação do Judiciário no controle da polícia no Brasil é geralmente considerada apenas mais uma das atribuições do Judiciário, não tendo, portanto, nenhum tipo de orientação específica. Quando controla a polícia através do monitoramento de prazos e das medidas cautelares, geralmente o Judiciário está focado na questão processual e não na possibilidade da própria polícia vir a ser autora de violações. Quando controla a atuação policial do ponto de vista da prestação jurisdicional nos processos que envolvem policiais como autores de crimes o Judiciário, como vimos, tende a possibilitar a permanência de um quadro de impunidade.
2.2.2 O Ministério Público e o controle da Polícia
Segundo pesquisa realizada por Maria Tereza Sadek, apenas 29% dos membros do Ministério Público (MP) considera positiva a atuação da instituição no que tange ao controle externo da atividade policial. A mesma pesquisa aponta que apenas 34% dos promotores e procuradores entrevistados incluíram o controle externo da polícia em suas prioridades nos dois anos que antecederam a pesquisa (apud Comparato 2006, p. 61 e 62). Apesar de mais da metade dos entrevistados considerarem fundamental o controle externo da polícia, apenas 18% entendem que esse controle deva ser feito pelo Ministério Público.
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Essa avaliação do próprio público interno é um bom termômetro sobre como o Ministério Público brasileiro vem exercendo a atribuição prevista no artigo 129, inciso VII da Constituição Federal. Em que pese a identificação de avanços, como a criação de núcleos especializados em controle da polícia no MP de alguns Estados do país, e a tentativa do Conselho Nacional do Ministério Público em melhor regulamentar essa atribuição, a avaliação geral de quem se dedica ao tema – sejam pesquisadores, promotores e procuradores e até mesmo os próprios policiais – é de que o MP ainda não tem dado conta dessa função. Reservar um inciso especialmente para falar sobre controle da polícia não deixa de ser uma maneira de a Constituição Federal enfatizar essa atividade, posto que, ainda que sem o dispositivo específico, o controle da polícia pelo MP já seria possível com base em dispositivos genéricos a respeito do controle dos serviços públicos e proteção dos interesses difusos, previstos nos incisos II e III do artigo 129. Esses dispositivos possibilitam que o MP controle os mais diversos serviços públicos, como saúde, transporte e educação e seria contrária à Constituição qualquer interpretação que excluísse o serviço de segurança pública das margens desta atribuição. O texto constitucional, porém, foi mais longe em relação à segurança e mencionou expressamente a necessidade de seu controle, bem como atribuiu ao Ministério Público prerrogativas operacionais para seu exercício, como a capacidade de requisitar informações, porém, não delimitou nem especificou o objeto do controle externo, deixando a regulamentação do assunto para ser tratada pela legislação infraconstitucional. Essa “opção” constitucional, decorrente basicamente da pressão feita pela Polícia Civil durante o processo constituinte19, deu margem a uma série de questionamentos sobre os limites da atribuição do MP e sobre quais seriam as polícias controladas20. Assim, restou, como dissemos, à legislação infraconstitucional – entenda-se lei orgânica do Ministério Público e legislações estaduais – tratar a questão. As lacunas sobreviveram à edição da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (LC 75/1993), que não trouxe nenhuma informação diferenciada quanto ao objeto do controle.
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A propósito, vejam-se Guimarães (2008), p. 65 a 77 e Comparato (2006), p. 64 e 65. Essa última questão nos parece fora de propósito, seja pela lógica geral de que o MP, como fiscal da lei, de certa forma controla todo e qualquer funcionário público, seja porque a Constituição não restringiu o campo de atuação expressamente à essa ou àquela instituição policial.
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22
O texto a seguir, escrito para o documento arquitetura institucional do sistema único de segurança pública21, demonstra como estava a situação legal das legislações estaduais até o início de 2004: Em alguns Estados o exercício do controle externo da polícia foi regulamentado em lei estadual (como, por exemplo, Sergipe e Ceará), e, em outros, através de atos internos do Ministério Público (como em São Paulo e na Paraíba) e em alguns inexiste normatização a respeito. A princípio, porém, podemos afirmar que a legislação existente a respeito deixa a desejar, uma vez que, em regra, se limita a estabelecer mecanismos de controle essencialmente burocráticos como livre acesso aos estabelecimentos policiais e prisionais e garantia de acesso e cópia de documentos relativos à atividade policial. Observando as leis orgânicas estaduais dos Ministérios Públicos, encontramos, excepcionalmente, em Santa Catarina e Sergipe dispositivos inovadores no que tange à realização de investigação direta e à possibilidade de avocação do inquérito.
O Conselho Nacional do Ministério Público tentou enfrentar a questão em resolução de 2007, mas o resultado foi bastante tímido, uma vez que, conforme menciona Guimarães (2008, p. 95), “a Resolução 20 apenas reuniu dispositivos já existentes na legislação, como a relembrar a necessidade de atuação organizada neste campo”22. Na prática, os Ministérios Públicos dos Estados ainda encontram uma série de problemas para controlarem de fato a polícia. Comparato (2006, p. 63 a 68) sistematiza esses problemas em três ordens: 1.
“(...) a dificuldade de se promover qualquer política institucional no interior do Ministério Público, como conseqüência da característica de independência funcional de seus membros. (...) Com efeito, ações articuladas seriam mais eficientes para o controle da atividade policial”;
2.
“(...) a extrema relutância demonstrada por parte dos delegados de polícia em colaborar com os promotores de justiça que, segundo eles, vêm interferir e atrapalhar nas suas atividades. (...) os delegados de polícia são bem céticos quanto às boas intenções dos promotores de justiça. (...) Entre estes dois grupos há uma verdadeira rivalidade, a julgar pelos comentários dos delegados de polícia que criticam sobretudo a interferência dos promotores na investigação criminal e a
21 O documento pode ser encontrado em < www.segurancacidada.org.br>. O capítulo mencionado foi escrito em conjunto por uma equipe coordenada pelo ex-ouvidor de polícia de São Paulo, Fermino Fecchio. A autora foi responsável pela pesquisa e redação da parte sobre o Ministério Público. 22 Importante registrar alguns avanços do CNMP na aprovação, em novembro de 2008, do relatório feito pela Corregedoria Nacional no processo nº 0.00.000.000194/2008-17, que versou sobre a atuação do Ministério Público no controle externo da atividade policial e na fiscalização do cumprimento das sanções penais e de medidas sócio-educativas.
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diferença de tratamento que as duas carreiras dispensam a seus integrantes, com grandes desvantagens para os delegados”; 3.
“(...) os promotores sabem muito bem que o controle externo não é bem vindo nas delegacias. Da mesma forma como sabem que para o exercício satisfatório da sua função principal, que é a promoção da ação penal, eles dependem de um trabalho investigatório prévio da polícia. Não seria racional, portanto, dificultar ou até inviabilizar, o desempenho de suas obrigações profissionais devido a um controle excessivo das atividades policiais (...)”.
Fiona Macaulay(2005)23 também identifica o contraste entre a pro atividade do MP em outras áreas, como o combate à corrupção, e a falha em uma atuação mais consistente no controle da polícia, que ocorre, inclusive, em contraste com os “poderes” conferidos pela própria (escassa) disciplina sobre o controle externo. Julita Lemgruber (2003, p. 121 e 125) também constata o “fato de o Ministério Público não vir exercendo efetivamente suas atribuições de controle externo”, o que é creditado, “além de uma inércia interna”, ao “acirramento das resistências corporativas” das polícias, o que faz com que o MP tenha “relegado a segundo plano até agora o controle externo da atividade policial e a defesa dos cidadãos nessa área tão fundamental para a efetiva construção da democracia no país”. Importante frisar, porém, que todos os autores citados identificam avanços na atuação do Ministério Público no controle externo da atividade policial. Concordamos com a constatação24, mas entendemos que o fortalecimento da atuação do órgão em relação ao tema demanda seu amadurecimento em relação às suas novas atribuições constitucionais, bem como mudanças culturais na instituição, que possibilitem que o controle da atuação policial seja considerado tema principal – posto que envolve possíveis violações de direitos fundamentais– e não apenas incidental.
23
“By contrast to the Ministério Público’s strong and pro-active performance in other areas of its remit, principally that of rooting out government corruption and embezzlement by public officials (Arantes, 2000), the organization has failed to exercise much consistent and discernible control over the police, particularly as regards curbing gross human rights abuses. (…) There is, however, no necessary correlation between such permissive legislation and the performance of the Ministério Público in controlling the police. (…) The Ministério Público’s overall hesitancy in combating police misconduct is conditioned by inter-institutional conflict in several dimensions”. – p. 18 a 22. 24 A propósito, cabe consulta à chamada “Carta de Brasília”, resultado do simpósio “Sociedade Civil e Fiscalização da Violência Policial”, realizado pelo MPDFT em junho de 2008, que, dentre outras coisas, recomenda ao próprio Ministério público que “tenha uma postura ativa durante os procedimentos de investigação de mortes praticadas no exercício da atividade policial” – (disponível em <http://www.pgj.pb.gov.br/site/Internet/Conteudo/Materias/print.php?categoria=Comunicados&idMateria=597>).
24
2.2.3 As Corregedorias e o controle da Polícia
Geralmente, no Brasil, as Corregedorias são vistas como órgão relativamente ineficiente no controle da polícia, basicamente porque não têm atribuição para controlar a política de segurança e porque, no controle do desvio individual, muitas vezes se pauta por aspectos coorporativos que impedem a condução imparcial do caso. A existência de Corregedorias de Polícia nos Estados é regra no país, mas sua institucionalização é bastante diferente em cada Estado: alguns adotam o modelo de Corregedoria unificada, que investiga tanto policiais civis quanto militares enquanto outros trabalham com uma Corregedoria por instituição; em alguns Estados a Corregedoria trabalha de forma centralizada, em outros não. As competências das Corregedorias também têm traçados diferentes: em alguns Estados ela apura crimes e infrações funcionais e em alguns ela em todo o território, não apenas na capital do Estado. Julita Lemgruber (2003, p. 90 e 91) aponta algumas conseqüências da descentralização do trabalho das Corregedorias: Na realidade, embora a Corregedoria esteja incumbida de conduzir os procedimentos internos, ela encaminha a maior parte das denúncias às unidades onde trabalham os policiais acusados (batalhões ou delegacias), e são estas que realizam as investigações, devendo remeter os resultados de volta à Corregedoria. Quando não há comprovação da denúncia, o caso é arquivado. Se a Corregedoria detecta algum problema ou tem dúvidas sobre a forma como foi feita a apuração, devolve o processo para as unidades, a fim de que cumpram a diligência solicitada. Essa descentralização certamente não é sem conseqüências para o curso e os resultados da investigação. (...) ela reduz a autonomia do controle interno e por vezes gera divergências entre o órgão e os comandos de unidades, responsáveis pela apuração dos desvios e pela punição das faltas disciplinares.
Analisando a atuação das Corregedorias de Polícia no Brasil, Macaulay (2002, p.11) conclui que elas não se diferenciam dos mecanismos de controle interno de outros países: “unsurprisingly, the corregedorias resemble police internal affairs departments the world over. They are slow, secretive, ineffective, and biased in favour of the police”. A pesquisadora aponta ainda a falta de transparência como um dos problemas da atuação das Corregedorias, que não costumam publicar dados sobre sua atuação e resistem em passar informações a outros órgãos. Os limites à responsabilização dos policiais pelas Corregedorias também é
25
realçado (p. 12), particularmente em relação à possibilidade das Corregedorias tipificarem as condutas apuradas em termos mais brandos: (…) the first strategy is to normalise and naturalise aberrant behaviour by renaming it as legitimate police conduct or by downplaying its importance and severity. Serious offences are thus routinely re-classified as nonoffences, and are filed away, or as lesser crimes. Intentional homicide is justified as killing in ‘legitimate self-defence’ (Cano 1997) or ‘in the line of duty’.
A função fiscalizadora das Corregedorias também é apontada por Macaulay (idem, p. 13 e 14) como frágil, que conclui sua análise apontando que as Corregedorias sofrem de problemas estruturais, como falta de recursos humanos, e não atuam como órgãos de revisão de condutas, identificando padrões de comportamento inadequado ou ilegal. Soma-se a isto o fato dos Corregedores geralmente serem da própria carreira policial, o que reduz sua autonomia e torna-os vulneráveis, uma vez que eles podem voltar a trabalhar a qualquer momento com os policiais que eles próprios antes investigaram. “In sum, their’s is an atomised and defensive approach to police oversight”. As dificuldades e os limites das atividades das Corregedorias também são apontados por Julita Lemgruber (2003, p. 100 e 101), que, além da já mencionada questão da descentralização, identifica a própria imagem do órgão dentro das corporações como um obstáculo a seu funcionamento e formação e equipe: Entre os vários obstáculos ao trabalho desenvolvido pelas Corregedorias mencionou-se, antes de mais nada, a dificuldade de formar equipes, pois os policiais não costumam ter opiniões muito favoráveis a respeito desse órgão, visto como lugar de “dedos-duros”, de delatores dos próprios colegas, ou então como local para onde vão os que “não têm coragem” de enfrentar o “verdadeiro trabalho de polícia”, preferindo dedicar-se somente a tarefas burocráticas. Ou ainda como lugar onde “policiais medíocres”, sem competência para investigar criminosos comuns, conseguem ganhar fama tornando-se “carrascos” de outros policiais.
Outros problemas identificados na pesquisa de Lemgruber foram: A. a falta de treinamento específico para os profissionais da Corregedoria; B. o volume de trabalho existente; C. a carência de pessoal com perfil adequado; D. a alta rotatividade das equipes; E. a falta de equipamentos; F. as instalações físicas; G. dificuldades operacionais de vários tipos; H. a proximidade entre investigador e investigado;
26
I.
o conhecimento que os policiais investigados têm da própria estrutura das polícias e seus mecanismos de investigação e punição, que facilita que eles impeçam o esclarecimento dos fatos;
J.
a dificuldade em obter provas; e
K. a própria legislação, que seria favorecedora da impunidade dos policiais que praticam crimes. Foi com base em diagnóstico semelhante que o Instituto Cidadania elaborou a proposta para reestruturação das Corregedorias prevista no projeto “Segurança Pública para o Brasil”25, que compôs o programa de governo do então candidato à presidência Lula. Nos termos do documento (p. 34), a atuação dos órgãos de controle interno das polícias precisa ser aprimorada e a principal mudança necessária seria a criação de uma Corregedoria única, ligada à Secretaria de Segurança Pública e não subordinada às instituições policiais: A criação de uma corregedoria única para as polícias civil e militar, composta por polícias de ambas as instituições, é parte fundamental da criação do Sistema Único de Segurança Pública, possibilitando uma melhor eficácia na administração dos procedimentos disciplinares das polícias. A vinculação da corregedoria única ao Gabinete do Secretário de Segurança Pública objetiva resguardar a autonomia e a independência do órgão, possibilitando que as apurações, principalmente nos setores superiores das polícias, não sofram ingerências das direções e comandos. Os estados devem estudar a viabilidade de se criar uma formação específica para o órgão corregedor nas Academias ou Escolas Integradas, permitindo que policiais façam carreira própria no setor de correição, o que reduziria ou impediria eventuais represálias.
A proposta se volta principalmente à questão da autonomia das Corregedorias, mas a ampliação da efetividade do controle interno dependeria de várias outras medidas, que levassem em conta os outros obstáculos colacionados acima. Em síntese, é possível até afirmar que, antes de tudo, o empoderamento das Corregedorias depende da vontade política dos gestores públicos, que ainda não têm o controle da atividade policial como pauta prioritária de suas agendas.
25 O projeto foi convertido, sem alterações, no Plano Nacional de Segurança Pública durante o primeiro mandato do Presidente Lula.
27
2.2.4 Ouvidorias: um novo arranjo institucional de controle da Polícia
Consideradas um instrumento de controle social das Polícias, as Ouvidorias de Polícia nascem, na década de 1990, como um espaço institucionalizado da sociedade civil de contato e acolhimento da população em casos de má conduta policial. A função precípua das Ouvidorias é ser um espaço aberto à população para recebimento de reclamações e denúncias sobre a Polícia. Elas também recebem elogios e sugestões sobre a atividade policial e buscam ser o “ouvido” do Poder Público, ou seja, o canal utilizado pela população para demonstrar seu contentamento ou descontentamento com o serviço policial. Porém, mais do que apenas ouvir a população, as Ouvidorias surgem para ser órgãos de controle da atividade policial, monitorando a apuração das denúncias recebidas, analisando o conteúdo e os padrões das reclamações e propondo alterações das falhas detectadas. Essa observação é importante porque é um fator fundamental na diferenciação entre as Ouvidorias de Polícia e as demais Ouvidorias públicas, que muitas vezes funcionam como canal de recebimento de demandas dos cidadãos, mas não interferem nos processos que possam solucioná-las. A proliferação de Ouvidorias públicas e privadas no Brasil nas últimas duas décadas tornou-se tema para uma série de artigos e teses e até motivou a criação de associações de Ouvidores. Vismona (2000, passim), ex-presidente de uma dessas associações, trabalha com a idéia de que o Ouvidor exerce função de caráter público, ainda que funcione em uma instituição privada, e que é um “representante do cidadão agindo na defesa de seus direitos”. O Ombudsman ou Ouvidor recebe as reclamações do cidadão, avalia se é da sua competência a questão apresentada, procura identificar as causas, a sua procedência e os meios para solucioná-la, ou, se isto não for possível, explicar o por quê. Não é a solução para todos os males, porém, agindo dentro da instituição, tem a vantagem de poder acelerar as soluções para questões muitas vezes simples, mas, que para o cidadão são muito importantes e que poderiam ser ignoradas pelas grandes estruturas funcionais, perante às quais o cidadão se sente impotente. Portanto, fortalece os direitos do cidadão, aproximando-o da instituição. Age em contato direto com o poder decisório e, coibindo abusos e a repetição de erros, estimula o processo de melhoria contínua da qualidade.
28
Em outro artigo, avaliando as iniciativas adotadas pelo governo do Estado de São Paulo para fortalecer a democracia participativa, Vismona (2001, p. 166) aponta a função de apuração dos fatos que deve ser desenvolvida pelo Ouvidor: O ouvidor sugere, propõe, investiga e avalia aquela reclamação apresentada pelo cidadão, e leva suas considerações, suas propostas e suas sugestões para o dirigente do órgão. Segundo a lei, o dirigente fará uso dessas informações para definir as decisões administrativas que serão tomadas por aquele órgão. (...) Com isso, o cidadão passa a ter um certo controle da administração e pode ajudar a melhorar a qualidade do serviço prestado.
Apesar dessas premissas sobre o papel das Ouvidorias, elas, em regra, costumam se entender como agente voltado apenas ao aspecto de aprimoramento da qualidade do serviço prestado, não tendo internalizado efetivamente a função de controle. Deparados com algumas das atribuições das Ouvidorias de Polícia, alguns Ouvidores Públicos chegam inclusive a “acusá-la” de estar se confundindo com as Corregedorias, numa certapromiscuidade de papéis. A realidade não é bem essa, como veremos, mas a noção da Ouvidoria restrita a um serviço de atendimento, que se prolifera na prática entre as Ouvidorias públicas, tem sido um dos vários óbices encontrados na institucionalização das Ouvidorias de Polícia enquanto instrumento de controle da atividade policial. Existem atualmente no país 17 Ouvidorias de Polícia26. Existe também um Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia, instituído por decreto presidencial e vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH)27, que tem como atribuições: I - oferecer sugestões voltadas para o aperfeiçoamento institucional dos órgãos policiais, no que diz respeito à promoção e à proteção dos direitos humanos; II - sugerir a criação de instrumentos que qualifiquem a fiscalização e o acompanhamento das denúncias sobre a prática de atos ilegais ou arbitrários imputados aos operadores de segurança pública e da defesa social; III - propor medidas de aperfeiçoamento e fortalecimento das ouvidorias de polícia autônomas e independentes, em cada Estado; e
26
Estão consideradas aqui apenas as Ouvidorias que são relativamente independentes das corporações policiais, ou seja, as que não funcionam de forma vinculada a nenhuma corporação, como as Ouvidorias das Polícias Militares, por exemplo. 27 Decreto sem número de 03 de maio de 2006, disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20042006/2006/Dnn/Dnn10833.htm>
29
IV - estimular a criação de ouvidorias de polícia, onde ainda não existem. As Ouvidorias de Polícia têm recebido uma abordagem especial nos programas de governo e de candidatos ao Poder Executivo, bem como são instituições reconhecidas pela Organização das Nações Unidas como organismos de controle da atividade policial. Para entender a sua especificidade, é importante fazer um breve resgate de sua história e das demandas que delinearam suas funções. Benedito Mariano (2000) e Bruno Comparato (2006) dedicaram boa parte de seus trabalhos para contar a história das Ouvidorias de Polícia no Brasil, o primeiro na condição de ator fundamental para a criação e institucionalização da primeira Ouvidoria do país e o segundo abordando maiores detalhes sobre o desenvolvimento do mecanismo no mundo e comparando as diversas Ouvidorias de Polícia que existiam à época no país. Um ponto marcante e fundamental para o desenho institucional do órgão foi o fato de a primeira Ouvidoria de Polícia do país, de São Paulo, ter sido pactuada entre a sociedade civil e o então candidato ao governo do Estado, Mário Covas. Essa pactuação orientou a conformação jurídica da Ouvidoria em relação aos seguintes pontos: o Ouvidor deveria ter mandato, ser escolhido com participação da sociedade civil e não pertencer as carreiras policiais. Com isso, buscava-se um organismo independente de monitoramento da atividade policial. A Ouvidoria em São Paulo foi criada inicialmente por decreto, no primeiro dia de governo do já governador Mário Covas. Este decreto foi aperfeiçoado e convertido em lei em 2007. Além de receber denúncias e reclamações feitas pela população em geral, a legislação prevê também que a Ouvidoria tenha atribuição de propor ao Secretário de Segurança providências para aperfeiçoar o serviço prestado pelas polícias e a realização de pesquisas, seminários e cursos sobre segurança pública e direitos humanos28. Desde o início de seu funcionamento a Ouvidoria de São Paulo mostrou-se bastante atuante e contou com apoio incondicional da imprensa e da sociedade civil em geral, apesar de encontrar resistências nas corporações policiais29. O processo de institucionalização do órgão deveu-se basicamente a dois fatores: a atuação contundente do primeiro Ouvidor e o apoio político dado pelo então Secretário de Segurança do Estado, José Afonso da Silva, e pelo próprio governador. 28 29
Lei Complementar nº 826/97 do Estado de São Paulo. O Ouvidor Benedito Mariano foi seguidamente ameaçado por meio de cartas anônimas.
30
Instalada a Ouvidoria de São Paulo, Mariano iniciou movimentos de articulação para criação de Ouvidorias em outros Estados e, em 1999, já existiam Ouvidorias fortes em funcionamento em mais 4 Estados importantes do país: Pará, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Neste mesmo ano, foi criado o já mencionado Fórum Nacional de Ouvidores, cujo primeiro coordenador foi o Ouvidor de São Paulo. No final da década de 1990 e início da de 2000, as atividades da Ouvidoria de São Paulo pautaram a atuação das demais Ouvidorias, que a ela recorriam para resolver questões atinentes a temas como fluxo de trabalho e sistema de informações. Neste período, também, a Ouvidoria de São Paulo produziu documentos fundamentais, como duas pesquisas sobre uso da força letal na ação policial e uma que apontava falhas na apuração desse tipo de ação, não apenas pelas polícias, mas também pelo Judiciário e Ministério Público. Foi neste início de trabalho, também, que a Ouvidoria marcou seu espaço em termos de ação propositiva, apresentando sugestões relacionadas a criação de seguro de vida para policiais e treinamento para uso de armas de fogo, dentre outras. Em 2005, quando já existiam 13 Ouvidorias no país, foi iniciado, pela SEDH o “Programa de Apoio Institucional às Ouvidorias de Polícia e Policiamento Comunitário”. Executado com financiamento da União Européia, o Programa visava: (...) auxiliar a instauração da responsabilização democrática das forças policiais brasileiras, particularmente no que concerne ao respeito pelos direitos humanos e à redução do uso de métodos violentos na luta contra a criminalidade. Para tanto, trabalha no aperfeiçoamento dos procedimentos de controle externo sobre a violência policial, por meio do fortalecimento e da disseminação dos trabalhos das Ouvidorias de Polícia existentes nos Estados, bem como apóia iniciativas de policiamento comunitário nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo.30
Este programa foi executado até dezembro de 2008, e desenvolveu uma série de atividades de fortalecimento da atuação das Ouvidorias de Polícia, tais como campanhas radiofônicas de divulgação de seu trabalho, material informativo impresso, cursos de capacitação de Ouvidores e equipe, viagem à Europa para troca de experiências com organismos europeus de atribuições semelhantes e um sistema nacional de gestão das informações das Ouvidorias.
30
O Programa tem uma página na internet: < http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/ue/>
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O Governo Federal também investiu bastante nas ouvidorias por meio de ações da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (SENASP), que repassou recursos aos Estados para criação e aparelhamento das Ouvidorias. Em dezembro de 2008 eram 17 os Estados que contavam com Ouvidorias. Apesar do aumento da quantidade, não se pode dizer que existem muitas Ouvidorias fortes no país hoje. A maioria das Ouvidorias ainda é muito vinculada aos governos dos Estados e não atuam com independência política. Apenas 5 delas contam com a participação da sociedade civil no processo de escolha do Ouvidor e, em 3 casos (Santa Catarina, Goiás e Paraná), o Ouvidor tem vínculo com as instituições que controla. O fato da grande maioria dos Ouvidores ser escolhida diretamente pelo governo, sem participação da sociedade civil é o principal empecilho á seu funcionamento, já que tolhe sua independência. O cargo de Ouvidor muitas vezes acaba se transformando em apenas “mais um” cargo de confiança da estrutura estatal e é rara a identificação de Ouvidores realmente engajados na função. Conforme consta de relatório de pesquisa sobre as Ouvidorias realizada pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV), ainda não publicada, A forma de indicação do ouvidor pode revelar os níveis de autonomia e independência que ele terá para a condução dos assuntos da ouvidoria. Constatou-se que as ouvidorias que apresentam maior disposição para as atividades de controle externo das polícias são aquelas que têm a participação da sociedade civil nos processos de escolha do ouvidor.
Muitas Ouvidorias acabam funcionando como “Ouvidoria protocolo”, apenas repassando as denúncias e reclamações que recebem para os órgãos apuradores e informando sua resposta à população, sem ter nenhum tipo de interferência no processo apuratório. Diante do diagnóstico da situação e funcionamento das Ouvidorias de Polícia, o NEV fez uma série de recomendações para o fortalecimento do órgão, tais como: Reformulação legislativa que atribua às Ouvidorias claramente a função de controle externo, a participação da sociedade civil na escolha do Ouvidor, a restrição a Ouvidores com vínculo presente ou passado com as organizações policiais, fixação de mandatos para os Ouvidores, dotação de recursos humanos e materiais para seu funcionamento e obrigatoriedade de elaboração e publicação de relatórios de prestação de contas;
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Composição da equipe técnica “por profissionais adequados à natureza das atividades da ouvidoria, capacitados para o atendimento das finalidades e atribuições desse órgão”; Fortalecimento dos diálogos com os comandos policiais, corregedorias, polícia técnica entre outros parceiros institucionais; Ampliação da divulgação de suas atividades; Exercício de atividades de “avaliação constante dos casos que chegam à ouvidoria ou que circulam pela imprensa de modo a identificar os problemas sistêmicos dentro do funcionamento dos órgãos policiais e aqueles que se constituem problemas localizados”; e Desenvolvimento de fluxo específico de trabalho para acompanhamento de casos que envolvam ação policial com resultado letal.
2.3 O QUE CONTROLAR
Questão que se mostra relevante é o qual o objeto do controle externo da atividade policial, ou, em outros termos, o que exatamente significa controlar a polícia. Em que pese a profunda ampliação da produção bibliográfica sobre o tema controle da polícia no Brasil nas últimas duas décadas, geralmente fala-se mais dos órgãos que exercem do que do objeto do controle – e esse último aspecto é fundamental para que se possa organizar o funcionamento e as atividades dos primeiros. Um dos poucos autores que encontramos que abordam diretamente a questão do objeto do controle é Marques (S.I.), Promotor de Justiça de Goiás, que concebe o tema de maneira mais ampla do que os membros do Ministério Público costumam trabalhar, posto que vai além da vinculação entre controle externo e controle do inquérito: Não vejo timidez no dever constitucional do controle externo da atividade policial, e, por isso, concebo-o com largos limites: tal controle deve abraçar as notícias de delitos recebidas pela polícia, a apuração dos crimes e das infrações de improbidade administrativa praticados por policiais, os casos esquecidos ou não investigados, a fiscalização dos prédios policiais e de carceragem, a cobrança do regular trâmite dos procedimentos
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investigatórios, o cumprimento das requisições ministeriais, a preservação das liberdades e garantias individuais etc.
Após anos trabalhando com o assunto, conseguimos sistematizar quatro grandes objetos do controle da atividade policial, ou seja, quatro grandes temas que devem ser dominados pelos órgãos controladores e que devem receber tratamento específico e orientar procedimentos específicos também: - as políticas públicas de segurança; - a prestação do serviço pelas corporações policiais; - a corrupção e os desvios de conduta dos indivíduos que compõem a organização; e - a violência e os abusos decorrentes do uso inadequado da força pelos profissionais de segurança Esses quatro focos constituem um amplo terreno de fiscalização que abrange, basicamente, dois aspectos complementares: a legalidade e o desempenho da atuação policial. O controle do desempenho diz respeito à eficácia da prestação do serviço de segurança pelo Estado e se manifesta em temas como resolução de crimes e redução das ocorrências criminais, dentre outros. É, portanto, aspecto diretamente relacionado à avaliação das políticas públicas de segurança. Já o controle da legalidade da atuação policial, ou seja, a verificação da adequação concreta da ação policial aos dispositivos legais vigentes se desdobra no controle da violência e da corrupção, isto é, na má conduta policial.
2.3.1 As políticas públicas de segurança
Operacionalmente, podemos definir política pública como um conjunto de decisões (políticas), que, conforme Fábio Comparato (1998, p. 45), aparece “como uma atividade, isto é, um conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um objetivo determinado”. No mesmo sentido, Saravia (2006, p. 29), que afirma que a política pública é
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(...) um sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos.
Esse “sistema de decisões públicas” ou “conjunto organizado de normas e atos” ganha caráter público, segundo Rua (S.I., p. 01) “não pelo tamanho do agregado social sobre o qual incidem, mas pelo seu caráter ‘imperativo’”, o que implica serem “decisões e ações revestidas da autoridade soberana do poder público”. No caso da segurança pública, a formulação e a implementação de políticas públicas atende a demandas relativas à prestação de um serviço que é fundamental para garantir os principais direitos humanos, como a vida, a integridade física, a liberdade (em seus variados desdobramentos) e a propriedade. Conceitos como gestão e política pública são relativamente recentes na área de segurança pública no Brasil. De fato, a revisão da literatura, e até mesmo da legislação, atinente às áreas de saúde e educação, por exemplo, demonstra a apreensão desses conceitos muito antes do que ocorreu na área da segurança. Embora não seja o tema específico deste trabalho, ousamos afirmar que isso se deve, basicamente, à impermeabilidade do sistema de segurança, que historicamente, no país, ficou a cargo de dois estamentos herméticos: os juristas e os militares31. Esses administradores somaram-se à instituições também fechadas, as polícias, que só recentemente estão sendo mais perpassadas por outros segmentos sociais, como a academia e a própria sociedade civil organizada. Do ponto de vista nacional, a introdução dos conceitos de políticas públicas e gestão na segurança pública deve-se imensamente às primeiras ações da SENASP durante o início do governo Lula. Considerando que o serviço é de competência eminentemente estadual, o grande “trunfo” da SENASP foi a utilização do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) como mecanismo de indução da formulação e implementação de políticas públicas de segurança. Assim, os repasses do FNSP, que anteriormente eram utilizados basicamente para comprar armas, munições, viaturas e equipamentos para as polícias, passaram a ser
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São os segmentos dos quais provieram, historicamente, a grande maioria dos secretários estaduais de segurança pública. Após a abertura democrática, o exército perdeu um pouco esse espaço, que passou a ser controlado basicamente por juristas – promotores e advogados – e pelos próprios policiais, como ocorria antes do período militar.
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condicionados a uma série de critérios, dentre eles a elaboração de planos de segurança pelos Estados e Municípios. Para tanto, a SENASP desenvolveu uma série de treinamentos e materiais de apoio para os profissionais dos Estados, que introduziam a noção de política pública, da necessidade de realização de diagnósticos, da formulação de projetos com objetivos claros, da necessidade de monitoramento e avaliação das ações implementadas, etc. Ao lado dessas atividades de capacitação em um novo modelo de gestão, o governo federal também promoveu mudanças na legislação sobre o FNSP (Lei 10.201/2001), que passou também a priorizar no repasse de recursos os entes federados que se comprometesse com a “realização de diagnóstico dos problemas de segurança pública e apresentação das respectivas soluções”. Nesse sentido, durante o ano de 2004, a SENASP repassou recurso a diversos Estados e Municípios para que realizassem (diretamente ou mediante contratação de serviços especializados) diagnósticos das dinâmicas criminais em seu território e planos sistêmicos de segurança pública.
FIGURA 1 - ORIENTAÇÕES DA SENASP SOBRE FLUXO DA GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA
Fonte: SENASP, slides sobre o Sistema Único de Segurança Pública - 2003
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Essas alterações na forma de atuar do governo federal originaram também mudanças nos Estados e Municípios, que passaram a se familiarizar com o vocabulário da gestão pública. Essas novidades, porém, nem sempre deram origem a mudanças de orientação da administração, que por vezes se pautou em conceitos como “extermínio do inimigo” para a atuação policial, como a política de “promoção por bravura” de polícia is envolvidos em ocorrência com resultado letal do Rio de Janeiro, o que, por si, já justifica a idéia da política de segurança como um dos nossos objetos de controle. Independentemente das orientações ilegais, como a mencionada acima, as políticas de segurança pública são sempre objeto do controle – no caso específico, dos mecanismos de controle externo, uma vez que fica difícil imaginar as Corregedorias, organismos de controle interno da atuação policial, e não da administração do sistema, atuarem nesse espaço. Controlar a política pública de segurança implica, em primeiro lugar, verificar sua existência, ou seja, cabe ao órgão de controle identificar a formulação de ações concatenadas, baseadas em diagnósticos e com objetivos definidos. Cabe aos órgãos de controle aferir e fiscalizar se as ações formuladas estão sendo implementadas e como estão sendo implementadas. Não se confunde, aqui, a noção de controle com as etapas de monitoramento e avaliação, que compõem o ciclo das políticas públicas, mas entendemos que os órgãos de controle podem auxiliar nesse processo, ajudando a responder as perguntas que Maria das Graças Rua aponta como especialmente relevantes em relação à implementação de políticas públicas: 1.
Em que medida os objetivos foram atingidos? Em que medida os resultados são consistentes com os objetivos? Há impactos não previstos?
2.
Em que medida os objetivos originais foram alterados na implementação?
3.
Que fatores afetam a consecução dos objetivos, as mudanças de objetivos e estratégias etc.?
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2.3.2 A prestação do serviço de segurança pública
Avaliar a eficiência dos serviços prestados pelo poder público é sempre tarefa árdua. São diversos os fatores a serem considerados, dentre eles o número de atendimentos prestados, a qualidade desses atendimentos e a capacidade de produzir efeitos na resolução dos casos concretos. Assim, não basta o aumento do número de vagas nas escolas para que possamos aferir a eficiência do sistema de educação. É preciso que também se pense em questões como qualificação dos professores, conteúdo programático e avaliação permanente do que é de fato apreendido pelos alunos. A mesma lógica é aplicada quando pensamos no sistema público de saúde – o simples aumento no número de pacientes atendidos não aponta para uma melhoria na rede. Ao contrário, pode significar falha do sistema em ações preventivas, por exemplo. Na segurança pública a questão é semelhante. O aumento no atendimento à população pode ser boa notícia, quando se deve à ampliação da rede de atendimento ou políticas de redução da cifra oculta da criminalidade (como campanhas que incentivem as comunicações de determinados tipos de crime), ou, ao contrário, má notícia, quando decorrente do aumento do número efetivo de crimes praticados, o que, dentre outros pontos, também pode ser conseqüência de problemas no policiamento preventivo ou ostensivo. A quantidade de fatores implicados na avaliação do desempenho policial é tão grande, que Bayley (2001, p. 31) afirma que não é possível, de fato, determinar a utilidade policial. Em suas palavras: “a verdade nua e crua é que confiar no que a polícia está fazendo atualmente para proteger a sociedade é uma questão de fé, não de ciência”. Apesar disso, dessa percepção de que é impossível avaliar de fato os fatores que determinam que uma polícia seja mais ou menos eficiente, vários estudos continuam sendo feitos a respeito e são fundamentais, pois, ainda que não traduzam verdades absolutas sobre as causas de melhora ou piora do trabalho policial, apontam para critérios que, utilizados em conjunto, podem ao menos se aproximar das causas reais. Assim, é fundamental, por exemplo, a continuidade na produção de estatísticas criminais. Elas ajudam a tentativa de avaliar o trabalho policial e, mais do que isso, são fundamentais para uma série de coisas práticas como, por exemplo, orientar o policiamento
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preventivo por meio do geo-referenciamento e da detecção de “hotspots”. Não ter noção da falibilidade das estatísticas como determinante da eficiência policial, porém, constitui, ainda nos dizeres de Bayley, “um golpe na ingenuidade pública”. E não é difícil lembrar diversas situações em que as respostas das autoridades pautadas apenas no aumento ou queda das estatísticas não correspondiam – ou até contrariavam – ao desempenho efetivo da atividade policial. De qualquer forma, temos que, avaliar a qualidade da prestação do serviço público de segurança implica pensar não apenas sua eficiência (o que inclui resolutividade, quando se trata de Polícia Civil, e presteza, quando se trata da Militar), mas também o atendimento ao cidadão. Sendo mais clara: a fiscalização de como a Polícia atende o cidadão (tempo de espera, instalações, acolhimento etc.) e como resolve suas demandas (solução dos crimes, mediação de conflitos etc.). Esses dois temas, eficiência e atendimento, nos levam a diversos sub-temas, tais como: divulgação de informações sobre formas de atendimento da polícia e localização de suas instalações; configuração das instalações das polícias (limpeza, acolhimento, salas reservadas para tomada de depoimentos, salas especiais para reconhecimento de suspeitos, banheiros etc.)32; tempo de registro das ocorrências (permanência do cidadão nos distritos policiais) e de chegada ao local do crime (principalmente nos casos de acionamento do número 190), existência de recursos materiais para atuação e proteção dos profissionais de segurança (armas, viaturas, equipamentos de proteção individual e coletivos etc.); critérios de distribuição do efetivo policial e formulação das escalas de serviço; estatísticas sobre a atuação policial tais como número de ocorrências atendidas, boletins de ocorrência registrados, inquéritos instaurados, armas e entorpecentes apreendidos; preservação dos locais de crime por policiais civis e militares até a chegada da perícia técnica; e 32
A propósito, vale conferir o formulário que é preenchido na “Semana de Visitas a Delegacias”, promovida pela rede Altus anualmente em diversos países. O formulário está disponível em português em < http://www.altus.org/pdf/kit_pt.pdf>
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qualidade dos inquéritos policiais e taxas de esclarecimento de crimes. Cada um desses aspectos – aos quais se somam inúmeros outros – são fundamentais para o exercício da atividade de controle da polícia e dizem respeito à qualidade da prestação de serviço, ao contrário dos temas que serão tratados nos itens seguintes, que versam sobre o controle da ilegalidade na atuação policial. Estes aspectos configuram um objeto sobre o qual o controle ainda é limitado, principalmente porque, como já dito, as polícias não são habituadas a prestar contas de sua atuação, de modo que até coisas elementares, como estatísticas sobre a atuação policial, não são produzidas.
2.3.3 Corrupção e desvios
A questão da corrupção policial é tema de estudos sobre o comportamento da polícia em diversos países. A corrupção e os desvios são a conseqüência mais freqüente do exercício do poder discricionário pelo policial da “ponta da linha”, que, em regra, trabalha sem supervisão. À ausência de supervisão próxima soma-se, no Brasil, a questão salarial e a baixa escolaridade dos policiais. O resultado é não apenas a freqüência de denúncias pela imprensa de casos de corrupção policial, como também a percepção de que tais atos são tão arraigados à cultura policial que são tolerados pelos colegas de trabalho3334. Nos dizeres de Bittner (2003, p. 37), “é difícil imaginar uma profissão em que há mais oportunidade e maior tentação de corrupção do que o policiamento”. Em linhas gerais, existem grandes núcleos da ação policial que favorecem a prática da corrupção e de desvios:
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Sobre a complacência com os desvios de conduta dos colegas, conferir os resultados prévios de pesquisa sobre opiniões e valores dos policiais brasileiros, conduzida pela FGV e que foram publicados no jornal O Estado de S. Paulo do dia 16 de março de 2009.Disponível em <http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090316/not_imp339476,0.php> 34 Pesquisa nacional realizada pelo IBOPE em 2008 aponta o combate à corrupção policial como segunda medida mais importante para melhorar a segurança pública no país na opinião da população. Disponível em: <http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=5&proj=PortalIBOPE&pub=T&db=caldb&comp= Notícias&docid=A616D2C73C2149D183257420005A47AD>
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A polícia é o primeiro ator do sistema de justiça criminal a ter contato com a prática criminosa, o que dá a ela um poder imenso – a decisão sobre registrar ou não crimes; A guarda e armazenamento de armas, drogas e demais objetos apreendidos; A competência para tipificar, ainda que provisoriamente, o delito cometido, que pode se transformar em moeda de troca (mediante pagamento, tráfico pode virar uso, por exemplo); Os equipamentos da própria polícia (casos de venda de armas da polícia e de superfaturamento em consertos de viaturas, por exemplo) Em artigo sobre as medidas em andamento para controle da corrupção policial no Chile, Torres (2009, p. 02) comenta as nuances dos comportamentos desviantes e corruptos na organização policial. Suas considerações também descrevem parte do comportamento encontrado nas polícias brasileiras: (...) A corrupção no interior dos órgãos policiais pode ser de dois tipos: o primeiro, a corrupção administrativa, referida àquelas condutas no nível da gestão de recursos humanos e materiais no interior da instituição e que são semelhantes àquelas presentes em outros órgãos públicos (pagamento de comissões por contratos internos, desvio de fundos, pagamento por promoções ou traslados, entre outras); o segundo tipo refere a uma corrupção produto das relações com o meio externo à instituição, isto é, apresenta-se “para fora” da instituição, no contato cotidiano dos policiais com cidadãos e criminosos. Essa é a corrupção operacional (aceitar/pedir dinheiro para não proceder a uma multa ou uma detenção, extravio ou produção intencional de evidência, proteção de criminosos, como exemplos). (...) Da mesma forma, a corrupção operacional reduz a eficiência policial, pois diminui o interesse do funcionário policial em cumprir com a missão institucional. Para nos aproximar de uma definição desta corrupção operacional, a literatura aponta um primeiro elemento que deve se considerar como central: todo ato de corrupção policial constitui um ato de abuso de autoridade, uma vez que quem o comete "tira vantagem" de sua posição e do poder que lhe é outorgado (Newburn, 1 999; Urueña, 2001). Esse elemento permite distinguir entre atos meramente ilegais, realizados por um policial e aqueles que, além de cometer crimes, são corruptos. Como assinala Klockars "se oficiais de polícia roubam bens da cena de um crime à qual têm sido chamados para investigar, são corruptos. Se roubam sua família, seus amigos, ou em uma loja ou casas, sem estar protegidos por sua autoridade de policiais, são meros ladrões". Em segundo lugar, não todo ato de corrupção é necessariamente um ato ilegal. Assim, o fato de um policial aceitar um café ou outro bem ou serviço pelo qual normalmente deveria pagar (gratuidade), não constitui um fato
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ilícito, mas bem poderia ser considerado um ato de corrupção se essa "gratuidade" gera algum tipo de compromisso com seu provedor. Os argumentos, tanto a favor como contra, da aceitação de “gratuidades” são diversos. Todos aqueles formulados em contrário, situam-na como um problema basicamente ético, já que os serviços policias e seus agentes devem atender a todo cidadão em igualdade de condições. A aceitação esporádica ou sistemática de “gratuidades” gera, de uma ou outra forma, um compromisso que pode induzir um oficial a ter um trato diferenciado com aqueles que lhe oferecem esses benefícios.
Assim, temos que, do ponto de vista da atividade de controle, a corrupção e os desvios de comportamento policiais podem ás vezes incluir comportamentos borderline entre ilegalidade (criminosa ou disciplinar) e antiéticos. Torres apresenta uma tipologia sobre atos de corrupção policial que parte da premissa que o comportamento pode ser permanente ou circunstancial. A primeira refere-se a situações em que “os policias obtêm um benefício de atividades ilícitas que estão, ou deveriam estar, submetidas à sua fiscalização”. A circunstancial refere-se a atos isolados, ocasionais, em que o policial se aproveita de situações para obter vantagens e benefícios. TABELA 2: TIPOLOGIA DE "ESTADOS" E ATOS DE "CORRUPÇÃO OPERACIONAL" Corrupção
Tipologia Corrupção Autoridade.
Circunstancial
Roubo Oportunidade
Dimensão O oficial de polícia recebe de um bem (ganância material) devido a sua condição de autoridade, sem violar a lei. de Pegar da cena do crime algum bem da vítima
“Shakedowns” Aceitar suborno por não (obter ganâncias cumprir a lei mediante pressões) Outorgar proteção policial a Proteção de atividades ilegais permitindo atividades ilegais seu desenvolvimento.
“The Fix”
Desestimar uma investigação criminal ou um procedimento, não aplicar multas de trânsito.
“Padding”
Plantar ou colocar evidência incriminatória
Permanente
Fonte: Torres (2009)
Caso O policial recebe como “benefício” um café, bebidas ou outro serviço de graça. Após um acidente de carro, pegar algum bem de propriedade da vítima Omitir realizar uma detenção em troca de dinheiro ou bens materiais Proteção a redes de prostituição, pornografia ou drogas. Cooperar com pessoas que tenham incorrido em crimes, evitando que sua participação seja investigada. Modificar a cena do crime
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Um tipo de comportamento desviante importante, que não necessariamente envolve a prática de ilegalidades diz respeito a prestação de “favores” por policiais, sem que haja nenhum tipo de ganho material com isso – o “pagamento” seria apenas o aumento do prestígio do policial em relação ao favorecido. Esses favores podem incluir a agilização na realização de diligências, a obtenção de informações que, apesar de públicas, demandariam acionamento da burocracia para serem resolvidas etc. Além da corrupção que envolve a relação dos policiais com a sociedade em geral, é também importante identificar situações de corrupção interna nas corporações e no próprio sistema de segurança. Nesse sentido, vale mencionar denúncias da imprensa sobre “venda” de cargos dentro das instituições policiais e de sentenças em processos disciplinares35. A corrupção também pode envolver modalidades tradicionalmente encontradas em outros órgãos públicos, como as que envolvem fraudes em licitações, por exemplo. As situações mencionadas são apenas algumas em que tradicionalmente se encontram práticas de comportamento corrupto e/ou desviante na ação policial, mas demonstram a necessidade de cuidados específicos no processo de fiscalização e controle da atividade policial.
2.3.4 Violações e abusos
Este tema relaciona-se basicamente às diversas violações de direitos individuais praticados por profissionais de segurança pública no exercício de sua função. Seus desdobramentos incluem aspectos como: Uso da força (pessoas mortas e feridas em ações policiais); Tortura; Violação de privacidade (invasão de domicílio, escutas telefônicas e investigações “informais”, por exemplo); e
35 Veja-se a respeito entrevista disponível <http://www.radioagencianp.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=6419&Itemid=43>
em:
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Prática e critério de abordagens policiais (a questão do racial profiling, por exemplo) A questão do uso excessivo da força no que tange ao alto índice de letalidade nas ações policiais é tema recorrente no Brasil. Não são raros os documentos nacionais e internacionais36 que tratam do tema que suscitou, em menos de uma década, duas visitas de relatores especiais das Nações Unidas ao país37. Sem ter a pretensão de nos aprofundar no tema, apresentaremos a seguir alguns dados que nos apontam o tamanho do problema nos últimos anos. Os gráficos 1 e 2 versam sobre a proporção de mortos por policiais em relação ao total de homicídios praticados nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, respectivamente, entre os anos de 2003 e 2008. Esses Estados foram escolhidos por duas razões: uma de ordem prática - são os únicos que disponibilizam dados sobre o tema, periodicamente, na internet; e outra em razão da sua importância – são os Estados com maior índice de letalidade em ação policial no país38.
GRÁFICO 4 - CASOS DE HOMICÍDIO DOLOSOS X AUTOS DE RESISTÊNCIA RIO DE JANEIRO 2003 A 2008
Fonte dos dados: Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro. 36
A título de exemplo, vide relatórios da Anistia Internacional e o relatório sobre a situação dos direitos humanos no mundo produzido periodicamente pelo Departamento de Estado Norte Americano. 37 Foram duas as visitas de Relatores Especiais sobre Execuções Arbitrárias, Sumárias ou Extrajudiciais: a relatora Asma Jahangir, em 2003 e o relator Philip Alston, em 2007. A freqüência das visitas não pode ser creditada apenas ao convite permanente do país para que seja visitado por relatores da ONU. 38 De acordo com acompanhamento da imprensa, corremos o risco da Bahia ultrapassar São Paulo em relação ao assunto em 2009.
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GRÁFICO 5 - CASOS DE HOMICÍDIO DOLOSO X PESSOAS MORTAS PELA POLÍCIA SÃO PAULO 2003 A 2008
Fonte dos dados: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.
A produção dos gráficos desconsiderou alguns fatores que apontam para a imperfeição dos dados (como o fato de que o Rio de Janeiro conta casos e não vítimas e de que São Paulo conta casos em um critério e vítimas em outro), tendo em vista que não se pretende um estudo aprofundado da questão, apenas uma ilustração do cenário. Como se percebe da análise dos dados, a situação é bastante séria, particularmente no Rio de Janeiro, onde o número de pessoas mortas pela polícia equivale a 17,97% do total de pessoas assassinadas em outras circunstâncias no período (se fosse um gráfico linear, apenas com as proporções, o pico seria em 2007, ano em que os mortos pela polícia equivaleram a 21,69% das pessoas vítimas de homicídios comuns). Em São Paulo, a média da proporção entre 2003 e 2008 é de 7,95%, com pico em 2008, onde a proporção atingiu 9,74%. Outro dado importante revela a seriedade da questão no país. Se, como diz Chevigny, "Quando são mortos dez ou quinze vezes mais civis do que policiais, então, isto sugere que a força mortal da polícia pode estar em uso para propósitos outros que o da proteção da vida em emergências", a situação no Brasil está em alerta vermelho, posto que apenas em 2007 e 2008, em São Paulo, Estado que reduziu drasticamente o resultado letal em ações policiais em relação ao início da década, esta relação foi de 12,16 e 19,59, respectivamente.
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Assim, cabe aos órgãos de controle fiscalizar como se dá o uso da força, seja para identificar políticas de extermínio, como dito anteriormente, seja para apontar medidas que acabem com a impunidade dos policiais que reiteradamente se envolvem nessas situações, seja para ajudar a diagnosticar e prevenir sua ocorrência. Os demais pontos mencionados no início deste capítulo também são fundamentais de serem fiscalizados se desejamos uma atuação policial pautada pela democracia e pelo respeito aos direitos humanos. É absolutamente intolerável que a tortura siga sendo “método de investigação ou de punição” em Delegacias brasileiras, e que a cor determine a seleção do suspeito no momento da abordagem policial. Por outro lado, pautas relacionadas à privacidade, já bastante desenvolvidas em alguns outros países, principalmente nos EUA e em alguns países europeus, também têm que se fortalecer no país. Isto vem ocorrendo em relação às escutas telefônicas ilegais, mas também precisa se fortalecer em relação aos mandados de busca e apreensão coletivos, por exemplo, uma aberração concedida por alguns juízes que autoriza as “mega-operações” em favelas.
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CONCLUSÃO
Cada um dos aspectos mencionados neste trabalho, principalmente em relação aos órgãos de controle da polícia e aos objetos (condutas) a serem controlados, são mote suficientemente profundos para demandarem investigações específicas. Apesar disso, buscouse apresentar, em linhas gerais, os principais temas que indicam a necessidade de fortalecimento e profissionalização do controle da atividade policial. Controlar a polícia significa, dentre outras coisas, controlar a possibilidade de uso da força física pelo Estado, o que talvez torne a tarefa uma das mais sensíveis e cara à democracia e ao Estado de Direito. Parece-nos ingênuo pensar que a adequação das forças policiais a um sistema de garantia de direitos pode ser alvo alcançado apenas com investimento em formação ou por conseqüência da renovação de quadros. A consciência da existência de um sistema funcional e eficiente de controle é um dos fatores fundamentais para adequar a conduta discricionária dos profissionais de segurança à legalidade, na mesma medida em que a consciência em um sistema funcional e eficiente de Justiça Criminal é um dos fatores fundamentais para redução da criminalidade em geral. Partindo dessa premissa, temos que o cenário atual de controle da polícia no Brasil apresenta-se bastante fragilizado, seja por aspectos institucionais, seja por aspectos burocráticos, que, em nosso entender, apontam em uma mesma direção: a falta de vontade política de estabelecer esta pauta como prioritária no processo de gestão da segurança pública. Como dizia um Delegado de Polícia conhecido, todas as instituições se deparam com profissionais que tem comportamento desviante, mas isso, na polícia, que é a responsável exatamente pelo controle do comportamento ilegal, é inadmissível. Não se parte do ideal de que a polícia – assim como qualquer outra instituição – possa se tornar uma corporação totalmente adequada aos preceitos republicanos e democráticos. Mas não se pode tolerar a existência de situações como as relatadas ao longo deste trabalho, como a percepção generalizada das forças policiais como corruptas e violentas. Essa percepção é legitima, mas tem conseqüências danosas, não só para a população, mas para a
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própria auto-estima dos profissionais de segurança pública, que, por vezes, arcam com ônus de uma cultura institucional ultrapassada. Alguns aspectos devem ser levados em conta se o controle da atividade policial for alçado à condição de pauta prioritária das políticas públicas de segurança. Dentre eles o fato de que, com exceção das Corregedorias, os demais órgãos de controle não conhecem a polícia. Seja pelo aspecto de “instituição total” das corporações policiais, que informam um desenho hermético, seja pela própria falta de interesse, o Judiciário, o Ministério Público e boa parte das Ouvidorias de Polícia não tem noção exata do funcionamento das corporações policiais. Não conhecem seus fluxos de trabalho ou até mesmo sua normatização interna. Do ponto de vista operacional, esquecendo-se aqui os de natureza política, esse é um dos principais óbices ao funcionamento do controle. Controlar a polícia implica, antes de tudo, conhecê-la. Implica saber quais seus procedimentos, suas regras, seu processo de trabalho. É necessário profissionalizar a atividade de controle, que deve, por exemplo, trabalhar com sistemas informatizados, como banco de dados não apenas sobre denúncias recebidas, mas sobre os registros funcionais dos policiais. É fundamental, também, desenvolver indicadores que possibilitem a avaliação do trabalho policial. Os órgãos de controle precisam ter acesso às informações das polícias – não apenas aos livros de registros, mas também às suas normas internas, por exemplo. A participação dos órgãos de controle na apuração das infrações e dos crimes praticados por policiais também é fundamental para assegurar sua imparcialidade, que não pode se dar apenas na fase processual, mas também na fase de produção de provas, que muitas vezes se perdem se não forem feitas na fase inquisitorial. Outro tipo de mecanismo de controle deve ser usado com maior ênfase: a regulamentação de condutas e padronização de procedimentos operacionais a serem seguidos pelos policiais. Padronizar procedimentos reduz a discricionariedade, o que dá maior segurança de atuação ao profissional e reduz a chance de erros e abusos ocorrerem. Mais do que tudo, é preciso desenvolver estratégias para inculcar a cultura de controle nas corporações policiais, que por vezes esquecem-se que Estado de Direito significa submissão do próprio Estado à legalidade, o que traz conseqüências nefastas para elas próprias e impede o pleno desenvolvimento de uma cultura de paz.
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SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL NO BRASIL: QUADRO INSTITUCIONAL E UM DIAGNÓSTICO DE SUA ATUAÇÃO Helder Ferreira Natália de Oliveira Fontoura Brasília, março de 2008
TEXTO PARA DISCUSSÃO No 1330
SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL NO BRASIL: QUADRO INSTITUCIONAL E UM DIAGNÓSTICO DE SUA ATUAÇÃO* Helder Ferreira** Natália de Oliveira Fontoura** Brasília, março de 2008
* Os autores agradecem a André Gambier Campos e Luseni Aquino, da Diretoria de Estudos Sociais do Ipea; a Marcelo Durante, da Secretaria Nacional de Segurança Pública; e a Arthur Trindade Maranhão Costa, da Universidade de Brasília, por críticas e sugestões. ** Técnicos da Diretoria de Estudos Sociais do Ipea (helder.ferreira@ipea.gov.br e natalia.fontoura@ipea.gov.br).
Governo Federal Ministro de Estado Extraordinário de Assuntos Estratégicos – Roberto Mangabeira Unger
TEXTO PARA DISCUSSÃO Publicação cujo objetivo é divulgar resultados de estudos direta ou indiretamente desenvolvidos pelo
Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República
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Presidente Marcio Pochmann Diretor de Administração e Finanças Fernando Ferreira Diretor de Estudos Macroeconômicos João Sicsú Diretor de Estudos Sociais Jorge Abrahão de Castro Diretora de Estudos Regionais e Urbanos Liana Maria da Frota Carleial Diretor de Estudos Setoriais Márcio Wohlers de Almeida Diretor de Cooperação e Desenvolvimento Mário Lisboa Theodoro Chefe de Gabinete Persio Marco Antonio Davison Assessor-Chefe de Comunicação Estanislau Maria de Freitas Júnior
URL: http://www.ipea.gov.br Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria ISSN 1415-4765 JEL K14; K42; K49
É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas.
SUMÁRIO
SINOPSE
ABSTRACT
1 INTRODUÇÃO
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2 DESENHO INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL
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3 UM DIAGNÓSTICO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL NO BRASIL
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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ANEXOS
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SINOPSE O presente trabalho tem por objetivo investigar o sistema de justiça criminal no Brasil, integrado pelos subsistemas policial, de justiça criminal e de execução penal, sob duas perspectivas: o respeito ao Estado de Direito e a eficácia na missão de prevenir a criminalidade. A primeira parte do texto (seção 1) se dedica a apresentar o desenho institucional do sistema de justiça criminal, com os diferentes órgãos e instituições que o compõem, tanto nos Poderes Executivo e Judiciário, e o modo como se articulam nos três níveis de governo. A segunda parte (seção 2) busca examinar, a partir das informações disponíveis até o primeiro semestre de 2007, os diferentes subsistemas de justiça criminal no que concerne ao respeito ao Estado de Direito e ao alcance do objetivo de prevenir a criminalidade. Conclui-se que se tem no país um sistema de justiça criminal que constantemente viola os direitos individuais, ao tempo em que é detentor de uma capacidade de punir crimes muito aquém do número de crimes cometidos, falhando em sua atribuição de contribuir para a prevenção da criminalidade, apesar de alguns avanços alcançados nos últimos anos.
ABSTRACT The aim of this paper is to analyze the criminal justice system in Brazil – which is composed by the police, criminal justice, and penal execution subsystems – under two perspectives: the respect to the Rule of law and the effectiveness of its task of preventing crime. The first part of the text attempts to present the institutional design of the system of criminal justice, together with its different agencies and institutions in Executive and Judiciary, as well as the way it connects itself in the three levels of government. The second part examines, based on the currently available information, the different subsystems of criminal justice in relation to the Rule of law and the attainment of the objective to prevent crime. We conclude that we have a criminal justice system that constantly violates the individual rights ant that has a very low capacity to punish crimes, failing his duties to prevent crime although some progress were achieved in the last years.
1 INTRODUÇÃO A segurança pública, nos últimos anos, tornou-se uma das áreas de políticas públicas de maior preocupação dos brasileiros. Isto pode ser notado em pesquisas de opinião pública realizadas recentemente. A pesquisa CNT-Sensus de julho de 2007 (CNTSensus, 2007)1 trabalhou com três indicadores: i) a avaliação dos entrevistados sobre o controle da violência e da criminalidade pelas autoridades; ii) a forma de violência pela qual o entrevistado se sente mais ameaçado; e iii) a classificação da cidade como mais ou menos violenta, segundo o entrevistado. Os resultados mostram que, para 76,1% dos entrevistados, a violência e a criminalidade estão fora do controle das autoridades. Para o segundo indicador, entre as opções apresentadas, o assalto em casa ou na rua foi escolhido por 38,4% dos entrevistados (tabelas 1, 2, e 3 no anexo) como a violência que mais ameaça. Os demais entrevistados escolheram: i) tráfico de drogas (31,7%); ii) estupro (9%); iii) seqüestro (7%); iv) violência na família (6,1%); e v) brigas em locais públicos (5,9%). Por último, a cidade onde mora o entrevistado foi considerada muito violenta por 14,7%, violenta por 16,9%, mais ou menos violenta por 29,7%, pouco violenta por 27,8%, e nada violenta por 10,1% dos entrevistados, (tabelas 1, 2 e 3 anexo 1). Os resultados dessa pesquisa revelam também, entre outros aspectos, que os entrevistados tendem a ser críticos quanto à atuação das autoridades – mesmo aqueles que consideram relativamente pouco violentas as cidades em que moram. A percepção dos brasileiros sobre a situação de violência e criminalidade é influenciada pela ampla cobertura que os meios de comunicação de massa dão aos casos de violência. Em qualquer lugar do país, tem-se informação sobre crimes ocorridos em São Paulo, Rio de Janeiro, outras cidades de grande e médio porte, e também, embora mais raramente, em pequenos municípios. Isso não quer dizer, no entanto, que não existam motivos reais para uma grande preocupação com o tema. Em relação às mortes por agressão (homicídios ou latrocínios), por exemplo, num conjunto de 80 países (quadro 1, anexo 1), o Brasil é o primeiro em número absoluto de mortes (45.311 vítimas em 2000), o quarto em taxa de mortos por agressão por 100 mil habitantes (26,4), e o quarto na proporção entre as mortes por agressão sobre o total de mortes (4,8%).2 Embora o risco de morte por agressão do brasileiro em um ano seja, segundo estes dados, de apenas 0,026%, a comparação com outros países evidencia um grave problema de segurança pública no Brasil. Outros crimes também preocupam. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006b) conseguiu reunir outros dados de vítimas de crime no país, relativos a 2005. Os números são os seguintes: i) lesão corporal dolosa – 308.952 vítimas; ii) tentativa de homicídio – 21.461; iii) extorsão mediante seqüestro – 617; iv) roubo a transeunte – 202.577; v) estupro – 7.550; e vi) atentado violento ao
1. Foram realizadas 2 mil entrevistas, estratificadas por cinco regiões e 24 estados, com o sorteio aleatório de 136 municípios pelo método da Probabilidade Proporcional ao Tamanho (PPT). 2. Os dados são da Organização Mundial da Saúde – World Health Organization Statistical System (Whosis). Da base de dados, foram excluídos territórios, países sem informação posterior a 1995 ou sem dados sobre população. Base de dados disponível em: <http://www.who.int/whosis/database/mort/table1.cfm>. Acesso em 24 jul. 2007. Há vários problemas nessa comparação, entre eles o fato de que a qualidade dos dados varia de país para país, e de que referemse a anos diferentes – variam de 1996 a 2003.
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pudor – 7.172 vítimas.3 Por fim, a ação da sociedade civil e a mídia têm também chamado atenção para uma série de fenômenos: corrupção, violência contra grupos vulneráveis (mulheres, crianças, idosos, GLBT,4 defensores de direitos humanos, trabalhadores rurais), contrabando, tráfico de armas etc. Essa forte preocupação social, por sua vez, tem despertado na sociedade e no Estado (setores de saúde, educação, urbanização, trabalho etc.) novas ações que contribuem para a melhora da situação ao atuar na prevenção da violência e do crime. No entanto, embora alguns estudos5 venham questionando a idéia de prisão de criminosos como forma de intimidar o crime e assegurar a ressocialização, a responsabilidade mais específica sobre o problema, atribuída pela mídia e pelos atores políticos de maneira geral, continua sendo do sistema de justiça criminal.6 O objetivo deste estudo é avaliar a atuação desse sistema de justiça criminal. Duas 7 serão as perspectivas de avaliação: o respeito ao Estado Democrático de Direito e os resultados dos órgãos em relação às infrações penais. No entanto, antes disso, na seção 1, será apresentado o desenho institucional do sistema de justiça criminal, com vistas a tornar mais claro para o leitor menos familiarizado com o tema o modo como se organizam as principais instituições do sistema.
2 DESENHO INSTITUCIONAL DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL O sistema de justiça criminal abrange órgãos dos Poderes Executivo e Judiciário em todos os níveis da Federação. O sistema se organiza em três frentes principais de atuação: segurança pública, justiça criminal e execução penal. Ou seja, abrange a atuação do poder público desde a prevenção das infrações penais até a aplicação de penas aos infratores. As três linhas de atuação relacionam-se estreitamente, de modo que a eficiência das atividades da Justiça comum, por exemplo, depende da atuação da polícia, que por sua vez também é chamada a agir quando se trata do encarceramento – para vigiar externamente as penitenciárias e se encarregar do transporte de presos, também à guisa de exemplo. A política de segurança pública, de execução penal e a administração da Justiça são majoritariamente desenvolvidas pelos poderes estaduais. Os poderes públicos federal e municipal desempenham papel de menor importância nesta área. O objetivo desta seção é apresentar o desenho institucional de cada um dos subsistemas da Justiça criminal. Além dos órgãos envolvidos em cada nível da Federação, busca-se aqui também mostrar a relação entre eles e as principais normas legais que regem a atuação governamental na área, de modo a subsidiar a posterior análise sobre o funcionamento do sistema, assim como permitir ao leitor uma maior familiaridade com o tema. 3. Ver tabela 4 no anexo 1. Esses números apresentam limitações. Os maiores problemas são a subnotificação e dados não enviados por estados. 4. GBLT: gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros. 5. Cf. Blumenstein, Cohen e Nagin (1978). 6. O sistema de justiça criminal envolve as áreas de ação policial, justiça criminal e execução penal. 7. O princípio básico para o funcionamento do Estado de Direito é o da legalidade. O Estado deve fazer o que a lei determina, enquanto um cidadão só pode ser obrigado ou impedido de fazer alguma coisa em virtude da lei (CF, art. 5o, inciso II).
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Inicialmente, será abordado o complexo de segurança pública; em seguida, o de justiça criminal e, finalmente, o de execução penal. Em cada um dos casos serão examinados os respectivos órgãos nos âmbitos do governo federal e dos governos estaduais e municipais. 2.1 Estrutura do sistema de segurança pública O sistema de segurança pública no Brasil organiza-se com base em órgãos do Poder Executivo Federal, estadual e municipal. A Constituição Federal (CF) de 1988 traz as diretrizes gerais para o sistema, prevendo o papel dos órgãos policiais e dos entes federativos em sua organização. No art. 144, a CF define a segurança pública como dever do Estado e responsabilidade de todos. Define, ainda, que os órgãos responsáveis por sua manutenção são a Polícia Federal as Polícias Rodoviária e Ferroviária8 Federais; as Polícias Civis; as Polícias Militares; e os Corpos de Bombeiros Militares. A seguir será traçada a estrutura do sistema, de acordo com os papéis e a organização de cada nível da Federação: União, poder estadual e poder municipal. 2.1.1 Órgãos federais de segurança pública No âmbito do governo federal, a segurança pública é assunto da área de competência do Ministério da Justiça, no qual se encontram vinculados os seguintes órgãos: Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), Departamento de Polícia Federal, e Departamento de Polícia Rodoviária Federal. Cabe mencionar, ainda, a existência de conselhos ligados ao Ministério da Justiça, tais como o Conselho Nacional de Segurança Pública, que também exercem papel importante para as definições e avaliações da política. A Senasp, criada em 1997,9 tem por principais atribuições: promover a integração dos órgãos de segurança pública; planejar, acompanhar e avaliar as ações do governo federal na área; estimular a modernização e o reaparelhamento dos órgãos de segurança pública; estimular e propor aos órgãos estaduais e municipais a elaboração de planos integrados de segurança; e implementar e manter o Sistema 10 Nacional de Informações de Justiça e Segurança Pública (Infoseg), entre outras. É a Senasp que gerencia o programa Sistema Único de Segurança Pública (Susp), bem como a administração dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, por meio do qual são apoiados projetos de estados e municípios. O Fundo Nacional de Segurança Pública foi criado em 2000, logo após o lançamento do Plano Nacional de Segurança Pública, e tem por objetivo apoiar projetos na área de segurança pública e projetos sociais de prevenção à violência, tanto de estados quanto de municípios, desde que atendam aos critérios estabelecidos. 8. A Constituição Federal prevê a atuação da Polícia Ferroviária Federal, que, na prática, é quase inexistente, tanto devido à privatização das ferrovias quanto à ausência de regulamentação da carreira de policial ferroviário federal. 9. A secretaria foi criada por meio do Decreto no 2.315, de 4 de setembro de 1997, tendo sucedido a Secretaria de Planejamento de Ações Nacionais de Segurança Pública (Seplanseg), criada em 1995. 10. O Infoseg é uma rede nacional que integra informações dos órgãos de segurança pública, justiça e fiscalização – como polícias, tribunais de Justiça e Receita Federal – referentes a pessoas com inquéritos, processos, mandados de prisão, além de dados de veículos e armas. A rede pode ser acessada, pelos agentes públicos autorizados, por meio de computadores, rádios e celulares, assim como de viaturas.
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O Susp, lançado em 2003, é um programa criado para articular as ações federais, estaduais e municipais na área da segurança pública e da Justiça criminal. A integração ao Susp se dá via assinatura de um protocolo de intenções entre o governo do estado e o Ministério da Justiça, a partir do qual se institui no estado um Gabinete de Gestão Integrada, composto por representantes do Poder Executivo estadual, das polícias e guardas municipais, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, além da cooperação do Ministério Público e do Poder Judiciário. O gabinete deve definir as ações a serem implementadas, e suas decisões são repassadas para o Comitê Gestor Nacional. Este modelo já está em funcionamento em todos os estados da Federação, mas esbarra na dificuldade de falta de regulamentação por parte do Susp do ponto de vista normativo. O papel da Senasp vem sendo sobretudo fomentar a discussão, delinear diretrizes gerais – especialmente na área de capacitação de recursos humanos, de informação e conhecimento –, e manter o elo entre governo federal e governos estaduais e municipais. Ainda no âmbito do Ministério da Justiça, o Departamento de Polícia Federal cumpre uma função bem distinta. A norma constitucional define que cabe à Polícia Federal “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União (...) assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme”. Cabe, ainda, “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho (...)”, “exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras” e “exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União” (CF, art. 144, § 1o, incisos I a IV). Dessa forma, a Polícia Federal cumpre um importante papel nas investigações que envolvem crimes contra o patrimônio da União, aí incluídos delitos cometidos por autoridades políticas, no policiamento de fronteira, e no combate ao tráfico de drogas, atuando em todo o país por meio de suas unidades regionalizadas – 27 superintendências regionais e 81 delegacias, além de postos avançados, centros especializados, e delegacias de imigração, entre outros. A Polícia Federal atua também na fiscalização nos aeroportos, na emissão de passaportes e no registro de armas de fogo. Seus principais órgãos centrais são: Comando de Operações Táticas, Academia Nacional de Polícia, Diretoria Técnico-Científica, Coordenação-Geral de Polícia de Imigração, e Coordenação-Geral de Controle de Segurança Privada. A Polícia Rodoviária Federal, que também tem suas atribuições definidas constitucionalmente, deve exercer o patrulhamento das rodovias federais. Integram sua atuação: realizar patrulhamento ostensivo, inclusive operações relacionadas com a segurança pública; exercer os poderes de autoridade de polícia de trânsito; aplicar e arrecadar multas impostas por infrações de trânsito; executar serviços de prevenção, atendimento de acidentes e salvamento de vítimas; assegurar a livre circulação nas rodovias federais; efetuar a fiscalização e o controle do tráfico de crianças e adolescentes; colaborar e atuar na prevenção e repressão aos crimes contra a vida, os costumes, 11 o patrimônio, o meio ambiente, o contrabando, o tráfico de drogas e demais crimes. Na espera do governo federal, cabe mencionar também a atuação do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, que é o órgão de 11. Decreto no 1.655, de 3 de outubro de 1995, e Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997.
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coordenação das atividades de inteligência federal e, juntamente com outros doze, compõe o Sistema Brasileiro de Inteligência, cujo órgão central é a Agência Brasileira de Inteligência (Abin),12 também responsável por atividades relacionadas à segurança pública, e que atua muitas vezes em conjunto com a Secretaria Nacional Anti-Drogas (Senad) e com a Polícia Federal. A Senad, por sua vez, subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, é “o órgão executivo das atividades de prevenção do uso indevido de substâncias entorpecentes e drogas que causem dependência, bem como daquelas relacionadas com o tratamento, recuperação, redução de danos e reinserção social de dependentes”. A secretaria gerencia o Fundo Nacional Anti-Drogas e, junto ao Conselho Nacional Anti-Drogas, atua na implementação da Política Nacional sobre as Drogas, lançada em 2005.13 Finalmente, cumpre lembrar a recente instituição da Força Nacional de Segurança Pública, criada em novembro de 2004, por meio do Decreto no 5.289, considerando “o princípio de solidariedade federativa que orienta o desenvolvimento das atividades do sistema único de segurança pública”, para exercer atividades relacionadas com policiamento ostensivo no caso de solicitação expressa de um governador de estado. Integram a Força Nacional servidores de órgãos de segurança pública estaduais e federais selecionados e treinados para trabalhar conjuntamente. Os estados podem aderir voluntariamente ao programa. O emprego da Força Nacional será determinado pelo ministro da Justiça, sempre de forma episódica e planejada, e após solicitação do governador de estado. Portanto, a Força Nacional não possui sede própria nem contingente próprio – os policiais capacitados para integrá-la são convocados para missões específicas –, e tampouco funciona de maneira permanente. 2.1.2 Órgãos estaduais de segurança pública A Constituição Federal define o papel das Polícias Civil e Militar, que se subordinam ao Poder Executivo estadual. A Polícia Militar deve realizar o policiamento ostensivo e garantir a preservação da ordem pública. A Polícia Civil tem como principal atribuição a investigação de crimes. Nesse sentido, cumpre a função de polícia judiciária, devendo apurar as infrações penais, com exceção das militares. As Polícias Civil e Militar, o Corpo de Bombeiros14 e os órgãos de perícia vinculam-se ao Poder Executivo estadual e organizam-se, sob o princípio da norma constitucional, de acordo com a legislação local, havendo diferenças entre os estados brasileiros. São as constituições estaduais que explicitam a organização das corporações policiais e da política de segurança pública local.
12. Decreto no 4.376, de 13 de setembro de 2002. 13. Até 1998, o Ministério da Justiça, por meio do Conselho Federal de Entorpecentes e do Departamento de Entorpecentes da Secretaria Nacional de Segurança Pública, era o responsável pela política. A Senad já foi instituída subordinada à então Casa Militar da Presidência da República, o que, à época, gerou discussões a respeito do gerenciamento da política de combate às drogas no governo federal. Subordinar a Senad, o Conselho Nacional Anti-Drogas e o Fundo Nacional AntiDrogas à Casa Militar da Presidência da República, desde 1999 transformada em Gabinete de Segurança Institucional, significa reconhecer a questão como afeta à defesa nacional e às Forças Armadas. 14. A Constituição Federal, em seu art. 144, define o papel dos Corpos de Bombeiros militares, que devem executar atividades de defesa civil. não abordará esta corporação por considerar que suas funções não se referem à manutenção da segurança pública no sentido aqui adotado.
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Em geral, compõem as Secretarias Estaduais de Segurança Pública: Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Polícia Técnico-Científica – quando separada da Polícia Civil –, Departamento de Trânsito, conselhos comunitários, instituto de identificação, além de Corregedoria e Ouvidoria de Polícia. A Polícia Civil atende a população em delegacias ou distritos, nos quais são registradas as ocorrências de infrações. Em geral, cada delegacia de polícia deve registrar e apurar os delitos de sua área de circunscrição. É o delegado de polícia que abre o inquérito policial para investigar os crimes e realiza os procedimentos relacionados à investigação, como interrogatório de testemunhas, solicitação de perícias etc. Com vistas a subsidiar a investigação, entra em ação o trabalho da Polícia Científica, formada pelos especialistas que atuam nos institutos de criminalística e institutos ou departamentos de medicina legal. Uma vez concluído, o inquérito policial (procedimento administrativo anterior à ação penal) é encaminhado para o Judiciário, que o remete ao Ministério Público. Este pode requerer seu arquivamento ou apresentar denúncia. O Ministério Público tem competência privativa de promover a ação penal pública,15 fazendo a denúncia que dá início ao processo criminal. Cabe lembrar, ainda, que as provas produzidas pela polícia, como os depoimentos, têm de ser refeitas no âmbito do Judiciário, para que sejam respeitados os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. O inquérito policial não é obrigatório. Se já há elementos para propor a ação penal, ele se torna dispensável. No caso de infrações penais de menor potencial ofensivo, a polícia pode lavrar termo circunstanciado,16 encaminhado ao Judiciário, no contexto dos procedimentos mais simplificados para a conclusão judicial. A relação da Polícia Civil com o Judiciário e o Ministério Público se dá em diferentes circunstâncias, não somente ao longo da instrução do inquérito policial e do processo criminal, mas também para cumprir mandados de prisão, de busca e apreensão, entre outros. Cada estado organiza seu departamento de polícia civil de maneira independente, sendo que, na maioria das vezes, tal organização é normatizada por uma lei orgânica. Freqüentemente há ainda, em separado, um estatuto, um regulamento disciplinar e um código de ética, todos publicados por lei estadual ou decreto governamental, embora seja mais comum que a lei orgânica aborde todos os aspectos relativos à organização da corporação, finalidades, atribuições, regime disciplinar, cargos e carreiras etc. O governador deve publicar em lei o número de cargos existentes nas polícias, com base na proposta do comandante-geral da corporação.
15. A ação penal pode ser pública, quando é promovida por membro do Ministério Público, com o oferecimento da denúncia; ou privada, quando é promovida pelo particular, sendo sua peça inicial a queixa-crime, apresentada pelo ofendido ou seu representante legal. A ação penal pública pode ser incondicionada, quando seu exercício não depende de manifestação de vontade; ou condicionada, quando a propositura da ação depende de uma manifestação de vontade. Ver mais detalhes na subseção 2.2. 16. Há controvérsias sobre a aplicação do art. 69 da Lei no 9.099/95, que prevê que a “autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado”. Em princípio, compreende-se que somente o delegado de polícia lavra o termo circunstanciado, mas o que vem ocorrendo é que em muitas localidades policiais militares o têm feito, sob o pressuposto de que o conceito de autoridade policial compreende qualquer autoridade que atue na área policial.
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Uma das possibilidades encontradas nos estados é a organização da Polícia Civil em departamentos e institutos, o que contribui para uma especialização entre os policiais e das próprias delegacias, que se voltam para áreas como: homicídios e proteção à pessoa; narcóticos; crime organizado, além de departamento de polícia da capital e departamento de polícia do interior; e departamento de inteligência, entre outros. Há ainda grupos ostensivos em alguns estados. Normalmente ligado à unidade de perícias está o instituto de identificação, visto que cabe à Polícia Civil executar os serviços de identificação civil e criminal. Outras unidades desta polícia são corregedoria e academia, além de departamentos administrativos e de apoio, órgãos colegiados ou equivalentes. As carreiras da Polícia Civil também encontram diferenças de um estado para outro, havendo necessariamente distinção entre carreira de delegado de polícia e de agente, além de carreiras específicas ligadas às atividades de perícia. O ingresso em todas as carreiras se dá mediante concurso público, sendo necessário, para delegado, ser detentor de curso superior em Direito. Em alguns estados, a Polícia Científica, que trabalha nas atividades de perícia e medicina legal, constitui uma corporação específica, independente da Polícia Civil. A organização da Polícia Militar (PM) também difere entre os estados, mas em geral é formada por batalhões e companhias. Existem atualmente doze graus hierárquicos, de soldado a coronel – em reprodução à organização do Exército, à exceção do grau de general, inexistente na polícia. O comandante-geral da polícia no estado deve ter a patente de coronel. Os integrantes das polícias militares são denominados pela Constituição Militar dos estados, constituindo força auxiliar do Exército.17 O trabalho de mais visibilidade da PM é o policiamento ostensivo, caracterizado pela ação em que o agente é identificado pela farda, pelo equipamento e pela viatura, podendo ser: ostensivo geral, urbano e rural; de trânsito; florestal e de mananciais; rodoviário e ferroviário, nas vias estaduais; portuário; fluvial e lacustre; de radiopatrulha 18 terrestre e aérea; e de segurança externa dos estabelecimentos penais, entre outros. Cada corporação policial possui uma corregedoria-geral encarregada de investigar infrações penais e transgressões disciplinares de seus agentes, assim como de realizar correições. Além da corregedoria, quatorze estados já possuem também Ouvidorias de Polícia – tanto ligadas especificamente a cada corporação quanto configuradas como ouvidorias únicas. A Ouvidoria de Polícia atua como controle externo da atividade policial, encaminhando denúncias e acompanhando seu andamento junto à Corregedoria, que se incumbe das apurações. No âmbito do Poder Executivo estadual, coordenam as ações relativas à segurança pública as secretarias estaduais (Secretarias de Segurança Pública e Secretarias de Defesa Social), que muitas vezes também têm como atribuição a fiscalização de trânsito urbano. Na verdade, o Código Nacional de Trânsito remeteu esta fiscalização aos 17. O Exército acompanha a execução das atividades das Polícias Militares (PMs), tendo voz no que diz respeito: aos cursos de formação e de aperfeiçoamento dos agentes; aos efetivos estaduais; e ao material bélico permitido para uso pelas PMs (Decreto no 88.777, de 30 de setembro de 1983). 18. Decreto no 88.777, de 30 de setembro de 1983, que aprova o regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.
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municípios, mas ela ainda se encontra sob a responsabilidade dos governos estaduais na maioria dos casos, ou sob responsabilidade compartilhada, por meio de convênios entre estado e município. É a Polícia Militar a responsável, na maior parte dos estados, pela fiscalização de trânsito. Pode-se concluir que a organização dual das forças policiais no Brasil se explica pela seguinte divisão: a ação da Polícia Militar se dá enquanto o crime ocorre ou para evitá-lo, ao passo que a ação da Polícia Civil se dá prioritariamente após a ocorrência do crime. 2.1.3 Órgãos municipais de segurança pública A Constituição Federal de 1988, em seu art. 144, prevê que os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações. As guardas municipais são instituições de caráter civil, que se encarregam não somente de zelar pelo patrimônio público e cuidar da segurança coletiva em eventos públicos, mas também atuam em rondas e assistência nas escolas, em atividades de defesa civil, e na mediação de conflitos, entre outras atividades desenvolvidas, conforme levantamentos realizados pela Senasp.19 Destaca-se o importante papel das guardas municipais na prevenção da violência e da criminalidade, por meio da articulação de projetos sociais e comunitários. Tem-se observado, ainda, a expansão da atuação das guardas municipais no sentido de cumprir papéis legalmente destinados às corporações policiais, o que vem sendo tema de debates e propostas no âmbito dos Poderes Executivo e Legislativo. Nesse sentido, uma importante questão reside na permissão para porte de armas de fogo pelos integrantes das guardas municipais. A legislação federal determina que podem ter porte de arma de fogo os integrantes das guardas municipais das capitais e dos municípios com mais de 500 mil habitantes, enquanto os integrantes das guardas municipais de municípios com população entre 50 mil e 500 mil habitantes – e de municípios de regiões metropolitanas – podem utilizar arma de fogo quando em serviço. Tal permissão está condicionada à existência de mecanismos de fiscalização e controle interno nas instituições, assim como de formação de seus integrantes em estabelecimentos de ensino de atividade policial. Existem hoje no Brasil cerca de 400 guardas municipais, que se reúnem por meio de uma associação denominada Conselho Nacional das Guardas Municipais. Diversos municípios, especialmente os de maior porte e aqueles localizados em regiões metropolitanas, possuem também Secretarias Municipais de Segurança Pública.
19. Cf. Ministério da Justiça (2005).
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Segurança privada Os serviços particulares de segurança e vigilância são normatizados no Brasil desde a década de 1980, quando foram estabelecidas as normas para a segurança de estabelecimentos o financeiros. A Lei n 7.102, de 20 de junho de 1983, alterada posteriormente por leis de 1994, 1995 e 2001 e regulamentada por portarias do Ministério da Justiça, estabelece, entre outros, a que o vigilante deve ter no mínimo 21 anos, ter concluído até pelo menos a 4 série do ensino fundamental, ter concluído curso de formação em estabelecimento credenciado, não ter antecedentes criminais e ter sido aprovado em exames de saúde física e mental e psicotécnico. O Ministério da Justiça deve conceder autorização para o funcionamento das empresas especializadas em serviços de vigilância, serviços de transporte de valores, e dos cursos de formação de vigilantes. O vigilante pode portar arma de fogo quando em serviço, sendo os calibres permitidos definidos na lei, e as armas de propriedade das empresas têm de ser registradas junto à Polícia Federal. Como já apontava estudo de Musumeci (1998), o pessoal ocupado na atividade de vigilância e guarda vem aumentando consideravelmente ao longo dos anos. Em 2005, o número de pessoas ocupadas em serviços de segurança privada já alcançava 45% do total de ocupados na área de segurança, sendo que na região Sudeste já alcançava 51,6% do total, ultrapassando o número de ocupados em serviços de segurança pública. Esta expansão dos serviços de segurança privada no Brasil engendra questionamentos importantes relacionados até mesmo ao papel do Estado. A importância de garantir o monopólio estatal da coerção física tem como pressuposto a proteção dos indivíduos e dos grupos sociais, inclusive contra abusos do próprio Estado no exercício desta sua função. Diante da preocupação de que a expansão da segurança privada colocaria em risco importantes conquistas da democracia ocidental, cabe ressaltar a necessidade de o Estado permanecer com as atribuições de polícia e justiça criminal e com o monopólio da delegação e regulação do uso da força, delimitando as atribuições públicas e privadas (MUSUMECI, 1998, p. 3).
2.2 ESTRUTURA DOS ÓRGÃOS DE JUSTIÇA CRIMINAL A Constituição Federal delineia uma série de princípios e diretrizes relativos ao processo penal. Entre os princípios constitucionais, destacam-se: i) a presunção da inocência – ou da não-culpabilidade, como preferem alguns juristas; ii) o princípio do devido processo legal, contraditório e da ampla defesa; iii) o da verdade real ou da busca da verdade; iv) da irretroatividade da lei penal; v) o princípio da publicidade; e vi) do juiz natural – “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (CF, art. 5o, LIII). Os órgãos de Justiça criminal no Brasil organizam-se nos níveis federal e estadual: juízes federais, Tribunais Regionais Federais, Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União, no primeiro caso, e juízes estaduais, Tribunais de Justiça, Ministérios Públicos e Defensorias Públicas Estaduais, no último.20 As competências de cada um destes órgãos são ditadas pela Constituição Federal e pelas legislações específicas, como as leis estaduais de organização judiciária.
20. Nos âmbitos federal e estadual, não estão sendo considerados os ramos eleitoral e militar, que, apesar de tratarem de crimes, não são objeto de interesse do presente trabalho.
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A seguir, serão apresentados brevemente os principais órgãos de cada nível de governo, suas atribuições e os principais elementos de organização institucional do sistema de justiça criminal. 2.2.1 Órgãos federais de justiça criminal O Poder Judiciário no âmbito federal é composto pelas justiças especializadas – Justiça do Trabalho, eleitoral e militar –21 e Justiça comum, constituída pelos juízes federais e pelos Tribunais Regionais Federais. As competências da Justiça comum federal são definidas pela Constituição Federal, em seus artigos 108 e 109. Entre elas, no que diz respeito às competências criminais, destaca-se o julgamento: i) dos crimes políticos e das infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União; ii) dos habeas corpus em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição; iii) dos crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves; e iv) dos crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro. Enquanto os juízes federais constituem o primeiro grau de jurisdição, os Tribunais Regionais Federais – cinco em todo o país, cada qual com sua área de jurisdição –22 constituem o segundo grau, com a competência de julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal em sua área de jurisdição, além de processar e julgar mandados de segurança e habeas corpus contra ato do próprio tribunal ou de juiz federal, entre outras competências. A Justiça federal em cada região está organizada em varas especializadas e nãoespecializadas, havendo varas federais criminais em algumas comarcas, além dos Tribunais Regionais Federais e dos Juizados Especiais Federais. Cada tribunal atua por meio de seu pleno, de seu órgão especial e de seções e/ou turmas especializadas,23 entre as quais algumas se dedicam – exclusivamente ou não – aos feitos de matéria penal. Os Juizados especiais federais criminais julgam infrações de menor potencial ofensivo de competência da Justiça federal, pautando sua atuação pelos princípios de oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, de acordo com a Lei no 10.259/2001.
21. Vale observar que a Justiça do Trabalho não possui competência para julgamento de ações criminais, ao passo que as Justiças eleitoral e militar possuem. 22. O Tribunal Regional Federal (TRF) - 1a região tem jurisdição no Distrito Federal e nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins. O TRF - 2a região tem jurisdição no estado do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. O TRF - 3a região tem jurisdição nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. O TRF - 4a região tem jurisdição nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. O TRF - 5a região tem jurisdição nos estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. Fonte: <www.cjf.gov.br>. 23. O pleno do tribunal reúne todos os seus desembargadores, e cada seção ou turma é formada por um determinado número de desembargadores, encarregados de examinar os feitos relacionados ao tema de especialização.
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QUADRO 1
Justiça federal comum criminal
Justiça Federal Regional
Órgãos Especialização – área criminal Juízes federais (que atuam nas varas federais) Juízes federais atuando nas varas federais criminais Tribunais Federais Regionais Seções e turmas especializadas em matéria penal Juizados Especiais Federais Juizados Especiais Criminais
Elaboração dos autores.
2.2.2 Órgãos estaduais de justiça criminal Os juízes de direito, em primeira instância, e os Tribunais de Justiça, em segunda instância, integram o Poder Judiciário nos estados e se regem pelas constituições estaduais e pelas normas específicas que organizam suas unidades e atribuições. Os Tribunais de Justiça Estaduais atuam por meio das varas criminais, Juizados Especiais Criminais e tribunais do júri. O número e a distribuição das varas criminais, das varas não-especializadas que tratam das causas relacionadas a crimes, das varas de execução penal e dos juizados especiais e tribunais do júri são determinados pela lei de organização judiciária de cada estado, complementada pelo regimento interno do Tribunal de Justiça Estadual. O fluxo de justiça criminal obedece a seqüências e ritos específicos de acordo com alguns fatores relacionados à infração penal cometida. A primeira distinção diz respeito ao tipo de ação penal, pública ou privada, que determinará os procedimentos a serem adotados pela autoridade policial, pelo Ministério Público, assim como os respectivos fluxos no âmbito do Poder Judiciário. A seguir, são apresentadas as principais distinções entre os dois tipos de ação no que diz respeito ao inquérito policial e ao início da ação penal. QUADRO 2
Inquérito policial e denúncia/queixa de acordo com o tipo de ação penal Crimes de ação pública Inquérito policial
Denúncia ou queixa Contém: exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias; qualificação do acusado ou esclarecimentos para identificá-lo; classificação do crime; e rol das testemunhas, quando necessário.
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Crimes de ação privada
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O inquérito policial é iniciado com ofício ou mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público (MP), ou a requerimento do ofendido ou representante. Nos crimes de ação pública condicionada, o inquérito só poderá ser iniciado mediante representação. O inquérito, com relatório minucioso, é encaminhado para o juiz competente. O MP só poderá requerer a devolução do inquérito à polícia para novas diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.
O inquérito policial depende de requerimento de quem tenha qualidade de intentar a ação penal – o ofendido, seu representante legal etc. Exemplo de crime de ação penal privada: estupro.
A ação é promovida por denúncia do MP – e depende, quando a lei o exigir, de requisição do ministro da Justiça ou de representação do ofendido. O MP não poderá desistir da ação penal. Quando o MP dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia será contado a partir da data de recebimento das informações ou da representação.
A ação é intentada pelo ofendido ou por quem tenha qualidade para representá-lo. A queixa poderá ser aditada pelo MP, a quem caberá intervir em todos os termos subseqüentes do processo.
Os autos do inquérito são remetidos ao juízo competente, onde aguardam a iniciativa do ofendido.
Elaboração dos autores. 1
Nota: De acordo com o art. 100 do Código Penal, “A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido”.
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O tipo de crime e a pena cominada no Código Penal definem os ritos a serem seguidos no âmbito do Poder Judiciário para que sejam ouvidas as testemunhas, os acusados e, finalmente, para que possa haver formação de convencimento pelo juiz e este profira a sentença. O Código de Processo Penal prevê o procedimento comum e os especiais. Entre estes, cabe destacar os ritos do júri e dos Juizados Especiais Criminais. A seguir, apresenta-se um quadro resumido em que são classificados os procedimentos previstos na legislação de acordo com os tipos de infração aos quais se aplicam.24 QUADRO 3
Ritos processuais de acordo com os tipos de crime Tipo de rito Rito ordinário ou comum Rito do Tribunal do Júri Rito sumário Rito sumaríssimo Outros ritos especiais
Aplica-se a Crimes punidos com reclusão Crimes dolosos contra a vida Crimes punidos com detenção, prisão simples ou multa Infrações penais de menor potencial ofensivo (contravenções e crimes com pena máxima de 2 anos) Crimes de: - falência; - responsabilidade dos funcionários públicos; - contra a propriedade imaterial; e - de calúnia e injúria.
Elaboração dos autores.
Vale chamar atenção para o procedimento especial que ocorre no caso dos crimes de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos quais se dá o rito sumaríssimo, normatizado originalmente pela Lei no 9.099/ 1995. O Juizados Especiais Criminais (JECrims) tratam as infrações penais de menor potencial ofensivo, cujas penas previstas não ultrapassam dois anos de privação de liberdade.25 Nestes casos, o inquérito policial é substituído pelo termo circunstanciado, remetido ao juizado, onde se dá início à audiência preliminar (anexo 2). O objetivo da lei que instituiu os Juizados Especiais Criminais foi desburocratizar a Justiça, garantir a reparação do dano na própria ação penal e também contribuir para a ampliação da aplicação de penas alternativas às de prisão no 26 caso de infrações menos graves. A pena aplicada por meio de transação penal não consta de certidão de antecedentes criminais nem implica reincidência. Perde o direito à transação penal o autor que já tiver sido condenado a pena privativa de liberdade em caráter definitivo, que já tiver sido anteriormente beneficiado por pena alternativa ou, no caso de seus antecedentes, conduta e personalidade e/ou os motivos e circunstâncias da infração indicarem que a pena alternativa não é suficiente.
24. No anexo 2, encontram-se disponíveis os fluxogramas detalhados de cada um dos ritos aqui mencionados – à exceção dos outros ritos especiais. 25. Os Juizados Especiais Criminais foram criados pela Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, que previa a transação penal para crimes cujas penas não ultrapassassem um ano. A Lei no 11.313/2006 alterou este limite para dois anos. 26. Conforme a Lei no 9.714/1998, essas penas alternativas podem ser: i) pagamento de prestação pecuniária; ii) perda de bens e valores; iii) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; iv) limitação de final de semana; v) interdição temporária de direitos; e vi) pagamento de multa – que não se confunde com a prestação pecuniária.
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2.3 ESTRUTURA DO SISTEMA DE EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRO A Constituição prevê diretrizes relativas à pena para o transgressor das leis: a pena é individual e pode ser de privação ou restrição de liberdade, de perda de bens, de multa, de prestação social alternativa ou de suspensão ou interdição de direitos, entre outras. A Carta Magna veta a pena de morte, a de caráter perpétuo, a de trabalhos forçados, a de banimento e as penas cruéis, e prevê os direitos básicos do apenado. O Código Penal (Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940) divide-se em: parte geral, alterada pela Lei no 7.209, de 11 de julho de 1984, que prevê as normas não-incriminadoras, referentes à aplicação da lei penal, crime, imputabilidade penal, penas e medidas de segurança, tipos de ação penal e extinção da punibilidade; e parte especial, que prevê as normas incriminadoras, que descrevem uma conduta e impõem as respectivas penas. A legislação brasileira prevê dois tipos de infrações penais: crimes (ou delitos) e contravenções. Estas últimas são infrações penais de menor impacto e estão tipificadas na Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei no 3.688, de 3 de outubro de 1941). O Código Penal define, portanto, somente os crimes ou delitos, que podem ser cometidos por ação ou por omissão, podem ser dolosos ou culposos e, ainda, terem sido consumados ou caracterizar-se como tentativa. Os tipos de pena são: privativas de liberdade, restritivas de direitos, e multa. As penas privativas de liberdade podem ser de reclusão – cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto – ou de detenção – cumprida em regime semi-aberto ou aberto. Os regimes para cumprimento das penas privativas de liberdade são, portanto: 1) Fechado, que por lei deveria ser cumprido em cela individual, de no mínimo seis metros quadrados, com trabalho durante o dia e isolamento à noite; 2) Semi-aberto, cumprido em colônia agrícola, industrial ou similar, em alojamento coletivo, com possibilidade de atividades externas sem vigilância, caso permitidas pelo juiz da execução; e 3) Aberto, no qual o preso trabalha sem vigilância e se recolhe à casa de albergado para dormir e passar os dias de folga. Se a pena definida é superior a oito anos, inicia-se seu cumprimento em regime fechado; para penas maiores de quatro anos e inferiores a oito, em regime semiaberto; e para as penas menores de quatro anos, no caso de réus primários, inicia-se em regime aberto. Por regra, o cumprimento da pena deve ser progressivo. O juiz da execução define o regime inicial e sua progressão ocorre com o tempo e de acordo com o comportamento do preso. Para passar de um regime para outro mais brando, o condenado deve cumprir pelo menos um sexto da pena no regime anterior, sendo que a progressão depende de pareceres internos que avaliam o comportamento e a recuperação do preso. Além disso, para passar para o regime aberto, é preciso comprovar trabalho ou promessa de emprego. No caso de o condenado sofrer nova condenação ou desobedecer às exigências da execução, o regime penitenciário pode regredir. A Lei no 8.072/90 previa, em seu art. 2o, § 1o, que a pena por crimes hediondos, tráfico de drogas e terrorismo deveria ser cumprida integralmente em regime fechado.
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Contudo, no dia 23 de fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal Federal julgou tal determinação inconstitucional, por violar o princípio constitucional da individualização da pena.27 O livramento condicional, por sua vez, se dá somente após cumprimento de um terço da pena, se o condenado tem bons antecedentes e não é reincidente em crime doloso. Se é reincidente, deve ter cumprido metade da pena. Para ter o livramento condicional, deve comprovar bom comportamento, aptidão para prover a subsistência e ter reparado o dano, se possível. Durante o livramento condicional, é preciso cumprir diferentes condições impostas pelo juiz, como ter ocupação, voltar para casa em hora fixada e não freqüentar determinados lugares. No caso de crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo, se o condenado é primário, tem direito ao livramento condicional somente após cumprir dois terços da pena em regime fechado. A graça ou indulto individual, outro benefício concedido a presos que atendam a determinados critérios, é também vetada a praticantes de crimes hediondos e assemelhados. A graça e o indulto são concedidos pelo presidente da República, por meio de decreto que especifica todos os apenados sujeitos a ter suas penas perdoadas ou aliviadas – individual, no caso da graça, e coletivo, no caso do indulto. A suspensão condicional da pena, ou sursis, é outro instituto previsto no Código de Processo Penal e na Lei de Execução Penal (LEP, Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984), por meio do qual se suspende uma pena de reclusão ou de detenção, desde que atendidos os critérios especificados na lei. A suspensão é condicional porque o condenado deve cumprir as condições estabelecidas pelo juiz para continuar tendo direito ao benefício. A Lei no 10.792, de 1o de dezembro de 2003, alterou a Lei de Execução Penal, ao prever o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), que deve ser aplicado ao preso que cometer crime doloso, ao preso que apresente “alto risco para a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade”, e ao preso suspeito de ligação com o crime organizado. O RDD tem duração máxima de trezentos e sessenta dias e se caracteriza pelo recolhimento em cela individual, visitas semanais de duas pessoas por no máximo duas horas, e banho de sol de duas horas diárias, quando o preso sai da cela. Dessa forma, no RDD estende-se o prazo limite para as sanções de isolamento, suspensão e restrição de direitos, previstas originalmente na Lei de Execução Penal. A nova lei prevê, inclusive, a construção de estabelecimentos penais destinados exclusivamente aos presos sujeitos ao regime disciplinar diferenciado. A mesma norma que criou o RDD aboliu a necessidade de exame criminológico, previsto no Código de Processo Penal e na Lei de Execução Penal, para a avaliação da progressão de regime, o que vem sendo objeto de grande controvérsia entre especialistas da área. Alguns criminalistas acreditam que a ausência do exame dá mais dinamismo à execução penal e se justifica na medida em que o preso não é permanentemente acompanhado pelo Estado, lacuna que não poderia ser preenchida por um exame realizado em condições pouco transparentes e em circunstâncias 27. A Lei no 11.464, de 28 de março de 2007, alterou as regras para a progressão de regime no caso desses crimes, prevendo que o apenado deve cumprir dois quintos da pena se for primário, e três quintos se for reincidente, para que possa progredir para outro tipo de regime.
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pontuais. Muitos estudiosos, contudo, defendem que o exame criminológico embasa em grande medida a decisão do juiz e é fundamental por contemplar aspectos referentes à personalidade do apenado, vida pregressa, comportamento na prisão, percepção sobre o crime e sobre a pena, e possibilidade de reinserção social, entre outros.28 Após a mudança, com vistas a determinar a progressão de regime, a lei se atém tão-somente ao bom comportamento carcerário, que deve ser atestado pelo diretor do estabelecimento. No entanto, muitos operadores do direito interpretam que a lei não aboliu o exame criminológico, mas somente sua obrigatoriedade, interpretação adotada pelo Superior Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ou seja, quando da avaliação do pedido de progressão de regime, o juiz da execução pode solicitar a realização do exame criminológico. A pena privativa de liberdade poderá ser reduzida pelo trabalho, à razão de um dia de pena por três dias de trabalho do preso. A legislação brasileira determina que ninguém pode permanecer preso por mais de trinta anos, mas ainda há controvérsias a respeito das regras para progressão de regime e livramento condicional no caso de penas superiores a trinta anos. A Lei de Execução Penal, que regulamenta o cumprimento das penas privativas de liberdade, especifica o princípio constitucional de individualização da pena, ao determinar tanto que cabe à Comissão Técnica de Classificação elaborar o programa individualizador da pena, como que devem ser separados nos estabelecimentos penais os presos provisórios dos condenados, e os primários dos reincidentes. É de fundamental importância ressaltar que a função da pena no Brasil, de acordo com a legislação em vigor, é a reinserção social do condenado. A exposição de motivos da nova parte geral do Código Penal, reformulada em 1984, explicita e defende este princípio, que deve permear a atuação de todos os integrantes do sistema de execução penal. Nossa legislação estabelece que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, os doentes mentais e os índios ditos não-aculturados. No caso dos menores de dezoito anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990) disciplina as chamadas medidas socioeducativas no caso de ato infracional (ver box ao final desta seção); e no caso dos índios não-aculturados, o regime penal deve ser de semiliberdade, sob controle da Fundação Nacional do Índio (Funai). Os doentes mentais que cometerem infrações deverão cumprir medida de segurança em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico. Isto se aplica no caso de infratores com doença ou deficiência mental no ato da infração e para presos com doença mental adquirida durante o cumprimento da pena. Para readquirir liberdade, é preciso exame psiquiátrico específico, sendo a sanção de tempo indeterminado, pois somente é aplicada se constatada periculosidade. Além das penas privativas de liberdade, existem as penas restritivas de direitos, também chamadas penas alternativas, e as penas de multa. As penas restritivas de direito podem ser: prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana. Estas penas são imputadas pelo juiz da execução, após conversão da pena de prisão – se esta for inferior a quatro anos e se o crime não tiver sido cometido com violência ou grave 28. Cf. <http://www.prsc.mpf.gov.br/estrutura/areas/cocrim/coletanea/exame.html>.
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ameaça contra pessoa, e quando, qualquer que seja a pena, se tratar de crime culposo. O condenado não pode ser reincidente em crime doloso – apenas excepcionalmente – e o juiz deve verificar se a substituição da pena de prisão por uma pena restritiva de direitos é suficiente para a reprovação do crime cometido. Dessa forma, a pena de prisão de até um ano pode ser substituída por pena restritiva de direitos ou multa, e a pena de prisão de um a quatro anos pode ser convertida em pena restritiva de direitos e multa ou em duas penas restritivas de direitos. Caso o condenado não cumpra as medidas impostas, a pena converte-se em privativa de liberdade. No caso de todas as infrações penais de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes cujas penas não ultrapassem dois anos de privação de liberdade), admite-se a transação penal, isto é, se o acusado aceitar a pena restritiva de direitos ou de multa sem a instauração do processo e o julgamento da causa, não perde a primariedade e o caso se extingue no Juizado Especial Criminal. A execução penal fica predominantemente a cargo dos estados, que organizam o sistema penitenciário de acordo com as leis nacionais e locais em vigor. No âmbito do governo federal, além dos órgãos do Poder Judiciário, existem os órgãos do Poder Executivo encarregados de definir a política penitenciária e fiscalizar sua aplicação nos estados. A seguir, serão tratados os dois níveis de governo separadamente. 2.3.1 Órgãos federais do sistema penal Ligados ao Ministério da Justiça, os principais órgãos do sistema penal na esfera federal, com finalidades definidas inclusive na Lei de Execução Penal, são o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e o Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Somam-se a estes o Ministério Público Federal, os presídios federais e os órgãos da Justiça federal envolvidos na execução penal. O CNPCP foi instalado em 1980 e é composto por treze membros designados pelo ministro da Justiça entre professores e profissionais da área de execução penal, bem como por representantes da comunidade e de ministérios da área social. O mandato de seus integrantes é de dois anos, o colegiado se reúne ordinariamente uma vez por mês, e vem atuando especialmente mediante a publicação de resoluções e de pareceres. Tal conselho tem como competências, entre outras: 1) Propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do crime, administração da Justiça criminal e execução das penas e medidas de segurança; 2) Promover a avaliação periódica do sistema criminal, assim como estimular e promover a pesquisa criminológica; 3) Elaborar programa nacional de formação e aperfeiçoamento do servidor penitenciário; 4) Estabelecer regras sobre a construção e reforma de estabelecimentos penais; 5) Inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais e informar-se acerca do desenvolvimento da execução penal nos estados;
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6) Representar ao juiz da execução ou autoridade administrativa para instauração de sindicância ou procedimento administrativo em caso de violação das normas de execução penal; 7) Representar à autoridade competente para a interdição de estabelecimento penal; 8) Opinar sobre matéria penal, processual penal e execução penal submetida à sua apreciação; e 9) Estabelecer os critérios e prioridades para aplicação dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen – Decreto no 5.834, de 6 de julho de 2006). O Departamento Penitenciário Nacional, também vinculado ao Ministério da Justiça, é o órgão executivo da política penitenciária nacional. Deve zelar pela aplicação da legislação penal e das diretrizes emanadas do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, o qual apóia administrativa e financeiramente. Tem como principais competências: 1) Planejar e coordenar a política penitenciária nacional; 2) Inspecionar e fiscalizar periodicamente os estabelecimentos e serviços penais; 3) Assistir tecnicamente às Unidades federativas na implementação dos princípios e regras da execução penal; 4) Colaborar com as Unidades federativas, mediante convênios, na implantação de estabelecimentos e serviços penais e gerir os recursos do Funpen; 5) Colaborar com as Unidades federativas na realização de cursos de formação de pessoal penitenciário e de ensino profissionalizante do condenado e do internado; e 6) Coordenar e supervisionar os estabelecimentos penais federais. Os estabelecimentos penitenciários federais já estavam previstos na Lei de Execução Penal, de 1984, para recolher condenados em local distante da condenação caso isto seja necessário para a segurança pública e a segurança do próprio condenado. Atualmente, dois presídios federais encontram-se em funcionamento – um localizado em Catanduvas (PR) e outro em Campo Grande (MS) –, e outras três unidades encontram-se em processo de construção. Os presídios federais são de segurança máxima e possuem, cada um, 208 celas padronizadas. Os presos ocupam celas individuais, sendo a segurança monitorada por equipamentos de alta tecnologia. Os presídios vêm recebendo presos considerados de alta periculosidade e ligados ao crime organizado e ao tráfico de drogas, além de presos que se encontrem em regime disciplinar diferenciado. O Conselho da Justiça Federal (CJF) determinou que os detentos só podem permanecer nestes presídios pelo prazo máximo de um ano, que pode ser prorrogado se solicitado pelo juiz federal encarregado da execução. No caso dos presídios federais, resolução do CJF estabeleceu regras para a atuação dos juízes federais na execução penal. O Tribunal Regional Federal de cada região deve designar o juízo competente para a execução penal nas unidades. A atuação do Ministério Público Federal (MPF) na execução penal se assemelha à dos Ministérios Públicos Estaduais, sendo que, no caso do MPF, a atuação se refere aos crimes contra a União, a administração pública, aos chamados crimes federais, e em relação aos presos nas penitenciárias federais.
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2.3.2 Órgãos estaduais do sistema penal Conforme determina a Lei de Execução Penal (LEP), são órgãos da execução penal nos estados: o Juízo da Execução, o Ministério Público, o Conselho Penitenciário, o Conselho da Comunidade, o Patronato e os departamentos penitenciários locais. Cada Unidade da Federação possui uma legislação específica para a organização judiciária. É nestas normas que se explicitam as varas existentes em cada comarca e suas atribuições. Normalmente, nas comarcas maiores existem varas criminais e vara de execução penal. O juiz da vara de execução penal é o responsável por todas as determinações e acompanhamento relativos ao cumprimento da pena pelo condenado, tomando decisões referentes a: progressão e regressão de regimes, soma ou unificação de penas, remição, livramento condicional, saídas temporárias, revogação de medidas de segurança, conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos, inspeção periódica dos estabelecimentos penais, entre outras competências delineadas na LEP. No caso de não haver vara específica de execução penal, a lei de organização judiciária indica o juiz incumbido destas competências. A atuação do Ministério Público (MP) no que tange à execução penal está delineada na mesma lei. Seu papel é fiscalizar a execução da pena e da medida de segurança, zelando pela regularidade dos procedimentos e correta aplicação da medida de segurança e da pena. Entre outras competências, cabe ao MP requerer a conversão de penas, a progressão ou regressão de regimes, e a revogação da medida de segurança. O MP deve fiscalizar mensalmente os estabelecimentos penais e pode interpor recursos de decisões proferidas pela autoridade judiciária. O Conselho Penitenciário é órgão consultivo – deve emitir pareceres sobre pedidos de indulto e de livramento condicional – e fiscalizador da execução da pena – deve inspecionar os estabelecimentos penais e supervisionar os patronatos e a assistência aos egressos. Integrado por membros nomeados pelo governador de estado, entre professores e profissionais da área e representantes da comunidade, sua função primeira está relacionada ao livramento condicional, sobre o qual não apenas deve obrigatoriamente emitir parecer – indispensável para a decisão do juiz –, como pode protocolar diretamente o pedido. O Conselho Penitenciário de cada estado encaminha anualmente relatório ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Os conselhos penitenciários, criados originalmente em 1924, estão hoje presentes em todas as Unidades da Federação. O patronato é a instituição encarregada dos programas de assistência aos egressos e também aos albergados. De acordo com a LEP, pode ter caráter público ou privado, e tem também como atribuições orientar os condenados a penas alternativas, fiscalizar as penas de prestação de serviços à comunidade e de limitação de fim de semana, bem como colaborar na fiscalização do cumprimento das condições da suspensão e do livramento condicional. Na maior parte dos estados, o patronato insere-se no sistema de execução penal, enquanto órgão ligado ao Poder Executivo estadual. Mas sua presença ainda é muito limitada: segundo apuração do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), somente quatro estados possuem patronatos atualmente.29 A LEP prevê, ainda, como um dos órgãos da execução penal, o Conselho da Comunidade, que deve existir em cada comarca e ser composto por representantes da sociedade civil. Incumbe ao Conselho visitar pelo menos mensalmente os estabele29. Cf. Ministério da Justiça, 2007a.
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cimentos penais existentes na comarca, entrevistar os presos, apresentar relatórios ao Conselho Penitenciário e ao juiz da execução, e providenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso. Alguns estados possuem ainda órgãos ligados ao Poder Executivo encarregados da administração penitenciária, como é o caso das Secretarias de Estado do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraíba. No caso dos estabelecimentos penais administrados pelos estados, têm-se os seguintes tipos: 1) Penitenciárias estaduais, destinadas à pena de reclusão em regime fechado; 2) Colônias agrícolas, industriais ou similares, destinadas ao cumprimento da pena em regime semi-aberto; 3) Casas do albergado, para os condenados em regime aberto e com pena de limitação de fim de semana; 4) Centros de observação, onde são realizados exames gerais; 5) Cadeias públicas, para o recolhimento de presos provisórios – a LEP determina que cada comarca tenha pelo menos uma; e Hospitais de custódia, destinados aos sentenciados para cumprir medida de segurança. Medidas socioeducativas para crianças e adolescentes A Constituição Federal garante que crianças e adolescentes com menos de dezoito anos de idade são penalmente inimputáveis (art. 228). Diante disso, em caso de cometerem infração – crime ou contravenção penal –, devem se adequar às normas estabelecidas pelo Estatuto o da Criança e do Adolescente (ECA – Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990). O ECA estabelece que ao ato infracional cometido por criança – com até 12 anos de idade – correspondem medidas de proteção como tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, inclusão em programa de auxílio à família, tratamento a alcoólatras ou toxicômanos, matrícula e freqüência obrigatórias em escola, entre outras. No caso de ato infracional praticado por adolescente – com idade entre doze e dezoito anos – podem ser adotadas, além das supracitadas, as seguintes medidas, de acordo tanto com as circunstâncias e a gravidade do ato como com as capacidades do adolescente: i) advertência; ii) obrigação de reparar o dano; iii) prestação de serviços à comunidade; iv) liberdade assistida; v) inserção em regime de semiliberdade; e vi) internação em estabelecimento educacional. A internação é medida excepcional, não pode ultrapassar três anos, e deve ser aplicada somente no caso de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves e/ou por descumprimento reiterado e injustificável de medida imposta anteriormente. O adolescente deve ser recolhido em estabelecimento específico para esse fim, que deve contar com atividades pedagógicas, educacionais e profissionalizantes.
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3 UM DIAGNÓSTICO DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL NO BRASIL Nesta seção, a proposta é realizar um diagnóstico da atuação do sistema de justiça criminal sob dois parâmetros: o respeito ao Estado de Direito e a capacidade de prevenir crimes. 3.1 O ESTADO DE DIREITO E O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL NO BRASIL Para verificar o respeito ao Estado Democrático de Direito no Brasil pelos órgãos do sistema de justiça criminal é importante, primeiramente, debruçar-se sobre os fundamentos básicos para o sistema. Na Constituição Federal está estabelecida uma série de direitos individuais e limites para o funcionamento do sistema de justiça criminal. São eles, entre outros: 1) Direitos individuais e limites gerais: todos são iguais perante a lei; são invioláveis os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade; é proibida a tortura e o tratamento desumano ou degradante; são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas; toda lesão ou ameaça de direito sempre pode ser apreciada pelo Poder Judiciário; é proibido juízo ou tribunal de exceção; crimes e penas devem ser estabelecidos em lei e só serão reprimidos a partir dela; o preso será informado de seus direitos; aos presos deve ser assegurada a integridade física e moral; ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; habeas corpus; as crianças e adolescentes são inimputáveis e estão sujeitos à legislação especial; 2) Direitos individuais e limites para ação e abordagem policial: a casa é asilo inviolável do indivíduo; ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente; a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso; 3) Direitos individuais e limites no processo penal: nenhuma pena passará da pessoa do condenado; a lei regulará a individualização da pena; não haverá penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis; nenhum brasileiro será extraditado; ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; aos litigantes e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa; ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; e 4) Direitos individuais e limites para o sistema penal: a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.
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No Brasil, em complemento à norma constitucional, está em vigor um conjunto de atos multilaterais que estabelecem direitos individuais, limites e diretrizes para a atuação do Estado e do sistema de justiça criminal: 1) A Declaração Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; 2) O Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; 3) A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica); 4) A Convenção sobre os Direitos da Criança; 5) A Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; 6) O Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes; 7) O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre os Direitos Humanos Relativo à Abolição da Pena de Morte; e 8) A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.30 Além deles, o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal, entre outras leis, estabelecem os parâmetros e as bases para o funcionamento do sistema de justiça criminal, conforme descrito na seção anterior. Há uma vasta bibliografia no Brasil que trata do desrespeito pelo Estado Brasileiro aos direitos individuais básicos na atuação do sistema de justiça criminal. Recentemente foram publicados quatro documentos que reúnem uma extensa lista de casos de violações aos direitos humanos cometidos por agentes dos órgãos pertencentes aos sistemas de justiça criminal: i) U.S. State Department, 2007; ii) Nev, 2007; iii) Amnesty International, 2007; iv) Human Rights Watch, 2007. Nestes documentos são citados casos recentes de violência policial e de péssimas condições de custódia em presídios. Além de casos narrados, há críticas quanto à não-punição de responsáveis. Logo a seguir, serão tratados separadamente alguns problemas relativos à violência policial, ao acesso à defensoria pública e à situação das prisões, enquanto indicadores do respeito ao Estado de Direito. 3.1.1 Violência policial Há uma ampla gama de direitos e de proibições que podem ser violados na ação policial. Partindo apenas dos direitos civis assegurados na CF, os suspeitos, os indiciados ou uma pessoa qualquer podem ser alvos de vários tipos de excessos passíveis de serem cometidos por agentes policiais e que violem sua integridade física e moral: tortura, violação da imagem, abertura de correspondência e grampo telefônico sem autorização judicial, desrespeito à inviolabilidade do domicílio, detenção de civis sem mandado judicial ou flagrante delito, a demora na comunicação de prisões ao juiz e familiares, não informação ao detido sobre seus direitos, vedação à assistência da família e de advogados ao detido etc. Tais violações 30. Cf. Ministério das Relações Exteriores (2007).
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são classificadas por Costa (2004) em sete tipos de violência policial: abuso da força letal, tortura, detenções violentas, mortes sob custódia, controle violento de manifestações públicas, intimidação e vingança. Dispõem-se de poucos dados sobre violência policial. Não há pesquisas de vitimização nacionais que tenham dimensionado o fenômeno. Nas corregedorias de polícia (militares, civis, rodoviária federal e federal) são registrados casos de violações cometidas por policiais, mas não há uma sistemática de coleta, análise e divulgação destas informações. Algumas ouvidorias de polícia estaduais e secretarias de segurança pública divulgam números, e organizações da sociedade civil, como SOS Tortura e Comissão Teotônio Vilela, acompanham denúncias e colaboram na produção de relatórios, como o já citado do Núcleo de Estudos da Violência da USP, além daqueles produzidos por relatores especiais da ONU (UNITED NATIONS, 2004). Num dos poucos estados com informações facilmente acessíveis, São Paulo, registram-se fortes indícios de um constante abuso da força letal. Neste estado, no período 1996-2006, morreram 5.447 pessoas em conflito com a polícia – estando os policiais em serviço ou em folga –, isto é, uma média de 495 pessoas mortas por ano (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2007a) (tabela 5, anexo 1). Além disso, morreram 503 policiais em serviço. Assim, somente as mortes envolvendo policiais (em serviço ou não) e não policiais respondem por aproximadamente 4% das mortes por agressão31 no período 1996-2005. Neste caso, não fica configurado que as mortes de pessoas em conflito com policiais ocorreram de forma ilegal. No entanto, mesmo que houvesse a certeza de que todos os casos atendem aos requisitos da legítima defesa, surge o questionamento sobre se a operação policial respondeu da melhor maneira possível ao incidente que a provocou, ou seja, procurando preservar a integridade física de suspeitos, policiais e demais cidadãos, e respeitando os princípios do uso da força: necessidade, legalidade e proporcionalidade (COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA, 2005). Os indícios de abusos aumentam quando se consideram os registros de denúncias recolhidas pela Ouvidoria de Polícia do estado. O Relatório Anual de Prestação de Contas da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo de 2006 aponta que foram recebidas 3.809 denúncias de homicídios que teriam sido cometidos por policiais de 1995 a 2006 (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2007b) (quadro 3, anexo 1). No estado do Rio de Janeiro, a situação também é grave: apenas entre janeiro e junho de 2007, foram registrados 652 autos de resistência (INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2007) (tabela 5, anexo 1), que são, na realidade, mortes de civis em intervenções policiais (CANO, 2006). Um fato que chamou grande atenção da opinião pública em 2006 foram as mortes ocorridas no período dos ataques atribuídos ao Primeiro Comando Capital em São Paulo. Segundo notícia da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, houve 87 vítimas em 52 casos de execução sumária no período de 12 a 21 de maio daquele ano. Em onze casos, segundo a ouvidoria, há suspeitas de participação de policiais (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2007c). 31. Essa porcentagem é o resultado da divisão do número de mortes de policiais e suspeitos (5.419 pessoas; dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo) pelo total de óbitos por agressão e intervenção legal (134.750; dados do Ministério da Saúde, 2007a). O ano de 2006 não foi considerado para este cálculo, pois os dados de mortalidade do Ministério da Saúde ainda não estão disponíveis.
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Além dos homicídios já citados, a Ouvidoria de Polícia recebeu, de 1995 a 2006, denúncias de: abuso de autoridade sem classificação específica (2.159 casos); agressão (468); constrangimento ilegal (431); invasão de domicílio (136); prisão (69); ameaça (1.518); tortura (834); agressão (799); lesão corporal (444); tentativa de homicídio (274); maus tratos (177); abordagem com excesso (124); maus tratos a presos (32); superlotação carcerária (26); entre outras (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2007b) (quadro 3, anexo 1). A Ouvidoria de Polícia de São Paulo apresenta também números sobre os resultados dessas denúncias. De 1998 a 2006, de um total de 22.279 denúncias contra policiais, houve os seguintes encerramentos (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2007d): 1)
11.398 denúncias não confirmadas (51,16%);
2)
3.992 denúncias procedentes (17,92%);
3)
2.450 denúncias não apuradas (11,00%);
4)
1.848 denúncias improcedentes (8,29%);
5)
1.208 denúncias parcialmente procedentes (5,42%);
6)
280 denúncias não encaminhadas para nenhum órgão (1,26%);
7)
84 denúncias retiradas a pedido do denunciante (0,38%);
8)
68 denúncias encaminhadas a outros órgãos (0,31%); e
9)
951 com outros encaminhamentos (4,27%).
Aqui o maior problema são as denúncias que nem sequer foram apuradas. Outra informação é que, de um total de 23.549 policiais denunciados à ouvidoria, 8.001 foram investigados e 4.923 punidos (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2007e). Infelizmente, não há informações mais detalhadas sobre as punições e os tipos de casos mais punidos. Alguns operadores do direito também apontam violações em ações ordinárias das polícias. Em artigo datado de julho de 2005, o juiz de Direito Sérgio Ricardo de Souza critica a falta de proteção à imagem, ao nome e à honra de suspeitos e indiciados em operações realizadas pela Polícia Federal. Segundo ele, (...) não há qualquer lei que autorize a autoridade policial a submeter o suspeito ou mesmo o indiciado (investigado) ao constrangimento de ser filmado ou fotografado pelos profissionais ligados aos meios de comunicação jornalística e, acha-se patente que esse investigado não perde a sua condição de ser humano e a proteção constitucional a sua honra e imagem (CF, art. 5o, incisos V e X). Logo, quando a autoridade que mantém a custódia dele vem a submetê-lo a tal constrangimento, age com manifesto abuso de autoridade e em afronta à lei respectiva (...) (SOUZA, 2005, p. 2).
Outro abuso de autoridade criticado é a utilização banal do baculejo ou revista policial. Segundo artigo de Edison Miguel da Silva Júnior, procurador de Justiça em Goiás, a revista policial só seria legal se há fundada suspeita de que a pessoa oculte consigo objeto fruto de crime, de porte proibido ou de interesse probatório. Nessa perspectiva, as blitz policiais com revistas aleatórias seriam ilegais (Silva Júnior, 2005).
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3.1.2 Acesso à Defensoria Pública Também considerando os parâmetros constitucionais, os cidadãos podem ser vítimas diante do Judiciário, entre outras, nas seguintes situações: não poder submeter à apreciação do Judiciário lesão ou ameaça de direito; não ter habeas corpus quando se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; não ter acesso a contraditório e ampla defesa; ter provas contra si que foram obtidas por meios ilícitos; não ter recursos para custear um advogado e não dispor de assistência jurídica integral e gratuita. No entanto, a avaliação da atuação da Justiça criminal também é prejudicada pela falta de informações. Faltam pesquisas que verifiquem a qualidade do acesso à justiça criminal ou que identifiquem violações de direitos que possam estar sendo cometidas nesse atendimento. Não há informações, por exemplo, sobre uso de provas ilícitas ou sobre a utilização de elementos produzidos no inquérito policial como provas, sem que tenham passado por contraditório. Sem tal transparência o controle social fica muito prejudicado. Um dos poucos direitos sobre os quais há informações de acesso é em relação à assistência jurídica, mesmo que só em relação às Defensorias Públicas, órgãos responsáveis pela prestação de assistência jurídica integral e gratuita. Pesquisa realizada sobre a Defensoria Pública no Brasil (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006a) mostra que cerca de 20% dos atendimentos realizados pelas defensorias são relativos à área criminal, o que em 2005 corresponderia a um total aproximado de 1 milhão e 300 mil atendimentos. As Defensorias Públicas, em 2005, também propuseram 275.422 ações criminais – sem contar Ceará, Distrito Federal e a Defensoria Pública da União. Segundo o estudo, no entanto, nem todas as comarcas têm acesso aos serviços de defensoria. Entre os estados pesquisados que possuem defensoria pública, o grau de cobertura é de apenas 37,7% das comarcas existentes (tabela 6, anexo 1). Além disso, em apenas seis Unidades da Federação todas as comarcas são atendidas (AC, AP, DF, MS, PB e RR). A situação é ainda agravada pelo fato de a Defensoria Pública da União (DPU) estar presente em apenas 17,7% das comarcas. A pesquisa revelou também outras informações da capacidade de atendimento atual das defensorias: 1) Presença nas varas de execução penal: nos estados em que foi implantada, a Defensoria Pública está presente nas varas de execução penal, à exceção do Pará; 2) Plantões regulares em delegacias de polícia: existente em apenas sete estados (AM, AP, CE, MS, PA, PI e RS). A DPU não realiza tais plantões; 3) Plantões regulares em unidades prisionais: constituído em dezesseis Unidades da Federação (AL, BA, CE, DF, ES, MS, MT, PA, PB, PE, PI, RJ, RO, RR, RS e SP). A DPU não realiza tais plantões; 4) Plantões regulares em unidades de internação de adolescentes: constituído em quatoze Unidades da Federação (AL, AP, BA, DF, ES, MS, PA, PB, PE, PI, RJ, RO, RR e RS). A DPU não realiza tais plantões; e 5) Núcleos especializados no atendimento ao sistema prisional: existentes em quatro estados (AC, CE, RJ e SP).
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3.1.3 A situação nas prisões Para a avaliação do sistema de execução penal em relação ao respeito aos direitos civis previstos na Constituição Federal, é possível prever os seguintes tipos de violações dentro de estabelecimentos penais: tortura; tratamento desumano ou degradante; violação de correspondência; exclusão de apreciação do Poder Judiciário de lesão ou ameaça de direito; restrições à assistência da família; ausência de assistência legal; violação da integridade física e moral; não separação de estabelecimentos penais segundo delito, idade e sexo; presidiárias cujos filhos não permaneçam consigo em período de amamentação, entre outros. A Lei de Execução Penal prevê ainda os seguintes direitos: alimentação suficiente e vestuário; atribuição de trabalho e sua remuneração; previdência social; constituição de pecúlio; proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas, desde que compatíveis com a execução da pena; assistência material à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; entrevista pessoal e reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; chamamento nominal; igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; audiência especial com o diretor do estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes; atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena de responsabilização da autoridade judiciária competente. Apesar da escassez de informações, é possível se formar um retrato da situação. Em termos de separação por idade e sexo, poucos são os estados que possuem estabelecimentos separados para o sexo feminino. Somente quatorze contam com penitenciárias, dois possuem colônia agrícola, industrial ou similar, três possuem casa do albergado, e nenhum possui cadeia pública ou hospital de custódia e tratamento psiquiátrico para mulheres. Por fim, estabelecimentos para presos maiores de 60 anos, conforme estabelecido pela Lei no 9.460/97, são inexistentes. Com isso, o tratamento diferenciado a estes grupos fica comprometido. QUADRO 4
A existência de estabelecimentos penais nas Unidades da Federação – 2006 Estabelecimentos penais Penitenciária Presídio Cadeia pública Casa do albergado Colônia agrícola, industrial ou similar Hospital de custódia e tratamento
Total
Masculino
Feminino
Ambos
26 14 15 16 19 17
20 9 14 6 8 3
14 4 0 3 2 0
18 11 12 12 12 17
Fonte: Elaboração dos autores a partir de dados de MJ/Depen (Ministério da Justiça, 2007a).
Os estabelecimentos existentes também apresentam déficit de vagas. Segundo dados do Ministério da Justiça (2007b), no sistema penitenciário havia, em junho de 2007, 105.075 condenados submetidos a medidas de segurança, e presos provisórios além da capacidade do sistema, que é de 233.907 (tabelas 7 e 8 no anexo 1). Este número já é maior que o déficit encontrado em junho de 2003 (LEMGRUBER, 2004): 104.363 vagas. Além disso, indevidamente, há 58.721 presos sob responsabilidade da Polícia Civil. Assim, o sistema precisaria ampliar em 70% o número de vagas para zerar o déficit.
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A consolidação dos relatórios com informações estatísticas do sistema prisional das Unidades da Federação permite notar a situação de mais alguns quesitos para sua avaliação, tendo como mês de referência dezembro de 2006 (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2007c). No caso da saúde do preso, existiam 3,7 leitos ambulatoriais por estabelecimento penal, pois 921 estabelecimentos informaram que contavam com 3.417 leitos. Em termos do respeito ao direito à vida, a situação é preocupante. Em dezembro de 2006, faleceram dezesseis pessoas por motivo criminal (em 921 estabelecimentos penais) (tabela 9 no anexo 1). Estas mortes que ocorrem sob a custódia do Estado, além de constituírem uma marca clara de sua incapacidade para fazer cumprir a lei, indicam um clima de insegurança nos estabelecimentos que em nada colabora para o objetivo de tratamento dos internos..39/ Uma pesquisa nacional realizada em 2003 (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA/ FIRJAN/SESI/PNUD, 2004, p. 310) identificou outros problemas à época: 1) 36% dos presos em delegacias eram condenados, contrariando as normas legais (tabela 10, anexo 1); 2) 4.355 condenados a regimes semi-aberto e aberto cumpriam pena em delegacias policiais, sem poder usufruir de benefícios como trabalho externo e visita ao lar (tabela 11, anexo 1); 3) apenas 70,6% dos presos recebiam visitas (tabela 12, anexo 1); aproximadamente 48% dos sistemas penitenciários estaduais não dispunham de creches para os filhos pequenos de mulheres presas. A execução penal sofre ainda suspeita de violar as previsões constitucionais por meio de um instituto relativamente recente: o regime disciplinar diferenciado (Lei no 10.792/03). As conclusões de parecer do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça apontam que: Diante do quadro examinado, do confronto das regras instituídas pela Lei no 10.792/03 atinentes ao Regime Disciplinar Diferenciado, com aquelas da Constituição Federal, dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Prisioneiros, ressalta a incompatibilidade da nova sistemática em diversos e centrais aspectos, como a falta de garantia para a sanidade do encarcerado e duração excessiva, implicando violação à proibição do estabelecimento de penas, medidas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, prevista nos instrumentos citados. Ademais, a falta de tipificação clara das condutas e a ausência de correspondência entre a suposta falta disciplinar praticada e a punição decorrente, revelam que o RDD não possui natureza jurídica de sanção administrativa, sendo, antes, uma tentativa de segregar presos do restante da população carcerária, em condições não permitidas pela legislação (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2004, p. 23).
Além desse parecer, o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) está sendo discutido na Justiça. O Ministério Público de São Paulo, no final de 2006, ingressou com recurso especial no Supremo Tribunal de Justiça e recurso extraordinário no STF para que seja anulado um acórdão da 1a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo que considerou inconstitucional o RDD.32
32. Última instância – Revista Jurídica. MP vai ao STJ e ao STF contra decisão que considerou RDD inconstitucional. Segunda-Feira, 6 nov. 2006.
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Nesta seção, destacou-se que os casos de violência policial, os limites do acesso aos serviços da Defensoria Pública e a situação nas prisões são indicadores importantes para demonstrar as falhas existentes no respeito ao Estado de Direito pelo sistema de justiça criminal. Estas falhas não significam apenas desrespeito à Constituição ou aos direitos humanos: elas tendem a acentuar a desigualdade social – como a existente entre réus que podem contratar um advogado e os demais –, a desconfiança na polícia e a certeza de que os presídios não têm capacidade de tratar os infratores. Assim, as violações ao Estado de Direito contribuem também para reduzir a credibilidade no sistema de justiça criminal e a sua própria eficácia. No entanto, não se pode deixar de reconhecer certos avanços nos últimos anos. A criação de ouvidorias de Polícia, por exemplo, tem sido importante para aumentar o controle social sobre as polícias. Nos últimos anos, as Defensorias Públicas foram instaladas em mais estados e a Defensoria Pública da União também foi expandida, permitindo aumento no atendimento aos cidadãos de baixa renda. Na área de execução penal, a Lei no 9.099/95 favoreceu a aplicação de penas alternativas à prisão, contribuindo para impedir um maior aumento na superpopulação carcerária. 3.2 O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL E A PREVENÇÃO O segundo parâmetro de avaliação do sistema de justiça criminal está relacionado com seus objetivos finais, ou seja, a sua capacidade de garantir o direito “à vida, à liberdade, (...) à segurança e à propriedade” (CF, art 5o, caput), e prevenir os crimes definidos na lei brasileira. Assim, o problema para a política pública pode ser definido como a ocorrência de violações aos direitos à vida, integridade física, liberdade, propriedade, e também enquanto toda uma gama de violências, como assédio moral, assédio sexual, violência psicológica, violência de trânsito, violência doméstica, ameaças, crimes contra os direitos difusos (patrimônio histórico, meio ambiente etc.) e outros crimes definidos no Código Penal.33 Nesse sentido, pode-se partir do pressuposto de que o objetivo final do sistema de justiça criminal é a prevenção. Mas antes de passar à avaliação da capacidade do sistema em fazê-lo, é preciso detalhar este pressuposto. Considera-se que, por sua natureza, as ações do sistema de justiça criminal podem ser analisadas sob a ótica da prevenção. No caso da punição, por exemplo, buscam-se dois resultados, entre outros. Primeiro, defender e reforçar as leis, isto é, por meio das sanções negativas (penas) os infratores e a sociedade em geral são informados de que as infrações às leis são reprovadas e de que o Estado se encarrega 34 de puni-las, dissuadindo novos crimes. O segundo resultado almejado é a reinserção na sociedade, ou seja, no Brasil as penas visam ao tratamento do infrator, de maneira a que sua vida em sociedade se guie pelo respeito às leis.35
33. No Código Penal os títulos da parte especial tratam dos seguintes crimes: crimes contra a pessoa; contra o patrimônio; contra a propriedade imaterial; contra a organização do trabalho; contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos; contra os costumes; contra a família; contra a incolumidade; contra a paz pública, contra a fé pública; e contra a administração pública. 34. Nota-se que, mesmo na exposição de motivos do Código do Processo Penal de 1941, Francisco Campos, preocupado com “maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinqüem” (Gomes, 2005, p. 417), reconhece a “finalidade precípua da defesa social” (op. cit., p. 425). Este conceito de defesa social carrega em si a preocupação com a prevenção ao crime. 35. Por essa razão não existem penas de caráter perpétuo no Brasil ou pena de morte.
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Ao se propor a prevenção aos crimes como objetivo, a avaliação da eficácia do sistema de justiça criminal é, no entanto, dificultada. Os crimes são fenômenos sociais complexos e sua prevenção em vários aspectos está fora da governabilidade do sistema. O crime e a violência ocorrem num contexto em que os aspectos culturais e sociais devem ser considerados. Os valores culturais ajudam a definir o que é violência36 e, no limite, quão reprováveis são os crimes ou mesmo que grupos sociais são mais passíveis de serem alvo do sistema. Nesse sentido, hoje em dia, por exemplo, o sistema é cada vez mais capaz de punir as lesões corporais domésticas (violência doméstica), pois as mudanças culturais na sociedade brasileira colocaram em xeque o antigo padrão em que a violência interna familiar estava fora das preocupações do espaço público. Também o crime e a violência podem ser favorecidos pelas condições sociais existentes. Fortes desigualdades sociais, consumo de drogas legais, baixa mobilidade social, fácil acesso a armas de fogo são fatores, entre outros, que podem ter influência na ocorrência dos crimes. Há assim mudanças que têm lugar na sociedade, provocadas diretamente pelo Estado ou não, que podem auxiliar (ou prejudicar) na prevenção da violência (ou dos crimes em geral) e que pouco têm a ver com o sistema de justiça criminal. Além disso, a atuação da sociedade e do Estado vai muito além do que é feito pelo sistema de justiça criminal. Os investimentos sociais (educação, saúde, moradia, cultura, emprego, geração de renda, saneamento básico etc.) e urbanos, o crescimento econômico, a atuação de ONGs (atendimento de vítimas, trabalho com adolescentes em liberdade assistida, denúncia de violência policial etc.) e a resolução de conflitos pelas vias da justiça cível ou canais pacíficos alternativos (projetos de justiça comunitária, por exemplo) podem ter um impacto positivo forte na prevenção da violência. Nesse sentido, tal sistema exerce um papel complementar nesta prevenção e é muito difícil isolar o impacto que ele produz, ao se tentar medi-lo, de outros provocados pelas ações dos demais atores, assim como das mudanças no contexto que podem contribuir para uma redução da criminalidade. De qualquer forma, este trabalho propõe-se a avaliar a atuação desse sistema em três níveis de prevenção: 1) Prevenção primária: “estratégia centrada em ações dirigidas ao meio ambiente físico e/ou social, mais especificamente aos fatores ambientais que aumentam o risco de crimes e violências (fatores de risco) e que diminuem o risco de crimes e violências (fatores de proteção), visando a reduzir a incidência e/ou os efeitos negativos de crimes e violências” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA/FIRJAN/SESI/PNUD, 2004, p. 310); 2) Prevenção secundária: “estratégia de prevenção centrada em ações dirigidas a pessoas mais suscetíveis de praticar crimes e violências, mais especificamente aos fatores que contribuem para a vulnerabilidade e/ou resiliência dessas pessoas (...), bem como a pessoas mais suscetíveis de ser vítimas de crimes e violências” (op. cit., p. 311); e
36. Conforme definição de Alba Zaluar, “Violência vem do latim violentia, que remete a vis (força, vigor, emprego de força física ou os recursos do corpo em exercer a sua força vital). Essa força torna-se violência quando ultrapassa um limite ou perturba acordos tácitos e regras que ordenam relações, adquirindo carga negativa ou maléfica” (Zaluar, 1999, p. 28).
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3) Prevenção terciária: “estratégia de prevenção centrada em ações dirigidas a pessoas que já praticaram crimes e violências, visando a evitar a reincidência e promover o seu tratamento, reabilitação e reintegração familiar, profissional e social, bem como a pessoas que já foram vítimas de crime e violências, visando a evitar a repetição da vitimização e a promover seu tratamento, reabilitação e reintegração familiar, profissional e social” (op. cit., p. 311). 3.2.1 A prevenção primária Em termos de prevenção primária, pode-se dizer que o sistema de justiça criminal age basicamente de três formas. Primeiro, por meio do policiamento ostensivo. O policiamento realizado nas ruas, rodovias, ferrovias, florestas, rios, aeroportos, rodoviárias, ferroviárias etc., a guarda de repartições públicas, o policiamento de diversões públicas, a guarda externa de estabelecimentos penais e a segurança de autoridades visam inibir a ocorrência de crimes e violências. Parte-se do pressuposto de que a presença policial aumenta o risco para qualquer pessoa que cometa infrações penais de ser presa em flagrante, assim como reduz a possibilidade de que uma briga ou tumulto resulte num dano mais sério. Assim, a ostensividade policial, por exemplo, em áreas/situações de forte concentração de pessoas (ruas movimentadas, eventos artísticos e esportivos, manifestações públicas) pode dissuadir a ocorrência de crimes. No entanto, é impossível garantir efetivos policiais em todos os lugares.37 De qualquer forma, o patrulhamento policial é um claro indicativo de que a população pode contar com o auxílio da polícia, como quando um crime esteja ocorrendo, e que a área não é completamente dominada por quadrilhas criminosas. Faltam, no entanto, informações públicas a respeito. Não há um mapeamento no Brasil dos locais que podem contar com policiamento ostensivo e ronda policial, tampouco sobre a qualidade deste policiamento. A segunda forma de atuação da prevenção primária se dá pela implementação e apoio aos programas educativos, como aqueles de prevenção do uso de drogas. O trabalho educativo realizado por Polícias Militares Estaduais junto a adolescentes – no âmbito do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) – e o apoio a projetos pela Secretaria Nacional Anti-Drogas são alguns exemplos. Faltam, contudo, pesquisas avaliativas para tais ações. O terceiro meio de atuação reside na própria capacidade do sistema de justiça criminal de punir. Aqui é a impunidade o problema. Considerando hipoteticamente que a punição dos crimes fosse total, o risco para quem comete crimes seria da ordem de 100%. No limite, só ocorreriam crimes nos casos de atos irracionais, desconhecimento ou desafio à lei, ou quando os efeitos positivos obtidos com o crime fossem considerados pelos infratores superiores às penas. 3.2.2 A prevenção secundária A prevenção secundária se refere, como se viu anteriormente, às ações dirigidas às pessoas mais suscetíveis a praticar crimes e violências, mais especificamente aos fatores 37. As rondas policiais por meio de viaturas são também uma tentativa de ampliar esse efeito dissuasor que a polícia ostensiva representa. No entanto, a maior cobertura retira intensidade, pois o tempo presente e a capacidade de observação dos policiais são reduzidos.
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que contribuem para a vulnerabilidade e/ou resiliência destas pessoas. Inscrevem-se na prevenção secundária ainda pessoas mais suscetíveis de serem vítimas de crimes e violências. Os órgãos do sistema de justiça criminal podem atuar junto a grupos populacionais, nos quais a proporção de vítimas e infratores é superior à dos demais grupos da população. Há aí um primeiro problema, qual seja, o de conhecer quais são esses grupos. Não há pesquisas de vitimização nacionais e nem registros administrativos tratados atualmente a ponto de permitir saber com foco e precisão em quais grupos populacionais se concentram vítimas e agressores por cada um dos tipos penais. No entanto, pesquisa da Senasp (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006b), com dados de ocorrências policiais de 2005 no Brasil, indica, para alguns crimes, as faixas etárias e sexo de vítimas e agressores. Segundo a pesquisa, o grupo com maior número de agressores é o de homens entre 18 e 24 anos. Os números são: 1) Homicídios dolosos – 36,7% dos infratores com sexo e faixa etária informada; 2) Lesão corporal dolosa – 28,7%; 3) Tentativa de homicídio – 35,4%; 4) Extorsão mediante seqüestro – 40,9%; 5) Roubo a transeunte – 57,6%; 6) Roubo de veículos – 48,6%; 7) Estupro – 34,1%; 8) Atentado violento ao pudor – 19,6%; 9) Posse e uso de drogas – 42,1%; e 10) Tráfico de drogas – 32,2% (tabelas 13 e seguintes, anexo 1). Já o grupo com maior número de vítimas depende do crime: 1) Homens entre 18 e 24 anos – no caso dos homicídios dolosos (35,2%), tentativas de homicídio (31,1%), furto a transeunte (12,9%), roubo a transeunte (20,4%) e roubo de veículo (21,5%); 2) Mulheres entre 18 e 24 anos – no caso de lesões corporais dolosas (18,6%); 3) Mulheres entre 30 e 34 anos, no crime de extorsão mediante seqüestro (13%); e 4) Mulheres entre 12 e 17 anos – nos crimes de atentado violento ao pudor (19,3%) e estupro (44,4%) (tabelas 23 e seguintes, anexo 1). Assim, fica claro que jovens, sejam como vítimas ou agressores, e mulheres merecem uma atenção especial de políticas de prevenção. Um segundo problema é que o trabalho do sistema de justiça criminal pode ser altamente estigmatizador. O princípio da prevenção, numa sociedade democrática de direito, não permite que determinados grupos populacionais (moradores de favela e periferias, jovens, famílias monoparentais, sem-teto, sem-terra, moradores de rua, desempregados, apenados e egressos do sistema de execução penal ou do sistema de medidas socioeducativas, entre outros) sejam alvos de um trabalho de vigilância policial especial. Ao fazê-lo, as vulnerabilidades sociais, antes existentes ou não, podem se constituir ou se ampliar. O princípio prevê que se atue sobre os fatores que contribuem para a vulnerabilidade e/ou resiliência, e não que se os fortaleça pela
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colocação desses indivíduos em suspeição. Nesse sentido, este tipo de prevenção parece poder ser mais bem empreendido dentro de políticas sociais e por seus atores clássicos: agentes da saúde, assistentes sociais, educadores etc. Há, porém, programas com características de prevenção secundária e terciária e que envolvem ação policial e social. Um exemplo é o Fica Vivo, um programa de controle de homicídios em territórios definidos, com ações de prevenção e controle da criminalidade, gerido pelo governo do estado de Minas Gerais em Belo Horizonte (ANDRADE e PEIXOTO, 2006). 3.2.3 A prevenção terciária O foco maior de ação do sistema de justiça criminal é a prevenção terciária, ou seja, as ações dirigidas para pessoas que já praticaram crimes. O objetivo da ação do sistema é evitar a reincidência e promover o tratamento, reabilitação e reintegração familiar, profissional e social do infrator. Nesse sentido, para dar conta do fluxo crime-penareinserção social, a atuação do sistema será avaliada nos seguintes subsistemas: polícias, justiça criminal e sistema de execução penal. A – Polícias A atuação das polícias no que diz respeito à prevenção terciária envolve principalmente o registro do crime, sua apuração e as prisões. Registro de crimes O conhecimento das ocorrências de crime não depende apenas da polícia. A polícia não conta com um sistema de vigilância que lhe permita identificar a ocorrência da maioria dos crimes. Os crimes que ela pode conhecer sem o auxílio da população são aquelas ocorrências identificadas pelo trabalho de patrulhamento policial, por um sistema de vigilância por câmeras de vídeo que pertença à própria polícia ou aqueles que eventualmente sejam descobertos pelos policiais em serviço ou em folga. Uma maior coordenação de esforços com outros órgãos públicos (Ibama,38 Receita Federal, Controladoria Geral da União, Ministério Público, conselhos, companhias de trânsito, penitenciárias, hospitais, escolas, universidades etc.) e privados (bancos, concessionárias de rodovias, companhias de trânsito, empresas de segurança privada, ONGs etc.) pode também ajudar no conhecimento de crimes. No entanto, o registro depende fundamentalmente de vítimas e testemunhas que acionem a polícia. Uma baixa colaboração dos cidadãos contribui para limitar a capacidade do sistema em punir. Uma pesquisa de 2002 aplicada nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Vitória apontou que o registro de ocorrência pela população é baixo em geral (ILANUD/FIA/GSI, 2002). Com exceção dos crimes de roubo/furto de automóveis, para todos os crimes pesquisados (roubo, furto de algo dentro do carro, furto, agressão física, agressão sexual, arrombamento e tentativa de arrombamento) não chegou a 40% a proporção de vítimas entrevistadas que registrou o crime na polícia (tabela 32, anexo 1). No entanto, a baixa notificação pode ser em parte relacionada ao próprio desempenho do sistema de justiça criminal. Se a vítima não registra o crime porque teme retaliação do infrator, porque não acredita que haverá persecução penal 38. Ibama: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
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e condenação e quer evitar ainda se submeter a algum desrespeito no distrito policial, porque não reconhece a importância dos registros para a política de segurança pública, e porque enfrenta resistência da autoridade policial para o registro de um crime, entre outros possíveis motivos, é responsabilidade do sistema enfrentar esses empecilhos. Áreas dominadas por quadrilhas de tráfico de drogas (ZALUAR, 2002) e milícias39 parecem ser exemplos claros de que o sistema não gera a confiança necessária para que vítimas e testemunhas dos crimes praticados por estes grupos venham a comunicá-los à polícia. Apesar de existirem programas de proteção de vítimas e testemunhas, os crimes cometidos por tais quadrilhas na maioria das vezes não são notificados. Também a falta de confiança prejudica a notificação dos crimes. Segundo pesquisa de opinião pública de agosto de 2005, 61% dos entrevistados não confiavam na polícia e 51% não confiavam no Poder Judiciário (IBOPE, 2005). No entanto, apesar desse quadro, duas inovações parecem estar tendo impacto na notificação de crimes: as Ouvidorias de Polícia e os serviços de disque-denúncia. As ouvidorias estão em funcionamento em quatorze Unidades da Federação. Elas parecem estar servindo para aproximar o sistema de justiça criminal da população. Primeiro, por receberem denúncias contra policiais e indicarem que a Secretaria de Segurança Pública está preocupada em punir os desvios. Segundo, porque a ouvidora é mais um canal para notificação de crimes e para outras reclamações. De 1995 a 2006, a Ouvidoria de Polícia de São Paulo, por exemplo, recebeu 1.693 denúncias de falta de policiamento, 1.585 solicitações de intervenção em pontos de droga, 1.041 comunicações de crimes, 698 solicitações de policiamento, 154 denúncias de morosidade no andamento de polícia judiciária, e 69 denúncias de falta de recursos materiais, entre outros (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2007b) (quadro 3, anexo 1). Os números são ainda baixos, talvez pela pouca confiança na polícia e reduzido conhecimento da existência da ouvidoria. O disque-denúncia é um exemplo de parceria entre o Estado e a sociedade. Ao garantir o anonimato do denunciante, o serviço parece contribuir para o aumento de notificações e mesmo para outras ações do sistema, favorecendo o melhor desempenho policial. No Rio de Janeiro, o disque-denúncia foi lançado em 1o de agosto de 1995 e é mantido numa parceria entre o Movimento Rio de Combate ao Crime e a Secretaria de Segurança Pública do estado. Segundo os responsáveis pelo projeto, o serviço atingiu, até 8 de agosto de 2007, a cifra de 1.120.016 denúncias,40 e o projeto foi replicado em Pernambuco, Goiás, Espírito Santo, Ceará, São Paulo e Bahia. Em São Paulo, segundo o Instituto São Paulo contra a Violência, nos primeiros quatro anos de existência do serviço na Região Metropolitana de São Paulo, houve 1,6 milhão de denúncias.41 39. Cf. Comunidade segura: rede de idéias e práticas em segurança cidadã. “O Rio entre milícias e traficantes”. Por Aline Gatto Boueri e Marina Lemle, 08/12/2006. Disponível em: <http://www.comunidadesegura.org/?q=pt/node/31173>. Acessado em: 17 ago. 2007. 40. Segundo o disque-denúncia, de 1995 a 2005, as proporções das denúncias foram as seguintes: tráfico de drogas (33%), violência doméstica (9%), roubo/furto de veículos (8%), e outros. Além disso, mais de 90 mil casos teriam sido solucionados com o auxílio das informações do serviço. Disque-Denúncia/ RJ. Disponível em: <http://disquedenuncia.org.br/noticias/verNoticia.php?codigo=77>. Acessado em: 28 fev. 2007. 41. Segundo o Instituto São Paulo contra a Violência, essas denúncias resultaram em 1.236 procurados pela Justiça presos, 8.420 prisões em flagrantes, 46 pessoas seqüestradas libertadas, 1.965 armas e munições apreendidas, e 1.647 veículos recuperados. Instituto São Paulo Contra a Violência, Projetos. Disponível em: <http://www.spcv.org.br/02_prj_disque.htm>. Acessado em: 27 fev. 2007.
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O registro de crimes depende também de uma boa comunicação entre a Polícia Militar e a Polícia Civil, pois os crimes identificados nas chamadas ao serviço 190 da PM ou de outra forma pelos policiais militares deveriam ser registrados nas delegacias de polícia. Nesse sentido, o desempenho policial é comprometido se os todos os crimes registrados no sistema 190 ou em talões de ocorrência da PM não forem registrados em boletins de ocorrência da Polícia Civil ou em termos circunstanciados produzidos pela Polícia Militar. Uma análise mais conclusiva da capacidade da polícia de conhecer os crimes depende da comparação do número de registros com os resultados de pesquisas de vitimização. Contudo, atualmente, não há uma pesquisa de vitimização nacional disponível para se efetuar tal avaliação. Apuração dos crimes O trabalho de apuração dos crimes envolve levantar informações sobre uma infração e sua autoria. A Polícia Civil e a Polícia Federal realizam esta apuração como uma rotina comum, e a Polícia Militar, somente em caráter excepcional, como nos casos de crimes cometidos por policiais militares e para o registro de termos circunstanciados. O desempenho policial pode ser medido pela proporção de crimes registrados pelas polícias que chegam até a denúncia (ou queixa-crime) nos procedimentos ordinários ou sumários da Justiça criminal relativos aos casos de crimes comuns, ou até a audiência preliminar de procedimento sumaríssimo nos casos de infração de menor potencial ofensivo. Quanto maior a proporção, mais eficaz a ação da polícia. Pode-se dividir a apuração em três fases: pré-inquérito, durante o inquérito, e após o inquérito.42 A primeira fase de apuração pela Polícia Judiciária ocorre em geral nos casos de comunicação de crimes pelo ofendido, seu representante, uma pessoa do povo ou uma instituição (Receita Federal, por exemplo). Nestes casos, é do poder discricionário do delegado de polícia a decisão de instaurar inquérito policial – ou produzir termo circunstanciado. Se crimes registrados não levarem a inquérito policial ou termo circunstanciado, a eficácia do sistema estará sendo comprometida. No caso de São Paulo, por exemplo, só em 2006 foram registrados 1.977.149 delitos. No mesmo ano, foram produzidos 295.316 termos circunstanciados e instaurados 313.457 inquéritos policiais (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2007a) (quadro 4, anexo 1). Assim, numa estimativa, um terço das infrações penais notificadas deram início a procedimentos administrativos, o que indica que a capacidade de apuração inicial das infrações penais é limitada. A segunda fase é a que se dá com o inquérito policial instaurado. Segundo o Código de Processo Penal (CPP), a polícia deverá: garantir a preservação do local do crime; apreender os objetos relacionados ao fato, depois de liberados pelos peritos; colher todas as provas; ouvir o ofendido; ouvir o indiciado; proceder ao reconhecimento de pessoas e coisas e realizar acareações; proceder ao exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; ordenar a identificação do indiciado e juntar aos autos sua folha de antecedentes; averiguar a vida pregressa do indiciado; produzir um relatório do que tiver sido apurado; e enviar os autos ao juiz competente, entre 42. A terceira fase se dá quando a polícia realiza diligências, em termos de produção de prova, a pedido do Ministério Público ou do juiz. Neste caso, a eficácia do trabalho policial estará em responder aos pedidos que sejam pertinentes.
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outras atribuições. Estes procedimentos não se aplicam a todos os casos e podem variar conforme o tipo ou circunstância da infração. Para uma avaliação dessa apuração faltam dados nacionais do número de inquéritos policiais que permitem o início da ação penal, mas há algumas pesquisas locais. Segundo uma delas, realizada em Recife, de 8.778 casos de homicídio ocorridos no triênio 1998-2000, apenas 356 casos foram encaminhados ao Ministério Público e, destes, apenas 262 foram transformados em denúncia. Embora possam existir mais alguns casos que tenham sido levados adiante até os dias de hoje, estes números indicam que apenas 3% dos casos de homicídio chegaram à denúncia (ZAVERUCHA, 2003). Outra pesquisa (VARGAS ET ALII, 2006), com 444 casos de estupros registrados na Delegacia de Defesa da Mulher de Campinas (SP) entre 1988 e 1992, mostrou que, até 2000, 71% dos boletins de ocorrência foram arquivados e apenas 55% dos inquéritos instaurados levaram à queixa-crime. Realização de prisões Em relação ao trabalho de prender, a polícia pode efetuar a prisão em flagrante,43 cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias e representar junto à Justiça criminal acerca das prisões preventivas e temporárias. Em síntese, são dois trabalhos: apreender pessoas e realizar adequadamente os procedimentos formais para que a privação de liberdade atenda aos requisitos legais. No caso de São Paulo, foram registradas 90.935 prisões e 7.980 apreensões em 2006, que resultou num total de 85.875 pessoas presas em flagrante, 42.260 presas por mandado, além de 10.845 adolescentes apreendidos em flagrante e 1.478 adolescentes apreendidos por mandado (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2007a) (quadro 4, anexo 1). A proporção de prisões por total de ações com objetivo de prender e apreender seria um bom indicador para avaliar o sucesso destas operações. Não há, entretanto, no caso de São Paulo, registros de quantas tentativas de prisão foram frustradas ou do total de ações destinadas a este fim. Verifica-se aqui um problema maior, porque em casos de crimes como o tráfico de drogas, a corrupção policial tende a impedir tanto o registro do crime quanto a prisão em flagrante. Quanto ao cumprimento de mandados de prisão, indicadores de desempenho seriam um baixo estoque de mandados de prisão a cumprir e um curto tempo para a realização da prisão. No entanto, estas informações não estão disponíveis. O outro trabalho é a preparação dos documentos necessários para representar junto ao Judiciário as prisões preventivas e temporárias. A avaliação deste trabalho dependeria, entre outros requisitos, de se ter informações sobre a proporção de prisões sancionadas pelo Judiciário frente ao total de representações apresentadas. Tais dados são inexistentes atualmente. Em suma, deve-se destacar que a eficácia do trabalho policial depende da ajuda da população e de órgãos públicos ou privados. As informações disponibilizadas por vítimas, testemunhas e organizações são fundamentais no registro e apuração de crimes e na detenção de infratores. Um maior incentivo a esta colaboração depende da própria polícia e do sistema de justiça criminal. A repressão à violência e à corrupção policial, uma maior 43. CPP, art. 302: “Considera-se em flagrante delito quem: I – está cometendo a infração penal; II – quem acaba de cometê-la; III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração”.
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aproximação com a comunidade e a redução da impunidade podem aumentar a confiança da população nas instituições deste sistema. A implantação de ouvidorias de polícias nos últimos anos, as parcerias com ONGs em projetos como disque-denúncia e Fica Vivo, a maior divulgação das informações sobre a ação policial, assim como a implantação de projetos de policiamento comunitário são iniciativas existentes em alguns estados que favorecem um melhor desempenho policial. B – Processo e justiça criminal Neste item, o foco principal é a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário na área criminal.44 Em termos práticos, o desempenho ótimo do Ministério Público estará em alcançar a condenação ou medida de segurança no máximo de casos em que for proposta ação penal – para todos os réus e na pena que foi pedida –45 e atuar com celeridade de forma a evitar a prescrição de crimes. Já para o Poder Judiciário, o bom desempenho reside, por exemplo, em impedir a prescrição de crimes, atuar rapidamente na resposta aos pedidos de autorização de ações policiais, e ter um número reduzido de casos em que sejam reconhecidas nulidades formais em recursos a sentenças. Há poucas pesquisas e dados sobre a matéria. Contudo, os já existentes apresentam um quadro bastante preocupante. Uma pesquisa recente (CANO, 2006) estimou que no período de 2003-2004, na cidade do Rio de Janeiro, apenas 21% dos processos de homicídio que chegaram a uma sentença em primeira instância resultaram em condenação. Nestes dois anos, de um total de 5.652 processos, 1.178 (20,8% do total) resultaram em sentença condenatória. Segundo o autor, em todos os outros casos houve impunidade. Em outros 785 processos, por exemplo, a sentença foi absolutória (13,9%) (tabela 33, anexo 1). Isto pode significar que um inocente não foi punido, mas indica certamente que o culpado também não o foi. Fica então a suspeita de que o Ministério Público possa ter despendido esforços num caso em que a materialidade do delito ou a autoria não estavam claros, ou que o júri tenha, apesar de provas em contrário, optado pela absolvição. Problema maior parece ser o que envolve os 770 casos (13,6%) em que o processo foi extinto por prescrição. Isto indica provavelmente uma incapacidade do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Civil de imprimir maior celeridade ao processo. Segundo a pesquisa supracitada realizada em Recife, de 356 casos de homicídio ocorridos no triênio 1998-2000 e encaminhados ao Ministério Público, apenas 262 foram transformados em denúncia, ou seja, 73,6% dos casos (ZAVERUCHA, 2003), e isto não significa que houve ou haverá sentença transitada em julgado para todos os casos. C – Sistema de execução penal O objetivo maior do sistema de execução penal está em evitar a reincidência e promover o tratamento, reabilitação e reintegração familiar, profissional e social dos apenados. Um importante indicador de resultado é a taxa de reincidência, isto é, o
44. A atuação da Defensoria Pública, também fundamental para a Justiça criminal, já foi tratada aqui. 45. É claro ser possível que, em algumas circunstâncias, o surgimento de novas provas possa levar o Ministério Público a propor o arquivamento do processo, casos que não podem ser contados num cálculo de capacidade condenativa da Promotoria.
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número de apenados ou ex-condenados que voltam a cometer um crime.46 Entretanto, não há números nacionais sobre a reincidência no Brasil. O único número disponível é a proporção de reincidentes na população prisional, que estaria em torno de 42,3%.47 Assim, a avaliação do sistema pode passar pela verificação do seu desempenho. Uma forma de fazê-lo é considerar se o apenado está cumprindo a pena de acordo com os parâmetros estabelecidos pela política de execução penal. Esta política está fortemente regulamentada e descrita na Lei de Execução Penal (LEP),48 que estabelece, entre outras diretrizes, o tipo de tratamento que deve ser dado ao apenado, visando à sua reinserção social. Entre os seus instrumentos estão: 1) Estabelecimentos penais: penitenciária; colônia agrícola, industrial ou similar; casa do albergado; centro de observação; hospital de custódia e tratamento psiquiátrico; e cadeia pública; 2) Órgãos da execução penal: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Juízo de Execução, Ministério Público, Conselho Penitenciário, Departamento Penitenciário, Patronato e Conselho da Comunidade; 3) Assistência ao egresso (liberado definitivo e o liberado condicional): orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade, concessão de alojamento e alimentação por até quatro meses, auxílio para a obtenção de trabalho; 4) Assistência ao preso: material (alimentação, vestuário e instalações higiênicas), à saúde (atendimento médico, farmacêutico e odontológico), jurídica, educacional (instrução escolar e formação profissional), social (recreação, orientação, amparo à família) e religiosa; e 5) Trabalho: o trabalho deve ter finalidade educativa e produtiva, objetivando a formação profissional do condenado. O produto da remuneração deverá atender: à indenização dos danos causados pelo crime; à assistência à família; a pequenas despesas pessoais; ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado; e à constituição de pecúlio. A avaliação ficará concentrada na existência dos estabelecimentos penais, na existência e atuação dos órgãos de execução penal, na assistência ao preso, na quantidade de presos trabalhando e na aplicação de penas alternativas. Após 22 anos da sanção da LEP, há estados que ainda não possuem todos os estabelecimentos penais para os presos provisórios, condenados à pena restritiva de liberdade ou submetidos à medida de segurança (penitenciária, cadeia pública, casa do albergado, colônia agrícola, industrial ou similar, e hospital de custódia e tratamento). Segundo dados do Ministério da Justiça (2007a), alguns estados possuem apenas um tipo de estabelecimento penal: é o caso do Acre e do Amapá. 46. No entanto, o bom desempenho do sistema de execução penal não é o único fator a influenciar a reincidência, e nem se pode exigir do sistema que nenhum ex-apenado cometa novo crime. 47. O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) possui o Sistema de Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen), que recebe informações mensais dos estados. Contudo, nem todas as Secretarias de Justiça ou similiares e estabelecimentos penais prestam tais informações. Isto faz com que os números disponibilizados pelo Depen não dêem conta do universo dos presos condenados, provisórios, e pessoas submetidas a medidas de segurança. Assim, os indicadores calculados são aproximados. Para o cálculo dessa proporção, contou-se com informações prestadas por 670 estabelecimentos penais a respeito de presos reincidentes e por 663 estabelecimentos penais sobre presos primários, num total de 1.076 estabelecimentos cadastrados. O mês de referência é dezembro de 2006 (Ministério da Justiça, 2007c). 48. Lei no 7.210/84.
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Apenas cinco estados (AM, CE, PA, PE e RJ) possuem todos os estabelecimentos penais. Porém, nem todos eles cumprem a exigência de uma cadeia pública e uma casa de albergado por comarca.49 A própria existência de instituições classificadas como presídios no quadro produzido pelo Depen parece indicar que nesses locais há diversos tipos de internos.50 Em relação à existência de órgãos de execução penal, algumas informações disponíveis são de uma pesquisa já citada neste texto (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2004). Segundo seus resultados, apenas 16,7% dos estados possuíam patronatos51 e 52 61% dos estados tinham conselhos da comunidade. A inexistência de patronatos compromete a assistência aos albergados e egressos e a orientação aos condenados à pena restritiva de direitos, comprometendo a reinserção social. Além disso, sem o patronato, a própria aplicação de penas alternativas, suspensão de pena e livramento condicional também fica comprometida, pois, segundo a lei, este órgão é responsável por fiscalizar o cumprimento das penas de prestação de serviço à comunidade e de limitação de fim de semana, e por colaborar na fiscalização das condições da suspensão e do livramento condicional. Quanto ao monitoramento das unidades prisionais, a pesquisa constatou que os estados não contavam com a atuação de cada um dos órgãos de execução penal: i) os conselhos de comunidades atuavam em 52,2% dos estados; ii) o Ministério Público da Vara de Execuções Penais, em 87,5%; iii) o Juízo da Vara de Execuções, em 91,7%; iv) o Conselho Penitenciário Estadual, em 79,2%; v) o Depen, em 56,5%; e vi) o CNPCP, em 36,4%.53 O mesmo estudo também trouxe resultados sobre a assistência ao preso. Segundo ele, apenas 17,3% dos presos estavam envolvidos em alguma atividade educacional (tabela 34, anexo 1), comprometendo a sua futura reinserção social. Além disso, com base nos questionários e visitas realizadas, concluiu-se que, apesar de 88% dos estados informarem que havia distribuição de material de higiene nos seus sistemas penitenciários e 40% sustentarem que distribuíam vestuário e roupa de cama, tal distribuição, em geral, não era regular. No que tange ao trabalho de presos, num total de 1.076 estabelecimentos cadastrados pelo Sistema Integrado de Informações Penitenciárias – Infopen (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2007c), mais de novecentos estabelecimentos penais informaram sobre o total de pessoas em programas de laborterapia – dentro ou fora do estabelecimento penal –, somando um total de 77.030 pessoas em tais programas. 49. O Amazonas possui apenas três cadeias públicas e uma casa de albergado. O Ceará possui 156 cadeias públicas e uma casa do albergado. O Pará possui sete cadeias públicas e uma casa do albergado. Pernambuco possui 74 cadeias públicas e uma casa do albergado. O Rio de Janeiro possui nove cadeias públicas e duas casas do albergado. 50. Conforme quadro 1 (subseção 2.2.1), nota-se ainda que não há hospitais de custódia e tratamento em dez Unidades da Federação (AC, AP, DF, GO, MA, MS, MT, RO, RR e TO); não há casa do albergado em onze estados (AC, AL, AP, DF, ES, PB, PR, RN, SE, SP e TO); não existem colônias agrícolas, industriais ou similares em oito estados (AC, AP, ES, MA, MG, PB, SC e SE) e não há cadeias públicas em doze Unidades da Federação (AC, AL, AP, BA, DF, ES, MG, MS, PI, PR, RS e SC). Por fim, há um estado, Roraima, que não possui sequer penitenciária. 51. Os estados de Amazonas, Minas Gerais e Pernambuco não forneceram informações a respeito. 52. São Paulo e Sergipe não forneceram informações a respeito. 53. PI e RS não forneceram informações sobre o conselho da comunidade; AM não forneceu informações sobre o Ministério Público e o Juízo da Vara de Execuções; RS não forneceu informações sobre o Conselho Penitenciário Estadual; RS e PE não forneceram informações sobre o Depen; e MG, RS e PE não forneceram informações sobre o CNPCP.
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Apesar de poder haver outros em laborterapia, nos mais de 100 estabelecimentos que não informaram, este valor representa apenas 18% do total da população em custódia. Mesmo com os avanços produzidos pelo Depen na produção de informações, falta um diagnóstico nacional mais abrangente dos estabelecimentos penais para demonstrar a situação do cumprimento das penas restritivas de liberdade. Para trazer um dado atualizado sobre a situação em um desses estabelecimentos penais, optou-se por citar trecho extraído do Relatório de Inspeção no estado do Espírito Santo (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006c), no qual os conselheiros do CNPCP relatam a visita a um presídio de segurança máxima: Trata-se de prédio novo, com menos de 4 (quatro) anos de construção, que causou péssima impressão (...) porque praticamente destruído (para não falarmos destruído totalmente) em seu interior, conforme se vê nas fotografias e filmes em anexo. O estabelecimento de regime fechado é (...) destinado somente a homens. Possui capacidade para 520 (quinhentos e vinte) presos, sendo que a sua lotação, no dia da inspeção, era de 613 (seiscentos e treze) presos provisórios (sim, presos provisórios) e condenados. A unidade não possui celas individuais, apresentando um consultório médico e uma enfermaria e uma área para isolamento de presos tuberculosos. Exclama-se que os presos-pacientes ficam no chão, na ausência de acomodações apropriadas. Exclama-se, ainda, que constatamos a presença, naquele dia, de dois paraplégicos e de duas auxiliares de enfermagem. O médico somente atende a unidade duas vezes por semana, não possuindo os referidos locais de atendimento médico condições higiênicas mínimas. Ao revés. São elas deploráveis. Ademais, não são realizados trabalhos de prevenção ou controle de doenças infecto-contagiosas e de doenças sexualmente transmissíveis (DST). Sobreleva-se informar que não há atividades educacionais e a parte cultural é desenvolvida, tão-só, por grupos religiosos. (...) Na entrada do presídio encontramos três presos contidos num lugar que, a princípio, deveria ser destinado unicamente ao guarda-volumes, mas, em razão da superpopulação carcerária, vem sendo utilizado como cela; bem como cerca de 25 (vinte e cinco) presos na cela que, a rigor, só deveria ser de passagem, mas que, pelas mesmas razões, vem sendo usada como cela. Visitamos diversas galerias e celas nas quais constatamos, sem qualquer dificuldade, a precariedade do estabelecimento, sempre para falar o menos. A saber: solário sem grades; restos de alimentação com água para fermentar bebidas; celas com quatro beliches sem chuveiros; estoques; peças de ventiladores para potencializar os celulares; buracos de toda espécie, inclusive para vigiar os policiais; vergalhões que servem como armas; interligação de galerias e alas; buracos no chão, que se comunicam com o pátio de visita; enfim, locais de toda espécie para esconder armas, drogas, baratas e roedores. Na área externa das galerias, vimos duas quadras de futebol; ala de visitas com canos aparentes e locais alagados. Para visita íntima, que se dá aos sábados, não existe qualquer controle para DST, e as visitas familiares, que deveriam acontecer aos sábados, ocorrem aos domingos, em local desapropriado e insalubre. Enfim, um verdadeiro caos! (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2006c, p. 34-35).
No caso das penas alternativas, há pouca informação disponível sobre a situação atual de aplicação dessas penas. Segundo relatório de avaliação do Programa Modernização do Sistema Penitenciário Nacional (ano base 2006), cerca de 170 mil penas e medidas alternativas estão sendo cumpridas, envolvendo 39 centrais de penas e medidas alternativas, 56 núcleos de apoio no interior dos estados, e sete varas judiciais especializadas (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO, 2007). Segundo o Ministério da Justiça (2007d), 527 municípios e o Distrito Federal desenvolvem trabalhos nesta área. O documento, no entanto, não apresenta a informação
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sobre se há aplicação de penas e medidas alternativas em todas as comarcas. Outra dúvida é se a aplicação destas penas e medidas está sendo comprometida pela falta de infraestrutura, como a falta de patronatos mencionada anteriormente.54 Por fim, cabe ser analisado o trabalho com os egressos das penas restritivas de liberdade para verificar a sua eficácia na reinserção social do apenado. Segundo prevê a LEP, o egresso deve receber, se necessário, alojamento e alimentação pelo prazo de dois meses, e o serviço de assistência social deverá colaborar para que o egresso obtenha trabalho. Não há, no entanto, informações disponíveis sobre o número de egressos atendidos e nem sobre a qualidade do atendimento.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho, buscou-se avaliar a atuação do sistema de justiça criminal, tendo como parâmetros o respeito ao Estado de Direito e a prevenção à violência. Apesar da carência de dados divulgados pelos órgãos do sistema e do limitado rol de pesquisas sobre a matéria, o retrato que temos é um sistema que constantemente viola os direitos individuais com uma capacidade de punir crimes muito aquém do número de crimes cometidos. A partir daí, é preciso, em primeiro lugar, reconhecer que nos últimos anos têm sido realizadas várias inovações e movimentos que, com maior ou menor abrangência, contribuem para a mudança desse quadro. Entre eles, destacam-se: o estabelecimento dos Juizados Especiais Criminais, a instalação de Ouvidorias de Polícia, a Expansão das Defensorias Públicas, a constituição do Sistema Nacional de Informações de Justiça e Segurança Pública (Infoseg), o fortalecimento da Polícia Federal, a criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, e o desenvolvimento de experiências de policiamento comunitário. Em segundo lugar, há que se romper com o constante desrespeito ao Estado de Direito. Nesse sentido, a superpopulação e as péssimas condições de abrigamento em estabelecimentos penais parecem ser o problema mais urgente. Não há dúvida de que são necessários mais recursos para a execução penal, mas é prioritária a expansão da progressão penal e da aplicação de penas restritivas de direito, sem as quais as novas vagas criadas em penitenciárias e cadeias públicas serão novamente insuficientes. Segundo pesquisa citada neste texto (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2004), numa média mensal em 2003, havia 8.451 novos ingressos no sistema penitenciário e 5.187 liberações. Isto gerava uma demanda de 3.264 vagas por mês.55 No caso das prisões, chama ainda atenção o instituto da prisão especial, que viola o princípio constitucional de igualdade (AMORIM, KANT DE LIMA e MENDES, 2005). Além das prisões, a violência policial parece ser o outro grande problema, pois recorrentes casos de abuso representam graves violações ao Estado de Direito, como também afetam a confiança da população nos órgãos de segurança pública. Finalmente, o Estado deve fortalecer políticas que possam ter impacto na prevenção à violência e à criminalidade, sejam elas conduzidas pelos atores do sistema 54. Segundo informações da Coordenação-Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas do Depen, uma das metas para o ano de 2007 é a realização de um diagnóstico nacional. 55. GO, MT, SC e TO não forneceram informações a respeito.
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de justiça criminal ou não. Esperar que a prevenção seja feita apenas pela punição do crime, ainda que o sistema de justiça criminal aumente sua capacidade de punir, é ineficaz. Uma alta taxa de impunidade não é uma exclusividade brasileira, mas quase uma característica dos sistemas de justiça criminal. Na Inglaterra e País de Gales, por exemplo, em 2000, apenas 350 mil pessoas foram sentenciadas e 151 mil advertidas ou multadas, frente aos cinco milhões de crimes registrados pela polícia no mesmo ano (ROLIM, 2006). Assim, as políticas de prevenção não devem ser focadas apenas sobre agressores/infratores e vítimas. Projetos socioeducativos com adolescentes e jovens – principalmente homens – com vistas à prevenção da violência, à ampliação do acesso aos Juizados Especiais Civis e Criminais e a canais estatais ou públicos de mediação de conflitos, e ao estabelecimento de procedimentos padrões no uso da força por operadores de segurança pública são exemplos de ações que podem impactar na prevenção da violência, complementando os esforços e superando os limites que a sanção/execução penal apresenta. Dessa forma, somente com o aperfeiçoamento do sistema de justiça criminal, com políticas públicas de segurança que integrem cada vez mais os diferentes setores do Estado e da sociedade, e com o pleno respeito à legalidade será possível enfrentar a violência e a criminalidade, assim como garantir a segurança aos diferentes grupos da sociedade brasileira.
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______. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL, DIRETORIA DE POLÍTICAS PENITENCIÁRIAS, COORDENAÇÃOGERAL DO PROGRAMA DE FOMENTO ÀS PENAS E MEDIDAS ALTERNATIVAS. Serviços públicos de execução de penas e medidas alternativas existentes no Brasil. Brasília, 30 mar. 2007d. Disponível em:<http://www.mj.gov.br/Depen/documentos/Serviços %20Públicos%20de%20CPMA.pdf>. Acessado em: 20 ago. 2007. ______. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Relatório de avaliação do programa modernização do sistema penitenciário nacional, 2007. Mimeografado. ______. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Divisão de atos internacionais. Atos multilaterais em vigor para o Brasil no âmbito dos direitos humanos, 2007. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dai/dhumanos.htm>. Acessado em: 27 jul. 2007. ______. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Informações de saúde. 2007. Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/obtuf.def>. Acessado em: 03 ago. 2007. CANO, I. Mensurando a impunidade no sistema de justiça criminal no Rio de Janeiro. Relatório final de pesquisa, 2006. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/ senasp/pesquisas_aplicadas/anpocs/proj_aprov/mensur_impun_sist_ignacio.pdf>. Acessado em: 09 ago. 2007. CNT-SENSUS. Pesquisa de Opinião Pública Nacional – Rodada 89, 2007. Disponível em: <http://www.cnt.org.br/arquivos/downloads/sensus/relat89.pdf>. Acessado em: 24 jul. 2007. COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. Para Servir e Proteger: Manual para Instrutores – Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário para Forças Policiais e de Segurança, 2005. Disponível em: <http://www.icrc.org/Web/ por/sitepor0.nsf/htmlall/servireproteger?OpenDocument&View=defaultBody18&style=custo _print>. Acessado em: 06 ago. 2007. COSTA, A. T. M. Entre a lei e a ordem. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2004. GOMES, L. F.(Org.). Constituição Federal, Código Penal, Código Processo Penal. Obra a coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais. 7 edição, revista atualizada e ampliada. São Paulo, 2005. GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Página da Secretaria de Estado da Segurança Pública. Estatísticas, 2007a. Disponível em: <http://www.ssp.sp.gov.br/estatisticas/>. Acessado em: 03 ago. 2007. ______. Página da Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo. Relatório Anual de Prestação de Contas – 2006. Denúncias Recebidas na Ouvidoria de Polícia – 19952006 por natureza das denúncias, 2007b Disponível em: <http://www.ouvidoriapolicia.sp.gov.br/pages/RelatAnual2006.htm>. Acessado em: 26 fev. 2007. ______. Página da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, Ações na Ouvidoria em 2006, 2007c. Disponível em: <http://www.ouvidoria-policia.sp.gov.br/pages/acoesouvidoria.htm>. Acessado em: 06 ago. 2007. ______. Página da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo. Relatório anual de 2006. Casos encerrados/solucionados – Tipo de solução, 2007d. Disponível em: <http://www.ouvidoria-policia.sp.gov.br/pages/casossolucionados2006.htm>. Acessado em: 02 ago. 2007.
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______. Página da Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo. Relatório anual de 2006. Policiais Militares e Civis Punidos a partir de denúncias na Ouvidoria da Polícia – 1998-2006, 2007e. Disponível em: <http://www.ouvidoria-policia.sp.gov.br/pages/ policiaispunidos2006.htm>. Acessado em: 02 ago.2007. HUMAN RIGHTS WATCH. World Report <http://hrw.org/wr2k7/>. Acessado em: 26 jul. 2007.
2007,
2007.
Disponível
em:
INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIÃO PÚBLICA E ESTATÍSTICA. (IBOPE) Opinião, agosto de 2005. Disponível em: <http://www.ibope.com.br/opp/pesquisa/opiniao publica/download/opp098_confianca_portalibope_ago05.pdf>. Acessado em: 27 fev. 2007. INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Estatísticas – Resumo Mensal por Aisp, 2007. Disponível em: <http://www.isp.rj.gov.br/ResumoAisp/2007_06/PDF/Estado.pdf>. Acessado em: 27 jul. 2007. INSTITUTO LATINO-AMERICANO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A PREVENÇÃO DO DELITO E TRATAMENTO DO DELINQÜENTE – ILANUD/ FUNDAÇÃO INSTITUTO DE ADMINISTRAÇÃO-FIA/GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA – GSI. Pesquisa de Vitimização, 2002. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/senasp/estatisticas/Vitimização /html/rel/Tabela_003.htm>. Acessado em: 27 fev. 2007. LEMGRUBER, J. Sistema Penitenciário. In: Ministério da Justiça; Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro; Serviço Social da Indústria; Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento. Arquitetura Institucional do Sistema Único de Segurança Pública. Brasília, 2004. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA; FIRJAN; SESI; PNUD. Arquitetura institucional do Sistema Único de Segurança Pública. Brasília: Ministério da Justiça, 2004. MUSUMECI, L. Serviços privados de vigilância e guarda no Brasil: um estudo a partir de informações da PNAD – 1985/1995. Rio de Janeiro: Ipea, 1998.( Texto para Discussão, n. 560). NAVEGA, E. J. Manual prático de direito penal e processo penal. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997. o
NÚCLEO DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA. 3 Relatório nacional sobre os direitos humanos no Brasil: 2002-2005. Universidade de São Paulo/Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária/Núcleo de Estudos da Violência, 2007. Disponível em: <http://www.nevusp.org/downloads/down099.pdf>. Acessado em: 26 jul. 2007. ROLIM, M. A síndrome da rainha vermelha: policiamento e segurança pública no Século XXI. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, Oxford, Inglaterra: University of Oxford, Centre for Brazilian Studies, 2006. SILVA JÚNIOR, E. M. da. Levar baculejo é legal? Busca pessoal na persecução penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 880, 30 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7636>. Acessado em: 02 ago. 2007. SOUZA, S. R. de. As megaoperações da Polícia Federal, os direitos humanos do investigado e a Lei de Abuso de Autoridade. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 751, 25 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7057>. Acessado em: 14 ago. 2007.
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OUVIDORIA DE POLÍCIA DE SÃO PAULO. Casos acompanhados na Ouvidoria da Polícia: autoria desconhecida, com suposta participação de grupo de extermínio – GE. Período, (12 a 21/05/2006), 2006. Disponível em: <ftp://ftp.sp.gov.br/ftpouvidoriapolicia/>. Acessado em: 02 ago. 2007. UNITED NATIONS, ECONOMIC AND SOCIAL COUNCIL, COMISSION ON HUMAN RIGHTS. Report of the Special Rapporteur, Asma Jahangir, Addendum. Mission to Brazil, 2004. Disponível em: <http://www.extrajudicialexecutions.org/ reports/E_CN_4_2004_7_Add_3.pdf>. Acessado em: 06 ago. 2007. U.S. STATE DEPARTMENT. Brazil – Contry Reports on Human Rights Practices – 2006. Released by the Bureau of Democracy, Human Rights, and Labor. March 6, 2007. Disponível em: <http://www.state.gov/g/drl/rls/hrrpt/2006/78882.htm>. Acessado em: 26 jul. 2007. VARGAS, J. D., RIBEIRO, L.; MAGALHÃES, I. de. O tempo e a morosidade processual na justiça criminal: Discussões metológicas. Anais da ALASCIP. Campinas, 04 a 06 set. 2006. ZALUAR, A. Violência e Crime. In: Micelli, S. (Org.). O que ler na ciência social brasileira (1970-1995), v. 1: Antropologia. São Paulo: Sumaré/Anpocs, 1999. ______. A guerra sem fim em alguns bairros do Rio de Janeiro. Ciências Cultural, June/Sept. 2002, v.54, n.1, p. 32-38. ISSN 0009-6725, 2002. ZAVERUCHA, Jorge. Polícia Civil de Pernambuco: o desafio da reforma. Editora da Universidade Federal de Pernambuco, 2003. Disponível em: <http://www.resdal.org/ libros/Archivo/zaverucha-policia_civil.pdf>. Acessado em: 27 ago. 2007.
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ANEXOS ANEXO 1 TABELA 1
Na sua avaliação, a violência e a criminalidade estão: Bastante controladas pelas autoridades Razoavelmente controladas pelas autoridades Fora do controle das autoridades NS/NR Total
Dez./04 %
Jun./07 %
3,2 22,5 71,5 2,8 100
3,7 18,7 76,1 1,6 100
Fonte: CNT-Senus, Pesquisa de Opinião Pública Nacional – Rodada 89 (18 a 22 de junho de 2007).
TABELA 2
Há várias formas de violência. Vou ler algumas delas e gostaria que o Sr.(a) me apontasse qual dessas formas mais o ameaça: Assalto em casa ou na rua Tráfico de drogas Estupro Seqüestro Violência na família Briga em locais públicos NS/NR Total
Dez./04 %
Jun./07 %
31,3 33,3 9,7 6,6 6,5 6,8 5,9 100
38,4 31,7 9 7 6,1 5,9 2,1 100
Fonte: CNT-Senus, Pesquisa de Opinião Pública Nacional – Rodada 89 (18 a 22 de junho de 2007).
TABELA 3
Como o Sr.(a) classifica a cidade onde mora: Muito violenta Violenta Mais ou menos violenta Pouco violenta Nada violenta NS/NR Total
abr./07 %
jun./07 %
16,8 18 26,1 25,9 12,4 1 100
14,7 16,9 29,7 27,8 10,1 0,9 100
Fonte: CNT-Senus, Pesquisa de Opinião Pública Nacional – Rodada 89 (18 a 22 de junho de 2007).
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QUADRO 1
Mortos por agressão em 80 países: número absoluto de vítimas, taxa de vítimas por 100 mil habitantes e razão de óbito por agressão por total de óbitos Ranking
Taxa
Ranking
Razão
Ranking
o
Ranking
Taxa
Ranking
Razão
Ranking
Colômbia (1999)
25.832
3
62,4
1
14,1
1
Maurício (2000)
32
69
2,8
41
0,4
41
El Salvador (1999)
2.300
11
37,7
2
8,2
2
Macedônia (2000)
61
59
3,0
39
0,4
42
Venezuela (2000)
6.369
7
26,2
5
6,0
3
Israel (1999)
127
50
2,1
47
0,3
43
45.311
1
26,4
4
4,8
4
Coréia do Sul (2002)
806
17
1,7
52
0,3
44
Países
Brasil (2000)
N
o
Países (continuação)
N
Bahamas (2000)
63
58
20,8
7
3,9
5
Romênia (2002)
804
18
3,7
37
0,3
45
Belize (2000)
57
62
23,7
6
3,7
6
Armênia (2002)
70
55
2,2
46
0,3
46 47
Equador (2000)
2.086
12
16,8
10
3,7
7
Finlândia (2002)
133
49
2,6
43
0,3
Paraguai (2000)
672
22
12,3
13
3,6
8
Austrália (2001)
304
33
1,6
53
0,2
48
Filipinas (1998)
11.240
5
15,4
11
3,2
9
Eslováquia (2000)
118
51
2,2
45
0,2
49
Guatemala (1999)
1.978
13
17,8
8
3,1
10
Luxemburgo (2002)
Santa Lúcia (2001)
26
73
17,7
9
2,8
11
Canadá (2000)
Panamà (2000)
8
77
1,8
48
0,2
50
463
28
1,5
55
0,2
51
288
34
9,8
22
2,4
12
Nova Zelândia (2000)
55
64
1,4
56
0,2
52
México (2001)
10.148
6
10,1
21
2,3
13
Bulgária (2002)
225
39
2,9
40
0,2
53
Rússia (2002)
44.252
2
31,0
3
1,9
14
Polônia (2002)
680
21
1,8
49
0,2
54
Costa Rica (2002)
236
38
5,8
30
1,6
15
Hungria (2002)
240
37
2,4
44
0,2
55
Albânia (2001)
220
40
7,2
24
1,5
16
Cingapura (2001)
25
74
0,8
74
0,2
56
12
75
10,3
20
1,4
17
Hong Kong (2000)
58
60
0,9
72
0,2
57
1.962
14
13,2
12
1,3
18
Portugal (2002)
182
44
1,8
50
0,2
58
28
70
10,5
18
1,2
19
Bélgica (1997)
177
46
1,7
51
0,2
59
Trinidad e Tobago (1998)
109
53
8,5
23
1,1
20
Malta (2002)
5
78
1,3
60
0,2
60
Turcomenistão (1998)
333
32
7,1
26
1,1
21
Eslovênia (2002)
28
71
1,4
57
0,1
61
Chile (2001)
839
16
5,4
33
1,0
22
Holanda (2003)
202
42
1,2
61
0,1
62
São Vicente e Granada (1999) Cazaquistão (2002) Barbados (2000)
Quirguístão (2002)
334
31
6,7
28
0,9
23
Croácia (2002)
67
57
1,5
54
0,1
63
Tailândia (2000)
3.442
9
5,6
31
0,9
24
Irlanda (2001)
40
66
1,0
65
0,1
64
Argentina (2001)
2.600
10
6,9
27
0,9
25
República Tcheca (2002)
134
48
1,3
59
0,1
65
Moldávia-sem Transnistria (2002)
374
30
10,3
19
0,9
26
Espanha (2001)
418
29
1,0
66
0,1
66
Estônia (2002)
159
47
11,7
15
0,9
27
Islândia (2001)
2
79
0,7
76
0,1
67
Letônia (2002)
266
35
11,4
16
0,8
28
Grécia (2001)
115
52
1,1
64
0,1
68
Belarus (2001)
1.120
15
11,2
17
0,8
29
Itália (2001)
551
25
1,0
67
0,1
69
605
23
5,4
34
0,8
30
Dinamarca (1999)
58
61
1,1
63
0,1
70
5.709
8
11,9
14
0,8
31
França (2000)
503
27
0,9
71
0,1
71
16.590
4
5,9
29
0,7
32
Suécia (2001)
86
54
1,0
68
0,1
72
32
68
4,3
35
0,7
33
Suíça (2000)
57
63
0,8
73
0,1
73
Cuba (2001) Ucrânia (2002) EUA (2000) Guiana (1996) Uruguai (2000)
185
43
5,5
32
0,6
34
Áustria (2002)
Lituânia (2002)
248
36
7,1
25
0,6
35
Reino Unido (2002)
Kuweit (2002)
69
56
0,9
70
0,1
74
513
26
0,9
69
0,1
75
26
72
1,1
62
0,6
36
Noruega (2001)
33
67
0,7
75
0,1
76
Uzbequistão (2000)
771
19
3,1
38
0,6
37
Japão (2002)
730
20
0,6
78
0,1
77
Azerbaijão (2002)
215
41
2,6
42
0,5
38
Alemanha (2001)
564
24
0,7
77
0,1
78
Geórgia (2001)
178
45
3,9
36
0,5
39
Egito (2000)
50
65
0,1
79
0,0
79
9
76
1,3
58
0,4
40
San Marino (2000)
0
80
0,0
80
0,0
80
Barein (2000)
Fonte: Elaboração dos autores a partir de OMS/World Health Organization Statistical Information System (Whosis).
TABELA 4
Distribuição de vítimas nas ocorrências registradas pelas polícias civis – 2005 Delitos
2005
Lesão corporal dolosa Tentativa de homicídio Extorsão mediante seqüestro Furto a transeunte Roubo a transeunte Roubo de veículo Estupro Atentado violento ao pudor
308.952 21.461 617 156.522 202.577 23.985 7.550 7.172
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Sergipe não enviaram informações.
52
texto para discussão | 1330 | mar. 2008
ipea
QUADRO 2
Mortos e feridos em confrontos – São Paulo, 1996-2006 1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
Total
Pessoas mortas em conflito com policiais civis
47
22
52
67
71
74
69
47
40
32
66
587
Pessoas feridas em conflito com policiais civis
48
39
44
84
88
82
47
37
12
24
32
537
Policiais civis mortos em serviço
17
15
14
28
16
18
17
14
2
6
9
156
Policiais civis feridos em serviço
59
65
67
104
101
100
88
73
81
69
58
865
Pessoas mortas em conflitos com policiais militares
239
283
299
371
524
385
541
868
623
297
430
4.860
Pessoas feridas em conflitos com policiais militares
4.001
287
277
342
298
298
357
373
594
476
406
293
Policiais militares mortos em serviço
32
33
31
44
33
40
42
19
25
22
26
347
Policiais militares feridos em serviço
730
678
1.011
968
712
524
449
458
442
398
306
6.676
Fonte: Elaboração dos autores a partir das estatísticas trimestrais da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.
QUADRO 3
Denúncias recebidas na ouvidoria de polícia por natureza – São Paulo, 1995-2006 Naturezas
PC
PM
Total
%Total
2.105
2.738
86
4.929
13,62
499
3.189
121
3.809
10,52
2.449
1.219
95
3.763
10,39
707
1.372
80
2.159
5,96
1.405
670
40
2.115
5,84
147
1.518
28
1.693
4,68
1.409
117
59
1.585
4,38
Ameaça
610
844
64
1.518
4,19
Prevaricação
708
303
40
1.051
2,9
Comunicação de crime
719
273
49
1.041
2,88
Tortura
499
271
64
834
2,3
Agressão
301
460
38
799
2,21
Negligência
549
215
27
791
2,18
Tráfico de drogas com envolvimento de policiais
488
212
50
750
2,07
44
602
52
698
1,93
Corrupção passiva
324
186
17
527
1,46
Abuso de autoridade (agressão)
122
314
32
468
1,29
46
386
12
444
1,23
128
288
15
431
1,19
Reclamação contra superior hierárquico
14
368
-
382
1,06
Abuso de autoridade (outros)
99
233
12
344
0,95
146
134
7
287
0,79
68
201
5
274
0,76
Maus tratos
141
30
6
177
0,49
Morosidade no andamento da Polícia Judiciária
149
4
1
154
0,43
Peculato – desvio
54
97
1
152
0,42
Abuso (invasão de domicílio)
53
76
7
136
0,38
Enriquecimento ilícito
97
37
2
136
0,38
Abordagem com excesso
10
109
5
124
0,34
Roubo de carga com participação de policiais
72
25
6
103
0,28
Peculato – apropriação
35
66
1
102
0,28
Abuso (prisão)
43
26
-
69
0,19
Falta de recursos materiais
17
50
2
69
0,19
Roubo/furto
17
44
2
63
0,17
Facilitação de fuga
49
6
1
56
0,15
Peculato
27
22
1
50
0,14
Favorecimento indevido de policiamento preventivo
10
39
-
49
0,14
Discriminação
10
26
3
39
0,11
1
33
-
34
0,09
Maus tratos a presos
28
3
1
32
0,09
Peculato – furto
17
14
-
31
0,09
Falta de recursos humanos
12
15
1
28
0,08
Superpopulação carcerária
23
3
-
26
0,07
-
22
-
22
0,06
10
5
1
16
0,04
Falsidade ideológica
4
3
-
7
0,02
Peculato – estelionato
5
2
-
7
0,02
Ocultação de identificação de viatura
4
-
-
4
0,01
Crime contra o consumidor
1
1
-
2
0,01
Promoção (facilitação de fuga)
2
-
-
2
0,01
1.779
1.929
112
3.820
10,55
16.256
18.800
1.146
36.202
100
Infração disciplinar Homicídio Má qualidade de atendimento Abuso de autoridade Concussão Falta de policiamento Solicitação de intervenção em pontos de droga
Solicitação de policiamento
Lesão corporal Abuso (constrangimento ilegal)
Estelionato Tentativa de homicídio
Privilégio (benefício indevido em escala)
Assédio Moral Extorsão
Outros Total
PM/PC
Fonte: Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo (Relatório 2006).
ipea
texto para discussão | 1330 | mar. 2008
53
TABELA 5
Autos de resistência – Rio de Janeiro, janeiro a junho de 2007 Autos de resistência
Jan.
Fev.
Mar.
Abr.
Mai.*
Jun.*
Total
117
90
111
131
120
83
652
Fonte: Elaboração dos autores a partir do Instituto de Segurança Pública. Nota: * Os dados de maio e junho de 2007 são parciais, referindo-se apenas às incidências registradas em delegacias de Polícia Civil que integram o Grupo Executivo do Programa Delegacia Legal e Batalhão Legal. Os registros de ocorrência contabilizados nas delegacias legais corresponderam a aproximadamente 67% do total de registros de ocorrência do estado do Rio de Janeiro.
TABELA 6
Comarcas atendidas e não atendidas pela Defensoria Pública – Brasil e Unidades da Federação (UFs), 2005* Comarcas Atendidas AC PB AP MS RR DF RO SE AL RJ RS PA AM MG PE TO MT CE ES RN BA PI SP MA União Total
22 73 10 50 7 12 21 60 55 82 121 19 21 140 80 18 28 55 23 7 28 10 22 4 28 996
Total 22 73 10 50 7 12 22 64 63 94 162 38 44 294 174 42 73 172 78 63 276 106 309 98 164 2.510
% 100 100 100 100 100 100 95,5 93,8 87,3 87,2 74,7 50,0 47,7 47,6 46,0 42,9 38,4 32,0 29,5 11,1 10,1 9,4 7,1 4,1 17,1 39,7
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria de Reforma do Judiciário; Pnud. Pesquisa Defensorias Públicas, 2006. Nota: *Três estados não fizeram parte do diagnóstico: o Paraná não enviou resposta ao questionário, Santa Catarina ainda não criou a Defensoria Pública, e Goiás ainda não implantou o serviço.
54
texto para discussão | 1330 | mar. 2008
ipea
TABELA 7
População interna e atendida nos estabelecimentos penais – Brasil e UFs, junho de 2007 UF
Regime
Regime
Regime
Medidas de segurança
Medidas de Segurança
Prisão
fechado
semi-aberto
aberto
internação
tratamento
provisória
Masc. Fed (PR) Fed (MS) AC AL AM AP BA CE DF ES GO MA MG MS MT PA PB PE PI PR RJ RN RO RR RS SC SE SP TO Total
Masc.
Fem.
Masc.
Fem.
Masc.
Fem.
Masc.
Fem.
Masc.
Fem.
159 58 555 313 548 493 3.051 4.048 2.576 2.167 3.724 952 6.417 4.038 2.579 1.099 4.046 3.109 600 6.029 16.837 964 1.866 206 10.066 3.679 1.758 71.143 716
Fem. 25 6 20 30 59 108 116 228 131 35 224 425 96 41 135 117 38 195 934 31 98 24 226 241 70 5.211 26
504 251 273 307 1.108 1.719 3.373 471 1.566 612 2.575 1.390 800 324 751 1.949 109 1.645 504 519 870 269 6.039 2.196 250 16.217 335
16 42 7 47 40 103 41 94 16 104 165 83 11 16 71 6 107 23 69 18 29 329 253 1.101 5
25 13 143 262 199 671 153 27 386 72 158 472 211 105 425 1.015 38 7.899 4.101 141 261 86 1.810 1.108 26
2 29 9 19 1 21 4 9 42 69 404 42 1 1.051 119 12 24 7 98 78 -
3 27 21 2 57 47 68 36 52 61 28 27 55 341 54 283 162 47 27 1 657 105 55 891 -
6 4 3 3 4 1 455 33 1 16 7 3 57 1 3 93 -
2 5 129 1 1 40 31 11 4 122 -
1 1 109 -
1.279 1.018 1.520 680 3.904 5.228 1.157 2.121 2.670 1.424 7.507 2.410 4.325 4.095 2.954 10.327 1.261 2.133 6.287 999 1.137 526 5.246 3.052 43.419 782
91 72 144 37 183 251 119 313 231 44 569 381 282 296 98 396 54 111 279 57 123 52 337 300 39
153.796
8.890
46.926
2.796
19.807
2.041
3.107
690
346
111
117.461
4.859
Fonte: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional, Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen). TABELA 8
Déficit de vagas nos estabelecimentos penais e presos em Secretaria de Segurança Pública – Brasil e UFs, junho de 2007 População interna/atendida nos estabel. penais Masc. Fem. Total 159 159 58 58 2.368 141 2.509 1.622 82 1.704 2.510 235 2.745 1.744 74 1.818 8.319 301 8.620 11.842 418 12.260 7.328 341 7.669 4.822 587 5.409 8.399 478 8.877 3.060 99 3.159 16.718 1.361 18.079 8.338 1.013 9.351 7.942 530 8.472 5.718 348 6.066 8.176 653 8.829 16.741 659 17.400 2.093 100 2.193 17.989 1.480 19.469 27.902 1.363 29.265 2.674 169 2.843 4.161 266 4.427 1.088 112 1.200 23.818 1.047 24.865 10.140 873 11.013 2.063 73 2.136 131.792 6.514 138.306 1.859 70 1.929 341.443 19.387 360.830
UF Fed-PR Fed-MS AC AL AM AP BA CE DF ES GO MA MG MS MT PA PB PE PI PR RJ RN RO RR RS SC SE SP TO Total
Vagas nos estabelecimentos penais Masc. Fem. Total 208 208 208 208 932 116 1.048 1.741 74 1.815 1.574 154 1.728 756 96 852 6.086 676 6.762 7.991 374 8.365 5.337 398 5.735 3.280 263 3.543 4.455 232 4.687 1.676 40 1.716 13.828 639 14.467 3.495 721 4.216 4.647 180 4.827 5.799 204 6.003 4.066 120 4.186 8.028 228 8.256 1.970 135 2.105 9.284 478 9.762 22.479 1.208 23.687 1.914 108 2.022 278 278 426 78 504 16.168 391 16.559 6.104 371 6.475 1.418 31 1.449 85.720 5.096 90.816 1.608 20 1.628 221.476 12.431 233.907
Déficit de vagas nos estabelecimentos penais Masc. Fem. Total (49) (49) (150) (150) 1.436 25 1.461 (119) 8 (111) 936 81 1.017 988 (22) 966 2.233 (375) 1.858 3.851 44 3.895 1.991 (57) 1.934 1.542 324 1.866 3.944 246 4.190 1.384 59 1.443 2.890 722 3.612 4.843 292 5.135 3.295 350 3.645 (81) 144 63 4.110 533 4.643 8.713 431 9.144 123 (35) 88 8.705 1.002 9.707 5.423 155 5.578 760 61 821 3.883 266 4.149 662 34 696 7.650 656 8.306 4.036 502 4.538 645 42 687 46.072 1.418 47.490 251 50 301 119.967 6.956 126.923
Presos nas secretarias de Segurança Pública Masc. Fem. Total
662 477 100 7.859 3.352 1.729 15.635 1.496 1.721 7.138 3.488 591 512 7.439 52.199
11 29 668 141 50 894 248 511 368 21 16 3.565 6.522
673 506 100 8.527 3.493 1.779 16.529 1.744 1.721 7.649 3.856 612 528 11.004 58.721
Fonte: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional, Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen).
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TABELA 9
Dados sobre os estabelecimentos penais – dezembro de 2006 Óbitos por ação criminal* Leitos ambulatoriais*
Masc.
Fem.
Total
16 3.387
0 30
16 3.417
Fonte: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional, Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen). Nota: * Estes números são provenientes de 921 dos 1.076 estabelecimentos cadastrados.
TABELA 10
Número de condenados e provisórios nas delegacias segundo UF – 2003 Condenados PA BA CE MA RJ ES PR TO MG GO RO AC AP SE DF RN Total
14 95 31 274 1.141 428 2.599 105 9.914 2.407 123 15 1 17.147
Provisórios
0,7% 2,2% 5,0% 11,2% 18,0% 23,7% 40,0% 53,8% 54,5% 64,4% 48,4% 75,0% 100%
1.870 4.246 591 2.177 5.188 1.343 3.900 90 8.012 1.493 53 2 83 29.048
0,0% 0,0% 36,4%
Não informa
99,3% 97,8% 95,0% 88,8% 82,0% 74,5% 60,0% 46,2% 44,0% 40,0% 20,9% 10,0% 0,0% 100% 0,0% 0,0% 61,7%
32
1,8%
264
1,5%
78 3
30,7% 15,0%
50 600 864
100% 100% 1,8%
Total 1.884 4.341 622 2.451 6.329 1.803 6.499 195 18.190 3.737 254 20 1 83 50 600 47.059
100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Fontes: Ministério da Justiça; Firjan; Sesi; Pnud. Arquitetura institucional do Sistema Único de Segurança Pública. Brasília: Ministério da Justiça, 2004. Anexos. Obs.: AL, AM, MT, MS, PI, RS, SP, PE e SC não forneceram informação a respeito.
TABELA 11
Número de condenados nos diferentes regimes nas delegacias segundo UF (ordenado por %) – 2003 Fechado MA GO MG TO PE AP PA PR RO CE RJ ES DF RN Total
148 1.452 6.003 77 2.069 1 14 6.499 176 622 1.141 1.803 20.005
6,0% 38,9% 33,0% 39,5% 93,8% 100% 0,7% 100% 69,3% 100% 18,0% 100% 0,0% 0,0% 44,6%
Semi-aberto 126 840 2.064 26 136 -
3.192
5,1% 22,5% 11,3% 13,3% 6,2% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
0,0% 0,0% 7,1%
Aberto 115 1.046 2
0,0% 3,1% 5,8% 1,0%
-
0,0% 0,0% 0,0% 0,0%
1.163
0,0% 0,0% 2,6%
Não informado 2.177 1.330 9.077 90
88,8% 35,6% 49,9% 46,2%
1.870
99,3%
78
30,7%
5.188
82,0%
50 600 20.460
100% 100% 45,6%
Total 2.451 100% 3.737 100% 18.190 100% 195 100% 2.205 100% 1 100% 1.884 100% 6.499 100% 254 100% 622 100% 6.329 100% 1.803 100% 50 100% 600 100% 44.820 100%
Fontes: Ministério da Justiça; Firjan; Sesi; Pnud. Arquitetura institucional do Sistema Único de Segurança Pública. Brasília: Ministério da Justiça, 2004. Anexos. Obs.: AC, AL, AM, BA, MT, MS, PI, RS, SP, SE e SC não forneceram informação a respeito.
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TABELA 12
Número de presos que recebem visita por UF – 2003 Recebem visita PR MA RO RJ AL PI PE MG PA AC RN CE GO MT Total
681 775 1.575 9.531 1.242 1.083 10.391 4.687 3.616 2.076 1.668 9.071 3.606 4.032 54.034
Total
%
7.050 2.041 3.934 18.546 1.785 1.445 12.227 5.180 3.815 2.128 1.668 9.071 3.606 4.032 76.528
9,7% 38,0% 40,0% 51,4% 69,6% 74,9% 85,0% 90,5% 94,8% 97,6% 100% 100% 100% 100% 70,6%
Fontes: Ministério da Justiça; Firjan; Sesi; Pnud. Arquitetura institucional do Sistema Único de Segurança Pública. Brasília: Ministério da Justiça, 2004. Anexos. Obs.: AM, BA, DF, ES, RS, SP, SE, TO e SC não forneceram informação a respeito.
TABELA 13
Número e distribuição percentual dos infratores nas ocorrências de homicídio doloso, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Masculino Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
9 793 2.716 118 943 1.349 91 7.019
0,1 10,7 36,8 1,6 12,8 18,3 1,2 95,0
Feminino 5 21 142 52 47 94 5 366
0,1 0,3 1,9 0,7 0,6 1,3 0,1 5,0
Total 14 814 2.858 170 990 1.443 96 7.385
0,2 11,0 38,7 2,3 13,4 19,5 1,3 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1 Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96,0%), SC (93,0%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Os infratores com sexo não informado somam 2.770, e infratores com faixa etária não informada somam 7.723.
TABELA 14
Número e distribuição percentual dos infratores nas ocorrências de lesão corporal dolosa, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Masculino Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
450 8.757 50.199 20.591 22.047 39.425 1.817 143.286
0,3 5,0 28,7 11,8 12,6 22,6 1,0 82,0
Feminino 158 1.968 12.991 4.705 4.210 7.150 308 31.490
0,1 1,1 7,4 2,7 2,4 4,1 0,2 18,0
Total 608 10.725 63.190 25.296 26.257 46.575 2.125 174.776
0,3 6,1 36,2 14,5 15,0 26,6 1,2 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96,0%), SC (93,0%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Infratores com sexo não informado somam 10.731, e infratores com faixa etária não informada somam 58.836.
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TABELA 15
Número e distribuição percentual dos infratores nas ocorrências de tentativa de homicídio, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Masculino Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
22 972 3.384 1.242 1.271 1.885 122 8.898
0,2 10,2 35,4 13,0 13,3 19,7 1,3 93,0
Feminino 14 57 251 80 102 159 8 671
0,1 0,6 2,6 0,8 1,1 1,7 0,1 7,0
Total 36 1.029 3.635 1.322 1.373 2.044 130 9.569
0,4 10,8 38,0 13,8 14,3 21,4 1,4 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96,0%), SC (93,0%), SE (98,6%) e TO (98,%2). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Infratores com sexo não informado somam 1.477, e infratores com faixa etária não informada somam 7.669.
TABELA 16
Número e distribuição percentual dos infratores nas ocorrências de extorsão mediante seqüestro, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Masculino Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
6 31 26 17 20 1 101
0,0 5,0 26,1 21,8 14,3 16,8 0,8 84,9
Feminino 15 2 1 18
0,0 0,0 12,6 0,0 1,7 0,8 0,0 15,1
Total 6 46 26 19 21 1 119
0,0 5,0 38,7 21,8 16,0 17,6 0,8 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96,0%), SC (93,0%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Infratores com sexo não informado somam 36 e infratores, com faixa etária não informada somam 185.
TABELA 17
Número e distribuição percentual dos infratores nas ocorrências de roubo a transeuntes, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Masculino Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
106 6.638 34.371 8.802 4.143 2.597 230 56.887
0,2 11,1 57,6 14,7 6,9 4,3 0,4 95,3
Feminino 9 271 1.156 631 476 270 17 2.830
0,0 0,5 1,9 1,1 0,8 0,5 0,0 4,7
Total 115 6.909 35.527 9.433 4.619 2.867 247 59.717
0,2 11,6 59,5 15,8 7,7 4,8 0,4 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,65), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Infratores com sexo não informado somam 23.708, e infratores com faixa etária não informada somam 108.780.
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TABELA 18
Número e distribuição percentual dos infratores nas ocorrências de roubo de veículo, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Masculino Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
9 401 3.209 1.612 687 367 161 6.446
0,1 6,1 48,6 24,4 10,4 5,6 2,4 97,6
Feminino 16 74 19 18 27 3 157
Total
0,0 0,2 1,1 0,3 0,3 0,4 0,0 2,4
9 417 3.283 1.631 705 394 164 6.603
0,1 6,3 49,7 24,7 10,7 6,0 2,5 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Infratores com sexo não informado somam 2.671, e infratores com faixa etária não informada somam 15.196.
TABELA 19
Número e distribuição percentual dos infratores nas ocorrências de estupros, segundo grupos de idade – 2005 Masculino Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
3 349 1.189 533 497 863 57 3.491
0,1 10,0 34,1 15,3 14,2 24,7 1,6 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Infratores com faixa etária não informada somam 2.479.
TABELA 20
Número e distribuição percentual dos infratores nas ocorrências de atentado violento contra o pudor, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Masculino Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
43 551 685 372 379 1.164 125 3.319
1,2 15,8 19,6 10,6 10,8 33,3 3,6 94,9
Feminino 10 29 57 18 35 27 2 178
0,3 0,8 1,6 0,5 1,0 0,8 0,1 5,1
Total 53 580 742 390 414 1.191 127 3.497
1,5 16,6 21,2 11,2 11,8 34,1 3,6 100,0
Fontes: Elaboração dos autpres a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Infratores com sexo não informado somam 248, e infratores com faixa etária não informada somam 1.553.
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TABELA 21
Número e distribuição percentual dos infratores nas ocorrências de posse e uso de drogas, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Masculino Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
20 1.797 6.373 2.484 1.201 1.953 27 13.855
0,1 11,9 42,1 16,4 7,9 12,9 0,2 91,6
Feminino 3 170 466 243 162 229 5 1.278
0,0 1,1 3,1 1,6 1,1 1,5 0,0 8,4
Total 23 1.967 6.839 2.727 1.363 2.182 32 15.133
0,2 13,0 45,2 18,0 9,0 14,4 0,2 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Infratores com sexo não informado somam 654, e infratores com faixa etária não informada somam 1.791.
TABELA 22
Número e distribuição percentual dos infratores nas ocorrências de tráfico de drogas, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
Masculino 7 0,1 854 8,4 3.264 32,2 1.887 18,6 1.029 10,2 1.310 12,9 37 0,4 8.388 82,8
Feminino 14 0,1 146 1,4 556 5,5 398 3,9 214 2,1 398 3,9 15 0,1 1.741 17,2
Total 21 1.000 3.820 2.285 1.243 1.708 52 10.129
0,2 9,9 37,7 22,6 12,3 16,9 0,5 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), A P(90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Infratores com sexo não informado somam 668, e infratores com faixa etária não informada somam 1.770.
TABELA 23
Número e distribuição percentual das vítimas nas ocorrências de homicídio doloso, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
Masculino 154 0,7 1.411 6,8 7.317 35,2 2.895 13,9 2.227 10,7 4.577 22,0 308 1,5 18.889 91,0
Feminino 78 0,4 193 0,9 540 2,6 251 1,2 275 1,3 479 2,3 56 0,3 1.872 9,0
Total 232 1.604 7.857 3.146 2.502 5.056 364 20.761
1,1 7,7 37,8 15,2 12,1 24,4 1,8 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Vítimas com sexo não informado somam 898, e vítimas com faixa etária não informada somam 3.575.
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TABELA 24
Número e distribuição percentual das vítimas nas ocorrências de tentativa de homicídio, segundo grupos de idade, por sexo –2005 Masculino Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
120 1.139 5.375 2.189 1.953 3.351 230 14.357
0,7 6,6 31,1 12,7 11,3 19,4 1,3 83,0
Feminino 58 286 918 406 441 745 79 2.933
0,3 1,7 5,3 2,3 2,6 4,3 0,5 17,0
Total 178 1.425 6.293 2.595 2.394 4.096 309 17.290
1,0 8,2 36,4 15,0 13,8 23,7 1,8 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Vítimas com sexo não informado somam 544, e vítimas com faixa etária não informada somam 4.108.
TABELA 25
Número e distribuição percentual das vítimas nas ocorrências de furto a transeunte, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
Masculino 288 0,2 3.357 2,5 17.527 12,9 14.223 10,4 11.034 8,1 26.142 19,2 4.080 3,0 76.651 56,2
Feminino 247 0,2 3.186 2,3 15.746 11,6 9.928 7,3 8.462 6,2 19.502 14,3 2.590 1,9 59.661 43,8
Total 535 6.543 33.273 24.151 19.496 45.644 6.670 136.312
0,4 4,8 24,4 17,7 14,3 33,5 4,9 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Vítimas com sexo não informado somam 12.550, e vítimas com faixa etária não informada somam 17.284.
TABELA 26
Número e distribuição percentual das vítimas nas ocorrências de roubo a transeunte, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
Masculino 462 0,3 8.827 5,2 34.850 20,4 17.403 10,2 14.900 8,7 31.235 18,3 2.594 1,5 110.271 64,5
Feminino 197 0,1 4.771 2,8 20.257 11,9 10.133 5,9 8.137 4,8 15.831 9,3 1.316 0,8 60.642 35,5
Total 659 13.598 55.107 27.536 23.037 47.066 3.910 170.913
0,4 8,0 32,2 16,1 13,5 27,5 2,3 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Vítimas com sexo não informado somam 20.628, e vítimas com faixa etária não informada somam 26.395.
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TABELA 27
Número e distribuição percentual das vítimas nas ocorrências de roubo de veículo, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
Masculino 50 0,3 237 1,3 3.975 21,5 2.639 14,3 2.378 12,9 5.814 31,4 355 1,9 15.448 83,5
Feminino 24 0,1 103 0,6 806 4,4 466 2,5 421 2,3 1.166 6,3 62 0,3 3.048 16,5
Total 74 340 4.781 3.105 2.799 6.980 417 18.496
0,4 1,8 25,8 16,8 15,1 37,7 2,3 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Vítimas com sexo não informado somam 2.001, e vítimas com faixa etária não informada somam 5.462.
TABELA 28
Número e distribuição percentual das vítimas nas ocorrências de lesão corporal dolosa, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
Masculino 4.298 1,7 11.797 4,6 37.728 14,8 13.448 5,3 14.259 5,6 30.899 12,1 3.083 1,2 115.512 45,2
Feminino 2.842 1,1 13.752 5,4 47.579 18,6 21.490 8,4 19.531 7,6 33.074 12,9 1.981 0,8 140.249 54,8
Total 7.140 25.549 85.307 34.938 33.790 63.973 5.064 255.761
2,8 10,0 33,4 13,7 13,2 25,0 2,0 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP(90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT(90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Vítimas com sexo não informado somam 10.893, e vítimas com faixa etária não informada somam 81.905.
TABELA 29
Número e distribuição percentual das vítimas nas ocorrências de extorsão mediante seqüestro, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
Masculino 6 1,2 17 3,3 62 12,2 10 2,0 40 7,9 85 16,7 9 1,8 229 45,0
Feminino 3 0,6 9 1,8 65 12,8 53 10,4 66 13,0 72 14,1 12 2,4 280 55,0
Total 9 26 127 63 106 157 21 509
1,8 5,1 25,0 12,4 20,8 30,8 4,1 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Vítimas com sexo não informado somam 76, e vítimas com faixa etária não informada somam 103.
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TABELA 30
Número e distribuição percentual das vítimas nas ocorrências de atentado violento ao pudor, segundo grupos de idade, por sexo – 2005 Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
Masculino 992 17,4 466 8,2 140 2,5 41 0,7 51 0,9 91 1,6 19 0,3 1.800 31,6
Feminino 1.912 33,5 1.102 19,3 443 7,8 141 2,5 117 2,1 172 3,0 14 0,2 3.901 68,4
2.904 1.568 583 182 168 263 33 5.701
Total 50,9 27,5 10,2 3,2 2,9 4,6 0,6 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outross foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Vítimas com sexo não informado somam 76, e vítimas com faixa etária não informada somam 103.
TABELA 31
Número e distribuição percentual das vítimas nas ocorrências de estupro, segundo grupos de idade– 2005 Feminino Até 11 anos Entre 12 e 17 anos Entre 18 e 24 anos Entre 25 e 29 anos Entre 30 e 34 anos Entre 35 e 64 anos Acima de 65 anos Total
863 2.754 1.345 410 277 511 44 6.204
13,9 44,4 21,7 6,6 4,5 8,2 0,7 100,0
Fontes: Elaboração dos autores a partir de Ministério da Justiça/Secretaria Nacional de Segurança Pública/Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública/Secretarias Estaduais de Segurança Pública. Obs.: 1. Para DF, GO, RJ, RS e SP, o grau de cobertura de delegacias foi de 100%, isto é, todas as delegacias enviaram informações. Em outros, foi menor: AC (97,5%), AL (97,8%), AP (90,1%), AM (80,6%), BA (98,8%), CE (96,5%), ES (54,2%), MA (93,1%), MT (90,7%), MS (99,9%), MG (96,3%), PA (99,8%), PB (91,1%), PR (99,4%), PE (91,6%), PI (96,5%), RN (74,4%), RO (95,4%), RR (96%), SC (93%), SE (98,6%) e TO (98,2%). 2. SP, RJ, SE e RS não forneceram as informações presentes nesta tabela. Vítimas com faixa etária não informada somam 1.346.
TABELA 32
Proporção de pessoas que reportaram o último crime de que foram vítimas à polícia, segundo cidade e tipo de crime – São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Vitória, 2002 Tipo de crime Roubo/furto de automóveis Roubo Furto de algo dentro do carro Furto Agressão física Agressão sexual Arrombamento Tentativa de arrombamento
São Paulo
Rio de Janeiro
Recife
Vitória
95 32 27 15 27 7 31 6
99 24 23 12 30 21 31 14
94 25 37 24 27 37 26 19
100 36 28 17 38 15 25 13
Fonte: Pesquisa de vitimização, Ilanud/FIA/GSI – 2002.
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QUADRO 4
Atividades policiais – estado de São Paulo, 2006 Atividades policiais Delitos registrados Termos circunstanciados lavrados Inquéritos instaurados Prisões efetuadas (flagrante e mandado) Pessoas presas em flagrante Pessoas presas por mandado Autos de apreensão (art. 173 do ECA) Adolescentes apreendidos em flagrante Adolescentes apreendidos por mandado
1.977.149 295.316 313.47 90.935 85.875 42.260 7.980 10.845 1.478
Fonte: Elaboração dos autores a partir de Governo do Estado de São Paulo/Secretaria de Segurança Pública/Coordenadoria de Análise e Planejamento.
TABELA 33
Desfechos penais dos processos/inquéritos de homicídio – estado do Rio de Janeiro, 2003 e 2004 Tipo de sentença ou desfecho legal Sentença condenatória Sentença absolutória Impronúncia ou outras causas de não se ter chegado a sentença Extinção do processo/inquérito por prescrição Extinção do processo/inquérito por outras causas Total de processos
2003
2004
Total
564 418 1.112 260 330 2.694
614 367 1.214 423 340 2.958
1.178 785 2.326 683 670 5.652
Fonte: Cano (2006).
TABELA 34
Número de presos estudando dentro das prisões – Brasil e UFs, 2003 TO MT RN PA RO BA DF RS PI AC SE PE AP MS AL GO SP AM PR MG CE RJ Total
Presos estudando
Total de presos
236 115 285 355 490 683 2.272 195 290 300 1.832 175 810 300 620 16.745 407 1.456 1.239 2.330 5.915 37.050
1.265 4.032 1.668 3.815 3.934 5.376 6.690 19.496 1.445 2.128 2.155 12.227 1.142 5.169 1.785 3.606 96.797 2.132 7.050 5.180 9.071 18.546 214.709
% 5,9 6,9 7,5 9,0 9,1 10,2 11,7 13,5 13,6 13,9 15,0 15,3 15,7 16,8 17,2 17,3 19,1 20,7 23,9 25,7 31,9 17,3
Fontes: Ministério da Justiça; Firjan; Sesi; Pnud. Arquitetura institucional do Sistema Único de Segurança Pública. Brasília: Ministério da Justiça, 2004. Anexos. Obs.: ES, MA e SC não forneceram informações a respeito.
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ANEXO 2* Fluxograma 1
Procedimento no rito ordinário ou processo comum Aplica-se a crimes punidos com reclusão. Oferecimento da denúncia ou queixa com rol de testemunhas de acusação. ↓ Recebimento da denúncia ou queixa; juiz designa data para interrogatório e manda citar o réu. ↓ Citação do réu. ↓ Interrogatório do acusado. ↓ Defesa prévia com rol de testemunhas. ↓ Audiência das testemunhas de acusação. ↓ Audiência das testemunhas de defesa. ↓ Prazo para diligências das partes (24 horas para cada parte). ↓ Alegações finais. ↓ Diligências ex officio. ↓ Sentença. * Fonte dos fluxogramas e/ou das informações que embasaram sua elaboração: NAVEGA, E. J. Manual prático de direito penal e processo penal. São Paulo: Ed. Saraiva, 1997.
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Fluxograma 2
Procedimento no rito sumário Aplica-se a crimes punidos com detenção, prisão simples ou multa. Oferecimento da denúncia ou queixa com rol de testemunhas de acusação (máximo de cinco). ↓ Recebimento da denúncia pelo juiz, que designa data para interrogatório e manda citar o réu. ↓ Citação do réu. ↓ Interrogatório do réu. ↓ Defesa prévia com rol de testemunhas de defesa (máximo de cinco). ↓ Audiência das testemunhas de acusação. ↓ Despacho saneador. ↓ Audiência das testemunhas de defesa, debates e julgamento.
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Fluxograma 3a
Procedimento nos crimes de competência do Tribunal do Júri Aplica-se aos crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados. 1a fase – Instrução criminal (Vara Auxiliar do Júri) Oferecimento da denúncia com rol de testemunhas de acusação. ↓ Recebimento da denúncia pelo juiz, que designa data para interrogatório e manda citar o réu. ↓ Citação do réu. ↓ Interrogatório do acusado. ↓ Defesa prévia com rol de testemunhas. ↓ Audiência das testemunhas de acusação. ↓ Audiência das testemunhas de defesa. ↓ Prazo para diligências das partes (24 horas para cada parte). ↓ Alegações finais. ↓ Diligências ex officio – não poderão ser acrescidas novas provas. ↓ Sentença do juiz: de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação.
No caso de pronúncia, o réu será submetido ao julgamento pelo júri, que constitui a a 2 fase, descrita a seguir. Em caso de sentença de impronúncia (quando os indícios não forem suficientes para remeter o réu ao júri), o processo é encerrado. No entanto, como não há um julgamento de mérito pelo juiz, caso surjam novas evidências, novo processo poderá ser instaurado. A sentença de absolvição advém de um julgamento de mérito pelo juiz, à qual cabe recurso pela acusação. A desclassificação ocorre quando o juiz entende que não se trata de crime doloso contra a vida, não sendo portanto competência do júri. Neste caso, o processo é encaminhado ao juiz competente.
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Fluxograma 3b
2a fase – Tribunal do Júri (Plenário) Libelo acusatório, com rol de testemunhas de acusação. ↓ Contrariedade do libelo, com rol de testemunhas de defesa. ↓ Desaforamento (transferência do julgamento para outra comarca), se necessário. ↓ Determinação da data de julgamento e intimação das testemunhas. ↓ Convocação do júri. ↓ Exortação (juramento dos jurados). ↓ Interrogatório do réu. ↓ Relatório do juiz. ↓ Inquirição das testemunhas de acusação. ↓ Acareação, se necessário. ↓ Debates orais. ↓ Elaboração e leitura dos quesitos. ↓ Votação – dos quesitos pelos jurados, de forma secreta e sem intervenções das partes. ↓ Sentença: absolutória, condenatória ou desclassificatória.
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Fluxograma 4a
Procedimento sumaríssimo Aplica-se a infrações penais (crimes e contravenções) cuja pena não ultrapasse dois anos. No caso de ação penal privada: 1) Audiência preliminar Estando presentes o autuado e a vítima, ambos assistidos por seus advogados, haverá tentativa de conciliação, conduzida pelo juiz, que consiste na composição dos danos sofridos pela vítima. ↓ Havendo conciliação, a composição dos danos será reduzida a termo e homologada pelo juiz. O acordo homologado é irrecorrível e implica renúncia ao direito de queixa ou representação do ofendido. ↓ Não havendo acordo, a vítima poderá oferecer a queixa oralmente, na própria audiência preliminar, ou fazê-lo em outro momento, sendo, então, designada data para audiência de instrução e julgamento, devendo o acusado ser citado pessoalmente. ↓ 2) Audiência de instrução e julgamento Iniciada a audiência, haverá nova tentativa de conciliação. ↓ Não havendo conciliação, o defensor irá responder à acusação. ↓ O juiz receberá a denúncia ou queixa – caso o juiz não a receba, caberá apelação, no prazo de dez dias, que será julgada pela Turma Recursal do JECrim. ↓ Serão ouvidas a vítima, as testemunhas de acusação e as testemunhas de defesa, nesta ordem. ↓ Interrogatório do acusado. ↓ Debates orais, no prazo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez, para cada parte. ↓ Sentença.
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Fluxograma 4b
No caso de ação penal pública: 1)
Audiência preliminar
a) Ministério Público propõe acordo: - nos crimes apenados com multa ou cuja pena máxima não ultrapasse um ano → aplicação imediata da multa. - nos crimes cuja pena mínima não exceda um ano → suspensão do processo pelo período de dois a quatro anos. ↓ O acusado aceita o acordo. A aceitação do acordo não implica reconhecimento de culpa nem terá efeito para reincidência. ↓ O juiz homologa o acordo
b) Se não houver proposta de acordo por parte do Ministério Público, o promotor fará denúncia oral, que será reduzida a termo. ↓ O juiz marca data para audiência de instrução e julgamento. ↓ Estando o acusado presente, receberá uma cópia da denúncia, sendo considerado citado e cientificado da data da audiência. ↓ Se o acusado não estiver presente na audiência preliminar, deverá ser citado pessoalmente. ↓ 2)
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Audiência de instrução e julgamento – conforme procedimento da ação privada
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EDITORIAL
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Tiragem: 130 exemplares
1. CADEIA DE CUSTÓDIA 1.1 Conceitos e Princípios A cadeia de custódia consiste no conjunto de registro e ações que garantam a certificação da origem, a rastreabilidade e a idoneidade de um determinado elemento. É usada em vários processos tais como a comercialização de madeira, com a finalidade de garantir a origem do material, como na comercialização de gêneros alimentícios, visando à segurança alimentar. No âmbito forense, a cadeia de custódia é o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. A cadeia de custódia envolve um conjunto de medidas e tecnologias que consistem no acompanhamento e registro de todos os eventos, ocorrências, transferências e movimentações da prova criminal material, desde a sua localização, coleta, registro e identificação, até a sua utilização final e descarte. A cadeia de custódia deve garantir a idoneidade da prova pericial, fortalecendo o respectivo laudo gerado. A responsabilidade de manutenção da idoneidade processual é compartilhada por TODOS os agentes de Estado envolvidos. O início da cadeia de custódia se dá com a preservação do local de crime e/ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio. O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação. Para desempenhar seu papel, cadeia de custódia estabelecida deve possuir sistemática que permita: a) a individualização de cada elemento de prova/ vestígio, sua fácil e inequívoca identificação e sua relação com o fato investigado; b) o registro de toda transferência de custódia, ou seja, toda transferência de responsabilidade pela guarda do elemento de prova/ vestígio, desde a sua primeira movimentação até seu destino final; c) o registro do(s) responsável(is) pela custódia dos elementos de prova/ vestígios em cada etapa da cadeia; d) a detecção e registro de acessos não permitidos, que possam comprometer a integridade dos elementos de prova/ vestígios.
Nos últimos anos, impulsionadas pelo mercado comercial, diversas tecnologias e modernos dispositivos de rastreamento próprios para cadeia de custódia surgiram no mercado. Tais inovações estão se expandindo para a área da segurança pública de forma muito lenta. Entretanto, a ausência de tais tecnologias facilitadoras não compromete a constituição de uma cadeia de custódia efetiva. A adoção procedimentos padronizados de registros completos, de preservação e armazenamento adequados, e a percepção da importância da cadeia de custódia pelos agentes envolvidos, é essencial para o estabelecimento de um processo criminal correto, imparcial e efetivo. Na prática, a cadeia de custódia é estabelecida através dos registros gerados e do uso de embalagens/invólucros que garantam a preservação e a unicidade do vestígio. - Formulários elaborados de forma simples e objetiva, para o registro das etapas de coleta, transporte e preservação do vestígio, desde sua origem no momento da coleta até o seu destino final; e - Embalagens convencionais, compatíveis com as necessidades de preservação do material a ser acondicionado, sistemas de lacres plásticos numerados ou fitas adesivas auto-destrutivas (tipo casca de ovo) identificadas são exemplos de materiais simples, amplamente disponíveis no mercado e que podem ser adotadas com o objetivo de garantir a cadeia de custódia. A Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, SENASP/MJ, publicou a Portaria nº 82, em 18 de julho de 2014, que estabelece as diretrizes sobre os procedimentos a serem observados no tocante à cadeia de custódia. 1.2 Princípios Legais da Cadeia de Custódia Conforme o Código de Processo Penal (CPP), a cadeia de custódia se inicia logo após o conhecimento do fato criminoso: art. 6º: Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I dirigirse ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;
III colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
Recentemente, em nova redação, o CPP conferiu aos órgãos periciais oficiais a tutela da prova:
“Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. [...] § 6º Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de Perito Oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.”
O CPP também determina a guarda de amostra do material analisado, garantindo ao investigado a possibilidade de contestação e defesa. “Art. 170. Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas.”
O decreto 7.958/13 (anexo I), que estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), no artigo 4o assegura a cadeia de custódia dos vestígios coletados. “Art. 4o O atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais da rede do SUS compreenderá os seguintes procedimentos: [...] IV coleta de vestígios para, assegurada a cadeia de custódia, encaminhamento à perícia oficial, com a cópia do Termo de Consentimento Informado; [...] VII orientação à vítima ou ao seu responsável a respeito de seus direitos e sobre a existência de serviços de referência para atendimento às vítimas de violência sexual. [...] § 2o A rede de atendimento ao SUS deve garantir a idoneidade e o rastreamento dos vestígios coletados.” Grifos nossos.
Portaria no 82/2014 –SENASP/MJ. Estabelece as Diretrizes sobre os procedimentos a serem observados no tocante à cadeia de custódia de vestígios.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, seção 1, pág. 42, 18/07/2014.
Com base na legislação vigente, fica claro que todos os envolvidos no processo de coleta, preservação, transporte, análise, armazenamento, e destino final do vestígio, são protagonistas da cadeia de custódia.
REFERÊNCIAS: - BRASIL, Portaria no 82/2014 –SENASP/MJ. Estabelece as Diretrizes sobre os procedimentos a serem observados no tocante à cadeia de custódia de vestígios. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, seção 1, pág. 42, 18/07/2014. BRASIL. Código de Processo Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 13 out. 1941. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm> Acesso em 28 mar. 2014.
Código Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-
BRASIL.
Lei/Del2848.htm>. Acesso em 28 mar. 2014. BRASIL. Decreto 7.598/2013. Brasília, DF, 13 mar 2013. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D7958.htm>. Acesso em 28 mar. 2014.
ANEXO I:
Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos DECRETO Nº 7.958, DE 13 DE MARÇO DE 2013 Estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, caput, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto nos incisos IV e V do caput do art. 15 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, DECRETA:
Art. 1o Este Decreto estabelece diretrizes para o atendimento humanizado às vítimas de violência sexual pelos profissionais da área de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde - SUS, e as competências do Ministério da Justiça e do Ministério da Saúde para sua implementação. Art. 2o O atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do SUS observará as seguintes diretrizes: I - acolhimento em serviços de referência; II - atendimento humanizado, observados os princípios do respeito da dignidade da pessoa, da não discriminação, do sigilo e da privacidade; III - disponibilização de espaço de escuta qualificado e privacidade durante o atendimento, para propiciar ambiente de confiança e respeito à vítima; IV - informação prévia à vítima, assegurada sua compreensão sobre o que será realizado em cada etapa do atendimento e a importância das condutas médicas, multiprofissionais e policiais, respeitada sua decisão sobre a realização de qualquer procedimento; V - identificação e orientação às vítimas sobre a existência de serviços de referência para atendimento às vítimas de violência e de unidades do sistema de garantia de direitos; VI - divulgação de informações sobre a existência de serviços de referência para atendimento de vítimas de violência sexual; VII - disponibilização de transporte à vítima de violência sexual até os serviços de referência; e VIII - promoção de capacitação de profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do SUS para atender vítimas de violência sexual de forma humanizada, garantindo a idoneidade e o rastreamento dos vestígios coletados. Art. 3o Para os fins deste Decreto, considera-se serviço de referência o serviço qualificado para oferecer atendimento às vítimas de violência sexual, observados os níveis de assistência e os diferentes profissionais que atuarão em cada unidade de atendimento, segundo normas técnicas e protocolos adotados pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Justiça. Art. 4o O atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais da rede do SUS compreenderá os seguintes procedimentos: I - acolhimento, anamnese e realização de exames clínicos e laboratoriais; II - preenchimento de prontuário com as seguintes informações: a) data e hora do atendimento; b) história clínica detalhada, com dados sobre a violência sofrida; c) exame físico completo, inclusive o exame ginecológico, se for necessário; d) descrição minuciosa das lesões, com indicação da temporalidade e localização específica; e) descrição minuciosa de vestígios e de outros achados no exame; e f) identificação dos profissionais que atenderam a vítima; III - preenchimento do Termo de Relato Circunstanciado e Termo de Consentimento Informado, assinado pela vítima ou responsável legal;
IV - coleta de vestígios para, assegurada a cadeia de custódia, encaminhamento à perícia oficial, com a cópia do Termo de Consentimento Informado; V - assistência farmacêutica e de outros insumos e acompanhamento multiprofissional, de acordo com a necessidade; VI - preenchimento da Ficha de Notificação Compulsória de violência doméstica, sexual e outras violências; e VII - orientação à vítima ou ao seu responsável a respeito de seus direitos e sobre a existência de serviços de referência para atendimento às vítimas de violência sexual. § 1o A coleta, identificação, descrição e guarda dos vestígios de que tratam as alíneas “e” e “f” do inciso II e o inciso IV do caput observarão regras e diretrizes técnicas estabelecidas pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério da Saúde. § 2o A rede de atendimento ao SUS deve garantir a idoneidade e o rastreamento dos vestígios coletados. Art. 5o Ao Ministério da Justiça compete: I - apoiar a criação de ambiente humanizado para atendimento de vítimas de violência sexual nos órgãos de perícia médico-legal; e II - promover capacitação de: a) peritos médicos-legistas para atendimento humanizado na coleta de vestígios em vítimas de violência sexual; b) profissionais e gestores de saúde do SUS para atendimento humanizado de vítimas de violência sexual, no tocante à coleta, guarda e transporte dos vestígios coletados no exame clínico e o posterior encaminhamento do material coletado para a perícia oficial; e c) profissionais de segurança pública, em especial os que atuam nas delegacias especializadas no atendimento a mulher, crianças e adolescentes, para atendimento humanizado e encaminhamento das vítimas aos serviços de referência e a unidades do sistema de garantia de direitos. Art. 6o Ao Ministério da Saúde compete: I - apoiar a estruturação e as ações para o atendimento humanizado às vítimas de violência sexual no âmbito da rede do SUS; II - capacitar os profissionais e gestores de saúde do SUS para atendimento humanizado; e III - realizar ações de educação permanente em saúde dirigidas a profissionais, gestores de saúde e população em geral sobre prevenção da violência sexual, organização e humanização do atendimento às vítimas de violência sexual. Art. 7o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 13 de março de 2013; 192º da Independência e 125º da República.
DILMA ROUSSEFF José Eduardo Cardozo Alexandre Rocha Santos Padilha Eleonora Menicucci de Oliveira Este texto não substitui o publicado no DOU de 14.3.2013
1. CADEIA DE CUSTÓDIA 1.1 Conceitos e Princípios A cadeia de custódia consiste no conjunto de registro e ações que garantam a certificação da origem, a rastreabilidade e a idoneidade de um determinado elemento. É usada em vários processos tais como a comercialização de madeira, com a finalidade de garantir a origem do material, como na comercialização de gêneros alimentícios, visando à segurança alimentar. No âmbito forense, a cadeia de custódia é o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. A cadeia de custódia envolve um conjunto de medidas e tecnologias que consistem no acompanhamento e registro de todos os eventos, ocorrências, transferências e movimentações da prova criminal material, desde a sua localização, coleta, registro e identificação, até a sua utilização final e descarte. A cadeia de custódia deve garantir a idoneidade da prova pericial, fortalecendo o respectivo laudo gerado. A responsabilidade de manutenção da idoneidade processual é compartilhada por TODOS os agentes de Estado envolvidos. O início da cadeia de custódia se dá com a preservação do local de crime e/ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio. O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação. Para desempenhar seu papel, cadeia de custódia estabelecida deve possuir sistemática que permita: a) a individualização de cada elemento de prova/ vestígio, sua fácil e inequívoca identificação e sua relação com o fato investigado; b) o registro de toda transferência de custódia, ou seja, toda transferência de responsabilidade pela guarda do elemento de prova/ vestígio, desde a sua primeira movimentação até seu destino final; c) o registro do(s) responsável(is) pela custódia dos elementos de prova/ vestígios em cada etapa da cadeia; d) a detecção e registro de acessos não permitidos, que possam comprometer a integridade dos elementos de prova/ vestígios.
Nos últimos anos, impulsionadas pelo mercado comercial, diversas tecnologias e modernos dispositivos de rastreamento próprios para cadeia de custódia surgiram no mercado. Tais inovações estão se expandindo para a área da segurança pública de forma muito lenta. Entretanto, a ausência de tais tecnologias facilitadoras não compromete a constituição de uma cadeia de custódia efetiva. A adoção procedimentos padronizados de registros completos, de preservação e armazenamento adequados, e a percepção da importância da cadeia de custódia pelos agentes envolvidos, é essencial para o estabelecimento de um processo criminal correto, imparcial e efetivo. Na prática, a cadeia de custódia é estabelecida através dos registros gerados e do uso de embalagens/invólucros que garantam a preservação e a unicidade do vestígio. - Formulários elaborados de forma simples e objetiva, para o registro das etapas de coleta, transporte e preservação do vestígio, desde sua origem no momento da coleta até o seu destino final; e - Embalagens convencionais, compatíveis com as necessidades de preservação do material a ser acondicionado, sistemas de lacres plásticos numerados ou fitas adesivas auto-destrutivas (tipo casca de ovo) identificadas são exemplos de materiais simples, amplamente disponíveis no mercado e que podem ser adotadas com o objetivo de garantir a cadeia de custódia. A Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, SENASP/MJ, publicou a Portaria nº 82, em 18 de julho de 2014, que estabelece as diretrizes sobre os procedimentos a serem observados no tocante à cadeia de custódia. 1.2 Princípios Legais da Cadeia de Custódia Conforme o Código de Processo Penal (CPP), a cadeia de custódia se inicia logo após o conhecimento do fato criminoso: art. 6º: Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I dirigirse ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;
III colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
Recentemente, em nova redação, o CPP conferiu aos órgãos periciais oficiais a tutela da prova:
“Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. [...] § 6º Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de Perito Oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.”
O CPP também determina a guarda de amostra do material analisado, garantindo ao investigado a possibilidade de contestação e defesa. “Art. 170. Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas.”
O decreto 7.958/13 (anexo I), que estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS), no artigo 4o assegura a cadeia de custódia dos vestígios coletados. “Art. 4o O atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais da rede do SUS compreenderá os seguintes procedimentos: [...] IV coleta de vestígios para, assegurada a cadeia de custódia, encaminhamento à perícia oficial, com a cópia do Termo de Consentimento Informado; [...] VII orientação à vítima ou ao seu responsável a respeito de seus direitos e sobre a existência de serviços de referência para atendimento às vítimas de violência sexual. [...] § 2o A rede de atendimento ao SUS deve garantir a idoneidade e o rastreamento dos vestígios coletados.” Grifos nossos.
Portaria no 82/2014 –SENASP/MJ. Estabelece as Diretrizes sobre os procedimentos a serem observados no tocante à cadeia de custódia de vestígios.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, seção 1, pág. 42, 18/07/2014.
Com base na legislação vigente, fica claro que todos os envolvidos no processo de coleta, preservação, transporte, análise, armazenamento, e destino final do vestígio, são protagonistas da cadeia de custódia.
REFERÊNCIAS: - BRASIL, Portaria no 82/2014 –SENASP/MJ. Estabelece as Diretrizes sobre os procedimentos a serem observados no tocante à cadeia de custódia de vestígios. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, seção 1, pág. 42, 18/07/2014. BRASIL. Código de Processo Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 13 out. 1941. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm> Acesso em 28 mar. 2014.
Código Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-
BRASIL.
Lei/Del2848.htm>. Acesso em 28 mar. 2014. BRASIL. Decreto 7.598/2013. Brasília, DF, 13 mar 2013. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D7958.htm>. Acesso em 28 mar. 2014.
ANEXO I:
Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos DECRETO Nº 7.958, DE 13 DE MARÇO DE 2013 Estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, caput, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto nos incisos IV e V do caput do art. 15 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, DECRETA:
Art. 1o Este Decreto estabelece diretrizes para o atendimento humanizado às vítimas de violência sexual pelos profissionais da área de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde - SUS, e as competências do Ministério da Justiça e do Ministério da Saúde para sua implementação. Art. 2o O atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do SUS observará as seguintes diretrizes: I - acolhimento em serviços de referência; II - atendimento humanizado, observados os princípios do respeito da dignidade da pessoa, da não discriminação, do sigilo e da privacidade; III - disponibilização de espaço de escuta qualificado e privacidade durante o atendimento, para propiciar ambiente de confiança e respeito à vítima; IV - informação prévia à vítima, assegurada sua compreensão sobre o que será realizado em cada etapa do atendimento e a importância das condutas médicas, multiprofissionais e policiais, respeitada sua decisão sobre a realização de qualquer procedimento; V - identificação e orientação às vítimas sobre a existência de serviços de referência para atendimento às vítimas de violência e de unidades do sistema de garantia de direitos; VI - divulgação de informações sobre a existência de serviços de referência para atendimento de vítimas de violência sexual; VII - disponibilização de transporte à vítima de violência sexual até os serviços de referência; e VIII - promoção de capacitação de profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do SUS para atender vítimas de violência sexual de forma humanizada, garantindo a idoneidade e o rastreamento dos vestígios coletados. Art. 3o Para os fins deste Decreto, considera-se serviço de referência o serviço qualificado para oferecer atendimento às vítimas de violência sexual, observados os níveis de assistência e os diferentes profissionais que atuarão em cada unidade de atendimento, segundo normas técnicas e protocolos adotados pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Justiça. Art. 4o O atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais da rede do SUS compreenderá os seguintes procedimentos: I - acolhimento, anamnese e realização de exames clínicos e laboratoriais; II - preenchimento de prontuário com as seguintes informações: a) data e hora do atendimento; b) história clínica detalhada, com dados sobre a violência sofrida; c) exame físico completo, inclusive o exame ginecológico, se for necessário; d) descrição minuciosa das lesões, com indicação da temporalidade e localização específica; e) descrição minuciosa de vestígios e de outros achados no exame; e f) identificação dos profissionais que atenderam a vítima; III - preenchimento do Termo de Relato Circunstanciado e Termo de Consentimento Informado, assinado pela vítima ou responsável legal;
IV - coleta de vestígios para, assegurada a cadeia de custódia, encaminhamento à perícia oficial, com a cópia do Termo de Consentimento Informado; V - assistência farmacêutica e de outros insumos e acompanhamento multiprofissional, de acordo com a necessidade; VI - preenchimento da Ficha de Notificação Compulsória de violência doméstica, sexual e outras violências; e VII - orientação à vítima ou ao seu responsável a respeito de seus direitos e sobre a existência de serviços de referência para atendimento às vítimas de violência sexual. § 1o A coleta, identificação, descrição e guarda dos vestígios de que tratam as alíneas “e” e “f” do inciso II e o inciso IV do caput observarão regras e diretrizes técnicas estabelecidas pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério da Saúde. § 2o A rede de atendimento ao SUS deve garantir a idoneidade e o rastreamento dos vestígios coletados. Art. 5o Ao Ministério da Justiça compete: I - apoiar a criação de ambiente humanizado para atendimento de vítimas de violência sexual nos órgãos de perícia médico-legal; e II - promover capacitação de: a) peritos médicos-legistas para atendimento humanizado na coleta de vestígios em vítimas de violência sexual; b) profissionais e gestores de saúde do SUS para atendimento humanizado de vítimas de violência sexual, no tocante à coleta, guarda e transporte dos vestígios coletados no exame clínico e o posterior encaminhamento do material coletado para a perícia oficial; e c) profissionais de segurança pública, em especial os que atuam nas delegacias especializadas no atendimento a mulher, crianças e adolescentes, para atendimento humanizado e encaminhamento das vítimas aos serviços de referência e a unidades do sistema de garantia de direitos. Art. 6o Ao Ministério da Saúde compete: I - apoiar a estruturação e as ações para o atendimento humanizado às vítimas de violência sexual no âmbito da rede do SUS; II - capacitar os profissionais e gestores de saúde do SUS para atendimento humanizado; e III - realizar ações de educação permanente em saúde dirigidas a profissionais, gestores de saúde e população em geral sobre prevenção da violência sexual, organização e humanização do atendimento às vítimas de violência sexual. Art. 7o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 13 de março de 2013; 192º da Independência e 125º da República.
DILMA ROUSSEFF José Eduardo Cardozo Alexandre Rocha Santos Padilha Eleonora Menicucci de Oliveira Este texto não substitui o publicado no DOU de 14.3.2013
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A Traumatologia Forense é a área da Medicina Legal que estuda as lesões corporais e estados patológicos decorrentes da ação das diversas formas de energias lesivas sobre o corpo humano. As energias lesivas são energias causadoras de danos e atuam por instrumentos ou meios, podendo ser de diversas naturezas. Nesse sentido, a Traumatologia Forense estuda tanto as lesões como as energias lesivas, bem como as repercussões e implicações médico-jurídicas da ação da violência sobre o corpo humano. Este material didático destina-se ao estudo dos temas mais frequentes da traumatologia forense relacionados à sexologia forense. Dessa forma, este material não tem por objetivo contemplar todos os aspectos da Traumatologia Forense no contexto da Medicina Legal, mas sim estudar as lesões mais frequentes observadas em vítimas de violência sexual, assim como as localizações e os meios ou instrumentos causadores dessas lesões.
CLASSIFICAÇÃO DAS ENERGIAS TRAUMATOLOGIA FORENSE: a) b) c) d) e) f) g)
CAUSADORAS
DE
DANOS
EM
Energias de ordem mecânica; Energias de ordem física; Energias de ordem química; Energia de ordem físico-química; Energia de ordem bioquímica; Energia de ordem biodinâmica; Energia de ordem mista.
Em Medicina Legal e em Sexologia Forense as energias causadoras de danos mais frequentemente observadas são as energias de ordem mecânica. Por esta razão, estas serão as energias objeto de estudo neste material didático.
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ENERGIAS DE ORDEM MECÂNICA: As energias de ordem mecânica são as energias capazes de alterar o estado de repouso ou de movimento de um corpo e produzir lesões em parte ou no todo desse corpo. Os instrumentos ou meios mecânicos produzem lesões devido à transferência parcial ou total de sua energia cinética à região do corpo humano com a qual entram em contato. A energia mecânica responsável pela produção das lesões pode decorrer: a) do impacto de um instrumento em movimento sobre o corpo humano em repouso. Por exemplo, uma pedra que atinge uma pessoa que está em repouso. A pedra neste caso atuou como um meio ativo; b) do impacto do corpo humano em movimento sobre um instrumento em repouso ou estático. Por exemplo, em casos de precipitação, o corpo humano em queda atinge o chão, que atua como meio passivo; c) do impacto do corpo humano e do instrumento, estando ambos em movimento e chocando-se um contra o outro (ação mista). Os meios ou instrumentos mecânicos podem produzir lesões externa e internamente ao corpo humano. Estes meios ou instrumentos são classificados de acordo com o seu mecanismo de ação, a) b) c) d) e) f)
perfurantes; cortantes; contundentes; pérfuro-cortantes; pérfuro-contundentes; corto-contundentes.
Os meios ou instrumentos mecânicos que mais frequentemente produzem lesões corporais observadas nos exames de Sexologia Forense são os contundentes. Os instrumentos ou meios pérfuro-contundentes, na sua maioria das vezes representados por projéteis de arma de fogo, não serão objeto de estudo neste material didático em virtude da peculiaridade de suas características e de não serem relacionados frequentemente às rotinas de exame de violência sexual.
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INSTRUMENTOS OU MEIOS PERFURANTES Os instrumentos ou meios perfurantes possuem forma pontiaguda, fina e muitas vezes apresentam haste alongada. Transferem a energia por meio de sua ponta e agem pressionando e afastando as fibras dos tecidos. Conforme seu diâmetro transverso, eles são classificados em instrumentos de pequeno e médio calibre. São exemplos de instrumentos perfurantes: alfinete, agulha, espinho, pregos, furador de gelo, sovela e florete. As lesões produzidas por esses instrumentos são denominadas feridas punctórias ou punctiformes. Os instrumentos perfurantes de calibre pequeno produzem lesões com forma circular e diâmetro reduzido devido à elasticidade e retração da pele. Geralmente apresentam pouco sangramento na superfície, mas podem ter graves repercussões no interior do corpo, dependendo da região ou órgão atingido ou ainda resultar em processos infecciosos devido à penetração de microorganismos juntamente com o instrumento, por exemplo, a ocorrência de infecções como o tétano. Os instrumentos perfurantes de calibre médio produzem lesões que podem apresentar forma de botoeira (casa de botão) ou aspecto semelhante às lesões produzidas por instrumentos pérfuro-cortantes de dois gumes. Se essas lesões ocorrem em regiões onde as linhas de força têm o mesmo sentido, seu maior eixo apresenta sempre a mesma direção. Quando os instrumentos pérfurocontundentes atingem regiões que apresentam linhas de forças diferentes, as lesões apresentam outras formas, por exemplo, ponta de seta, triangular ou quadrangular.
INSTRUMENTOS OU MEIOS CORTANTES Os instrumentos ou meios cortantes atuam transferindo sua energia por meio de um gume (lâmina) que age por um mecanismo de deslizamento sobre os tecidos. São exemplos de instrumentos cortantes: a navalha, a lâmina de barbear, a lâmina de bisturi, pedaços de vidro, eventualmente folha de papel ou ainda linha impregnada de pó de vidro (cerol).
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As lesões (feridas) produzidas pelos instrumentos cortantes são denominadas incisas e apresentam como principais características: a) b) c) d) e) f) g) h) i)
bordas regulares, que se coaptam quando são reaproximadas; forma linear; ausência de equimoses e escoriações nas suas margens; hemorragia abundante devido à secção de vasos; regularidade no fundo da lesão; predomínio do comprimento (extensão) sobre a profundidade; extremidade inicial mais profunda que a extremidade terminal; cauda de escoriação no sentido terminal da lesão; afastamento das bordas da lesão pela elasticidade natural dos tecidos;
Algumas feridas incisas recebem nomes especiais a depender da região do corpo atingida: a) esgorjamento: lesão cervical anterior ou lateral; b) degolamento: lesão na região cervical posterior; c) esquartejamento: separação do corpo em partes (quartos) por meio de amputação ou desarticulação; d) decapitação: separação da cabeça em relação ao resto do corpo. Tanto a decapitação, quanto o esquartejamento podem ser produzidos por outros instrumentos ou meios de ação, por exemplo, instrumentos cortocontundentes.
INSTRUMENTOS OU MEIOS CONTUNDENTES São os instrumentos ou meios que estatisticamente mais produzem danos. Eles transferem sua energia por meio de um plano ou de uma superfície. Geralmente apresentam forma e volume definidos e seu mecanismo de ação é diverso, podendo ser por pressão, distensão, torção, compressão, descompressão, explosão, de forma combinada (mista), etc. Os instrumentos
ou
meios
contundentes
geralmente
são
sólidos,
mas,
eventualmente, podem ser líquidos ou gasosos. As lesões produzidas por instrumentos ou meios contundentes são denominadas lesões contusas. As lesões contusas mais frequentemente observadas em vítimas de violência sexual são as seguintes: a) Rubefação b) Equimose c) Hematoma d) Edema Traumático
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e) Bossa f) Escoriação g) Ferida Contusa h) Fratura a) Rubefação: é a lesão contusa mais simples. É uma lesão decorrente de uma alteração vascular transitória (vasodilatação, congestão) de uma região do corpo levando a uma hiperemia (vermelhidão) da pele. Neste tipo de lesão não ocorre rotura dos vasos, apenas sua dilatação, devido à ação contundente do trauma, daí a vermelhidão local. Geralmente é de origem contusa, mas pode, eventualmente, ter causas térmicas, químicas ou alterações vasculares e hormonais, não tendo necessariamente, portanto, origem traumática. A rubefação é uma lesão fugaz que pode durar apenas alguns minutos. Portanto, a realização da perícia para a constatação deste tipo de lesão deve ser o quanto antes, pois a rubefação corre o risco de desaparecer entre o tempo decorrido desde o momento da agressão até o exame de corpo de delito. São exemplos de rubefação: lesões hiperemiadas (avermelhadas) na face, membros superiores, membros inferiores, região glútea, etc, decorrentes de tapas, beliscões e empurrões. b) Equimose: é uma lesão decorrente da rotura de capilares e de vasos de pequeno calibre e consequente infiltração sanguínea nos tecidos. As equimoses geralmente são superficiais, mas podem ser profundas. A equimose quando é profunda pode aparecer tardiamente e distante do local onde ocorreu o trauma. Isso ocorre devido ao deslocamento do sangue entre os planos musculares. Frequentemente, as equimoses são confundidas erroneamente com os hematomas. Quando discutirmos o conceito e características dos hematomas (no próximo item) as diferenças entre esses dois tipos de lesões serão estabelecidas. Do ponto de vista da perícia médico-legal, as equimoses são importantes por sugerirem o instrumento causador e o tempo decorrido desde o evento traumático. Dessa forma, as equimoses são elementos importantes para o médico-legista inferir sobre o nexo causal e o nexo temporal durante a realização do exame de corpo de delito. Além disso, a localização de uma equimose sugere a natureza da agressão e sua causa jurídica. Quanto à possibilidade de a equimose sugerir o instrumento causador, isso ocorre porque, às vezes, a ação contundente no corpo da vítima pode deixar a marca ou a forma do instrumento que produziu a rotura dos vasos. Por exemplo, equimoses por sucção produzidas por beijos no pescoço, colo, mamas ou outras regiões erógenas, equimoses em formas de salto de sapato, fivelas de cinto produzidas por esses instrumentos durante uma agressão. Existe um tipo de equimose típico, denominado víbice, produzido por objetos cilíndricos como, por exemplo, bastões e cassetetes. Esse tipo de lesão é caracterizada por duas equimoses longas e paralelas separadas por centro claro. Essa característica é devido ao extravasamento do sangue ocorrer ao lado do traumatismo e não no seu local de impacto.
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Quanto à temporalidade da lesão, como as equimoses apresentam uma mudança de tonalidade conforme a sua evolução, às vezes, é possível estimar o tempo da lesão de acordo com a coloração que a equimose apresenta na pele. Essas características das equimoses ocorrem em todos os indivíduos, mas são mais perceptíveis em pessoas de pele de tonalidade mais clara e são mais precisas quanto mais próximas da data do trauma. É importante ressaltar que a tonalidade das equimoses não é um elemento que define uma data em que a lesão foi produzida, mas pode auxiliar na estimativa do tempo decorrido da lesão. A mudança na tonalidade da equimose durante sua evolução e sua estimativa de tempo decorrido é conhecida como espectro equimótico de Legrand du Saulle e apresenta as seguintes características: a) b) c) d) e) f)
Vermelha no primeiro dia; Violácea do segundo ao terceiro dia; Azul do quarto ao sexto dia; Esverdeada do sétimo ao décimo dia; Amarela no décimo segundo dia; Desaparece entre o décimo quinto e vigésimo dia.
As equimoses da conjuntiva ocular apresentam uma peculiaridade, pois não mudam de tonalidade e persistem avermelhadas até desaparecerem. Essa característica ocorre devido a uma provável maior oxigenação local, que impede a transformação da oxi-hemoglobina. Essa característica é muito importante no momento da realização da perícia, pois a vítima pode apresentar uma equimose vermelha na conjuntiva ocular e uma equimose violácea ou esverdeada na pele da região palpebral e ambas, apesar de terem sido produzidas por um mesmo instrumento contundente simultaneamente, sugerirem tempos de ocorrência diferentes em virtude de suas tonalidades. As equimoses podem apresentar as mais diversas formas. Isso ocorre em virtude de variáveis como, por exemplo, a forma do instrumento e a dinâmica durante o trauma. Algumas equimoses devido a formas e características recebem a seguinte classificação: a)
Sugilação: em forma de grãos de areia;
b) Víbices: em forma de linhas paralelas separadas por centro claro, produzidas c) d)
d)
por objetos cilíndricos, por exemplo, bastões, cassetetes, bengalas, etc; Petéquias: pontilhado hemorrágico; Sufusão: lençol, proporções maiores
Hematoma: o hematoma caracteriza-se pela formação de um acúmulo sanguíneo, devido à rotura de vasos calibrosos e não de capilares ou vasos de pequeno calibre como nas equimoses. Diferentemente das equimoses, o hematoma não se difunde para as malhas dos tecidos moles. Na palpação da região onde se encontra o hematoma, pode-se perceber uma sensação de flutuação.
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O hematoma apresenta absorção mais prolongada que a equimose e, quando ocorre mais superficialmente, possui delimitação relativamente nítida na pele. O hematoma também pode ocorrer em planos teciduais mais profundos no interior de cavidades (tórax, abdome, articulações) ou de parênquimas de determinados órgãos (cérebro, fígado, rins). e)
Edema traumático: decorre de alterações circulatórias de origem traumática, em que há extravasamento de líquido para o espaço extravascular, produzindo elevação da pele. É a elevação do volume da pele decorrente do extravasamento de líquido para o espaço extra-vascular devido a alterações circulatórias de origem traumática local.
f)
Bossa: corresponde a uma coleção de fluídos, seroso ou sangüìneo localizada sobre um plano ósseo superficial, caracterizando-se externamente por uma elevação cutânea. Caracteriza-se por uma coleção de fluidos de origem serosa ou sanguínea localizada sobre um plano ósseo superficial, apresentando-se como uma elevação cutânea. Por exemplo, os traumas de couro cabeludo conhecidos popularmente como “galos”.
d) Escoriação: É uma lesão decorrente do destacamento da epiderme, deixando a derme local exposta, na maioria das vezes pela ação tangencial de um instrumento contundente sobre a pele. Devido à elevada vascularização da derme, com o trauma, ocorre extravasamento de serosidade e sangue. A serosidade inicialmente é líquida e, posteriormente, aumenta sua densidade até ressecar-se, originando uma crosta. Esta crosta, inicialmente de cor castanha, progressivamente vai escurecendo sua tonalidade até desprender-se, deixando uma área (rósea ou branca) com despigmentação que, com o tempo, retorna à pigmentação original. Quando o instrumento ou meio que produziu a escoriação atinge as papilas dérmicas a crosta apresenta natureza sero-hemática ou hemática. Quando não as papilas dérmicas, a crosta será serosa. A escoriação não deixa cicatriz nem marca, pois a derme não foi atingida. A regeneração local se dá por reepitelização. Na escoriação post-mortem não ocorre formação de crosta, pois não havendo circulação não haverá nem serosidade nem sangue. O local da escoriação post-mortem apresenta-se desidratado e descorado As escoriações podem ser classificadas de diversas formas: a) lineares, produzidas por arranhão; b) em pinceladas, produzidas por cascalho; c) em placa, produzidas por asfalto; d) apergaminhadas no sulco do enforcamento; e) ungueais ou arciformes, produzidas por unhas; f) irregulares As escoriações podem fornecer elementos importantes do ponto de vista médicolegal:
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Época em que as escoriações foram produzidas: a partir do exame dos aspectos da lesão, da crosta e da cor relativa ao tempo de reepitelização; Instrumento ou meio que produziu a lesão: a forma do instrumento ou meio que originou a escoriação pode ficar impressa no corpo da vítima. Por exemplo, unhas. Natureza da agressão ou da defesa: a localização da escoriação tem importância no exame da vítima e no suspeito da agressão. Por exemplo, escoriações ungueais em regiões genitais, nas mamas, coxas ou nádegas sugerem violência sexual. Escoriações em região cervical podem sugerir tentativa de homicídio. Escoriações similares em regiões próximas ou mesmo distantes podem sugerir sevícias.
e) Ferida contusa: é uma lesão aberta em que a força do instrumento ou meio contundente rompe a resistência e a elasticidade dos tecidos moles, produzindo solução de continuidade. A ferida contusa pode ser produzida por mecanismos de pressão, compressão, arrastamento, explosão e tração. .Características das feridas contusas: a) b) c) d) e) f) g)
Formas irregulares: estrelada, sinuosa ou retilínea; Bordas irregulares, não se coaptam quando reaproximadas; Margens com escoriações e equimoses; Fundo irregular; Pouco sangramento; Integridade de vasos, tendões e nervos no fundo da lesão; Perda de substância
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e) Fratura: é uma lesão que se caracteriza pela solução de continuidade de ossos e dentes e pode ser causada por trauma direto ou indireto por ação contundente isolada ou ação corto-contundente e pérfuro-contundente. As fraturas classificam-se em: a) b) c) d) e)
Completas: quando dividem o osso em dois ou mais fragmentos; Incompletas: quando o osso não chega a ser dividido. Por exemplo, fratura em “galho verde” que ocorre em crianças; Expostas; quando a fratura se comunica com o exterior por meio de solução de continuidade da pele (feridas cutâneas); Fechadas: quando não ocorre solução de continuidade na pele; Cominutivas: quando ocorrem vários fragmentos ósseos.
Existem outros tipos de lesões contusas, como por exemplo, luxações, entorses, roturas viscerais, etc, que não serão discutidas nesse material didático, pois conforme citado anteriormente, as lesões aqui discutidas serão aquelas mais frequentemente observadas em vítimas de viol6encia sexual.
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INSTRUMENTOS OU MEIOS PÉRFURO-CORTANTES São instrumentos ou meios que possuem ponta e gume e transferem sua energia cinética por meio de um mecanismo de pressão com a ponta e de secção (deslizamento) com o gume (lâmina). Agem, assim, por um mecanismo combinado de ação perfurante e cortante. As lesões produzidas por esses instrumentos são denominadas feridas pérfuro-incisas. Os instrumentos pérfuro-cortantes quando apresentam apenas um gume (faca, canivete) produzem uma lesão em forma de botoeira, com um ângulo agudo, correspondente ao gume, e o outro arredondado. Quando os instrumentos apresentam dois gumes (punhal) produzem uma lesão em forma de fenda com dois ângulos agudos. Se os instrumentos apresentam mais de dois gumes (lima, estoques), a forma da lesão será estrelada, com o número de ângulos proporcional ao número de arestas. Nas feridas pérfuro-incisas, ocorre o predomínio da profundidade sobre a extensão, a lesão pode ser mais profunda que o tamanho da lâmina do instrumento e apresentar eventual sinal de torção do instrumento. A depender do trajeto da lesão, pode haver hemorragias internas de extrema gravidade.
INSTRUMENTOS CORTO-CONTUNDENTES São instrumentos que apresentam grande massa, seja pelo seu próprio peso, seja pela força ativa de quem os utiliza os e que transferem sua energia por meio do gume. Seu mecanismo de ação pode ser por pressão, deslizamento e por percussão. São exemplos de instrumentos corto-contundentes: machado, foice, facão, guilhotina, enxada e, eventualmente, dentes e unhas. As feridas produzidas por esses instrumentos são denominadas cortocontusas e possuem forma variável a depender da região atingida, do tipo do instrumento, do gume (lâmina), do peso e da força que atuante. As bordas são irregulares, há menos sangramento do que nas feridas incisas e não apresentam pontes de tecido íntegro no fundo da lesão, nem cauda de escoriação. As lesões corto-contusas são geralmente graves, atingindo planos profundos e produzindo fraturas.
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Características das lesões: -
bordas irregulares; margens que não se coaptam; sangramento menor que as feridas incisas; não apresentam pontes de tecido no fundo da lesão; não apresentam cauda de escoriação; predomínio de características incisas quando o instrumento tiver o gume mais afiado; predomínio de características contusas nos tecidos quando o gume não for afiado
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Lacerações são lesões traumáticas em que ocorrem separação e/ou fragmentação de tecidos, muitas vezes com perda de massa. No contexto médico-legal, geralmente essas lesões são produzidas por ação cortocontundente. Por exemplo, laceração de mamilo por mordedura.
MORDEDURAS As mordeduras são lesões produzidas por marcas de mordidas produzidas por ação humana ou animal. Quando a mordedura é decorrente da ação humana, a lesão pode apresentar-se de diversas formas a depender da violência empregada, localização no corpo, dentes utilizados, etc. Nos casos de mordeduras com menos violência e força empregada pelo agressor, as marcas de mordida apresentam equimoses e escoriações. Quando a violência utilizada é maior, poderá haver lesões graves, desde feridas contusas a feridas cortocontusas, amputações, mutilações e lacerações em locais como regiões mamária, orelha, etc. As mordeduras são lesões muito importantes do ponto de vista médico-legal, pois fornecem elementos tanto para a identificação do agressor, como para a natureza jurídica do ato (doloso ou simulado). A impressão que a mordedura deixa na pele pode identificar o agressor e a eventual presença de saliva ou material biológico presente na lesão também pode ser utilizado para exame genético visando à identificação do agressor.
LESÕES DE DEFESA Lesões de defesa são lesões encontradas no corpo da vítima em regiões que tipicamente representam uma atitude da vítima de se defender da agressão. Geralmente as lesões de defesa encontram-se na face palmar das mãos, dedos, bordas mediais dos antebraços, ombro, dorso e pés. As lesões de defesa comumente são feridas incisas, pérfuro incisas ou lesões contusas e sugerem, na maioria das vezes, tentativa de homicídio.
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MARCAS DE CONTENÇÃO As marcas de contenção são lesões geralmente contusas (equimoses e escoriações), mas também podem ser representadas por sulcos, produzidos por fios ou cordas, encontradas nos punhos, antebraços e terço distal dos membros inferiores. Essas lesões possuem um significado pericial importante, fornecendo elementos sinalizando que o agressor utilizou para conter ou imobilizar a vítima.
Quadro 1 – Relação entre instrumentos, meios e ações com os tipos de lesões produzidas INSTRUMENTO/MEIO/AÇÃO
LESÂO
Perfurante
Punctória/Puntiforme
Cortante
Incisa
Contundente
Contusa
Pérfuro-Cortante
Pérfuro-Incisa
Pérfuro-Contundente
Pérfuro-Contusa
Corto-Contundente
Corto-Contusa
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Quadro 2: Lesões corporais mais frequentemente observadas em casos de violência sexual REGIÃO CRANIANA
Couro cabeludo Face Olhos Orelhas Boca
Cervical
Externa Interna
Torácica e abdominal
Mamária Membros Superiores
Mãos Membros Inferiores
Genital Anal
POSSÍVEL LESÃO Equimose, escoriação, traumático e ferida contusa.
edema
Fratura (malar, mentoniana e nasal), marcas de mordida, escoriação, equimose facial e edema traumático. Equimose periorbitária (olho roxo) e da esclerótica (hemorragia em esclera) e edema traumático. Equimose, escoriação e edema traumático. Equimose labial, equimose intra-oral, escoriação, marca de mordida, fratura e trauma dentário. Marca de mordida, equimose por sucção, equimose e escoriação. Trauma laríngeo, alteração na voz (rouquidão, disfonia) e dificuldade de deglutição. Equimose, equimose por sucção, escoriação, marca de mordida e (corpos estranhos presentes na pele: terra, graveto, etc). Marca de mordida ou sucção, equimose, escoriação e laceração nos mamilos. Equimose (especialmente nos antebraços e mãos); lesões de defesa, escoriação, edema traumático e fraturas. Equimose, escoriação, edema traumático e fratura. Equimose (especialmente nas faces mediais das coxas); lesões de defesa,escoriação, marca de mordida e edema traumático. Equimose, escoriação, edema traumático e rotura himenal Equimose, escoriação, edema traumático, laceração e dilatação.
*A existência dessas lesões não caracteriza por si a violência sexual, uma vez que podem ser resultantes da prática sexual consentida.
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CONCEITOS Lesão corporal “Toda e qualquer ofensa ocasional à normalidade funcional do corpo ou organismo humano, seja do ponto de vista anatômico, seja do ponto de vista fisiológico ou psíquico.” Nelson Hungria
LEGISLAÇÃO
CÓDIGO PENAL Capítulo II: Das lesões corporais, artigo 129. Lesões corporais: Lesão corporal Artigo 129. Ofender a integridade corporal ou saúde de outrem: Pena: Detenção, de 3 meses a 1 ano. Lesão corporal de natureza grave: § 1º Se resulta: 1) Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias; 2) Perigo de vida; 3) Debilidade permanente de membro, sentido ou função; 4) Aceleração de parto. Pena: Reclusão de 1 a 5 anos. Lesão corporal de natureza gravíssima (essa expressão não está no código): § 2º Se resulta: 1) Incapacidade permanente para o trabalho; 2) Enfermidade incurável; 3) Perda ou inutilização de membro, sentido ou função; 4) Deformidade permanente; 5) Aborto. Pena: Reclusão de 2 a 8 anos. Lesão corporal seguida de morte; § 3º Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena: Reclusão de 4 a 12 anos.
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CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. DO EXAME DO CORPO DE DELITO, E DAS PERÍCIAS EM GERAL Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Art. 159. Os exames de corpo de delito e as outras perícias serão feitos por perito oficial. § 1o Não havendo perito oficiail, o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior, escolhidas, de preferência, entre as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do exame. § 2o Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo. Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que examinarem, e responderão aos quesitos formulados. Parágrafo único. O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de 10 (dez) dias, podendo este prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento dos peritos. Art. 161. O exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e a qualquer hora. Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. Art. 168. Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-á a exame complementar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor. § 1o No exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim de suprir-lhe a deficiência ou retificá-lo. § 2o Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1o, I, do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de 30 (trinta) dias, contado da data do crime. § 3o A falta de exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhal. Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade Art. 170. Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas. Art. 178. No caso do art. 159, o exame será requisitado pela autoridade ao diretor da repartição, juntando-se ao processo o laudo assinado pelos peritos. Art. 179. No caso do § 1o do art. 159, o escrivão lavrará o auto respectivo, que será assinado pelos peritos e, se presente ao exame, também pela autoridade. Parágrafo único. No caso do art. 160, parágrafo único, o laudo, que poderá ser datilografado, será subscrito e rubricado em suas folhas por todos os peritos. Art. 180. Se houver divergência entre os peritos, serão consignadas no auto do exame as declarações e respostas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará um terceiro; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar proceder a novo exame por outros peritos. Art. 181. No caso de inobservância de formalidades, ou no caso de omissões, obscuridades ou contradições, a autoridade judiciária mandará suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo.
16 Parágrafo único. A autoridade poderá também ordenar que se proceda a novo exame, por outros peritos, se julgar conveniente. Art. 182. O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte. Art. 183. Nos crimes em que não couber ação pública, observar-se-á o disposto no art. 19. Art. 184. Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.
EXAME DE LESÕES CORPORAIS Neste exame, o perito médico-legista deverá constatar ou não a existência de lesão corporal. Uma vez constatada a lesão, o perito deverá descrevê-la, relatando suas características, a natureza do agente vulnerante, localização e consequências, além de. determinar o nexo de compatibilidade entre o instrumento ou meio utilizado relatado pela vítima e a lesão observada, bem como o nexo temporal entre o histórico relatado pela vítima e as características cronológicas da lesão. ANAMNESE E EXAME – HISTÓRIA O perito médico-legista deverá estabelecer um vínculo de respeito, confiança e empatia com a vítima, uma vez que ela se encontra fragilizada. A entrevista deverá ser realizada em ambiente adequado, com privacidade, atenção, tempo e paciência, devendo o médico explicar todos os procedimentos que serão realizados, respeitando-se a autonomia da vítima. O perito médico-legista deverá saber: O que ocorreu? Para saber que tipo de vestígio tal infração deixa e, assim, saber o que procurar. Quando ocorreu? Saber se a agressão é recente ou não. A perícia realizada logo após a infração tem chances reais de encontrar vestígios, e, quanto mais distante do crime, menor as chances de serem encontrados vestígios. EXAME Realizar exame físico completo da vítima com a finalidade de se constatar vestígio de ofensa à sua integridade corporal, ou à sua saúde, provocada por ação de energias vulnerantes. Atentar cuidadosamente para as informações fornecidas pela vítima referentes à agressão física e a possíveis locais em seu corpo com presença de material biológico deixado pelo agressor. Recomenda-se agrupar as lesões conforme sua classificação, descrevendo-as em sua localização, tamanho, número e forma, no sentido craniocaudal, medial para lateral e de anterior para posterior. Descrever todas as lesões observadas, mesmo que não se relacionem ao evento em apuração. Avaliar as repercussões funcionais, transitórias ou permanentes, provocadas pela ação vulnerante no funcionamento do organismo do lesionado, a restrição de movimentos, a presença de hipotrofias musculares, as assimetrias, a utilização de órteses e/ou próteses e alterações da marcha. Deve-se ilustrar com fotografias e/ou gráfico(s) as lesões encontradas.
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ESTRUTURA BÁSICA DO LAUDO O Laudo Médico Legal de Lesão Corporal deve conter os seguintes itens: Preâmbulo: devem constar a hora, o dia, o mês, o ano e a cidade em que a perícia é realizada, o nome da autoridade requisitante do exame, o Médico-Legista incumbido da perícia, o nome do Diretor do IML que designou o perito, o nome do exame solicitado e a qualificação do periciando. Quesitos: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.
Houve ofensa à integridade corporal ou à saúde do (a) periciando(a)? Qual instrumento ou meio que a produziu? A ofensa foi produzida com o emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel? Resultou perigo de vida? Resultou incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta (30) dias? Resultou debilidade permanente de membro, sentido ou função, ou aceleração do parto? (resposta especificada) Resultou incapacidade permanente para o trabalho, ou enfermidade incurável, ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função, ou deformidade permanente, ou aborto? (resposta especificada).
Histórico: anotar o que o periciando relata sobre o que, como e quando ocorreu. Usar as próprias palavras do periciando. Este item serve como norteador para a perícia, visto que orientará o estabelecimento dos nexos causal e temporal entre as alterações encontradas e o delito em apuração. Descrição: descrever, pormenorizadamente, todas as lesões encontradas, suas características, topografia, número e suas repercussões no funcionamento do organismo. Deve-se utilizar a terminologia anatômica. As lesões que não guardam relação ao fato delituoso, quando existirem, serão descritas à parte. Discussão: estabelecer nexo causal entre os achados do exame e o delito em apuração. Anotar todos os exames e relatórios médicos trazidos pelo periciando indicando o nome e o CRM do médico. Caracterizar as lesões que produzem sequelas e enquadrá-las nos termos do texto dos quesitos. As lesões que não guardam relação com o evento em apuração devem ser elencadas, excluindo-se seu nexo causal com o evento. Informar a necessidade de exame complementar, sua data e finalidade, no intuito de concluir e responder a quesitos que não puderam ser respondidos no presente exame. Conclusão: informar de forma sintética a natureza das lesões encontradas, se elas estão em evolução e quando cicatrizadas se deixaram sequelas. Concluir com o termo “aguardar” quando se solicitou exames ou relatórios médicos para reunir elementos necessários para concluir a perícia. Respostas aos quesitos: o perito responde aos quesitos com os seguintes termos: SIM (quando tem convicção de que ocorreu o que o quesito pergunta); NÃO (quando tem convicção de que não ocorreu o que o quesito pergunta); SEM ELEMENTOS (quando não tem convicção para responder nem sim, nem não ao que o quesito pergunta); PREJUDICADO (quando a pergunta que o quesito faz não se aplica àquela situação, ou quando a resposta anterior prejudica a resposta do quesito seguinte); AGUARDAR (quando depende de exame laboratorial, da juntada de documentos médicos ou da evolução da lesão, para reunir os elementos necessários para responder ao quesito).
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Referências bibliográficas ALCÂNTARA, H. R. - "Perícia Médica Judicial", 2ª edição, Ed. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2006. BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Procedimento Operacional Padrão PERÍCIA CRIMINAL - Exame de Lesões Corporais, 2013. BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Procedimento Operacional Padrão PERÍCIA CRIMINAL - Preservação e envio de vestígios biológicos, 2013. CROCE, Delton e CROCE JÚNIOR, Delton - "Manual de Medicina Legal", Editora Saraiva, São Paulo, 2004. FILHO, Aluísio Trindade – “Apostila de Genética Forense”, Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, 2005. FRANÇA, Genival Veloso de - "Medicina Legal", 7ª edição, Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro, 2004. GOMES, Hélio - "Medicina Legal". 33ª edição. Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 2004. HERCULES, Hygino de C. – “Medicina Legal Texto e Atlas”, Editora Atheneu, São
INTRODUÇÃO Sexologia Forense é o estudo dos problemas médicos-legais relacionados ao sexo. São objetos de estudo da sexologia forense todos os fenômenos ligados à esfera sexual e suas implicações no âmbito jurídico. No caso de crimes sexuais, o trabalho pericial tem o objetivo de descobrir vestígios materiais desses crimes para a produção da prova técnica de que ocorreu a infração. O trabalho do perito consiste em encontrar e relatar os sinais deixados pelo crime na vítima e estabelecer o nexo causal entre os vestígios e o crime que está sendo investigado. EPIDEMIOLOGIA A violência sexual é um fenômeno universal, no qual não há restrição de sexo, idade, etnia ou classe social, (que ocorreu no passado e ainda ocorre), e que sempre ocorreu em diferentes contextos ao longo da história da humanidade. Prevalência global 2 a 5%, incidência de 12 milhões de vítimas a cada ano. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editors. World report on violence and health. Geneva:World Health Organization; 2002. Dados nacionais indicam uma média diária de 21,9 mulheres procurando atendimentos em serviços de saúde por violência sexual e 14,2 mulheres/dia notificadas como vítimas de estupro. Datasus 2004 (http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/tabnet/dh? sinannet/violência/bases/testbrnet_001.def,) A maior prevalência é em crianças, adolescente e mulheres jovens.
Bureau of Justice Statistics. 2000. http://www.bjs.gov/content/pub/pdf/saycrle.pdf
Brasil, serviço de referência para mulheres vítimas de violência sexual
Idade: ≤ 19 anos: 47% > 19 anos: 53% Facuri e cols,. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 29(5):889-898, mai, 2013 Os crimes de violência sexual são sub-notificados, pois geram constrangimento, vergonha, sofrimento e, frequentemente, revitimização. Estima-se que somente 10 a 20% dos casos sejam denunciados. Entre as vítimas, há 2 sub-populações, com as seguintes características: 1. Agredidas por conhecido (frequentemente intra-familiar), faixa etária mais jovem (crianças e adolescentes), menor taxa de procura por auxílio, maior número de atos praticados; 2. Agredidas por estranho, faixa etária mais elevada, maior associação com agressão física, maior taxa de denúncia e procura por auxílio. É um crime que pode deixar poucos vestígios, especialmente contra crianças e adolescentes. DANOS CAUSADOS PELO ABUSO SEXUAL Consequências físicas imediatas: Gravidez; Infecções do trato genital; Doenças sexualmente transmissíveis. Distúrbios emocionais: Depressão; Pânico; Somatização; tentativa de suicídio; abuso e dependência de substancias psicoativas. Basile KC, Smith SG. Sexual violence victimization of women: prevalence, characteristics, and the role of public health and prevention. Am J Lifestyle Med 2011; 5:407-17. LEGISLAÇÃO Código Penal Estupro • Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: • Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. • § 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão de 8 (oito) a 12 (doze) anos § 2º Se da conduta resulta a morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
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Estupro de vulnerável Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos § 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. § 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4º Se da conduta resulta a morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos
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Violação sexual mediante fraude Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima: Pena- reclusão, de 2(dois) a 6 (seis) anos.
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Art. 218 Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem:
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Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
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Ação penal Art. 225.Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação. Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 anos ou pessoa vulnerável. Art. 234-B. Os processos em que se apuram crimes definidos neste Título correrão em segredo de justiça.
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Dos crimes sexuais contra vulnerável Art. 218. Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: Pena- reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
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Art.234-A. Nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada: III- de metade, se do crime resultar gravidez; e IV- de um sexto até a metade, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível
CONJUNÇÃO CARNAL Conjunção carnal é a penetração do pênis na vagina, total ou parcialmente, podendo ocorrer ou não a ejaculação. Achados na conjunção carnal. a) b) c) d)
Rotura himenal Presença de espermatozoides na vagina Presença de material biológico de origem masculina no conteúdo vaginal Presença de fosfatase ácida prostática e ou de PSA (Antígeno Prostático Específico) no conteúdo vaginal e) Gravidez ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL Qualquer prática diversa da conjunção carnal por meio da qual o indivíduo de um ou de outro sexo procure satisfazer a sua libido. Exemplos: coito anal, sexo oral, toques, apalpações e manipulações em regiões erógenas, beijos lascivos, etc.
ANATOMIA GENITAL FEMININA Os genitais externos são formados pelos grandes lábios, pequenos lábios, clitóris, vestíbulo, hímen e vagina. Hímen: prega mucosa que separa a vulva da vagina. Formas mais comuns: anular ou semilunar, mas pode ser também imperfurado, septado, cribiforme ou outras formas ainda menos comuns. Vestíbulo é o espaço compreendido entre os pequenos lábios. Orla é a distância que existe entre a borda livre até a inserção da parede vaginal. A borda livre delimita o óstio, ou seja, o orifício central.
ANAMNESE E EXAME – HISTÓRIA O perito médico-legista deverá estabelecer um vínculo de respeito, confiança e empatia com a vítima, uma vez que ela se encontra fragilizada. A entrevista deverá ser realizada em ambiente
adequado, com privacidade, atenção, tempo e paciência, devendo o médico explicar todos os procedimentos que serão realizados, respeitando-se a autonomia da vítima.
O perito médico-legista deverá saber: O que ocorreu? Para saber que tipo de vestígio tal infração deixa e, assim, saber o que procurar. Quando ocorreu? Saber se a agressão é recente ou não. A perícia realizada logo após a infração tem chances reais de encontrar vestígios, e, quanto mais distante do crime, menor as chances de serem encontrados vestígios. EXAME FÍSICO Realizar exame físico completo, atentando-se cuidadosamente para as informações fornecidas pela pessoa em situação de violência referentes à agressão física e a possíveis locais em seu corpo com presença de material biológico deixado pelo agressor. Recomenda-se agrupar as lesões encontradas conforme sua classificação, descrevendo-as detalhadamente em sua localização, tamanho, número e forma, no sentido craniocaudal, medial para lateral e de anterior para posterior. Descrever todas as lesões observadas, mesmo que não se relacionem ao evento em apuração.
TÉCNICA DO EXAME – CONJUNÇÃO CARNAL No caso de a vítima ser do sexo feminino, e que haja suspeita de ter ocorrido conjunção carnal, coloca-se a vítima em posição ginecológica e realiza-se o exame das lesões macroscopicamente visíveis, o exame das mamas e do abdome, em especial a pelve. Para o exame correto do hímen, seguram-se os grandes e pequenos lábios entre as extremidades dos polegares e dos dedos médios, puxando-os para fora e para cima, de modo que se exponha inteiramente o hímen. Procede-se, a seguir, o exame da região anal e de outras possíveis regiões que tenham sido sede da prática libidinosa, descrevendo-se as lesões, sua sede, tamanho, número, forma e posição. ACHADOS HIMENAIS NO EXAME DE CONJUNÇÃO CARNAL Hímen íntegro Bordas himenais íntegras e contínuas Rotura completa recente Solução de continuidade que atinge a parede vaginal cujas bordas himenais apresentam edemaciadas, avermelhadas, sangrantes, depois são recobertas por fibrina, ficam espessas e esbranquiçadas, posteriormente tornam-se róseas, contendo tecido de granulação e, finalmente, cicatrizam-se. Rotura completa cicatrizada Solução de continuidade que atinge a parede vaginal cujas bordas himenais são iguais ás demais porções do bordo livre do hímen.
Rotura incompleta A solução de continuidade não atinge a parede vaginal. Pode apresentar característica de rotura recente ou cicatrizada. Hímen dubitativo ou complacente É a expressão usada para caracterizar situações que não fornecem ao perito elementos de convicção para responder se houve ou não conjunção carnal. Ocorre quando o óstio é muito amplo e a orla é elástica e em casos (em que) quando o perito não pode distinguir entre um entalhe congênito ou uma rotura incompleta cicatrizada. Carúnculas mirtiformes São encontradas nas mulheres que já deram a luz via vaginal. Sãos pequenos brotos ou pontos cicatriciais situados na região do hímen. ACHADOS DE ATOS LIBIDINOSOS DIVERSOS DA CONJUNÇÃO CARNAL A condução da perícia dependerá das práticas empregadas para a realização do ato libidinoso. Deverá ser examinado cada local do corpo da vítima buscando encontrar vestígios que o ato pode ter deixado. Descrever lesões do tegumento que podem ser consequência da violência empregada e dos atos libidinosos nas zonas erógenas. EXAME DE COITO ANAL No caso de suspeita de coito anal, coloca-se a vítima em posição genopeitoral e realiza-se o exame das lesões macroscopicamente visíveis, em especial das regiões perianal e anal, descrevendo-se as lesões, sua sede, tamanho, número, forma e posição. Atentar-se para descrever achados decorrentes da penetração do pênis: escoriações, equimoses, edema, laceração da mucosa, com sangramento ou tecido de granulação, dependendo da data do evento. Deve-se ilustrar com desenhos e/ou gráficos as lesões encontradas no exame físico e, se houver autorização por escrito da pessoa em situação de violência, com fotografias.
COLETA DE MATERIAL BIOLÓGICO PARA EXAMES DE DNA A coleta de material biológico (amostra de referência da vítima e vestígios) é extremamente importante para a identificação do(a) agressor(a) por meio de exames de DNA. A pessoa em situação de violência, seu familiar ou responsável legal deverá consentir e assinar o Termo de Consentimento Informado (anexo A) antes de a coleta de material biológico ser realizada. A coleta do material biológico no corpo da vítima deve ser realizada o mais rapidamente possível a partir do momento da agressão sexual. A possibilidade de se coletar vestígios biológicos em quantidade e qualidade suficientes diminui com o passar do tempo, reduzindo significativamente após 72 horas da agressão. O(a) médico(a) responsável pela coleta deve estar ciente da possibilidade de haver vestígios do(a) agressor(a) não somente nas regiões genital e anal, mas também em outras locais do corpo da vítima, como, por exemplo, regiões mamárias e perioral, e ainda em objetos e roupas. Durante a coleta, deve-se assegurar que o material coletado não seja contaminado com outros materiais biológicos presentes no ambiente ou pelo DNA da pessoa que coletou a amostra. Deverão ser utilizadas luvas descartáveis, máscara e outros materiais e instrumentos esterilizados como, por exemplo, swab, pinça, tesoura etc.
Coleta
I – Coleta de vestígios Material: Secreção vaginal A coleta de secreção vaginal para pesquisa de espermatozoide e exame de DNA deve ser feita com a vitima em posição ginecológica. Deve-se priorizar a coleta de secreções e não da parede mucosa. Recomenda-se a utilização de espéculo, preferencialmente descartável, sem a presença de materiais lubrificantes. A coleta deverá ser realizada utilizando-se, pelo menos, quatro swabs esterilizados, de haste longa e flexível. Se possível, os swabs deverão ser passados
simultaneamente, de dois em dois, lado a lado, a fim de que as amostras tenham maior similaridade entre si. Os swabs deverão ser numerados pela ordem de coleta, sendo que o 1° e 2° deverão ser destinados para exame de DNA e o 3° e 4° deverão ser destinados para teste de triagem para detecção da presença de sêmen (PSA, Seminogelina, etc.) e pesquisa de espermatozoides. O material coletado poderá ser mantido nos swabs e/ou transferido para outros suportes:
A secreção coletada nos swabs destinados ao exame de DNA poderá
ser transferida imediatamente para dois papéis filtro. A secreção coletada nos swabs destinados
à
pesquisa
de
espermatozoides poderá ser transferida imediatamente, antes da secagem, para lâminas vítreas, e fixada conforme rotina local estabelecida (hematoxilina eosina, álcool 96,1% etc). Material: Secreção anal A coleta de secreção anal pode ser feita tanto em posição genopeitoral ou ginecológica. Deve-se atentar para a possibilidade de haver secreção não apenas na região anal, mas também na região perianal e períneo. Para coleta de material da cavidade anal, introduzir um ou se possível, dois swabs umedecidos com água destilada, por vez no canal anal, preferencialmente em movimentos rotatórios. Os swabs deverão ser numerados pela ordem de coleta, sendo que o 1° e 2° deverão ser destinados para exame de DNA e, caso seja possível, o 3° e 4° deverão ser destinados para teste de triagem para detecção da presença de sêmen (PSA, Seminogelina, etc.) e pesquisa de espermatozoides. O material coletado poderá ser mantido nos swabs e/ou transferido para outros suportes:
A secreção coletada nos swabs destinados ao exame de DNA poderá
ser transferida imediatamente para dois papéis filtro. A secreção coletada nos swabs destinados
à
pesquisa
de
espermatozoides poderá ser transferida imediatamente, antes da secagem, para lâminas vítreas, e fixada conforme rotina local estabelecida (hematoxilina eosina, álcool 96,1% etc).
Material: Sêmen, secreções e ou fluídos depositados na pele ou em outras regiões do corpo Em casos de suspeita de deposição de sêmen, secreções ou fluidos biológicos (saliva, sêmen, sangue, etc) em outras áreas do corpo da vítima como, por exemplo, face, lábios, tórax, abdome, coxa, períneo ou regiões com mordida(s), esses locais também deverão ser submetidos à coleta. Nestas situações, o procedimento será o mesmo anteriormente mencionado, com a utilização de swab previamente umedecido em água destilada. Os swabs deverão ser passados levemente na região onde puder ser visualizado o material ou, se não houver a visualização, onde houver o relato de deposição do material. Caso a coleta ocorra na cavidade oral, não é necessário umedecer previamente o swab. Deve ser priorizada a coleta da eventual secreção observada. O sêmen e os espermatozoides tendem a se depositar nos espaços entre os dentes inferiores e a gengiva. Para a coleta neste caso, passar o swab seco entre os dentes inferiores. Os swabs deverão ser numerados pela ordem de coleta, sendo que o 1° e 2° deverão ser destinados para exame de DNA e, caso seja possível, o 3° e 4° deverão ser destinados para teste de triagem para detecção da presença de sêmen (PSA, Seminogelina, etc.) e pesquisa de espermatozoides. Material: vestígio subungueal Nos casos de suspeita ou relato de ter havido luta corporal entre o(a) agressor(a) e a vítima, deverá ser coletado material subungueal (sob as unhas) dos dedos da vítima a fim de se buscar detectar material biológico do(a) agressor(a). A coleta deverá ser realizada utilizando-se, pelo menos, dois swabs esterilizados. Para facilitar o procedimento, umedecer levemente os swabs com água destilada e, em seguida, proceder à coleta, passando o swab na região subungueal de cada dedo. Deve-se utilizar um swab para cada mão, com a respectiva identificação de mão direita e esquerda. Em caso de utilização de mais de um swab por mão, numerar os swabs por ordem de coleta.
Material: cabelo e pelo Se durante o exame físico for constatada a presença de cabelo(s) e/ou pelo(s) com características diversas aos da vítima, o(a) médico(a) deverá coletá-lo(s) com utilização de pinça esterilizada.
Material: vestes e objetos com possível presença de sêmen e/ou outros fluídos biológicos Se for constatada ou houver relato de presença de sêmen e/ou outros fluídos biológicos em vestes e/ou objetos trazidos pela vítima, estes deverão ser coletados.
2 - Amostra de referência: Coleta de amostra da vítima. Material: células de mucosa oral O material coletado da mucosa oral da vitima servirá como padrão genético de comparação com o vestígio coletado no seu corpo. A coleta deverá ser realizada utilizando-se, pelo menos, dois swabs esterilizados, de haste longa e flexível. O procedimento consiste em friccionar o swab contra as paredes internas de cada bochecha em movimentos como se estivesse raspando/girando nas superfícies mucosas. Recomenda-se que se friccione o mesmo swab dez vezes em cada uma das bochechas. Caso o serviço utilize papel filtro como suporte para este tipo de material, a secreção coletada deverá ser transferida imediatamente, após a coleta, para os respectivos papéis filtro.
Secagem, acondicionamento, armazenamento e transporte Após a coleta, deve-se deixar os swabs secarem à temperatura ambiente (menor ou igual a 25ºC), protegidos da luz solar e de fontes de contaminação biológica. Na sequencia devem ser acondicionados em porta-swabs ou em suas embalagens de origem, dentro de envelopes de papel ou de recipientes secos
apropriados, lacrados, identificados em etiquetas impermeáveis, contendo as devidas informações pertinentes ao caso: as iniciais do nome da vítima, data e hora da coleta, tipo de amostra, responsável pela coleta e nomes dos integrantes da equipe de saúde que tiveram contato com o material coletado. O armazenamento dos swabs deverá ser sob congelamento em embalagens plásticas apropriadas às condições de temperatura e umidade que impeçam extravasamentos. Caso não seja possível o congelamento imediato, o armazenamento deverá ser feito sob refrigeração (média de 4º C) por, no máximo, 48 horas e após esse período congelar. No caso de os vestígios serem coletados em swabs e transferidos para papel filtro, estes poderão, após a secagem, ser acondicionados em envelopes de papel ou em recipientes secos apropriados. Os recipientes deverão ser lacrados, identificados em etiquetas impermeáveis, contendo as devidas informações pertinentes ao caso: as iniciais do nome da vítima, bem como data e hora da coleta, tipo de amostra, responsável pela coleta e nomes dos integrantes da equipe de saúde que tiveram contato com o material coletado. O armazenamento poderá ser feito em envelope de papel, em temperatura ambiente (menor ou igual a 25ºC) e em condições de umidade que não afetem sua preservação. O material biológico úmido coletado, seja em swab seja em papel filtro, nunca deverá ser acondicionado diretamente em sacos plásticos. Se o material coletado for veste ou objeto trazido pela vítima, também deverão ser seguidos os procedimentos de secagem, acondicionamento e congelamento. Após a secagem, o material deverá ser acondicionado em envelopes de papel, não devendo ser utilizados sacos plásticos. A coleta, secagem, acondicionamento, armazenamento e transporte do material biológico deverão seguir padronização específica, a fim de que se garanta sua segurança e rastreabilidade. Preservação Os vestígios biológicos e amostras de referência coletados deverão ser preservados de forma a garantir a integridade de seu material genético. Para isso, deve ser evitado que o material biológico coletado seja exposto à luz solar, a substâncias
químicas
e
a
condições
microorganismos, tais como umidade e calor.
que
favoreçam
o
crescimento
de
Orientações para guarda e transporte de vestígios
Em razão da natureza do material coletado (em swab/papel filtro), a estrutura necessária para sua guarda requer apenas um espaço para manuseio (bancada e pia) e acondicionamento (congelador e armário). A guarda do material coletado exige mecanismos de segurança, como controle rigoroso do acesso à sala de armazenamento, que deverá ser mantida trancada. Garantir que todos os materiais sejam embalados e que estejam seguros e à prova de adulteração, apenas pessoal autorizado deve ser encarregado do material. Como ainda não existem normas legais para o prazo de descarte do material, recomenda-se seu armazenamento por tempo indeterminado. O descarte só poderá ser feito mediante autorização judicial. Registrar o manuseio do material a partir da sua coleta: detalhes de transferência entre instituições também devem ser registrados. As autoridades locais deverão estabelecer protocolos para o registro dessas informações e fluxos de transferência de material. Documentar os itens coletados em lista pormenorizada nos prontuários ou registros médicos dos pacientes, bem como detalhes de quando, para quem e como o material foi transferido.
LAUDO PERICIAL A perícia é solicitada pela autoridade competente quando há suspeita de que um delito sexual tenha sido praticado. O trabalho do perito consiste em encontrar os sinais deixados pelo crime e estabelecer o nexo causal entre os vestígios e o crime que está sendo investigado. De acordo com Código de Processo Penal, os peritos devem elaborar o laudo pericial, onde devem descrever minuciosamente o que examinaram e responder aos quesitos formulados. ESTRUTURA BÁSICA DO LAUDO O Laudo Médico Legal de Práticas Libidinosas deve conter os seguintes itens: Preâmbulo: devem constar a hora, o dia, o mês, o ano e a cidade em que a perícia é realizada, o nome da autoridade requisitante do exame, o Médico Legista incumbido da perícia, o nome do Diretor do IML que designou o perito, o nome do exame solicitado e a qualificação da(o) pericianda(o). Quesitos: São utilizados os quesitos de cada unidade da federação. Entretanto, como não há padronização dos quesitos no Brasil para atender a legislação atual, sugerem-se os seguintes quesitos. 1. Houve conjunção carnal que possa ser relacionada ao delito em apuração? 2. Houve outro ato libidinoso que possa ser relacionado ao delito em apuração? 3. Houve violência para essa prática? 4. Qual o meio dessa violência? 5. Da conduta resultou para o(a) periciando(a): incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta (30) dias, ou perigo de vida, ou debilidade permanente de membro, sentido ou função, ou aceleração do parto, ou incapacidade permanente para o trabalho, ou enfermidade incurável, ou perda ou inutilização de membro, sentido ou função, ou deformidade permanente, ou aborto? (resposta especificada) 6. Tem o(a) periciando(a) idade menor de 18 e maior de 14 anos? 7. É o(a) periciando(a) menor de 14 anos? 8. Tem o(a) periciando(a) enfermidade ou deficiência mental? 9. O(A) periciando(a), por qualquer outra causa não pode oferecer resistência?
10. Da conduta resultou gravidez? 11. O agente transmitiu para o(a) periciando(a) doença sexualmente transmissível? Histórico: anotar o relato do(a) periciando(a) sobre o que, como e quando ocorreu. Inquirir se foi feita higienização da região onde houve a prática libidinosa. Usar as próprias palavras do(a) periciando(a). Este item serve como norteador para a perícia, visto que orientará o estabelecimento dos nexos, causal e temporal, entre os vestígios encontrados e o delito em apuração. Quando a suposta vítima for do sexo feminino e houve a prática de conjunção carnal, perguntar se houve ejaculação, se houve uso de preservativo pelo agressor, quando foi sua última conjunção carnal consentida (a conjunção carnal consentida próximo ao evento, também deixa vestígios), se nesta relação houve uso de preservativo, quando foi sua última menstruação, se usa anticoncepcional, quando foi a última menstruação. Registrar outros atos libidinosos praticados, como foram realizados, se houve ejaculação, onde ejaculou, se a vítima se lavou depois do delito. Descrição: Deve-se pesar e medir o (a) periciando(a), informar sua idade, verificar seu estado nutricional e compleição física, informar se há alguma deficiência física ou mental e verificar a presença de vestígios de emprego de violência efetiva. Descrever, pormenorizadamente, todas as lesões encontradas, suas características, topografia, número e suas repercussões no organismo do(a) periciando(a). Deve-se utilizar a terminologia anatômica. As lesões que não guardam relação ao fato delituoso, quando existirem, serão descritas à parte. Se a possível vítima for do sexo feminino, examinar sua região genital descrevendo o seu desenvolvimento e características. Com relação ao hímen, anotar sua forma, sua orla, seu óstio (exíguo, moderado ou amplo) sua borda (se é íntegra e contínua) e, se houver rotura, dizer suas características (parcial ou total, recente ou cicatrizada). Se a prática consistir de outro ato libidinoso, examinar se há vestígio, dessa prática, no local onde ocorreu, tal como presença de equimose, laceração, depósito de material suspeito de ser sêmen, etc. Informar se há alguma deficiência física, se há sinais de debilidade mental. Verificar se há vestígio de emprego de violência Discussão: Neste tópico o perito deverá estabelecer o nexo causal entre o encontro de possíveis vestígios e o delito em apuração É na discussão que o perito fundamenta seu laudo e descreve as limitações encontradas. Quando o perito coletar amostras para realizar exames de laboratório para pesquisar vestígios da prática libidinosa, informar que fez essa coleta e que aguarda o resultado dos exames para concluir a perícia e responder aos quesitos. Neste caso, a conclusão temporária do exame será: Aguardar os resultados dos exames solicitados. As respostas, aos quesitos, será feita com o termo: Aguardar. Dessa forma o laudo será encaminhado à autoridade requisitante do exame,
no prazo de até dez dias, conforme estabelecido no CPP art. 160. Quando o perito receber os resultados dos exames solicitados fará, em laudo complementar, a conclusão definitiva da perícia e as respostas aos quesitos. Nos casos em que houve a prática libidinosa consentida e a seguir a prática libidinosa delituosa e o perito dispõe somente dos exames de pesquisa de espermatozoides e dosagem do PSA e um destes ou os dois foram positivos, relatar que apenas com esses exames não é possível dizer de quem são os vestígios encontrados, e que por isso não tem elementos para concluir se houve a prática libidinosa delituosa. Quando a pericianda for portadora de hímen complacente e foi vítima de prática delituosa de conjunção carnal e o agressor usou preservativo e não foi possível encontrar nenhum vestígio da prática libidinosa, o perito deverá informar que o hímen complacente permite a penetração do pênis na vagina sem se romper, e que neste caso não tem elementos para afirmar se houve ou não a conjunção carnal delituosa. Conclusão: A conclusão do laudo será sintética e esclarecedora, da seguinte forma: Presença de vestígio de prática libidinosa, ou Ausência de vestígio de prática libidinosa (só interessa à lei as práticas libidinosas delituosas), ou Sem Elementos para afirmar ou negar que houve a prática libidinosa (os vestígios desapareceram ou não foram encontrados), ou Exame Prejudicado, quando, por qualquer razão, não foi possível realizar o exame (como na recusa da vítima em fazê-lo), ou Aguardar, quando se solicitou exame laboratorial para pesquisar vestígio de prática libidinosa. Respostas aos quesitos: O perito responde aos quesitos com os seguintes termos: SIM (quando tem convicção de que ocorreu o que o quesito pergunta); NÃO (quando tem convicção de que não ocorreu o que o quesito pergunta); SEM ELEMENTOS (quando não tem convicção para responder nem sim, nem não ao que o quesito pergunta); PREJUDICADO (quando a pergunta que o quesito faz não se aplica àquela situação, ou quando a resposta anterior prejudica a resposta do quesito seguinte); AGUARDAR (quando depende do resultado de exame laboratorial). QUESITOS DA PERÍCIA DE VIOLÊNCIA SEXUAL Os quesitos de um laudo são formulados de modo a materializar, ou não, aquele crime que se está investigando.
Entre os delitos de natureza sexual previstos no código penal, o artigo 213 define o estupro: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena é aumentada se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: O artigo 217 – A define estupro de vulnerável: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos e o inciso 1º tipifica, além da idade menor de 14 anos, outras situações de vulnerabilidade: “enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”. Nos crimes de violência sexual, as penas são aumentadas “se do crime resultar gravidez e se o agente transmitiu doença sexualmente transmissível”. Em um laudo pericial, deve haver as informações que esclarecerão se houve ou não o crime investigado e se há ou não a presença de qualificadores destes crimes. Os quesitos do laudo pericial são próprios de cada estado da federação, havendo variações entre os quesitos dos diferentes estados. Há estados em que se adota um único laudo para os crimes sexuais e há outros estados que possuem um laudo para o exame da conjunção carnal e outro para ato libidinoso diverso da conjunção carnal. O importante é o laudo conter as informações que darão elementos para a materialização do crime e as qualificadoras, que implicarão o aumento das penas. Sendo assim, a perícia deve esclarecer os seguintes aspectos: 1. Se houve conjunção carnal e/ou outro ato libidinoso praticados contra a vontade da vítima. 2. Se o agressor usou de violência. 3. Se da violência resultou para a vítima lesão corporal de natureza grave, ou se a vítima é menor de 18 anos ou maior de 14 anos, 4. Se a vítima é tipificada como vulnerável: a. Menor de 14 anos b. Com enfermidade ou deficiência mental, não tendo o necessário discernimento para a prática do ato, c.
ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
5. Se do crime resultou gravidez 6. Se o agente transmitiu à vítima doença sexualmente transmissível DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS (DST) E VIOLÊNCIA SEXUAL A pena é aumentada com a transmissão de DST Dificuldades encontradas pelo perito: Doença prévia ao abuso
É necessário examinar a vítima logo após o delito para afastar DST pré-existente. Período de incubação Considerar que algumas DST ficam latentes por um período de tempo indeterminado e quando se manifestam, não é possível determinar em que época houve a contaminação. Necessidade de exames laboratoriais e de secreção vaginal para a detecção de DST Necessidade de pericia complementar Cada DST tem um período de incubação distinto, sendo necessário exames complementares obedecendo ao período de incubação de cada uma delas. Outras formas de transmissão não sexual Nem toda DST é transmitida exclusivamente pela via sexual (ex. AIDS, hepatite B).
Ações na instituição de saúde que podem ser decisivas na comprovação de crimes sexuais Anamnese Saber o que ocorreu, como ocorreu e exatamente quando ocorreu. Exame físico Exame de todo tegumento, descrições das lesões encontradas (tipo, tamanho, número). Exame da genitália externa e da região anal com a descrição detalhada das lesões encontradas. Se houver a necessidade de suturas, descrever as características das lesões antes de serem suturadas. Coleta de material Em crimes de natureza sexual, quando há relato de conjunção carnal, de coito anal ou de ejaculação ou de deposição de outro material biológico (vestígio) em tegumento ou vestes, deverá haver a procura de vestígios deixados pelo agressor como, por exemplo, sêmen, saliva, fios de cabelo. Nos vestígios coletados poderão ser feitas a pesquisa de PSA (Antígeno Prostático Específico), de espermatozoides e de perfil genético. Quanto mais precocemente forem coletados estes vestígios, maior a chance de se identificar o agressor. Vestígios do agressor presentes no material biológico vaginal e anal coletado para pesquisa de espermatozoides, PSA e perfil genético são mais comumente encontrados até 72h após o evento, mas, dependendo da circunstância de cada caso, pode haver a coleta além desse prazo. A vítima deve ser orientada a não se lavar até a coleta dos vestígios e de fornecer as vestes usadas para pesquisa de material biológico do agressor. A informação sobre a importância de a coleta de vestígios ser feita o mais breve possível deve ser comunicada enfaticamente à vítima.
Registro do atendimento médico Todo o atendimento médico deve ser detalhadamente registrado, com letra legível e a vítima deve ser enfaticamente orientada e estimulada, pelo médico e pela instituição de saúde, a realizar o boletim de ocorrência na delegacia de polícia e a perícia oficial nas instituições de medicina legal. A vítima deverá receber uma cópia do registro de seu atendimento médico no Sistema Único de Saúde.
Bibliografia BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Procedimento Operacional Padrão PERÍCIA CRIMINAL - Exame de Sexologia Forense, Exame de Lesões Corporais, Preservação e envio de vestígios biológicos, 2013. Alcântara, H. R. Perícia Médica Judicial, 2. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. França, G. V. Medicina Legal. 9. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011. Hércules, H. C. Medicina Legal, Texto e Atlas. São Paulo: Editora Atheneu, 2008. Croce, D. Manual de Medicina Legal. 8. Ed. São Paulo: Saraiva. 2012. Leme, C-E-L. P. Medicina Legal Prática Compreensível. 1. Ed. Barra do Garças, MT: Edição do Autor, 2010. Código Penal. Código de Processo Penal. Código de Ética Médica. Vanrell, J.P. Sexologia Forense, Leme, S.P. Editora JH Mizuno, 2008.
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1. O Ácido Desoxirribonucléico (DNA) O organismo humano é formado por células, pequenas unidades microscópicas que mantém o funcionamento das nossas funções vitais. Todas as informações necessárias para que as células sejam capazes de manter o corpo em funcionamento estão contidas em uma molécula chamada de DNA (sigla para ácido desoxiribonucléico). O DNA é uma molécula orgânica, polimérica, cujas unidades constituintes, ou monômeros, são compostas por moléculas de açúcar (desoxirribose), um grupo fosfato e uma base nitrogenada, que pode ser de quatro tipos: Adenina, Guanina, Citosina e Timina (comumente designadas como A, G, C e T). O DNA pode ser encontrado no núcleo das células ou em organelas das células chamadas mitocôndrias. O DNA nuclear é encontrado no interior do núcleo das células, organizado em estruturas denominadas cromossomos. Nas células da espécie humana, o DNA nuclear está organizado em 23 pares de cromossomos. Vinte e dois pares são conhecidos como cromossomos autossômicos, que contêm informação genética para a definição de praticamente todas as características físicas e biológicas dos humanos; e um par é conhecido como par de cromossomos sexuais, que definem as características sexuais secundárias. Em relação aos cromossomos sexuais, os homens possuem um cromossomo X e um Y, enquanto as mulheres possuem dois cromossomos X. Detalhes sobre a análise dessa parte do DNA para fins forenses serão discutidos na seção de marcadores moleculares autossômicos. DNA mitocondrial: Além do DNA localizado no núcleo, existem ainda moléculas circulares de DNA de pequeno tamanho (aproximadamente 16.000 bases), localizadas no interior de organelas citoplasmáticas denominadas mitocôndrias. Cada célula pode apresentar várias mitocôndrias, dependendo da sua função no organismo, e cada mitocôndria pode apresentar várias cópias deste DNA circular denominado DNA mitocondrial (ou mtDNA). Detalhes sobre a análise dessa parte do DNA para fins forenses serão discutidos na seção de marcadores moleculares de DNA mitocondrial. Com relação aos Padrões de herança, podemos destacar 3 tipos: - DNA nuclear: O DNA nuclear está distribuído em 23 pares de cromossomos (22 pares de autossômicos e um par de cromossomos sexuais). Durante um processo celular denominado meiose, “embaralhamos” os nossos pares de cromossomos e passamos, aleatoriamente, apenas um conjunto de cromossomos quando produzimos óvulos ou espermatozoides. Dessa maneira, os cromossomos que possuímos são o resultado da combinação formada pelo conjunto de cromossomos que herdamos do nosso pai e da nossa mãe, e passaremos para nossos filhos conjuntos diferentes de cromossomos novamente embaralhados nos nossos óvulos e espermatozoides. Por isso que mesmo irmãos por parte de pai e mãe são diferentes entre si. Uma vez que o DNA é transmitido (e por consequência compartilhado) entre pais e filhos obedecendo leis da genética, podem ser estabelecidos vínculos entre indivíduos observando-se o grau de parentesco entre eles. Pais e filhos compartilham 50% da informação genética contida nas regiões autossômicas, avós e netos 25%, e assim por diante. - Cromossomo Y: está presente no núcleo das células (é um dos cromossomos sexuais), porém está presente só em indivíduos do sexo masculino. O cromossomo Y é transmitido do pai para seus filhos homens de forma inalterada (não sofre recombinação). Dessa forma, indivíduos da mesma linhagem patrilínea possuem o mesmo cromossomo Y.
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- DNA mitocondrial: Todas as mitocôndrias que possuímos são herdadas das nossas mães, então todos os indivíduos de uma mesma linhagem materna possuem o mesmo DNA mitocondrial. 2. A Genética Forense A Genética Forense é a área do conhecimento que trata da utilização das técnicas de biologia molecular para o auxílio à justiça. A Genética Forense também é conhecida como DNA Forense. Apesar do ramo mais desenvolvido da Genética Forense ser a identificação humana pelo DNA e sua aplicação mais popular ser o teste de paternidade, a Genética Forense não se limita a isso, podendo ser aplicada para elucidação de crimes diversos e na identificação ou individualização de animais, plantas e microrganismos. Grande parte do nosso DNA é conservada, porém ele apresenta variações que nos fazem únicos. A Genética Forense utiliza ferramentas para analisar justamente essas regiões de grande variabilidade. Cada região variável em nossos cromossomos recebe o nome de loco (do latim locus, plural loci) e cada uma das diferentes formas de um loco recebe o nome de alelo. O conjunto de alelos, observado em um determinado número de loci, é denominado perfil genético. No caso da genética forense, os perfis genéticos correspondem a um conjunto de alelos, observados em um determinado painel de loci, que possuem informação suficiente para a individualização com segurança estatística. Excluindo-se os gêmeos univitelinos, pode-se dizer que não existem dois indivíduos com exatamente a mesma sequência de DNA. A análise de vestígios biológicos é dependente da quantidade e da qualidade do material genético obtido de evidências. Muitas vezes, ossos, alguns poucos fios de cabelo, ou ainda substâncias biológicas impregnadas em vestes são suficientes para a obtenção de material genético em quantidade e qualidade satisfatórias para os procedimentos comuns à identificação humana, por meio do DNA nuclear. A genética forense pode auxiliar na produção de provas que ajudem na resolução de diversos crimes: - Crimes sexuais: verificando o perfil genético em vestígios deixados pelo agressor (sêmen na cavidade vaginal da vítima, saliva em mordidas, sêmen em preservativos, sêmen em vestes, entre outros); ou ainda estabelecendo vínculo genético de parentesco entre o agressor e o feto/criança gerado a partir da agressão sexual; - Homicídios: estabelecendo vínculo genético entre manchas de sangue presentes no local do crime, em objetos ou em vestes e o respectivo suspeito ou vítima; - Identificação Humana: identificação de cadáveres em avançado estado de decomposição, ossadas ou partes de corpos e comparação dos perfis genéticos obtidos com amostras de referência de familiares; - Abigeato e caça ilegal: identificação da espécie de carnes apreendidas, alimentos vendidos como sendo de outras espécies. 3. Fontes de material biológico Todos os tecidos biológicos apresentam DNA, em menor ou maior quantidade. Os fluidos biológicos usualmente apresentam boas quantidades de DNA e são frequentemente encontrados nas cenas de crime. Como exemplos podemos citar sangue, saliva, sêmen, urina e secreção vaginal. Outros fluidos, como o suor e muco também podem apresentar DNA, só que geralmente em baixa quantidade. No caso de cadáveres, Página 3 de 10
os tecidos orgânicos contêm grandes quantidades de DNA, mas começam a entrar em decomposição rapidamente após a morte reduzindo as quantidades de DNA útil para a identificação. Os dentes e ossos tendem a preservar melhor o DNA incrustado nas suas matrizes minerais, e por esta razão são utilizados na identificação de corpos, principalmente aqueles em avançado estado de decomposição ou esqueletizados. Fios de cabelo e pelos podem apresentar DNA em quantidades significativas no bulbo (raiz), porém fios que caem naturalmente ou fios cortados não possuem o bulbo e apresentam pouco DNA ou apenas DNA mitocondrial em baixa quantidade. Unhas, fezes, vômito e células descamativas também podem apresentar DNA. Em todos os casos, a quantidade e a qualidade do DNA dependem muito da exposição a fatores ambientais. Logo, o sucesso do exame depende diretamente de cuidados na sua coleta e preservação. Alguns fatores que podem prejudicar a obtenção da prova genética: - Contaminação: Se uma amostra de DNA for contaminada desde o início, a obtenção de informação genética passível de comparação torna-se um desafio, e toda a investigação pode ser prejudicada devido a esse descuido. Resultados inconclusivos ou falsas exclusões podem ser o resultado da análise de amostras contaminadas. Na falsa exclusão, o DNA contaminante pode ser preferencialmente amplificado em detrimento das quantidades extremamente baixas do material original presente na amostra coletada. Algumas medidas simples podem ser tomadas para evitar as contaminações: a) Utilizar equipamentos de proteção individual (EPIs): Entre os EPIs indispensáveis para proceder às coletas em locais de crime e em indivíduos estão: luvas descartáveis de qualidade, máscaras, toucas e calçados fechados e resistentes. Tais EPIs servem tanto para proteger o coletador de possíveis patógenos presentes no local do crime quanto para evitar a contaminação das amostras coletadas com o DNA da pessoa que as está manipulando. A troca de luvas a cada novo vestígio coletado é muito importante para evitar a contaminação cruzada. Luvas descartáveis não devem ser reaproveitadas. b) Utilizar materiais adequados para a coleta: os materiais utilizados para a coleta das amostras devem ser sempre NOVOS ou ESTÉREIS (materiais produzidos e manipulados sem contato humano ou submetidos a métodos de esterilização capazes de eliminar o DNA). - Degradação: A molécula de DNA é muito resistente, podendo manter sua integridade por longos períodos nas condições ideais. Certas condições, no entanto, favorecem fragmentação da molécula, o que pode dificultar ou mesmo inviabilizar a obtenção de perfis genéticos. Entre os principais fatores de degradação do DNA em vestígios forenses estão: a) Calor: promove o crescimento de micro-organismos além de favorecer a fragmentação das moléculas de DNA; b) Umidade: favorece a proliferação de micro-organismos que produzem enzimas capazes de quebrar o DNA em fragmentos pequenos, inviabilizando a obtenção do perfil genético; c) Luz solar: promove alterações na estrutura da molécula que dificultam ou impedem a obtenção de perfil genético; d) Substâncias químicas: uma grande variedade de substâncias químicas pode promover alterações estruturais no DNA ou inibir as reações necessárias para a obtenção de perfis genéticos. Parafina, água oxigenada, álcool, formol, fixadores, corantes, conservantes ou reveladores não devem ser utilizados nos vestígios que se deseja realizar o exame de DNA. 4. Análises de DNA Página 4 de 10
Os exames de DNA utilizados com fins forenses não utilizam marcadores moleculares ligados às características físicas (com exceção do gênero sexual). Deste modo, é fácil entender que os exames de DNA não vão produzir um “retrato falado” do indivíduo que produziu o vestígio. A identificação de um indivíduo pelo DNA sempre depende da comparação do perfil produzido a partir do material questionado com outro perfil obtido de algum tipo de amostra de referência. Dessa forma, o exame de DNA é sempre comparativo.
Amostra questionada: é aquela evidência derivada de ocorrência criminal, cuja origem é desconhecida; Amostra de referência: é a amostra de origem conhecida, geralmente sangue ou swab oral de vítimas, suspeitos, familiares. Quando provenientes de indivíduos vivos, são sempre coletadas com o consentimento dos doadores e o perfil genético obtido dessas amostras vai servir de referência comparativa para a identificação das amostras questionadas. Resumidamente, os procedimentos que constituem as etapas de um exame de DNA são os seguintes: 1) Extração de DNA: As amostras são submetidas a processos químicos e físicos que permitem o isolamento do DNA dos demais componentes celulares. Existem diversos tipos de extrações de DNA disponíveis. A escolha do método utilizado é feita pelo Perito, e leva em consideração a qualidade/quantidade da amostra analisada. Amostras com DNA sabidamente em abundância podem ser submetidas a procedimentos de extração rápidos (com duração de 1-2 horas). Já os vestígios com quantidades limitantes de DNA devem ser extraídos com a utilização de protocolos específicos. 2) Quantificação: Por meio de um processo chamado de reação em cadeia da polimerase (PCR), é possível estimar a quantidade de DNA humano presente nas amostras. Nesta etapa é possível verificar também se há DNA suficiente para as etapas seguintes de análise, assim como a proporção de material genético feminino e masculino em amostras oriundas de crimes sexuais. 3) Amplificação: O DNA é submetido a outra reação de PCR, na qual sequências específicas de DNA (usualmente sequências conhecidas por terem alto grau de variabilidade entre indivíduos) são multiplicadas milhares de vezes. É esta reação que permite a elevada sensibilidade dos exames de DNA. Nessa etapa, o Perito escolhe quais os marcadores moleculares que vão ser analisados nas amostras de DNA (marcadores autossômicos, de cromossomo Y, de DNA mitocondrial ou de citocromo b, descritos na próxima seção). Esse procedimento dura de 3 a 4 horas. No caso de análise de DNA mitocondrial ou de citocromo b, outras etapas de purificação são necessárias após a amplificação. 4) Eletroforese capilar: Os fragmentos de DNA obtidos na etapa anterior são separados por tamanho e visualizados sob a forma de picos de diferentes cores conforme a fluorescência aplicada aos fragmentos durante a amplificação. Utiliza o equipamento chamado “sequenciador”. O resultado é um eletroferograma (gráfico) representativo do perfil genético, que é analisado por softwares específicos.
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5. Marcadores moleculares São ferramentas utilizadas na Genética Forense, principalmente na etapa de amplificação, que permitem analisar diferentes regiões do DNA. DNA autossômico (STRs autossômicos) Existem sequências de nucleotídeos no DNA nuclear localizados nos cromossomos autossômicos que se repetem, e essas regiões são de grande variabilidade entre os indivíduos. Essas regiões são conhecidas como microssatélites (ou short tandem repeats – STRs autossômicos), e são formadas por sequências de vários nucleotídeos, por exemplo, (AATG)n, repetidas em números diferentes em cada indivíduo, dando-lhe uma característica única. O número de vezes (n) que essa estrutura (do exemplo AATG) é repetida ao longo de um loco (região no cromossomo) é denominada alelo. Cada loco analisado possui dois alelos, um que foi herdado do pai e outro proveniente da mãe. Exemplo: Para o loco vWA, o indivíduo é 12,15. Isso significa que em um dos seus cromossomos ele tem 12 unidades de repetição AATG, e no outro cromossomo ele possui 15 repetições AATG nessa região (loco) denominada vWA. Se um indivíduo possui alelos diferentes para um loco, como é o caso deste exemplo, ele é dito heterozigoto para essa região. Se o indivíduo possui unidades de repetição iguais, ele é dito homozigoto (indivíduo 12,12, por exemplo). Isso significa que ele recebeu cromossomos com o mesmo número de repetições tanto do pai como da mãe para essa região analisada. Como visto anteriormente, a análise dos alelos constituintes de vários loci é denominada de perfil genético. Os STRs autossômicos são as ferramentas moleculares mais utilizadas em casos forenses, pois a análise desse conjunto de loci permite que se diferenciem os indivíduos. Esses marcadores moleculares são também os presentes nos bancos de dados de perfis genéticos. DNA cromossomo Y (STRs cromossomo Y) Assim como existem unidades de nucleotídeos repetidas nos cromossomos autossômicos que são passíveis de análise na Genética Forense, o mesmo ocorre no cromossomo Y. Como vimos, apenas indivíduos do sexo masculino possuem o cromossomo Y, e a análise de marcadores moleculares neste cromossomo (STRs cromossomo Y) faz essa ferramenta essencial na análise de casos de crimes sexuais, pois permite que se analise apenas o contribuinte masculino de amostras que contenham mistura de material biológico. Na maioria dos casos de crimes sexuais, os resultados da análise de STRs autossômico mostram apenas o perfil da vítima (que é o material em maior quantidade e sofre amplificação preferencial), e o material genético do agressor só é visualizado com a análise de STRs de cromossomo Y. Entretanto, uma das limitações do uso de marcadores de cromossomo Y é que a transmissão genética é uniparental de origem paterna. Ou seja, o cromossomo Y é transmitido de forma inalterada do pai para todos os seus filhos homens. Assim, todos os homens aparentados pela via paterna (avô paterno, pai, filhos, tios paternos, por exemplo) possuem o mesmo perfil genético de cromossomo Y. Dessa forma, não é possível distinguir entre diversos suspeitos aparentados pela via paterna. De outra forma, a análise do cromossomo Y torna-se auxiliar em casos de identificação de cadáveres. DNA mitocondrial O DNA mitocondrial apresenta peculiaridades que podem ser muito úteis à identificação genética. Uma única célula pode conter dezenas de mitocôndrias e cada mitocôndria dezenas de cópias de DNA Página 6 de 10
mitocondrial. Dessa maneira o DNA mitocondrial é naturalmente amplificado nos diversos tecidos e consequentemente
nos
vestígios
biológicos.
Além
disso,
o
DNA
mitocondrial
é
circular,
e,
consequentemente, relativamente mais resistente à degradação. Estes fatores em conjunto fazem com que o DNA mitocondrial muitas vezes seja o único DNA encontrado em vestígios biológicos altamente degradados, tornando o DNA mitocondrial um aliado importante em análises de materiais demasiadamente expostos à ação do tempo. O padrão de herança matrilinear e o compartilhamento entre indivíduos de uma mesma linhagem materna podem ser encarados tanto como um problema como uma qualidade. É um problema por não ser um exame individualizador, afinal um vestígio, do ponto de vista do DNA mitocondrial, pode ser atribuído a qualquer indivíduo da mesma linhagem materna. Por outro lado é uma valiosa qualidade quando se torna necessária a identificação de restos mortais por meio de parentes distantes, uma vez que o DNA é transmitido através das gerações sem sofrer recombinação. Para análise do DNA mitocondrial, toda a sequência de bases de DNA de regiões específicas é analisada. As regiões mais comumente utilizadas para análise forense (que possuem variação entre os indivíduos) são a região hipervariável 1 (HV1) e a região hipervariável 2 (HV2). Como centenas de pares de bases devem ser analisados, os resultados são sempre expressos como as diferenças encontradas em relação uma sequência padrão previamente analisada. Essa sequência padrão (CRS – Cambridge Reference Sequence) não é uma amostra forense, e serve apenas para que os resultados sejam visualizados de forma mais resumida. 6. Bancos de Dados de Perfis Genéticos O uso da tecnologia de bancos de dados genéticos para fins de elucidação criminal já está consolidado em, pelo menos, 30 países, sendo a Inglaterra e os Estados Unidos os pioneiros. No Brasil, os estados do Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e a Polícia Federal já estão interligados através da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos. No Brasil, a Lei 12.654, de 28 de maio de 2012, versa sobre o uso do Banco de Perfis Genéticos, sendo regulamentada pelo decreto 7.950 de 12 de março de 2013. Os Bancos de Perfis Genéticos são usados para identificação de pessoas desaparecidas e para casos criminais. Através do banco de perfis genéticos de desaparecidos, dados de marcadores de STRs autossômicos, de cromossomo Y e de DNA mitocondrial podem ser armazenados e comparados entre si. São construídas árvores genealógicas com os familiares disponíveis, e são realizadas comparações genéticas com os restos mortais já inseridos na base de dados, bem como com pessoas vivas cuja identidade é desconhecida (crianças, idosos sem memória e pessoas incapazes). Cabe ressaltar que as bases de dados genéticos específicas para identificação de desaparecidos NÃO podem ser usadas para fins criminais, conforme lei. O perfil genético utilizado para fins criminais consiste em uma combinação de sequências de DNA não codificantes que permitem a identificação inequívoca do indivíduo. Ou seja, o perfil genético usado para fins de identificação criminal pode ser comparado à impressão digital, a qual permite apenas identificação, sem informações específicas adicionais. Logo, a partir destes perfis genéticos não é possível inferir sobre
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características físicas ou comportamentais de um indivíduo, ou ainda se ele possui alguma doença de origem genética ou não. Da mesma forma, características familiares não são avaliadas. Os bancos de dados possuem as seguintes informações:
O código identificador, unívoco, do perfil genético, atribuído pelo laboratório de DNA que o inseriu. Esse código identificador não conterá o nome, CPF ou qualquer outro dado do indivíduo que originou o perfil genético. Caberá ao laboratório em que o perfil foi originado manter os registros que permitam relacionar esse código à ocorrência.
O perfil genético, contendo a designação dos alelos, dos marcadores genéticos analisados e aceitos pelo sistema CODIS;
A codificação da identidade do laboratório de DNA que gerou e inseriu o perfil genético (exemplo: Laborátorio do RS é cadastrado com o código RS90160);
O sexo da pessoa da qual o perfil foi proveniente.
Os bancos de dados não possuem:
Qualquer outra informação sobre a identidade da pessoa além de seu perfil genético,
Informação sobre saúde, propensão a doenças, orientação sexual, deficiências físicas ou mentais.
Bancos de Dados de Perfis Genéticos e a elucidação de casos de violência sexual O agressor sexual, na maioria das vezes, apresenta comportamento reincidente. Peritos brasileiros de diversas unidades federativas já identificaram, ao longo dos últimos anos, agressores com mais de 20 vítimas cada (estupradores em série), cuja autoria comum foi determinada por exames de DNA. Da mesma forma, peritos do Distrito Federal mapearam, por meio do DNA, estupradores que atuaram durante anos, gerando um grande número de vítimas. A identificação de autoria comum em diferentes ocorrências de violência sexual, dispersas espacialmente e temporalmente, só é possível com o uso de banco de dados informatizado. Dessa forma, o uso do Banco de Perfis Genéticos permite a colaboração da perícia ainda no processo de investigação policial, apontando dados e informações que possam esclarecer a autoria dos fatos e, através da correlação entre perfis genéticos, apontar vítimas de um mesmo agressor. Em posse de tal informação, a autoridade policial poderá determinar o modus operantis e incrementar o processo de investigação, podendo, assim, identificar mais rapidamente a autoria. Com base no exposto, podemos afirmar que os Bancos de Perfis Genéticos desempenham papel fundamental na elucidação de casos de violência sexual, tornando-se uma das ferramentas técnicas mais poderosas na identificação de autores desses tipos de crimes. Entretanto, a atuação do banco de dados de perfis genéticos depende diretamente do adequado atendimento às vítimas deste tipo de violência, bem como da devida coleta de vestígios e amostras biológicas para fins de exame de DNA, conforme decreto 7.958 de 13 de março de 2013. As amostras coletadas de vítimas de agressão sexual (suabes anais, vaginais, mamilares e subungueais) apresentam, rotineiramente, uma mistura de material genético da vítima e do agressor. A Tabela 1 mostra um exemplo típico de mistura de material genético encontrada em amostras oriundas de vítimas de agressão sexual. Página 8 de 10
Tabela 1: Exemplo de perfil genético de mistura, obtido de amostras de agressão sexual. Região do DNA analisada
Perfil genético de mistura obtido do suabe vaginal Região a 10, 12, 15, 18 Região b 17,19 Região c 9, 15,16 Região amelogenina* X, Y * - região que identifica a presença de cromossomo X e Y na amostra. Com relação ao exemplo da Tabela 1, observamos que há a presença de material masculino no suabe vaginal, identificada pela presença de cromossomo Y na amostra. Entretanto, para podermos identificar os possíveis perfis genéticos do agressor, precisamos da amostra de referência da Vítima, conforme mostra a Tabela 2. Tabela 2: Exemplo de obtenção de prováveis perfis genéticos do agressor, obtidos a partir da mistura de perfis genéticos. Região do analisada
DNA
Perfil genético de mistura obtido do suabe vaginal 10, 12, 15, 18
Perfil genético de referência da vítima 10, 15
Possíveis Perfis Genéticos do Agressor
Região a Região b
17,19
17
Região c
9, 15,16
9, 16
17, 19 ou 19 9, 15 15 ou 15,16 X, Y
Região X, Y X, X amelogenina* * - região que identifica a presença de cromossomo X e Y na amostra.
12,18
Como podemos observar, a obtenção do perfil genético de referência da vítima permite identificar qual é a contribuição da mesma no perfil genético de mistura obtido do suabe vaginal, permitindo a avaliação do perfil do possível agressor. Cabe ressaltar que a coleta de material de referência de vítimas de agressão sexual é obrigatória em todos os países que trabalham com banco de perfis genéticos. No Brasil, o Comitê Gestor que regula a atuação da Rede Integrada de Perfis Genéticos determinou que os bancos de dados estaduais não poderão receber amostras contendo misturas de perfis genéticos sem a devida comparação com o perfil da vítima. Vários estados e o Distrito Federal apresentam normatizações próprias que padronizam a coleta de material de referência para exame de DNA em vítimas de violência sexual. Em 2013, a Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, SENASP/MJ, publicou o PROCEDIMENTO OPERACIONAL PADRÃO PERÍCIA CRIMINAL. Nesta publicação, no tema Medicina Legal, item 5.2 Exame de Sexologia Forense, consta a necessidade da coleta de material de referência da vítima, durante o exame pericial (p. 150).
Referências Bibliográficas Página 9 de 10
- BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Procedimento Operacional Padrão PERÍCIA CRIMINAL – Genética Forense, Medicina Legal 2013. - Buckleton J, Triggs CM, Walsh SJ. Forensic DNA Evidence Interpretation. 2005. CRC Press. - Butler JM. Forensic DNA Typing: Biology, Technology, and Genetics of STR Markers. 2005. Elsevier Academic Press, 688p. - Decreto - Lei nº 7958/2013, de 13 de março “Estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde”. Diário da República. - Decreto - Lei nº 7950/2013, de 12 de março “Institui o Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos”. Diário da República. - Kortmann, GL, Matte CHF, Albuquerque TCK. . Perícias de Laboratório - Genética Forense. In: ACRIGS - Sindicato. (Org.). Guia da Perícia Criminal do Rio Grande do Sul - A Justiça Criminal à Luz da Ciência. 1ed.Porto Alegre: ediPUCRS, 2013, v. , p. 1-73. - Michelin K, Freitas JM, Kortmann GL. Vestígios Biológicos. In: Jesus Antonio Velho; Karina Alves Costa; Clayton Tadeu Mota Damasceno. (Org.). Locais de Crimes Dos Vestígios à Dinâmica Criminosa. 1ed.: Millenium, 2013, v. , p. 1-592.
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