Novas Tendências em Educação Física

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NOVAS TENDÊNCIAS EM EDUCAÇÃO FÍSICA: Educação Física escolar, treinamento e saúde

Educação Física escolar, treinamento e saúde

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A Swimeditora é a divisão de publicações da Swimtech, empresa de serviços, produtos e conhecimentos inovadores voltados para a avaliação e a prática de natação e atividades físicas, visando à saúde e o desempenho. A Swimeditora edita e publica livros acadêmico-científicos e profissionais na área de Educação Física. A missão da Swimeditora e equipe é disponibilizar conhecimentos, obtidos e analisados com base em critérios científicos, que proporcionem a discussão acadêmica e aplicação profissional, em benefício da sociedade. Ante a natureza educacional e social dessa atividade, a Swimeditora valoriza a qualidade, aspectos éticos e de sustentabilidade abrangidos em todo o processo de elaboração, edição, editoração, publicação, distribuição, divulgação e comercialização de seus produtos.

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NOVAS TENDÊNCIAS EM EDUCAÇÃO FÍSICA: Educação Física escolar, treinamento e saúde Editores Jair Rodrigues Garcia Júnior Professor do Curso de Educação Física da Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE Alessandro Pierucci Professor do Curso de Educação Física da Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE

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Os autores deste livro e a Swimeditora empenharam seus melhores esforços para garantir que as informações apresentadas no texto estejam de acordo com os padrões aceitos na ocasião da publicação, bem como estivessem atualizadas até a data do envio dos originais para editoração na editora. Contudo, tendo em vista a dinâmica das ciências da Educação Física e áreas correlatas, as alterações regulamentares governamentais e o constante fluxo de informações atualizadas sobre atividade física, treinamentos, terapêuticas, fármacos e reações adversas, é recomendável a consulta, pelos leitores, de outras fontes confiáveis, de modo a se certificarem de que as informações contidas neste livro estão corretas e de que não houve alterações nas indicações ou na legislação regulamentadora. Os autores deste livro e a Swimeditora se empenharam para citar corretamente e dar o devido crédito a todos os detentores de direitos autorais de quaisquer materiais utilizados neste texto, se dispondo a possíveis acertos posteriores caso, inadvertida e involuntariamente, a identificação de algum deles tenha disso omitida.

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Direitos exclusivos para a língua portuguesa Copyright © 2016 by Swimeditora Divisão de publicações da Swimtech Ltda. Rodovia Raposo Tavares, Km 572, Limoeiro Presidente Prudente, SP – CEP 19067-175 Tel. 18 32293283 – contato@swimtech.com.br www.swimtech.com.br Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, em quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, fotocópia, gravação, mecânico, distribuição pela internet ou outros), sem permissão, por escrito, da Swimeditora. O teor dos textos aqui publicados é de responsabilidade dos respectivos autores e não expressa necessariamente as opiniões dos editores. Capa: Gabrielly Pereira dos Santos e Agência FACOPP – UNOESTE Editoração eletrônica: Impress Gráfica e Editora Projeto gráfico: Impress Gráfica e Editora Ficha catalográfica G216n Garcia Júnior, Jair Rodrigues Novas tendências em Educação Física: Educação Física escolar, treinamento e saúde / Jair Rodrigues Garcia Júnior, Alessandro Pierucci. Presidente Prudente: Swimeditora, 2016. Bibliografia ISBN 978-85-64933-23-1 1. Educação Física – Estudo ensino. 2. Esportes escolares. 3. Educação física— Orientação profissional. I. Pierucci, Alessandro. II. Título. 796.07 CDD/23ª ed. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Colaboradores Alessandro Pierucci

Carlos Augusto Carvalho Filho

Professor do Curso de Educação Física da UNOESTE Especialista em Atividades Aquáticas (UniFMU) Graduado em Educação Física (UNOESTE)

Professor do Curso de Educação Física da UNOESTE Mestre em Educação (UNOESTE) Graduado em Educação Física (FCT-UNESP)

Aline Duarte Ferreira

Cássio Mascarenhas Robert Pires

Professora do Curso de Educação Física da UNOESTE Doutoranda em Fisioterapia (FCT-UNESP) Graduada em Fisioterapia (UNOESTE)

Professor do Curso de Educação Física da UNAERP Doutor em Ciências Nutricionais (FCFAR-UNESP) Graduado em Educação Física (FESC)

Ana Clara Campagnolo Real Gonçalves Professora do Curso de Educação Física da UNOESTE Doutora em Ciências da Saúde (FMABC) Graduada em Fisioterapia (FCT-UNESP)

Ana Paula Santana Giroto Alves

David da Silva Teles Professor da Secretaria Municipal de Esportes de Presidente Prudente Graduado em Educação Física (UNOESTE)

Everton Alex Carvalho Zanuto

Professora da Faculdade de Presidente Prudente (FAPEPE) Mestre em Serviço Social e Política Social (UEL) Graduada em Serviço Social (CAET)

Professor do Curso de Educação Física da UNOESTE Doutorando em Ciências da Motricidade (IB-UNESP) Graduado em Educação Física (FCT-UNESP)

Anderson dos Santos Carvalho

Jair Rodrigues Garcia Júnior

Doutorando em Ciências – Progr. Enfermagem (EERP-USP) Graduado em Educação Física (UNOESTE)

Ariovaldo de Souza Ribeiro Professor do Curso de Educação Física da UNOESTE Mestre em Educação (UNOESTE) Graduado em Educação Física (FCT-UNESP)

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Professor do Curso de Educação Física da UNOESTE Doutor em Educação Física (ICB-USP) Graduado em Educação Física (FC-UNESP)

Jefferson Campos Lopes Professor do Curso de Educação Física da UNIBR/UNAERP Doutorando em Ciência do Desporto (UTAD-Portugal) Graduado em Educação Física (UNIMONTE) Educação Física escolar, treinamento e saúde


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João Franklin Goes Amorin

Rodrigo Ferro Magosso

Graduado em Educação Física (UNOESTE)

Professor do Curso de Educação Física da UNIRP Mestre em Bioengenharia (EESC-USP) Graduado em Educação Física (UFSCAR)

Marcelo Crepaldi Leitão Professor do Curso de Educação Física da UNOESTE Doutor em Educação Física (UCNSA) Graduado em Educação Física (ESEFAP)

Marcelo Florez Guimarães Professor do Curso de Educação Física da UNOESTE Especialista em Bases Científicas do Treinamento Esportivo (FCT-UNESP) Graduado em Educação Física (IB-UNESP)

Marcelo José Alves Professor do Curso de Educação Física da UNOESTE Mestre em Educação (UNOESTE) Graduado em Educação Física (FCT-UNESP)

Rafael Cesar Ferrari dos Santos Professor do Curso de Educação Física da UNOESTE Doutorando em Educação (UEM) Graduado em Educação Física (FCT-UNESP)

Ricardo Eleutério dos Anjos Professor do Curso de Psicologia da UNOESTE Doutorando em Educação Escolar (FCL-UNESP) Graduado em Psicologia (Fund. Educ. Araçatuba)

Rodrigo Metzker Pereira Ribeiro Professor do Curso de Educação Física da UNOESTE Mestre em Ciências (FMRP-USP) Graduado em Biomedicina (UNIARARAS)

Vagner Matias do Prado Professor do Curso de Educação Física da UNOESTE Doutor em Educação (FCT-UNESP) Graduado em Educação Física (IB-UNESP)

Vinicius Flavio Milanez Professor do Curso de Educação Física da UNOESTE Doutor em Educação Física (UEL) Graduado em Educação Física (FCT-UNESP)

Wagner Aparecido Caetano Professor do Curso de Educação Física da UNOESTE Doutorando em Educação (FCT-UNESP) Graduado em Filosofia (USC)

Zirleide Cocato Professora de Educação Física do SESI Professora de Educação Física da SEE/SP Graduada em Educação Física (UNIMEP)

Robson Chacon Castoldi Professor do Curso de Educação Física da UNOESTE Doutorando em Ciências das Cirurgia (UNICAMP) Graduado em Educação Física (FCT-UNESP) Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Dedicatória

“Dedico essa obra à minha amada esposa Patricia, cujo companheirismo, dedicação e afeição pela nossa família tem me permitido enfrentar novos desafios.” Jair R. Garcia Júnior

Dedico essa obra aos meus pais Toni e Marlene, por me apoiarem em todos os momentos da minha vida. A minha esposa Celma, uma grande incentivadora da minha carreira e aos meus filhos Gabriel e Ana Clara que são a razão de todo meu esforço. Alessandro Pierucci (Pita)

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Agradecimentos Ao meu filho Enzo, com quem aprendi a ser pai ao longo de 17 gratificantes anos; que me fez pensar e decidir a dar bons exemplos em todos os momentos em que convivi com ele; que me fez querer manter a juventude, a saúde e o condicionado físico suficientes para os jogos e exercícios de pai-com-filho; que me faz dar meu maior esforço para não ser superado (ainda) nos WODs; e que sempre renova e expande minhas perspectivas de que ele e os irmãos Yan e Igor venham a ter uma ótima formação acadêmico-profissional. Ao meu pai Jair e minha mãe Eva, que decidiram não se “aposentar da vida” e continuam a fazer suas atividades como nos últimos 40 anos, sendo ainda exemplos de voluntarismo, dedicação, sabedoria e afeto para mim e meus irmãos. Ao professor José Egberto Cavariani que me mostrou uma opção de caminho, caminhou de mãos dadas comigo nos primeiros Km e me preparou para seguir em frente na carreia acadêmica. Ao professor Sérgio Tosi Rodrigues, que ainda aprendendo, se dispôs a me ensinar e orientar nas primeiras pesquisas e divulgações ainda nos tempos da graduação. Hoje, mesmo com a distância nos separando e as responsabilidades sufocantes, ainda respondeu ao meu pedido com um “sim” e se dedicou a elaborar o prefácio deste livro. Ao professor Marcelo Crepaldi por ser um parceiro no conteúdo deste livro; por ser um eficiente gestor dos Cursos de Educação Física da Unoeste e por reconhecer e valorizar os professores e suas atividades acadêmicas realizadas dentro e fora da Unoeste. À UNOESTE, que tem proporcionado ótimas condições para o desempenho acadêmico, incentiva e reconhece o esforço e mérito de seus colaboradores. Jair R. Garcia Júnior A todos os colegas do curso de Educação Física da Unoeste como também aos colegas de outras universidades que participaram dessa obra acreditando nesse projeto. Alessandro Pierucci (Pita) Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Prefácio O livro “Novas Tendências em Educação Física: Educação Física Escolar, Treinamento e Saúde” cria um fórum de discussão de tópicos do mais elevado interesse à pesquisa e intervenção no campo da Educação Física. Especialistas de diferentes disciplinas, tais como Educação Física, Fisioterapia, Fisiologia, Educação, Biomedicina, Psicologia, Serviço Social e Filosofia, oferecem contribuições significativas que cobrem desenvolvimentos teóricos recentes, métodos inovativos, evidências atuais de pesquisa, assim como implicações para aplicações práticas em domínios da educação física escolar, do treinamento desportivo e da atividade física para saúde. Na primeira parte, intitulada “Educação Física Escolar”, Rafael Santos e Ricardo dos Anjos debatem políticas educacionais acerca do currículo e seus impactos na escola, Carlos Carvalho Filho e Zirleide Cocato analisam elos entre aprendizagem e colaboração com ênfase na formação continuada, Vagner Prado aborda a pedagogia no ensino do esporte escolar, Ariovaldo Ribeiro mostra dificuldades da prática docente em Educação Física, Carlos Carvalho Filho e Marcelo Leitão discutem o papel docente e a qualidade de sua atuação na escola, Wagner Caetano destaca as contribuições da Filosofia, Anderson Carvalho fala sobre o impacto das habilidades motoras fundamentais sobre a saúde dos alunos, Rafael Santos apresenta conceito de ato motor voluntário na perspectiva histórico-cultural e Jefferson Lopes e Carlos Carvalho Filho exploram as ligações entre o conhecimento do karate e a educação física escolar. Na segunda parte, intitulado “Treinamento e Desempenho”, Everton Zanuto e Robson Castoldi investigam técnicas de recuperação ao exercício e alterações musculares, Jair Garcia Júnior e Alessandro Pierucci sumarizam métodos para avaliar desempenho de nadadores, Vinicius Milanez foca na quantificação de carga para treinamento, Marcelo Guimarães resgata aspectos pedagógicos do futebol em seus diversos níveis de atuação, Cassio Pires e Rodrigo Magosso abordam a fisiologia do futebol e João Amorin, David Teles e Jair Garcia Júnior abordam treinamento multivariado e levantamento de peso olímpico para o condicionamento físico e adaptações neuromusculares. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Na terceira parte, intitulada “Exercício e Saúde”, Marcelo Alves e Ana Paula Alves, no capítulo caracterizam o papel do educador físico em instituições para cuidado de idosos, Aline Ferreira e Ana Clara Gonçalves relacionam doença pulmonar e atividade física, Rodrigo Ribeiro mostra o exercício no tratamento de artrite e Jair Garcia Júnior considera a relação entre inflamação sistêmica e exercício no âmbito da saúde. Esta obra foi motivada por evento científico organizado pela Universidade do Oeste Paulista e resultou em conhecimento sólido, útil e aplicável da área de Educação Física, conhecimento esse cuidadosamente destilado e articulado pelos editores Jair Rodrigues Garcia Júnior e Alessandro Pierucci. Pelo seu amplo espectro de tópicos e disciplinas científicas, o livro “Novas Tendências em Educação Física: Educação Física Escolar, Treinamento e Saúde” pode ser uma fonte importante de informação para estudantes de graduação e pós-graduação, pesquisadores e profissionais que estudam e trabalham em Educação Física e áreas correlatas. Sérgio Tosi Rodrigues Bauru, SP, Novembro de 2015.

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Sumário Colaboradores .....................................................................................6 Dedicatória...........................................................................................9 Agradecimentos.................................................................................11 Prefácio..............................................................................................13

Parte 1 | Educação Física Escolhar Capítulo 1

A discussão sobre o currículo pelas políticas educacionais: Uma análise das suas implicações no contexto escolar....................................................... 21 Rafael Cesar Ferrari dos Santos, Ricardo Eleutério dos Anjos

Capítulo 2

Aprendizagem colaborativa na ação docente: Perspectivas da formação continuada.............................................................................. 39 Carlos Augusto Carvalho Filho, Zirleide Cocato

Capítulo 3

Desafios da prática pedagógica em Educação Física: Inquietações sobre a ação docente na “tarefa” de educar................................................... 55 Ariovaldo de Souza Ribeiro

Capítulo 4

Educação física escolar na atualidade: A responsabilidade docente e a necessidade de boas práticas............................................ 67 Carlos Augusto Carvalho Filho, Marcelo Crepaldi Leitão

Capítulo 5

Filosofia na Educação Física: contribuições e resultados..................................................... 79 Wagner Aparecido Caetano

Capítulo 6

Habilidade motora fundamental: Benefícios para saúde dos escolares............................................................................... 93 Anderson dos Santos Carvalho Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Capítulo 7

O movimento na perspectiva histórico-cultural: introduzindo o conceito de ato motor voluntário.... 105 Rafael Cesar Ferrari dos Santos

Capítulo 8

Repensando aspectos didático-pedagógicos para o ensino dos esportes na escola.............. 121 Vagner Matias do Prado

Capítulo 9

Saberes e pilares pedagógicos para o profissional do karate no contexto da Educação Física escolar...................................................................................................................... 137 Jefferson Campos Lopes, Carlos Augusto Carvalho Filho

Parte 2 | Treinamento e desempenho Capítulo 10

Adaptações musculares ao exercício e técnicas de recuperação........................................ 153 Everton Alex Carvalho Zanuto, Robson Chacon Castoldi

Capítulo 11

Fisiologia do futebol: demandas, metabolismo e perfil do atleta.......................................... 167 Cássio Mascarenhas Robert Pires, Rodrigo Ferro Magosso

Capítulo 12

Métodos de avaliação em natação de academia............................................................. 179 Jair Rodrigues Garcia Júnior, Alessandro Pierucci

Capítulo 13

Métodos de quantificação da carga interna de treinamento............................................... 189 Vinicius Milanez

Capítulo 14

Pedagogia do Futebol: das categorias de base ao profissionalismo.................................... 205 Marcelo Florez Guimarães

Capítulo 15

Treinamento multivariado e levantamento de peso olímpico para amplo condicionamento físico e adaptação neuromuscular............................................................................................ 227

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Novas Tendências em Educação Física João Franklin Goes Amorin, David da Silva Teles, Jair Rodrigues Garcia Júnior

Parte 3 | Exercício e saúde Capítulo 16

As instituições de longa permanência para idosos (ILPI) e a importância do educador físico... 247 Marcelo José Alves, Ana Paula Santana Giroto Alves

Capítulo 17

Doença pulmonar obstrutiva crônica e exercício Físico..................................................... 259 Aline Duarte Ferreira, Ana Clara Campagnolo Real Gonçalves

Capítulo 18

Exercício e artrite reumatoide: contribuições do educador físico......................................... 271 Rodrigo Metzker Pereira Ribeiro

Capítulo 19

Exercício físico, inflamação sistêmica e saúde................................................................. 283 Jair Rodrigues Garcia Júnior

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Parte 1 Educação Física Escolhar

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CAPÍTULO 1 A discussão sobre o currículo pelas políticas educacionais: uma análise das suas implicações no contexto escolar Rafael Cesar Ferrari dos Santos, Ricardo Eleutério dos Anjos

Resumo O presente texto realiza uma análise crítica das propostas das políticas educacionais atinentes ao currículo escolar. Constata-se que os pressupostos pós-modernos defendem o esvaziamento dos conteúdos escolares, ao enfatizar o cotidiano e as vivências pessoais como postulados fulcrais que devem ser trabalhos na educação pública. Propostas como essas contribuem para a alienação do indivíduo, pois promovem o cerceamento dos conteúdos sistematizados, imprescindíveis à formação das capacidades humanas em suas máximas possibilidades. O texto conclui que a especificidade da educação escolar é a transmissão-assimilação dos conteúdos clássicos, cuja tarefa é o que justifica a existência da instituição escola. Introdução As discussões sobre o currículo tornam-se cada vez mais presentes no âmbito da educação escolar. Principalmente, quando questões são levantadas nos debates educacionais relacionadas a quais conteúdos a escola deve ensinar ou quando inquietações relativas a que prática pedagógica se deve privilegiar na atividade de ensino. Nesse sentido, esse texto tem como objetivo analisar o documento do Ministério da Educação (MEC) intitulado “Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e cultura”1. No intuito de discutir quais são os conhecimentos escolares que estão sendo fomentados e que, consequentemente, direcionam a escolha de conteúdos e práticas pedagógicas que Educação Física escolar, treinamento e saúde

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devem compor o currículo escolar. Parte-se do pressuposto de que o documento elaborado pelos autores acima, enfatiza a discussão da diversidade cultural, pautando-se na pluralidade de manifestações culturais como alicerce central na proposta do currículo escolar. Articulando assim, com as propostas das políticas internacionais para a educação. A finalidade dessa proposta é manter a harmonia social, fazendo com que o indivíduo identifique-se com as micronarrativas, na tentativa de fazê-lo pertencente a um grupo social, para que ele adapte-se às necessidades da sociedade capitalista e aceite seus princípios de forma pacífica. Ainda, é inegável a pluralidade cultural do mundo em que vivemos e que se manifesta, de forma impetuosa, em todos os espaços sociais, inclusive nas escolas e nas salas de aula. Essa pluralidade frequentemente acarreta confrontos e conflitos, tornando cada vez mais agudos os desafios a serem enfrentados pelos profissionais da educação. No entanto, essa mesma pluralidade pode propiciar o enriquecimento e a renovação das possibilidades de atuação pedagógica1. (p.20)

A citação acima evidencia a defesa fulcral da fundamentação para a constituição do currículo escolar, ou seja, a problemática central está nas diferentes formas de expressão da cultura humana, além de discutir como tais manifestações se concretizam na escola. Esse fator preponderante direciona, tomando como ponto de partida a pluralidade cultural, a possibilidade do fazer pedagógico atribuindo como renovadora essa efetivação no ensino escolar. Diante dessa perspectiva, a noção de currículo é sustentada a partir do conjunto de práticas que produzem significado em diferentes contextos, que também podem ser caracterizados como escolhas a partir de inúmeras possibilidades1. Nesse sentido, materializam-se no currículo os confrontos dos diferentes significados culturais, no que diz respeito aos conflitos sociais e políticos. É através do currículo que alguns grupos sociais, principalmente os dominantes, expressam sua visão de mundo, seu

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projeto social. A construção de identidades sociais e culturais baseia-se fortemente no conjunto de práticas que propiciam a produção, a circulação e o consumo de significados no espaço social. Sendo assim, o currículo é um dispositivo de grande efeito no processo de construção da identidade do estudante1. Para exemplificar as manifestações do currículo defendido pelos autores no cotidiano escolar, no qual se consolidam as situações de opressão e discriminação a que certas camadas sociais têm sido submetidas, bem como os laços sociais que configuram tal situação, é possível identificar, a partir de relatos e práticas em salas de aulas, preconceitos e discriminações que se configuram como expressões estereotipadas e desrespeitosas. Percebem-se essas situações em relatos como, por exemplo, sobre raça, gênero e religião1. Nesse contexto, para dar suporte à análise inicial desse material, a partir dos pontos introdutórios aqui destacados, temos que retomar o contexto histórico em que o documento elaborado por Moreira e Candau1 origina-se. Pois, a formação humana por meio da educação escolar defendida no documento “Indagações sobre o Currículo” direciona-se para uma finalidade de perspectivas de formação de indivíduo e de mundo. O sistema de produção e suas implicações na materialização do currículo A partir de 1970, o toytismo começa a ser a forma de produção social baseada na acumulação flexível, superando o fordismo. Harvey citado Galuch e Sforni2 define: A acumulação flexível [...] é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto moviEducação Física escolar, treinamento e saúde

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Novas Tendências em Educação Física mento no emprego no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas. (p.57)

Nesse novo formato de produção, a caraterística do trabalhador também se modifica. A partir de então, sua função torna-se multivariada, tem que adquirir vários saberes e atributos, ou seja, competências para adaptar-se às novas exigências do mercado de trabalho e também manter a possibilidade de garantir seus meios de sobrevivência. E nesse modelo de produção, a mercadoria é elaborada conforme a necessidade, e não mais produzida em série como no caso do fordismo. Ou seja, para que haja produção é necessária a existência de consumidores flexíveis, nessa direção, a efemeridade do consumo torna-se característica central do denominado momento pós-moderno. Tal efemeridade na pós-modernidade está intimamente ligada com a questão do consumo, visando sempre à busca do prazer traduzida por felicidade. Sendo assim, a aparência é a questão central numa sociedade atribuída de espetáculo, onde aparecer torna-se questão de existência. A diversidade justamente começa a ser preocupação nesse novo formato de organização social, porque começa a reorganizar o processo de expansão do mercado, sendo criados por meio dos mais variados grupos os processos de ampliação do mercado através da especialização flexível. A finalidade se caracteriza por evidenciar a diferença e colocá-la segundo a lógica do capital, o consumo e circulação da mercadoria. A lógica que está por detrás dessa questão, é que a globalização se alimente da individualização ou dos pequenos grupos para que sua expansão triunfe, pois essa singularidade no consumo pode ser o diferencial na competividade3. A diversidade cultural na pós-modernidade assume assim um individualismo exacerbado, na medida em que o sujeito torna-se o imperativo nas suas opções de vida, colocando em seus desejos prazerosos a necessidade de satisfazê-los a qualquer custo. Nesse sentido, Carvalho3 descreve:

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Novas Tendências em Educação Física A recusa da visão totalizante de mundo e da mensagem universalista/unificada em favor das micronarrativas abre caminho para o reconhecimento da diferença e para a valorização da diversidade. A universalidade, legitimada pelas ‘grandes narrativas’, é considerada como um fator de exclusão e negação da singularidade. Por isso, o pensamento pós-moderno reabilita o local, mostra-se sensível às diferenças, à alteridade, às outras vozes e às outras histórias. Esse discurso remete-nos não apenas para a defesa da diversidade de identidades e da pluralidade de estilos de vida, mas também para a demanda pela reorientação das políticas públicas, com a expectativa de que sejam baseadas na diversidade e na diferença. (p.34)

Dialogando com essa problemática Galuch e Sforni2 pontuam que “essa realidade não é desconsiderada pelos organismos internacionais, afinal ela pode representar riscos para a estabilidade social. Nesse sentido, é preciso pensar também em uma formação que esteja atenta a essas novas configurações das relações sociais”. Sendo assim, é nesse movimento que as políticas públicas para a Educação começam a organizar a escolarização, pensando a formação do homem tolerante às diferenças e desigualdades, com o intuito de firmar a identidade individual e assim manter a ordem social e o status quo da sociedade capitalista. É importante ressaltar que a preocupação em olhar para a diversidade cultural e para as minorias se traduz, essencialmente, pela reorganização do modo de produção capitalista, ou seja, muda-se a forma de organização da produção material da vida, mas ainda se mantém a essência que caracteriza as relações na sociedade capitalista, nesse sentido, uns continuam enriquecendo e outros trabalhando para tentar manter sua subsistência. Diante dessa realidade social, a escola pública também adentra nesse cenário com uma função importante, a de formar pessoas visando à necessidade de esses pequenos reagrupamentos sociais se sentirem pertencentes à sociedade de uma forma que continue atendendo às exigências do capital, aceitando todas as imposições sem muitos questionamentos. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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O primeiro documento internacional dirigido à educação que trará novas perspectivas para o sistema educacional dos países emergentes origina-se do Relatório Jacques Delors. Nesse relatório, é enfatizada a necessidade de a educação contribuir para a construção de um desejo das pessoas viverem juntas, sendo esse um elemento básico na coesão social e da identidade nacional2. No Brasil, fica evidente a materialização dessas ideias no documento “Indagações sobre o currículo” quando os autores vão refletir a elaboração do currículo: Elaborar currículos culturalmente orientados demanda uma nova postura, por parte da comunidade escolar, de abertura às distintas manifestações culturais. Faz-se indispensável superar o “daltonismo cultural”, ainda bastante presente nas escolas. O professor “daltônico cultural” é aquele que não valoriza o “arco-íris de culturas” que encontra nas salas de aulas e com que precisa trabalhar, não tirando, portanto, proveito da riqueza que marca esse panorama. É aquele que vê todos os estudantes como idênticos, não levando em conta a necessidade de estabelecer diferenças nas atividades pedagógicas que promove1. (p.31).

A expressão de um currículo que prioriza a diversidade cultural na escola como uma nova forma do fazer pedagógico, situa-se fundamentalmente no discurso para assegurar o desenvolvimento de competências individuais e a identificação dos sujeitos em relação aos pequenos grupos e minorias, com a finalidade de manter a harmonia social e manter as relações de exploração na sociedade sem visibilidade. Inclusive, até os conceitos tomam uma nova roupagem na sociedade pós-moderna, os termos que expressavam a divisão e a luta por classes sociais deixam de ser mencionados, sendo substituídos por outros termos como respeito à desigualdade, tolerância à diferença na sociedade pós-moderna. A escola, nessa perspectiva, também se reorganiza e são enfatizadas as vivências e experiências no interior das salas de aulas, onde os profissionais de educação têm o objetivo de expor essas situações e analisar suas reações. É importante ressaltar que as vivências trabalhadas na es-

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cola estão relacionadas com as temáticas das diferenças sociais, em que o preconceito, estigma e estereótipos estão presentes1. O que fica evidente no documento destinado ao currículo é o desaparecimento dos conteúdos curriculares clássicos, traduzidos pelas disciplinas fundamentadas nos conhecimentos científicos, em detrimento das estratégias de resgate de histórias de vidas sobre as temáticas apontadas acima. Pautando-se em discussões, no interior das salas de aulas, sobre o comportamento dos indivíduos diante de situações que passaram nas quais exemplificam ocasiões de exclusão e preconceito1. “Em resumo, a ruptura do daltonismo cultural e da visão monocultural da dinâmica escolar é um processo pessoal e coletivo que exige desconstruir e desnaturalizar estereótipos e ‘verdades’ que impregnam e configuram a cultura escolar e a cultura da escola”. A partir da centralização nas diferenças culturais no ideário escolar, os autores explicitam qual é a prática pedagógica vinculada com os preceitos pós-modernos: O que estamos sugerindo é que nos situemos, na prática pedagógica culturalmente orientada, além da visão das culturas como inter-relacionadas, como mutuamente geradas e influenciadas, e procuremos facilitar a compreensão do mundo pelo olhar do subalternizado. No currículo, trata-se de desestabilizar o modo como o outro é mobilizado e representado1. (p.34)

A justificativa para tal forma de atuação na escola se dá pelas dificuldades que a escola tem para lidar com a pluralidade e a diferença, tendo como consequência a tendência de camuflá-las e minimizá-las. Para tanto, refletir sobre práticas que homogeneízam e padronizam comportamentos é utilizada com o intuito de abrir espaços para a diversidade e para o inter-relacionamento de culturas. Essa é a nova preocupação da educação escolar1. Em contrapartida, o posicionamento quanto à aprendizagem de conteúdos clássicos e sistematizados pela ciência também é demarcado quando os autores afirmam rejeitar a ideia de que existe uma verdade, Educação Física escolar, treinamento e saúde

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uma essência ou um núcleo de qualquer categoria. A estratégia gira em torno de trazer à tona discussões voltadas para a raça, nação, sexualidade, masculinidade, feminilidade, religião, etc. Para alcançar esse objetivo não é necessário ensinar as disciplinas e conteúdos curriculares, segundo esse posicionamento. Para atender às necessidades do documento em questão, a escola deve abrir as portas para as diferentes manifestações da cultura popular, assim como da cultura erudita. Tornando-o assim, o currículo como um espaço de crítica cultural1. A forma como os conteúdos deveriam ser organizados nas práticas pedagógicas na escola é destacada na passagem abaixo: Músicas populares, danças, filmes, programas de televisão, festas populares, anúncios, brincadeiras, jogos, peças de teatro, poemas, revistas e romances precisam fazer-se presentes nas salas de aula. Da mesma forma, levando-se em conta a importância de ampliar os horizontes culturais dos estudantes, bem como de promover interações entre diferentes culturas, outras manifestações, mais associadas aos grupos dominantes, precisam ser incluídas no currículo1. (p.41).

A escola, segundos tais orientações pedagógicas, passa a ser um espaço de convivência entre os alunos e professores. Torna-se evidente a extinção das clássicas disciplinas escolares, a fim de se discutir na escola a forma ideal de como uns e outros podem viver e conviver em paz e harmonia, respeitando a diferença do outro. Até o presente momento, a análise do texto “indagações sobre o currículo” permeou no entendimento do contexto social em que o documento foi elaborado, elucidando as novas exigências sociais postas pelo capitalismo através do taylorismo, as quais influenciam, de maneira direta, a concepção de currículo expressa no documento e nas práticas pedagógicas nela implicadas. Nesse sentido, vai explicitar a direção que se pretende alcançar em relação à formação humana guiada pela instituição escolar. Sendo assim, é importante reforçar e esclarecer que o objetivo da formação, nessa perspectiva, é que os diferentes povos consigam viver em harmonia,

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respeitando as diferenças e que mantenham a ordem social. Ou seja, em nenhum momento o documento reflete sobre um olhar crítico à organização social, que poderia ser destacada pela superação das desigualdades sociais, por exemplo, muito menos faz jus a uma formação humana que desenvolva uma forma de pensamento teórico dos alunos oriundos da escola pública, alcançado através, e somente, pela apropriação dos conteúdos escolarizados sistematizados pelas ciências. Crítica à educação no formato pós-moderno e o desvelando dos pressupostos capitalistas No contexto apresentado até o momento, destacamos como as políticas educacionais têm pensado a organização do currículo na escola, destacando quais conhecimentos requeridos são fonte nesse modelo de currículo e como é orientada a prática pedagógica do professor. Contrapondo-se a esse modelo de educação mercantil é que Libânio4 começa a nos dar um norte, uma concepção e um posicionamento crítico diante dos pressupostos elaborados no texto “Indagações sobre o currículo”: Constata-se, assim, que, com apoio em premissas pedagógicas humanistas por trás das quais estão critérios econômicos, formulou-se uma escola de respeito às diferenças sociais e culturais, às diferenças psicológicas de ritmo de aprendizagem, de flexibilização das práticas de avaliação escolar – tudo em nome da educação inclusiva. Não é que tais aspectos não devessem ser considerados; o problema está na distorção dos objetivos da escola, ou seja, a função de socialização passa a ter apenas o sentido de convivência, de compartilhamento cultural, de práticas de valores sociais, em detrimento do acesso à cultura e à ciência acumuladas pela humanidade. Não por acaso, o termo igualdade (direitos iguais para todos) é substituído por equidade (direitos subordinados à diferença) (p.23)

Para o autor, fica claro que as novas exigências na formação humana pela escola se caracterizam por critérios que são de ordem econômica. A escola, nesse sentido, passa a ser uma ferramenta imprescindível Educação Física escolar, treinamento e saúde

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para dar suporte aos objetivos de uma sociedade capitalista. Diante deste novo cenário, como mencionamos anteriormente, os conceitos carregados de ideologias sofrem também modificações, na finalidade de manter a harmonia e a coesão social. Uns foram naturalizados – o capitalismo, por exemplo – , alguns foram construídos, ressignificados, modificados ou substituídos por outros mais convenientes. O termo “igualdade”, entre outros tantos exemplos, cedeu lugar à “equidade”, o conceito de “classe social” foi substituído pelo de “status socioeconômico”, os de “pobreza” e “riqueza” pela peculiar denominação de “baixo” e “alto” ingressos sociais. Destinado a assegurar a obediência e a resignação pública, o pragmático vocabulário se faz necessário para erradicar o que é considerado obsoleto e criar novas formas de controle e regulação sociais. Alcançar o consenso torna-se fundamental, o que é efetivado com sucesso, seja pela cooptação de intelectuais e muitos deles educadores – , seja pela monocórdia repetição de um mesmo discurso reformista para a educação, encontrado nos documentos das agencias multilaterais e nas politicas de governo de vários países, notadamente na América Latina5. (p.158)

Com esse tipo de concepção, o pano de fundo que se pretende alcançar é eliminar qualquer fundamento de caráter socioeconômico e seus nexos dinâmico-causais que constituem toda a essência das formas de relações de poder e exploração na sociedade capitalista. Descaracterizam toda a relação existente entre economia e poder político. Então, numa nova roupagem, os sujeitos nessa sociedade representariam ideias diferenciadas. Essas ideias são todas reais, no que se refere à materialização da diversidade cultural, dando a falsa possibilidade de tornarem-se sujeitos da sua própria vida5. A educação dentro dessa sociedade torna-se presa fácil, pois segundo Charlot citado por Libânio4, a organização da escola orientada pelos organismos internacionais que se faz presente no texto “Indagações sobre o currículo”, direciona o desenvolvimento humano para outro caminho que não o da formação humana e cultural, estruturada no favo-

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recimento do pensamento teórico em que a escola está potencializada. A educação humana nessa perspectiva traduz-se pelas condições neoliberais, tornando-se mercadoria, e redimensiona toda a sua construção como sujeito, pois ameaça o sujeito no seu caráter universal, tratando-o assim, nas suas micronarrativas. Nesse sentido, afirma o autor, se por um lado temos o aumento do acesso à educação escolar pública, por outro a escola passa a ser um lugar de convivência e não de apropriação de conhecimento, agravando-se assim, as desigualdades sociais de acesso ao saber sistematizado4. Sendo assim, Moraes5 denomina esse fenômeno que ocorre em relação à educação escolar na sociedade pós-moderna como o recuo da teoria. Para a autora, esse fenômeno originou-se não de forma natural, mas devido às novas exigências sociais. Inaugurou-se a época cética e pragmática, dos textos e das interpretações que não podem mais expressar ou, até mesmo, se aproximar da realidade, constituindo-se em simples relatos ou narrativas que, presos às injunções de uma cultura, acabam por arrimar-se no contingente e na prática imediata – uma metafisica do presente, uma história de presentes perpétuos. O ceticismo, todavia, não é apenas epistemológico, mas ético e político. E importa para nos tanto em sua versão conservadora, como peça retórica, consciente ou não, de veneração ao mercado, como igualmente em sua versão “crítica” e “radical”5. (p.157)

O recuo da teoria ou simplesmente a extinção do conhecimento científico, leva à inversão do papel da escola, as aprendizagens mínimas ligadas ao contexto social mais imediato do sujeito ganham luz na escola e o acesso ao conhecimento e à aprendizagem se tornam míopes4. Entretanto, essa escola que prioriza as diferenças sociais como conteúdos em detrimento do conhecimento sistematizado não tipifica o modelo escolar para todos os sujeitos da sociedade brasileira. Essa forma de escola é destinada às classes mais pobres da nossa sociedade, que sem dúvida assume um caráter assistencial e acolhedor, fazendo com que o discurso de inclusão social ganhe força na escola4. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Novas Tendências em Educação Física Procedeu-se a uma verdadeira sanitarização na “racionalidade moderna e iluminista”, vertendo-se fora não só as impurezas detectadas pela inspeção crítica, mas o próprio objeto da inspeção; não apenas os métodos empregados para validar o conhecimento sistemático e arrazoado, mas a verdade, o racional, a objetividade, enfim, a própria possibilidade de cognição do real. Instaurou-se, então, um mal-estar epistemológico que, em seu profundo ceticismo e desencanto, motivou a pensar além de si mesmo, propondo a agenda que abrigou os “pós”, “neo“, os “anti“ e temos que tais, que ainda infestam a intelectualidade de nossos dias4. (p.156)

Na verdade, os alunos, os pobres, as famílias marginalizadas e os professores são quem “paga a conta” por essa forma de educação, pois o que é ofertado é uma escola esvaziada de conteúdo, primando pelo acolhimento social e socialização, também incidente nas escolas de tempo integral4. Os discursos que apregoam que esse modelo melhoraria a educação brasileira, não passam de discursos rasos, pois a verdadeira essência é uma educação sem qualidade na aprendizagem escolar. Sobretudo, porque “esconde mecanismos internos de exclusão ao longo do processo de escolarização, antecipadores da exclusão na vida social”4. O jogo de palavras presentes na educação escolar pós-moderna é que a negação da objetividade aparece articulada com a discussão de desintegração do espaço público, do fetichismo da diversidade, do entendimento de que o poder e a opressão estão pulverizados em todo o lugar. O resultado dessa problemática é que qualquer tipo de enfrentamento ou resistência à realidade é extinguida, pois o que predomina é a visão romântica e estatizante da política, da sociedade e, especificamente, da educação5. Mas, pode-se indagar, o que essas questões tem a ver com o recuo da teoria? Estou convencida de que o apaziguamento da sociedade civil, o esvaziamento das diferenças, reduzidas à mera diversidade cultural, exercem forte impacto sobre a política da teoria desenvolvida na pesquisa em ciências

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Novas Tendências em Educação Física sociais e na educação, em particular. Denotam o silencio e o esquecimento, a calada que envolve a aceitação acrítica da lógica do capital, não obstante a violência economia e a destruição social e cultural efetivada por sua vanguarda. Nada mais são, a meu ver, do que outro disfarce para “o pesadelo da história”5. (p.164)

É claro que os temas propostos pelo modelo pós-moderno à educação não devem ser negados, mas sim superados por incorporação. Embora as pesquisas em educação contemporânea englobem de maneira hegemônica temas e objetos oriundos das políticas educacionais, tais como os de gênero, etnias, geração, confissões religiosas, meio ambiente, multiculturalismo, imaginário, subjetividade, poder-saber, microrrelações, entre outros, a questão que emerge é como estão sendo tratados e analisados tais temas5. Nesse sentido, Moraes5 afirma: Só a teoria, associada a uma imensa renovação pedagógica – e não a narrativa descritiva, as estórias de vida coladas ao cotidiano – , é capaz de impedir que os instigantes “novos objetos” sejam reduzidos a “micro objetos”, fragmentados e descolados, mas que, ao contrário, transformem-se em poderosas forças críticas a anunciar a criação de uma pedagogia radicalmente não-classista, não-racista, não-sexista e não-homofobica. (p.165)

Nesse contexto, encerramos parte da análise do texto “Indagações sobre o currículo” e passaremos a apresentar a educação escolar que defendemos. Educação escolar na qual os alunos se apropriam dos conteúdos sistematizados, ou seja, um retorno da teoria na educação escolar, para a prática pedagógica diferente da que vimos no documento, implicando numa formação humana que desvele a lógica econômica de produção capitalista. A defesa da apropriação do conhecimento sistematizado através da Educação Física escolar, treinamento e saúde

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educação escolar Para postular a educação escolar que defendemos se faz necessário esclarecer que ela está na contramão dos pressupostos pós-modernos e das políticas internacionais e nacionais. A educação que proclamamos articula-se à ideia dos autores da Teoria Histórico-Cultural, cuja preocupação de formação do novo homem se dá por meio da apropriação dos conhecimentos sistematizados, favorecendo o desenvolvimento dos indivíduos em suas máximas possibilidades, ou seja, defendemos que o sujeito singular tenha acesso ao que de mais desenvolvido foi criado pelo gênero humano. Nesse sentido, inicialmente, apontamos os estudos de Libâ4 nio , que demonstram discussões no campo pedagógico e também nos orientam a pensar nos objetivos da educação e nas formas de organização do ensino que favorecem o alcance dos objetivos da educação segundo a concepção Histórico-Cultural. Segundo Libânio4, o objetivo da educação escolar é garantir uma formação cultural e científica por meio do domínio, por parte dos alunos, dos conteúdos científicos, visando o desenvolvimento do pensamento teórico e a formação da personalidade, através da atividade educativa socialmente mediada. Esse posicionamento já se contrapõe às concepções hegemônicas de educação, fundamentadas nas políticas pós-modernas. Pois, como se verificou anteriormente, a ideia de aprendizagem no documento está intimamente relacionada com o pensamento de que a educação escolar deve proporcionar as aprendizagens mínimas, como forma de apaziguamento dos conflitos sociais e da mera adaptação do indivíduo às condições de sobrevivência na sociedade capitalista. Consequentemente, o ensino perde sua substância na escola, surgindo consideráveis barreiras na possibilidade de pleno desenvolvimento humano, já que a realidade presente para os alunos na escola materializa-se por meio de um ensino reduzido às vivências imediatas. São escolas enfraquecidas de conhecimento, visto que temos um recuo da teoria, não é necessária formação sólida de professores na apropriação de ciência, dada a pobreza em que se difunde o conhecimento na escola4. Antagônico a essa educação, a Teoria Histórico-Cultural, a par-

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tir das contribuições de Vygotsky e de seus seguidores, ressalta que a condição de desenvolvimento humano em suas máximas possiblidades, só é possível por meio da apropriação da cultura acumulada historicamente, onde a educação escolar tem seu papel na transmissão-assimilação. Mediante essa formação, seria possível a formação de consciência humana voltadas para a criticidade e possibilidade de reorganização social. Nessa condição, Libânio4 afirma que “a escola é uma das mais importantes instâncias de democratização social e de promoção da inclusão social, desde que atenda à sua tarefa básica: a atividade de aprendizagem dos alunos”. Nesse sentido, Leontiev6 enfatiza que a aprendizagem tem extrema relevância no desenvolvimento do psiquismo humano. O processo de apropriação das produções culturais engendradas por gerações precedentes permite, a cada indivíduo, desenvolver as capacidades e características de todo o gênero humano, assim como a criação de novas aptidões e o desenvolvimento de funções psíquicas especificamente humanas como a memória lógica, atenção voluntária, imaginação, pensamento abstrato, etc. Para Vigotski7, as funções psicológicas superiores se desenvolvem mediante a aquisição de conhecimentos transmitidos historicamente. Os quais, necessariamente, para serem apropriados pela criança, precisam da mediação dos indivíduos mais desenvolvidos culturalmente. Para tanto, a atividade de ensino promovido pela educação escolar, nesta teoria, assume um caráter fundamental no processo de desenvolvimento humano. A Teoria Histórico-Cultural compreende que as funções psicológicas superiores existem concretamente na forma de atividade interpsíquica, ou seja, nas relações sociais, antes de assumirem a forma de atividade intrapsíquica. Mediante o processo de interiorização, ocorre a transformação do conteúdo das relações sociais em funções intrapsíquicas e especificamente humanas8. Torna-se importante esclarecer que, para o autor, o fator biológico é a base das reações inatas dos indivíduos e, sobre essa base biológica, se desenvolve o “corpo inorgânico”, constituído pelo sistema de relações sociais mediante as apropriações culturais que o sujeito realiza ao longo de sua vida. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Novas Tendências em Educação Física Sendo assim, a intervenção pedagógica por meio do ensino é imprescindível para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral. Pelo ensino, opera-se a mediação das relações do aluno com os objetos de conhecimento, criando condições para a formação de capacidades cognitivas por meio do processo mental do conhecimento presente nos conteúdos escolares, em associação com formas de interação social nos processos de aprendizagem lastreados no contexto sociocultural4. (p.26)

Em tese, a escola deveria ser o espaço no qual se veicula a formação cultural e científica, proporcionando a interiorização do conhecimento sistematizado, que possibilita a reorganização qualitativa do funcionamento psíquico dos sujeitos, com a finalidade de formar indivíduos que busquem uma sociedade menos desigual e com oportunidades mais igualitárias. Entretanto, não podemos perder de vista que o ponto de partida para essa formação cultural e científica destina-se a sujeitos com histórias de vida diferentes, já que a diferença se faz presente nas condições concretas de vida e das experiências educativas4. Diferentemente do que apregoa a educação pautada no documento “Indagações sobre o currículo”, não é possível conceber a ideia de uma educação flexibilizada. Na concepção que defendemos, para existir uma sociedade mais justa onde todos possam exercer sua função de cidadãos, o aprendizado de conhecimentos sistematizados torna-se imprescindível. Sendo assim, é importante ressaltar que a Teoria Histórico-Cultural não negligencia ou ignora os conteúdos que o documento analisado destaca no processo educativo. Como afirma Libânio4, a escola deve lidar com as desigualdades sociais. Os alunos passam fome, são pobres, sofrem maus tratos, consomem drogas, vivem numa sociedade violenta, etc. Entretanto, essas demandas não podem ser a centralidade da educação escolar, não devem orientar a prática pedagógica no interior da escola, até porque essa não é missão única e exclusiva da escola. O que de fato não pode acontecer é que a escola perca a sua especificidade (a socialização e apropriação de conhecimento sistematizado) em detrimento das questões de desigualdades sociais, pois não há nenhuma outra instituição que favoreça tal condição.

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Referências 1. Moreira AF, Candau V. Indagações sobre o currículo: currículo, conhecimento e cultural. Beauchamp J, Pagel SD, Nascimento AR (Orgs). Brasília: Ministério da Educação, Secretária de Educação Básica; 2007. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/ indag3.pdf 2. Galuch MT, Sforni MSF. Interfaces entre políticas educacionais, prática pedagógica e formação humana. Práxis Educativa. 2011;6(1):55-66. 3. Carvalho EJG. Educação e diversidade cultural. In: Carvalho EJG, Faustino RC. Educação e diversidade cultural. Maringá: EDUEM, 2010. p.17-54. 4. Libâneo JC. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola de acolhimento social para os pobres. Educação e Pesquisa. 2012;38(1):13-28. 5. Moraes MCM. O recuo da teoria. In: Moraes MCM (org.). Iluminismo às avessas: produção de conhecimento e políticas de formação docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p.151-67. 6. Leontiev AN. O Desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte; 1978. 7. Vigotski LS. Obras escolhidas. Tomo III. Madri: Visor; 1995. 8. Vigotski LS. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Editora Martins Fontes; 2001.

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CAPÍTULO 2 Aprendizagem colaborativa na ação docente: perspectivas da formação continuada Carlos Augusto Carvalho Filho, Zirleide Cocato

Resumo O presente capítulo busca refletir sobre a questão da atuação do professor de educação física nas séries iniciais, tendo como referencial teórico a pesquisa colaborativa. Procuramos investigar como os professores de Educação Física podem construir um trabalho coletivo no qual as dimensões da teoria e da prática se relacionem de forma integrada, recíproca e unitária. Ao realizarmos a análise e discussão nos encontros, pudemos discutir alguns problemas da prática pedagógica e como lidar com eles. Foram encontros de descobertas, possibilitando o aumento da autoestima dos professores, dando novo ânimo em busca da realização profissional com ações pedagógicas de mudança. Introdução Este capítulo está alicerçado na pesquisa Aprender a Ensinar para Ensinar a Aprender: A Atuação do Docente de Educação Física no Ensino Fundamental: 1ª a 4ªsérie1, que teve sua origem ligada aos questionamentos resultantes de estudos realizados durante o Curso de Pós-Graduação em Educação, em nível de Mestrado da UNOESTE, Presidente Prudente / SP, realizado entre os anos de 2004 a 2007. Faz-se necessário relatar aqui esta pesquisa, mesmo que passados alguns anos, pois hoje, em nossa atuação como docente de ensino básico e de nível superior na graduação e pós-graduação, os preceitos desta pesquisa nortearam e norteiam nossa ação docente, bem como aqueles aos quais multiplicamos essas ideias. Além disso, a questão das Educação Física escolar, treinamento e saúde

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metodologias ativas é assunto em voga e tem sido objeto de estudo hoje na educação. Começando a caminhar: procedimentos metodológicos Realizamos uma pesquisa que teve sua natureza qualitativa do tipo colaborativa2,3 que possibilita aos professores assumir um papel de protagonistas de sua formação e também de responsáveis por ela. Permite que os aprendizes deste processo possam pensar por si mesmos e construir uma nova relação educativa baseada em princípios de autonomia, cooperação, criatividade, resolução de problemas e integração. O intelectual coletivo é uma espécie de sociedade anônima para a qual cada acionista traz como capital seus conhecimentos, suas navegações, sua capacidade de aprender e de ensinar1. O trabalho foi desenvolvido na Diretoria de Ensino de Presidente Prudente, entre os anos de 2004 e 2007. Contamos como atores desse processo 26 professores de Educação Física: um professor dentre estes foi escolhido pelo seu perfil e trabalho junto ao Ciclo I; uma Assistente Técnica Pedagógica Professora; um Dirigente de Ensino; uma colaboradora formada em psicologia e Mestre em Educação; o pesquisador. Para a obtenção dos dados, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com os professores. O objetivo dessas entrevistas foi analisar o conhecimento dos professores em uma nova ação pedagógica a partir de referenciais de mudança e compreender como vem efetivando-se o ensino de Educação Física no Ciclo I, procurando destacar as experiências e vivências dos professores. As características dos projetos de pesquisa colaborativa1 têm seu desenvolvimento não-linear, nem totalmente previsível, onde todos pesquisam, ensinam e aprendem. Estes fatores, muitas vezes, são responsáveis por nos fazer tomar novos rumos em busca do conhecimento. A via mais importante para a construção do conhecimento é a consciência do indivíduo sobre seu próprio processo como aprendiz, consciência que se estabelece com o real em relação com a história de vida de cada um. O trabalho de pesquisa colaborativa acaba, de certa forma, por conseguir preencher esta lacuna e, ao mesmo tempo, parece satisfazer uma incessante procura de alternativas dentro de uma dinâmica de parti-

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lha e inovação pedagógicas em Educação e em especial aqui na Educação Física. Ao elaborarmos esta pesquisa, especificamente em nossas propostas, são indicados caminhos para a inovação do processo pedagógico, que podem constituir-se em suporte para as aplicações da aprendizagem colaborativa. Além de oferecer uma sugestão para a coordenação das interações colaborativas do grupo durante a execução de processos de ensino, o que representa um suporte à aprendizagem em grupo de pesquisas na área de Educação Física. A aprendizagem colaborativa assume-se também como um processo essencialmente democrático em que todos os participantes são tidos e encarados como iguais e, como tais, tratados de forma equitativa, desempenhando um papel que é avaliado por todos os participantes2,3. O caminho para aprender a ensinar e ensinar a aprender Nossa preocupação, enquanto educadores, foi desvelar ou descobrir dentre nossos pares, professores que, em sua ação docente, tivessem uma forma de atuar diferente daquela relatada anteriormente por diretores, coordenadores e professores. O ponto de partida para essa valorização acredita-se, ocorreu com a regulamentação da profissão, depois se adequando à LDB, tornando-a obrigatória em todos os segmentos. Isto fez com que uma série de acontecimentos, tanto da parte da legislação como das práticas administrativas se modificassem. Com essa nova valorização houve também uma preocupação por parte daqueles que elaboram as propostas curriculares e de diretrizes: que o trabalho do Profissional de Educação Física devesse ser reconhecido e elaborado pelo professor especialista dentro dos recintos escolares, principalmente daquele dos segmentos do Ciclo I que permanecesse de maneira efetiva, não por uma conquista na legislação, mas sim pela sua prática pedagógica. A Educação Física, quando era ministrada no antigo Ciclo Básico, hoje denominado Ciclo I ou fundamental I, teve criado o mito de que os profissionais especialistas, à moda antiga, não trabalhavam de acordo com a proposta pedagógica da escola; que eles não interagiam com os professores polivalentes e, em sua prática, eram apenas reprodutores de Educação Física escolar, treinamento e saúde

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gestos esportivos. Ou seja, a Educação Física nesse segmento era apenas fazer por fazer, fugindo assim do que hoje se entende por uma prática pedagógica em que os alunos aprendem e conseguem fazer novas construções do conhecimento com o apoio das aulas de Educação Física1. A preocupação dos novos gestores da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) era, de forma descentralizada, construir um documento que pudesse levar não somente o conhecimento, mas também e, sobretudo, uma prática democrática e construída de acordo com a dificuldade de cada um, levando assim as experiências dos professores aos diferentes lugares para poderem fazer trocas entre si, realizando as capacitações em um ambiente de permuta e motivação para o trabalho. As capacitações são organizadas e implementadas de forma descentralizadas, com a utilização de videoconferência. Depois de cada capacitação, a Assistente Técnica Pedagógica em São Paulo, na sede da CENP, repassa imediatamente o que aprendeu para os professores das Diretorias de Ensino correspondentes. Nesse sentido, elaboramos um programa de capacitação para que os professores pudessem ir à busca do conhecimento, numa tentativa de proporcionar um momento de troca entre todos. Os encontros foram elaborados com vários temas propostos. As capacitações da assistente técnica pedagógica (ATP) eram específicas para o Ciclo I e II e norteavam o trabalho com reflexões sobre a teoria da proposta, realização de atividades e trocas de relatos e experiências. Sobre os nossos encontros, irei relatar aqui um pouco de cada um deles e expor as impressões que ficaram desta minha participação no processo de conhecimento e de troca entre meus pares. Estávamos nesta época trabalhando com a metodologia ativa e pudemos observar aqui a questão através da vivência do método de projetos, que em nosso entender foi bem conduzida, possibilitando proporcionar conteúdo vivo ao processo de aprendizagem; seguir o princípio da ação organizada em torno de objetivos; a aprendizagem real, significativa, ativa, interessante, atrativa; concentrar na aprendizagem do aprendiz; desenvolver o pensamento divergente e despertar o desejo de conquista, iniciativa, investigação, criação e responsabilidade; levar os alunos a se inserirem conscientemente na vida social e/ou profissional. Desta forma percebe-se, portanto, vários indícios comuns entre os estudos voltados

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para a promoção da autonomia do aluno/professor e o método ativo de projetos4. Acreditamos que existe ainda a possibilidade de que ocorra, gradativamente, o desenvolvimento do espírito científico, do pensamento crítico, do pensamento reflexivo, de valores éticos, por meio da educação, nos diferentes níveis, desta forma contribuindo para o desenvolvimento da autonomia na formação do ser humano4. Contextualizando nossos encontros Para melhor exemplificar e contextualizar a formação desses encontros, transcrevemos parte do que se refere ao Desenvolvimento de Competências Didáticas e Pedagógicas5. Geralmente, trata-se de atividades de formação pontuais ou compactas, que são concebidas em associação com os novos programas ou com base em referenciais de competências. Os professores nas escolas inovadoras dão grande importância a esse componente do seu desenvolvimento profissional, sem o qual eles pensam que não conseguiriam avançar. Ao mesmo tempo, evocam toda uma lista de problemas ligados a este tipo de fórmula, tais como: • Dificuldades de negociar o objeto de formação com certos formadores, muito centrados em sua visão e muito pouco em ouvir as prioridades dos professores; • Tempo muito curto de permanência do formador para resolver os problemas que “estão apenas começando” quando o módulo é concluído e eles se veem sós diante de suas classes; • Ausência do formador no momento exato em que o clic começa a operar, quando os professores conseguem, enfim, por força de tentar, fracassar e tentar de novo, reunir argumentos suficientes para travar um verdadeiro debate em torno do objeto da formação. Tais competências vão ao encontro com o que pensamos quanto à formação do grupo de pesquisa. Sabemos que não pretendíamos apenas transmitir conhecimentos ou saberes, mas, sobretudo, colaborar com Educação Física escolar, treinamento e saúde

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professores de Educação Física escolar para um novo olhar sobre a prática educativa e sobre a importância do trabalho coletivo em busca da qualidade de ensino. Nessa perspectiva, a exploração colaborativa não considera os problemas apenas ‘como amigos’, mas também impede os professores de assumir uma postura complacente, tanto em relação a si próprios quanto em relação aos colegas e a seus alunos. Ela permite desenvolver novas competências profissionais, estimula a apurar os meios de análise e ajuda a tomar decisões. Ela permite, a médio e longo prazo, ampliar o leque de soluções possíveis, reagir melhor à incerteza e aprender a gerir mais eficazmente a complexidade do ofício1,5. Um encontro antes dos encontros Na primeira reunião anual dos professores de Educação Física, promovida pela Diretoria Regional de Ensino de Presidente Prudente através da ATP, foi exposta por nós a intenção de realizar uma série de encontros com base para estudos sobre nossa ação docente junto à diretoria de ensino, como também para avaliar a importância desses encontros1. Os encontros se dividiram nos seguintes temas: • 1º Encontro – apresentação, leis, ética e onde vamos; • 2º Encontro – conhecer as abordagens teóricas e práticas; • 3º Encontro – os paradigmas e possibilidade de mudança das expectativas; • 4º Encontro – sociedade, família, escola – os diferentes olhares sobre o processo de ensino; • 5º Encontro – encontro final ou o começo de novos encontros? Análise e discussão dos encontros O registro e avaliação das atividades do grupo de formação e as entrevistas realizadas com os docentes constituíram o material de análise de conteúdos da nossa pesquisa. A leitura e re-leitura do material obtido permitiu o levantamento de categorias de análise que refletem o processo de formação-ação e as possibilidades de mudança no processo pedagógico. São elas: motivação e expectativa para mudança; re-

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flexões para mudança; saberes necessários para a mudança; percepção sobre a Educação Física escolar como elemento de construção do ser humano; relação professor/aluno no ensino de Educação Física; experiências e vivências; novos caminhos para a prática docente. Em nossa primeira categoria denominada Motivação e Expectativas para a Mudança6 percebemos, num primeiro momento, que alguns professores esperam respostas prontas, fórmulas ou a melhor maneira de se dar aulas. No que se refere às motivações dos docentes para a mudança, podemos observar que o aspecto motivador para a participação dos educadores nos encontros é a aquisição de novos conhecimentos. Quando se interroga sobre o objetivo que levou o professor a participar da atividade, obtém-se uma grande parcela de respostas que incide sobre a busca por novos conhecimentos; a procura de conhecimento profissional e, em igual proporção, a busca pela atualização e a troca de experiência1,7. Sobre esta segunda categoria Reflexões para Mudanças1,8, acreditamos que os resultados das respostas indicam que os professores precisam mudar para diversificar as atividades propostas em aula e que eles refletiram sobre os conteúdos apresentados, sobre as trocas de experiências e perceberam a necessidade efetiva de mudanças de paradigmas para o ato educativo. Alguns professores observaram também que essas mudanças de paradigma1,9 são necessárias para acompanhar o processo educativo do momento atual. Cabe aqui relatarmos que, após as duas primeiras categorias, observamos que nesse caminho, pelas características das etapas e pelo seu conjunto, informações técnicas, científicas e empíricas que acessam e utilizam para a realização das atividades, os professores vão sendo estimulados a confirmar suas crenças, seus valores e seus conceitos anteriores, ou a colocá-los em dúvida, ou até reformulá-los pelos novos aprendizados. Este processo permitiu que os professores envolvidos tomassem consciência da complexidade dos fenômenos sociais envolvidos no estudo. Na terceira categoria, Saberes Necessários para a Mudança, os dados analisados indicam que os professores apontam que no desenvolvimento da ação docente são necessários conhecimentos sobre saberes específicos10, tais como: Educação Física escolar, treinamento e saúde

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• Valores para a vida – aceitar você e o outro como são, com suas diferenças; • Conhecer o corpo – como funciona parado e em movimento, os cuidados e benefícios da ação corporal, crescer, desenvolver e envelhecer com saúde; • Cultura corporal – diferenciar as atividades físicas para que haja a incorporação prazerosa destas pelos alunos no seu dia-a-dia; • Lidar com desafios – criar desafios para os alunos e o professor para que possam juntos mediar o conhecimento e novas descobertas nesta relação; Mudar a ação docente – refletir sempre sobre nossa ação para possíveis mudanças, ter um novo olhar sobre a Educação Física escolar, deixar somente de reproduzir gestos motores e relacionar esporte e educação como objetivos maiores para a formação global do aluno. Ao descrevermos a quarta categoria Percepção sobre a Educação Física Escolar como elemento de construção do ser humano1, observamos que os professores acreditam em uma Educação Física Escolar que aborde assuntos relacionados ao bem-estar geral dos alunos, respeitando os limites de cada indivíduo, suas expectativas, seja através dos esportes tradicionais, seja das atividades lúdicas, esportes variados, conforme a vontade dos alunos. A possibilidade da inserção de mais uma aula que seja intercalada para que se torne realmente possível trabalhar com os preceitos de esporte, saúde e educação. Sala apropriada para a prática de atividades extras quadra e que os professores possibilitem que a Educação Física seja reconhecida como uma disciplina de construção do ser humano. A quinta categoria é uma das mais importantes, pois trata da Relação Professor / Aluno no ensino de Educação Física11. Notamos que há dois pontos de vista distintos ao perceber os alunos. O olhar que vê um ser humano completo, com imperfeições e potencialidades e outro que enxerga somente os aspectos doentes, ou seja, o aluno com baixa auto-estima, desinteressado, sem perspectivas. Sabemos que existem alunos considerados difíceis de lidar, pelos

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professores, mas sabemos também que alguns professores, mesmo tendo esse tipo de aluno, conseguem enxergar potencialidades nele. Daí a seguinte questão: como anda a saúde mental do professor? Como está sua auto-estima, sua perspectiva de futuro, seu interesse pela profissão? O tempo para cuidar de si e dos familiares, seu tempo para lazer e descanso? São questões que não devem ser deixadas de lado e merecem uma investigação rigorosa. Essas premissas levam à segunda questão, pois pedimos aos professores que se colocassem no lugar de seus alunos e escrevessem como eles o percebiam. Solicitamos uma troca de papéis, lembrando que, quando falamos como o outro nos vê, exercitamos uma percepção de nós mesmos. É quase como olhar-se no espelho. Não há, na esfera pública, qualquer trabalho que ofereça cuidados, quanto ao aspecto emocional aos educadores, como grupo de apoio ao professor, psicoterapia de grupo, psicoterapia de apoio individual. E isso é uma necessidade. Em sua maioria, os depoimentos retratam uma relação amistosa, cúmplice, sem descuidar da disciplina. Aparece também a percepção de que o relacionamento pode crescer e melhorar. Quanto aos aspectos que dificultam a relação professor-aluno, referentes à quarta questão, alguns citaram: a falta de trabalho coletivo dentro da escola; pouca experiência e timidez; dificuldades financeiras do professor; falta de atenção do aluno; falta de material didático; número elevado de alunos por sala; pouca importância que a escola dá à disciplina; falta de diálogo; alunos com famílias desestruturadas; o número pequeno de aulas semanais (2 h/a); a carga horária semanal a que um professor tem de submeter-se para obter renda capaz de saldar seus compromissos. Entre os aspectos que favorecem a relação entre o professor e seus alunos, encontramos: alunos com bons princípios familiares; contato estreito que o professor de Educação Física tem com seu aluno; a experiência profissional; variações na prática esportiva; o fato de ser professor de Educação Física; respeito, afeto e confiança dedicado aos alunos; metodologia das aulas; o ambiente de trabalho – quadra – oferece mais liberdade. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Como aspecto favorecedor da relação professor-aluno, muitos citaram o fato de serem professores de Educação Física. Esses professores acreditam que o ambiente em que acontecem as aulas, a metodologia utilizada, a variação na prática esportiva faz com que os alunos os vejam com outros olhos. Contudo, somente isso não basta. Toda a relação deve ser permeada por carinho, respeito e confiança por parte do professor em relação ao aluno. Se esse recebe, certamente saberá corresponder. Como já observado, não basta ser professor de Educação Física, ou seja, é necessário ter capacitação técnica, pois não é só isso que se evidencia na relação com os alunos, mas também suas características afetivas, culturais e de personalidade. Enquanto transmite conhecimento, disciplina e avalia a situação pedagógica, transmite aos alunos uma postura frente à vida. São transmitidos consciente ou inconscientemente valores, crenças, normas, maneiras de pensar e padrões de comportamento que contribuem para a formação do aluno na permanência da vida social. Percebemos que as ações descritas pelos professores esbarram no aprimoramento da relação humana. Acreditam que possam conseguir isso através do desenvolvimento da capacidade de ter empatia, saber ouvir e dialogar; ou procurando um modelo de relacionamento mais democrático, ou ainda, por meio da instrumentalização da ação docente, por intermédio de capacitações, leituras e cursos. Todos, sem exceção, desejam aprimorar sua prática educativa, variando apenas o método que acreditam ser o mais eficaz. Estão conscientes de seu papel de educador e estão à procura do aperfeiçoamento. Ao finalizar as atividades anteriormente descritas, tivemos o surgimento da sexta categoria Experiências e Vivências12, abrindo espaço para discussão dos conteúdos apresentados. Surgiram questões sobre autoridade, relação de autoridade na escola, limite, professor como modelo de identificação para o aluno, vínculo afetivo, trocas afetivas etc. Foi realizada uma dinâmica de grupo, na qual os participantes deveriam escrever, em uma folha de papel, sem se identificar, sobre uma experiência marcante dele enquanto aluno. Nada foi referido pelos coordenadores, se deveria ser uma experiência boa ou não. No entanto, alguns educadores perguntaram sobre isso. Foi respondido que deveriam escrever sobre aquela experiência que mais marcas haviam deixado nele. Os papéis foram recolhidos e redistribuídos. Aquele que recebesse deve-

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ria ler o que estava relatado como se fosse dele. Assim o foi. No decorrer da atividade, alguns professores, ao verem mencionadas as suas experiências, identificavam-se e contavam mais a respeito. Entre as experiências relatadas, 20% situavam-se entre experiências positivas; 70% traziam experiências dolorosas; 8,33% não responderam, referindo não haver acontecido nada de marcante em sua trajetória escolar. Percebemos que essas pessoas sentiram-se mais seguras e confiantes quando alguém lhes reassegurou sua competência e capacidade, muitas vezes, latente. Num relacionamento democrático e afetivo1,12, o aluno pode redimensionar sua relação com o professor, com outros alunos e com sua própria vida. Pode se posicionar, questionar e se responsabilizar na construção de seu conhecimento. Essas pessoas que puderam repartir suas experiências com o grupo, conseguiram lidar com essa dor. Não sabemos se elaboraram ou não o ocorrido, já que esse não era o objetivo da dinâmica. Mas podemos hipotetizar que não ficaram paralisadas. Se não foi possível ser professor de Matemática, pois nunca aprenderam essa matéria, como afirmaram alguns, conseguiram ser professores de Educação Física, pois buscaram aperfeiçoar suas ações. O que queríamos com esses depoimentos era trabalhar os conteúdos conscientes de cada um referente a essas experiências. Era oferecer um momento de reflexão sobre as relações de poder e autoridade dentro da escola e suas consequências. Não tínhamos a pretensão de trabalhar conteúdos inconscientes ou a ressignificação dessas experiências. Isso num grupo de estudo teria caráter utópico. Na sétima e ultima categoria identificada por nós e denominada Novos caminhos para a Prática Docente1,13, solicitamos aos participantes que respondessem algumas questões relacionadas à prática docente do professor de Educação Física, à importância dos aspectos relacionados à nossa prática, o que os trabalhos trouxeram de real contribuição, o que realmente pode-se aplicar e se deveríamos pensar em novas ações? Ao analisarmos os dados, discutimos e refletimos sobre vários assuntos pertinentes à Prática Docente do Professor de Educação Física. Quando analisamos a questão da importância dos assuntos ligados à nossa prática, encontramos respostas que sugerem que houve um aumento Educação Física escolar, treinamento e saúde

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da valorização das ações relacionadas à nossa prática. Na verdade, o que mais nos chama atenção nesta análise é a questão do Material, já que não se fala tanto como algo que interfira na qualidade da ação docente em Educação Física. Fato interessante, pois, por muitos anos, ouvimos dizer nas escolas, que elas não tinham material e por isso as aulas de Educação Física não poderiam mesmo ter qualidade. Outros dados que surgiram referem-se à questão do Conhecimento, Crescimento Profissional, Troca de Experiências, Auto-crítica e Motivação, as que refletem bem o que o trabalho colaborativo oportuniza, indicando que houve o conhecimento; houve a troca de experiências, ou seja, houve o diálogo entre os pares; houve o processo de se estar auto-avaliando para poder seguir adiante. Acreditamos que, com o processo desencadeado neste grupo de pesquisa, os professores se sentiram motivados a seguir em frente, dialogando com seus pares cada vez mais. Ao questionarmos os professores se esses encontros foram de valia, se lhes trouxe contribuição, o que realmente poderia ser aplicado e se realmente deveríamos pensar em novos encontros, tivemos relatos que muito nos alegram enquanto pesquisadores e professores, pois são relatos nos quais é observado que as propostas que efetivamos e todo o nosso caminhar possibilitaram o crescimento de todos, num processo de diálogo e colaboração. Pudemos observar nas respostas desses questionamentos que os professores perceberam a importância das atividades, demonstrando interesse em continuar a ter um espaço de reflexão e troca. Perceberam-no como momento onde puderam observar que outros colegas de profissão, os quais vivem realidades diferentes das suas, podem ter angústias parecidas, as mesmas dúvidas, as mesmas dificuldades ou os mesmos sonhos. Sentiram-se menos sós em sua jornada docente. Tiveram outros momentos, não somente o horário de intervalos, na sala de professores, para falar dos sentimentos que surgem no fazer cotidiano das aulas. Receberam cuidados, pois estavam ali para construir um novo olhar sobre a prática docente, sob orientação de profissionais interessados neles e na atividade docente que desenvolvem.

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Um caminho possível a seguir Esse trabalho não pretende dar respostas prontas, mas inquietar, indagar, iniciar uma discussão sobre Educação Física escolar nos dias de hoje. Os assuntos abordados foram esmiuçados para que todos pudessem discutir dialogar, participar e construir juntos o conhecimento. Através dos relatos, dinâmicas e leituras, os participantes expuseram o que sentiam, necessitavam e procuravam. Vimos discursos com vieses pessimistas quanto à profissão se transformarem em relatos de esperança. Observamos que os profissionais começaram a realizar uma análise crítica de suas intervenções educativas, demonstrando melhor percepção da prática e a necessidade de mudança. A cada encontro o tom tornou-se mais crítico. Houve uma postura de maior participação tornando os eventos verdadeiros fóruns de discussões. O começo das intervenções foi marcado pela solicitação de fórmulas prontas sobre: como lidar com alunos agressivos, como motivar alunos desmotivados, como lidar com as diferenças individuais, como trabalhar democraticamente numa instituição hierárquica, ou seja, como transformar as aulas sem ter que pensar muito. Os professores estão sedentos por consumir novas metodologias, assim como se consome qualquer bem e produto. Sem responder a essa demanda, prosseguimos com os nossos objetivos e aos poucos notamos que o grupo cresceu na construção do conhecimento. Os relatos dos professores mostraram, progressivamente, maior comprometimento com a ação docente, não responsabilizando somente os alunos, a escola, os colegas e o sistema pelos fracassos escolares. Perceberam-se como membros ativos em todo processo ensino-aprendizagem. Talvez o grande paradigma na educação seja o ato de amar, amar o que se está fazendo, seja com seus pares, com os alunos, com os gestores, seja sua formação continuada, como esses professores veem o mundo e vivem nele, como eles pensam no que é educar. O que é educar é de fato um questionamento que se faz constante em nossas trajetórias profissionais, pois, quando ao olhar que quanto mais lemos e temos acesso às várias informações sobre o mundo e a educação, seja com seus pressupostos e suas teorias, tanto mais percebemos como é difícil Educar e Ensinar. Porém, essa mesma leitura nos faz pensar que Educação Física escolar, treinamento e saúde

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somos humanos e não máquinas, atuando num mundo mecânico, onde o desejo, a vontade e todas as energias de seres humanos estão focados no Ter, na busca incessante por mais bens de capital em detrimento dos valores humanos, descartando a opção pelo Ser. Hoje a escola vive em uma dicotomia entre o ensinar para vida ou ensinar para ganhar a vida, pois quando se ensina para vida, artigo em falta atualmente, ensina-se a resgatar valores antigos, como respeito aos mais velhos, a tradição ensina a pensar livremente, a refletir e construir novos pensares; o professor aqui é um mediador, um motivador de novas descobertas, sem se perder a analogia e a essência do que se passou anteriormente. Porém, a mesma escola que apregoa que os alunos sejam ensinados para a vida, prega que eles devem ser ensinados para ganhar a vida. A escola, nesse sentido, assim se posiciona devido a estar atrelada às diretrizes curriculares nacionais que, por sua vez, seguem os ditames dos órgãos internacionais1. Dessa forma, em um ciclo vicioso, os alunos se tornam números estatísticos ou cifras de que governos e instituições públicas e privadas se utilizam da maneira que lhes convêm. O pior é que muitas vezes os professores não se apercebem desses significados e compactuam com essa situação, por omissão ou falta de uma leitura de mundo. Sobre o pano de fundo de dizer da importância da qualidade, da equidade, da inclusão e outros, estes órgãos e nós mesmos discursamos que vamos pensar e agir na educação de uma maneira tal que possibilite que o nosso ato de Educar os alunos seja transformador. Queremos com isso, mostrar que o mundo lá fora, pode ser encarado de forma competitiva, preparando-os para as novas tecnologias, para novos ambientes, mostrando que mundo agora é o seu quintal, onde eles não precisam sair de casa para estar conectados com este e que através da educação eles estarão inseridos no mundo. Então o que importa realmente? Devemos nos preocupar com os números obtidos nas avaliações? Com os conceitos e conteúdos aprendidos? Ou devemos nos preocupar realmente com a formação do indivíduo e do ser humano? Vemos todos os dias que grandes empresas investem nas relações interpessoais, com vistas a uma maior integração e socialização de seus funcionários, o que nos leva a pensar por que esses valores de relaciona-

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mento e convivência não foram adquiridos na família, na escola ou na universidade. Onde este conteúdo humanístico se perdeu? Conteúdo este que faz sermos e nos sentirmos seres humanos; será que a prática de avaliação de conteúdos visando mensurar desempenhos, não está transformando os educandos em seres repetidores de questões previamente formuladas, pois sua preocupação é decorá-las, para almejar o Ter, perdendo dessa forma o ato de Educar seu significado, fazendo com que eles não reflitam sobre seu ato e sua vida educacional, perdendo também o significado do seu Ser. Como dizia sabiamente o Professor Dr. Silvio Sánchez Gamboa (2004) em várias aulas do curso de Mestrado em Educação da Unoeste que sempre nos lembrou que “enquanto existir a dúvida e a pergunta isso possibilitará que não mistifiquemos o mundo, possibilitando sempre uma nova leitura do mesmo, assim teremos o significado e a importância da pesquisa e para que pesquisar”. Referências 1. Carvalho Filho CA. Aprender a ensinar para ensinar a aprender: a atuação do docente de Educação Física no ensino fundamental: 1ª a 4ª série. [Dissertação de Mestrado]. Pós-Graduação em Educação UNOESTE, Presidente Prudente, 2007. 2. Lévy P. Inteligência coletiva. São Paulo: Edições Loyola; 2007. 3. Baier T, Bicudo MAV. A criação da inteligência coletiva, de acordo com Pierre Lévy, em cursos de Educação a Distância. Acta Scientiae. 2013;15.3:420-31. 4. Berbel NAN. As metodologias ativas e a promoção da autonomia de estudantes. Semina: Ciências Sociais e Humanas. 2012;32(1):25-40. 5. Thurler MG. O desenvolvimento profissional dos professores: novos paradigmas, novas práticas. In: As competências para ensinar no século XXI: a formação dos professores e o desafio da avaliação. Porto Alegre: Artmed; 2002. p.89-111. 6. Felippe MI. Os desafios da motivação. São Paulo: Gestão Plus; 2011. 7. Araújo ML. Formação inicial e continuada para a inclusão pelo docente da educação profissional. 2011. 8. Zabala A. A prática educativa: como ensinar. 2015. 9. Moraes MC. Paradigma educacional emergente. São Paulo: Papirus; 2011. p.55-70 10. Bomfim ABC, Silva SAPS, Maldonado DT. A pesquisa participante na formação continuada de professores de Educação Física: a identificação da realidade. Rev Bras Ciên Movimento. 2014;22(2):133-40. 11. Venâncio L, Darido SC. A educação física escolar e o projeto político pedagógico: um processo de construção coletiva a partir da pesquisa-ação. Ver Bras Ed Física Esporte. 2012;26(1):97-109. 12. Ramos DK, Goeten APM. Aspectos motivacionais e a relação professor-aluno: um estudo com alunos do ensino médio. Camine: Caminhos da Educação. 2015;7(1):23-37. 13. Miziara FM, Bitencourt MP, Abreu MS. Gestão da sala de aula: a autoridade do professor e o fazer pedagógico frente às novas demandas sociais. 2015. 14. André M. Investigando saberes docentes sobre avaliação educacional: ação e pesquisa. Estudos em Avaliação Educacional. 2013;16(3):37-50. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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CAPÍTULO 3 Desafios da prática pedagógica em Educação Física: inquietações sobre a ação docente na “tarefa” de educar Ariovaldo de Souza Ribeiro

Resumo Este texto visa fundamentar a ação do professor enquanto gestor de ambiente de aprendizagem e mediador da formação crítica dos alunos. Parte da premissa que a prática pedagógica em Educação Física está relacionada à ação docente e à compreensão da tarefa de educar para a construção da sociedade. Assim, a evolução histórica da Educação Física na escola possibilita uma visão da prática de ensino considerando uma perspectiva de observação da realidade de modo crítico, apontando facilidades e dificuldades, exigindo a retomada da situação e gerando momentos de reflexão e ajuste do ensino aprendizagem. Introdução A prática educativa transforma o docente em mediador entre o conhecimento e o aluno. O modelo de formação inicial como referencial para sua ação docente impossibilita a satisfação profissional, sendo que, a busca de novas formas de evidenciar o seu trabalho representa ruptura na ação docente que traz à tona a necessidade de modificação na elaboração do conhecimento e na utilização dos mais diversos meios para essa construção. Para ser um profissional é preciso ter autonomia e decidir sobre problemas profissionais da prática relacionados à especificidade do contexto em que trabalha. Portanto, a visão de ensino como transmissão de um conhecimento acabado e formal não atende à sociedade. O conhecimento em construção concorre para modificações e adaptações analisaEducação Física escolar, treinamento e saúde

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das na educação como um compromisso político de valores éticos. Gomes et al.1 destacam que a identidade profissional agregada ao exercício profissional permeia a análise de como e porque as condições presentes se constituem em barreiras à autonomia do professor. Em situações de possível confronto interpessoal, o conflito na verdade deixa de existir, desde que assimilado a uma visão integrada do contexto, na qual se salientam não apenas o direito do outro, como também o direito e a legitimidade da ação profissional. A capacidade reflexiva como processo para regular as ações, os juízos, as decisões, as divergências são aspectos com que o profissional convive. De acordo com Imbernon2, a formação transcende o ensino que pretende uma mera atualização científica, pedagógica e didática. A formação se transforma na possibilidade de criar espaços de participação, reflexão para que as pessoas aprendam e se adaptem para poder conviver com a mudança e a incerteza. A docência na área de conhecimento da Educação Física, na esfera escolar ou na universidade, é desenvolvida em uma sociedade em mudança, com alto nível tecnológico e um vertiginoso avanço do conhecimento. Sanchotene e Nolina Neto3 contribuíram para a discussão a respeito da possibilidade de se produzirem mudanças nas práticas por meio de uma reflexão consubstanciada em teorias pedagógicas recentes. Os professores aprimoram seu trabalho ao longo da carreira e a experiência confere à prática pedagógica uma qualidade potencialmente superior que é primordial como variável importante para compreensão do trabalho educativo e para a ação e formação dos professores. O professor, como sujeito da prática pedagógica, é o elemento que desencadeia os processos de elaboração crítica (ou acrítica) do saber na escola, que mediatiza a relação do aluno com o sistema social. O docente executa um trabalho prático permeado por significações, ainda que concretizado numa rotina fragmentada. A formação de professores críticos e reflexivos, de intelectuais engajados e capacitados para a construção da cidadania na sala de aula, é desafio emergente e imprescindível em qualquer tentativa consequente de transformação da sociedade. A atuação do professor imerso na sociedade globalizada exige que ele seja reflexivo, unindo seus suportes peda-

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gógicos, cognitivos e afetivos, tornando-se flexível e construtor de ações que permitam o melhor desempenho da profissão. Silva4 observou que a ação docente é construída por meio de conhecimentos científicos e deve apontar para uma diferença significativa em relação ao saber escolar. Por meio da especialização, a ciência constrói e refina seus conceitos que, ao serem transmitidos pela escola, vão sofrer um processo inverso, isto é, devem novamente adquirir referências com a realidade, a fim de serem compreendidos e traduzidos numa linguagem cotidiana. A transmissão da ciência pela escola centra-se na questão dos princípios fundadores de cada área do conhecimento ou nos processos metodológicos e intelectuais que lhes são próprios. O saber escolar está ligado à atividade de construir significados assimiláveis pelo aluno, fazendo uso da razão, do raciocínio normalizado, organizando o conhecimento numa sequência compreensível, que deverá ser assimilada por meio de exercícios que visem estimular e favorecer a aprendizagem. Na visão de Arroyo5, a nova figura do docente, além de ser um bom transmissor do conhecimento, deve ter esse conhecimento relacionado com uma visão histórica, com a dinâmica social e a estrutura do poder. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) revelam esse percurso. Os PCNs não são uma listagem de conteúdos. Cada área é conectada com a formação cognitiva e social dos alunos. É dada uma nova ênfase ao desenvolvimento das pessoas, das sociedades, na formação de cidadãos. Arroyo5 definiu o novo papel da escola que é o de ser uma comunidade de aprendizes que se apoiam uns aos outros tendo o professor como mediador, operacionalizando procedimentos. Insistir em recuperá-la como um coletivo de aprendizes mútuos é reafirmar o insubstituível papel de sujeitos nos processos de aprendizagem. De acordo com Alarcão6, o docente deve ter em mente que a escola é um todo que faz a ponte entre o professor, o aluno e o conhecimento. A formação de um profissional reflexivo implica em incluir a intenção de conhecer o mundo que o cerca. Seu trabalho não é isolado e está em parceria com a escola e a comunidade, de forma a se observarem, se analisarem e se desenvolverem, sempre lembrando que o conhecimento é resultado da compreensão das informações. Pimenta7 salienta que o conhecimento do professor não pode ser Educação Física escolar, treinamento e saúde

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desvinculado da relação entre teoria e prática, nem de sua função de analista de problemas morais, sociais e políticos da educação, tampouco de um contexto concreto. É num contexto específico que o conhecimento profissional se converte em um conhecimento experimentado por meio da prática, ou seja, por meio do trabalho, intervindo nos diversos quadros educativos e sociais em que se produz a docência. Essa reflexão e análise reforça a ideia de que precisamos fortalecer cada professor possibilitando-lhe se instituir como elemento produtor de cultura e conhecimento, e não como simples consumidor de informações. Correia8 ressaltou a importância do debate teórico, do aprofundamento de estudos e das melhorias e adequações não só na formação inicial dos diferentes agentes educacionais, mas também nas oportunidades de continuidade e aprofundamento dessa formação ao longo da vida profissional. A formação de professores e especialistas de ensino não se constrói por acumulação de informações, cursos, técnicas, mas pelo aprendizado e exercício, individual e coletivo, da reflexão crítica sobre as práticas e os contextos de trabalho, oportunizando reconstrução da identidade profissional e pessoal. As práticas tradicionais de pesquisa em educação e as diferentes formas coletivas de pesquisa sobre ensino, com participação direta e efetiva dos professores possibilitam alternativas de ação promissoras. A ação na pesquisa tem como opção metodológica fecunda a compreensão e as mudanças do processo pedagógico, uma vez que tais práticas podem levar pesquisadores e professores a estreitar a lacuna entre a realização das pesquisas sobre ensino e à implementação de seus resultados. Segundo Tedesco9, as modificações nas atividades educativas assustam o docente. O monopólio do docente sofre uma concorrência entendida como desleal por conta do sentimento de estabilidade que imobiliza o professor e anula a dinâmica de sua prática profissional. A profissionalização baseada no desenvolvimento da capacidade profissional, isto é, das aptidões necessárias ao desenvolvimento das atividades induz o professor a manter o aprimoramento de conhecimentos por interesse em ampliar sua capacidade intelectual como elemento primordial de sua profissão e construtor ativo do sistema educacional.

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A postura política do professor reflete seu posicionamento profissional e compromisso com a educação em duas situações. Os docentes básicos serão encarregados da formação do núcleo duro da estrutura cognitiva e pessoal atendendo a escola de ensino fundamental e médio, permitindo ao aluno desenvolver sua criatividade e criticidade. Os docentes especializados serão responsáveis pela formação em determinados campos específicos da atividade profissional, como continuação e pesquisa de novos elementos que complementem a vida profissional e intelectual do professor. A atividade docente não permite neutralidade em relação aos problemas e temas que são apresentados e debatidos na escola. A neutralidade e a indiferença não fazem parte do contexto do professor, pois é preciso assumir posições e, com cautela, discuti-las e modificá-las privilegiando momentos de exposição em grupo. Gamboa10 afirma que, como gestores do processo de aprendizagem, os professores deveriam ser o acontecimento ideal de todos os dias, pois só quem tem o espírito crítico é que não toma tudo como verdade, que desconfia de posições e procura estabelecer relações para constituir uma opinião satisfatória momentânea. A Prática de ensino da Educação Física em uma perspectiva crítico-reflexiva A observação sobre a realidade dos graduandos em Educação Física precisa ser orientada em direção à sua autonomia. O respeito aos conhecimentos prévios e à realidade cotidiana deste aluno determinam a organização do processo educacional, considerando a preparação para desenvolver sua função futura de educador. De acordo com os PCNs11, na sala de aula, a autonomia tem como pressuposto, além da capacidade didática do professor, seu compromisso e cumplicidade com os alunos, que fazem do trabalho cotidiano de ensinar um permanente voto de confiança na capacidade de todos para aprender. O professor como profissional constrói sua identidade com ética e autonomia se, inspirado na estética da sensibilidade, busca a qualidade e o aprimoramento da aprendizagem dos alunos e, inspirado na política da igualdade, desenvolve esforço continuado para garantir a todos oportunidades iguais de aprendizagem e tratamento adequado às suas Educação Física escolar, treinamento e saúde

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características pessoais. A relação entre docente e discente caracteriza o maior envolvimento no processo para ampliação de aquisição e produção de conhecimento. A intenção é que o professor possa selecionar e organizar os conteúdos diante da realidade e das expectativas dos alunos, utilizando metodologias pautadas em categorias que considerem a função da escola, a relação estreita com a proposta pedagógica da escola e a realidade do aluno atendido. Shigunov12 indica a necessidade de se pensar na formação de professores articulada à pesquisa, pois esta é fundamental na construção do saber-fazer docente. O professor, como gestor do ensino, deve gerar conhecimento novo sobre sua prática docente. O que alguns determinam como vivência, precisa transformar-se em estudos científicos sobre a ação docente, construindo uma base estrutural da Educação Física. Base esta utilizada para subsidiar o futuro do professor e uma reflexão conjunta sobre a área de conhecimento Educação Física. A participação eminente do professor em cursos, congressos e simpósios que tratem de assuntos pertinentes à Educação Física desperta o ímpeto em gerar conhecimento. Esse conhecimento novo exige estudo aprofundado do objeto pesquisado, sendo indispensável que o professor investigue o próprio fazer e desenvolva ações que não permitam a estagnação do profissional, pois o profissional de Educação Física possui fundamentos pedagógicos, em assuntos biomédicos e técnicos de ginásticas e desportos, tornando-o assim um dos profissionais com campo de especialização mais amplo e repleto de modificações. O estudo sistematizado na área da Educação Física ficou fortalecido, frente à preocupação de um grande número de professores, fazendo com que novos projetos fossem propostos e, consequentemente, novos avanços fossem alcançados, ampliando a discussão sobre a Educação Física e a necessidade de repensar a atuação cotidiana do professor a todo instante. Para Shigunov12, na Educação Física, o novo que se abre é um leque de possibilidades na formação inicial e continuada de professores, é a ruptura com a prática repetitiva e rotineira, é o estrangula-

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mento da aparente competência técnica, marcada pela usura de tempo, é a demonstração da capacidade de voltar a estabelecer diálogos e realizar leituras do complexo contexto da sala de aula, é a revalorização do pensamento prático do professor para compreender os processos de ensino e aprendizagem, é repensar o papel do professor como profissional da educação em sua acepção maior. Neira13 admite que as novas tendências investigativas sobre formação de professores valorizam o que se tem denominado como professor reflexivo. O tecnicismo que marcou o trabalho e a formação de professores no século XX e início do século XXI transferem, paulatinamente, seu lugar para um novo tipo de professor. O educador agora é entendido como um intelectual em processo contínuo de formação. A reelaboração dos saberes iniciais junto com uma análise das experiências práticas vivenciadas no cotidiano escolar configura um processo coletivo de troca de ações reais. A produção de conhecimentos na Educação Física faz com que as ações sentidas e valorizadas sejam consolidadas como espaço lúdico que possibilite novos significados nos objetivos epistemológicos. O surgimento de novas práticas e possibilidades que reconheçam a subjetividade da natureza humana, a fomentem, valorizem a simbolização que tem suas experiências e interpretem sua realidade9,14. A análise das reformas educativas deve possibilitar um posicionamento crítico do professor atuando como responsável pela elaboração do plano educacional e não como ator coadjuvante que copia e aplica sem distinção planos desenvolvidos por outros atores sociais, institucionais e/ou políticos. A formação reflexiva caracteriza a formação de um novo professor, aumentando a sua capacidade de encarar a complexidade. O profissional precisa observar incertezas e injustiças no ambiente escolar como ferramentas para reconstrução de conceitos e uma reestruturação crítica da realidade. De acordo com Neira13, entender a rotina do dia a dia com todas as suas dificuldades como algo que merece atenção e buscar caminhos melhores são os primeiros passos na mudança educacional que pretende gerar o cidadão novo. Segundo Gebara et al.15, a formação geral prepara o profissioEducação Física escolar, treinamento e saúde

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nal, proporcionando-lhe as condições de ultrapassá-la mediante o exercício de uma consciência reflexiva e crítica que lhe faculte a formação de seu próprio projeto. A prática desenvolvida pelo professor em seu projeto relaciona o saber fazer e as técnicas determinando o ser humano como receptor e sujeito de toda ação. Essa formação do profissional resulta na elaboração de um contexto histórico e social real com o objetivo definido. O domínio de teorias é imprescindível no campo acadêmico para vida profissional, pois permite ao profissional analisar a realidade em que vai atuar. O conhecimento de teorias sociológicas permite interpretar como a sociedade funciona e qual sua posição política e visão social da realidade que o rodeia. Aspectos do próprio conceito de desporto variam segundo cada teoria motivando a atuação definida de acordo com a necessidade de utilização. O desporto educacional infere objetivos que estão ligados ao atender com qualidade a sociedade ou futura sociedade, edificando valores e conceitos. As teorias da aprendizagem motora permitem entender a questão da aprendizagem independentemente da idade, subsidiando elementos para compreensão dos aspectos morfofuncionais e de desenvolvimento gradual do indivíduo. Neira e Nunes16 mencionam que o termo prática pedagógica na educação é utilizado para desmistificar e esclarecer os níveis necessários para que se alcance uma educação comprometida com a transformação da sociedade. A prática pedagógica tem forte relação com a didática utilizada pelo docente e, se essa tiver característica acrítica e repetitiva, produz estagnação do conhecimento, mas ao constituir uma ferramenta que possibilita a organização e reflexão sobre as ações efetuadas contribui para a modificação da ação docente. A Educação Física convive com algumas dualidades e dicotomias como: ensino x aprendizagem e teoria x prática, porém, nesse momento a prática pedagógica insere um novo contexto de reducionismo que infere uma visão de resolução de problemas e aproximação das relações existentes. Medina17 salienta que toda atividade será mais ou menos humana na medida em que se vincula ou desvincula a ação à reflexão. As possibilidades de desenvolvimento e processamento das atitudes

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são inúmeras, tendo em vista uma produção consciente. Assim configura-se a relação teoria e prática. Na relação teoria e prática é indispensável revisar com profundidade as aplicações dos diagnósticos nas etapas formativas dos docentes considerando fundamentalmente a contextualização da prática. Deve-se oferecer ao docente maior participação na elaboração de planos e programas, demonstrando que as práticas favorecem sua formação e do grupo do qual faz parte. Essa atitude pode resultar em caminhos que ajudem a conhecer com maior profundidade o aluno como ser social, a indagar sobre sua vida extraescolar , a história familiar. Aos docentes, cabe humanizar as práticas construindo um marco referencial real formado pela soma das histórias do grupo, descobrindo relações mais funcionais entre a escola e as necessidades de interesse apreciadas diariamente nos livros. A Educação Física pode atender pedagógica e afetivamente o significado social e a demanda cultural do meio onde se desenvolve. Neira13 entende a prática pedagógica como referência que configura a prática como ação gerando o desenrolar de um processo sistematizado com objetivos claros para atender o ser humano. Os processos educativos são suficientemente complexos para que não seja fácil reconhecer todos os fatores que o definem ou que não atendam a realidade social do país. Para Medina17, o professor de Educação Física tem como função essencial promover, como agente transformador e renovador, a cultura em que vive. A prática é uma constante na vida deste profissional, mas sem a permissividade de ações incoerentes e incompletas. As ações efetivam mudanças individuais ou coletivas em determinada situação dinamizando a realidade e partindo de uma estruturação da teoria que funcione como suporte unilateral para explicar o produto. O professor de Educação Física deve refletir sobre sua prática cotidiana para compreender as características particulares do processo de ensino-aprendizagem e o contexto onde este se desenvolve. O envolvimento dos docentes na construção da capacidade necessária para estudar e interpretar os possíveis marcos socioculturais que influenciam a Educação Física como prática social configura a esEducação Física escolar, treinamento e saúde

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sência da profissão. A prática pedagógica tem relação estreita com a prática social que infere em sintonia entre teoria-prática e que é sustentada por objetivos, idealizando e formulando questões em que está presente a subjetividade humana materializada pelo conjunto de meios e instrumentos com os quais se exerce a ação. As ações pedagógicas dos professores (fazer pedagógico), cuja finalidade é a transformação do ser humano, devem ser reflexivas, críticas e criativas. A prática é a própria ação guiada e mediada pela teoria. A prática vale como compreensão teórica respondendo às inquietações e indagações da ação. A teoria e a prática não existem isoladas, encontram-se configuradas para um acontecimento único onde, por necessidade, pode preponderar a influência de uma ou outra, mas mantendo uma característica primordial de unidade. A noção de prática pedagógica pode ser ressignificada em sua especificidade e reconceituada a partir de sua identidade epistemológica, fundamentada em elaborações e iniciativas que busquem uma educação comprometida com a transformação da sociedade, reconhecendo e defendendo a Educação Escolar. Nesse sentido, a Educação Física deve apresentar uma relação coerente entre educação e sociedade, caracterizando o papel do professor e servindo de justificativa para sua prática pedagógica. O saber pedagógico permite contextualizar as práticas docentes e inclui um saber sobre o ensinar e aprender em educação física. Uma fundamentação específica propõe uma intervenção pedagógica desde a própria vivência pessoal transformada em contexto sociocultural determinado. Assim, prática pedagógica traduz uma situação em que há, sistemática e intencionalmente, uma estreita relação entre o processo e produto da formação humana, no que concerne à apropriação do saber. Considerações finais Esta reflexão sugere a prática pedagógica do professor de Educação Física inovando com uma proposição metodológica de aula. A perspectiva teórica insere um material de referência a respeito da atuação e formação profissional desvelando os conflitos e aproxima-

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ções da postura docente frente ao ambiente de aprendizagem. A análise da ação do professor em diferentes ambientes de ensino comprova a eloquência na discussão sobre a prática pedagógica, refletindo o comprometimento do professor e sua emancipação na produção de uma nova experiência para sala de aula. A complexidade da discussão sobre a prática pedagógica ou prática de ensino significa compreender uma experiência pautada no cotidiano do professor e no momento onde realmente desenvolve sua função, a sala de aula. A classificação de vivência atribuída ao desempenho do professor no cotidiano deve ser repensada como um currículo individual construído à base de experiências únicas. Experiências que fazem referência a uma tomada de decisão para formação do aluno e crescimento intelectual do professor. A postura política do professor exerce um efeito positivo diante da sociedade, o trabalho pedagógico está relacionado à formação do cidadão crítico preparado para atuar na comunidade. A prática pedagógica do professor de Educação Física abordada no estudo faz referência à organização do trabalho pedagógico, o momento da aula e o trato com o conhecimento na dinâmica de condução das informações e estabelecimento de comunicação. A aprendizagem significativa em ambientes diferenciados e as ferramentas de ensino-aprendizagem atestam a importância de uma construção com base sólida que coloca à prova o conhecimento do professor. Essa construção permite ao professor ressaltar a sua posição política e exercer sua função de apropriação dos meios de produção do conhecimento com base na teoria, buscando metodologias flexíveis e coerentes, organizando a prática pedagógica não fragmentada, possibilitando a ação pedagógica crítica. Considerando que a prática pedagógica do professor está articulada à sistematização de informações e aproximação da comunicação para compreensão da comunidade escolar, o professor, com seus saberes docentes, políticos e afetivos, deve atender a todos os elementos específicos relativos às construções articuladas vislumbrando o desenvolvimento educacional e potencializando a ação docente como caminho de transformação da realidade. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Referências 1. Gomes PMS, Ferreira CPP, Pereira AL, Batista PMF. A identidade profissional do professor: um estudo de revisão sistemática. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2013;27(2):247-67. 2. Imbernon F. Formação docente e profissional: formar-se para mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez; 2001. 3. Sanchotene MU, Nolina Neto V. Práticas pedagógicas: entre a reprodução e a reflexão. Rev Bras Ciênc Esporte. 2010;31(3):59-78. 4. Silva MLR. A complexidade inerente aos processos identitários docentes. Notandum Libro. 2009;12:45-58. 5. Arroyo MG. Ofício de mestre: imagens e auto imagens. Petrópolis: Vozes; 2000. 6. Alarcão I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez; 2011. 7. Pimenta SG. Didática e formação de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São Paulo: Cortez; 2011. 8. Correia WR. Educação Física Escolar: entre inquietudes e impertinências. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2012;26(1):171-8. 9. Tedesco J. O novo pacto educativo. São Paulo: Editora Ática; 2002. 10. Gamboa SS. Fundamentos para lainvestigación educativa: pressupostos epistemológicos que orientan al investigador. Coleção mesa redonda. 2.ed. Colombia: Cooperativa Editorial Magistério; 2001. 11. Brasil. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Ministério da Educação. Brasília: Ministério da Educação, 1999. 12. Shigunov V. Educação Física: conhecimento teórico x prática pedagógica. Porto Alegre: Mediação; 2002. 13. Neira MG. Educação Física: desenvolvendo competências. São Paulo: Phorte; 2003. 14. Morin E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Ed. Cortez; 2000. 15. Gebara A. Educação Física e esportes: perspectivas para o século XXI. 17ª ed. Campinas: Papirus; 2014. 16. Neira MG, Nunes MLF. Contribuições dos estudos culturais para o currículo da educação física. Rev Bras Ciênc Esporte. 2011;33(3):671-85. 17. Medina JPS. A educação física cuida do corpo e... “mente”: bases para renovação e transformação da educação física. 26ª ed. Campinas: Papirus; 2014.

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CAPÍTULO 4 Educação física escolar na atualidade: a responsabilidade docente e a necessidade de boas práticas Carlos Augusto Carvalho Filho, Marcelo Crepaldi Leitão

Resumo O desenvolvimento de práticas mais socializantes e pautadas em relações mais humanizadas entre professores e alunos no cotidiano das atividades escolares é uma tendência da Educação Física contemporânea. Para isso, é preciso integrar a prática educacional, criando uma relação recíproca entre o professor e o aluno, para favorecer seu processo de formação de maneira crítica, ativa e criativa. Isso acontece por meio de relações interpessoais, num ambiente favorável ao aprendizado e desenvolvimento do aluno, no qual pode expressar sua própria forma de ver o mundo, seus próprios sentimentos, emoções e opiniões. Introdução Quando nos deparamos, atualmente, com as diferentes tendências que tem norteado nos últimos anos o processo educacional no país, não é difícil observar, embora alguns autores contemporâneos já tenham se manifestado acerca do tema, que existe um discurso muito forte no sentido de desenvolver práticas mais socializantes e pautadas em relações mais humanizadas entre professores e alunos no cotidiano das atividades escolares. Porém, embora estas sejam palavras de ordem na nova educação, o que verdadeiramente observamos é que muitas ações desta natureza ainda acontecem de forma restrita e outras apenas são colocadas em prática esporadicamente. Tal fato nos leva a compreender que sem a incorporação maciça destas intenções em ambiente escolar, ou mesmo a não preocupação Educação Física escolar, treinamento e saúde

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do docente com a organização de conteúdos relevantes pautados num ensino mais humanizado, certamente não permitirá que os alunos usufruam de uma sequência satisfatória de atividades que evidentemente poderiam lhe garantir ao longo de suas participações na vida escolar, a construção de competências necessárias e esperadas pela educação, no que se refere ao seu desenvolvimento pleno. Remetendo nosso pensamento à Educação Física escolar, entendemos como aspecto fundamental no processo de ensino e aprendizagem, que todos os educadores físicos, devem primeiramente se situar como educadores ao estarem habilitados para o desenvolvimento de qualquer prática acerca de sua especificidade, para somente depois compreender a importância de sua formação específica e seus conteúdos a serem socializados. Saviani1 afirma que todo educador deve estar a serviço dos interesses do educando em toda e qualquer relação educativa, salientando que esta é uma condição essencial e que “nenhuma prática educativa pode se instaurar sem esse suposto”. [p.82] O objetivo de todo processo educacional se resume na transformação dos alunos para melhor. Em consonância com este preceito básico, Saviani2 também destaca ser este um processo de transformação do indivíduo dentro de uma sociedade e que tal processo é um fenômeno próprio dos seres humanos, sendo o trabalho educativo o ato de produzir, em cada educando, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto de homens. Com base nas informações supracitadas e voltando nossos olhares à Educação atual no Brasil, podemos notar que a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/963 e os Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação Física4 vislumbram em seus objetivos que a construção dos processos educativos esteja estruturada na socialização de conceitos, procedimentos e atitudes, e estes devem ser vivenciados pelo aluno durante todos os anos, na educação básica. Segundo Coll et al.5, os conteúdos conceituais estão relacionados ao “saber”, aos conceitos, ao aspecto cognitivo; os procedimentais, ao “saber fazer”, aos procedimentos, ao aspecto operacional; os atitudinais, ao “ser”, às atitudes, ao aspecto afetivo-social. Em tese, estas propostas anunciadas pelos documentos oficiais,

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orientam educadores em todas as áreas deste segmento, por meio das pedagogias adotadas, a elaborarem metodologias e estratégias de trabalho com a intenção de desenvolver nos alunos uma formação voltada para a aquisição de sua autonomia, tanto no sentido operatório, quanto no sentido moral. Assim, esta ideia se torna o grande desafio das propostas pedagógicas da atualidade, haja vista que se o método de ensino praticado por certo professor se restringe a práticas mais tradicionais, reprodutivas, estritamente técnicas e pouco interativas, dialogadas e democráticas, em tese, certamente será mais difícil que alunos sejam mais autônomos. Ao tomarem em mãos as intenções destas propostas de ensino na atualidade e na esperança de um aluno mais autônomo, muitos educadores direcionam suas práticas diárias a modelos mais abertos de ensino, com a exercitação de pedagogias ativas, como aquelas que podem, em seu exercício diário, construir em longo prazo um comportamento mais alinhado deste aluno com aquilo que a atual Educação propõe. Voltamos novamente o nosso pensamento para a Educação Física escolar. Entendemos, na atualidade, que um fato que muitas vezes tem causado preocupação no desempenho profissional do educador físico atuante nesta área específica é que, em comparação a outros componentes curriculares, a Educação Física escolar, possui ainda, por vezes, com exceções que competem a muitos educadores comprometidos com o processo de ensino e aprendizagem, uma forma muito simplista desenvolvida em todos os níveis de escolaridade, em que parte desses profissionais não atribui grande importância à elaboração de um planejamento eficaz e sequencial, atitude que poderia conduzir à construção de inúmeras competências na formação dos alunos, se estes fossem colocados em prática diariamente e a contento. Ao analisarmos estes aspectos importantes que delineiam os caminhos a serem percorridos para que tenhamos no Brasil uma Educação Física escolar de qualidade, entendemos que o educador físico deve frequentemente se basear por questões norteadoras que poderiam servir de estímulo para uma atuação comprometida e eficaz em seu dia a dia, tais como: quais os benefícios que os conteúdos escolhidos em meu planejamento, podem oferecer ao desenvolvimento das crianças sob minha responsabilidade docente? Meu trabalho possui uma sequência satisfatória a ponto de poder observar a evolução dos alunos em diferentes aspectos Educação Física escolar, treinamento e saúde

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de seu desenvolvimento? O componente curricular que sou responsável neste momento possui relevância, do ponto de vista do entendimento do aluno? Como devo trabalhar para atingir os objetivos que apontam para o desenvolvimento de diferentes competências nos alunos? Tais indagações requerem grande responsabilidade dos licenciados em Educação Física no sentido de estarem preparados para exercer funções tão desafiadoras, bem como requerem a necessidade de uma formação sólida e atualização, que serão fundamentais na construção de planejamentos estruturados que venham a atender às necessidades dos alunos em cada faixa etária específica, durante sua jornada na escola. Responsabilidade docente Educar e ensinar na atualidade requerem, antes mesmo de toda formação acadêmica construída pelo docente com base nos saberes enciclopédicos, uma grande responsabilidade que deve perpassar as intenções de uma educação voltada somente para a instrução e por um desempenho técnico mais aprimorado. Educadores contemporâneos devem estar constantemente preocupados com o planejamento de suas ações, bem como com o resultado de seus ensinamentos ao longo de toda a vida escolar do aluno. Com efeito, quanto mais atividades sustentadas em bons planejamentos forem executadas em ambiente escolar, pelo maior número de professores, menos fadada ao insucesso estará a Educação atual e com maiores possibilidades de chegada aos objetivos propostos estarão os alunos. Morais6 observa que educar é marcar com sinais significativos, sendo algo difícil e trabalhoso. Já o termo ensinar é um amplo movimento de vida entre o educador e o educando e para tanto é necessário que seja dosado de comunhão humana e respeito pela privacidade dos elementos envolvidos. É oferecer frequentemente ao aluno uma caminhada independente numa jornada positiva e inesquecível. Para o autor, também é algo que nasce de um compromisso de vida e de uma paixão pelo saber e pelos encontros humanos. Observamos, por intermédio da fala do autor, que não basta ao educador, esteja este atuando no universo da Educação Física escolar ou em qualquer outra área de formação específica, somente o desempenho diário de suas funções, mas algo muito mais amplo que deverá compre-

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ender dimensões que ultrapassam os muros escolares. Estas ações remetem a eles uma grande responsabilidade para com o processo e para com o outro, ao estarem de posse desta profissão. Podemos notar também, nas palavras de Tedesco7, sua crítica aos modelos vigentes e tradicionais de ensino que valorizam a obediência e a memorização. O autor tece alguns comentários importantes sobre a educação atual de forma geral e demonstra preocupação com certa omissão das Instituições educativas em valorizarem as práticas sociais entre os alunos. Para o autor, atualmente as escolas estimulam obediência e memorização, quando deveriam desenvolver mais o pensamento sistêmico e a experimentação. Propõe mais trabalhos grupais em vez de educação para competição e acredita que a tendência das políticas educativas do futuro será fortalecer a educação básica, com atividades voltadas para a construção da autonomia dos alunos e a capacidade de estabelecer relações construtivas com seus pares. Enfim, entendemos que o momento atual do cenário educacional brasileiro necessita de profissionais que pensem na construção de um indivíduo indissociável do ponto de vista do desenvolvimento das mais diferentes competências a serem adquiridas durante sua estada na escola. Perrenoud8 define competência como “uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles” [p.7], ou seja, para enfrentar uma situação de forma eficaz deve-se colocar em ação vários recursos cognitivos de que o indivíduo dispõe, entre os quais estão os conhecimentos. Diante destes apontamentos, faz-se necessário ao educador físico, algumas reflexões importantes no sentido de alinhar sua prática pedagógica com grande responsabilidade, no momento atual. Responsabilidade docente na Educação Física Leitão9 relata que: com o surgimento das resoluções CNE 01/200210 e 02/200211 que regulamentam os cursos de licenciatura no país, nas quais, os cursos de licenciatura em Educação Física foram incluídos e que passaram a vigorar a partir do início de 2006, bem como, a resolução CNE 07/200412 que aponta as diretriEducação Física escolar, treinamento e saúde

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Novas Tendências em Educação Física zes para os cursos de bacharelado em Educação Física, ficou bem clara a decisão do Ministério de Educação e Cultura, no tocante à formação profissional em Educação Física, ou seja, a habilitação generalista dos profissionais licenciados antes das referidas resoluções perdeu seu espaço no novo contexto educacional. Assim, as licenciaturas em Educação Física, habilitam atualmente profissionais que irão atuar somente na Educação básica, enquanto que os cursos de graduação (Bacharelado em Educação Física), regidos pela resolução 07/200412 habilitam profissionais para todos os segmentos do mercado, excetuando-se a educação básica. [p.31]

Com base no exposto, podemos observar que as duas habilitações para a área de Educação Física ganharam maior especificidade na formação de professores. Esperamos com isto que estas formações exclusivas possam contribuir nos próximos anos para maior qualidade na formação profissional. Leitão9 observa ainda que esta é uma ocasião oportuna para a retomada do pensamento em relação à atuação pedagógica dos professores, sendo também momento de mudança, de reflexão e conscientização, que possa desencadear trabalhos mais planejados e boas práticas docentes, com base nas perspectivas apontadas pela educação atual. O educador físico, em sua formação acadêmica contempla uma grande diversidade de disciplinas, estágios curriculares e atividades complementares obrigatórias para integralização das horas necessárias à conclusão de sua jornada. Durante este período, é previsível que haja um amadurecimento deste acadêmico, no que tange ao entendimento de sua futura atuação no mercado de trabalho, bem como a postura profissional necessária e as competências adquiridas na universidade que poderão lhe garantir um desempenho que atenda minimamente às necessidades educativas esperadas. Entendemos como condição sine qua non no desempenho de qualquer função didático-pedagógica, que todo profissional de Educação Física, seja recém-formado ou com experiência adquirida em anos de trabalho, deve estar constantemente atualizado e sintonizado às novas demandas educacionais, as quais foram mencionadas anteriormente, haja vista que com boa formação e em consonância com os valores educacio-

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nais veiculados nos documentos, podemos esperar um salto qualitativo na rotina das aulas. Compreendemos também que esta temática é de fundamental importância para a garantia de aulas de Educação Física com qualidade e profissionalismo e, sobretudo, com fundamentação científica e pedagógica, haja vista que os profissionais aptos a trabalharem no magistério possuem a responsabilidade de conhecer de forma aprofundada fatores relacionados ao desenvolvimento psíquico, emocional, motor e cognitivo de crianças e adolescentes que cursam a educação básica, para poderem elaborar bons planejamentos de aulas com vistas a contribuir no crescimento e desenvolvimento dos alunos com as mais diferentes necessidades durante toda a sua escolarização. Boas práticas em Educação Física Neste capítulo gostaríamos de apresentar ao leitor e ao mesmo tempo compreender melhor os processos que levam professores a construir boas práticas, no sentido de romper ou não dar continuidade à cultura escolar da Educação Física presente e hegemônica conforme relatam os autores Silva e Bracht13. Estes apontam que, ao colocarmos a questão nestes termos, entendemos que buscar boas práticas requer uma discussão que possibilite a realização destas boas práticas, então é preciso problematizar e discutir como utilizar esse conceito. Silva e Bracht13 caracterizam a prática pedagógica na Educação Física em três tipos observados na maioria das escolas, sendo a primeira aquela que contém a tradição que foi construída nas décadas de 1970 e 1980 e que se instalou facilmente nas escolas. Já a segunda se caracteriza como um desinvestimento dos professores, os denominados professores que “rolam a bola” e a “pedagogia da sombra”. A terceira vai se caracterizar pela busca da inovação, busca na modificação e fugir da tradição instalada. A prática do primeiro tipo caracteriza os professores por organizar o ensino no aprimoramento da prática de alguns esportes, conhecidos como o “quarteto fantástico” (voleibol, basquetebol, handebol e futebol). Em seus estudos, Silva14 aponta que os professores que se caracterizam como o “professor rola a bola” e/ou “pedagogia da sombra”, desejam manter seus alunos ocupados com alguma atividade, e que podem ser reEducação Física escolar, treinamento e saúde

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conhecidos dentro do ambiente escolar como administradores de material esportivo. Já no terceiro tipo, que é o menos visto, é o que desejamos como pesquisadores e educadores, que seja cada vez mais uma vertente entre nossos pares. Denominada de prática inovadora, tem em sua essência a busca do professor que busca por: inovar os conteúdos, aplicar outras manifestações da cultura corporal de movimento; envolver o aluno como sujeito do conhecimento, construindo um ambiente de co-gestão das aulas; envolver os alunos nas decisões do que avaliar, como avaliar e no próprio ato de avaliação; articular a Educação Física ao projeto pedagógico da escola; desenvolver os conteúdos de forma progressista e com a preocupação sistematizadora13,14,15. Uma ação docente, conforme Oliveira et al.16, denominada de boa prática, diferentemente do que se pensa no senso comum acadêmico, não é apenas um fazer diferente, mas estabelecer uma fazer pedagógico estruturado em pressupostos pedagógicos. Uma prática pressupõe um conhecimento experiencial, tomado este como um diálogo permanente entre o agente e os condicionantes sociais e culturais da ação. Quando um professor se propõe a dar uma aula ele não ensina o que quer, mas ensina algo a partir das diretrizes curriculares, o fato é que este professor raramente participa da construção desta proposta. Porém, ao construir suas ações docentes na aula obedecendo às diretrizes curriculares, mas colocando aquilo que pensa ser o melhor para aquela escola e grupo de alunos, o professor procura ali estar oferecendo novas possibilidades de aprendizado, construindo novos saberes. Silva14 e Fensterseifer e Silva15 apontam que a Educação Física escolar vive em constante transição em sua prática pedagógica, caracterizada por situações que fazem com que seja buscada uma prática que ultrapasse a questão dos esportes conhecidos e mais jogados no dia a dia ou o exercitar-se mais na procura de novos conhecimentos relacionados às manifestações da cultura corporal de movimento. Na verdade devemos compreender que é de suma importância que a prática pedagógica do professor vá além do se apropriar de dados, conteúdos, resultados, metodologias, estratégias e didáticas15 A prática docente define-se pela estabilização de certas maneiras de agir, o que não significa inércia, repetição mecânica ou apego a fórmulas congeladas. Prática é aquilo que fazemos, porque nossas ações são

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no nosso cotidiano, mostraram-se valorosas ou não, sofreram a pressão das condições mais adversas ao longo dos anos e se estabilizaram. Desta forma, por mais que vejamos muitas vezes nos discursos que é preciso alterar ou transformar práticas, este é um fato que não é tão simples. Devemos lembrar que elas estão alicerçadas nas experiências, nas trajetórias de vida e nas memórias dos professores. A partir das discussões apresentadas por Oliveira et al.16 é necessário refletir que muitas vezes ao se ignorarem essas dimensões do ser professor, muitas teorias pedagógicas não levam em conta estas observações na possibilidade de formação de professores e proclamam a existência de um tipo ideal de professor, como se isso fosse possível. De acordo com Siqueira e Gonçalves17, hoje precisamos integrar a prática educacional e fazer com que exista uma relação recíproca entre o professor e o aluno. Assim, esta relação possibilitará que o professor construa um processo de mediação do conhecimento, o que poderá favorecer a participação do aluno em seu processo de formação de maneira crítica, ativa e criativa. Ao procurar por ações docentes desta natureza, temos a possibilidade de que o professor crie um ambiente favorável ao aprendizado e desenvolvimento de seus alunos, no qual eles possam expressar sua própria forma de ver o mundo, seus próprios sentimentos, emoções e opiniões. Para Rossetto Jr. et al.18, o professor deve refletir sobre sua própria prática para passar a conhecer suas competências, habilidades, limitações e os desafios em seu contexto de intervenção, construindo assim um processo de reorganização de sua atuação. Considerações finais As boas práticas têm uma relação íntima com as histórias de vida dos professores e a forma como se relacionam com sua profissão na sua atuação docente nas relações professor x aluno. Esses fatos potencializam as boas práticas, desta forma alterando também o sentido das intervenções. Os professores que tentam construir boas práticas se mostram muito preocupados com a contextualização e relevância daquilo que vai ser tratado nas suas aulas para a vida dos estudantes e o reconhecimento do trabalho que desenvolvem, não somente por vaidade pessoal, mas sim por práticas relevantes para o ensino. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Para tanto, urge pensar numa perspectiva diferenciada de formação de professores que possibilite outros níveis de relação entre histórias de vida, conhecimento acadêmico, produção de saber, sentimentos em relação ao trabalho e à profissão. Desta forma, o professor assumiria posturas mais autônomas para o desenvolvimento do trabalho em suas salas de aulas. Vale lembrar que é importante o estar sempre dialogando com os professores, pois seus registros, se problematizados, podem suscitar alternativas para a reconstrução de um cotidiano escolar mais criativo e coerente com as realidades nas quais os professores estão inseridos. Precisamos compreender que o ser humano, ao longo da história, vai se constituindo como um ser sociocultural, a partir das relações estabelecidas por ele com seu meio e seus semelhantes. Assim, devemos lembrar que os processos de aprendizagem e de desenvolvimento no ambiente educacional se dão por meio de relações interpessoais, em que o aluno atua como sujeito de seu próprio processo de formação, que transformam o contexto e o próprio sujeito. O professor é um dos atores sociais mais importantes nesse processo, já que o mesmo é o sujeito que faz a mediação das interações dentro do cenário educacional, desta forma promove o desenvolvimento e a aprendizagem de quem está sob sua responsabilidade, no caso o aluno. Entretanto, é preciso ter claro que o professor precisa ter a oportunidade de ser autônomo e criativo, caso contrário, passará a reproduzir somente as ações que lhe são impostas em seu trabalho, estando suscetível a negligenciar o desenvolvimento do aluno como pessoa e como cidadão. Nesse contexto, é preciso que os professores façam e se sintam motivados a desenvolverem boas práticas, registrando-as como forma de propagar seu trabalho. Assim, munidos de um bom conhecimento e grande responsabilidade profissional, certamente poderão motivar seus pares a realizar situações novas de aprendizado, fundamentalmente pautadas em conteúdos relevantes.

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Referências 1. Saviani D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre a educação política. 37.ed. Campinas: Autores Associados; 2005. 2. Saviani D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 9.ed. Campinas: Autores Associados; 2005. 3. Brasil. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional – 9394/96. Brasília: MEC; 1996. 4. Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF; 1997. 5. Coll C, Pozo JI, Sarabia B, Valls E. Os conteúdos da reforma: ensino e aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes. Porto Alegre: Artes Médicas; 2000. 6. Morais R. O que é ensinar. São Paulo: EPU; 1986. 7. Tedesco JC. O novo pacto educativo. São Paulo: Ática; 1998. 8. Perrenoud P. Construir as competências desde a escola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul; 1999. 9. Leitão MC. La Educación Física escolar y las prácticas pedagógicas constructivistas en el 3º y 4º año de la educación primaria: implicaciones en el desarrollo de la autonomia y de las relaciones interpersonales. [Tesis de doctorado]. Motricidad Humana, Programa Euro-americano de Pos Grado Stricto Senso em Salud, Universidad Católica Nuestra Señora de La Asunción, Paraguai, 2011. 172p. 10. Brasil. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP1/2002. Relator: Ulysses de Oliveira Panisset. 18 fev 2002. D.O.U. Brasília, 2002. Seção 1, p.31. 11. Brasil. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP2/2002. Relator: Ulysses de Oliveira Panisset. 19 fev 2002. D.O.U. Brasília, 2002. Seção 1, p.9. 12. Brasil. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP7/2004. Relator: Edson Nunes de Oliveira. 31 mar 2004. D.O.U. Brasília, 2004. n.65. Seção 1, p.18-19. 13. Silva MS, Bracht V. Na pista de práticas e professores inovadores na educação física escolar. Kinesis. 2012;30(1): 80-94. 14. Silva MMDO. Práticas inovadoras na educação física escolar: relato de experiência a partir do estagio de docência no ensino fundamental com os anos iniciais. [Monografia]. Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014. 15. Fensterseifer PE, Silva MA. Ensaiando o “novo” em educação Física Escolar: a perspectiva de seus atores. Rev Bras Ciên Esporte. 2011;33(1):119-34. 16. Oliveira MAT, Junior SRC, Meurer SS. Problematizando as aulas de educação física: seriam o acesso à cultura e a humanização das relações sociais elementos constitutivos de boas práticas educativas? Poiésis Rev Progr Pós-Grad Educação. 2014;8(14):365-84. 17. Siqueira IB, Gonçalves CR. Repensando a Educação Física Escolar. Desenvolvimento de material didático ou instrucional. Módulo de curso a distância para formação de professores em Educação Física no Estado da Bahia. 2013. 18. Rossetto Jr. AJ, Costa CM, D’Angelo FL. Práticas pedagógicas reflexivas em esporte educacional: unidade didática com instrumento de ensino e aprendizagem. 2.ed. São Paulo: Phorte; 2012.

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CAPÍTULO 5 Filosofia na Educação Física: contribuições e resultados Wagner Aparecido Caetano

Resumo O presente texto é um relato de experiência ministrando a disciplina de Filosofia no curso de Educação Física da Universidade do Oeste Paulista, Presidente Prudente. Tem como objetivos descrever a importância da filosofia no processo de construção do conhecimento, expandindo a reflexão a respeito do ensino superior, no específico curso de Educação Física. Para tanto, elencaremos contribuições publicadas, sob nossa orientação, advindas de uma coerente relação entre a disciplina de Filosofia e o curso de Educação Física. Este trabalho desenvolveu-se sob as orientações do estudo exploratório, por meio de pesquisa bibliográfica, artigos e livros que auxiliam na compreensão da temática investigada. Palavras iniciais “A pergunta se impõe. Chega um momento em que já não se pode continuar evitando, nem permanecer na opinião de costume”. Kant, I. Crítica da razão pura. A VII. Ocupando a cadeira de professor de Filosofia na Faculdade de Educação Física da Unoeste desde 2007, ouvi várias provocações por parte dos alunos e ex-alunos estimulando registros sobre o que vivenciamos em sala de aula. Creio que o princípio motivador para tais provocações esteja relacionado ao intento que adotamos em transformar os encontros com a disciplina de Filosofia em um significativo processo de reflexão teórico-prática aproximando a riqueza da literatura filosófica à realidade na qual eles, os educandos do ensino superior, estavam inseridos e vivendo. Fato fulcral, e já descrito em nossa dissertação de mestrado1, é Educação Física escolar, treinamento e saúde

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a necessidade inicial de justificar a presença da disciplina de Filosofia em qualquer curso no qual ela seja obrigatória ou esteja inserida, com a Educação Física não tem sido diferente. Creio que outras disciplinas não passam por essa fase de sabatina expressa geralmente na seguinte indagação: “Por que tenho que estudar Filosofia na Educação Física?”. Lembrando que essa dúvida não é prerrogativa só deste curso. Sentimentos e ações/reações adversas poderiam suscitar a partir deste momento de apresentação da disciplina. Inicia-se um trabalho com tudo aquilo de especificidade acadêmica que a disciplina compõe: professor ou professora iniciando suas atividades; alunos e alunas em descoberta de uma nova fase de vida[1]. Pode ser cômica a indagação; pode ser frustrante; decepcionante; desmotivadora. Há uma série de possibilidades. Preferimos a que ainda não foi citada: a pergunta pode ser pedagógica. O valor e o significado da Filosofia devem ser construídos exatamente neste momento. Aliás, caso a pergunta não aconteça ela deve ser realizada pelo próprio docente (“Pessoal, por que vocês acham que há Filosofia no seu curso?”) tal é sua importância na construção e desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. O que mais causa espanto, não é indagação citada acima, às vezes proferida de forma sarcástica ou provocativa. O pasmo é maior devido à ausência da mesma pergunta em todas as outras disciplinas do curso. A relação é clara: questão/reflexão/resposta. Não uma simples questão e, nem uma simples resposta. É nessa hora que o professor tem a maior oportunidade (no início dos trabalhos, nos primeiros encontros) de fidelizar sua sala, seus alunos sua disciplina. Nascem os primeiros coriscos de fundamentos. Nascem os primeiros laços de reciprocidade entre docente e discente. A coragem do aluno ou aluna se encontra com a receptividade pedagógica do professor(a). Nasce o caminho que conduzirá ao ainda desconhecido, ao novo, ao futuro, ao que só a universidade pode acompanhar e desenvolver: a ciência. O presente texto é um relato de experiência vivida, e ainda vivente, ministrando a disciplina de Filosofia no curso de Educação Física da Unoeste. Há como objetivos descrever a partir do que já foi construído, 1[] Não é regra, mas em geral a disciplina de filosofia é oferecida aos primeiros termos ou anos do ensino superior (Nota do autor).

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a importância da Filosofia no ensino superior e no específico curso de Educação Física, assim como elencar contribuições palpáveis advindas de uma coerente relação com a disciplina de Filosofia. Para tanto, este trabalho desenvolveu-se sob as orientações do estudo exploratório, por meio de pesquisa bibliográfica que, segundo Gil2 “é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído de livros e artigos científicos” (p.50). O que é Filosofia Existem muitas concepções sobre Filosofia. O que descreveremos a seguir deve ser entendido como uma apresentação que se apoia em algumas destas concepções. O espanhol Fernando Savater3, professor de Filosofia e Ética na Universidade do País Basco, afirma que não existe filosofia, mas as filosofias e, sobretudo, o filosofar. Tentar chegar a consensos conceituais sobre o que é filosofia não é uma tarefa simples, pois, ao longo da história encontramos várias concepções de Filosofia. Wittgenstein4 pode nos ajudar ao afirmar que o conhecimento filosófico não é dogmático, mas sim uma atividade. Dizer que a Filosofia é uma atividade (movimento) é entender a construção de seu significado como gradativo, em fases, etapas a serem seguidas. Deleuze e Guattari5, em sua obra O que é Filosofia? também apresentam a Filosofia como uma atividade do pensamento. Entender a Filosofia como uma atividade do pensamento é também atribuí-la ação, ação criadora e os frutos desta ação criadora são os conceitos, as ideias. Para Deleuze e Guattari5, esses conceitos não são definitivos, prontos ou acabados. Justamente o contrário. Sendo eles um ato do pensamento e um produto do próprio pensar, os conceitos não paralisam, não finalizam a reflexão em si, mas sim potencializam a existência de novos conhecimentos, novos conceitos. O Dicionário de Filosofia de Japiassú e Marcondes6, atribui a Pitágoras a distinção entre a sophia, o saber, e a philosofia, que seria a “amizade ao saber”, a busca do saber. Estabeleceu, já desde sua origem, uma diferença de natureza entre a ciência, enquanto saber específico, conhecimento sobre um domínio do real, e a filosofia que teria um caráter mais geral, mais abstrato, mais reflexivo, no sentido da busca dos princípios que tornam possível o próprio saber. No entanto, no desenvolvimento Educação Física escolar, treinamento e saúde

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da tradição filosófica, o termo filosofia foi frequentemente usado para designar a totalidade do saber, a ciência em geral, sendo a metafísica a ciência dos princípios, estabelecendo os fundamentos dos demais saberes5 (p.108). A filosofia moderna recupera o sentido da ação filosófica investigativa dos primeiros princípios, tendo, portanto, um papel de fundamento da ciência e de justificação da ação humana. A filosofia crítica, principalmente a partir do Iluminismo do século XVII, atribui à filosofia exatamente esse papel de investigação de pressupostos, de consciência de limites, de crítica da ciência e da cultura. Pode-se supor que essa concepção, mais contemporânea, tem raízes no ceticismo que, ao duvidar da possibilidade da ciência e do conhecimento, atribui à filosofia um papel quase que exclusivamente questionador. Essa relação reflexiva entre a filosofia e os outros campos do saber fica clara, sobretudo, nas chamadas “filosofia de”: filosofia da ciência, filosofia da arte, filosofia da história, filosofia da educação, filosofia da matemática, filosofia do direito, que demonstram o caráter prático da filosofia, ou seja, a aplicabilidade do saber filosófico. Dessa forma, correndo o risco de reducionismos, as definições de filosofia que nos aparecem, até então, são: a Filosofia não é detentora da verdade absoluta; a Filosofia é movimento, atividade; a Filosofia é ação criadora de conceitos; a Filosofia é questionadora das ciências e ações humanas; a Filosofia é crítica e reflexão dos saberes. Para quê estudar Filosofia Sempre que apresentamos, nas primeiras aulas de filosofia, o conhecimento filosófico como algo que exige tempo para ser construído e, pedimos aos alunos que nos concedam esse tempo, ou seja, que se deixem formar, deixem a curiosidade sobre a disciplina despertar, alertando quanto à variedade de problemas que, possivelmente, irão surgir no decorrer das aulas, e que esses devem ser sempre explorados e expostos para que consigamos, assim, construir um conhecimento filosófico que parta dos juízos intuitivos, senso comum, em direção ao saber sistematizado, em direção à criação de conceitos mais elaborados, refletidos e analisados – pressupostos da ação filosófica7. Sempre, no primeiro ou segundo encontro, seja qual for a sala, de ensino fundamental, médio ou superior, alguém levanta a mão e pergunta: Professor, o que é filosofia?

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Para quê serve a filosofia? O discurso de justificativa sobre a importância do ensino de filosofia apresenta-se necessário desde que seu afastamento ou inclusão tornou-se prerrogativa do Estado. O entendimento dessa questão parece não ser muito confuso, bastando refletir sobre o seguinte pressuposto: se a política educacional vigente acredita que a educação deva almejar a autonomia crítica dos indivíduos educandos, a fim de lhes proporcionar melhor qualificação cognitiva e liberdade de escolhas, a filosofia é um ótimo instrumento pedagógico para alcançar tal objetivo; mas, se a política educacional vigente idealiza controlar e submeter a massa às suas regras ideológicas, para tanto deve torná-los mais obedientes e submissos ao regime do que reflexivos, o que implicaria, provavelmente, na exclusão da filosofia de sua grade de ensino. Um exemplo desse último fato é a grade curricular criada pelo regime de governo militar brasileiro no pós-golpe de 1964, conforme nos relata Cartolano8: [...] o ensino de filosofia, não atendendo a essas solicitações tecnoburocráticas e político-ideológicas, já não servia aos objetivos das reformas que se pretendiam instituir na estrutura do ensino brasileiro. [...] à medida que se propunha formar consciências que refletissem sobre os problemas reais da sociedade [...], procurou-se aniquilar essa atividade reflexiva, substituindo-a por outra de caráter mais catequista e ideológico, a nível político. A educação moral e cívica, sendo também “moral”, estava atendendo ao que se queria que fosse o ensino da filosofia, num período de grandes agitações estudantis e operárias: apenas veiculadora de uma ideologia que perpetua a ordem estabelecida e defende o status quo (p.72, 74).

Um dos aspectos mais críticos, principalmente no ensino superior, é construir um entendimento sobre a filosofia dentro de um mundo tão pragmático e objetivo, onde tudo tem que servir a algo de imediato. Entendemos por imediato, aqui, a aquisição de uma profissão regulamentada, ou uma forma direta para manter-se economicamente. Sendo assim, Educação Física escolar, treinamento e saúde

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a indagação Para quê serve a filosofia?, na verdade, é uma maneira de perguntar ao professor de forma implícita: eu vou ganhar dinheiro com isso que você quer ensinar? Torna-se pertinente neste momento uma reflexão sobre o por quê desta necessidade de justificar o ensino de filosofia para o aluno. O discente não teve, em seu ensino, a tradição filosófica, ou seja, não lhe foi concedido, nem de forma interdisciplinar como diz a lei nº 9.394/96, art. 36 a apresentação dos conceitos de filosofia antes de seu ingresso na faculdade, por exemplo. Portanto, ele não tem mesmo a menor ideia das contribuições do conhecimento filosófico em sua vida. A ausência dos princípios filosóficos nos estudantes que chegam até o ensino superior se materializa na forma desordenada, sem lógica, de raciocinar. Faltam-lhes fundamentos do que é o pensar e do conhecimento humano9. Pensemos na seguinte possibilidade: se houvesse, no ensino fundamental, uma formação conceitual, lógica e histórica da filosofia que inserisse o aluno no universo do despertar filosófico, quando este chegasse ao ensino superior o professor de Filosofia poderia aprofundar mais suas reflexões, discutir mais textos de filósofos e, consequentemente, ter maior facilidade para o entendimento das relações lógicas, ou até metafísicas da filosofia. Entendemos isso como uma relação óbvia, ou seja, o trabalho seria realizado como continuação do que antes já havia sido estimulado. Porém, o professor de Filosofia no ensino superior encontra inicialmente o problema de ter que fazer um “nivelamento de conhecimento”, apresentar a Filosofia e sua história tornando, assim, um trabalho precário devido à baixa carga horária da disciplina que, geralmente, encontra-se nos termos iniciais de qualquer curso universitário. Cabe ressaltar uma questão que consideramos importante: qualquer disciplina deve iniciar com contextualização, ou seja, a partir do momento em que o professor, de qualquer disciplina, conceitue, defina, ainda que no sentido geral, de apresentação, de primeiro contato, sua disciplina, ele começa a esclarecer, iluminar mesmo, utilizando a metáfora platônica, de que o conhecimento é luz10, os caminhos que irão ser percorridos com o ensino. No caso da Filosofia, isso parece ser uma prática comum, até porque os discentes sempre estimulam tal ação: a de justificá-la. Podemos justificar a necessidade do estudo de Filosofia pela pró-

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pria conceituação que temos de Filosofia, já citada anteriormente, ou podemos também recorrer às literaturas que nos auxiliam nessa justificativa, como, por exemplo, a conceituação dada por Aranha e Martins11: A intenção primeira do ensino de filosofia, seja no curso médio ou nos cursos básicos das universidades, não é a de formar filósofos, embora eventualmente algumas vocações possam ser despertadas, mas provocar a reflexão filosófica, inerente a todo ser humano. [...] Estamos sempre dando sentido às coisas e, diante dos problemas apresentados pelo existir, tendemos para a reflexão, a não ser quando submetidos a uma formação autoritária e doutrinadora (p.5).

Para Matthew Lipman12, a Filosofia, além de incentivar o desenvolvimento do raciocínio reflexivo, tem associada ao seu aprendizado, a capacidade de oferecer uma ferramenta cognitiva de grande valor: a lógica: [...] há algo de mais significativo que a filosofia traz à procura da excelência no pensamento, e que é sua subdisciplina de lógica (p.111-112). Encontramos um depoimento dado por um grupo de professores-consultores reunidos em Brasília com o intuito de discutir o destino da Filosofia no currículo escolar. Dessa reunião elaborou-se um documento chamado de “Documento de Brasília”13: A filosofia pode apresentar-se como análise e articulação da experiência humana, cultural, científica e sociopolítica visando a compreensão global do sentido da existência histórica. Segundo essa concepção, cabe ao filósofo: organizar o sentido e a coerência globais dos eventos naturais e culturais que os cercam, denunciando os entraves ideológicos que desviam ou retardam o processo de liberdade, sociabilidade, prosperidade e convivência democrática entre os povos e as culturas (p.225).

O que podemos perceber é que o objetivo, o sentido do estudo de Filosofia, é a busca pelo conhecimento lógico coerente e racional e esta Educação Física escolar, treinamento e saúde

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busca é dinâmica, não cessa, não estagna desde os primeiros filósofos. Conhecimento este que ultrapassa o campo do dogmatismo e está sempre aberto a novas descobertas ou encontros. Corremos aqui o risco de alguém nos questionar afirmando que qualquer ciência, disciplina que seja séria e coerente iria propiciar, como consequência, a mesma forma de saber (lógica, coerente e racional), alegando que essas características não pertencem somente à Filosofia. Isso não deixa de ser verdade, porém, cabe assinalar que é a Filosofia a ciência da pergunta14, a indagação é atributo primeiro da Filosofia, como também afirma a filósofa brasileira Marilena Chaui7: [...] – perguntar o que a coisa, ou o valor, ou a ideia, é. A Filosofia pergunta qual é a realidade ou natureza e qual a significação de alguma coisa, não importa qual; – perguntar como a coisa, a ideia ou o valor, é. A Filosofia indaga qual é a estrutura e quais são as relações que constituem uma coisa, uma ideia ou um valor; – perguntar por que a coisa, a ideia ou o valor existe e como é. A Filosofia pergunta pela origem ou pela causa de uma coisa, de uma ideia, de um valor. A atitude filosófica inicia-se dirigindo essas indagações ao mundo que nos rodeia e as relações que mantemos com ele. [...] Por isso, pouco a pouco, as perguntas da Filosofia se dirigem ao próprio pensamento. [...] A Filosofia torna-se, então, o pensamento interrogando-se a si mesmo (p.14). Outro ponto importante a ser discutido é a ausência de um objeto de estudo próprio na Filosofia. A reflexão filosófica, diferente de cada ciência particular ou as demais formas de saber, não possui um objeto próprio, mas questiona sobre todas as coisas. Isso não acontece de forma desordenada, e sim, pelo contrário, faz-se de forma radical, rigorosa e de conjunto, imprimindo nesse processo um caráter de interdisciplinaridade, por ser capaz de estabelecer um elo entre todos os saberes7. Cabe à Filosofia unir o que é próprio das ciências ao que é próprio do cientista, do homem que reflete sobre o mundo, como um todo que se relaciona com suas partes a fim de entendê-las de forma mais clara. Estudar Filosofia no curso de Educação Física

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Entre outros pontos que poderiam iniciar esse texto, escolhemos enfatizar a distinção entre Educação Física e outras disciplinas. O que distingue Educação Física das demais é a específica abordagem sobre o movimento humano. O educador Vitor Marinho de Oliveira15 exalta que “a colocação da disciplina nos centros de saúde subverteu os seus objetivos. Educação Física é educação, portanto seu espaço é nos Centros de Ciências Humanas e Sociais das universidades a que pertencem” (p.105). A postura de Oliveira não é a de reduzir a Educação Física a uma especifica área de atuação, caso fosse estaria cometendo o mesmo equívoco o qual critica, mas, ao contrário, amplia o leque de estudos que reconhecem os benefícios que a prática de exercícios físicos podem trazer à saúde e, ao mesmo tempo, valoriza os ganhos que a Filosofia da Educação (Física) podem fomentar. Tomelin16 afirma que “a sabedoria filosófica não está apenas em conservar e utilizar o que nos foi deixado, está na transformação da realidade através do desenvolvimento da razão e da emoção formadora da condição humana” (p.63). Uma reflexão aprofundada sobre as dimensões da disciplina de Educação Física facilmente a conduzirá a um patamar privilegiado dentro do currículo escolar. Isso ocorre devido à complexidade e possibilidades positivas que poderão ser alcançadas por meio desta disciplina. Como esclarece Schreiber et al.17: A Educação Física é um componente importante no caminho de construção da cidadania, na medida em que seu objeto de estudo é a produção cultural da sociedade, da qual os cidadãos têm o direito de se apropriar. Neste sentido, entende-se a Educação Física como uma área de conhecimento da cultura corporal e de movimento integra o ser humano, transformando-o num cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, para usufruir os jogos, os esportes, as danças, as lutas e as ginásticas, em benefício do exercício crítico da cidadania e até mesmo da melhoria da qualidade de vida da população em geral.

Contudo, enfatiza Oliveira15, “Educação Física é educação, na medida em que reconhece o homem como o arquiteto de si mesmo e da Educação Física escolar, treinamento e saúde

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construção de uma sociedade melhor e mais humana. Onde não será necessário levar vantagem em tudo” (p.106). A análise de Oliveira agrega ao tradicional ensino que predominou até meados do século XX, dimensões que perpassam pelos campos pedagógicos, social e antropológico estendendo a disciplina em questão um significado amplo de formação do ser humano. O estágio de superação da maneira reducionista-tecnicista que permeou o currículo de Educação Física pode ser encontrado através da criteriosa reflexão advinda da Filosofia. Isso não é próprio da Educação Física, em todas as áreas de conhecimento a Filosofia deve estar presente como reflexão crítica e exploradora dos fundamentos do próprio conhecimento18. É pela reflexão filosófica que se pode alcançar com nitidez os disponíveis caminhos e posicionamentos éticos e políticos capazes de contribuir para a construção de valores humanos. Sabendo que ensinar a filosofar é ensinar a questionar, duvidar, admirar, conceituar, implicando numa postura de maior abertura em tudo o que envolve o espaço da ação pedagógica16 (p.56). Os resultados decorrentes da relação direta entre Filosofia e Educação Física são de caráter epistemológico. Silvino Santin19 escreve que “a Filosofia desenvolve um gênero específico de raciocínio e lança mão de um número mais ou menos ilimitado de recursos, através dos quais é possível ter acesso aos mais variados assuntos e às mais complexas questões do mundo humano” (p.40). Estabelecendo as relações, o professor Mauro Betti20 disserta que “Concebemos a Educação Física como um campo dinâmico de pesquisa e reflexão. Os problemas e as questões emergem da prática e, sua articulação vem a constituir uma problemática que questiona as ciências e a Filosofia” (p.18). Porém ressalta: Não podemos acreditar que encontramos na Filosofia o caminho exato para a resolução de todos os nossos conflitos. Convém observar que não será apenas enfatizando a preocupação com as disciplinas das ciências humanas que tornará o professor de Educação Física um educador completo. Espera-se que diante de uma visão mais crítica este profissional possa estabelecer uma relação mais produtiva e real dos seus objetivos com valores mais humanos e reflexivos (p.18).

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Contudo, o que indubitavelmente procede, é o fato de que as contribuições que a Filosofia pode propiciar à ciência da Educação Física serão sempre de cunho reflexivo, problematizador e questionador, demonstrando que esta ciência não se limita ao estudo do movimento físico, mas sim do movimento do ser humano. O caráter ontológico da Educação Física, assim como suas finalidades sociopedagógicas alcançam maiores dimensões e significado quando há essa necessária relação. Resultados colhidos Uma das maneiras que pensamos em demonstrar as contribuições possíveis, quando se concebe a junção entre Filosofia e Ciência, no caso específico, Filosofia e Educação Física, é apresentar alguns dos trabalhos que nasceram nos encontros com a disciplina, nos termos iniciais, e se desenvolveram durante o curso, finalizando-se como produções científicas publicadas. É importante ressaltar que muitos e bons trabalhos são produzidos em curso de graduação no formato de Trabalho de Conclusão de Curso (TCCs) que não chegam a serem ofertados em bancos de dados para a leitura. São produções acadêmicas que exigiram dispendiosos esforços, dedicação e tempo, porém, são engavetados nas prateleiras dos específicos departamentos. Contudo, nos últimos anos temos trabalhado redirecionando as orientações de iniciação científica com o intento de produzir conhecimentos que sejam significativos e que se enquadrem nas exigências do fazer ciência. Outra finalidade desse redirecionamento é poder inserir o discente no universo rigoroso da pesquisa cientifica, possibilitando prepará-lo para a nova realidade que clama às universidades pesquisas que encontrem soluções aos problemas sociais, tecnológicos, pedagógicos, econômicos, da saúde, etc. Carlos Cesar Mendonça, quando ainda era aluno de graduação, em 2010, no curso de Educação Física, período noturno, levantou a seguinte indagação: “Por que não há aulas de Educação Física no período Noturno das escolas públicas?”. O resultado foi um artigo publicado na revista eletrônica Colloquium Vitae (UNOESTE) apontando, através de um sistemático trabalho de campo, com entrevistas fechadas para os alunos e abertas para os diretores e outros gestores escolares, as perdas sociais, pedagógicas, preventivas de doenças ocasionadas pela exclusão da disciplina de Educação Física no período em questão. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Em análise pessoal, como orientador do trabalho, estendo a discussão do artigo de Mendonça ao campo da formação de professores e mercado de trabalho. Mendonça e Caetano21, em seu texto “Visão dos alunos e gestores do ensino médio do período noturno sobre a disciplina de Educação Física”, bradam sobre a importância da efetiva prática do ensino de Educação Física no período noturno para os alunos, assim como também exalta o vultuoso número de aulas que seriam ofertadas aos novos e veteranos docentes da disciplina, se houvessem efetivamente essas aulas. O fato é que a reflexão afinada aos princípios problematizadores da Filosofia elevam as análises coletadas de dados que foram tratados pela estatística à demonstração palpável e descritiva da realidade sociopedagógica na, e da, escola pública. Outro texto produzido durante a graduação de Educação Física sob nossa orientação é o artigo intitulado “Cultura Afro-brasileira nos cadernos de Educação Física do ensino fundamental II”22. Neste artigo, propusemos uma discussão e reflexão acerca da Lei 10.639/03, que traz a obrigatoriedade do ensino de cultura afro-brasileira nos níveis de Ensino Fundamental II e Médio. Para tanto, contextualizou-se os fatores históricos relacionados à população negra no Brasil, desde a inferiorização da cultura durante o período de escravidão no Brasil colonial, às consequências sociais materializadas na contemporaneidade em múltiplas vertentes. Essa pesquisa22 discute a capacidade da Educação Física escolar, enquanto disciplina do movimento e de construção de valores, agir com contribuição efetiva da referida Lei, por meio do resgate aos valores culturais deste povo que se constitui a maioria étnica do nosso país e que participou e participa efetivamente da construção da identidade nacional. O texto finaliza apresentando uma análise e discussão sobre os conteúdos da cultura afro-brasileira encontrados no Caderno do Aluno do Ensino Fundamental II, disponibilizado pelo governo do Estado de São Paulo. O referido trabalho22 ultrapassa os limites reducionistas que enxergam a disciplina de Educação Física apenas como esporte/saúde/corpo expandindo as contribuições dessa ciência ao universo amplo e complexo da existência humana e do processo formativo, implícitos ou não nos materiais didáticos. Nesta mesma linha de pensamento e tema de pesquisa encontra-se o artigo de Brito et al.23, que teve como objetivo elaborar uma análise sobre

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a realidade do ensino de cultura africana nas instituições escolares dentro da grade curricular do Ensino Fundamental, construindo um entendimento sobre a importância da Lei nº 10.639/2003 (temática afro-brasileira) para o ensino brasileiro. Discutiu-se neste texto a possibilidade de aplicação da respectiva Lei via aulas de Educação Física, materializada, especificamente, no ensino da capoeira. O trabalho de Brito et al.23 analisa o material didático do ensino fundamental II (do 6º ao 9º ano) com o intuito de verificar se há nesta literatura temas que contemplem de forma clara e objetiva a temática sobre o ensino de África. O texto se encerra com uma crítica à produção dos materiais didáticos que deixam a desejar, quando se refere em conciliar as Leis e Diretrizes da Educação Brasileira e os textos propostos para a sala de aula. Mais ainda, aponta a distância que há entre as teorias que sustentam os ideais de Educação no Brasil e a respectiva prática pedagógica. Como já enfatizamos, há muitos outros trabalhos de relevância produzidos durante a graduação que são engavetados nas prateleiras dos departamentos. Esses que citamos ganharam outro sentido, buscaram visibilidade via publicação. Discentes que aprenderam a problematizar, sustentar suas ideias através de referencial teórico, aprenderam sobre metodologia de pesquisa e suas implicações, iniciaram-se no processo do fazer ciência. Outro ponto, que considero de maior relevância, esses discentes levantaram bandeiras que descrevem seus ideais. Conclusão A construção de conhecimento se dá de forma gradual, isto é, exige tempo, etapas, métodos, ações específicas que compõem o quadro da pedagogia e da didática. No ensino superior não é diferente. As perspectivas iniciais dos alunos ingressantes podem ser ampliadas e enriquecidas de significados, metas, sonhos. Neste momento, o trabalho consciente dos educadores fará grande diferença. Uma equipe que se interage nas igualdades e diferenças conceituais, epistemológicas, didáticas, e que consegue construir um curso cujo valor maior é a formação do cidadão crítico/autônomo/reflexivo, terá, como consequência, trabalhos, pesquisas, que dignificam a área estudada e pesquisada, e, acima de tudo, valorizam o ser humano em toda a sua extensão existencial. O encontro da disciplina de Filosofia com a Educação Física trouxe Educação Física escolar, treinamento e saúde

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consigo essas realizações: alunos questionadores, inquietos que se lançaram à inicial investigação científica, levantando bandeiras que aludem a profissão escolhida, exalta o profissionalismo comprometido, e, sobretudo, inclui a valoração cultural, o respeito étnico, a superação de problemas sociais via ensino. A Filosofia propõe fundamentos da ação do sujeito pensante à Educação Física, e esta não só materializa a prática filosófica como também extrapola os limites da Filosofia, ampliando o ato de formar seres humanos em toda a sua complexa extensão bio-psíquico-social. Referências 1. Caetano WA, Bertan L. Contribuições da filosofia de Matthew Lipman para a educação de crianças: perspectiva dialética ou dialógica? [Dissertação de Mestrado]. Programa de Mestrado em Educação. Presidente Prudente: Universidade do Oeste Paulista; 2010. 2. Gil AC. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6.ed. São Paulo: Atlas; 2008. 3. Savater F. As perguntas da vida. São Paulo: Martins Fontes; 2001. 4. Wittgenstein L. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: EDUSP; 1994. 5. Deleuze G, Guattari F. O que é filosofia?. Rio de janeiro: Ed. 34; 1992. 6. Japiassú H, Marcondes D. Dicionário básico de filosofia. 4.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2006. 7. Chauí M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática; 1997. 8. Cartolano MTP. Filosofia no ensino de 2º grau. São Paulo: Cortez; 1985. 9. Lipman M. Como nasceu Filosofia para crianças. In: Kohan W et al. Filosofia para crianças: a tentativa pioneira de Matthew Lipman. 3.ed. Petropólis: Vozes; 1998. 10. Platão. São Paulo: Nova Cultural (Coleção Os Pensadores); 1987. 11. Aranha MLA, Martins MHP. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna; 2003. 12. Lipman M. A filosofia vai á escola. São Paulo: Sammus; 1990. 13. Silveira RJT. Ensino de filosofia no segundo grau: em busca de um sentido. [Dissertação de Mestrado]. Programa de Mestrado em Educação. Campinas: Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP; 1991. 14. Sátiro A, Wuensch AM. Pensando melhor. São Paulo: Saraiva; 2003. 15. Oliveira VM. Educação Física Humanista. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico; 1986. 16. Tomelin JF. A Filosofia na educação e a educação filosófica. Rev Divulg cultural. 2003;25(81):57-64. 17. Schreiber MB, Scopel EJ, Andrade AA. Educação física escolar e filosofia: uma prática consciente. Revista Digital – Buenos Aires. 2005;10(87). Disponível em: http://www.efdeportes.com 18. Aranha MLA. Filosofia da educação. São Paulo: Moderna; 1989. 19. Santin S. Educação Física uma abordagem filosófica da corporeidade. Ijuí: Unijuí; 1987. 20. Betti M. A janela de vidro: esporte, televisão e Educação Física. Campinas: Papirus; 1998. 21. Mendonça CC, Caetano WA. Visão dos alunos e gestores do ensino médio do período noturno sobre a disciplina de educação física. Colloquium Vitae. 2012;4(2):85-96. 22. Citta LQ, Caetano WA, Ribeiro AIM, Carvalho Filho CA. Cultura afro-brasileira nos cadernos de educação física do ensino fundamental II. Colloquium Humanarum. 2014;11(2):92-105. 23. Brito IF, Caetano WA, Ribeiro AIM. Capoeira e ensino da cultura afro-brasileira: análise do material do aluno – ciclo II. Colloquium Humanarum. 2014;11(3):49-61.

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CAPÍTULO 6 Habilidade motora fundamental: benefícios para saúde dos escolares Anderson dos Santos Carvalho

Resumo As Habilidades Motoras Fundamentais (HMF) são consideradas competências de base, que conduzem a sequências especializadas de movimentos, necessários para a participação das pessoas em muitas atividades motoras, em busca da promoção de um estilo de vida saudável, cujo desenvolvimento acontece prioritariamente na infância. É essencialmente nessa fase da vida que se pode determinar se a criança se tornará um adulto fisicamente ativo ou não. A falta de movimento está associada a hábitos de inatividade física e, consequentemente, pode aumentar o risco do acometimento de diversas doenças crônicas degenerativas, que se manifestam na vida adulta. No entanto, é necessário que os professores de educação física escolar estimulem as crianças e as orientem de forma efetiva para que possam desenvolver suas HMF e assim adquirir um estilo de vida ativo fisicamente. Introdução O texto apresentado neste capítulo traz à luz uma discussão sobre a Fase do Movimento Fundamental e os benefícios para a vida do escolar, para essa contextualização me baseio na teoria de David L. Gallahue, Jhon C. Ozmun e Jackie D. Goodway1 . De acordo com esses autores, os modelos teóricos tentam descrever e explicar o comportamento motor, que pode ser explicado pelo método indutivo ou dedutivo. Neste capítulo abordamos as fases do desenvolvimento motor, com foco na Fase do Movimento Fundamental e, para isso, o autor do Educação Física escolar, treinamento e saúde

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método não se baseou somente na acumulação dos fatos. Modelos desse tipo resultam do uso de um método indutivo de formulação de teorias. No método indutivo, o professor/pesquisador inicia por um conjunto de fatos e depois tenta descobrir uma estrutura conceitual em torno da qual seja presumível organizá-los e explicá-los1 . O método dedutivo de formulação de teorias utilizado aqui tem como base a inferência e apresenta três características. A primeira diz que a teoria deve integrar os fatos existentes e esclarecer os indícios empíricos que têm ligação com o conteúdo e a teoria. A segunda característica diz que a teoria precisa prestar-se à formulação de hipóteses testáveis no seguinte formato declarativo: se ..., então ... . A terceira característica diz que deve passar por testes empíricos, ou seja, as hipóteses testadas de modo experimental devem gerar resultados que confirmem ainda mais a teoria. A teoria que estamos apresentando neste texto emerge do método dedutivo criado pelos autores citados acima1 , pois este método deixa ver como os fatos bem acumulados integram-se em um todo coeso e compreensível. Este método permite identificar as informações necessárias ao preenchimento de lacunas na teoria ou ao seu esclarecimento ou aperfeiçoamento. As fases do desenvolvimento motor esboçadas aqui vêm subsidiar e explicar com clareza os benefícios de estimular as crianças no período adequado na Fase do Movimento Fundamental. Fase do Movimento Fundamental Habilidades Motoras Fundamentais (HMF) devem ser entendidas como “uma organização em série de movimentos básicos que envolvem a combinação dos padrões de movimento de dois ou mais segmentos corporais, como correr e saltar ou bater e arremessar” (p. 33) 1 , e estão associadas com a atividade física e a saúde. As HMF são consideradas competências de base, que levam a sequências especializadas e movimentos necessários para a participação do sujeito em muitas atividades motoras, organizadas ou não, em busca de promover um estilo de vida saudável, ocorrendo seu desenvolvimento, prioritariamente, na infância. As HMF, no início da infância, são frutos da fase do movimento rudimentar do bebê. Essa fase do desenvolvimento

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motor representa um tempo em que as crianças mais novas estão ativamente envolvidas na exploração e experimentação do potencial de movimento de seus corpos. É um período de descoberta do modo de execução, em que ocorrem uma série de movimentos de estabilidade, locomoção e manipulação, primeiramente isolados e depois em combinação com os outros2 ,3 As HMF são classificadas em: estabilizadoras, locomotoras e manipulativas. As habilidades estabilizadoras são básicas para o sujeito ter maior controle sobre a própria musculatura em oposição à força da gravidade. As habilidades locomotoras consistem em um grupo de HMF que permite ao sujeito deslocar o corpo num determinado espaço. Atividades como rolar para frente e rolar para trás podem ser consideradas tanto como movimentos locomotores, quanto como movimentos estabilizadores/locomotores, porque o corpo está movendo-se de um ponto a outro. As habilidades estabilizadoras têm como objetivo a manutenção do equilíbrio em situação de estabilização incomum. As habilidades manipulativas, por sua vez, são um subconjunto de habilidades que envolve a manipulação ou controle de objetos, como bastões, fitas, arcos ou bolas1. Para compreender HMF é necessário entender o desenvolvimento motor, sendo este um processo complexo, que ocorre ao longo da vida. No entanto, quando começa na primeira infância, a criança inicia o desenvolvimento dos padrões dessas HMF. Tendo em vista que o desenvolvimento motor é sequencial, ele pode ser explicado por quatro fases. Cada uma das fases possui seus respectivos estágios e faixas etárias, que elucidam como as crianças reúnem uma ampla base de HMF durante o período da infância. 1. Fase do movimento reflexo: são aqueles involuntários, controlados subcorticalmente, que formam a base do desenvolvimento motor, tendo como 1º estágio a codificação de informações, que ocorre desde o período uterino até os 4 meses e como 2º estágio a decodificação de informações ocorre dos 4 meses a 1 ano de idade1. 2. Fase do movimento rudimentar: tem como características as primeiras formas do movimento voluntário, tendo como 1º estágio a inibição do reflexo que acontece do nascimento a 1 ano de idade e como 2º Educação Física escolar, treinamento e saúde

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estágio o pré-controle que se inicia em torno de 1 a 2 anos de idade até a próxima fase1. 3. Fase do movimento fundamental: compreende os estágios inicial, elementar emergente e proficiente. O estágio inicial representa as primeiras tentativas infantis com objetivo de executar alguma habilidade motora, em geral ocorre dos 2 aos 3 anos de idade. A integração espacial e temporal do movimento é insatisfatória. Os movimentos de locomoção, manipulação e estabilização encontram-se no nível inicial. O estágio elementar emergente envolve a aquisição de maior controle motor e coordenação rítmica das habilidades motoras e a melhora da sincronização dos elementos temporais e espaciais do movimento, que acontecem dos 3 aos 5 anos de idade. O estágio proficiente se caracteriza por desempenho mecanicamente eficiente, coordenado e controlado. Quando essas características estão presentes na maioria das habilidades fundamentais, as crianças são consideradas proficientes, o que ocorre por volta dos 5 a 7 anos. As HMF proficientes são maduras nesses três aspectos do processo. Por meio de práticas contínuas, instrução e estímulo, elas podem melhorar cada vez mais em termos dos componentes do produto, a saber: distância, velocidade, quantidade e precisão. Os movimentos contidos nas HMF são os mesmos nos quais se baseiam as habilidades específicas do esporte, o que levou Gallahue et al.1 a concluírem que os domínios das HMF proporcionam o aprendizado facilitado para as habilidades específicas. 4. Fase do movimento especializado: o movimento especializado se torna uma ferramenta aplicada a uma série de atividades complexas, utilizadas para a vida diária, para a recreação e com fins de desempenho esportivo. Esta fase é dividida nos estágios de transição (7 a 10 anos), aplicação (11 a 13 anos) e utilização ao longo da vida, que inicia em torno dos 14 anos e prossegue por toda vida1. As sequências de desenvolvimento têm sido estabelecidas como forma de identificação da emergência de cada uma das HMF. Para ficarem explícitas as fases e estágios do desenvolvimento motor apresentamos uma figura adaptada do modelo teórico de Gallahue et al.1. Essa forma de classificação prevê o delineamento de padrão típico do comportamento motor esperado para cada habilidade e especificidade nas formas de caminhar, saltar, arremessar, receber, empurrar ou chutar.

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Esse enfoque visa o processo do movimento como um fator qualitativo e não como um produto quantitativo. O desenvolvimento das HMF utiliza: a) sequências de corpo inteiro ou b) sequências dos componentes, que podem ser identificados por segmento corporal (braços, tronco ou pernas). Nessas duas abordagens as descrições dos padrões de movimento são ordenadas por padrões imperfeitos e ineficientes até as formas de movimento competentes e proficientes1.

Figura 1. Fases e estágios do desenvolvimento motor. Adaptado de Gallahue et al.1 (pág. 65-82).

O desenvolvimento das HMF depende do estímulo e da aprendizagem. Sendo assim, é durante a terceira fase do desenvolvimento motor que o professor de Educação Física precisa estimular os escolares para que eles possam experimentar o maior número de atividades possíveis. De acordo com Gallahue et al. (p.73)1 , “as habilidades motoras fundamentais fornecem o campo base para a montanha do desenvolvimento motor que leva à pleniEducação Física escolar, treinamento e saúde

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tude das habilidades motoras”. Conforme a literatura1,2,4, crianças com mais experiências motoras na fase do movimento fundamental tendem a serem adultos mais ativos. Gallahue et al.1 retratam que adultos com coordenação motora ruim foram crianças com poucas vivências motoras na fase do movimento fundamental. Por essa razão, a maioria das crianças e adultos descoordenados requer certa combinação entre oportunidades de práticas, incentivo e instrução em um ambiente que promova o aprendizado de novas habilidades. É também preciso corrigir e desenvolver as HMF requeridas naquela tarefa para alcançar os estágios proficientes. Por exemplo, jogar basquete: correr, saltar, girar, arremessar, entre outros, são HMF requeridas para essa tarefa. Se os indivíduos não estiverem no nível proficiente em todas elas, não serão capazes de evoluir para a especialização1. É preciso estimular a criança em todas as fases do desenvolvimento motor juntamente com os estágios, principalmente a fase motora fundamental com seus respectivos estágios, inicial, elementar emergente e proficiente. É nesta fase que o escolar criará base para todo o seu repertório motor. Habilidade Motora Fundamental e nível de atividade física: benefícios para a saúde dos escolares As HMF são essenciais para melhorar as sequências de movimentos complexos exigidos nas atividades da vida diária, tanto das crianças como dos adultos. HMF também estão associadas com maiores níveis de atividade física (NAF) em adultos2. A literatura apresenta dois enfoques sobre HMF e possíveis relações com o NAF: a) quanto mais as crianças são ativas e realizam atividades em lugares abertos, mais aumentam o gasto de energia e consequentemente melhoram a HMF. Estudos apresentam que ao longo da infância as HMF são refinadas e combinadas, resultando em habilidades mais complexas. Dessa forma, a aprendizagem das HMF influencia a participação das crianças em atividades físicas e consequentemente no aumento do NAF, o que está associado à aptidão física e ao estilo de vida ativo5. Brauner e Valentini6, analisando o desempenho físico de crianças em HMF têm reportado resultados preocupantes, uma vez que a maioria das crianças investigadas apresentaram atrasos motores. Por outro lado, existe uma possível relação instituída na literatura argumentando que crianças

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competentes motoramente tendem a ser mais ativas, porque estas dedicaram mais tempo para adquirir tais habilidades4,7. Gallahue et al.1 apresentam o enfoque de que quanto mais habilidade motora a criança apresentar durante a execução de um movimento, se o mesmo for realizado em um ambiente fechado, a variabilidade no padrão do movimento deve ser a menor possível. Assim, entende-se que o nível proficiente ou avançado possibilita que o indivíduo alcance a meta da ação com um mínimo de gasto de energia e/ou tempo, graças à eficiência que esse estágio proporciona à criança1. Atualmente as crianças e os adolescentes não são suficientemente ativos fisicamente, seja dentro ou fora do ambiente escolar2. Os autores Silva et al.3, Economos et al.8 e Lopes et al.9 constataram que as atividades do cotidiano das crianças e adolescentes como caminhar, saltar, correr, andar de bicicleta, tem diminuído. Foi verificado também que o NAF durante o tempo livre tem declinado significativamente, atingindo níveis abaixo das quantidades consideradas adequadas. A redução do NAF entre crianças e adolescentes é motivo de preocupação de estudiosos da área, devido às consequências que a inatividade física pode gerar10, como menor desenvolvimento psicomotor11 , comprometimento do repertório motor e favorecimento da atitude sedentária1 . Além do aumento do risco do desenvolvimento de doenças crônicas, a infância e adolescência são períodos cruciais para o desenvolvimento de hábitos e um estilo de vida que, por via de regra, se mantêm na vida adulta. Justamente nas aulas de Educação Física escolar que se deve estimular as crianças para que criem o hábito de se movimentar12. No entanto, a atividade física é considerada como um dos principais fatores que favorecem o estilo de vida saudável, podendo atuar na prevenção ou reabilitação de muitas doenças10 . Assim, atividade física é entendida como qualquer movimento corporal, produzido pelos músculos esqueléticos, que resulta em dispêndio energético acima dos níveis esperados de repouso. É importante salientar que atividade física deve ser entendida como um comportamento multifacetado, em que devem ser incluídas variáveis como: duração (tempo), frequência (número de vezes), intensidade (movimentos por minuto, passos), dispêndio de energia (Kcal) por minuto, consumo de O2 e frequência cardíaca. Entretanto, a atividade física pode ser vista apenas pelo seu componente de gasto energético (GE), independentemente da atividade Educação Física escolar, treinamento e saúde

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realizada13. Existem vários métodos para avaliação do NAF para os escolares, que podem ser classificados em quatro categorias: observação direta, questionário/entrevista, registro recordatório e monitoração mecânica/eletrônica (sensor de movimento, pedômetro, acelerômetro e monitor de frequência cardíaca). No entanto, sempre que o NAF for expresso por valores de dispêndio energético Kcal (ou KJ), as medidas do peso corporal e idade do avaliado devem ser tomados em consideração, assim, pode-se discutir a relevância dos métodos10. Como mencionado acima, o desenvolvimento das HMF começa na infância, sendo preciso frisar que as crianças não desenvolvem essas habilidades somente pelos processos naturais de crescimento e maturação, mas precisam ser estimuladas, aprendidas, praticadas e reforçadas para automatização. Gallahue et al.1 apresentam uma concepção errônea que alguns professores têm sobre o conceito do desenvolvimento na fase do movimento fundamental. É a noção de que essas habilidades são determinadas pela maturação e pouco influenciadas pelas demandas das tarefas e pelos fatores ambientais. A Figura 2 apresenta a visão descritiva dos fatores que determinam o desenvolvimento motor, principalmente na fase do movimento fundamental. Não se pode esquecer de que toda criança já tem suas características genéticas (hereditárias), porém as crianças durante a fase do desenvolvimento fundamental e os seus respectivos estágios devem potencializar e adquirir a proficiência da HMF1. É nessa fase que a criança precisa ser estimulada e orientada adequadamente para que possa adquirir um repertório motor amplo, sempre em busca do controle motor e competência no movimento, para que assim possa utilizar as atividades ao longo da vida. Para que a criança desempenhe o controle motor eficiente, o professor precisa considerar a relação dinâmica do indivíduo em todos os ambientes nos quais ele está inserido de forma direta ou indireta. O professor também precisa reconhecer que existe uma relação complexa entre constituição biológica do indivíduo e as circunstâncias do seu ambiente, juntamente com os objetivos da tarefa de aprendizagem que está sendo engajada para os escolares. O momento ideal para estimular a criança e fazer com que ela adquira as HMF é na infância. Porém, as HMF podem ser ampliadas nos anos subsequentes para que possam favorecer as crianças na especialização de movimentos no

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decorrer de toda a vida, incluindo os esportes, jogos recreativos e atividades do cotidiano, para promover o estilo de vida mais fisicamente ativo na idade adulta1,2. Notamos que o indivíduo já traz consigo, a partir do nascimento, os fatores hereditários que influenciam de forma individual o desenvolvimento motor. O outro fator que pode influenciar o desenvolvimento motor é o ambiente em que vive, sendo possível analisar e prever seu desenvolvimento motor. Nas fases do desenvolvimento motor é possível observar que durante as duas primeiras fases – movimento reflexo e movimento rudimentar – há influência maior, mas não exclusiva, dos fatores hereditários1. Nota-se que é sequencial o progresso do desenvolvimento motor durante os primeiros anos de vida, pois esta fase é rígida e resistente às mudanças, exceto sob extremos ambientais. Portanto, é esperado que nas primeiras fases a sequência do desenvolvimento seja previsível. Um exemplo clássico que Gallahue et al.1 apresentam é dos bebês primeiramente aprenderem a sentar antes de aprenderem a ficar de pé, e a ficar de pé primeiramente antes de começar a caminhar.

Figura 2. Descrição dos fatores que determinam o desenvolvimento motor. Adaptado de Gallahue et al.1 (pág. 65-82). Educação Física escolar, treinamento e saúde

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A aquisição das habilidades de movimento pode variar no decorrer da infância e a partir dela. Quando a criança tem oportunidades de práticas, estímulos e instruções, em um recinto que promove o aprendizado, a conquista de habilidades de movimento é incrementada1 . A prática de HMF é um elemento de desenvolvimento físico que pode ativar grandes grupos musculares, normalmente classificados como atividades de estabilização, locomoção e manipulação. Estas atividades acabam contribuindo para a realização do desempenho motor proficiente e, consequentemente, promovem melhor aptidão física para os escolares9. As crianças precisam ter combinações de oportunidades práticas, estímulos e ensino em um ambiente seguro. Essas condições são primordiais para ajudá-las a vencer cada estágio da fase do movimento fundamental1. Crianças fisicamente ativas e com um bom desenvolvimento motor podem apresentar menor chance de desenvolverem doenças crônicas, como obesidade, diabetes mellitus, hipertensão arterial e doenças cardíacas, entre outras12. A HMF tem utilidade durante toda a vida e são componentes importantes da vida diária de adultos e também de crianças. As tarefas diárias de caminhar até a escola, ir ao mercado, esperar em pé numa fila, subir escadas e equilibrar-se em posições estáticas e dinâmicas, são habilidades básicas importantes ao longo de toda a vida1 . Para tanto, o professor de Educação Física escolar, durante o ensino infantil e início do ensino fundamental, precisa estimular os escolares para que criem hábitos de se movimentarem, desenvolvam suas HMF e, consequentemente, sua aptidão física3. A aptidão física pode ser entendida como habilidade de desempenhar tarefas diárias sem se fatigar e também como a disponibilidade de amplas reservas de energia para atividades recreativas ou necessidades de emergência. Esta pode ser relacionada com a saúde e com o desempenho1. Por meio da aptidão física, o professor pode desenvolver nos escolares os componentes relacionados à saúde e os componentes relacionados ao desempenho esportivo, porém é preciso que pense sempre na qualidade de vida dos seus escolares, pois ambos os componentes vão estimular o desenvolvimento motor de vários modos1 (Figura 3). Conclui-se que é de extrema relevância estimular as HMF das

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crianças por meio da Educação Física escolar, pois as mesmas terão chances de atingir a proficiência do movimento, criar o hábito de se movimentar e, consequentemente, desenvolver a aptidão física. Por conseguinte, estarão garantindo sua participação nas práticas motoras do cotidiano durante a adolescência e a vida adulta. Durante as atividades escolares, o professor pode utilizar também métodos de avaliação do NAF para acompanhar o gasto energético das crianças e assim verificar se as mesmas estão tendo um comportamento ativo ou sedentário.

Figura 3. Aptidão física e seus componentes relacionados à saúde e desempenho esportivo. Adaptado de Gallahue et al.1 (pág. 83-106).

É necessário que o professor de Educação Física escolar conheça as fases do desenvolvimento motor e, principalmente, a fase do movimento fundamental, pois esta deve ser trabalhada e estimulada na faixa dos 2 aos 7 anos de idade. É neste período que a criança deverá vivenciar e se apropriar de vários movimentos de estabilização, locomoção e manipulação. O professor precisa ter ciência da importância desta fase com seus respectivos estágios na vida dos escolares. Por meio da identificação dos estágios da HMF nos quais se encontra o aluno, o educador pode construir relações com o NAF e, assim, poderá incluir a proposição Educação Física escolar, treinamento e saúde

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de métodos ou programas de intervenção capazes de promover o estilo de vida mais fisicamente ativo, que concorrerá para evitar ocorrências de doenças crônico-degenerativas, muito presentes na sociedade atual. Os conteúdos da Educação Física como jogos, brincadeiras, esportes coletivos/individuais, danças, lutas, atividades rítmicas, expressivas e ginástica, são meios eficazes para o estímulo das HMF. É por meio destes que o professor pode intervir para que tenha efeito no estilo de vida e hábitos motores das crianças, levando-as a reverter os baixos níveis de atividade física e evitando doenças causadas por falta de atividade física. Referências 1. Gallahue DL, Ozmun JC, Goodway JD. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos. 7.ed. Phorte, editor. São Paulo 2013. 2. Morgan PJ, Barnett LM, Cliff DP, Okelly AD, Scott HA, Cohen KE et al. Fundamental movement skill interventions in youth: a systematic review and meta-analysis. American Academy of Pediatrics. 2013;1(1):1361-–83. 3. Silva DAS, Lima JO, Silva RJS, Prado RL. Nível de atividade física e comportamento sedentário em escolares. Revista Brasileira Cineantropometria Desempenho Humano. 2011;11(3):299-306. 4. Willians HG, Pfeiffer KA, Neill JR, Dowda M, Mciver KL, Brown WH et al. Motor skill performance and physical activity preschool children. Obesity. 2008;16(6):1421-6. 5. Souza MS, Spessato BC, Valentini NC. Percepção de competência motora e índice de massa corporal influenciam os níveis de atividade física? Revista Brasileira Ciência e Movimento. 2014;22(2):78-86. 6. Brauner LM, Valentini NC. Análise do desempenho motor de crianças participantes de um programa de atividades físicas. Revista da Educação Física/UEM 2009;20(2):205-16. 7. Spessato BC, Gabbard C, Valentini NC. The role of motor competence and body mass index in children’s activity levels in physical education classes. Journal of Teaching in Physical Education. 2013;32(1):118-30 8. Economos CD, Hennessy E, Sacheck JM, Shea MK, Naumova E. Development and testing of the BONES physical activity survey for young children. Revista biomed central. 2010;11:1-9. 9. Lopes LO, Lopes VP, Santos R, Pereira OP. Associações entre actividade física, habilidades e coordenação motora em crianças portuguesas. 2011;13(1):15-21. 10. Guedes DP, Almeida FN, Neto JTM, Maia MFM, Tolentino TM. Baixo peso corporal/ magreza, sobrepeso e obesidade de crianças e adolescentes de uma região brasileira de baixo desenvolvimento econômico. Revista Paulista de Pediatria. 2013;31(4):437-43 11. Rivera IR, Silva MAM, Silva RDATA, Oliveira BAV, Carvalho ACC. Atividade física, horas de assistência à TV e composição corporal em crianças e adolescentes. Arquivos Brasileirso de Cardiologia. 2010;95(2):159-65. 12. Rosa CSC, Messias KP, Fernandes RA, Silva CB, Monteiro HL, Freitas Júnior IM. Atividade física habitual de crianças e adolescentes mensurada por pedômetro e sua relação com índices nutricionais. Revista brasileira Cineantropometria Desempenho Humano. 2011;13(1):22-8. 13. Cafruni CB, Valadão RCD, Mello ED. Como avaliar a atividade física? Revista Brasileira de Ciências da Saúde. 2012;33:61-70.

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CAPÍTULO 7 O movimento na perspectiva históricocultural: introduzindo o conceito de ato motor voluntário Rafael Cesar Ferrari dos Santos

Resumo A partir da Teoria Histórico-Cultural, este texto apresenta aportes teóricos para o campo do ato motor voluntário. Será apresentado um estudo de caso analisando como o comportamento do educador vai regulando o comportamento motor da criança. Podemos destacar que o desenvolvimento do ato motor voluntário perpassa por três momentos: a subordinação da criança à linguagem do adulto e a utilização da imitação; a utilização da linguagem egocêntrica para regulação do ato motor voluntário; a utilização da linguagem interior. A descrição dessas fases demonstra a passagem do polo interpsíquico para o intrapsíquico no desenvolvimento do ato motor voluntário. Introdução O presente artigo evidencia a necessidade de avançar nos estudos da Teoria Histórico-Cultural e utilizá-la para a compreensão do ato motor voluntário tendo em vista assumi-lo numa perspectiva dialética, materialista e histórica para a construção de intervenções voltadas ao desenvolvimento do ato motor voluntário de crianças inseridas no contexto escolar. A possibilidade de assumir o estudo do ato motor voluntário surgiu do problema já apontado por Luria1 que permeia a compreensão de movimento/ação voluntária até os dias atuais no campo da Educação, Educação Física e Psicologia. A compreensão do movimento humano explicado ora pela abordagem idealista, ora pela mecanicista. Em síntese, nas palavras do próprio Luria1 (p.241). Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Novas Tendências em Educação Física (...) nem o conceito idealista, nem o conceito mecanicista do movimento voluntário, conseguiram, de fato, qualquer avanço significativo em relação às ideias dualistas de Descartes, para quem os movimentos dos animais eram de natura reflexa ou mecanicista, ao passo que os dos homens eram determinados por algum princípio mental ou pelo livre-arbítrio, que liberavam os mesmos mecanismos reflexos.

Para superar tais pressupostos presentes até os dias atuais sobre a compreensão do ato motor voluntário, Vigotski citado por Luria1 afirmou que a gênese do desenvolvimento da ação/movimento voluntário reside, não dentro do organismo, nem na influência direta da experiência, mas na história social do homem, ou seja, a partir da atividade de trabalho em sociedade, a qual demarca a origem da história humana. Nesse contexto, a relação entre a criança e os adultos foi a base do movimento voluntário e da ação propositada na ontogênese. Essa preposição Vigotskiana será a hipótese central deste artigo. Nesse contexto, a definição de movimento/ação voluntária, segundo Rubinstein2, e que difere dos outros tipos de movimento como o reflexo/inato, por exemplo, é a seguinte: O movimento enquanto denominado movimento voluntário não leva a cabo, finalmente, um órgão isolado, mas todo o indivíduo, e seu resultado não é apenas uma alteração funcional do estado de um órgão, mas o resultado objetivo, uma alteração da situação vital produzida pelo movimento, à solução de determinada tarefa, a qual produz indispensavelmente uma determinada postura pessoal. Por isto o movimento, com ajuda da qual o indivíduo executa por regra geral uma obra, está vinculado com uma reflexão sobre a tarefa que deve resolver por meio do movimento e com uma postura pessoal com respeito à mesma. Se estes se alteram, variam também a esfera motriz. (p.604, grifo nosso) Na definição apresentada acima, fica evidente a relação dialética que o movimento voluntário apresenta com a complexidade do psiquismo humano, principalmente por que apresenta reflexão frente à tarefa que lhe é proposta. Sendo assim, o objetivo principal deste artigo é contribuir, a partir da Teoria Histórico-Cultural, para com os estudos acerca do desenvolvimento do ato motor voluntário, visando à análise do desen-

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volvimento do ato motor voluntário pela via do trabalho educativo – prática pedagógica – mediado pelo professor. Nesse sentido, apresentaremos no próximo tópico um estudo de caso, na tentativa de introduzirmos uma análise, a partir de uma intervenção lúdico-pedagógica, sobre a aprendizagem e desenvolvimento do ato motor voluntário fundamentado nos pressupostos da Teoria Histórico-Cultural. Análise histórico-cultural do estudo de caso: o processo de aprendizagem e desenvolvimento do ato motor voluntário A apresentação do processo de ensino-aprendizagem com intervenção junto ao sujeito Alípio (nome fictício) será realizada em forma de narrativa, em que enfatizaremos determinados episódios, com intuito de analisar o processo de interiorização do ato motor voluntário, por meio da relação entre os aspectos verbo-motores do pesquisador (educador) e seu impacto na regulação do comportamento verbo-motor da criança, pontuando os aspectos da relação interpsicológica para a intrapsicológica. Os episódios propostos para a análise serão apresentados abaixo e ilustrados a partir de situações concretas vividas pelo sujeito Alípio ao longo do processo de intervenção. O sujeito Alípio tem 8 anos, frequenta o 3o ano do ensino fundamental de uma escola pública municipal de tempo integral de uma cidade do interior paulista. Segundo seus professores e gestores da sua escola, Alípio apresenta dificuldades de aprendizagem, falta de atenção e concentração, dificuldades na linguagem oral e escrita, assim como falta de empenho na organização dos seus materiais escolares. É importante ressaltar que, para a análise, apresentaremos atividade ludo-pedagógica “Escravos de jó”, que visava o desenvolvimento da motricidade fina e organização espacial. Abaixo apresentaremos os episódios selecionados. Para a análise dos dados, recorremos ao método instrumental utilizado por Vigotski3 para a compreensão da realidade estudada. O método instrumental compreende como o outro mais desenvolvido é importante para a aprendizagem e desenvolvimento do menos desenvolvido, mediado por instrumentos e signos, situação que vai ao encontro da preocupação de estudo desse processo, qual seja, compreender o ato motor Educação Física escolar, treinamento e saúde

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voluntário na perspectiva histórico-cultural. Nesse sentido, Vigotski3 ressalta a funcionalidade e empregabilidade do método funcional:

Por sua própria essência, o método instrumental é um método histórico-genético que contribui para a pesquisa do comportamento do ponto de vista histórico. O comportamento só pode ser entendido como a história do comportamento (P.P. Blonsky). As principais áreas de observação, onde você pode implementar com sucesso o método instrumental são: a) o escopo de uma psicologia sócio-histórica e étnica estudar o desenvolvimento histórico do comportamento e seus diversos graus e formas; b) o escopo da investigação funções mentais superiores, ou seja, as formas superiores de memória (ver mnemônico de pesquisa) a atenção, o pensamento verbal ou matemática etc; c) a psicologia infantil e pedagogia. O método instrumental não tem nada em comum (exceto o nome) com a teoria da lógica instrumental de J. Dewey e outros pragmáticos. (p.68)

O método instrumental desenvolvido por Vigotski3 ajuda a evidenciar a relação dos fatores envolvidos no processo, pois não podemos ficar presos apenas a estudar como a criança se desenvolve, mas compreender todo o processo desde as relações sociais, a linguagem, os objetos e a estrutura da atividade social realizada pela criança. Por isso, apresentaremos abaixo a análise da atividade ludo-pedagógica “Escravos de Jó”, escolhida para exemplificarmos o processo histórico-cultural de desenvolvimento do ato motor voluntário junto ao sujeito Alípio.

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Início da atividade:

Educador: — Você conhece aquela “musiquinha” que se chama “Escravos de Jó?” Alípio: — Ahh, já sei! Educador: — Então canta para ver se você sabe. Alípio: — Não lembro muito. Educador: — Então vou cantar uma vez para você se lembrar, tá? É assim oh: “Escravos de jó, jogavam caxangá, tira, põe, deixa ficar, guerreiros com guerreiros fazem zigue, zigue, zá”. (Alípio apoia-se sobre a mesa e observa o educador cantar).

Nesse momento o educador está cantando (instrução verbal) para Alípio, que observa em silêncio a música. Educador: — Lembrou? Alípio balança a cabeça sinalizando que se lembra. Educador: — Então vamos cantar juntos agora. Educador e Alípio: — Escravos de Jó, jogavam caxangá, tira, põe, deixa ficar, guerreiros com guerreiros fazem zigue, zigue, zá (2 vezes) Alípio, ao cantar a música junto com o educador, só pronuncia o final das palavras esperando que o educador cante primeiro.

Nota-se que a atividade apresentada a Alípio não era de seu conhecimento. Identificamos que Alípio não conhecia a atividade quando pedimos para que ele cantasse a musica e ele não conseguiu, mesmo dizendo que sabia cantar.

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Novas Tendências em Educação Física Educador: — Está bom, vem aqui agora. Formamos um círculo com outra educadora que auxilia o processo. Educador: — Vamos fazer assim, separado primeiro. Assim, vamos rodando assim. – O educador demonstra com passos laterais e canta a música. Alípio tenta imitar.

Nesse momento, o educador apresenta os movimentos da música para a criança, Alípio tenta realizar os movimentos imitando o educador e o educador continua explicando cada parte dos passos da música. Ao tentar reproduzir os passos, Alípio não consegue fazer, nos permitindo constatar que a criança não conhece de fato a música “Escravos de Jó” e seus respectivos passos. No entanto, nessa explicação inicial Alípio demonstra interesse, pois esteve disposto a observar as explicações do educador, com o intuito de aprender a letra da música e a coreografia, fato esse que foi também demonstrado quando Alípio tentou imitar o educador, realizando os passos. Durante a atividade Ao começar o desenvolvimento da atividade, vamos percebendo que a música e os movimentos desconhecidos pela criança a partir da atividade mediada e social vão sendo apropriados pela criança, que começa a ser conduzida voluntariamente por ela. No primeiro momento, considerando que Alípio não conhecia a música “Escravos de Jó”, pensamos na possibilidade de cantarmos de uma forma mais lenta para que pudesse compreender a letra da música e seus respectivos passos. Nesse primeiro momento de apresentação da atividade e de relação educador-criança no que se refere à aprendizagem e desenvolvimento do ato motor voluntário, Vigotski apud Luria4 descreve que o primeiro aspecto do ato motor voluntário é caracterizado pela origem da função reguladora da linguagem, que seria a capacidade da criança de se subordinar à linguagem do adulto. Esta linguagem, que frequentemente é acompanhada de gestos indicadores, é a primeira etapa que traz consideráveis modificações para a organização da atividade psíquica da criança. Nisto consiste a primeira etapa na formação de um novo tipo de ações da criança, organizada sobre uma base social. Podemos ilustrar essa citação na primeira tentativa de execução da

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música e de seus passos, quando Alípio não canta a música focando sua atenção nos passos em que o educador executa. Entretanto, como a música “Escravos de Jó” é ritmada, o fato de olhar para o educador para depois executar os movimentos faz com que Alípio perca o ritmo da música. Educador: — Difícil? Alípio: — Não. – Balançando a cabeça. O educador retoma com o Carlos a música posicionando-o de frente para ele sem dar as mãos. O educador canta a música. Alípio ao realizar os passos da música olha para o educador e ainda espera o educador realizar os passos primeiro para depois fazê-lo, consegue acompanhar melhor os passos e o ritmo da música mesmo esperando para realizar. No momento da música em que diz “guerreiros com guerreiros...” ele consegue dar os passos, entretanto só não realiza para o lado certo, fazendo dois para direita e um para esquerda.

A partir da identificação do desenvolvimento real de Alípio em relação a essa atividade, o educador cria a possibilidade de realizarmos um círculo, sentados e, ao invés de realizarmos os movimentos da música com os passos laterais, pegamos um objeto (bola de tênis) para representar os passos da música. Nesse sentido, ao falar do desenvolvimento dos atos motores voluntários, Smirnov5 corrobora um papel importante às exigências sistemáticas dos adultos e às orientações que se fazem às crianças. Como podemos observar no diálogo abaixo: Educador: — Só que agora vamos fazer com bolinhas. (bola de tênis) O educador pega três bolinhas de tênis, solicita que realizemos um círculo sentados no chão e distribui as bolinhas. O educador explica verbalmente que terá que passar a bolinha para a educadora e pegar a bolinha que o educador irá passar para ele. Em seguida demonstra corporalmente a parte da música que fala “tira, põe, deixa ficar” realizando os momentos com a bolinha. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Novas Tendências em Educação Física Enquanto o educador demonstra cantando e realizando os movimentos, Alípio reproduz os movimentos imitando-os. O educador demonstra o que deverá fazer com a bolinha na hora do “zigue, zigue, zá”. Alípio imita os movimentos demonstrados pelo educador. Educador fala as partes da música correspondente a “zigue, zigue, zá” para Alípio realizar sozinho. Educador: — Zigue. Alípio faz um movimento para a esquerda com a bolinha, mas o correto seria para a direita. Educador: — Não. Alípio: Realiza o movimento para o outro lado (esquerdo) Educador: — Zá. Alípio realiza o movimento para a direita. Educador: — Zá Alípio realiza o movimento para a esquerda. Educador: — Isso. No “zá” você tem que entregar a bolinha para a educadora. Entendeu? Alípio sorri e indica com a cabeça que sim.

Identificamos, nesse diálogo, a explicação tanto verbal como ação corporal do educador, no sentido de explicar como teremos que conduzir a bola de acordo com a cantoria da música. Nesse momento, o comportamento de Alípio é imitar os comandos conforme o educador vai apresentando. Até que, num dado momento, o educador só pronuncia uma parte da música para que Alípio realize seus respectivos movimentos e o educador vai orientando os movimentos corretos com instruções apenas verbais nessa parte da música, como demonstrado no diálogo acima. Ao notar a utilização da imitação por Alípio para aprender os movimentos e a letra da música, identificamos a afirmação de Vigotski6 sobre o mecanismo psicológico geral da formação e desenvolvimento das funções psíquicas superiores, e entendemos o ato motor voluntário como tal, é a imitação, graças à qual ocorre a assimilação de diversas funções entre as pessoas. Sendo assim, a imitação como possibilidade real de relação entre as pessoas garante a faceta da determinação social e a estrutura das funções psíquicas superiores. Na primeira tentativa com uso das bolinhas, nota-se que a criança continua utilizando o recurso da imitação dos movimentos corporais do

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educador para a realização do seu movimento. Entretanto, na atividade “Escravos de Jó”, essa imitação dificulta no desenvolvimento da atividade, justamente porque os movimentos têm que ser executados ao mesmo tempo em que requeridos pelo ritmo. Nesse sentido, o educador orienta Alípio verbalmente a respeito dessa questão, de realizar os movimentos todos ao mesmo tempo. Percebe-se nesse momento o primeiro avanço da criança em relação à atividade “Escravos de Jó”, visto que Alípio realizou a primeira parte da música com mais atenção e conseguiu pegar a bolinha que lhe era passada e passar a bolinha que estava com ele, dentro do ritmo. Na segunda parte da música em que repetimos duas vezes a estrofe “guerreiros com guerreiros fazem zigue, zigue, zá”, Alípio se perdeu com os movimentos e não conseguiu terminar a música. Nesse contexto, isso demonstra a subordinação da criança aos aspectos verbo motores do educador para compreender a música “Escravos de Jó” e seus respectivos movimentos. Sendo assim, nota-se que a segunda parte da música tem movimentos mais complexos e que exigem maior atenção por parte do sujeito para regular seu comportamento. A partir dessa constatação, o educador solicita a Alípio que repita somente essa segunda parte da música, como podemos observar no relato abaixo: Educador: — Vamos de novo. Na parte do “guerreiros com guerreiros” Alípio está olhando para baixo, visualizando só a sua bolinha e logo ocorre que todas as bolihas ficam todas com ele. Educador: — Porque você não está passando? Alípio: — Ahhh!! Minha mão. O educador novamente explica a música cantando e demonstrando os movimentos para Alípio. Educador: — Vamos tentar de novo? 1, 2, 3 e já. Ao cantarmos novamente, ele consegue acompanhar a primeira parte da música até o “tira, põe, deixa ficar”, num ritmo melhor sem precisar esperar os educadores realizarem o movimento primeiro. Na parte do “zigue, zigue, zá”, o educador foi cantando devagar e corrigindo verbalmente seus movimentos e ele foi realizando, na segunda repetição desse mesmo trecho já teve uma melhora seu desempenho. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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No diálogo que apresentamos acima, notamos como a orientação verbal do educador regula e adequa a atenção de Alípio que, consequentemente, melhora seu desenvolvimento na atividade. No início, quando tentamos fazer novamente a parte final da música, a criança não está concentrada e não consegue realizar os movimentos. Posteriormente, conversamos e o educador questiona sobre seu comportamento e a execução da atividade realizada, que toma outra dimensão diante disso. Qualitativamente, seus movimentos ganham outros aspectos, diferentes de quando começou a atividade da música “Escravos de Jó”. O processo de desenvolvimento do ato motor voluntário, o qual é necessário para o desenvolvimento de funções psicológicas superiores, como a memória e a atenção voluntária, se configura no começo como operações externas, relacionadas ao emprego do signo externo7. Fica claro este ponto quando o educador utiliza da linguagem, orientando verbalmente o sujeito, e também com a utilização do instrumento material (bolinha) para que Alípio compreenda o motivo da atividade e regule sua atenção e memória, funções exigidas pela atividade para que sejam aprendidos os movimentos da música. A estratégia de cantar devagar anuncia uma nova forma de desempenho do seu ato motor voluntário na atividade, até mesmo chegando a pronunciar algumas palavras durante a realização dos movimentos e da cantoria da música. Já podemos até pensar na hipótese do processo de interiorização dos movimentos, uma vez que, ao começar a utilizar algumas palavras para executar seus movimentos, Alípio começa a utilizar o recurso da linguagem egocêntrica para regular sua atenção e movimentos durante o desenvolvimento da atividade. Para que o meio social se converta no comportamento individual, intuito da nossa intervenção, o signo, a princípio, é sempre um meio de influência através dos outros sujeitos e, depois, um meio de influência sobre si mesmo7. É importante entender esse processo para uma compreensão adequada do desenvolvimento do ato motor voluntário. Ao demonstrarmos a nossa intervenção, o cuidado de se ater a cada detalhe para que identificássemos na realidade como um comportamento aprendido, através da relação educador-criança, ou seja, comportamento de natureza social, o qual vai configurando-se como individualidade do sujeito. Entretanto, não acontece numa relação direta, mas sim a partir de uma relação mediada e que leva tempo para se efetivar.

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Analisando até o momento, verifica-se que a relação entre educador e criança se encontra em nível interpsicológico, e a sua evolução em relação a seus movimentos na atividade é verificada quando já começa a realizar todos os movimentos da música e, posteriormente começa a se utilizar da linguagem egocêntrica para regular seus movimentos. Nesse sentido, o impacto verbo-motor do educador ao propor cantar de forma mais lenta, para que a criança consiga estabelecer relações entre o que estava ouvindo e fazendo e já tentando cantar algumas palavras, são ações que podem nos mostrar o salto qualitativo no desenvolvimento dos aspectos do ato motor voluntário trabalhado com Alípio. Quando Alípio começa a utilizar da linguagem egocêntrica para controlar seu ato motor voluntário, Luria4,8, apoiado no estudo de Vigotski, caracteriza essa condição como a segunda etapa de constituição do ato voluntário. Há evidências suficientes para compreender que a linguagem egocêntrica, não dirigida a um interlocutor e que surge diante de dificuldades, no início, possui um caráter desdobrado, descrevendo situações e planejando a saída para elas. Mas, com o desenvolvimento da criança, essa linguagem vai gradativamente se reduzindo, transformando em sussurro e, posteriormente, em linguagem interior. Diante disso, Vigotski9 destaca que: Como temos mostrado em um de nossos trabalhos anteriores, esta transição (da linguagem egocêntrica para a linguagem interior) é uma lei geral do desenvolvimento das funções psíquicas, que surgem inicialmente como formas de atividade colaborativa e só então transfere a criança para a área de formas psíquicas de atividade. (p.38)

Esse avanço que possibilitamos através da atividade social ao desenvolvimento do ato motor voluntário de Alípio ressalta que a palavra não é somente um instrumento do reflexo da realidade, mas um meio de regulação da conduta humana. A função que está na base do comportamento voluntário é a capacidade de se subordinar a instrução verbal do adulto, sendo que o ato voluntário ativo se forma por meio dessa subordinação primitiva4,8. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Diante das situações vividas e apresentadas até aqui, é possível identificar o processo de interiorização dos movimentos da música “Escravos de Jó” no desenvolvimento do ato motor voluntário de Alípio. E vamos notando como essa aprendizagem vai se dando de uma situação interpsíquica para uma elaboração intrapsíquica do sujeito, no sentido de retratar o papel dos mediadores na aquisição de novos comportamentos do sujeito Alípio. Continuando com a atividade, o educador se dirigiu verbalmente para Alípio pronunciando que iríamos cantar um pouco mais rápido se comparado com a vez anterior. Educador: — Mas está certinho. Agora vamos cantar um pouquinho mais rápido. 1, 2, 3 e já. Quando começamos a cantar a música um pouco mais rápido que a primeira vez, Alípio não cantou a música, mas conseguiu realizar os movimentos corretamente no ritmo da música e, na hora do “zigue, zigue, zá”, ele conseguiu realizar os movimentos na primeira vez que cantamos entregando a bolinha na hora do “zá” para seu parceiro. Alípio notou que conseguiu realizar os movimentos, olhou para o educador, deu um sorriso e então se perdeu na continuidade na música. Paramos e cantamos mais devagar para ele se localizar, pegou o ritmo da música e terminou a música realizando os movimentos corretamente. Educador: — Muito bem, melhorou! – e bateu palmas – Viu? No começo é difícil mesmo, daqui a pouco estará fazendo sem perceber. Vamos lá de novo?

No diálogo apresentado acima, observa-se que pela primeira vez Alípio conseguiu realizar os movimentos da música inteira sem cometer erros. Isso fica ilustrado na relação com o educador quando terminamos de cantar a segunda da parte da música “guerreiros com guerreiros...” parte essa que Alípio apresentava dificuldades para realizar por ser complexa e, ao notar seu sucesso na execução dos movimentos, olha para o educador e sorri como quem diz “eu consegui”. E esse gesto o fez perder o ritmo e a continuação da música. Entretanto, ao percebemos que Alípio se perdeu, diminuímos a velocidade ao

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cantar a música para que se recuperasse e terminasse de realizar a atividade. E por fim, cantamos a música novamente, utilizando apenas de sons e outra vez, cantamos numa velocidade bem rápida. Ao observar o exemplo abaixo, Alípio executou muito bem seus movimentos e o ritmo da música. Ao analisar o desenvolvimento dessa atividade, podemos notar três momentos de desenvolvimento do ato motor voluntário de Alípio. O primeiro acontece quando a criança está tentando conhecer os movimentos apresentados pelo educador, utilizando o processo de imitação e concomitantemente a subordinação à linguagem do adulto. O segundo momento acontece quando Alípio está recorrendo, em alguns momentos, à linguagem egocêntrica para regular seu movimento e, através da atenção, concentração e memória, já consegue desenvolver os movimentos mais simples da música. E um último momento, quando Alípio começa a superar os obstáculos da atividade, já conseguindo realizar todos os movimentos exigidos na música, conseguindo até pronunciar partes da música associadas ao seu movimento, apresentando, também uma participação mais ativa com perguntas e questionamentos ao ser desafiado. De acordo com Vigotski citado por Luria4, por meio da linguagem interior, surge o que se denomina de “ação voluntária complexa como sistema de autorregulação”. Assim, o ato voluntário (e o intelectual) é entendido como um processo de origem social, mediado em sua estrutura, no qual o papel do meio é cumprido pela linguagem interior do homem. Enfim, ao demonstrar nessa atividade o avanço do aspecto psicomotor, ritmo de Alípio, através da atividade Ludo Pedagógica “escravo de Jó”, a análise centra atenção em destacar a mediação de ferramentas e signos nas funções psíquicas superiores, sua origem social e o desenvolvimento mediante a interiorização. Entre o estímulo que vai sendo dirigido, a conduta e a reação do sujeito, aparece um novo membro intermediário e toda a operação se constitui num ato mediado. Graças a essa mediação, chega a dominar os processos do próprio comportamento, ou seja, o domínio dos processos que eram antes de índole natural6. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Considerações finais Ao considerar as contribuições da Teoria Histórico-Cultural ao campo do ato motor voluntário, buscamos valorizar os aspectos sociais e históricos, assim como as apropriações dos objetos culturais materiais e simbólicos, como essenciais no processo de desenvolvimento do comportamento humano, reconhecendo as condições objetivas encontradas pelos sujeitos na sociedade e na escola. Nessa direção, é importante ressaltar que as atividades lúdicas e pedagógicas são fundamentais para a conquista de um movimento consciente voluntário para as crianças em idade pré-escolar. Nesse sentido, entende-se o ato motor voluntário como um campo de conhecimento teórico-prático que busca compreender o movimento consciente/voluntário não como explicação centrada no indivíduo e decorrente de sua maturação biológica, mas sim, avançar a essa visão positivista e enfatizar os aspectos objetivos e materiais que engendram o processo de desenvolvimento do ato motor voluntário dos seres humanos. Considerando a perspectiva Histórico-Cultural no processo de desenvolvimento do ato motor voluntário, poderíamos afirmar que o mesmo se constitui nas relações sociais, a partir das oportunidades de apropriação dos objetos culturais, materiais e simbólicos que os sujeitos encontram em suas vidas e em decorrência do contexto social no qual estão inseridos. Isso implica afirmar que o desenvolvimento psicomotor deve ser considerado a partir das condições objetivas, sociais e históricas encontradas pelos sujeitos, bem como das oportunidades de apropriação dos objetos culturais presentes na sociedade e disponíveis para os seres humanos. Nesse sentido, ao estudar os aspectos do desenvolvimento do ato motor voluntário a partir da Teoria Histórico-Cultural, consideramos que a percepção, a memória, a representação e o pensamento, as vivências emocionais e a ação voluntária não são funções naturais do tecido nervoso, tampouco simples propriedades da vida psíquica. Fez-se evidente que possuem sua gênese nos aspectos sócio-históricos, adquirindo particularidades funcionais novas, específicas para o homem10. À guisa de conclusão, a contribuição acadêmica e social desse estudo, que teve o objetivo de compreender o ato motor voluntário a partir

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da Teoria Histórico-Cultural principalmente no campo da Educação Física, assim como da Educação e Psicologia, é de concretizar outra possibilidade de compreensão para os fenômenos motores que são de características eminentemente humanas. Nesse sentido, este estudo teve por finalidade enfatizar que o movimento humano como fomentado por essas áreas pode ser analisado, questionado e pesquisado para além da compreensão atomicista e fragmentada que temos hegemonicamente nas ciências. Apontar as limitações das explicações hegemônicas e demonstrar através da atividade científica, mesmo que de forma inicial, as possibilidades de superação dessa condição, com o intuito de contribuir para a melhoria das práticas pedagógicas na escola, a fim de alcançarmos uma instituição que preze o desenvolvimento humano nas suas máximas possibilidades. Referências 1. Luria AR. Fundamentos da neuropsicologia. Rio de janeiro: Livros Técnicos e Científicos; 1981. 2. Rubinstein SL. Problemas de psicologia general. Cidade do México: Grijalbo; 1967. 3. Vigotski LS. Obras escogidas. Tomo I. Madri: Visor; 1991. 4. Luria AR. Pensamento e linguagem: as últimas conferências de Luria. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. 5. Smirnov AA, Rubinstein SL, Leontiev NA, Tieplov BM. Psicologia. Cidade do México: Tratados y Manuales Grijalbo, 1960. 6. Vigotski LS. Obras escolhidas. Tomo III. Madri: Visor; 1995. 7. Vygotsky LS. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In: Vygotsky LS, Luria AR, Leontiev AN. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Editora Ícone, 2006. p.31-50. 8. Luria AR. Curso de psicologia geral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 1979. 9. Vigotski LS. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:Martins Fontes; 2001. 10. Tuleski SC. A relação entre texto e contexto na obra de Luria: apontamentos para uma leitura marxista. Maringá: Eduem; 2011.

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CAPÍTULO 8 Repensando aspectos didáticopedagógicos para o ensino dos esportes na escola Vagner Matias do Prado

Resumo Ao considerar os esportes como produções culturais, o presente texto objetiva problematizar possibilidades para (re)pensar o ensino desse componente curricular na Educação Física escolar. Defende-se a necessidade de levar em consideração aspectos pedagógicos que devem ser priorizados quando do trabalho educativo com o conteúdo esportivo no contexto educacional. Apresenta-se resultados de duas investigações que apontam para a possibilidade de um trabalho pedagógico contextualizado e que permita aos estudantes compreenderem as práticas esportivas para além de seus procedimentos motores. Como apontamento final, defende-se uma atuação pedagógica que contribua para a promoção da participação, integração e reconhecimento das diferenças culturais. Introdução O presente capítulo problematiza o ensino do esporte[2] no contexto escolar ao considerá-lo como uma manifestação cultural que pode ser vivenciada para além de sua dimensão técnica. Ao tomar emprestado os questionamentos de Eduardo Caparróz1, o objetivo é (re)pensar o esporte DA ESCOLA, ou seja, conceber o trabalho com o conteúdo esporte em instituições escolares a partir de uma proposta que contribua para per2[2] Optou-se pela utilização do termo “esporte” para considerar todas as manifestações corporais, individuais ou coletivas, sistematizadas por meio de regras que criam as condições para sua prática. Tais manifestações são institucionalizadas e organizadas por intermédio de comitês, confederações e/ou federações. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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cebê-lo como meio (e não como fim) de intervenções formativas com finalidades pedagógicas. Tal objetivo é consonante com a compreensão da Educação Física escolar[3] na condição de conteúdo curricular obrigatório da educação básica2 que deveria contribuir para a elaboração de práticas educativas significativas que incluam todos os estudantes. Nesse sentido, propõe-se um afastamento de certa tecnicidade que, não raro, de uma maneira reprodutivista, insere os conteúdos esportivos no currículo de Educação Física a partir da prerrogativa do ESPORTE NA ESCOLA. Essa forma de compreensão do conteúdo institui seu ensino a partir configuração do modelo de rendimento e competitividade, o que impossibilita a inclusão/integração de uma parcela significativa dos estudantes, nessas atividades. Defende-se que o objetivo da inserção do esporte como conteúdo educativo crie condições para reinventá-lo de maneira que suas manifestações corporais se adequem aos estudantes. Cabe destacar que os pressupostos que perpassam a visão apresentada não intencionam negar o esporte em sua dimensão de performance pautado na competitividade, rendimento e maximização de resultados como uma das manifestações possíveis dessa prática cultural. Antes, foca-se em questionamentos sobre os princípios educativos e as possibilidades de reconfiguração desse conteúdo quando utilizado a partir de uma dimensão formativa escolar, ou seja, um modelo de esporte que se pretende integrador, inclusivo e que favoreça o reconhecimento das diferenças culturais. Esporte, discurso e formação escolar As diferentes manifestações esportivas que hoje conhecemos se configuram como componente da Cultura Corporal de Movimento que exerce grandes influências sobre a vida dos sujeitos3,4. A partir de uma análise cultural, é preciso considerar que os esportes são produções humanas que passaram por processos de construção de significados que os inserem em diferenciados contextos socioculturais para atingirem objetivos específicos (entretenimento, forma de trabalho, produto de consumo, política ideológica de estado, mecanismo de exclusão social, com3[3] A grafia com letras maiúsculas será utilizada em referência à Educação Física como área de intervenção social. Quando da menção das aulas de educação física na escola o termo será apresentado com iniciais minúsculas, na condição de substantivo.

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ponente educativo etc). Com isso, a compreensão desse conteúdo a ser trabalhado por professores e professoras de Educação Física escolar não pode ser realizada excluindo-o de sua dimensão cultural, pois as diversas práticas corporais reconhecidas pela denominação de esportes devem ser problematizadas a partir de seu caráter histórico, social e político. A materialização dos esportes como prática social pode ser visualizada em diversos contextos, tais como: escolas, clubes, programas sociais, políticas públicas, contextos informais das ruas, espaços de lazer, mídias ou área de estudos acadêmicos. Devido a essa pluralidade de configurações e para assegurar princípios didáticos que permitam sua socialização e divulgação cultural como produção humana significativa, especificidades em relação ao seu ensino devem levar em consideração as diferentes representações a partir das quais essas práticas podem ser vivenciadas. Historicamente, na sociedade brasileira, os esportes não somente se entrelaçam com a consolidação da Educação Física enquanto área de produção sistematizada de conhecimentos ou de intervenção social, como também se mostram ativos no processo de construção identitária dos sujeitos. Já se tornou senso comum se referir ao futebol, por exemplo, como uma característica da construção cultural da identidade do brasileiro. Percebe-se, assim, que os esportes podem atuar como discursos sociais que favorecem a compreensão de determinadas representações sobre os sujeitos. A partir de uma propositura pós-estruturalista é possível compreender a ideia de discurso como linhas de subjetivação que constroem as condições materiais para que possamos nos representar como sujeitos. Os discursos possuem efeitos formativos que estabelecem consciências, normalizam formas de comportamento, criam valores a serem seguidos e, deste modo, “fabricam” pessoas para atenderem a objetivos específicos, muitos deles, elaborados por políticas sociais que visam à massificação do coletivo para melhor administrar o controle sobre grupos humanos. Assim, não se pode, de forma ingênua, desconsiderar que as atividades e práticas esportivas (na condição de discursos) são impregnadas de normas e modelos que estabelecem como os sujeitos devem ser e se comportar em sociedade, bem como os corpos que dele podem usufruir. Embora as práticas corporais marquem presença na história da humanidade (ou humanização?), é apenas a partir do século XIX que a Educação Física escolar, treinamento e saúde

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nomeação de determinadas atividades como esporte foi possibilitada. Segundo Betti4 e Soares5, os “esportes modernos”, originários do solo europeu e marcados pelos efeitos sociais da Revolução Industrial e interesses burgueses, foram inseridos de maneira significativa na Educação Física brasileira a partir da segunda metade da década de 1940. O Método Desportivo Generalizado preconizado por Augusto Listello se configurou como uma das primeiras possibilidades metodológicas para o ensino dos esportes no Brasil6. Nessa concepção, os esportes, por meio de atividades lúdicas, se tornaram um mecanismo para pensar o processo de formação e desenvolvimento de crianças e jovens em fase de escolarização. Com a emergência do período militar, esse conteúdo foi apropriado pelo Estado como fonte de detecção de talentos esportivos via preparação física, comparação de resultados e obtenção de melhores performances. Segundo Castellani-Filho7 e Darido e Rangel8, ao desconsiderar a subjetividade e o contexto cultural dos jovens, e ao buscar a comparação e hierarquização, esse componente formativo tornou-se um instrumento de controle social, padronização, alienação e exclusão9. O investimento ideológico, por meio de propagandas governamentais direcionadas à população durante o regime militar, utilizou os esportes como mecanismo ideológico do governo, pois, em tempos de ditadura, foi preciso desviar a atenção coletiva do real cenário político e econômico para amenizar possibilidades de contestação através da manipulação do pensamento. Naquela época, os esportes atenderam bem a esses princípios. Talvez seja a partir desse alto investimento ideológico que os esportes foram considerados, mesmo que de maneira reducionista, se não o único, o principal componente da Educação Física que passou a privilegiá-los em seus aspectos biológicos, de rendimento, visando à comparação e tornando-o altamente excludente quando inserido no contexto escolar. Todavia, esse cenário passaria por transformações significativas a partir da reabertura política do Brasil na década de 1980. Naquele momento, e em uma tentativa de questionar o caráter tecnicista do ensino dos esportes, surgiram algumas abordagens teórico-metodológicas como fontes disparadoras de novas reflexões sobre os benefícios e possibilidades para o uso dos esportes como meios para potencializar o desenvolvimento humano. Como exemplo, poderíamos citar a abordagem Desenvolvimentis-

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ta10, a Crítico-Superadora9, a Crítico-Emancipatória11, a Pluralista12 e a baseada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)8. Embora garantidas suas especificidades, esses estudos possibilitaram (e ainda possibilitam) a compreensão dos esportes (e da Educação Física) como mecanismo de intervenção social dotado de eficácia simbólica e capaz de possibilitar aprendizagens significativas e contribuintes ao desenvolvimento motor, físico, social, cultural e crítico acerca da Cultura Corporal de Movimento. Pautado nesse breve resgate histórico sobre esporte e contextos histórico-sociais, e ao reconhecer tal manifestação cultural como discurso que, por vezes, divulgam e reproduzem determinados valores e modos de comportamento, faz-se necessário compreender de que maneira, e visando atender a quais objetivos, os esportes são, constantemente, (re)significados enquanto produção cultural humana influentes nos processos de formação dos sujeitos e como é apropriado por professores e professoras nas dinâmicas escolares. As representações sobre o esporte: possibilidades para a atuação pedagógica Atualmente, ainda são muitos os debates travados em relação às potencialidades do esporte como fator de desenvolvimento humano e quais seriam suas possibilidades para o ensino no âmbito escolar e não escolar. Para travar tal discussão caberia indagar: de que forma os esportes são significados pela Educação Física? Qual a representação que professores e professoras possuem acerca desse conteúdo? De que maneira essas manifestações culturais poderiam contribuir para a formação escolar e desenvolvimento humano? Para que pensar o esporte na escola? Tubino13 aponta para possibilidades de compreender o esporte a partir de três perspectivas: esporte-educação, esporte-participação e esporte-rendimento/performance. Dessa maneira, e de acordo com o contexto ao qual é direcionado, as intencionalidades e objetivos para seu ensino devem ser diferenciadas. O esporte-educação visaria à utilização dos esportes como um dos meios para a ampliação das culturas corporais de movimento dos estudantes, predominantemente em instituições escolares. Com isso, o repertório motor dos sujeitos seria ampliado, possibilitando maior autonomia para a prática esportiva. Cabe ressaltar que para atingir tais intencionaliEducação Física escolar, treinamento e saúde

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dades, o esporte-educação pode se desconstruir e reconstruir de acordo com as necessidades de seus praticantes e/ou dos objetivos pedagógicos implementados pelo professor. Partir-se-ia da ideia de que não é o estudante que deve se adaptar a determinada modalidade esportiva, ao contrário, as modalidades esportivas, a partir de reconfigurações necessárias, é que devem se adaptar aos diferentes interesses e possibilidades de utilização do repertório motor dos estudantes. O esporte-participação seria caracterizado pela prática esportiva em momentos de lazer, ou seja, fora da temporalidade circunscrita às tarefas cotidianas, obrigações laborais ou atividades comunitárias diversas. O jogo de futebol com os amigos nos finais de semana, as caminhadas no parque ou o passeio de bicicleta poderiam ser consideradas como atividades prazerosas do se-movimentar14 nessa categoria. Com isso, o esporte não traz como característica a preocupação com o desempenho e comparação atlética, desenvolve-se a partir de sensações de prazer, socialização, integração e divertimento. Já o esporte-rendimento/performance se configura como prática sistematizada, com objetivos voltados para o rendimento e melhoria da performance. A perfeição técnica visa à obtenção de melhores resultados no menor período de tempo possível. O foco é a comparação atlética em competições. Essa tipologia de esporte é observada em competições esportivas, principalmente as consideradas como de alto nível. A preparação de atletas ou o foco no esporte como categoria de profissionalização seriam possibilidades para tal representação desse fenômeno cultural. Ainda de acordo com Tubino13, o conhecimento dessas especificidades pode contribuir para que os profissionais de Educação Física, nas suas mais diversas possibilidades de atuação, possam diagnosticar, planejar, implementar, recriar e avaliar práticas e atuações com coerência e responsabilidade profissional. É preciso ter clareza em quais contextos, e com quais objetivos, utiliza-se os esportes como atividades integrantes dos focos, planos e planejamentos profissionais. No que se refere aos procedimentos envolvidos para o ensino dos esportes como meio educativo, os estudos sobre o desenvolvimento e aprendizagem motora também contribuem para reflexões sobre os aspectos didático-pedagógicos para seus ensinos. Ao considerar o desenvolvimento como uma modificação biofuncional, cognitiva e afetiva oriunda

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de processos maturacionais em conjunto com fatores ambientais e de aprendizagem, tais estudos contribuem para a construção de parâmetros (e não padrões) para a construção de princípios e diretrizes orientadores do ensino. A compreensão da formação humana como, por exemplo, das etapas do desenvolvimento cognitivo (sensório-motora, pré-operatória, operações-concretas e operações formais)15; dos estágios de sucessão do controle postural e motor (movimentos reflexos, movimentos voluntários, resposta motora, feedback, esquema motor)16,17,18, bem como a clareza sobre os processos de aquisição dos movimentos elementares (locomotores, manipulativos e estabilizadores) e o aprendizado das habilidades especializadas, contribuem, de forma significativa, para o ensino dos esportes. Sempre ao levar em consideração que, na escola, as intervenções por meio desses conteúdos devem visar à formação social, cognitiva, afetiva e crítica dos todos os sujeitos participantes do processo. Defende-se assim que intervenções pedagógicas não podem ser aplicadas de forma acrítica, desconsiderando o contexto social, cultural, político e de interesse dos sujeitos envolvidos para que a aprendizagem se torne significativa e não, unicamente, uma reprodução técnica. Embora contemple as dimensões biofisiológicas do corpo, não se pode esquecer que as manifestações esportivas são produtos culturais oriundos das atividades sociais humanas e, como tal, foram utilizadas para atender finalidades distintas no transcorrer da história da humanidade. Darido e Rangel8 apresentam algumas possibilidades para superar o ensino, unicamente, do ato técnico ou motor em si quando da inclusão dos esportes como conteúdo do currículo escolar da Educação Física. Para as autoras o ensino dos esportes, na condição de elementos significativos, poderia ser desenvolvido a partir de três dimensões: os procedimentos, os conceitos e as atitudes. Na dimensão procedimental, ao partir do conhecimento sobre o desenvolvimento motor, aprendizagem motora, capacidades físicas e/ou aspectos biomecânicos do corpo em movimento os sujeitos seriam estimulados a explorarem as múltiplas formas de movimento e/ou usos possíveis dos corpos, inclusive, para criar formas de mobilização corporal (até então inéditas)[4] para atingirem os objetivos propostos. O aprendizado 4[] Pode-se pensar na possibilidade de inclusão de um cadeirante em uma manifestação Educação Física escolar, treinamento e saúde

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das diversas técnicas esportivas poderia ser inserido nas aulas, contudo, de forma gradativa e não visando a performance ou comparações atléticas entre os estudantes, pois, o objetivo da educação física escolar não é a identificação ou formação atlética2. Na dimensão conceitual seriam abordadas questões referentes às regras, tanto as institucionalizadas por federações, confederações ou comitês, quanto às possibilidades para sua transformação quando o foco da prática não for o contexto de rendimento. Reflexões socioculturais sobre os esportes também poderiam ganhar espaço durante o ensino, tais como: suas relações históricas, sua utilização política, a variedade de práticas consideradas como esportes e que atendem a especificidades culturais, possibilidades de construção de novas mobilizações corporais que poderiam ganhar o status esportivo etc. Já a dimensão atitudinal se refere aos valores transmitidos e aprendidos por intermédio dos esportes. A problematização sobre padrões corporais/estéticos, reflexões sobre classe social, gênero, sexualidade, raça/etnia, geração e nacionalidade também poderiam compor o planejamento das intervenções escolares a partir do bloco de conteúdo esporte. Problematizações referentes à mídia esportiva, à violência, à transformação dos esportes em produtos de consumo, às diferenças entre gêneros (esportes considerados como práticas masculinas ou femininas) potencializariam as possibilidades para um ensino significativo. Inclusive questionamentos sobre o porquê ensinar os esportes ou experienciar o corpo em movimento, poderiam ter espaços no campo escolar quando professores e professoras de Educação Física acionam o conteúdo esportivo como meio contributivo à formação humana. Com isso, o ensino dos esportes no contexto escolar poderia passar por uma transformação didático-pedagógica11 para que possa ser significativo para crianças e jovens. A técnica deve sim ser ensinada, mas não em detrimento do repertório de movimento, por vezes, criado pelos próprios sujeitos, tampouco em relação aos aspectos socioculturais que transpassam a constituição do esporte como conteúdo educativo a ser ensinado nas escolas. Nesse sentido, a didática para o ensino dos esportes, tanto na escola quanto fora dela, poderia considerar não somente os procedimentos/ futebolística na qual seja possibilitado com que conduza o implemente (bola) com as mãos.

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técnicas/táticas, mas também a significação cultural sobre o movimento e sua capacidade de desenvolvimento humano (motor, qualidade de vida, social, político, afetivo, interativo, cultural e “para a vida”). Socializando experiências Diversos trabalhos investigativos apontam para a necessidade de inserção do esporte no contexto escolar a partir de uma perspectiva problematizadora que leve em consideração seus impactos na formação dos sujeitos1,8,9. Isso, desde a consideração de aspectos históricos para seu ensino, até questionamentos sobre suas inter-relações com marcadores sociais, tais como: gênero, classe social, sexualidade, etnia, geração, nacionalidade etc. Nesse sentido, apresentar-se-ão duas experiências oriundas de pesquisas que repensaram o ensino dos esportes em duas dimensões: 1. Uma experiência sobre o ensino da história dos esportes na educação básica; 2. Uma investigação sobre memórias escolares de egressos do ensino médio sobre as aulas de educação física. A primeira experiência foi realizada entre os anos de 2006 e 2007 junto a uma turma da 8ª série do ensino fundamental (atual 9° ano) em uma escola da rede estadual de um município de médio porte do interior paulista19. A proposta, originária de questionamentos de um grupo de estudos e pesquisa sobre o Atletismo sediado em uma universidade pública, intencionou recriar possibilidades para o ensino da história do esporte em aulas de educação física de uma maneira que não desconsiderasse a dimensão procedimental (experiência motora). Com isso, pretendia-se desconstruir o binarismo recorrente aula teórica X aula prática e reconhecer que o desenvolvimento dos diferentes conteúdos curriculares da Educação Física pode ser explorado, de maneira significativa, partindo do movimento. Dentre as provas trabalhadas, focar-se-á na experiência vivenciada a partir do ensino do Arremesso do Peso. A partir do resgate de experiências motoras acerca das habilidades de correr, saltar, lançar/arremessar (inseridas no cotidiano relacional dos estudantes); da reconstrução de vestígios históricos no que se refere à inserção da prova nos jogos olímpicos da Era Moderna; da compreensão sobre as modificações técnicas utilizadas para a execução do arremesso em contextos competitivos; do processo de modificação Educação Física escolar, treinamento e saúde

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das alterações nas regras que normatizam as competições; de análises sobre a inserção de mulheres em competições mundiais e olímpicas; do estudo sobre as diferentes marcas métricas obtidas em competições (recordes), foram planejadas, organizadas e implementadas aulas que pudessem contribuir para a reconstrução histórica da prova. O objetivo era contribuir para que os estudantes vivenciassem a história do Arremesso do Peso a partir das experiências motoras. O projeto foi realizado durante sete aulas[5] de educação física atribuídas na grade horária da turma em questão. O que estava em jogo não era a prática do conteúdo esportivo em si, a técnica em si. Mas as possibilidades de compreensão do esporte como uma produção humana, historicamente situada e passível de reconstruções que favoreçam o processo de inclusão/integração dos sujeitos nas aulas de educação física no contexto escolar. No decorrer das aulas, os estudantes foram estimulados a: a) executarem diferentes maneiras de lançar/arremessar objetos pela extensão da quadra (problematização: por que o homem, historicamente, desenvolveu tal habilidade? Em quais circunstâncias era necessário utilizá-la?); b) perceber as diferenças biomecânicas a partir de um lançamento com ou sem movimentação prévia (problematização: aspectos físicos sobre a transferência de energia cinética e mobilização biomecânica); c) diferenciarem a noção de lançamento e arremesso (problematização: existem diferenças? Quais? Por que a prova do peso é nomeada como arremesso e a do martelo, dardo e disco como lançamentos?); d) vivenciar diferentes técnicas utilizadas para a execução da prova no contexto competitivo (problematização: utilização biomecânica e desempenho); e) recriarem possibilidades para mobilizar a participação do grupo a partir de suas próprias potencialidades (problematização: o esporte DA ESCOLA pode ser construído com base em regras coletivas que favoreçam a inclusão?). Ao final das aulas, como atividade avaliativa, foi solicitado aos estudantes que, em grupos, criassem uma maneira metodológica para sintetizar o que foi aprendido. 5[] Cabe ressaltar que durante todo o desenvolvimento do projeto foram elaboradas sequências pedagógicas para o desenvolvimento de outras provas (salto com vara, corrida com obstáculos, lançamento do disco e corridas de velocidade [100 m rasos])20. Todavia, para efeitos do presente texto, optou-se por apresentar a experiência com o ensino da prova do arremesso do peso.

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As atividades possibilitaram aos estudantes compreenderem as diferenças históricas que perpassaram a prova, desde a utilização de habilidades motoras e capacidades físicas para a sobrevivência da espécie, passando por questionamentos sobre a construção de significados sobre a utilização cultural para confronto ideológico (comparação atlética entre diferentes grupos sociais sobre o preparo físico e tático), utilização das atividades corporais como política de entretenimento, exacerbação da virtude humana (pautada no amadorismo) e debates sobre a contemporaneidade na qual os esportes, além de outras configurações, podem ser considerados como campo profissional. Também foram abordados aspectos históricos relacionados à utilização de diferentes técnicas que possibilitaram o aumento do desempenho (atingir marcas métricas cada vez maiores), experiências sobre a realização de provas do Arremesso do Peso com as duas mãos, provas olímpicas de arremesso de blocos de concreto e, problematizações sobre as relações de gênero que envolvem a prova (início da participação de mulheres, justificativas que não favoreceram a participação feminina antes da década de 1940). Dessa maneira, acredita-se que as vivências realizadas transcenderam a mera transmissão técnica, bem como apresentaram um conteúdo esportivo, na época, não tão comum para os estudantes participantes, embora o ensino das provas do Atletismo não requeira materiais de difícil adaptação, bem como grandes espaços para sua experimentação. Fato significativo foi obtido ao final das intervenções quando do processo avaliativo que contemplou a percepção dos estudantes sobre o desenvolvimento das atividades realizadas. Naquele momento, os participantes foram subdivididos em grupos, sendo que cada um ficou encarregado de rememorar as experiências e recontar as aulas, a partir dos pontos que julgassem significativos, para os demais colegas. O grupo encarregado de rememorar as experiências sobre as aulas do Arremesso do Peso escreveu uma letra de Hip Hop para apresentarem o conteúdo que, por eles, foram considerados mais relevantes. A letra sintetizou o processo de vivência motora e as discussões geradas a partir das experiências procedimentais, bem como apresentou elementos históricos que foram abordados durante as intervenções. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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“Tudo começou de dentro do quadrado, pesos e mais pesos para serem arremessados. Depois de certo tempo, o círculo chegou, e então um canadense um bloco arremessou. Depois de certo tempo, o disco se virou. As mulheres tomaram frente e o homem se rebaixou, e então uma francesa, o ouro abocanhou. A técnica parada, movimento se tornou, o bagulho ficou louco e tudo acabou.” A intenção da atividade foi provocar os estudantes para que pudessem problematizar as práticas corporais esportivas não somente a partir da dimensão procedimental. Os conceitos (históricos, políticos, sociais, de rendimento, biomecânicos) e as atitudes (favorecimento do processo de inclusão, problematização sobre os objetivos dos esportes DA ESCOLA [e não NA ESCOLA], questionamentos sobre a não necessidade de uma técnica apurada para a participação no contexto escolar) foram utilizados como processos que pudessem contribuir para a compreensão do esporte para além de sua tecnicidade. A segunda experiência investigativa se refere a uma pesquisa desenvolvida no ano de 2014 sobre relações de gênero e sexualidade nas aulas de educação física na escola 21. O estudo, por meio de entrevistas semiestruturadas, objetivou resgatar memórias sobre as experiências de egressos do ensino médio quando cursaram a educação básica e como se dava o processo de apresentação dos conteúdos esportivos por parte dos professores e professoras no que se refere à participação de meninos e meninas nas aulas. A partir dos dados e, em consonância com o que a literatura da área demonstrava, a predominância dos conteúdos das aulas de educação física foram citadas pelos interlocutores como inseridas no formato esportivo. Todavia, quando da participação de meninas percebeu-se que os esportes eram considerados como um cenário no qual determinado padrão de masculinidade era representado como característica necessária para participação. Assim, meninos que não performatizavam a masculinidade a partir do modelo hegemônico,

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bem como as meninas, se constituíam como sujeitos dispensáveis para a prática esportiva. Essa constatação permite inferir que se faz necessário problematizar o ensino dos esportes na escola também a partir de suas relações com processos sociais de discriminação e violência contra os sujeitos considerados não apropriados. Meninas, meninos que não aderem à competição, sujeitos LGBTs (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros), estudantes considerados como não habilidosos, jovens que, corporalmente, se desviam dos padrões estéticos considerados como normais e estudantes em situação de inclusão/integração, não raro, são afastados das potencialidades formativas e interacionais que as experiências corporais podem gerar. A partir disso é que se faz importante reconhecer as dimensões que, para além da técnica, transpassam os esportes como construções culturais e como essas práticas poderiam ser inseridas no contexto escolar como fontes para questionamentos, problematizações, dúvidas e recriações que permitam desconsiderar os conteúdos esportivos como privilégio para poucos. Reconstruir a representação dos conteúdos curriculares da Educação Física na escola, dentre eles os esportivos, se configura como uma atitude pedagógica a ser levada em consideração durante o planejamento de atividades que se pretendem educativas. Conceber a Educação Física na escola como um componente curricular contributivo ao processo de desenvolvimento dos sujeitos e suas relações prevê problematizar seus conteúdos com base nas diferentes dimensões socioculturais que estruturam os múltiplos contextos para o acesso e utilização da Cultura Corporal de Movimento a partir do que é significativo para o sujeito que se movimenta. Algumas considerações A partir da consideração da Educação Física como componente curricular da educação básica, o texto apresentado objetivou problematizar o conteúdo esporte como uma construção cultural que requer, para seu ensino no contexto escolar, problematizações que estabeleçam sua conexão com diferentes dimensões. Ao apontar resquícios históricos sobre sua implementação como atividade reEducação Física escolar, treinamento e saúde

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corrente em aulas de educação física escolar, propôs-se reconstruir sua representação a partir das especificidades contidas no processo educativo, que não visa ao treinamento esportivo, tampouco formar atletas. Defende-se a visão do esporte DA ESCOLA e não a mera reprodução institucionalizada dessa manifestação no contexto escolar. A Educação Física escolar, na condição de área de intervenção social que pode contribuir para o processo de desenvolvimento dos sujeitos, deve explorar, para além dos procedimentos motores, o trabalho com seus blocos de conteúdo (jogos, brincadeiras, ginástica, dança, atividades rítmicas, lutas, capoeira e esportes), possibilitando aos estudantes a compreensão do corpo em movimento a partir de suas dimensões culturais, históricas, sociais e políticas. Compreender o esporte como manifestação cultural permite ao professor reconstruí-lo a partir de estratégias integradoras que favoreçam o desenvolvimento de relações éticas, de respeito e reconhecimento das diferenças em prol de uma (COM)vivência social participativa, humanizadora e inclusiva. Referências 1. Caparróz FE. Entre a educação física na escola e a educação física da escola. 3.ed. Campinas: Autores Associados; 2007. 2. Brasil. Lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Brasília: Governo Federal, 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União 23 dez 1996: 27833. 3. Bracht V. Educação Física a busca da autonomia pedagógica. Rev Educ Física UEM. 1989. 1:2834. 4. Betti M. Educação Física e sociedade. São Paulo: Movimento; 1991. 5. Soares CL. Educação Física: raízes europeias e Brasil. 4.ed. Campinas: Autores Associados; 2007. 6. Darido SC, Sanches Neto L. O contexto da Educação Física na escola. In: Darido SC, Rangel ICA. Educação Física na escola: implicações para a prática pedagógica (Revisão). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008.p.1-24. 7. Castellani Filho L. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. 4.ed. Campinas: Papirus; 1994. 8. Darido SC, Rangel ICA. Educação Física na escola: implicações para a prática pedagógica. 2.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. 9. Soares CL, Taffarel CNZ, Varjal E. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez; 1992. 10. Tani G, Manoel EJ, Kokubun E, Proença JE. Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU/EDUSP; 1988. 11. Kuns E, Trebels AH. Educação Física crítico emancipatória: uma perspectiva da pedagogia alemã do esporte. Ijuí: Unijuí; 2006. 12. Daolio J. Da cultura do corpo. 12.ed. São Paulo: Papirus; 1995. 13. Gomes Tubino MJ. Teorias da Educação Física e do Esporte – Uma Abordagem Epistemológica.

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Novas Tendências em Educação Física 2.ed. São Paulo: Manole; 2001. 14. Kuns E. Transformações didático-pedagógica do esporte. 5.ed. Ijui: Unijui; 1994. 15. Piaget J, Inhelder B. A psicologia da criança. São Paulo: Difusão Europeia do Livro; 1968. 16. Schmidt RA. Aprendizagem e performance motora: dos princípios à pratica. São Paulo: Movimento; 1992. 17. Gallahue DL, Ozmun JC, Goodway JD. Compreendendo o Desenvolvimento Motor: Bebês, crianças, adolescentes e adultos. 7.ed. São Paulo: McGraw-Hill; 2013. 18. Pellegrini AM. Aprendizagem de habilidades motoras I: o que muda com a prática? Rev Paul Educ Fís. 2000;3(supl.):29-34. 19. Matthiesen SQ, Prado VM. Para além dos procedimentos técnicos: o atletismo em aulas de educação física. Motriz. 2007;13(2):120-7. 20. Matthiesen SQ, Silva MFG, Prado VM, Ginciene G, Freitas FR, Santos IL. Atletismo se aprende na escola IV. In: Pinho SZ, Saglietti JRC. Núcleos de Ensino da UNESP. São Paulo: Cultura Acadêmica; 2008. p.430-46. 21. Prado VM, Ribeiro AIM. Educação Física Escolar, esportes e normalização: o dispositivo de gênero e a regulação de experiências corporais. Rev Educ PUC-Campinas. 2014;19:205-14.

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CAPÍTULO 9 Saberes e pilares pedagógicos para o profissional do karate no contexto da Educação Física escolar Jefferson Campos Lopes, Carlos Augusto Carvalho Filho

Resumo O karate é uma modalidade milenar de origem japonesa que está presente em vários contextos na sociedade, podendo ser: desde sua prática como atividade física para qualidade de vida, dentro das aulas de Educação Física escolar, até nos sistemas de modalidades de combate com várias competições, inclusive fazendo parte do programa olímpico. Assim, este tema pode contribuir para o desenvolvimento do segmento no contexto escolar, proporcionando uma visão aos profissionais que trabalham com a Educação Física escolar sobre novos caminhos que possam ajudar na melhoria do processo do ensino-aprendizagem existente. Introdução Podemos dividir a história do karate em dois períodos, antes e após Gichin Funakoshi, pois sua história acaba se confundindo com a própria história do karate, sendo a ele creditado o título de pai do karate moderno. Os relatos do período anterior a Funakoshi possuem fatos controversos e são repletos de folclores, mistérios e estilo reservado, típico da cultura oriental1. De fato, o karate começa a ganhar popularidade no oriente por volta de 1900, tendo chegado ao Brasil com os imigrantes japoneses, em 18 de junho de 1908. São três as áreas básicas trabalhadas no treinamento do karate: kihon, treino dos fundamentos; kata, treino em exercícios formais; kumite, que é o jogo de combate. Já o karate competição é dividido em duas modalidades: kata e kumite1. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Origem e desenvolvimento do karate Faz-se necessário uma abordagem sobre o contexto histórico, filosófico e sociocultural do karate e do país em que surgiu, para que dessa forma fique mais nítida a função do karate na sociedade atual. Pouco se sabe sobre a verdadeira origem do karate, porém, foi Gichin Funakoshi quem dedicou esforços em divulgá-lo para o mundo e torná-lo acessível a todos. Apesar de serem apresentadas diversas versões, existe um consenso no que diz respeito ao local de origem, Okinawa, que é a maior das ilhas do arquipélago (ilhas Ryukyu) situado ao sul do Japão. Esta região, que atualmente forma a província de Okinawa, constituía um reino independente até o final do século XIX, quando foi anexada ao império japonês. A forma como era chamada inicialmente, “te” (mãos) de Okinawa, denota a influência chinesa na criação do estilo. Por causa do comércio e de outras relações entre Okinawa e a Dinastia Ming da China, é provável que ele tenha sido influenciado por técnicas chinesas de luta, mas não há registros escritos fornecendo uma ideia clara do desenvolvimento do “te”2. Há relatos apontando que o karate e as demais artes marciais atuais têm suas raízes mais remotas nos séculos VI e V antes de Cristo, quando se encontram os primeiros indícios de lutas na Índia. Esta luta era chamada vajramushti, cuja tradução aproximada poderia ser “aquele cujo punho cerrado é inflexível”. Vajramushti foi o estilo de luta do Kshatriya, uma casta de guerreiros da Índia. Estudos apontam que, em 520 a.c., o monge budista Bodhidharma (também conhecido como “Tamo” em chinês ou “DarumaTaishi” em japonês), viajou da Índia para a China, objetivando ensinar o budismo no templo shaolin. O relato continua, dizendo que quando ele chegou encontrou os monges do templo numa condição de saúde tão precária, devido às longas horas que eles passavam imóveis durante a meditação, que ele imediatamente se preocupou em melhorar a saúde deles3. O templo shaolin ficava na floresta e os monges precisavam defender-se dos animais e de alguns bandidos. Assim sendo, criaram técnicas de autodefesa baseadas no próprio movimento dos animais e nas forças da natureza, que inicialmente eram utilizadas como exercícios físicos. Em adição aos vários exercícios criados pelos seus ancestrais e por eles mes-

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mos, já que muito antes de ingressarem no templo eram mestres em arte marcial, acabaram dando origem ao shaolin Kung Fu4. Os templos foram destruídos por completo durante a dinastia Ming de, 1644 a 1368 a.c., sendo que apenas cinco monges conseguiram escapar do massacre do exército Manchu, os quais ficaram conhecidos como “os cinco ancestrais”. Estes deram origem aos cinco estilos básicos de Kung Fu: tigre, dragão, leopardo, serpente e grou. Mais tarde emigraram para Okinawa, desenvolvendo novos sistemas conhecidos como “te”, que significa mão. Okinawa foi unificada sob o reinado do rei Shohashi de Chuzan em 1429 e, posteriormente, durante o reinado do rei Shoshin, foi publicado um decreto proibindo a prática das artes marciais. Sabe-se que uma ordem proibindo armas foi promulgada pelo clã Satsuma de Kagoshima, depois de ele ter adquirido o controle de Okinawa em 1609. O “te” tornou-se então um recurso último de autodefesa, mas como o clã Satsuma também reprimia severamente essa prática, ela só podia ser praticada em absoluto sigilo2. A difusão do karate no mundo O karate começa a ganhar popularidade no oriente por volta de 1900, período em que surge Gichin Funakoshi propondo diversas alterações nos métodos de treinamento e nos nomes utilizados. O seu trabalho fundamental foi o de introduzir as alterações necessárias à transformação de uma arte de guerra, numa atividade formativa, física e espiritual, a serviço do homem3. Toda sua trajetória tem início a partir de uma exibição da arte numa escola primária na qual Funakoshi era professor. No início do século XX, em 1902, durante a visita de Hintaro Ogawa, que era então inspetor escolar da prefeitura de Kagoshima, a escola de Funakoshi em Okinawa, foi realizada uma demonstração de karate. Funakoshi impressionou bastante devido ao seu status de educador. Foi então que o treinamento de karate passou a ser oficialmente autorizado nas escolas. Até então o karate só era praticado atrás de portas fechadas, porém isso não significava que fosse um segredo. Contra os pedidos de muitos dos mestres mais antigos de karate, que eram a favor de manter tudo em segredo, Funakoshi trouxe o karate, com a ajuda de Itosu, até o sistema de escolas públicas. Logo, crianças na Educação Física escolar, treinamento e saúde

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escola estavam aprendendo kata como parte das aulas de Educação Física. A redescoberta da herança étnica em Okinawa era moda, então as aulas de karate em Okinawa eram vistas como algo interessante a se fazer3. O karate no Brasil A história da introdução do karate no Brasil está diretamente ligada aos imigrantes japoneses que aqui se estabeleceram após a Segunda Guerra Mundial. Com a formação da colônia japonesa em São Paulo a partir de 1955, foi estabelecida a primeira academia de karate naquela cidade, pelo sensei Mitsusuke Harada do estilo Shotokan5,6. Em 1959, o sensei Seiichi Akamine fundou a primeira academia do estilo Goju-ryue e, em 1960, fundou a Associação Brasileira de karate, que mais tarde daria origem à Confederação Brasileira responsável pela administração do esporte7. No início da década de 1960, outros conhecidos mestres, oriundos também da colônia japonesa de São Paulo, praticavam a arte em solo nacional, a saber: Juichi Sagara, Yasutaka Tanaka, Tetsuma Higashino e Sadamu Uriu. Em 1961, o karate foi introduzido na Bahia pelo sensei Eisuke Oishi, levado ao Estado pelo Dr. Angelo Decaino. No ano seguinte, o estilo Shorin-ryū, um dos mais tradicionais em Okinawa, era trazido ao país pelo sensei Yoshihide Shinzato, considerado também o pai do Kobu-Dōde Okinawa em solo brasileiro. Estes mestres foram, portanto, os introdutores do Caminho das Mãos Vazias no Brasil, em um processo de estruturação que levou cerca de 10 anos, aproximadamente de meados da década de 50 a meados da década de 60, propiciando a introdução da arte no território nacional. Importante frisar que outros grandes nomes contribuíram para o desenvolvimento do karate brasileiro, sendo estes: Milton Osaka, Hironasu Yoki, Benedito Nelson Augusto Santos (o primeiro faixa-preta não nissei do Brasil), Denislon Caribé, Lirton Monassa, Ailton Menezes, Oswaldo Duncan, Raimundo Bastos, Márcio Bienvenutti, Claudio Trigo, William Felippe, Julio Takuo Arai, Koji Takamatsu (Wadō-ryū), Taeto Okuda, Yoshizo Machida, Yasunori Yonamine, Akio Yokoyama, Michizo Buyo, Akira Taniguchi e SeijiIsobe (Kyokushinkaikan)5. Devido também às leis esportivas brasileiras, como seria natural, o karate cresceu muito como esporte, organizando-se em federações e confederações, cujos direitos estão assegurados pela Lei Federal N. 9.615,

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de 24 de março de 1998. Todavia, somente a Confederação Brasileira de karate (CBK) e suas filiadas podem exibir e defender as cores do país com os símbolos olímpicos, pois, por força de lei, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e o Comitê Olímpico Internacional (COI) podem reconhecer apenas uma entidade reguladora em cada país. Os conteúdos de aprendizagem do karate O ensino do karate pode ser dividido em três pilares fundamentais: kihon (fundamentos), kata (exercícios formais) e kumite (luta), que são ensinados nessa ordem e devem ser treinados e estudados com a mesma importância. O kihon compreende todas as técnicas e fundamentos básicos do karate-do como o tsuki (soco), uchi (golpe), keri (chute) e uke (bloqueio). Os exercícios fundamentais, ou kihon, têm como objetivo ajudar o praticante a aprender as técnicas básicas e a controlar o próprio corpo. É dito que somente com o trabalho de Gichin Funakoshi, após sua ida ao Japão, foi que houve a separação do treinamento do karate-do nos seus três pilares fundamentais1. Antes de 1920, era praticado apenas o kata. Porém, nos dias atuais, pratica-se nas diversas associações, clubes e escolas de karate, os mais diferentes estilos, numa série de vários exercícios de kihon, que ajudam a desenvolver as habilidades necessárias para o preparo da prática do karate. Esses exercícios também podem ser denominados de ações motoras simples, quando praticadas com referência a uma ou duas ações motoras e complexas, quando praticadas com mais de três ações motoras, com deslocamentos em várias direções e ou projeções8. Desta forma, a execução dos kihon trabalham as habilidades de técnicas de mãos (te-waza), que compreendem socos (tsuki ), defesas (uke) e golpes indiretos (uchi ), além das técnicas de chute (keri-waza) que compreendem os ataques com os pés (soku), pernas (ashi ) e joelhos (hiza). Há também as técnicas combinadas ou consecutivas (renzoku-waza), que compreendem sequências que misturam socos e chutes, rasteiras e chutes, socos e golpes etc. Outras técnicas menos comuns são as rasteiras ou técnicas de desequilíbrio (kuzushi-waza/nage-waza), chutes saltando (tobi-geri) e torções. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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A palavra kata, em japonês, significa forma. Os katas são sequências de movimentos que devem ser executados em uma ordem, ritmo e velocidades específicas e que são encadeados de forma lógica. Os katas compõem o sistema de treinamento técnico mais antigo do karate. Cada kata tem um propósito ou ensina uma técnica específica e são verdadeiras bibliotecas de movimentos8. A forma da execução do kata depende de o praticante estar realizando sozinho, em equipe ou demonstrando sua aplicação em forma de luta (bunkai)8. Já no bunkai, o praticante demonstra, com adversários reais, como em uma luta simulada, a aplicação prática dos movimentos do kata que está executando. Com exceção do bunkai, no treinamento dos katas, o praticante deve executar a sequência preestabelecida imaginando que esteja cercado por adversários, em uma situação de luta real4,8. O kumite, ou luta, tem a finalidade de uma arte marcial, mas não se pode chegar à luta senão por meio do treinamento sistemático dos fundamentos básicos (kihon) e dos katas. O kumite, nada mais é que a aplicação das técnicas e movimentos aprendidos no kihon e katas em uma situação real de combate8. Desta forma, com os katas, o praticante de karate aprende as técnicas de ataque e defesa, bem como a dominar seu corpo de forma integral. Já no treinamento do kumite, o praticante demonstra essas técnicas previamente aprendidas frente a frente com um adversário real, treinando seus reflexos para aprender a encadear ataques e defesas8. Saberes e pilares pedagógicos do karate Estabelecer a relação entre os saberes e pilares pedagógicos para o profissional do karate, permite entender que as lutas fazem parte de um contexto da cultura corporal. Portanto, quando se fala em saberes, podemos relacionar os conteúdos que existem nos PCN´s, como esportes, jogos, lutas e ginásticas, os quais são desenvolvidos através de categorias dos blocos conceituais, atitudinais e procedimentais9. Neste sentido, é preciso esclarecer o significado de cultura corporal, como a apresentação de significado para quaisquer gestos, atitudes, movimentos, jogos, danças, esportes e outras manifestações corporais. Assim, a intenção da Educação Física é a de fazer com que os alunos compreendam e valorizem as suas manifestações corporais, assim como se empenhem em va-

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lorizar e apreender manifestações corporais de outras culturas. Durante esse processo de valorizar a própria cultura e outras culturas por meio do corpo, outro elemento fundamental da educação está em andamento: o rompimento com o preconceito. A abordagem dos conteúdos é dividida em três categorias: atitudinais, conceituais e procedimentais. Os conteúdos conceituais referem-se à construção ativa de capacidades intelectuais para operar símbolos, imagens, ideias e representações que permitam organizar as realidades. Os conteúdos procedimentais referem-se ao fazer com os quais os alunos constroem instrumentos para analisar, por si mesmos, os resultados que obtém e os processos que colocam em ação para atingir as metas a que se propõem. Por sua vez, os conteúdos atitudinais referem-se à formação de atitudes e valores em relação à informação recebida, visando a intervenção do aluno em sua realidade10. Os conceituais nos transportam aos dados existentes na nossa vida: científicos, intelectuais, filosóficos, calculistas ou de outros parâmetros. Estes nos possibilitam a verdadeira base da descoberta do saber, estimulando a curiosidade de aprender. Os conceitos passam a desenvolver a parte cognitiva do ser, levando este a desenvolver o intelecto, o raciocínio, a dedução, a memória e proporcionando a construção do conhecimento. O conceito é considerado um instrumento do conhecimento, pois é por meio deles que o ser humano desenvolve sua compreensão do mundo que o rodeia, se capacita para o mercado de trabalho e se torna o maior alvo de pesquisa estudantil. Os conteúdos conceituais fazem parte da construção do pensamento, permitindo ao indivíduo aprender a discernir entre o real e o abstrato. Abrem-se as portas da dúvida, que estimula a descoberta do conhecimento, gerando novas dúvidas e possibilitando descobertas infinitas. A elaboração de conceitos permite ao aluno vivenciar o conhecimento, elaborar generalizações, buscar regularidades, ressignificando e relacionando a dimensão conceitual do conteúdo numa perspectiva científica, criativa, produtiva e cotidiana em que se materializa a produção do saber (Figura 1). Os conteúdos atitudinais referem-se à vivência do ser com o mundo que o cerca. O aprendizado de normas e valores torna-se alvo principal para que este conteúdo seja adquirido por quem quer que seja, sendo em sua proporção e qualificação, só desenvolvido na prática e em seu uso contínuo Educação Física escolar, treinamento e saúde

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da ética e moral. Os conteúdos atitudinais passam pelo processo sociedade-indivíduo-sociedade. Tratando-se de grupos, tribos, comunidades de diferentes escalões, sejam eles econômicos ou culturais. Todos seguem normas estabelecidas por valores humanos, tais como respeito, compreensão, solidariedade, humildade e muitos outros também importantes.

Figura 1. Relações da dimensão conceitual.

Os conteúdos atitudinais passam pelo processo sociedade-indivíduo-sociedade. Tratando-se de grupos, tribos, comunidades de diferentes escalões, sejam eles econômicos ou culturais. Todos seguem normas estabelecidas por valores humanos, tais como respeito, compreensão, solidariedade, humildade e muitos outros também importantes (Figura 2). No meio escolar, estes conteúdos são trabalhados todo o tempo, sejam atividades individuais ou em grupo, sendo melhor trabalhados em grupo, já que o tema proposto é aprender a viver juntos, respeitando uns aos outros em suas opiniões e concordando ou discordando de determinadas atitudes que ferem as normas e os valores estabelecidos normalmente. Assim, é por meio da convivência e da assimilação de valores que o indivíduo torna-se ser pensante de suas próprias atitudes, amadurecendo seu interior e descobrindo-se membro de sua sociedade, e não mais um indivíduo, mas alguém que pode fazer a diferença.

Figura 2. Conteúdos atitudinais integrantes do processo sociedade-indivíduo-sociedade.

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Os conteúdos procedimentais se direcionam para colocar em prática o conhecimento que adquirimos com os conteúdos conceituais relacionados ao fazer. É caracterizado pelo estudo de técnicas e estratégias para o avanço do conhecimento proporcionado por meio da experiência do movimento humano em sua máxima produção do gesto motor. Esse conteúdo se pauta em desenvolver como ideia principal a organização com um objetivo, regras, técnicas, destrezas, habilidades, estratégias e procedimentos. Pelos quais são desenvolvidos o saber fazer, sem se restringir apenas à execução de atividades, mas procedendo também a reflexão de como realizá-las. Tal conteúdo se desenvolve na sequência de assimilação, acomodação e adaptação. No contexto formal da aprendizagem do karate vale identificar a formação acadêmica existente em algumas universidades do Estado de São Paulo. Como mostra o Quadro 1, grande parte das universidades incentivam o conhecimento das lutas ou artes marciais durante a formação, porém sabe-se que, no contexto escolar, existe dificuldade em aproximar a prática com a teoria, o que se configura num grande obstáculo para os profissionais, destacando-se quatro motivos: • Falta de experiência com o conteúdo por parte dos professores, tanto no cotidiano de vida, como no âmbito acadêmico; • Preocupação com o fator violência, atribuído às práticas de luta, o que discrimina a possibilidade de abordagem deste eixo na escola; • Falta de espaço, falta de material e falta de vestimentas adequadas para que os alunos possam praticar na aula elaborada pelos professores; • Poucos estudos na área voltados para esta temática. Estudo realizado por Franchini e Correia12, revelou que apenas 2,93% dos periódicos (revistas científicas) analisados entre os anos de 1998 e 2008 abordaram esta temática.

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Quadro 1. Relação de instituições de ensino superior e a formação inicial em artes marciais ou lutas. Nome da IES

Existem aulas na graduação ANHANGUERA S ANHEMBI N DOM BOSCO N ESEFJ S FAM S FAMESC N FEEVALE S FEFISA N FIB S FIRP S FIT N METROCAMP N PUC S SÃO JUDAS S SÃO JUDAS S TADEU SCELISUL S UFOP N UFSJ S UMESP S UNAERP S UNESP S UNG S UNIABC S UNIARA N UNIB S UNIBAN S UNIBR S UNICAMP S UNICASTELO S

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Ciclo/termo

4 6 6 4 4

Outro nome da disciplina -

5 6 3 5 8 4 6 5 5 6 3 5

judô -

6 6 5 1

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UNICID UNICSUL UNIFAE UNIFESP UNIFEV UNIMAR UNIMES UNIMESP UNINOVE UNIP UNISA UNISANTA UNISANTANA UNISUZ UNIVALI UNOESTE USP

S S S ? S S S S S S S S S N S S S

4 5 5 4 4 3 7 6 3 4 5 4 7 4 5

Fonte: Tese de Doutorado em Ciências do desporto11.

optativa livre

Em relação aos pilares pedagógicos do karate como processo de ensino e aprendizagem na Educação Física escolar, podem ser identificadas algumas novas formas no quesito da aprendizagem do karate dentro do contexto escolar, sendo elas: Modelo da educação desportiva – enfatiza o papel socializador do desporto, por meio de um papel ativo do praticante na organização de tarefas subsidiadas ao jogo e no próprio jogo, nos quais os objetivos são: • Promover aprendizagem contextualizada; Promover experiências educacionalmente ricas e autênticas nas aulas; Desenvolver os alunos de forma competente, entusiástica e culta. Neste modelo, são o desenvolvimento da competência esportiva (o saber fazer), a compreensão e o saber apreciar os valores culturais, que qualificam a prática, conferindo o verdadeiro significado (cultura esportiva) e finalmente o entusiasmo pelo desporto, ou seja, da atração despertada nas crianças/adolescentes pelo fenômeno esporte (conviver)13. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Literacia motora – a competência motora, evidenciada nas habilidades locomotoras fundamentais (correr, skiping, saltar), de estabilidade (equilíbrio, rolar) e manipulativas (lançar, pontapear, agarrar), é considerada um requisito fundamental na construção de um repertório motor diversificado, essencial e passível de ser aplicado com sucesso em contextos mais especializados14. Pedagogia não-linear – advém dos conceitos da psicologia ecológica e da teoria dos sistemas dinâmicos, podendo ser definida como a aplicação de conceitos e ferramentas não dinâmicas que suportam a prática docente. Assim, possibilita a interação de componentes que oscilam entre fases de instabilidade e estabilidade, constituindo-se de processos de auto-organização das dificuldades propostas15. Considerações finais As reflexões em torno da construção dos saberes pedagógicos e pilares para o ensino do karate partiram da premissa de que esse tema exige contínuas e progressivas pesquisas pelos interessados da área. Isso significa dizer que o nosso desenvolvimento profissional depende, por um lado, da organização sistemática do trabalho que desenvolvemos durante a prática cotidiana e, por outro, da reelaboração. A cada dia devemos desenvolver sobre os nossos próprios saberes para ensinar o karate nas aulas de Educação Física, para refletir sobre as possibilidades e limitações que enfrentamos no cotidiano escolar. O intento foi evidenciar os componentes técnicos da aprendizagem da modalidade bem como novas intervenções pedagógicas que se fazem necessárias para melhor condição da aprendizagem. A intervenção sobre essa realidade para transformá-la, exige que os próprios profissionais da área se mobilizem para tornar públicos os saberes articulados e operacionalizados para atuação no espaço escolar, bem como em outros ambientes. Estudar sobre os saberes docentes indica e implica que a prática pedagógica dos professores de Educação Física escolar e profissional precisa passar por uma introspecção, sistematização e partilha de saberes. Esse exercício criativo foi muito desafiador para ambos os professores-pesquisadores, mesmo considerando que existem poucas publicações expressivas e que se trata de conhecimentos que devem ser compar-

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tilhados e discutidos durante a experiência para o ensino do karate. Até o momento, os autores estiveram implicados com as incertezas de uma possível experiência para ensinar o karate, que está sendo desenvolvida em sua prática no âmbito escolar, ora com a possibilidade de ensinar o karate, ora com os valores orientadores a serem mobilizados na prática pedagógica. Referencias 1. Frosi TO, Mazo JZ. Repensando a história do karate contada no Brasil. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2011;25(2):297-312. 2. Funakoshi G. Karatê-dô: o meu modo de vida. São Paulo, 1994. 3. Rodrigues SR. Origens dos estilos de karate. Acesso em: 16 mai 2015. Disponível em: http:// www.karatêbarretos.com.br/origensdosestilosdokaratê.php 4. Funakoshi, G. Karate-Do Nyumon: texto introdutório do mestre. São Paulo, 1988. 5. Bartolo, Paulo. Karate-do: história geral e do Brasil. Realejo Livros & Edições, 2009. 6. Confederação Brasileira de Karate (CBK). História do karate. São Paulo: 2004. Acesso em: 13 mai. 2015. Disponível em: www.karatedobrasil.org.br 7. Oliveira EF, Millen Neto AR, Jordão T. Karatê. In: Costa LP (Org.). Atlas do Esporte no Brasil. Rio de Janeiro: Shape; 2005. 8. França TP. Ensino de golpes e sequências de ataque sobre o desempenho em luta simulada de Karate-do. São Paulo, 2013. 9. Brasil. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´S). Introdução. Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 10. Zabala A. Enfoque globalizador e pensamento complexo. Porto Alegra: Artmed; 2002. 11. Lopes JC. Proposta metodológica para o ensino de lutas no processo pedagógico da educação física escolar: conteúdos conceituais, atitudinais e procedimentais. (Tese de Doutorado). Portugal: UTAD, 2015. 12. Correia WR, Franchini E. Produção acadêmica em lutas, artes marciais e esportes de combate. Motriz. 2010;16(1):1-9. 13. Pereira CHAB. Modelo de educação desportiva: da aprendizagem à aplicação (Dissertação de Mestrado). Portugal: Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, 2012. 14. Gustavo LTC. Trabalho coordenativo: um olhar para iniciação esportiva. Rev Bras Futsal e Futebol. 2014. 15. Clemente FM. Princípios pedagógicos dos Teaching Games for Understanding e da Pedagogia não linear no ensino da educação fisica. Revista Movimento (ESEF/UFRGS). 2012.

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Parte 2 Treinamento e desempenho

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CAPÍTULO 10 Adaptações musculares ao exercício e técnicas de recuperação Everton Alex Carvalho Zanuto, Robson Chacon Castoldi

Resumo O tecido muscular é responsável por sustentar e dar mobilidade ao corpo. A realização do exercício físico é uma forma de se promover a adaptação muscular. Em meio aos modelos de exercício, pode-se citar uma série de formas de realização, definidas de acordo com o grau de intensidade e a forma de aplicação. A escolha da especificidade da atividade deve estar relacionada com o objetivo a ser atingido. Para manter uma periodização o atleta deve ser recuperado o mais rápido entre as sessões de treinamento. Diversas técnicas estão sendo empregadas, com o intuito de minimizar os efeitos deletérios do treinamento. Introdução O tecido muscular é responsável por sustentar e dar mobilidade ao indivíduo. Sua capacidade de contração permite o tracionamento do sistema esquelético por meio do sistema de alavanca. Assim, por sua inserção no osso, que é dada por meio do tendão, o músculo se contrai e permite o movimento corporal. Outra função de extrema importância é a sustentação corporal, pois é por meio do sistema muscular, que o indivíduo pode permanecer na posição ortostática, sentada, deitada, etc. A função muscular, nesse caso, é a de dar o apoio necessário à estabilização corporal. A realização do exercício físico é uma forma de se promover a adaptação muscular. Nesse caso, dependendo da especificidade, a realização do esforço promove uma série de adaptações que permitem ao sistema muscular desenvolver suas organelas celulares e demais estruEducação Física escolar, treinamento e saúde

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turas, responsáveis pela contração muscular. Dentre estas organelas, podem ser citadas as mitocôndrias (número e tamanho), armazenamento de substratos energéticos no sarcoplasma e aumento da espessura dos miofilamentos contráteis de actina e miosina. Assim, o músculo se adapta de acordo com o estímulo que lhe é atribuído. Em meio aos diversos modelos de exercício, há uma série de formas de realização, definidas de acordo com o grau de intensidade e a forma de aplicação. Dessa forma, pode-se citar três grandes grupos: aeróbio, anaeróbio e resistido. Além disso, existe a combinação das duas formas de exercício, podendo ser aplicadas em conjunto ou de forma separada, com a intenção de se obter ganho ou diminuição de determinadas variáveis, como é o caso do aumento da massa muscular ou perda de gordura, por exemplo. Nesse sentido, a escolha da especificidade da atividade deve estar relacionada com o objetivo a ser atingido pelo praticante. Formas de exercício Desde a sua criação na Grécia Antiga, o treinamento físico passou por uma série de modificações, sendo caracterizado por uma infinidade de nomenclaturas e formas de realização1. Nesse período foram estabelecidas algumas das formas mais comuns a serem trabalhadas. • Exercício aeróbio: relacionado à realização em intensidade abaixo do limiar anaeróbio, ou máxima fase estável entre a produção e remoção de lactato sanguíneo (MFEL)². • Exercício anaeróbio: relacionado à realização em intensidade supra limiar ou acima do limiar anaeróbio ou MFEL3. • Exercício resistido: relacionado à realização em exercícios com peso. Pode ser ainda denominado como exercício resistido, exercício contra resistência, exercício de força muscular, exercício de resistência de força e exercício neuromuscular3.

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Sabe-se que o efeito no sistema muscular é obtido de acordo com a forma de exercício utilizada. Assim, a escolha deve ser realizada seguindo o interesse do atleta/aluno e interesse no resultado obtido (adaptação tecidual). Efeitos do exercício no tecido muscular Estudos demonstram que, para se obter ganho (aumento) da massa muscular esquelética (MME), é aconselhável a utilização de exercícios resistidos1. Assim, as intensidades (zonas alvo) que melhor geram adaptações teciduais são aquelas com baixo volume e alta intensidade. Dessa forma, para se obter melhor ganho, em relação à força muscular, deve-se utilizar entre três ou quatro séries de exercício, com seis ou oito repetições. Já para o aumento da área de secção transversa (hipertrofia), se recomendam três ou quatro séries de exercícios, com 10 ou 12 repetições. Para se obter o desenvolvimento da força de resistida ou resistência de força, é indicada a realização de três séries de exercícios, com 15 ou 20 repetições. Em um estudo realizado em animais, com treinamento de força adaptado na forma de saltos aquáticos, foi verificado que, após 14 semanas de treinamento, os animais demonstraram aumento na área de secção transversa de 707 µm², quando comparados aos animais do grupo controle. Além disso, foi verificado aumento nas fibras de contração rápida e lenta (Figura 1)1. Em um estudo, Kodama et al.4 analisaram a imobilização e remobilização por meio do exercício livre. Ou seja, os animais eram imobilizados e engessados, de tal forma a simular um indivíduo em período de recuperação pós-fratura. Nesse caso, foi verificado que os animais que permaneceram imobilizados, mas realizaram exercício físico após este procedimento, demonstraram resistência à tração mecânica similar aos animais que permaneceram livres em gaiolas.

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*

* # #

† †

Figura 1. Comparação da área de secção transversa do músculo gastrocnêmio medial de ratos não-treinados e treinados (n=20). *, #, †: diferença significativa (p<0,05) na comparação entre as médias da Área de secção transversa dos grupos de animais treinados e não-treinados. Modificado de Castoldi et al.1.

Em outro estudo, Castoldi et al.3 verificaram o efeito do treinamento concorrente no tecido muscular, que nada mais é do que as duas formas de exercício (aeróbio e força muscular), aplicadas de maneira conjunta e subsequente. Foi verificado que a utilização dessas duas formas de exercícios, aplicadas por três dias na semana, foram suficientes para promover hipertrofia nas fibras musculares dos animais analisados (Figura 2). Dessa maneira, não observou a diminuição da capacidade física para estas duas modalidades de exercícios.

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Figura 2. Fibras do músculo sóleo após 4 semanas (esquerda) e 8 semanas (direita). Em ambos os períodos, as letras representam os exercícios realizados: A – linha de base, B – controle, C – treino de resistência aeróbia, D – treino de força e E – treino concorrente. Escala = 100 micrômetros.

Apesar de alguns estudos demonstrarem a diminuição da capacidade física, quando realizado o treinamento concorrente, tal fato não foi verificado no estudo supracitado. Tal fato pode indicar que o balanço entre volume e intensidade de treino, bem como o período de descanso (recuperação), parecem estar mais relacionados ao aumento ou diminuição do desempenho, do que propriamente à forma de exercício utilizada. Assim, a utilização dos princípios do treinamento de forma correta, parece ser mais importante do que a modalidade de treino. Recuperação pós-esforço As melhores formas de recuperação pós-esforço (RPE) existentes proporcionam viabilizar, no menor tempo possível e com máxima qualidade, a integridade física do atleta para o próximo estímulo intenso da periodização, prevenindo lesões decorrentes das práticas esportivas. Antes de mergulharmos neste universo, devemos nos ater ao por que desta necessidade, como o exercício físico é proporcionalmente lesivo a sua intensidade? Qual sua fisiopatologia, prognósticos e fatores que contribuem para sua prevenção? No esporte de alto rendimento, retira-se o máximo do atleta e, por muitas vezes, este limite é ultrapassado, seja pela intensidade, volume ou densidade, com tempo insuficiente de repouso, Educação Física escolar, treinamento e saúde

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todos fatores de risco para lesão crônica. Exercícios intensos levam a microlesões celulares por efeitos mecânicos como ruptura, alargamento ou prolongamento da linha Z5. Assim, o tipo de contração muscular influencia diretamente nos danos às fibras e em sua histoarquitetura, sendo a contração excêntrica a mais lesiva6,7, indiretamente evidenciada pela queda na produção de força muscular, diminuição da amplitude de movimento e aumento da dor muscular de início tardio (DMIT)8. Existe também o efeito metabólito, pois o simples ato de exercitar-se intensifica o gasto metabólico, sendo parte da energia suprida pelo metabolismo aeróbio e aumentando o volume total de oxigênio consumido. Cerca de 2 a 5% deste consumo de oxigênio gera espécies reativas de oxigênios (ERO), significando que, quanto maior a intensidade do exercício, maior é a produção ERO9,10. As ERRO , em grande quantidade, intensificam o nível de peroxidação dos lipídeos constituintes da membrana celular, aumentando a permeabilidade do sarcolema, o que causa desequilíbrio de cálcio livre, desorganização das fibras, destruição de proteínas musculares, e processo inflamatório local, liberando prostaglandinas, que acarreta na migração de células como macrófagos, neutrófilos e eosinófilos11. Outro efeito é o desarranjo autonômico persistente12, que se deve à elevada atividade simpática e aumento na concentração de substratos pós-exercício, como H+13, Creatina Quinase (CK), interleucinas e proteína C reativa (PCR)14. Estes efeitos mecânicos e metabólicos podem ser monitorados pela equipe de treinamento, pois a regulação do sistema autônomo está diretamente relacionada à liberação de catecolaminas, sendo assim sensível aos estímulos de mudança de treinamento. Cresce a cada dia o número de pesquisas que utilizam a Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) para identificar respostas agudas e crônicas do treinamento, por ser uma ferramenta barata não invasiva que verifica a ação do Sistema Nervoso Autônomo Simpático (SNS) e Parassimpático (SNP) durante o exercício e na recuperação15. A lactacidemia é tradicionalmente muito utilizada por equipes bem estruturadas para definir a Intensidade de Limiar Anaeróbio (ILan), a máxima intensidade onde ocorre equilíbrio entre produção e remoção de lactato, que é utilizada para a prescrição e o monitoramento do treinamento. Outro marcador comumente utilizado é o consumo máximo de oxigênio (VO2 máx) que é definido como a capacidade máxima de captar, transportar e utilizar

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o oxigênio. Com estes parâmetros fisiológicos os técnicos e preparadores físicos podem prescrever com maior sensibilidade o treinamento individualizado dos seus atletas16. Uma maneira direta de se monitorar a integridade da fibra muscular é a realização periódica de biopsia, procedimento extremamente invasivo e doloroso, que o inviabiliza. Outra forma seriam exames de imagem, como a Ressonância Magnética, com custo elevado, necessidade de consulta médica, encaminhamento para clínica especializada e retorno ao médico para o diagnóstico. CK, Lactato Desidrogenase (LDH), Mioglobina, Troponina I e fragmento de miosina são marcadores de lesão musculoesquelética, porque são componentes intramusculares, cujo aumento no nível sérico indica alteração das fibras, constituindo formas menos invasivas que dependem apenas da coleta de sangue, de menor custo, porém é indireta, o que é fator de contestação para alguns pesquisadores e treinadores17. Segundo Motta18, a LDH, enzima que catalisa a reação reversível do Piruvato a Lactato , tem concentração intramuscular 500 vezes maior que a concentração no sangue. O mesmo autor descreve também a CK, enzima que catalisa a fosforilação da creatina e está envolvida no armazenamento de creatina fosfato. Ela se subdivide em isoenzimas: CKBB ou CK1, predominantemente encontrada no cérebro, CKMB ou CK2 no miocárdio e CKMM ou CK3 no musculoesquelético. A Mioglobina, proteína responsável por transportar e estocar oxigênio no músculo, a Troponina e a Miosina são frequentemente descritas como as melhores marcadoras indiretas de dano ao tecido muscular. Estudos demonstram a CK e LDH com concentrações elevadas em até 72h após esforços intensos19. Em estudo realizado por Glaner et al.20 em atletas que participantes do Ironman 70.3 de Brasília – DF, foi verificada uma alteração de 418,2% no nível sérico de CK após a competição (CK inicial 112,2 ± 34,9 U/L, CK final 458,2 ± 204,9 U/L). Em outro estudo realizado por Welsh et al.21, também em atletas do Ironman 70.3, os valores da CK foram de 199 ± 93 U/L antes e 719 ± 406 U/L após a competição, demonstrando o quanto a musculatura sofre danos durante esforços intensos e prolongados. No ciclismo não é diferente, como demonstrou estudo7 com 12 ciclistas de elite, com mensuração da CK e LDH 24h antes da competição e 24h pós-competição, tendo sido observada alteração da CK de 161,0 ± 35,0 U/L para 257,2 ± 29,0 U/L e LDH de 168,5 ± 31,0 U/L para 229,8 ± 40,0 U/L. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Na natação o aumento abrupto no volume de treinamento com intensidades próximas a 95% do VO2 máx elevam consideravelmente o nível sérico de CK e cortisol, reduzindo a concentração de testosterona, os quais são sinais característicos de overtraining. Os valores de CK sofrem variações de acordo com o período de preparação, durante a base (54,1 a 102,4 U/L), durante o treinamento específico (135 a 171 U/L) e após o período de polimento (63 a 75 U/L), demonstrando que a CK é extremamente sensível a variações no treinamento de natação16. Em estudo realizado por nosso grupo (dados ainda não publicados) com 15 atletas, 24 horas após uma partida de futebol amador (90 min), o nível de CK foi de 578,26 ± 368,53 U/L e de LDH foi de 602,53 ± 180,00 U/L. O aumento drástico em relação às concentrações normais de repouso indica o efeito lesivo desta modalidade, valendo lembrar que são atletas amadores com baixo condicionamento físico, corroborando com achados anteriores a relação que, quanto melhor o condicionamento físico menor os níveis pós-esforço de CK e LDH. Após descrição de que o esforço intenso e prolongado acarreta danos ao tecido muscular esquelético, aumentando assim o nível sérico de enzimas denominadas marcadores de lesão, devemos nos ater em como prevenir este aumento e controlar estes danos à musculatura esquelética. A seguir, são apresentadas algumas modalidades e estudos sobre a prevenção e controle de lesões, buscando explicar seu funcionamento. Crioterapia como método de RPE A crioterapia, para a RPE, pode ser aplicada em compressas frias, aplicação de gelo sobre as estruturas, câmaras frias ou imersão em água fria. O princípio fisiológico desta técnica é a inibição nervosa, redução do metabolismo local, modulação do aumento da permeabilidade de membrana e modulação da resposta inflamatória local. É uma das técnicas de RPE amplamente difundida, especialmente, entre atletas de elite. Diversos estudos relatam efeitos como analgesia, reestruturação funcional, redução do tempo de recuperação e remoção de substratos do exercício, favorecendo a RPE22. Em estudo realizado por nosso grupo no futebol amador (dados não publicados), foi analisada a influência da crioterapia sobre parâme-

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tros bioquímicos no período de recuperação, em 15 atletas divididos em dois grupos: controle (GC) e tratado com crioterapia (GT). No final da partida (90 min), o GT foi imergido por 10 minutos a 5 ± 1 oC em recipiente de plástico com a capacidade média de 250 litros contendo água e blocos de gelos. Foram coletadas amostras de sangue 24, 48 e 72 horas após o final da partida para ambos os grupos. Sobre o comportamento da CK, houve diferença estatística no fator tempo (p=0,001) com rápida remoção da CK, porém no fator de interação entre eles não houve diferença significativa entre os grupos em nenhum momento da recuperação. Na variável LDH não houve diferença significativa em nenhum parâmetro. Com base nos resultados encontrados, a conclusão foi que os padrões utilizados neste estudo não possuem efeitos benéficos quando comparados com a recuperação passiva. Estudos envolvendo crioterapia de imersão utilizam de 10 até 193 minutos, com temperaturas variando de 1 a 15 oC22. Embora largamente utilizada na prática des­portiva, a efetividade da crioterapia para fins de recuperação muscular pós-exercício ainda carece de evidências científicas23. Contraste como método de RPE O contraste, para o RPE, consiste em submergir o atleta, ou partes de seu corpo, alternando em dois recipientes distintos com água em temperaturas contrastantes, fria e quente. A temperatura e o tempo de aplicação ainda são contraditórios na literatura, mas esta técnica vem ganhando espaço nas pesquisas científicas. A explicação fisiológica consiste no efeito de bomba produzido pela vasoconstrição e vasodilatação da circulação no local submergido, o que facilita a remoção de substâncias indesejáveis produzidas pelo exercício físico. Em estudo recente de nosso grupo (dados ainda não publicados) com atletas de voleibol feminino, com idade de 17 e 18 anos, com tempo de prática mínimo superior a um ano, as voluntárias foram distribuídas de forma randomizada em dois grupos: grupo controle (GC) e grupo tratado (GT). O GC foi submetido a um protocolo de indução à hiperlactacidemia e, imediatamente após este processo, ficaram em repouso na posição sentada por 25 minutos. Foram coletadas quatro amostras de sangue para análise da concentração plasmática de lactato (repouso, pós-5, Educação Física escolar, treinamento e saúde

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pós-15 e pós-25 min). O GT passou pelo mesmo protocolo, porém foram submetidas ao tratamento de contraste por 16 minutos, sendo também coletadas amostras de sangue nos mesmos intervalos de tempo. Após as análises bioquímicas e estatísticas, observou-se que a concentração de lactato foi menor em todos os momentos avaliados no grupo tratamento (GT). Observou-se, na coleta de repouso, concentração de lactato sanguíneo de 1,97 ± 0,30 mmol/L no GC e 1,63 ± 0,60 mmol/L no GT. Na coleta pós-5 minutos, o GC apresentou valor médio de 8,75 ± 1,50 mmol/L, enquanto o GT apresentou valor médio de 7,35 ± 4,10 mmol/L. Já no pós15, o GC apresentou valor médio de 8,53 ± 1,60 mmol/L, enquanto o GT apresentou valor médio de 5,30 ± 1,90 mmol/L. Por fim, no pós-25, o GC apresentou valor médio de 6,87 ± 2,10 mmol/L, enquanto o GT apresentou valor médio de 3,33 ± 1,47 mmol/L. A técnica contraste foi eficiente para a remoção do lactato sanguíneo no pós-5, pós-15 e pós-25 minutos. Coffey et al.24 submeteram 14 indivíduos fisicamente ativos a um protocolo de alta intensidade e utilizaram como modelos RPE o contraste e a recuperação ativa. Concluíram que o contraste utilizado por 15 minutos (1’ frio 10 oC/ 2’ quente 42 oC) demonstra melhor sensação de recuperação quando comparado com a recuperação ativa (40% VO2 máx), embora a remoção do lactato sanguíneo não tivesse significância estatística entre esses dois grupos. Em revisão sistemática realizada por Bieuzen et al.25, utilizando 18 artigos e totalizando 356 participantes, a média de tempo total da técnica variou entre 6 e 24 minutos, o tempo em cada recipiente foi de 1 a 3 minutos e o número de exposições foi de 1 a 4 vezes em cada recipiente. A temperatura fria oscilou de 8 a 15 oC, e a quente de 35,5 a 45,5 oC. Nesta revisão, os autores relatam ser uma modalidade efetiva de RPE quando comparada ao repouso passivo, tendo encontrado diferenças clínicas quanto a dor muscular, perda de potência e remoção de metabólitos, mas não encontraram diferenças quando comparadas a outras formas de RPE como crioterapia, recuperação ativa (40% VO2 máx), compressão e alongamento. Estes estudos demonstram a efetividade desta técnica na RPE, mas sugerem que estudos com maior número de praticantes com melhor metodologia sejam realizados, para solucionar o melhor tempo e temperatura de imersão.

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Laserterapia de baixa intensidade (LLLT) A LLLT, para o RPE, deve ser compreendida como aplicação de recurso luminoso com propriedades particulares que provocam reações biológicas nos tecidos, gerando ótimos resultados como redução do processo inflamatório, da dor e cicatrização dos tecidos26. Diversos autores vêm pesquisando a LLLT como vantajosa em referência à sua ação menos invasiva, atérmica, indolor, de menor custo e com tempo de aplicabilidade inferior aos demais recursos de RPE19. Em uma revisão de literatura realizada por nosso grupo são apresentadas diversas explicações do por que desta técnica ser a melhor RPE19. A primeira está na interação de moléculas fotorreceptoras (flavoproteinas, porfirinas, citocromo, tirosina, asparagina, dentre outras) com uma faixa de aplicação próxima a 808 nm de comprimento de ondas26,27. Esta alteração no metabolismo celular gerado pelos fotorreceptores absorvendo luz e a transformando em efeitos fotoquímicos, fotofísicos e ou fotobiológicos benéficos possui aplicabilidade infindável. A incidência da LLLT sobre o tecido exercitado gera aumento da microcirculação local por vasodilatação (óxido nítrico), aumento da permeabilidade vascular e melhora da drenagem linfática, promovendo reabsorção do edema e de substratos catabólitos, assim como controle do efeito cascata da inflamação (liberação de prostaglandina E2, prostaciclinas, histamina, serotonina, bradicinina e leucotrienos), gerando resposta mais controlada e alívio da dor19. Outro aspecto importante encontrado por Vieira28 foi no desempenho aeróbio, visto que moléculas fotorreceptoras como o citocromo são importantes na cadeia transportadora de elétrons, assim como as enzimas participantes do sistema oxidativo que têm sua atividade aumentada (modificações químicas). O mesmo autor relata ainda a junção e o aumento de mitocôndrias vizinhas (modificações físicas) alterando positivamente a bioenergética com o aumento da síntese de ATP. Esta priorização do sistema oxidativo foi observada em estudo sobre o efeito da LLLT associado ao exercício, tendo sido observado aumento da atividade da citrato sintase, marcador padrão da capacidade aeróbia e diminuição da lactato desidrogenase, responsável pela reação reversível entre piruvato e lactato28. Xu et al.27 observaram que a LLLT melhorou a função mitocondrial em células musculares. Então a LLLT pode Educação Física escolar, treinamento e saúde

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também ser utilizada como auxiliar no desempenho aeróbio em atletas, visto que alguns de seus efeitos são semelhantes às adaptações decorrentes de treinamento de longa duração28. Podendo ainda ser utilizado no processo de recuperação muscular11. Em trabalhos recentes com animais, notou-se que LLLT pode ser efetiva no controle de espécies reativas de oxigênio (ERO), por meio da contenção da isquemia muscular e do aumento de antioxidantes19. Outro estudo realizado por Leal Junior et al.26 demonstrou que a LLLT aplicada antes do esforço foi capaz de reduzir os danos musculares e acelerar a remoção de lactato. Possuindo controle da produção de ERO, modulação do processo inflamatório e potencialização da síntese de ATP, esta técnica terapêutica consegue reduzir a fadiga28, dando condições para evolução da RPE, porém, os parâmetros de aplicação ainda não estão totalmente compreendidos26. Várias estratégias de RPE como a crioterapia, o contraste, a LLLT, dentre outras estão sendo aplicadas22,23. Contudo, a efetividade e melhor sistematização de aplicação, merecem mais evidências científicas. Referências 1. Castoldi RC, Teixeira GR, Malheiro OCM, Camargo RCT, Belangero WD, Camargo Filho JCS. Effects of 14 weeks resistance training on muscle tissue in wistar rats. Int J Morphol. 2015;33(2):446-51. 2. Santos ACA, Papoti M, Manchado Gobatto FB, Bonfim MR, Castoldi RC, Camargo RCT, Camargo Filho JCS. The effects induced by swimming training on rats submitted to normal and hypercaloric diets. Motricidade. 2015;11(2):16-24. 3. Castoldi RC, Camargo RCT, Magalhães AJB, Ozaki GAT, Kodama FY, Oikawa SM. Concurrent training effect on muscle fibers in Wistar rats. Motriz. 2013;19(4):717-23. 4. Kodama FY, Camargo RCT, Job AE, Ozaki GAT, Koike TE, Camargo Filho JCS. Muscle mechanical properties of adult and older rats submitted to exercise after immobilization. Acta Ortop Bras. 2012;20(4):218-22. 5. Clarkson PM, Hubal MJ. Exercise-induced muscle damage in humans. Am J Phys Med Rehabil. 2002;81:S52-69. 6. Cesar EP, Filho MGB, Lima JRP, Aidar FJ, Dantas EHM. Modificações agudas dos níveis séricos de creatina quinase em adultos jovens submetidos ao trabalho de flexionamento estático e de força máxima. Rev Desp Saúde. 2008;4(3):50-6. 7. Barroso R, Roschel H, Gil S, Ugrinowitsch C, Tricoli V. Efeito do número e intensidade das ações excêntricas nos indicadores de dano muscular. Rev Bras Med Esporte. 2011;6:401-4. 8. Viana MS, Andrade A. Estágios de mudança de comportamento relacionados ao exercício físico em adolescentes. Rev Bras Cineantropom Desemp Hum. 2010;12(5):367-74. 9. Jenkins RR, Goldfa RBA. Introduction: oxidant stress, aging and exercise. Med Sci Sports Exerc. 1993;25:210-12. 10. Zanuto EAC, Harada H, Gabriel-filho LRA. Análise epidemiológica de lesões e perfil físico de atletas do futebol amador na região do oeste paulista. Rev Bras Med Esporte. 2010;16(2): 116-20.

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CAPÍTULO 11 Fisiologia do futebol: demandas, metabolismo e perfil do atleta Cássio Mascarenhas Robert Pires, Rodrigo Ferro Magosso

Resumo O futebol é uma modalidade desportiva caracterizada por esforços intermitentes, cujos jogadores percorrem distâncias médias de 8 a 12 km por jogo, com menos de 2 km desta distância sendo percorrida em intensidades superiores a 19 km/h, sendo o maior deslocamento sendo feito por meio-campistas e laterais. Em função destas características de jogo, ocorre grande depleção dos estoques de glicogênio muscular e acidose muscular, que tem sido aceita como importante mecanismo de fadiga juntamente com hipertermia, desidratação e concentração de potássio extracelular. O desempenho dos atletas pode ser influenciado pelo consumo máximo de oxigênio (VO2 máx), limiar anaeróbio (AT) e limiar de compensação respiratória (RCT). Distâncias percorridas pelos jogadores durante a partida Vários estudos vêm sendo conduzidos nas últimas duas décadas para melhor compreensão das reais demandas dos jogos de futebol, tanto em nível nacional quanto internacional. Neste sentido, uma das grandes preocupações da literatura especializada tem sido a identificação da dinâmica do jogo de futebol, notadamente no tocante à discriminação do conjunto de esforços realizados pelos jogadores em suas distintas posições e funções táticas, em especial, as distâncias totais percorridas pelos atletas e as respectivas intensidades dessas ações de corrida. Em um estudo com análise de 43 jogos da Liga Dinamarquesa, Krustrup e Bangsbo1 relataram distâncias médias totais percorridas de 10,07 ± 0,13 km, sendo que somente 1,67 ± 0,08 Km foram representados

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por corridas em alta velocidade. Estes resultados foram corroborados por Braz et al.2, em estudo de revisão com 460 jogadores participantes da Eurocopa UEFA em 2008. Os autores observaram distâncias médias de 10,2 ± 0,85 km, com os meio-campistas e laterais percorrendo as maiores distâncias de 10,9 e 10,2 km, respectivamente. No que concerne às diferenças de deslocamento entre as várias posições táticas de jogo, Bangsbo et al.3 admitem que essas diferenças correspondem a aproximadamente 0,92 km, ou 8,5% da distância percorrida. Similarmente, Valente4, em um estudo com jogadores profissionais portugueses, encontrou distâncias totais médias de 11,2 ± 0,89 km. O autor também discriminou as distâncias percorridas e observou que os sprints em velocidade máxima (acima de 20 km/h) representaram somente 10% do total, ou seja, 1,15 ± 0,3 km, com um número total de 92 ± 17 ações, com distâncias médias de 12,4 m. Esses dados estão de acordo com os dados obtidos por Di Salvo et al.5, os quais apresentaram a seguinte discriminação dos deslocamentos de jogadores profissionais da Liga espanhola: deslocamentos de baixa intensidade (até 11 km/h), 7,03 km; deslocamentos em velocidades de 11 a 14 km/h, 1,65 km; deslocamentos em velocidades de 14 a 19 km/h, 1,75 km; deslocamentos em velocidades de 19 a 23 km/h, 0,61 km; deslocamentos em velocidades acima de 23 km/h, 0,33 km, com distância total de 11,4 km. Rebelo6, analisando jogadores portugueses, também encontrou resultados semelhantes, com os deslocamentos em velocidades de marcha e corrida leve a moderada, representando aproximadamente 75% da distância total percorrida, ao passo que os sprints curtos em máxima velocidade corresponderam a somente 12% da distância total percorrida. Analisando partidas da Liga italiana, Osgnach et al.7 descreveram distâncias totais médias de 10,95 ± 1,04 km, sendo que somente 1,07 ± 0,39 km (≅ 9%) foram percorridos em velocidades de 19 a 22 km/h ou superiores. Entretanto, os autores advertem para o fato de que, quando se faz a análise por meio da potência, as intensidades consideradas altas (> 20 w/kg) correspondem a 26% das ações da partida, o que muda substancialmente a apreciação das demandas dos jogos em relação à análise exclusivamente por intermédio das velocidades de deslocamento. Em relação ao futebol nacional, Santos-Silva8 e Barros et al.9 relaEducação Física escolar, treinamento e saúde

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tam distâncias totais médias de 10,01 km, com variação de 8 até 12 km. Nestes estudos, assim como nos supramencionados, os laterais e meio-campistas cumpriram maiores distâncias em relação aos atacantes e zagueiros. O estudo de Barros et al.9 também apresentou o mesmo padrão de discriminação dos deslocamentos citados anteriormente em jogadores espanhóis e portugueses. No tocante ao padrão de deslocamento de jogadores de categorias menores, Caixinha et al.10 encontraram valores superiores de deslocamento total em atletas juniores, em um estudo de acompanhamento ao longo da temporada nacional portuguesa, somente com três jogadores sendo monitorados em condições de treino e competição. Os atletas percorreram distâncias totais médias de 9,53 km e 13,7 km em treinos e competições, respectivamente, perfazendo, portanto, distâncias bem maiores do que aquelas descritas na maioria dos estudos. A influência do nível de condicionamento físico e das variáveis aeróbias e anaeróbias determinantes do desempenho torna-se evidente em função das diferenças observadas na literatura em relação às distâncias totais percorridas nos distintos períodos da preparação dos atletas. Nesse sentido, Helgerud et al.11 evidenciaram melhora significativa das distâncias totais percorridas após oito semanas de treinamento intervalado (pré-treino 8,61 ± 1,23 km e pós-treino 10,33 ± 1,61 km). Por sua vez, Impellizzeri et al.12, em um estudo com jogadores juniores, também observaram aumento das distâncias percorridas, de 9,52 ± 0,44 km para 9,92 ± 0,40 km, após período de treinamento intervalado. Complementarmente, Rebelo6 também havia encontrado aumentos da distância total percorrida ao longo da temporada competitiva, evidenciando, segundo o autor, o papel da sequência de partidas na melhora da aptidão física e desempenho específico de atletas portugueses de elite. Finalmente, vários fatores podem influenciar as distâncias totais percorridas, como a posição tática do atleta, o estilo de jogo praticado, o nível da competição, o nível físico dos jogadores, a faixa etária específica, as condições de envolvimento psicológico/motivacional, os distintos momentos da temporada competitiva e os próprios métodos adotados de mensuração10,13. Um aspecto que tem sido comumentemente evidenciado nesses estudos, é que, no segundo tempo da partida, há queda da distância total

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percorrida, assim como nas distâncias percorridas em altas velocidades, o que evidencia a ocorrência da fadiga com maior ênfase no período final da partida, fato que será abordado adiante no capítulo14 . Características energéticas, metabólicas e cardiovasculares do futebol De acordo com Bangsbo et al.15, o futebol caracteriza-se por alternância de ações minoritárias intermitentes de alta intensidade, dependentes do metabolismo anaeróbio alático e lático, relacionadas às jogadas principais das partidas, e ações majoritárias de baixa a moderada intensidade, dependentes essencialmente do metabolismo aeróbio. Em termos de proporção, durante cerca de 70% do tempo de jogo, os atletas permanecem em intensidade relativa de aproximadamente 70 a 75% VO2 máx, com valores extremos de 90 a 95% VO2 máx nas ações de alta intensidade. Da mesma forma, executam cerca de 150 a 250 ações breves de alta intensidade, o que denota altas taxas de mobilização de creatina fosfato (CP) e glicogênio muscular ao longo da partida. Este fato pode ser comprovado mediante relatos de concentrações reduzidas de CP intramuscular, assim como concentrações sanguíneas e musculares elevadas de lactato durante e ao final das partidas. Complementarmente, os autores referem-se a reduções do pH muscular e aumentos das concentrações de inosina monofosfato (IMP)15. As concentrações de CP foram estimadas reduzir em cerca de 40 a 50% durante as repetidas ações breves e intensas das partidas, por meio de estudo com biopsia muscular16. Essas ações têm durações médias de 4 a 6 seg e os momentos de recuperação, por sua vez, têm durações variáveis. Nestas condições são descritas 179 ações de corrida intensa ao longo das partidas, analisando jogadores portugueses6. O lactato sanguíneo, o qual consiste em importante marcador indireto da ativação da via glicolítica no exercício, tem sido extensivamente estudado no âmbito do futebol, com as concentrações durante e ao final das partidas assumindo valores médios desde 2 a 8 mmol/L, com valores individuais extremos de 12 a 13 mmol/L16,17. Nessa linha de investigação, Rebelo6 analisou as respostas de lactato sanguíneo em jogadores da 1ª Divisão Portuguesa e encontrou valores médios de 4,2 ± 2,1 mmol/L, com valor mínimo de 2,04 mmol/L e máximo de 7,30 e mmol/L. Em um interessante estudo com jogadores da Educação Física escolar, treinamento e saúde

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categoria sub-15, expostos a situações específicas de treinamento com jogos em espaço reduzido e variação do número de jogadores, foram relatados valores de lactacidemia da ordem de 2,0 a 5,0 mmol/L, com as maiores respostas de lactato sendo registradas em números menores de jogadores18. Cabe ressaltar, entretanto, que as respostas sanguíneas de lactato durante as partidas não apresentam correlações com os níveis de lactato intramusculares16. Sendo assim, a participação da via glicolítica é muito maior do que as estimativas baseadas no lactato sanguíneo, o qual parece subestimar a mobilização do metabolismo anaeróbio lático no futebol. No tocante à mobilização dos distintos substratos energéticos durante a partida, Bangsbo et al.15 relatam que os estoques de glicogênio muscular podem ser quase totalmente depletados durante uma partida. Em seu estudo, Shepard19 relata depleções de 20 a 90% dos estoques de glicogênio intramuscular. Segundo Guerra et al.20, o exercício vigoroso esgota as reservas de glicogênio intramuscular em períodos próximos a 90 minutos. Pelo tempo em que os jogadores permanecem em intensidades em torno de 70 a 80% VO2 máx, há de se esperar pela quase total depleção do glicogênio intramuscular. Entretanto, de acordo com Krustrup et al.16, fibras do tipo IIa e IIx podem ser mais severamente afetadas em seus estoques de glicogênio ao final das partidas, em comparação às fibras do tipo I. Nesse estudo, os autores observaram níveis de glicogênio muscular de 40 a 60 mmol/kg de peso seco ao final da partida (mas não ao final do primeiro tempo), concentrações que podem ser consideradas de nível crítico para manutenção de altas taxas de glicólise, as quais se situam em torno de 50 mmol/kg de peso seco5. As concentrações plasmáticas de glicose têm se mostrado aumentadas ao final da partida, fato que sugere alta taxa de glicogenólise/neoglicogênese hepática para sustentar a mobilização de glicose sanguínea durante a partida16. Poucos atletas apresentam reduções da glicemia durante e ao final das partidas e, mesmo esses, não apresentam níveis de glicose sanguínea que possam comprometer o desempenho15. Paralelamente ao aumento da glicemia, observa-se também um aumento da concentração de ácidos graxos livres (AGL) e glicerol, o que permite supor que a própria taxa de lipólise está aumentada, suposição

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suportada pelos achados referentes à redução da lactacidemia e aumento das concentrações de catecolaminas no segundo tempo das partidas. Esse aumento da lipólise e da provável oxidação muscular de AGL também poderia refletir uma forma de compensação decorrente da redução dos estoques de glicogênio intramuscular14,15,17,21. Do ponto de vista das demandas metabólicas, um último aspecto que merece menção é o gasto energético total das partidas. Estudos prévios têm relatado gastos em torno de 1200 a 1500 kcal14,17,21. Mais recentemente, Osgnach et al.7, com implementação de técnicas inovadoras para análise das ações de alta intensidade, ratificaram esses estudos ao estimarem gastos calóricos totais de 61,12 ± 6,57 kJ/kg, o que representa aproximadamente 1.100 kcal para um jogador com 75 kg. Esses dados, somados ao perfil de mobilização do glicogênio intramuscular, são de relevante importância na determinação dos requerimentos nutricionais dos atletas para suportar as demandas de competição20. Finalmente, um último aspecto fisiológico a ser considerado para o devido entendimento das demandas fisiológicas do futebol é o estresse cardiovascular representado pelos jogos, o que tem sido investigado por meio das respostas agudas da frequência cardíaca (FC) durante as partidas. Nessa linha de investigação, Mortimer et al.22 observaram, em jogadores juvenis e juniores, respectivamente, valores médios de FC de 170 ± 8 bpm e 172 ± 10 bpm, durante o primeiro tempo das partidas, o que correspondeu a aproximadamente 82,7 ± 4,6% da FCmáx desses atletas. Stolen et al.17 argumentam que os valores médios de FC durante partidas de futebol situam-se muito próximos ao limiar anaeróbio, correspondendo a aproximadamente 80 a 90% FCmáx. Essa afirmação é corroborada por Bangsbo et al.23, os quais relataram respostas médias de FC em partidas profissionais, por volta de 85% FCmáx. No estudo de Rebelo6, a FC dos atletas permaneceu entre 150 e 170 bpm por 51,6% do tempo total da partida. Neste sentido, um estudo de Osieck et al.24 identificaram o limiar anaeróbio na FC média de 171 ± 7 bpm, intensidade correspondente a 89,8 ± 2,7% FCmáx, em jogadores profissionais brasileiros, o que permite inferir que os atletas mantêm intensidades próximas ao limiar anaeróbio por longos períodos de tempo durante as partidas. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Mecanismos de fadiga em partidas de futebol Um primeiro aspecto sugestivo de ocorrência de fadiga durante uma partida de futebol decorre do fato de que, em geral, os estudos têm mostrado que a distância média percorrida pelos jogadores é significativamente menor no segundo tempo em relação ao primeiro tempo. Além disso, a literatura também destaca o fato de que os sprints curtos de alta intensidade diminuem na segunda metade das partidas6,14,15,17,21. Da mesma forma, em consonância com essa diminuição na intensidade relativa de jogo na segunda etapa, Bangsbo21 relata reduções médias das respostas agudas de FC de 164 bpm no primeiro tempo para 154 bpm no segundo tempo de jogo, em futebolistas profissionais dinamarqueses, corroborando a redução da intensidade média do jogo na etapa final. Nessa mesma linha de investigação, Mortimer et al.22 também evidenciaram reduções médias significativas de FC de 170 bpm para 165 bpm e de 172 bpm para 166 bpm em jogadores juvenis e juniores, respectivamente, do primeiro para o segundo tempo da partida. Os mecanismos que têm sido mais enfaticamente especulados serem os responsáveis por essa queda no rendimento são relacionados à redução dos níveis de glicogênio intramuscular (anteriormente descrito) e o aumento da temperatura corporal associado ao processo de perda hídrica ao longo da partida6,14. Nybo e Nielsen25 relatam perdas de fluido da ordem de aproximadamente 3 L ao final da partida, com temperaturas corporais médias de 39 a 39,5oC, o que poderia contribuir decisivamente para a instalação de um quadro de fadiga central, notadamente, em condições de maior estresse térmico determinado por um meio ambiente quente e úmido, o qual acarretaria níveis de hipertermia mais severos. Conforme descrito anteriormente sobre a redução da lactacidemia na segunda etapa, este fato reforça a tese do papel do glicogênio e da hipertermia como prováveis mecanismos mais importantes para a fadiga ao longo da partida. Outro aspecto relacionado à fadiga diz respeito ao que a literatura define como fadiga temporária, ou seja, a perda momentânea de desempenho em alguns momentos da partida, em especial nos primeiros 5 minutos após ações mais intensas e breves, em que tem sido demonstrada a redução da quantidade de sprints curtos14.

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A esse respeito, a literatura admite que a redução dos níveis de creatina fosfato muscular16, assim como o aumento da concentração de potássio intramuscular14,26, desempenham papel mais importante do que o aumento do lactato muscular e sanguíneo na determinação da perda de desempenho em momentos específicos das partidas. Características fisiológicas de jogadores de futebol Em linhas gerais e em função das particularidades fisiológicas anteriormente expostas sobre o futebol, algumas variáveis determinantes do desempenho em jogadores têm sido relatadas. Dentre essas variáveis, encontram-se o consumo máximo de oxigênio (VO2 máx) e o limiar anaeróbio (LA), os quais, segundo alguns autores, podem estar diretamente relacionados ao desempenho físico durante a partida, traduzido em função da distância total percorrida na partida, assim como da intensidade com que as distâncias são cumpridas9,27. O VO2 máx representa a capacidade máxima de captação, transporte e metabolismo de oxigênio para a biossíntese de ATP nos músculos esqueléticos, ou a mais alta captação de oxigênio alcançada por um indivíduo, respirando ar atmosférico ao nível do mar28. Já o limiar anaeróbio representa a intensidade de esforço a partir da qual ocorre um aumento da contribuição da via anaeróbia lática para produção de ATP nos músculos esqueléticos, monitorado mais especificamente por meio do acúmulo de lactato na corrente sanguínea. Assim, tem sido classicamente definido como a intensidade de exercício anterior àquela na qual se verifica o aumento exponencial do lactato sanguíneo em função do aumento linear da intensidade de esforço29. O aumento do limiar anaeróbio pode ser consequência do aumento da atividade oxidativa muscular, assim como do aumento dos mecanismos de remoção do lactato da corrente sanguínea. De qualquer forma, vários estudos apontam para uma correlação positiva entre os níveis de VO2 máx e limiar anaeróbio com o desempenho em modalidades de longa duração e intermitentes de maior intensidade, como os jogos desportivos30-32. No tocante especificamente ao futebol, Santos-Silva et al.9 observaram que os maiores valores de VO2 máx e, sobretudo, os maiores valores de VO2 na intensidade do limiar anaeróbio são importantes preEducação Física escolar, treinamento e saúde

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ditores da tolerância ao esforço em atletas de futebol. No estudo mencionado, os valores médios de VO2 máx encontrados em atletas brasileiros profissionais foram de 58,8 ml/kg/min. Vários outros estudos, com atletas de diversas nacionalidades, têm também verificado valores médios desde 55,0 a 65,0 ml/kg/min, em protocolos laboratoriais e de campo, com diferenças evidenciadas entre as distintas posições, sendo os maiores valores observados nos meio-campistas e laterais e os menores valores nos goleiros33. Por sua vez, as velocidades referentes a esses níveis de VO2 máx (vVO2 máx) face aos distintos protocolos, têm se situado, em média, por volta de 16 a 18 km/h, com alguns atletas mais bem condicionados atingindo velocidades extremas de 19 a 20 km/h9,11,17,21,24,27,33. No tocante ao limiar anaeróbio, a literatura tem apontado para valores de consumo de oxigênio em torno de 45 a 55 ml/kg/min, situando-se, portanto, desde 75 a 85% do VO2 máx, com diferenças determinadas, sobretudo, pela especificidade dos protocolos adotados, tanto para determinação do VO2 máx, quanto do limiar anaeróbio (medida de lactato, ventilação, teste de pista ou esteira etc)9. Adicionalmente, vários autores têm documentado velocidades de limiar anaeróbio (vLA) desde 12 a 15 km/h para futebolistas profissionais, com valores médios situando-se em torno de 13 a 14 km/h, novamente com os melhores desempenhos sendo determinados pela posição tática do jogador9,11,24,27,33. Neste aspecto, Coelho et al.34 observaram que a idade e/ou nível de treinamento dos jogadores determina, de maneira proporcionalmente direta, diferenças dos valores de VO2 máx e das velocidades referentes ao limiar anaeróbio, num estudo comparativo envolvendo atletas das categorias sub-17, sub-20 e profissionais. As velocidades médias de limiar anaeróbio nesse estudo com jogadores brasileiros situaram-se entre 12 e 13 km/h. Mortimer et al.22 também demonstraram diferenças no VO2 máx entre jogadores juvenis e juniores brasileiros, com valores médios de 56,1 ml/kg/min e 58,2 ml/kg/min, respectivamente. Reilly et al.35 acreditam que o limiar anaeróbio e, em especial, o VO2 máx, podem ser adotados, juntamente com outras variáveis antropométricas e fisiológicas, como índices de comparação de potencial físico de jovens atletas, para análise da predisposição para o êxito desportivo futuro em jovens talentos promissores. Os autores admitem, por exem-

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plo, que meio-campistas e laterais, devem ter valores de VO2 máx superiores a 60-62 ml/kg/min, o que faz com que tenham melhores desempenhos em testes intermitentes de alta intensidade, quando comparados aos atacantes e zagueiros. Vale ressaltar a argumentação em defesa da importância do limiar anaeróbio e do VO2 máx para o desempenho atlético no futebol, uma vez que a modalidade se caracteriza por repetições de ações anaeróbias aláticas e láticas. Segundo Santos-Silva et al.9, o fato de os jogadores serem expostos a altas intensidades por longo período de tempo durante as partidas, sugere que jogadores com maior limiar anaeróbio e com maior percentual do VO2 máx no limiar anaeróbio, portanto, maior consumo de oxigênio na intensidade de limiar anaeróbio, são capazes de percorrer maiores distâncias totais nessas intensidades. Não há consenso quanto a essa argumentação, porém, Bangsbo e Lindquist36 observaram que o VO2 máx e a lactacidemia em exercício de intensidade submáxima (um indicador indireto de velocidade de limiar anaeróbio) apresentaram forte correlação com a distância total percorrida durante a partida em futebolistas profissionais dinamarqueses. De qualquer forma, em que pesem as divergências de ponto de vista, o trabalho de Santos-Silva et al.9 demonstra a importância de ambos para a tolerância de futebolistas profissionais aos esforços de alta intensidade, uma vez que os autores observaram que os maiores valores de VO2 máx e limiar anaeróbio, em geral, correlacionavam com maiores tempos totais de sustentação de teste de esforço máximo em esteira. Similarmente, o estudo de Valente4, com jogadores profissionais portugueses, ratificou a forte correlação do limiar anaeróbio com a distância total percorrida na partida (r=0,77), porém, não com a distância percorrida em sprints curtos (r=0,54). Em concordância também com tal argumentação, Higino37 observou forte correlação do VO2 máx, da vVO2 máx e do limiar anaeróbio com o desempenho de futebolistas da categoria sub-20 no Yo-Yo Teste Intermitente Recuperativo Nível 1. Por sua vez, Santos e Soares33 admitem que 60% da distância total percorrida pode ser explicada pelo nível aeróbio do jogador, uma vez que os autores observaram maiores velocidades de limiar anaeróbio em meio-campistas e laterais. Finalmente, segundo Osieckiet al.24, a influência positiva do VO2 Educação Física escolar, treinamento e saúde

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máx e do limiar anaeróbio sobre o desempenho em ações intermitentes intensas pode ser explicada em função de a capacidade aeróbia estar diretamente relacionada com a recuperação do organismo frente aos esforços anaeróbios repetidos. Referências 1. Krustrup P, Bangsbo J. Physiological demands of top-class soccer refereeing in relation to physical capacity: effect of intense intermittent exercise training. J Sports Sci. 2001;19(11):881-91. 2. Braz TV, Spigolon LMP, Vieira NA, Borin JP. Modelo competitive da distância percorrida por futebolistas na UEFA EURO 2008. RevBrasCiênc Esporte. 2010;31(3):177-91. 3. Bangsbo J, Norregaard L, Thorsoe F. Active profile of competition soccer. Can J Sports Sci. 1991;16:110-16, 1991. 4. Valente AP. Limiar aeróbio-anaeróbio e distância percorrida em jogo: estudo numa equipe de futebol profissional da 1ª Liga Portuguesa. [Dissertação de mestrado]. Universidade do Porto, Porto, 2000. 5. Di Salvo V, Baron R, Tschan H, Calderon Montero FJ, Bachl N, Pigozzi F. Performance charactesistics according to playing position in elite soccer. Int J Sports Med. 2007;28(3):222-7. 6. Rebelo A. Caracterização da actividade física do futebolista em competição. Provas de Aptidão Pedagógica e de Capacidade Científica. ISEF-UP, 1993. 7. Osgnach C, Poser S, Bernardini R, Rinaldo R, Di Prampero PE. Energy cost and metabolic power in elite soccer: a new match analisys approach. Medicine and Science in Sports andExercise, 42(1): 170-178, 2010. 8. Barros RML, Misuta MS, Menezes RP, Figueroa PJ, Moura FA, Cunha SA, Anido R, Leite, NJ. Analysis of the distances covered by first division Brazilian soccer players obtained with an automatic tracking method. J Sports Sci Med. 2007;6(2):233-42. 9. Santos-Silva PR, Romano A, Teixeira AAA, Visconti AM, Roxo CDMN, Machado GS, Vidal JRR, Inarra LA. A importância do limiar anaeróbio e do consumo máximo de oxigênio (VO2máx) em jogadores de futebol. Rev Bras Med Esporte. 1999;5(6):225-32. 10. Caixinha PF, Sampaio J, Mil-Homens PV. Variação dos valores da distância percorrida e da velocidade de deslocamento em sessões de treino e em competições de futebolistas juniores. RevPortugCiênc Desp. 2004;4(1):7-16. 11. Helgerud J, Engen LC, Wisløff U, Hoff J. Aerobic endurance training improves soccer performance. Med Sci Sports Exerc. 2001;33(11):1925-31. 12. Impellizzeri FM, Marcora SM, Castagna C, Reilly T, Sassi A, Iaia FM, Rampinini E. Physiological and performance effects of generic versus specific aerobic training in soccer players. Int J Sports Med. 2006;27:483-92. 13. Garganta J. A análise da performance nos jogos desportivos: revisão acerca da análise do jogo. Rev PortugCiêncDesp. 2001;1(1):57-64. 14. Mohr M, Krustrup P, Bangsbo J. Fatigue in soccer: a brief review. J Sports Sci. 2005;23(6):593-9. 15. Bangsbo J, Iaia FM, Krustrup P. Metabolic response and fatigue in soccer. Int J Sports Physiol Perform. 2007;2:111-27. 16. Krustrup P, Mohr M, Steensberg A, Bencke J, Kjaer M, Bangsbo J. Muscle and blood metabolites during a soccer game: implications for sprint performance. MedSci Sports Exerc. 2006;38(6):116574. 17. Stolen T, Chamari K, Castagna C, Wisloff U. Physiology of soccer. Sports Med. 2005;36(6):50136.

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CAPÍTULO 12 Métodos de avaliação em natação de academia Jair Rodrigues Garcia Júnior, Alessandro Pierucci

Resumo A avaliação é um componente importante dos processos de aprendizagem e treinamento, para verificar a evolução da técnica e das capacidades físicas relacionadas à natação. Há algumas limitações, impostas pela água, quanto ao uso de equipamentos para avaliação em natação, por isso têm sido desenvolvidos métodos indiretos com boa correlação com os métodos diretos. As determinações da velocidade crítica, braçada crítica e de parâmetros que expressam o nível de habilidade de nado, como comprimento, frequência e índice de braçada, por meio de testes de curta duração, utilizando apenas cronômetro, apresentam ótima aplicabilidade e se prestam muito bem a prescrição do treinamento individualizado para alunos de academias. Introdução Em programas direcionados para a aprendizagem, o aperfeiçoamento e o treinamento, a avaliação é fundamental para verificar a evolução da técnica de execução dos fundamentos e das capacidades físicas diretamente relacionadas ao esporte. Em geral, há padrões estabelecidos ou metas individuais pré-definidas que servem de parâmetro para comparação dos resultados obtidos a cada avaliação. A avaliação permite analisar a eficiência das aulas/treinamentos realizados e elaborar as novas aulas/treinamentos com novas metas, para fase seguinte, proporcionando a evolução contínua do aluno ou atleta. As avaliações podem ser gerais ou específicas para cada esporte. Entre as gerais podem ser elencadas aquelas relacionadas às respostas fisiológi-

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cas, metabólicas e do comportamento motor. Nas avaliações específicas são considerados o nível de domínio da técnica e o desempenho na prova específica. A gama de avaliações para esportes terrestres é bem ampla, enquanto na natação há algumas limitações, impostas pela água, quanto ao uso de equipamentos e acompanhamento do nadador ao longo da piscina. Porém, métodos de avaliação foram desenvolvidos e estão disponíveis para diversos parâmetros, desde os gerais, como flexibilidade, força e potência, até os mais específicos, como capacidade aeróbia, velocidade máxima de curta duração, velocidade na potência aeróbia máxima, velocidade no estado estável fisiológico, economia de movimento no nado, coordenação e domínio da técnica1. Outro aspecto a ser considerado nas avaliações é a invasividade do método, pois testes invasivos de coleta de sangue, mesmo que seja capilar, ou de biópsia do tecido muscular são, em muitos casos, inviáveis, seja pelos riscos para o nadador ou equipamentos e custos que demandam. Nesta revisão dos métodos de avaliação em natação de academia, serão ressaltados os métodos não-invasivos, mais atuais e com maior nível de precisão, utilizados em equipes de competição e em nadadores de academias. Capacidade aeróbia A capacidade aeróbia se refere à máxima capacidade de captar, transportar e utilizar o oxigênio nos músculos para oxidar os substratos energéticos e produzir energia suficiente para continuidade do exercício. Essa capacidade é determinada no limite de intensidade na qual a produção de energia é ainda proporcionalmente mais elevada pela via metabólica aeróbia em comparação à via anaeróbia. A partir deste limite a via anaeróbia passa a fornecer a maior proporção de energia e fica estabelecido o limiar anaeróbio2. A capacidade aeróbia pode ser medida por meio de testes diretos e indiretos, utilizando equipamentos relativamente simples ou mais sofisticados. A medida direta é realizada utilizando equipamento analisador de gases, com quantificação do oxigênio consumido e o dióxido de carbono produzido. Há protocolos estabelecidos que permitem a determinação do consumo máximo de oxigênio, porém, mesmo havendo equipamentos Educação Física escolar, treinamento e saúde

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portáteis, o custo é relativamente elevado e a aplicabilidade é baixa, principalmente em alunos de academias. A medida indireta da capacidade aeróbia pode ser realizada por meio da concentração sanguínea de lactato, medida sequencialmente ao longo de séries de nado de intensidade progressiva determinada por protocolos específicos. Este método está baseado na relação inversa entre a capacidade aeróbia e a produção de lactato (via metabólica anaeróbia láctica). As alterações da concentração sanguínea de lactato durante o exercício são consideradas indicadores com boa especificidade para a definição da intensidade de treinamento aeróbio, pois se aproximam bastante dos resultados do consumo máximo de oxigênio (VO2 máx.)2, parâmetro que apresenta dificuldades técnicas da determinação durante a natação, conforme mencionado. Obviamente, a medida do lactato é invasiva e depende da coleta de amostras de sangue para relacionar os resultados da concentração de lactato com a intensidade das séries de nado. A concentração de lactato tende a aumentar linearmente até atingir o liminar anaeróbio, na concentração de 4mmol/L, quando o aumento passa a ser exponencial3. Para a determinação e utilização da concentração de lactato sanguíneo, há diversos protocolos e critérios a serem observados. Dentre os protocolos, aquele que determina a máxima fase estável de lactato sanguíneo (MLSS) é considerado o padrão-ouro e um dos mais utilizados para a avaliação da capacidade aeróbia2. A MLSS é definida como a maior intensidade de exercício de carga constante onde ainda pode ser observada estabilidade na concentração sanguínea de lactato. Na realização protocolos de cargas crescentes ocorre saturação da oxidação de substratos e a taxa de remoção do lactato é diretamente relacionada com o consumo de oxigênio2. Outro método de determinação indireta da capacidade aeróbia utiliza a frequência cardíaca, obtida por meio de frequencímetro, considerando a relação direta entre esse parâmetro cardíaco e o consumo de oxigênio. Ao longo de séries de nado com intensidade progressiva, a frequência cardíaca e o consumo de oxigênio tendem a aumentar linearmente até o limiar anaeróbio, quando o aumento se torna exponencial, assim como ocorre com a concentração de lactato (Figura 1). Obviamente, a precisão é menor, comparativamente à medida direta e à medida in-

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direta por meio da concentração sanguínea de lactato, porém se constitui num método com custo relativamente baixo e elevada aplicabilidade em atletas e alunos de academia.

Figura 1. Representação das curvas da concentração de lactato e frequência em relação ao aumento da intensidade do exercício, demonstrada pelo consumo de oxigênio. O limiar anaeróbio fica caracterizado no momento do aumento exponencial (mudança abrupta da curva indicada pela seta) de ambos os parâmetros.

Além destes, há um método denominado de velocidade crítica, uma medida indireta não invasiva, que tem apresentado excelentes índices de correlação com a medida direta de consumo de oxigênio e com medida da concentração de lactato (limiar anaeróbio e MLSS, por exemplo)4. Velocidade crítica Uma definição simples da velocidade crítica é a intensidade/velocidade do nado que pode ser mantida por longa distância sem o surgimento prematuro da fadiga. Outra definição aponta como a maior intensidade de nado que pode ser mantida por longo período sem atingir o VO2 máx., representando o limite entre as intensidades elevada e severa5,6. Em outros termos, a velocidade crítica é um equivalente ao limiar anaeróbio, o seja, o limite da intensidade a partir da qual não é mais mantido o estado estável e passa a predominar o metabolismo anaeróbio na produção de energia, com acúmulo muscular e aumento da concentração sanguínea de lactato. A determinação da velocidade crítica passou a ser um dos métodos não-invasivos mais utilizados para avaliação da aptidão aeróbia na natação. Inicialmente, o protocolo utilizado foi o da velocidade máxima de Educação Física escolar, treinamento e saúde

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30 minutos (V30), cujo resultado da distância era utilizado para o cálculo do coeficiente angular em um modelo de regressão linear com o tempo7-9. A inclinação (slope) da reta resultante da relação entre distância e tempo indica o valor da velocidade crítica6,10 (Figura 2).

Figura 2. Relação entre distância e tempo num protocolo de três distâncias para determinação da velocidade crítica, representada pela inclinação (slope, em negrito) da curva.

Para melhor aplicabilidade do método de determinação da velocidade crítica foram elaborados outros protocolos com distâncias menores (200 e 400m; 50, 100, 200 e 400m; 100 e 800m)11, que também apresentam altos índices de correlação com a aptidão aeróbica e MSSL, além de tomarem menor tempo no processo de avaliação e permitirem a realização por nadadores menos condicionados, tais como nadadores de academias4,12-14. Num estudo de Dekerle e Paterson15, a velocidade crítica foi determinada a partir do nado de três distâncias (200, 400 e 800 m), sendo realizado, em seguida, um teste muscular isocinético nas intensidades de 95% e 105%, baseadas na velocidade crítica. Na intensidade de 95%, as variáveis analisadas concentração de lactato, comprimento de braçada, frequência de braçada e torque máximo foram mantidas sem alterações significativas. Por outro lado, na intensidade de 105%, a concentração de

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lactato e a frequência de braçada aumentaram, enquanto o comprimento de braçada e o torque máximo diminuíram, ocorrendo também a fadiga num tempo médio de 20 min. As alterações nas variáveis demonstraram a adequação da velocidade crítica ao limiar anaeróbio e a relação direta entre o comprimento de braçada e a força muscular. Os fatores aplicabilidade e confiabilidade são fundamentais para boa aceitação e ampla utilização do método da velocidade crítica, pois permite, com auxílio de apenas um cronômetro, a avaliação de atletas ou nadadores de academia. Porém, como a velocidade crítica se situa na intensidade de 85% do VO2 máx. e pouco acima de 10% da velocidade na MLSS, o nado não pode ser sustentado por períodos muito longos antes da fadiga (em média de 14 a 39 min)6,11. Também há alguns fatores que influenciam sua determinação e resultado, como as distâncias utilizadas para construção da curva de distância x tempo, sendo recomendado evitar distâncias inferiores a 100 m; a faixa etária dos nadadores e a variabilidade de adaptações decorrentes da prescrição das intensidades de treinamento; e o nível de experiência do nadador para obter o melhor desempenho nos testes de velocidade crítica16. Estudos têm demonstrado a relação da velocidade crítica com parâmetros de braçada que podem também ser medidos de forma simples e prática em nadadores de academia e atletas. Num teste para determinação da velocidade crítica, foram realizadas oito repetições de 100 m em intensidades progressivas, partindo de 65% do melhor tempo do nadador para a distância, e aumentando 5% a cada repetição, até atingir 100% (melhor tempo). Os nadadores atingiram a velocidade crítica na quarta repetição, ou seja, na intensidade de 80% do melhor tempo. Até este ponto, não houve alteração significativa dos parâmetros de braçada como o comprimento e a frequência de braçada. A partir da quinta repetição (85%) com as mudanças abruptas e não lineares dos parâmetros de braçadas (diminuição do comprimento e aumenta da frequência), ficou caracterizado que a velocidade crítica representa o ponto de transição entre o padrão de nado para intensidade moderada (aeróbia) e o padrão para intensidade elevada/severa (anaeróbia)17. A velocidade crítica também apresenta elevada correlação com a reserva de velocidade, um parâmetro indireto utilizado para avaliar adaptações fisiológicas induzidas pelo treinamento18. A reserva de velocidade Educação Física escolar, treinamento e saúde

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se refere à diferença entre a velocidade máxima do nadador, obtida em uma prova de curta distância (50 m), e a velocidade máxima aeróbia (ou submáxima), obtida em prova de média distância (e.g., 400 m), quando a velocidade não causa fadiga prematura. Nadadores de curtas distâncias possuem as capacidades de velocidade e potência (aptidão anaeróbia) bastante desenvolvidas, comparativamente à capacidade de endurance (aptidão aeróbia), por isso, a velocidade de reserva é alta. Por outro lado, nadadores de médias e longas distâncias têm mais desenvolvida a capacidade de endurance e a reserva de velocidade baixa, pois os tempos das parciais nas provas de média distância não são significativamente maiores que os tempos em provas de curta distância. Parâmetros de habilidade de nado Parâmetros biomecânicos, que estão relacionados com a eficiência propulsiva e com o gasto energético, indicadores do nível de habilidade de nado, também têm sido utilizados para acompanhar os efeitos do treinamento e para a prescrição individualizada. Os parâmetros biomecânicos apresentam correlação significante com o consumo de oxigênio em dada velocidade submáxima e com o desempenho em distâncias como 100, 200 e 400m, sendo de fácil mensuração e podendo ser obtidos de um grande número de nadadores, seja em equipes competitivas ou academias que priorizam a aprendizagem e aperfeiçoamento, sem depender de alta especialização dos professores ou de equipamentos de alto custo9. Os parâmetros que expressam o nível de habilidade de nado e são de fácil medida são o comprimento de braçada (CB), a frequência de braçada (FB), o índice de braçada (IB) e o índice FB/CB. O comprimento de braçada representa a distância que o nadador percorre em cada ciclo de braçada. A frequência de braçada (ou taxa de braçada) representa o número de braçadas ou ciclos de braçadas realizados em uma unidade de tempo. O índice de braçada (IB) é resultado do produto da velocidade do nado e do CB9. A frequência de braçada, quando medida em protocolos específicos com diferentes distâncias e relacionada com o tempo, permite também o cálculo do coeficiente angular da regressão linear, gerando o parâmetro de braçada crítica, de modo semelhante à velocidade crítica. A braçada crítica se constitui num parâmetro de acompanhamento da in-

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tensidade do treinamento, especialmente quando utilizado simultaneamente à velocidade crítica9. Seja a medida do consumo de oxigênio, da frequência cardíaca ou da concentração de lactato, o interessante para o professor, técnico e nadador é a conversão destas informações em parâmetros de velocidade e de tempo para séries específicas do treinamento. A obtenção da velocidade crítica por meio de testes de curta duração, utilizando apenas cronômetro e sem necessidade de treinamento especializado por parte dos professores, certamente representa grande vantagem para prescrição de treinamento individualizado para equipes ou alunos de academias. Acesse nosso site da Swimtech.com.br

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CAPÍTULO 13 Métodos de quantificação da carga interna de treinamento Vinicius Milanez

Resumo Para analisar a relação entre o treinamento dos atletas, adaptações fisiológicas e o desempenho, o monitoramento preciso da carga interna de treinamento (CIT) deve ser um elemento obrigatório dentro de um programa de treinamento. Para essa finalidade existem diversos métodos baseados em impulsos de treinamento (TRIMP) que integram volume e intensidade de exercício e podem ser obtidos a partir das respostas de frequência cardíaca (FC), concentração de lactato sanguíneo [Lac] e percepção subjetiva de esforço (PSE). Porém, tanto os métodos baseados na resposta da FC, quanto na resposta da [Lac], demandam alto custo operacional, avaliadores experientes e apresentam limitações metodológicas, sobretudo no que diz respeito ao monitoramento das sessões de treinamento em esportes coletivos com ações intermitentes de alta intensidade. Dessa forma, o método baseado na PSE (PSE da sessão), tem sido amplamente sugerido para quantificar a CIT para essas modalidades. Introdução No esporte de alto rendimento, os atletas são submetidos a altas cargas de treinamento (CT), com o propósito de obterem adaptações dos sistemas orgânicos, com consequente reflexo no desempenho1. Essas CT, quando calculadas de forma subestimada, podem ser insuficientes para induzir adaptações fisiológicas benéficas para o desempenho, assim como, CT calculadas de forma superestimada, podem potencializar os riscos de lesões e de overtraining2,3. Consequentemente, o sucesso desse processo dose-resposta (dose de CT e respostas fisiológicas) depende do monito-

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ramento preciso da CT4, uma vez que essa é uma variável imprescindível, tanto para o aumento de desempenho5, quanto para o a prevenção do overtraining6. Não por acaso, esse tema tem sido foco dos estudos de importantes fisiologistas do esporte, tais como Prof. Dr. Carl Foster, editor do International Journal of Sports Physiology and Performance, Prof. Dr. Franco M. Impellizzeri, consultor científico da FIFA, Prof. Dr. Aron J. Coutts, consultor científico da NIKE e diretor científico do Carlton Football Club, Prof. Dr. Iñgo Mujika, editor associado do International Journal of Sports Physiology and Performance, Prof. Dr. Fabio Y. Nakamura, editor associado do Journal of Sports Sciences e pesquisador do Núcleo de Alto Rendimento (NAR). Recentemente, Mujika7, escreveu um editorial no International Journal of Physiology and Performance com o seguinte título, The Alphabet of Sport Science Research Starts With Q (O alfabeto da pesquisa em ciências do esporte começa com Q) fazendo referência à importância da quantificação da carga de treinamento durante a periodização do treinamento. Portanto, para analisar relação de causa e efeito entre o treinamento dos atletas, adaptações fisiológicas e desempenho, o monitoramento preciso da CT deve ser um elemento obrigatório dentro de um programa de treinamento7. Cargas de treinamento (CT) A CT, didaticamente chamada de “dose”, é considerada o produto entre volume e intensidade de treinamento8 e se distinguem entre carga externa de treinamento (CET) e carga interna de treinamento (CIT). O processo de treinamento pode ser definido como um conjunto de ações organizadas, expressas pela CET com o objetivo de proporcionar estímulos (estresse fisiológico) efetivos na forma de CIT a fim de maximizar o rendimento4. Medidas de CET são obtidas rotineiramente no esporte, sendo estas utilizadas como parâmetros para quantificar as CT9. A velocidade de corrida e as distâncias de nado e de corrida9,10,11 são, respectivamente, exemplos de indicadores externos de intensidade e volume de treinamento, normalmente manipulados pelos treinadores durante a temporada. Além disso, recursos tecnológicos mais recentes, como os pequenos equipamentos portáteis que utilizam do Sistema de Posicionamento Global (GPS), podem ser facilmente fixados ao corpo do atleta durante a sua sessão de treiEducação Física escolar, treinamento e saúde

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no, permitindo quantificar com muita precisão alguns índices de CET, tais como: as distâncias percorridas em diferentes intensidades, o número de sprints, acelerações, desacelerações e Body Load12,13,14. Consequentemente, a maioria dos treinadores prescreve programas de treinamento a partir da CET, com intuito de promover respostas no desempenho dos atletas a partir de adaptações fisiológicas no organismo9,10,11, ou seja, o processo de treinamento pode ser definido como uma relação de dose-resposta15. Entretanto, essas adaptações induzidas pelo treinamento são decorrentes da quantidade de estresse imposto ao organismo, denominada de CIT que, por sua vez, é determinado pelas características individuais e pela qualidade, quantidade e organização das variáveis do treinamento, como volume e intensidade (carga externa de treinamento)9. Portanto, podemos concluir que a CET é considerada a CT prescrita pelos treinadores, enquanto que, a CIT é considerada o estresse fisiológico sentido pelos atletas, sendo necessária a quantificação precisa e individualizada dessa, para otimizar os efeitos do treinamento (Figura 1). Para monitorar o estresse fisiológico ou a CIT, existem diversos métodos baseados em impulsos de treinamento (TRIMP), que integram volume e intensidade de exercício, a partir de respostas da frequência cardíaca (FC)16,17, da concentração sanguínea de lactato [Lac]18 e da percepção subjetiva de esforço (PSE)19,20,21.

Figura 1. Esquema da caracterização das cargas externa e interna de treinamen-

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to. Adaptado de Impellizzeri et al.9.

Métodos de quantificação da carga de treinamento (QCT) baseados na resposta da frequência cardíaca (FC) e da concentração de lactato [Lac] Com a finalidade de quantificar a CIT de treinamento, existem diversos métodos que são baseados em impulsos de treinamento (TRIMP). Essas medidas integram volume e intensidade de exercício e podem ser obtidas a partir das respostas FC e [lac]. Os métodos mais conhecidos e utilizados na literatura são os desenvolvidos por Banister (BanisterTRIMP)22, Edwards (EdwardTRIMP)23, Lucía et al. (LucíaTRIMP)24, Stagno et al. (StagnoTRIMP)25, Manzi et al. (ManziTRIMP)26,27, baseados na resposta da FC, e de Seiler e Kjerland ([lactrimp])18 baseado na resposta da [lac], tendo sido desenvolvidos inicialmente para quantificar a CIT de esportes contínuos de endurance. O método BanisterTRIMP pressupõe que a fração de aumento da frequência cardíaca de reserva (FCres) durante o exercício, multiplicada pela duração da sessão do treinamento, constitui uma aproximação da carga interna de treinamento. Com o intuito de ajustar esse valor, para dar mais peso às cargas realizadas em intensidades mais altas, Banister22 sugeriu que o resultado fosse multiplicado por uma constante representativa do aumento exponencial da [Lac] em função da fração de aumento da FCres. Dessa forma, a partir dessas informações, desenvolveram-se duas equações para estimar a carga de treinamento contemplando os diferentes gêneros. Apesar de ter produzido resultados convincentes de predição de desempenho28, a equação de Banister22 pode não ser adequada para todos os indivíduos, uma vez que as curvas de lactato são bastante heterogêneas29. Além disso, considerar uma curva fixa exponencial para o aumento do lactato em relação à fração da FCres é um fator limitante desse método, uma vez que esse comportamento pode variar ao longo da temporada, de acordo com o condicionamento físico do atleta. Adicionalmente, o fato de a técnica BanisterTRIMP utilizar a FC média da sessão em sua equação para a quantificação da carga de Educação Física escolar, treinamento e saúde

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treinamento, torna sua estimativa limitada para exercícios intermitentes de alta intensidade, uma vez que, a média da FCres para esses exercícios pode não representar a real intensidade realizada 15. Uma maneira de atenuar essa limitação, da utilização da média da frequência cardíaca, para estimar a intensidade em modalidades intermitentes de alta intensidade, é utilizar métodos que distribuem os impulsos de treinamento por diferentes zonas de intensidade, tal como os métodos propostos por Edwards 23 e Lucía et al.24, conhecidos como EdwardsTRIMP e LucíaTRIMP, respectivamente. EdwardTRIMP foi desenvolvido de maneira a distribuir os impulsos de treinamento em cinco diferentes zonas a partir da FCmax de cada indivíduo, conforme ilustrado na Figura 2 (Zona 1: 50 a 60% da FCmáx; Zona 2: 60 a 70% da FCmáx; Zona 3: 70 a 80% da FCmáx; Zona 4: 80 a 90% da FCmáx e Zona 5: 90 a 100% da FCmáx). Para a estimativa da CT, o tempo acumulado em cada zona é multiplicado pelo seu respectivo valor (1 a 5).

Figura 2. Percentual e tempo de permanência distribuídos nas 5 zonas de intensidade de treinamento de acordo com o método EdwardsTRIMP. Software Polar Pro Trainer Trial (POLAR®, Finlândia).

Já o método LucíaTRIMP considera a relação entre FC e tempo,

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para encontrar valores de FC relativos ao LV e ao PCR. A partir desses valores de FC, três zonas de intensidades são determinadas: zona 1: abaixo do LV; zona 2: entre o LV e PCR; zona 3: acima do PCR conforme ilustrado na Figura 3. Para a estimativa da CT, o tempo acumulado em cada zona é multiplicado pelo seu respectivo valor (1 a 3).

Figura 3. Percentual e tempo de permanência distribuídos nas 3 zonas de intensidade de treinamento de acordo com o método LucíaTRIMP. Software Polar Pro Trainer Trial (POLAR®, Finlândia).

Embora a divisão por zonas e seus respectivos fatores de multiplicação, tenham suprimido a limitação do uso da média da FC de toda a sessão para o cálculo de BanisterTRIMP, Borrensen e Lambert15 também apontaram limitações para essas metodologias. Para esses autores, é grande a amplitude dos valores da FC dentro de cada zona de intensidade de exercício e, no entanto, eles recebem o mesmo coeficiente relativo para a multiplicação para cálculo da CT. Além disso, a variação de apenas um batimento pode mudar o coeficiente relativo de multiplicação, podendo aumentar ou diminuir desproporcionalmente a CT. Desenvolvido para quantificar CT em modalidades coletivas, StagnoTRIMP tem sua equação baseada na multiplicação de uma constante representativa do aumento exponencial da concentração de lacEducação Física escolar, treinamento e saúde

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tato sanguíneo em função da fração de aumento da FCres de atletas de Hockey. No entanto, sua equação, ao contrário de BanisterTRIMP, não prevê atletas do gênero feminino. Além disso, as curvas de lactato são heterogêneas, portanto podem não se adequar a todos os indivíduos29. Essa grande variação nas respostas individuais de lactacidemia ao teste progressivo26,27 levou a proposição da utilização de curvas individuais para a estimativa do ManziTRIMP. Nesse método, calcula-se o TRIMP a partir de valores individuais da relação entre lactato sanguíneo e fração de aumento da FC, obtidos em um teste incremental. Os resultados dessa função são multiplicados pela fração de aumento da FCres e pela duração da sessão26,27. Entretanto, além do alto custo operacional das análises laboratoriais, o procedimento invasivo de coleta sanguínea demanda avaliadores experientes e gera grande desconforto aos atletas. Adicionalmente, os testes para a determinação individual das curvas de lactato devem ser reproduzidos várias vezes, uma vez que esse comportamento pode apresentar variações ao longo de uma temporada, de acordo com a etapa de preparação e com o condicionamento físico do atleta. Seiler e Kjerland18 propuseram a estimativa da CT por meio da resposta da [Lac] ([Lac]CT) a partir dos mesmos procedimentos apresentados por Lucia et al.24, sendo as três zonas delimitadas a partir de concentrações fixas de [Lac] (zona 1: [Lac] ≤ 2; zona 2: 2 < [Lac] < 4; zona 3: [Lac] ≥ 4). Consequentemente, apresenta limitações metodológicas semelhantes aos métodos de Edward23, Lucia et al.24 e Manzi et al.26,27, anteriormente citados. Recentemente Milanez e Pedro21, analisaram a relação entre diversos métodos de QCT durante o treinamento de caratê e comprovaram que eles são intercambiáveis, uma vez que apresentaram correlações de magnitudes que variaram de alta a quase perfeita (r=0,61 a 0,98) conforme Figura 4. Embora intercambiáveis, de forma geral, tanto os métodos baseados na resposta da FC, quanto na resposta da [Lac], demandam alto custo operacional, avaliadores experientes e apresentam limitações metodológicas, sobretudo no que diz respeito ao monitoramento das sessões de treinamento em esportes coletivos com ações intermitentes

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de alta intensidade. Portanto, a validação de métodos confiáveis de fácil aplicabilidade e baixo custo operacional se faz necessária para esses esportes.

Figura 4. Correlação entre os métodos de quantificação de cargas de treinamento baseados nas respostas da frequência cardíaca e concentração de lactato sanguíneo. Adaptado de Milanez e Pedro21.

Método de quantificação da carga de treinamento (QCT) baseado na resposta da Percepção Subjetiva de Esforço O conceito do esforço percebido surgiu de estudos pilotos realizados por Borg e Dahlstrom na década de 50, juntamente com os métodos para medir o esforço percebido em geral, tal como a fadiga localizada e a sensação de falta de ar. O conteúdo e significado do esforço percebido são basicamente obtidos pelo senso comum, experiências pessoais e estudos empíricos. Borg30 definiu a PSE como uma configuração das sensações provenientes dos músculos, da pele, das articulações, juntamente com percepções da resistência do pedal, esforço, fadiga, tensão do esforço, calor, pressão, dor ou ansiedade. Vinte anos mais tarde Borg31 definiria a PSE como uma integração de sinais periféricos (músculos e articulações) e centrais (ventilação) que, interpretados pelo córtex sensorial, produzem uma percepção geral ou local do empenho para realização de uma tarefa. Partindo dessa premissa, a PSE seria gerada a partir da interpretação de estímulos sensoriais, através do mecanismo de retroalimentação (feedback). AsEducação Física escolar, treinamento e saúde

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sim, uma corrente de pesquisadores e profissionais do esporte assume este modelo e atribui grande importância a esta variável psicofísica na regulação do desempenho em provas de endurance32,33. Baseada na natureza psicofísica da PSE, Foster et al.34 propuseram o método da PSE da sessão para quantificar a CT, com base na resposta da PSE. Os primeiros estudos foram realizados em modalidades cíclicas contínuas34,35,36 e fortes correlações (r=0,75 a 0,90) com o método de quantificação de carga de treinamento baseado na FC23 foram encontradas em patinadores de velocidade35 e em exercício realizado em cicloergômetro36. Na natação, Wallace et al.11 encontraram fortes correlações entre método PSE da sessão e os métodos baseados na FC, BanisterTRIMP (r=0,74), EdwardsTRIMP (r=0,75), LucíaTRIMP (r=0,77) e também com método [Lac]CT (r=0,77)10,18. Assim, de acordo com os resultados dos estudos acima, o método PSE da sessão parece ser uma alternativa viável para QCT em modalidades de endurance. Além disso, o método PSE da sessão parece ser uma alternativa viável para QCT em modalidades coletivas, uma vez que estas são constituídas por grande número de atletas e caracterizadas por ações intermitentes de alta intensidade, fatores que acabam dificultando a quantificação de carga de treinamento por meio dos métodos baseados nas respostas da FC e [Lac]. O método da PSE da sessão já foi validado para as modalidades de basquete27,37, futebol masculino10, futebol feminino37, rúgbi38, caratê19,21 e Futsal20. No caratê, Milanez e Pedro21, encontraram correlações de magnitudes de muito alta à quase perfeita (r=0,71 a 0,91) entre o método PSE da sessão e os métodos baseados nas respostas da FC e da [Lac], conforme demonstrado na Figura 5. No futsal, Milanez et al.20 também observaram correlação de magnitude muito alta entre os métodos PSE da sessão e LuciaTRIMP (R=0,81), conforme observado na Tabela 1.

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Figura 5. Relação entre os métodos de quantificação de cargas durante sessão de treinamento de caratê: (A) PSE da sessão e EdwardsTL, (B) PSE da sessão e LuciaTRIMP, (C) PSE da sessão e LacTRIMP, (D) PSE da sessão e BanisterTRIMP, (E) PSE da sessão e StagnoTRIMP. Todas as correlações foram significantes (P<0,05). Adaptado de Milanez e Pedro21.

Tabela 1. Correlações individuais entre os métodos PSE da sessão e LuciaTRIMP em sessões de treinamento de futsal. N – número de observações individuais, r – coeficiente de correlação, min – mínimo, máx Educação Física escolar, treinamento e saúde

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– máximo, *P<0,05 e ** P<0,01. Adaptado de Milanez et al.20.

A aplicação do método PSE da sessão é simples e consiste em, após trinta minutos do término de uma sessão de treinamento, solicitar ao atleta que responda à pergunta: “Qual foi a intensidade da sua sessão de treino?”. A resposta deve ser fornecida a partir da escala apresentada na Figura 6, que foi adaptada da escala original CR10 de Borg31. A utilização de escala requer alguns procedimentos de ancoragem. O avaliador deve instruir o avaliado a escolher um descritor e depois um número de 0 a 10, que também pode ser fornecido em decimais (por exemplo: 7,5). O valor máximo (10) deve ser comparado ao maior esforço físico experimentado pela pessoa e o valor mínimo é a condição de repouso absoluto (0)4.

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Figura 6. Escala de Borg et al.39 adaptada por Foster35.

A medida da PSE da sessão deve refletir uma avaliação global de toda a sessão, e um intervalo de cerca de 30 minutos deve ser adotado para que as atividades leves ou pesadas realizadas ao final da sessão não dominem a avaliação10. É comum que, em alguns momentos da própria sessão de treinamento, a PSE seja diferente daquela reportada 30 minutos após a interrupção do treino, pois ela representa o estresse agudo e momentâneo de um determinado exercício ou pausa40. Recomenda-se que o intervalo não seja muito superior a 30 minutos, pois pode haver esquecimento e atenuação da avaliação subjetiva da intensidade dos esforços realizados4. Além disso, sugere-se também, um período de familiarização dos atletas com a escala36. A estimativa da PSE da sessão também apresenta suas limitações, como a diversidade de fatores que podem influenciar na estimativa da PSE ao final da sessão de treinamento, por exemplo, a acuidade da PSE pode ser afetada pelo estado psicológico e de fadiga41. Entretanto, o valor prático dessa metodologia deve ser ressaltado, principalmente, nas modalidades em que os valores de FC não são de fácil aquisição. Referências 1.

Lambert

MI,

Borresen

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training

load

in

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CAPÍTULO 14 Pedagogia do Futebol: das categorias de base ao profissionalismo Marcelo Florez Guimarães

Resumo O futebol faz parte da cultura brasileira, porém, ultimamente, um dos nossos maiores patrimônios atravessa um de seus piores momentos. Como reaver o orgulho e eficiência do maior campeão mundial? Renovação é a palavra-chave. O individualismo e a técnica refinada do craque brasileiro já não são mais suficientes para penetrar nas fortes barreiras do futebol moderno. Adequação dos jovens talentos brasileiros à nova forma de jogar futebol parece ser a solução e, para tanto, a captação e preparação do jovem atleta carece de cuidados e de boa preparação por parte de treinadores, dirigentes e familiares. Futebol e cultura Dentre tantos esportes coletivos praticados no mundo, o futebol reina absoluto, tanto em práticas formais, como principalmente nas práticas informais, pois não é somente um esporte, podendo ser também um jogo e uma brincadeira. A bola não tem material nem tamanho certo, na sua ausência procura-se algo que se lhe assemelha, às vezes de pés descalços nada lhes impede de jogar. Os campos não são difíceis de delimitar, bastando quatro pedras para formar as balizas. O terreno é deveras irregular, nada que incomode, beneficiando até os melhores. As regras são estabelecidas no momento e face às circunstâncias, não há horas nem mínimo de jogadores para iniciar e muito menos terminar, a noite cai, mas nada os demove, pois o prazer do jogo é maior que todo o resto1.

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O futebol não é somente um fenômeno a ser jogado, mas muitas vezes, a ser admirado, observado, julgado e discutido. O avançar das gerações não diminuiu o amor por esse esporte e a globalização auxiliou em muito sua difusão como fenômeno a ser admirado. Nos dias de hoje, a comercialização sobre ele aumentou consideravelmente, transformando-o em muito, principalmente o futebol profissional, o que reflete nas categorias menores. O futebol é especial, isso está claro, não é apenas o jogo bonito, é o jogo global, um idioma falado desde as favelas do Rio de Janeiro até as estepes da Ásia. Mas seu encanto universal pede uma investigação e, se possível, uma explicação. Por que o futebol é popular de forma tão onipresente e duradoura? O que tem o futebol que gera tanta paixão?2 Com a massificação, o futebol passou a ter também importância política, sua capacidade de mobilização logo se impôs como elemento, muitas vezes decisivo, para definir o humor do eleitorado. O mundo do poder ideológico e político também se reproduziu dentro dos campos de futebol. A Copa do Mundo da Itália, no auge do fascismo, em 1934, é talvez um dos melhores símbolos disso. Quando se tornou global, o futebol passou rapidamente a ser campo de disputas por hegemonias regionais, nacionais e até internacionais, ter o melhor futebol do mundo se tornou uma obsessão brasileira3. Em muitos casos esse esporte é a identidade de uma cidade, região, estado e até país. Nós brasileiros nos intitulamos “o país do futebol”, motivo de orgulho e identidade conquistados com cinco títulos mundiais, porém o que mais deixa o povo brasileiro orgulhoso é a forma de jogar de seus atletas, a alegria, a ginga e o poder de se livrar do “complexo de vira-lata” tão elucidado por Nelson Rodrigues. Pelo mundo afora, as formas de jogar futebol podem expressar as culturas e rivalidades de diferentes povos. Muitas equipes têm seus “modelos de jogo”, nos quais transferem ao campo toda uma história e costumes do povo local. Em alguns lugares a força física e brutalidade, em outros o espírito de lutadores, em outros a habilidade e liberdade, ou como em alguns povos a disciplina tática oriunda dos militares. Fatos estes vistos até hoje como grandes rivalidades clubísticas, entre Real Madrid e Barcelona, Celtics e Rangers, Corinthians e Palmeiras, clubes importantes e com culturas e histórias totalmente diferentes, refletem em Educação Física escolar, treinamento e saúde

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diferentes formas de se jogar. Esse aspecto cultural também é elucidado entre países, a técnica do Brasil, a garra dos Argentinos, a defesa Italiana, a disciplina tática dos Alemães, a irreverência dos países africanos, todas são escolas diferentes de futebol. Desde que foi criado, com espírito amador no final do século XIX, até os dias atuais, em que uma Copa do Mundo pode ser vista ao vivo, por todo o planeta, o futebol mudou muito, ganhou uma dimensão tão grande que, hoje, mais do que um esporte, trata-se de um negócio. Na indústria do entretenimento, transformou-se na maior atração deste início de século, capaz de movimentar 250 bilhões de dólares em todo o mundo4. As cifras milionárias, a mídia e a exposição fizeram com que ocorressem transformações enormes nas equipes de futebol. Foram criadas equipes inter e multidisciplinares visando sempre à vitória e maior exposição, isso fez com que novos personagens entrassem na trama esportiva, alguns personagens muito bem-vindos e outros nem tanto. O sonho puro de ser jogador de futebol ainda existe, a prática de um jogo sem pressões e de extrema ludicidade e convívio social também, porém o futebol virou uma das melhores formas de ascensão social, e muitos abandonaram o sonho de vestir a camisa do clube de coração, pelo sonho de ganhar cifras milionárias e, de preferência, em clubes europeus. Esse fato repercute em muito na cultura local, pois agora o foco não é mais somente o prazer do jogo (embora ainda exista), mas sim os benefícios trazidos pelo sucesso no esporte. Famílias inteiras, empresários, clubes, pressionam jovens promessas muito cedo e depositam em jovens atletas todos os seus sonhos e expectativas, provocando intensa pressão que tem mudado em muito a forma de se trabalhar o futebol na iniciação e na base, principalmente no Brasil. O imediatismo, a falta de preparo de treinadores e diretores e a cobrança por resultados impulsionam as promessas brasileiras para baixo, o contrário do que se gostaria e, dessa forma, as capacidades físicas se sobrepõem às capacidades técnicas, repercutindo assim na má qualidade do futuro jogador brasileiro. Desenvolvimento multilateral x especialização precoce Para se preparar o futuro jogador de futebol, os professores que farão parte do processo de formação atlética dessa criança até sua fase adulta devem se atentar a inúmeros fatores. O Brasil é um país continen-

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tal, mas nem de longe é uma potência olímpica, como explicar esse fenômeno, uma vez que temos milhares de crianças fisicamente ativas no nosso país? A forte cultura futebolística conduz várias crianças a sonharem com os campos de futebol, porém os investimentos no esporte de base, em sua maioria, são para projetos de futebol, assim como a grande maioria dos professores de formação se inclinem para o lado do esporte bretão. Dessa forma, a presença do futebol é muito maior na vida dos jovens do que os demais esportes, fazendo com que muitas crianças passem toda sua infância sem conhecer sequer outro esporte, uma falha enorme dos educadores físicos e também da educação física escolar. Como descobrir talentos esportivos em outras modalidades se os jovens sequer as conhecem e as vivenciam? O Desenvolvimento Multilateral compreende a prática de vários esportes, ou seja, a criança vivencia vários tipos de modalidades e, ao longo do tempo, escolhe com qual esporte mais se identifica, sem deixar de praticar os demais. O treinamento em longo prazo (TLP) é considerado o processo realizado por meio de estratégias, métodos ou conjunto de manipulações responsáveis pela formação do atleta desde a iniciação esportiva até o alto rendimento5. Durante o processo de treinamento em longo prazo a criança deve vivenciar ao máximo todas as formas de movimento, desenvolvendo assim um excelente repertório motor, que lhe dará subsídio para praticar inúmeras modalidades e, quem sabe, se especializar em algumas delas, especializar por ter talento ou pelo simples prazer de praticar o esporte. O objetivo principal de todo educador físico deve ser o de estimular a prática de atividades físicas e disseminar a vida saudável entre os seus alunos criando hábitos benéficos ao bem-estar deles. Revelar talentos está em segundo plano, porém, muitas vezes alguns professores e técnicos desportivos de base, obcecados por resultados, induzem seus jovens comandados à prática excessiva do esporte, buscando somente o resultado. Em muitos casos, a criança acaba evoluindo muito rápido, dando mostras de que pode vir a ser um atleta de alto nível, mas infelizmente, na maioria das vezes, essa criança acaba perdendo o gosto pela prática esportiva e desiste do esporte que treinava. Ao tentar migrar para outro esporte, a mesma não consegue, pois não desenvolveu o seu repertório motor para Educação Física escolar, treinamento e saúde

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outras atividades, pois enquanto seus amigos brincavam e aprendiam novas modalidades, ela já estava pressionada e fazendo trabalhos físicos, técnicos e táticos não condizentes com sua faixa etária e sim a cargas de um adulto. Esse fenômeno é conhecido como especialização precoce, na qual o jovem desponta muito rápido e se destaca dos demais, mas quando se torna adulto está praticamente aposentado do esporte, pois não suporta mais a pressão psicológica e seu corpo está repleto de lesões. A especialização esportiva precoce é apontada como um grande risco do esporte competitivo durante a iniciação esportiva. A busca incessante pelo prestígio conduz professores e familiares a expor as crianças a situações de grande exigência e tensão, de treinamentos intensivos e precoces em busca de altos rendimentos6. Treinamento em longo prazo e o futebol O Brasil é, indiscutivelmente, o celeiro de craques do futebol mundial. Os críticos internacionais tentam desvendar os mistérios da hegemonia brasileira, mas não tem o que procurar. A miscigenação racial, a paixão pelo esporte, a cultura da bola impregnada em todos os detalhes da vida cotidiana do país, a irreverência do povo exacerbada na forma dos jogadores brasileiros, as características do seu jogo, entre outras razões, fazem a diferença a nosso favor7. A formação do futuro jogador brasileiro começa no berço, quando este já ganha uma camiseta do time do coração do pai e uma bola, antes mesmo de aprender a andar o pai já estimula a criança a chutar. Muitos nascem, crescem e morrem acompanhados e vidrados no esporte bretão. O sonho da maioria dos garotos é ser um grande jogador de futebol, mas será que o Brasil trabalha de forma correta para identificar, detectar e acompanhar esses futuros talentos? E será que esses garotos conhecem a dura realidade de um jogador de futebol no Brasil? O futebol, assim como a maioria dos esportes, deve ser iniciado nas escolas, o educador físico deve ser o introdutor dos primeiros passos da criança rumo ao jogo propriamente dito. Paralelo ao esporte escolar, as brincadeiras de rua e as peladas nos campinhos de terra também devem ser estimuladas. Muito se tem discutido e refletido sobre o tema futebol de rua, com o avanço tecnológico, a urbanização das cidades, o aumento dos índices de violência e a diminuição dos campinhos de várzea, a prática

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informal do futebol vem se esgotando, e muitos dizem que essa era a “fonte sagrada” do nosso jogo, fonte da qual surgiam grandes jogadores com muita ginga, habilidade e alegria, que marcaram o futebol nacional. Os novos tempos trouxeram uma remodelação do esporte no Brasil, surgiram as escolinhas de futebol e muitas vezes essas escolinhas assumiram o papel formador, tanto do cidadão quanto do futuro atleta de futebol. É dever dos educadores inicialmente estar bem informados a respeito dos modelos adequados ao ensino da modalidade8. As escolas de futebol popularmente conhecidas como “escolinhas”, geralmente se apresentam de quatro categorias, sendo classificadas de acordo com sua forma de trabalho, objetivos e funcionalidade, a saber: Escola Formativa: O objetivo principal é a formação de futuros jogadores, é a escolinha que mais se assemelha às categorias de base dos clubes profissionais, o que a difere é o fato de não ser diretamente ligada e dependente de um clube profissional. Os treinos geralmente são diários, e existe uma grande cobrança no desempenho dos jovens jogadores. Como foi citado anteriormente o objetivo é a formação de jogadores para a negociação dos mesmos com grandes clubes. O dinheiro arrecadado é utilizado para o pagamento dos professores, reposição e manutenção dos materiais da equipe. Muitas vezes essas equipes recebem o “suporte” financeiro de algumas empresas e empresários que também tem cotas nas possíveis negociações dos jogadores. Os treinamentos são árduos e estafantes, muitas vezes monótonos e desmotivantes. Essa escola é excludente tecnicamente, uma vez que ela seleciona apenas os jogadores com melhores aptidões físicas e técnicas. Escola social: o grande objetivo é a formação e integração social da criança e do jovem na sociedade por meio do futebol. São projetos filantrópicos. Os treinamentos geralmente são realizados de duas a três vezes por semana. A parte lúdica e coletiva tem prioridade sobre a competição, com treinos agradáveis e motivantes. Prefeituras, ONGs e voluntários são os responsáveis pela sua existência, mas nada impede que dela surja um futuro jogador, mesmo não sendo o objetivo principal. Seu grande público é formado pela comunidade carente, que não possui recursos para desfrutar de uma atividade física orientada, sendo assim, não ocorrem a exclusão financeira e “técnica”, pois o valor cultuado nesse projeto é a participação e não a cobrança de resultados. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Escola comercial: visam lucrar por meio das mensalidades e vendas de produtos licenciados. As aulas, geralmente, são realizadas de duas a três vezes por semana, de forma lúdica a fim de conseguir novos alunos. Muitas vezes não importa o sucesso da escola como time e sim o sucesso como empresa. Além da mensalidade, quase sempre, é cobrado o uso do uniforme, da bolsa, entre outros produtos da própria escola, gerando assim mais lucros para os proprietários e mais despesas para os pais de alunos. Muitas vezes essas escolas utilizam a “marca” de algum grande clube de futebol, atraindo assim cada vez mais alunos. Essa escola é excludente financeiramente e não tecnicamente, ou seja, o garoto habilidoso e não habilidoso jogam juntos, desde que tenham o dinheiro para pagar a mensalidade. Escola mista: as escolas mistas são aquelas que, na mesma instituição, possuem diferentes tipos de escolas de futebol. Nada impede uma escola de futebol ser comercial e formativa, ou formativa e social, ou até mesmo formativa, social e comercial simultaneamente. Nesse tipo de escola geralmente existem diferentes turmas, algumas com cobrança de mensalidades e outras especiais, nas quais se atende o público carente. Muitas escolas de futebol dão “bolsas” para os melhores alunos/jogadores (aspecto social), mantendo assim o pessoal da mensalidade junto com esses bolsistas, ou então, cria turmas especiais, para os melhores jogadores (aspecto de uma escola formativa). Categorias de base diferem das populares “escolinhas”, pois a definição de categoria de base é a de que são equipes amadoras, das mais variadas idades (sub-11, sub-13, sub-15 etc) que representam um clube de futebol profissional. A forma de se trabalhar nas categorias de base difere da forma de trabalho das escolinhas, pois nessas categorias a cobrança é um pouco maior por representar um clube profissional. Além disso, os jogadores que compõem essa equipe geralmente são de um nível técnico elevado, pois geralmente são selecionados como os melhores. Para se ensinar quaisquer modalidades esportivas existem três métodos, o parcial ou analítico, o global e o integrado ou misto. Muito se tem discutido e refletido sobre qual método é o mais eficaz. Método global consiste em desenvolver e proporcionar a aprendizagem do jogo através do próprio jogo. Parte da totalidade do movimento caracteriza-se pelo aprender jogando, através de jogos reduzidos e jogos pré-desportivos até o jogo formal, utiliza-se de jogos com regras adaptadas

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e com maior facilidade de assimilação, para depois introduzir regras na sua forma original estabelecida. O método pode ser classificado como sendo aquele em que o professor ou técnico partem dos fundamentos, como partes isoladas e, somente após o domínio da técnica, o jogo propriamente dito é desenvolvido. Por fim, o método integrado é aquele que une os dois métodos citados anteriormente (analítico e global), sempre com o objetivo de ensinar de acordo com o contexto e dinâmica do jogo9. O método analítico desenvolve mais o aspecto técnico individual do atleta, correções de gestos motores, extremamente importantes para melhoria no repertório motor e como utilizar a melhor técnica em determinados momentos do jogo, porém muitas vezes é a pura repetição, podendo gerar monotonia no processo de aprendizagem, é pertinente o professor estar sempre motivando e mudando as formas de estímulo, para que consiga ensinar e corrigir o padrão motor sem levar a repetições exageradas e desgosto dos alunos pelo esporte. O método global visa ensinar o jogo dentro do próprio jogo, são grupos maiores de alunos realizando as atividades, a motivação e descontração são maiores, o aspecto tático e cognitivo é mais desenvolvido, mas muitas vezes o padrão motor dos alunos não é o desejável, e também alguns alunos participam mais que outros dentro da própria atividade, sendo assim uns realizam vários fundamentos enquanto outros praticamente não tocam na bola. Portanto, o método integrado parece ser o mais correto, dentro de uma mesma aula, ou dentro de um planejamento de alternar e juntar os métodos analítico e global, dentro do contexto do jogo de futebol, desenvolvendo o aspecto técnico e também tático. De acordo com a Figura 1, pode-se observar que, no começo da vivência da criança no futebol, as sessões de treinamento ou aulas devem ser completamente voltadas para o desenvolvimento multilateral, a criança deve aprender vários movimentos, receber vários estímulos diferentes e, principalmente, se divertir com o esporte. Com o passar dos anos, o jovem vai iniciando de maneira mais aguda o lado específico do jogo, no qual se incluem os aspectos físicos e táticos e, gradativamente, sem pular etapas, vai se desenvolvendo naturalmente, enquanto os treinos que antes eram somente diversão vão se tornando mais árduos com o passar dos anos. Ao chegar na categoria sub-17 o jovem praticamente já realiza treinamentos quase similares a atletas profissionais, pois nessa idade seu corpo já está Educação Física escolar, treinamento e saúde

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praticamente pronto para a alta carga de treinamentos e também o jovem atleta já escolheu que realmente quer ser jogador de futebol. O professor que insistir em acelerar o processo, tentando “pular” etapas, pode estar induzindo seus jovens atletas rumo à especialização precoce e, no futuro, acabar com os desejos e sonhos de muitas crianças.

Figura 1. Treinamento em longo prazo no futebol.

Freire10 diz que, no processo de aprendizado do aluno, o bom professor de futebol deveria: • Ensinar o esporte a todos • Ensinar bem o esporte a todos • Ensinar mais que o esporte a todos • Ensinar a gostar do esporte A realidade das categorias de base no Brasil A iniciação esportiva do futebol brasileiro é genuinamente clubista e totalmente apontada para o esporte de competição. Atualmente difere em parte da Europa na metodologia de treinamentos e na captação de talentos7. O grande questionamento é: formar jogadores ou vencer? Infelizmente, a visão de muitos ainda está somente na vitória, pois a cultura do futebol brasileiro é imediatista, e essa cultura de resultados está enraizada não somente nos treinadores, mas principalmente em diretores, pais e

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familiares de atletas, imprensa e torcedores. Esse fato leva os técnicos da base a optarem pela vitória em detrimento à formação e, dessa forma, selecionam os jogadores mais fortes ou mais desenvolvidos para vencerem jogos e competições, mesmo sabendo que estes jogadores selecionados não irão despontar no profissional, pois muitos não têm talento e outros estão maduros antes do tempo. Sendo assim, o jovem talento, o garoto franzino, tímido, que ainda não se desenvolveu, não tem oportunidades de mostrar seu talento e muitas vezes desiste do futebol. Países menores que o Brasil, revelam mais jogadores e atletas de outras modalidades em relação ao nosso país, o que mostra como os formadores de talento brasileiros estão atrasados ou abaixo dos formadores de outros países. Percebendo a escassez das revelações brasileiras nas últimas décadas, muitos clubes começar a mudar a forma de trabalhar e a perceber o jovem jogador não somente como uma máquina de jogar e sim como um ser humano em sua totalidade. O Cruzeiro Esporte Clube, por exemplo, não se contentou em ensinar apenas o futebol para seus iniciantes, inaugurou uma escola de Ensino Fundamental e Médio em suas dependências para atender exclusivamente seus atletas. Sabe-se que, em média, um clube aproveita cerca de 20% dos jogadores da sua própria base, portanto 80% não atuaram no clube formador, podendo migrar para clubes menores ou simplesmente desistir do futebol. Com base nesses dados, torna-se mais nítida a importância da formação humana e de serviço social do clube, pois muitos dos ex-atletas de base serão os futuros torcedores, treinadores, dirigentes, jornalistas, entre tantas outras carreiras que norteiam o futebol, podendo auxiliar na mudança da mentalidade de esporte na base e melhorando ainda mais a formação de futuros atletas7. Outros grandes clubes como São Paulo Futebol Clube, Clube Atlético Paranaense, Esporte Clube Bahia, entre outros, acreditam na ação interdisciplinar na formação de seus atletas. Acompanhamento psicológico, nutricional, social, escolar, fisioterápico, médico, aprendizado de idiomas, são comuns nesses clubes. Por isso conseguem revelar jogadores mais bem preparados como atletas e como seres humanos, formando um jogador completo, crítico e conhecedor de seus deveres e direitos, além de saber da importância que terá na sociedade brasileira, que cultua seus jogadores como verdadeiros ídolos e exemplos para as futuras gerações. O real motivo e objetivo dos treinadores de base é o de revelar Educação Física escolar, treinamento e saúde

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atletas e ajudar esses jovens a alcançar seus objetivos e sonhos. Para isso, é preciso ter paciência e observar em primeiro lugar o “ser humano” e não somente o atleta. Vencer campeonatos na base é importante, pois destaca e expõe mais os atletas a situações interessantes, mas o vencer não pode ser a todo e qualquer custo. Aliar formação e vitórias é possível, mas se for para optar, o treinador deve optar pela formação e não pelo resultado, mais vale um atleta revelado atuando em grandes clubes do Brasil e representando bem o nosso futebol, do que ser campeão em torneios de renome na base, porém no futuro (médio e longo prazo) não apresentar nenhum atleta para o clube. Infelizmente, o próprio clube muitas vezes desconhece esse real motivo da base, que se o trabalho não for imediatista, mas for bem feito, o próprio clube lucrará com futuras negociações de seus jogadores, ou terá o “lucro invisível”, traduzido na dispensa da contratação de jogadores de fora, pois a própria base proveu atletas que estão jogando e representando bem sua instituição. Para renovação do futebol de base, precisamos retornar à nossa origem, aliando ao atual momento do futebol mundial a capacidade técnica do jogador brasileiro, que sempre fez a diferença. Alicerçados apenas nessa última capacidade, ficamos atrasados nos outros aspectos do jogo, principalmente no aspecto tático e psicológico. Modelos de treinamento alemão, holandês, inglês, são bem vindos, desde que contemplem a característica do jogador brasileiro. É preciso unir a qualidade técnica do jovem brasileiro a modelos táticos de treinamentos atuais, e não simplesmente impor plataformas de jogo (sistemas de jogo) e conceitos europeus ao nosso jogador, pois não resolverá o problema. O atleta brasileiro precisa adequar sua técnica aos novos conceitos e dinâmica do futebol moderno e, a partir daí, respeitarmos o modelo de jogo brasileiro, de alegria, técnica, movimentação, criatividade e habilidade. Ao falar de origem do futebol brasileiro, muitos clubes estão estimulando seus jovens jogadores a praticarem futebol de rua, futsal, praticar em campos de diversas dimensões e tipos de gramado. O treinador pode estimular seus comandados a atuarem descalços, com bolas de borracha, bolas de meia, em campos surrados de terra, com “quique” irregular de bola. Além disso, o treinador deve sempre estimular o lado cognitivo do jogador, utilizando placas numéricas, balões, marcadores coloridos, tudo em prol do desenvolvimento do lado criativo e de adaptação rápida,

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que eram marcas do futebol brasileiro11. Resgatar brincadeiras tradicionais de rua, como bobinho, rebatida, 3 dentro 3 fora, artilheiro, além de estimular as crianças e adolescentes, ajuda a resgatar a história esportiva do nosso país, pois brincar de futebol sempre foi prazeroso e uma das melhores formas de aprendizagem. Uma frase demonstra a importância do futebol de rua: “Uma das coisas que mais fascinam é pensar que, o melhor jogador da Copa do Mundo de 2014, estará, nesse momento, descalço, a correr sobre a terra e a passar fome num bairro qualquer de Buenos Aires ou numa favela do Rio de Janeiro, basta pensar nas origens de Pelé, Eusébio, Maradona ou Romário” 1. Outra prática que está sendo bastante resgatada e estimulada dentro dos clubes de futebol é a do Futsal, esporte dinâmico de espaço curto e pensamento rápido, muito relacionado com os jogos reduzidos que fazem parte do cotidiano dos treinamentos de qualquer equipe de futebol. Para a elaboração dos treinos, o treinador, juntamente com sua comissão técnica devem realizar um planejamento a médio prazo, podendo ser trimestral, semestral ou anual (mesociclos), elaborando, dentro desse planejamento, os planos semanais (microciclos) e diários de treino (similares aos planos de aula). O Quadro 1 demonstra como trabalhar o aspecto técnico de cada categoria de base, diferentemente das escolinhas de futebol, pois na base pode-se acelerar um pouco o processo de formação, em razão da qualidade técnica superior dos atletas em comparação à dos praticantes das escolinhas. O fato interessante e que pode contribuir com regras pertinentes ao fundamento treinado. Por muitas vezes o professor trabalha durante toda a sessão um determinado fundamento e na hora do jogo o atleta não é estimulado a realizar esse fundamento, mas se o treinador criar regras específicas ele pode otimizar o aprendizado técnico do jogador, como por exemplo: jogo de 2 toques (ênfase no fundamento passe), gol fora da área vale 2 (ênfase no fundamento finalização), jogo do proibido passar bola para trás (ênfase no passe agudo em profundidade e no fundamento drible), entre outros exemplos. Quadro 1. Análise comparativa de uma aula técnica em diferentes categorias. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Categorias

Aquecimento

Sub-9

Qualquer tipo de brincadeira e alongamentos leves com bola (imitar animais, pessoas etc).

Sub-11

Qualquer tipo de brincadeira e alongamento leve com bola. Introdução ao a q u e c i m e nto tradicional. Coordenativos básicos.

Sub-13

Brincadeiras, geralmente com bola, aquecimento tradicional, coordenativos e alongamento.

Sub-15

Brincadeiras, aquecimento tradicional (meio a meio), alongamento e coordenativos avançados.

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Parte Principal

Brincadeiras com bola de acordo com o fundamento a ser ensinado. Introdução aos exercícios analíticos e globais. Brincadeiras com bola de acordo com o f u n d a m e nto e exercícios analíticos de fundamentos puros e introdução aos fundamentos combinados e jogos globais.

Brincadeiras com bola de acordo com os fundamentos puros e combinados. Jogos reduzidos.

Fundamentos analíticos simples e combinados, jogos reduzidos e jogos situacionais.

Coletivo

Volta Calma

Rachão simples sem aplicação a fundo das regras.

Conversa e brincadeiras.

Jogo simples com aplicação das regras.

Conversa e brincadeiras.

C o l e t i v o Alongamencom adap- to e brincatações e ên- deiras. fase no fundamento que foi praticado na P.P., seguido de coletivo normal. Coletivo com a d a p ta çõ e s , com ênfase ao f u n d a m e nto que foi praticado na P.P., seguido de coletivo normal.

Feedback e alongamento.

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Sub-17

Aquecimento tradicional, alongamento, coordenativos avançados. Jogos reduzidos. *brincadeiras esporádicas

Sub-20

Aquecimento tradicional, alongamento, coordenativos avançados. Jogos reduzidos. *brincadeiras esporádicas

Fundamentos analíticos simples e combinados, jogos reduzidos e jogos situacionais. Especificidade por posição de atuação. Fundamentos analíticos simples e combinados, jogos reduzidos e jogos situacionais. Especificidade por posição de atuação.

A parte

Feedback, alongamento e técnicas regenerativas.

A parte

Feedback, alongamento e técnicas regenerativas.

Aspectos a serem treinados Independente das categorias a serem treinados (sub-13, sub-15 etc), os atletas devem ser preparados nos seguintes aspectos: físico, técnico, tático, psicológico e teórico/social. O mesmo se refere ao futebol profissional, onde o atleta não pode ser tido somente como uma máquina, mas também com um ser humano, carente de desenvolvimento e acompanhamento psicológico e teórico/social. Quanto mais interdisciplinar for um staff de uma equipe, melhor, pois contemplará com maior facilidade e fluidez o desenvolvimento de seus atletas, portanto equipes com bons orçamentos, boa estrutura física e com uma gestão moderna levam muita vantagem em relação às demais. Clubes grandes e tradicionais cada vez mais apostam nas novas tecnologias e no auxílio de várias ciências em prol do futebol, ciências como: psicologia, fisioterapia, biomecânica, fisiologia, nutrição, assistência social, entre outras.

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Figura 1. Pirâmide de preparação no futebol.

A performance no futebol depende de um conjunto de fatores de naturezas táticas, técnicas, físicas, psicológicas e sociais12. Conforme a Pirâmide de Preparação (Figura 1), a base de tudo é a preparação física, independente da categoria e idade a serem trabalhadas. Essa sempre será a hierarquia dos aspectos (físico  técnico  tático  psicológico  teórico/social), o que se pode e deve mudar são as formas de trabalhar cada categoria, a preparação física de uma equipe sub-11 é totalmente diferente daquela aplicada a uma equipe sub-20, por exemplo, e o mesmo para a técnica, tática e os demais aspectos, ou seja, sempre respeitando a individualidade biológica, as necessidades e potencialidades de cada faixa etária. Em relação à preparação física, a distância percorrida serve como parâmetro para a determinação de seu gasto energético e para a elaboração do planejamento de treinamento. Atletas profissionais chegam a percorrer entre 10 e 12 quilômetros por jogo, mas com variações de velocidade, dependendo em muito da função do atleta em campo (posição) e do sistema de jogo adotado (aspecto tático)13. As capacidades biológicas ou valências físicas essenciais no futebol moderno são: força, equilíbrio, velocidade, coordenação, flexibilidade, resistência aeróbia, resistência anaeróbia, potência aeróbia, potência anaeróbia e resistência muscular localizada. A preparação física deve ser, se possível, individualizada ao máximo, para que cada atleta consiga se desenvolver de acordo com suas individualidades biológicas e também com suas funções táticas desempe-

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nhadas em campo. O atleta bem condicionado e com todas as valências bem desenvolvidas consegue desempenhar melhor e por mais vezes a técnica dos fundamentos com maestria. A grande maioria dos vencedores da Bola de Ouro da FIFA alcançaram o prêmio de melhor jogador do mundo quando estavam no melhor momento de sua carreira em todos os aspectos, mas principalmente fisicamente. A preparação técnica diz respeito ao gesto motor e ê execução dos fundamentos do jogo, que são classificados em 11, sendo dois de origem primária (chute e cabeceio) e nove de origem secundária (passe, drible, desarme, condução, controle, domínio/recepção, finalização, proteção e finta). É de extrema importância salientar que todos os jogadores deveriam dominar todos esses fundamentos, mas sabe-se que, de acordo com a posição que atua em campo, alguns fundamentos têm mais importância para determinado jogador em relação a outros, como por exemplo, um centroavante deve realizar com maestria a finalização, mas realiza poucos desarmes, um zagueiro desarma muito e finaliza pouco. Então de acordo com a função tática a exigência de um ou de outro fundamento varia. E, assim, a demanda de treinamento deve ser moldada em relação à função do atleta em campo para equipes profissionais e, a partir do sub-17, nas categorias menores, deve-se ensinar e aprimorar todos os fundamentos, porque muitos atletas ainda não definiram suas posições. Muitas equipes trabalham muito a coordenação motora na preparação física, pois sua melhora auxilia na boa execução do gesto motor, potencializando assim os golpes e aumentando a resistência do jogador em razão do movimento mais correto e economia de energia. O jogador que é conhecido por ser muito técnico, geralmente é associado a um bom jogador, habilidoso, craque, admirado por todos os jogadores, inclusive os brasileiros, que marcaram o mundo e selaram o apelido de “celeiro de craques”. O modelo de jogo Brasileiro é muito embasado na preparação técnica. A preparação tática vem na sequência da técnica, e pode ser definida como a ideia e uso racional da técnica para se solucionar problemas pré-definidos ou imediatos, alcançando o objetivo da forma mais eficaz possível, com o menor dispêndio de energia. Alguns excelentes executantes de habilidades técnicas no desporto podem não conseguir operacionalizar a mesma, ou seja, utilizar a técnica de uma forma eficaz em situEducação Física escolar, treinamento e saúde

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ações de jogo, pois não sabem “como”, “quando” e “onde” aplicar essas técnicas, demonstrando assim uma falha no nível de conhecimento tático processual12. É praticamente impossível realizar um planejamento tático se o jogador não estiver bem fisicamente e com o domínio do repertório de fundamentos. Dentro da preparação tática encontram-se as fases do jogo, que envolvem as seguintes ações: DEFESA > TRANSIÇÃO OFENSIVA > ATAQUE > TRANSIÇÃO DEFENSIVA Uma equipe está defendendo (DEFESA) e, ao obter a posse a bola, tem uma rápida organização que é chamada de Transição Ofensiva, na qual passou de defensora para atacante e está se preparando para atacar. Quando se equilibra, a transição ofensiva se torna “ATAQUE”, e nessa condição a equipe tenta manter a posse de bola, avançar para o campo adversário ou finalizar ao gol. Uma vez perdida a posse da bola, essa mesma equipe se organiza rapidamente em transição defensiva e volta ao status de defensora. Dentro dessas fases do jogo existem os princípios táticos coletivos. Na fase defensiva os princípios são: retardamento, equilíbrio numérico, compactação e obediência tática. Já durante a fase em que a equipe está atacando os princípios são: mobilidade, abertura, penetração e criatividade. Embasado nesses conceitos, resumidamente pode-se definir que a defesa procura fechar os espaços e o ataque procura abri-los12. Dentro de toda essa dinâmica de uma partida de futebol, o técnico deve saber escolher a melhor plataforma de jogo (sistema de jogo), que não pode ser considerada rígida e deve permitir as variações táticas dos atletas, principalmente dos brasileiros, que precisam utilizar todo seu potencial técnico. As plataformas de jogo geralmente são divididas pelo goleiro e pelos setores de campo (defesa, meio e ataque), podendo ser citados alguns exemplos: 1-4-4-2, 1-3-5-2, 1-4-2-4, entre outros. Alguns autores acrescentaram um setor a mais nessa divisão e dividem o setor de meio campo em duas partes, surgindo novas nomenclaturas, como por exemplo: 1-4-1-4-1, 1-4-3-2-1 etc. O futebol está evoluindo muito e o jogador moderno não é mais somente especialista em uma função, desempenhando várias tarefas em campo, até porque seu condicionamento físico é muito diferente do que

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o de um atleta há 30 anos. Por isso, as plataformas de jogo devem ser flexíveis, permitindo variações táticas e que possam permitir aos atletas o máximo de seu potencial técnico. Portanto, o sistema de jogo só pode ser definido de acordo com as características dos jogadores, e não ser imposto, com exceção de seleções em que o treinador possa convocar os atletas que mais se adequem à sua forma de jogar. Poucos clubes se preocupam com os outros dois aspectos da preparação de seus atletas, a psicológica e a teórica. Em momentos de grande tecnologia e farta troca de informações, as preparações física, técnica e tática são muito parecidas em quase todo o mundo e os detalhes fazem a diferença. Infelizmente são poucos os clubes que se preocupam com a preparação psicológica e teórico/social de seus atletas profissionais e de base. Com a evolução do esporte, consequentemente também houve evolução no estudo da psique do homem que pratica o esporte, juntamente com os fatores que influenciam o seu rendimento e comportamento dentro do esporte, manifestado por fatores físicos, técnicos, táticos e psicológicos. O aspecto emocional do ser humano está presente em todos os momentos, principalmente numa competição onde será apresentado e medido seu desempenho. Existem vários fatores que influenciam o rendimento e, entre eles, os que mais se destacam são a motivação (intrínseca e extrínseca), a autoestima, a autoconfiança, a ansiedade e a agressividade14. No futebol e em qualquer modalidade, a preparação psicológica deve ser realizada por acompanhamento de psicólogos do esporte, especialista na área. Mas a realidade e a presença desse profissional ainda é muito escassa no meio futebolístico, principalmente pela cultura do imediatismo e do trabalho de curto prazo, contrário ao tempo de trabalho do psicólogo, que deve ser de longo prazo. O técnico de futebol deve possuir conhecimentos a respeito da psicologia, principalmente, nos aspectos de motivação e controle emocional de sua equipe, devendo saber a dosagem certa e os melhores momentos de abordagem. Vanderlei Luxemburgo, consagrado técnico brasileiro, relata a relação entre a vontade de ganhar (motivação) e o medo de perder (controle emocional), dizendo que o atleta deve procurar o êxito e evitar o fracasso. A motivação faz o atleta se preparar e se doar ao máxiEducação Física escolar, treinamento e saúde

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mo em campo, mas se ela for estimulada em demasia pode fazer com que o atleta se desconcentre, se torne agressivo, gaste suas energias antes do tempo e tenha uma queda de performance. Já o controle emocional torna o atleta mais racional em campo, conseguindo fazer a leitura do jogo e colocando em prática as táticas e estratégias preestabelecidas. Porém, o excesso de controle emocional pode tornar o atleta frio em demasia e apático. Portanto, a dosagem de motivação e controle emocional deve ser muito bem equilibrada. Em síntese, a preparação psicológica serve de suporte para os demais tipos de preparação. O último andar da pirâmide é o da preparação teórica e social, na qual o jovem jogador e o profissional devem crescer em conhecimento, alcançando autonomia como ser humano, se tornando um atleta e um homem crítico, conhecedor de suas responsabilidades e direitos. O conhecimento e estudo de línguas estrangeiras, modos e costumes podem auxiliar na adaptação em uma possível transferência internacional. Por isso, o clube deve cobrar presença e bom desempenho escolar, realizar ações solidárias, palestras sobre os mais variados temas (drogas, saúde, sexo, responsabilidade social etc). O atleta que desenvolve mais o aspecto intelectual, cultural e social se torna uma pessoa melhor e, inclusive, um jogador melhor dentro das quatro linhas. Salas de aula, anfiteatros, teatros, cinemas, bibliotecas também são lugares de jogador de futebol, não somente o campo e a academia. É dever do técnico e dos clubes informar aos jovens aspirantes a essa carreira a realidade de um jogador de futebol no Brasil, na qual menos de 10% recebem salários superiores a três salários mínimos. Além disso, há dados alarmantes mostrando que mais de 60% dos atletas perdem todo o dinheiro que ganharam ao longo de sua carreira e, mais de 65% se divorciam em dois anos após pendurarem as chuteiras. Isto indica o despreparo de nossos jogadores como administradores de seus patrimônios e como pais de família15. Liderança O papel do técnico de futebol é muito diferente entre aqueles que trabalham com o futebol de base e formação e aqueles que atuam com atletas profissionais. A forma de trabalho, a didática e o cotidiano dos treinamentos são bem diferentes, mas uma característica é pertinente a

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qualquer treinador de qualquer categoria: a liderança16. Fica cada vez mais claro que não é apenas o trabalho de campo, o jogo e o treino que são importantes para que o bom desempenho aconteça, a bola entre e a vitória se concretize. A competência é fundamental, pois sem conhecimentos técnicos e táticos, o líder não terá o verdadeiro respeito e segurança em relação ao atleta, que, por sua vez, ao olhar seu técnico deve ver uma figura capaz de solucionar, direcionar, orientar e instruir para a confirmação de uma virtude ou a solução de um problema16. Grandes treinadores são, antes de tudo, gestores de recursos humanos, capazes de formar, motivar e desenvolver seus jogadores para alcançar os objetivos traçados, controlar e organizar as estruturas dos treinamentos e jogos para que consigam esses objetivos de forma mais eficaz, criando um clima de trabalho que integre todos os componentes da equipe em comunidade de metas e valores compartilhados, que levem à coesão e dedicação no trabalho realizado17. Um líder deve sempre estar em busca da constante excelência, trabalhando aspectos como: disciplina, ética, hábitos positivos de trabalho, comprometimento, cumplicidade, perseverança, obstinação, superação, trabalho em equipe, liderança e motivação. O líder deve sempre expor e deixar claro suas metas e traçar o planejamento para atingi-las18. O feedback do líder ao seu comandado deve sempre ser realizado visando o crescimento do atleta, e não simplesmente para repreendê-lo ou humilhá-lo perante o grupo. Dessa forma, os jogadores vão ganhando confiança e evoluindo gradativamente, inclusive como equipe. O técnico deve conhecer os limites e capacidades do grupo que lidera, traçar metas realistas e ser o mais transparente possível em suas ações. Carlos Alberto Parreira diz que o líder precisa ser sincero, honesto e transparente, dar ao grupo o que ele precisa e não o que ele quer. Tem de satisfazer às necessidades e não aos desejos, fundamentalmente conquistar a confiança da equipe, encorajando as pessoas. Num espetáculo, existem a música, o solista e também o funcionário que carregou o piano para o palco, sendo todos fundamentais, pois sem qualquer um deles, o show não acontece19. Simples respeito e coleguismo levam à formação de grupos medíocres, amizade e admiração levam a equipes vencedoras. O técnico que conhece as características individuais de seus comandados e conseguir Educação Física escolar, treinamento e saúde

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extrair o melhor de cada um em prol do coletivo, com certeza será vencedor. Utilizar as potencialidades individuais em um jogo coletivo parece ser o maior desafio do futebol brasileiro, adequando nossos talentos com as evoluções táticas do futebol moderno. Um trabalho árduo, de renovação, porém possível. Referências 1. Moita RM. Um percurso de sucesso na formação de jogadores em futebol. Monografia. Porto: Faculdade de Desporto da Universidade do Porto; 2008. 2. Sally D, Anderson C. Os números do jogo: por que tudo o que você sabe sobre futebol está errado. São Paulo: Paralela; 2013. p.73-74. 3. Guterman M. O futebol explica o Brasil: uma história da maior expressão popular do país. São Paulo: Contexto; 2009. p.10-13. 4. Unzelte C. O livro de ouro do futebol. Rio de Janeiro: Ediouro; 2009. p.76. 5. Freitas HAT. Desenvolvimento multilateral x especialização precoce. Monografia. Presidente Prudente-SP: Universidade do Oeste Paulista; 2015. 6. Fechio JJ, Cichowicz FDA, Castro NM, Alves H. Especialização esportiva precoce: uma revisão. 2012 [acesso em 19ago2015]. Disponível em: http://www.efdeportes.com/efd169/especializacaoesportiva-precoce-uma-revisao.htm 7. Drubscky R. Universo tático do futebol: escola brasileira. 2.ed. Belo Horizonte: Health; 2014. 8. Silva SAPS, Lopes AASM. Método integrado de ensino no futebol. São Paulo: Phorte; 2009. p.46. 9. Armbrust M, Silva ALA, Navarro AC. Comparação entre método global e parcial na modalidade futsal com relação ao fundamento passe. Rev Bras Futs e Fute. 2010;2(5):77-81. 10. Reverdito RS, Scaglia AJ. Pedagogia do esporte: jogos de invasão. São Paulo: Phorte; 2009. p.72-73. 11. Cunha AS, Moura FA, Santiago PRP, Castellani RM, Barbieri FA. Educação Física no ensino superior: futebol, aspectos multidisciplinares para o ensino e treinamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. 12. Costa IT, Garganta JM, Greco JP, Mesquita I. Princípios táticos do jogo de futebol: conceitos e aplicações. Rev Motriz. 2009;15(3):657-78. 13. Sant´Anna M, Ávila MA. Preparação física do futebol: metodologia e estatística. Florianópolis, SC: Cuca Fresca; 2010. P.10-15. 14. Pujals C, Vieira LF. Análise dos fatores psicológicos que interferem no comportamento dos atletas no futebol de campo. Rev Ed Fis UEM. 2002;13(1):89-97. 15. O país do futebol. Rev Placar. 2015 jul;(1044):13-16 16. Carson M. Os campeões: por dentro da mente dos grandes líderes do futebol. Caxias do Sul, RS: Belas Letras; 2015. 17. Cunha FA. Técnico de futebol: a arte de comandar. Rio de Janeiro: Prestígio; 2010. p.82. 18. Rezende BR. Bernardinho: transformando suor e ouro. Rio de Janeiro: Sextante; 2006. 19. Parreira CA. Formando equipes vencedoras. 2.ed. Rio de Janeiro: Bestseller; 2007.

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CAPÍTULO 15 Treinamento multivariado e levantamento de peso olímpico para amplo condicionamento físico e adaptação neuromuscular João Franklin Goes Amorin, David da Silva Teles, Jair Rodrigues Garcia Júnior

Resumo A prática de esportes tende a direcionar para a especialização e restrição dos movimentos. Desse modo, as adaptações neuromusculares e dos sistemas fisiológicos tendem a ficar limitadas ao longo de anos de treinamento, mesmo quando observados os princípios do treinamento. A virada do milênio talvez tenha sido o início da ruptura do paradigma da especialização do movimento, com a popularização dos métodos que utilizam exercícios funcionais, de levantamento de peso olímpico e ginásticos para o desenvolvimento de ampla gama de capacidades físicas, relacionadas com o desempenho, condicionamento físico e com a saúde. A perspectiva é que métodos multivariados e alta intensidade, como o CrossFit, passem a ser cada vez mais utilizados nos treinamentos para diversos esportes e para outros objetivos. Introdução O treinamento físico é realizado para diversas finalidades, tais como aumento da força, da potência, da resistência muscular, do condicionamento físico, da aptidão cardiorrespiratória, da massa muscular, diminuição da gordura corporal, melhora da saúde e do desempenho em esportes de competição. O tipo de treinamento é específico para cada finalidade, porém, não raro, há combinação de variados exercícios para

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obtenção de adaptações musculares e sistêmicas mais amplas, principalmente quanto exigidas por esportes de competição. Nas primeiras sete décadas do século XX, o treinamento físico era praticado quase que exclusivamente por atletas competidores, pois as condições de trabalho e de transportes exigiam que os indivíduos comuns fossem naturalmente mais fisicamente ativos. Além disso, o conceito de treinamento relacionado com a saúde, estética ou qualquer outra finalidade era inexistente. A partir da década de 1970, estudos pioneiros de Cooper1 estabeleceram a relação entre treinamento físico e saúde, iniciando a popularização da corrida, mas tarde das ginásticas de academia e da musculação. Uma das práticas mais antigas entre os exercícios e esportes é o Levantamento de Peso Olímpico (LPO). Trata-se de um exercício que envolve basicamente a força, sendo praticado desde a antiguidade como simples ato de levantar peso e como prova para ingresso no serviço militar, tendo sido, apenas mais tarde transformado em esporte. Ainda antes de se tornar uma modalidade esportiva, o LPO já era utilizado como forma de treinamento para atletas de outras modalidades esportivas, por possuir a capacidade de desenvolver, em alto grau, os músculos e capacidades físicas necessárias para as mais diversas modalidades. A partir da era moderna dos Jogos Olímpicos, o LPO esteve presente em todas as edições2-4. A partir dos anos 1980, a prática de musculação com pesos livres e também com aparelhos multi-estações ou simples, começou a ficar relativamente popular. As academias, antes frequentadas quase exclusivamente por homens com musculatura hipertrofiada, ampliaram as práticas com espaços para alguns tipos de ginásticas, atraindo público mais variado, incluindo o feminino. O treinamento de musculação passou a ser praticado para variados objetivos, tais como hipertrofia muscular, definição muscular, emagrecimento, condicionamento físico, saúde e desempenho em outros esportes competitivos. O conhecimento e os métodos utilizados no treinamento de musculação tinham como origem principalmente a Rússia (então União Soviética), por meio de intercâmbio de estudantes e treinadores. Matveev5 e Verkhoshanski6 estavam entre os pioneiros dos métodos de musculação trazidos para o Brasil. Mais recentemente, a partir da década de 2000, passou a ser mais Educação Física escolar, treinamento e saúde

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praticado o treinamento funcional, que envolve movimentos variados e altamente relacionados em termos de biomecânica, coordenação e sistemas energéticos, com as atividades de vida diária (AVDs) e movimentos de alguns esportes. A prática tem acontecido em academias comuns, ao lado dos equipamentos de musculação e das esteiras, por exemplo, mas também em academias específicas voltadas exclusivamente para o treinamento funcional que utilizam métodos franqueados, entre eles o Core 360o e CrossFit. O treinamento funcional, com sua variabilidade de movimentos e imposição de sobrecargas, estimula adaptações neuromotoras benéficas às AVDs e também ao desempenho em diferentes esportes7. Treinamento funcional multivariado O treinamento funcional proporciona a melhora das capacidades físicas de força, resistência, velocidade, agilidade, equilíbrio, coordenação e flexibilidade por meio de movimentos realizados apenas com o próprio corpo ou com o mínimo de equipamentos. Por isso, o ganho de condicionando físico que ele proporciona é acessível a qualquer pessoa, não somente a atletas8. Especialmente na última década, o termo treinamento funcional passou a receber mais atenção, sendo mais praticado e estudado em suas funções de reabilitação e de condicionamento físico, passando a ser uma forte tendência metodológica de treinamento. Estudiosos do treinamento fornecem variadas definições, tais como: • Grupo de exercícios envolvendo equilíbrio e propriocepção, executado com os pés no chão e sem a utilização de máquinas, para que a força seja realizada em condições instáveis e o peso corporal seja uma resistência em todos os planos do movimento. • Movimentos multiarticulares, multiplanares baseados em propriocepção, envolvendo desaceleração (redução de forças), aceleração (produção de forças) e estabilização; instabilidade controlada; controle do efeito da gravidade, das forças reativas do solo e dos momentos de força. • Conjunto de exercícios que condicionam o corpo consistentemente com a integração dos diferentes movimentos.

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O treinamento funcional tem por objetivo aprimorar todas as capacidades físicas, anteriormente mencionadas, de forma integrada, por vezes com a execução em um só exercício, e outras com a combinação de dois ou mais exercícios. Diferentemente da musculação, no treinamento funcional é pouco praticada a segmentação de músculos ou grupos musculares, havendo, na maioria das vezes, vários deles em ação ao mesmo tempo ou em sequência. De acordo com Monteiro e Evangelista9, o treinamento funcional melhora também: a propriocepção e controle corporal, a postura, a estabilidade articular e da coluna vertebral, a eficiência dos movimentos, o equilíbrio estático e dinâmico, a lateralidade corporal e diminui a incidência de lesões. No treinamento funcional, a região denominada de core (núcleo corporal), composta pelos músculos abdominais, lombares e glúteos, é bastante estimulada, pois é grande responsável pela estabilização corporal para os mais diversos movimentos das AVDs e movimentos de força. O fortalecimento do core para estabilização do corpo é de grande importância para diminuição das dores na região lombar e de lesões10. De acordo com Campos e Corraucci Neto7, o treinamento funcional é um dos métodos para melhora do condicionamento físico e da saúde, com estímulos amplos para o sistema musculoesquelético e sistemas independentes, respeitando a individualidade biológica e o nível atual de condicionamento. CrossFit e levantamento de peso olímpico (LPO) O método CrossFit foi concebido com base na experiência de Greg Glassman na Ginástica Olímpica e em estudos de outros tipos de exercícios de condicionamento físico, os quais foram adaptados para a função de exercícios de aquecimento e para a parte principal do treinamento, o Workout Of the Day (WOD – treinamento do dia). As características do CrossFit incluem: uso de múltiplas articulações, utilização do peso corporal e de diferentes equipamentos (bastões, bolas, halteres, Kettlebells, caixas para saltos, argolas, barra fixa, elásticos, corda para pular, corda para subida, remo, bike com movimentação dos braços e a própria parede do box), sendo alguns com cargas que, em geral, recrutam simultaneamente músculos do núcleo corporal e das extremidades sempre com amplitude de movimento e alta intensidade na parte principal do treinamento11. Tais características permitem grande número de Educação Física escolar, treinamento e saúde

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variações que se traduzem em novos desafios a cada sessão de treinamento e obtenção progressiva de amplo condicionamento físico. O CrossFit, ao contrário de outras modalidades de treinamento, não visa uma especialidade ou o desenvolvimento de apenar uma valência, mas sim de várias capacidades físicas: resistência cardiorrespiratória, força, resistência muscular localizada, potência, velocidade, coordenação, flexibilidade, agilidade, equilíbrio e precisão12. Faz parte deste método de treinamento o uso das barras, pesos e, principalmente, movimentos do Levantamento de Peso Olímpico (LPO), juntamente com os exercícios ginásticos, corridas e exercícios funcionais, para proporcionar o desenvolvimento amplo do condicionamento físico, conforme a proposta do método. O LPO é uma modalidade esportiva que tem como objetivo levantar do solo até acima da cabeça, com o corpo totalmente estendido, uma barra com anilhas com o maior peso possível. O LPO consiste de dois movimentos que envolvem técnicas com algumas semelhanças e também diferenças: arranque (snatch) e arremesso (clean & jerk). Até o final do século XX, o LPO era praticado muito restritamente por atletas que participavam de competições, isto é, apenas como esporte. Muito raramente se via alguém praticando o LPO como exercício para outros objetivos que não fosse a competição. Gradualmente, alguns treinadores perceberam que os movimentos e os músculos fortalecidos pelo LPO eram extremamente úteis em diversos outros esportes, passando a incorporá-lo no programa de treinamento. Ao ser incorporado ao método CrossFit, o LPO definitivamente passou a ser uma prática não apenas como esporte, mas também para obtenção de melhora de diversas capacidades físicas, entre elas a força, a potência e a resistência muscular localizada, obtidas em treinamentos variados com baixas e elevadas cargas. O que fica evidente para 100% dos praticantes é a exigência muscular e desenvolvimento gradativo da força, visível no próprio corpo e nos resultados obtidos. Mas o que é notado, infelizmente, por muito poucos dos praticantes é o intenso trabalho do sistema nervoso no sentido de aprender e coordenar os movimentos em sequência exigidos para a boa técnica. Os movimentos de arranque e arremesso do LPO estão considerados entre os movimentos mais técnicos de todos os esportes, ficando atrás apenas do salto com vara. Sua execução depende, não apenas da força, mas de intenso e benéfico processo de aprendizagem do sistema nervoso e de sua integração com o sistema muscular13. O percurso de aprendizagem é longo, requer muita

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atenção e prática até se tornar automatizado e permitir a movimentação de elevadas cargas, como fazem os atletas da modalidade. Para os praticantes em geral, cujo resultado da carga levantada não é o mais importante, os benefícios do fortalecimento do core, pernas, ombros e outros músculos, bem como a aprendizagem do movimento são os aspectos mais importantes. Para executar os movimentos do arranque e arremesso, o indivíduo utiliza cerca de 50% de sua massa muscular corporal, várias articulações do corpo e uma coordenação muito precisa do sistema neuromuscular para que a sequência dos movimentos proporcione a elevação de cargas pesadas, em geral, superiores ao próprio peso corporal14. No arranque (snatch), o atleta deve levantar a barra do solo para cima de sua cabeça em um único movimento. Sequencialmente, a preparação e os movimentos realizados pelo atleta são: posicionamento da barra próxima às pernas, flexão dos joelhos e do quadril mantendo a coluna ereta, segurar a barra com as mãos numa pegada aberta, realizar extensão dos joelhos, do quadril e dos tornozelos elevando a barra para cima próxima do quadril, flexionar os cotovelos e abduzir os braços, trazendo a barra próxima ao peito, realizar rápido agachamento, posicionar-se abaixo da barra com os braços estendidos ficando novamente com os joelhos e o quadril flexionados, finalizar o movimento mantendo os braços estendidos e realizar a extensão dos joelhos e quadril até ficar totalmente na vertical (pernas, tronco e braços completamente estendidos). A sequência das posições e movimentos pode ser visualizada na Figura 1.

Figura 1. Sequência das posições e movimentos do arranque (snatch) com carga de 176 Kg. Fonte: http://www.olympicweightliftingguru.com/2014/02/26/snatch-2nd-pull/ Educação Física escolar, treinamento e saúde

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O arremesso (clean & jerk) também consiste em levantar a barra do solo para cima de sua cabeça, porém com dois movimentos. Sequencialmente, a preparação e os movimentos realizados pelo atleta são: posicionamento da barra próxima às pernas, flexão dos joelhos e do quadril mantendo a coluna ereta, segurar a barra com as mãos numa pegada neutra (pouco mais que a distância entre ombros), realizar com velocidade a extensão dos joelhos, do quadril e dos tornozelos elevando a barra para cima próxima do quadril, flexionar os cotovelos e abduzir os braços, trazendo a barra próxima ao peito, realizar rápido agachamento, posicionar-se abaixo da barra com os braços flexionados e a barra apoiada no peitoral e ombros, cotovelos à frente, na altura dos ombros, terminar o primeiro movimento estendendo os joelhos e o quadril, ficando na posição vertical. No segundo movimento, com a barra ainda apoiada no peito, o atleta realiza rápida e curta flexão e extensão das pernas, impulsionando a barra acima da cabeça e extendendo totalmente os braços, simultaneamente, posiciona uma das pernas a frente e a outra atrás com ambos os joelhos flexionados, entrando embaixo da barra. Finalizando, trás a perna da frente e depois a perna de trás à posição inicial, até ficar totalmente na vertical (pernas, tronco e braços completamente estendidos). A sequência das posições e movimentos pode ser visualizada na Figura 2.

Figura 2. Sequência das posições e movimentos do arremesso (clean & jerk) com carga de 220 Kg. Fonte: http://www.olympicweightsetreview.com/olympic-weightlifting-breaking-clean-and-jerk-step-step/

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A execução dos dois movimentos de LPO depende essencialmente de consciência corporal, bom condicionamento físico, aprendizado e prática das técnicas e suas variações. Iniciantes que tenham razoável consciência corporal e condicionamento físico podem seguramente começar a praticar. Um das estratégias utilizadas para a aprendizagem da técnica é a prática sem peso (ou com mínimo de peso) e de forma segmentada, que consiste em aprender e praticar repetidamente cada fase do movimento completo. Gradativamente, é inserido o movimento completo, encaixando os segmentos. Também para a aquisição do melhor condicionamento, que proporciona melhor desempenho nos levantamentos, são realizados exercícios parciais com pesos, tais como agachamentos, levantamentos de terra (deadlift), abdução dos ombros, levantamento acima da cabeça. Em muitos casos, movimentos e condicionamento físico adquiridos em outros esportes e modalidade podem ser transferidos para o LPO e auxiliar na aprendizagem e desempenho14. Como pode ser observado no movimento do arranque, no primeiro momento o atleta posiciona a barra próxima às pernas mantendo os joelhos e o quadril flexionados para então realizar a extensão destas articulações (até a hiperextensão do quadril), tal como o movimento do levantamento terra (deadlift). Este primeiro movimento é de grande importância para a sequência dos demais movimentos, por isso deve ser bastante praticado pelos iniciantes na modalidade, para que melhorem seu condicionamento físico. O levantamento terra exige, principalmente, a musculatura do quadríceps (reto femoral, vasto medial, vasto lateral e vasto intermédio), dos isquiotibiais (bíceps femoral cabeça longa e cabeça curta, semimembranoso e semitendinoso), glúteo máximo, grande dorsal e trapézio15. Na sequência, o atleta realiza uma espécie de puxada vertical, procurando elevar a barra na altura do peito. Essa puxada, com os cotovelos abertos e voltados para cima, exige principalmente a musculatura do deltóide em todas suas porções (deltoide anterior, posterior e medial) e o trapézio, se constituindo num exercício que deve ser realizado na preparação dos movimentos de arranque e arremessos, alterando apenas a pegada na barra, mas aberta ou mais fechada (largura dos ombros). No arranque, após a barra ser elevada na altura do peito, o atleta deve realizar um curto salto, seguido de agachamento pleno Educação Física escolar, treinamento e saúde

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para se posicionar abaixo da barra, com os braços já estendidos de modo que a barra fique acima da cabeça. Em seguida, deve completar o agachamento voltando à posição vertical ainda com a barra acima da cabeça. Um detalhe deste movimento é que, ao agachar, os pés ficam pouco mais afastados um do outro e voltados ligeiramente para fora, enquanto os joelhos ficam voltados para fora no máximo possível. Quando da subida para posição vertical, os pés devem ser novamente aproximados (largura dos ombros) para completar o movimento. Portanto, o agachamento é um exercício fundamental que, ao trabalhar a musculatura dos membros inferiores como o quadríceps, glúteo médio e máximo proporcionará a elevação do corpo e da barra para finalizar o movimento. Exercícios de agachamento podem ser realizados com a barra atrás da cabeça, apoiada no músculo trapézio, com a barra na frente, apoiada no peitoral e ombros ou com a barra suportada acima da cabeça com os braços estendidos, além de outras variações15. O arremesso se assemelha muito com o arranque, com exceção da pegada com as mãos pouco mais fechadas e o posicionamento da barra no peitoral e ombros após sua puxada pela cima. Ainda no primeiro momento a maior diferença é no movimento de agachamento, realizado com a barra na parte anterior do corpo apoiada no peitoral, movimento que também inclui um curto salto para o posicionamento sob a barra, podendo ser realizado individualmente por iniciantes até completar o agachamento, ficando na posição vertical. No segundo movimento, é realizado um curto e rápido agachamento, seguido de salto para o posicionamento antero-posterior dos pés com os joelhos flexionados (movimento que se assemelha muito com exercícios afundo), ao mesmo tempo em que se realiza um desenvolvimento, ou seja, a extensão dos braços para cima, com a elevação da barra, utilizando a musculatura dos deltóides e do trapézio. Para finalizar, o atleta realiza movimento de extensão de joelho trabalhando a musculatura do quadríceps e glúteo para trazer os pés novamente em paralelo, ficando com o corpo completamente estendido15. No LPO os atletas têm que executar os movimentos de arranque e arremesso o mais rápido possível, tendo para isso, que utilizar a maior potência possível de seus músculos. Todos os exercícios citados acima como levantamento terra, agachamento, remada vertical,

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desenvolvimento e afundo podem ser trabalhados com um foco maior no desenvolvimento da potência muscular, necessária não apenas para o LPO, mas também para diversos esportes. O treinamento para potência muscular deve ser composto por movimentos que tenham cargas próximas a 60% de 1RM com séries de 12 repetições e com pausas de até 5 minutos, tendo execução rápida dos movimentos para induzir as adaptações características dessa capacidade física15. Adaptações metabólicas e neuromusculares ao treinamento multivariado Os exercícios multivariados, intermitentes e de alta intensidade, além de proporcionar a hipertrofia, força, potência, resistência muscular localizada e melhor desempenho motor, também desenvolvem, de forma concorrente, a aptidão aeróbia (até 41% em 8 semanas)16-18, mesmo com o metabolismo anaeróbio sendo predominante, já que os exercícios são de alta intensidade. Os estudos iniciais que embasaram o treinamento intermitente de alta intensidade foram realizados há duas décadas, com resultados surpreendentes na aptidão aeróbia. Dois grupos de sujeitos fisicamente ativos realizaram seis semanas de treinamento, cinco vezes por dia. Um grupo realizou treinamento de endurance de intensidade moderada (70% do VO2 máx) com sessões de 60 min. Outro grupo realizou treinamento intermitente de alta intensidade (170% do VO2 máx) consistindo de oito repetições de 20 seg com intervalo de 10 seg entre elas. A aptidão aeróbia aumentou 9,5% no grupo endurance e 13,2% no grupo alta intensidade, enquanto a aptidão anaeróbica aumentou significativamente (28%) apenas no grupo de alta intensidade19. Esse aumento de ambas as aptidões aeróbia e anaeróbia foi creditado ao estímulo do exercício de alta intensidade nos sistemas energéticos, fazendo com que ambos, aeróbio e anaeróbio funcionassem em seus limites, exigindo adaptações extremas20. Em razão do sobrenome do principal autor destes estudos seminais, o protocolo de treinamento intervalado de alta intensidade com 20 seg de esforço e 10 seg de recuperação durante 4 minutos passou a ser denominado de Tabata, sendo amplamente utilizado no CrossFit. Mais recentemente, estudo com protocolo adaptado com exercícios para pernas Educação Física escolar, treinamento e saúde

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e braços (12 repetições de 60 seg de esforço – 90% VO2 máx – e 60 seg de recuperação ativa) também demonstrou aumento da aptidão aeróbia e hipertrofia dos músculos utilizados21. Há pesquisas que demonstrando também que exercícios intermitentes de alta intensidade melhoram a sensibilidade à insulina (até 58% em 8 semanas), a mobilização e oxidação dos ácidos graxos e a diminuição dos depósitos de triacilglicerol subcutâneo (até 18% em 8 semanas) e visceral (até 48% em 8 semanas), melhorando a composição corporal18. Entre os sistemas que se adaptam não estão apenas o muscular e cardiocirculatório, mas também o sistema nervoso, especificamente, o córtex motor, que está no comando dos músculos, mas também é influenciado por eles. Os exercícios de força e a aprendizagem de novos exercícios/movimentos estão entre os maiores estímulos para adaptação do córtex motor. Inicialmente, os ganhos de força, potência e velocidade dependem principalmente das adaptações neurais (córtex motor), pois são elas que proporcionam aumento do recrutamento das unidades motoras (para força), maior frequência e melhor sincronização de impulsos nervosos (para velocidade, potência e coordenação) e redução dos mecanismos inibitórios da contração (para força). Sobre o recrutamento de unidades motoras, como não precisamos utilizar 100% da força de um músculo nas atividades diárias, apenas algumas delas são recrutadas. Porém, quando um indivíduo sedentário precisa de sua força máxima, essa fica restrita a apenas 70%, pois seu córtex motor está preparado para recrutar apenas 70% das unidades motoras de um determinado músculo, ficando de fora, justamente as unidades motoras mais aptas à contração de força (denominadas de IIb). Para ficar apto a utilizar essas unidades motoras de força, o indivíduo deve realizar treinamento de força, adaptando o córtex motor a recrutá-las mais prontamente. Durante o período de treinamento, as adaptações neurais (córtex motor) acontecem mais rapidamente (entre 6 e 10 semanas), seguidas das adaptações metabólicas (maior acúmulo de creatina, glicogênio e água; a partir de 8-16 semanas) e adaptações estruturais (mais proteínas/filamentos contráteis; a partir de 12-16 semanas). As duas últimas respondem pela hipertrofia (aumento do diâmetro) muscular (Figura 3). Como a força depende do córtex motor (recrutamento de unidades mo-

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toras e frequência de impulsos nervosos) e da hipertrofia, quando não há ainda hipertrofia (sedentário), as adaptações do córtex motor são mais importantes. Por outro lado, num indivíduo treinado e com hipertrofia muscular, cada unidade motora é mais forte e, por isso, nem todas precisam ser recrutadas para esforços que não sejam de força máxima22.

Figura 3. Representação das adaptações neurais e musculares ao longo do treinamento.

Uma prova inequívoca da adaptação neural (do córtex motor) é a transferência para os músculos contralaterais. Foram realizados estudos com o treinamento de força de apenas um dos membros, que obviamente teve a força aumentada como consequência da adaptação neural. Por outro lado, o membro contrário, mesmo permanecendo sem estímulo adicional, também apresentou aumento na força de até 20%23. Num outro extremo, dos muito bem treinados que já atingiram o máximo da hipertrofia e da força, apenas a variação de exercícios e cargas pode induzir novas adaptações neurais e melhorar o desempenho. Na prática, os exercícios multivariados, intermitentes e de alta intensidade, que envolvem os mais diversos grupos musculares, são ótima Educação Física escolar, treinamento e saúde

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opção para condicionamento físico e manutenção da saúde. As capacidades de força, potência, velocidade, resistência muscular localizada, hipertrofia, menor proporção de gordura, coordenação, equilíbrio, aptidão aeróbia e o melhor desempenho motor estão todos relacionados com o condicionamento, a saúde e a longevidade. Apesar das evidências científicas, ainda há profissionais de saúde conservadores que não concordam com a importância da força, potência e hipertrofia para a boa função dos sistemas fisiológicos. O Levantamento de Peso Olímpico aplicado aos esportes Os ganhos de força e potência dos membros inferiores, do core e da cintura escapular podem ser benéficos para melhora do desempenho de vários esportes que requerem saltos, movimentos vigorosos e rápidos, bem como a estabilidade do corpo. O levantamento de peso olímpico e os exercícios funcionais podem auxiliar significativamente na melhora de capacidades necessárias, juntamente com técnica e tática, para o aprimoramento do desempenho. Um exemplo de modalidade que faz uso das capacidades físicas simultaneamente é o basquetebol, com destaque maior para coordenação, que permite o melhor controle na execução dos movimentos; potência, que se traduz na força desenvolvida pelo músculo somada à velocidade de execução do movimento; velocidade que é capacidade de um indivíduo de se deslocar de um ponto ao outro no menor tempo possível; e agilidade, que é a capacidade de mudar e a posição e a direção de forma rápida e precisa24. Os fundamentos básicos do basquete requerem impulsão, sendo necessárias potência, velocidade e agilidade. As variadas situações de jogo, tais como a volta para defesa e o contra-ataque envolvem a combinação de várias capacidades, que devem estar muito bem desenvolvidas para que o desempenho seja o melhor e também não tenha diminuição ao longo da partida. O futebol é uma modalidade esportiva muito complexa que requer diferentes sistemas para a produção de energia, tendo como uma de suas principais capacidades físicas a potência muscular, que está diretamente relacionada com os fundamentos básicos do futebol como chutes, saltos, cabeceios, sprints, mudanças bruscas de direções e outros. Por isso, é imprescindível a realização de treinamento que proporcione o melhor

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desempenho das vias energéticas e da potência muscular, juntamente com o desenvolvimento das demais capacidades físicas pertinentes a modalidade25-27. Nas situações de jogos mais críticas, tais como de marcação acirrada e de armação de contra-ataque, que podem ser determinantes para o resultado, a velocidade, a potência e resistência muscular são mais importantes que a capacidade aeróbia, obtida à custa de longos percursos de corrida. Menor dedicação às corridas e maior tempo em exercícios preparatórios para o levantamento de peso olímpico e exercícios funcionais, podem significar um diferencial na preparação dos jogadores. O voleibol é outro esporte acíclico e intermitente, cujo maior esforço físico realizado na partida são saltos para ataque e bloqueio e deslocamentos rápidos para defesa. As principais capacidades físicas utilizadas durante uma partida de voleibol são flexibilidade, força, velocidade, agilidade e potência anaeróbia. Como os movimentos são, em geral, de curta duração, a via metabólica anaeróbio alática é a mais requisitada, ficando em segundo plano a via aeróbia, mais relevante nos momentos de pausa, inclusive para recuperação da fosfocreatina da via alática. Os movimentos de saltos para ataque e bloqueio requerem potência da musculatura extensora dos joelhos e do quadril, de forma semelhante aos dois movimentos principais do levantamento de peso olímpico. Os músculos deltóides e trapézio são também requisitados para a constante e rápida elevação dos braços para ações de ataque e bloqueio, sendo necessária potência. Por isso, o treinamento de levantamento de peso olímpico para aprimorar as capacidades físicas mencionadas pode contribuir de forma decisiva para obtenção do melhor desempenho em quadra28. Na natação, especialmente, nas provas rápidas, além da técnica do nado, dois fundamentos podem ser decisivos: saída e virada. São movimentos que requerem a máxima potência e guardam semelhança estreita com a fase de extensão dos membros inferiores e do quadril no levantamento de peso olímpico. A saída e virada acontecem numa fase crítica que determina a transição da inércia para o movimento, tendo implicação no tempo que o nadador atingirá a máxima velocidade de nado ao longo do comprimento da piscina. Desse modo, a prática do levantamento de peso olímpico é altamente indicada para o desenvolvimento da força e potência dos nadadores. As sessões de treino de levantamento de peso olímpico devem ser realizadas após obtenção de boa fundamentaEducação Física escolar, treinamento e saúde

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ção com os professores, aprendizado e prática dos exercícios básicos com segurança. Os exercícios de levantamento terra e agachamento para os membros inferiores e o quadril, e de desenvolvimento para de ombros, flexão em barras fixas e remadas curvadas para membros superiores e cintura escapular podem ser bastante benéficos29. No boxe temos apenas a visão final de um golpe em mente com a utilização apenas dos membros superiores para realizar o movimento, porém quando se analisa o todo e/ou se segmenta os detalhes do corpo, percebe-se que a parte inferior do corpo, como o core e membros inferiores, desempenham papel fundamental para a movimentação, estabilização e realização de um golpe eficaz, capaz de passar pela defesa e atingir o adversário. Para obter o melhor desempenho na execução de um golpe no boxe ou em outras modalidades de combate, as capacidades físicas de força e velocidade se combinam para se ter potência. Por isso, o levantamento de peso olímpico representa uma técnica útil para o a melhora do desempenho desses atletas30. A ginástica olímpica e ginástica rítmica mesmo sendo desempenhadas individualmente ou em equipe, no caso da segunda, e sem contato com equipes adversárias, requerem elevado desenvolvimento das capacidades físicas, principalmente flexibilidade, agilidade, força e potência para saltos e outros movimentos. No caso da ginástica olímpica, os próprios aparelhos representam condições de resistência que implicam no desenvolvimento da força, podendo fica para o levantamento de peso olímpico o papel de complementação para força e também para a potência31. Exercícios funcionais podem ser considerados como integrantes do treinamento e, não por acaso, os exercícios ginásticos fazem para do método crossFit para o desenvolvimento amplo das capacidades físicas. Os treinamentos específicos certamente continuarão a ser praticados para competições esportivas ou outros objetivos, porém o paradigma da especialização do movimento e restrição dos movimentos de acordo com a modalidade esportiva parece estar sendo rompido. Evidências empíricas e, principalmente, científicas demonstram que as modalidades esportivas são baseadas em movimentos dependentes do core, dos membros inferiores e da cintura escapular, além da requisição de capacidades físicas muito bem desenvolvidas, principalmente potência, já que força e velocidade são indissociáveis nos esportes. Neste sentido, as adaptações

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das vias metabólicas, da morfologia e da função do tecido muscular, dos órgãos e sistemas fisiológicos, podem ser aumentadas com métodos de treinamento não específicos complementares para a modalidade esportiva, tais como levantamento de peso olímpico, exercícios funcionais e ginásticos. Referências 1. Cooper KH. Aptidão física em qualquer idade: o método Cooper. 4.ed. São Paulo: Editora Forum; 1972. 2. Ferreira ENSA, Triani FS, Moreira JFF. A prevalência de lesões em atletas de levantamento de peso olímpico. Corpus Sci. 2014;10(1):58-63. 3. Turner AN, Stewart PF. Strength and conditioning for soccer players. Strength Condit J. 2014;36(4):1-13. 4. Tavares LAB, Oliveira RB, Veiga J, Marques K. Incidência de lesões em regiões corporais de atletas de levantamento de peso olímpico. Novo Enfoque. 2010;10(10):86-100. 5. Matveev LP. Treino desportivo: metodologia e planejamento.São Paulo: Phorte; 1997. 6. Verkhoshanski Y. Treinamento desportivo – teoria e metodologia. São Paulo: Artmed; 2000. 7. Campos MA, Corraucci Neto B. Treinamento funcional resistido: para melhoria da capacidade funcional e reabilitação de lesões musculoesqueléticas. 2.ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. 8. Ribeiro APF. A eficiência da especificidade do treinamento funcional resistido. [Monografia]. Curso de Educação Física do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas. São Paulo, 2006. 9. Monteiro AG, Evangelista AL. Treinamento funcional uma abordagem prática. São Paulo: Phorte, 2010. 10. Stuber KJ, Bruno P, Sajko S, Hayden JA. Core stability exercises for low back pain in athletes: a systematic review of the literature. Clin J Sport Med. 2014;24(6):448-56. 11. Glassman G. Benchmark workout. 2012. Acesso em 15 setembro 2015. Disponível em: http:// www.CrossFit.com/journal/library/13_03_ Benchmark_Workouts.pdf 12. Tibana RA, Almeida LM, Prestes J. Crossfit riscos ou benefícios? O que sabemos até o momento. Rev Bras Ciên Movimento. 2015;23(1):182-5. 13. Haug WB, Drinkwater EJ, Chapman DW. Learning the hang power clean: kinetic, kinematic, and technical changes in four weightlifting naive athletes. J Strength Condit Res. 2015;29(7):1766-79. 14. Almeida YPC. A relação da potência e estabilidade do core com o desempenho físico de exercícios de levantamento de peso olímpico [Monografia]. Campina Grande: Universidade Estadual da Paraíba; 2012. 15. Delavier F. Guia dos movimentos de musculação. 5.ed. São Paulo: Manole; 2012. 16. Aagaard P, Andersen JL. Effects of strength training on endurance capacity in top-level endurance athletes. Scand J Med Sports. 2010;20(Suppl 2):39-47. 17. Iaia FM, Bangsbo J. Speed endurance training is a powerful stimulus for physiological adaptations and performance improvements of athletes. Scand J Med Sports. 2010;20(Suppl 2):11-23. 18. Boutcher SH. High-Intensity Intermittent Exercise and Fat Loss. J Obesity. 2011;2011:Article ID 868305:1-10. 19. Tabata I, Nishimura K, Kouzaki M, Hirai Y, Ogita F, Miyachi M, Yamamoto K. Effects of moderateintensity endurance and high-intensity intermittent training on anaerobic capacity and VO2max. Med Sci Sports Exerc. 1996;28(10):1327-30. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Novas Tendências em Educação Física 20. Tabata I, Irisawa K, Kouzaki M, Nishimura K, Ogita F, Miyachi M. Metabolic profile of high intensity intermittent exercises. Med Sci Sports Exerc. 1997;29(3):390-5. 21. Osawa Y, Azuma K, Tabata S, Katsukawa F, Ishida H, Oguma Y, Kawai T, Itoh H, Okuda S, Matsumoto H. Effects of 16-week high-intensity interval training using upper and lower body ergometers on aerobic fitness and morphological changes in healthy men: a preliminary study. Open access J Sports Med. 2014;5:257-65. 22. Baechle TR, Earle RW. Fundamentos do treinamento de força e do condicionamento. 3.ed. Barueri: Manole; 2010. 23. Munn J, Herbert RD, Hancock MJ, Gandevia SC. Training with unilateral resistance exercise increases contralateral strength. J Appl Physiol. 2005;99(5):1880-4. 24. Macêdo MS, Macêdo MM. Perfil das qualidades físicas básicas da equipe pré-mirim masculina de basquetebol do fluminense futebol clube. Meta Science. 2011:1-7 25. Pupo JD, Almeida CMP, Detanico D, Silva JF, Guglielmo LGA, Santos SG. Potência muscular e capacidade de sprints repetidos em jogadores de futebol. Rev Bras Cineantropom Hum. 2010;12(4):255-61. 26. Marques MC, Travassos B, Almeida R. A força explosiva, velocidade e capacidades motoras específicas em futebolistas juniores amadores: um estudo correlacional. Motricidade. 2010;6(3):512. 27. Silva-Junior CJ, Palma A, Costa P, Pereira-Junior PP, Barroso RCL, Abrantes-Junior RC, Barbosa MAM. Relação entre as potências de sprint e salto vertical em jovens atletas de futebol. Motricidade. 2011;7(4):5-13. 28. Maques Junior NK. Seleção de testes para o jogador de voleibol. Mov Percepção. 2010;11(16):169-206. 29. Bishop C, Cree J, Read P, Chavada S, Edwards M, Turner A. Strength and conditioning for sprint swimming. Strength Condit J. 2013;35(6):1-6. 30. Lenetsky Seth, Harris N, Brughelli M. Assessment and contributors of punching forces in combat sports athletes: implications for strength and conditioning. Strength Condit J. 2013;35(2):1-7. 31. Lamb M, Oliveira PD, Tano SS, Gil AWO, Santos EVN, Fernandes KBP, Semeão FA, Oliveira RF. Efeito do treinamento proprioceptivo no equilíbrio de atletas de ginástica rítmica. Rev Bras Med Esporte. 2014;20(5):79-382.

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Parte 3 Exercício e saúde

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CAPÍTULO 16 As instituições de longa permanência para idosos (ILPI) e a importância do educador físico Marcelo José Alves, Ana Paula Santana Giroto Alves

Resumo O mundo vivencia um processo de envelhecimento populacional, isto é, o aumento da população de pessoas idosas. O presente artigo discute sobre uma das consequências desse fenômeno, qual seja, a institucionalização da pessoa idosa. Considera mudanças socioculturais, econômicas e físicas, o que tem ocasionado uma demanda considerável para residência em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI). Nessa perspectiva, ressalta a importância da atuação do educador físico com idosos institucionalizados, cuja intervenção profissional contribui para a diminuição e/ou desaceleração de doenças com maior incidência na velhice, bem como coopera para a qualidade de vida a partir da atividade física e outras realizadas em conjunto com a equipe multiprofissional. Introdução Até meados do século XX, o Brasil era considerado um país jovem, dada a proporção de crianças e adolescentes comparada ao numero de idosos. Contudo, segundo dados do IBGE¹, a partir da década de 1960 o Brasil começa a apresentar leve declínio na taxa de fecundidade, o que se acentua nas décadas seguintes. A partir dessa informação, apontamos dois aspectos pertinentes para este artigo: a redução do número de filhos das famílias brasileiras e o aumento da população idosa. Para autores que estudam a velhice, o declínio de fecundidade pode estar relacionado à intensificação da presença da mulher no mercado de trabalho, à universalização da educação, ao acesso à informação,

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às discussões sobre planejamento familiar, às modificações dos arranjos familiares[6], às mudanças culturais, sociais, ideológicas e econômicas. O resultado disso é que cada vez mais as famílias, antes numerosas, têm reduzido o número de filhos, chegando a menos de dois filhos por família, como revela o censo de 20102,3. Em contrapartida, o número de idosos tem aumentado significativamente. A população brasileira está envelhecendo e alcançando maior longevidade. No início do século a expectativa de vida do brasileiro era, em média, 33 anos4, atualmente a média da expectativa de vida é de 73,1[7] anos de idade. Sobre o aumento da expectativa de vida da população brasileira, além dos apontamentos já citados e relacionados ao declínio da taxa de fecundidade, acrescentamos: o avanço científico e tecnológico que tem aprimorado exames, diagnósticos, drogas e tratamentos terapêuticos e preventivos, bem como melhorias das condições de saúde e saneamento básico (se comparado ao início do século passado) e a conscientização e estímulo ao envelhecimento saudável e ativo. Assim, todos esses fatores contribuem para que o indivíduo alcance maior longevidade. A partir de tais indicativos e de dados estatísticos informados por meio de pesquisas censitárias, se confirma que a demografia do Brasil vem se modificando rapidamente e isso é claramente percebido nas pirâmides etárias construídas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que significa dizer que o Brasil está envelhecendo e acompanhando a tendência do envelhecimento populacional mundial. O IBGE divulgou que no Brasil, em 2009, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) já contabilizava uma população com cerca de 21 milhões de pessoas com 60 anos ou mais e que a estimativa, inclusive da Organização Mundial da Saúde (OMS), para 2025 é de que esse número possa chegar a 32 milhões, alcançando o patamar de sexto país com maior número 6[] Chamamos de arranjos familiares os diversos tipos de composição familiar: a nuclear (pai, mãe e filhos); monoparental (um dos pais e filhos); recompostas (por casamentos de segunda ou terceira união); apenas por casais que optam por não terem filhos, ou terem mais tarde (depois dos 30 anos); casais homoafetivos etc. Salvo o modelo nuclear, os demais são considerados “novos arranjos familiares”. 7[7] Cabe ressaltar que esta é a média geral, informada pelo IBGE (2010), porém a expectativa de vida média pode sofrer variações de região para região. Sobre isso ver: Síntese de Indicadores Sociais 2010 – IBGE. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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de idosos. Pesquisas revelam ainda, que é crescente o número de idosos “longevos”, isto é, de pessoas com 80 anos ou mais. O envelhecimento populacional brasileiro é uma grande conquista que deve ser celebrada, afinal, quem não quer viver por mais tempo? Todavia, é uma conquista que traz grandes responsabilidades, pois viver por mais tempo não é sinônimo de viver bem, com saúde, com qualidade de vida e com os direitos sociais garantidos. O Brasil ainda precisa avançar muito no que se refere às políticas sociais voltadas à melhoria da qualidade de vida, a programas e serviços direcionados a essa faixa etária, já que essa transformação demográfica tende a impactar em diversas áreas como saúde, habitação, assistência social, mercado de trabalho, previdência social, turismo, esporte, cultura e lazer, e outras2. Envelhecimento saudável Nessa direção, no final do século XX, a OMS passou a incentivar o envelhecimento ativo, termo igualmente adotado pelo Brasil, com vistas a estimular a prática de atividades físicas, hábitos adequados de alimentação e estilos de vida saudáveis em seu sentido pleno, prevenção de situações de violência contra o idoso e que possibilitem qualidade de vida a esse segmento populacional. Para que se alcance os resultados esperados, tais medidas envolvem ações de políticas públicas direcionadas a todas as faixas etárias5. A atividade física e hábitos saudáveis são, sem dúvida, importantíssimos para o bem estar físico e mental do ser humano. Porém, a qualidade de vida na velhice não depende apenas do envelhecimento ativo. É preciso ter claro que o processo de envelhecimento não é único e varia de pessoa para pessoa. Esse processo pode ocorrer de modo normal ou patológico. O envelhecimento normal é caracterizado pela perda ou declínio de valências físicas como força e resistência, diminui-se também a velocidade na marcha, além do declínio das capacidades cognitivas e sensoriais, ou seja, a capacidade funcional do indivíduo vai diminuindo de forma lenta e gradativa6. Neste sentido, Netto7 afirma que a partir dos 30 anos de idade, o indivíduo perde 1% da função a cada ano. No entanto, alterações físicas, sociais ou psicológicas quando decorrentes de doenças, podem acentuar os processos de perda da capa-

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cidade funcional, caracterizando assim o envelhecimento patológico2. As vulnerabilidades sociais, acidentes e quedas também precipitam a redução da capacidade funcional. Nestes casos, são grandes as chances de o indivíduo viver uma velhice dependente. A dependência na velhice é caracterizada pela incapacidade ou dificuldade que o indivíduo tem para realizar determinada atividade, tais como de vida diária (AVD) direcionadas ao autocuidado: tomar banho, vestir-se, alimentar-se, cuidar da própria higiene, locomover-se, isto é, cuidados do dia a dia. A dependência também pode ser classificada na incapacidade ou dificuldade na execução de atividade instrumental de vida diária (AIVD) como: gerir a própria vida, a casa, os recursos financeiros, pagar contas e receber benefícios, fazer compras e outras. Geralmente, tal incapacidade ou dificuldade é decorrente e/ou agravada por problemas de saúde, fraturas e doenças crônico-degenerativas de maior incidência em idosos como, por exemplo, as cerebrovasculares, a demência de Alzheimer, doença de Parkinson, dentre outras2,8,9. O grau de dependência pode variar de acordo com o nível de dificuldade ou incapacidade apresentada pelo idoso e, é claro que, quanto maior a dependência, maior a necessidade de ajuda de terceiros. Nessa perspectiva, as principais legislações brasileiras que tratam da proteção social ao idoso, quais sejam, Constituição Federal de 1988, Política Nacional do Idoso (PNI) e Estatuto do Idoso estabelecem que seja dever da família, da sociedade e do Estado[8] garantir a proteção ao idoso por meio de amparo, efetivação e garantia de direitos, defesa da dignidade e bem-estar, convivência familiar e comunitária. Tais normativas indicam a responsabilidade partilhada[9] entre família, sociedade e Estado, no que tange à garantia da proteção social ao idoso, o que inclui o cuidado do mesmo. Séculos atrás, à medida em que os idosos iam se tornando depen8[] Conferir em: Constituição Federal de 1998 – artigo 230; Política Nacional do Idoso (Lei nº 8.842/1994) – artigo 3; Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) – artigo 3. 9[] Embora muitos juristas, representantes do poder público, inclusive do sistema de garantia de direitos à pessoa idosa afirmem que a responsabilidade primeira do cuidado e proteção ao idoso seja da família, pois é a primeira instituição citada nas três legislações da nota anterior, entendemos que a família é de fato o primeiro núcleo de convívio e cuidado natural de seus membros, mas esse cuidado é provido quando há o vínculo afetivo e condições para a viabilização do mesmo. Contudo, o “dever” e a “obrigação” da proteção ao idoso não é apenas da família e sim desta em conjunto com sociedade e Estado. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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dentes, os primeiros a assumir o cuidado eram os familiares, especialmente as mulheres da casa e, na ausência destas, o cuidado era exercido por mulheres da família, mais próximas ao idoso como filhas casadas, noras, netas, sobrinhas, cunhadas. O cuidado possuía uma característica de gênero, predominantemente exercido por mulheres ao longo da história, como uma das atribuições do trabalho doméstico. Ainda hoje, há um forte incentivo do Estado e do poder público para que as famílias assumam e garantam o cuidado ao idoso, visto que o modelo de proteção social adotado pelo Brasil está mais próximo do modelo familista, no qual a proteção deve ser garantida de forma máxima pela família, com a mínima intervenção do Estado. Daí a supervalorização da família por meio das políticas sociais, programas, serviços orientados pelo governo brasileiro como, por exemplo, o “Programa de Saúde da Família/ Estratégia de Saúde da família”, o “Programa Bolsa Família”, a “matricialidade sociofamiliar”, enquanto diretriz do SUAS[10], o “Programa de Fortalecimento de Vínculo Familiar e Comunitário”, bem como as legislações direcionadas à velhice e criança e adolescente, onde a família aparece como espaço privilegiado de proteção2,10,11. Diante do exposto até então, qual seja, envelhecimento populacional, maior longevidade, velhice ativa e dependente, cuidado e modelo de proteção social familista, voltamos ao início da discussão desse artigo, quando mencionamos fatores que contribuíram para a diminuição da fecundidade. A família contemporânea tem se configurado por meio de vários arranjos e está cada vez menor, pois muitas pessoas têm optado por não ter filhos, por casar-se com mais idade ou por não casar nem constituir família. Ainda há que se considerar que homens e mulheres têm se ocupado de trabalhos com carga horária e responsabilidades semelhantes. Sendo assim, como ficará o cuidado dos idosos? Como supervalorizar e afirmar que o cuidado deve ser exercido pela família? Como garantir a proteção ao idoso nessas condições? Uma das alternativas encontradas pela família que não consegue prestar o cuidado ao idoso é de contratar um cuidador formal[11], mas este é um privilégio de poucos, dada a situação econômica do país. 10[] SUAS: Sistema Único de Assistência Social. 11[] Profissional que é contratado para cuidar.

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Outra alternativa está na institucionalização do idoso, mas esta deve ser buscada em última instância, conforme preconiza os artigos 4º, parágrafo III da PNI e 3º, parágrafo V do Estatuto do Idoso12, que estabelecem que a prioridade do atendimento ao idoso deve ser realizado pela própria família em detrimento do atendimento asilar, salvo em situações em que a família e o idoso não tenham condições de exercer esse cuidado. A institucionalização do idoso Os primeiros “asilos” foram criados no século VI e são os mais antigos modelos de atendimento ao idoso sem família. No Brasil, o primeiro abrigo foi criado em 1794 (“Casa dos Inválidos”) para acolher idosos que foram soldados e que serviram a pátria. Cerca de um século depois, em 1890, foi criada a primeira instituição (Asilo São Luiz) para acolhimento de idosos pobres em geral2,13,14. Atualmente, as legislações brasileiras e os referenciais teóricos sobre a velhice têm utilizado o termo Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) para designar as instituições governamentais e não governamentais voltadas ao atendimento do idoso em regime residencial. Este termo é utilizado como padrão no lugar das variadas denominações como: asilo, casa de repouso, lar, centro geriátrico, abrigo etc. Diferente da ideia que se tinha anteriormente como um lugar frio, triste e de idosos abandonados, a ILPI representa, hoje, uma das vias de proteção social ao idoso que não consegue se manter sozinho ou cuja família não tem condições de prover o cuidado do mesmo, dadas as transformações culturais e sociais ocorridas no interior das famílias, como já mencionado anteriormente. A Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais15 considera o acolhimento institucional como um serviço de proteção especial de alta complexidade que deve garantir, além do cuidado, a convivência do idoso com familiares, amigos e sociedade, bem como a promoção de atividades culturais, educativas, lúdicas e de lazer com vistas à dignidade da pessoa idosa e a busca da qualidade de vida dos idosos institucionalizados2. Nessa direção, como espaço de proteção, as ILPIs adquirem maior atenção da sociedade, são criadas normas legais e técnicas de Educação Física escolar, treinamento e saúde

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funcionamento tanto no que se refere ao público-alvo (perfil do idoso), à estrutura física e aos recursos humanos, que podem variar de acordo com o grau de dependência do idoso. A partir do estabelecido na RDC nº 283/200516 e na NOB-RH/ SUAS resolução nº 269/200617, a ILPI precisa ter em seu corpo de funcionários profissionais de limpeza, de lavanderia, de alimentação, de serviço social, de psicologia, de cuidadores (a quantidade é estipulada pelo número de idosos e pelo grau de dependência), de desenvolvimento de atividades socioculturais e de lazer, além de um coordenador. Seria ideal que a equipe técnica multiprofissional, além do assistente social e psicólogo, fosse composta também por: enfermeiro, farmacêutico, médico, nutricionista, fisioterapeuta, educador físico e terapeuta ocupacional. Apesar de o Brasil dispor de legislações, de normas de funcionamento das ILPIs e órgãos responsáveis pela fiscalização destas como o conselho municipal de idoso, por exemplo, isso não é suficiente se não forem considerados o processo de envelhecimento de cada idoso, as suas necessidades físicas, emocionais e sociais. A maioria das pessoas (se não forem todas) pensa em ter uma velhice saudável, em aproveitar a vida nessa fase, em não depender de ninguém, em ter seu próprio espaço e, de repente, quando são institucionalizados sentem o choque de realidade ao ter que dividir o espaço com pessoas que nunca viram antes, em ter que obedecer as regras para convivência institucional, em depender de outros para realizar as AIVDs e/ou AVDs, inclusive para escolher por ele o que vai comer no almoço e jantar, além de perceber o declínio de sua capacidade funcional ao não conseguir realizar tarefas que antes fazia com facilidade. Nesse sentido, é de suma importância que a equipe multiprofissional que atua nessa área tenha conhecimento em geriatria e gerontologia e desenvolva suas atividades de forma multiprofissional, para garantia do atendimento e cuidado integral do idoso institucionalizado. É de igual importância que as instituições promovam espaços para o desenvolvimento de atividades que contribuam para o bem-estar físico, mental, emocional e social do idoso institucionalizado, a fim de proporcionar-lhes qualidade de vida e reduzir os impactos decorrentes do próprio processo de institucionalização.

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A importância da atuação do educador físico nas ILPIs O envelhecimento provoca diversas consequências negativas ao organismo, entre elas estão a sarcopenia, que significa a perda de massa magra (muscular), fator este desencadeador da perda da capacidade funcional e, como consequência, da autonomia do idoso18,19,20, fragilização óssea causada pela descalcificação (osteoporose)21, diminuição da capacidade de memorização22, aumento da administração de medicamentos e problemas decorrentes23, além dos fatores psíquicos como a demência e a depressão que podem debilitar ainda mais o idoso24. Todos estes fatores isolados ou associados causam um comprometimento da qualidade de vida dos idosos, demandando cuidados especiais, além de onerar os gastos pessoais, institucionais e governamentais, pertinentes à manutenção ou recuperação da saúde25. A institucionalização do idoso, em muitos casos, potencializa os efeitos nocivos do envelhecimento, que são aumentados pela inatividade física decorrente, em muitos casos da falta de opções ou de estímulo para a prática de alguma atividade física, aumentando a debilidade do idoso26, fragilizando sua saúde e, em muitos casos, levando o idoso à dependência medicamentosa, quedas, internações, dependência física e até mesmo ao óbito. A prática da atividade física programada e sistematizada, quando realizada pelo idoso, proporciona diversos benefícios à sua saúde, tornando-se essencial para a manutenção e melhoria da qualidade de vida, retardando e, em alguns casos, evitando os efeitos do envelhecimento e o impacto da institucionalização como podemos observar a seguir. A sarcopenia causada pelo envelhecimento e acentuada pela inatividade física é retardada com a prática de atividades físicas regulares realizadas principalmente por exercícios resistidos27,28 e exercícios de isostretching29,30. Estes podem proporcionar ao idoso mais autonomia para suas atividades diárias, em consequência da menor dependência do auxílio de outras pessoas. A osteoporose é uma doença metabólica caracterizada pela perda de massa óssea. Lasmar e Borges31, em seu estudo de revisão, nos apresenta a eficiência de diversos tipos de exercícios físicos relacionados ao tratamento e prevenção desta doença, sugerindo assim sua prática como essencial. A depressão e a demência impactam diretamente na capacidade Educação Física escolar, treinamento e saúde

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funcional, pois se caracterizam pelo desinteresse nas atividades, sejam elas quais forem, e alteração do humor, com causa multifatorial, envolvendo aspectos, psíquicos, físicos e sociais32. Segundo Tomé et al.33, a prática de exercícios físicos diminui os níveis de depressão e contribui ainda, num efeito secundário, no tratamento e prevenção desta doença em idosos. Outra característica do envelhecimento é a diminuição da capacidade cognitiva, em especial da memória. Sobre isso, Moreira et al.34 dizem que o impacto dos exercícios físicos sobre a memorização são conflitantes, porém atividades como a dança influenciam de maneira positiva esta capacidade. Neste sentido a prática da atividade física orientada e sistematizada colabora de forma direta e indireta no tratamento e prevenção de diversas doenças que são relacionadas ao envelhecimento e, em muitos destes casos, auxilia na diminuição e até interrupção da administração de medicamentos. Conclusão Diante do exposto e a partir da revisão de literatura, observamos que as discussões e estudos acerca da velhice, sobretudo da velhice ativa, tem adquirido grande relevância social, dado o fenômeno do envelhecimento populacional vivenciado pelo Brasil e pelo mundo. A ciência, a tecnologia e as transformações socioculturais contribuíram para que o indivíduo atingisse maior longevidade. Contudo, ainda há muito que se avançar para que além do aumento da expectativa de vida, o idoso tenha condições de viver bem esta fase da vida, na qual o corpo envelhece e desencadeia inúmeras perdas e diminuição de sua capacidade funcional. Destacamos que este processo pode ser acelerado e intensificado por patologias e por exposição a situações que causam impactos sociais e emocionais na vida do idoso. Não raras vezes, a institucionalização aparece como um propulsor para tais impactos. Com o envelhecimento populacional, o aumento da expectativa de vida e com as modificações ocorridas no interior das famílias, é cada vez maior a demanda de idosos para as ILPIs. Estas, por sua vez, precisam se adaptar às novas exigências normativas e investir em profissionais qualificados para o atendimento ao idoso institucionalizado, uma vez que, quanto maior a autonomia e independência do idoso, menor o trabalho e os custos

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necessários para prover o cuidado ao mesmo. Nessa ótica, destacamos a importância do educador físico e sua intervenção no sentido da especificidade e sistematização das atividades físicas, dirigidas as necessidades individuais e em grupo para os idosos institucionalizados. O desenvolvimento das mesmas, em conjunto com as ações realizadas por outros profissionais que atuam nas ILPIs, contribui para a diminuição dos impactos da velhice na saúde do idoso, retardando e, em alguns casos, evitando a instalação de determinadas doenças. Conclui-se que a inserção do educador físico na equipe multiprofissional é importante no sentido de colaborar na manutenção e/ou no reestabelecimento da independência e da qualidade de vida dos idosos residentes em ILPIs. Referências 1. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Primeiros resultados definitivos do censo 2010: população do Brasil é de 190.755.799 pessoas. Noticias. Comunicação Social 29 de abril de 2011. Acesso em: 30 jul 2015. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?view=notic ia&id=3&idnoticia=1866&busca=1&t=primeiros-resultados-definitivos-censo-2010-populacao-brasil190-755-799-pessoas 2. Alves APSG. Proteção social na velhice: idosos dependentes e o cuidado familiar. [Dissertação Mestrado]. Programa Pós-Graduação em Serviço Social e Política Social, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Universidade Estadual de Londrina. Londrina: UEL; 2014. 3. Campos MB, Borges GM. Projeção de níveis e padrão de fecundidade no Brasil. In: Ervatti LR et al. (Orgs.). Mudança demográfica do Brasil no inicio do século XXI: subsídios para projeções da população. Estudos e análises, informação demográfica e socioeconômica, núm. 3. Rio de Janeiro: IBGE; 2015. 4. Veras R. A novidade da agenda social contemporânea: a inclusão do cidadão de mais idade. Terceira idade. 2003;14(28):6-9. 5. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Série A. Normas e Manuais Técnicos. Cadernos de Atenção Básica, núm. 19. Brasília: Ministério da Saúde; 2007. 6. Resendi MC, Neri AL. Envelhecer com deficiência física: possibilidades e limitações. In: Neri AL (Org.). Qualidade de vida na velhice: enfoque multidisciplinar. 2.ed. Campinas: Editora Alínea; 2011. 7. Netto MP. Processo de envelhecimento e longevidade. In: Netto MP (Org.). Tratado de gerontologia. 2.ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2007. 8. Neri AL. Bem estar e estresse em familiares que cuidam de idosos fragilizados e de alta dependência. In: Neri AL. Qualidade de vida e idade madura. 7.ed. Campinas: Papirus; 2007. 9. Santos SMA, Rifiotis T. Cuidadores familiares de idosos dementados: uma reflexão sobre o cuidado e o papel dos conflitos na dinâmica da família cuidadora. In: Sinson ORMV, Neri AL, Cachioni M. As múltiplas faces da velhice no Brasil. 2.ed. Campinas: Alínea; 2006. 10. Carvalho MCB. Famílias e políticas públicas. In: Acosta AR, Vitale MAF (Org.). Família: redes, laços e politicas públicas. 3.ed. São Paulo: Cortez: Instituto de Estudos Especiais – PUC/SP, 2007. 11. Mioto RCT. Família e politicas sociais. In: Boschetti I et al. (Org.). Política social no capitalismo: tendências contemporâneas. São Paulo: Cortez; 2008. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Novas Tendências em Educação Física 12. Brasil. Estatuto do Idoso. Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2003. 13. Alcântara AO. Velhos institucionalizados e família: entre abafos e desabafos. Campinas, SP: Alínea; 2004. 14. Araújo CLO, Souza LA, Faro ACM. Trajetória das Instituições de Longa Permanência para Idosos no Brasil. Acesso em: 30 jul 2013. Disponível em: www.abennacional.org.br/centrodememoria/.../ n2vol1ano1_artigo3.pdf 15. Brasil. Conselho Nacional de Assistência Social. Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009. Institui a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais. Brasília: 2009. 16. ANVISA. Resolução da Diretoria Colegiada. RDC nº 283, de 26 de setembro de 2005. 17. Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Conselho Nacional de Assistência Social. Resolução nº 269 de 13 de dezembro de 2006. Aprova a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social – NOB-RH/SUAS. 2006. 18. Leite LEA. Envelhecimento, estresse oxidativo e sarcopenia: uma abordagem sistêmica. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(2):365-80. 19. Panisset JA. Exercício físico resistido: um fator modificável na sarcopenia em idosos. Estud Interdiscipl Envelhec.2012;17(2):293-304. 20. Pedrinell A, Garcez-Leme LE, Nobre RSA. O efeito da atividade física no aparelho locomotor do idoso. Rev Bras. Ortop. 2009;44(2):96-101. 21. Soares DS, Mello LM, Silva AS, Nunes AA. Análise dos fatores associados a quedas com fratura de fêmur em idosos: um estudo caso-controle. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(2):239-48. 22. Leite MT, Hildebrandt LM, Kirchner RM, Winck MT, Silva LAA, Franco GP. Estado cognitivo e condições de saúde de idosos que participam de grupos de convivência. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(4):64-71. 23. Nóbrega OT, Karnikowski MGO. A terapia medicamentosa no idoso: cuidados na medicação. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10(2):309-13. 24. Reys BN, Bezerra AB, Vilela ALS, Keusen AL, Marinho V, Paula E et al. Diagnóstico de demência, depressão e psicose em idosos por avaliação cognitiva breve. Rev Assoc Med Bras. 2006;52(6):401-4. 25. Brasil. Ministério da Saúde. Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis (DAnT). Brasília. Acesso 2015 ago 1. Disponível em: http://portal. saude.gov.br/portal/svs/area.cfm?id_area=448 26. Faleiros NP, Justo JS. O idoso asilado: a subjetividade intramuros. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2007;10(3):1-16. 27. Vieira LGU, Queiroz ACC. Análise metodológica do treinamento de força como estratégia de controle da pressão arterial em idosos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(4):845-54. 28. Jorge RT, Souza MC, Jones A, Lombardi Júnior I, Jennings F, Natour J. Treinamento resistido progressivo nas doenças musculoesqueléticas crônicas. Rev Bras Reumatol. 2009;49(6):726-34. 29. Cepeda CC, Rodaki AF, Persch LN, Silva PP, Buba S, Dressler VF. Efeitos do método isostretching sobre parâmetros morfológicos e sobre um conjunto de testes motores em idosas. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum. 2013;15(5):604-15. 30. Carvalho AR, Assini TCKA. Aprimoramento da capacidade funcional de idosos submetidos a uma intervenção por isostretching. Rev Bras Fisioter. 2008;12(4):268-73. 31. Lasmar MS, Borges GF. Exercício físico no tratamento e prevenção de idosos com osteoporose: uma revisão sistemática. Fisioter Mov. 2010;23(2):289-99 32. Carreira L. Prevalência de depressão em idosos institucionalizados. Rev Enferm. 2011;19(2):26873. 33. Tomé BMB, Nunes C, Neves A, Simões C. Comparação dos níveis de ansiedade e depressão entre idosos ativos e sedentários. Rev Psiquiatr Clín. 2013;40(2):71-6. 34. Moreira AGG, Malloy-Diniz LF, Fuentes D, Correa H, Lage GM. Atividade física e desempenho em tarefas de funções executivas em idosos saudáveis: dados preliminares. Rev Psiquiatr Clín. 2010;37(3):109-12.

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CAPÍTULO 17 Doença pulmonar obstrutiva crônica e exercício Físico Aline Duarte Ferreira, Ana Clara Campagnolo Real Gonçalves

Resumo A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) representa uma das principais causas de morbimortalidade no mundo, afeta a qualidade de vida, gera incapacidade física e impacto socioeconômico. Um dos pontos para se discutir é o subdiagnóstico, prejudicado por fatores como a falta de importância dada à espirometria, exame de triagem fundamental. Além disso, estabelecer programas de treinamento físico específico é benéfico na melhora da condição física e realização das atividades de vida diária. Há evidências de que a prática regular de exercício é capaz de reverter parcialmente a disfunção muscular na DPOC, melhorar a eficiência mecânica e reduzir a sensibilidade à dispneia. Doenças crônicas não transmissíveis As quatro principais doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são as doenças respiratórias crônicas, doenças cardiovasculares, câncer e diabetes, que representam 63% das mortes no mundo1. No Brasil as DCNT são também a principal causa de mortalidade, correspondendo, em 2009, a 80,7% do total de óbitos2. Entre as DCNT, uma grande proporção corresponde às doenças respiratórias crônicas (DRC), que estão aumentando em prevalência no mundo, particularmente entre as crianças e os idosos, podendo chegar até a provocar incapacidade nessa população afetada. As DRC são caracterizadas por doenças crônicas tanto das vias aéreas superiores como das vias aéreas inferiores. A asma, a rinite alérgica e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) são as mais comuns3. Embora as DRC afetem a toda a população, os resultados são con-

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sideravelmente piores para a classe socioeconômica mais pobre, devido à maior prevalência de fatores de risco e menor acesso a serviços de tratamento da doença. O acesso inadequado aos serviços de saúde, desde a atenção primária, os serviços de diagnóstico, até o acesso aos medicamentos são importantes fatores que contribuem para a crescente carga de doenças crônicas4. Somados a esses fatores, a população carente apresenta menor capacidade de lidar com as consequências financeiras das doenças crônicas5. Portanto, os governos precisam fortalecer suas respostas e priorizar as intervenções baseadas em critérios comprovados de custo-eficácia, proteção financeira e resposta rápida. Investir em intervenções para prevenir as doenças crônicas é a melhor saída6. Em grande parte, a maioria das mortes causadas por DCNT poderiam ser evitadas. O consumo do tabaco é a principal causa de morte evitável na América7. Acredita-se que, por meio das políticas públicas baseadas em abordagens para a prevenção primária, como a luta antitabaco, se obtenha maiores reduções nas doenças crônicas1. Relacionadas as políticas públicas de saúde, há evidências sobre a eficácia da atuação da atenção primária na redução da DCNT. A atenção primária se refere ao primeiro contato dos usuários com o sistema de saúde8, sendo fundamental que profissionais estejam preparados para lidar com esses doentes, ofertando orientação de qualidade e prevenção da exacerbação3. Porém, especificamente para as DRC, a maioria dos serviços de saúde ainda realiza apenas abordagens na atenção secundária, restritas ao tratamento sintomático das exacerbações da doença. Ainda são encontrados poucos estudos a respeito da avaliação e intervenção relacionada ao diagnóstico da DPOC na atenção primária, que se faz necessária para a detecção precoce e o melhor controle da doença. O capítulo que segue abordará especificamente a epidemiologia da DPOC em seus aspectos mais relevantes, como a prevalência e o subdiagnóstico da doença, mortalidade, comorbidades e fatores de risco, com destaque para a exacerbação. Mais adiante, será abordada a questão do exercício físico na DPOC. Definição, prevalência e mortalidade da DPOC Durante décadas, a DPOC vem sendo definida por diferentes formas. Ainda não há um consenso sobre a definição da doença. A sua classificação depende da diretriz seguida ou da referência utilizada. Isso faz com Educação Física escolar, treinamento e saúde

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que as comparações das prevalências entre os estudos sejam limitadas, fato que gera conclusões não condizentes com o real panorama da doença9. A DPOC é definida por uma doença com repercussões sistêmicas, prevenível e tratável, caracterizada por obstrução do fluxo aéreo pulmonar, não totalmente reversível e progressiva. Essa limitação é causada pela associação entre doença de pequenos brônquios (bronquite crônica obstrutiva) e destruição de parênquima (enfisema pulmonar)10. Ao realizar apenas o diagnóstico médico, a prevalência da DPOC é subestimada. Os critérios clínicos não são suficientes para estabelecer o diagnóstico da DPOC, por isso recomenda-se a confirmação espirométrica. O consenso do Global Obstructive Lung Disease (GOLD) preconiza o diagnóstico de DPOC baseado na espirometria e que devem ser considerados na avaliação clínica a presença de sintomas, severidade da obstrução, história de exacerbação e comorbidades. Por meio desse conjunto de itens avaliados, os pacientes com DPOC são classificados em quatro categorias do GOLD: A, B, C e D11. Talvez um dos pontos mais importantes para se discutir atualmente sobre o DPOC seja o subdiagnóstico da doença. Alguns fatores prejudicam e interferem no diagnóstico, como a falta de conhecimento médico da doença, as nomenclaturas desconhecidas para leigos e pouco utilizadas por médicos, como é o caso da bronquite crônica e enfisema, que são mais utilizados do que o termo doença pulmonar obstrutiva crônica, tanto pelos médicos quanto pela população e, por fim, a falta de solicitação da espirometria para os pacientes9. O grupo PLATINO evidencia em um dos seus estudos que a DPOC é subdiagnosticada e subtratada no Brasil12. Portanto, a espirometria é um exame primordial para o diagnóstico da doença, pois permite assegurar a existência de limitação do fluxo aéreo, fator considerado indispensável na definição de DPOC. Além disso, a espirometria auxilia o médico a seguir com condutas específicas de acordo com a gravidade da obstrução. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, a espirometria, para o diagnóstico de DPOC, deve ser realizada sempre que o paciente responder a três perguntas com “sim” dentre cinco perguntas: ter 40 anos ou mais, ser tabagista ou ex-tabagista, ter tosse pela manhã na maioria dos dias, ter secreção pela manhã na maioria dos dias, se cansar mais do que uma pessoa da mesma idade ao caminhar com ela13.

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Ainda nesse sentido, para pacientes que apresentem sintomas iniciais leves e que tenham um nexo causal, como tabagismo ou ter trabalhado em locais poluídos por pó ou gases, a espirometria é fundamental para o diagnóstico da DPOC14. Para auxílio no diagnóstico da doença, além da espirometria, outros exames complementares devem ser realizados, como o raio-X de tórax11. A mais recente pesquisa mundial sobre a prevalência da DPOC com alto rigor metodológico e controle de qualidade da espirometria, conforme o critério da relação fixa da espirometria do volume expiratório forçado no primeiro segundo e a capacidade vital forçada menor que 0,70 (VEF1/CVF>0,70) em adultos com idade igual ou maior que 40 anos, por sexo, é o Burden of Obstructive Lung Disease (BOLD)15. Existem várias outras pesquisas multicêntricas comparáveis ao BOLD, como é o caso do estudo PLATINO16, realizado em cinco centros da América Latina. A DPOC é a terceira causa de morte no mundo e, de acordo com o Global Burden of Disease (GBD), houve redução da mortalidade nas duas últimas décadas17,18. Outro estudo realizado em 27 países da União Européia também mostra tendência de diminuição da mortalidade, principalmente no sexo masculino19. No Brasil, os estudos mostraram declínio de 20% da mortalidade por DCNT no período de 1996-2007 e decréscimo de 38% na mortalidade por DRC neste período. A DPOC, com declínio de 28,2%, foi a maior causa de morte em adultos2. Além da mortalidade, outro fator a ser considerado é a carga da doença, representada por várias medidas. Uma das medidas mais frequentes na literatura é o DALYs (Disability Adjusted Life Years), indicador que procura medir simultaneamente o impacto da mortalidade e dos problemas de saúde que afetam a qualidade de vida dos indivíduos. Trata-se da soma dos anos de vida perdidos por mortes prematuras mais os anos vividos com incapacidade. Os resultados das pesquisas mostram que no mundo, entre 1990 e 2010, a DPOC apresentou diminuição nas DALYs de 2%20, passando de sexto lugar em 1990 para nono lugar em 201021. No Brasil, de acordo com dados de 1998, as DRC ocuparam o terceiro lugar2. Outro estudo mais recente evidenciou que a taxa de mortalidade geral por DPOC, no Brasil, mostrou tendência de aumento de 1998 até 2004, seguida por diminuição nos anos seguintes22. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Comorbidades e fatores de risco na DPOC Sabe-se que as doenças mais frequentes em indivíduos com DPOC são as doenças cardiovasculares, câncer de pulmão, pneumonias e osteoporose, entre outras. Contribuindo para a presença dessas comorbidades associadas à DPOC, aparecem os fatores de risco para a doença, como o hábito tabagístico, que dispara em primeiro lugar, seguido da dieta inadequada, exacerbações, inatividade física, idade, fatores genéticos e tuberculose23. Ainda, o nível socioeconômico e fatores ambientais como a poluição domiciliar, exposição ocupacional a poeiras e produtos químicos ocupacionais têm ganhado crescente destaque como fatores causais9. Está tão evidente na literatura a relevância do tratamento das comorbidades na epidemiologia da DPOC9, que a atual diretriz do GOLD preconiza realizar a avaliação das comorbidades e das exacerbações nos indivíduos com DPOC11. Estudo de meta-análise evidenciou que o risco de morte aumenta em 16% para cada exacerbação24. Por isso, um dos índices utilizados na avaliação do grau de mortalidade dos indivíduos com DPOC de forma sistêmica e do prognóstico da doença é o BODE (Body mass index, air flow Obstruction, Dyspnea and Exercise capacity), caracterizado por não incluir somente a avaliação do grau de obstrução, mas também incorporar fatores como tolerância ao exercício, IMC e dispneia. Sua pontuação varia de zero a dez e, quanto maior a pontuação, maior o índice de mortalidade25. O índice foi renomeado para eBODE, pois passou a incluir o item “exacerbações”, afim de predizer a sobrevida em indivíduos com DPOC26. Estudos mostram que indivíduos com DPOC com exacerbações e que não praticam o mínimo de atividade física diária têm aumentado o grau de mortalidade27. Associação da inatividade física e das exacerbações da DPOC parece estar relacionada com a vigência do processo inflamatório pulmonar e sistêmico. Contudo, ainda não está bem esclarecida a contribuição exata desta inflamação na disfunção do sistema músculo esquelético, havendo evidências que a prática regular de exercício é capaz de reverter, ao menos parcialmente, a disfunção muscular da DPOC, melhorar a eficiência mecânica e ainda reduzir a sensibilidade à dispnéia. Além disso, há forte evidência de que o treinamento físico melhora a qualidade de vida de pacientes com DPOC28-31. As recomendações para a prática de exercícios para esta população estão apresentadas no próximo subitem deste capítulo.

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Exercício físico em doenças pulmonares Pneumopatas apresentam tipicamente dispneia ou falta de ar com o esforço físico e, como resultado dessa limitação clínica, essa população restringe suas atividades físicas, fato que favorece o descondicionamento cardiorrespiratório e musculoesquelético. A manutenção dessa restrição ao esforço físico implica no agravamento de um ciclo vicioso, pois essa intolerância ao esforço permite que os pacientes pulmonares sofram de uma dispneia ainda maior com níveis até mais baixos de esforço físico. A menos que esse ciclo seja rompido, este paciente acaba se tornando incapacitado e funcionalmente deficiente. O exercício físico tem sido mostrado como intervenção efetiva na quebra deste quadro clínico e tem se mostrado efetivo na prevenção da incapacidade e da deficiência funcional29,32. Como já foi relatado nas subseções anteriores deste capítulo, as anormalidades da função pulmonar são divididas quanto à frequência em disfunções restritiva e obstrutiva. A disfunção restritiva é uma redução anormal na função pulmonar que pode ser o resultado de muitas doenças diferentes como traumatismos, irradiação ou certos medicamentos. Todavia, a DPOC é definida como a diminuição permanente do fluxo de ar, associada habitualmente com bronquite, enfisema e asma. As evidências atuais sugerem que os princípios padronizados da prescrição do exercício (modalidade, frequência, intensidade e duração), em geral podem ser aplicados aos pacientes com doenças pulmonares, sendo que a maior parte dos dados aplicados acerca de testes de esforço e da prescrição de exercício nessa população foi obtida de indivíduos com DPOC33-35. Os indivíduos com asma bem controlada podem se exercitar de acordo com as recomendações do American College of Sports Medicine (ACSM) para prescrição dos exercícios físicos, porém para os casos de asma induzidos pelo exercício, devem prestar muita atenção no sentido de evitarem os “desencadeantes” ambientais, tais como o ar frio, o ar seco e poeirento e/ou poluentes inalados, assim como outras substâncias químicas. Os indivíduos que sofrem de asma aguda não devem exercitar-se até a regressão dos sintomas36. Da mesma forma, qualquer condição de exacerbação clínica dos pacientes com DPOC torna contraindicada a realização de exercícios físicos, temporariamente, até que ocorra a estabilização dos sintomas. Para a avaliação funcional dos pneumopatas, se deve incluir a capaEducação Física escolar, treinamento e saúde

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cidade cardiopulmonar, função pulmonar e determinação dos gases sanguíneos arteriais e/ou da saturação de oxigênio. Além disso, no caso dos testes de esforço, podem ser aplicadas adaptações aos protocolos tradicionais, tais como estágios ampliados, incrementos menores a cada estágio e progressão mais lenta. Essas modificações podem ser justificadas pelas limitações funcionais e pelo início precoce da dispneia34,37,38. A modalidade do teste de esforço pode ser resumida em caminhada ou bicicleta estacionária, mas no caso de utilizar a ergometria de membros superiores, é importante ressaltar que a dispneia pode apresentar-se de maneira precoce, o que limitaria mais ainda a duração da atividade. Sobretudo, a monitorização da saturação de oxigênio deve ser constante ao longo do teste, pois este pode vir a ser interrompido em casos de dessaturação do oxigênio arterial (níveis a partir de 88%)34,36. Os princípios gerais da prescrição do exercício se aplicam às pessoas com ou sem doença crônica, porém certas condições clínicas podem exigir diferenças na programação destinadas a maximizar a eficácia e evitar complicações. A programação do exercício para a população pneumopata se assemelha às orientações para pacientes portadores de cardiopatias. Esta envolve atividades para grandes grupos musculares, com duração de 20 a 60 minutos, frequência de 3 a 5 dias na semana, respeitando a intensidade conforme a tolerância e aparecimentos de sintomas, podendo variar de 40 a 85% da frequência cardíaca de reserva (FCR) ou do consumo de oxigênio de reserva (VO2R), 55 a 90% da FC máxima ou ser controlado com base na percepção subjetiva do esforço (PSE) entre 12 a 16 da escala de Borg de 6 a 2032,39,40. Uma maneira eficiente de encontrar esses valores de intensidade é utilizando a equação de reserva da captação máxima de oxigênio (VO2R = VO2 máx – VO2 repouso). Além disso, já que a frequência cardíaca e o consumo máximo de oxigênio estão relacionados linearmente durante o exercício dinâmico, a frequência cardíaca do treinamento (FCT – equação de Karvonen) predeterminada, também pode ser seguramente utilizada como indicador da intensidade do exercício em uma ampla variedade de populações clínicas, incluindo os pacientes cardíacos e pneumopatas36. De acordo com Karvonen, a frequência cardíaca estabelecida para a realização da atividade física deve ser calculada por meio da equação: FCT = FCR + x% (FC máx – FCR), onde:

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FCT = frequência cardíaca de treinamento FCR = frequência cardíaca de repouso FCmáx = frequência cardíaca máxima obtida no teste ergométrico x% = percentual da intensidade, a partir da estratificação de risco do paciente, desejada para o treinamento A partir de um teste ergoespirométrico, calcula-se o percentual da reserva da captação de oxigênio usando a seguinte equação: %VO2R = VO2 repouso + x% (VO2 máx – VO2 repouso)36. Esta equação possui a mesma forma do cálculo da equação de Karvonen, sendo: VO2R = percentual da reserva da captação de oxigênio VO2 repouso = 3,5 ml/kg/mim (1 MET) VO2 máx = consumo máximo de oxigênio obtido no teste ergoespirométrico x% = percentual da intensidade, a partir da estratificação de risco do paciente, desejada para o treinamento Não existe um consenso quanto ao nível “ótimo” de intensidade do esforço a ser aplicada ao pneumopata, porém, baseando-se nestes intervalos supracitados, o profissional do exercício deve monitorar atentamente as sessões iniciais e estar pronto para realizar ajustes de valores ou na duração do exercício em conformidade às respostas do paciente, particularmente de sintomas de dispneia e falta de ar41,42. O método mais utilizado no controle da intensidade do exercício para indivíduos com acometimentos cardiorrespiratórios é a monitorização da frequência cardíaca. Contudo, trabalhos mais recentes tem utilizado para esse controle uma abordagem que consiste em escalas de taxação de dispneia. A maioria dos pacientes com DPOC pode produzir de maneira precisa e confiável a intensidade desejada do exercício utilizando um alvo da dispneia de 2 a 3 (em uma escala de 4 pontos), ou entre 3 e 5 (moderada a intensa) na categoria de relação de 0 a 10, durante exercício submáximo com duração de 10 a 30 minutos41,43. Como medida de adaptação ao exercício e à intensidade do esforço, pode ser necessário à maioria dos pacientes, nas primeiras sessões, executar o exercício em pequenas frações, de maneira intermitente (exercício – repouso), até conseguir tolerar a intensidade de esforço planejada sem dispneia ou falta de ar ao longo da duração de 30 a 60 minutos de exercício35,44. A modalidade mais estudada em pacientes portadores de DPOC é a Educação Física escolar, treinamento e saúde

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caminhada, pois é utilizada na maioria das atividades de vida diária (AVD’s). A bicicleta estacionária pode ser utilizada como opção alternativa do treinamento, porém, devido à especificidade do treinamento, deve-se favorecer o treino da modalidade do teste de avaliação, para assim alcançar melhores resultados. Além disso, como já mencionado anteriormente, exercícios que envolvam membros superiores devem ser monitorizados com bastante atenção, pois podem resultar em maiores níveis de dispneia35,45-47. Além dos exercícios aeróbios, os exercícios resistidos para os músculos esqueléticos devem ser parte integrante dos programas de reabilitação pulmonar, sendo que sua prescrição deve obedecer aos mesmos princípios adotados para indivíduos adultos e idosos sadios46,48-50. Esta modalidade tem se mostrado muito eficiente para esta população, principalmente nas primeiras sessões, uma vez que seu curto período de execução não parece capaz de gerar dispneia, sendo bem tolerado pelo pneumopata. Os exercícios resistidos promovem benefícios de hipertrofia musculoesquelética em membros superiores e inferiores, favorecendo as AVD’s e a qualidade de vida dos pacientes34,44,48,50. Atualmente não há consenso quanto à aplicação dos exercícios resistidos em pacientes com doença pulmonar crônica. Tradicionalmente, os trabalhos com exercícios resistidos para pacientes com DPOC utilizam equipamentos de musculação. Porém, apesar dessa modalidade ser amplamente utilizada, as formas de prescrição para número de séries e repetições, intensidade e duração do treinamento ainda não estão bem definidas para pneumopatas. Existem experiências bem sucedidas em pacientes com DPOC, cujas intensidades do treinamento atingiram até 90% da carga de 1 repetição máxima (1RM) sem relato de efeitos adversos. Portanto, pode ser considerado seguro utilizar o treinamento resistido nessa população, desde que sejam consideradas as comorbidades e, sobretudo, a presença de doenças cardiovasculares49,51-53. Assim, considerando o treinamento físico aeróbio associado ao treinamento resistido é possível reverter o quadro de descondicionamento físico do pneumopata, incluindo a DPOC. O treinamento regular favorece a melhora da força muscular e da capacidade funcional, o que torna esses pacientes mais ativos, sendo esperada melhora da auto-estima e maior percepção de bem-estar, que se traduz, ainda que subjetivamente, na melhora da sua qualidade de vida.

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CAPÍTULO 18 Exercício e artrite reumatoide: contribuições do educador físico Rodrigo Metzker Pereira Ribeiro

Resumo A artrite reumatoide é uma doença desencadeada por fatores ambientais, genéticos, hormonais e imunológicos. Atualmente, a ideia dos benefícios do exercício físico em pacientes com artrite já é aceita, no entanto, não está muito bem elucidado. O presente capítulo apresenta uma discussão atualizada sobre o tema, com o foco direcionado para o papel do educador físico, promovendo conhecimentos sobre a doença, os benefícios do exercício físico e questionamentos sobre quais exercícios e intensidade a ser realizada nesses pacientes. Introdução “É a tensão entre a criatividade e o ceticismo que produziu os resultados impressionantes e inesperados da ciência”

Carl Sagan.

Com o espírito de cotação de Sagan que levantamos questões para as quais estamos céticos. Pode uma pessoa diagnosticada com artrite reumatoide realizar exercício físico e obter uma melhor qualidade de vida? Como uma pessoa com problemas nas articulações e dores constantes pode usufruir de treinamentos específicos que possam ajudar a aliviar sintomas? A tão discutida medicina personalizada estende-se para o treinamento físico personalizado? Na última década muito se tem discutido sobre a prática do exercício físico em pessoas diagnosticadas com artrite reumatoide. Os benefícios do exercício físico para esses pacientes nunca foram tão evidenciados e estu-

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dados e, o que antes fora proibido, hoje se entende como essencial à prática de exercícios físicos para a saúde das articulações e melhora do paciente. O que outrora era tão distante, neste momento se configura em aproximação da Medicina e com a Educação Física1-3. O capítulo aqui apresentado tem como objetivo discutir o que se tem de mais atual da inserção do exercício físico para indivíduos com artrite reumatoide, enaltecer os benefícios, os treinos mais adequados e o papel do educador físico na qualidade de vida tanto física quanto mental dessas pessoas. Artrite reumatoide As doenças reumáticas foram descritas pela medicina desde a época de Hipócrates, ainda que, parcialmente, no século IX a.c. O termo “rheuma” surgiu para designar um tipo de quadro doloroso que afetava as articulações do corpo4. A artrite reumatoide é uma doença inflamatória crônica que acomete as articulações sinoviais provocando erosão óssea e cartilaginosa e, consequentemente, destruição articular. A evolução da doença está associada à incapacidade progressiva marcada por deformidades, complicações sistêmicas, morte precoce e elevados custos socioeconômicos5. Embora a etiologia permaneça desconhecida, diversos estudos sugerem que uma combinação de fatores genéticos e ambientais esteja envolvida no desencadeamento da doença (Figura 1)6,7.

Figura 1 Educação Física escolar, treinamento e saúde

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. Esquema dos principais fatores relacionados com a instalação da artrite reumatoide. A artrite reumatoide pode acometer qualquer pessoa, sem discriminação de gênero e idade. No entanto, observa-se maior incidência na população da faixa etária compreendida entre 30-50 anos, principalmente em mulheres7,8. De acordo com a Sociedade Brasileira de Reumatologia8 um indivíduo deve atender a pelo menos quatro dos sete critérios abaixo para ser classificado como paciente com artrite reumatoide (protocolo ARC, 1987): • Rigidez matinal (nas articulações, com pelo menos 1 hora de duração); • Artrite em três ou mais das seguintes áreas: articulações interfalangeas proximais, articulações metacarpofalangeas, punhos, cotovelos, joelhos, tornozelos e articulações metatarsofalangeas); • Artrite de mãos (punhos, articulações metacarpofalangeas ou interfalangeasproximpais); • Artrite simétrica (mesmas áreas em ambos os lados do corpo); • Nódulo reumatoide (presença de um ou mais nódulos subcutâneos sobre proeminências ósseas ou superfícies extensoras ou regiões periarticulares); • Fator reumatoide (presente em qualquer título); • Alterações radiográficas (erosões ou descalcificação periarticular em radiografias posteriores de mãos e punhos). Os critérios ACR/EULAR (pontuação de pelo menos seis em 10) devem estar presentes em pacientes com sinovite clínica em pelo menos uma articulação, que não seja justificada por outra causa: • Envolvimento articular, excluídas as articulações interfalangicas distais das mãos e dos pés, primeiras metatarsofalangicas e primeiras carpometacárpicas (0-5);

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– 1 articulação grande (ombros, cotovelos, quadris, joelhos e tornozelos): 0 – 2 a 10 articulações grandes (ombros, cotovelos, quadris, joelhos e tornozelos): 1 – 1 a 3 articulações pequenas (articulações metacarpofalangicas, 1ª interfalangicas, interfalangicas proximais, 2ª a 5ª metatarsofalangicas e punhos): 2 – 4 a 10 articulações pequenas (articulações metacarpofalangicas, 1ª interfalangicas, interfalangicas proximais, 2ª a 5ª metatarsofalangicas e punhos): 3 – mais de 10 articulações (pelo menos uma pequena articulação e grandes articulações temporomandibulares, esternoclaviculares e acromioclaviculares): 5 • Sorologia (2-3) – fator reumatoide e anti-CCP negativos: 0 – fator reumatoide ou anti-CCP positivos em baixos títulos (até três vezes o limite superior de normalidade): 2 – fator reumatoide ou anti-CCP positivos em altos títulos (até três vezes acima do limite superior de normalidade): 3 • Duração dos sintomas (0-1) – menos de 6 semanas: 0 – igual ou superior 6 semanas: 1 • Reagentes de fase aguda (0-1) mais: 0

– proteína C reativa e velocidade de sedimentação globular nor-

– proteína C reativa ou velocidade de sedimentação globular alteradas: 1 O Brasil ainda adota os dois critérios anteriores para classificar a artrite reumatoide, sendo o critério ACR/EULAR mais sensível para casos iniciais da doença. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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A artrite reumatoide instala-se de maneira insidiosa e progressiva. Suas manifestações podem ser tanto articulares como extra-articulares. Em manifestações articulares apresentam-se dor e intumescimento, derrame em grandes circulações, rigidez matinal, atrofia muscular periarticular e deformidades9,10. Estudos relatam que a evolução da artrite reumatoide é progressiva quando não ocorre um tratamento adequado, aumentando a probabilidade de deformidades devido ao afrouxamento ou ruptura dos tendões e das erosões articulares. Ocorrendo essas deformidades nos ossos, cartilagens, tendões e músculos, associados a tratamentos tardios e sem o treinamento físico correto, a artrite reumatoide pode levar à incapacidade física do indivíduo em situações cotidianas, aumentando o risco de mortes por problemas cardíacos e comprometendo a saúde mental do indivíduo3,8,11,12. Epidemiologia A artrite reumatoide é uma doença autoimune (DAI) sistêmica comum, cuja prevalência é estimada em 1% da população mundial, com predomínio em mulheres e maior incidência na faixa etária dos adultos. De acordo com as características étnicas da população, a prevalência pode variar, como por exemplo, de 0,1% em camponeses africanos até 5% em populações indígenas7,8. Ao sul da Europa, a taxa de incidência anual da artrite reumatoide é de 16,5 casos/105 habitantes, já ao norte, essa incidência sobe para 29 casos/105 habitantes. Estudos indicam que a prevalência de artrite reumatoide no Brasil seja estimada em 0,2% a 1% da população13, dado próximo ao observado no mundo. Diante do exposto, necessita-se de propostas não farmacológicas para a melhora do quadro dos pacientes diagnósticas com artrite reumatoide. Segundo dados do Ministério da Saúde, a artrite reumatoide foi responsável, em média, por 0,4% das internações hospitalares no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), com gastos correspondentes a 0,2% do montante destinado aos custos das internações na faixa etária acima de 60 anos4. Como discorrido anteriormente, a artrite reumatoide é uma doença multifatorial, ou seja, pode ser desencadeada por diversos fatores que influenciam sua instalação. Por isso, urge a necessidade da compre-

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ensão dos mecanismos inflamatórios envolvidos na doença para auxiliar na prescrição de exercícios físicos que contribuam para evitar o progresso da doença e melhorar as questões de saúde do indivíduo. Exercício físico Estudos antropológicos relatam a existência da atividade física na cultura pré-histórica14. O exercício físico, quando realizado de forma adequada, traz grandes benefícios, melhorando o sistema imunológico do indivíduo, aumentando a resistência a agentes virais e bacterianos, reduzindo a incidência de certos tipos de câncer, diminuindo doenças cardiovasculares agudas e crônicas, melhorando a função respiratória e oportunizando ao indivíduo melhor qualidade de vida14,15,16,17. Pesquisas conduzidas na área da reumatologia têm demonstrado que, além do tratamento fisioterápico e farmacológico, há forte correlação entre os benefícios do exercício físico no tratamento da artrite reumatoide. No entanto, falta consenso quanto ao melhor tipo treinamento, intensidade, frequência, duração, bem como o impacto de diferentes protocolos de exercícios físicos na capacidade funcional dos pacientes11,18,19. Kulkamp et al.4 destacam que a prática de exercício físico para pessoas com artrite reumatoide é imprescindível e, por meio dele, os pacientes podem melhorar a aptidão aeróbica, a força muscular, mobilidade articular e até mesmo o humor, sem causar nenhum tipo de dano articular significativo ou piorar o processo inflamatório. Estima-se que 60% dos pacientes que apresentam artrite reumatoide têm algum grau de comprometimento muscular. O exercício físico, devido ao seu efeito antiinflamatório, pode modular o sistema imunológico, melhorando sua função e, assim, dificultando a perda muscular decorrente da inflamação crônica na artrite reumatoide20. Ao contrário do que era discutido na década passada de que era importante o repouso no tratamento da artrite reumatoide, estudos indicam que a prática do exercício físico é imprescindível17,21. Diferentes tipos e cargas de exercício provocam alterações no sistema imunológico, por isso, quando realizados de forma correta e apropriada, trazem benefícios. Os malefícios podem surgir quando são realizados de forma intensiva e extenuante. Estudos demonstram que o exercício físico moderado melhora o sistema imunológico e tem apresentado papel Educação Física escolar, treinamento e saúde

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como potencial indutor na modulação da resposta imunológica, enquanto o exercício mais intenso e prolongado parece o enfraquecer14,22-25. Por isso, há orientações de exercício físico para pessoas diagnosticadas com artrite reumatoide. Tabela 1. Resumo das orientações gerais de exercício físico para pessoas diagnosticadas com artrite reumatoide. Esta informação segue as recomendações da American College of Sports Medicine (ACSM). Adaptado de Cooney et al.1. Benefício Tipo de exercício Como atingir Melhoras cardiovas- Ciclismo, caminhada, 30 – 60 minutos culares natação e dança 3 – 5 dias/semana Aumento de massa e Treino com pesos li- 8 – 10 exercícios para força muscular vres e aparelhos de grupos musculares musculação grandes 8 – 12 repetições/ exercício Melhora na flexibili- Yoga, Pilates, Tai Chi e 10 – 15 minutos dade e saúde das ar- alongamentos 2 dias na semana ticulações Durante o exercício físico agudo, ocorre a ativação do sistema imunológico causando leucocitose, neutrofilia e linfopenia, assim como são registrados o aumento da capacidade fagocitária de neutrófilos e monócitos após o exercício anaeróbio de alta intensidade15,17. Exercícios de alta intensidade causam danos teciduais, produção de hormônios de estresse e alterações na quantidade e na qualidade da função de células do sistema imunológico. O exercício intenso pode induzir a inibição de muitos aspectos de defesa do organismo, incluindo as células natural killer (NK), resposta proliferativa dos linfócitos e a produção de anticorpos pelos plasmócitos. Estas alterações deixam o organismo mais susceptível a agentes infecciosos e oncogênicos10,15,16,23,24. Benefícios do exercício na artrite reumatoide

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Para evidenciar os benefícios do exercício físico podemos discutir os problemas que podem ocorrer por conduzir uma vida baseada no sedentarismo. O risco de consequências fatais aumenta consideravelmente com o avanço da idade e com a presença de doenças ou incapacidade física, representando um obstáculo a ser superado para uma vida fisicamente ativa. Atualmente, são numerosos os artigos publicados demonstrando os benefícios do exercício físico associado a um tratamento adequado, que levam ao retardo na progressão da doença artrite reumatoide25. Sob este cenário, urge a necessidade da aproximação do educador físico junto à equipe médica para capturar indivíduos que precisam desenvolver um estilo de vida mais saudável. No caso da artrite reumatoide, a prática do exercício físico promove melhora significativa no sistema articular, muscular e ósseo, auxiliando diretamente na saúde física e mental do indivíduo. Na clínica é evidenciado que os pacientes diagnosticados com artrite reumatoide que realizam exercício físico têm diminuição na progressão da doença, estabilizando o quadro clínico, amenizando as dores, diminuindo a fadiga e, muitas vezes, promovendo o retorno às atividades cotidianas. O regresso para atividades do dia a dia favorece o bem estar mental do paciente, assegurando-lhe uma vida com mais qualidade (Figura 2)3,25-27.

Figura 2 . Benefícios do exercício físico para pessoas vivendo com artrite reumatoide.

Como debatido anteriormente, indivíduos com artrite reumatoide estão mais susceptíveis às doenças cardiovasculares. O possível efeito do exercício físico sobre o risco cardiovascular, perfis inflamatório e imunoEducação Física escolar, treinamento e saúde

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lógico é de grande interesse para os profissionais de saúde. Outro fator importante que influencia a capacidade funcional é a caquexia reumatoide, desenvolvida por perda de massa celular do sistema muscular esquelético. Nessa direção, prescrever exercícios físicos que promovam ganhos de força e massa muscular pode contribuir diretamente no controle da progressão da doença. No entanto, qual o tipo de treino mais adequado? Qual a frequência? Deve-se praticar exercícios de baixa, moderada ou intensa atividade? Por quanto tempo? Tais questões ainda devem ser mais bem esclarecidas por meio de pesquisas científicas que possibilitem a transformação da prática em saúde para as pessoas com artrite reumatoide1,18. Tratamento sem o uso de medicamentos O tratamento não medicamentoso de artrite reumatoide inclui educação do paciente e de sua família, terapia ocupacional, fisioterapia, apoio psicossocial, cirurgia e exercício físico. Os benefícios da terapia não medicamentosa ainda não estão bem consolidados pela comunidade científica, carecendo de novos estudos que enalteçam a melhora clínica e funcional dos pacientes. Exercícios contra resistência são seguros e muito eficazes na artrite reumatoide, melhorando o tônus muscular e o tempo de deslocamento. Os exercícios aeróbios parecem melhorar de forma discreta a qualidade de vida, a capacidade funcional e a dor dos pacientes com artrite reumatoide estável. No entanto, estão diretamente relacionados e bem estabelecidos os benefícios cardiovasculares nesses pacientes, diminuindo o risco de morte por doenças cardíacas que são muito comuns em indivíduos com artrite reumatoide1,8,18,27. Outros tipos de terapias não medicamentosas estão sendo mais bem estudadas na artrite reumatoide, tanto na fase aguda da doença como na fase estável. Como exemplo, os benefícios da fisioterapia e de intervenções psicológicas que contribuem para a redução da ansiedade e depressão. Até mesmo a acupuntura tem sido estudada, porém a indicação ainda é controversa. Ainda há necessidade de mais pesquisas científicas nessa área para que esses indivíduos adquiram uma vida mais saudável e com melhor qualidade28-30.

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Conclusão A importância da inclusão do exercício físico no tratamento da artrite reumatoide é, hoje em dia, clara e comprovada. O exercício físico parece melhorar o quadro geral da artrite reumatoide sem qualquer efeito prejudicial para o agravo da doença. Assim, todos os pacientes com artrite reumatoide devem ser incentivados a incluir alguma forma de exercício físico aeróbio e de treinamento de resistência como parte de sua rotina de cuidados. O papel do educador físico na estabilização da doença e na melhora da qualidade de vida fica evidente, no entanto, carecemos de mais pesquisas quanto ao tipo de treino, frequência, tempo de exercício e a intensidade para incorporar o exercício para a vida dos pacientes com artrite reumatoide. Referências 1. Cooney JK, Law RJ, Matschke V, Lemmey AB, Moore JP, Ahmad Y, Jones JG, Maddison P, Thom JM. Benefits of exercise in rheumatoid arthritis. J Aging Res. 2011;681640. 2. Booth F, Roberts CK, Laye MJ. Lack of exercise is a major cause of chronic diseases. Compr Physiol. 2012;2(2):1143-121. 3. Silva CR, Costa TF, Oliveira TTV, Muniz LF, Mota LMH. Prática de atividade física entre pacientes da Coorte Brasília de artrite reumatoide inicial. Rev Bras Reumatol. 2013;53(5):394-9. 4. Kulkamp W, Dario AB, Gevaerd MS, Domenech SC. Artrite reumatoide e exercício físico: resgate histórico e cenário atual. Rev Bras Ativ Física & Saúde. 2009;14(1):55-64. 5. Silva Junior FS, Rocha FAC. Artrite induzida por Zymosan em ratos, mecanismos envolvidos na hipernocicepção e na lise da cartilagem articular. Acta Reum Port. 2006;31:143-9. 6. Usnayo MJG, Andrade LEC, Alarcon RT et al. Estudo da frequência dos alelos de HLA-DRB1 em pacientes brasileiros com artrite reumatoide.Rev Bras Reumatol. 2011;51(5):465-83. 7. Goeldner I, Skare TL, Reason ITM, Utiyama SRR. Artrite reumatoide: uma visão atual. J Bras Med Lab. 2011;47(5):495-503. 8. Mota LMH, Cruz BA, Brenol CV et al. Consenso 2012 da sociedade brasileira de reumatologia para o tratamento da artrite reumatoide. Rev Bras Reumatol. 2012;52(2):135-74. 9. Ferreira LRF, Pestana PR, Oliveira J, Mesquita-Ferrari. Efeitos da reabilitação aquática na sintomatologia e qualidade de vida de portadoras de artrite reumatoide. Fisioter Pesq. 2008;16(2):136-41. 10. Nonose N, Pereira JA, Machado PRM, Rodrigues MR, Sato DT, Martinez AR. Oral administration of curcumin (Curcuma longa) can attenuate the neutrophil inflammatory response in zymosaninduced arthritis in rats. Acta Cirurgica Brasileira. 2014;29(11):727-34. 11. Bombarda J, Melo JC, Souza ER, Nóbrega OT, Córdova C. Exercício abaixo do limiar anaeróbio aumenta as atividades fagocítica e microbicida de neutrófilos em ratos Wistar. J Bras Patol Med Lab. 2009;45(1):9-15. 12. Hurley MV. Muscle, exercise and arthritis. Ann Rheum Dis. 2002;61:673-5. 13. Louzada-Junior P, Souza BDB, Toledo RA. Análise descritiva das características demográficas e clínicas de pacientes com artrite reumatoide no estado de São Paulo, Brasil. Rev Bras Reumatol. 2007;47(2):84-90. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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CAPÍTULO 19 Exercício físico, inflamação sistêmica e saúde Jair Rodrigues Garcia Júnior

Resumo Epidemiologicamente, o sedentarismo tornou-se um fator tão relevante para o desenvolvimento das doenças crônico-degenerativas, que foi criado um termo específico – “diseasoma da inatividade física” – para denominar essas doenças que estão interligadas. Assim como esse termo, também são recentes os estudos sobre o papel determinante do estado de inflamação sistêmica no desenvolvimento destas doenças. Apesar de os benefícios preventivos e terapêuticos do exercício físico estarem amplamente comprovados, é bastante recente o entendimento da relação do exercício físico e do aumento da produção e secreção de miocinas pelos músculos com a diminuição da inflamação sistêmica e a prevenção das doenças crônico-degenerativas. Tudo isso ressalta, grandemente, o potencial do exercício físico como terapia não farmacológica para várias doenças. Introdução Entre as transformações observadas na sociedade nas últimas décadas, podem ser destacados o estilo de vida fisicamente inativo e a elevação do consumo calórico diário. Ambos vêm contribuindo para o aumento das doenças crônico-degenerativas que, por serem consequência do baixo nível de atividade física, também são denominadas de doenças hipocinéticas. Pertinentemente, foi atribuída a denominação de “diseasoma da inatividade física” para designar o conjunto de doenças (diseases) interligadas, que resultam da ausência de prática regular de exercí-

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cios (ou esforços) vigorosos. Entre as doenças englobadas no “diseasoma” estão o diabetes melitus tipo 2, a aterosclerose, as doenças cardiovasculares, os cânceres de cólon e seios e as demências 1,2. Problemas de saúde comuns na população como hipertensão arterial, dislipidemias, sobrepeso e resistência à insulina que, quando em conjunto, são denominadas de síndrome metabólica, levam a doenças incapacitantes e com maior risco de mortalidade. A resistência à insulina, quando evolui para o diabetes melitus tipo 2, provoca maior neurodegeneração, com prejuízo das funções cognitivas, incluindo a velocidade de processamento das informações, a memória e o aprendizado, levando às demências, tais como a doença de Alzheimer3. A relação entre a inatividade física, consumo alimentar excessivo e sobrepeso com as doenças crônico-degenerativas é conhecida há tempos, bem como que a prática regular de exercícios físicos está relacionada com a redução do risco de desenvolvimento de diabetes melitus tipo 2 (até 58%) e de mortalidade por doenças cardiovasculares (até 35%)2. Mais recentemente, a inflamação sistêmica crônica, normalmente presente em todos os indivíduos, porém em estado de baixo grau, passou a ser diretamente relacionada com a síndrome metabólica e doenças crônico-degenerativas3-6. Simultaneamente, foi estabelecida a relação direta entre sobrepeso/obesidade e o grau de inflamação sistêmica, bem como o elo entre o efeito protetor do exercício físico com a inflamação sistêmica, tendo como base moléculas denominadas citocinas produzidas por ambos tecidos, adiposo e muscular. O novo paradigma vigente considera os desequilíbrios entre as citocinas secretadas por estes tecidos como causa e proteção, respectivamente, das doenças crônico-degenerativas. Em síntese, o estímulo da contração estimula as funções autócrina, parácrina e endócrina do tecido muscular (ignorada por quase 100% dos profissionais de saúde), que agem de forma a evitar a disfunção dos próprios tecidos muscular e adiposo (resistência à insulina) e de vários outros órgãos, tais como o coração, sistema nervoso e intestino, susceptíveis às doenças cardiovasculares, demências e tumores, respectivamente2,7 (Figura 1). Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Figura 1. Representação das relações entre os tecidos adiposo e muscular, a inflamação sistêmica e as doenças crônico-degenerativas.

Em vista disso, o exercício físico tem seu papel preventivo/terapêutico, não farmacológico, evidenciado para o controle da inflamação sistêmica, de doenças inflamatórias crônicas como a artrite reumatóide, lúpus eritematoso, neurodegenerativas e demais doenças crônico-degenerativas7-16. Inflamação sistêmica A inflamação é uma reação fisiológica complexa que ocorre em infecções e lesões diversas, sendo necessária como fator de proteção e desencadeador dos processos regenerativos mediados por fatores de crescimento. Por sua vez, a inflamação sistêmica crônica é caracterizada pela elevação de duas a quatro vezes da concentração sanguínea de citocinas inflamatórias, anti-inflamatórias, antagonistas de citocinas,

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proteínas de fase aguda e aumento na contagem de neutrófilos e células natural killer, mesmo não havendo lesão, trauma ou infecção que desencadeia a reação do sistema imunológico3. A presença de citocinas inflamatórias no sangue provoca alterações no metabolismo, tais como resistência à ação da insulina, aumento da gliconeogênese, hiperglicemia, proteólise, aumento da reabsorção óssea e dislipidemia7. Não por acaso, aterosclerose, resistência à insulina, diabetes melitus tipo 2, neuroinflamação, neurodegeneração e crescimento de tumores já foram relacionados diretamente com a inflamação sistêmica crônica15,16. Por sua vez, a inflamação sistêmica é agravada pelo acúmulo de gordura visceral e pela inatividade física, condição e comportamento comuns na população que prioriza o trabalho, acúmulo de bens materiais e a praticidade de refeições dos tipos fast food ou “direto do freezer para o forno”. A diminuição da gordura corporal tem se mostrado um dos fatores determinantes na diminuição do grau de inflamação sistêmica7. O tecido adiposo, especialmente, o visceral, além do acúmulo de triacilglicerol, desempenha a função de órgão endócrino secretando citocinas que, via sangue, agem como hormônios, ou seja, ativando a expressão gênica, síntese de proteínas e enzimas relacionadas com as vias metabólicas do processo inflamatório1,18. Por isso, as citocinas presentes na circulação sanguínea são consideradas fiéis marcadores do estado de inflamação sistêmica. Uma das citocinas inflamatórias é o fator de necrose tumoral (TNF) produzida pelos leucócitos para sinalização nos processos imunológicos e também pelas células adiposas. O TNF tem, entre seus efeitos, estimular a lipólise, o aumento da produção de diacilglicerol e a alteração na sinalização intracelular após a interação insulina-receptor no tecido muscular, provocando a resistência à insulina19. A proteína C reativa (CRP) é uma citocina de resposta de fase aguda e um dos principais indicadores da inflamação sistêmica, relacionada diretamente com a aterosclerose e o risco de doenças cardiovasculares. Sua concentração normalmente é menor que 0,25 mg/dL, porém tem se mostrado aumentada em até 100 vezes na condição de sobrepeso e obesidade7,20. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Quadro 1. Relação das citocinas inflamatórias e anti-inflamatórias. Ação Inflamatória

Anti-inflamatória

Citocinas CRP – Proteína C reativa TNF-α – Fator de necrose tumoral IL-1β – Interleucina 1β IL-2 – Interleucina 2 IL-6 – Interleucina 6 (tecido adiposo) Resistina IFN-γ – Interferon-γ IL-1ra – Interleucina 1ra IL-4 – Interleucina 4 IL-6 – Interleucina 6 (tecido muscular) IL-8 – Interleucina 8 IL-10 – Interleucina 10 IL-15 – Interleucina 15 BDNF – Fator neurotrófico derivado do cérebro LIF – Fator inibidor de leucemia FGF-21 – Fator de crescimento de fibroblasto 21 Folistatina-1 Adiponectina Irisina

Considerando as doenças crônico-degenerativas mais comuns, como a obesidade, diabetes melitus tipo 2 e cânceres, entre suas características está a dislipidemia. Como mencionado, são as células adiposas as responsáveis, por meio de sua função endócrina, pela secreção das citocinas inflamatórias, porém há evidências de que os lipídios circulantes (lipoproteínas) atuam como pivôs na ativação das vias inflamatórias. Uma das consequências do aumento das citocinas inflamatórias na circulação é a interrupção do transporte reverso do colesterol pela lipoproteína HDLc, condição que está relacionada ao desenvolvimento de aterosclerose21. Desse modo, a inflamação sistêmica parece intermediar a condição de dislipidemia e a evolução para as doenças cardiovasculares. Exercício físico como anti-inflamatório O tecido muscular é o mais abundante (35-50% do peso corporal) e mais metabolicamente ativo do corpo, tendo importante papel na ho-

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meoestase da glicose e energética. Estudos epidemiológicos, clínicos e experimentais têm comprovado e consolidado, inequivocamente, o efeito protetor do exercício físico em relação às doenças crônico-degenerativas22,23. No entanto, não estava esclarecido por quais vias ou mecanismos o exercício físico atuava ao evitar o desenvolvimento destas doenças, a não ser por seu efeito na melhora do perfil glicêmico e lipídico, diminuição da gordura corporal e melhora da composição corporal. Há estudos demonstrando o efeito do exercício físico na redução (até 39%) da concentração da CRP em adultos e idosos, mesmo sem ter havido diminuição significativa do índice de massa corporal. Também tem sido observada a diminuição de ambas citocinas inflamatórias, IL-6 (até 15%) e TNF-α (até 19%) em razão direta ao volume de exercícios praticados. Isto é, as adaptações musculares resultantes do treinamento em indivíduos fisicamente ativos e bem condicionados contribuem para diminuição do grau de inflamação sistêmica7. Porém, o fato que está realmente mudando a visão sobre os músculos é sua atividade secretora. Assim como o tecido adiposo desempenha função de órgão endócrino, produzindo e secretando citocinas, papel semelhante pode ser atribuído ao tecido muscular, também pela produção e secreção de citocinas específicas, denominadas de miocinas, que podem exercer função autócrina, parácrina e endócrina3,23,24, mediando a comunicação entre o tecido muscular, adiposo, fígado, cérebro e outros órgãos23. As miocinas parecem responder pelos mecanismos de sinalização na inter-relação do tecido muscular com o tecido adiposo e outros órgãos por meio da função endócrina, sendo decisivas nas adaptações agudas na condição de exercício físico24-26. Por meio das miocinas produzidas e secretadas pelo estímulo dos músculos em contração, o exercício físico (agudo e crônico) modula o estado de inflamação sistêmica1,22,27-29. Entre as miocinas anti-inflamatórias produzidas e secretadas pelo tecido muscular (Quadro 1) está a interleucina 6 (IL-6), cuja concentração sanguínea é a primeira a aumentar e, em até 100 vezes durante o exercício físico. A IL-6 tem efeito no próprio tecido muscular (ação parácrina), favorecendo a translocação para o sarcolema dos transportadores de glicose GLUT-4 e aumentando a captação de glicose. Ainda no tecido muscular, estimula a produção e secreção de outras miocinas, inteleucina 1ra (IL-1ra) e interleucina 10 (IL-10), também anti-inflamatórias. Além disso, Educação Física escolar, treinamento e saúde

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através da circulação sanguínea, tem efeito no tecido adiposo estimulando a lipólise e no fígado estimulando a gliconeogênese (ação endócrina)24. A interleucina 15 (IL-15) é outra das miocinas, secretada principalmente quando do estímulo de exercícios físicos de força, tendo efeito anabólico e de crescimento muscular (ação parácrina). Porém, seu efeito mais interessante, relacionado com as doenças crônico-degenerativas, é o estímulo da lipólise no tecido adiposo (ação endócrina), mas especificamente no visceral, considerado crítico para o desenvolvimento do diabetes melitus tipo 2 e doenças cardiovasculares. Estudo que confrontou a concentração sanguínea de IL-15 com o volume de tecido adiposo visceral demonstrou correlação negativa, indicando importante efeito protetor desta miocina30. O fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), quando produzido pelos neurônios tem ação parácrina na manutenção dos próprios neurônios, regulando os processos de memória e aprendizagem. Na doença de Alzheimer foi verificada diminuição da concentração sanguínea do BDNF, bem como em condições de diabetes melitus tipo 2 e obesidade. O BDNF é considerado uma miocina por ser produzido também no tecido muscular, porém não é secretado na circulação sanguínea, tendo ação apenas autócrina e parácrina no próprio tecido muscular, aumentando a oxidação de ácidos graxos e contribuindo para a diminuição do tecido adiposo31. Há tempos se conhecia a comunicação indireta entre os músculos e o tecido adiposo, que pode ser considerado como uma abundante reserva de combustível (ácidos graxos) para os músculos em contração. Por meio desta comunicação, os músculos em contração provocavam, indiretamente, via sistema nervoso e sistema endócrino, a quebra do triacilglicerol no tecido adiposo e a liberação de ácidos graxos na circulação sanguínea, ficando disponíveis para utilização pelos músculos. Poucos anos atrás, foi identificada uma proteína que faz a sinalização (comunicação) direta entre os músculos e o tecido adiposo, explicando, pelo menos em parte, porque a contração muscular (prática de exercícios) auxilia na redução da gordura corporal. A proteína foi denominada de IRISINA, em referência à deusa grega Iris, conhecida como mensageira25,26,29. A produção e secreção da irisina é estimulada, principalmente, pelo exercício físico. Os músculos a produzem e secretam na circulação

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sanguínea, por meio da qual chega até o tecido adiposo, onde estimula a produção de outras proteínas que aumentam a taxa metabólica das células adiposas, fazendo-as gastar mais energia e produzir mais calor (Figura 2). Dessa forma, o próprio tecido adiposo passa a ser um “queimador” de gorduras, somando-se aos músculos para aumentar o gasto energético corporal. Benefícios adicionais da irisina, que já estão sendo estudados mais aprofundadamente, são o controle da concentração de glicose (especialmente importante para diabéticos), diminuição da gordura corporal em obesos e melhora do quadro clínico em casos de outras doenças metabólicas, para as quais já se indicava o exercício físico como terapia25 ,26,29 .

Figura 2. Representação da irisina, uma das miocinas secretadas pelos músculos e seus efeitos autócrinos, parácrinos e endócrinos.

Essa e outras descobertas relacionadas aos músculos proporcionam cada vez mais clareza sobre os prejuízos que podem decorrer da completa imobilização muscular (pacientes acamados) ou da inatividade física (indivíduos sedentários). Como a secreção desta e de outras proEducação Física escolar, treinamento e saúde

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teínas musculares é dependente da contração muscular vigorosa (o que não inclui os movimentos leves do cotidiano), apenas a prática regular de exercícios pode proporcionar os efeitos benéficos e a prevenção das doenças crônicas. Os efeitos parácrinos das miocinas são inequivocamente benéficos para o metabolismo muscular, principalmente pelo aumento da capacidade de oxidação das gorduras (i.e., produção de ATP, CO2 e H2O), enquanto os efeitos endócrinos são verificados principalmente no tecido adiposo, com aumento da lipólise, mobilização e diminuição dos estoques de triacilglicerol, com melhora na composição corporal4. Ante ambos os efeitos, nos próprios músculos em contração e no tecido adiposo, ainda não está estabelecido se o exercício físico tem efeito favorável no estado de inflamação sistêmica per se ou se o resultado é indireto, por meio da melhora da composição corporal. You et al.32 afirmam ser as miocinas anti-inflamatórias o fator mais importante que a diminuição do tecido adiposo na prevenção das doenças. Neste sentido, Buckner et al.33 questionaram o paradigma do “sobrepesado bem condicionado” (ou “saudável”), segundo o qual, o bom condicionamento físico é um fator preventivo mais importante do que o peso corporal adequado. Os autores classificaram os indivíduos de acordo com o peso corporal e prática de exercícios físicos, porém mediram apenas a força dos membros inferiores, tendo observado que esta tem relação direta com o menor grau de inflamação sistêmica e diminuição da mortalidade por doenças crônico-degenerativas, mesmo em indivíduos com sobrepeso. Por outro lado, estudos sobre a alteração da gordura visceral demonstram que sua diminuição provoca também diminuição no grau de inflamação sistêmica34. A produção e secreção das miocinas pelos músculos variam de acordo com o tipo, duração e intensidade do exercício35. Estudos com protocolos de exercícios aeróbios, de resistência (força) e combinados têm sido realizados para verificar os efeitos nas concentrações de citocinas inflamatórias (e.g., proteína C reativa e fator de necrose tumoral) e miocinas anti-inflamatórias (e.g., Interleucina 6 e interleucina 15). Há resultados consistentes sobre a diminuição das citocinas inflamatórias, bem como aumento de miocinas anti-inflamatórias, principalmente, com os protocolos de exercícios aeróbios, mas também com os protocolos de exercícios combinados e de resistência5,20,22,35-38.

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Na prescrição e na prática de exercícios físicos, algumas vezes, a variável frequência não é diferenciada do volume semanal (i.e., somatório do tempo de prática na semana), que tem sido uma recomendação para manutenção da saúde. Porém, estudo de Loprinzi38 demonstrou ser a frequência mais importante que o volume semanal na diminuição de citocinas como a CRP. Obviamente, além das variáveis do próprio exercício, outras como o peso corporal, nível de condicionamento, duração da intervenção e outras alterações no estilo de vida podem interferir nos resultados das citocinas e do grau de inflamação sistêmica43. Em paralelo, outra modificação no estilo de vida que parece ter efeitos anti-inflamatórios significativos é a adequação da dieta, com a diminuição do consumo de alimentos de origem animal, ricos em gorduras saturadas, e inclusão de alimentos funcionais contendo ácidos graxos, ômega 3 e fitoquímicos. Também a adequação do valor calórico da dieta e prática regular de exercícios em combinação para diminuição da gordura e do peso corporal têm se mostrado efetivos na melhora do estado de inflamação sistêmica21,44. A dúvida sobre qual fator do estilo de vida, dieta ou exercício físico é mais efetivo para o controle da inflamação sistêmica foi respondida, ao menos parcialmente, em estudo com dois grupos de obesos, cuja intervenção foi dieta ou exercício físico. Entre os resultados, foi observada significativa redução da CRP (um dos principais marcadores da inflamação sistêmica) e da resistência à insulina com a prática do exercício físico42. Por outro lado, estudo de Thompson et al.17 com pacientes diabéticos tipo 2 demonstrou ser a combinação de dieta e exercício físico eficiente na diminuição de citocinas inflamatórias e do risco de doenças cardiovasculares. Curiosamente, a caquexia, síndrome catabólica presente em doenças como o câncer, doença pulmonar obstrutiva crônica, artrite reumatóide e AIDS, é caracterizada pela perda de tecido adiposo e de massa magra, alterações no metabolismo intermediário, resistência à insulina, disfunção endócrina, comprometimento do controle da fome e saciedade pelo hipotálamo e imunossupressão. Ante a constatação do grau aumentado de inflamação sistêmica estar relacionado com tais disfunções, recentes revisões21,43,45 suscitam a possibilidade de utilizar o exercício físico de baixa intensidade, em se tratando de pacientes relativamente debilitados, como meio terapêutico não farmacológico para reversão das disfunções da síndrome. Educação Física escolar, treinamento e saúde

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Quando se trata de idosos, mesmo saudáveis, sofrem do problema da sarcopenia, um processo natural e progressivo de degeneração muscular, que diminui sua capacidade funcional e os torna mais susceptíveis às doenças crônicas. A etiologia da sarcopenia é multifatorial, porém o aumento do grau de inflamação sistêmica na senescência emerge como um dos principais gatilhos da disfunção dos mecanismos celulares que regulam a remodelação e morfologia muscular45. Além de não haver conhecimento da inflamação sistêmica crônica pela maior parte da população, não há medicamentos específicos aprovados para a terapia. Por ora, as possibilidades para sua terapia dependem de mudanças comportamentais e estilo de vida. Considerados os efeitos e alterações acima mencionados de algumas das miocinas e também a informação de que a concentração sanguínea das citocinas inflamatórias não aumenta durante a prática de exercícios físicos, fica evidente sua importância. Os exercícios físicos, ao estimularem a produção e secreção das miocinas, provocam a mobilização da gordura do tecido adiposo (subcutâneo e visceral), a maior captação dos ácidos graxos e da glicose pelo tecido muscular, bem como a maior oxidação destes substratos nos músculos. Tais efeitos caracterizam um ambiente anti-inflamatório sistêmico e de menor risco para as doenças crônico-degenerativas. Referências 1. Pedersen BK. Exercise-induced myokines and their role in chronic diseases. Brain Behav Immun. 2011;25(5):811-6. 2. Pedersen BK. The diaseasome of physical inactivity – and the role of mykines in muscle-fat cross talk. J Physol. 2009;587(23):559-68. 3. Brandt C, Pedersen BK. The role of exercise-induced myokines in muscle homeostasis and the defense against chronic diseases. J Biomed Biotechnol. 2010;2010:ID520258. 4. Wärnberg J, Cunningham K, Romeo J, Marcos A. Physical activity, exercise and low-grade systemic inflammation. Proc Nutr Soc. 2010;69(3):400-6. 5. Farinha JB, Steckling Fm, Stefanello ST, Cardoso MS, Nunes LS, Barcelos RP, Duarte T, Kretzmann NA, Mota CB, Bresciani G, Moresco RN, Duarte MM, Dos Santos DL, Sorares FA. Response of oxidative stress and inflammatory biomarkers to a 12-week aerobic exercise training in women with metabolic syndrome. Sports Med Open. 2015;1(1):3. 6. Murphy MO, Petriello MC, Han SG, Sunkara M, Morris AJ, Esser K, Henning B. Exercise protects against PCB-induced inflammation and associated cardiovascular risk factors. Environ Sci Pollut Res Int. 2015 Jan 15. [Epub ahead of print] 7. Beavers KM, Brinkley TE, Nicklas BJ. Effect of exercise training on chronic inflammation. Clin Chim Acta. 2010;411(11-12):785-93.

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