Um presente para o menino jesus das ruas

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UM PRESENTE PARA O MENINO JESUS DAS RUAS Conto de Rogério Silvério de Farias


UM PRESENTE PARA O MENINO JESUS DAS RUAS Conto de Rogério Silvério de Farias

E de repente a noite se aproximava apressada, e a cidade estava quase deserta, vazia. O menino de rua pensou que muito provavelmente todos estivessem reunidos em família, afinal era véspera de Natal. O tempo tinha passado tão rápido, pensou o menino. O Natal se aproximava... Ah, o Natal!...Uma data mágica, mas que doía no calendário do coração do menino. Não, nunca tivera um Natal de verdade. Seu nome era Jesus, era a única coisa que sabia. Jesus. Igual o nome daquele da bíblia, Jesus. Era um nome bonito, ele gostava. Mas os outros meninos de rua achavam engraçado, e riam dele. Ele não ligava. Não ligava para mais nada...para mais nada. Sim, o Natal pode ser uma data triste para uma criança abandonada que vaga pelas ruas de uma cidade grande, um menino solitário, com poucas esperanças. O Natal de um menino de rua é uma coisa triste, sofrida. O menino Jesus das ruas engoliu em seco, sentia-se mais solitário do que das outras vezes. Uma lágrima quase rolou de seus olhos tristes, mas ele engoliu em seco e prosseguiu seu caminho, sozinho, sempre sozinho... Não, não lembrava mais quem era seu pai ou sua mãe, apenas lembrava que eles moravam na favela, no morro. E que eles bebiam e batiam nele, quando a carraspana era mais feia. Uma família desestruturada, amarga, sem amor no coração. Queria esquecê-los, apagar da memória a dor de não ser amado.


O tempo tinha passado, e agora ele vivia fugindo, com medo da polícia e dos outros adultos malvados que infestavam a cidade. Sim, era véspera de Natal e a noite caminhava silenciosa na cidade, agora. Quase meia-noite e o menino revirava febrilmente as latas de lixo, talvez encontrasse algum brinquedo velho, talvez até um bolo e resto de refrigerante. Tinha fome. A barriga doía. Não encontrara muita coisa. Apenas lixo. O lixo que uma sociedade altamente consumista e desumana produzia, dia após dia. Coisas inúteis, que não podiam ser comidas e nem usadas. Lixo, nojento. Lixo que nem os cães de rua comeriam. Se ao menos a padaria estivesse aberta, a dona era bonachona, sempre lhe dava pão e café. Mas o Natal se aproximava e ela devia estar em casa, com os seus parentes e filhos. O menino Jesus continuou andando, parou defronte a vitrine da loja. Era uma loja de brinquedos. Grande. Havia muitos brinquedos legais, o menino encostou o nariz no vidro e ficou olhando, extasiado. Carrinhos, bonecos, bolas, soldadinhos de chumbo. Bicicletas. Muitas crianças ganhariam brinquedos como aqueles, o menino pensou. E então sonhou acordado com presentes, com uma família repleta de amor, seu presente mais cobiçado. Desta vez, o menino sentou-se na calçada diante da loja de brinquedos e chorou. Apenas algumas lágrimas ligeiras, que ele enxugou com o dorso da mão. Era um choro bom, que aliviava. No céu dos olhos do menino, o pranto era como uma chuva regando a flor da esperança que brota no coração. O menino Jesus continuou pelas ruas, sozinho, sonhando com um bom Natal, sonhando com uma família, com o amor que nunca teve, que nunca teve.


Ele passou diante das casas e prédios. Ouviu gritos de alegria, risos. Era Natal nos lares, as famílias se confraternizando. Todos pareciam estar muito felizes. Muito. O menino sentou-se no banco da praça. Depois se deitou e aninhou-se por ali, as mãos unidas debaixo da cabeça, soluçando de solidão, fome e tristeza. Ele fechou os olhos e sonhou acordado, até adormecer e sonhar dormindo. Talvez esse fosse seu maior presente, a capacidade infinita de sonhar, de querer o amor, senti-lo em fantasia, desejá-lo em toda a sua essência. No sonho ele viu seu xará, ele caminhava ao seu encontro, barbudo e cabeludo, os olhos bondosos, o sorriso amigo. Ele abraçou o Divino Mestre. Era bom ter alguém, um amigo, na noite de Natal. E no sonho entrou um velhinho sorridente que trazia presentes, o Papai Noel. E todos os três sorriram

juntos, ali, naquele reino onde prevalece o amor e a

solidariedade, um reino eterno longe da maldade dos homens. Um reino que está dentro de nós, que é eterno. O reino do amor e da solidariedade. De repente o menino acordou com umas cutucadas na barriga. - Ei , menino! Acorda. É Natal. Feliz Natal, menino Jesus! Era uma senhora. A dona da padaria. Ela saltara de um carro. Havia mais gente. Talvez parentes e amigos dela. Ele sorriu um pouco envergonhado, ficou contente porque lhe trouxeram presentes, bolo, chocolate, um par de sapatos, roupas novas e um ramalhete de sorrisos amigos. E ainda o maior de todos os presentes, um presente que ficaria grudado no coração do menino para sempre, como uma coisa boa e inesquecível, que o deixou emocionado e feliz. O maior presente que ele ganhou naquela noite mágica de Natal, um presente que o fez chorar de alegria, que o fez


sentir-se amado de verdade, que fez soluçar a dona da padaria e os outros de coração bom. Um presente que não se compra e nem se vende. O maior presente que aquele menino Jesus das ruas já ganhou. O amor. FIM Nota do autor: O conto pode ser usado em sala de aulas ou em provas, desde que citado o autor.


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