FACULDADE TEOLÓGICA ÚTIL DO SABER – FATUS INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO RELIGIOSA JEANE KÁTIA DOS SANTOS SILVA IZAURA MORAES SANTOS
PSICOTERAPIA INFANTIL: UM SEGMENTO DA PSICANÁLISE
SERRA/ES 2008
JEANE KÁTIA DOS SANTOS SILVA IZAURA MORAES SANTOS
PSICOTERAPIA INFANTIL: UM SEGMENTO DA PSICANÁLISE Monografia apresentada à FATUS – Faculdade Teológica Útil do Saber – como requisito parcial para obtenção de grau no curso de pós-graduação em Psicanálise Clínica.
SERRA/ES 2008
JEANE KÁTIA DOS SANTOS SILVA IZAURA MORAES SANTOS
PSICOTERAPIA INFANTIL: UM SEGMENTO DA PSICANÁLISE
Monografia apresentada à FATUS – Faculdade Teológica Útil do Saber – como requisito parcial para obtenção de grau no curso de pós-graduação em Psicanálise Clínica.
ORIENTADOR ______________________________________ Álvaro Oliveira Lima, Psicanalista Clínico e Professor da FATUS
_____ nota
AVALIADORES
______________________________________ William Vicente Borges, Psicanalista Clínico e Professor da FATUS
_____ nota
______________________________________ Izanete Chácaras e Rochas, Psicanalista clínico e professora da FATUS
_____ nota
Serra/ES, 03 de julho de 2008
A
todos
aqueles
indiretamente,
que
direta
contribuĂram
realização de mais esse sonho.
para
ou a
Nossa
gratidão
à
professora
Izanete
Chácaras e Rocha e ao Professor William Vicente Borges, pelo incentivo e paciência ao indicar-nos o percurso. De igual forma, agradeço a todos os demais
professores
por
haverem
contribuído de forma significativa para a nossa formação profissional.
“NinguĂŠm deita remendo de pano novo em roupa velha; doutra sorte o mesmo remendo novo rompe o velho, e a rotura fica maiorâ€?. Jesus
RESUMO
O presente trabalho foi desenvolvido visando a disponibilização de um conjunto de informações, para subsidiar o profissional da Psicanálise no tratamento de crianças por meio da Psicoterapia Infantil e suas técnicas, sendo esta, um instrumento eficaz no tratamento de crianças prisioneiras de suas próprias incertezas, quando não se sentem desejadas por seus pais, ou quando não ocupam na vida destes a posição adequada de filhos que são. E, se não bastasse isso, também vítimas direta e/ou indiretamente da violência tão presente em nossos dias. Enfim, todo um conjunto de situações que acabam por resultar em crianças carentes de um acompanhamento psicoterapêutico. Palavras-chave: Informações, técnicas, instrumento, psicoterapia infantil, tratamento, crianças, vítimas, violência, carentes, acompanhamento psicoterapêutico.
ABSTRACT
The present work was developed aiming at the disponibilização of a set of information to subsidize the professional of the Psychoanalysis in the treatment of children by means of the Infantile Psycotherapy and its techniques, being this, an efficient instrument in the treatment of children prisoners of its proper uncertainties, when if they do not feel desired by its parents, or when they do not occupy in the life of these the adequate position of children who are. E, if was not enough to this, victims also direct and/or indirectly of the so present violence in our days. At last, all a set of situations that finish for resulting in devoid children of a psicoterapêutico accompaniment. Word-key: Information, techniques, instrument, infantile psycotherapy, treatment, children, victims, violence, devoid, psicoterapêutico accompaniment.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 11 1 PANORAMA HISTÓRICO DA PSICANÁLISE INFANTIL ................................... 11 2 O APARELHO PSÍQUICO .................................................................................... 13 2.1 O ID .................................................................................................................... 13 2.2 O EGO ................................................................................................................ 13 2.3 O SUPEREGO ................................................................................................... 15 2.3.1 O ideal do Ego ............................................................................................... 16 3 AS FASES DO DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO ..................................................... 17 3.1 FASE ORAL - 0 A 18 MESES ..................................................................................... 17 3.2 FASE ANAL – 18 MESES AOS 03 ANOS ................................................................ 18 3.3 FASE FÁLICA – 03 AOS 06 ANOS ........................................................................... 18 3.3.1 Características da fase fálica ................................................................................ 19 3.3.2 Problemas associados à fase fálica ..................................................................... 19 3.4 FASE DA LATÊNCIA – 06 AOS 12 ANOS ................................................................. 20 3.4.1 Sexualidade Infantil ................................................................................................ 21 3.4.1.1 Teoria da repressão ............................................................................................... 21 3.4.1.2 O desenvolvimento Libinal segundo Anna Freud ......................................... 22 3.5 FASE GENITAL – A PARTIR DOS 12 ANOS ........................................................... 22 4 O PENSAMENTO WINNICOTTIANO ........................................................................... 24 5 NEUROSE INFANTIL ................................................................................................... 27 5.1 AVALIAÇÃO DAS NEUROSES INFANTIS, SEGUNDO ANNA FREUD ............ 27 5.2 A CRIANÇA E SEU LUGAR EQUIVOCADO NO SEIO FAMILIAR .................... 28 5.2.1 Prazer no desprazer e a necessidade da intervenção paterna ................. 28 5.2.2 O sintoma da criança como revelador da estrutura familiar ..................... 28 5.3
A
IMPORTÂNCIA
DA
PARTICIPAÇÃO
DOS
PAIS
NO
PROCESSO
TERAPÊUTICO DA CRIANÇA ........................................................................ 29 6
LUDOTERAPIA: O JOGO E O BRINCAR NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA COM A CRIANÇA ..................................................................................................... 31
6.1 HISTÓRICO DA LUDOTERAPIA ....................................................................... 31
6.2 A IMPORTÂNCIA DA LUDOTERAPIA NO TRATAMENTO DE CRIANÇAS VÍTIMAS DA VIOLÊNCIA ......................................................................................... 32 6.3 A CRIANÇA E O BRINCAR SEGUNDO VERA BARROS DE OLIVEIRA .......... 33 6.3.1 O brincar do bebê com o próprio corpo ...................................................... 34 6.3.2 A brincadeira simbólica ................................................................................ 34 6.3.2.1 A agressividade manifesta no brincar .......................................................... 35 6.3.3 O jogo de regras ............................................................................................ 37 6.4 O JOGO E O BRINCAR SEGUNDO MELANIE KLEIN ...................................... 37 6.5 O JOGO E O BRINCAR SEGUNDO WINNICOTT ............................................. 38 6.5.1 O Jogo dos Rabiscos de Winnicott ............................................................. 39 6.6 DECIFRANDO A CRIANÇA POR MEIO DOS DESENHOS INFANTIS ............. 40 DECIFRANDO A CRIANÇA POR MEIO DOS SONHOS INFANTIS ...................... 44 8
DIFERENÇAS
DO
TRATAMENTO ANALÍTICO
(ADULTO
/
CRIANÇA),
SEGUNDO ANA FREUD .....................................................................................46 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 48 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 49
INTRODUÇÃO
Nos dias atuais, a violência marginal, doméstica e a decorrente do trânsito tem sido cada vez mais constante nas manchetes de jornais. E, o resultado disso é um número cada vez mais crescente de famílias desfilhadas, angustiadas e desestruturadas. No meio de tudo isso, a criança se torna vítima direta ou indiretamente dessa violência, seja por que, perdeu entes queridos e próximos, seja por que ela mesma foi vítima por meio de abusos psicológicos, físicos e/ou sexuais, numa grande maioria das vezes, provocados por seus familiares mais próximos. É fato, porém, que estas crianças não são vítimas apenas desse tipo de violência. Muitas são as crianças que se sentem indesejadas por não terem sido planejadas por seus pais; e, ainda, há o problema da ausência dos pais em razão de seus trabalhos que os mantém muito tempo longe de suas casas e de seus filhos, os quais, acabam sendo criados em creches, ou por avós ou babás, resultando em famílias totalmente desestruturadas, tendo seus filhos como principais vítimas de toda essa falta de estrutura: pais alcoólatras, ausentes, desempregados, etc. O objetivo desse trabalho é demonstrar a importância do tratamento psicoterapêutico infantil. Um trabalho sério que envolve não apenas a criança, mas também, os pais destas, e isso, quando ainda os têm. Esse trabalho é relevante por que, visa dar subsídios ao pós-graduando em psicanálise, para um efetivo trabalho a ser desenvolvido no tratamento de crianças, por meio de técnicas adequadas, dentre elas, a ludoterapia, como a mais importante das ferramentas nesse tipo de tratamento.
1 PANORAMA HISTÓRICO DA PSICANÁLISE INFANTIL
Freud proporcionou modificações às noções já existentes acerca da criança e da infância e, em 1933, retomou a discussão sobre a extensão do campo teórico e clínico da psicanálise para a prática analítica com as crianças, época em que, Anna Freud , Melanie Klein e Sophie Morgentern, já haviam publicado seus primeiros 1
trabalhos sobre o tema, partindo do caminho por ele aberto, embora, resultando em teorias diversas e até mesmo opostas em relação à posição da criança como sujeito inconsciente. A primeira análise realizada com uma criança foi a do Pequeno Hans (Sigmund 2
Freud, em 1909) e teve grande importância por demonstrar que os métodos psicanalíticos podiam ser aplicados também às crianças. Naquela ocasião, Freud já mencionava que a criança é psicologicamente diferente do adulto, não possuindo ainda um Superego estruturado. Para ele, as resistências internas que combatemos no adulto ficam substituídas na criança por dificuldades externas. Mas, o interesse pela psicoterapia infantil só iria surgir, efetivamente, com os pós-freudianos.
1 Anna Freud deu continuidade às Idéias do pai e, representava a ortodoxia. 2 Um menino de cinco anos de Idade.
2 O APARELHO PSÍQUICO
Freud denominou de aparelho psíquico, a atividade psíquica. E, segundo ele, este aparelho é composto de três partes: Id, Ego e Superego. Trata-se de um conjunto de elementos que estão em constante relacionamento entre si , mas que interferem uns nos outros. Do id nos vem a matéria-prima, a 3
substância vital, o conteúdo instintivo; do ego o controle e, do Superego o 4
corretivo das ações motivadas pelos dois primeiros.
2.1 O ID Segundo o dicionário Aurélio, o Id é “a parte mais profunda da psiquê, o receptáculo dos impulsos instintivos, dominado pelo princípio do prazer e pelo desejo impulsivo” e, tem como função descarregar as tensões biológicas. É a parte mais primitiva da personalidade e, funciona como reserva inconsciente dos desejos e impulsos, tais como: comer, eliminar resíduos, obter prazer, etc, além dos impulsos sexuais e agressivos. 2.2 O EGO
5
Segundo o dicionário Aurélio, o “Ego é a parte mais superficial do Id, a qual, 6
modificada, por influência direta do mundo exterior, por meio dos sentidos, e, em 3
O poder do Id expressa o verdadeiro propósito da vida do organismo do indivíduo. Isto consiste na satisfação de suas necessidades inatas. Nenhum intuito tal como o de manter-se vivo ou de proteger-se dos perigos por meio da ansiedade pode ser atribuído ao Id. Essa é a tarefa do Ego, cuja missão é também descobrir o método mais favorável e menos perigoso de obter a satisfação, levando em conta o mundo externo. O Superego pode colocar novas necessidades em evidência, mas sua função principal permanece sendo a limitação das satisfações.
4 Não é possível indicar o ponto exato onde o Id acaba e o Ego começa ou onde termina o Ego e inicia o Superego. 5 O SELF E O Ego (WINNICOTT X FREUD) - Somente a partir de 1923, Freud concebeu ao vocábulo Ego um sentido próprio, ao lado dos termos Id e Superego (para serem assim utilizados como facilitadores do seu viés teórico). E, em outros momentos, como no trabalho "A dissociação do self no processo de defesa", ele utilizou este último termo. Winnicott divulgou o uso preferencial do termo self e, escreveu muito sobre o assunto, mas por vezes usa o termo Ego. Intimamente ligada à constituição do self, a teoria do desenvolvimento constitui uma contribuição original de Winnicott. Segundo ele, é o ambiente o responsável, em grande parte, pelo surgimento e vicissitudes do self. A teoria e a clínica winnicottianas conferem um peso muito maior ao fator ambiente do que os psicanalistas clássicos (EDITORA MEDITODISTA, REVISTA PSICO).
6
O Ego deve a sua origem, bem como as suas características adquiridas mais importantes, aos seus contatos com a realidade, com o mundo externo. Daí os estados patológicos do Ego — nos quais se reaproxima do Id — resultarem da cessação ou afrouxamento com o mundo externo (...). O Ego pode tornar-se o seu próprio objeto, dispensando a si mesmo o tratamento que dispensaria aos demais... (KARL WEISSMANN).
conseqüência, tornada consciente, tem por funções a comprovação da realidade e a aceitação, mediante seleção e controle, de parte dos desejos e exigências procedentes dos impulsos que emanam do Id”. ... o Ego saiu do id. É um Id diferenciado. É a sua parte organizada (civilizada). É a sua fachada;... (a ele) compete a tarefa da autopreservaçâo. Em relação aos fatores externos, o Ego cumpre essa função registrando, reagindo aos estímulos que lhe vem de fora, acumulando experiência em relação aos mesmos [pela memória], evitando excessos de estímulos [pela fuga], lidando com os estímulos moderadamente [via adaptação], e, finalmente, operando mudanças apropriadas no mundo externo em seu benefício [via atividade] (WEISSMANN, 1976) . 7
Karl Weissmann esclarece em seu livro “Biblioteca de Perguntas e Respostas – 2. Psicanálise”, que tornar o Ego mais forte e mais independente do Superego é a meta por excelência de todo tratamento psicanalitico. E, ainda acerca do Ego, diz: ...sua função consiste no controle sobre as exigências instintivas do Id, quer permitindo a sua satisfação, quer postergando e determinando-lhe a época e as circunstâncias favoráveis ao meio ambiente, quer suprimindo as excitações completamente (...). [KARL WEISSMANN, 1976] . 8
Weissmann alega que a transformação de autonomia primária em autonomia secundária se processa em parte através da capacidade do Ego, largamente inata, de postergação da descarga. E, fazendo citação a Freud, diz que o Ego não é impulsionado apenas pelas forças do Id; explicando que Freud admitia que o Ego era também alimentado por outras forças, além das instintivas. E que, segundo ele, todos os conceitos de Ego e de Id relacionam-se aos pais e à nossa longa infância, eroticamente fixada aos mesmos, gerando as complicações do complexo de Édipo. E, diz que da identificação, mais ou menos problematizada, com os progenitores e com as figuras que são representantes da série materna e paterna, resulta a formação do Ideal do Ego, também chamado Superego. E, alega que das perturbações sofridas nesse processo resultam as notórias crises de identidade, bem como os fenômenos de múltipla personalidade, e complicações de outra ordem. Segundo Weissmann, “enquanto o Ego e o Id cumprirem os requisitos das suas relações recíprocas não haverá distúrbios neuróticos” . 9
“Para poder haver um desenvolvimento normal do Ego, as pessoas introjetadas no período de formação, devem ser despersonalizadas”, acentua Freud. E 7 WEISSMANN, Karl. Biblioteca de Perguntas e Respostas – 2. Psicanálise. Ed. Cultura 8 Idem, 1976. 9 Idem, 1976.
médica: RJ, 1976.
acrescenta: "e é precisamente isso que não ocorre com as pessoas neuróticas", que, por assim dizer, preservam as pessoas de suas introjeções e identificações dentro de si . 10
Freud compara o Ego, entre outras coisas, à razão, assim como o Id à paixão. Contudo, a inteligência é apenas um dos aspetos do Ego, assim como a lógica. A ordem evolutiva do Ego se processa, segundo Freud, em termos de gradativa transformação de Id em Ego. E, define a adaptação evolutiva do Ego como "um protótipo ideal daquele estado para o qual tendem todos os esforços conciliatórios (não unicamente do Ego, senão também os do Id e do Superego) e que constituem todas as suas múltiplas obediências".
2.3 SUPEREGO
À medida que vai se desenvolvendo, a criança se vê diante de certas demandas do meio que persistem sob forma de normas e regras estabelecidas. Estas regras e normas pertencentes ao mundo externo acabam por se incorporar em sua estrutura psíquica, constituindo assim seu Superego, representando uma espécie de resposta automática do “certo” e do “errado”, que surge na pessoa diante das várias situações, nas quais deve tomar uma decisão. O Superego se equacionou ao medo dos pais incorporado à consciência inconsciente do indivíduo. A mais ou menos temida autoridade parental que era externa e passou a ser interna, transformada na voz interior que repete monotonamente os velhos mandamentos familiares. Dessa forma, o Superego trata-se de uma representação internalizada dos valores e costumes da sociedade. Mas, para que haja um bom equilíbrio, surge a necessidade da existência de um Ego fortalecido, de um Superego moderado e do conhecimento da natureza e dos impulsos do Id.
10 Daí as suas "indigestões" psíquicas, as suas perturbações égicas, com as suas crises e cisões patológicas. Não é de estranhar que, em tais casos, o Ideal de Ego não resulta na formação daquiIo que se poderia considerar um Ego Ideal (KARL WEISSMANN).
2.3.1 O Ideal do Ego
Segundo Karl Weissman, o Ideal de Ego foi rebatizado com o nome de Superego, mas a denominação original não foi descartada. Passando a designar mais o aspecto positivo de nossa consciência moral, ou seja, os nossos ideais conscientes, os modelos que inspiraram as nossas melhores esperanças — como acentua Ernest Jones; enquanto por Superego se entendia mais os aspetos negativos: a função de criticar, advertir, punir, etc.
3 AS FASES DO DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO 3.1 FASE ORAL – 0 A 18 MESES Este é o estágio mais primitivo do desenvolvimento. As necessidades, percepções e modos de expressão do bebê estão originalmente concentrados na boca, lábios, língua e outros orgãos relacionados com a zona oral. (...) As necessidades libidinais (erotismo oral) são consideradas predominantemente nos primeiros estágios da fase oral; mais tarde mesclamse com componentes agressivos (sadismo oral). A agressão oral pode manifestar-se na ação de morder, mastigar, cuspir ou chorar. Está vinculada aos desejos e fantasias primitivos de morder, devorar e destruir próprios (KAPLAN & SADOCK ) . 11
Nessa fase o bebê é egocêntrico e narcisista e, a noção que tem de sua mãe, é dela com sendo uma extensão sua - a isso denominado de dependência primária. Vale dizer, que o parto, é para a criança o seu primeiro trauma, visto sair do conforto uterino para um mundo totalmente novo e desconhecido. Um segundo trauma ocorre por ocasião do desmame, momento em que a partir de então o bebê passa a experimentar a cisão do seio bom e do seio mau e, começa a ter a noção de si mesmo como um ser distinto da mãe. O seio bom é experimentado pela criança, como sendo a mãe que se faz presente e, o seio mau como sendo a mãe que se encontra ausente, ou ainda que presente, não esteja disponível para dar-lhe a devida atenção. E, em virtude dessa indisponibilidade, a criança pode passar a experimentar sentimentos de rejeição e até a apresentar sintomas de neurose de abandono. O excesso de gratificação ou privação oral pode resultar em fixações libidinais, que contribuem para a formação de traços patológicos. Esses traços podem incluir otimismo excessivo, narcisismo, pessimismo (visto com freqüência nos estados depressivos) e o hábito de reclamar. Porém, uma boa resolução da fase oral proporciona uma base para a estruturação do caráter e, para a capacidade de dar e receber sem dependência excessiva ou inveja; e, ainda uma capacidade de confiar no outro.
11 Kaplan & Sadock – Compêndio de Psiquiatria dinâmica. Ed. Artes Médicas.
3.2 FASE ANAL - 18 MESES A 03 ANOS Essa fase que envolve o ato de reter e soltar as fezes é de acordo com Freud, o segundo estágio do desenvolvimento psíquico e, visto que já se tem a maturação do controle neuromuscular, dará à criança as primeiras noções acerca de limites. Este período... é acentuado por visível intensificação de impulsos agressivos mesclados a componentes individuais em impulsos sádicos. A obtenção do controle voluntário do esfíncter está associado com crescente mudança da passividade para a atividade. Os conflitos a respeito do controle anal e a luta sobre a retenção ou expulsão das fezes no treinamento de toalete despertam crescente ambivalência, ao lado de um conflito sobre a separação, a individuação e a independência. O erotismo anal refere-se ao prazer sexual no funcionamento anal, tanto na retenção das fezes como apresentando-as como um presente aos pais. O sadismo anal refere-se a manifestações de desejos agressivos ligados à descarga das fezes como armas poderosas e destrutivas. Esses desejos são muitas vezes manifestados nas fantasias das crianças, de bombardeio e explosões. O período anal é essencialmente um período de esforços por independência e separação da dependência e do controle dos pais. O objetivo do controle de esfíncter, sem controle excessivo (retenção fecal) ou perda de controle (sujando-se), está unido às tentativas de autonomia e independência da criança sem medo ou vergonha da perda de controle (KAPLAN & SADOCK) . 12
Nela, se a criança não tem certeza de ser amada, passa a confrontar os pais como forma de testá-los em sua coerência no que tange à autoridade destes e, como já foi dito, isso se da em razão dessa incerteza de ser amada. Uma má resolução dessa fase, em que as defesas contra os traços anais não foram eficazes, pode ocasionar traços patológicos, como: elevada ambivalência, desordem, desafio, cólera e tendências sado-masoquistas. E, além disso, as características e defesas anais são vistas mais comumente nas neuroses obsessivocompulsivas, em razão de uma fixação nesta fase. Por outro lado, uma boa resolução da fase anal proporciona a base para o desenvolvimento da autonomia pessoal, capacidade de independência e iniciativa pessoal, capacidade de auto determinação e capacidade de cooperação sem excessiva teimosia nem sentimento de depreciação própria ou derrota, ou seja, possibilita um pessoa mais centrada. 3.3 FASE FÁLICA – 03 A 06 ANOS DE IDADE
12 Kaplan & Sadock – Compêndio de Psiquiatria dinâmica. Ed. Artes Médicas.
Essa fase corresponde à unificação das pulsões parciais sob a primazia dos órgãos genitais, sendo uma organização da sexualidade muito próxima àquela do adulto (fase genital), porém, nessa fase, diferentemente da fase genital, ainda não há a noção de uma genitália feminina.
3.3.1 Características da fase fálica
Nessa fase as meninas ainda não conseguem fazer distinção entre a vagina e o clitóris, gerando uma enorme dificuldade de identificação, isso por que, elas não têm a vantagem da “mangueirinha do irmãozinho” e, em razão disso, muitas meninas, principalmente na puberdade, passam a ter complexos de inferioridade, motivando nelas, a inveja do pênis e, nos meninos, o medo da castração. É uma fase em que a criança torna-se cônscia de si mesma e de sua genitália e, por conseqüência disso, ocorrem as primeiras manifestações de masturbação e exibicionismo; de forma que, para o menino, o pênis se torna como uma espécie de muleta psíquica. “A fase fálica está associada com um incremento da masturbação genital acompanhado de fantasias predominantemente inconscientes de envolvimento sexual com o genitor do sexo oposto” , caracterizando assim, o complexo de édipo , 13
14
que tem nesta fase, seu ápice e declínio. Uma outra característica dessa fase é o fato de que as reações interpessoais da criança passam a caracterizar-se pela seleção de um objeto sexual.
3.3.2 - Problemas associados à fase fálica: A derivação de traços patológicos do envolvimento fálico-edípico é tão complexa e está sujeita a tal variedade de modificações que abrange quase
13 Kaplan & Sadock – Compêndio de Psiquiatria dinâmica. Ed. Artes Médicas. 14 O complexo de Édipo se deve ao tabu do incesto e à ignorância acerca de sua repressão subsequente” (...) e
“costuma ser o mais fortemente responsável pelos dissídios no matrimónio e incompatibilidades nas relações conjugais e problemas conexos, como prostituição, limitação de prole, etc., à base da notória discrepância que gera, entre os motivos conscientes e inconscientes, na eleição conjugal. A experiência analítica tem mostrado quão dificilmente uma mulher com forte fixação paterna consegue a felicidade no casamento, como por sua vez, um homem fixado eroticamente na pessoa materna. Não é, por certo, muito lisonjeiro à vaidade feminina, e nem tão pouco à masculina, o ensinamento segundo o qual os sentimentos do homem para com a mulher, responsáveis pela sua escolha matrimonial ou pelas ligações extraconjugais, são, independentemente de um complexo de Édipo em grau patológico, sempre influenciados por sua ligação remota com a mãe”. (...) Com as devidas restrições, podemos concordar com o ponto de vista de Maxwell Gitelson, para quem o complexo de Édipo (desde que não atinja um nivel muito patológico) não constitui unicamente a causa nuclear das neuroses, mas também base para a formação de um caráter normal e de uma maturação sadia”. (KARL WEISSMANN, 1976).
todo o desenvolvimento neurótico. Os problemas, no entanto, centram-se na castração nos homens, e na inveja do pênis, nas mulheres. Outro importante foco de distorções evolutivas nesse período deriva-se dos padrões de identificação desenvolvidos sem a resolução do complexo de Édipo. A influência da ansiedade de castração e a inveja do pênis, as defesas contra ambas, e os padrões de identificação que surgem na fase fálica são os determinantes primários do caráter humano. Também incluem e integram os resíduos de estágios psicossexuais anteriores, de modo que as fixações ou conflitos derivados de quaisquer estágios precedentes podem contaminar e modificar a resolução edípica (KAPLAN & SADOCK ) . 15
E, além disso, podem ocorrer também os seguintes problemas: complexos de inferioridade, narcisismo, vaidade, hipersensibilidade e a masculinização das meninas (lesbianismo e inveja do pênis). Contudo, uma boa resolução dessa fase proporciona os fundamentos para a formação de um senso de identidade sexual, dotada de uma curiosidade sem culpa e embaraço e, de um sentimento de domínio sobre os processos internos e os impulsos. Por sua vez, a resolução do conflito edípico no final do período fálico desperta poderosos recursos internos para a regulação dos impulsos e sua orientação para fins construtivos. Essa fonte interna de regulação é o Superego, que se embasa nas identificações originalmente derivadas das figuras parentais. 3.4 FASE DA LATÊNCIA – 6 A 12 ANOS DE IDADE Nesta fase, a criança começa a descobrir suas funções intelectuais, e devido a essa nova descoberta sua atenção se vê desviada de seus instintos sexuais. Uma fase, que vai da resolução da fase edípica até a puberdade, em que “a sexualidade parece como que adormecida, sem sensíveis progressos. Todavia, os processos dos “delitos sexuais infantis permanecem arquivados durante esse período” . 16
Ao final do período edípico, ocorre a instituição do Superego e a posterior maturação das funções do Ego, os quais, têm por função, um considerável controle dos impulsos instintuais. O perigo no período de latência pode surgir da falta ou excesso de controles internos. A falta de controle pode levar ao fracasso da criança na sublimação de suas energias no interesse da aprendizagem e do desenvolvimento de habilidades. O excesso pode levar ao fechamento prematuro do desenvolvimento da personalidade e à precoce elaboração de traços de caráter obsessivos (KAPLAN & SADOCK) . 17
15 Kaplan & Sadock – Compêndio de Psiquiatria dinâmica. Ed. Artes Médicas. 16 WEISSMANN, Karl. Biblioteca de Perguntas e Respostas – 2. Psicanálise. Ed. Cultura 17 Kaplan & Sadock – Compêndio de Psiquiatria dinâmica. Ed. Artes Médicas.
médica: RJ, 1976.
3.4.1 – Sexualidade Infantil O reconhecimento das teorias psicanalíticas implica na aceitação do importante papel da sexualidade em geral e da sexualidade infantil — em sua conotação com a teoria da repressão, que é a pedra fundamental da doutrina de Freud — em particular (KARL WEISSMANN, 1976) . 18
Weissmann esclarece que a sexualidade infantil tem por característica um caráter narcísico e, auto-erótico, haja vista o instinto sexual ainda não possuir um objeto. Quando se fala em sexualidade infantil, deve-se ter em mente o fato de que aos órgãos genitais femininos nenhum papel é atribuído, assim, toda a questão gira em torno do sentimento de ter ou não ter uma “mangueirinha”. Weissmann, esclarece ainda, que a sexualidade humana, ao invés de seguir o seu curso progressivo até o pleno desenvolvimento, sofre aos 05 anos de idade uma abrupta interrupção, seguindo-se, a partir de então, um período de relativa calma, por ele denominado como período de latência, o qual, irá durar até a puberdade. E, prossegue dizendo que é essa sexualidade infantil, e não, a sexualidade madura e adulta, que é suscetível de sublimação , ou seja, a sexualidade pré-genital 19
(oral, anal e fálica-uretral). 3.4.1.1 Teoria da repressão Nas palavras de Freud, “por repressão entende-se essencialmente a função de rejeitar e manter algo fora do campo da consciência”. Desnecessário dizer que esse algo é quase sempre um impulso sexual, que o ego infantil, cedendo à pressão do meio, é obrigado a reprimir... É ponto pacífico que sem sexualidade infantil não existiria repressão e, sem a repressão não existiriam as neuroses. Lidar com neuroses é lidar essencialmente com a sexualidade infantil ou, mais precisamente, com fantasias sexuais infantis inconscientes,... (KARL WEISSMANN, 1976) . 20
Weissmann prossegue dizendo que “nas neuroses de adultos não nos deparamos necessariamente
com
as
repressões
primitivas,
senão
com
as
repressões
subseqüentes”. E, aponta como causa das neuroses humanas a longa infância e a fixação erótica aos progenitores do sexo oposto. 18 Idem, 1976. 19 Sublimação
é a transformação de energias psíquicas infantis em produtos socialmente aprovados e culturalmente aproveitáveis. A formação reativa segundo Weissmann, percorrre o caminho inverso da sublimação, pois, ao invés de canalizar as forças instintivas para vias socialmente aprovadas ou aceitáveis, a pessoa se limita a levantar barreiras contra elas. Um exemplo de formação reativa é o caso do exibicionismo sexual, em que o indivíduo ao invés de aspirar a um posto de destaque físico ou intelectual, torna-se reativamente modesto e acanhado.
20 Idem, 1976.
3.4.1.2 O desenvolvimento Libinal, segundo Anna Freud
De acordo com Anna Freud, é possível, mesmo por um exame superficial, estabelecer se uma criança se encontra adequadamente dentro do quadro de sua idade, no seu desenvolvimento libinal e, para isso, ela chama a atenção para as fantasias que acompanham as atividades masturbatórias da criança, embora, na prática, ela admita ser de pouca valia para a formulação do diagnóstico. Segundo ela, estas fantasias são sempre escamoteadas, muito freqüentemente inconscientes, e apenas se mostram no transcurso de uma análise, não no transcurso de uma consulta. Para Anna, a anormalidade libinal de uma criança é, além do mais, julgada de acordo com o que acontece com cada um dos instintos componentes. As suas manifestações não são visíveis no mesmo grau em todas as crianças; nem a criança, individualmente considerada, nos indica quadros igualmente claros quanto a todas as diversas tendências libinais. E, explica que geralmente, alguns do instintos componentes acham-se claramente em evidencia, enquanto que outros permanecem apagados e na sombra. E, que em relação a algumas crianças poderíamos acreditar que a crueldade ou o exibicionismo ou a perversidade não desempenharam qualquer papel em suas vidas; enquanto que com outras, essas pulsões são inequívocas e outros instintos somente se deixam perceber através de uma observação mais atenta. 3.5 FASE GENITAL – A PARTIR DOS 12 ANOS A fase genital é o estágio final do desenvolvimento libidinal instintual. É uma 11 fase que se estende do começo da puberdade atéFig.que o adolescente atinja a idade
adulta. Nela, ocorre o despertar da sexualidade que se manteve adormecida na fase de latência, porém, fixações e regressões podem estancar o desenvolvimento libidinal e interferir na primazia genital e no funcionamento genital adequado na vida adulta.
Para Freud a puberdade significa a época em que a zona genital consegue se tornar capaz de realizar suas atividades, tornando possível a realização completa do ato sexual. Assim, se esta evolução sexual é normal no indivíduo, os prazeres sexuais mais intensos serão experimentados com satisfação na zona genital. Ao contrário do que se possa pensar, para Freud, a puberdade não é o momento em que nasce o instinto sexual, e sim, o momento em que tal instinto adquire sua forma definitiva, tornando-se maduro e adulto. Na fase genital, o indivíduo está sujeito a ser condenado ou não a uma neurose, psicose ou perversão. Mas, caso haja uma boa resolução dessa fase, o indivíduo irá desenvolver uma personalidade totalmente madura com capacidade para uma plena e gratificante potência genital e um senso de identidade consistente.
4 O PENSAMENTO WINNICOTTIANO
Embora a obra de D. Winnicott seja uma continuação das obras de seus mestres (Freud e Melanie Klein), o fato é que ele rejeitou a metapsicologia
21
freudiana. Nota-se, que ele preservava a tradição de uma maneira um tanto curiosa, isso por que, em grande parte, ele a distorce; vindo a desenvolver idéias muito pessoais sobre a natureza humana. Na clínica winnicottiana, as questões de relacionamento do bebê com seus cuidadores, foi enfatizada pelo autor não sob o ponto de vista de vicissitudes pulsionais, mas em conceitos como os de dependência absoluta, dependência relativa e independência, conforme são observados em diversos trabalhos e teóricoclínicos. Segundo ele, o bebê cria o que lá está para ser criado, significando criar não só a sua mãe, mas também a situação psíquica transgeracional encontrada por ele no momento de seu nascimento. E, pode encontrar três diferentes situações no início de sua vida: missão, enigma e questão. Procura-se descrever as conseqüências para a constituição do self em cada uma dessas situações. Winnicott trouxe idéias, derivadas principalmente de sua vivência clínica e, privilegiou o modelo de cuidado materno, transpondo-o para o setting clínico, visto como o lugar que propicia o desenvolvimento, no qual cada um está sendo criado e descoberto pelo outro, é uma experiência de mutualidade. Ele dirigiu sua atenção à pacientes que tiveram falhas ambientais precoces, preocupando-se em auxiliar na busca e no encontro do self verdadeiro. Winnicott em suas pesquisas, chegou à conclusão de que “é impossível falar do indivíduo sem falar da mãe, por que, usando os termos da fase madura da sua teorização, a mãe é um objeto subjetivo [...] e, portanto, seu comportamento faz realmente parte do bebê”; e, concluiu ainda, que o relacionamento inicial da mãebebê não é uma relação dual-externa (não-mental) e, o descreve da seguinte maneira: 21 Especulação de caráter filosófico sobre a origem, estrutura e função do espírito, bem como sobre as relações entre o espírito e a realidade.
“Qualquer tentativa de descrever o complexo de Édipo em termos de duas pessoas está fadada ao fracasso. No entanto, os relacionamentos do tipo dois corpos realmente existem, e pertencem aos estágios relativamente mais primitivos da história do indivíduo. O relacionamento original do tipo dois corpos é o que acontece entre o bebê e a mãe ou o substituto da mãe, antes que qualquer propriedade da mãe tenha sido identificada e transformada na idéia de um pai”.
No início, o pai pode ou não ser uma mãe substituta. Se ele o é, sua presença é de alguém dotado de propriedades e funções iguais as da mãe, ou seja, tudo o que a mãe representa, o pai, enquanto substituto da mãe, passa a representar. Mas, chegará o momento em que o pai passará a ser visto num papel diferente da mãe. E, é aí que o indivíduo passa a se tornar uma nova unidade, a partir de um novo modelo de identificação. Não havendo a presença paterna esse processo irá acontecer, porém, de um modo mais lento e mais trabalhoso, ou então utilizará um outro relacionamento suficientemente estável. Para ele, o relacionamento mãe-bebê, na qual, a comunicação é não-verbal, transformou-se num paradigma do processo analítico e, há quem defenda que isso mudou a função da interpretação no tratamento psicanalítico. Guiado por tal paradigma, Winnicott foi conduzido a novas questões e, por conseqüências a novos resultados. Questões do tipo: (1) “do que precisamos para nos sentirmos vivos ou reais?” (2) “de onde vem o sentimento, quando o temos, de que nossas vidas valem a pena?”. A fim de responder a tais questões, Winnicott as abordou, vinculando a observação de mães e bebês aos insights derivados das sessões psicanalíticas e, além disso, ele enriqueceu a psicanálise com novos insights fundamentais, que, porém, se mostraram incompatíveis com os de Freud, isso por que, ele raramente os remetia ao lugar erótico da vida adulta. Para Winnicott, o ponto crucial da psicanálise era a vulnerabilidade inicial do bebê dependente, dentro da relação dual com a mãe, e não, o complexo de édipo como defendido por Freud. Ele concluiu que as perturbações que pertenciam ao suposto campo de aplicação do paradigma edípico, simplesmente não se encaixavam nele; concluiu ainda que, o paradigma edípico não estava inteiramente errado, mas que não era suficiente. Enquanto Freud estava interessado na luta dos adultos com desejos incompatíveis e inaceitáveis, que colocariam em risco suas possibilidades de satisfação, Winnicott, partindo do relacionamento caracterizado pela dependência
(quase) total, tratava essas possibilidades como parte de um problema mais amplo das possiblidades do indivíduo ter autenticidade pessoal, que ele viria a chamar de “sentir-se
real”.
Trabalhando
dessa
maneira,
Winnicott
desconsiderou
a
metapsicologia de Freud, vindo a desenvolver, durante a década de 40, uma teoria do desenvolvimento que seria um poderoso rival para as teorias tanto de Freud quanto de Melanie Klein. Pareceu-lhe claro que a psicologia da criança e do bebê recém-nascido fosse algo bem mais complexo, em razão de sua estrutura mental também complexa. Em sua tentativa de ter um paradigma que o guiasse chegou a considerar a idéia de que bebês emocionalmente doentes, precisavam ser reconciliados de algum modo com a teoria edípica, enquanto ponto de origem dos conflitos individuais, mas, acabou por rejeitar tal idéia. Tendo conhecido Melanie Klein que também estava tentando aplicar a psicanálise à crianças pequenas, Winnicott de pioneiro, veio a se tornar aluno desta professora pioneira, mas concluiu que a psicologia do bebê recém-nascido por ele buscada não poderia ser do tipo kleniano; entre outras coisas, Winnicott discordava da idéia dos distúrbios precoces serem tratados por Melanie Klem como sendo problemas mentais internos, e não, como problemas do relacionamento entre o bebê e a mãe. Na sua busca por um paradigma chegou a analisar outros estudiosos da área, contudo, não se deu por satisfeito.
5 NEUROSE INFANTIL É de fácil constatação a neurose de abandono numa criança quando seu pai ou mãe se afasta por alguns instantes. O desespero que esta demonstra parece nos dizer o quanto tem medo de que venha a ser abandonada por estes. Pergunta-se: estaria isso ligado a incerteza de não ser amada”? Um outro fator que poderíamos considerar seria se esta criança é filha de pais, que por razões variadas, acabam se tornando muito ausentes. E, ainda deve ser considerado o próprio trauma do nascimento, ocasião em que se deu a expulsão do útero, que num parto não tão tranqüilo seria mais agravado talvez ocasionando essa neurose de abandono. Muitas são as possibilidades, mas é fato a evidência dessa neurose em muitas crianças.
5.1 AVALIAÇÃO DAS NEUROSES INFANTIS, SEGUNDO ANNA FREUD
De acordo com Anna Freud, a presença ou a ausência de sofrimento não pode ser tomada como fator decisivo quando se decide acerca de um tratamento de uma criança. E, alega que há muitos distúrbios neuróticos sérios que as crianças suportam com ânimo firme; além de outros menos sérios que provocam sofrimento. Segundo ela, somente quando os sintomas da criança são conturbadores para o meio em que vive e, afetam diretamente os pais, há uma probabilidade maior destes procurarem um profissional da psicanálise para tratar de seus filhos . 22
E, completa dizendo que os pais se mostram mais preocupados, por exemplo, com os estados de agressividade e de destrutividade dos filhos do que com as inibições; os atos obsessivos são considerados mais leves do que as crises de ansiedade, embora, na verdade, representem eles, um estágio mais avançado do mesmo distúrbio; os estágios iniciais da passividade feminina nos meninos, embora freqüentemente
decisivos
para
sua
futura
anormalidade,
são
quase
invariavelmente deixados despercebidos.
22 as crianças que urinam na cama são levadas mais regularmente ás clinicas do qualquer outra categoria de casos
que
Em virtude disso, Anna Freud sugere que o analista avalie a seriedade de uma neurose infantil, não em virtude da criança de uma forma especial qualquer, ou em um dado momento, mas em virtude do grau em que não permita à criança o seu desenvolvimento posterior. 5.2 A CRIANÇA E SEU LUGAR EQUIVOCADO NO SEIO FAMILIAR 5.2.1 Prazer no desprazer e a necessidade da intervenção paterna Ocorre que muitas mães não se desvincularam de seu papel de filha e ainda não assimilaram sua condição materna; por conseqüência, o filho acaba por não ter espaço para ser filho. Essa situação traz um desconforto e também um certo prazer, visto que o filho passa a desempenhar uma função de companheiro. Prazer porque lhe é agradável tal posição e, desprazer, justamente por não lhe ser dado o direito de desempenhar sua condição de filho. Com isso o filho acaba por se tornar objeto da mãe, um vínculo que para ser quebrado depende da atuação paterna, desempenhando seu papel de pai e marido.
5.2.2 O sintoma da criança como revelador da estrutura familiar São inúmeras as razões que levam pais ou responsáveis a procurar terapia 23
para suas crianças, dentre as quais, destacamos:
23
Baixo rendimento escolar.
Comportamentos agressivos,
Timidez.
Enurese noturna.
Hiperatividade.
Dificuldades de interagir com outras crianças ou familiares.
Depressão.
Obesidade.
Porém, caso tais comportamentos estejam associados à falta de habilidade para lidar com situações adversas difíceis,comoa separação dos pais ou mudança de escola, a terapia, valendo-se de uma metodologia adequada, irá auxilia-la na aquisiçãode novos comportamentos eficientes para lidar com as situações geradoras do estresse emocional.
É importante que o analista observe por meio de uma atenção flutuante os sintomas apresentados pela criança, o que significa dizer que deve procurar captar 24
tudo que o analisando quer dizer sem se focar num único tema. Ainda na hora de analisar os sintomas apresentados pela criança, o analista deverá abster-se de pré-julgamentos, a fim de, seja possível uma interpretação condizente ao caso e, deverá ter o cuidado de nunca ver seu paciente como a um filho, além é claro, de atentar para o fato de que as crianças possuem grande sensibilidade para assumirem os sintomas e a angústia específica de seu grupo familiar e, os confrontará juntamente com seus próprios conflitos.
5.3
A
IMPORTÂNCIA
DA
PARTICIPAÇÃO
DOS
PAIS
NO
PROCESSO
TERAPÊUTICO DA CRIANÇA
O fato é que a escolha do profissional e a decisão pelo tratamento do filho se dão em razão de uma transferência dos pais em relação ao terapêuta e, é em razão 25
dessa transferência que surge nos pais a confiança de entregar sua criança aos cuidados desse profissional. É, portanto, de fundamental importância que os pais estejam incluídos no processo terapêutico da criança, visto que possibilitará ao terapeuta perceber os sentimentos destes em relação à criança. Se assim não for, o tratamento da criança torna-se praticamente inviável. Ao envolvimento dos pais no processo terapêutico da criança através de sessões de orientações, dá-se o nome de modelo triádico. Dentre outros motivos, destacamos as seguintes razões, pelas quais, a participação efetiva dos pais é importante:
24 O sintoma é a expressão de um desejo que foi reprimido, por outro lado, pode demonstrar algo que ficou bloqueado no desenvolvimento da relação inconsciente da criança com seus pais. E,durante o processo terapêutico, o terapeuta deve permitir que sobrevenha tudo o que o sujeito em formação não teve no curso do seu desenvolvimento.
25 O analista pode se tornar um objeto transferencial dos próprios pais de seu paciente, isto se deve ao fato de que para muitos pais, procurar um tratamento psicológico para seus filhos significa que eles falharam em sua paternidade e maternidade. Eles passam a atacar suas próprias falhas que criticaram em seus pais e suas mães. O fato é que as transferências dos pais em relação ao analista podem ser facilitadora do trabalho analítico ou pode vir a dificultá-la, ocorrendo até mesmo uma retirada inesperada da criança da análise, caso o analista não Identifique e considere a transferência dos pais do paciente, estabelecendo uma escuta do que esses pais trazem e do que lhe é tão difícil de ser elaborado. Por outro lado, a transferência dos pais pode ser utilizada na reorganização dos lugares na dinâmica familiar.
Possibilita ao analista detectar o por quê do sintomas apresentados pela criança;
Os pais aprendem formas alternativas de ajudar o filho, visto que passam a entender melhor o que ocorre no contexto familiar;
Os pais ouvindo-se narrar os fatos, terão condições de se conscientizarem que também precisam da ajuda de um analista.
É preciso que os pais fiquem atentos aos possíveis sintomas e os comunique ao Psicanalista:
Observe durante alguns dias o comportamento da criança em várias situações: família, escola, clube, etc;
Procure detectar a partir de quando esse comportamento passou a se manifestar e, em quais circunstâncias e com que intensidade;
Analise quais tipos de tentativas foram feitas para solucioná-lo e, por quais pessoas e, em quais situações;
Portanto, deve haver uma intervenção orientada pelo terapeuta em todo ambiente no qual a criança interage, o que inclui, demais familiares, escola, etc. A forma como os pais se posicionam é um fator determinante no processo 26
terapêutico do paciente infantil. E, pode ser comum aos pais expressarem ansiedade sobre análise de seus filhos, e que, sentimentos de competição, possessividade e de culpabilidade surjam durante o processo, o que denotará o que a criança presencia na vida de seus pais e, que está sendo exibido por meio dos sintomas que apresenta. Por esta razão, faz-se necessário ao terapêuta identificar, esclarecer e elaborar as transferências que forem surgindo, a fim de levar os pais a se conscientizarem de suas próprias dificuldades, o que por sua vez, irá ajudar no êxito do tratamento.
26 No decorrer do tratamento, a criança pode passar a ter comportamentos tidos como inconvenientes por seus pais, por estarem se libertando de sua dependência emocional, ou mesmo, fazendo com seus pais vejam que suas próprias dificuldades alimentavam-lhe o sintoma. E, os pais poderão ter dificuldades de lidar com esse tipo de situação, passando então, a negar o que está ocorrendo, transferindo para a figura do analista sua hostilidade, por não ter o profissional transformado seu filho naquilo que convinha às suas expectativas pessoais. Quando os pais tentam manipular e controlar seus filhos através do analista, solicitando essa “ajuda”, este pode ser um dado importante sobre a dinâmica dessa família e das necessidades inconscientes dos pais que estão procurando se realizar através de seus filhos. Esse fator que pode parecer, por um lado, um obstáculo ao tratamento, por outro pode ser usado como material a ser trabalhado, fornecendo ao terapeuta uma oportunidade de denunciar esse tipo de conduta dos pais e fazer com que reflitam a respeito.
6. LUDOTERAPIA: O JOGO E O BRINCAR NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA COM A CRIANÇA
6.1 HISTÓRICO DA LUDOTERAPIA Melanie Klein ao iniciar seu trabalho na década de 20, desenvolveu um novo instrumento de trabalho: ¨a técnica do brincar¨. Por meio dessa técnica foi possível alcançar as fixações e experiências mais profundamente recalcadas da criança e exercer uma influência importante em seu desenvolvimento. Na psicanálise infantil o brincar tomou forma e sentido, passou a ser visto e trabalhado como técnica infantil, chamada de ludoterapia. Para a psicanálise infantil a palavra e o brincar da criança devem ser resgatados em toda sua autenticidade. Essa abordagem vai além da concepção cronológica e, objetiva revelar o que há de específico no infantil e na criança.
A Ludoterapia é uma técnica psicoterápica usada no tratamento dos distúrbios de conduta infantis e, Baseia-se no fato de que o brincar é um meio natural de autoexpressão da criança. Podendo ser utilizada de forma individual ou grupal. Visto que não se pode exigir de uma criança que faça associações livres, Melanie Klein tratou o brincar como equivalente a expressões verbais, isto é, como expressão simbólica de seus conflitos inconscientes. Assim a Psicoterapia Infantil ajudaria a criança a resolver fixações e a elaborar situações traumáticas do seu desenvolvimento. A análise através do brincar mostra que o simbolismo possibilita à criança transferir não apenas interesses, mas também fantasias, ansiedades e culpa a outros objetos além de pessoas, ou seja, muito alívio é possibilitado através do brincar... Podemos assim pensar que a criação, o uso da criatividade através do brincar seria um viés sublimatório; forma encontrada pela criança de colocar suas pulsões à mostra, expostas via objetos socialmente valorizados ou não.
Melanie percebeu que o brincar da criança poderia representar simbolicamente suas ansiedades e fantasias e, que estas brincadeiras possibilitam conhecer os significados latentes e estabelecer correlações com situações experimentadas ou imaginadas por elas, fornecendo à cada uma delas a possibilidade de elaborar tais
situações; mas, parece ter sido Winnicott o primeiro pós-freudiano a se debruçar sobre a real temática, como objeto de estudo específico.
6.2 A IMPORTÂNCIA DA LUDOTERAPIA NO TRATAMENTO DE CRIANÇAS VÍTIMAS DA VIOLÊNCIA
A análise infantil funda-se no princípio da catarse, uma vez que tenta explorar o mundo de sentimentos e impulsos inconscientes como origem efetiva de todas as ações e reações observadas nos pequenos pacientes. E, embora a livre associação seja uma técnica aplicável na psicoterapia infantil, nem sempre será possível fazer com que a criança venha a falar. Em razão disso, o analista deverá fazer uso de jogos , brincadeiras, desenhos e análise de sonhos dos 27
quais passaremos a tratar a partir de agora. A essa técnica que faz uso desse tipo de recursos
28
deu-se o nome
Ludoterapia , a qual, surgiu a partir de estudos de Ana Freud e Melaine Klein, que 29
analisavam as relações infantis e o processo de transferência de informações, visando o tratamento psicológico. Por meio deste método é possível ao terapeuta obter acesso às fixações e experiências mais profundamente recalcadas da criança, o que lhe possibilitará exercer uma influência radical em seu desenvolvimento. No caso de crianças vítimas da violência, os objetos são providenciados especialmente com esta finalidade e ajudam a analisar a violência sofrida pela criança e descobrir o agressor; é um trabalho que pode ser desenvolvido com crianças a partir de dois anos de idade, visto que a partir desta idade, já conseguem expor os fatos por meio das brincadeiras. O terapeuta poderá fazer uso do psicodrama (que envolve essencialmente a 30
brincadeira do faz-de-conta, embora se utilize de todo tipo de brincadeira), 27 Para o psicanalista, o jogo seria a vivência simbólica da presença e afastamento da mãe. 28 Desde o método clínico de Klein e seus seguidores, que acentuava a importância do trabalho exaustivo de interpretação em análise de crianças, visando à decodificação do significado da brincadeira desenvolvida na sessão analítica, encontramos, atualmente, modelos teóricos que ampliam ou alteram essas concepções originais.
29 Desde o método clínico de Klein e seus seguidores, que acentuava a importância do trabalho exaustivo de interpretação em análise de crianças, visando à decodificação do significado da brincadeira desenvolvida na sessão analítica, encontramos, atualmente, modelos teóricos que ampliam ou alteram essas concepções originais.
30 Dentre as técnicas mais utilizadas estão o teatro espontâneo (desempenho de papéis sem texto previamente definido), o monólogo (pensar alto enquanto desempenha um papel), o duplo (atribuir fala a um outro personagem), entre outras.
transformando o brincar da criança em tratamento. O psicodrama auxilia as crianças na superação de obstáculos a seu desenvolvimento emocional, através daquilo que ninguém lhes pode tirar – sua imaginação. O fato é que por trás de toda agressão física há sempre um abuso psicológico, que inibe a denúncia. Com a ludoterapia, a vítima é induzida a falar brincando, esquecendo das ameaças que normalmente sofre e isso é muito bom para o profissional e para a própria criança - alegam os especialistas. “É somente a presença mental de alguém mais que brinque com a criança que permite que o jogo seja plenamente transformador de angústias” (FERRO, 1995, p. 80). Através do “brincar” a criança tem a possibilidade de vencer medos, angústias, traumas e tudo aquilo que atinge sua sensibilidade. Porém, para se fazer psicoterapia, é necessário que o brincar seja espontâneo. E, além disso, a brincadeira além de refletir a forma de pensar e sentir da criança, onde ela demonstra sua história vivida, favorece:
O desenvolvimento intelectual:
O equilíbrio emocional:
A comunicação:
A criatividade:
A independência.
6.3 A CRIANÇA E O BRINCAR SEGUNDO VERA BARROS DE OLIVEIRA Segundo Vera , no brincar casam-se a espontaneidade e a criatividade com a 31
progressiva aceitação das regras sociais e morais; ou seja, brincando a criança se humaniza, aprendendo a conciliar de forma efetiva a afirmação de si mesma à criação de vínculos afetivos duradouros. (...) Vera explica que brincando a criança elabora progressivamente o luto da perda relativa dos cuidados maternos, assim como encontra forças e descobre estratégias para enfrentar o desafio de andar com suas próprias pernas e pensar aos poucos com a própria cabeça, assumindo a responsabilidade por seus atos. 31
Vera Barros de Oliveira é psicóloga infantil, tendo feito sua pós-graduação na USP, com doutorado em Psicologia da Aprendizagem e livre-docência em Psicologia Social. É professora titular da UMESP, onde coordena o Laboratório de Ciências da Cognição. Prestou já inúmeras assessorias a órgãos públicos, relacionados à Saúde Mental e à Educação. Possui inúmeras publicações.
Dessa forma, o brincar se constitui na ferramenta por excelência que a criança 32
dispõe para aprender a viver. Segundo Vera, o brincar tem um papel importante na construção da inteligência e equilíbrio emocional do bebê, contribuindo para sua integração com o meio em que vive e, até mesmo para sua auto-afirmação. Ela alega que as estruturas mentais, por serem orgânicas, só se desenvolvem mediante a possibilidade de expressão e comunicação com o meio. E, complementa, dizendo: “o brincar ensina a escolher, a assumir, a participar, a delegar e, a postergar”. Vera esclarece que é a crença no retorno periódico da mãe, que alimenta, protege, aquece, conversa e brinca, que dá forças ao bebê para suportar sua ausência. E, que o caráter ondulatório e cíclico de sua atividade lúdica, com temas opostos como vimos, expressa simbolicamente que está aprendendo a esperar e a suportar a tensão e a frustração da separação, justamente porque confia em seu retorno. E, completa dizendo que o brincar compensa e reeqüilibra o organismo, chegando mesmo a armazenar bem-estar, se assim podemos dizer, para momentos futuros.
6.3.1 O brincar do bebê com o próprio corpo Segundo Vera, são as brincadeiras do bebê com seu próprio corpo, quando rola, engatinha, tira e põe, vezes sem conta, objetos uns dentro dos outros, numa cadência rítmica, que alterna movimentos opostos, como os de abaixar e levantar, puxar e empurrar, abrir e fechar, esconder e achar, que dão condição à passagem da vida ainda muito próxima dos instintos, alicerçadas nos reflexos, ao lento, gradual e batalhado ingresso no universo humano propriamente dito, o simbólico. 6.3.2 A brincadeira simbólica Segundo Vera, essa é fase do faz-de-conta, em que a criança passa a representar sua ação internamente e a se utilizar de manifestações simbólicas para interagir com o meio. 32 Mediante isso, o bebê tem condições de desenvolver seu potencial já adquirido geneticamente.
Exemplos: 1) uma criança brincando com pedaço de pau, imaginando que o mesmo é um cavalo; 2) começa a falar, a imitar na ausência do modelo, a se lembrar de algo sem precisar vê-lo; desenha, pinta, modela, expressa aquilo que tem significado para ela. Segundo Vera, a brincadeira simbólica, ao representar a realidade do jeito que a criança a vê e sente, não é uma negação da mesma,... mas uma situação privilegiada de aprender a lidar com as funções e relações sociais. E, explica que o brincar, por ser uma atividade livre que não inibe a fantasia, favorece o fortalecimento da autonomia da criança e contribui para a não formação e até quebra de estruturas defensivas. Assim, “ao brincar de que é a mãe da boneca, por exemplo, a menina não apenas imita e se identifica com a figura materna, mas realmente vive intensamente a situação de poder gerar filhos, e de ser uma boa mãe, forte e confiável” – esclarece Vera e, prossegue dizendo que “dramatizar o vivido, representando-o, ajuda a criança a afirmar-se como pessoa e a externalizar sentimentos e pensamentos, inclusive os de hostilidade para com os outros, principalmente para com as pessoas mais íntimas, como os pais e irmãos, e dar vazão à possível necessidade de auto-punição, pela culpa gerada por senti-los”. Vera explica que no faz-de-conta, já se faz presente a necessidade de respeitar o outro, pelo menos parcialmente e, diz que paralelamente a essa descoberta, a criança experimenta o prazer de aprender a brincar com outras crianças em situações imaginárias.
6.3.2.1 A agressividade manifesta no brincar
No que tange à questão dessa agressividade manifesta no brincar, Vera defende que é parte inerente do psiquismo e indispensável à sobrevivência. e, prossegue dizendo que: ...construir de forma equilibrada nossa personalidade, consiste inclusive em aprender a canalizar esse potencial agressivo, que nos torna sofregamente ávidos de ‘alimento’, de carinho, de força ou poder, assim como capazes de cometermos ou desejarmos cometer atos hostis para com os outros. Só há uma possiblidade de dirigirmos de forma saudável esses impulsos, se os reconhecermos em nós mesmos (VERA , 2000). 33
33 Idem, 2000, p. 19.
Vera prossegue dizendo que “o brincar, ao possibilitar a projeção de conteúdos ameaçadores e dinâmicas negativas internas, torna-os visíveis e passíveis, portanto, de serem identificados e controlados”. Segundo ela, a importância de dar livre curso às fantasias, inclusive às de destruição, no brincar, é fundamental, pois quando estas se tornam assustadoras demais, internamente passam a correr o risco de não poderem mais ser projetadas ou sublimadas. E diz que quando a criança não consegue controlar suficientemente bem suas fantasias de destruição e passa a temer que as mesmas tomem conta de sua realidade (externa e interna), ela pode também passar a manifestar essa insegurança através de atitudes violentas de desafio e confronto, mas, no fundo, o que está buscando ansiosamente é encontrar um limite externo que a contenha e “salve”. Vera esclarece que às crianças devem ser dados limites claros e objetivos, “que ajudem a trabalhar sua impulsividade, onipotência e voracidade, assim como a aprender a lidar com sua própria destrutividade” e, prossegue dizendo que, “por trás de todo, trabalho e arte está o remorso inconsciente pelo dano causado na fantasia inconsciente e um desejo de começar a corrigir as coisas”
34
Pois, segundo ela, a agressividade encobre muitas vezes uma sensação de medo ou excitação frente ao objeto de desejo e pode se manifestar de forma disfarçada através de atitudes de manipulação, sedução ou negação; como pode ser desviada para outras pessoas ou situações, como por exemplo, esconder-se, camuflar-se, ou ainda projetar-se. . 35
Vera cita o exemplo da criança, que hostiliza seu irmão menor, por se sentir rejeitada pela mãe e, procura compensá-lo manifestando extremo carinho em relação a ele, ou, que tenta manipular a atenção da mãe, hostilizando-a através de uma recusa em receber alimento. Embora seja difícil para a própria criança e para as pessoas que a rodeiam admitir a agressividade latente ou evidente na criança, para esta, é essencial que a mãe não a idealize e que aceite suas limitações. Pois, só assim, a criança poderá se enxergar como é e se aceitar, para então aprender a se controlar para viver no 34 Idem, 2000, p. 20. 35 OLIVEIRA, Vera Barros. O Brincar e a Criança do nascimento aos 06 anos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p.
convívio com os outros e, para isso, não poderá haver a interferência superprotetora materna, buscando amenizar as falhas, conflitos e hostilidades da criança na relação com o outro.
6.3.3 O jogo de regras
No jogo de regras o prazer está em cumprir as regras. Ex: para uma criança de 2 ou 3 anos, o simples fato de subir os degraus de uma escada já é uma satisfação. Ao passo que para uma criança de 6 anos, por exemplo, esta atividade só será atraente se envolver algumas regras determinando o procedimento: subir com um pé só, de dois em dois, pulando, etc. Vera esclarece que, ao contrário do faz-de-conta coletivo, no jogo de regras há colaboração e/ou competição. Além disso, o jogo de regras prepara a criança para as questões de regra morais, sociais com as quais, terá que lidar em sociedade, quando na idade adulta.
6.4 O JOGO E O BRINCAR SEGUNDO MELANIE KLEIN Melanie Klein, discípula fiel de Sigmund Freud, acabou por criar sua própria linha de psicanálise. (...) conjecturava a possibilidade do lúdico não apenas com o propósito de resgatar a relação de amor que a criança pode não ter tido, mas uma possibilidade de se trabalhar mais enfaticamente com o sujeito infantil. A referida autora observou que existem outras emoções em jogo nessa relação, como o ódio, a inveja, a sexualidade etc. Verificou, então, que a criança havia perdido a inocência e suas brincadeiras e jogos apresentavam conteúdos sexuais... Para ela, os brinquedos e jogos infantis, tornaram-se processos simbólicos, com sentidos e significações especiais e únicos para cada criança.
Em 1929, Melanie Klein, não focalizava a criatividade como sendo uma temática específica, mas descreveu o processo criativo como sendo uma tentativa de restauração de danos causados a objetos, sejam esses internos ou externos. Segundo ela, brincando a criança expressa de modo simbólico suas fantasias, seus desejos e suas experiências vividas.
6.5 O JOGO E O BRINCAR SEGUNDO DONALD WINNICOTT Winnicott (1975), observou que os bebês tendem a usar os punhos e os dedos 36
para satisfazerem seus instintos e, que após alguns meses passam a usar algum objeto especial para substituir este meio de estimulação, já tendo a capacidade de reconhecer este objeto como “não-eu”. Adquirem também, a capacidade de criar, imaginar, inventar, produzir um objeto e estabelecer uma relação afetuosa com este objeto. Segundo ele, fenômenos transicionais é justamente a transferência que ocorre na troca do uso do dedo ou polegar para a utilização de um objeto como o “não-eu” a que ele chama de objeto transicional. Ou seja, quando pensamos no brincar como um instrumento valioso para o trabalho analítico, sabemos que estamos tratando de uma atividade que ocorre na área que foi denominada por Winnicott de transicional. Ele afirma que quando o simbolismo é empregado, o bebê já está claramente distinguindo entre fantasia e fato, entre objeto externo e interno, entre criatividade primária e percepção. E, diz que o brincar tem um lugar e um tempo, acontecendo primeiro entre mãe e bebê, segundo as experiências de vida. Ele explica que o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde - além de conduzir aos relacionamentos grupais, até por que, “brincar é fazer.”. Segundo ele, no brincar a criança manipula fenômenos externos a serviço do sonho e veste fenômenos externos, escolhidos com significado e sentimentos oníricos. E, prossegue dizendo que há uma evolução direta dos fenômenos transicionais para o brincar, do brincar para o brincar compartilhado, e deste para as experiências culturais. Winnicott esclarece ainda, que o brincar envolve o corpo devido à manipulação de objetos. Assim sendo, a criatividade é fundamental e é através dela que o indivíduo sente que a vida é digna de ser vivida. 36
Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, dedicou sua carreira á compreenção das crianças, olhando-as como seres formados pela integração do orgânico e do emocional. Ele enfatiza uma visão relacional da criança com seu cuidador. É dele a teoria da “mãe suficiente boa”, que seria aquela que efetua um adaptação ativa ás necessidades da criança, adaptação esta, que depende muito mais da devoção do que do esclarecimento intelectual.
Ele explica que em todas as fases da vida, o mediador é fundamental para o sucesso no desenvolvimento do bebê, criança, adolescente, adulto ou velho. E, que tudo acontece com um mediador, com interação: o segurar, o manejar, a apresentação de objetos, a destruição do objeto, a sobrevivência à destruição. Assim, quando essa interação é feita com confiança, se a tarefa da mãe é cumprida na sua integralidade o desenvolvimento emocional e mental do bebê e da criança é conseguido sem conseqüências negativas. E, de acordo com Winnicott o simples fato de estar ao lado da criança, amando-a e repeitando seu ritmo natural, é o suficiente para proporcionar condições para seu desenvolvimento. Ele afirma que quando a criança experimenta angústia medo e desamparo, o “objeto transacional” serve como suporte - um apoio para criança. Segundo Winnicott, este objeto é reconhecido pelos pais e é carregado para todos os lugares, pois ele representa conforto e segurança para o bebê. Um objeto que não é imposto à criança, antes é por ela escolhido pela criança. Ás vezes uma fralda velha, um pedaço de roupa dos pais, um cobertor, possui características muito particulares, como, por exemplo, o cheiro e, por isso não pode ser lavado. Ele esclarece que esse objeto não é auto-erótico, como por exemplo, chupar o dedo ou enrolar o cabelo; ou seja, não é auto-erótico porque é externo ao corpo da criança. Esclarece ainda, que para cada criança, esse objeto tem um sentido, e é sentido como algo seu que lhe passa segurança e, visto que lhe é familiar, pode experimentar um sentimento de posse e controle, pois, sabe que pode levá-lo para onde quer. E, nos fala enfaticamente que “é no brincar que o individuo criança ou adulto pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o individuo descobre o eu (self)”. 6.5.1 O Jogo dos Rabiscos de David Donald Winnicott Sentindo-se pressionado a atender um número cada vez mais elevado de crianças que lhe eram trazidas em busca de tratamento, Winnicott passou a se dedicar a estudar os meios de utilizar o espaço terapêutico da forma mais produtiva a fim de obter os melhores resultados terapêuticos possíveis; para isso, ele desenvolveu o ¨jogo dos rabiscos¨ e a ¨consulta terapêutica¨.
Segundo Clare Winnicott, ele se esforçava por tornar a consulta significativa para a criança, dando-lhe alguma coisa para levar e que pudesse ser utilizada e/ou destruída. D. Winnicott se armava de papel e, na maioria das vezes, fazia um avião ou um leque com o qual brincava um pouco e, depois dava-o à criança, despedindose dela. E, segundo Claire, jamais se soube de uma criança que houvesse resistido a esse gesto.
6.6 DECIFRANDO A CRIANÇA POR MEIO DOS DESENHOS INFANTIS
Nicole Bédard, pedagoga canadense, explica em sua obra “Como interpretar os Desenhos das Crianças”, que os rabiscos, as formas e as figuras que as crianças colocam habitualmente no papel, são verdadeiras fontes de informações valiosas, na tarefa de educá-las e, na formação de sua personalidade. Segundo ela, por meio dos desenhos é possível conhecer o temperamento, o perfil psicológico e o estado emocional das crianças, visto que, refletem a forma como elas enxergam seu ambiente familiar e o mundo à sua volta. Além de constantemente revelar as dificuldades pelas quais elas estão passando em casa, na escola ou nas relações sociais. Bédard, porém, explica que decifrar corretamente os desenhos infantis – e descobrir o que está por trás dessas janelas do consciente e do inconsciente – nem sempre é fácil, pois, exige sensibilidade e alguma prática, embora não seja nenhum bicho-de-sete-cabeças. E, segundo ela, há significado, inclusive, na escolha do tipo de lápis e papel que a criança utiliza. “Não devemos esquecer que o que nos interessa é o simbolismo e as mensagens que o desenho transmite, e não sua perfeição estética”, adverte Bédard. Segundo ela, se a criança escolhe uma folha de papel pequena, indica capacidade de concentração e certa tendência à introversão. Se nessa mesma folha ela aplicar traços menos definidos, superficiais ou feitos com pouca pressão do lápis, estará exteriorizando uma falta de confiança em si própria. Ainda quanto às escolhas iniciais para o desenho, ela esclarece que é importante observar por onde a criança o começa e, explica que: Se for pelo lado esquerdo da folha, significa que seus pensamentos estão girando ao redor do passado; se for pelo lado direito, quer dizer que ela
deposita fé e esperanças no futuro; o início no centro indica que ela está aberta a tudo à sua volta e no momento não vive ansiedades nem tensões de maior monta.
Ainda segundo Bédard, as cores também fornecem pistas sobre o que vai pela 37
cabeça dos pequenos desenhistas. Ela explica que a preferência pelo vermelho revela uma natureza enérgica e um espírito esportivo e, por outro lado, pode sinalizar algum tipo de agressividade. Já o amarelo representa o conhecimento, a curiosidade e a alegria de viver - a criança que usa essa cor com freqüência é generosa, extrovertida, otimista e ambiciosa. O preto, avisa a autora, costuma ser uma cor mal interpretada pelos pais, associada a maus pensamentos ou tristeza, mas, explica que não necessariamente é assim. O preto representa o que vai pelo inconsciente e mostra que a criança tem confiança em si mesma e no dia de amanhã, além de ser adaptável às circunstâncias. Quando o preto vem acompanhado do azul, no entanto, talvez revele um sentimento de depressão e derrota. Segundo o psicólogo Fabiano Murgia
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,
nos desenhos infantis, o sol, por
exemplo, está quase sempre relacionado à figura paterna: ele está lá em cima, transmite calor, é o provedor. O mesmo sol a que o psicólogo Murgia se refere, tem, porém, para Nicole Bédard, significados um pouco mais complexos. Segundo ela, o sol realmente representa a energia masculina, mas, ela sustenta que, quando desenhado à esquerda do papel, pode representar a influência de uma mãe de índole muito independente, e quanto mais fortes forem os raios, mais a mãe será controladora e do tipo que impõe sua vontade em todas as situações. Bédard prossegue dizendo, que o sol desenhado à direita do papel revela a percepção que a criança tem a respeito do pai. Se for muito intenso, radiante, pode indicar um pai com tendências à violência verbal ou física. E, quando desenhado no centro do papel, representa um auto-retrato da criança e, nesse caso, explica Nicole, estamos diante de uma criança que acredita ter certa responsabilidade por sua mãe e por seu pai – talvez se trate de uma família desarticulada, mas ela possui o caráter e o potencial necessários para fazer frente à situação. 37 A cromoterapia – cujas origens remontam às antigas civilizações – é hoje uma prática terapêutica consagrada na qual cada cor do espectro está relacionada a um efeito sobre o meio ambiente ou a uma reação daqueles que o habitam. “Existe toda uma herança sociocultural por trás desses simbolismos; aquilo que o psiquiatra Carl Gustav Jung chamava de inconsciente coletivo” – diz o psicólogo Fabiano Murgia coordenador clínico do Centro de Vivência Evolução, entidade de São Paulo que trabalha com crianças com necessidades especiais.
38 Extraído no dia 15.05.2007 às 19:05 hs http://www.fabianomurgia.psc.br/entr_pais.html
Bédard esclarece ainda, que as figuras humanas, tão freqüentes nos desenhos infantis, são excelentes pistas para se desvendar o que vai por dentro das cabeças das crianças. Pois, na maioria das vezes, ao desenhá-las, as crianças estão retratando a si próprias ou as pessoas com quem elas convivem cotidianamente, principalmente os pais e parentes. E, chama a atenção para a necessidade de se atentar nessas figuras humanas, para o rosto, a posição dos braços e os pés. “À luz da pedagogia, o auto-retrato infantil pode ser analisado por outros ângulos. Quando a criança desenha a si própria, está mostrando exatamente como ela está, como se sente” , aponta a educadora infantil Luciane Isabel de Freitas. 39
“Quando ela se retrata num cantinho da folha de papel, não está tendo o reconhecimento corporal dela própria, ainda não percebeu seu corpo no espaço, e também por isso pode esquecer de desenhar os olhos ou os braços – isso é normal até os 7 anos”, completa. Outro tema recorrente nos desenhos infantis, e que pode ser bastante esclarecedor para os pais, é a casa . Quem acha que as casinhas coloridas são todas parecidas, deve começar a prestar atenção nos detalhes. Se a proporção da casa no desenho é muito grande, a criança está vivendo uma fase mais emotiva do que racional. Se a casa é muito pequena, significa que ela é introspectiva, talvez com algumas perguntas girando na cabeça. Uma porta pequena na casa sinaliza uma criança que tem dificuldades em convidar as pessoas para visitá-la, é seletiva com os amigos e parentes, não gosta que lhe façam muitas perguntas e nem que a observem. Uma porta grande, em contrapartida, é sinal de boas-vindas para quem quiser fazer parte de seu cotidiano . 40
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Quanto à maçaneta da porta, Bédard esclarece que quando a criança a desenha à esquerda, significa que seus pensamentos estão ligados ao passado – e dessa forma ela busca confiança para enfrentar o futuro. Essa criança não aprecia transformações bruscas e precisa de tempo para assimilar novas idéias. A maçaneta desenhada à direita é sinal de que a criança tem desejos constantes de mudanças, aprecia os imprevistos positivos, as aventuras, e arrisca-se a antecipar o futuro. E, a
39 Extraído no dia 15.05.2007 às 19:05 hs http://www.fabianomurgia.psc.br/entr_pais.html 40 Royer (1989) afirma, na sua obra Le dessin dune maison, que a casa constitui um arquétipo mais complexo, e por isso, mais difícil de interpretar, mais rico também de significados que os temas desenho da árvore e pessoa. A casa é o símbolo de todas as "peles" sucessivas que nos envolvem - o seio materno, corpos, família, universo - e que vão se encaixando e modelando. Assim, desenhar uma casa é evocar o último Ego que reside mais fundo, assim como suas relações com todos seus envelopes; é revelar as modalidades de sua pertença no mundo. Para a autora, a casa é o termo mais carregado de ressonância afetiva, mais capaz de desencadear tantas lembranças, tantos sonhos, tantas paixões: a casa da infância, a casa da família, a casa das férias, a casa dos sonhos matrimoniais, a casa de retiro, a última moradia. Cada uma de nossas casas possui suas fragrâncias, corredores e portas secretas, espaços, recantos, alquimia, culinária, ruídos e silêncios, fogos e águas, luzes, penumbras assustadoras ou propícias aos desabafos. A imagem da casa, alegre ou não, nos acompanha ao longo de nossa vida. Esse arquétipo ligado a nossa segurança, amores, posses, status social, está inscrito mais profundamente em nós, até na nossa parte primitiva e animal, como a concha para o caracol.
41 BÉDARD, Nicole. Como interpretar os Desenhos das Crianças. tradução de Maria Lucia de Carvalho Accacio Ed. Isis, 114 páginas.
maçaneta desenhada no centro indica uma criança em busca de independência e autonomia, mas, também indica teimosia e tendência de impor as próprias vontades. Nicole Bédard chama a atenção para o fato de que não se deve avaliar a personalidade, os pontos altos e baixos e as necessidades de uma criança com base em apenas dois ou três desenhos. Ela diz que o ideal é utilizar vários desenhos feitos num determinado espaço de tempo. “A cada nova informação que recebe, a criança reestrutura a sua forma de ver o mundo e, por isso, na análise do desenho, é preciso levar em consideração o momento que ela vive”, pondera a educadora Thereza Bordoni, diretora da ABC Pesquisa e Desenvolvimento em Educação, de Belo Horizonte, e que tem nos desenhos infantis uma de suas especialidades pedagógicas . E, conclui dizendo 42
que: A criança costuma colocar perto de si, no papel, as pessoas com quem ela mantém os laços mais fortes, mas se a mãe dela, naquele dia, a proibiu de comer um chocolate, poder ser retratada de forma menos afetuosa, o que é eventual e não corresponde à realidade de seus sentimentos.
O conselho que fica aos pais é que jamais interfiram nos desenhos das crianças, alegando que não existem árvores com peixes nos galhos ou casas suspensas no céu. Até por que, a criança provavelmente irá responder que sua árvore é diferente das outras porque vem de Marte e que a casa pertence a um super-herói capaz de voar. Isso, ao contrário de revelar uma criança distante da realidade, apenas mostra sua originalidade e, demonstra que está desenvolvendo a capacidade de afirmar as próprias opiniões e de desbravar seus caminhos. O que certamente é o que se espera dela.
42 Extraído no dia 15.05.2007 às 19:05 hs http://www.fabianomurgia.psc.br/entr_pais.html
7 DECIFRANDO A CRIANÇA POR MEIO DOS SONHOS INFANTIS
Segundo Sigmund Freud, os sonhos infantis são breves, claros, coerentes, fáceis de entender e, sem ambigüidade; em outras palavras, são plenos de sentido e não-enigmáticos. Segundo ele, os sonhos são uma reação a uma experiência do dia precedente, a qual deixou atrás de si uma mágoa, um anelo, um desejo que não foi satisfeito. E, para demonstrar isso, ele fez o registro dos seguintes exemplos de sonhos que colheu de criança: Sonho 1 Um menininho de vinte e dois meses teve um sonho semelhante com uma regalia que lhe fora negada. Na véspera, fora obrigado a presentear seu tio com um cesto de cerejas frescas, das quais ele próprio, naturalmente, só pudera provar uma unidade. Acordou com esta alegre notícia: “Hermann comeu todas as celejas!”
Sonho 2 Um menino de cinco anos e três meses deu sinais de insatisfação durante uma caminhada pelas imediações do Dachstein. Cada vez que se divisava uma nova montanha, ele queria saber se era o Dachstein, e por fim se recusou a visitar uma cachoeira com o resto do grupo. Seu comportamento foi atribuído à fadiga, mas encontrou uma explicação melhor quando, na manhã seguinte, ele contou ter sonhado que havia escalado o Dachstein. É evidente que tivera a idéia de que a excursão terminaria numa escalada do Dachstein e ficou deprimido ao ver que a montanha prometida nunca aparecia. Compensou, no sonho, aquilo que o dia anterior não lhe pudera dar.
Sonho 3 Uma menina de seis anos teve um sonho exatamente igual. Durante um passeio, seu pai teve de parar antes de se atingir o objetivo pretendido porque estava ficando tarde. No caminho de volta, ela reparou num poste de sinalização que indicava o nome de outro local de excursão e o pai prometeu levá-la lá também em outra oportunidade. Na manhã seguinte, ela recebeu o pai com a notícia de que sonhara que ele estivera com ela em ambos os lugares.
Freud chama a atenção para o fato de que a maioria dos sonhos infantis são simples e indisfarçadas realizações de desejo. E, visam proporcionar uma satisfação direta e indisfarçada, desse desejo. Porém, Freud alerta para o fato de que não se deve supor que todos os sonhos de crianças sejam desse tipo. A deformação onírica já inicia bem no início da infância, e têm sido relatados sonhos sonhados por crianças entre 5 e 8 anos que
possuem todas as características de sonhos de idade maior. Entretanto, se o analista se limitar à faixa etária entre o início da atividade mental observável e o quarto ou quinto ano, encontrará numerosos sonhos portadores das características que se podem descrever como ‘infantis’, e alguns outros do mesmo tipo em anos posteriores da infância. Na verdade, sob certas condições, os próprios adultos têm sonhos que em muito se assemelham aos sonhos tipicamente infantis. Ele, prossegue fazendo a seguinte narração: Eis aqui outro sonho infantil que, embora à primeira vista não seja muito fácil de entender, também não passa de uma realização de desejo. Uma menininha de quatro anos incompletos fora trazida do campo para a cidade por estar sofrendo de uma crise de poliomielite. Passou a noite com uma tia que não tinha filhos e puseram-na para dormir numa cama grande — grande demais para ela, é claro. Na manhã seguinte, contou ter sonhado que a cama era pequena demais para ela, tão pequena que ela não cabia. É fácil reconhecer esse sonho como um sonho de desejo, se nos recordarmos que as crianças expressam com muita freqüência o desejo de “serem grandes”. O tamanho da cama foi um lembrete desagradável da pequenez da menina ainda não crescida; assim, ela corrigiu a proporção indesejada no sonho e cresceu tanto que até a cama grande ficou pequena demais para ela.
Freud esclarece que nenhuma análise e nenhuma aplicação de qualquer técnica é necessária para compreender os sonhos infantis e, que não há necessidade de indagar a uma criança que nos conta seu sonho. Mas, que há que acrescentar ao sonho alguma parcela de informação proveniente de eventos da vida da criança, visto que, invariavelmente existe alguma vivência do dia anterior que nos explica o sonho. Porém, adverte, que se examinados mais detidamente, “reconheceremos, mesmo neles, uma pequena parcela de deformação onírica, determinando a diferença entre o conteúdo manifesto do sonho e os pensamentos oníricos latentes”. Ele esclarece, que: O que origina um sonho é um desejo, e a satisfação deste desejo constitui o conteúdo do sonho — esta é uma das características principais dos sonhos. A outra, igualmente constante, é que um sonho não apenas confere expressão a um pensamento, mas também representa o desejo sendo satisfeito sob a forma de uma experiência alucinatória.
E, explica que nada que seja sem importância ou indiferente, ou que assim se afigure à criança, consegue penetrar no conteúdo de seus sonhos. E, diz que “é-nos plenamente lícito esperar que a explicação dos processos psíquicos das crianças, em que é bem possível que eles sejam muito simplificados, venha a se revelar um prelúdio indispensável à investigação da psicologia dos adultos”.
Freud defende que sem o auxílio do sonho não poderíamos dormir. E, que é devido a isso que dormimos bem ou mal. 8
DIFERENÇAS
DO
TRATAMENTO ANALÍTICO
(ADULTO
/
CRIANÇA),
SEGUNDO ANA FREUD
Segundo Ana Freud, a análise de crianças exige um período preparatório que não se verifica na análise de adulto. E esse período nada tem haver com o trabalho analítico, visto que, não se trata ainda de tornar conscientes os processos inconscientes ou de exercer influencia analítica sobre o paciente. Trata-se simplesmente de buscar estabelecer um laço entre o psicanalista e a criança. Ela considerava as crianças muito frágeis para submeterem a uma análise e não acreditava que elas pudessem desenvolver a transferência e nem tão pouco associar livremente, devido a sua imaturidade psíquica. E dizia que o Complexo de Édipo não deveria ser examinado muito profundamente em função da imaturidade do Superego. E, também com base nesse raciocínio, ela defendia que a abordagem psicanalítica deveria vir associada a uma ação educativa (pedagogia psicanalítica). E, em uma de suas exposições forneceu um balanço dos elementos através dos quais se pode apreender o inconsciente infantil. Ela esclarece que os melhores e mais adequados expedientes da análise de adultos não se aplicam à analise de crianças, e que devemos nos afastar de muitas exigências impostas pela teoria cientifica e lançar mão de nosso material onde quer que o encontremos – de maneira muito parecida com a de que lançamos mão habitualmente, quando pretendemos penetrar na vida privada de uma determinada pessoa. A criança, segundo Ana Freud, mostra-se menos apta a extrair material inconsciente. Ela adverte que o analista deve se esforçar-se por se colocar no lugar do EgoIdeal da criança por toda a duração da análise; não deve principiar sua tarefa analítica de liberação até que se tenha assegurado de que a criança esteja ávida por seguir seu comando. Segundo ela, o analista precisa ser apto a controlar o relacionamento entre o Ego da criança e os seus instintos e, esclarece que o Superego da criança é fraco; visto que, as exigências do Superego, assim como a neurose, acham-se em dependência do mundo exterior, esclarece ainda, que a criança é incapaz de controlar os instintos liberados e de que o analista em pessoa precisa dirigi-los.
Para Anna, o analista , em conseqüência, combina em sua própria pessoa duas funções difíceis e opostas: tem de analisar e educar; num mesmo fôlego é obrigado a ceder e a proibir, a soltar e a restringir novamente. Se não conseguir, a análise se torna um “passe” para toda má conduta proibida pela sociedade. E esclarece que a análise de crianças não é nenhum seguro contra todos os azares que o futuro da criança possa a conter. Mas, é possível provocar modificações de caráter, infinitamente mais variados na criança do que no adulto. Ana Freud alega que a análise do adulto esbarra com dificuldades maiores já que diz respeito a objetos amorosos mais arcaicos e mais importantes do individuo (os seus pais, que introjetou por meio da identificação e cuja lembrança é protegida pela piedade filial). Enquanto que nos casos de crianças os conflitos envolvem pessoas vivas que existem no mundo exterior e que ainda não se acham entronizadas na memória. Ao trabalharmos com um adulto temos de nos confinar inteiramente à tarefa de ajudá-lo a se adaptar ao seu meio ambiente. Enquanto que no caso da criança, de acordo Anna, é possível fazer sem grandes dificuldades que o meio ambiente se adeque às suas necessidades. Ana alega que as exigências de uma criança são mais simples e mais fáceis de satisfazer e de supervisionar; a capacidade do analista combinada com a dos pais, facilmente se mostrarão suficientes, sob condições favoráveis, para dar à criança, exatamente aquilo que reclama, em qualquer das fases do seu tratamento e do seu progressivo desenvolvimento. Anna Freud, defendia que o analista de crianças além do treinamento analítico propriamente dito, também deve possuir um segundo elemento: o conhecimento pedagógico. Posteriormente Anna Freud reconheceu as descobertas de Melaine Klein, em que esta comprovou a existência de um efetivo campo transferencial na análise de crianças e estabeleceu a equivalência entre a associação livre e as técnicas de jogo.
CONCLUSÃO
A Ludoterapia permite o desenvolvimento de recursos de enfrentamento para conviver com a dor e o sofrimento, mesmo quando a criança está fragilizada em razão da violência sofrida, seja ela qual for (seja ela, inclusive, a violência de não se sentir desejada). Tal possibilidade se concretiza ao “falar”, muitas vezes de forma simbólica através do brinquedo, dos seus medos, sem causar constrangimentos aos pais e às pessoas que lhe prestam assistência. Por não ser julgada por suas ações, pensamentos ou sentimentos expressos ela se sente aceita e apoiada. E assim, o recurso lúdico torna possível o estabelecimento de um diálogo terapêutico, pautado na necessidade de refletir não apenas nas palavras da criança, mas os sentimentos que estão além destas.
REFERÊNCIAS
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Disponível em 11/04/2008 às 14:11 hs no site http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-73722003000300012&script=sci_arttext