Roteiro do milho
Cultura e culinária no sudoeste paulista Cristina Fachini • Patrícia Mariuzzo • Sônia Araújo
SUMÁRIO Apresentação Cap 1 • Sabores, sentidos e permanências da culinária tradicional no Sudoeste paulista Cap 2 • Receitas com Milho Verde Cap 3 • Poema do Milho Cap 4 • Recolhendo memórias do Milho Cap 5 • Receitas com Farinha de Milho
Apresentação
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onheci a Cristina Fachini em 2018, quando então participei de um projeto coordenado pelo CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos), que tinha por objetivo a criação de um Centro de Desenvolvimento Regional no Sudoeste Paulista para dinamizar a economia da região. Alguns projetos foram selecionados para esse fim e lembro-me claramente, como se fosse hoje, que o do milho crioulo suscitou-me um encantamento imediato, pois ali estava uma ideia genuína, original e, sobretudo, de grande potencial para o desenvolvimento regional. De fato, a preocupação com a preservação das sementes de milho crioulo estava associada a um verdadeiro resgate cultural em que o manejo do milho caminha de mãos dadas com a recuperação de tradições festivas e gastronômicas, muitas delas correndo o sério risco de serem esquecidas. Daí a extrema importância de outro projeto, ligado umbilicalmente ao primeiro e coordenado pela Cristina, que estabelece um roteiro gastronômico do milho nos municípios do Sudoeste Paulista. Tive a rara oportunidade de conhecer
ambos os projetos ao vivo e a cores, o que significa dizer que pude, não só desfrutar de verdadeiras lições sobre milho crioulo e turismo gastronômico, mas também de experimentar os deliciosos quitutes regionais, tais como o rojão, o bolinho pingado de milho verde e o bolo doce de farinha de milho. Esses pratos típicos fazem parte do belo e rico patrimônio territorial e têm a extraordinária capacidade de despertar verdadeiros deleites olfativos, explosões de sabor e um desejo de que esses momentos de puro prazer não terminem jamais. Esses sentimentos afloram natural e instantaneamente ao se degustar essas maravilhas da gastronomia regional. É uma experiência única e inesquecível! O livro da Cristina sobre a culinária do milho já nasce como um mapa do tesouro gastronômico, cultural e patrimonial da região do Sudoeste Paulista em que os leitores estão convidados a percorrer uma geografia de incontáveis delícias. Maurício Serra Professor do Instituto de Economia da UNICAMP 3
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Capítulo 1 Sabores, sentidos e permanências da culinária tradicional no Sudoeste paulista Em época de grande escassez de alimentos, dois guerreiros procuravam inutilmente caça e pesca quando depararam com um enviado der Nhandeiara – o grande espírito. O mensageiro divino disse-lhes que a solução para a sua procura seria uma luta de morte entre os dois. O vencido seria sepultado no local onde caísse e logo de seu corpo brotaria uma planta cujas sementes, replantadas resolveriam para sempre o problema da alimentação. Assim, fizeram. Avati – um dos dois, foi morto e de sua cova nasceu a planta chamada milho – avati ou abati na língua tupi1.
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Brasil é o terceiro maior produtor mundial de milho, atrás de Estados Unidos e China. Segundo os dados do acompanhamento da safra de grãos, de dezembro de 2018, feito pela
1. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016, p. 97
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)2, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná, São Paulo e Goiás são os maiores produtores brasileiros. A história do milho nessas regiões, no entanto, é bem mais antiga: abatitigba; abati; abatiguaçu; abatiatã; abatiúna; abatitinga; abatiete; abatimirim; são alguns dos nomes pelos quais o milho era conhecido e que compunham as receitas e formas de comer dos primeiros habitantes do Brasil, indígenas Kaigang, Guaranis, entre tantas outras etnias3. Ainda hoje a variedade é grande: Assis Brasil, branco americano, bravo, cateto, cristal, dente de cavalo, ferro, indiano, miúdo, morango, pipoca, pipoca amarelo, pipoca redondo, pipoca roxo, quarentena, roxo e vermelho são alguns dos nomes dados às sementes crioulas de milho que são plantadas no Brasil atualmente. A região Sudoeste paulista é a maior produtora de milho do Estado de São Paulo, um tipo de agricultura em larga escala que utiliza sementes 2. Fonte: CONAB - https://www.conab.gov.br/info-agro/safras/graos 3. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016, p. 98
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transgênicas e aplica técnicas avançadas de cultivo. Mas essa é apenas uma faceta dessa região. A grande produção agrícola convive com agricultores familiares e comunidades quilombolas que seguem plantando sementes crioulas de milho e que alimentam uma cultura imaterial rica em torno desse alimento. Assim, enquanto nas grandes cidades a cozinha do dia a dia pede praticidade, o que resulta, em boa parte das vezes, na adoção de comida industrializada, em alguns lugares, como nesses territórios, práticas tradicionais permanecem. Pastel de milho, virado de frango com melancia, bijú, rojão, croquete, bolinho de frango, paçoca de carne feita no pilão, quirera de milho com costelinha de porco, além de pratos mais conhecidos como a pamonha, canjica, bolos e pães, receitas que permeiam o dia a dia das comunidades de oito cidades da região Sudoeste do Estado de São Paulo. Todos esses preparos têm um ingrediente em comum, o milho. Alguns desses pratos típicos regionais são reconhecidos como patrimônio imaterial local, como é o caso do bolinho de frango, em Itapetininga; o rojão, em Ribeirão Grande e o
pastel de farinha de milho em Apiaí. Nessa região ainda é possível encontrar monjolos à beira de cursos d’água, usados para socar o grão. Como se verá, a farinha de milho é um dos pilares da culinária caipira. Pelas mãos de cozinheiros fieis à tradição dessa cozinha, ela é transformada em uma série de pratos consumidos no dia a dia dessas comunidades, nas festas e celebrações. Também resistem funcionando fábricas de farinha de milho, cujas técnicas de preparo são transmitidas de geração a geração. Segundo Macedo, muitas dessas pequenas fábricas ainda mantém modo de produção artesanal, onde o milho seco é debulhado manualmente, depois é levado ao pilão do monjolo. Após ser pilado, o milho é azedado no rio por oito dias. Em seguida vem a separação da quirera e do fubá em peneiras artesanais e, finalmente, o fubá úmido vai para a torrefação4. Em Guapiara, no bairro dos Vieira, caminho para o Santuário da Nossa Senhora D´Ajuda, mora Dona Tereza Cravo da Silva, de 70 anos. Ela mantém um monjolo ativo, produzindo 4. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016, p. 124-5
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farinha de milho no modo artesanal. Sua irmã, de 84 anos, ainda a visita para, juntas, produzirem a farinha no tacho de ferro abaulado, ao lado do córrego, em meio à vegetação de Mata Atlântica. Dona Tereza cuida de uma roça do milho palha roxa para usar no monojolo ou para fazer sua pamonha. Tem outro gosto. As pessoas daqui sabem disso. No município de Ribeirão Branco existem três monjolos ainda em funcionamento no bairro dos Boavas. Dona Elenice, Dona Maria Dorico e a mais velha, Dona Berma, mantêm as técnicas tradicionais na lida com o milho. Do milho seco azedado no rio produzem o farelo, fubá, quirera e bijú. Em alguns municípios da região é possível visitar as ruínas daquilo que já foi um monjolo. Em outros, como em Apiaí, produz-se a farinha de milho orgânica e em Capão Bonito a tradicional farinha que perfuma as ruas do centro na hora da torra diária pelas manhãs. Monjolos, farinha de milho, receitas, festas, tudo isso pode ser visto, vivido e experimentado em oito cidades localizadas na região Sudoeste Paulista - Apiaí, Ribeirão Branco, Guapiara, Ribeirão Grande, Capão Bonito, São
Miguel Arcanjo, Itapetininga e Itapeva. Elas compõem o Roteiro do Milho, fruto de um levantamento de receitas tradicionais à base de milho e de seus locais de produção e comercialização. A formalização desse Roteiro, por meio do apoio do Programa de Ação Cultural (Proac), é uma oportunidade do turista conhecer essa rica cultura gastronômica alinhavada pelo milho que envolve, além das receitas, um modo de vida rural, festas, danças e práticas, como a fabricação de peneiras e cestos, além de artesanato feito com a palha do milho. O Roteiro do Milho surge como um meio de resguardar, fortalecer e valorizar essas memórias e práticas locais que preservam fluxos e tempos diversos, marcados ainda pelo tempo do plantio e da colheita, pelo ritmo lento do preparo de algumas receitas e pelos encontros e experiências criados pelas pessoas dessas comunidades que mostram a diversidade e a riqueza da cultura paulista.
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O milho
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Para mim, como mexicano, ter tido a oportunidade de conhecer o projeto da Rota do Milho no Brasil foi uma grande surpresa. O projeto certamente tem um grande potencial irmão para o Brasil e o México. Imediatamente muitas questões se abrem: qual foi o caminho que o milho brasileiro teve no processo de domesticação? Quais são as condições sociais e históricas que levaram ao seu estabelecimento? Que práticas agrícolas são semelhantes entre o cultivo de milho no Brasil e no México? Por que o processo de nixtamalização não se desenvolveu no Brasil? Estas e muitas outras questões permanecem em aberto para aprofundar a pesquisa agroecológica do milho entre o Brasil e o México.
á pelo menos nove mil anos, seres humanos já usavam e manipulavam a forma selvagem do milho, um capim chamado teosinto, no México5. Sua difusão ocupou a América Central e América do Sul, até chegar ao Brasil no período pré-colombiano, há mais de mil anos, ainda não completamente domesticado6. O cultivo do milho esteve presente em comunidades de diferentes tradições indígenas, entre eles Guaranis e Kaigangs, que ocuparam a região entre o Vale do Ribeira e do Paranapanema (Sudoeste Paulista) no período da chegada de portugueses, espanhóis e africanos. O caminho indígena que ligava os oceanos Pacífico e o Atlântico, conhecido por Peabirú, passava por esse território. Muitas lendas e folclores se contam sobre esse caminho por onde possivelmente transitavam variedades de milho. Diz a lenda que, buscando encontrar uma terra onde o mal não existia, onde os frutos brotavam da terra sem que fosse preciso semear e onde ninguém
Benjamin Ortiz – México – Diretor de Projetos de Água e Bacias Hidrográficas, Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais, Governo Federal do México.
5. GUIMARAES, Maria. “Caminhos do milho”. Pesquisa Fapesp, 18/12/2018. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp. br/2018/12/13/caminhos-do-milho/. Acesso em 07/11/19. 6. KISTLER, Logan.et al. “Multiproxy evidence highlights a complex evolutionary legacy of maize in South America”. Science,14 Dec 2018: Vol. 362, Issue 6420, pp. 1309-1313
Grãos dourados semeando histórias
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morreria, indígenas construíram uma longa estrada que ligava o Pacífico e o Atlântico. Esse caminho ficou conhecido como Caminho do Peabiru, palavra tupi-guarani que pode significar “caminho que leva ao céu”7. Peabiru, que também pode significar “caminho pisado”, “caminho sem ervas” ou “caminho forrado”, é o nome que designa um conjunto de trilhas continentais que remontam a eras pré-colombianas conectando as culturas de vários povos indígenas que usavam essas trilhas para o comércio e trocas, inclusive de sementes de milho. O Peabiru se dividia em três braços principais, um deles chegando até Cananeia. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, foi por meio desse caminho que os portugueses, a partir da costa brasileira, atingiram o Paraguai e, a partir daí, alcançarem as cobiçadas riquezas do Peru8.
7. PROENÇA, Jorge Ubirajara. Caminhos e descaminhos do Peabiru. São Paulo: Editora Nova, 2015, p. 30. 8. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000, p. 142-44.
A farinha de milho
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milho constituiu a base da dieta Guarani, juntamente com amendoim, palmito, batata doce, mandioca, feijão, mel, peixe e carne de caça. O abati ou avaty era considerado sagrado para os tupi-guarani que talvez considerassem obra dos deuses a rapidez e a facilidade do seu cultivo. Avati era o nome do herói do mito guarani da descoberta do milho. Certo é que esse alimento se adaptou perfeitamente à vida nômade dos indígenas que transportavam seus grãos em seus movimentos de migração, como meio de preservar de seu modo de vida. Com o milho eram feitos diversos pratos, de variadas formas, ora com os grãos, ora com farinha, obtida com uso de um pilão manual cavado em tronco de árvore. Alimento estrutural do processo de colonização brasileira e paulista, o milho é uma das principais contribuições nativas para os portugueses quando de sua chegada à América. Permitiu estabelecimento de núcleos de povoamento e, mais tarde, a mobilidade sertanista. Possibilitou, enfim, a adaptação e sobrevivência 10
dos europeus em terras paulistas. Fácil de transportar, as sementes plantadas forneciam alimento em um tempo curto: apenas quatro meses para chegar ao ponto de milho verde e cinco ou seis meses, tempo necessário para gerar o grão seco9. Como farinha, que os indígenas obtinham com o uso de um pilão manual, o cereal se transformava em um alimento que podia ser comido em preparações simples e rápidas10. O monjolo é popularmente associado à cultura indígena, mas o historiador Sérgio Buarque de Holanda ressalta que a máquina era desconhecida por aquela cultura. Segundo esse autor, Brás Cubas, um fidalgo português que esteve na Ásia com Martins Afonso de Souza, trouxe o primeiro monjolo da China, instalado na capitania de São Vicente. Os indígenas brasileiros denominaram o utensílio de enguaguaçu, que significa o grande pilão. A palavra monjolo tem, provavelmente, origem 9. Esse ciclo considera o milho crioulo. O milho melhorado pode ter ciclos ainda mais curtos. 10. DORIA, Carlos Alberto; BASTOS, Marcelo Corrêa. A culinária caipira da Paulistânia: a história e as receitas de um modo antigo de comer. São Paulo: Três Estrelas, 2018.
sânscrita, vindo de musala, que significa pilão para descascar arroz11. Quando chegaram à América, os portugueses perceberam rapidamente as qualidades do milho, alçando o alimento à posição estratégica na manutenção da vida dos colonizadores nas novas terras12. O monjolo e os moinhos foram tecnologias trazidas por portugueses. Com a introdução de monjolos movidos com energia hidráulica a farinha de milho torna-se matéria prima central da culinária caipira. A introdução dos monjolos pelos portugueses foi responsável dar certa escala à produção manual de farinha de milho, disseminando seu uso e aplicações. Esses monjolos espalhados em sítios acabaram por se transformar em casas de farinha de milho. Algumas estão presentes até hoje e podem ser visitadas ao longo do roteiro do milho, em Guapiara e Ribeirão Branco. 11. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. São Paulo: Cia. das Letras, 1994, p. 190-1. 12. BASSO, Rafaela. Avati na mesa e no sertão. In MELCHIOR, Myriam (org). Gastronomia, cultura e memória: por uma cultura brasileira do milho. Rio de Janeiro: Folio Digital: Letra e Imagem, 2017, p. 58-9.
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Além da farinha de milho, os monjolos movidos à água permitiram ampliar a produção de fubá com o qual são produzidos bolos, broas, pães, sopas, mingaus, angus e polentas. Além dos monjolos, outros elementos da cultura material, como cestos e peneiras confeccionados com a palha do milho, também são utilizados no dia a dia das comunidades, ainda que em pequena escala. Segundo afirma Toninho Macedo13, “o ‘desempenho’ do fubá de moinho, seja para bolos, angus ou outros usos, é incomparável”. Conforme descreve Hércules Florence, pintor e desenhista que, no século XVIII, acompanhou uma expedição russa que veio ao Brasil, o monjolo é estrutura pesada, feita de madeira medindo de 25 a 30 pés de comprimento e que tem em uma das extremidades uma cuba e na outra, um furo, onde se adapta um pilão. Instalado junto à um rio ou córrego, a água move um conjunto de pás que faz o pilão se movimentar de cima para baixo, esmagando os grãos de milho depoistados na cuba14. 13. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016, p. 155. 14. FLORENCE, Hércules. Viagem fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. Brasília: Ed. Senado Federal, 2007 p. 67.
Milho, o ouro que a terra dá
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s iguarias de milho foram tão marcantes nas vilas do planalto paulista, a ponto de Sérgio Buarque de Holanda denominar a sociedade local de “civilização do milho”15. Ainda sobre essa cultura alimentar, Rafaela Basso aponta16 que o milho ocupou papel central na alimentação dos viajantes, nas áreas periféricas, nos polos de extração do ouro também nas capitanias do Sul17. As Minas do Paranapanema foram parte dessa zona de exploração do ouro em São Paulo. Há indícios de que desde fins do século XVII já ocorriam atividades de mineração nas cabeceiras do Rio São José de Guapiara. A exploração oficial pela coroa de portuguesa nas Minas do Paranapanema tem início em 1717 em uma região que abrange os atuais municípios de Guapiara, Capão Bonito, Ribeirão Grande e 15. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras. São Paulo: Cia. das Letras, 1994, p. 181-9. 16. BASSO, Rafaela. A cultura alimentar paulista: uma civilização do milho? (1650-1750). Editora: Alameda. 220p. 17. REIS, G. N. As minas de ouro e a formação das capitanias do sul. Sao Paulo: Via das Artes, 2013.
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Itapetininga18. As expedições sertanistas que adentravam o sertão em busca de ouro se alimentavam de milho, ora comendo pratos à base de farinha de milho, ora colhendo espigas do milho ainda verde - servidas assadas, cozidas ou na forma de bebida - diretamente das roças plantadas por colonos que se fixavam nas rotas e se antecipavam aos bandeirantes. A culinária é resultado de diversos fatores: ao mesmo tempo em que utiliza o que existe de disponível no meio ambiente, é também fruto dos desafios colocados por ele, no caso, por exemplo, da comida para viagem. O preparo de farinhas e o uso de temperos para conservar os alimentos responde em parte a esses desafios. Só foi possível para o bandeirante paulista permanecer meses embrenhado no sertão porque ele tinha à sua disposição um alimento fácil de preparar e de transportar e que se transmutava em diversos pratos. Esse alimento era o milho que o bandeirante comia verde, cozido, assado, em forma de 18. FACHINI, Cristina. Cartografia do Patrimônio na Bacia do Rio das Almas - São Paulo, Brasil. 2017. 1 recurso online (233 p.). Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e Universitat de Girona, Campinas, SP. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/330707.
suco, ou, em pratos à base de farinha de milho, que compunha desde o café da manhã dos viajantes, quando era servida junto com café em em forma de paçocas salgadas (de carne) e doces (com amendoim), cuscuzes, bolos, broas e beijus. Ela é também é a base de um dos pratos mais importantes da culinária paulista, os virados19. Ao contrário do que reza o senso comum, a descoberta e exploração do ouro foi um marco também na ocupação do território paulista. A despeito do sucesso da empreitada da mineração em Minas Gerais, os portugueses seguiram buscando ouro em terras paulistas ao longo do século XVII, motivados pela presença espanhola em busca de minérios e pela intenção de exercer maior controle nessa porção do território da Colônia. Inúmeras bandeiras saíam do Rio Ribeira em direção ao sertão, boa parte utilizando caminhos indígenas para cruzar aqueles territórios. As notícias da descoberta de ouro em fins do século XVI e início do XVII empurraram moradores da região para o interior, fazendo surgir 19. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016, p. 154.
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uma série de núcleos de povoamento como Iporanga, Apiaí, Paranapanema, entre outros20. O primeiro povoado resultado desse movimento de mineração no Paranapanema foi chamado Arraial de Guapiara ou Arraial Velho, onde, hoje, estão localizados os municípios de Guapiara, Ribeirão Grande e Capão Bonito. Conforme crescia o interesse na mineração, a atividade ia subindo o curso do Rio das Almas, fazendo com que o Arraial Velho fosse transferido para um novo local no ano de 1746, agora na margem direita do Rio, ponto de confluência entre os córregos Lavapés e Ribeirão do Chapéu, onde recebeu o nome de Freguesia Velha. Nesses rios e córregos, a mineração aconteceu até meados do século XIX. Vestígios dessa atividade resistem até hoje nesses lugares. Um exemplo são os arrimos de pedra construídos em sua maioria por mão de obra negra. Chamadas de encanados, eles serviam para desviar o curso dos córregos e rios para facilitar a faiscagem do ouro nas águas.
A cidade de Apiaí surgiu por conta desse interesse, nascida as margens do rio de mesmo nome. Conta-se que o capitão-mor, Francisco Xavier da Rocha, chegou à região com 150 escravos, após ficar sabendo da existência de ouro nas nascentes do Rio. Ele é considerado o fundador da Vila de Santo Antonio das Minas de Apiaí. Ainda em 1728, 41 anos antes da elevação do povoado à condição de vila, fato que aconteceu em 1771, “o governador da Capitania, Antonio da Silva Caldeira Pimentel, em visita ao arraial, deu posse a um corpo burocrático, normatizou as atividades mineradoras e estabeleceu a forma de cobrança do Donativo Real, cujo montante, 2,5 arrobas de ouro, foi calculado com base em 947 bateias presentes na região àquela época”21. A extração do ouro elevou a população da região, especialmente a de escravos, cuja presença era majoritária ao longo do século XVIII. No entanto, conforme a quantidade de ouro extraído diminuía, decaía também a população
20. FACHINI, Cristina. Cartografia do Patrimônio na Bacia do Rio das Almas - São Paulo, Brasil. 2017. 1 recurso online (233 p.). Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e Universitat de Girona, Campinas, SP. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/330707
21. VALENTIN, Agnaldo. Posse de escravos e manutenção da propriedade em Apiaí, São Paulo: 1732 a 1835. Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 8, n. 9, p. 85-106, abr. 2006. ISSN 2237-8871. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoshistoria/ article/view/1740/1886>. Acesso em: 03 ago. 2019.
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de negros na vila. O declínio da atividade mineradora determinou ainda um deslocamento da atividade econômica, com muitos proprietários de terra passando a se dedicar à agricultura em pequenas propriedades, incluindo aí parte da população negra e parda. Até hoje a história de Apiaí está ligada à mineração, com a exploração de galena, calcário– quartzo, cobre, manganês, granito e caulim. A cidade é a porta de entrada para o Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira - Petar - que guarda as cavernas mais preservadas da bela reserva. Apiaí abriga também o Parque Municipal Morro do Ouro, com trilhas e minas desativadas, ainda pouco exploradas pelo turismo. Além da natureza, Apiaí é famosa por sua tradição em artesanato de argila. Alguns objetos, como a moringa tripé, viraram símbolo da cidade. A Casa do Artesão abriga esculturas de argila confecionadas pelos artistas da Associação Altos Vale do Ribeira. A atividade mineradora deu início a vários núcleos de povoamento, alguns dos quais são as cidades que conhecemos hoje, cujas comunidades mantém o milho como um dos ingredientes básicos da dieta do dia a dia. As minas
trouxeram também outro elemento para a região, os negros escravizados. Já conhecedores do milho, eles introduziram novos usos, modos de fazer e receitas. Uma delas é o angu. Conforme explica Macedo22, esse prato começou a se popularizar no Brasil a partir do século XVI, com a chegada dos negros bântu que usavam o milho e também outros tubérculos para fazer um tipo de papa. No Brasil, o angu era um dos principais pratos da dieta dos negros escravizados que o consumiam, originalmente, sem sal, como acompanhamento para verduras, carnes e feijão. Os negros trazem também receitas de farofa e virados. Não é a toa que o pastel de farinha de milho de Apiaí é também conhecido como pastel de angu. Ainda vale ressaltar que deve-se à presença marcante das populações afrodescendentes na divisa entre os Vales do Ribeira e Paranapanema a manutenção de sementes crioulas de milho utilizadas no “Sistema Agrícola Quilombola”, sistema reconhecido pelo IPHAN como patrimônio agrícola do Brasil. 22. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016, p. 368.
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O tropeirismo
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expansão da atividade mineradora demandou uma capacidade de transporte mais eficiente. Para enfrentar longas viagens em territórios desconhecidos e de mata fechada, os muares (burros e mulas), que existiam em grande quantidade no sul, passam a ocupar o lugar dos cavalos nas expedições. O comércio desses animais passa a ser uma atividade importante no estado de São Paulo, criando uma nova fonte de renda para os paulistas que viajavam para o sul para buscá-los. É nesse contexto que o tropeirismo surgiu, ou seja, como atividade acessória para abastecer a necessidade de animais para transporte nas minas. Ele se converte rapidamente em uma atividade de grande importância para a região, tanto pelo estabelecimento de conexões territoriais, econômicas e sociais, como pelo surgimento de atividades de suporte que ele acarretou nos caminhos por onde os tropeiros passavam, atividades essas que viabilizavam a continuidade das viagens tropeiras23.
23. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016 p. 31.
Entre elas estava a agricultura de abastecimento dos caminhos para fornecer gêneros alimentícios às tropas em suas longas viagens. Os tropeiros introduziram elementos importantes da culinária portuguesa, como por exemplo, a carne de porco. Milho, feijão e porco se adaptaram àquela vida em movimento, uma vida provisória. A carne de porco aparece ainda em diversas receitas do Roteiro, como na cabeça de porco moqueada servida, adivinhe com o que, farinha de milho. Esses “homens de hábitos simples, sem parada, mas com destino certo”, têm grande responsabilidade na disseminação do uso do milho e por construir algo que conhecemos como uma cultura caipira em São Paulo24. Eles começaram a trilhar os caminhos do sertão das regiões sul e sudeste do país montados no lombo de burros e mulas para alimentar os exploradores das minas. Essa cultura caipira permeia todo o universo cultural do planalto paulista e para além dele. O caipira está também em Minas Gerais, Goiás e 24. BRANCO, M.A.C. “Regatando os caminhos dos tropeiros”. O Estado de S. Paulo. Suplemento Viagem. 17 de agosto de 2004. Disponível em: www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/na-imprensa/ regatando-os-caminhos-dos-tropeiros. Acesso em 05 de outubro de 2018.
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Mato Grosso, com seus modos de fazer e de viver e com alimentação fortemente baseada no uso do milho, da farinha e de carnes como a de porco e a de frango. O Sudoeste foi fortemente marcado pelo tropeirismo, atividade econômica que gerou o desenvolvimento de novos setores na economia colonial. O tropeirismo surgiu a partir das necessidades da atividade da mineração, atividade essa que foi impulsionada pelo apoio da coroa portuguesa às explorações bandeirantes25. Interessante observar que mesmo com o declínio da atividade mineradora, o tropeirismo se mantem como importante em São Paulo como principal meio de transporte de mercadorias, circulação de informações e de pessoas. A atividade só começa a ver sinais de decadência com a chegada das ferrovias, o que, de todo modo, não acontece de modo homogêneo no território paulista. Uma atividade de tamanha importância no abastecimento de extensas áreas permitiu a 25. MONTEIRO, Rodrigo Rocha. Territorialidade e memória tropeira em São Paulo: o caminho paulista das tropas. 2013. 240 f. Tese - (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, 2013, p. 23. Disponível em: <http://hdl.handle. net/11449/104305>.
propagação de uma cultura tropeira, com costumes, manifestações artísticas e religiosas e, também uma cultura alimentar26. O feijão tropeiro, o pirão ou angu, com um pedaço de carne fresca de pequenos animais caçados, fruto de caça, ou carne de frango. Era uma alimentação que deveria garantir a energia necessária para esses homens seguirem em longas viagens. Os portugueses também foram responsáveis pela introdução do açúcar que amplia o uso do milho em bolos, tortas e broas. Assim, enquanto os tropeiros viajantes misturavam a farinha com café e, às vezes com açúcar, como café da manhã, nos povoados ela se transformava em bolos, pães, biscoitos, virados, paçocas, mingaus e angus.
26. IDEM nota 25.
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O sistema tradicional caipira Enquanto o tropeirismo marca a dinâmica do movimento, das viagens, do ir e vir, do comércio, do fluxo, a cultura caipira marca os territórios do sul do Brasil entre aqueles que são fruto dos inúmeros encontros entre culturas e que permaneceram na terra, se apegaram a ela e dela viveram e ainda vivem. Antonio Cândido, na obra “Os parceiros do Rio Bonito”27, descreve o caipira como um dos tipos do homem rural brasileiro, característico de grande parte da região sul, sudeste e centro oeste, fruto da fusão da cultura portuguesa com as culturas indígenas e africanas. Os meios de vida do caipira envolvem uma estrutura simples de produção e condições de vida, uma busca dos meios mínimos e vitais e sociais de que necessitam para obter sua alimentação e moradia. Ele pratica formas de solidariedade características da rede de relações entre habitantes de um bairro ou de um grupo 27. CANDIDO, A. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 11a. ed. Rio de Janeiro - RJ: Ouro sobre azul, 2010.
de vizinhança, que se concretizavam em um mutirão, no trabalho coletivo e na organização de festejos, a maioria deles religiosos. A cultura caipira ainda se faz presente no Sudoeste Paulista. Utilizamos o caso de Ribeirão Grande, município que integra o Roteiro do Milho, para, através de sua história e de relatos colhidos em campo, apresentar um pouco do sistema tradicional caipira, onde o milho é elemento central desse modo de vida rural28. As memorias da população remontam seus antepassados, até seus avós e bisavós, em um período mais longínquo do início do século XX. No século XIX, enquanto a atividade de mineração ia minguando na Freguesia Velha, outro núcleo de povoado foi se concentrando às margens do rio Ribeirão Grande, em torno da Casa Grande, atual bairro dos Cruzes, município de Ribeirão Grande, por volta de 1780. A Casa Grande abrigava, além da residência da família Cruz, ponto de 28. FACHINI, Cristina. Cartografia do Patrimônio na Bacia do Rio das Almas - São Paulo, Brasil. 2017. 1 recurso online (233 p.). Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e Universitat de Girona, Campinas, SP, p. 84. Disponível em: <http://www.repositorio.unicamp.br/ handle/REPOSIP/330707>. Acesso em: 2 set. 2018.
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venda e troca utilizado pelos tropeiros que se dirigiam ao sul do país, bem como pelos remanescentes faisqueiros em busca de ouro de aluvião nos rios das Almas, Conchas e Ribeirão Velho. Na Casa Grande eram celebradas manifestações da cultura caipira, como a prática dos mutirões comunitários para manutenção das paredes de argila e caiação, a organização de festejos religiosos como a recomenda das almas, leilões comunitários, entre outros. A medida que o povoado crescia ao redor da Casa Grande, foi se conformando esse jeito caipira de se pensar como cidade, na relação produzida entre a Casa Grande e o rio Ribeirão Grande. O povoado que foi crescendo ao redor do rio Ribeirão Grande foi alargando a vivência do rural em meio à cidade que ia se configurando. A atual zona urbana de Ribeirão Grande foi se formando ao redor da Casa Grande. Dentre muitas histórias contadas, inclui-se a das lavadeiras que lavavam as roupas no Ribeirão Grande, ao lado da Casa Grande. Na história de vida de alguns entrevistados da zona rural, esses períodos são marcados por práticas religiosas, festas e pela produção
agrícola de subsistência, característicos de um sistema tradicional caipira. Várias são as manifestações mantidas pela população na zona norte de Ribeirão Grande, como a prática dos mutirões comunitários para o manejo agrícola, para a alimentação compartilhada e celebrações. Durante o mapeamento das receitas descobrimos que o sistema agrícola utilizado era o plantio consorciado entre feijão, milho e abóbora, conhecido em toda a América como milpa29. As sementes utilizadas eram da terra, dos indígenas e de suas famílias, replantadas de geração em geração, trocadas entre vizinhos. Entre as plantas de milho, apareciam algumas espigas de milho roxo, que eram assadas na brasa. O milho pipoca, descreve o filho do pipoqueiro de São Miguel Arcanjo, era pontudo, espetava o dedo. Da abóbora que se enrolava nas hastes do milho, se tiravam os brotos no desbaste, a cambuquira, para comer junto 29. RUIZ, Maya Lorena Pérez. “La Milpa como patrimonio biocultural”. P.215-236. In: Sánchez, Edith Yesenia Peña e Abarrán, Lilia Hernández (coord.) Biodiversidad, patrimonio y cocina: procesos bioculturales sobre alimentación-nutricíon. México: Secretaría de Cultura, Instituto Nacional de Antropología e História, 2018. 259p.
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com o milho que já estava no ponto de verde, se cozinhava com feijão, se comia refogadinha. Há menos de 50 anos, os moradores da região costumavam guardar o feijão colhido em cavernas. Várias histórias foram criadas ao redor dessa prática. Segundo um artesão local:
... juntava um mutirão para carpir roça, 25, 30 pessoas. A turma ia, ganhava o dia e tinha o fandango a noite. Começava as oito da noite e ia até as oito da manhã, a noite inteira (Entrevistas com fandangueiros do grupo de Fandango de Tamancos, do programa Melhor Idade, do Fundo Social de Ribeirão Grande, 2014).
Plantava feijão. E a noite guardava na caverna porque se chovia, tava protegida. Só que as pessoas dormiam para fora. E no outro dia iam ver o feijão e tinha sumido... (J.C., 2014, Ribeirão Grande).
Nóis fazia puxirão a limpar uma lavoura, a noite fazia o fandango... Era puxirão, em carnaval, em casamento, convidado para bater outros puxirão particular, varreio de casa [...] Em Olímpia foram 43 anos celebrando o fandango (Entrevistas com fandangueiros do grupo de Fandango de Tamancos, do programa Melhor Idade, do Fundo Social de Ribeirão Grande, 2014).
Nesse período, o manejo das roças de milho, feijão era feito de maneira compartilhada, em sistema de mutirão ou “puxirão” como era conhecido. A prática reunia juntar vizinhos e familiares para colaborar desde plantio até a colheita das roças. O trabalho coletivo era acompanhado das celebrações ao redor do plantio e colheita desses grãos. Em Ribeirão Grande o baile que marcava essas celebrações era a dança do fandango de tamanco. Segundo um dos fandangueiros:
Os mutirões e o trabalho coletivo tinham várias motivações, como a manutenção das casas de taipa, exemplo que se manteve na Casa Grande, em Ribeirão Grande. Antigamente se um estivesse se apertando, fazia um grupo e ia lá e ajudava [...] ‘Vamos ajudar lá e depois você vem ajudar o meu’. Isso é uma coisa 22
que [se] perdeu... por exemplo, antigamente as casas de barro. A Casa Grande mesmo. Antigamente as casas eram de taipa. Então ia todo o pessoalzão lá, amassar barro, arrancar cipó.... Hoje é proibido. Perdeu essa identidade de um ajudar o outro (M.R., agosto de 2014, Ribeirão Grande.). Para o dia a dia o trabalho na roça, na lida, se preparava a farinha de milho nos monjolos. Do milho tudo se aproveitava. As palhas para confecção de objetos e utensílios na alimentação, cestarias para guardar o alimento. O cabelo do milho para fazer remédios, a água do milho para a tratar a pele. Esse processo é descrito pela Dona Luiza e Dona Pedra: A gente colhia a lavoura de milho e daí arrumava tudo num paiol né, todo mundo tinha o seu paiol, que era uma construção longe da casa principal, pra não ir rato na casa né. Aí arrumava no paiol tudo lá, pra depois dar pras vacas, pros porcos, pras galinhas e para as criações que tivesse. A gente colhia milho, aí descascava, debulhava tudo e levava no monjolo. Aí socava ele e sabe o
farelo? Aquela parte branca? Aí tirava o amido e farelo. A gente tinha uma pá e com ela a gente abanava e ia saindo tudo o farelo. Esse farelo a gente dava para porco, galinha, vaca. Não perdia nada. Aquele milho abanado, levava no rio e ficava oito dias azedando dentro do saco. Ficava com a água passando. A água era limpinha. Aí quando dava oito dias, ele já tava bem crescido. AÍ a gente pegava e colocava em um balaio de pouquinho e pouquinho e esfregava de pouquinho e pouquinho. Saia aquela água branquinha. Aquela água, a gente esfregava na cara para não dar espinha. Esses era nossos remédios. Aí colocava o milho para escorrer. Aí esperava até o outro dia escorrer tudo no balaio e aí jogava o milho no monjolo de novo e socava de novo. Até ele virar quirera com fubá. Aí passava a quirera na peneirinha bem fininha sabe, e separava o fubá. Aquela quirera que ficava na peneira voltava para o monjolo de novo, no pilão, junto com mais um pouco daquele milho escorrido. Ai o fubá, você levava no paiol de fazer farinha e aí já estava o forno de pedra, forno com pedra rasa, abaulada. Aí você pegava um punhado e esfregava na pedra. Aí passava um paninho e saia o 23
bijú. O biju você passava em uma peneira chamada sururuca, que já é maior os buracos, e saía a farinha (L.S.S, 2018, Ribeirão Grande). Do tropeirismo se manteve a tradição do uso da carne suína: A gente morava em uma casa de barro da minha mãe, né. Aqui mesmo que tinha criação, plantava... A gente criava porco no quintal né. Daí quando matava o porco, o primeiro almoço era a cabeça. Porque a gente não tinha geladeira na época, então essa carne com osso a gente fazia primeiro. Porque as outras carnes ficavam armazenadas na gordura e deixava lá numa lata pra ir esquentando (P.J.M., 2018, Ribeirão Grande). É, a vida era difícil né? O povo criava os filhos meio à custa de água e farinha. Enfarinhava o feijão na casa pra comer com torresmo. Porque matavam o porco e defumava né, que ninguém tinha geladeira. Aí defumava o porco tudo e quando estava todo defumadinho colocavam na palha do milho seco. Pegava a palha assim e iam enrolando nos pedaços de toicinho defumado, sabe? E
colocavam num cesto feito de taquara. Você não via o toicinho dentro sabe? Por que era bem enroladinho, tinha bastante palha. Mas tinha muito né? Por que a gente plantava. Aí guardava no cesto a carne enxutinha, o torresmo, a linguiça. Guardava naquele cesto pra ir comendo, porque daí na palha não vinha bicho né, não vinha mosquito. Porque o porco era fácil de criar... (L.S.S., 2018, Ribeirão Grande). Assim como descreve Antônio Candido, as formas de colaboração e celebração eram, e ainda são, características das famílias de Ribeirão Grande. O momento do preparo de alimentos à base de milho verde evidencia essa prática durante as reuniões familiares e nas celebrações religiosas. Os pratos à base de milho são parte da vida comunitária, da união entre amigos e família. A comida é uma via de integração social e de identificação. Quando o milho verde é colhido, as famílias se juntam e dividem as tarefas entre limpar o milho, ralar e preparar as refeições. Cada pessoa tem uma tarefa: separar a palha da espiga, tirar o cabelo, ralar o milho, cozinhar. 24
A religiosidade é marca importante das comunidades em Ribeirão Grande. As celebrações e o trabalho coletivo representam a comunhão com os irmãos, a fé. A Festa do Milho Verde de Ribeirão Grande foi criada por um grupo de fiéis da Paróquia do Bom Jesus de Ribeirão Grande que criaram a festa para terminar a construção da igreja. Há vinte anos, quando a festa foi organizada pela primeira vez, voluntários plantavam o milho em terrenos cedidos para esse fim. Os voluntários se dividiam em vários grupos. Existia um grupo responsável por plantar o milho que seria utilizado para a feitura dos pratos. O plantio era feito em sistema de mutirão. Esse grupo também recebia doações das sementes de milho “próprio para a pamonha”, o milho crioulo. Essas sementes eram obtidas na própria comunidade. Desde então a festa foi crescendo e esse modo tradicional de produção agrícola das roças de milho para os festejos religiosos foi sendo substituído pelo milho verde comercial. Dentre os motivos para isso estão a redução de terras disponíveis, a existência de variedades de milho que possuem ciclo mais curto, mas principalmente
devido a necessidade de encontrar milho no ponto certo para a colheita na data agendada para a festa, na quantidade necessária. São utilizadas no mínimo 18 toneladas por festejo. Muitos moradores de Ribeirão Grande e região, que cresceram convivendo e se alimentando de pratos à base de milho conseguem reconhecer os distintos sabores gerados por diferentes variedades de milho. Uma das voluntárias da Festa do milho verde de Ribeirão Grande nos contou que: Eu acho que tem [diferença no sabor do milho de agora em relação ao milho de antigamente], aquele que a gente fala que é o milho caipira, né? Dava a impressão que ele era mais saboroso, sabe? Não sei se era um sabor de roça, o sabor de casa, de família, mas parece que era diferente... (R. F., 2017, Ribeirão Grande). Segundo a ex-coordenadora do curso de turismo receptivo da ETEC de Capão Bonito e moradora de Ribeirão Grande, a tradição de plantar e utilizar milho crioulo era parte importante da Festa do Milho Verde. A confecção dos pratos 25
resultava em um sabor diferente daqueles em que se usa o milho convencional: É que era uma outra qualidade de milho, outra qualidade de pamonha, porque tinha outro sabor. Hoje isso não acontece. Acho que a festa ocorre há oito, 10 anos a festa e isso hoje não acontece. Eles têm uma dificuldade maior em encontrar o milho com aquela qualidade.... Eu sempre achei que isso fazia parte da festa. É uma pena que essa parte dessa cerimônia tenha sido deixada para trás porque acho que começava ali, quando eles plantavam, né? Então todo o período de preparação vinha junto com a organização da festa e aí depois findava na festa... então, a gente vê que em um dia você come um prato com determinado gosto de milho, no outro dia, o mesmo prato tem outro sabor, o bolo também, o cural, um dia está mais claro, outro mais escuro. Isso eu associo a essa perda da plantação do milho, quando eram utilizadas, inclusive, aquelas sementes que eram doadas por agricultores e fieis, enfim.... Eu acredito muito que as festas tradicionais precisam se manter o mais tradicional possível para elas terem um diferencial (C.B.C., Capão Bonito, setembro, 2014).
Ainda hoje existem agricultores que mantém as variedades de milho crioulo na região. As mais utilizadas são “estecão” (por conta de sua haste longa comparada a uma grande estaca) e o milho “paia roxa”. Os pequenos agricultores que mantém essas variedades o fazem apenas para consumo próprio ou ainda para o uso da palha colorida no artesanato. As danças que estavam presentes nas celebrações da colheita são hoje parte do folclore da região. O fandango de tamancos, é uma versão do fandango dançada apenas por homens, cujas modas relatam aspectos da vida rural, com possibilidades para improvisos30. É apresentada por alguns grupos nos municípios de Capão Bonito e Ribeirão Grande, como o Fandango de Tamanco Cuitelo e o Grupo da Melhor Idade, de Ribeirão Grande, em festivais estaduais como a Festa do Folclore de Olímpia.
30. . CAUHY, P.; MACEDO, T. Fandango de Tamanco, 2014a. Disponível em: <http://abacai.org.br/patrimonio_imaterial/fandango-de-tamanco/>. Acesso em: 30 maio.
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Celebrando o milho O milho é celebrado em inúmeras festas ao longo do ano, reunindo centenas de pessoas para plantar, colher, cozinhar e, claro, para comer. Nestas festas permanecem formas de colaboração que envolvem a participação voluntária de mais de 200 pessoas para colheita do milho que será utilizado na confecção de produtos para as festas, em geral organizadas pela Igreja Católica. As duas festas mais antigas da região, a da Paróquia do Bom Jesus, em Ribeirão Grande, e a do Grupo de Combate ao Câncer, em Capão Bonito, chegam a receber cinco mil participantes em um só dia. Em Ribeirão Grande esse público é bastante expressivo considerando que a população total do município é de 7.450 pessoas31. Cada festa consome de sete a 18 toneladas de milho verde para a produção dos pratos típicos: pamonha doce e salgada, bolo de milho, curau doce, mingau de milho com frango, quirera com costela defumada, suco de milho verde, milho cozido, bolinho pingado de 31. (IBGE, 2017).
milho verde, pamonha na chapa e o bolinho de frango. Na tradição culinária da região também ocorre nítida separação dos pratos preparados com a farinha de milho daqueles à base de milho verde. O milho verde é vendido nas festas devido à sazonalidade e à curta duração do produto em ponto de verde. Também está associado às celebrações, às colheitas, à comensalidade, às reuniões familiares. Já a farinha de milho, que pode ser armazenada, faz parte do cotidiano, é a companheira do trabalho na roça e da vida prática. É o ingrediente que dá sustância aos demais pratos, que engrossa o caldo, que dá corpo às receitas. Entre tantos pratos tradicionais que expressam uma cultura duradoura, corroborando uma ideia de culinária como fenômeno cultural vivo e em movimento, a gastronomia do Sudoeste Paulista segue se transformando. Na festa do milho de Ribeirão Grande, o casal Antonio Pedroso e Ana Margarida Manoel Costa prepara pamonha na chapa para vender na festa do milho. Segundo eles, a receita leva polpa de milho, cheiro verde, tempero e uns “segredinhos”. 27
Existem muitos termos usados como sinônimos na hora de nomear os pratos à base de milho verde: burê, mingau e curau. Uma rápida enquete entre colegas aqui em Capão Bonito me fez perceber como cada pessoa entende os diferentes nomes usados nessa culinária. Por isso resolvemos destacar quais os nomes damos aos pratos: o burê é citado por Macedo32, pesquisador que também coletou receitas tradicionais junto a famílias de Ribeirão Grande e Capão Bonito. O burê é o sinônimo de mingau, pratos ensopados de polpa de milho, com uma consistência mais aguada, como uma sopa. O curau é a polpa do milho cozida, mais apurada, que dá para cortar em pedaços.
32. MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016.
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Pamonha doce Receita fornecida por Aparecida de Lara Ferreira (Dona Cida), Ribeirão Grande/SP Dona Cida vende pamonhas fresquinhas em Ribeirão Grande. Aprendeu a fazer as receitas à base milho com mãe, desde que era pequena. Trabalha há nove anos comercializando os pratos de milho: curau doce, pamonha doce, bolo de milho, milho ralado e o bolinho pingado de milho. Os produtos que mais vendem são a pamonha doce, bolo de milho e o milho ralado. Ela gosta de ralar o milho no ralador que ela mesma fez, de zinco, com os furos abertos na largura dos pregos martelados na chapa de zinco. Ingredientes
• 6 espigas de milho verde ainda conservadas com a palha. O ponto ideal é o grão estar firme, com grãos graúdos. • Açúcar a gosto • Água
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Modo de preparo
Corte o pé da espiga (de onde saem as palhas) na medida de um dedo (1,5 cm). Não corte a ponta da espiga onde está o cabelo pois é importante manter as palhas compridas para poder utiliza-las para cobrir as pamonhas no cozimento. Retire as duas ou três primeiras palhas e descarte. Separe duas a três palhas do meio da espiga para “embrulhar” a pamonha. Lave bem as palhas em água fervente. Deixe por dois minutos para escaldar. Escorra a água e reserve as palhas para usar. Esse processo deixa a palha macia e maleável, o que ajuda para a palha não quebrar na montagem das trouxinhas. Retire os cabelos que permaneceram na espiga (nas festas de milho verde costuma-se passar um escovão sobre o milho). Rale o milho e coe. O mais tradicional é ralar o milho em um ralador de furos grandes. Se fizer isso, utilize uma colher para raspar a polpa que permaneceu no sabugo do milho. Em um recipiente, despeje a polpa de milho coada e acrescente o açúcar. Misturar bem até derreter todo açúcar. Leve uma panela grande com bastante água para ferver ao fogo médio.
Coloque um pouco da massa em uma palha do milho e faça trouxinhas amarrando a ponta com um barbante. É importante que a água esteja fervendo para receber as pamonhas, caso não, as pamonhas irão se desfazer. Cozinhe por cerca de 40 minutos à uma hora ou até que estejam firmes. Escorra a água, arrume as pamonhas numa travessa e sirva quente.
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Bolo de milho verde Receita fornecida por Roseli Ferreira Mendes, Ribeirão Grande – SP Roseli é voluntária na festa do milho verde em Ribeirão Grande há 20 anos. É tradição de sua família se reunir duas a três vezes por ano para preparar receitas à base de milho verde e em todas essas ocasiões, o bolo de milho está presente. Antigamente esse prato era preparado no fogão a lenha, na panela de ferro coberta de brasa. Levava como ingredientes apenas a polpa do milho e o açúcar. Hoje em dia, devido a vários fatores como qualidade do milho verde, ponto de colheita e durabilidade da receita, a massa do bolo ganhou outros ingredientes como o leite e a margarina (ou manteiga). Essa é a receita Roseli aprendeu com outras voluntárias da festa e nos ensinou.
• 1 copo de açúcar • 4 a 5 colheres de margarina ou manteiga Modo de preparo
Rale as espigas de milho verde com ralador (utilizar uma colher para raspar a polpa que fica no sabugo ralado). É importante observar o ponto do milho verde. Se a polpa estiver no ponto, bem cremosa, não tão seca, acrescente três copos de leite. Se o milho estiver um pouco seco, querendo já passar do ponto, acrescente mais leite (assim o bolo fica mais macio). Misture a polpa com o leite e o açúcar para dissolver todo açúcar. Derreta a margarina ou a manteiga e misture ainda quente junto aos outros ingredientes e coloque para assar em uma forma pequena por aproximadamente uma hora ou até a massa corar.
Ingredientes
• 15 a 20 espigas de milho verde ou 1 e ½ litros de polpa de milho verde • 3 copos de leite 31
Mingau de milho verde com cambuquira
Receita fornecida por Maria das Neves Ferreira, Ribeirão Grande/SP Essa receita é fruto do conhecimento tradicional do plantio consorciado de milho com abobora, sistema agrícola conhecido em toda a América com milpa. Em São Paulo o milho crioulo é tradicionalmente plantado na lua minguante de agosto. Sua colheita no ponto de verde é feita em dezembro, dependendo das condições climáticas. A abóbora é tradicionalmente plantada um mês depois do milho, nas entrelinhas dessa cultura. A cambuquira são os ramos novos da abobora que sofrem desbaste da planta. O desbaste serve para fortalecer os brotos que formarão abóboras mais vigorosas. É feito no mesmo período em que o milho verde está pronto de ser colhido. Essa receita é elaborada frequentemente nas comunidades rurais de Ribeirão Grande. Como essa região é bastante fria, o mingau é um prato
para aquecer os corações. A abóbora é uma planta rústica de bastante utilidade e o uso dos ramos e brotos é bastante conhecido no mundo rural, na sabedoria do conhecimento tradicional. A receita aporta um valor nutricional muito importante para alimentação humana, sendo indicada para qualquer idade, de fácil acesso, baixo custo, atendendo também a vegetarianos. A cambuquira é considerada uma planta alimentícia não convencional, podendo ser extraída de brotos de qualquer curcubitácia (chuchu e abóboras). Desde que sejam tenros, os caules podem ser descascados e refogados junto com os brotos e folhas, sendo considerada uma iguaria também na cozinha caipira. São ricos em vitaminas A e C. A palavra cambuquira vem do Tupi ka’aumbykyra (lê-se “caumbiquira”), que significa “rabadilha de folhas”. Essa receita participou do concurso internacional Sabores y Saberes, promovido pela FAO/ONU em toda a América Latina e recebeu menção honrosa33.
33. http://www.saberesysabores.org/index2.html -
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Ingredientes
Modo de preparo
• 120 gramas de cambuquira (ramos e brotos de abóbora) • 3 espigas de milho Verde (preferencialmente crioulo, aproximadamente 750 g) • 500 ml de água • 1 cebola • 2 dentes alho (20 g aproximadamente) • 10 g de sal
Apenas as pontas tenras dos brotos da abóbora (na medida de um palmo) devem ser usadas como cambuquira. Deve-se retirar a pele dos ramos e brotos de abóbora até que eles fiquem coma superfície lisa. Reservar. Retire a palha e os cabelos do milho verde. Rale as espigas de milho em um ralador grande para extrair a polpa do milho. Reserve. Corte a cebola e o alho em pequenos pedaços. Em uma panela, refogue o alho e a cebola até dourar. Acrescente a cambuquira e refogue por 10 minutos. Acrescente um copo de água e deixe cozinhar por mais cinco minutos ou até abrir fervura. Deixe amaciar. Acrescente a polpa do milho, mexa até engrossar, deixe cozinhar por mais cinco a 10 minutos. Acrescente sal a gosto.
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Mingau de milho verde com frango
Receita fornecida por Dona Maria Aires, Bairro Baguaçu, Capão Bonito/SP Maria Aires faz esse prato desde sua juventude, aprendeu com sua vó e mãe. Essa receita é tradicionalmente servida nas festas de milho verde de toda a região. Antigamente era conhecido como burê34. Ingredientes
• • • • • • • •
1 frango (de preferência caipira) 10 espigas de milho 1 cebola 2 dentes de alho 3 litros água Óleo Sal a gosto Manjerona, pimenta do reino e limão cravo a gosto
34. Fonte: MACEDO, Toninho. Mesa paulista tradicional: comer& beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016.
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Modo de preparo
Corte o frango em pedaços e tempere a gosto com sal, alho socado, pimenta do reino e limão cravo. Deixe marinar por 20 minutos. Em seguida coloque a panela no fogo com um fundo de óleo e deixe aquecer bem. Arrume os pedaços de frango na panela com todo o tempero que estiver junto, deixe cozinhar até ficar no ponto. Deixe ficar bem dourado até formar uma crosta no fundo da panela. Em seguida acrescente a cebola picadinha e doure junto, escorra o excesso de gordura. Separe o frango em uma panela a parte, e em seguida acrescente água e deixe
ferver para tomar gosto na panela que preparou o frango. Desligue o fogo e reserve o caldo. Rale as espigas de milho e separe o bagaço mais grosso. Ligue o fogo novamente e, antes de abrir fervura, acrescente aos poucos o milho ralado, sempre mexendo para não empelotar. O mingau deve ficar uma consistência rala, pois ao cozinhar ele engrossa. Leva em média 20 minutos para ficar pronto. Experimente. Quando estiver com sabor de milho cozido, acrescente a cebolinha picada e sirva com o frango. Se preferir deixe o frango na panela e cozinhe junto ao milho ralado. O mingau fica ainda mais saboroso.
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Bolinho pingado de milho verde Receita fornecida por Sonia Mara Ferreira de Araújo, Ribeirão Grande/SP Sonia coordena as voluntárias no preparo das receitas na festa do milho verde de Capão Bonito. Sonia é natural de Capão Bonito e aprendeu muitas das receitas à base de milho com a avó que tem origem indígena. Tem um paladar apurado para saborear o milho no seu estado mais puro. Sua preferência é para o bolinho sem tempero. Já a Dona Ana Rita é detentora de um vasto conhecimento sobre temperos, condimentos e das ervas medicinais. Muitos dos moradores de Ribeirão Grande encomendam os xaropes medicinais a base de ervas para ela. Dona Ana também prepara o bolinho de milho verde incluindo um tempero caseira à base de algumas ervas como açafrão, louro, cebolinha, entre outros. Ela bate tudo no liquidificador e mistura no bolinho.
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Ingredientes
• 5 espigas de milho verde (no ponto intermediário: nem muito mole, nem muito dura). • 1 colher de amido de milho ou polvilho • Sal a gosto • Óleo para fritar • Alho, cebolinha, açafrão, louro e sal (bater todos os temperos no liquidificador até formar uma pasta). *Não é necessário acrescentar ovos ou leite. Modo de preparo
Rale as espigas de milho verde ou corte e bata no liquidificador. Se optar por temperar a massa, acrescente uma colher da pasta de temperos à massa. Com uma colher, despeje a massa em pequenas quantidades em óleo quente. Vire os bolinhos para dourar dos dois lados. Retire e coloque em papel toalha para escorrer. É possível acrescentar recheios à massa: frango desfiado, pimenta, queijo ralado.
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Pamonha na chapa Receita fornecida por Ana Margarida Manoel Costa e Antônio Pedroso, Ribeirão Grande/SP O casal Ana e Antônio são voluntários fiéis da festa do milho verde de Ribeirão Grande. A fim de inovar o cardápio de opções da festa, eles introduziram a receita de pamonha na chapa. O prato foi apresentado a eles pela filha que mora em Três Lagoas (Mato Grosso). O sucesso foi tão grande que eles foram chamados para as festas nos municípios vizinhos como Capão Bonito, Itapeva e ensinar a receita. Ingredientes
• • • •
10 espigas de milho verde raladas 1 colher de chá de sal 1 colher de sopa de açúcar Cebolinha a gosto
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Modo de preparo
Em uma tigela rale as espigas e, depois de raladas, passe uma colher sobre elas para tirar a massa que ainda ficou (coração do milho). Reserve. Tempere o milho ralado com o açúcar e depois com o sal. Acrescente cebolinha a gosto. Em seguida, coloque a massa em uma chapa ou frigideira com um pouco de óleo e espalhe até ficar redonda e com espessura fina. Cubra com uma tampa e espere cerca de dois minutos. Em seguida, vire a massa, deixe dourar do outro lado e reserve. O recheio é opcional: queijo com tomate cereja, frango desfiado, entre outros. Pode ser servida dobrada, igual a tapioca.
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Croquete de milho verde Receita fornecida por Diva Pereira, São Miguel Arcanjo/SP O croquete é um quitute muito tradicional de São Miguel Arcanjo. É o carro chefe da festa de milho verde do Município. Dona Diva é a mãe da Liliane, coordenadora da cozinha na Festa. Ingredientes
• 3 colheres de Margarina ou manteiga • 200 gramas milho verde cozido em pedaços • ½ litro de polpa de milho verde ou 8 a 10 espigas de milho verde para ralar • 2 xícaras de farinha de trigo • Manjerona a gosto • Alho a gosto • Para empanar: • Ovos • Leite • Farinha de rosca • Recheio: 200 gramas de queijo branco ou mozzarella em tiras (pode variar, conforme o gosto). 40
Modo de preparo
Em uma tigela rale as espigas (passe uma colher sobre elas para tirar a massa que ainda ficou da polpa no sabugo, reserve). Frite a manjerona e o alho na margarina ou manteiga. Acrescente a polpa de milho verde ralado, deixe apurar. Acrescente os grĂŁos de milho verde cozido e a farinha de trigo. Misture atĂŠ chegar ao ponto de uma massa. Abra a massa, recheie com queijo e depois feche no formato de um croquete. Empane na clara de ovo com leite e farinha de rosca. Frite em Ăłleo quente.
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Sorvete de milho verde / Ice roll Receita fornecida por Fabio Lucio Brisola, São Miguel Arcanjo/SP Fabio se especializou no preparo de sorvetes de rolo (ice roll). Voluntário na festa do milho de São Miguel Arcanjo, desenvolveu essa receita especialmente para a festa. Ingredientes
Modo de preparo
Misture o curau à base liquida emulsificante e em seguida acrescente açúcar. Despeje essa massa em uma chapa gelada à -20° ou -30°, dependendo do clima. Se o clima estiver muito quente, é necessário que a chapa esteja a -30° e se o clima estiver frio, a chapa pode estar a -20°. Com o uso de espátulas, esparrame a massa na chapa com movimentos corretos, até que ela congele. Enrole a massa em formato de espiral e sirva.
• Curau doce • Açúcar • Base emulsificante
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Curau doce Receita fornecida por Sonia Araújo, Ribeirão Grande – SP Sônia Araújo nos forneceu duas variações dessa receita. Segundo ela, o curau “bem caipira” só leva a polpa coada em água e açúcar, enquanto que a tradição do curau mineiro é substituir a água pelo leite. CURAU “MINEIRO” Ingredientes
CURAU “CAIPIRA” Ingredientes
• 1 litro de polpa de milho verde (aproximadamente 15 espigas de milho verde raladas) • 1/3 litro de leite • Açúcar a gosto.
• 1 litro de polpa de milho verde (aproximadamente 15 espigas de milho verde raladas) • ½ litro de leite • Açúcar a gosto.
Modo de fazer
Modo de fazer
Em uma panela, despeje a polpa de milho coada, acrescente o leite e o açúcar. Leve no fogo e vá mexendo sem parar até ele ficar brilhante, desgrudando do fundo da panela. Despeje em uma forma e deixe esfriar. Sirva em pedaços.
Em uma panela, despeje a polpa de milho coada, acrescente a água e o açúcar. Leve no fogo e vá mexendo sem parar até ele ficar brilhante, desgrudando do fundo da panela. Despeje em uma forma e deixe esfriar. Sirva em pedaços. 43
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Poema do Milho35 Milho . .. Punhado plantado nos quintais. Talhões fechados pelas roças. Entremeado nas lavouras, Baliza marcante nas divisas. Milho verde. Milho seco . Bem granado, cor de ouro. Alvo. às vezes vareia, – espiga roxa, vermelha, salpintada. Milho virado, maduro, onde o feijão enrama Milho quebrado, debulhado na festa das colheitas anuais. Bandeira de milho levada para os montes largada pelas roças: Bandeiras esquecidas na fartura. Respiga descuidada dos pássaros e dos bichos.
35. CORALINA, Cora. Poemas dos becos de Goiás e estórias mais. São Paulo, Editora Global,1984.
Milho empaiolado . abastança tranqüila do rato, do caruncho. do cupim. Palha de milho para o colchão. Jogada pelos pastos. Mascada pelo gado. Trançada em fundos de cadeiras. Queimada nas coivaras. Leve mortalha de cigarros. Balaio de milho trocado com o vizinho no tempo da planta. “- Não se planta, nos sítios, semente da mesma terra”. Ventos rondando, redemoinhando. Ventos de outubro. Tempo mudado. Revôo de saúva. Trovão surdo, tropeiro. Na vazante do brejo, no lameiro, o sapo-fole, o sapo-ferreiro, o sapo-cachorro. Acauã de madrugada 45
marcando o tempo, chamando chuva. Roça nova encoivarada, começo de brotação. Roça velha destocada. Palhada batida, riscada de arado. Barrufo de chuva. Cheiro de terra; cheiro de mato, Terra molhada, Terra saroia. Noite chuvada, relampeada. Dia sombrio. Tempo mudado, dando sinais. Observatório: lua virada. Lua pendida . . . Circo amarelo, distanciado, marcando chuva. Calendário, Astronomia do lavrador. planta de milho na lua-nova. Sistema velho colonial. Planta de enxada. Seis grãos na cova, quatro na regra, dois de quebra. Terra arrastada com o pé , pisada, incalcada, mode os bichos. Lanceado certo-cabo-da-enxada.. Vai, vem . . . sobe, desce . . .
terra molhada, terra saroia . . . Seis grãos na cova; quatro na regra, dois de quebra Sobe. Desce . , . Camisa de riscado, calça de mescla Vai, vem . . . golpeando a terra, o plantador. Na sombra da moita, na volta do toco – o ancorote d’água: Cavador de milho, que está fazendo? A que milênios vem você plantando. Capanga de grãos dourados a tiracolo. Crente da Terra, Sacerdote da terra. Pai da terra. Filho da terra. Ascendente da terra. Descendente da terra. Ele; mesmo; terra. Planta com fé religiosa. Planta sozinho, silencioso. Cava e planta. Gestos pretéritos, imemoriais.. 46
Oferta remota; patriarcal. Liturgia milenária. Ritual de paz. Em qualquer parte da Terra um homem estará sempre plantando , recriando a Vida. Recomeçando o Mundo. Milho plantado; dormindo no chão, aconchegados seis grãos na cova. Quatro na regra, dois de quebra. Vida inerte que a terra vai multiplicar E vém a perseguição: o bichinho anônimo que espia, pressente. A formiga-cortadeira – quenquém. A ratinha do chão, exploradeira. A rosca vigilante na rodilha, O passo-preto vagabundo, galhofeiro, vaiando, sorrindo . . . aos gritos arrancando, mal aponta. O cupim clandestino roendo, minando, só de ruindade.
E o milho realiza o milagre genético de nascer: Germina. Vence os inimigos, Aponta aos milhares. – Seis grãos na cova. – Quatro na regra, dois de quebra, Um canudinho enrolado. Amarelo-pálido, frágil, dourado, se levanta. Cria sustância. Passa a verde. Liberta-se. Enraíza, Abre folhas espaldeiradas. Encorpa. Encana. Disciplina, com os poderes de Deus. Jesus e São João desceram de noite na roça , botaram a bênção no milho, E veio com eles uma chuva maneira, criadeira, fininha, uma chuva velhinha, de cabelos brancos, abençoando a infância do milho. 47
O mato vem vindo junto, Sementeira. As pragas todas, conluiadas. Carrapicho. Amargoso. Picão. Marianinha. Caruru-de-espinho. Pé-de-galinha. Colchão. Alcança, não alcança. Competição. Pac . . . Pac . . . Pac . . . a enxada canta. Bota o mato abaixo. arrasta uma terrinha para o pé da planta. “…- Carpa bem feita vale por duas . . .” Quando pode. Quando não… sarobeia. Chega terra O milho avoa. Cresce na vista dos olhos. Aumenta de dia. Pula de noite. Verde Entonado, disciplinado, sadio. Agora … A lagarta da folha, lagarta rendeira . . . Quem é que vê?
Faz a renda da folha no quieto da noite. Dorme de dia no olho da planta, Gorda; Barriguda. Cheia. Expurgo: . . nada . . . força da lua . . , Chovendo acaba – a Deus querê. ” O mio tá bonito … ” “-Vai sê bão o tempo pras lavoras todas . ” “- O mio tá marcando . . . ” Condieionando o futuro: “- O roçado de seu Féli tá qui fais gosto … Um refrigério ” “- O mio lá tá verde qui chega a s’tar azur…” – Conversam vizinhos e compadres. Milho crescendo, garfando, esporando nas defesas… Milho embandeirado. Embalado pelo vento. “Do chão ao pendão, 60 dias vão”. Passou aguaceiro, pé-de-vento. ” – O milho acamou . . . ” “- Perdido?” . . . Nada… 48
Ele arriba com os poderes de Deus .. . ” E arribou mesmo; garboso, empertigado, vertical No cenário vegetal um engraçado boneco de frangalhos sobreleva, vigilante. Alegria verde dos periquitos gritadores . . . Bandos em sequência . . . Evolução . . . Pouso . . . retrocesso. Manobras em conjunto. Desfeita formação. Roedores grazinando, se fartando, foliando, vaiando os ingênuos espantalhos. “Jesus e São João andaram de noite passeando na lavoura e botaram a bênção no milho” . Fala assim gente de roça e fala certo. Pois não está lá na taipa do rancho o quadro deles, passeando dentro dos trigais? Analogias . . . Coerências.
Milho embandeirado bonecando em gestação. – Senhor! . . . Como a roça cheira bem ! Flor de milho, travessa e festiva. Flor feminina, esvoaçante, faceira. Flor masculina – lúbrica, desgraciosa. Bonecas de milho túrgidas, negaceando, se mostrando vaidosas. Túnicas, sobretúnicas . . . saias, sobre-saias . . . Anáguas . . . camisas verdes. Cabelos verdes . . . ~Cabeleiras soltas, lavadas, despenteadas. . . – O milharal é desfile de beleza vegetal. Cabeleiras vermelhas, bastas, onduladas. Cabelos prateados, verde-gaio. Cabelos roxos, lisos, encrespados. Destrançados. Cabelos compridos, curtos, queimados, despenteados . Xampu de chuvas . . . Flagrâncias novas no milharal. – Senhor, como a roça cheira bem! . . . 49
As bandeiras altaneiras vão se abrindo em formação. Pendões ao vento. Extravasão da libido vegetal. procissão fálica, pagã. Um sentido genésico domina o milharal. Flor masculina erótica, libidinosa, polinizando, fecundando a florada adolescente das bonecas: Boneca de milho, vestida de palha . . . Sete cenários defendem o grão Gordas, esguias, delgadas; alongadas Cheias, fecundadas. Cabelos soltos excitantes. Vestidas de palha. Sete cenários defendem o grão, Bonecas verdes, vestidas de noiva Afrodisíacas, nupciais . . . De permeio algumas virgens loucas . . . Descuidadas. Desprovidas. Espigas falhadas. Fanadas. Macheadas.
Cabelos verdes. Cabelos brancos. Vermelho-amarelo-roxo, requeimado . E o pólen dos pendões fertilizando .. . Uma fragrância quente, sexual invade num espasmo o milharal. A boneca fecundada vira espiga. Amortece a grande exaltação. Já não importam as verdes cabeleiras rebeladas A espiga cheia salta da haste. O pendão fálico vira ressecado, esmorecido, No sagrado rito da fecundação. Tons maduros de amarelo. Tudo se volta para a terra-mãe. O tronco seco é um suporte, agora, onde o feijão verde trança, enrama, enflora. Montes de milho novo, esquecidos, marcando claros no verde que domina a roça. Bandeiras perdidas na fartura das colheitas. Bandeiras largadas, restolhadas. E os bandos de passo-pretos galhofeiros gritam e cantam na respiga das palhadas. 50
“Não andeis a respigar” – diz o preceito bíblico O grão que cai é o direito da terra. A espiga perdida – pertence às aves que têm seus ninhos e filhotes a cuidar. Basta para ti, lavrador, o monte alto e a tulha cheia. Deixa a respiga para os que não plantam nem colhem – O pobrezinho que passa. – Os bichos da terra e os pássaros do céu. Cora Coralina
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Recolhendo memórias do milho Aquele almoço em Ribeirão Grande foi certamente uma ocasião especial, uma refeição de amizade. O rojão não é uma coisa que você entra no restaurante e pede assim do nada. Comer rojão é um ritual. O rojão é um rico micro-patrimônio que você divide com as pessoas que ama. Essa coisa de se perder no interior paulista para achar o prato típico... o apetite do explorador é recompensado. Naquele dia em Ribeirão Grande rolou um almoço com rojão, caipirinha e muito carinho e amizade. Fiquei muito satisfeito, mas já voltaram a fome e a saudade (em visita ao Parque Estadual Intervales enquanto visitava amigos que vivem na região). Juan Manuel Cano Sanchiz Espanhol, atual Professor Associado do Instituto do Patrimônio Cultural e História da Ciência e Tecnologia da Universidade de Ciência e Tecnologia de Beijing, China. Promover alimentação como cultura. Cozinhar é uma atividade colaborativa, cooperativa, altruísta. Bares e restaurantes são
centros de acolhimento e de convivência36. Quando neles podemos experienciar um tipo de cozinha que evoca modos de fazer que são parte da cultura e da identidade de um povo, ou seja, uma cozinha que é também patrimônio, eles podem ser também pontes para o outro, outro tipo de comida, de preparo, de passado, presente e de futuro. O conceito de cozinha patrimonial se refere aos saberes e fazeres ligados à gastronomia de uma sociedade. Mais do que os ingredientes e as receitas utilizados, são os ofícios e os modos de fazer que são reconhecidos como parte de uma cultura e de uma identidade. Ao tomar esse patrimônio, como atrativo turístico, o turismo pode ser um modo de fazer conhecer essa cultura37. O turismo gastronômico traz a possibilidade de conhecer hábitos e maneiras de viver e de comer de uma comunidade. Visitar restaurantes e estabelecimentos em busca de experiências 36. NOGUEIRA, Marcos. A gastronomia não pode se calar diante do circo de horrores de Bolsonaro. Folha de S.Paulo, 03/08/2019. 37. COELHO-COSTA, E. R. C.; SANTOS, M. S. F. Considerações sobre cozinha patrimonial e turismo. Resgate, Campinas, v.23, n. 30, p. 5-15, jul./dez. 2015.
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baseadas no comer e no beber é uma das formas de fazer isso38. O Roteiro do Milho se insere nessa perspectiva ao eleger a cozinha patrimonial compartilhada por oitos cidades que mantem uma forte tradição cultural em torno do milho. Nesse sentido, ele pode ser não apenas um caminho para preservar o passado, mas também para criar o futuro dos destinos e manter a autenticidade39. O turismo gastronômico pode colaborar com a valorização do patrimônio gastronômico, “conjunto de elementos tangíveis e intangíveis de culturas alimentares consideradas patrimônio compartilhado, ou bem comum, para a coletividade”40. Cada cozinha tem uma essência particular, um conjunto de regras que a 38. WOLF, E. Culinary tourism: a tasty economic proposition, 2001 e MASCARENHAS, R.; GÂNDARA, J. Producción y transformación territorial. La gastronomía como atractivo turístico. Revista Estudios y Perspectivas en Turismo, vol. 19. Buenos Aires, Centro de Investigaciones y Estudios Turísticos. pp. 776-791 39. UNWTO. Red de Gastronomía de la OMT: Plan de Acción 2016/2017. Madrid, 2016, p. 15. Disponível em: http://cf.cdn.unwto. org/sites/all/files/docpdf/gastronomyactionplanprint2esweb.pdf. 40. COELHO-COSTA, E. R. C.; SANTOS, M. S. F. Considerações sobre cozinha patrimonial e turismo. Resgate, Campinas, v.23, n. 30, p. 5-15, jul./dez., 2015, p. 06.
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caracterizam e identificam, as quais não devem ser transgredidas para que ela não perca sua identidade41. Além disso, uma cozinha regional é fruto do espaço específico e dos produtos e insumos disponíveis em determinado território. O patrimônio gastronômico é construído em torno de uma forma de alimentação que transborda em uma forma de comunicação, como linguagem. Mas do que a culinária, trata-se de um veículo cultural que possibilita conhecer um grupo, um lugar, um modo de vida42 . É o pastel de farinha de milho que representa Apiaí no Roteiro do Milho, mas a cidade oferece outros produtos à base de milho como a farinha de milho orgânica e o encapotado. O Rojão é uma iguaria criada por famílias de Ribeirão Grande e que se tornou recentemente patrimônio cultural imaterial do município. Feito com carne de porco macerada no pilão com farinha de milho, todo mundo aprecia o Rojão do
Balaio, que é servido em casamentos, celebrações, churrascos, encontros de amigos e agora também está disponível para turistas no restaurante do Parque Estadual Intervales.
41. IDEM NOTA 40, apud PÉREZ SAN VICENTE, G. “Reflexiones y una teoría sobre la gastronomía mexicana, en Patrimonio cultural y turismo”. Cuadernos del Congreso sobre Patrimonio Gastronómico y Turismo Cultural en América Latina y el Caribe. Memorias. Tomo i. México: Conaculta, 2002, p. 82. 42. IDEM NOTA 41.
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Arte que nasce do milho “Aprendi boa parte do que eu faço com o meu pai e o resto com os vizinhos e desde criança sei fazer os trançados. Meu pai aprendeu o artesanato com os pais dele. Tem mais de 15 anos que vivo de fazer o artesanato, dou oficinas e produzo as peças para comercializar em feiras. Meu pai plantava os milhos, na verdade ele tinha várias sementes, várias qualidades de milhos crioulos. Tinha milho pipoca, por exemplo, que hoje a gente não tem mais. Dá pra fazer o artesanato com outras palhas dão sim, pode ser sim com palha de milho transgênico, mas quando você planta um milho crioulo, ele tem mais palha, né? A palha é mais resistente, então, você pode puxar que ela não arrebenta” (A.O., Guapiara, 2019). Da palha colorida do milho crioulo nascem bonecas, imagens católicas, orixás, anjos, vasos, cestos e flores. O artesanato de Guapiara é também um dos modos de aproveitar o milho, aqui o que resta dele, o que talvez fosse jogado fora. A palha é naturalmente colorida, em tons que
vão desde o amarelo, passeiam pelo verde, vermelho e vão até o roxo. O delicado trabalho de trançar a palha, uma técnica tradicional da região, é apenas uma das etapas de um processo que começa bem antes, com a seleção das sementes crioulas, a semeadura na lua minguante, a espera para o milho chegar no ponto certo da colheita (que pode durar seis meses, quase o dobro do milho transgênico). Depois de colhido, a palha é retirada, parte dos grãos é beneficiada e destinada a usos diversos e parte dos grãos serão novas sementes que compartilhadas, trocadas, semeadas iniciam novo ciclo. Em 2010, as artesãs formalizaram a Cooperativa dos Artesãos de Guapiara (Coopag), para facilitar a venda dos produtos, prestar serviços e participar de feiras que exigem o CNPJ. Também criaram a Associação de Mulheres Artesãs de Guapiara-Arte&Vida, com o objetivo de captar recursos para aprimoramento do trabalho, organização de cursos e capacitação de outras mulheres interessadas em aprender a arte do trançado com a palha. Em 2017, o artesanato com palha de milho crioulo foi finalista 57
do Banco de Tecnologias Sociais da Fundação Banco do Brasil. O trançado da palha de milho é uma técnica conhecida em Ribeirão Branco. Por lá, os artesãos gostam de colorir a palha amarela com tintas de várias cores, gerando cestarias coloridas.
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O alimento da fé A população do Sudoeste Paulista, mesmo residindo em áreas urbanas, valoriza as tradições do modo de vida rural, a comunhão com os irmãos, as festas, os puxirões, a fé. Nos ciclos do ano se celebram os festejos religiosos. Durante a semana santa, pode-se sentir o cheiro dos biscoitos de polvilho com farinha de milho assados na folha de bananeira pelas ruas de Ribeirão Grande. As relações com o território compreendem também os caminhos, as trajetórias, os percursos trilhados pelos seus habitantes, que vivenciam memórias e criam novos significados para eles. É a partir de processos assim que alguns caminhos são utilizados como roteiros de caminhadas e cavalgadas de cunho religioso ou ainda para o aproveitamento turístico. Assim, a religião se expressa em romarias, caminhadas e cavalgadas. A peregrinação de habitantes dos municípios do Roteiro do Milho até Iguape é uma forte tradição, não apenas por causa da fé, senão pelo próprio movimento de “sair, desestressar, ficar uma semana
fora de casa. Dá uma revitalizada!” (M.R., 2014, Ribeirão Grande). São dois os pratos mais típicos das caminhadas: as paçocas e o virado de frango, ambos feitos com farinha de milho. O virado de frango é o prato típico da saída dos romeiros para a caminhada da fé e a paçoca acompanha os dias de caminhada. Dentro do Roteiro do Milho existem dois centros de peregrinação emergentes: o Santuário da Nossa Senhora D´Ajuda, bairro Capela do Alto, Guapiara e a Basílica de São Miguel Arcanjo, no município de São Miguel Arcanjo. Ambos aglutinam em dias de celebrações mais de cinco mil peregrinos que vêm de longe ou de cidades vizinhas para visitação. Encontramos, portanto, um território onde os moradores revivem e revisitam práticas antigas e tradições em seu modo de vida atual. A gastronomia mistura religiosidade, tropeirismo, agricultura, cultura, mercado.
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Permanências O roteiro gastronômico do milho traz a possibilidade de criar uma narrativa de práticas culturais ligadas a modos de vida e à gastronomia, de forma a proporcionar ao turista uma experiência sobre as formas de produção e de vida que ainda hoje resistem e são praticadas até mesmo no meio urbano dessa região. Mais do que atrações para distrair os turistas nos intervalos das visitas ao rico patrimônio natural da região – são quatro parques estaduais – o roteiro do milho coloca em destaca o rico patrimônio gastronômico e cultural dessa região, com suas histórias, utensílios, sabores, sentidos e modos de fazer ainda vivos e presentes no dia a dia das comunidades. Uma parada no mercado municipal de Itapeva, é possível saborear um bolinho de frango com história ou ainda comprar uma farinha de milho feita nos monjolos em um dos quiosques recém reformados. Para além do sabor, há ainda um lado subjetivo da comida que emerge nos modos de preparo e de consumo, no encontro em torno da refeição, na troca de receitas que seguem de geração em
geração, ganhando novos sentidos e significados. A cultura culinária em torno do milho no Sudoeste paulista confirma um fenômeno que acontece também em outras regiões do estado, onde resiste uma magia do milho e que envolve gerações de famílias em rituais em torno desse ingrediente e suas variedades, desde o plantio, a colheita e a produção de alimentos43. Em um cenário de distanciamento das fontes de alimento e até mesmo de sua preparação diária, somos invadidos por uma sensação de estar à mercê da indústria alimentícia, cuja atuação que perpassa desde a agricultura, pesca e criação de animais, longe de trazer segurança, têm colocado dúvida sobre a qualidade do que comemos e ansiedade na relação entre o homem e o alimento. O Roteiro do Milho que ora se apresenta pode ser um caminho, aqui no sentido literal, para conscientizar as pessoas sobre a origem dos alimentos, sobre o contexto ambiental no qual esses alimentos são produzidos e encorajar mais pessoas a usar a cozinha para sua finalidade original: além de nutrição, 43. SOARES, Juliana M.M. Rota das raízes: gastronomia e cultura no estado de São Paulo. São Paulo, Buena Onda, 2018.
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ser fonte de encontro e de alegria44. A culinária do sudoeste paulista que o Roteiro do Milho ajuda a revelar possui ainda laços culturais com as tribos indígenas pré-coloniais, com os tropeiros que caminharam por aqueles territórios que são hoje parte de uma rota turística de parques nacionais. Ele representa uma possibilidade de resgatar um sentimento de localidade e sazonalidade dos alimentos, seus métodos de preparo que, em algumas receitas, exige grande número de pessoas e de tempo. Um tempo que vale a pena esperar, um encontro que a comida faz acontecer. Revela métodos menos voltados à massificação e à conveniência, enfatizando a biodiversidade e a preservação de espécies e variedades e de hábitos locais45. São sabores que resistem, a despeito da pressa e da pressão da tecnologia, do empacotamento e comodidades oferecidas pelo mundo contemporâneo. 44. FREEDMAN, Paul. Uma nova história da culinária. In FREEDMAN, Paul. A história do sabor. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009, p. 13-4. 45. FREEDMAN, Paul. Uma nova história da culinária. In FREEDMAN, Paul. A história do sabor. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009, p. 13-4.
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A farinha de milho acompanha há séculos a vida do território paulista. As receitas com farinha de milho representam os pratos do cotidiano, da roça do dia a dia. Junto a elas permanecem os monjolos e processo de fabricação da farinha de milho artesanal, os pilões e as peneiras utilizadas nesse processo. No infográfico das páginas a seguir é possível entender melhor esse processo.
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Bijú doce Receita fornecida por Lenice Leite dias de Oliveira (Dona Lenice), Ribeirão Branco – SP
em Ribeirão Branco. Algumas delas vendem essa farinha artesanal no mercado do produtor rural de Itapeva.
Dona Lenice é natural de Nova Campina. Vive em Ribeirão Branco, desde que casou, há 47 anos. Junto da família do seu marido, aprendeu a fazer a farinha de milho com sua sogra e continua na atividade até hoje. Conforme relato, a tradição familiar já ultrapassa 100 anos. O Sudoeste Paulista ainda abriga monjolos e muitas fábricas de farinha de milho locais, ativas. Nesses locais, na quentura dos fornos ao aquecer o fubá, faz-se o Bijú. No fazer a farinha, no tacho de ferro ou no “forno de pedra abaulada” ao espalhar o fubá formava-se uma massa fina e arredondada, chamada de biju. Sobre o biju se espalha um pouquinho de açúcar ou melado de cana, e serve enroladinho, no formato de uma panqueca. Se come com café. Dona Teresa ainda tem um monjolo ativo na sua casa, na estrada do bairro Capela do Alto em Guapiara, Dona Lenice, Maria Dorico e Berma conservam seus monjolos no bairro dos Boava 66
Encapotado ou bolinho de frango O encapotado ou bolinho de frango está presente na grande maioria dos municípios do Sudoeste Paulista. A histórica contada é que esse quitute leva esse nome em homenagem aos capotes usados pelos tropeiros para se protegerem do frio. Assim se faz com os pedaços de frango nessa receita: encapota-los com uma bela camada de massa de farinha de milho. Não se sabe ao certo a origem dessa receita, porém existe um registro publicado em 1985 no jornal O Estado de São Paulo, sobre esse bolinho. Ali conta-se que desde 1905, no caminho entre Capão Bonito e Itapetininga, em um distrito chamado Gramadinho, a família de Antônia Deoclécia Freitas tinha um pequeno negócio de secos e molhados onde preparavam esses bolinhos para vender aos viajantes que conduziam tropas de muares (burros) oriundos do Rio Grande do Sul, rumo a Sorocaba e São Paulo. O preparo era feito com a farinha de milho que eles mesmo produziam no monjolo da família, fritos em fogão a lenha. Tal a importância do bolinho para essa localidade que o município de 67
Itapetininga declarou o bolinho de frango como patrimônio cultural sob a Lei no. 4982, de 3 de outubro de 2005. O encapotado, portanto, possui formato irregular, cuja massa de farinha de milho é moldada ao pedaço de frango. Essa receita sofreu algumas alterações no modo de preparo. Pode-se encontrar pedaços de frango desossados envoltos em uma massa de farinha de milho moldada em uma concha ou colher, dando um aspecto mais arredondado ao prato ou ainda desfiar o frango, e colocar como recheio da massa de farinha de milho, dando um formato mais alongado a esse bolinho. Essa última opção é a mais servida na região. Por onde você passar em todas as padarias, e bares do Sudoeste Paulista. É também o carro chefe das quermesses, festas religiosas em todas as épocas do ano. O ingrediente básico da massa desse bolinho é a farinha de milho. Receitas mais antigas somam à farinha o polvilho e temperos. Mais recentemente acrescentou-se batatas cozidas à massa. Nas entrevistas realizadas com as bolinheiras tradicionais de Capão Bonito, Dona Rosalina, colaboradora do projeto, coletou receitas nas Igrejas
de São Francisco de Assis, São João Batista, São Paulo Apostolo, Igreja Matriz N. Sra. Conceição, Bom Jesus, Santo Antônio e São Judas. Nessas receitas a massa do bolinho leva três ingredientes básicos: Farinha de milho, polvilho e batatas cozidas. Em algumas, misturam-se os três ingredientes, em outras, apenas a farinha de milho com o polvilho ou apenas a farinha de milho com a batata cozida. Como tempero todas indicaram o cheiro verde. A curiosidade é que na região o cheiro verde é sinônimo de cebolinha. Não se usa comer salsinha por aqui. No trajeto de Itapetininga a Capão Bonito, existem vários pontos de parada, quiosques, que ofertam o bolinho de frango. Alguns deles, se apresentam como oferecendo o tradicional bolinho de frango, outros inovam no jeito de fazer e acrescentam outros ingredientes à massa, como o cará. Em São Miguel o bolinho é acompanhado de molhos diferentes. O bolinho é também uma marca do ato voluntário e comunitário da região. As comunidades e as paróquias se reúnem para angariar doações de ingredientes, ajuntam voluntários para preparar os bolinhos e se empenham em ajudar 68
nas vendas dos bolinhos nas quermesses ou por encomendas para levantar fundos para a construção das igrejas, escolas, ou ainda para levantar recursos para pessoas enfermas. Histórias de gente que precisa angariar recursos semanais para viagens de saúde e que por meses fazem bolinhos semanalmente para vender, ganham doações de ingredientes, ajuntam voluntários para preparar os bolinhos e os vendem para levantar recursos para pagar o tratamento. Cada município do Roteiro do Milho abriga um bar tradicional com muita história para contar, onde esse bolinho é feito há décadas, com receitas mais variadas, adquirindo particularidades e requintes, segredinhos passados de geração a geração. As diversas variantes dessa receita podem ser acessadas diretamente no link https://drive. google.com/open?id=1XNDu9V1tRR0g1nHhmUtKyq-WHiAcTzcA em um e-book exclusivo de receitas de bolinho de frango que participaram do Festival do Bolinho de Frango, em São Miguel Arcanjo, iniciativa que recebeu a participação de empreendimentos dos municípios do Roteiro do Milho. 69
Um grupo de alunos da FATEC de Itapetininga realizou um trabalho de mapeamento dos pontos de venda do bolinho de frango em Itapetininga, produzindo informações sobre o quitute que podem ser acessadas no link http:// mh.itapetininga.com.br/qrcode/ebolinho/ ou via QR Code em alguns estabelecimentos nesse município. O objetivo desse trabalho é divulgar esse produto alimentício tradicional e altamente consumido em Itapetininga. Optamos por reproduzir a receita de Antonia Deoclécia de Freitas, do bairro Gramadinho, Itapetininga/SP. Essa receita foi publicada no jornal O Estado de S. Paulo, edição do dia 27 de novembro de 1985. Essa é a mesma receita (com pequenas variações nas quantidades) que Dona Celina usa para preparar seus bolinhos de frango na sua cantina, no Mercado do Produtor Rural em Itapeva.
Ingredientes
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1 frango caipira grande 3 litros de farinha de milho 150 gramas de polvilho 3 ovos Cheiro verde (cebolinha), salsa, manjerona e alfavaca a vontade. • Sal a gosto • Gordura ou óleo vegetal de boa qualidade
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Modo de preparo
Corte o frango em pedaços iguais, lave bem, tempere com cebola e sal e coloque para cozinhar om bastante água. Essa água depois será utilizada como molho. Enquanto o frango cozinha, prepare a massa: comece umedecendo a farinha, colocando-a amontoada no centro de uma bacia grande. Dentro da bacia, coloque de um lado o polvilho e os ovos e, de outro, o cheiro verde e demais temperos. Quando o frango já estiver cozido, pegue a água utilizada no cozimento (molho), deixe esfriar, e então junte os temperos. A seguir misture tudo ao polvilho e a farinha umedecida. Amasse bem, até que a mistura ganhe uma boa consistência. Com uma escumadeira, pegue um pouco de massa e sobre ela coloque um dos pedaços de frango cobrindo-o totalmente de massa com a ajuda de uma colher. Prepare os pedaços de frango dessa maneira, formando os bolinhos, e coloque-os a fritar em fogo brando. Não coloque muitos pedaços para fritar ao mesmo tempo porque eles poderão “grudar” e estragar o bolinho. O fogo, que começou brando, com a gordura não muito quente, deve ser aumentado gradativamente até que os bolinhos estejam bem fritos. 71
Os virados Os virados são os pratos mais conhecidos de São Paulo. Não é à toa que o virado à paulista foi reconhecido como patrimônio imaterial do Estado de São Paulo pelo Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Governo do Estado de São Paulo46. Mas esse é apenas um tipo de virado dentre as inúmeras variações da receita. Segundo nos conta Toninho Macedo, no livro “Mesa paulista tradicional”, em suas vindas para Ribeirão Grande, adotou a definição de virado que lhe foi oferecida por Dito Inês, filho de Dona Inês, de Ribeirão Grande: “virado é quarqué comida cardenta, bem temperadinha mexida no fogo com farinha de mio”47. Por aqui ainda se come muito virado, é o prato do dia a dia da roça. É a farinha de milho usada para engrossar qualquer caldo e dar sustância á lida. Virado de manhã e de tarde. Roça não tem café da manhã e almoço como hoje em dia. Mas
aqui tem viradinho de queijo, de ovo, de milho verde, de feijão, de frango, entre tantos outros.
46. Fonte: http://www.cultura.sp.gov.br/virado-paulista-e-reconhecido-como-patrimonio-imaterial-do-estado-de-sao-paulo/ 47. MACEDO, Toninho. Mesa Paulista Tradicional: comer e beber juntos. São Paulo: Terceira Margem, 2016, p. 295
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Viradinho de banana salgado Receita fornecida por Sonia Mara Ferreira de Araújo, Capão Bonito/SP Nascida em Capão Bonito, sua família paterna é de Ribeirão Grande e materna é de Guapiara. Aprendeu as receitas com seus avós, que sempre mantiveram os modos tradicionais da alimentação local. Cresceu com a avó, mãe do seu pai, reunindo a família para fazer os pratos tradicionais à base de milho verde, mingau, pamonha. Do lado da materno, tinha-se os costumes de fazer a farinha de milho no monjolo. Se lembra de comer viradinhos desde de criança, usando os produtos da terra em conjunto com a farinha.
Modo de preparo
Em uma panela aqueça o óleo e coloque as bananas bem picadinhas. Acrescente a pitada de sal e deixe as bananas ficaram um pouco derretidas, em seguida acrescente a farinha de milho e mexa até a farinha se misturar com a banana. Está pronto para servir.
Ingredientes
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3 bananas 1 pitada de sal 1 colher de óleo 1 ½ xícara de farinha de milho
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Viradinho de banana com açúcar Receita fornecida por Sonia Mara Ferreira de Araújo, Capão Bonito/SP Ingredientes
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Modo de preparo
Em uma panela aqueça o óleo e coloque as bananas bem picadinhas. Acrescente o açúcar e mexa até ela derreter, em seguida acrescente a farinha de milho e mexa. Está pronto o viradinho.
3 bananas 4 colheres de açúcar (mascavo, demerara) 1 colher de óleo 1 ½ xícara de farinha de milho
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Viradinho de milho verde Receita fornecida por Sonia Mara Ferreira de Araújo, Capão Bonito/SP Ingredientes
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3 espigas de milho verde 1 pitada de sal 1 colher de óleo 1 maço de cheiro verde 1 cebola média 3 dentes de alho ½ xícara de água 1 ½ xícara de farinha de milho
Modo de preparo
Em uma panela aqueça o óleo e frite a cebola com o alho e acrescente o milho cortadinho da espiga. Refogue e acrescente meia xícara de água e continue refogando até o milho ficar macio e cozido. Em seguida acrescente a farinha de milho e o cheiro verde bem picadinho.
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Viradinho de ovo Receita fornecida por Sonia Mara Ferreira de Araújo, Capão Bonito/SP Ingredientes
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Modo de preparo
Em uma panela coloque o óleo, acrescente os dois ovos e mexa até a gema começar a ficar cozida, de dois a três minutos. Acrescente a farinha de milho e mexa até misturar bem e a farinha ficar bem integrada com o ovo.
2 ovos 1 colher de óleo 1 pitada de sal 1 xícara de farinha de milho
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Viradinho de queijo fresco Receita fornecida por Sonia Mara Ferreira de Araújo, Capão Bonito/SP Ingredientes
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1 xícara de queijo fresco picada em cubinhos 1 colher de óleo 1 xícara de farinha de milho 1 pitada de sal (opcional)
Modo de preparo
Em uma panela aqueça o óleo e coloque os cubinhos de queijo fresco e vá mexendo até eles começarem a derreter. Em seguida, quando começar a derreter, acrescente a farinha de milho e mexa vigorosamente, unindo os ingredientes. Se necessário acrescente uma pitada de sal.
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Virado de feijão Receita fornecida por Veronica Volpato Citadini, Capão Bonito/SP Ingredientes
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1 kg feijão cozido Farinha de milho a gosto. 4 ovos Óleo Alho Cebola Salsinha e cebolinha a gosto
Modo de preparo
O virado se faz com o feijão já cozido, de um dia para o outro. Em uma panela refogue o alho e cebola, frite bem. Acrescente os 4 ovos, faça um “mexidinho”. Acrescente salsinha e cebolinha a gosto e volte a mexer. Acrescente o feijão e deixe ferver. Após ferver, vá aos poucos acrescentando a farinha de milho e mexendo, até chegar no ponto. O ponto é a gosto, ou mais seco ou mais úmido. Portanto a quantidade de farinha é a gosto.
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Virado de frango com melancia Receita fornecida por Ione Pereira Manfrim, Guapiara/SP O virado de frango é o prato típico da saída dos romeiros para a caminhada da fé. Na região Sudoeste Paulista muitos municípios anualmente reúnem fieis para realizar a romaria até o Santuário de Iguape. Os romeiros passam pela estrada parque em No Parque Estadual de Carlos Botelho. São 5 dias de caminhada, em um grupo de 15 fieis. No primeiro dia de caminhada costumam levar o virado de frango (mais perecível) e nos dias seguintes se alimentam de paçoca e frutas. É um resgate das viagens tropeiras realizadas na região. É também o prato que se serve com melancia ou jabuticaba para abrandar a secura da lida e da roça. Quando os agricultores preparavam algum virado para comer na roça, o virado ia adquirindo uma secura da farinha, que era compensada com um rico caldo das frutas que encontravam disponíveis nos campos. 79
Ingredientes para o virado
Modo de preparo
• 1 quilo de coxa e sobrecoxa de frango (desossar as partes do frango, separar os ossos, reservar para serem utilizados no caldo) • 2 batatas médias • 100 gramas de farinha de milho • 2 cabeças de alho • Água • Sal • Cheiro verde (cebolinha), salsinha e manjerona a gosto
Desossar as partes do frango, separar os ossos, temperar com duas cabeças de alho triturado, cozinhar por 1 hora, peneirar e reservar o caldo. Cortar duas batatas médias em cubos, cozinhar com água e sal, até ficar ao dente. Escorrer e reservar. Fritar os pedaços de frango em uma panela (não deixar desmanchar). Retirar o excesso de óleo. Acrescentar o caldo peneirado e as batatas, e colocar para aquecer. Acrescentar a farinha de milho, cheiro verde (cebolinha), salsinha e manjerona e mexer aos poucos até engrossar um pouco. Desligar o fogo e deixar descansar por 5 minutos, até engrossar mais um pouco. Servir com pedaços de melancia.
Ingredientes para o preparo do caldo de frango
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Ossos de frango 1 litro de água 1 cebola picada 1 cenoura 1 tomate Manjerona a gosto
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As paçocas Prato típico tropeiro, das caminhadas, das longas viagens.
Paçoca de carne Receita fornecida por Luiz Antônio Taquara, Ribeirão Grande/SP O senhor Luiz Antônio Taquara é natural de Ribeirão Grande, bairro da Lagoa. Aprendeu a receita das paçocas com sua mãe; e ela, com sua avó. Nas palavras do sr. Luiz, a paçoca se fazia “quando reunia a família. Eles gostavam de fazer para todos ficarem juntos. E quando eles iam viajar também eles sempre faziam bastante pra levar na viagem. Levavam muito pra [Romaria] Iguape... Dificilmente a pessoa que ia desse lado que não levava a paçoca”. A paçoca é o prato da viagem.... Ainda hoje os romeiros se reúnem antes do início da caminhada para pilar a paçoca. Se bem armazenada, esse prato dura oito dias sem refrigeração. 81
As paçocas são feitas no Pilão. O ritual de socar o pilão envolve um ritmo, um movimento. Se costuma socar em dois, alternando a mão de pilão (socador). A paçoca se come acompanhada de frutas. O senhor Luiz nos contou que durante a viagem a Iguape: “...A pessoa tirava um prato cada um né, aí pegava a banana separado ou a melancia e comia junto, era o costume... Tinha laranja na cuia também né, cortava “pô” meio e com uma colher, ia raspando o meio da laranja, tomando o caldo como em uma cuia. O virado de frango sempre ia junto também. Virado de frango é muito bom né!” Preparava o viradinho de frango para o primeiro dia de viagem e depois a paçoca para os dias seguintes. Ingredientes
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1 quilo acém 1 quilo pernil de porco 1 ½ quilo farinha de milho Sal a gosto Alho a gosto Cebola a gosto Opcional: cheiro verde (cebolinha) a gosto 82
Modo de preparo
Corte a carne em cubos pequenos. Coloque a carne para fritar em um fio de óleo com alho, cebola e sal até formar um tom escuro no fundo da panela, vá acrescentando água aos poucos, refogue, até ficar macia e bem dourada. Após esse processo, coloque no pilão um pouco de farinha de milho e alguns pedaços de carne já refogados comece a pilar. Vá aos poucos juntando a farinha e carne e socando no pilão. Pare de vez em quando, revolva o fundo do pilão com uma colher. Acrescente um pouco da gordura da fritura até dar o ponto. A paçoca pode ficar com a carne mais pilada ou em pedaços maiores. Dependendo da maciez da carne, o processo de pilar leva de 20 a 30 minutos até a paçoca ficar pronta.
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