Por Regina xxxxxx Hatakeyama
Metade de nossas vendas provêm da marca Benetti, de mega e gigaiates. Com 15 desses, efetuamos US$ 300 milhões
Fotos Mozart Latorre
Velejador e atual homem forte do grupo italiano Azimut-Benetti, Ferruccio Luppi conta com exclusividade à NÁUTICA os planos da empresa para o Brasil e se diz confiante no futuro do país como principal mercado na América Latina
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eterano da área de finanças, Ferruccio Luppi ocupa o cargo de CEO da Azimut-Benetti desde 2013, quando foi convidado pelo presidente e fundador desse grande grupo náutico italiano, Paolo Vitelli, para auxiliá-lo na condução dos negócios. Luppi teve três dias para pensar. Então recém-eleito para o parlamento, Vitelli passaria muito tempo em Roma e não poderia dedicar-se devidamente à empresa. Em tempos de crise, o experiente Luppi, ex-alto executivo do grupo Fiat, onde trabalhou 26 anos, nas áreas de automóveis, varejo, negócios imobiliários e serviços financeiros, foi uma escolha lógica. Em Angra dos Reis, após um encontro com clientes da AzimutBenetti no país, um confiante Luppi, nascido em Turim há 64 anos, formado em economia, avô de quatro netos e velejador de longa data, falou com exclusividade à NÁUTICA. Numa conversa sem reservas, o hoje homem forte da Azimut-Benetti comentou o atual cenário de negócios no mundo, sobre como as práticas do ramo automotivo podem ser aplicadas à indústria de barcos e os planos do grupo no exterior e no Brasil. Aqui, fica a única fábrica da empresa fora da Itália, numa área de 16 mil m2 na cidade de Itajaí, em Santa Catarina, de onde saem atualmente modelos com flybridge entre 42 e 83 pés.
Como o grupo AzimutBenetti está passando por este período de dificuldade global? A Azimut hoje exporta 97% da sua produção. Vendemos em mais 60 países, com diferentes tendências, mas podemos contrabalançar. Por exemplo, na última temporada, houve uma redução de vendas na Rússia, que compensamos com um aumento nos EUA e na Europa. Neste ano, também percebemos sinais de demanda fraca na China, mas no sul da Ásia, na Tailândia, Indonésia, Malásia, está crescendo. Temos mais de 60 distribuidores Azimut pelo mundo. Além disso, metade de nossas vendas provêm da marca Benetti, de mega e gigaiates até 110 m de comprimento, que é vendida apenas por broker, na Itália. Com 15 iates desses por ano, efetuamos 50% das vendas, são US$ 300 milhões. Vendemos 250 barcos Azimut por ano, com volume de negócios muito rápido, temos quatro fábricas trabalhando, com encomendas para seis, oito meses. Por outro lado, temos uma lista de espera para os megaiates de dois a quatro anos. Tudo junto nos dá a estabilidade necessária durante o ano. No fim, a companhia consegue um crescimento de vendas razoável, independentemente de como anda a economia.
co. Esta é uma empresa familiar, pertencente a Paolo Vitelli, que sempre reinvestiu na companhia, criou reservas, investiu em marinas, imóveis. Quando veio a crise, ele começou a vender sua parte nesses negócios para dar suporte à indústria. Agora, estamos nos recuperando há oito meses. A companhia passou pelos problemas sem precisar de outros acionistas, sem aumentar sua dívida, simplesmente vendendo ativos não estratégicos que acumulou.
Vocês não tiveram que demitir funcionários? Sim. Fechamos uma fábrica, onde produzíamos barcos menores, de 30 a 40 pés, da linha Atlantis, que foi mais afetada pela baixa demanda. Transferimos a produção dessa fábrica para outra. Para os grandes barcos, usamos empreiteiros. Fazemos o projeto, o núcleo de gestão, mas pegamos especialistas e mão de obra de empreiteiros. Para as lanchas Azimut, é o contrário, temos pouquíssimos terceirizados, preferimos trabalhar de maneira totalmente integrada, produzindo desde a laminação, montagem e testes com nossos próprios empregados.
A Azimut, então, vai bem, a despeito da crise geral?
O que difere a Azimut de outros estaleiros italianos, que não resistiram à crise, mais especificamente o Ferretti, hoje controlado por chineses?
Os números do ano passado mostram € 630 milhões de vendas e € 50 milhões de dívidas, é bem pou-
A Ferretti entrou na alavancagem financeira com dinheiro próprio, colocou a companhia na bolsa e Náutica
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ferrucio luppi
Provavelmente, surgirão concorrentes na China, mas no mercado doméstico, e não agressivos como no Ocidente depois tirou, começou a vender participações para private equity, para hedge funds. Quando veio a crise, em 2008, estava em situação muito frágil. Para pagar suas obrigações, começou a vender barcos novos com alta alavancagem de negociação, comprando os barcos usados de volta. Atuaram como banqueiros e tiveram grandes perdas. Por que não aconteceu a mesma coisa com a Azimut-Benetti? Porque o senhor Vitelli, que fundou esta companhia 40 anos atrás, já tinha reinvestido dinheiro para salvar a companhia. No início da crise, a empresa tinha caixa positivo, de € 200 milhões. Num período de cinco anos, de 2009 a 2014, a pior fase, houve apenas um ano com balanço negativo. Agora também estamos no positivo. A diferença é de uma empresa de condução familiar de longo prazo e outra com condução financeira muito sofisticada. Outro problema pode ter sido haver marcas demais. A Ferretti possuía cinco. É difícil trabalhar com tantas marcas, porque você tem que manter diferentes organizações de vendas, os produtos não são os mesmos, os custos e o desenvolvimento de novos produtos têm que ser distribuídos entre as marcas. Talvez essa não seja uma boa coisa a fazer.
A Azimut permanecerá sozinha no mercado? A estratégia de Paolo Vitelli é ser independente, mas não se exclui alguma joint-venture ou parceria com mercados emergentes. Recebemos pedidos insistentes de investidores 68
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para produzir na China, mas preferimos crescer gradualmente, entre 5 e 8% ao ano, um crescimento orgânico, continuar mudando os produtos, aumentar as margens. A AzimutBenetti é, há 15 anos, o maior produtor de iates de mais de 24 m. É uma longa história de sucesso e não é certo mudar muito rápido agora. Podemos perder algumas oportunidades, mas o otimismo ainda é arriscado, os mercados estão voláteis, tem de ir passo a passo. Talvez no futuro encontremos algo, talvez algum acordo para compartilhar mercado ou tecnologia com outro produtor.
O caminho dos barcos passa obrigatoriamente pela China? Se olharmos para o ambiente da concorrência, temos as inglesas Princess e Sunseeker, ambas de posse de investidores financeiros. A Princess está com o L Capital, do grupo Louis Vuitton (LVMH Group), penso que daqui uns seis anos irão revender. A Sunseeker foi comprada recentemente por investidores chineses; nosso concorrente San Lorenzo tem 30% das ações em posse de chineses; a Ferretti pertence totalmente a chineses. Há na concorrência mundial grandes protagonistas, e eles querem comprar outros. Os fracos e pequenos vão desaparecer, mas não vejo nenhuma consolidação no futuro próximo da indústria náutica. O tamanho do mercado, que cinco anos atrás era de € 12 bilhões no mundo, caiu para metade. Agora, está subindo, com expectativa de
Em vez de competir com as marcas locais, queremos ser uma referência de estilo italiano e de primeira linha alcançar € 8 bilhões nos próximos cinco anos. Queremos nos mover suavemente nesse crescimento. Na Ásia, talvez alguém inicie uma produção local, porque esses investidores da Ferretti, Sunseeker e San Lorenzo na realidade compraram tecnologia para transferir para produtores locais. Eles começaram a investir muito dinheiro em marinas, agora estão pensando em como usá-las. Provavelmente, veremos surgir concorrentes na China, mas para o mercado doméstico, não concorrentes agressivos como no mercado ocidental.
tinuamente no estilo, no conforto, na facilidade de uso. Aí tem uma contribuição da experiência automotiva, estamos trabalhando na redução do peso dos barcos, usando mais fibra de carbono, com isso você tem a mesma performance com menor potência e redução no consumo. Isso é inovação. Recentemente, também passamos a usar motores com rabetas fixas, mas, não nos grandes iates, porque esse mercado é mais conservador, e aí a preferência é pela motorização em linha.
Como o senhor compararia o cenário econômico atual com o mar?
Comecei a velejar aos 12 anos de idade e levei isso pela vida toda. Aos 18 anos, mudei para Paris e passei a velejar na Bretanha. Mais recentemente, fiz duas travessias atlânticas com amigos, entre Marselha, na França, e Santa Lúcia, no Caribe. A primeira, em 2000, foi num veleiro de 26 pés, levou 22 dias. A segunda, em 2010, foi em um 47 pés, mas demorou 28 dias, porque não conseguimos ventos tão bons. Talvez repita no ano que vem ou no outro. Então, quando entrei para o grupo Azimut, não tinha um barco a motor, mas sabia o que é o mar, o respeito pelo barco. No mar, se o barco tiver um problema, você terá um problema. Num barco, também é preciso sentir responsabilidade pelo outro, é uma boa escola. Outra parte da minha experiência, que tento traduzir e passar ao nosso time na Azimut, vem da indústria automotiva, que começou a ter grandes problemas 20 anos
A tempestade passou, faz sol muitas vezes ao dia, mas há nuvens, a volatilidade continua. Se olharmos o mercado da Rússia, dois anos atrás era um dos melhores do mundo, e nos últimos seis meses está morto. A indústria não está consolidada, estável, mas existe a chance de vender barcos em todo lugar no mundo, essa é uma força que pode ajudar a vencer os momentos nebulosos. Eu diria que, basicamente, o tempo está ensolarado, mas pode ser que ainda aconteça algo no cenário mundial.
A estratégia no momento é ser conservador? Sim. Inovador no produto, mas conservador na direção da empresa. Todos os anos, lançamos dois novos modelos. Estamos trabalhando con-
O senhor é velejador, isso ajuda no trabalho?
atrás, obrigando-nos a aprender a ser mais eficientes e competitivos, o que não é o caso da indústria de barcos, que continua primitiva.
Quais ensinamentos o senhor está trazendo da indústria de carros? O que estou tentando fazer é contratar pessoas do setor automotivo para traduzir essa experiência em termos de processo, gerenciamento e até fabricação. Entre outras coisas, estamos introduzindo um plano de melhoria contínua e um controle de qualidade novo, desde o início da linha de produção e não só no fim. Há também o marketing. É difícil vender um barco, mas estranhamente não há uma relação forte entre fabricante e cliente, porque há a barreira do dealer e o pós-venda, que muitos fabricantes vêm como problema. A indústria automotiva aprendeu que o pós-venda pode ser mais rentável que o negócio principal. Estou tentando trazer isso, abrindo centros de peças de reposição, fazendo consultas sobre atendimento aos nossos clientes. Temos poucos clientes e conhecemos todos. É tolo terminar essa relação quando você vende um barco, temos que continuar, como fabricante, porque o cliente vai comprar outro barco, maior. O cliente nos dá o senso de qualidade. Quando desenvolvemos um novo produto, fazemos painéis com dealers e comandantes de barcos, para que avaliem o que pretendemos colocar no mercado, construímos com eles. Isto é típico da indústria automotiva.
Quais são os planos da empresa no Brasil? Após alguns problemas de controle da matriz italiana sobre a atividade da empresa no Brasil, decidimos trocar a equipe de administração daqui, mudar para uma fábrica maior e vender diretamente ao cliente. Agora temos uma companhia que produz e vende 28 barcos (por ano), que almeja chegar a 40 por volta de 2017 e estamos aumentando o tamanho dos nossos barcos — estamos produzindo pela primeira vez no Brasil um 83 pés. Em vez de competir com as marcas locais, queremos ser uma referência de estilo italiano, de barcos totalmente feitos com componentes italianos e de primeira linha. Nossa intenção é ter uma fatia de 20% do mercado e exportar para outros países da América do Sul.
A situação do Brasil não lhe traz dúvidas sobre o futuro? Como cidadão estrangeiro, digo que não. As bases da economia brasileira são fortes. O Brasil é um dos maiores produtores de minério e de comida do mundo. As preocupações de hoje devem-se à gestão, não ao país. A população está crescendo, é jovem, tudo que está relacionado com o desenvolvimento da economia está na direção certa. Vocês provavelmente têm que resolver alguns erros, aliviar a burocracia, introduzir reformas na administração, investir na infraestrutura, mas não tenho dúvida de que se manterão entre os maiores e serão o mais importante país da América Latina. Náutica
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