Apologética de
Supermercado Respondendo às objeções do meu próprio ceticismo
Guilherme Adriano - (romanos12.blogspot.com)
-SUMÁRIO-
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 2 COMO E POR QUE FAZER APOLOGIA ......................................................... 2 CRISES E “CRISES” ........................................................................................ 4 QUEM CONVENCE E O QUE RESOLVE ....................................................... 4 PEPINOS VERDADEIRAMENTE INDESCASCÁVEIS....................................5 SÓCRATES ESTAVA CERTO ........................................................................... 7 NÃO META SUA TEOLOGIA ONDE NÃO FOI CHAMADO .......................... 9 TEÓLOGOS, FILÓSOFOS E OUTROS MALES ............................................. 14 ÚLTIMAS PALAVRAS ANTES DO DIÁLOGO............................................... 16 DIÁLOGO........................................................................................................ 17 Bíblia, Antigo Testamento, Deus mau............................................................ 18 Maldade......................................................................................................... 24 Satanás .......................................................................................................... 26 Atrocidades em Nome de Deus ......................................................................27 Onde Está o Problema ................................................................................... 28 A Existência de Deus ...................................................................................... 31 O Inferno ....................................................................................................... 38 Vida e Falta de Sentido.................................................................................. 43 Fé ................................................................................................................... 45 Jesus Cristo ................................................................................................... 50 CONCLUSÃO................................................................................................. 56 SUGESTÕES.................................................................................................. 58
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Introdução “Às vezes penso que é minha missão trazer fé aos sem fé, e dúvida aos da fé.” ― Paul Tillich
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screvi esse diálogo pensando não em refutar as objeções ateístas ou qualquer outra crítica, mas em refutar-me. Descobri que não há ateu mais convincente que eu mesmo, pois não só entendo o que creio, conheço minhas fraquezas e, assim, sei refutar, objetar e zombar de minha própria fé como ninguém mais poderia fazer. Descobri que sou muito convincente como ateu – aliás, sinto-me muito mais ateu que muitos ateus, pois entendo o que às vezes nego. Etimologicamente falando, o prefixo grego a- indica a negação de theos, Deus em grego, todavia um indivíduo que diz negar o que não conhece é para mim como a criança que diz ser ruim a comida que nunca comeu. Então quando o ateu nega Deus, será que sabe o que está negando? A mim mais me parece, pelo que leio do ateísmo, que nega apenas o que crê ser Deus; suas próprias ideias de Deus, o que significa que nega um ídolo, logo, concordamos com eles quando dizem que tal deus não existe. Mas o verdadeiro ateísmo cabe aos cristãos. Perceba que da mesma maneira que a palavra atheos depende da palavra theos para existir, o indivíduo que nega Deus depende de Deus para negá-lo, no entanto sem saber direito o que está negando ao assim fazer, ao passo que o cristão quando rejeita Deus sabe o que rejeita e é verdadeiramente ateu. Mas esse ensaio não é sobre o ateísmo popularmente definido, como uma filosofia ou fé alternativa dos descrentes, mas lida com a minha descrença e, por consequência, com a de muitos outros cristãos – afinal, não somos muitos diferentes em nossas lutas, creio. Este é o registro de um dos embates que tive, em forma de diálogo. Escolhi “Apologética de Supermercado” como título por ele ter se passado em minha cabeça enquanto tentava defender a fé contra mim mesmo ao fazer compras – foi uma longa tarde no supermercado! COMO E POR QUE FAZER APOLOGIA Está escrito que deveríamos ter respostas àqueles que perguntassem o motivo da esperança que há em nós (1 Pedro 3:15), ora, e quando quem me pergunta sou eu mesmo? E quando eu mesmo deixo de crer por dificuldades que sejam intelectuais ou existenciais? Não terei resposta, pois, para minha incredulidade? Se sou o ateu mais convincente que pude encontrar, não poderia também ser o apologista mais eficaz? Grandes apologistas do passado como Chesterton, Lewis e Paley certamente tiveram suas próprias dúvidas como estopim de suas consagradas obras. Duvidar não é pecado. Evitar a resposta o é. Ser ignorante não é problema. Gabar-se por ser ignorante o é. Mas quem humildemente reconhece que nada sabe está no caminho do conhecimento verdadeiro, já quem se orgulha de não saber ou evita a resposta para continuar gozando em sua falsa humildade, esse é um coitado.
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Jesus não tinha problema com perguntas difíceis, apenas com perguntas desonestas, que, na verdade, eram máscaras de preconceito e ódio, e essas desmascarava com perguntas simples: “É lícito fazer o bem no Sábado mesmo que isso seja considerado trabalho?”, “Por acaso alguém aqui nunca pecou?”, “De quem é esse rosto na moeda?”, “O que é mais fácil, perdoar pecados ou curar uma doença?”, “Você diz isso por si mesmo ou foram outros que lhe disseram isso a meu respeito?”, “Por que me perguntas pelo que é bom?” Tentei aplicar a técnica de Jesus e questionei minhas questões para ver se eram verdadeiras ou apenas fruto de algum cinismo ou desonestidade. Para tal, também dei ouvidos a Paulo quando recomendou que cada um examinasse e julgasse a si mesmo digno ou indigno (1 Coríntios 11:28). Mas acho importante ressaltar que esse autoexame foi a partir da luz de Cristo, pois que proveito tem o homem que se examina à sua própria luz? Não acaba encontrando aquilo que já sabia estar lá e não continua cego àquilo que antes não via? Por acaso não se absolveria aquele que se faz juiz e advogado sobre si e julga seu caso de acordo com seus próprios estatutos? Para saber o que é uma linha torta, disse Lewis, temos que saber o que é uma linha reta. Sugiro que pouco vale refletir sobre sua vida, crenças e pecados a partir de si mesmo ou de meros homens, que já estão tortos, deve-se olhar para o que é reto e com o reto se acertar. Para nós, cristãos, Jesus é a linha reta e é a Ele que nos comparamos. Nossa autoanálise é sempre a partir da retidão de Jesus – o que se encaixa com Seus ensinos e conduta entra, o que não, fora! Alguns filósofos gregos pregavam que o homem era a medida de todas as coisas, isto é, que o homem era a referência de toda moralidade e não um supremo bem que o transcendia. Chesterton, comentando a afirmação dos gregos, disse que acertaram ao colocar o homem como medida de tudo, apenas se esqueceram de eleger qual seria esse homem. Nós cristãos dizemos que esse homem é Jesus de Nazaré, o homem perfeito. Ele é a régua. Então enquanto muitos tentaram e ainda tentam imaginar o que seria o homem perfeito, outros O conheceram cara a cara há mais ou menos 2000 anos, e muitos outros O conhecem ainda hoje pelo Espírito e testemunho das Escrituras. Em Cristo, o ideal se tornou real; o bem supremo tomou forma de servo e revelou Deus ao mundo, e foi à maneira d’Ele que tentei expor a minha desonestidade e descrença: questionando as pressuposições das perguntas e, às vezes, desmascarando pretextos ao revelar as intenções do coração do questionador. Nesse ensaio, posso e decidi falar apenas de meu ponto de vista. Não tenho muita experiência de vida cristã, mas a que tenho considero intensa, e apesar de haver muitas e muitas obras excelentes a respeito de crises de fé, quis escrever a minha, e bem por saber que não será a última é que quero tê-la registrada para futuras análises psicológicas; tentei de certo modo fazer como o cantor João Alexandre diz em uma de suas músicas, “poetizar minhas lágrimas”, no meu caso, prosear minha crise. Os argumentos principais no diálogo vêm acompanhados de muitas citações em notas de rodapé e são indicados por números, e outras sugestões de leituras para aprofundar assuntos em específico indicados por letras acrescentei nas notas do final do livro.
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CRISES E “CRISES” Vale lembrar que embates intelectuais não são crises. Todos têm dificuldades em entender as coisas de Deus, mas só os cristãos têm crises com Ele. A todos os homens é possível a crítica, mas só aos filhos é possível a crise. A crítica vem do abuso e a dúvida vem da falta de conhecimento, mas a crise vem da paixão. Quem não conhece Deus não pode se apaixonar nem ter crises com Ele. Só em relacionamentos há crise. Quem discursa sobre Deus se incomoda e se gaba. Quem busca Deus sofre e se apaixona. Uma vez disse a um colega durante uma longa conversa que uma questão teológica ou um problema filosófico que diz respeito a Deus – geralmente o problema da maldade! – não é um problema para quem não crê, é apenas uma curiosidade, aliás, uma “vã curiosidade que se disfarça sob o nome de conhecimento”, como escreveu Agostinho em suas Confissões, portanto não é coerente dizer que se está em crise com Deus por não entender teologia. Para ilustrar meu ponto, cito o falecido ateu Christopher Hitchens, que em seus debates com cristãos costumava dizer algo como, “o problema da maldade não é um problema pra mim; eu não creio! É apenas um problema para quem diz que crê num Deus bom!” Concordo com ele! Isso demonstra que, ao contrário do que muitos dizem, o problema da maldade não é o obstáculo mór à fé, pois se fosse, o cristão, para quem esse problema é realmente um problema, não creria. Mas o cristão tem problemas mais graves que esse; problemas indescritíveis e de todas as naturezas. A dor e a angústia do ceticismo de um cristão são muito mais carregadas que as de qualquer outro – tome, por exemplo, a profundidade dos escritos do filósofo cristão Soren Kierkegaard comparada à birra do ateu Richard Dawkins, ou compare Anatomia de uma Dor e outros escritos de Lewis com O Fim da Fé, de Sam Harris. Mas sugiro que o verdadeiro ateísmo está escondido no coração do mais apaixonado crente, e não é a falta de resposta que o desencadeia, e sim a revolta ou decepção. Com isso, afirmo que dificuldades intelectuais e silogismos não se constituem em crises, essas são mais do coração; são mais que um argumento, são desapontamentos. Deus incomoda o que crê, e o que se incomoda, em algo crê. Quem não crê é indiferente e assim vive, logo, quem se dá o trabalho de professar, militar e escrever sobre sua descrença, certamente sente-se incomodado por ela – ou por Ele! Então quando o ateu se incomoda com Deus, demonstra que Ele é tão real a ponto de incomodá-lo; se o ateu se incomoda pela ideia de Deus, torna-se meio louco por perturbar-se tanto com sua imaginação e a dos outros; e se pela religião apenas, bem vindo! todos nos incomodamos com ela! Novamente implico que o verdadeiro ateísmo está no coração do crente, e da mesma maneira que apenas um indivíduo que já experimentou sushi, por exemplo, pode dizer que sushi é uma comida horrível, também o verdadeiro poder de negar Deus está apenas ao alcance daquele que d’Ele experimenta. Enquanto o descrente busca nos seus argumentos apenas uma justificação para uma falta de fé a priori, o crente busca, em seus argumentos, refutar e se convencer de que nada do que experimentou foi real ou valeu a pena. QUEM CONVENCE E O QUE RESOLVE Tive uma epifania quando debatia com um colega meu agnóstico. Depois de uma longa conversa, perguntei: “respondi suas perguntas e você ainda não está convencido; o que lhe faria acreditar?”, no que ele me surpreendeu dizendo, “alguma forma de comunicação
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pessoal com Deus me convenceria.” A partir disso ficou claro para mim que o que convence os homens de que Deus está lá e nos ama é o que Jesus disse que convenceria: o toque do Espírito e o experimentar Deus. Nada mais! Mas então para que serve a apologética se é Deus quem realmente convence e apazigua? Que proveito há nela quando em crise? Ela serve como instrumento de despreconceitualização; é como uma vassoura: limpa o chão da cáca feita em nome de Deus, e isso faz grande serviço à fé desfazendo pseudoproblemas, refutando preconceitos e dando base a uma fé firme que não depende apenas da boa vontade do crente, mas que está alicerçada também na sabedoria humana. Sobre a necessidade de bases para fé que não dependam de fé, Colin Brown argumenta em Filosofia e Fé Cristã que Uma fé que continua crendo independentemente das evidências históricas não é uma fé que valha pena ter. A idéia bíblica de fé é a confiança em Deus por causa daquilo que Deus tem feito e dito. Se alguém pudesse demonstrar que não há boas razões para acreditarmos que Deus tivesse dito ou feito todas estas coisas, a fé seria vazia e vã. Ao dizer isto, não estamos vinculando a fé à obra mais recente de algum erudito que porventura esteja em alta no momento. Mas estamos dizendo que a erudição tem um lugar apropriado. Seu trabalho é fortalecer a fé mediante sua demonstração da verdade (ou, se não puder fazer isto, deve dizêlo abertamente e abandonar a fé). Ao dizer isto, estamos meramente dando continuidade ao que os próprios escritores bíblicos estavam fazendo. A Bíblia não é uma caixa de promessas repleta de pensamentos benditos. Grande porção dela é voltada para argumentos, demonstrações e apelos à história. Para entendermos esta lição, não precisamos ir além das epístolas do Novo Testamento ou das palavras de abertura do Evangelho segundo Lucas, que ressaltam a historicidade da história de Jesus como base de fé. É da veracidade de tais argumentos que dependem a devoção cristã. O crente comum não tem a obrigação de elaborar todos os argumentos. Mas alguém, em algum lugar, deve fazê-lo por amor à fé.1
A apologética cristã é um rumor, uma fofoca do outro mundo, um mistério: excita a curiosidade e estimula a reflexão, logo, quem é curioso sai em busca dessa fonte da juventude, e estou convencido de que se for humilde acaba descobrindo que ela existe mesmo; ela é sustentar com a razão aquilo que se ama com a alma. Mas apesar de ser racionalmente possível convencer pessoas de que para esse mistério há uma resposta e para a vida propósito, só o Espírito de Deus através do amor de Seus filhos; só Ele converte corações e sacia mentes. A gente aponta, eles vão atrás, mas é Deus quem os guia a encontrá-lO. PEPINOS VERDADEIRAMENTE INDESCASCÁVEIS Os philosophes iluministas levantaram boas perguntas e fizeram grandes críticas à igreja. À igreja, e não a Deus. Culpar Deus pela maldade do mundo, levantar questões sobre aqueles que nunca ouviram o Evangelho, duvidar de Sua existência, duvidar de Jesus são questões que um filho de Deus aprende a responder nos primeiros anos de fé e logo passa para outras mais pesadas, enquanto aqueles que não conhecem a Deus gastam suas vidas fazendo as mesmas perguntas e se gabando por terem levantado grandes questões filosóficas a respeito da fé cristã que põe Deus em xeque-mate. Não estou menosprezando essas questões muito menos zombando dos de fora que as fazem. Não! O que estou dizendo é que essas questões 1
Colin Brown, Filosofia e Fé Cristã, p. 241.
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são mais velhas que a Bíblia. Jó e os profetas já levantaram todas elas e de maneira até muito mais sofisticada. O escritor Philip Yancey disse que não só Deus nos dá a liberdade de não crer, falar mal e questionar, Ele também nos dá os melhores argumentos contra Ele mesmo nas escrituras. Alguém me contou que Charles H. Spurgeon, um grande pregador do século 19, disse uma vez a alguém que achava que tinha o encurralado, “se você soubesse as perguntas que me faço, teria vergonha de me perguntar isso” Novamente, não estou menosprezando perguntas nem fugindo delas, mas afirmando categoricamente que um relacionamento com Deus suscita perguntas mais profundas a respeito d’Ele do que qualquer livro já escrito por alguém que não crê. Lembro-me com pesar no coração da dor que tive em minha primeira crise há mais ou menos um ano. Sentei-me debaixo de uma árvore à noite em frente à universidade onde estudo e, pelo mínimo de uma hora, chorei e mandei Deus para o inferno enquanto cuspia, literalmente, blasfêmias de minha boca e as pisoteava com um ódio profundo pela situação humana. Simplesmente não conseguia viver sabendo que o homem é uma tragédia teológica! Mas Deus, por ser paciente, soube me ver e ouvir enquanto esperneava. Esse ateísmo não cabe ao ateu, apenas a nós. A crise é necessária2. A crise indica que há luta, o que seria natural sendo que a Bíblia mesmo fala que haveria (carne versus espírito). A crise diz que um ser imperfeito está tentando ser o mais perfeito possível. Aprendi com um querido amigo, professor de religião e pregador, que quem não consegue pelo menos está tentando, porque quem não tenta não falha. Se não há luta, quer dizer que ou o espírito tomou conta completamente ou a carne está nos fazendo dormir na luz – acho difícil alguém ter a coragem de afirmar que o espírito tomou conta completamente! Crises são necessárias para o amadurecimento da fé; são um tipo de dialética espiritual que faz amadurecer ou apodrecer, dependendo de quem sai vencendo. Quando quero duvidar, duvido. Mas duvidando, creio. E mesmo crendo, duvido, pois “pela dúvida chegamos à busca [e] buscando percebemos a verdade”, escreveu Pedro Abelardo. 3 Em minha vida, não tive medo de duvidar de coisas essenciais e as pus aos pés de Deus e disse, “se tu és Senhor e Deus, me mostra quem sou pra que eu me ponha no meu lugar.” Às vezes, no entanto, certas perguntas que fazemos são e devem permanecer retóricas. São apenas frustrações, uma espécie de tpm espiritual. Pois quando tentamos respondê-las, nos desapontamos porque nenhuma resposta é satisfatória, e cada resposta é apenas matéria prima para um novo desgosto e mais uma pergunta. Então vemos que enquanto os descrentes analisam, criticam e reclamam dos pepinos e abacaxis da fé, são os cristãos que os descascam. Quem crê realmente sofre as dúvidas da fé, logo, ninguém pode se desculpar de não crer por não ter respostas. Nós também não as temos e mesmo assim cremos. Assim, o ateísmo e ceticismo cristãos são mais profundos e Kierkegaard argumenta em Desespero Humano que a crise e desespero são o estado natural de todo homem: “Não é ser desesperado que é o raro, o raro, o raríssimo, é realmente não o ser.” E não “querer admitir [esse estado] de desespero é precisamente uma forma de desespero. É mais uma doença por não se querer admiti-la como tal.” 3 Pedro Abelardo (1079-1142) foi um dos fundadores da escolástica medieval, e segundo Roque Frangiotti em História da Teologia, foi quem formulou a “dúvida metodológica [...] a serviço da busca da interpretação mais provável.” 2
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verdadeiros que os seculares, pois me diga quem levanta questões mais profundas sobre Deus, o ateu que debate filosofia, metafísica e religião na cafeteria e depois volta para casa? Ou a mãe crente que mesmo orando por seu filho perde-o para o suicídio? SÓCRATES ESTAVA CERTO Paradoxalmente, à medida que a humanidade se desenvolve, ela diminui 4, e conforme conhecemos mais do universo e de nós mesmos, comprovamos a máxima de Sócrates: não sabemos nada, e isso é tudo que se sabe. Nossas ciências têm nos dado, ao invés de respostas, apenas perguntas mais complexas e incertezas cósmicas; ao invés de chegar ao fundo de questões de origem e natureza, apenas aprofundamo-las mais. Uma das depressões pós-modernas é exatamente essa de entrar no século XXI com as mãos vazias em termos de garantias científicas a respeito da origem do homem e do universo. As perguntas essenciais que os seres humanos têm se feito ainda não puderem ser respondidas de maneira objetiva através da tão promissora ciência natural: de onde viemos, para onde vamos, por que estamos aqui e como sabemos o que fazer? A tecnologia nos levou à lua e nos fez alcançar Marte e, no processo, alienou mais ainda a juventude de seus pais, amigos e até o homem de si mesmo. Um sociólogo disse que nos comunicamos na velocidade da luz e viajamos na velocidade do som, no entanto nunca nos sentimos tão sem rumo e sem nada para dizer. Não estou dizendo que não sabemos nada nem que a tecnologia é má ou inútil, não é isso, sabemos muito a respeito de como a mente, o corpo, a natureza e o universo funcionam, mas praticamente nada dos porquês. Por exemplo, sabemos que o cérebro dos seres humanos é programado para adquirir uma língua, mas não temos ideia do porquê disso; grosso modo, sabemos como o universo teve seu início, mas como disse Carl Sagan, o porquê dele ter começado é nossa maior pergunta. Então ao invés de respostas, na maioria, acumulamos mais perguntas, mistério e espanto. Muitos, cansados de procurar respostas, adotaram a dúvida como certeza e proclamaram a morte das ideologias e a impossibilidade de se chegar à verdade 5, assim, essa era, diferente de outras épocas, para mim e para muitos, é sem grandes esperanças ou expectativas de
Em O Fim da Ciência, John Horgan, editor da Scientific American, escreve que “A ciência do século XX deu origem a um paradoxo maravilhoso. O mesmo progresso extraordinário que gerou as previsões de que em breve talvez conheçamos tudo o que pode ser conhecido também alimentou dúvidas quanto ao nosso verdadeiro poder de conhecer alguma coisa.”, p. 48. 5 Ou até a inexistência dela, como afirmam os pensadores pós-modernos que Ravi Zacharias tão bem define em Deliver us from Evil: “No mundo moderno a razão reinava suprema, [...]. Agora, pós-modernismo virou a palavra do momento na academia. A palavra pela qual todas as coisas desmoronam, pois até a própria razão é [dela banida], e a verdade é considerada extinta. [...] O mundo moderno tinha enfatizado o propósito e o desígnio. O mundo pós-moderno enfatiza aleatoriedade e acaso. O mundo moderno buscou estabilidade e valores. O mundo pós-moderno vê os valores como efêmeros e relativos. O mundo moderno via a razão como o meio e o propósito como o fim. O mundo pós-moderno se gloria na irracionalidade e celebra a falta de sentido. O mundo moderno buscou a síntese de todas as disciplinas para achar a unidade da verdade. O mundo pós-moderno foca na desconstrução e exalta as maravilhas da contradição. Em suma, o próprio objetivo da universidade, que era o de achar unidade na diversidade, está agora em contradição com seu próprio nome, e mais estudantes se formam incapazes de relacionar as diferentes disciplinas e orgulhosamente se gabam de seu ceticismo [...].” (tradução livre do autor). Sobre a pós-modernidade ainda, o historiador John Lukacs, em Fim de uma Era, escreve: “A crença em que a verdade é relativa já não é meramente uma afirmação dos cínicos ou dos céticos, mas dos filósofos pós-modernos, segundo os quais não existiram nem existem verdades, mas apenas modalidades de discurso, estruturas de pensamento e de texto.” 4
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responder às grandes perguntas6. A ciência se provou excelente para descrever mecanismos e prever reações, mas inútil no quesito “propósito”, que é o que move a humanidade, porque sem explicações a gente vive, mas sem propósito não. Durante as expansões marítimas e na descoberta das Américas – ou mundo novo –, ainda havia esperança de um novo começo num novo lugar; o mundo ainda era grande e suas fronteiras eram possivelmente ilimitadas. Mas segundo historiadores, o mundo encolheu. Não há mais bravos mundos novos nesse planeta, apenas cansados mundos velhos. Mapeamos, medimos, pesamos, estudamos e exploramos o mundo de maneira que não há nada mais nele que possa realmente nos surpreender. Alguém que viajasse à China ou à Nova Zelândia há um, dois séculos atrás não poderia anteceder suas paisagens, cultura ou encanto. Já hoje isso tudo é monótono. Dificilmente ainda há olhos que se espantem e se admirem com paisagens novas. O elemento que encantava, o elemento surpresa, não existe mais. As paisagens mais belas foram fotografadas e reproduzidas virtualmente e as culturas mais distantes foram trazidas para bem perto em resumos enciclopédicos. Não era de se esperar que, cansados desse planeta, estivéssemos especulando a possibilidade de habitar outro qualquer. Filmes e livros agora olham para lugares além da órbita terrestre, pois o que havia de ser conhecido debaixo do sol já foi. O que encantava a mentalidade do homem mais antigo eram os selvagens mundos novos, aqueles que estavam além dos oceanos e do outro lado de continentes. Chegamos lá! Vislumbram-nos por um tempo, mas daí os novos mundos se tornaram comuns e monótonos. Daí fomos à lua. Ao chegar lá vimos que não havia nada de mais, aliás, havia apenas nada! Então, mandamos robôs a marte: nada também. Sem esperança alguma de sair desse planeta para habitar algo melhor, decidimos criar ferramentas que nos possibilitassem a criação de um mundo novo, à nossa imagem e semelhança, e à nossa imagem e semelhança a internet foi criada, e então vimos que ela era boa e passamos a chamá-la de Mundo Digital. Lá, vimos que era possível criar, a partir de uns e zeros, universos novos, digitais. Mas a realidade desses mundos é apenas em parte; é virtual; é aumentada. Êxodo rural, depois êxodo urbano, e depois de uma tentativa boba de êxodo terrestre, imigramos para o mundo digital. Passamos de tribos nômades a aldeias, de aldeias a vilarejos, de vilarejos a cidades, de cidades a metrópoles, e, não podendo ir a outro lugar geográfico, nos mudamos para um cibernético. Penso que todo esse acúmulo de conhecimento em revoluções e peregrinação gerou uma tempestade de saberes tão imensa que acabou afundando o barco das expectativas humanas num mar de incertezas7. Assim, do macro ao micro, na medida em que os homens
“A ciência pura, a busca do conhecimento sobre o que somos e de onde viemos, já entrou numa era de resultados decrescentes. A maior barreira para o progresso do futuro é, sem dúvida, o seu sucesso passado. [...] Além do mais, devido ao progresso que a ciência já alcançou e tendo em vista os limites físicos, sociais e cognitivos que restringem a pesquisa futura, é improvável que a ciência faça acréscimos significativos ao conhecimento que já gerou. Não haverá grandes revelações no futuro, comparáveis às de Darwin, Einstein, Watson e Crick nos concederam.”, e aos otimistas e críticos da escola da morte da ciência, o autor escreve: “Aqueles que acreditam na finitude da ciência tem uma réplica padrão para esse tipo de argumento: como não conseguiam encontrar a beira da Terra, os primeiros exploradores poderiam perfeitamente ter concluído que ela era infinita, mas teriam se equivocado.” – John Horgan ,O Fim da Ciência, p. 30,32. 7 “Existem poucas possibilidades de nos enganarmos ao afirmar que o século XX permanecerá na História como o do naufrágio das certezas.” – Georges Minois, História do Ateísmo, p. 637. 6
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desenvolvem seus saberes, mais evidente fica sua insignificância, incapacidade e falta de conhecimento – Sócrates, seu sabichão, estavas certo! “NÃO META SUA TEOLOGIA ONDE NÃO FOI CHAMADO” Junto a um mundo que não para de encolher e de um universo que não para de se expandir, a teologia também muda indefinidamente, e no fim, entende que o que tenta entender é grande demais para ser entendido. Afinal, o que ela estaria tentando compreender senão o incompreensível? Ou como busca deslumbrar o mundo espiritual se ainda vislumbra o natural? Mas acredito que a melhor ilustração de como a teologia deveria ser abordada está na história que se conta de Agostinho de Hipona – supostamente um sonho seu – e seu encontro com o menino na praia: Conta-se que Agostinho andava em uma praia meditando sobre o mistério da Trindade: um Deus em três pessoas distintas. Enquanto caminhava, observou um menino que portava uma pequena tigela com água. A criança ia até o mar, trazia a água e derramava dentro de um pequeno buraco que havia feito. Após ver repetidas vezes o menino fazer a mesma coisa, resolveu interrogá-lo sobre o que pretendia. O menino, olhando-o, respondeu com simplicidade, “estou querendo colocar a água do mar neste buraco” Agostinho sorriu e respondeu-lhe, “mas você não percebe que é impossível?” Então, novamente olhando para Agostinho, o menino respondeu-lhe: “ora, é mais fácil a água do mar caber nesse pequeno buraco do que o mistério da Trindade ser entendido por um homem!” E continuou, “Quem fita o sol, deslumbra-se, mas quem persistisse em fitá-lo, fica cego. Assim sucede com os mistérios da religião: quem pretende compreendê-los deslumbra-se e quem se obstina em perscrutá-los perde totalmente a fé.”8
Augustus Nicodemus Lopes, ministro presbiteriano, mestre em Novo Testamento e doutor em Hermenêutica e estudos Bíblicos, em uma palestra9, disse que fazer teologia é complicado, porque as contrariedades dela são como linhas paralelas que parecem se encontrar apenas no horizonte inalcançável, e não importa o quanto mais avançarmos, as linhas continuarão paralelas e biblicamente verdadeiras. Ele dá os seguintes exemplos: Como podemos ser livres e predestinados? Ou Deus ser um e três? Jesus ser homem e Deus? Qualquer resposta que dermos a essas perguntas será especulação, mas isso não quer dizer que será inútil ou errado tentar, apenas que nunca teremos meios de comprovar o que afirmamos a respeito de coisas assim. Será que estou dizendo que a Bíblia não responde as maiores questões da teologia? Ou que não podemos ter certeza da teologia que afirmamos? Claro que não estou dizendo isso. O que estou realmente dizendo é que certos assuntos, por exemplo a Santíssima Trindade, são mistérios para os quais não há explicação definitiva. Aceitamos porque é isso que Jesus revelou, no caso, que Ele é Deus, o Pai também e o Espírito também, e os três são um, e só há um, mas há três, e havendo três, formam um que não é três. Há inúmeras obras sobre o assunto, mas no final, não importa quantas bibliotecas forem escritas sobre o mistério da Trindade, ainda será um mistério. Não nos cabe sermos os anatomistas de Deus, nem de perscrutar a eternidade para entender a Retirado de pesquisas em blogs cristãos. A parte da palestra em que Augustus faz esses comentários pode ser achada no youtube pelo nome Predestinação x Livre Arbítrio - Augustus Nicodemus. 8 9
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relação da soberania e da responsabilidade humana, nem afirmar categoricamente qualquer outra coisa a respeito dos mistérios do mundo espiritual a não ser os que Jesus deixou claro, pois o único que conhece Deus nesse nível e pode fazer teologia assim profunda é o Espírito (1 Coríntios 2:11). A teologia é o estudo de Deus e do que Ele revelou. Ora, Deus não é objeto de estudo, logo, estudar Sua natureza e desígnios é impossível. Há anos temos discutido natureza humana e ainda não temos um veredito; ainda não sabemos se nascemos tábulas rasas ou com natureza definida ou se um e outro ou se nem um nem outro. As psicologias, psicanálise, neurociências e outros estudos da mente humana em sua totalidade vêm revelando coisas sobre o homem que nunca antes pensávamos ser verdade ou até possível. A complexidade da mente e da personalidade é assunto que ocupa prédios inteiros de livros. Mas estou falando de homens, de anthropos, que são observados, analisados, examinados e descritos, e nada a não ser complexidade, complexidade e complexidade é o que encontramos. Homens não entendem nem homens10! Como vão entender Deus? Se pouco compreendemos das motivações de um ser humano, vamos compreender as de Deus? O que cogitamos e deduzimos da natureza de Deus é a partir do que foi revelado, e Jesus revelou o caráter do Pai, e não a essência d’Ele; revelou que Ele é o caminho, e não quais eram os alicerces desse caminho; revelou que há outra criação chegando por essa ter se corrompido pelo pecado, e não como essa criação se deu, se em sete dias literais ou não, se pela evolução de espécies ou criação especial, se do nada ou de algo preexistente, ou como o pecado deveras entrou nela, por um fruto, pelo sexo, pela rebeldia, se há e quanto fogo há no inferno, etc. Mas para mim foi Erasmo de Roterdã11 que com seus deboches melhor expôs o quão infrutíferas são as cogitações excessivamente teológicas em Elogio da Loucura. Ao criticar os teólogos e os filósofos, escreveu: Observemos os nossos oráculos em meio às suas mais sublimes funções; observemo-los, repito, a interpretar a seu talento os ocultos mistérios da salvação e por que motivo foi criado e ordenado o mundo. Trata-se de saber por que canais passou à posteridade a mancha do pecado original? Trata-se da Encarnação e da Eucaristia? Ah! tais mistérios são muito batidos e dignos apenas de teólogo noviços! Eis as questões dignas dos grandes mestres, dos mestres iluminados, como dizem eles, os quais, ao tratar desses argumentos, se agitam e tomam fôlego: – Houve algum instante na geração divina? – Jesus Cristo tem muitas filiações? – É possível esta proposição: – Deus Pai odeia o seu Filho? – Ter-se-ia Deus unido pessoalmente a uma mulher, ao diabo, a um burro, a uma abóbora, a uma pedra? – No caso de Deus se ter unido à natureza de uma abóbora, como fez com a natureza humana, de que maneira essa beata e divina abóbora teria pregado, feito milagres e sido crucificada? – [...] Será permitido comer e beber depois da ressureição? (Essa dúvida existe no íntimo dos nossos reverendos, que muito satisfeitos ficariam com uma resposta a essa pergunta). [...] Quantas lindas lorotas não vão esses doutores impingindo a respeito do inferno? Conhecem tão bem todos os seus apartamentos, falam com tanta franqueza da natureza e dos vários graus do fogo eterno, e das diversas incumbências dos demônios, discorrem, finalmente, com tanta precisão sobre a república dos danados, que parecem já ter ido cidadãos da mesma “O argumento mais profundo do livro [A Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas Kuhn] era menos óbvio: os cientistas nunca conseguem compreender verdadeiramente o mundo real, nem sequer uns aos outros.” – John Horgan, O Fim da Ciência, p. 59. 11 Importante teólogo humanista do século XVI que fez duras críticas à religiosidade católica e protestante. 10
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durante muitos anos. [...] Não passam, também, de ridículos loucos: quem poderá conter o riso ao ouvi-los sustentar seriamente a infinidade dos mundos? O sol, a lua, as estrelas, todos esses globos são por eles conhecidos tão bem como se os tivessem medido palmo a palmo ou com um fio. Sem duvidar de nada, eles vos dizem a causa do trovão, dos ventos, dos eclipses e de todos os outros mistérios físicos. Na verdade, ao ouvi-los falar com tanta convicção, qualquer os julgaria membros do grande conselho dos deuses ou testemunhas oculares da natureza quando tudo saiu do nada. [...] Basta, com efeito, refletir-se sobre a estranha diversidade dos seus sistemas, para se dever confessar que eles não têm nenhuma idéia segura, pois que, enquanto se gabam de saber tudo, não estão de acordo em nada.
Conforme a brilhante crítica feita por Erasmo, não é muito diferente hoje. Muitos cientistas teólogos e filósofos do cristianismo se metem em nomenclaturas e termos pomposos para discutir questões tão longe de uma possível solução ou tão desconexas à vida que mais me parece estarem tentando alterar a realidade a fim de encaixá-la em sua interpretação. O que me encanta não é que esses assuntos existam, pois de fato é divertido teologizar imaginativamente às vezes, no entanto, o que acontece é que muitos se anatematizam e igrejas inteiras se dividem por causa de imaginações teológicas. Por exemplo, sei de cristãos que não acreditam no inferno, que creem que Deus salvará todo mundo no final. A isso damos o nome de universalismo. Mas e daí? Torna-se alguém menos salvo por assim desejar? É necessário crer também na existência literal de um inferno de fogo eterno para obter a salvação? Adorar a Jesus não basta? Devemos ter apêndices à fé em Cristo para legitimá-la? Outro exemplo: muitos creem que os primeiros capítulos de Gênesis não são literais; que tudo ali é uma alegoria e que a teoria da evolução das espécies é verdadeira – Agostinho de Hipona, C.S. Lewis e Francis S. Collins, para citar alguns não tão ortodoxos que admiramos tanto que pensavam e pensam assim. Ainda outro que sofreu preconceito teológico é um dos que considero estar entre os maiores apologistas da história do cristianismo: Orígenes (184-254). Orígenes era estudado em praticamente todas as escolas filosóficas da época, defendeu o Evangelho de maneira brilhante e inigualável e sua “estrutura teológica é o maior feito da igreja antes do concílio de Niceia” 12, não obstante, por manter uma visão de Cristo diferente da que mais tarde foi oficializada, teve sua cristologia condenada e foi considerado herege a partir de 399 pela igreja oficial. Este homem foi brilhante em seus escritos e pregações. Nascido de pais cristãos, viajou e pregou em várias igrejas, mas por manter uma visão muito platônica e demasiadamente técnica a respeito da relação de Cristo e Deus, foi condenado. Há tantos exemplos ainda de cristãos que foram excluídos da comunhão e até mortos em nome da ortodoxia teológica que me fazem pensar o quanto entender de Deus é realmente necessário para fazer parte da família de Cristo. Se Deus espera que para sermos salvos entendamos o que os teólogos escrevem a respeito das substâncias, emanações e relações divinas e concordemos com eles a respeito da natureza e igualdade entre as três pessoas da trindade e como essas atuam na salvação do mundo etc., desculpe-me, mas estamos todos condenados!
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Williston Walker, A History of the Christian Church, p. 77.
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Não precisamos concordar com cada vírgula de teologia nem devemos afirmá-las tão veemente, pois podemos acabar criando falsas imagens de Deus (ídolos) e matando nosso irmão em nome dele. Muitos assuntos são especulações teológicas e nada mais. E a teologia que vivemos não deve se ocupar tanto de abstrações e teorias quanto de práxis e reflexão. Veja que a teologia de Jesus é simples, é quem me vê vê Deus, e o que de Deus se sabe, por mim é manifesto (João 12:45 e 14:8-10). Jesus se preocupou com o caráter e a solução, não com as explicações dos mistérios, assim, fez mais que pensou e amou mais que teologizou. Como seus adoradores, devemos fazer o mesmo. Mas por que fixo tanto nesse ponto da teologia? Por que no passado, os cristãos se mataram por questões teológicas! Por exemplo, o grande reformador João Calvino sentenciou um homem à morte por não acreditar na trindade e humilhava publicamente quem duvidasse de sua teologia13. Sebastian Castellion, um dos críticos de Calvino de sua época, escreveu que “matar um homem não é defender uma doutrina, é matar um homem.” Isso é tão tragicamente ridículo quanto o que se conta de Pitágoras e seu aluno Hippasus. Pitágoras cria que tudo no mundo era racional, e toda sua filosofia era baseada nesse princípio. No entanto quando seu aluno Hippasus provou que a raiz quadrada de 1 era irracional, foi morto por afogamento, dizem algumas fontes, a mando do próprio Pitágoras. Sentenciar alguém à morte por ser herege é tão ridículo quanto matar um homem por causa de contas matemáticas. Calvino e Pitágoras são dois exemplos de como convicções podem ocupar o lugar reservado a Deus. A paixão desses homens por suas ideias era maior do que aquela ao seu próximo. Eles são, para mim, exemplos de homens que deram demasiada importância ao que estudavam e colocaram seu estudo no lugar errado, no trono de Deus. Quero usar Calvino e Pitágoras como exemplos de o que não fazer com a teologia e filosofia. Quando a teologia perde theos do foco, inquisições, escolasticismos e guerras religiosas acontecem e a prática da virtude e a reflexão da vida cedem lugar a imaginações teológicas do tipo “quantos anjos podem dançar no topo de uma colher?” Quando a filosofia perde a sophia de vista, sobe as escadas da reflexão alto demais e se perde no andar das abstrações. Ambas são inúteis. A teologia deve se colocar em seu devido lugar: sob os pés de Cristo e na mente dos santos. Devemos sempre lembrar que a teologia é uma ciência mais especulativa do que objetiva, assim como são todas as outras ciências humanas, no entanto, essa é ainda mais, pois lida com revelações de Deus. Outro problema que a teologia enfrenta são as mudanças de paradigmas de entendimento do universo e do homem. Essas mudanças afetam profundamente como fazemos teologia e o que afirmamos a respeito de Deus. Por exemplo, na idade média se acreditava que o sistema solar era geocêntrico e o universo era hierárquico, ou seja, que todos os planetas orbitavam em torno da terra e todos os corpos, celestes e terrenos, tinham uma hierarquia estipulada por Deus: a pedra cai quando a soltamos porque Deus definiu seu lugar como sendo o solo; desastres naturais são castigos divinos; o rei e o plebeu nasceram para ser rei e plebeu; o homem que nascia sem uma perna, assim nascia porque Deus assim o queria, logo, todos e tudo ocupavam o lugar no universo que Deus definiu. A visão cristã da vida era muito determinista – e dada a luz que tinham na época, não podia De acordo com Ide Becker em Pequena História da Civilização Ocidental, Calvino era visto como um tirano pela população, que não tinha liberdade de se manifestar contrariamente a suas doutrinas. 13
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ter sido outra. Mas então vieram as revoluções científicas, médicas, psicológicas e sociais e demonstram que nascer com defeitos físicos não é vontade divina, e sim falha genética; que a terra não é o centro, mas o sol; que disposições mentais podem ser socialmente construídas; que situações socioeconômicas dependem de formas de governo e sistemas econômicos; que catástrofes naturais tinham consequências naturais, previsíveis e manipuláveis, enfim, que Deus não está diretamente envolvido na maneira como as coisas procedem. Consequentemente, o cristão parou de ver o rei como alguém divinamente escolhido; parou de ver a situação humana como a vontade arbitrária de Deus e de entender o universo como divinamente governado. Apenas algumas décadas de descobertas científicas literalmente acabaram com séculos de teologia. A ciência estuda o mundo. A teologia estuda o criador dele e seus propósitos com ele. Logo, se o paradigma científico muda, o teológico obrigatoriamente também. Então, sociologicamente falando, conforme o mundo encolhe e, cosmologicamente falando, o universo se expande, teologicamente falando, os joelhos se dobram e as línguas confessam a dependência e pequenez do homem quando esse clama como Davi, “Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que preparaste; Que é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites?” (Salmos 8:3-4). Gradativamente, certezas teológicas se transformam em questões teológicas. Pelo menos assim, creio que no coração do crente a arrogância do entender Deus cede lugar ao depender d’Ele. Confiar sua vida a uma determinada interpretação teológica de Deus é perigoso, pois segundo o Dr. James Brown em Quando Deus Não Faz Sentido, “não há maior sofrimento para um ser humano do que construir todo um modo de vida baseado em certa compreensão teológica e depois [...] ver tudo desmoronar.” Deus não é limitado pela nossa compreensão d’Ele. Ele nunca caberá em nossas teologias como a água do mar não coube na tigela do garoto do sonho de Agostinho. Quem confia sua vida em determinada interpretação da Bíblia corre o risco de se magoar de tal maneira a nunca mais querer vir a dobrar seus joelhos e orar pelo rancor de Deus tê-lo desamparado. Com isso em mente, não era de se surpreender que a incerteza e o desespero fossem parte do pensamento cristão ocidental dos séculos XX e XXI 14, pois este, olhando para o passado, chora os rios de sangue que foram derramados por causa de “certezas” teológicas que desmoronaram e de pinturas de Deus que se achava serem exatas, mas que também não resistiram ao tempo. Acredito que, hoje, o que podemos dizer com certeza é que não sabemos e não saberemos tudo aquilo que mais nos consolaria saber: não sabemos se Deus vai curar, se vai ajudar, se vai inspirar, se vai responder, se vai salvar, se vai prover, etc. Sabemos que o que faz – quando faz! – é imprevisível. A mim me parece que a teologia, olhando para a história, tem sido um grande instrumento de Deus para humilhar a arrogância cristã de achar que é possível entendê-lO. Em outras palavras, a maior lição que a teologia cristã tem nos O positivismo lógico e o existencialismo juntamente com o ressurgimento do ceticismo do século XIX produziram desespero quase crônico na mentalidade do século XX, escreve Colin Brown em Filosofia e Fé Cristã. Já em Antropologia Teológica, Battista Mondin diz: “Há, finalmente, a marca da […] angústia e do desespero. Pensadores, literatos, filósofos e teólogos estão de acordo em reconhecer que um dos traços característicos do homem moderno é a angústia. Entre os que mais salientaram esta opinião, lembro Heidegger, Sartre, Camus, Bultmann, Tillich, Guardioni e Bernanos.”, p. 68. 14
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ensinado é a de que não é possível fazer teologia coerentemente, pois o objeto de nosso estudo é nada mais nada menos que o próprio Deus! E não digo nada de novo ao afirmar isso, pois já no século XII Pedro Abelardo acidentalmente havia demonstrado a impossibilidade de se ter certezas teológicas a respeito de Deus com sua obra Sic et Non, onde pôs em confronto mais de 150 posições doutrinárias consideradas ortodoxas, de pais da igreja, apologistas, teólogos e escritores eclesiásticos, que se contradizem. Creio que a verdadeira teologia, como escreve Abelardo, é aquela que é “lida com liberdade de julgamento ao invés de obrigatoriedade de fé”15, e que, nas palavras do professor de teologia histórica da Universidade de Oxford Alister McGrath16, “nos oferece a oportunidade de aprofundar o entendimento e o apreço por nossa fé” sem limitar Deus a esquemas teológicos. Enfim, para mim, teologia verdadeira é a que serve a Deus com a mente sem limitálO a ela, não se impõe como revelação divina nem atribui à sua adesão valor salvífico. Acredito que o papel do teólogo é vislumbrar as características de Deus, a salvação e o mundo porvir até onde for possível, tendo plena certeza de que pode estar errado a respeito de quase tudo. Acredito que seu papel é servir a igreja estudando a fé, não dissecando Deus. TEÓLOGOS, FILÓSOFOS E OUTROS MALES Não sou perito em nenhuma das áreas que critico, mas se diploma fosse pré-requisito para uma crítica consistente, Jesus não poderia ter criticado o judaísmo de sua época. Então falo sempre de uma perspectiva pessoal de como ambas as ciências me deixaram na mão depois de certo tempo. Ao citar Erasmo de Roterdã a respeito dos filósofos e teólogos de sua época, deixei clara, através da ironia dele, minha opinião a respeito dos excessos dessas respectivas profissões. Contudo, não estou dizendo que todos são assim, sei de filósofos e teólogos muito sinceros e humildes – uns até tive o imenso prazer de conhecer! Mas minhas queixas contra eles giram mais em torno de suas vidas do que de suas obras; do que eram mais do que aquilo que disseram. A vida da maioria dos filósofos e teólogos que admiro foi marcada por profundos desespero e depressão, e apesar de terem todos os estudos, oportunidades e contatos, escreverem sobre a ausência de sentido e como não tinham realmente nada. Os que mais escreveram sobre a falta de sentido da vida foram aqueles que da vida, em termos humanos, mais desfrutavam. Mas aprendi coisas importantes com Jesus e com os filósofos e teólogos: filósofos pensaram sobre a vida, Jesus viveu! Teólogos falavam a respeito de Deus, Jesus falava com Deus. Filósofos questionaram a sociedade em busca de soluções, Jesus foi a solução que a sociedade precisava. Teólogos tentam, há séculos, nos dizer o que Deus é, Jesus nos mostrou como Deus é. Tanto uns quanto outros têm resposta para todas nossas perguntas, Jesus respondeu apenas aquilo que achou que precisávamos saber. Em suma, quem reclamou da vida não foram os que a sofreram, e sim os que dela gozaram – incluome nessa análise! E os que melhor responderam às questões da vida foram os que amaram mais do que pensaram.
Peter Abelard, Yes and No, the complete English translation of Peter Abelard’s Sic et Non, (tradução livre do autor), p. 22. 16 Definições retiradas da obra Teologia Para Amadores. 15
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Boécio17 obteve consolo da filosofia, eu não. Quanto mais li e busquei apaziguar meu coração na filosofia – especialmente a cristã – saí com a cabeça cheia, as mãos vazias e o coração perturbado. A filosofia me ajudou a fazer as perguntas certas, mas não deu resposta alguma. Tenho visto que um de seus perigos é que, por ensinar a olhar as coisas de outra perspectiva, ela pode acostumar um indivíduo a olhar tudo sempre da perspectiva que lhe convém; nas palavras de Ravi Zacharias, a filosofia pode se tornar uma tentativa desesperada de mudar a realidade para encaixá-la em sua cosmovisão. Certamente a reflexão filosófica tem seu lugar adequado dentro da vida do filho de Deus, mas quando se torna um fim em si mesma, como aconteceu no meu caso, um hobby, não trabalha a favor da vida nem de ninguém, apenas se alimenta daquilo que produz: dúvidas insaciáveis que, ao invés de criarem um senso crítico e investigador, acabam gerando cinismo e arrogância sem iguais. Gosto de pensar que o filósofo verdadeiro é como alguém que pintou uma sala toda (teto, paredes e chão) e acabou se encurralando no canto, ou seja, que fez, fez e fez e acabou sem saída. Segundo Jesus, as coisas são assim mesmo: não há luz no homem para que encontre o caminho sozinho, e quando esse anda sem a luz do mundo (Jesus), tropeça. 18 A Bíblia nos ensina que quem busca Deus à sua própria luz acaba na idolatria de sua própria imaginação. Admiro todos aqueles que depois de terem gastado suas vidas na reflexão chegaram à conclusão de que não podiam saber nada nem chegar a lugar algum. Pois se Deus não vier a nós, quem sabe como chegar a Ele? E se Deus não se revelar a nós, como saberemos com certeza que Ele está lá? Sem uma escada que desça dos céus, todas tentativas humanas de se chegar a Deus são senão mais uma torre de babel que se perde em sua própria confusão. A meu ver, há apenas duas escolhas possíveis que os seres humanos podem fazer, qualquer outra será apenas uma variação dessas duas principais: ou inventam suas verdades e deuses (religiões e filosofias), ou se entregam à graça e confiam em quem disse ser não um filho de Deus mas o Filho de Deus (Evangelho). Ou imagino o que Deus é, ou que não é, e vivo de acordo, ou acredito em quem disse ser Deus. As religiões imaginam o que Deus seria, as filosofias tentam chegar a Ele, se tornar Ele ou negá-lO, enquanto o Evangelho é a mensagem do homem que se disse ser não um mensageiro de Deu, mas a mensagem do próprio Deus. Ou se crê em Cristo, ou se crê em homens comuns, dessa regra não há como escapar. Toda filosofia, no fundo, é uma religião, que apesar de secularizada, mantém dogmas e concepções de origem e destino de proporções divinas. Mesmo o ateísmo, escreve JeanClaude Guillebaud em A Força da Convicção, é uma religião como as outras, pois “constitui a matriz do que viemos a ser” baseado em pura fé, e nesse sentido, poderia até se “dizer que o ateísmo, depois do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, é a quarta grande religião”, enquanto que o agnosticismo, “que se diz sem qualquer tipo de certeza”, não está livre da certeza, porque no mínimo “tem fé em si mesmo”.19
Alusão à obra De Consolatione Philosophiae (A Consoloção da Filosofia) do grande filósofo e teólogo cristão Boécio (489-524). Boécio escreveu essa obra enquanto estava preso esperando sua execução. 18 João 11:10. 19 Jean-Claude Guillebaud, A Força da Covicção, p. 258. 17
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A filosofia e a teologia foram, para mim, duas grandes traidoras. Uma me prometeu uma verdade que admite nunca ter conhecido, e a outra o entendimento daquele que não pode ser sondado. Ao resgate de meu desapontamento veio o Evangelho. Entendi isso num funeral de um familiar. Lá, no funeral, pouco me importava o que Descartes pensou, o que Sócrates contestou o que Nietsche criticou, o que importava mesmo eram as palavras que Jesus proferiu de como tanto vida quanto morte estavam nas mãos d’Ele e como Ele é a verdade que os filósofos tanto procuram e o Deus que os teólogos há tanto perderam de vista. ÚLTIMAS PALAVRAS ANTES DO DIÁLOGO Deus é Deus e nós homens, estamos errados e Ele sempre certo (Romanos 3:4), logo, precisamos examinar nossas perguntas, descrenças e abrir espaço à fé em nossos corações, doa a quem doer, no caso, a nós mesmos! Quando a dúvida bate, lembro-me do que Deus disse: “Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor.” (Isaías 1:18). Andei duvidando, então resolvi arrazoar com Deus e comigo mesmo a respeito em forma de diálogo: 1 é o cético. 2 é o cristão. Ambos sou eu. Boa leitura!
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1 - Diante de tudo aquilo que há de mais vil no ser humano: maus pensamentos, mentiras, falsidades, inimizades, enganos, inveja, egoísmo, avareza, adultérios, prostituições, estupros, bestialidades, homicídios, iras e vícios, de pessoas como Hitler, Stalin e os inquisidores, de barbaridades religiosas e seculares; diante do mundo e sua história de guerras, conflitos, genocídios, de pilhas de corpos destroçados, raquíticos, mutilados, queimados, torturados, abusados, usados como cobaia por experimentos malévolos, terrorismos religiosos, perseguições, racismos e selvageria, agressão ao meio ambiente e hostilidade aos outros seres viventes; diante da incontrolável e imprevisível natureza: tempestades e enchentes, furacões, terremotos, tsunamis, vulcões e incêndios, pragas e pestes, doenças, síndromes físicas e psicológicas, pergunto-me: como ainda ter alguma esperança para viver? Nessas horas a insana pergunta de Sartre me vem à mente, “a única coisa que não sei é como ainda não tirei minha vida?”, diante de um passado, presente e previsível futuro terrível, que demência ou utopia me anima a continuar sofrendo esse mundo e essa gente má? Ou até a mim mesmo? Nenhuma. Não vejo motivo de sofrê-los e sofrer-me. Quantas vezes mais escutarei de bebês sendo violentados, vendidos e mortos cruelmente? Quantas mais notícias de escravidão e opressão a raças e gêneros serão anunciadas? Quanto mais terei de aguentar pessoas comercializando a morte e a dor? Lucrando com o sofrimento do outro? Beneficiando-se com a necessidade do outro? Crescendo à custa da miséria de nações? Quantos incestos, estupros, notícias de crianças jogadas no lixo, massacres em escolas, tiroteios e atentados ainda ocuparão nossas manchetes? Não, não. Chega. Não quero mais. A humanidade só ainda não se afogou em seu próprio sangue, pois sua engenhosidade a permitiu achar maneiras de drená-lo, engarrafá-lo e comercializá-lo como entretenimento. Se o poder de mudar o mundo está em nossas mãos, como se diz por aí, por que depois de milhares de anos de existência humana ainda não mudamos o mundo? Queremos mas não podemos? Não podemos, mas queremos? Não podemos nem queremos? Qual será? Pois se queremos e podemos, por que não fizemos? E se o poder de mudá-lo não estiver em nós, onde ou com quem está? Com essa desilusão, que é fruto de uma overdose de realidade, não consigo enxergar sentido no mundo, nem em nada. Talvez o sentido da vida seja apenas morrer. Pelo menos é a resposta mais certa que se pode ter. 2 – Então, 1, percebo um grande pessimismo em sua visão de mundo. 1 – Pessimismo não, realismo. Sei que isso soa clichê, mas é verdade. O que aprendo desse jargão é que há uma tendência quase irresistível de associar aquilo que é péssimo à realidade. Por acaso não chamamos de “frios” os realistas? 2 – O que te leva a dizer isso tudo? 1 – Uma overdose de realidade. 2 – Entendo... também não tenho grande esperanças para o futuro. Vejo que tens ótimas críticas. E o que achas ser o âmago de tudo isso? 1 – Sinceramente, não sei. Há um problema, disso sei, agora o que ele vem a ser, sua origem e antídoto, daí meu amigo...séculos de debates e pilhas de livros poderiam ser o começo de uma conversa longa. Tudo que posso dizer é que há um problema, e nisso concordo com todos. 2 – Deixe-me apresentá-lo à resposta que um homem, muito diferente, há muitos anos atrás deu. 1 – Que homem seria esse?
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2 – Jesus...ouviu falar? 1 – Sim. Suponho que sejas cristão... 2 – Acertou. 1 – Também suponho que pecado e diabo farão parte da sua resposta e justificativa. 2 – Bem, nós cristãos somos até que previsíveis, não? 1 – Sim, e muito. Sua escapatória de atribuir tudo que é mau ao diabo é uma antiga e desgastada desculpa que a igreja cristã, grande culpada por muito do sofrimento que descrevi acima, tem usado ao longo da história para se livrar de sua culpa e jogá-la no coitado e imaginário diabo, lúcifer, satanás, ou sei lá como vocês o chamam hoje em dia. 2 – O cristianismo o quê? 1 – Ora, não se faça de bobo, 2, ou você vai tentar me convencer de que o cristianismo é (foi) bom para mundo? Graças a vocês, durante um milênio, não só a humanidade estagnou, regrediu. Por causa das “sagradas” escrituras muito sangue foi derramado e supersticiosidade propagada. 2 – Por que dizes sagradas em tom de sarcasmo? 1 – Porque de sagrado não tem nada. Está cheia de erros e, em minha opinião, é imoral.
--Bíblia, Antigo Testamento, Deus mau-2 – 1, não sei bem o que entendes por cristianismo nem que Bíblia você anda lendo, mas posso garantir que você está equivocado. Diga-me, você já leu a Bíblia cristã? 1 – Toda? Não. Partes? Algumas. Tive uma educação um tanto quanto cristã e aprendi certas histórias da bíblia. 2 – Você não leu a Bíblia cristã, no entanto afirma veemente que ela tem erros que tiram seu crédito completamente. Como você pode avaliar um livro que nunca sequer leu ou estudou? 1 – Isto é senso comum. Hoje todos sabem que a bíblia é uma construção humana e está cheia de erros, inserções e mudanças. 2 – Todos sabem? Erros, inserções e mudanças? Diga-me, você sabe disso ou acha isso? 1 – Eu sei. 2 – Então pode citar algumas mudanças ou erros que a Bíblia possui para exemplificar? 1 – Já disse que não a li e não sei quais são, mas muitos estudiosos afirmam isso, e sei que se me pusesse a pesquisar encontraria muitos e muitos exemplos. 2 – O fato de haver estudiosos que afirmam “isso” não quer dizer que estejam certos. Por exemplo, também há estudiosos que dizem que o Holocausto não aconteceu, outros que Atlantis foi uma
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cidade real. Amigo 1, alguém um dia disse que a Bíblia cristã é uma bigorna que já gastou muitos martelos; suas marteladas certamente seriam barulhentas, mas no final, a Bíblia continuaria firme. Garanto-lhe que para cada suposto erro e mudança que encontrar haverá no mínimo uma dúzia de livros acadêmicos para esclarecera. 1 – Ainda assim ela é culpada por muitas desgraças. Muitas vezes, especialmente no Antigo Testamento, há ordens de matar! Bom, os cristãos, fieis e obedientes, têm feito exatamente isso, veja as cruzadas, as inquisições, as reformas, as guerras, as... 2 – ...espera lá, você está confundindo as coisas. Os cristãos que fizeram isso abusaram da mensagem da Bíblia e não a obedeceram. O preceito elementar da fé, tanto do Antigo como do Novo Testamento é “amar o próximo como a si mesmo”. Cada texto tem seu contexto no qual deve ser lido. Há narrativas históricas, poesias, cânticos, filosofia, teologia, parábolas, etc., não podemos interpretar a Bíblia literalmente e sim literariamente. 1 – Literariamente e não literalmente...tens minha atenção, continue. 2 – Confesso que ao longo da história muitos têm feito atrocidades em nome de Deus empunhando uma Bíblia, mas nenhuma dessas atrocidades pode ser justificada de acordo com o Evangelho... 1 – Mas e as guerras do Antigo Testamento que Deus mesmo mandou fazer? 2 – Como lhe disse, há um contexto histórico dentro do qual medidas drásticas precisavam ser tomadas. Os povos contra os quais os Israelitas tiveram de lutar a mando de Deus eram povos extremamente cruéis20 cujos hábitos eram de enterrar crianças para trazer boa sorte, atirá-las ao fogo como sacrifício, etc21., o julgamento de Deus caiu sobre muitos povos antigos como um “basta” a 20
“[...] tribos semitas de Canaã e da Síria, desconheciam a piedade.” – Werner Keller, E a Bíblia Tinha Razão, p. 91, 145. “A carnificina e o canibalismo são traços característicos das [religiões cananeias]” – Mircea Eliade, História das Crenças e das Ideias Religiosas, p. 186. 21 “Para aplacar a ira dos deuses [Baal, entre outros] [...] realizavam-se terríveis sacrifícios humanos. Queimava-se [...] os próprios filhos. Em algumas ocasiões, 200 recém nascidos foram lançados, ao mesmo tempo, ao fogo enquanto as mães assistiam [...].” – Idel Becker, Pequena História da Civilização Ocidental, p. 67. “Os deuses eram invejosos, exigentes e sanguinários. A doutrina religiosa não tinha preocupações éticas ou espirituais. Não prescrevia padrões de moralidade. [...] No fundo da religião imperava o terror. [...] As narrativas [religiosas eram] ‘grosseiras, revoltantes e bárbaras’. – Ibid., p. 55. “Os mitos e costumes descritos nessa singular documentação espalham o mais horrendo barbarismo [...]. Tinham particular significação os ritos relacionados com as deusas da fecundidade. [...] mas em Canaã eram duma imprudência crua. [...] Debaixo de cada uma das casas desenterradas havia uma cava tumular, onde os habitantes de Ugarit depositavam seus mortos. Tubos de barro de formas estranhas penetravam nas profundezas; por esse meio se servia vinho e azeite, carne e sangue de animais sacrificados aos mortos! Nem diante do mundo dos defuntos se detinha o culto da fertilidade. As vasilhas em forma de funil não deixam dúvida alguma a esse respeito. [...] Bárbaras e cruéis eram Astarté e Anath, deusas da fecundidade e da guerra. A Epopéia de Baal de Ugarit descreve assim a deusa Anath: com violência ceifava os habitantes das cidades, [...] Vadeava em sangue, que lhe chegava aos joelhos, até mesmo ao pescoço. A seus pés jaziam cabeças de gente, em seu redor flutuavam mãos humanas como gafanhotos. Punha as cabeças de suas vítimas às costas como ornamento e as mãos no cinturão. Seu fígado inchava de tanto rir, seu coração enchia-se de alegria, o fígado de Anath estava cheio de júbilo. Quando ficava satisfeita, lavava as mãos em sangue humano coagulado e dedicava-se a outras coisas.” – Werner Keller, E a Bíblia Tinha Razão, p. 247. Em escavações feitas por Macalister em Gezer, 1904-1909, foram encontradas ruínas de um “Lugar Alto”, que tinha sido um templo, no qual ocorria a adoração de Baal e Astarote. Neste local foram encontrados jarros contendo despojos de crianças recém-nascidas que haviam sido sacrificadas a Baal. A área inteira se revelou como sendo cemitério de crianças. Em Meggido, Jericó e Gezer as escavações revelaram que era comum o “sacrifício dos alicerces”: quando se construía uma casa, sacrificava-se uma criança, cujo corpo era metido no alicerce para trazer felicidade para o resto da família.
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toda aquela crueldade, enquanto que com outros, como os assírios de Nínive22, que por terem se arrependido e mudado seus hábitos, foi lhes concedido o perdão. O Antigo Testamento está repleto de sangue e mortes não por ser a história de Deus, mas por ser a história dos homens. Você mesmo descreveu a história como repleta de violência, não? 1 – Sim. 2 – Ora, então você e a Bíblia concordam... 1 – Mas e as leis de “matar” que Deus estabeleceu? Um deus que manda matar não pode existir... 2 – ...não pode porque você não quer ou não pode por algum motivo logicamente incompatível com a Sua existência? 1 – Se Deus é bom e manda matar alguém então Ele não existe, e se existe, não é bom. 2 – Se Deus mandou matar então Ele existe. Certo? Um Deus que não existe não pode mandar nada, concordas? Dizer que Deus é mau não prova que Ele não existe, apenas que você não gosta d’Ele. E caro 1, se você não gosta d’Ele, quem vai ter que resolver esse problema é você diretamente com Ele, não eu! 1 – Concordo com o fato de ele poder existir, mas daí dizer que Ele é bom? Não dá para fazer isso com o Antigo Testamento em mente, caro amigo. 2 – Você leu o Antigo Testamento? 1 – Todo? Não. Apenas conheço histórias. 2 – Bom, começo por aí. Você deve entender o que acontecia em cada narrativa e o pano de fundo de cada uma para entender as medidas que precisavam ser tomadasb. 1 – Acho difícil que esse conhecimento justifique algumas passagens, mas tudo bem, continue. 2 – Segundo, se Ele existe, então não estamos em posição de julgá-lo, afinal, Ele é Deus e nós homens, e nada do que dissermos contra Ele mudará o fato de Ele ser o que é. Se Ele existe, então Ele é o que Ele disse ser, quer gostemos ou não. Terceiro ponto, sobre o Antigo Testamento: contexto contexto contexto! Israel era uma nação em formação e Deus deu leis de todas as naturezas para eles, cerimoniais, civis, religiosas e morais. A maioria daquelas leis era apenas para o povo de Israel e para aquela época23! Quando Jesus veio, Ele deixou claro que as leis que deveriam ser 22
“Os anais neo-assírios de Ashurnasirpal II (883-859) têm prazer em descrever o esfolamento de vítimas vivas, a empalação de outros em estacas, e os corpos decapitados em exibição. Eles se jactam de como o rei amontoava corpos e colocava cabeças em pilhas; o rei se orgulhava de arrancar os olhos de tropas, suas orelhas e membros, seguido da exposição de suas cabeças pela cidade.” – Paul Copan, Is God a Moral Monster?, p. 179. “[Os assírios] destacaram-se pela sua crueldade […]. Executaram matanças espantosas e ferozes pilhagens.” – Idel Becker, Pequena História da Civilização Ocidental, p. 50. “[Os assírios eram] uma impiedosa máquina de guerra. [...] Para manter dóceis os súditos, recorriam ao terror.” – Marvin Perry, Civilização Ocidental, uma História Concisa, p. 21. 23 Aliás, as leis de matar e guerrear do A.T., como nota Dinesh D’Souza, eram para lidar com povos de culturas bárbaras que se assemelhavam aos Astecas e os Nazistas. “Mal que não é destruído severamente desde seu começo tende a se espalhar como um câncer. Assim, com o tempo, mais força é necessária para exterminá-lo, como foi o caso da segunda guerra mundial”. – God Forsaken, p. 216.
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universalizadas eram as morais, 10 mandamentos, as outras tinham seu propósito e se cumpriram em Israel durante o período do Antigo Testamento. 1 – Mas concordas comigo que eram leis terrivelmente violentas, não? 2 – 1, o homem é terrivelmente violento. As leis representam não o caráter de quem as dá, mas o caráter de quem deve se submeter a elas. Quando a lei diz “não se deitarás com pai e mãe...nem animais, etc.”, ela diz muito a respeito de nós, não de Deus. 1 – Até concordo com algumas penas de morte, mas, 2, matar alguém por adorar outro ídolo? Por se ajoelhar perante uma estátua? Por acaso Deus sofria de crises de ciúmes? 2 – Entenda...toda adoração envolvia sacrifício, 1, os deuses daquela época pediam a vida de crianças. Quando o povo de Israel adorava outros deuses eles queimavam seus bebês vivos como oferta24. Deus deixou claro que deveriam ser mortos os que assim fizessem. 1 – Vejo que estás tentando, 2; reconheço sua sinceridade e seu conhecimento, mas o Antigo Testamento é repleto de guerras, assassinatos e bizarrices, como poderias justificar suas narrativas históricas como sendo da vontade de um Deus amoroso? 2 – Eis o ponto chave: grande parte dele não foi a vontade de Deus, e sim dos homens; o contrário da vontade explícita de Deus. 1 – Como não? 2 – Não sendo, oras. Foram a desobediência e a rebeldia que causaram tanta desgraça, não a vontade de Deus. Por que culparias Deus pelos pecados dos homens? 1 – Então foi culpa de Eliseu por aquelas ursas terem saído do bosque e destroçado tantos jovens por um simples deboche25? Não foi Deus quem as mandou? Como justificas essa passagem – que, aliás, é uma das únicas de que me lembro? 2 – Não é tão simples assim, há mais envolvido ali nessa história e deves procurar saber o todo e não apenas o desfecho. Particularmente, é a passagem mais controversa da Bíblia para mim. Tenho dificuldades em respondê-la, ou como pedisses até, justificá-la. Todavia, poderíamos entrar nessa questão e poderia explanar o que realmente houve alic. 1 – Pois bem...caso encerrado. 2 – Mas, 1, o que insinuas com isso? Que Deus não existe? 1 – Pretendo... 2 – Então estás errado duas vezes. 1 – Mostre-me como?
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2 Reis 23:10, Levíticos 18:21 e Deuteronômio 18:10, são alguns exemplos. 2 Reis 2:23-24.
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2 – Com prazer. Acompanhe: se Deus mandou aquelas ursas atacarem aquele bando, então Ele existe, e você, assim, está errado. Se Deus não existe, então a passagem é falsa, e você, ao criticá-la, está culpando um ser imaginário de crimes que não aconteceram, ou seja, errado outra vez. Ao denunciá-lo, afirmas Sua existência. Ao negá-lo, absolve-o das mortes. No primeiro caso estás tentando ter mais razão que Deus. No segundo estás incriminando o ar por ter feito nada. 1 – Então está bem, digamos que Deus exista. Por que você chama esse Deus que manda matar gente de “amor”? 2 – É o que Ele disse de si mesmo e o que tem demonstrado aos seres humanos. Ele se deu o trabalho de provar que nos ama. 1 – 2, quem ama não odeia nem mata. 2 – 1, quem ama deve odiar26, e talvez punir com morte seja a única saída27.d 1 – Como pretendes justificar essa resposta tão hedionda? 2 – Com uma pergunta: 1, você ama os negros? 1 – Sim. 2 – Então você odeia o apartheid? 1 – Suponho. 2 – Você ama os judeus? 1 – Sim. 2 – Então você odeia o holocausto? 1 – Acho que entendo o que dizes. 2 – É simples: Quem ama a justiça odeia a injustiça. 26
“O teólogo de Yale Miraslov Volf nasceu na Croácia e sobreviveu ao pesadelo dos anos de guerras étnicas na antiga Iugoslávia [...]. Ele uma vez pensava que ódio e ira estavam abaixo de Deus, mas acabou entendendo que sua visão de Deus tinha sido muito baixa. [...]: ‘Costumava pensar que o ódio era indigno de Deus. Deus não é amor? O amor divino não deveria ir além do ódio? Deus é amor, e Deus ama cada pessoa e cada criatura. E é exatamente por isso que Deus é cheio de ódio para com alguns seres. Minha última resistência à ideia do ódio de Deus foi o resultado da guerra na antiga Iugoslávia, região da qual eu vim. De acordo com algumas estimativas, 200,000 pessoas foram mortas e mais de 3,000,000 desabrigadas. Minhas vilas e cidades foram destruídas, [alguns do meu povo] foram brutalizados para além da imaginação, e eu não conseguia imaginar Deus não se enfurecendo. Ou pense em Ruanda na última década do século passado, onde 800,000 pessoas foram trucidadas em cem dias! Como Deus reagiu a essa carnificina? Caindo de amores pelos criminosos? Recusando-se a condenar o banho de sangue mas, ao invés, afirmar a bondade básica do criminoso? Deus não estava furiosamente irritado com eles? Embora eu costumava reclamar da indecência da ideia de Deus odiar, acabei percebendo que teria de me rebelar contra um Deus que não ficasse furioso diante da maldade do mundo. Deus não é raivoso apesar de ser amor. Deus é raivoso porque Deus é amor.’” – Paul Copan, Is God a Moral Monster?, p. 192. 27
“Pode-se dizer que a violência contra B é legítima somente se interromper as mortes, ou que a morte de indivíduos é de fato legítima, mas a matança em massa da guerra não o é.” – C.S. Lewis, O Peso da Glória, p. 77.
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1 – O problema dessa afirmação é que a injustiça não existe senão no injusto. Então Deus odeia o injusto? 2 – Se essa injustiça não puder ser separada do injusto, sim, está escrito que Deus odiará essa pessoa. 1 – Então Deus odeia certas pessoas? 2 – Sim28. Conclusão dura essa, mas verdadeira; mas o ódio de Deus não tem nada a ver com os nossos sentimentos baixos e vingativos; tem a ver com a justiça perfeita. Deus é justo. Justiça requer punição. Deus é santo. Santidade exige separação. Deus é amor. O amor dá tempo buscando o arrependimento, mas não tolera a maldade para sempre. Se tolerasse, não seria amor e sim indiferença. 1 – Então Deus odeia e pune...Deus de amor esse seu, heim? (em tom de deboche)... 2 – Engraçado... 1 – O que é engraçado? 2 – Sua lógica é curiosa: quando Deus não age, é criticado por não agir. Quando Deus age, então é culpado de agir. Quando tolera a injustiça, é sádico. Quando pune a injustiça, é tirano. Você percebe o problema? 1 – É que simplesmente não vejo que seu deus tem boas ideias para resolver problemas, só isso. 2 – Mas quando não se gosta de alguém, nada que esse alguém fizer será bem visto. Talvez, 1, você não acha que Deus tem boas ideias porque você não gosta d’Ele. Se analisar bem, verás que a estratégia de Deus para resolver nossos problemas é inteligente. 1 – A é? E como? Tolerando isso tudo que acontece aqui? 2 – Tolerando...mais ou menos; dando tempo. Sofrendo enquanto redime seres humanos. Deus sofre a injustiça visando redimir o injusto. É chamado tempo de graça. Deus dá tempo ao injusto de se arrepender e mudar de atitude. Mas há um limite, um prazo. Um dia, segundo Jesus, todo pecado será punido; toda injustiça será julgada e retribuída29.
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“Se não somos diretamente tocados por nenhum dos muitos sofrimentos do mundo, tristezas e opressões, nossa reposta pode ser indiferente e apática [...]. [Assim], a raiva é a primeira indicação de que nos importamos. Uma pessoa que nunca se enraivece é moralmente deficiente.” – Paul Copan, Is God a Moral Monster?, p. 38. 29
Aplicando a seguinte ideia de justiça de Pascal à teologia, argumento que o perdão sem justiça é iníquo e a justiça sem perdão é cruel, e que o único lugar onde se pode encontrar justiça e perdão é na cruz de Cristo; lá, e apenas lá, a justiça foi satisfeita e o perdão concedido: “A justiça sem a força é impotente; a força sem justiça é tirânica. A justiça sem força será contestada, porque há sempre maus; a força sem a justiça será acusada. É preciso, pois, reunir a justiça e a força; e, dessa forma, fazer com que o que é justo seja forte, e o que é forte seja justo.” – Blaise Pascal, Pensamentos (Coleção Os Pensadores, Abril Cultura), p. 117
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--Maldade-1 – Mas para que esperar? Aliás, então por que não criar um mundo onde a maldade não fosse possível; não cogitou Ele em sua onisciência essa possibilidade, ou será que isso lhe foge à onipotência? 2 – 1, o que é a maldade? 1 – Boa pergunta. O que é a maldade para você, caro 2. 2 – De acordo com o cristianismo, uma escolha. 1 – Uma escolha... (depois de um tempo pensando), prossiga... 2 – Sim, uma escolha. A maldade não é um ser, uma entidade, e sim uma escolha, uma possibilidade. Escolho agir a favor da vida ou contra ela. A escolha contra a vida é a maldade. 1 – Interessante. Continue, verei se concordo. 2 – Um mundo sem a possibilidade de escolher isso ao invés daquilo é um mundo sem liberdade. Um mundo sem a liberdade de escolha é um mundo onde o amor não pode existire. O amor, para ser sincero e verdadeiro, deve ser escolhido30. 1 – Por quê? 2 – Considere as possibilidades sobre o amor: quando forçado, deixa de ser amor e se torna estupro. 1 – Certo. 2 – Quando única opção, perde a necessidade da fidelidade, do cuidado e do carinho, consequentemente se torna insípido e desnecessário. 1 – Mas por quê? 2 – Explicarei: concordas que fidelidade, cuidado e carinho são partes fundamentais do amor? 1 – Sim, plenamente. 2 – Então trair é deixar de amar. 1 – Certo. Se amar é ser fiel, então trair é deixar de amar. Mas e daí? 2 – Se amar é minha única opção, o que escolheria além dela? Logo, se a traição não é uma possibilidade, a fidelidade também não é. Fiel ou infiel seriam adjetivos que não existiriam. 30
Mesmo o filósofo ateu existencialista Jean-Paul Sartre, muito hostil ao pensamento cristão, concordou com a necessidade da liberdade para o amor ser sincero quando disse, “Ao contrário, aquele que quer ser amado não deseja a servidão do amado. Não quer converter-se em objeto de uma paixão transbordante e mecânica. Não quer possuir um automatismo, e, se pretendemos humilhá-lo, basta descrever-lhe a paixão do amado como sendo resultado de um determinismo psicológico: o amante sentir-se-á desvalorizado em seu amor e em seu ser. [...] o amante sente-se só, caso o amado tenha se transformado em autômato.” – O Ser e o Nada, Ensaio de Ontologia Fenomenológica, p. 458.
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1 – De acordo...e? 2 – ...da mesma maneira, descuidar não seria uma opção, então cuidado não seria necessário. Também o carinho só faz sentido quando preenche, conforta e consola. E só é possível preencher o que está vazio, confortar o que está incomodando e consolar o que sofre. Se nenhum desses infortúnios fosse possível, nenhuma dessas características seria necessária nem possível, assim o amor seria insípido. 1 – Parece que você está me dizendo que o sofrimento é necessário para o amor existir. 2 – O que estou tentando dizer é que amor só existe quando há liberdade de escolhê-lo. De outra maneira, seríamos como robôs programados a fazer o que o programador quisesse31. Veja que o sofrimento é a consequência da escolha errada. Se a maldade é uma escolha, o sofrimento é sua consequência natural. Dessa maneira, um mundo sem maldade e sem sofrimento é um mundo sem liberdade de escolha, portanto, incapaz de suportar o amor32. 1 – Então é impossível que o mal não exista? 2 – Basicamente. 1 – Isso soa muito parecido a uma visão filosófico-religiosa dualista. Duas forças, bem e mal, em eterna luta. É isso que estás me propondo aceitar? 2 – De maneira alguma. 1 – Então seja mais claro, por favor. 2 – Tentarei... Jesus não ensinou que havia duas forças, o bem e o mal, lutando entre si. Não. Ensinou que há uma força suprema: Deus, e duas escolhas: Deus ou não-Deus. O mal, como disse, não é uma entidade ou uma força, e sim uma escolha que fazemos de contrariar a vontade de Deus. Para Jesus, a maldade não é uma força que duela contra Deus, e sim um caminho que nos leva para longe d’Ele. Em outras palavras, o mal é uma depravação parasita do bem33. 1 – ...se não me engano foi Agostinho uma vez que sugeriu que o mal não é o posto do bem, e sim a privação dele. 2 – Certíssimo. A profanação do bem, em outras palavras. 31
“Ou o homem é, de fato, capaz de dizer ‘não’, livre e conscientemente, ou, no fundo, não é outra coisa a não ser uma marionete conduzida por desígnios estranhos e impedida de agir mal.” – Cláudio Billini, Céu e Inferno, o que significam hoje?, p. 99. 32 “Em um mundo onde o amor é a ética suprema, liberdade deve fazer parte da estrutura. Um amor que é programado ou forçado não é amor; é meramente uma resposta condicionada ou auto servidão.”. – Ravi Zacharias, Por que Jesus é diferente. 33 Sobre isso, C.S. Lewis diz em Cristianismo Puro e Simples: “Vamos colocar o assunto de forma mais clara ainda. Para que seja mau, esse poder tem de existir e ter inteligência e vontade. Ora, a existência, a inteligência e a vontade são, em si mesmas, coisas boas. Logo, esse poder tem de receber essas qualidades do Poder do Bem: mesmo para ser mau, tem de emprestá-las ou roubá-las do seu opositor. Você começa a perceber agora por que o cristianismo sempre disse que o diabo é um anjo caído? Isto não é apenas uma historieta para crianças. E o reconhecimento real do fato de que o Mal é um parasita, não um ente original. As forças que fazem com que o Mal possa subsistir foram dadas pelo Bem. Todas as coisas que propiciam que um homem mau seja efetivamente mau são, em si mesmas, qualidades: resolução, esperteza, boa aparência, a própria existência. E por causa disso que o dualismo, a rigor, não funciona.”
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1 – E segundo sua teologia, como é que Deus acaba com o mal então? Até onde sei, e sei pouco, mas o suficiente, a Bíblia também diz que o mal um dia será destruído, certo? 2 – Não diria destruído, mas contido em só um lugar: inferno. Deus colocará os maus em quarentena para que não mais atinjam os que amaram a vida. 1 – Lembre-me de que quero lhe fazer algumas perguntas sobre esse assunto do inferno... 2 – Lembrarei... 1 – Mas por agora gostaria de saber o seguinte... 2 – Se puder ser útil, terei prazer... 1 – Assumindo que Deus exista, como Ele lida com o mal por enquanto? Aliás, Ele lida com isso? Dadas as circunstâncias do mundo, não me parece provável que Deus se importe em se intrometer. 2 – Sim, claro. Creio que há três maneiras diferentes de Deus lidar com essa questão: Ou Ele nos força a escolher o certo, mas daí viola nossa liberdade, ou mata quem escolhe errado, mas daí quem escaparia, ou convence o malfeitor de que o mal é mau e deve ser evitado, e essa é a maneira que aprouve a Deus. É chamado redenção. Deus poderia forçar, aniquilar ou redimir. Sendo Ele bom, decidiu redimir. O tempo que Ele nos dá é para perceber que devemos nos arrepender34. 1 – Que tipo de resposta é essa? Gostaria de vê-lo explicando isto a uma criança que definha de fome e morre: você está morrendo de fome porque Deus, querido, quis lhe dar livre arbítrio, e, acima de tudo, respeita as decisões dos outros. 2 – Devo repreendê-lo aqui, 1... 1 – ...por dizer a verdade? 2 – Não. Por estar apelando e se refugiando atrás de emoções. O sofrimento humano é uma questão muito delicada e de grande peso emocional, não podemos permitir ser tomados pela emoção e assim evitar conclusões tristes, mas verdadeiras. Percebo em sua crítica que o que realmente procuras não é uma resposta e sim uma solução. 1 – Poderia dizer que sim. 2 – Bom, nesse caso. A resposta é uma atitude e não uma argumentação. Jesus não andou por aí explicando por que as pessoas sofriam, e sim fazendo caridade e dando esperança. A maldade é tanto um mistério quanto um problema. Um mistério precisa de uma explicação. Um problema precisa de uma solução. Jesus resolveu o problema, o mistério, fica pra depois. O mistério, a gente, racionalmente, debate. O problema, a gente, afetivamente, resolve.
--Satanás-1 – Dentro de uma explicação tão eloquente como essa sobre a maldade, onde está o lugar do diabo, capeta, satanás, ou qualquer outro nome que se atribui a ele por aí; como justificar que ele é a fonte 34
Ideia explorada pelo pastor, teólogo e filósofo Ariovaldo Ramos.
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da maldade e motivo de todas as desgraças depois de estabelecido que maldade é uma escolha e não um ser? 2 – Mas e quem disse que ele é a fonte de toda maldade? 1 – Vocês, oras...(risadas) 2 – Não, 1, estás equivocado. 1 – Por acaso vocês não dizem que ele é o pai da mentira e o primeiro a pecar? 2 – Sim, mas ser o pai da mentira não significa ser origem da maldade, ser o primeiro a pecar também não quer dizer ser fonte do pecado. Suas visões do cristianismo estão muito erradas, 1. Veja bem, Jesus disse que a maldade está no coração do homem35 e não na pessoa de satanás. A fonte de toda maldade é a desobediência à vontade de Deus. 1 – Então quem é satanás? 2 – O primeiro a pecar, e não a fonte da maldade. Uma criatura rebelada, e não um deus opositor. O tentador, o enganador e inimigo de nossas almas, mas não um ser todo poderoso que está à altura de Deus. Sendo esse mundo território ocupado pelo inimigo, estamos ainda sujeitos à sua influência, mas ele não pode nos forçar a fazer nada que não queiramos. 1 – Então por que muitos de vocês ainda jogam a culpa pelos seus erros nas costas dele? 2 – Covardia e superstição, diria. Muitos cristãos, confesso, têm uma visão supervalorizada do diabo. Atribuem a ele poder que não lhe cabe. 1 – Portanto ele não tem culpa da situação dos homens? 2 – Tem culpa, mas não é o culpado.
--Atrocidades em Nome de Deus-1 – Gostaria de voltar a esse assunto do diabo mais tarde, por enquanto há atrocidades maiores e mais hediondas que as do diabo com as quais devemos lidar: as da igreja. Queria saber como justificas o sofrimento causado pelo próprio cristianismo?f Inquisições, papados, corrupções, torturas e mais torturas, perseguições aos judeus, às “bruxas”, aos homossexuais, aos canhotos (sim, canhotos!), aos cientistas, aos hereges, aos infieis, as “conversões” das nações “bárbaras”, guerras dentro da própria cristandade...quero dizer, a história de vocês cristãos é mais manchada que a do próprio diabo. 2 – Abusos, 1. Não condizem com o que Cristo ensinou. Por exemplo, você culparia um carro por atropelar uma pessoa? 1 – Claro que não! 2 – Quem você responsabilizaria então? 35
Marcos 7:21 e Mateus 15:18-19
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1 – O motorista, oras! 2 – Da mesma forma que o carro não teve culpa, e sim o motorista, o cristianismo também não teve culpa, e sim os idiotas que abusaram dele. A função do carro é transportar com mais velocidade e conforto, e não atropelar ou causar acidentes. Da mesma forma, a função do cristianismo é trazer paz e salvação, não torturar e matar. Quando alguém usa um carro para cometer um crime ninguém culpa o carro, então por que culpar o cristianismo quando é usado para cometer crimes? Não, não. São abusos, não condizem com a doutrina em si. Não se pode julgar uma religião por seus abusos, nem sequer por seus seguidores, apenas por seus fundadores e motivações36. As do cristianismo são paz e redenção. 1 – Mas eles achavam que estavam fazendo a vontade de Deus. Uns até diziam ter ouvido a voz do próprio Deus... 2 – ...1, até Hitler achava que estava fazendo a vontade de Deus. Ou não sabias que em seus cintos os nazistas tinha escrito “Deus está conosco”? Achar que faz a vontade d’Ele é uma coisa, conhecê-la e pô-la em prática é outra. 1 – Então há muita culpa nas costas da igreja? 2 – Da igreja cristã como organização religiosa histórica, sim. Muita. Da igreja como corpo de Cristo, não. Essa também erra, porque é composta de pessoas falhas, mas não pode ser culpada de abusos terríveis e mortes incontáveis. A igreja verdadeira é, na verdade, o motivo de o mundo hoje ser um lugar melhor. 1 – Portanto poderia dizer que o cristianismo não está à moda de Cristo? 2 – Poder-se-ia dizer até mais: Cristo seria o primeiro a denunciar o movimento religioso que chamamos de cristianismo. Aliás, é interessante notar que Jesus Cristo não só não era cristão, mas também não veio à Terra fundar o cristianismo. Acho importante notar a diferença entre cristianismo como movimento de pessoas que creem no Cristo, cristianismo como religião organizada e histórica e cristianismo como império. 1 – Então você concorda que o mundo seria um lugar melhor sem esses dois últimos cristianismos?g 2 – Talvez, não poderia dizer de certo. Talvez algo pior teria se levantado e afligido os homens. Mas concordo plenamente com suas críticas aos abusos da religião cristã. E Jesus também.
--Onde Está o Problema-1 – Mesmo que eu aceite isso tudo que você fala, ainda assim não estou convencido a crer; nada disso condiz com a realidade que vivencio. Pecado, satanás, Deus...não posso ver nada disso no mundo, apenas homens fazendo maldades. Concordo com muitas coisas que você diz, mas isso não quer dizer que estejas certo em tudo nem muito menos que acredito em Deus. O cristianismo, assim 36
Atribui-se a frase “Nunca julgue uma filosofia por seus abusos” a Agostinho de Hipona. Romancista inglês Charles Dickens manda uma mensagem através de seu mais famoso livro Um Conto de Natal a respeito da rejeição da religião pelos seus abusos quando em um dos diálogos entre Ebenezer Scrooge e o Espírito do Natal do Presente, Ebenezer acusa a igreja de alguns sofrimentos e o espírito replica dizendo: “Há alguns nesse seu planeta”, respondeu o espírito “que afirmam nos conhecer e que fazem suas obras de paixão, orgulho, má vontade, inveja, intolerância, e egoísmo em nosso nome, mas que são completamente estranhos a nós. Lembre-se disso, e cobre tais erros deles, não de nós.”
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como o apresentas, e eu concordamos em algumas coisas, principalmente quando falamos da maldade no mundo, mas isso não prova nada além do fato de que concordamos! 2 – Tudo bem, não estou insistindo que creias, apenas argumento em favor dessas coisas para demonstrar que são confiáveis e dignas de reflexão. E, sim, é verdade, há maldade no mundo. 1, você lembra que me propus a lhe apresentar as respostas que Jesus dá a suas dificuldades. Ainda estás disposto a ouvir? 1 – Sim, prossiga. Qual é a resposta então? 2 – Qual é a pergunta? 1 – Como assim? 2 – Quem procura respostas deve estar fazendo perguntas, não? 1 – Faz sentido. Então, aqui está: não vejo solução alguma para o mundo ou para o homem! Você discursou maravilhosamente em favor do cristianismo, da Bíblia e de outras coisas, mas veja que seu discurso não mudou a realidade, as maldades dos homens continuam lá, preenchendo livros e livros e fazendo nossas manchetes todos os dias. Se o cristianismo é a solução, por que não funcionou? Por que não concertou os homens? Se a sua fé move montanhas (não é assim que está escrito?), como pode não mover corações? 2 – Porque só se pode consertar aquilo que está quebrado. Se o homem não se vê como que precisando de conserto, poderá ser consertado? Veja que o doente só é curado depois que reconhece sua condição e se medica. O homem também só pode ser consertado depois que entender que está quebrado. 1 – E qual é o diagnóstico do cristianismo? 2 – Muitas outras religiões põem o problema lá fora e a solução aqui dentro. Jesus fez o oposto, colocou a solução lá fora (Ele) e o problema aqui dentro (a natureza humana). Assim, eu sou o problema e Jesus é a solução. “Do coração do homem”, disse Jesus, é que procedem todas as maldades37. Segundo Ele, não são nossas vidas passadas, nem nossa falta de sabedoria ou nossa política, mas sim nossa vontade que está corrompida. Fazemos o mal porque queremos o mal. 1 – Discordo. 2 – No quê? 1 – Creio que o homem nasce bom, mas a sociedade corrompe o indivíduo, como dizia Rousseau. 2 – Entendo. Mas, 1, se é a sociedade que corrompe o indivíduo, quem corrompeu a sociedade? 1 – ...os homens? 2 – Então os homens corrompem a sociedade que corrompe os homens? Parece-me um ciclo...quem o começou? 37
Mateus 15:19.
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1 – Não há escapatória, não é? Admito, os homens são o problema. 2 – É o que Jesus ensinou... 1 – E o que Ele sugere como solução? 2 – Arrependimento dos pecados e conversão a Ele. Só assim alcançaremos a redenção e a graça de Deus. 1 – 2, não preciso de Deus para ser uma pessoa boa. Gandhi era uma pessoa boa e não era cristão. E há tantos e tantos exemplos de pessoas até melhores que os cristãos que não criam em Deus. Posso ser uma ótima pessoa sem o cristianismo. 2 – Mas não estou dizendo que precisas de Deus para ser uma pessoa boa. 1 – Então não preciso de Deus? 2 – Para isso não. 1 – Então posso viver uma vida virtuosa e inspiradora sem auxílio divino? 2 – Claro. 1 – Então para que serve Deus? 2 – Tudo.....bom, tentarei ser mais específico. Você não precisa da intervenção divina para ter uma vida moral. Deus capacitou todos os homens com esse poder. O problema é que há o fator pecado, natureza corrompida. Deus é aquele que, nos dando Seu Espírito, nos capacita a viver mais plenamente esse ideal. 1 - ...só assim conseguimos a suposta salvação? Sendo divinamente capacitados a viver mais perfeitamente? 2 – Não. A salvação alcança-se pela fé. Isso Jesus deixou bem claro38. Mas o poder de viver uma vida de caridade legítima está na comunhão com Deus, pela graça, através da fé. 1 – Então deixe ver se entendi: não preciso de intervenção divina para ser uma boa pessoa, mas sim para ser salvo e viver em virtude abundante. 2 – É o que a Bíblia ensina. 1 – Admito que até agora suas respostas foram coerentes, no entanto não estou convencido de que Jesus seja a resposta nem sequer de que Deus, como os cristãos o apresentam, existe. Minha curiosidade filosófica e teológica está saciada, mas meu agnosticismo permanece. 2 – Na verdade, não estou tentando convencê-lo de nada, apenas dando-lhe material para reflexão. Aliás, não é o papel do cristão convencer as pessoas de que Deus existe, isso quem faz é Ele mesmo
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João 3:16.
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na medida em que é buscado. O papel do cristão é amar, pregar e estar pronto a responder, como disseram os apóstolos de Jesus. 1 – Ainda estou interessado em continuar o diálogo, estás disposto? 2 – Claro.
--A Existência de Deus-1 – Certo, e perdoe-me se for um pouco agressivo, é que gosto de ser incisivo, mas, não concordas que seria muito mais fácil crer se Deus simplesmente escrevesse na superfície da lua algo como “Olá, sou Deus!”, em outras palavras, não seria mais fácil se Ele nos desse mais evidências claras? 2 – Bem, Ele já colocou a lua lá para que isso ficasse claro (risadas), aparentemente não foi o bastante. Então o que estás dizendo é que procuras sinais de inteligência, como por exemplo, uma mensagem, que demonstrem a existência d’Ele de maneira satisfatória? 1 – Sim. Evidências...mais evidências. 2 – A respeito desse assunto há bons argumentos39 e leiturash que podem o ajudar a compreender, mas o que deve ficar claro é que não é possível provar definitivamente a existência de Deus através da ciência, e você arriscaria me dizer por quê? 1 – ...porque Ele não existe, talvez? 2 – Não...isso é uma conclusão sua. Antes de concluir algo temos de pesquisar. Conclusões sem análises são chamadas pré-conceitos. Seria preconceito seu afirmar algo sem antes pesquisar. 1 – Está bem...por que, então, não podemos provar que Deus existe através da ciência? 2 – Porque a ciência estuda o mundo natural, e Deus está fora dele. 1 – Justo. E o que você propõe? 2 – Que não podemos provar, mas podemos sugerir Sua existência de maneira muito lógica e convincente. Assim, não há provas de que Ele existe, mas sim evidências. Aliás, muitas e muitas e muitas evidências. Provas provam, evidências sugerem. Por exemplo, se estivéssemos numa pizzaria, como você provaria que pizzaiolos existem? 1 – ...nesse caso, levando você para a cozinha, apontando o dedo e dizendo: lá! 2 – Certo. Então provar algo assim é fácil porque temos acesso às provas. Mas imagine que não temos acesso à cozinha, como você então me provaria? 1 – Primeiro lembrar-te-ia que estamos numa pizzaria, e que donos de pizzaria não abrem pizzarias sem contratar pizzaiolos. Segundo, apontando para a pizza e dizendo: Pizzas existem, portanto 39
Os argumentos mais explorados e para os quais há mais literatura e debate são: Argumento Cosmológico, Argumento Moral, Argumento Psicológico, Argumento Histórico, Argumento Teleológico e Princípio Antrópico. Se fosse explorar todos os argumentos em forma de debate, o diálogo sairia em volumes!
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alguém que sabe fazê-las deve existir. Alguém que sabe fazer pizzas é chamado pizzaiolo. Assim, pizzaiolos existem. 2 – ...e essas suas evidências provam definitivamente que pizzaiolos existem? 1 – Não. Mas sugerem muito. A conclusão mais lógica é a de que, se há pizzarias e pizzas, pizzaiolos devem existir. 2 – Mas mesmo assim você concorda que não provou pra mim que eles existem, apenas sugeriu. 1 – Sim, mas, por favor, seria muita má fé não aceitar minhas evidências como suficientemente convincentes. 2 – Sim, são convincentes, certo. Mas não são provas, são? 1 – Escute, nesse caso provas não são necessárias. Minhas evidências são mais que suficientes! Tudo aponta para o pizzaiolo, a pizzaria, a pizza...tudo, só você que não quer...espere aí, acho que entendi o que você está querendo dizer. 2 – Entendeu? 1 – Acho que sim. 2 – Então me diga o que entendestes. 1 – Você está sugerindo que somos feitura de alguém que sabe fazer seres humanos assim como as pizzas são feitura de alguém que sabe fazer pizzas. 2 – Isso mesmo. Pizzas não aparecem do nada por aí, elas têm receitas, tempo de preparo e ingredientes. Uma pizza nunca aparecerá pronta em algum lugar do mundo a não ser que alguém a prepare. Mas se isso é verdade para uma pizza, que tem dez-doze ingredientes, quanto mais para um ser humano, que contém bilhares de ingredientes e informações. 1 – Entendo... 2 – Pense dessa forma: Um dos apóstolos de Jesus, um judeu chamado Paulo, escreveu que “desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis”40, em outras palavras, diz que é um absurdo atribuir a engenhosidade do cosmos e complexidade da vida ao acaso, sendo que, como vimos até hoje, o acaso não criou nada além de nada. 1 – Ah, entendo...você é criacionista e nega o fato da evolução darwiniana. Agora entendo tudo... 2 – Não poderia dizer que sou criacionista completamente, tal teoria tem suas falhas também. Mas sim, deveras nego a macroevolução darwiniana. Tanto eu quanto você sabemos que a microevolução acontece, mas não macro, e para a evolução das espécies segundo Darwin ser verdadeira, macroevolução – mudança de uma espécie para a outra – deve ocorrer, e isto nunca foi demonstrado possível.i 40
Romanos 1:20. Esse argumento é o teleológico.
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1 – Posso dizer que concordo. 2 – Mas mesmo assim, supomos então que a evolução darwiniana está certíssima; supomos que ela tenha acontecido assim como somos ensinados por aí...o que isso mudaria no caso de Deus? 1 – Tudo? 2 – De maneira alguma. 1 – Como não? 2 – A evolução não tira Deus de cena! Você sabia que existem vários cristãos que creem que Deus foi quem orquestrou a evolução das espécies?j 1 - ...? 2 – A ideia de Darwin chamava-se “A Origem das espécies”, e não “A Origem da vida”. Darwin assumiu que a vida existia, e, a partir dela, tudo se desenvolveu. Sua teoria tenta explicar como A chegou a ser B, e não como A surgiu. Aliás, o próprio Darwin admitiu, em seus escritos, não ser ateu41. Então mesmo que a evolução seja verdadeira, ainda assim precisamos de uma primeira vida. 1 – E o Big-Bang? 2 – Sim, e o Big-Bang?... 1 – ...ele não tira Deus da jogada? 2 – Claro que não. Tudo que o Big-Bang prova é o que judeus e cristãos vêm afirmando há séculos, que houve um “no princípio”. O Big-Bang é o princípio do universo. Pela cosmologia aprendemos que o universo teve um começo e pelos judeus e cristãos aprendemos quem era que estava lá para dar início a ele. 1 – Engraçado como você faz tudo isso soar como se não houvesse disputa de interpretações sobre tais visões; como se fosse extremamente evidente que Deus existe e que o seu cristianismo está correto...se fosse realmente tão óbvio, não precisaríamos crer, apenas perceberíamos, entenderíamos e saberíamos, não achas? Sinto que vocês, crentes, têm uma maliciosa tendência de enxergar aquilo que creem em tudo, e pior, ainda as veem como algo evidente, e pior ainda, fazem questão de insistir aos que não creem que vejam também, e ainda piora, esperam que participem do seu entusiasmo!
2 – Sei que nem tudo se harmoniza. Mas muitas descobertas científicas e reflexões filosóficas realmente coincidiram com a teologia cristã, que até então era mera especulação metafísica, mas já agora têm embasamento filosófico-científico. Há muitas dissonâncias e incógnitos ainda nos estudos a respeito do cosmos e do homem, mas certas coisas são indisputáveis. Por exemplo, não se disputa 41
Em uma carta a um amigo, Darwin escreveu “[...] nas minhas maiores oscilações, nunca cheguei ao ateísmo no verdadeiro sentido da palavra, isto é, nunca cheguei a negar a existência de Deus.”. – A Vida e a Correspondência de Charles Darwin, publicado por seu filho Francis Darwin, em 1887.
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mais o fato de que o universo teve um começo42. Por muito tempo se cria que o universo sempre tivera existido, hoje sabemos melhor graças a avanços na área da cosmologia. 1 – E por que você pula dessa afirmação científica para uma religiosa? O universo teve um começo, mas por que teria de ir um passo a mais e dizer que Deus existe? 2 – Lembra-te do exemplo da pizza e do pizzaiolo? 1 – Sim... 2 – Então, não prova, mas sugere. Por exemplo. Acompanhe comigo: sabemos que o universo teve um começo, certo? 1 – Certo. 2 – Também podemos dizer que tudo que teve um começo, teve uma causa, concordas? 1 – Concordo. Tudo que teve um começo teve uma causa. 2 – Então se o universo teve um começo, ele teve uma causa. 1 – Justo. 2 – Pergunto-lhe, que tipo de causa seria essa? 1 – Não sei...aliás, alguém sabe? 2 – Mais ou menos. Algumas coisas podemos saber, por exemplo, sabemos pela ciência que matéria, espaço e tempo tiveram início no Big-Bang43. Tudo que existe de material no universo passou a existir a partir dele, assim também como o tempo. 1 – Ok...e? 2 – Então, logicamente, nada que faça parte do universo pôde ter sido a causa do universo, pois tudo que faz parte do universo passou a existir com ele. A não ser que você esteja disposto a acreditar que 42
“Os cosmólogos modernos pareciam tão perturbados quanto os ateístas a respeito das possíveis implicações teológicas de seu trabalho [Big-bang]. Como resultado, inventaram rotas de escape que buscavam preservar o status quo não teísta.” – Um Ateu Garante Deus existe, Antony Flew. “É dito que o argumento é o que convence homens racionais e a prova é o que convence homens irracionais. Com a prova agora em seu lugar, cosmólogos não podem mais se esconder atrás da possibilidade de um universo de passado eterno. Não há escapatória; eles precisam encarar o problema de um começo cósmico.” – Many Words in One, Alexander Vilenkin, p. 176. “Big-Bang, o evento que iniciou o nosso universo. Por que aconteceu é o nosso maior mistério. Que aconteceu, é racionalmente claro.” – Cosmos, Carl Sagan, p. 246. “Em outras palavras, não só apenas o universo tinha um início, mas também era possível calcular a sua idade.” – O Cosmos de Einstein, Michio Kaku. “Portanto, não surpreende que [...] conseguíssemos provar que [...] o tempo precisa ter um início, no chamado Big-bang. [...] Houve diferentes reações ao nosso trabalho. Ele perturbou muitos físicos, mas fascinou os líderes religiosos que acreditavam em um ato de criação.” – O Universo em uma Casca de Noz, Stephen Hawkings, p. 41. 43 “[...] a conclusão essencial permanece a mesma: o tempo não existia antes do big-bang. [...] Como descrevi no cap. 1, a ideia de que o tempo passou a existir com o universo (no Big-bang) enquadra-se muito naturalmente na teologia cristã.” – O Enigma do Tempo, Paul Davies, p. 173. (destaque do autor).
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um universo que não existia causou a si mesmo, não há alternativa senão afirmar que algo exterior ao universo causou-o, você concordaria comigo? 1 – Plenamente. Algo de fora do universo o causou, isso não é difícil de entender. 2 – Então veja bem, algo que esteja fora do universo deve ser imaterial e atemporal. 1 – E por quê? 2 – Porque toda matéria, espaço e tempo passaram a existir com o universo a partir do Big-Bang. Qualquer coisa que esteja fora dele será imaterial e atemporal. 1 – Concordo. 2 – E essa causa imaterial e atemporal é quem chamamos de Deus. Veja que a ciência apresenta evidências que se encaixam perfeitamente com a descrição que Deus dá de si mesmo na Bíblia cristã; a ciência diz imaterial, nós, cristãos, chamamos de espiritual; ela também diz atemporal, nós dizemos eterno. Sinônimos. Assim como no exemplo do pizzaiolo, todas as evidências apontam para um ser, e esse ser cria universos. 1 – Até aqui concordei com você, afinal, fostes razoável. Mas devo agora discordar. Por que dizes um “ser deve ter criado”? Por que um “ser”? E por que “criado”? Pulas de afirmações científicas para religiosas sem protelar! 2 – Acho mais lógico e provável que alguém produza alguém, e não que algo produza alguém. Coisas não geram pessoas, mas pessoas geram cosias. Vida produz vida44. Nunca ouvi que a nãovida gerou vida, e se aconteceu, foi milagre, e se foi milagre, serve como prova da existência de Deus (risadas). E mais, algo amoral e impessoal, como uma simples explosão, não causaria seres morais e pessoais (pelo menos até hoje nunca causou!). Diga-me, se você visse uma pizza (de novo a pizza!) pronta e quentinha sob sua mesa, o que pensaria: Algo aconteceu e fez certos ingredientes se misturarem formando, ao longo de determinado tempo, uma pizza, talvez uma explosão na sua cozinha a tenha causado, ou você pensaria que alguém que sabe fazer pizzas a preparou e a colocou ali? 1 – Seria mais sensato pensar que alguém fez a pizza e a colocou na mesa! 2 – É isso que sugiro ser mais razoável: alguém, e não algo. Diga-me mais, quando você vê uma fórmula matemática escrita no papel, você é levado a pensar que ela é apenas um monte de rabiscos que aparentam ser informação, ou informação que sugere uma mente? 1 – Uma mente... 2 – Concordo, e você já viu as contas que representam as propriedades da matemática e da física? 1 – Sim, sou amante dos números.
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Até hoje, predomina a lei da biogênese de Loius Pasteur que diz que vida pode apenas vir de outra vida. A geração espontânea, por muito crida, foi refutada e o aparecimento de organismos vivos de componentes não vivos é apenas hipótese. Portanto, um primeiro organismo que sempre existiu deve existir, pois regressar para sempre é impossível.
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2 – Então você também sabe que não inventamos nenhum deles, apenas os descobrimos. Descobrimos as leis da física e as propriedades da matemática na natureza. Nossos avanços tecnológicos e intelectuais são manipulações da natureza e todas suas propriedades numéricas, e não criações, muito menos nossas. Inteligência é uma capacidade, e não uma invenção humana, aliás, capacidade essa inata! A linguagem também! Ou você insistirá que de algum jeito o homem criou a razão, a lógica, as propriedades numéricas, os sentimentos, os prazeres, os sons e tudo mais aquilo que tanto nos encanta e nos possibilita o avanço e bom desenvolvimento em todas as ciências? 1 – Não, não. Nisso estou em pleno acordo, nada disso foi invenção, apenas descobrimos isso tudo que já estava por aí. Mas e daí, o que isso tem a ver com o assunto, estás me perdendo...começando a pular de argumento em argumento tentando me impressionar com retórica...ou volte e conclua, ou admita que está perdido! 2 – Já concluo, prometo. Por enquanto, continue pensando comigo... 1 – Tudo bem, tudo bem...vá em frente, vida gerando vida, matemática, e... 2 – Concordas que fórmulas e leis sugerem logicamente uma mente inteligente? 1 – Até certo ponto, sim. 2 – Então não seria razoável dizer que alguma mente, muitíssimo superior à nossa, criou as fórmulas que descrevem e regem nosso universo? 1 – Sim, seria razoável afirmar isso...não gosto das implicações, mas vamos até onde o argumento nos levar. 2 – Gosto de sua honestidade e mente aberta, 1, então perceba: uma mente sugere um ser. Não consigo pensar em mente desprovida de vontade e personalidade. 1 – Uma mente sugere um ser, tá... 2 – Então resumo assim: Um ser imaterial e atemporal foi o que causou o universo. A esse chamamos de “Deus”. 1 – Certo. Mas esquecestes de algo mais importante ainda, caro 2. 2 – O quê? 1 – Se Deus criou o universo, bem, quem criou Deus? 2 – Ninguém, oras. Ele é Deus, se fosse criado não seria Deus, e sendo Deus, não foi criado. Lembrese do que falei: Tudo que teve um começo teve uma causa. Deus não teve um começo, portanto, não teve uma causa. Ou como sugeriu Aristóteles, Deus é “a causa não-causada que causou tudo mais”. 1 – Esperas que creia nisso? Que realmente algo possa existir para sempre sem ser causado por nenhuma outra coisa? 2 – Ora, amigo, faça sua escolha, seja Deus ou o universo, alguma coisa sempre existiu. Se você não aceita a possibilidade de Deus ter sempre existido, então estás afirmando que o universo pode? E se
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não, de onde vem ele? E de onde vem aquilo que deu origem ao nosso universo? E de onde vem aquilo que deu origem àquilo que deu origem ao nosso universo...e assim sucessivamente ao infinito. 1 – Isso é loucura! 2 – É claro que é... 1 – Mas as duas opções são loucura... 2 – Sim, as duas são loucas, mas o regresso infinito não daria início a algo, logo, é mais coerente ficar com a loucura de algo que sempre existiu.45 1 – Alguma coisa deve ter existido sempre para dar início a todas as coisas. Estou convencido disso, certamente. 2 – ...alguma coisa deve ter existido, apenas não pode ser Deus, certo? 1 – (Silêncio....) 2 – O universo nem sempre existiu, hoje sabemos que ele teve um começo. Portanto, sobra-lhe apenas uma escolha: Algo para além do universo sempre existiu. Resumo o argumento de maneira puramente semântica: que faz mais sentido dizer, (1) que do nada veio tudo e todos, (2) que de algo veio tudo e todos, ou que (3) de alguém veio tudo e todos? 1 – Não sei, opção 2, talvez...diga-me o que pensas. 2 – Creio que do nada, nada provém. Até hoje, o nada criou exatamente isso, nada. Já dizer que de algo veio tudo, tudo bem, mas de algo não pode sair alguém, pois coisas não produzem seres, mas seres produzem coisas, então creio que faz mais sentido dizer que de alguém veio tudo e todos (3). 1 – Digamos que, por enquanto, concordo: um ser imaterial, atemporal, que não ocupa espaço físico e que sempre existiu foi a causa do universo. Interessante. Tudo bem, mas me diga... 2 – Sim... 1 – E se você estiver errado a respeito de Deus, Jesus, etc.? 2 – Se eu estiver errado? Bom, então nenhuma consequência me aguarda. Se eu estiver errado terei morrido feliz crendo que havia algo melhor à vida do que esse mundo, terei tido uma vida regrada e virtuosa. Se eu estiver errado, você ganha, pois não existia Deus algum e, portanto, não houve consequências para você; e eu também ganho, pois vivi feliz e cri em algo que fez minha vida melhor e me ajudou a superar a dor dando significado a tudo mais; se eu estiver errado, nós dois ganhamos! Mas, 1, e se você estiver errado e eu estiver certo? 45
Com uma dose de humor, em What’s Wrong with the World, G.K. Chesterton escreve sobre a loucura das duas opções através da metáfora do ovo e da galinha: “Há uma imagem filosófica popular que caracteriza as infindáveis e inúteis discussões dos filósofos; refiro-me à questão sobre quem teria aparecido primeiro: a galinha ou o ovo? [...] O materialismo evolucionista está representado apropriadamente na visão de todas as coisas surgindo de um ovo, vago e monstruoso germe oval, que pôs a si mesmo por acidente. A outra escola de pensamento sobrenatural (à qual pessoalmente me incluo) não será muito mal representada pela idéia de que este nosso mundo arredondado não passa de um ovo chocado por uma ave sagrada e não gerada: a pomba mística de que falam os profetas.”
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1 – Se você estiver certo e eu errado suponho que estaria indo para o inferno...(risadas de deboche) 2 – Você sabe que debochar de algo em que não crê não o faz ter razão, certo? 1 – Sim, sim. Mas não posso deixar de dar risada ao pensar que vocês cristãos dão tanta credibilidade a esse papo de inferno. 2 – Damos, é verdade. E sabe por quê? 1 – Por quê?...(risadinhas de descrença) 2 – Porque esse “papo de inferno” quem ensinou foi o próprio Jesus. 1 – E daí?
--O Inferno-2 – E daí que se Jesus for quem disse que era, então o inferno é um lugar real, assim como o paraíso. 1 – E se não for? 2 – Então não passava de um louco, um mentiroso ou algo pior, e toda essa história de inferno fica descreditada. 1 – Surpreendo-me com você, 2. 2 – Motivo? 1 – Tens ideias tão brilhantes, sabes defender tão bem sua fé, mas como todo religioso, não consegues fugir de bobagens como anjos, diabinhos e inferno de fogo e tortura eterna....todos seus argumentos arrojados, profundos e provocantes sobre um grande criador, e de repente, isso? 2 – Mas por que desprezas tanto o inferno? 1 – Torturas infinitas? Diabinhos com tridentes? Lúcifer aterrorizando nossas vidas? Ora... 2 – Havia lhe dito antes que tens ideias bem equívocas do cristianismo, mas era de se esperar, pois vivendo numa nação cristianizada, doutrinas se misturam com crendices e produzem uma espécie de folclore cristão. Suas ideias de inferno são senão crendices do imaginário medieval. 1 – Se penso assim, é porque vocês criaram essa besteira toda e incutiram-na na mentalidade supersticiosa do ocidente para manter o povo sob o domínio do clero; o imaginário cristão é bem fantasioso, foram vocês mesmos que definiram quantos círculos de condenação, quantas câmaras de fogo, níveis, a duração de cada condenação, as vestimentas e feições do diabo, enfim...como podes negar sua própria história, 2? Que mágica farás para harmonizar essa baboseira toda com a filosofia ou a ciência a que tanto recorres? 2 – Não nego tudo que dizes. Nem tento justificar muitas outras coisas. Mas como bem afirmastes, essas representações são artísticas, são o fruto do imaginário da cristandade, e esse inferno que
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descreves, mais especificamente o de Dante e o da Inquisição, não condiz com o que Jesus ensinou ser o inferno. A começar, perceba quantas vezes descreveu-o como um lugar de tortura. 1 – Não foi o próprio Jesus que disse isso? 2 – Onde está escrito isso? 1 – Não sei, oras, você é o que conhece a bíblia. 2 – 1, como podes então afirmar tantas coisas a respeito do cristianismo sem sequer saber se deveras é assim que se crê nele? Anteriormente, você dizia que a Bíblia estava cheia de erros, no entanto nunca a leu nem a estudou para saber, apenas repetiu o que se publica em mídia sensacionalista, agora diz que o inferno é assim e assim e que Jesus o descrevia de tal maneira, contudo não pôde me dizer sequer um versículo onde o inferno é descrito. 1 – Justo. Conte-me então, onde estou errado? O que é o inferno? E por que diabos um deus tão amoroso mandaria pessoas para lá a queimar pelos séculos dos séculos? 2 – Pra começar, o inferno não é um lugar de tortura, e sim de tormento. 1 – Ahh..agora sim deus está justificado! Agora sim o inferno faz sentido! 2 – Queres mesmo saber o que é o inferno, ou preferes ficar zombando do que não entendes para refutar algo que não conheces? 1 – Desculpe-me, quero saber a diferença, então. 2 – É apenas uma palavra, mas muda todo o sentido do inferno. Um lugar de tortura é um lugar onde alguém, por maldade, maltrata outra pessoa, o que nos faz pensar num inferno onde o diabo e seus diabinhos dominam e se divertem com o sofrimento da humanidade. Já um lugar de tormento é um lugar onde a culpa volta para flagelar a consciência, o que nos leva a imaginar algo como uma prisão solitária, um lugar de reclusão.46 Torturar é causar dor a outra pessoa contra sua vontade. Tormento é o sofrimento resultante da culpa, é auto infligido. Jesus disse que o inferno é um lugar de tormento onde o “choro” é pela tristeza de ter se trancado do lado de fora do Reino47, e o “ranger de dentes” é um reflexo do ódio que se tem por Deus48; é um lugar onde o que causa dor vem de si, vem de dentro.
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Em um artigo sobre o inferno, o conferencista e autor Patrick Zukeran escreve, “Uma das punições mais severas que um criminoso pode receber é a sentença do confinamento da solitária. Um dos motivos porque essa sentença é temida é que a pessoa culpada é deixada sozinha em sua cela com a culpa e tristeza de seu crime. Não há ninguém para confortá-la nem ministrá-la. A dor vem de dentro da pessoa conforme elas lutam com seus pensamentos, emoções e culpa.”, e também que “O verdadeiro tormento do inferno é que o indivíduo que escolhe não amar Deus, deve agora viver com a tristeza de estar consciente de tudo que perdeu.”. 47 “Se houver algo terrível neste último dia serão exatamente essas auto-exclusões.” - “Jesus vai além da descrição superficial de um local [...] para condenados; como a árvore má e o joio, o pecador também experimentará a inutilidade de sua própria existência, incapaz de frutificar. Por isso, dizia São João Crisóstomo, o pior tormento será o de não participar do Reino de Deus.” – Cláudio Billini, Céu e Inferno, o que significam hoje?, p. 90, 98. 48 Fazendo referência a José Tomaselli, Cláudio Bollini define o inferno não como o eterno ódio de Deus, mas o eterno ódio a Deus.
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1 – Quer dizer que deus vai mandar milhares de pessoas para fora de seu reino para chorarem e serem atormentadas para sempre pelas suas culpas? Que cruel dele. 2 – Não, não. Deus não manda, as pessoas escolhem. O inferno, segundo Jesus, é escolhido49. 1 – Quem o escolheria? 2 – Todos que desejam ficar longe de Deus. Entenda assim, o céu é um lugar para gente que quer estar com Deus e fazer a Sua vontade e amá-lO para sempre e sempre e sempre. É isso que você deseja mais profundamente? Relacionar-se em submissão a Deus eternamente?50 1 – (risadas) nunca. Parece-me pouco convidativo este céu. 2 – Eis então sua resposta. Você não quer estar com Deus para os séculos dos séculos. Quando se escolhe ficar longe d’Ele, escolhe-se ficar longe de tudo que Ele é, amor, virtude, etc. Assim, o inferno é o lugar onde Deus não está, e onde Deus não está é um inferno! É um lugar para gente que quis ser Senhor sobre si mesmo; um lugar onde sua vontade é mais importante que a d’Ele. 1 – Ah, que ótima escolha que tenho: escravidão eterna ou inferno. 2 – Preconceitos e preconceitos. Primeiro, ser escravo do amor é ser servo dependente da maior virtude que há! Que bom é ser escravo de um Deus que insiste que seja livre! Sua caricatura do céu e do relacionamento com Deus faz o inferno realmente parecer mais atrativo. Mas devemos entender o que o inferno é uma solitária, uma prisão que Deus fez para o diabo, e consequentemente, todos aqueles que fizerem sua vontade. 1 – Estamos há tanto falando sobre algo que não temos uma prova, uma evidência, nada, nada! Entendes isso? 2 – Do contrário, se Deus existe e Jesus for Seu Filho, então o que Ele disse foi verdade sobre o inferno. Há bons motivos para crer que Deus existe, já expus alguns. Há bons motivos para crer que Jesus é quem disse que era, talvez entremos nessa questão mais tarde. Logo, há bons motivos para crer no inferno. O inferno, assim como o céu e o mundo espiritual, depende somente da comprovação da existência de Deus e da identidade de Jesus, e há bons motivos para esses serem verdadeiros, portanto, o inferno tanto como o céu são lugares que deveríamos considerar. 1 – Consideremos, pois. Inferno: o lugar onde um deus de amor manda gente para ser atormentada por suas culpas, juntamente com o diabo. 2 – Lembra-te disso: Jesus ensinou que havia duas portas, uma estreita e uma larga, a estreita levava à vida, e a larga à destruição eterna, e muitos entravam pela porta larga enquanto que pouquíssimos pela estreita. 1 – Reconheço a passagem, mas qual é sua importância para o debate? 49
“Só há duas espécies de pessoas no final: os que dizem a Deus, ‘Seja feita a Tua vontade’, e aqueles a quem Deus diz: seja feita a tua vontade.” – C.S. Lewis, O Grande Abismo. 50 “Eu estaria disposto a pagar qualquer preço para poder dizer sinceramente: ‘Todos serão salvos’. A minha razão, porém, replica: ‘Com ou sem o consentimento deles?’ Se disser: ‘sem seu consentimento’, percebo imediatamente uma contradição; como pode o ato supremo e voluntário da auto-rendição ser involuntário? Se disser ‘com seu consentimento’, minha razão replica, ‘Como, se não quiserem ceder?’” – C.S.Lewis, Problema do sofrimento.
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2 – Jesus disse que as pessoas entravam, não que eram empurradas. Deus não joga ninguém no inferno, elas caminham com suas próprias pernas para lá, livre e espontaneamente quando decidem negligenciar, descartar ou rejeitar o convite de Deus. 1 – Mas quem escolheria ir a esse lugar? Quem recusa um convite assim, supostamente, em detrimento de uma passagem para o inferno? 2 – É o que me pergunto! Não sei! Mas você, antes, afirmou que não queria estar com Deus, só há um lugar onde Deus não está. 1 – SE o inferno existe e SE ele é assim, certamente ninguém consciente do que ele é o escolheria. 2 – Mas é aí que está a questão, o engano. A maioria das pessoas não perde tempo com pensamentos de inferno porque não creem em Deus, outras porque não entendem – ou preferem não entender! – o que o inferno é, a justiça de Deus e a necessidade de um lugar assim, e... 1 – Uou...como? A necessidade de um lugar assim? Você realmente crê que o inferno é um lugar necessário? 2 – Duro dizer, mas sim. 1 – O cristianismo então também tem um quê de sadismo...interessante. 2 – Não é sadismo, é justiça. Entenda, não desejo que ninguém acabe lá, mesmo, nem o pior dos criminosos51, mas é um lugar necessário, pois se Deus é justo, deve haver um lugar onde o mal é retribuído, de outra maneira, a maldade humana vencerá o amor e a justiça. Deve haver um lugar onde os grandes crimes da humanidade serão retribuídos justamente, se não, ditadores como Stalin, Hitler, Mussolini e outros triunfaram: fizeram o que mais queriam: maldade, e morreram, e fica por isso? Mas e o choro das mães e pais que perderam filhos para esses regimes cruelíssimos? E, por exemplo, o sangue das mulheres grávidas que tiveram suas barrigas cortadas e seus bebês arrancados de seu ventre para serem jogados como bola e depois empalados em espingardas e que clama por justiça, como aconteceu no holocausto armênio? Passará assim, com Deus indiferente e com o mal não retribuído? E as maldades do regime comunista?52 E os instrumentos de tortura e fogueiras da 51
2 Pedro, 3,9. Ezequiel 18,23. Richard Wurmbrand, pastor e escritor evangélico Romeno, passou mais de uma década sendo torturado em prisões comunistas, em sua obra Torturado por Amor a Cristo diz: “Dei meu testemunho perante o Sub-Comitê de Segurança Interna do Senado norte-americano. Ali descrevi coisas horríveis, tais como crentes amarrados em cruzes por quatro dias e quatro noites. A seguir eram as cruzes colocadas no chão e centenas de prisioneiros tinham de atender suas necessidades fisiológicas em cima dos rostos e dos corpos dos que estavam crucificados. Depois as cruzes eram de novo levantadas e os comunistas escarneciam: ‘Olhem para o Cristo de vocês! Que bonito ele é! E que fragrância traz dos céus!’. Descrevi como, depois de ficar quase louco pelas torturas, um padre ortodoxo foi obrigado a consagrar fezes e urina humana para dar em comunhão aos cristãos. Isso aconteceu na prisão de Pitesti, na Romênia. [...] Todas as descrições bíblicas do inferno e as dores referidas no Inferno de Dante não são comparáveis às torturas em prisões comunistas. [...] Muitas vezes perguntei aos torturadores: ‘Vocês não têm piedade no coração?’, comumente respondiam com uma citação de Lenine, de que ‘não se pode fazer omelete sem primeiro quebrar os ovos, e não se corta madeira sem fazer os pedaços dela voarem’. Eu replicava: ‘Eu também conheço tal citação de Lenine. Há, porém, uma diferença. Quando se corta um pedaço de madeira, ela não sente nada. Mas vocês estão lidando com seres humanos. Cada açoite produz dor e há mães que choram’. Era em vão. [...] o homem é para eles como madeira ou casca de ovo. Com tal crença eles se enterram na incrível profundeza de sua crueldade. [...] Já ouvi um até dizer: ‘Dou graças a Deus, em quem não creio, que vivi até hoje para manifestar toda a maldade do meu coração’. Ele a manifestava com incrível brutalidade e torturas infligidas aos prisioneiros.” 52
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inquisição? E os campos de concentração nazistas? E o tráfico de bebês recém-nascidos para a prostituição, como há em lugares da Índia? Se Deus é amor, Ele deve retribuir toda essa maldade com justiça! Pior do que o inferno seria não haver um inferno53! Não quero que ninguém vá para lá, mas os que forem, foram porque quiseram...o inferno é uma grande solitária eterna. 1 – Dessa maneira entendo e concordo que haja um lugar de reclusão como o inferno, mas o problema é que vocês dizem que até aquele índio que nunca teve a oportunidade de conhecer seu deus está condenado a essa prisão eterna. Isso não é justo por mais que tentes justificar. 2 – ...não tento. Mas Jesus nunca disse que esse índio seria condenado, alguns cristãos que gostam de brincar de Deus ficam passando julgamento sobre a redenção das almas e acham que sabem quem ‘sobe’ e quem ‘desce’. O que sabemos é: quem quer que Deus salve, salvará através e por causa de Jesus. Para o homem que quiser se salvar, apenas confessando e crendo, mas quem Deus quiser salvar, Ele salva. Entendes? 1 – Estás me dizendo que há pessoas que serão salvas mesmo sem concordar ou conhecer a salvação do seu deus? Isso não contradiz a ideia de escolha que anteriormente expusesse? 2 – Não. Jesus deixou claro que cada um será julgado a partir da luz que recebeu. Você e eu recebemos muita luz, isto é, muitas oportunidades de conhecer o Evangelho profundamente, enquanto que o índio que morou aqui nas Américas antes de os povos ‘civilizados’ chegarem não teve oportunidade alguma, portanto, seremos julgados conforme a luz que recebemos e as respostas que demos a essa luz. Mas escute...Jesus falou que se nós que éramos maus sabíamos fazer coisas boas, porventura Deus, que é bom, não fará coisas justas e melhores54? Deixa o índio pra Deus cuidar, e se preocupa com você, se é que te importas. 1 – Claro, deixe pra ele...se ele é capaz de criar o mundo mesmo não existindo, imagino que julgar esses casos será moleza! 2 – Percebi ao longo dessa conversa, 1, que constantemente tens te escondido atrás da ironia e do sarcasmo. Por quê? 1 – Porque por mais convincentes que seus argumentos sejam, continuam soando surreais. 2 – Mas entendes que não ganhas nem o debate nem a simpatia de alguém com isso, certo? 1 – E nem procuro tais coisas...às vezes ridicularizar é a maneira mais clara de se provar algo. 2 – Às vezes também revela um medo, uma insegurança grande...mas, por favor, não quero perder muito o foco do assunto. Diga-me, pois, o que pude te ajudar a entender a respeito do inferno?
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“É comum ouvir a objeção de que a existência do inferno contraria a bondade divina. Mas, paradoxalmente, ela o confirma. ‘Se Deus deixasse de amar, deixaria de existir o inferno’, refletia o grande teólogo Ladislaus Boros. Deus é essencialmente amor e esse amor é o que mantém existindo todas as criaturas, inclusive as que o rejeitam. Ele não deixa de amar a todos. O homem, porém, pode ensimesmar-se e desprezar o dom recebido: nega-se a abrir as janelas para que entre o sol da primavera e prefere asfixiar-se em seu próprio ar irrespirável.” - “Só existe um caminho [...] por onde toda a humanidade redimida é convidada a transitar. O inferno é, a partir deste ponto de vista, ficar à beira, isolado, de costas.” – Cláudio Bollini, Céu e Inferno, e o que significam hoje?, p. 101, 102. 54 “[sobre os que serão condenados] A questão fica reservada ao duplo mistério da misericórdia infinita de Deus e do dom da liberdade na consciência de cada um.” – Ibid., p. 100.
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1 – Vamos ver, que é uma prisão e não um reino, que é um lugar de tormento e não tortura, e que foi destinado para o diabo, mas está também vendendo lotes de terra para quem quiser fazer sua morada lá. Algo mais que deveria saber? 2 – Sim...que não é um lugar onde você quer estar! (risos)...
--Vida e Falta de Sentido-1 – Na verdade, prefiro que acaba tudo aqui mesmo. Para que viver eternamente? Que venha a morte e que não seja verdade o que dizes. Melhor sem Deus e sem inferno, não achas? Aliás, é o que creio, e devo lhe dizer, é muito mais confortante crer assim. 2 – Mas se tudo acaba na morte, por que angustiar-se assim? Segundo sua filosofia de vida, isso não seria uma perda de tempo preciosíssimo? A angústia lhe rouba muito tempo de vida, mas a morte lhe roubará todo o tempo e toda a vida! Será o final da sua angústia e também de sua felicidade, prazer e conforto! Como podes estar preocupado com a existência e não com o fim dela? Perder algo é terrível, mas perder tudo é pior! Se a morte é o fim completo da sua existência, então nosso único propósito na vida é morrer, o resto é ilusão. Como podes se preocupar em perder partes e ficar indiferente diante da perda do todo? 1 – Sei que vou morrer, e também já me preparo. Tento entendê-la como é, seu significado como parte da vida. 2 – 1, você diz que a vida tem um sentido específico e universal? 1 – Não. Creio que cada um dá o sentido de sua própria vida. Não acredito em planos cósmicos, deuses chateados, etc. 2 – Entendo. Mas me diga: quem dá sentido à vida é cada um de nós... 1 – Isso... 2 – ...assim, quem é você para dizer que o sentido que eu dou à minha vida não está certo? 1 – Ninguém! Se o sentido da vida para você é seguir o cristianismo, então esse é o sentido da sua vida e devo respeitá-lo. 2 – Certo. Mas se isso se aplica a mim, deve se aplicar a todos, não? 1 – Sim, evidente. 2 – Para Hitler também? 1 – ... 2 – Hitler cria que matar judeus, negros e todos que não eram arianos era seu destino. Quem é você para dizer que ele estava fazendo algo errado ou até imoral? 1, há certas coisas que simplesmente são erradas, e por mais que relativizemos o sentido da vida, de algumas coisas não podemos escapar; certas coisas não podemos relativizar! Não podemos ir tão longe e dizer que não há sentido para vida, pois no mínimo, o sentido da vida é “não ter uma vida como a de Hitler!”.
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1 – Tudo bem, argumento concedido. Pelo menos um sentido a vida tem! Mas é por essas e outras que quero aproveitar mais e buscar menos, porque quando ela terminar não haverá mais nada! 2 - Você sabe disso ou crê nisso? 1 - Bom, não teria como provar que a vida acaba na cova, mas nem você poderia provar o contrário. 2 - É verdade, não teria como provar, mas poderia argumentar a favor e mostrar as evidênciask. Evidências não provam, mas sugerem, daí a lógica nos leva a fé, e essa nos leva até onde a razão não chega. 1 - Meu caro, como bem disse, sou estudado, e creia-me, a razão chega a lugares que a fé nem sonha ou não tem permissão de chegar! 2 - Lembremos de que é você que não vê saída. A razão, por melhor uso que você fez dela, o levou a isso, a descobrir que a razão não leva à saída! Você estudou, pensou e pesquisou para descobrir que por mais que se estude, pense e pesquise não se pode sair. Não é essa sua queixa afinal? 1 - Talvez essa seja exatamente a resposta e eu esteja apenas me debatendo para aceitá-la. Talvez realmente nem o universo nem a existência tenham uma explicação. E se você pensar bem, nem o universo nem nós precisamos de explicação para existir, existimos e ponto. Existimos independente de explicações. 2 - Independente de explicações sim, mas não de causas. Mas engraçado que nem você se contenta com essa resposta, pois se se contentasse não estaria a filosofar comigo, muito menos estaria inquieto com respeito à existência e o sentido. Segundo, se nem o universo nem nós precisamos de explicação, então por que a sua angústia precisa? Você está procurando sentido para sua angústia mas descarta sentido para a vida, o universo e o destino humano. Fazer isso é a mesma coisa que procurar sentido para dor de barriga enquanto afirma que alimentos não existem! Mas deixe-me ir adiante com o raciocínio, em busca de uma cura para sua crise. Você afirma não haver nada além desse mundo nem sentido universal para existência, certo? 1 - Isso mesmo...muitos cientistas e filósofos concordariam comigo. 2 - ...enquanto que muitos outros discordariam. Estar em acordo com certos filósofos não diz nada a respeito da veracidade de alguma coisa, apenas que se pensa como eles, e se eles estiverem errados, então você estará tão errado quanto eles. 1- Bom, isso é verdade! 2 - Mas deixe-me continuar: vou perguntar outra vez para ter certeza: você afirma não haver nada além desse mundo nem sentido universal para existência, certo? 1 – Certo! 2 – Ora, se você afirma não haver sentido para a vida, por que procura sentido na angústia, ou por última instância, na morte? Se a vida não tem sentido, então a existência também não, e se essas não têm sentido, tampouco a morte ou a angústia têm.
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1 – Triste, mas verdade. Como disse, talvez esteja apenas me debatendo para aceitar algo inevitável: que a existência humana não tem sentido e que a morte é o fim. A verdade nem sempre é boa, não obstante, é a verdade. Fatos podem ser frios e cruéis, mas são fatos. 2 - Se você estiver certo, então a própria pergunta “por que” não faz sentido. Um “por que” pressupõe uma explicação, um sentido, mas sendo que você não crê que haja sentido para questões de origem e destino, não faz sentido algum começar uma frase com um “por que”. Assim, as perguntas “Por que estamos aqui?” e “Por que sofro?” não fazem o menor sentido! 1 - Certíssimo! 2 - Interessante, muito interessante. Nem você pôde viver coerentemente essa filosofia. O incômodo de sua alma lhe fez procurar um sentido para sua falta de sentido. O que você está fazendo é buscando respostas para perguntas que você crê não existirem. 1 - Bom, assim é a vida. Se hoje estamos aqui discutindo, é porque, hoje, estamos aqui! Amanhã talvez não estejamos. Sua filosofia é bonita e encantadora, mas não é verdadeira. Você não sabe que há mais do que isso, você crê! Sabemos o que sabemos e cremos no que não podemos saber! 2 - Ou talvez não sabemos porque não cremos! 1 - Palavras bonitas, mas sei que é mais seguro basear-me na razão. 2 - Crê ou sabe? 1 - Sei! Como disse, o que sabemos, sabemos, o que não sabemos, cremos.
--Fé-2 - O que percebo é que tens certa repulsa pela palavra “fé”, estou engando? 1 – Não, estás certo. De fato, enquanto não sabemos, cremos, mas depois de se saber, não precisamos mais crer. O fato exclui a fé – vocábulo, aliás, como você bem colocou, que me causa repulsa. 2 - Então você se considera uma pessoa sem fé? 1 - Sim. Considero fé uma superstição. Não tenho fé nessas coisas sobrenaturais...acho que isso ficou claro já para você... 2 - ...mas tem em outras? 1 - Como assim? 2 - Bom, por exemplo, e eu sei que essa é uma pergunta clichê, não obstante é legítima, mas você não pode provar que Deus não existe, pode? 1 - Não... 2 - Então você crê que ele não existe, mas não pode provar, correto?
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1 - De certa forma você está certo. Não poderia provar algo assim. 2 - Eis seu primeiro tópico de um possível credo pessoal: Não acredito em Deus. 1 - Tudo bem, concordo. E daí? 2 - Bom, o que isso quer dizer é que opostamente a todo “não” há um “sim”, então quando você diz “não creio nisso” é porque você está dizendo “pois creio nisso”. Deixe-me exemplificar: quando diz que Deus não existe e que o mundo espiritual não existe, está afirmando que o mundo material é tudo que existe. 1 – Sim, afirmo isso. O mundo material é tudo que existe. E? 2 - Então você também tem fé nisso, não pode provar, pode? 1 – Suponho que não... 2 - Não sabemos o que existe para além do cosmos, nem sequer conseguimos compreender tal ideia. Se você diz que o universo é infinito e eterno, então você, como eu, tem fé em algo que é eterno e infinito, eu em Deus e você no universo, mas nem eu nem você podemos provar, antes, ambos devemos crer. Mas se você diz que o universo tem um limite, teve um começo e terá um fim, então você está dizendo que crê que algo que está fora do universo material foi a sua causa, e que antes de vir a existir, existia algo, e assim como eu, crerá que houve um “no início”. 1 – Aonde você quer chegar com isso tudo? 2 – No fato de que eu e você usamos a fé, e dela partimos para razão. E quando nos deparamos com dificuldades insolúveis, usamos a fé outra vez para alcançar outros patamares, e desses, novamente usamos a razão... Fé e razão sempre andaram juntas porque todos nós partimos de algum ponto que não podemos provar. Nesse sentido, todos temos dogmas55. 1 – Tudo bem, de acordo. Mas esse tipo de fé é a fé racional, não a supersticiosa e mística fé dos espiritualistas. Essa é uma fé que tem fundamentos na lógica, é, posso dizer, uma fé necessária. Afinal, precisamos partir de um ponto que não pode ser provado, mas que pode ser fortemente sugerido pelas evidências deixadas para trás. Nada tem com a fé religiosa, que pessoalmente considero irracional. 2 – Engana-se outra vez, 1, sua vida está permeada dessa fé que acusas de irracional. 1 – Estás louco? Como dizes algo assim? 2 – Diga-me, o que impede você de bater de frente com alguém quando está dirigindo a 100 km/h na rodovia?
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“Basta sermos humanos para defender algum tipo de sistema de crenças. Podemos estar fortemente inconscientes das crenças que estão na raiz de grande parte de nossos pensamentos, mas elas estão lá mesmo assim. Todos cremos em alguma coisa. [...] Nessa questão de sistemas de crenças, somos todos participantes de alguma estrutura. Todos falamos a partir de um padrão ou outro. Isso significa que nunca podemos ser inteiramente objetivos, seja a respeito de nossas crenças, seja na avaliação das crenças de outras pessoas.” – Bruce Nicholls, Fundamentos da Fé Cristã, p. 21
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1 – As minhas habilidades de motorista? 2 – Somente elas? 1 – Bom, não, a habilidade de outros motoristas também. 2 – E como você sabe que os outros motoristas dirigem bem? 1 – Ora...na verdade, não sei. Mas suponho que eles dirijam bem, afinal, se estão dirigindo é porque têm uma carteira de motorista que tiveram de estudar e praticar muito para conseguir! 2 – Mas não é verdade que milhares e milhares de pessoas morrem de acidentes de carros todos os dias, e que muitos acidentes são causados por pessoas que não dirigem nada bem. Aliás, pelo número de acidentes que vemos nos telejornais, periódicos e internet, não poderíamos dizer que existem muitas pessoas que, apesar de terem merecidamente adquirido uma habilitação para dirigir, não sabem dirigir? 1 – Sim, poderíamos dizer isso, que muitas pessoas, apesar de terem habilitação para dirigir, não sabem dirigir. 2 – Então você concorda comigo que ter uma carteira de motorista não é sinônimo de dirigir bem? 1 – Certamente! 2 – Então basear-se no fato de que pessoas possuem uma habilitação não é muito seguro, certo? 1 – Ok, concordo que não foi um bom argumento meu esse. 2 – Mas então pergunto outra vez, como você sabe que os outros motoristas dirigem bem, ou que eles não querem se matar ou causar acidentes? 1 – Ora, não tenho como saber isso por certo, mas creio que eles queiram sobreviver. 2 – Quer dizer que você depende do bom senso dos outros no trânsito? 1 – Sim, diria isso. 2 – Então quer dizer que, ao viajar no final do ano, você se baseia no bom senso de outros motoristas e crê que eles, assim como você, querem continuar vivos? 1 – Bom, sim... 2 - ...você confia nas mãos de outros motoristas a vida de toda sua família, mesmo escutando na rádio todos os dias que milhares de pessoas morrem de acidentes de carro, mesmo assistindo a noticiários que contam casos e mais casos de mortes por imprudência no trânsito, mesmo depois de ler páginas e páginas de revistas e jornais que relatam descuidos bobos e de saber que a possibilidade de ter um acidente de carro é muito grande, e apesar de tudo isso você crê no bom senso dos outros e dirige?
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1 – Tenho que admitir que sim, ao dirigir tenho de confiar completamente no bom senso dos outros apesar de toda evidência que me diz que os outros não têm muito bom senso. 2 – 1, você diria que fé no bom senso e humor dos outros é uma fé racional? 1 – Não. Admito. 2 – Então você está admitindo que além da fé racional e necessária que todos possuem para fazer sentido do mundo, também precisamos da fé irracional, não que essa seja contrária à razão, mas antes que é baseada mais na intuição do que na lógica e raciocínio? 1 – Confesso que sim, também possuo esse tipo de fé. 2 – Percebes, 1, todos nós vivemos pela fé56. Não só aquela fé completamente arraigada na lógica e na ciência, mas também aquela fé irracional, não que seja contrária à razão, mas que não está arraigada nela, e sim na intuição. Então toda vez que postulamos coisas sobre a espiritualidade estamos tendo fé. Quando dizemos que Deus não existe estamos exercitando nossa fé. Decidimos ir ao mercado pela fé. Escolhemos esposas crendo que serão boas esposas, etc. Fé no começo da vida até o fim. 1 – Concordo 2, sou um homem de fé. Mas também gostaria que concordasse comigo que há muita má fé! Fé em coisas ridículas! Superstições bobas e estórias que mais parecem encantadas. Acho que você concorda comigo, pelo menos espero que sim, que crendices supersticiosas devem ser rejeitadas! 2 – Sim, sim, claro. 1 – Então, assim como você considera muitas coisas bobas e dignas de serem descartadas, também eu assim o faço com a vida após a morte, a existência de um tipo de deus, num propósito transcendental para a humanidade e seus eventos...todas essas coisas considero crendices supersticiosas. 2 – Se uma pessoa me viesse dizendo que não só acredita que um ser celestial existe, mas também que se comunica com ele, não daria muito crédito. Se duas pessoas viessem dizendo isso, continuaria cético e muito preocupado por sua saúde mental. Mas se bilhares de pessoas ao longo de toda a história da humanidade, incluindo mentes brilhantes da ciência e da filosofia, dissessem isso, ficaria com uma pulga atrás da orelha. Duas ou três pessoas dizendo coisas fantásticas é descartável. Já a maior parte dos seres humanos ao longo de mais de seis mil anos de história afirmando coisas parecidas, a saber, que a vida continua depois da morte porque Deus existe, você começa a pensar se de fato eles não estão certos. 1 – Continue... 56
“A fé, no sentido em que estou usando a palavra, é a arte de se aferrar, apesar das mudanças de humor, àquilo que a razão já aceitou. Pois o humor sempre há de mudar, qualquer que seja o ponto de vista da razão. Agora que sou cristão, há dias em que tudo na religião parece muito improvável. Quando eu era ateu, porém, passava por fases em que o cristianismo parecia probabilíssimo. A rebelião dos humores contra o nosso eu verdadeiro virá de um jeito ou de outro. E por isso que a fé é uma virtude tão necessária: se não colocar os humores em seu devido lugar, você não poderá jamais ser um cristão firme ou mesmo um ateu firme; será apenas uma criatura hesitante, cujas crenças dependem, na verdade, da qualidade do clima ou da sua digestão naquele dia. Consequentemente, temos de formar o hábito da fé.” – C.S. Lewis, Cristianismo Puro e Simples.
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2 – Má fé, como você disse, é descartável. Há certas crendices que são facilmente desvendadas, mas nem de longe poderíamos considerar vida pós-morte e Deus como crendices – aliás, o que a ciência não tem descoberto sobre a consciência e não pode explicar sugere muito57! Tais tópicos têm sido o que move o mundo desde a história antiga. 1 – Tudo bem, relutantemente concordo...mas espere aí, falamos de tantas coisas já, aonde você quer chegar com tudo isso? 2 – Ora, ainda estou tentando lhe ajudar com sua crise...você ainda quer ajuda? 1 – Sim, a conversa está tomando rumos interessantes. Gostaria de prosseguir. 2 – Então creio que até aqui consegui demonstrar que as coisas têm sentido, que a vida, a morte, a angústia e a esperança sugerem que há algo a mais do que essa breve existência, que o cosmos sugere que há um Deus, que a fé é universal, que na Bíblia há registros confiáveis do que aconteceu há muito tempo atrás, que o cristianismo é a mais virtuosa e benéfica religião do mundo, que a maldade é uma escolha, que o inferno é necessário e que o diagnóstico de Jesus sobre o coração humano é coerente. 1 – Demonstrar? Hmm...cuidemos com as palavras. Diria que o que tens feito é me ajudar a olhar as coisas através da perspectiva cristã, a partir dos ensinamentos de Jesus Cristo. Em partes, concordo em dizer que essa conversa tem demonstrado várias coisas, mas ela tem demonstrado coisas através de uma ótica específica, mas que, talvez, não seja a certa – se é que existe uma certa! Tudo que expusestes, admito que faz sentido, mas faz sentido partindo de certas premissas, de que Deus existe e Jesus é Seu Filho. A cosmovisão cristã, pelo que tens me dito, faz sentido, é coerente e consistente, mas isso não quer dizer que é verdadeira. Por exemplo, a teologia islâmica faz sentido, é coerente e consistente dentro da cosmovisão islâmica, assim também com a Espírita, Hindu, etc. Admito que tinha muitas concepções erradas a respeito o cristianismo, sem dizer o preconceito – e ainda tenho, pra dizer-lhe a verdade. Mas isso é natural, pois não creio nela, ela me ofende, é contrária à minha filosofia, logo, sempre terei certo preconceito e desgosto. O que estou tentando dizer é que, ao esclarecer minhas dúvidas e refutar algumas objeções que buscam fazer o cristianismo ruir em si mesmo, você está apenas demonstrando a consistência da fé cristã dentro de si mesma. O que eu não deixarei você fazer, 2, é confundir essa sustentabilidade com veracidade! Resumindo: você demonstrou que ela é coerente, mas não que é verdadeira; que é possível Deus coexistir com a maldade e outras coisas, mas isso não quer dizer que Ele existe, apenas que é uma possibilidade racional. Entendes? 2 – Sim, sim. Um dos meus objetivos era exatamente esse, mostrar que o cristianismo é digno de reflexão por ser assim coerente e... 1 – ...2, desculpe interromper, mas, como lhe disse, todas as cosmovisões são coerentes consigo mesmas; todas são capazes de responder a qualquer pergunta e objeção contando que a assuma como verdadeira, entendes? 2 – Entendo... 57
“A implicação inevitável é que a consciência humana não tem explicação física. [...] o fato é que a consciência tem sido estudada por décadas e tem, até então, frustrado todas explicações científicas. Coloque a consciência debaixo do microscópio e você vê, bem, nada. [...] a consciência não tem nenhuma explicação evolutiva coerente também.” – Dinesh D’Souza, Life After Death, the Evidence, p. 134.
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1 – A minha pergunta é: Como demonstrar agora que o cristianismo é verdadeiro? Isso não creio ser possível fazer. Você pode e fez com que eu enxergasse o cristianismo pelo que ele é, e não mais pelo que inventavam ou criavam dele, e nisso agradeço, mas agora vem o que acho impossível fazer: demonstrar que o cristianismo é consistente com a realidade, e não apenas em si mesmo. Hindus e Espíritas falam em reencarnação, e é um sistema que até faz sentido, mas em si mesmo, e condiz apenas com a metafísica e espiritualidade de ambas religiões, mas não com a realidade que observamos. Em outras palavras, se quiserem provar a reencarnação, terão de fazê-lo mediante a reflexão apenas, pois no mundo observável, isso não se prova nem se demonstra nem se sugere, apenas se crê e se defende o que se crê com argumentação. Com o cristianismo é o mesmo. Então qual é a vantagem que o cristianismo tem sobre as outras religiões? Por que ser cristão ao invés de islâmico, por exemplo? 2 – Que bom que chegamos a esse ponto, estava esperando o momento certo de trazer Jesus à conversa. 1 – E já não o trouxestes? 2 – Não da maneira que farei agora. 1 – E como seria isso? 2 – Como resposta à sua pergunta, que aliás, deixe-me elogiá-lo, é brilhante: por que cristão e não islâmico, ou hindu, etc. Sempre pensei que um pergunta inteligente valesse mais que mil respostas sábias. 1 – Muito bem, obrigado. Diga-me então, por que cristão e não outra coisa?
--Jesus Cristo-2 – Por causa de Jesus Cristol. 1 – E o que ele tem para te fazer pensar isso? 2 – Não é exatamente o que Ele tem, mas as coisas que Ele disse. 1 – Ora, mas se for isso, Confúcio disse coisas lindas também, e muito antes de Jesus nascer. O Buda também tem ensinamentos éticos muito parecidos com os de Jesus. Pelo que ouço os cristãos falando, não vejo muita diferença nos ensinamentos de Jesus e de outras religiões: “ama o próximo como a ti mesmo”, “não faz ao outro o que não quer que façam a ti”, “perdoe”, “seja virtuoso, manso, paciente, etc.”. Muitas outras religiões antigas tinham mandamentos quase idênticos ao decálogo. 2 – Não são os ensinamentos éticos, nem reflexões antropológicas, mas sua identidade. 1 – O que tem a identidade de Jesus? 2 – Jesus perguntou uma vez para seus discípulos quem o povo dizia que Ele era e quem eles, os discípulos, diziam que Ele era. Da mesma maneira, vou perguntar a você: quem você acha que Jesus era?
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1 – Como muitos outros, um homem à frente de seu tempo. Um grande mestre da moral, talvez um grande filósofo. O maior exemplo de bondade que o mundo já viu. 2 – Nenhuma dessas afirmações pode ser dita com respeito a Ele... 1 – E por que não? 2 – Ora, nenhum filósofo que conheço dizia ser a própria verdade58, Jesus sim. Nem um mestre religioso disse ser a vida, Jesus sim59. Nenhum mestre da moral disse ser a luz do mundo 60, Jesus sim61. Sócrates, Confúcio, o Buda, Maomé, Krishina e muitos outros apontaram para um caminho, falaram a respeito da vida, buscaram a verdade e ajudaram homens a achar a luz62, Jesus não, Ele foi um pouco diferente, Ele disse ser o próprio e único caminho, ser a própria vida, ser a luz do mundo e dos homens e ser a única verdade, e todo aquele que assim não o recebesse, andaria em trevas e não conheceria a Deus. Nenhum outro grande homem pensava perdoar os pecados do mundo todo63, Jesus sim. Nenhum filósofo esperava ser chamado de Senhor e Deus, Jesus sim64. Nenhum líder religioso disse ser igual a Deus65, nem que o vendo veriam o próprio Deus66, Jesus fez essas afirmações loucas. Não me lembro de nenhum homem que dizia vir do céu67, ter sempre existido68, ter um reino em outro mundo69 e, aquele que o amasse, o Pai e Ele viriam morar nessa pessoa70. Muito menos ouvi de algum outro que se entregou para morrer numa cruz como expiação de pecados71 e, após três dias, disse que ressuscitaria72, voltaria a Deus e prepararia habitação para aqueles que o confessassem como Senhor e Deus73. Você conhece? 58
“O Jesus dos Evangelhos não é apenas um sábio da palestina do século I, ou um modelo moral, mas a revelação de Deus numa pessoa. O que provoca o pensamento sobre Jesus, portanto, não é o que ele diz ou fez, mas acima de tudo quem ele é; o que provoca o pensamento sobre o discipulado não é viver por suas palavras ou seguir seu exemplo, mas ser transformado pela participação em seu ser” – Luke Timothy Johnson, Jesus e a Filosofia, p. 94. 59 João 14.16. 60 “[Alguém que lesse o Novo Testamento pela primeira vez] descobriria muitas alegações estranhas [a respeito de Jesus] que poderiam soar como a alegação de alguém ser irmão do sol ou da luz.” – G.K. Chesterton, O Homem Eterno, p. 202. 61 João 12.46. 62 “[Líderes religiosos] Eles são mestres que apontam para seus ensinamentos ou apresentam um caminho específico. Em todos esses, emergem instruções, uma maneira de viver. Não é a Zoroastro que você recorre; é a Zoroastro que você escuta. Não é o Buda que te livra; são suas verdades nobres que o instruem. Não é Maomé que o transforma; é a beleza do alcorão que o espanta. Em contraste, Jesus não apenas ensinou sua mensagem. Ele era idêntico a Sua mensagem. ‘Nele’, dizem as escrituras, ‘habita corporalmente toda plenitude da divindade’. Ele não apenas proclamou a verdade. Ele disse, ‘Eu sou a verdade’. Ele não apenas mostrou um caminho. Ele disse ‘Eu sou o caminho’. Ele não apenas abriu portas. Ele disse ‘Eu sou a porta’. ‘Eu sou o bom pastor’. ‘Eu sou a ressureição e a vida’. ‘Eu sou o EU SOU’. Nele não havia apenas uma oferta do pão da vida. Ele é o pão.” – Ravi Zacharias, Por que Jesus é diferente. 63 “Compreendemos que um homem perdoe as ofensas cometidas contra ele mesmo. Você pisa no meu pé, ou rouba meu dinheiro, e eu o perdôo. O que diríamos, no entanto, de um homem que, sem ter sido pisado ou roubado, anunciasse o perdão dos pisões e dos roubos cometidos contra os outros? Presunção asinina é a descrição mais gentil que podemos dar da sua conduta. Entretanto, foi isso o que Jesus fez. Anunciou ao povo que os pecados cometidos estavam perdoados, e fez isso sem consultar os que, sem dúvida alguma, haviam sido lesados por esses pecados. [...] comportou-se como se fosse ele a parte interessada, como se fosse o principal ofendido. Isso só tem sentido se ele for realmente Deus, cujas leis são transgredidas e cujo amor é ferido a cada pecado cometido. ” – C.S. Lewis, Cristianismo Puro e Simples. 64 João 20.27-29. 65 João 10.30-33. 66 João 14.8-9. 67 João 6.38. 68 João 8.58. Apocalipse 1.18. – 1.11. – 21.6. – 22.13. 69 João 18.36. 70 João 14.23. 71 Mateus 10.28. Marcos 10.45. 72 Mateus 27.60-64. 73 João 14.2. João 3.16-18.
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1 – ...Jesus era louco? (risos) 2 – Olha, é mais viável dizer que era louco ou mentiroso do que apenas um grande homem, pois o que disse grandes homens não teriam a pretensão de dizer74. Acho difícil, no entanto, sua afirmação ser verdadeira de que Jesus era louco. Certamente não houve até hoje um louco que dissesse palavras de tanto amor ou cujos ensinamentos tivessem influenciado e causado tantas revoluções no mundo. Jesus não tinha perfil de louco, contudo, o mistério de sua identidade causava perplexidade75. Qualquer outro homem que se dissesse ser Deus teria sido tomado como um louco, no entanto, Jesus foi crido, seguido e muitos morreram por não negarem Sua identidade. O exemplo de ser humano perfeito, louco? Antes, nós estamos loucos e Jesus estava são. 1 – ...pode ser que mentia para ser cultuado. Queria aquela atenção. Não poderia ser Deus, não só não creio que Ele exista, ainda pensar que é Jesus? Não, não. Devia estar mentindo, então. 2 – Também acho pouco provável, quem mente, mente para ganhar algo com isso, e tudo que Jesus ganhou foi uma crucificação. Ele foi crucificado pela blasfêmia de ter se chamado Deus, porque faria isso? Não me faz sentido também. Aliás, novamente, o maior exemplo de perfeição, um mentiroso? Pouco provável, a loucura mais plausível seria a que de fato era Deus. Seria mais sem sentido afirmar que mentia ou que era louco do que afirmar que era Deus 76. Vê como não podemos tratá-lo como qualquer outro77? 1 – Estás me forçando com três opções como se fossem as únicas, a saber, que Jesus era um mentiroso, um maluco, lunático ou realmente Deus. Mas te esqueces que resolver esse problema é razoavelmente fácil, basta afirmar o que muitos estudiosos têm afirmado, que Jesus, como os evangelhos o pintam, nunca existiu. Foi uma fabricação dos seus seguidores.
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“Melhor seria rasgar nossas vestes emitindo um alto brado contra a blasfêmia, como fez Caifás no julgamento, ou tomar o homem por um maníaco possuído por demônios, como fizeram os parentes e a multidão, em vez de insistir em discussões estúpidas sobre pequenos detalhes de panteísmo na presença de uma reivindicação tão catastrófica.” – “Um grande homem sabe que não é Deus; e quanto maior for ele tato melhor o sabe” – G.K. Chesterton, O Homem Eterno, p. 209, 216. “Estou tentando impedir que alguém repita a rematada tolice dita por muitos a seu respeito: ‘Estou disposto a aceitar Jesus como um grande mestre da moral, mas não aceito a sua afirmação de ser Deus.’ Essa é a única coisa que não devemos dizer. Um homem que fosse somente um homem e dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre da moral. Seria um lunático – no mesmo grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido — ou então o diabo em pessoa. Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. Você pode querer calá-lo por ser um louco, pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou pode prosternar-se a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas que ninguém venha, com paternal condescendência, dizer que ele não passava de um grande mestre humano. Ele não nos deixou essa opção, e não quis deixá-la.” – C.S. Lewis, Cristianismo Puro e Simples. 75 Mateus 21.10. Marcos 2.6-8. Marcos 4.41. Lucas 4.34. Lucas 7.49. Marcos 14.61-63. 76 “[…] uma coisa é inventar uma história e outra é estar disposto a suportar perseguição até a morte por ela. Por que os discípulos [e principalmente o próprio Jesus] estariam prontos para morrer por algo que sabiam ser uma mentira?” – Dinesh D’Souza, Life After Death, the Evidence, p. 224. 77 “Se Cristo foi apenas um personagem humano, ele de fato foi um personagem humano muito complexo e contraditório. Pois ele juntou exatamente as duas características que se encontram nos dois pontos extremos da variação humana. Ele foi exatamente o que o homem com uma ilusão nunca é: foi sábio, foi um bom juiz. O que ele dizia era sempre inesperado, mas era sempre inesperadamente magnânimo e inesperadamente moderado. [...] Um grande homem sabe que não é Deus; e quanto maior for ele tanto melhor o sabe. Sócrates, o mais sábio dos homens, sabe que não sabe nada. Um lunático pode considerar-se a própria onisciência, e um tolo pode falar como se fosse onisciente. Mas Cristo é onisciente em outro sentido: ele não apenas sabe, mas sabe que sabe.” – G.K. Chesterton, O Homem Eterno, p. 216.
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2 – De maneira alguma, há comprovações extra bíblicas, escritos históricos de cristãos e não cristãos78, de que Jesus existiu e era visto como alguém mais que humano; de que era adorado como um Deus. Há até relatos fora da Bíblia da escuridão que os Evangelhos dizem que tomou conta do céu quando Jesus estava na cruz79. 1 – Interessante...realmente interessante. 2 – ...e é por isso que escolho Jesus e não outro. Porque há evidências – e não provas, lembra a diferença? – que sugerem que Deus, como descrito na Bíblia, existe. Que Jesus é Seu Filho e que ressuscitou80 dos mortos como havia dito que faria, e por isso, quando conheci Sua história, dobrei meu joelho e, apesar de todas minhas dúvidas, desgostos e preconceitos, que aliás ainda habitam meu coração, decidi humilhar-me diante da loucura das palavras de Jesus e dizer como muitos já disseram, “Meu Senhor e meu Deus!”. A transformação de vida que se seguiu é evidência suficiente para crer mesmo se todas essas outras não existissem! O que Ele fez em mim foi grande demais...Então, o que me dizes desse conversa, pois agora chego à conclusão.
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“Jesus é mencionado algumas vezes em fontes greco-romanas. Julius Africanus (início do século III) se refere a um Thallus, que menciona as trevas na época da morte de Jesus (Chronography frag. 18). Mara bar Serapion (final do séculoI/início do II?) refere-se a Jesus como o rei sábio dos judeus (carta de Bar Serapion a seu filho). Seutônito (c. 110) refere-se ao nome Chrestus, querendo provavelmente dizer Cristo (Claudius 25.4), mas só fala isso. Plínio, o Jovem, governador da Bitínia, escreve ao imperador Trajano (c. 110) dizendo que os cristãos cantam hinos a “Cristo como a um deus” (Epistolas 10,96). Tácito (c.112) explica: “Christus, o autor de seu nome, recebeu a pena de morte durante o reinado de Tibério, condenado pelo procurador Pôncio Pilatos” (Annais 15.44). Celsus apresenta uma série de calúnias e tradições deturpadas em sua polêmica contra o Cristianismo (apud Orígenes, Contra Celsum). Justino Mártir cita Trifo, o Judeu (c. 160), que descreve Jesus como um “mago e charlatão do povo” (Diálogo com Trifo 69.7). Luciano de Samósata (c. 160) descreve os cristãos ironicamente como um povo que cultua “aquele sofista crucificado” (Peregrino 13) ou até “o homem que foi crucificado na Palestina” (Pergrino 11).” – Craig. A. Evans, Jesus e a Filosofia, p. 46. 79 “[...] um historiador chamado Talo que, em 52 d.C., escreveu uma história do mundo do mediterrâneo desde a Guerra de Tróia. Embora o trabalho de Talo tenha se perdido, foi citado por Júlio Africano por volta de 221 d.C. e, ali, há menção das trevas de que falam os evangelhos! [...] Júlio Africano diz que “Talo, no terceiro livro de histórias, explica o fato como um eclipse solar, embora, a mim, não me pareça um explicação razoável”. Portanto, ao que tudo indica, Talo confirma a ocorrência das trevas no momento da crucificação e atribui sua causa provável a um eclipse solar. Júlio Africano diz então que não era possível que fosse um eclipse o evento ocorrido na hora da crucificação.” – “Escute o que diz o estudioso Paul Maier sobre as trevas em uma nota de rodapé em seu livro Pontius Pilate, [...] de 1968: Esse fenômeno, evidentemente, foi visível em Roma, Atenas e outras cidades do mediterrâneo. Segundo Tertuliano [...] foi um evento ‘cósmico’ ou ‘mundial’. Phlegon, um autor grego da Cária, escreve uma cronologia pouco depois de 137 d.C. em que narra como no quarto ano das Olimpíadas de 202 (ou seja, 33 d.C.), houve um grande ‘eclipse solar’, e que ‘anoiteceu na sexta hora do dia [isto é, ao meio-dia], de tal forma que até as estrelas apareceram no céu. Houve um grande terremoto na Bitínia, e muitas coisas saíram fora de lugar em Nicéia.” – Lee Strobel, Em Defesa de Cristo, p. 109110. 80 “Aqui estão os quarto fatos históricos que devem ser levados em consideração. Primeiro, Cristo foi acusado por seu inimigos, condenado, e crucificado. Segundo, logo após seu sepultamento, sua tumba foi encontrada vazia. Terceiro, muitos dos seus discípulos, mas também um ou dois céticos, afirmaram ter visto Cristo vivo e em carne e de interagir com ele após sua morte. Quarto, inspirados pela crença na ressureição corpórea de Cristo, os discípulos iniciaram um movimento que, apesar da perseguição e martírio, converteu milhões de pessoas a um novo estilo de vida baseado no exemplo e ensinos de Cristo. Esses fatos são afirmados pelos modernos estudos históricos. [E tem a mesma credibilidade de fatos como] o de Sócrates ter ensinado nos mercados de Atenas, o fato de Cesar ter atravessado o Rubicon, ou o fato de Alexandre o Grande ter ganhado a batalha da Gaugamela.” – “Não estou tentando provar a ressureição. Uma das maiores descobertas a respeito de pesquisas históricas é a de quão pouco de fato sabemos do passado. O que estou tentando dizer é que, baseado nos padrões de estudos uniformemente aplicados, a ressureição sobrevive o escrutínio histórico.” – Dinesh D’Souza, Life After Death, the Evidence, p. 223, 227.
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1 – A é? E qual seria então a solução para minha crise? O que tens para me dizer ainda depois de ter me dito tanto? O que possivelmente poderia ser dito a respeito de Jesus ou de assuntos pertinentes a ele? O que tens para me oferecer? As maldades do mundo continuam acontecendo, crianças morrendo, guerras, etc., apesar de você ter quase feito Deus aparecer com suas palavras apaixonadas, continuo godless, muitas curiosidades minhas foram saciadas, muitos preconceitos foram desfeitos, ideias erradas a respeito do caráter do seu deus mudaram, mas continuo não crendo. Ainda tenho dúvidas e desilusões terríveis, e não me convenço de que o cristianismo possa apaziguar-me, pois quem poderia primeiro sentir minhas dores, da minha perspectiva, na minha pele, e então, entendendo-me, consolar e dar esperança? Apenas um deus poderia fazer isso, ninguém mais, nem pastor, nem teólogo, nem filósofo nem você nem ninguém senão o próprio Deus, se existisse, poderia me entender. A maldade do mundo tem estuprado meu coração e torturado minha esperança de alguma melhora. Não desejo me matar, apenas não existir. Não queria existir. Não sendo, seria mais feliz – se é que isso faz sentido dizer! Não queria que nada existisse. A vida não vale o esforço. Por mais alegrias que se possa ter, todas serão esquecidas no mesmo instante que o mínimo de sofrimento aparecer, e esse então se tornará norma. Um ano inteiro de alegrias será esquecido após dez minutos de tragédia. As coisas boas da vida são a causa de preocupação, que lhe rouba a alegria das mesmas: quem tem filhos, vive para que não morram. Quem tem posses, vive para não as perder. Quem tem amigos, vive para não os ofender. Quem tem saúde, vive para não adoecer. Em suma, os que vivem bem, não vivem senão para se preocuparem com a possibilidade de perder o que tem. Por outro lado, quem não tem uma família, vive sofrendo a inveja daquele que a tem. Quem não tem posses, sonha em alegrar-se como aquele que as tem. Quem é doente, definha na esperança de ser saudável. O homem solitário se angustia por ser só, mas uma vez que tem amigos, vive no medo de perdê-los ou na saudade de sua antiga solidão. 2, é essa incapacidade de ser feliz, de respirar sem medo é que me faz pessimista, ou realista, como quiser interpretar. Se Deus existe e é amor, por que não decidiu amar as almas que, de antemão, sabia que iriam perecer no inferno e poupou-se do esforço de criá-las? Se Deus existe, então Ele sabia que uns morreriam eternamente, ora, por que não os amou, coitados, ao invés de sentenciá-los à morte através da vida? Agora, se Deus não existe, o que acho coerente crer, então também somos infelizes, pois somos apenas lama e sangue; somos bichos imundos; um acidente que aprendeu a pensar e escrever livros sobre sua tragédia cósmica. Com Deus, somos demônios pelo que fazemos. Sem Deus, somos bichos violentos sem os quais o mundo funcionaria melhor. O que sugeres, 2? 2 – Você é honesto consigo mesmo, 1. Soa clichê dizer “te entendo”, e também soa como que se, pelo contrário, não tivesse entendido. Mas, 1, entendo. Já cheguei, em oração, a mandar Deus para o inferno por tanta raiva. Não especificamente d’Ele, mas de existir. Os livros de Jó e de Eclesiastes ecoam sua angústia. O profeta Jeremias pranteou algo muito parecido81. O que sugiro? Ora, nada. 1 – Nada? Não é você que tem todas as respostas e é o conhecedor da Verdade, Caminho e Vida? 2 – Conheço Ele, mas não tenho toas as respostas. Nem Jesus nos deu todas as respostas. A Bíblia não tem todas repostas... 1 – Queres ser ateu também? (risos) 2 – Não...não ter respostas é uma coisa, desistir da esperança por falta de respostas é outra, é covardia. Jesus, enquanto andou conosco, não nos deu todas as respostas, apenas aquelas que precisávamos.
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Jeremias 20.14-18.
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1 – E você acha que não precisamos de respostas para minha crise, para minhas perguntas? 2 – Não. É possível conviver com elas e com Deus. Pois aprendi que o homem inseguro se confia a Deus...se soubéssemos tudo, por causa do pecado, teríamos ideias luciferianas de conquistar os céus. 1 – Não estás entendendo! Não durmo, não vivo, não me aquieto...sofro apenas, e por algo tão abstrato, tão irreal como a falta de respostas! PRECISO DE RESPOSTAS! 2 – Não, você precisa de consolo. Um coração apaziguado não é um coração saciado, e sim consolado. Respostas, no seu caso, apenas resultariam em mais perguntas e mais sofrimento. Precisas de consolo. 1 – Como pensas que poderei viver sem o que procuro? 2 – Da mesma maneira que eu e milhares de pessoas vivem: na esperança da fé. Também não tenho respostas pras perguntas que mais me atormentam... 1 – E como podes viver tão esperançoso? 2 – Vivendo com elas e com Ele. O consolo e a satisfação de ter Ele são maiores que o sofrimento que elas me trazem. Você pode viver com a falta de respostas e com Ele, ou com a falta de respostas e sem Ele. De uma maneira ou de outra, não terás respostas. Mas a esperança que temos é que conheceremos tudo como somos conhecidos82. A esperança é que, não só Ele é a resposta para as perguntas que precisamos, Ele também nos trará a resposta para as perguntas que queremos, mas não ainda. 1 – O que supões que faça com tudo isso que ouvi de ti? 2 – Faça o que quiser, você é livre. Se quiser Ele, busque-O, se não, não. Faça o que quiser com o que te disse, contanto que seja refletido...queres experimentá-lO? 1 – Não, obrigado...a vida não faz sentido, nem essa conversa83.
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1 Coríntios 13.10-13. “[...] mesmo se se pudesse provar matematicamente que Deus existe, eu não quero que Ele exista, porque Ele me limitaria na minha grandeza.”. – Georges Minois cita um ateu em História do ateísmo, p. 656. 83
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Conclusão Desde minha conversão em meados de 2008 até o presente momento, tenho me esforçado a entender os diferentes motivos de se rejeitar Deus. A princípio, quando ainda neófito, achava que a descrença e o ceticismo de muitos amigos meus eram pelo fato de as igrejas de onde morava não pregarem o Evangelho verdadeiro e dar tanto escândalo. Por exemplo, as maiores igrejas evangélicas de minha cidade natal eram adeptas à teologia da prosperidade84 – clamavam por dízimos, trízimos e sacrifícios financeiros, derrubavam pessoas em unções estranhas, vendiam pedaços do céu e outras loucuras mais com as quais hoje já nos acostumamos. Ora, não era de se surpreender que meus amigos, muito inteligentes e sinceros em suas dúvidas, questionassem todo o esquema e acabassem descartando Jesus e a Bíblia com aquela palhaçada toda. Em minha inocência, pensei que se ao menos pudesse mostrar a eles que a igreja não era aquilo nem que Jesus era aquele, certamente O aceitariam, como aconteceu comigo, meu primo e uns amigos. Estava errado: preguei o Evangelho pra vários colegas meus, escrevi incessantemente e mantive, por um curto espaço de tempo, conversas intensas sobre o que é e não é a igreja, o Evangelho e Jesus. Ao contrário do que pensava em minha ingenuidade, não é só por ignorância que se nega Jesus. O salmista escreveu85 que é no coração que se diz “não há Deus”, ou seja, que a negação do divino é uma postura do coração e não da mente, e foi Agostinho quem disse que “Nenhum homem diz ‘Deus não existe’, a não ser aquele que tem interesse em que Ele não exista.” Há inúmeros motivos para se duvidar e rejeitar Cristo, e todos eles envolvem questões muito mais psicológicas do que racionais.86 O que percebi, principalmente em mi mesmo, é que mais do que um problema intelectual, a descrença é um problema do coração e da vontade. Se a rejeição de Deus fosse puramente uma questão racional, a conversão de Antony Flew, C.S. Lewis, Alister McGrath, Lee Strobel, Francis S. Collins e muitos outros outrora ateus seria a refutação da descrença. O cristianismo é racional e facilmente defensável, sua teologia se encaixa perfeitamente com as descobertas mais recentes da ciência, melhor explica o universo em que vivemos em termos de origem e natureza e oferece um Deus relacional, contudo, nada disso pode ser provado verdadeiro à parte de uma experiência com Deus. O cristianismo é mais ou menos como o casamento, você pode saber tudo dele, história, casos, tendências, etc., mas só realmente entenderá o que é ser casado casando-se. O que me manteve afastado do Evangelho por tanto tempo foram minhas paixões e não meu ceticismo insatisfeito. Corria atrás de paixões carnais e não queria que Deus colocasse um freio moral em minha libertinagem nem desse um basta à minha futilidade. Toda descrença é por causa de alguma outra crença. Se o ateu não crê em Deus, é porque crê em si ou em outro alguém, ou até mesmo em todos; se nega o sobrenatural, Escrevi um ensaio sobre a teologia da prosperidade, falsos mestres e mais especificamente uma refutação ao livro 21 dias para transformar sua vida de Michael Aboud. O ensaio está disponível para leitura e download grátis no meu blog romanos12.blogspot.com. 85 Salmo 53:1. 86 Basta ler os grandes ateus e agnósticos para comprovar isso, Russel, Nietsche, Marx, Hume, Huxley, Schopenhauer, etc., neles há motivos sexuais, políticos, de ego e outros para negar o divino. 84
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afirma apenas o natural, e isso tudo faz não com base no que sabe, mas com base no que acredita. Como cristãos, conseguiremos pregar o Evangelho a eles apenas quando nós mesmos passarmos pela angústia e descrença por que passam. Apenas quando sentirmos o vazio de seus corações em nossos próprios corações é que seremos alguém capaz de preenchê-los com o que de Cristo recebemos. Fiz o cético (1) contrariar o convite final pelo mesmo motivo que eu, várias vezes, recuso-me a dobrar os joelhos e orar: rebeldia proveniente não da falta de respostas, mas de um coração angustiado e raivoso pela falta de consolo e amor. Quem não é amado se torna amargurado e consequentemente fecha-se em seu cinismo. Não é senão nas minhas horas de tentação que relativizo os ensinos de Jesus, Sua preocupação comigo ou até Sua presença. Essa conversa toda já se passou em minha cabeça várias e várias vezes, de diferentes pontos de partida, com outras citações, silogismos e conclusões, e apesar de Cristo sempre sair com razão, nem sempre vence o debate. Nem sempre quem tem razão vence. Eu sei que Jesus tem razão, sempre, mas nem sempre Ele vence em mim; muitas vezes a carne triunfa, meu coração enganoso me ilude e a desesperança dá lugar à desconfiança, que quando não tratada à moda de Cristo, gera descrença e resulta em pecado, o que, por sua vez, nos põe a flertar com a morte e nos afasta do caminho. Termino esse ensaio com uma das passagens que mais falou comigo em todas minhas leituras bíblicas: E Jesus disse-lhe: Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê. E logo o pai do menino, clamando, com lágrimas, disse: Eu creio, Senhor! Ajuda-me na minha falta de fé! (Marcos 9:23-24) Este homem, apesar de crer, não cria. “Eu creio”, disse, mas “me ajuda na minha falta de fé.” Acho que a falta de fé desse homem, que com lágrimas pedia ajuda, não era a de crer que, e sim crer em. Crer que Deus existe é uma coisa, crer em Deus é outra. Creio que satanás existe, mas não nele. Crer que tem a ver com existência de Deus, e isso pode ser muito bem sugerido, mas crer em tem a ver com confiança, e isso só vem com um relacionamento. Vamos demonstrar que é possível crer que Deus existe com a apologética, como pretendi fazer aqui, mas mais importante é mostrar que cremos em Deus, e isso mostramos com uma vida que ilumina e salga. Duvidando, a gente chega às respostas para o crer que, mas quando chegamos lá, temos que tomar a louca decisão de entrar no relacionamento com Deus e começar a crer em, e só assim o crer que ficará inabalável e o crer em refletirá a luz de Deus para todo o mundo crer que Deus existe e então crer em Seu Filho.
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Sugestões a
Leituras sugeridas: Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e Contradições da Bíblia, Norman Geisler. Evidência que Exige um Veredito, Josh McDowell. Reinventing Jesus, Daniel B. Wallace. Em defesa da Fé, Lee Strobel. b
Leitura sugerida: Is God a Moral Monster?, Paul Copan.
c
Leituras sugeridas para explicação da passagem: Em Defesa da Fé, Lee Strobel e Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e Contradições da Bíblia, Norman Geisler. d
Leitura sugerida: O Peso da Glória, de C.S. Lewis, capítulo Por que não sou pacifista.
e
Leituras sugeridas: Buscar Sentido no Sofrimento, Peter Kreeft. O Problema do Sofrimento, C.S. Lewis. God Forsaken, Dinesh D’Souza. f
Leituras sugeridas: A Verdade sobre o Cristianismo, Dinesh D’Souza. Our Hands are Stained with Blood, Dr. Michael L. Brown. g
Leitura sugerida: O Cristianismo é Bom para o Mundo: um debate, Christopher Hitchens e Douglas Wilson. h
Leituras sugeridas: Cristianismo Puro e Simples, C.S. Lewis. Pode o Homem viver sem Deus? Ravi Zacharias. Um Ateu Aarante, Deus existe, Antony Flew. The Case for a Creator, Lee Strobel. A Veracidade da Fé Cristã, William Lane Craig. Reasonable Faith, William Lane Craig. Não Tenho Fé para Ser um Ateu, Frank Turek e Norman L. Geisler. Por que a Ciência não Consegue Enterrar Deus, John C. Lennox. i
Leituras sugeridas: Darwin no Banco dos Réus, Phillip Johnson. A Caixa Preta de Darwin, Michael Behe. Não Tenho Fé Suficiente para Ser Ateu, Norman Geisler e Frank Turek. j
Leitura sugerida: ALlinguagem de Deus, Francis S. Collins.
k
Leitura sugerida: Life After Death, the Evidence, Dinesh D’Souza. Rumores de Outro Mundo, Philip Yancey. l
Leituras sugeridas: O Homem Eterno (parte 2, do homem chamado Cristo), G.K. Chesterton. O Jesus que Eu Nunca Conheci, Philip Yancey. Conheça Jesus, único, incomparável, maravilhoso, Norbert Lieth. A Verdade Sobre o Cristianismo, capítulo Jesus entre os outros deuses, Dinesh D’s Souza. Por que Jesus é Diferente - Pode o Homem Viver sem Deus? - Why Jesus?, Ravi Zacharias. Mais do que um Carpinteiro, Josh McDowell.
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