Agroecologia urbana: por cidades mais coloridas e menos cinzas!
Cores que se revelam no desabrochar do fruto vermelho, amarelo, roxo, não pelo mero apreço à beleza, mas arraigadas em uma estética que faz brotar, aflorar e amadurecer; que rama verde pelos muros e enraizando na base um verdadeiro projeto de sociedade.
É com esse lema que apresentamos a nossa rede, buscando na concretude da Agroecologia as
práticas e os saberes necessários para transformar cidades cinzas e apáticas em lugares repletos de significados que trazem sentido à vida.
Vivemos em tempos de crises e de extremo desafio com relação ao desmonte de políticas públicas. Entendemos que a redemocratização
do Brasil acontecerá de fato com organização popular e estratégias em rede, especialmente nas cidades, lugares de trocas, encontros e afetos políticos.
As eleições são parte importante desse processo, quando se definem
os responsáveis pelas gestões dos poderes executivos e legislativos.
Entendemos que a perspectiva (agro)ecológica deve ser transversal à toda gestão pública, estando presente nas ações de todas as secretarias em uma Prefeitura Municipal e Câmaras de Vereadores,
através de ações concretas e contínuas para a proteção ambiental, a produção de alimentos nutritivos e a promoção da saúde integral. Por isso a Rede Urbana Capixaba de Agroecologia (RUCA) manifesta nesta cartilha uma série de propostas para que as candidaturas
das eleições municipais 2020 garantam o Direito à Cidade e a Agroecologia.
A agroecologia é uma saída para superar a crise civilizatória que vivemos, expressa em seus aspectos sociais, econômicos, ambientais
e culturais, tais como o aumento das desigualdades e concentração
de riquezas, mais exploração e precarização do trabalho, destruição das vegetações nativas e implantação de mega projetos poluidores,
destruição dos saberes tradicionais e culturas locais, entre outros. É nas cidades que se tomam as decisões e onde se acirram as contradições desse sistema de morte.
Em contraposição, a agroecologia é uma proposta amorosa,
para a vida, de cuidado do planeta e todos seus seres vivos, inclusive os humanos, tendo como base o equilíbrio ecológico e o
respeito à diversidade, combatendo também racismo, machismo, LGBTQIfobia, xenofobia e outros tipos de discriminação.
O distanciamento e desvinculação da cidade com a produção de
alimentos é algo muito recente na história da humanidade, fruto da industrialização, globalização e expansão do agronegócio, apoiado
pelo poder público em detrimento da agricultura familiar. Acreditamos que para além dos desafios e contradições presentes no meio urbano,
este também possui um enorme potencial para a produção de alimentos saudáveis, via processos sociais participativos que promovam saúde, trabalho, renda, segurança alimentar e inclusão social.
Logo, é urgente ampliar a produção urbana por meio das hortas comunitárias, agroflorestas urbanas e quintais produtivos junto ao apoio às alianças campo-cidade com a promoção de feiras livres, CSA‘s, compras coletivas, compras públicas e outras estratégias que
fomentem que alimentos orgânicos e agroecológicos dos camponeses e agricultores familiares possam chegar até as mesas das pessoas e famílias urbanas, que forma o maior público consumidor.
O atual modelo do agronegócio está nos envenenando. O
veneno está na mesa. O fim do uso de agrotóxicos e promoção da agroecologia traz benefícios para saúde física e mental e proporciona
ganhos econômicos para comunidades, promove a segurança e
soberania alimentar e nutricional, favorece a segurança pública com a ocupação de espaços abandonados para serem transformados em
locais de vivência comunitária, contribui para uma economia circular e tratamento dos resíduos, promove educação ambiental e consumo consciente, entre tantos outros benefícios.
Por isso, por meio do conhecimento e criatividade coletivos, fruto
da colaboração de diversas pessoas e grupos sociais que compõem a RUCA, em consonância com as proposições da Articulação Capixaba de Agroecologia (ACA) e Articulação Nacional de Agroecologia
(ANA), servimos essa mesa farta e generosa de propostas, projetos e utopias para uma cidade acolhedora e do cuidado, que promova o bem-viver de todos os seres vivos.
I. SÍNTESE DAS PROPOSTAS
1. Políticas de estímulos às hortas
urbanas comunitárias, agroflorestas urbanas e quintais produtivos (terrenos, insumos, sementes,
água, assistência técnica, reuniões de estímulo/sensibilização); 2. Estímulo à Educação
Ambiental e à implantação de hortas no ambiente escolar;
3. Políticas para implementação de Farmácias Vivas;
4. Criação de programas de estímulo à compostagem doméstica e comunitária; 5. Implementação de
biodigestores urbanos;
6. Expansão e divulgação do IPTU Verde;
7. Estímulo ao plantio de
árvores frutíferas nas cidades; 8. Implementação de
políticas junto à população em situação de rua;
9. Criação de Lei Municipal de Agricultura Urbana;
10. Combate ao uso de
agrotóxico nos municípios; 11. Política de proteção das
abelhas e insetos polinizadores; 12. Implementação de feiras orgânicas e agroecológicas na periferias;
13. Ticket-Feira para acesso a feiras da agricultura familiar;
I. SÍNTESE DAS PROPOSTAS
14. Implantação de restaurantes
populares, cozinhas comunitárias, bancos de alimentos e
18. Fiscalização e política de
15. Ampliar as compras públicas
19. Ampliação dos mecanismos de
16. Estímulo às Comunidades que
20. Fortalecimento e
mercados subsidiados;
da agricultura familiar;
Sustentam a Agricultura (CSA‘s); 17. Criação de políticas
para Pontos de Ecologia;
redução do pó de minério;
controle da qualidade da água;
implementação da legislação ambiental nos municípios; 21. Participação Social.
II. DETALHAMENTO DAS PROPOSTAS
1. Políticas de estímulos às hortas urbanas comunitárias, agroflorestas urbanas e quintais produtivos - disponibilização
de espaços, insumos, sementes, água, assistência técnica, reuniões de estímulo/sensibilização.
Essa proposta se desdobra em uma série de questões como: - Política para destinar terrenos baldios e espaços públicos e privados para implementação de hortas urbanas;
- Promoção de políticas de assistência técnica para agroecologia urbana articulando prefeituras, governo do Estado, Incaper e outros órgãos;
- Disponibilização de água gratuita ou isenta de taxas para uso no cultivo
da agricultura urbana, juntamente com o fomento da identificação, proteção e revitalização de nascentes existentes nos territórios urbanos e criação de mecanismos de captação de água da chuva e instalação de poços artesianos para dar autonomia e sustentabilidade para as hortas;
- Criação de bancos públicos e comunitários de sementes crioulas e
compra e promoção de troca de sementes crioulas, evitando as sementes transgênicas e com uso de defensivo como as comercializadas por empresas nacionais e transnacionais;
- Articulação com viveiros municipais para produção de mudas de plantas que possam ser úteis para as hortas urbanas, quintais produtivos e também plantas comestíveis que possam ser utilizadas dentro do paisagismo urbano.
2. Estímulo à Educação Ambiental e à implantação de hortas no ambiente escolar.
A Educação Ambiental, de viés crítico e transformador, deve ser
priorizada em todos os níveis educacionais, de modo transversal a todo currículo escolar e integrada à cidade, para além das instituições de ensino. As hortas possuem um imenso potencial pedagógico, por
permitirem aproximar as crianças e jovens da natureza e possibilitarem o ensino integrado de conhecimentos diversos como biologia, química,
física, geografia, matemática, entre outros. Também permite servir para produção de alimentos de forma complementar tanto para a merenda escolar como para a segurança alimentar dos educandos e suas famílias. A meta de cada município deveria ser: “uma horta em cada escola”.
3. Políticas para implementação de Farmácias Vivas. As plantas medicinais são verdadeiros remédios, não só para cura
mas especialmente para prevenção de doenças. Por isso a política de implantação de Farmácias Vivas, áreas com cultivo de diversas plantas
e informações sobre seus usos e recomendações, é importante e prevista dentro das políticas do Sistema Único de Saúde, podendo ser
implementadas a nível comunitário e/ou junto a postos e unidades de saúde municipais.
4. Criação de programas de estímulo à compostagem doméstica e comunitária.
Realização de oficinas nas diversas regionais das cidades para informar e ensinar a utilizar e produzir composteiras domésticas e apresentar
seus benefícios para pessoas e para a sociedade. Criar minhocários junto a viveiros municipais para que possam oferecer estes e outros animais
que contribuem com a compostagem a pessoas interessadas. Estimular
projetos de compostagem comunitária, com a devida remuneração
pelos serviços prestados no tratamento e reciclagem dos resíduos, trabalho que pode ser desenvolvido também junto às associações de catadoras e catadores.
5. Implementação de biodigestores urbanos. Iniciar projeto piloto de implantação de biodigestores urbanos, que podem transformar matéria orgânica em adubo e gerar energia por meio de biogás.
6. Expansão e divulgação do IPTU Verde. Definir e divulgar os descontos existentes para imóveis ou terrenos que
prestam
serviços
ambientais,
incentivando
práticas
como
plantio de árvores, hortas, compostagem, energia solar, captação e reaproveitamento de águas, dentre outros.
7. Estímulo ao plantio de árvores frutíferas nas cidades. Observando os devidos cuidados, é possível e desejável o estímulo do
plantio de árvores frutíferas ao longo das cidades, de modo a contribuir com o paisagismo e conforto térmico ao mesmo tempo em que se
criam novas formas de disponibilização de alimentos, especialmente às pessoas que menos têm acesso.
8. Implementar políticas junto à população em situação de rua. Trabalhar com a população em situação de rua e os centros de
acolhimento (Centros Pop) para desenvolvimento de atividades de plantio de alimentos sem veneno, em lugares públicos e cenros de
acolhimento, contribuindo para a segurança alimentar, capacitação e inclusão dessa população.
9. Criação e implantação de Lei Municipal de Agricultura Urbana. A exemplo de outros municípios brasileiros, a criação de uma lei e
uma política municipal para agricultura urbana ajuda a atender às
especificidades desta prática e expandir e fortalecer experiências existentes por meio de políticas públicas que podem ajudar a fomentar saúde,
organização
comunitária,
alimentar, entre outros aspectos.
cuidado
ambiental,
segurança
10. Combate ao uso de agrotóxico nos municípios. Os municípios podem legislar sobre o uso e armazenamento de
agrotóxicos, sendo assim possível leis que proíbam a capina química urbana e o uso dos agrotóxicos em geral.
Para municípios de área totalmente urbana, defendemos a proibição imediata do uso de agrotóxicos, enquanto nas áreas rurais, deve-se
adotar uma política de redução progressiva junto à políticas de estímulo à produção agroecológica para evitar os riscos de contaminação humana e ambiental.
11. Política de proteção das abelhas e insetos polinizadores. Assim como o uso de agrotóxicos, a aplicação do chamado “fumacê” para controle de mosquitos é uma medida que pode levar à morte
massiva de abelhas e outros insetos fundamentais para o processo de
polinização que vai possibilitar o plantio urbano e outros benefícios. Por isso, além da restrição aos agrotóxicos e dos fumacês (se aplicados,
apenas no período noturno), é preciso políticas de estímulo à reprodução
das abelhas nativas sem ferrão (meliponas), que prestam grande serviço ambiental e não oferecem perigo para os humanos. Podem ser instaladas caixas e iscas para essas abelhas em parques municipais, praças e outros espaços públicos e privados. 12. Implementação de feiras orgânicas e agroecológicas na periferias.
A geografia das feiras orgânicas e agroecológicas mostra que geralmente estas têm se estabelecido em bairros de classe média e alta.
Porém, há grande demanda por alimentação saudável e nutritiva nas zonas periféricas, pela qual deve haver uma política permanente para implementação dessas iniciativas de feiras agroecológicas em bairros
e regiões não atingidas, promovendo o acesso à alimentação saudável.
13. Ticket-Feira para acesso a feiras da agricultura familiar. Promover o Ticket-Feira com a concessão de créditos para funcionários públicos e beneficiários de políticas sociais para consumo nas feiras
livres, como vem sendo feito em alguns municípios do Espírito Santo e do Brasil, fomentando a alimentação saudável e nutritiva. 14. Implantação de restaurantes populares, cozinhas
comunitárias, bancos de alimentos e mercados subsidiados.
Os restaurantes populares, cozinhas comunitárias e bancos de alimentos são equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional implantadas a nível nacional mas que nos últimos anos praticamente foram
abandonadas
nos
poucos
municípios
que
as
possuíam.
Representam grande contribuição à política de segurança alimentar por oferecer refeições nutricionalmente balanceadas por preços acessíveis.
Também existem em outros estados, mercados populares que vendem alimentos orgânicos a preços subsidiados, tornando-os acessíveis para
populações de baixa renda, podendo ser instalados justamente nas regiões que possuem pouco acesso a alimentos saudáveis. 15. Ampliar as compras públicas da agricultura familiar. Em primeiro lugar, estado e municípios precisam cumprir com a
obrigação legal de um mínimo de 30% de alimentos oriundos da
agricultura familiar para merenda, hospitais, centros de detenção e outros órgãos públicos. Porém esse é um número mínimo, sendo
desejável sua ampliação progressiva até que se possa chegar o mais próximo dos 100% de compras de produtos da agricultura familiar.
16. Estímulo à criação de projetos de CSA. Por meio da tecnologia social da CSA - Comunidade que Sustenta a
Agricultura, muitos grupos pelo Brasil e pelo mundo têm promovido
o diálogo e parceria direta entre agricultores e consumidores de alimentos agroecológicos, criando co-agricultores, figuras mais ativas
no processo do que meros consumidores. Esse formato pode ser
replicado e gera enormes benefícios para ambos elos da cadeira. O
poder público pode contribuir com atividades de formação, divulgação e estímulo para implementação e manutenção de CSAs atuantes nas áreas urbanas e rurais do Espírito Santo.
17. Criação de políticas para Pontos de Ecologia. Inspirado no modelo dos Pontos de Cultura estabelecidos a nível
federal no Brasil e que viraram referência internacional, propomos estabelecimento de políticas de fomento a Pontos de Ecologia nas
cidades, por meio de seleção pública para apoio a entidades da sociedade
civil e grupos comunitários que já realizam trabalhos ambientais em
seus territórios, disponibilizando recursos para serem utilizados como forma de potencializar as açòes que existem e criar novas iniciativas com base comunitária pela cidade.
18. Fiscalização e política de redução do pó de minério. A agroecologia urbana pressupõe um ambiente sano e no caso da
região metropolitana de Vitória, a poluição do pó de minério é um dos
grandes obstáculos para esta condição de produção, além de gerar enormes danos para saúde das pessoas e do ambiente urbano como um todo.
Portanto, faz-se urgente uma ação política conjunta e rigorosa de compromissos e metas para a diminuição da emissão do pó preto no ar, controle, fiscalização e transparência das informações.
19. Ampliação dos mecanismos de controle da qualidade da água. Garantia de acesso à água potável e saneamento básico para toda a população, com a manutenção do caráter público destes serviços,
tratamento de águas e efluentes, e monitoramento da presença de agrotóxicos na água consumida pela população e também utilizadas nas hortas urbanas.
20. Fortalecimento e implementação da legislação ambiental nos municípios.
Em virtude dos recentes acontecimentos de retrocessos na proteção ambiental, através da revogação das resoluções CONAMA 264/1999,
284/2001, 302/2002 e 303/2002, faz-se necessário reafirmar e expandir as políticas de proteção na esfera municipal a fim de salvaguardar nossa
Mata Atlântica através das matas ciliares dos reservatórios de água,
das restingas (ecossistema diverso que é extremamente ameaçado pela especulação imobiliária no litoral) e dos manguezais (rico berçário de
vida marinha e fonte de renda para inúmeras comunidades). Esses ambientes prestam importantes serviços ecossistêmicos como proteção
costeira, regulação hídrica, abrigo de fauna e mitigação das mudanças climáticas.
21. Participação social.
A participação e controle social são pré-requisitos para a democracia e para a plenitude da vida política e é a base do que o movimento
agroecológico busca construir: relações de respeito, trocas e diálogos. Esperamos das gestões públicas a criação e manutenção de instâncias
de participação e controle social e que levem em conta a ampla opinião
da sociedade civil na elaboração e implementação das políticas públicas.
III. CRÉDITOS
Produção editorial,
organização e revisão: GT de Políticas Públicas Akin de Ogun
Daniela Meirelles
Eduarda Borges Bimbatto
Diagramação e
projeto gráfico:
Isabela Bimbatto
Grazielli de Paula Pirovani
Realização:
Lucas Paula Sangi
Capixaba de Agroecologia
Josean de Castro Vieira
Marina Gomes de Figueiredo Nathalia Zouain Messina
Nilton Emmerick Oliveira Filho Pedro Sérgio da Silveira Rian Melo Soares
Thiago Soares Damasceno Vitor Taveira Rocha
RUCA - Rede Urbana
RUCA - Rede Urbana Capixaba de Agroecologia @ruca.agroecologia ruca.agroecologia@gmail.com