A dama da agroecologia

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A Dama da Agroecologia – Se há uma mulher digna de ser chamada de a Dama da Agroecologia brasileira, essa pessoa é Ana Maria Primavesi. Dama, em se tratando de Ana Maria, é uma forma de tratamento que nos parece mais adequada do que Madame, como de costume se referiam a ela, com certo tom pejorativo, no começo, alguns alunos e determinados colegas professores desafetos, na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), nos anos 1960, e, depois, em aparente sinal de respeito ao legado deixado por ela na instituição; como são exemplos o “Campo da Madame”, a “Floresta da Madame”, o “Açude da Madame”, o

“Galpão

da

Madame”,

o

“Laboratório

da

Madame”,

etc.

Ana Maria Conrad nasceu em 1920, no vilarejo de St Georgen de Judenburg, no estado da Estíria, Áustria. Membro de uma família aristocrática que se dedicava à criação e gado e ao cultivo da terra, viveu e recebeu uma educação esmerada no castelo Pichlhofen. Estudou agronomia na Universidade Rural para Agricultura e Ciências Florestais de Viena, a famosa Boku, que concluiu em 1942, e onde fez doutorado em solos e nutrição de plantas e conheceu o futuro marido, com quem se casaria em 1946, Artur Primavesi. Viveu as agruras da Segunda Grande Guerra, quando perdeu dois irmãos e viu a destruição das propriedades da família. E foi deixando uma Europa destroçada para trás, que ela, então casada com o fazendeiro, diplomata e também doutor em agronomia Artur Barão Primavesi e mãe do primeiro filho, Odo Primavesi, em 1948, veio para o Brasil, acompanhando o marido, que havia recebido um convite do então governador de São Paulo, Adhemar de Barros, por ocasião de visita oficial desse à Alemanha, para trabalhar no nosso País. Artur

Primavesi

e

família,

assim

que

chegaram

ao

Brasil

estabeleceram-se em São Paulo. Artur foi contratado pela Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo como superintendente para o plantio de trigo. Depois, deixando o serviço público, foram para Passos/MG, onde Artur prestava serviço para uma usina e se dedicava 1


ao cultivo de cana-de-açúcar, e nasceria Carin, a filha do casal, em 1951. Depois, voltaram para Itaberá, em SP, para trabalhar numa empresa privada, a Companhia Paulista de Trigo. Nesta cidade, em 1953, nasceu o terceiro filho do casal, que recebeu o nome do pai, chamando-se também Artur Primavesi. Em julho de 1956, o casal Primavesi voltou para São Paulo, morando incialmente na Vila Madalena e depois no Brooklin Velho, onde construíram uma casa. Nesse período publicaram nove livros sobre agricultura, pela Editora Melhoramentos. Em 1960, com a criação de várias universidades no País, o casal Primavesi, foi convidado para trabalhar em pelos menos três instituições: em Botucatu, Brasília e Santa Maria. Optaram pela UFSM, atendendo a convite do Magnífico Reitor Mariano da Rocha, quando marcariam de forma indelével a instituição, especialmente pela criação do ensino de pós-graduação nas ciências agrárias, materializada no curso de Biodinâmica e Produtividade do Solo. Nem tudo foram flores na vida de Ana Maria Primavesi. Na UFSM enfrentou a inveja de colegas que insistiam que o diploma dela não era válido, que se equivalia a um curso técnico e não de doutorado. Venceu essa batalha e teve o seu diploma reconhecido; não sem controvérsias dos desafetos. Em 1974, com os filhos já adultos e formados, o casal Primavesi deixou Santa Maria e voltou para São Paulo, onde Artur passou a trabalhar como consultor de empresas da área agrícola. Uma nova vida, novos reveses e novas contribuições esperavam por Ana Maria Primavesi em São Paulo. Houve a morte do marido, Artur Primavesi, em 1977, vitimado por um câncer de próstata. E, em 1986, a morte do filho mais novo, Artur Primavesi, que trabalhava como médico anestesista em Passo Fundo e acabaria vitimado por um acidente automobilístico fatal numa Rodovia de Santa Catarina, enquanto se deslocava com a mulher e o filho para se reunir com os demais familiares em São Paulo, no Natal daquele ano.

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Depois que deixou a UFSM, em 1974, apesar os reveses que sofreu em São Paulo, primeiro com a morte do marido, Artur Primavesi, em 1977, e depois com a perda filho mais novo, o médico Artur Primavesi Filho, em 1986, Ana Maria Primavesi ainda tinha muito com que contribuir para a agricultura brasileira, com destaque em agroecologia; como efetivamente fez. Em 1977, Ana Maria Primavesi aproximou-se do Movimento de Agricultura Alternativa, que, na ocasião, mesmo enfrentando a oposição de boa parte da classe agronômica, era capitaneado pela direção da Associação de Engenheiros-Agrônomos do Estado de São Paulo, culminando essa iniciativa, em1989, na criação da Associação de Agricultura Orgânica de São Paulo. Nesse período, Ana Maria Primavesi também se dedicou a concluir aquela que reconhecidamente é a sua obra magna: o livro O Manejo Ecológico do Solo. A obra O Manejo Ecológico do Solo: A Agricultura em Regiões Tropicais, mais conhecida pelo titulo resumido Manejo Ecológico do Solo, inicialmente, fora escrita com a intenção de ser publicada pela Editora Agronômica Ceres, uma das mais importantes casas editoriais na área de Ciências Agrárias no País. A Editora Ceres relutava em publicar o livro. Um parecer sobre a obra foi solicitado a professores da ESALQ/USP. O relatório recebido foi arrasador. De qualquer forma, Ana Maria Primavesi não desistiu do livro. Ao contemplar as sugestões dos revisores, o livro passou das originalmente 250 páginas para mais de 500 páginas. A Editora Ceres não se decidia pela publicação ou não do livro. Nesse interim, em 1980, surgiu o interesse da Editora Nobel, que buscava um livro sobre agricultura. A Editora Ceres recebeu um ultimato e desistiu da publicação. O livro acabou saindo pela Editora Nobel, ganhou lançamento na Associação de Engenheiros-Agrônomos do Estado de São Paulo, e, apesar das críticas, foi um sucesso imediato,

vendendo

três

edições

completas

em

seis

meses.

A visão de Ana Maria Primavesi sobre o solo, como uma entidade viva, ao apregoar que os solos tropicais, diferentemente dos temperados, não precisavam ser revolvidos pela a aração para se tornarem produtivos, ainda que não goze desse reconhecimento, ajudou na construção de um dos princípios basilares do atual Sistema Plantio 3


Direto: o revolvimento do solo apenas na linha de semeadura. Em 1980, empregando parte da indenização recebida do governo alemão pelas perdas materiais sofridas por Artur Primavesi por ocasião da Segunda Guerra Mundial, Ana Maria Primavesi comprou uma fazenda em Itaí, no interior de São Paulo. Nessa propriedade de 96,8 ha ela construiu uma casa, plantou árvores e cultivou o solo segundo os princípios que acreditava, transformando aquelas terras em uma propriedade referência em sistemas sustentáveis. Ali, Ana Primavesi, mesmo viajando muito, viveu por 32 anos, até que, no final de 2011, aos 91 anos, deixou Itaí de vez para voltar a São Paulo. Nunca faltaram criticas e nem o merecido reconhecimento ao legado deixado pro Ana Primavesi à agricultura brasileira e mundial. Na Alemanha, em 2012, recebeu das mãos de Vandana Shiva o One World Award (OWA), da International Federation of Organic Agriculture (IFOAM) e, em 2013, foi aplaudida em pé por mais de cinco minutos no Terceiro Encontro Internacional de Agroecologia,

realizado em

Botucatu/SP. Atualmente, aos 96 anos, Ana Primavesi ainda continua produzindo intelectualmente. Em 2014, pela Editora Nobel, saiu o livro Pergunte ao solo e às raízes: uma análise do solo tropical e mais de 70 casos resolvidos pela agroecologia. E, em 2016, veio a lume a biografia Ana Maria Primavesi: Histórias de Vida e Agroecologia; que começou a ser escrita em 2010, pela geógrafa Virgínia Knabben. O livro foi publicado pela Editora Expressão Popular, como parte da série Ana Primavesi, criada especialmente em sua homenagem. Por essa série, saiu, este ano também, o mais recente livro de Ana Primavesi: A convenção dos Ventos, um retrato da Agroecologia em contos.

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