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TRIBUNAL DE JUSTIÇA R S

PRLF Nº 70051029494 2012/CÍVEL Dsmmdsmdpopop d sq 1’ ‘4 ‘4CÍVEL. CONTRATOS AGRÁRIOS. ARRENDAMENTO RURAL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. PREÇO ÍNFIMO. MANIFESTO DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL. POSSIBILIDADE DE REVISÃO. A força obrigatória dos contratos encontra limites apenas em casos excepcionais, na ponderação com outros princípios, como a boa-fé objetiva, função social e equilíbrio econômico. Para viabilizar a revisão contratual, com base na teoria da imprevisão, é necessário o preenchimento dos requisitos previstos no art. 317 c/c 478, ambos do Código Civil, dentre eles, a desproporção manifesta da prestação, colocando uma das partes em situação de extrema vantagem. Hipótese em que o preço estipulado no contrato, vigente há mais de 15 anos, revela-se ínfimo, muito inferior à média de mercado, impondo-se sua revisão, a fim de que seja restabelecido o equilíbrio contratual. Reforma da sentença, para julgar procedente o pedido. Sucumbência redimensionada. APELAÇÃO PROVIDA.

APELAÇÃO CÍVEL

DÉCIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70051029494

COMARCA DE OSÓRIO

MIRKO LAUFFER JUNIOR SUCESSAO DE ALTISSIMO LAUFFER

APELANTE MARLENE

ALFREDO OSCAR KREBS PEREIRA

APELANTE APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

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Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores

DES.

JORGE

ALBERTO

SCHREINER

PESTANA

(PRESIDENTE) E DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS. Porto Alegre, 25 de outubro de 2012.

DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ, Relator.

RELATÓRIO DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (RELATOR) Trata-se de recurso de apelação interposto por MIRKO LAUFFER JÚNIOR E OUTRO em face da sentença proferida nos autos da ação de revisão contratual em que contende com ALFREDO OSCAR KREBS, na qual o Magistrado singular julgou improcedente o pedido, impondo aos autores o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00 (mil reais). Em suas razões (fls. 322/343), os apelantes sustentam, em síntese, a necessidade de revisão do contrato, para majorar o preço do arrendamento, a fim de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Salientam que o preço do contrato se mantém inalterado desde o início de sua vigência, em 1995, havendo, nos dias de hoje, evidente desproporção entre o valor cobrado e a média do mercado, estando o preço totalmente defasado. Asseveram que desde o ano 2000 tentam, sem êxito, retomar as terras para uso próprio, sem êxito. Aduzem que, na última 2

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renovação contratual, lhes foi imposta a manutenção do contrato até 2014, tornando impositiva a reposição do preço do contrato. Afirmam que, consoante a perícia, o preço médio de mercado para o arrendamento da área é aproximadamente 6,9 vezes superior ao que foi contratado. No que diz respeito à suposta redução da área objeto do arrendamento, aduzem que a perícia constatou que houve crescimento espontâneo de vegetação, em virtude da inércia do demandado na manutenção do campo, configurando a culpa exclusiva deste. Pugnam, assim, pela majoração do preço do arrendamento, para 40-50 quilos de boi vivo por hectare ao ano, ou, subsidiariamente, para 15% do valor do imóvel. Contrarrazões às fls. 366/375. Subiram os autos a esta Corte, vindo conclusos para julgamento. É o relatório.

VOTOS DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (RELATOR) Eminentes colegas. Adianto que merece prosperar a insurgência recursal. Em se tratando de relação de direito privado, vige o princípio da liberdade de contratar e do pacta sunt servanda, este consistente na força obrigatória dos contratos, que faz lei entre as partes. Tais

postulados

encontram

limites

apenas

em

casos

excepcionais, quando feridos outros princípios inerentes aos contratos, como a boa-fé objetiva, função social e equilíbrio econômico.

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A propósito, trago à baila os ensinamentos de Gustavo Tepedino1: A autonomia privada, a intangibilidade do conteúdo do contrato e a relatividade de seus efeitos conformam-se, na atualidade, a um conjunto de novos princípios: a boa-fé objetiva, equilíbrio econômico entre as prestações e função social do contrato. [...] A boa-fé objetiva atua preponderantemente sobre a autonomia privada. O equilíbrio econômico da relação contratual, por sua fez, altera substancialmente a força obrigatória dos pactos, dando ensejo a institutos como a lesão (art. 157, Código Civil, a revisão e a resolução por excessiva onerosidade (arts. 317, 478 e 479, Código Civil). E a função social, por seu turno, subverte o princípio da relatividade, impondo efeitos contratuais que extrapolam a avença negocial.

In casu, pretendem os autores a revisão do contrato de arrendamento mantido entre as partes, que vige há mais de 15 (quinze) anos, ao argumento de que o preço do arrendamento é vil, totalmente dissonante com o mercado atual. E, de fato, a perícia realizada nos autos (fls. 128/136) concluiu que o valor ajustado para o arrendamento (de 18 salários mínimos por ano, hoje equivalentes a R$ 11.196,00), está muito aquém da média de valor de mercado para a exploração de pecuária na região, senão vejamos. Segundo o laudo pericial, arrendamentos de campo para pecuária na região giram em torno de 40-50 quilos de boi/vivo por hectare ao ano. E, de acordo com o laudo fornecido por perito assistente dos autores, médico veterinário, o preço médio do quilo do bovino, na região, gira em torno de R$ 3,22 (fls. 162/164)

1

TEPEDINO, Gustavo. BARBOSA, Heloísa Helena Barbosa. MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. 2ª ed. rev. e atual. Vol. II, Rio de Janeiro: Editora RENOVAR, 2007, pp. 6/7.

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Importante salientar que o referido laudo não foi objeto de impugnação por parte do requerido, devendo ser acolhido, portanto. Nesse contexto, considerando que a área do arrendamento, originariamente de 469,20 hectares, é reduzida em 131,42 hectares, em virtude da presença de pinnus, o qual, de acordo com a perícia, “reduz o espaço físico para pastoreio” (fl. 133) deve ser considerada a área efetivamente útil para o desenvolvimento da atividade de pecuária, qual seja, 337,78 hectares. Multiplicando-se esta área pelo preço médio de mercado do arrendamento por hectare, considerando o valor do quilo do boi (337,78 ha x 45 kg boi vivo x R$ 3,22), chega-se a um valor de R$ 48.944,32 pelo arrendamento ao ano. Ora, considerando que os autores pagam, pelo arrendamento, o equivalente a 18 salários mínimos (atualmente R$ 11.196,00), percebe-se que o preço ajustado encontra-se totalmente defasado, cerca de 4 (quatro) vezes inferior à média de mercado. Nesse contexto, considerando a manifesta desproporção entre as prestações, colocando uma das partes em situação de extrema vantagem, impõe-se a revisão contratual, de molde a restabelecer o equilíbrio da avença. Trata-se de aplicar o disposto nos artigos 317 e 478 do Código Civil, os quais versam sobre a revisão dos contratos e a resolução por onerosidade excessiva, in verbis:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

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PRLF Nº 70051029494 2012/CÍVEL Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

A propósito, cumpre referir que, muito embora os dispositivos legais façam menção à desproporção manifesta por “acontecimentos extraordinários” e “motivos imprevisíveis”, de acordo com a melhor interpretação doutrinária a respeito do tema, não se exige necessariamente a presença da imprevisibilidade como motivo determinante para a revisão. Entende-se que a questão deve ser analisada de modo objetivo, bastando que haja desproporção manifesta entre as prestações para que se admita a revisão do contrato. Nesse sentido, preleciona o insigne doutrinador Gustavo Tepedino, comentando o artigo 317 do Código Civil 2: O preceito trata de mais uma regra destinada a moderar o princípio do nominalismo, possibilitando a correção do valor a ser pago em dinheiro, mediante alguns requisitos legais: i) motivos imprevisíveis; ii) conseqüente desproporção da prestação em relação ao momento da execução. [...] Hodiernamente, constata-se a tendência a despir a imprevisibilidade aludida pelo dispositivo, de conteúdo subjetivo, tornando dispensável investigar se intimamente as partes seriam capazes de prever eventual desproproção entre as prestação. Cumpre, ao contrário, verificar se a desproproção, objetivamente considerada, era ou não imprevisível. [...] Assim é que, diante dos princípios constitucionais que regem a atividade econômica privada e definem o conteúdo axiológico dos princípios fundamentos do regime contratual, informando especialmente a função 2

Op. Cit., pp. 615/616

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PRLF Nº 70051029494 2012/CÍVEL social do contrato e a cláusula geral da boa-fé objetiva, há que se afastar as interpretações que acabam por fazer renascer as diversas doutrinas subjetivistas da teoria da imprevisão. A disciplina introduzida pelo artigo em análise, de todo modo, associada à doutrina da resolução contratual por excessiva onerosidade, submetidas à legalidade constitucional, oferecem ao magistrado a possibilidade de revisão e resolução dos contratos, temperando a sua intervenção de acordo com as circunstâncias objetivas do caso concreto e levando em conta, evidentemente, a situação pessoal das partes no equilíbrio econômico do contrato.

Neste fanal, colaciono julgado desta Corte: PREÇO DO CONTRATO FIXADO COM BASE NO VALOR DO PRODUTO. NULIDADE AFASTADA. 1. Não é de ser declarada nula cláusula de contrato de arrendamento rural que estabelece o preço pelo uso da terra com base em valor do produto. O rigorismo da lei é de ser abrandado, em especial diante da circunstância de o pacto viger há vários anos, sem qualquer oposição dos arrendatários. 2. Verificado que o preço estipulado no contrato é ínfimo, dando margem ao locupletamento de uma parte em detrimento da outra, há de ser buscado equilibrar o contrato, com a fixação de valor compatível com o praticado no mercado. APELAÇÕES DESPROVIDAS. (Apelação Cível Nº 70018239657, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 13/06/2007)

Saliento, ainda, que é irrelevante o fato de o valor auferido pelo requerido com a criação de gado nas terras arrendadas não ultrapassar significativamente o preço ajustado no contrato, utilizado na sentença como fundamento para a improcedência do pleito revisional.

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Ora, o proprietário tem direito de receber o preço correspondente à área total do imóvel arrendado, independentemente do aproveitamento da terra pelo arrendatário. No caso, é certo é que a área permite maior lucratividade do que a que vem sendo auferida pelo réu com a exploração da pecuária, tanto que o preço apurado na perícia é aquele referencial do mercado na região. Cumpre ao arrendatário, portanto, utilizar a extensão do imóvel da maneira que lhe for mais rentável, não se admitindo que pretenda repassar ao arrendante os ônus decorrentes da exploração do imóvel aquém das possibilidades que este oferece. Se o requerido optou por arrendar toda a extensão do imóvel, que é considerável - deve pagar pela área correspondente. O fato de possuir poucas reses no local é matéria que diz respeito à administração de sua atividade, não oponível ao proprietário. Destarte, impõe-se a revisão contratual, nos moldes antes referidos, determinando-se a majoração do preço do arrendamento para R$ 48.944,32 ao ano. Considerando que o contrato foi renovado a partir de 1º de janeiro de 2010, desde então deve incidir o novo preço, impondo-se a condenação do requerido ao pagamento da diferença entre o valor ora arbitrado e o que foi pago a partir da renovação, a ser apurada em liquidação de sentença. Tal diferença deverá ser corrigida monetariamente a partir da data em que os pagamentos foram efetuados (data do prejuízo), uma vez que a correção monetária visa apenas à manutenção do poder de aquisição do capital, devendo incidir, pelo indexador do IGP-M, que melhor reflete a inflação do período.

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Já no que diz respeito aos juros de mora, em se tratando de dano decorrente do contrato havido entre as partes, incidem à razão de 1% ao mês, a partir da citação, nos termos do art. 405 do CPC, sendo inaplicável a súmula 54 do STJ, que se limita às hipóteses de responsabilidade civil extracontratual.

SUCUMBÊNCIA. REDIMENSIONAMENTO. Em face do encaminhamento do voto, cumpre a inversão da sucumbência, devendo o requerido arcar com a integralidade das custas processuais e com os honorários advocatícios ao procurador dos autores. Relativamente aos honorários, os arbitro em 15% sobre o valor da condenação, com fulcro no art. 20, §§ 3º do CPC, considerando o grau de complexidade da matéria e tempo de tramitação do processo. Consigno, por derradeiro, que o entendimento ora esposado não implica ofensa a quaisquer dispositivos, de ordem constitucional ou infraconstitucional, inclusive aqueles invocados pelas partes em suas manifestações no curso do processo

Diante do exposto, o VOTO é no sentido de DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, julgando procedente o pedido deduzido na inicial, para efeito de: a)

determinar a revisão do contrato celebrado entre as partes, majorando o valor do arrendamento para

R$

48.944,32

(quarenta

e

oito

mil,

novecentos e quarenta e quatro reais com trinta e dois centavos), a contar de 1º/1/2010; b)

condenar o réu a pagar aos autores a diferença entre o valor ora arbitrado e aquele que 9

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foi pago desde a última renovação contratual (1º/10/2010), corrigido monetariamente pelo IGPM desde os pagamentos, e acrescido de juros de mora à razão de 1% ao mês a contar da citação, redimensionando a sucumbência, nos termos da fundamentação supra.

DES. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a). DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA - Presidente - Apelação Cível nº 70051029494, Comarca de Osório: "DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: LETICIA BERNARDES DA SILVA

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