Café, livros e outras histórias

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Café, livros e outras Histórias

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lick! Click! O disparo da câmera fotográfica identificava que o encontro Lendo nas entrelinhas, realizado no Café Cultura da Praça XV, chegava ao fim. O grupo de leitores reconhecia o comportamento dos garçons quando o horário de fechamento se aproximava: primeiro avisavam que a cozinha ia fechar e se não gostariam de pedir mais alguma coisa, em seguida começavam a pendurar as cadeiras em cima das mesas, desligar o ar-condicionado, a secar e guardar talheres, até que o gerente se aproximava e decretava “já passamos do nosso horário de fechamento e vocês precisam se dirigir ao caixa para pagar a comanda.” Religiosamente, um leitor sempre retruca “ok, já estamos indo, mas você pode bater uma foto nossa antes?”. O grupo Leitores em Floripa começou em 2011, quando Mara Protta se aposentou e resolveu tentar realizar seu sonho: participar de um grupo de leitura. Como ela não encontrou nenhum, resolveu criar o seu próprio círculo no Skoob - uma rede social colaborativa para leitores, onde é possível adicionar amigos e livros lidos, marcar os que deseja ler, os que abandonou, criar grupos, manter contato com escritores, participar de sorteios e também trocar livros. “A minha intenção nunca foi de grandes organizações, mas sim de um grupo aberto para que muita gente pudesse ter contato com novos amigos e conhecer outras linhas de pensamento.” O objetivo inicial era trocar impressões sobre os livros lidos e tentar mar-


car encontros presenciais, mas em três anos de existência o grupo só conseguiu realizar uma reunião. Foi nesse momento que o caminho de Lourival Francisco se cruzou com o dos Leitores em Floripa. “Loro”, como é conhecido, também procurava pessoas com quem pudesse discutir sobre suas leituras e quisessem fazer visitas guiadas à biblioteca com 2.422 títulos que conserva em sua casa. Tentou emplacar a ideia com os amigos, mas ela não decolava. Foi quando resolveu procurar no Skoob se não existia um grupo formado por leitores de Floripa. “Eu tive uma alegria e uma tristeza. A alegria foi encontrar e a tristeza foi saber que em dois anos eles tinham feito três tentativas e só realizado um encontro. O grupo estava parado!” Ele percebeu que um dos possíveis problemas era a dificuldade da rede social em gerenciar os grupos. As mensagens, por exemplo, só podem ser enviadas a um participante por vez. No final do ano passado, Lourival procurou Mara Protta e falou sobre a possibilidade do grupo migrar para o Facebook, foi aí que o sonho de ambos aconteceu. Loro criou o Lei-

tores em Floripa, na rede social de Mark Zuckerberg, e deixou um recado em cada perfil do Skoob que marcasse a Ilha da Magia como cidade de residência. Como resultado o grupo aumentou de 60 integrantes para 230 e já foram realizados 30 encontros em lugares como o Perólas da Ilha Café, La Padá, Café Paris, General Lee e até na Gelateria Maxi, na Lagoa da Conceição. As reuniões ocorrem de forma democrática. Primeiro um leitor se responsabiliza em organizar o próximo encontro, em seguida uma enquete é criada para verificar qual o melhor dia e horário para acontecer. Definido isso, o próximo passo é criar um evento no Facebook e batizá-lo com algum nome que remeta a leituras - Lá dá pá lê, Café com livros, Livros com kibe, Livros com sushi, Café com romance, Pérolas e livros, Acordando com livros, entre outros. No Brasil, iniciativas como a parceria entre a Companhia das letras e a Peguin Books tem incentivado a criação de clubes de leitura por todo o país. Os encontros ocorrem uma vez por mês e tem a mediação de bibliotecários ou livreiros. No total, já são 41 clubes em


11 cidades com cerca de 12 participantes cada.O objetivo é aumentar a média de leitura do brasileiro - que é de apenas 4 livros por ano segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, e também fortalecer o mercado editorial. Nos Estados Unidos e Inglaterra, por exemplo, esses eventos têm contribuído para formação de um amplo público leitor: estima-se que cerca de 500 mil pessoas participem de clubes de leitura. Na internet é possível encontrar tutoriais para montar um clube do livro e perguntas que podem facilitar a dinâmica durante o encontro. Aliás, já existe uma rede social apenas para clubes de leitura, o clubedaleitura.pt. O site tem 85 grupos registrados e os temas variam entre literatura juvenil, poesia, viagens, passando por ficção, filosofia e até um grupo para discutir literatura erótica. A maior concentração de integrantes, no entanto, está no que discute literatura contemporânea. Mas o grupo organizado por Lourival e Mara não é um clube de Leitura onde dez ou mais pessoas leram a mesma obra e trocarão impressões sobre ela. No Leitores em Floripa o encontro é dividido em dois momentos: no primeiro, os integrantes chegam aos poucos e conversam sobre assuntos aleatórios e pedem o café, o chá, a cerveja, o salgado ou os doces; no segundo cada pessoa fala sobre o livro que está lendo, acabou de ler ou já leu há muito tempo e quer dividir a história com os amigos. Esse é o diferencial do grupo. Nele, é possível que um apaixonado por Nicholas Sparks se interesse por livros do Stephen King ou que fãs de romance policial sintam vontade de ler um livro de auto-ajuda, tudo depende da intensidade com que a história é narrada. Nos 30 encontros, já conversaram sobre mais de 100 obras entre clássicos como a Bíblia, Madame Bovary de Gustave Flaubert e o Som e a fúria de William Faulkiner; passando por livros sobre filosofia como Pássaro raro de Jostein Gaarder, Introdução ao pensamento filosófico de Karl Jaspes e Deus: um delírio de Richard Dawkins, e até livros de literatura catarinense


como O Velho e a Aldeia de Hamilton Alves, Torre de vigia de Glauco Rodrigues e Coincidência de Katia Rebello, que também é participante assídua do grupo. Grupo heterogêneo - A diversidade temática dos livros é reflexo do quanto o grupo Leitores em Floripa é formado por pessoas de diferentes áreas e profissões: aposentados, escritores, advogados, funcionários públicos estaduais e federais, professores, matemáticos, alunos do ensino médio, biólogos, livreiros e estudantes de jornalismo, medicina, direito, engenharia, relações internacionais e física. Paulo Roberto da Silva, por exemplo, é estudante da 6ª fase de medicina na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele conheceu o grupo, através de uma busca no Skoob e participou de dois encontros, sempre nas férias. Ele não consegue frequentar os cafés durante o período letivo devido a correria das aulas e provas. Em alguns dias, Paulo tem aula pela manhã no Hospital Infantil, na Agronômica, e a tarde no posto de saúde em Cachoeira de Bom Jesus, um bairro localizado no extremo norte da Ilha. “Não adiantaria eu ir às reuniões sendo que não consigo ler nenhum livro não técnico durante o semestre.” O estudante de medicina gosta de livros de fantasia, mas quase não tem lido obras com essa temática, ultimamente escolhe através das

críticas e dá preferência aos clássicos. Além disso, ele sofre do mal que assola os viciados em leitura: ansiedade por não conhecer diversos clássicos. “Acho uma falha nunca ter lido certos livros e, consequentemente, não ter opinião sobre o seu autor”. Para ele, participar dos encontros é uma experiência enriquecedora, pois conhecer o ponto de vista de outros leitores pode influenciar positivamente em seu ponto de vista. “Eu tento ir aos encontros pois as pessoas me parecem muito agradáveis de conversar”, destaca. A estudante de jornalismo Priscila Oliveira dos Anjos foi adicionada ao grupo do Facebook por uma amiga e assim que entrou já participou de um encontro no Café Del Sur. Na primeira vez, inclusive, quebrou o protocolo e levou dois livros: Precisamos falar sobre Kevin de Lionel Shriver e Lisístrata de Aristófanes. “As conversas são muito interessantes, e você sai do encontro sempre fascinado por alguma coisa que descobriu, ou por ter conhecido pessoas que adoram falar sobre livros.” Priscila gosta das obras que lhe surpreendem, independente do gênero, mas é apaixonada por romance policial, de Edgar Allan Poe a Nora Roberts. “Eu também gosto de livros que me fazem pensar sobre a vida e sobre as coisas que faço. Truman Capote faz isso comigo”. Já Ivan Biava conheceu o grupo através de


Lourival. Os dois frequentam o Círculo de leitura da Biblioteca da UFSC. Nesse grupo, da mesma forma como acontece no Leitores em Floripa, cada participante fala sobre um livro que está lendo, porém de forma muito mais breve e resumida, pois o encontro tem apenas duas horas de duração e boa parte dela é ocupada pela roda de bate-papo com um escritor convidado. O estudante de engenharia elétrica da UFSC já participou de cerca de dez encontros e levou obras de escritores como Schopenhauer, Stephen King e George Orwell. Além de participar de dois grupos literários juntos, Ivan e Lourival também se interessam por filosofia, e sentindo a necessidade de debater mais profundamente sobre as dúvidas que surgem durante as apresentações do livro, resolveram criar um segundo grupo: o Filosofando em Floripa. Nele, porém, é preciso ler com antecedência, gerar apontamentos e levar questões para serem debatidas durante os encontros, que acontecem na terceira quinta-feira do mês, na biblioteca da UFSC. Expansão - Embora traga Floripa no nome, o grupo não conta apenas com participantes da Ilha da Magia. Mas também de cidades como São José, Palhoça, Biguaçu e Blumenau. A maioria dessas pessoas não consegue aparecer nos encontros, portanto, foi criada mais uma ramificação: os Leitores em Biguaçu. A iniciativa foi de André José Meurer, ele não apenas organizou o primeiro encontro, como também conseguiu vale-compras da Livraria Catarinense para serem sorteados durante o evento. O grupo ainda está engatinhando e conta com 21 membros. Mas já desperta o interesse de Lourival em reunir mais pessoas pelo estado para discutir sobre literatura. “Sonho em um dia termos isso multiplicado aos milhares por toda Santa Catarina, Brasil e quem sabe no futuro um aplicativo que pudéssemos consultar: Onde tem uma roda de leitores mais próximo em tal dia e horário? Tanto aqui como em Angelina, Itapiranga ou Manaus?” Lourival enfatiza que os cinco coordenadores do Leitores em Floripa conseguiram cha-

mar a atenção de 230 pessoas para um único objetivo: conversar sobre livros. Mas os encontros não contam com a participação de todos os membros do grupo. Desse total, cerca de 50 frequentam os encontros ativamente, outros interagem apenas através da internet. Porém, a grande maioria ainda não conseguiu quebrar a barreira do primeiro encontro. É o caso de Bruno Batiston que faz parte do grupo há oito meses, e ainda não compareceu a nenhum café. Na época do ingresso, ele estava com a rotina muito apertada pelo final da faculdade e acabou não conseguindo tempo. Depois, ele estava tão acostumado a não ir, que acabou deixando de lado. “Uma outra coisa é que, pelo que vejo no grupo, o pessoal se reúne sempre para conversar sobre suas leituras e, nos últimos tempos, eu praticamente só tenho lido coisas que não são o que eu queria estar lendo. Eu ficava pensando no que ia falar quando chegasse lá.” Já Jéssica Trombini está no grupo há quatro meses e assim que conseguiu quebrar a barreira do primeiro encontro não parou mais de participar. Nesse período, ela compareceu a três cafés e também à festa de final de ano. O que Jéssica acha mais interessante nas reuniões é que a medida que os participantes vão contando as histórias de suas leituras, outros livros são lembrados e a experiência se torna ainda mais rica. Loro se inspirou no modelo de gestão de Bruno Packter do grupo de Filosofia Clínica para compor o Leitores em Floripa. Os encontros filosóficos acontecem a cada 15 dias na Livraria Catarinense e tem um formato um pouco mais fechado. O palestrante é sempre o mesmo, porém o debate é aberto ao público e todos os participantes podem falar e fazer perguntas. A inspiração veio exatamente dessa voz que é dada ao participante. “Quando digo que isso me motivou, é porque queria algo que todos pudessem falar como é no Leitores em Floripa”. Rosângela Menezes - 06.12.2013


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