Revista Eslética

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ESLÉTICA Revista de Estudos Esléticos e Transdisciplinares

Volume 1 Número 01 Outubro / 2013-10-15 Publicação da Faculdade Doutor Leocádio José Correia - FALEC Eslética é uma publicação semestral da Faculdade Doutor Leocádio José Correia – FALEC, que tem por finalidade divulgar o estudo, a pesquisa, a sistematização e a contextualização do conhecimento científico.

CONSELHO CONSULTIVO / CONSULTING BOARD Maury Rodrigues da Cruz Ênio José Coimbra de Carvalho Marcello Iacomini EDITOR Rui Simon Paz CONSELHO EDITORIAL / PUBLISHING ADVICE Maury Rodrigues da Cruz Ênio José Coimbra de Carvalho Marcello Iacomini Rui Simon Paz Raul José Fernandes de Oliveira Mário Eduardo Branco REVISÃO Comissão editorial


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FACULDADE DOUTOR LEOCÁDIO JOSÉ CORREIA - FALEC MANTENEDORA: Lar Escola Dr. Leocádio José Correia Presidente da Mantenedora: Maury Rodrigues da Cruz FACULDADE DOUTOR LEOCÁDIO JOSÉ CORREIA – FALEC Diretor: Ênio José Coimbra de Carvalho Vice-Diretora: Nádia Beviláqua Martins Curso de Administração (Bacharelado) Coordenador: Antonio Bueno da Silva Curso de Pedagogia (Licenciatura) Coordenadora: Marilza do Rocio Maidl Pessoa da Silva Curso de Teologia Espírita (Bacharelado) Coordenador: Rui Simon Paz Curso de Ciências Contábeis Coordenador: Nivaldo Camilo

Os artigos são de inteira responsabilidade de seus autores.


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Endereço / Address Faculdade Doutor Leocádio José Correia - FALEC Revista de Estudos Esléticos e Transdisciplinares Rua José Antonio Leprevost, 331 – Sta. Cândida – CEP 82.640-070 Curitiba – Paraná – Brasil. Telefone/Fax: 55 41 3256-5717 E-mail: falec@falec.br Home page: www.falec.br

Revista de Estudos Esléticos e Transdisciplinares / Faculdade doutor Leocádio José Correia. – v. 01, nº 01 (nov./mai. 2013/2014) – Curitiba: SBEE, xx p., 2007 Periodicidade semestral

1. Educação – Administração – Teologia Espírita - Contábeis

Tiragem: revista eletrônica Copyright: Faculdade Doutor Leocádio José Correia - FALEC Postado no Brasil Presita em Brazilo

Faculdade Doutor Leocádio José Correia, rua José Antonio Leprevost, 331 – CEP 82640-070 – Santa Cândida – Curitiba Paraná – Fone/Fax (41) 3256-5717 / 3357-6852 www.falec.br Mantenedora: Lar Escola Dr. Leocádio José Correia – CNPJ 76.581.065/0001-30 Reconhecida pela Portaria Ministerial nº 3931 – MEC de 18/12/2003, Publicada no D.O.U de 23/12/2003


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SUMÁRIO Editorial............................................................................................................................................................... 6 Treinamento e Educação por Competências em Organizações.................................. 7 Bioética e Espiritualidade....................................................................... .............................. 19 Consciência sobre Direito Político: Uma Necessidade dos Jovens Nas Escolas do Brasil.............................................................................. ................................ 27 Altas Habilidades e Superdotação: Um Recorte na Rede Municipal de Ensino de Curitiba .................................................................................................................. 36 Serviço Social: A Graduação na Perspectiva Transdisciplinar .............................................. 47 Professor Pesquisador ............................................................................................................ 54


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EDITORIAL Em nossa instituição, procuramos nos orientar por um princípio básico: aqui não se aprende o que pensar, mas se aprende a pensar. Há uma profunda diferença entre estes dois posicionamentos. Para aceitar-se a premissa de que é possível aprender o que pensar, é preciso também admitir uma realidade independente do sujeito que a observa e apreende sua complexidade. Do contrário, se acreditamos não haver realidade sem a consciência e que cada um vê o mundo de uma maneira singular, única, não há porque aprender o que pensar, mas, sim, há que enfrentar o desafio de exercitar a capacidade de pensar, ver, enxergar, ouvir, escutar e, portanto, alongar o olhar, capacitando-se sempre para o confronto com o inusitado, o eventual, o aleatório, o incerto. Em outras palavras, é preciso permanentemente “olhar o olhar olhando”, como assevera Antônio Grimm, pois nossa posição no mundo condiciona-se pela visão que desenvolvemos sobre este mesmo mundo, sobre o outro que compartilha este mesmo espaço-tempo e, também, sobre nós mesmos. Ao adquirimos consciência de que as percepções, concepções e conscientizações condicionam-se pelas circunstâncias constituintes do possível de cada um, compreendemos que o homem, apesar de ser uma totalidade, é inacabado, está em constante evolução. Na medida em que se autoconhece,

compreende cada momento do existente revelado como um alcance possível, relativo, incompleto, sujeito à biodegradação, em face de novas descobertas, invenções e inovações. Portanto, a maior capacitação que pode alcançar é a permanente prontidão para o desafio do novo. Daí a necessária habilidade de pensar. Este é o método que se ajusta à diversidade humana, às peculiaridades e ao possível de cada um, o método eslético, que arregimenta o que há de melhor em cada verdade, sem excluir a participação de ninguém na construção do conhecimento e dos saberes sociais. É com essa consciência que a Revista Eslética se propõe publicar trabalhos acadêmicos, no formato de artigos, como forma de divulgação dos trabalhos de conclusão dos cursos de graduação e de pós-graduação da Faculdade Leocádio José Correia. Artigos produzidos por professores e alunos, bem como, por outros articulistas não pertencentes aos quadros da instituição, também poderão ser publicados, mediante apreciação pelo Conselho Editorial deste periódico. Nosso objetivo maior é permitir um espaço editorial para a manifestação da diversidade, do esforço intelectivo para produzir a reflexão e a meditação sobre o que é e o que deve ser. A Redação


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TREINAMENTO E EDUCAÇÃO POR COMPETÊNCIAS EM ORGANIZAÇÕES Otávio Bentes Pós Graduação em Gestão de Pessoas. Faculdade Doutor Leocádio José Corrêia. Rua José Antônio Leprevost, 331 CEP 82640-070, Curitiba – PR. e-mail otaviobentes@terra.com.br RESUMO Este artigo tem por objetivo central a reflexão sobre uma proposição de treinamento e educação por competências para as organizações, com vinculação às definições estratégicas corporativas, inserido em gestão do conhecimento. Inicialmente abordaremos um breve histórico de gestão de pessoas, ao longo dos séculos XX e XXI, proporcionando visão crítica de algumas escolas da Administração, para a contextualização do foco deste artigo. Em seguida faremos a reflexão sobre a necessária vinculação de competências ao estratégico das organizações, para que a gestão do treinamento e educação vá além de se tornar mais uma manifestação de modismo, muito vinculada a uma visão isolada dos setores de Recursos Humanos, devendo, essencialmente ser provocadora da adequada percepção de necessidades e da absorção de capacitação organizacional para os resultados projetados. Na terceira parte proporemos um método de treinamento e educação por competências, em seus grandes passo s, envolvendo definições e as etapas da implementação, bem como considerações sobre fontes que poderão contribuir para a geração de informações essenciais.Por fim, em conclusões, explicitaremos alguns reforços e cuidados para que a gestão de treinamento e educação por competências possa, efetivamente, constituir-se em instrumento gerador de reflexão continuada acerca do conhecimento instalado nas organizações, a necessidade de novas competências complementares e a explicitação do ciclo virtuoso percepção estratégica- aprendizagem-implementação do conhecimento. PALAVRAS CHAVES: gestão por competências, gestão do conhecimento, aprendizagem organizacional, alinhamento estratégico

1 INTRODUÇÃO As últimas décadas vêm apontando para desafios e novas formas de estruturação e competição para as organizações, constituindo um cenário

progressivamente mais complexo e competitivo. Assim os recursos devem ser otimizados e os desperdícios minimizados, para que uma organização se mantenha no mercado.


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Entre esses desafios está o processo de treinamento e a educação que necessita proporcionar empresas mais eficazes, com profissionais preparados. E se focarmos a realidade brasileira, o aproveitamento das oportunidades de nossa boa fase econômica somente terá confirmação se realizarmos um choque de educação. Vivenciamos o chamado “apagão” de mão de obra, onde as empresas têm as necessidades de profissionais e não os encontram, o que sem dúvida as limitará no alcance de seus resultados. Será preciso planejar o por vir. Tradicionalmente a função de treinamento e educação, para o desenvolvimento de talentos para os grandes desafios do cenário contemporâneo, tem se mostrado aquém das necessidades organizacionais. Não são poucos os executivos e empresários que percebem os recursos aplicados na função como custo e não como investimento em seus negócios. O modelo de gestão de pessoas por competências vem buscando proporcionar a reversão dessa percepção. Objetivos e focos das ações sobre recursos humanos são melhor definidos e aproveitados quando geram a necessária discussão de quais competências dos colaboradores são essenciais para as organizações. E para que sejam eficazes para o negócio precisam estar atreladas ao estratégico corporativo a partir do que devem ser explicitadas em desdobramento do que é superior e, efetivamente, proporcionar impactos positivos sobre os resultados. Essa discussão, se bem desenvolvida, permeia os níveis hierárquicos corporativos, gerando alinhamento e comprometimento dos colaboradores com os conceitos e práticas envolvidos.

Para que façamos um link adequado da evolução da gestão de pessoas, em suas relações com seus trabalhos, abordaremos, a seguir, breve histórico de algumas das escolas da administração, seguindo um trajeto desde as escolas racionalistas às humanas e focando movimentos emergentes no século XX, até chegarmos às origens da gestão por competências. É importante a menção a escolas racionalistas, que trouxeram enormes contribuições à organização do trabalho e das empresas, como a Administração Científica de Frederick Wislow Taylor e a Clássica, de Henri Fayol. Nos Estados Unidos a concorrência exigia maior eficiência dos trabalhadores e Frederick Wislow Taylor, o criador da Administração Científica, enfatizou a necessidade de um padrão de produção eficiente por um operário em um dia laboral, em contraposição ao máximo que os contramestres pudessem forçá-lo a realizar. Propagou a desconsideração de métodos empíricos e ineficientes, que ficavam a cargo de cada operário e propôs a organização racional do trabalho, delegada à gerência, por entender que o operário era um ser limitado e sem condições para analisar cientificamente o seu trabalho. Cada operário deveria se restringir a executar partes simples dos processos, sem pensar criticamente sobre suas tarefas, constituindo, assim, uma mão de obra barata. Na Escola clássica, Henri Fayol foi um observador da fisiologia das organizações. Conseguia identificar princípios e induzir regras, através da observação de fatos, que para outros pareciam insignificantes. Reduziu centenas de funções a um grupo menor de 6. Assim definiu a função Administrativa, envolvendo prever,


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organizar, comandar, coordenar e controlar. Fayol acreditou que toda tendência registrada no passado, poderia se repetir no futuro, a não ser que ocorressem novas circunstâncias que a alterasse. Logo conhecendo o passado, se poderia prever o futuro com grandes chances de acertar. E os quatorze princípios idealizados por Fayol ainda são empregados em todas as atividades, em muitas das empresas do mundo. As propostas dos modelos racionais, entretanto, estavam longe de considerar a singularidade dos trabalhadores, focadas que eram nos processos e não nas pessoas. Após a Segunda Guerra Mundial, alguns psicólogos começaram a se destacar, na formulação de teorias humanas. Desta forma nomes como Abraham Maslow (1908-1970), e Douglas McGregor (1906-1964) se destacaram ao trabalharem sobre o efeito das relações humanas sobre o trabalho. O propósito das teorias do comportamento foi predizer o comportamento das pessoas. Maslow constatou que algumas necessidades precedem outras, criando

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sua hierarquia das necessidades, que são forças, conscientes ou inconscientes, que fazem com que o indivíduo tenha um determinado comportamento. Tais necessidades, quando bem trabalhadas, o levam ao crescimento e à busca da autorrealização. Na década de 60, as pessoas estavam cansadas de mensagens mecanicistas e procuravam um maior significado para suas vidas. Nesse sentido, Maslow foi pioneiro no movimento para o desenvolvimento do ser humano. McGregor a partir de um desafio de Alfred Sloan (1875-1966), presidente da General Motors, em que se questionou se dirigentes eficientes são natos ou se fazem por si mesmo, criou a teoria Y, uma proposta para substituir as teorias racionalistas que ele denominou teorias X. Para ele, como o comportamento humano é influenciável, a atitude dos funcionários dependerá sempre das suposições de quem os gerencia. Para entendermos as oposições de McGregor às suposições da Teoria X, consideramos os principais pontos, no quadro abaixo:

TEORIA X E TEORIA Y – DADOS COMPARATIVOS Bases Conceituais da Teoria X Bases Conceituais da Teoria X Pessoas são preguiçosas e indolentes  Pessoas são esforçadas e gostam e procuram o que fazer Pessoas evitam o trabalho  Trabalho é fonte de realização e são naturais como brincar e descansar Pessoas evitam assumir  Pessoas buscam assumir responsabilidades para sentir-se mais responsabilidades para sentir-se mais seguras seguras e aceitam desafios Pessoas são sem iniciativas  Pessoas são criativas Pessoas precisam ser controladas e  Pessoas podem ser automotivadas e dirigidas autodirigidas


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Peter Drucker, ao avaliar as teorias X e Y escreveu: “A teoria X admite imaturidade. A teoria Y, ao contrário, que as pessoas desejam ser adultas”. O fato é que McGregor foi um exímio defensor do elemento humano na administração. Chegou a afirmar: “Modas vêm e passam. O fato fundamental da capacidade do homem para colaborar com seus semelhantes no grupo interatuante sobreviverá às ‘modas’ e será um dia reconhecido. Então, a administração descobrirá quão seriamente subestimou o verdadeiro potencial de seus recursos humanos”. Considerando novas abordagens da Administração, no período compreendido entre 1980 a 2005, compreende-se que seja fundamental proporcionar alguns destaques influenciadores para o pensamento por competências, gestão do conhecimento e formação de pessoas preparadas por competências. A Administração Japonesa tornou as suas indústrias competitivas em vários setores de atividades, com base na implementação da Qualidade Total (Total Quality Control) e transformou a economia mundial, tendo estabelecido um novo paradigma para a administração. William Edwards Deming desenvolveu quatorze princípios da qualidade e os implementou no processo de recuperação do parque industrial japonês. Os japoneses, segundo Maximiano (2005), foram além das técnicas e criaram uma filosofia de administração da qualidade na qual esta é uma responsabilidade de todos, coordenada e orientada por uma gerência relativa. Assim procedendo integrou as singularidades de cada pessoa nas organizações. E o processo da Qualidade passou ser estratégico nas empresas, perante o Mercado e não mais

mera área técnica de controle final de produtos. As denominadas Organizações Aprendizes (Learning Organization), possuidoras de sistemas dinâmicos, com capacidades de alterar a si próprios, aprendendo continuamente, desenvolveram-se em direção a manterse capacitadas a atender seus mercados atuais e futuros. Elas interagem sistemicamente com o ambiente e têm a sobrevivência e o crescimento como os seus principais interesses. . Segundo Maximiano (2005), as ideias principais da aprendizagem organizacional são de que a busca de novas soluções favorece o aprendizado bem como o processo decisório produz a aprendizagem. Senge (1990) estabeleceu que para lidar com a mudança contínua, organizações devem estar em contínuo processo de aprendizagem, (learning organization). Para este autor as organizações eficazes devem aprender a lidar com a mudança contínua. Na aprendizagem organizacional deve-se observar que as organizações crescem à medida que seus profissionais adquirem novas competências, e crescem porque as adquirem, em um ciclo virtuoso. A Administração Estratégica (Strategic Management) considerou decisões e ações que determinam uma estratégia para alcançar os objetivos organizacionais. Abrange determinação da Missão Corporativa, e avalia ambientes interno - forças e fraquezas corporativas e externo - oportunidades e ameaças do mercado, com potencial para definir políticas de longo prazo. Uma característica essencial é que ocorre em todos os níveis da organização, envolvendo pessoas para que estas venham a participar ativamente da formulação do pensamento corporativo e, assim, se


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comprometer com as decisões. E quanto maior for a gestão participativa provavelmente mais enriquecidas e completas serão as decisões, além de um mais aprofundado comprometimento de todos com elas. A gestão do conhecimento, que envolveu duas das principais exigências contemporâneas, a informação e as competências instaladas em uma organização, é determinante para a obtenção de vantagens competitivas em um cenário competitivo e complexo. O capital intelectual, formado pelo conhecimento agregado às pessoas, passa a ser o diferencial das organizações, que, por este motivo, são mais valorizadas. Nessa gestão devem se encaixar as competências como modernamente são tratadas, especialmente se trabalhadas interativamente pelos colaboradores e, mais ainda, se expressas a partir do que as organizações necessitam, estrategicamente. Não mais se desenha a intenção de que pessoas sejam controladas, mas sim que construam com suas empresas o conhecimento destas. O surgimento dos modelos de gestão de pessoas por competências, em especial o tema do artigo, o treinamento e a educação, ocorre na necessidade de gestão do conhecimento. Devendo ser entendido o fator humano como preponderante e diferencial para a obtenção de vantagens competitivas e dos resultados das organizações, estas passaram a trabalhar as competências essenciais e diferenciais aos seus objetivos estratégicos, para chegar, em desdobramento, ao conjunto das competências individuais de seus colaboradores. Segundo Gramigna (2004) a era do conhecimento e da velocidade em que os resultados são alcançados, fez

surgir a necessidade de preparação mais eficaz, sem perda de recursos para o cumprimento de objetivos, surgindo, então, no ambiente empresarial ferramentas de gestão que asseguraram o alcance de metas e voltadas a indicadores, tais como competências, gestão de pessoas, gestão do conhecimento, mudanças de estruturas organizacionais, processos de inovação e gestão de custos, todas atreladas ao estratégico corporativo. O mesmo autor evidenciou que o desenvolvimento organizacional, nas décadas de 70 e 80 proporcionou grande ganho para empresas e colaboradores, uma vez que gerou significativo nível de compartilhamento entre gestores e colaboradores, na definição dos objetivos estratégicos. Questões antes orquestradas e decididas na cúpula das empresas passaram a ser pensadas e mesmo decididas pelos colaboradores sem função de gestão. Gramigna (2004) nos fez ainda um breve histórico do surgimento do conceito de gestão por competências, modelo aqui tratado para utilização em treinamento e educação. Difundido nos Estados e Unidos e Europa, o modelo iniciou-se a partir do começo dos anos 2000, ainda de forma insipiente. Os primeiros trabalhos surgiram na revista American Psycologist, com David McClelland. Porém na década de 80 foi que surgiram as escalas de competências, baseadas em estudos de perfis organizacionais. Estas incluíram indicadores de desempenho e as habilidades e atitudes favoráveis. Estes estudos contribuíram significativamente para a função treinamento e educação (desenvolvimento), por competências. Portanto foi proposto um modelo de treinamento e educação por competências para o desenvolvimento dos colaboradores nas organizações, que


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significa proporcionar condições mais precisas e eficazes para a obtenção de capacitação dos mesmos e dos resultados corporativos, gerando o adequado cruzamento de ambos, isto é, que o desenvolvimento se faça na direção do que é estratégico para as empresas. Números da revista Capital Humano de 1997 nos indicavam que 600 empresas americanas e europeias já discutiam o tema e compartilhavam experiências. A utilização de competências, atreladas aos objetivos estratégicos das organizações, incluindo indicadores de performance claros e objetivos, tem o poder de proporcionar a maximização dos esforços, recursos e resultados relativos ao desenvolvimento de colaboradores – treinamento e educação, e, sobretudo, permitem o aprofundamento da conscientização do que é essencial para os resultados corporativos, gerando o comprometimento e alinhamento de todos com suas empresas. E o que é fundamental às organizações está inserido na gestão do conhecimento. Segundo Leme (2005) gestão por competências significou que pessoas, através de suas competências técnicas e comportamentais, alcançam seus objetivos e os de suas organizações. Gestão por competências, mais que mapeá-las, implica em trabalho de desenvolvimento e ajuste de resultados, após a identificação das mesmas. Até porque em caso contrário caracterizaria perda de recursos. O autor dividiu ainda as competências em técnicas e comportamentais. Técnicas são definidas por tudo o que o colaborador necessita saber para bem desempenhar suas atividades de produção, enquanto as Comportamentais por tudo ele precisa para evidenciar um comportamento, que gera impacto

agregado positivo em seus resultados. São exemplos a flexibilidade ou a comunicação interpessoal. Gramigna (2004) mencionou a divisão das competências, do ponto de vista corporativo, em diferenciais – consideradas estratégicas para empresa, as essenciais – as mais importantes para o sucesso do negócio, as básicas – as necessárias para manter a organização operando e as terceirizáveis – as que podem ser repassadas a terceiros, por não ter vinculação com o fim organizacional. 2 GESTÕES POR COMPETÊNCIAS: OPORTUNIDADE OU DEVANEIO Segundo Aurélio Buarque de Holanda(1993) devaneio é o ato de devanear, delirar, divagar, pensar vagamente em. Considerando ideias extraídas do jargão da Administração, podemos considerar que visão sem ação é devaneio, enquanto ação sem visão é desperdício, até por estar à mercê das oportunidades de ocasião, ou colocando de outra maneira, é exercer desejos e vontades sem que estejam alicerçados em um pensamento de necessidades essenciais, a partir dos quais traçamos um rumo objetivo. A questão que aqui colocamos para a reflexão é porque praticamos ações sem que estejam em um rumo planejado. Podemos indagar: atuamos sem uma conexão com rumos planejados porque o dia a dia nos é um fardo, implicando em alocar nosso tempo a muitas decisões sobre assuntos que consideramos muito importantes ou deles nos ocupamos porque nos falta um maior aprofundamento da necessidade de pensarmos continuamente de forma estratégica, a partir do que iremos


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eleger o que realmente é importante fazer? Ao executarmos ações sem que estejam vinculadas a objetivos previamente planejados poderemos realizar o que acima denominou-se de devaneio, caracterizada a palavra como forma de divagar ou pensar vagamente em agir. A consequência será praticar ações que até podem ser corretas, mas que ensejarão riscos acentuados de implicarem em desperdícios, com chances, considerando a realidade de um mercado competitivo e complexo, de estar correndo riscos de ser eliminados do mercado, que não tem perdoado erros nas últimas décadas. Quem trabalha mal é frequentemente descartado da competição. Pode ser observado no terceiro milênio, mesmo diante da ampla informação disponível sobre conceitos e práticas corporativas sobre o modelo por competências, ainda existir o descompasso entre as ideias e as realizações. É importante a escolha entre a visão antiga e tradicional, de gestão de pessoas dissociadas das definições estratégicas e a necessária vinculação à otimização dos resultados corporativos, para os quais todos os esforços e recursos devem estar direcionados. Em adição, percebe-se ainda a baixa frequência em que verdadeiramente há a real incorporação ativa das pessoas na definição de conceitos e gestão corporativa, para que o alinhamento de percepções e anseios gere o imprescindível comprometimento de todos. Não é difícil observar a existência de situações de queixas de pessoas no sentido de que não são ouvidas e também de executivos, de que subordinados não têm

comprometimento com suas empresas. Abordando especificamente o tema deste artigo, gestão de treinamento e educação por competências, certamente as situações acima explicitadas são importantes fatores de insucesso, fazendo prevalecer práticas ultrapassadas de gestões burocráticas e ineficazes, autênticos devaneios de técnicos bem intencionados. E se assim se caracteriza, ao contrário de se constituir o emprego de competências em uma oportunidade, que enseje ganhos de qualidade e de mercado, não passará de um modismo ou uma prática isolada de gestores intermediários (incluso os setores de Recursos Humanos), com a manutenção da tradicional perda de investimentos na administração de pessoas, que assim se caracterizam por custos, onde recursos são empregados sem vinculação a necessidades superiores. Na realidade de algumas empresas, no que se refere ao setor de Recursos Humanos, os chamados RH, observa-se ainda uma linha ainda muito forte de atuação funcional e regulatória, onde o pensamento estratégico ainda não aportou. E aqui se faz a pergunta: não chegou porque são mal preparados conceitualmente ou porque são contratados assim porque falta maior inserção estratégica de quem os contrata? Observa-se também em alguns casos de profissionais de RH a clara boa intenção e mesmo o preparo técnico-operacional e que buscam produzir modelos mais eficazes de treinamento e educação, de forma a gerar impactos positivos sobre os resultados organizacionais. Podemos


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até expandir esta qualificação a outros gestores fora da área de RH. São profissionais tecnicamente bem formados na administração direta de instrumentos de gestão de pessoas, mas falta-lhes uma inserção no mundo estratégico e mesmo nas cadeiras seletas das decisões superiores das corporações. Para que possamos concluir esta reflexão sobre ser devaneio ou oportunidade a utilização do modelo de competências para a prática de treinamento e educação, deve-se considerar que a diferença ocorrerá a partir da inserção de tal modelo no pensamento estratégico superior das organizações, quando estará caracterizado como oportunidade, a partir de definir essências e diferenciais eficazes de competição no mercado ou ser produzido e aplicado em níveis de gestores intermediários, mesmo que com conceitos aparentemente bem definidos, mas sem vínculo com o que realmente é importante estrategicamente para as empresas, situação em que o modelo estará fadado a se constituir em devaneio. 3IMPLEMENTAÇÃO, TREINAMENTO E EDUCAÇÃO POR COMPETÊNCIAS As questões centrais da proposta de implantação de treinamento e educação por competências abordam o alinhamento destas à gestão estratégica corporativa, definições claras e objetivas do que sejam cada uma das competências, o comprometimento das inteligências corporativas e sua dinâmica de reavaliar-se. Abaixo sugerimos um método para implantação, em 7 grandes passos.

Em primeiro passo deve ser executado um exercício estratégico (é importante que seja contínuo, para o enfrentamento de um mundo de mudanças permanentes), para que as organizações entendam o que de fato é fundamental fazer para os resultados projetados, bem entendendo quais são suas oportunidades e ameaças e o que elas precisam adquirir, em termos de competências, para sua perenização, nos mercados em que se inserem. Assim das definições de visão, missão, fatores críticos de sucesso e valores organizacionais, além de planos relativos, de onde, com certeza, devem sair as maiores contribuições para a definição das competências essenciais e diferenciais. Deve ser recomendada também que as gestões do conhecimento e do estratégico corporativo geral estejam alinhadas para gerar a capacitação requerida. Mas é preciso que toda a reflexão seja feita de forma a abranger o maior número de pessoas, para que sua execução ocorra, incluindo o alinhamento e comprometimento de todos, assim assegurando a precisa implementação. Caso contrário as definições permanecerão encasteladas no topo das empresas, sem o indicado desdobramento, em direção a suas bases operacionais. Em segundo passo deve ser conceituado o que se constituem o conceito geral de competência e a divisão de seu conjunto, já que para todos os envolvidos em operá-las o entendimento e a prática devem ser os mesmos. Considerando o conjunto, as competências técnicas e as comportamentais devem receber tratamento semelhante, do ponto de vista da definição operacional, para


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que produzam o mesmo efeito. As competências estruturadas irão compor o planejamento e a organização de carreiras, sempre de forma atrelada aos objetivos estratégicos superiores. Nessa proposta foi adotado, para os fins da proposição de implantação de gestão de treinamento e educação por competências, a definição base de competências envolvendo o chamado denominado “CHÁ” – conhecimentos (saber para fazer), habilidades (saber fazer) e atitudes (querer fazer). E também que tais competências sejam divididas em corporativas (aplicadas à toda a organização), por complexidade (aplicadas a cargos de mesmo status) e funcionais (aplicadas a cargos específicos), bem como em comportamentais e técnicas. Deve ser considerado que a base para esta definição será o rol das competências essenciais e diferenciais, explicitadas do exercício estratégico. Em terceiro passo explicitado o modelo de competências, será necessário defini-las operacionalmente, de maneira que possam ser aplicadas e medidas. As técnicas, por sua natureza objetiva, quase na totalidade não trarão maiores dificuldades de definição. O grande desafio estará nas comportamentais. Exemplificando, Habilidade em Equipes poderá envolver: dividir conhecimentos com os demais membros ou ter disponibilidade e dedicação para colaborar com o time. Será preciso que os envolvidos entendam objetivamente os conceitos e que estes tenham aderência para eles. E por aderência deve ser entendido estar comprometido, afinal para cada organização cada competência terá uma definição singular. Deve ser observada a importância de gestores no

desdobramento dos conceitos das competências em direção à base da empresa, até para que os colaboradores entendam o que se espera deles. Em quarto passo devem ser definidas e trabalhadas outras fontes importantes para a formulação de competências e suas definições operacionais, especialmente para as denominadas funcionais (as relativas aos cargos específicos). Desta forma instrumentos organizacionais como o plano de cargos e salários, com certeza, contribuirão consistentemente com tal necessidade. Mas é preciso fazer o alerta aos setores de Recursos Humanos, frequentes executores destes planos, para a necessária vinculação com o estratégico corporativo e para a manutenção de tais planos, em direção ao que interessa verdadeiramente aos negócios das organizações. Em quinto passo deve ser elaborado o mapeamento das competências instaladas nas empresas, em comparação ao que se desenhou como o projeto ideal. Assim se fará o cruzamento do que existe instalado e o que falta adquirir. As diferenças provocarão a montagem e aplicação de planos de desenvolvimento – treinamento e educação - dos colaboradores. Em sexto passo deve ocorrer a elaboração e aplicação de programa de treinamento e educação para a incorporação das novas competências e para o reforço do que já existe. Neste passo serão incorporadas as competências que faltam aos colaboradores. Em sétimo passo deve ser implementados parâmetros de medição dos impactos dos colaboradores treinados e educados em seus processos de trabalho, nas novas condições de competências. É fundamental que se


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construam metas e indicadores de medição de sucesso para a aprendizagem e impacto das competências, para que estas se constituam, de fato, em produtoras de resultados para o negócio corporativo. Leme (2005) nos propôs a definição de indicador como um conjunto de dados que representam a medição clara e objetiva de uma competência. Assim o estado de saúde de um paciente pode ser medido pelos fatos advindos do indicador nível de colesterol, dentre vários outros possíveis. Uma telefonista poderá ter medido seu desempenho pela quantidade de toques de um telefonema, antes que ela o atenda. Além de serem definidos os parâmetros de medição sobre impactos nos processos de trabalho, deve ser elaborado e implementado instrumento de avaliação do desempenho dos colaboradores que os executam, para aferição dos ganhos de capacitação dos colaboradores e para a gestão dos ajustes que se fizerem cabíveis. 4 CONCLUSÕES O mundo organizacional contemporâneo não tem respeitado empresas por suas tradições. Isto identifica claramente que as que sobreviveram em seus mercados e, mais que isso, os lideram, são aquelas que trabalham continuamente sua gestão de conhecimentos, onde se insere, por desdobramento, o treinamento e a educação por competências. Estes conhecimentos têm nos colaboradores o maior objetivo de aplicação. Ao contrário do princípio do século XX, nos dias contemporâneos, deve ser admitido que as pessoas são reconhecidas por fazerem a diferença em um mundo de

ampla informação e complexo. Afinal são elas que executam as ações nas empresas. Pode ser dito, nos dias atuais, que elas são as organizações. Nessa direção a gestão por competências tem se evidenciado profícua, justamente por atender as necessidades de capacitação em direção ao estratégico, ao mesmo tempo que, por um ciclo virtuoso, leva a novas reflexões estratégicas, perenizando as organizações que se utilizam deste modelo. Ela tem o poder de provocar a reflexão corporativa, gerando percepções de ações em direção ao mercado, que por sua vez produzem implementações de inovações sobre as competências instaladas. O desenvolvimento de pessoas através de competências, por envolver definições estratégicas mais aprofundadas, em processo de inclusão de muitas inteligências e o consequente alcance de um melhor alinhamento e comprometimento de todos em relação às grandes e diferenciais necessidades corporativas, apresenta condições adequadas para otimizar os recursos investidos, na preparação dos colaboradores. E porque esses recursos são mais facilmente percebidos de forma positiva na geração de impactos agregadores sobre os resultados, aumenta a probabilidade de mudança da visão de custo que as empresas os percebiam, comum nas práticas tradicionais, sem conexões estratégicas. Passam a ser percebidos como investimento. Deve ser ressaltado que a gestão de um processo de desenvolvimento por competências, normalmente gerido e nutrido pelos setores de Recursos Humanos (RH),


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sem a liderança da direção superior e o envolvimento e comprometimento dos diversos grupos gerenciais das organizações, estará fadado a ser mais um programa de curta duração, por melhores definições técnicas que possua, onde recursos e oportunidades serão desperdiçados. Focando as tendências de futuro sobre a gestão do conhecimento, inclusos aqui a gestão de competências corporativas e para a capacitação dos colaboradores, através do treinamento e educação, podemos considerar: 1- a improbabilidade de que as empresas tenham facilidade de sobreviver em um mercado progressivamente competitivo e complexo sem que se façam passar, continuamente por exercícios estratégicos, através dos quais venham a identificar suas forças e fraquezas, oportunidades e ameaças externas, e, especialmente, para que venham a perceber, desenvolver e aplicar suas competências essenciais e diferenciais com as quais podem e devem operar, com sucesso, em seus mercados. 2- a vital inclusão das inteligências disponíveis nas empresas para a percepção e implementação de um modelo por competências, visto ser matéria complexa, para o que deve ser considerado o processo de alinhamento e comprometimento de todos como fundamental para o

enfrentamento do atual cenário contemporâneo, que já não admite desperdícios, especialmente se for de capacidade produtiva de pessoas. Aqui é sugerido que empresários, executivos e empresas devam, definitivamente, migrarem do século XX para o XXI, no tocante a verdadeiramente serem praticantes da Teoria Y. A importância e a complexidade do assunto gestão do conhecimento não pode prescindir de qualquer grama de inteligência dos colaboradores. 3- a importância de setores de RH capacitados para pensar e agir estrategicamente, sem deixar de atuar em sua função técnica de suporte, para bem municiar o processo da gestão do conhecimento e, focadamente, o treinamento e a educação por competências, capacidades historicamente naturais da área. Deve ser reforçado, finalmente, aos profissionais de RH e para altos executivos e empresários a fundamental percepção de que o modelo de Treinamento e Educação por competências pertence ao estratégico corporativo e não aos níveis e setores intermediários de gestão, meramente funcionais e regulatórios, tais como Recursos Humanos tradicional. Deve ser formada uma nova mentalidade, rumo ao estratégico, como suporte à fundamental gestão do conhecimento corporativo.


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REFERÊNCIAS BUARQUE, Aurélio. Minidicionário Aurélio da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1993 CHOO, Chum Wei. A Organização do Conhecimento. São Paulo: Senac, 2006 GRAMIGNA, Maria Rita. Modelo de competências e gestão de talentos. São Paulo: Makron Books, 2004 HAMEL, G. Prahalad, CK. Competindo pelo futuro: estratégias inovadoras para obter o controle de seu setor e criar mercados de amanhã. Rio de Janeiro: Campus, 1995

LEME, Rogério. Aplicação prática de gestão de pessoas por competências. 2 ed. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2008 SENGE, Peter M.A. A quinta disciplina. São Paulo: Best Seller, 1990 VIANNA, Marco Aurélio Ferreira. Trinta anos de ideias: fazendo empresas felizes e competitivas. São Paulo: Gente, 1998


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BIOÉTICA E ESPIRITUALIDADE

Eliana Adami Rezende

Pós Graduação em Teologia Espirita. Faculdade Doutor Leocádio José Corrêia. Rua José Antônio Leprevost, 331 CEP 82640-070, Curitiba – PR. e-mail elianaradami@yahoo.com.br.

RESUMO As ciências, principalmente, as biomédicas aliaram-se à tecnologia na sociedade pósmoderna, permitindo manipular o ser humano em todas as fronteiras da vida. Com isso surgiram consequências éticas graves que vão de encontro aos valores espirituais. Esse fato é motivado pela força econômica que a ciência e a tecnologia adquiriram na cultura do mundo globalizado. A proposta desse ensaio é discutir as alternativas éticas, por meio da bioética, nos cursos da área de saúde, no exercício da profissão, voltadas para a formação de cidadãos comprometidos com a construção de uma sociedade solidária, justa e, portanto, mais humana não ferindo a dignidade do ser humano. Abrange ainda o Comportamento humano e autoconhecimento relacionados a espiritualidade, assim como bioética e espiritualidade, perspectivas da bioética. Na sociedade capitalista globalizada, científica e tecnológica, o paradigma não é o compromisso de servir, mas o de competir, mesmo que para isso se ignore as necessidades e os direitos do outro, desaparecendo, portanto, o conteúdo das condutas humanas. Pretende-se resgatar o elo entre a busca da dimensão interior do ser humano, em sua essência, que é a espiritualidade, visando o bem-estar do outro em sua alteridade, exercendo a ética, dentro da Bioética no cotidiano, no profissional e nas pesquisas científicas Palavras Chave: espiritualidade, bioética, ser humano, ética

1 INTRODUÇÃO De acordo com Goldim (2006), foi Fritz Jahr que utilizou pela primeira vez a palavra bioética em artigo publicado no periódico Kosmos, em 1927. Jahr conceituou a Bioética como sendo o reconhecimento de obrigações Éticas, não apenas com relação ao ser humano, mas para com todos os seres vivos.

Contudo, foi só a partir da década de 1970 que o neologismo popularizou-se, quando Van Rensselaer Potter, biólogo e oncologista da Universidade de Wisconsin, Madison, EUA, publicou o livro Bioethics: a bridge to the future. Para Potter bio representava o conhecimento biológico, a ciência dos seres viventes, e ética o conhecimento dos valores humanos. Seu objetivo era prolongar a sobrevivência da espécie humana numa forma


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aceitável de sociedade (OLIVEIRA, 1997). Em 1998 Potter reiterou suas ideias iniciais propondo uma abrangência maior para que a Bioética englobasse aspectos relacionados ao viver, bem como o pluralismo, interdisciplinaridade, autonomia, abertura e incorporação crítica de novos conhecimentos. Em 2001 o Programa Regional de Bioética, vinculado a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), definiu Bioética como sendo uma disciplina científica que estuda aspectos Éticos da medicina e da biologia em geral, assim como as relações morais do homem com os outros seres vivos. Para Barchifontaine e Pessini (1998) o campo de ação da Bioética vai muito mais além das questões de biologia, engenharia genética, biotecnologias e dos dilemas nas áreas médicas, a sua abrangência temática na América Latina está relacionada com a justiça, a equidade e a alocação de recursos na área da saúde, diferentemente da abordagem norteamericana e europeia, que na maioria das vezes, ignora questões básicas que milhões de excluídos enfrentam como a fome, miséria, exclusão social, a falta de saneamento ambiental, de educação e saúde de qualidade, a morte precoce, a violência, enquanto no primeiro mundo as pessoas morrem depois de ter vivido e desfrutado da vida com dignidade. A proposta desse artigo é discutir as alternativas éticas, por meio da bioética, abrangendo as perspectivas dentro da ciência, filosofia e espiritualidade. Estabelecendo relação entre a busca da dimensão interior do ser humano, em sua essência, que é a espiritualidade visando o bem-estar do outro em sua alteridade, exercendo a

ética, dentro da Bioética no cotidiano, no profissional e nas pesquisas científicas. 2 ÉTICA E BIOÉTICA A bioética é um neologismo com características transdisciplinares e combina conhecimentos biológicos com o conhecimento dos sistemas de valores humanos. O termo bioética, em que “bio” representa vida e conhecimentos biológicos, e a “ética” os conhecimentos dos valores humanos perante as descobertas da biologia molecular, dentro da sociedade científica e tecnológica. O compromisso com a preservação da vida dos seres humanos entre si e com o ecossistema previa os grandes dilemas dos dias atuais no campo da biologia molecular e da sustentabilidade do meio ambiente. A década de 1970 foi o período em que os avanços científicos e tecnológicos, principalmente no meio médico, se intensificaram e ao mesmo tempo passaram a ser questionados (UTIS, transplantes, diagnóstico de morte, procriação, diagnóstico prénatal). O compromisso hipocrático e a experiência de Nuremberg propiciaram a criação de Comitês de Ética, que, em sua essência, fundamentam-se nos princípios da bioética, composto por: beneficência, não maleficência, justiça, autonomia e possuem composição multidisciplinar (médicos, farmacêuticos, bioquímicos, enfermeiros, teólogos, juristas, usuários, entre outros). A bioética é um desdobramento da ética voltado para os questionamentos morais, suscitados pelos avanços científicos e tecnológicos, no contexto da sociedade em sua globalidade (pessoa, meio ambiente, cidadania, aspectos terapêuticos e suas


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aplicações legais). Assim podemos dizer que a bioética difere da ética, da moral e da deontologia devido a sua característica problematizadora e evolutiva. 3 BIOÉTICA E EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE SAÚDE

DO

A importância da Bioética, na formação acadêmica do estudante de medicina e em outras áreas da saúde, passa, inevitavelmente, pela cultura humanística. Para isso, é fundamental que o modelo cartesiano, que privilegia o modelo fragmentado por especialidades, abra espaço para um ensino voltado para a busca de conhecimento integrado, considerando a óbvia inseparabilidade entre as partes que constituem o ser humano integral. Esse modelo flexeriano privilegia a tecnologia e divide a pessoa humana em partes cada vez menores. É voltado para as especialidades que forma territórios onde os especialistas se comportam, segundo Morin ( 2005), como lobos que urinam para marcar seus territórios e mordem os que nele penetram. Com isso, a formação acadêmica é atravessada por uma metodologia desconexa de disciplinas, prejudicando a visão holística e integral do ser humano na sua complexidade profissional (BOFF, 2001). Desnecessário repetir que a própria universidade, intencionada ou alheia à cultura técnico-científica da pós-modernidade, foi ficando cativa de um modelo educacional que tem como parâmetros a eficácia e a rentabilidade econômica, formando profissionais voltados para a competitividade e prestígio pessoal, alheios aos valores éticos que é o selo de um ambiente acadêmico. A bioética, por sua característica interdisciplinar e transdisciplinar,

problematiza essa cultura dominante enfatizando posições éticas que devem ser estabelecidas visando a transmitir valores, assim como fez Sócrates na Grécia junto aos jovens de Atenas. É crescente o consenso que a Bioética deve figurar nos cursos de formação de profissionais das áreas de saúde, em todos os anos da formação acadêmica, com intuito de que, no exercício profissional, o futuro profissional tenha uma formação humanística comprometida com o exercício pleno da cidadania. 4 COMPORTAMENTO ESPIRITUALIDADE

HUMANO

E

Desde os primórdios da humanidade, sempre houve uma preocupação e necessidade de explicar os fenômenos que envolviam a vida e morte do homem. Começou a ser desenvolvido uma sociedade, na qual se utilizavam instrumentos, faziam-se trabalhos artísticos rústicos, domesticação dos animais e surgindo a agricultura. Ocorreu uma intensificação da vivência em grupos através da linguagem e essas primeiras civilizações alcançam o sentido do espírito, buscando entendimento e fazendo sentido da vida, se reconhecendo como seres vivos que possuem inteligência e consciência. Se auto-organizam, tomam consciência de si, através de uma autoconsciência, autoexplicação e finalmente se tornam seres vivos conscientes, espíritos humanos livres, capazes de fazer escolhas. Após o Homem tomar consciência que é um ser vivo consciente, tenta entender a si, o outro, a sociedade, a cultura, o cosmo, o universo e Deus. Ao tentar entender esse todo, ele participa de uma cosmovisão, resultando na tentativa de entendimento do todo, permitindo que


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tenha mais consciência e mais inteligência resultando em um conhecimento maior. Esse ser vivo consciente que é o espírito, busca conhecimento através de um senso comum, de sobrevivência, tomando consciência de suas limitações, tentando significar e resignificar a vida, buscando entendimentos que vem através de questionamentos de sua origem e sua gênese. Faz reflexão sobre o futuro buscando essa compreensão através do conhecimento religioso (espiritual) e obtém explicações na cultura, no conhecimento acumulado e descobre que muitas dessas explicações eram místicas, baseadas em rituais e dogmas devido a falta de entendimento e conhecimento da época. E, através da cogência dos conhecimentos religioso, filosófico e científico, o homem busca um sentido, uma razão e propósito para sua vida fomentado na transdisciplinaridade que visa a unidade do conhecimento, estimulando uma nova compreensão da realidade, articulando elementos que passam entre, além e através das disciplinas, numa busca de compreensão da complexidade. A Doutrina dos Espíritos, por meio de seus princípios e fundamentos, requer uma ação que permita o desdobramento singular de cada um, gerando um sistema de ideias, devendo sempre fazer contextualização, crítica e aperfeiçoamento do entendimento. Interessante observar que se esta fazendo um segundo olhar e uma resignificação possíveis de mudança que podem - e devem - ser substituídos quando necessário. Esta não é, entretanto, uma visão meramente filosófica. A capacidade de atribuir significado não pode ser artificialmente reproduzida. Penrose (2006), provou matematicamente que

os computadores não conseguem simular a única característica que define a mente humana, o significado. De acordo com Goswami (2006), a mente não é física, assim, não é atribuída ao corpo ou ao cérebro, mas sim, extra fisicamente. Assim, reconhecer a capacidade de distinguir o homem das demais espécies, diferenciando sua mente de uma máquina, aceitando-a como algo externo ao próprio corpo, é reconhecer a espiritualidade. Considera-se espiritualidade, então, o conjunto de todas as emoções e convicções de natureza não material, com a suposição que há mais no viver do que pode ser percebido ou plenamente compreendido, remetendo a questões como significadas e sentidas da vida, não se limitando a qualquer tipo de crença ou prática religiosa (VOLCAN, 2003). 5 AUTOCONHECIMENTO ESPIRITUALIDADE

E

O ser humano possui uma propensão a buscar constantemente significado para a vida por meio de conceitos que transcendem o palpável e o mensurável, que pode ou não incluir uma participação religiosa formal. Esta busca e crença em um sentido de conexão com algo maior que si próprio de acordo com Saad et al. (2001), pode ser chamada de espiritualidade. A busca de sentido e de significado é uma das necessidades fundamentais do ser humano, que o distingue das demais espécies, até onde se sabe. O ser humano é um ser em relação: consigo mesmo, com seus semelhantes, com a natureza, com a divindade. A espiritualidade sempre tem a ver com o transcender a si mesmo e para transcender é preciso entrar em relação(FERRER, 2002). O ser humano na busca constante de conhecimento tenta entender a si, o


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outro, a sociedade, a cultura, o cosmo e o Universo. Ao tentar compreender esse todo ele alcança a cosmovisão resultando no entendimento da origem, da gênese, significado que remete a Deus, Creador de tudo. O entendimento e compreensão desse todo, juntamente com o auto conhecimento, aproxima o homem de Deus. 6 BIOÉTICA E ESPIRITUALIDADE A Bioética e Espiritismo são áreas do conhecimento que se aproximam na medida em que questões relativas à bioética lidam com a expressão material da vida e também com a Espiritualidade. Partindo do princípio que o objeto de estudo da Bioética são as questões relacionadas a vida, estudando as dimensões morais das ciências da vida e do cuidado da saúde, utiliza uma variedade de metodologias éticas num contexto multidisciplinar. Os princípios que fundamentam a concepção da bioética podem ser respaldados, a partir da concepção espírita, por estarem em absoluta concordância com as leis naturais que regem o Universo e que indicam o que o homem deve fazer para ser feliz. Essa lei (divina ou natural, segundo Kardec) está escrita na consciência humana. O instrumento para distinguir o bem e o mal, segundo a visão espírita, é o uso da inteligência, que permite o discernimento, mediada pela vontade de fazer o bem. A máxima de amor é capaz de estabelecer novos patamares de relação entre os seres humanos impondo um novo status evolutivo para a humanidade. A Bioética, de acordo com o modelo explicativo da complexidade, tem as seguintes características: interdisciplinaridade, o pluralismo, a humildade, a responsabilidade, o senso de humanidade, dentre outras. Segundo

Goldim (2007) “no processo de tomada de decisão o sistema de crenças de uma pessoa tem papel fundamental. Estas crenças, incluindo-se as religiosas, afetam a sua percepção e leitura do mundo, o conjunto das alternativas disponíveis e a seleção da ação que irá ser realizada ou não. Os aspectos religiosos ou espirituais devem estar também incluídos em uma reflexão bioética, sempre preservando o caráter plural da discussão e não assumindo uma posição sectária” A grande contribuição do Espiritismo nesse debate é a afirmação da existência do Espírito, a imortalidade da alma e a evolução infinita, ao agregar a dimensão extracorpórea das criaturas: o princípio espiritual. O Espiritismo demonstra, a partir dos fatos pela via da experimentação, a preexistência, a existência e a sobrevivência da alma, que conserva todas as faculdades intelectuais, morais e espirituais a serviço do progresso. De acordo com Reis “O Espiritismo não se reduz à fria experimentação de laboratório. O científico e o filosófico se projetam no ético e no moral...” Daí a necessidade de estabelecer um permanente e profícuo diálogo com todas as correntes de expressão do conhecimento humano. 7 PERPECTIVAS DA BIOÉTICA E ESPIRITUALIDADE As ciências biomédicas, aliadas à tecnologia na sociedade pós-moderna, permitem manipular o ser humano em todas as fronteiras da vida, surgindo, em consequência, questões éticas que vão ao encontro dos valores espirituais. Esse fato é motivado pela força econômica que a ciência e a tecnologia adquiriram na cultura do mundo globalizado. A perspectiva da bioética é desenvolver no


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exercício das profissões, voltadas para a área de saúde, a formação de cidadãos comprometidos com a construção de uma sociedade solidária, justa e, portanto, mais humana. A medicina, alicerçada na ciência com seus avanços tecnológico e científico, representa, para os dias atuais um mundo de descobertas e possibilidades nunca antes imaginadas na área da saúde. Esse fato permite salvar mais vidas, revolucionando a qualidade da cura e longevidade das pessoas. Todavia, se torna menos acessível para pacientes menos abastados ou mesmo para o sistema de saúde governamental. 8 BIOÉTICA E A PESQUISA CIENTÍFICA No campo da pesquisa, cada vez se torna mais indispensável a formação de comitês de ética e bioética, com o intuito de modernizar e normatizar condutas que eventualmente venham ferir a dignidade do ser humano. A pesquisa tem o objetivo – na visão da Doutrina Espírita - de encontrar na pessoa espiritualizada um sentido moral e ético buscando seu entendimento e compreensão de sua realidade como ser encarnado e gerando um embasamento de comportamento em relação ao próximo, seu equilíbrio e, de preferência, quando através do centro espírita. Em 1993 a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) criou o Comitê Internacional de Bioética cujo estatuto foi aprovado em maio de 1998. O comitê tem a missão de manter-se à frente do progresso em genética, procurando assegurar o respeito aos valores da liberdade e da dignidade

humana em relação aos riscos potenciais de atitudes irresponsáveis em pesquisa biomédica. O surgimento do órgão teve como objetivo responder às principais preocupações envolvidas no progresso nas ciências biológicas, em particular a genética e a biotecnologia. O órgão foi concebido como um foro privilegiado para o debate, trocas de ideias e informações, com um caráter multidisciplinar. Desde seu surgimento, tem realizado reuniões anuais para estudar os aspectos éticos e legais de temas como aconselhamento genético, genética de populações, acesso a tratamentos experimentais, alimentos geneticamente modificados, entre outros. No campo científico, especificamente aquele envolvido em pesquisa com seres humanos, o bemestar das pessoas que se submetem as pesquisas deve sempre prevalecer sobre os interesses da ciência e mesmo da sociedade. Este pressuposto é apresentado em diversos documentos internacionais como a Declaração de Nuremberg e Helsinque. A Declaração de Nuremberg é a primeira normatização sobre ética em pesquisa envolvendo seres humanos, resultado do julgamento dos crimes nazistas cometidos contra a humanidade. Sua revisão pela Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, em 1964, resultou na Declaração de Helsinque, documento de referência internacional - atualizado cinco vezes - que estabelece diretrizes para as pesquisas médicas de modo a preservar a integridade física e moral dos voluntários (MARTIN, 2002). Segundo Oliveira (1997), atualmente Bioética é uma disciplina reconhecida praticamente em todos os cursos na área de saúde e na maioria dos cursos da área de Humanas das universidades europeias e norteamericanas. No Brasil, muitos cursos de


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graduação dedicam à bioética uma carga horária mínima. 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS O modelo de desenvolvimento atual é baseado no consumo exacerbado, proporcionado pela busca desenfreada de prazer e posses. Esse comportamento vem gerando um vazio espiritual que obriga o ser humano a recorrer à interioridade de valores que alimenta e recompõe permitindo a volta para a espiritualidade. Na medida em que a espiritualidade se traduz em compaixão, fraternidade e solidariedade, é possível exercer a ética em sua plenitude, pois possibilitará a comunhão de todos e para com o próximo. A religiosidade, na medida em que orienta para a busca de princípios e virtudes, subsidia a espiritualidade, como ensinou Jesus Cristo e, modernamente, como sugere a ética do Dalai-Lama. A espiritualidade indica que a vida é substancialmente o que não se vê, mas o que se sente. A bioética, como um neologismo da ética, é uma área de conhecimento interdisciplinar de base filosófica e antropológica voltada para os dilemas decorrentes do avanço científico e tecnológico no que concerne à pesquisa envolvendo os seres humanos e o meio ambiente. É urgente sua conscientização e vivencia em uma “Aldeia Global”, exigindo soluções éticas permanentes para seus problemas. Como resultado, essa atitude ética universalista impele os diversos grupamentos humanos a vivenciar novos parâmetros para uma sociedade mais justa e fraterna. A bioética representa uma proposta de tolerância e esperança para a pluralidade moral da humanidade nas suas diferenças de crenças e valores em

todos os campos relacionados às ciências da vida. Pelo seu caráter transdisciplinar, ela se apresenta como um instrumento valioso e indispensável para o diálogo que envolve questões éticas levantadas pelas decisões clínicas, pelos avanços científicos e tecnológicos. E o maior exemplo se manifesta na composição pluralista e interdisciplinar das comissões bioéticas dos hospitais e universidades. Diante do avanço científico e tecnológico que permeia todos os setores envolvidos com a saúde, é importante que o estudante das áreas de saúde e os médicos se conscientizem que a missão mais importante é a de promover a saúde e não de ser um manipulador de tecnologia. Infelizmente, muitas vezes esse público se observa comprometido com dilemas éticos mas devem procurar entender que a medicina mais humana se distingue da medicina tecnológica pelas características que envolvem o desempenho do profissional como forma de avaliação e competência e seu desenvolvimento não pode ir contra a valorização do ser humano e sua felicidade.


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REFERÊNCIAS AMM, Pinheiro WE. Bioética e biodireito: uma introdução. São Paulo: Loyola; 2006. BARCHIFONTAINE, C.P. Bioética e início da vida: alguns desafios. São Paulo: Ideias e Letras, 2004.

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LIPTON, Bruce H., A Biologia da Crença. tradução Yma Vick. 1. Ed – SP: Butterflay Editora, 2007. REIS, Ademar Arthur Chioro. Médico sanitarista e professor universitário. Membro do CPDoc e do Centro Espírita Allan Kardec (Santos-SP). SEVERINO, AJ. Educação e ética no processo de construção da cidadania. In: Claudinei JL, Guergen P, organizadores. Ética e educação. Campinas: Autores Associados; 2005. SIQUEIRA, JC. Educação médica em bioética. Rev Bras Bioét. 2008) SOUZA, VCT. Universidade, ética e espiritualidade. In: Pessini L, Barchifontaine CP, organizadores. Buscar o sentido e plenitude de vida. São Paulo: Paulinas; 2008.


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CONSCIÊNCIA SOBRE DIREITO POLÍTICO: UMA NECESSIDADE DOS JOVENS NAS ESCOLAS DO BRASIL Luiz Guilherme Covre de Marco Docência Superior, Faculdade Doutor Leocádio Jose Correia. Rua José Leprevost 435 CEP 80.520-000, Curitiba- Paraná. e-mail guilhermedemarcoadv@yahoo.com.br

RESUMO Esta pesquisa traz abordagens sobre a necessidade da inserção de uma disciplina que fale a respeito da consciência dos direitos políticos e cidadania na rede pública e privada de ensino das escolas do Brasil, a qual aborde aos jovens os temas como democracia, educação, partidos políticos e sua importância no processo educacional de um país, direitos políticos, e a realização do exercício democrático através do voto. Conscientizar o jovem dentro da sala de aula sobre a necessidade de se interessar sobre os seus direitos políticos, conscientizado-o de seu importante papel como cidadão e formador de opinião, dentro deste regime democrático que vivemos. Além disso, traz aspectos sobre a democracia e educação, partidos políticos e pesquisas realizadas no Estado do Paraná com jovens sobre o tema aqui abordado. Demonstrando assim, a atual necessidade das escolas promoverem um novo sistema de educação, visando conscientizar os jovens sobre os seus reais direitos políticos, e um despertar crítico de como utilizar tais direitos, de escolher e de participar mais ativamente de um processo democrático, visando assim, uma sociedade mais justa e igualitária. Conscientização esta que no futuro próximo deve ser trabalhada em sala de aula. Palavras chave: inserção, sufrágio, consciência, voto, democracia e educação. 1 INTRODUÇÃO Em 2012, mais um ano muito importante para toda a população brasileira, pois foram decididos os governantes e legisladores municipais. Sendo observado em várias entrevistas telejornais e revistas, a respeito de quanto a população brasileira desconhecia a importância daquele momento de exercício democrático de direito, sobre o que realmente significa

democracia e o quanto é importante ter a consciência sobre o exercício do voto. Portanto, estas afirmações, foram comprovadas em recente pesquisa realizada no mês de março de 2012, no Município de Curitiba, Estado do Paraná, pelo Instituto Paraná Pesquisas, o qual mostrou que 42% dos eleitores entrevistados, não souberam responder ao certo para que serve um vereador, refletindo desta forma, a nossa cultura política nacional.


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Atualmente, nas escolas do Brasil, tanto na rede pública de ensino como nas privadas, não existe uma disciplina na qual aborde sobre o exercício do sufrágio universal bem como sobre a importância do voto na vida do cidadão brasileiro. Sabe-se que os partidos políticos, que apresentam a sua natureza de pessoa jurídica de Direito Privado, atualmente possuem uma grande importância no que diz respeito ao cenário de todo o complexo eleitoral que envolve os candidatos, bem como exerce influência e um papel fundamental até mesmo no destino as quais poderão levar o nosso país. Pode-se dizer que os partidos políticos são aglomerados de pessoas que possuem um mesmo ideal em prol da sociedade, na qual carregam consigo uma bandeira de opiniões e projetos e sustentam tais opiniões mediante o lançamento de candidatos a cargos públicos eletivos, com o ideal de por todos os seus projetos em prática. Tal influência é de tamanha importância, pois o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), chegou ao entendimento recente, o qual foi devidamente normatizado, de que o partido político é que o detentor do mandato eletivo, ou seja, caso o candidato atualmente queira mudar de partido ou agremiação, por livre e espontânea vontade, poderá perder o seu mandato, pois o mandato é legalmente do partido político. Esse entendimento visou moralizar o processo eleitoral e evitar um conflito de ideologias partidárias na tentativa de que os candidatos

permaneçam nas suas agremiações partidárias os quais foram votados inicialmente por seus eleitores. Além disso, o candidato antes de se eleger defende plenamente os objetivos de um partido político, o qual poderá dele se mudar para outro que nada tem a ver com os seus ideais, ou seja, acaba sendo uma ofensa aos seus eleitores bem como aos seus próprios ideais, representando assim, uma falsa representação política. Diante de todo este cenário político caótico a qual atualmente o nosso país vive, será que o jovem estudante brasileiro tem conhecimento e noção sobre estas questões que envolvem direitos políticos, suficientes para exercer o seu direito de voto? A escola como uma instituição de conscientização e ensinamentos, tem o dever moral para com o cidadão em transmitir os conhecimentos que envolvam a questão de cidadania, podendo incluir em seu conteúdo programático, objetivos propostos com o caráter educacional de direitos políticos do cidadão. Assim, com todas estas discussões acerca do processo democrático eleitoral em nosso país, será necessária a inserção de uma nova disciplina nas escolas, a qual será direcionada principalmente aos jovens e futuros eleitores, composta com o conteúdo programático e objetivos propostos de direitos políticos, vislumbrando assim, uma maior conscientização para o seu real exercício de cidadania e uma conscientização da democracia.


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2 INSERÇÃO DA DISCIPLINA DE CONSCIÊNCIA POLÍTICA NAS ESCOLAS Diante de tantas indagações, vimos que atualmente, há uma grande necessidade de que haja uma maior conscientização, principalmente, nos jovens de nosso país sobre a importância do exercício do sufrágio universal, mediante o voto. Tal conscientização deverá ser trabalhada dentro das salas de aulas, a fim de estimular o aluno a ter uma consciência crítica a respeito do seu exercício de soberania popular e também para que o jovem possa se interessar mais sobre assuntos políticos, o que é extremamente importante para a composição societária de nosso país. Nos EUA, na época da corrida presidencial, percebemos a presença dos jovens nos discursos efetuados pelos candidatos nos diversos Estados, as quais representam um importante e disputado público do colégio eleitoral norte-americano. Tal classe é tão disputada, que os estrategistas políticos dos candidatos procuram explorar a rede social como uma forma de atingir o público jovem, através de uma conscientização e divulgação dos seus respectivos planos de governo, os quais são aderidos e amplamente discutidos pelos jovens. Assim, seria importante a inserção de tal disciplina nas escolas em nosso país, para a conscientização do exercício do sufrágio, pois de acordo com, Gomes (2010, p 37), o sufrágio é a essência dos direitos políticos, porquanto enseja a participação popular no governo, sendo este o responsável pela condução do Estado. No que tange a questão da fidelidade partidária, com o advento normativo do TSE, restringiu-se de forma mais disciplinada, mudança dos

candidatos que mudam de partidos, para partidos políticos em que acreditam ter maiores expectativas de êxito em futuras eleições, não se importando desta forma, com as suas ideologias, que muitas das vezes são antagônicas, e também não respeitando assim o voto do eleitor. Tal transição, enfraquece a democracia brasileira bem como os nossos partidos políticos, gerando grande desapontando entre os eleitores, que não mais hão de ter a credibilidade para com o candidato. Assim, com a punição para os políticos que mudarem de partido sem justa causa, contribuem para a uma consolidação de um regime verdadeiramente democrático no Brasil. Portanto, nos resta claro a necessidade premissa de se saber em quem se esta votando, ou seja, sendo no partido político, devemos então conhecê-lo um pouco mais, analisando o seu estatuto, o seu projeto político, o seu idealismo democrático, pois ao final, se votamos na pessoa de um candidato, mas não conhecemos o seu partido, as quais os votos são legalmente computados, chegamos a conclusão óbvia de que realmente não sabemos para quem estamos votando. Assim, tudo nos leva a crer que o ensino nas escolas da rede pública e privada, é o melhor espaço para que os indivíduos possam iniciar a conscientização para a sua atuação como cidadão responsável para o seu exercício de soberania popular, podendo quem sabe decidir sobre o futuro do seu País, os rumos de nosso governo bem como uma boa condução de nossa sociedade, até porque se a própria Constituição Federal faculta que o jovem com 16 (dezesseis) anos possa votar, necessário se faz que, nas escolas exista uma disciplina na qual aborde sobre


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partidos políticos, democracia, o exercício do sufrágio universal e o voto. Neste ponto, cumpre destacar uma correta preparação para a atuação do cidadão, no que tange a uma atuação digna e relevante para a sociedade, sendo a escola o melhor local para iniciar-se esta conscientização. Neste entendimento. Carvalho (1979, p 91) ressalta que a escola pode vir a ser caracterizada como uma unidade funcional de trabalho, consoante o modelo de Follett, sob a condição de as funções específicas do pais, dos professores, dos alunos e dos funcionários serem todas Coordenadas na direção de uma totalidade, resultante da união, por integração, de reações diferenciadas, não aniquiladas nem absorvidas, mas intercompenetradas através de integração mútua. Portanto, temos que o meio escolar é o meio mais eficaz para que o cidadão jovem possa obter uma consciência crítica a fim de exercer o seu direito político, em fim, exercer a sua democracia. Na linha de entendimento de democracia na educação, Carvalho (1979, p 61) ainda se posiciona no sentido de que onde “O treinamento para a democracia, na concepção da autora, deveria começar do berço e estar presente em toda atividade da vida”. A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 14 § 1º, dispõe que: a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: § 1º obrigatórios para os maiores de dezoito anos; II – facultativos para: a) os analfabetos; b) os maiores de setenta anos; c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.”

Portanto, conscientizar os alunos da rede pública e privada de ensino sobre a importância do exercício do sufrágio universal bem como da consciência do voto como um dos maiores instrumentos democráticos existentes em nossa legislação é um caminho no que pode auxiliar os jovens no sentido de sua melhor e maior participação na vida política do país. Tal a importância desta conscientização, que em recente pesquisa divulgada pela Universidade Norte do Paraná (Unopar), na Gazeta do Povo, qual abrangeu 1.012 (hum mil e doze) alunos da rede pública dos Municípios de Londrina (PR), Chapecó (SC) e Passo Fundo (RS), “70% dos entrevistados não sabem quais são seus direitos sociais; 78% desconhecem o que é a Constituição Federal do Brasil; 40% não conhecem os Três Poderes; 68% ignoram o que faz um deputado estadual; e 70% não sabem o que é democracia e nem como participar dela”. Diante deste percentual assustador é lamentável, perceber uma falta de cidadania nas pessoas, uma espécie de desinteresse em participar da vida política de nosso país, o que é extremamente importante para a nossa sociedade. Ainda tal pesquisa revela que “cerca de 65% dos alunos acreditam que os conteúdos do ensino médio não são adequados para as exigências do mundo atual e 52% acreditam que o ensino médio não prepara o aluno para o exercício da cidadania.” Diante disso, realmente vemos a necessidade da inclusão de uma disciplina no ensino e na grade curricular, a qual trabalhe e prepare o aluno para exercer o seu direito de cidadania, para o conhecimento de conceitos sobre a vida política do cidadão, com consciência crítica e


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determinação, a fim de evitar que ele apenas a venha o conhecer, quando já estiver cursando uma faculdade, que já estará exercendo o seu direito de voto, a algum tempo, de forma desconhecida e despreparada. Quem sabe por meio da transdisciplinaridade poderemos inserir uma disciplina de direito político, voltado para uma formação jurídica do jovem nas escolas. 3 PARTIDOS POLÍTICOS Os Partidos Políticos surgiram inicialmente na Inglaterra, com a atuação de deputados em seu Parlamento, expandindo-se posteriormente para os demais países. São de natureza de pessoa jurídica de direito privado, funcionando como um certo mecanismo de atuação na seara política e social da sociedade. A Lei nº 9.906 de 1995, qual seja, a lei que rege os partidos políticos no Brasil, mais precisamente em seu art.1º, dispõe que “o partido político é pessoa jurídica de direito privado e destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do regime representativo e a defender os direitos constitucionais fundamentais. Vale dizer que tal garantia corresponde a dizer que o partido não pode e nem poderá ser considerado um órgão do Estado, haja vista ser possuidor de uma personalidade jurídica própria, sendo assim, portanto, sujeitos próprios de direitos e obrigações. Para o nosso ilustre Jurista Ferreira (1989, p.339) assim diz que partido político é “uma associação voluntária de pessoas, com determinadas ideologia e programa,

com a intenção de conquistar total ou parcialmente o poder, possivelmente mediante meios institucionais, e satisfazer os interesses de seus membros”. E ainda, Cretella Júnior (1989, p. 703 e 1.103) assim dispõe que: “Organizações destinadas a congregar eleitores que participam dos mesmos interesses ou das mesmas ideologias ou da mesma orientação política, em relação aos problemas fundamentais do país”. Cumpre salientar que os partidos políticos no Brasil, não são tão antigos, não havendo nenhum que tenha atingido um centenário de existência como é o caso dos partidos por exemplo americanos, onde os Democratas existem desde 1790 e os Republicanos desde 1837, e sempre estão se alternando no poder nos Estados Unidos da América. O fato de no Brasil não existirem Partidos Políticos centenários como os americanos é pela instabilidade e inconstância política e financeira a qual o pais atravessou e continua atravessando, ou seja, não se tem ainda uma estabilidade temporal na qual possa constatar o centenário de um partido. O nosso país foi marcado por uma série de acontecimentos bruscos, na política, ditaduras, instabilidades financeiras, revoluções, fizeram com que tais partidos acabassem com o tempo, não criando raízes, fato este relevante na qual demonstra que os partidos políticos que compõem a nossa republica são praticamente recentes se comparados com de outros países. Portanto, os partidos políticos tendem com o passar do tempo a se enraizarem em nosso país, tendo em


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vista a evolução constante em que nos encontramos e graças também a um regime democrático que favorece e possibilita tal situação. Os partidos políticos possuem liberdade para sua estruturação, a qual é garantida por nossa Constituição Federal, em seu art. 17, § 1º que assim dispõe que é “livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana.” Pois bem, a garantia no que tange ao regime democrático de direito pela nossa Constituição Federal é de suma importância, pois garante que não haverá outras agremiações que possam vir a trazer novamente regimes totalitários e nem difundi-los. Portanto, tal é a importância da inclusão de uma disciplina de consciência política nas escolas de nosso país, que estude realmente os direitos políticos do cidadão, bem como da importância e da influência dos Partidos Políticos em nossa historia, abrangendo os seus valores e ideais. É uma forma de levar ao jovem estudante em sala de aula, o interesse de pesquisar sobre a influência dos partidos políticos no processo educacional da nossa nação, as suas políticas públicas e as práticas governamentais exercidas seja em conjunto com o poder executivo ou legislativo em cada gestão governamental, enfim, é uma maneira de expor ao jovem, a necessidade de se conhecer melhor o partido político na hora de exercer o seu voto, visando um melhor sistema educacional brasileiro.

4. DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO A palavra Democracia quem vem do grego (demo=povo) e (cracia=governo), ou seja, o governo do povo, é um sistema ou regime na qual os cidadãos podem participar de forma ativa da vida política de seu país. Ao longo da história a democracia vem sempre sendo conquistada através de constantes lutas e difuculdades, seja em busca de uma maior participação política da população no governo de um país, seja nas lutas pelas garantias dos direitos humanos em prol da sociedade, permanecendo este regime, tido com um valor social, em construção até os dias de hoje. Embora muitos países digam que possuem tal regime democrático, sabemos que não é bem assim, pois o sistema totalitarista possue uma conotação ainda muito forte, obrigando uma grande parte da população, a uma submissão de idéais, costumes e valores ideológicos. No Brasil, temos a democracia tida como representativa ou indireta, onde a população, por meio do voto, elegem os candidatos (vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidente) que irão representá-los no governo, tomando as decisões em nome dos que os elegeram. Tal participação se dá através de uma representatividade do povo através das eleições realizadas, sendo que tal regime poderá ser utilizado em sistemas presidencialistas, parlamentarias, reepublicanos e até monárquicos. A democracia, no entanto, é uma palavra de difícil definição, pois seu conceito é aberto, ou seja, é um valor que ainda está em construção para saber o seu real conceito e aplicabilidade, pois a liberdade de expressão e manifestação


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de opiniões em grande parte dos países que se dizem democráticos, sofrem de sanções e até algumas vezes de censura. O sentido da democracia está amplamente associado às palavras de liberdade e igualdade, caso contrário a democracia não teria sentido, pois a liberdade está vinculada a maturidade de um povo, no que diz respeito ao seu livre arbítrio, responsável por todos os seus atos. Já a igualdade, tem uma conotação de indiferença, onde todos podem participar da vida política de seu país, independentemente de crença, cor, posição social e o nível de escolaridade. No entanto, é pela soberania popular que o Estado exerce o seu papel de poder soberano, poder este conferido pela população, e emanado pelo povo, conferindo legitimidade ao estado para as suas decisões, dentro de um regime democrático. Assim, com a inclusão de uma nova disciplina de consciência política nas escolas no Brasil, haverá uma maior contribuição para a formação de jovens cidadãos capazes de criticar os ideais democráticos, contribuindo com uma participação maior em nosso processo democrático, através de ideias e projetos em prol de uma sociedade melhor. O jovem brasileiro deve participar mais da política pública, exercendo assim, o seu dever cívico de cidadão. 5 CONSCIÊNCIA E IMPORTÂNCIA DO VOTO O exercício do voto, é uma das maiores formas de demonstração de exercício democrático em nosso país. Inicialmente cumpre salientar que o voto, é oriundo de um direito político legitimado pelo sufrágio universal, onde o cidadão possui o seu direito político de

exercer a sua democracia legalmente, exteriorizando-se através do voto. A palavra sufrágio, denota-se portanto, como uma aprovação, escolha, que nada mais é do que a concordância pelo candidato, o seu apoio e aceite, juntamente com mais um série de pessoas que detém a mesma escolha dos seus representantes junto à sociedade, é a sua participação com responsabilidade. Por outro lado, o voto é a exteriorização do sufrágio universal, sendo que é por ele se manifesta a vontade popular na escolha de sua representatividade. Daí a importância e responsabilidade do exercício de votar, a necessidade de uma consciência crítica e conhecimento para a sua prática desde cedo nas escolas no Brasil. Atualmente no Brasil, o voto é obrigatório para os maiores de 18 anos e menores de 70 anos, com exceção ao demais elencados no art. 14, § 1º da Constituição Federal do Brasil. Tal obrigatoriedade de votar talvez demande da cultura brasileira a qual ainda talvez seja imatura a ponto de deixar tal exercício compulsório. O eleitor brasileiro, por não participar ativamente da vida política de seu país, tendo em vista a sua herança cultural, chega a votar em pessoas que sequer ouviram falar, muito menos em qual partido político são filiados, isto quando não chegam a “negociar” o seu voto, haja vista, terem obrigatoriamente que votar e depois só sabem reclamar da atual situação do país. Por isso, a consciência do voto nas escolas, estimulando os jovens ao pensamento crítico, é extremamente importante para que o país possa crescer socialmente, culturamente, economicamente, pois é através destas importantes decisões, é que podermos direcionar o futuro de nosso país.


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Conforme afirma Ferreira (1989, p. 295), o voto: é essencialmente um direito público subjetivo, é uma função da soberania popular na democracia representativa e na democracia mista como um instrumento deste, e tal função social justifica e legitima a sua imposição como um dever, posto que o cidadão tem o dever de manifestar a sua vontade na democracia”. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, a proposta da inserção de uma disciplina específica na rede pública e privada de ensino, na qual aborde os temas de democracia, exercício de sufrágio universal, voto, partidos políticos, será de grande importância para a nossa sociedade, para a formação de uma juventude crítica, com conhecimento de conceitos constitucionais, inerentes ao cidadão, que irá contribuir para a consciência do voto que é um dos maiores instrumentos democráticos existentes em nossa legislação. Além disto, tal crítica contribuirá para uma exigência da população no que diz respeito aos próprios projetos políticos de governo dos candidatos que estiverem concorrendo ao pleito, pois se fizer diferente e não cumprirem o projeto ora

Portanto, conscientizar os alunos da rede pública e privada de ensino sobre a importância do exercício do sufrágio universal bem como da consciência do voto como um dos maiores instrumentos democráticos existentes em nossa legislação é um caminho na qual podemos auxiliar os jovens no sentido de sua melhor e maior participação na vida política do país. divulgado, poderão ser alvo de questionamentos futuros, por parte dos próprios jovens, comprometendo assim, a sua possível reeleição. Assim, o despertar jovem, para uma consciência cada vez maior de sua vida política, através da inserção de uma disciplina de consciência política nas escolas em nosso país, abrirá os olhos da nação para o futuro, para uma nova era, aonde as pessoas não irão às urnas simplesmente para votarem em qualquer candidato, pela sua aparência ou fama, mas sim, em um representante, representado por um partido político, que corresponderá as suas expectativas, de uma crítica construtiva oriunda de um conhecimento real e verdadeiro sobre as políticas públicas e os seus respectivos partidos políticos, que contribuem de maneira fundamental, para o desenvolvimento do processo educativo e cultural em nosso país.


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REFERÊNCIAS CARVALHO, Maria Lúcia R. D. Escola e Democracia. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária Ltda, 1979. CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro. Forense Universitária, vol. 2, 1989. BRASIL GOVERNO. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 28/08/2011. FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, vol 1, 1989. GOMES, José Jairo. Direito eleitoral 4 ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2009. BRASIL GOVERNO. Lei 9.095/96 – Lei dos Partidos Políticos no Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 23/03/2013. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Introdução à história dos partidos políticos

brasileiros. 2 ed. Ver. BH: Editora UFMG, 2008. MELO, Carlos Ranulfo. Retirando as cadeiras do lugar: migração partidária na Câmara dos Deputados (1985-2002). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. BRASIL GOVERNO. Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: http://www.tse.jus.br/institucional/esc ola-judiciaria-eleitoral/revistasdaeje/artigos/ revista-eletronica-ano-iino-5/justiça-eleitoral-e-educação-paraa-cidadania. Acesso em 18/02/2013. GONÇALVES, Juliana. Cidadania, uma desconhecida. Gazeta Povo.Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida ecidadani/conteudo.phtml?id=1175904 &tit=Cidadania-uma-desconhecida. Acesso em 23/03/2013. CASTELLANO, Daniel De olho nos vereadores. Gazeta do Povo. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida publica/vereadores/conteudo.phtml?tl= 1&id=1. Acesso em 09/04/2012.


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ALTAS HABILIDADES E SUPERDOTAÇÃO: UM RECORTE NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE CURITIBA. Raquel Correia Fagundes

Pós Graduação em Docência do Ensino Superior - Faculdade Doutor Leocádio José Correia. Rua José Antônio Leprevost, 331 CEP 82640-070, Curitiba - PR, e-mail, rakellycorreia@hotmail.com RESUMO A presente pesquisa teve por finalidade discutir as altas habilidades e superdotação. O objetivo foi identificar na RME (Rede Municipal de Ensino) do município de Curitiba a carência, entre os profissionais da educação, de conhecimento, informação e interesse sobre o tema. Para tanto se fez uma pesquisa qualitativa por amostragem, abordando esses aspectos. Desta forma, foram coletados alguns dados junto á Coordenadoria de Atendimento às necessidades Especiais, com o intuito de mostrar a maneira como acontece a oferta, procura e divulgação dos cursos e palestras direcionados aos profissionais e também, como são realizados os atendimentos ao público com AH/SD. O interesse surgiu a partir da observação de que a maioria dos profissionais, mesmo os antigos, da RME estão despreparados e, em contrapartida, não tiveram contato com informação e divulgação dos cursos e palestras ofertadas por esta mantenedora. Os resultados da pesquisa confirmaram as suspeitas levantadas na observação e apontam para a necessidade de incluir conhecimento específico desta área na formação inicial dos profissionais em educação básica. Palavras Chave: altas habilidades, superdotação, formação, informação, divulgação. ABSTRACT This research aimed to discuss the high skills and giftedness. The objective was to identify the RME (Municipal Schools) in Curitiba shortages among professionals in education, knowledge, information and interest about the topic. To this end we did qualitative research sampling, approaching these aspects. So were collected some pieces of information next to the Coordination of Care Special needs, in order to show the way how the offer happens, demand and dissemination of the courses and lectures aimed to the professionals and also, how the services are made to the public with AH / SD. The interest arose from the observation that most professionals, even the old from RME are unprepared and had no contact with information and dissemination of courses and lectures offered by this sponsor. The survey results confirmed the suspicions raised in observation and point to the need to include specific knowledge in this area of professional training in basic education. Key Words - high abilities, giftedness, training, information, dissemination


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1 INTRODUÇAO Falar sobre superdotação e altas habilidades remete a desdobramentos que se referem á educação: políticas públicas, métodos, concepções, dificuldades e sucessos. Remete-se ao sistema educacional como um todo. Qualquer tema relativo à educação passa necessariamente pela discussão desses aspectos que tanto interferem na ação educativa, afetando todos aqueles nela envolvidos. Esses e outros desdobramentos revelam as condições dos alunos superdotados e com altas habilidades em todo o território nacional. No município de Curitiba observase um quadro parecido com o do conjunto da nação: esforços de alguns profissionais em atender aos alunos, preparar os profissionais, divulgar os programas, realizar pesquisas/estudos na área, estimular o interesse dos profissionais em educação para o estudo e pesquisa sobre o tema. Todos esses esforços são travados em meio às dificuldades encontradas no conjunto. A despeito de programas desenvolvidos pela Secretaria de Educação do Município (2006, p.10), se observara que não há preparo, discussão, informações sobre o assunto. A grande maioria dos profissionais da educação básica não tem conhecimento, orientação e principalmente interesse pelo tema. A falha se encontra no processo educacional como um todo. Nesse sentido esse estudo, considerando essas observações, realizou uma pesquisa para mensurar a falta, a carência, demonstrando que Informação e preparo são urgentes. (CURTIBA, 2006, p.15-16) Para tanto, se buscou conhecer, um pouco, da realidade do município. O intuito é contribuir no sentido de levar aos educadores mais informações sobre o assunto e subsídios

para demonstrar a necessidade de aplicar instrumentos de avaliação os quais são indicadores para identificar alunos, possivelmente, com altas habilidades e superdotação. Em resumo, contribuir para o melhor preparo dos profissionais da área para lidarem com público alvo, alunos com altas habilidades e superdotação. Não se trata de culpabilizar, ou responsabilizar um segmento ou outro, e sim buscar alternativas visando colaborar na construção do processo de inclusão, tendo em vistas que a educação é responsabilidade de toda a sociedade. Mesmo porque, é visível que os profissionais envolvidos com H/A e S/D, desde o mais alto escalão até os que se encontram no chão da escola, têm se desdobrado para que esse público ganhe visibilidade e atenção. As iniciativas valiosas de poucos devem ser um incentivo para que haja uma mobilização maior por parte daqueles cuja sensibilização já aconteceu, fomentado assim as ações e pesquisas nesta área. Assim, é importante salientar que o direito a igualdade de atendimento dentro das necessidades de cada um está previsto em lei, pois a LDB prevê no seu Artigo 59, parágrafo II a “...aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados”. (BRASIL, 1996. p.20) A legislação requer uma discussão à parte. A despeito dessa discussão vale afirmar que as conquistas em termos de legislação avançaram. Entretanto há muito por se conquistar, não só no que se refere á legislação propriamente dita, mas principalmente na aplicação da lei. Tratar a parcela de superdotados e com altas habilidades com maior desvelo compreende uma demanda urgente na educação brasileira. Tanto quanto outras tantas apontadas por estudiosos. Pois a maior de todas as


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demandas é a qualidade de ensino. Ora, se desprezamos as potencialidades não podemos esperar que haja algum nível de qualidade. É preciso oportunizar e valorizar a todos, sem distinção. Do contrário o discurso da educação inclusiva e o da qualidade se tornam vazios. Estudos de Renzulli (2004) mostram que trabalhar com programas curriculares apropriados para alunos com AH/SD possibilita que todo o grupo se beneficie, melhorando o nível de aprendizado do mesmo. Apesar de comprovadamente se mostrar vantajoso a escola, de um modo geral, continua a ter como foco a dificuldade e não o estímulo à potencialidade. Essa mentalidade sustenta o discurso do menos favorecido. O discurso precisa ser o da inclusão se quisermos uma educação de qualidade e para todos. O sentido do termo inclusão precisa ser reconstruído. A mudança pressupõe um novo olhar do professor/educador. Olhar de possibilidades, potencialidades ao invés de dificuldades. Mudança essa que precisa ser construída no conjunto. Para subsidiar o trabalho se usou como base teórica, principalmente, Joseph S. Renzulli, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases), os cadernos organizados pelo Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial (BRASL, 2007),dentre outros. Também se realizou pesquisa qualitativa por amostragem junto aos profissionais do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Ensino e dados coletados junto a Secretaria Municipal de Educação, na Coordenadoria de Atendimento as Necessidades Especiais (CANE). (CURITIBA, 2006) Os resultados da pesquisa são mostrados, neste texto, através de gráficos elaborados para esse fim.

2 O CENÁRIO EM CURITIBA As discussões sobre AH/SD ocorrem em níveis locais, regionais, estaduais e federal. Cada grupo fazendo o seu possível e juntado os esforços para avançar em termos de conquista para todo o grupo. De maneira que o cenário pode variar de um estado para outro, assim como de um município para outro. Para se avançar é preciso ter conhecimento do que foi já conquistado, das dificuldades e o que precisa ser feito para se continuar avançando. Nesse sentido, mostrar um pouco da realidade do nosso município pode contribuir para que se possa avançar no que diz respeito á informação e preparo dos profissionais em educação e, consequentemente, na identificação desse público, melhorando o atendimento. Segundo dados da SME, (Secretaria Municipal de Educação) fornecidos pela CANE (Coordenadoria de Atendimento às Necessidades Especiais) (2006, P. 18), o programa de atendimento aos alunos com altas habilidades e superdotação, na RME (Rede Municipal de Ensino) foi implantada em 2006. Data da implantação da primeira Sala de Recursos (SR) de Altas Habilidades\Superdotação (SR de AH\SD) na Escola Municipal Papa João XXIII. Funcionou nesse local até 2008. Atualmente as S.R. de AH\SD funcionam nos Centros Municipais de Atendimento Especializado (CMAEs). Segundo as informações fornecidas pela CANE, atualmente o município possui quatro SR e a quinta SR de AH\SD está em processo de implantação. Quanto à quantidade e formação dos profissionais da RME que trabalham especificamente no atendimento aos alunos com A/H e S/D, existe na SME uma profissional responsável pela área que coordena os projetos de


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enriquecimento. Nas SR (Salas de Recursos) de AH\SD atuam quatro professoras, sendo duas com carga horária de quarenta horas. Os cursos de música, teatro, robótica, stop motion e artes visuais também têm professoras especializadas para o trabalho proposto. Nas SR duas profissionais têm formação específica, as demais têm formação em Educação Especial. Segundo informações cedidas pela CANE, atualmente na RME estão identificados e atendidos, aproximadamente cento e trinta (130) estudantes com altas habilidades e superdotação. Dos quais setenta e quatro (74) são atendidos nas SR e os demais participam, conforme interesse e disponibilidade da família, das atividades de enriquecimentos e cursos ofertados. Sendo que na implantação da primeira sala de recursos eram identificados dezoito (18) alunos. (CURITIBA, 2006, p. 6) Geralmente os alunos são nomeados por pais e professores. Em seguida para serem identificados primeiramente os estudantes passam por um período de observação e acompanhamento, realizado pela EPA das escolas e equipe da Educação Especial. Posteriormente as equipes das escolas preenchem o roteiro de desempenho acadêmico, ou roteiro de observação (documento próprio da RME de Curitiba). Assim, é feito o encaminhamento à Avaliação Diagnóstica Psicoeducacional (ADP) aos CMAEs para avaliação de psicopedagogos. (CURITIBA, 2006, p. 1516). No que se refere á oferta de cursos, palestras, formas de divulgação e nível de interesse dos professores a CANE, desde 2006, apresenta proposta semestral de cursos para os profissionais da RME. Desde 2010 há

oferta de palestras sobre AH/SD nas Semanas de Estudos Pedagógicos (SEPs) da SME. Em 2008, se incluiu na agenda dos eventos da SME os Encontros para Apresentação dos Projetos e Atividades dos estudantes com AH\SD e em 2012, aconteceu o IV Encontro. Todos os cursos e palestras são divulgados, via internet, no Portal Cidade do Conhecimento. Essas informações e dados foram fornecidos pela CANE. Esses dados assim como a pesquisa realizada junto aos professores da RME têm o objetivo de mostrar um pouco da realidade do nosso município, no que se refere à situação do público com A/H e S/D em se tratando, principalmente, á atendimento, formação dos profissionais, divulgação e conhecimento dos mesmos em relação ao tema. A pesquisa foi realizada com dezessete professores que atuam na R.M.E. As questões foram elaboradas no sentido de abranger vários aspectos da situação desse público no município. Entretanto, são mostradas e discutidas mais especificamente as relativas ao interesse, níveis de formação e informação sobre A/H e S/D. Os gráficos abaixo foram montados a fim de mostra os resultados obtidos em duas questões discursivas que tratavam da caracterização do aluno e da pertinência do tema proposto:


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Gráfico 1 CARACTERIZAÇÃO DO ALUNO COM AH/SD

Observa-se nas respostas discursivas que a maioria dos professores, exceto 7%, possui uma concepção estereotipada sobre A/H e S/D, não fundamentada em leituras, cursos e formação específica. A prática profissional proporcionou algum contato com esse tema, formando uma espécie de conhecimento de senso comum entre a classe docente. O senso comum, entretanto, contribui para a disseminação de ideias errôneas. Nas respostas obtidas o autodidatismo e ideias correlatas aparecem com maior frequência. Alencar (2007,p.16) discute essas ideias. Dentre elas a crença de que esses alunos têm “recursos intelectuais suficientes para desenvolver por conta própria o seu potencial superior”. O autodidatismo, a relação apenas com alto QI, 16%, a ideia de que tudo sabe e que não precisam de estímulo, 7%, mostram a prevalência da falta de formação e informação. O autodidatismo e automotivação, quando presentes, aparecem apenas nas áreas de interesse do aluno. Em outras áreas precisam de estímulo podendo, inclusive, apresentar dificuldades. O pensamento de que todo aluno com potencialidades superiores pode se desenvolver sozinho se inscreve nas ideias errôneas já citadas. (Alencar,

2007) Ainda, demonstrando o que diz a cultura popular sobre os que apresentam superdotação, Alencar, (2007) pontua que culturalmente é mal interpretado o sentido do prefixo “super”. O mesmo remete a ideia de “um desempenho ou produção excepcional”. (BRASIL, 2007. p. 19). Lamentavelmente, a partir do gráfico, conclui-se que grande maioria dos profissionais em educação, os quais deveriam estar preparados para atender ao público com altas habilidades e superdotação tem como base a cultura popular e o senso comum. As outras respostas, também, giraram em torno de noções de que são alunos que superam a expectativa do professor e que tudo sabe. A distinção entre altas habilidades e superdotação apareceu nos mesmos 7% cujas respostas estavam baseada na literatura da área. Trata-se de profissionais com formação em Educação Especial. O gráfico a seguir é relativo á questão que permitia manifestar opiniões e impressões sobre o tema: Gráfico 2 COMENTÁRIOS E OPINIÕES DOS PROFISSIONAIS SOBRE O TEMA


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O gráfico mostra que a maioria dos profissionais vê a necessidade de maior divulgação e capacitação. Alguns entrevistados, 4%, manifestaram, inclusive, surpresa pela abordagem, considerando eles que o foco da escola é a deficiência do aprendizado. Ainda, 18% consideram que esses alunos passam despercebidos pela escola, 11% não fez comentário. Quando questionados do porque da ausência de resposta o comentário foi de que não entendiam nada do assunto e que por isso não fizeram nenhum comentário. Em contra partida, as respostas objetivas corroboram com a primeira impressão que se tem quando se fala em atendimento, formação, divulgação de programas e capacitação. Ou seja, a carência em todos esses aspectos. Os gráficos a seguir mostram os resultados obtidos nas questões objetivas que se referiram, principalmente, à informação, capacitação, divulgação dos cursos e programas, identificação de alunos com A/H e S/D em sala de aula:

Gráfico 3 CONHECIMENTO DO TEMA

oriundo de outras fontes que não a mantenedora 59% reponderam que sim e 49% reponderam que não. Esse conhecimento é ainda precário, pois quando a pergunta é relativa a programas que visem a identificação a porcentagem é a mesma do quesito formação ofertado pela RME: Gráfico 4 CONHECIMENTO PROGRAMAS ESPECÍFICOS

DE

Com relação à divulgação, a pergunta se estendeu as outras escolas, da RME ou não. 53% dos profissionais têm de 5 a 10 anos de rede. Mesmo assim a maioria não teve contato com divulgação de cursos ou palestras: Gráfico 5 CONTATO COM DIVULGAÇÃO DO TEMA

Quando perguntado se possuíam algum conhecimento sobre o tema

Observando o gráfico se pode concluir que a maioria não possui


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conhecimento, informação, preparo e não teve contato com nenhum tipo de divulgação. É importante salientar que as questões relativas á contato com divulgação do tema e as que se referem á participação de cursos e palestras, as respostas coincidem na porcentagem. As duas obtiveram 18% sim e 82% não, respectivamente. De maneira que se conclui que a falta de divulgação de programas de identificação leva ao despreparo profissional. Essa “coincidência” demonstra que há uma relação diretamente proporcional entre divulgação e preparo profissional. Assim como, desinformação e despreparo estão diretamente relacionados. Com relação à divulgação do tema o percentual aparece discretamente mais elevado pelo fato de a questão abranger a rede estadual e privada. Neste ponto vale lembrar que esses profissionais tiveram um contato indireto, ou seja, sabiam que havia na escola um aluno superdotado que recebia atendimento especializado. O que não significa que a escola desenvolva algum programa de identificação ou enriquecimento que contemple á todos os alunos, nem tampouco trate do tema com todos os profissionais. São situações pontuais, tratadas de maneira isolada. Os dois gráficos, incluindo o relativo aos comentários e impressões reforçam o argumento de que é preciso capacitar os profissionais. Essa necessidade se mostra no fato de considerarem estarem despreparados para atender os alunos com A/H e S/D; esses alunos passam despercebidos; a importância do tema para o magistério. Todas as respostas dos gráficos: 1, 2 e 3 levam a uma mesma conclusão, qual seja, existe uma demanda relativamente ao público com A/H e S/D. Corrigir essa demanda é uma questão legal, se trata de se fazer cumprir a lei da inclusão.

Além do aspecto legal tem o ganho social, econômico e humano. Acima de tudo trata-se de garantir um direito. Observou-se nos comentários feitos na oralidade que a ausência de impressões, 11%, além de ser um indicativo de desconhecimento do tema, traz em seu bojo o julgamento de que é uma realidade distante do ensino público. Em outras palavras os comentários não apareceram porque, para esses entrevistados, o aluno com A/H e S/D não existe na realidade do ensino público. Segundo informações da CANE ,supracitado, desde 2006, é ofertado cursos, semestralmente para os profissionais da RME e desde 2010 há oferta de palestras sobre AH/SD nas Semanas de Estudos Pedagógicos (SEPs) da SME. A divulgação é feita no Portal Cidade do Conhecimento. Canal, específico, de comunicação entre a SME e os profissionais da Educação. Considerando seis anos de oferta de cursos e dois de palestras é relativamente pouco. Ainda assim não justifica ter atingido somente 18% dos profissionais. A SME possui um portal chamado “Cidade do Conhecimento”, exclusivo aos profissionais da educação. Nele são vinculados conteúdos de interesse desses profissionais e inerentes á profissão de educador. Assim como também, são disponibilizados cursos de formação continuada, nos quais os professores se inscrevem, via internet, de acordo com a disponibilidade do profissional para horas de estudo e sua área de interesse. Quando há uma demanda de capacitação a secretaria de educação avisa as EPAs (equipe pedagógica administrativa) das escolas via email por outro portal, de caráter mais administrativo, para que haja divulgação e para que seja cobrada dos profissionais a participação. Quando


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isso não ocorre a oferta de cursos é postada no portal ‘Cidade do Conhecimento’ e o professor pesquisa e se inscreve a partir de seu interesse. Para que haja interesse é preciso que o mesmo seja despertado através de informação e uma divulgação mais eficaz, ou ainda, o interesse surge pela necessidade. Não havendo nenhum programa implantado na escola que pontue uma demanda, não haverá necessidade e por consequência interesse. Outra via para despertar o interesse dos profissionais seria maior volume de informação, inclusive sobre a legislação vigente. É preciso achar a ponta desse círculo vicioso: falta de preparo, interesse, informação, divulgação. A ponta parece estar na formação inicial do profissional. Assim como acontece com os surdos mudos a lei (BRASIL, 2002, p.1) prevê na formação profissional um período de formação específica para atendimento desse público. O mesmo deveria acontecer relativamente as A/H e S/D. Essa falta prejudica alunos e professores. Uma queixa recorrente dos profissionais da área é a dificuldade em lidar com as questões comportamentais dos alunos. A indisciplina escolar pode ser explicada, em grande medida, por esse viés. É preciso conhecimento, treinamento, orientação para que os profissionais saibam lidar com as diferenças individuais e as necessidades educativas desse público. Para atender a essa demanda se faz necessário que na graduação em docência esteja previsto formação específica para atendimento em altas habilidades e superdotação. Nesse sentido, Sabatella (1995) afirma que professores e alunos se beneficiam, caso o profissional possua: ”conhecimento de procedimentos básicos de identificação e estratégias

especiais nessa área”. (Sabatella 1995, p. 78) A pesquisa mostra um quadro contrário em relação a essa demanda. O desconhecimento dos profissionais sobre o tema gera o desinteresse em aperfeiçoamento profissional, prejudicando o desenvolvimento desses alunos. É preciso oportunizar experiências educativas que sejam ricas, mediadas por profissionais conscientes das necessidades especiais do público com A/H e S/D. Desinformação contribui para disseminação e continuidade de concepções estereotipadas e errôneas sobre os superdotados ou que possuem altas habilidades. Contribui, também para a falta de interesse no sentido de buscar aumentar o conhecimento sobre o assunto. E assim se instrumentalizar para um atendimento mais qualificado já no inicio do processo educativo, cujo espaço é a escola e o público os alunos das séries inicias do ensino fundamental. É sabido que, em se tratando de desenvolvimento infantil, seja qual for a necessidade, qualquer atendimento especializado tem maior sucesso se iniciado assim que ela aparece. Por isso é tão importante a implementação do processo de identificação nas escolas de ensino fundamental, bem como a mudança de foco: das dificuldades para as potencialidades. Para mudar o foco, despertar o interesse, aumentar a conscientização é preciso conhecimento sobre o tema. Sem um conhecimento básico, porém de qualidade, as potencialidades, habilidades e a até a S/D passam despercebidos pela maioria dos profissionais da área. Mesmo que o profissional possua o perfil sem preparo específico se perde a oportunidade de desenvolvimento adequado desse aluno.


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A formação inicial obrigatória despertaria no profissional um novo olhar a todos os alunos, capacitando-os a desenvolver programas específicos, permitindo que os possíveis superdotados ou com altas habilidades aflorassem suas potencialidades e assim seriam identificados. Em contrapartida, a experiência nos mostra que a profissão de educador exige do profissional um perfil diferenciado no qual maioria se enquadra. De maneira que professores são perfeitamente confiáveis e capazes para detectar sinais de talento em seus alunos, pela observação, principalmente se forem alertados e preparados. O problema da desinformação e desinteresse atinge profissionais que atuam como docentes e gestores das instituições de ensino. Gestores capacitados e cobrados pelos órgãos competentes promoveriam uma maior divulgação e informação em suas unidades de ensino. Decerto que, de imediato, uma maior sensibilização de todos os envolvidos no processo educativo se faz necessário, no sentido de minimizar, a curto e médio prazo, as consequências prejudiciais. A conquista em lei da implantação na formação inicial dos professores a formação específica traria resultados a médio e longo prazo. Ao passo que, iniciativas para ampliar e aperfeiçoar, tornando mais eficiente a divulgação de cursos e palestras sobre o tema, envolvendo gestores nesse processo traria um ganho mais imediato. Casos de crianças cuja superdotação é visível e mesmo assim não são encaminhadas daria uma pesquisa á parte. Inclusive, uma dessas crianças destacou-se nacionalmente num concurso de redação, segundo lugar, e continuou invisível na escola. Exceto, é claro, pela exposição pública honrando o nome da escola. Ela não foi à

única da escola a se destacar. Essas situações são recorrentes e acontecem por falta de uma maior conscientização e conhecimento por parte daqueles cuja função é atender essas crianças nas suas necessidades diferenciadas. As causas, apontadas por estudiosos, da deficiência no atendimento ao aluno com AH/SD são várias. Segundo Virgolim (2007), dentre elas está a nomeação deste aluno nos dispositivos legais. Considerando a importância da maneira como uma lei é redigida, em todas as suas nuances, pode se dizer que a nomeação é uma das raízes, cujas consequências se estendem por todos os outros aspectos dessa mesma situação. Nesse sentido, a mesma autora pontua o que pesquisadores da área assinalam várias necessidades. Dentre elas duas vale citar por se tratar mais especificamente do objetivo dessa pesquisa. Uma delas aponta para a necessidade de: “...ampliação de serviços específicos para se conhecer melhor as características deste grupo em nosso país. (Virgolim, 2007, p.18). Esses mesmos pesquisadores assinalam também para a necessidade de fomentar as discussões no sentido de desenvolver políticas públicas que: “favoreçam o reconhecimento, o estímulo e o aproveitamento de nossos potenciais humanos”. (Virgolim, 2007, p.18) A despeito dos avanços conquistados, que se refletem nos dispositivos legais posteriormente constituídos há um longo caminho a percorrer no que diz respeito ás conquistas para o público com A/H e S/D, assim como a efetivação daquelas já previstas em lei. 3 CONCLUSÃO Assim, o alcance principal dessa pesquisa foi o de identificar na RME do


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município de Curitiba o envolvimento dos profissionais em educação com o público que possui altas habilidades e superdotação, no que se refere a conhecimento, preparo e interesse. Para tanto, utilizou-se questionário com os profissionais e coletou-se alguns dados junto á Coordenadoria de Atendimento as Necessidades Especiais. Outros dados considerados relevantes para o trabalho não foram possíveis de serem coletados, tendo em vista os entraves burocráticos e aspectos legais. Entretanto, considerando os objetivos principais pode-se dizer que os mesmos foram atingidos satisfatoriamente. Os resultados confirmaram as suspeitas iniciais, as quais motivaram a pesquisa. De maneira que revelam o quanto há por fazer para sanar a carência de informação, formação, preparo, interesse de gestores e professores. Esses resultados demonstram que há necessidade de se contemplar no início da carreira docente a formação específica. É uma medida cuja garantia deve estar atrelada a lei. A preocupação, o interesse e o trabalho das secretarias estaduais e municipais ainda são ineficientes para atingir a maioria do público com A/H e S/D por conta da inobservância do que já prevê a lei, bem como as imprecisões que ela sucinta. Para além da lei é preciso combater o preconceito, buscar estabelecer novos paradigmas nas concepções de educação. O que mais atravanca o avanço do processo educativo como um todo são as limitações de ordem conceptivas, que se inscrevem na mentalidade instaurada.

Nesse sentido, todos os esforços são necessários, desde a ampliação e criação de políticas públicas, reformulação da lei, até ações pontuais. No que se refere ao município de Curitiba é preciso ampliar o debate, as discussões para se buscar alternativas de melhoria dos mecanismos existentes, tornando-os mais eficientes quanto ao acesso dos profissionais em educação no que se refere á capacitação. Essa seria no sentido de popularizar os instrumentos de identificação. A familiaridade desses oportunizaria um maior numero de alunos identificados e, por conseguinte, maior acesso do público com A/H e S/D aos atendimentos. Além de garantir um direito evitaria o desperdício de talentos. Seguindo uma linha de pesquisa, seria interessante identificar na rede pública os alunos que poderiam compor um pool de talentos e não foram identificados. Procurando abranger o maior número possível de escolas. Assim, cumpriria, também, o papel de divulgar os programas existentes, despertando o interesse dos profissionais para esse tema. Alternativas como essa são necessárias, pois, a melhor maneira de ampliar direitos é fazer valer aqueles já conquistados. Só se amplia a conquista de um direito quando cristalizamos a conquista anterior. E em se tratando de direitos para os alunos com A/H e S/D há muito que se fazer para cristalizarmos os direitos existentes.


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REFERÊNCIAS ALENCAR, M. L. S. Eunice. Indivíduos com Altas Habilidades/Superdotação: Clarificando Conceitos, Desfazendo IdeiasErrôneas. MEC, Brasília, 2007. BRASIL, Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases para a Educação Nacional. Brasil, Brasília 1996. BRASIL, Ministério da Educação Secretaria de Educação Especial. VIRGOLIM, Angela, M., R. Altas Habilidades /Superdotação Encorajando Potenciais. MEC, Brasília, 2007.

a desenvolvemos? Uma retrospectiva de vinte e cinco anos. Educação, janeiro-abril, año/vol. XXVII, número 052, PP. 75-131. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2004. SABATELLA, M., P., Lúcia. Instituto Para Otimização da Aprendizagem: Uma Alternativa Educacional Para Alunos Superdotados e Talentosos. 1995. 108 f. Dissertação ( Mestrado em Educação) Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 1995. BRASILhttp://www.planalto.gov.br/cciv il/03/leis/l9394.htm. Acesso em 04/04/2013

CURITIBA. Diretrizes Curriculares para a Educação Municipal de Curitiba, Volume V. Curitiba, 2006.

BRASILhttp://portal.mec.gov.br/arquiv os/pdf/lei10436.pdf. Acesso em 16/11/2012

BRASIL, Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais- Libras e dá outras providencias, Brasília, 2002.

BRASILhttp://www.cidadedoconhecime nto.org.br/cidadedoconhecimento/dow nloads/arquivos/3011/download3011. pdf. Acesso em 19/10/2012

RENZULLI, S., Joseph. O que é essa coisa chamada superdotação, e como


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SERVIÇO SOCIAL: A GRADUAÇÃO NA PERSPECTIVA TRANSDICIPLINAR Roberta Mischiatti de Marco Pós Graduação em Docência do Ensino Superior. Faculdade Doutor Leocádio José Corrêia. Rua José Antônio Leprevost, 331 CEP 82640-070, Curitiba – PR. e-mail roberta.mischiatti@gmail.com

RESUMO Este artigo leva a um questionamento sobre o Ensino Superior voltado a formação de Assistentes Sociais no Brasil. Para tanto foi pesquisado sobre o momento de construção histórica da profissão, já que perpassa momentos teórico-metodológicos diferentes no decorrer das décadas. Como é uma profissão pautada em um projeto ético político, onde se deve ter um olhar para a totalidade complexa apresentada diariamente no seu âmbito profissional. Sendo que a educação é a porta de entrada para a formação desse profissional a abordagem transdisciplinar pode ser a chave mestra para que o ensino também seja aplicado em sua totalidade. Com isso foram abordados os principais aspectos da transdisciplinaridade para a graduação do assistente social no Brasil. Um dos conceitos mais discutidos neste artigo foi o da holística, que pontua a necessidade de visualizar o ser humano em todos os seus aspectos. Conclui-se nesta pesquisa que a graduação do Serviço Social em sua grande maioria utiliza uma metodologia de ensino tradicional, onde o conhecimento é fragmentado pelas disciplinas não havendo interação entre as mesmas, dificultando o aprendizado em sua totalidade o qual será exigido posteriormente na prática profissional do assistente social. Palavras chave: Transdisciplinaridade, Formação Profissional, Serviço Social, Holística.

1 CONTEXTO SERVIÇO SOCIAL

HISTÓRICO

DO

O Serviço Social surgiu no Brasil na década de 30, quando o país era governado por Getúlio Vargas. Com o objetivo de combater o caos devido à transição econômica da época, o governo e a Igreja Católica fizeram uma aliança para combater o caos instaurado pelas migrações das famílias para a região urbana das grandes cidades devido à industrialização mercantilista. O Serviço Social foi implantado com uma perspectiva disseminadora e de interesses Burgueses, os quais eram

administrados pelas “damas de caridade” de cunho Católico, com interesses em “ajustar os desajustados” com o objetivo de amortecer as contradições sociais. No ano de 1932 foi instituído o Centro de Estudos de Ação Social - CEAS na cidade de São Paulo-SP, com o objetivo de disseminar a doutrina da Igreja Católica, suas posições relativas à questão social que na época eram de naturalização dos problemas sociais. (Yazbek, 2009, p.130). A primeira Escola de Serviço Social surgiu em SP no ano de 1936 na Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, logo instituído na Escola do Rio


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de Janeiro em 1937 e no ano de 1945 na Escola de Porto Alegre. Vale citar que a 1º Escola de Serviço Social da América Latina surgiu no Chile em 1925 (Yazbek, 2009, p.131). Nesta época a base teóricometodológica era Franco-Belga, pois os conhecimentos sobre a profissão vinham da Europa, se baseavam filosoficamente em São Tomás de Aquino, onde o problema da questão social era centralizada no indivíduo. As práticas do Serviço Social não passavam de higienistas e moralizadoras, firmando os objetivos da Igreja. Entre os postulados filosóficos tomistas que marcaram o emergente Serviço Social, temos a noção de dignidade da pessoa humana; sua perfectibilidade, sua capacidade de desenvolver potencialidades; a natural sociabilidade do homem, ser social e político; a compreensão da sociedade como união dos homens para realizar o bem comum (como bem de todos) e a necessidade da autoridade para cuidar da justiça (Yazbek, 2009, p.146). Depois da 2º Guerra Mundial em 1945, os Estados Unidos da América afiançou os países subdesenvolvidos para o crescimento Industrial. Foi ai que começou o processo de endividamento do país. Neste momento também foi implantada a ideológica dos EUA na educação, na saúde e também na profissão do Serviço Social. Então o modelo de atuação da profissão passa a ser o NorteAmericano, contemplando obras de Bordam Ramiton e Mery Richimon, o método passa a ter o de caso, grupo e comunidade e a corrente filosófica passa para o positivismo-funcionalismo, “o método positivista trabalha com as relações aparentes dos fatos, evolui dentro do já contido e busca a

regularidade, as abstrações e as relações invariáveis” (Yazbek, 2009, p. 147). Neste modelo o que deve ser trabalhado são as partes desajustadas, pois a sociedade é um todo harmônico e o que desarmoniza são essas partes. Para isso as atividades dos/as assistentes sociais se tornam sistematizadas. A década de 50, com o governo de Juscelino Kubitschek, onde a proposta era desenvolver a questão econômica, trouxe consigo um desafio para o Serviço Social que era o de adequar o indivíduo ao meio, sem fazer questionamentos, aceitando o que era imposto pelo governo. Nesta época a Questão Social era tratada com repressão e assistência, um binômio que elevou o trabalho com grupos e com a comunidade. Até o momento não havia questionamentos sobre a profissão. Esses questionamentos surgem na mesma época que a ditadura militar na década de 60, acompanhados de movimentos sociais que ocorreram também na América Latina. Yazbek (2009, p.148) coloca que, o questionamento a este referencial tem início no contexto de mudanças econômicas, políticas, sociais e culturais que expressam, nos anos 60, as novas configurações que caracterizam a expansão do capitalismo mundial, que impõem à América Latina um estilo de desenvolvimento excludente e subordinado. O modelo funcionalista utilizado foi questionado por uma grande massa de profissionais, por entenderem que era fragmentado e delimitado, não se encaixando no modelo de sociedade da América Latina, principalmente no Cone Sul e no Chile. Defendiam adequação do Serviço Social as problemáticas da América Latina, criação de um método


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para a realidade vivenciada mais crítico e aprofundado, produção de literatura, ações de neutralidade foram criticadas, defesas a classe trabalhadora foram levantadas, redefinição da política do Assistente Social devido à atuação assistencialista e caritativas. Esses questionamentos passaram por algumas perspectivas, onde a intenção de ruptura com o conservadorismo foi uma delas reforçando o compromisso com a classe trabalhadora. O referencial teórico passou a ser o marxismo de forma enviesada por se tratar de leituras diferenciadas de estudiosos como mestres e doutores que tinham acesso a algumas matérias sobre o marxismo, “a vertente marxista que remete a profissão à consciência de sua inserção na sociedade de classes e que no Brasil vai configurar-se, em um primeiro momento, como uma aproximação ao marxismo sem o recurso ao pensamento de Marx” (Yazbek, 2009, p. 149). Importante dizer que a leitura mais próxima de Marx chegou até o Serviço Social com estudos realizados por Netto e Iamamoto. A questão ontológica do ser se sobressai ao entender a relação do ser natural com o ser social e sua formação na objetividade do trabalho. Com todos esses questionamentos e movimentos, o Serviço Social passa a reconceituar suas ações mais precisamente na década de 90, quando a profissão se insere na divisão sócio técnica do trabalho através das relações sociais. Assim o objeto de intervenção passa a ser a questão social, que se expressa com a relação entre o capital e trabalho. O Código de Ética profissional de 1993, como também, a Lei que regulamenta a profissão 8.662/93 que

esclarece as competências e as atribuições do Serviço Social são instrumentos que contribuem para efetivar o projeto de ruptura. Outro fator importante está presente nas diretrizes Curriculares de 1996 que reafirma as concepções marxistas das diretrizes anteriores, importante dizer que em 2002 houve algumas modificações, porém, na mesma linguagem marxista. Um dos marcos mais valiosos da profissão até o momento podemos dizer que é o Projeto Ético Político, mesmo não sendo algo palpável como o Código de Ética e a Lei 8.662/93, retrata todo o movimento de construção profissional, seus princípios e sua identidade. Foi construído coletivamente pela categoria, através dos encontros, congressos, etc. Traz o reconhecimento da liberdade como valor central, visa à autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos através de condições de fazer escolhas, com o acesso à riqueza produzida. Este projeto esta atrelado ao projeto societário, pois a profissão também o defende. Sendo assim o projeto ético é um projeto socialista e não um projeto da sociedade. Nesta tradição o Serviço Social vai apropriar-se a partir dos anos 80 do pensamento de Antonio Gramsci e a tantos outros cujos pensamentos começam a permear nossas produções teóricas, nossas reflexões e posicionamentos ideopolíticos.(Yazbek, 2009, p. 151). O Serviço Social é uma profissão que passou por várias vertentes filosóficas, metodológicas e como a sua história registra, a profissão está no presente momento pautada em uma atuação reflexiva marxista.


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2 ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO CONTENPORÂNEO Ao entrarmos no campo do Ensino Superior seja ele como docentes, discentes, ou até mesmo pesquisadores no Brasil, é nítida a presença do ensino tradicional, mecanicista. Seja em instituição pública ou privada o pensamento newtoniano-cartesiano se apresenta nas fragmentações do conhecimento com as mais diversas disciplinas curriculares impostas nos cursos de graduação. A preocupação com a valorização do individuo nas salas de aula é na maior parte das instituições de ensino ignoradas. O professor é o intelecto presente em sala de aula, enquanto, o aluno é um mero ouvinte e futuro reprodutor do conhecimento daqueles que até o momento eram os detentores de todos os saberes, uma relação de aluno/professor onde não existe diálogo. Conforme Freire (2003, p.81), a autossuficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Hoje os cursos de graduação são planejados e executados na sua maioria desconsiderando a valorização do ser humano, sua história de vida, habilidades, sentimentos, dificuldades de seu alunado. Já os professores, executores das verdades absolutas, criam barreiras com posturas pouco humanizadas, tornando o ambiente educacional em pequenos espaços de possibilidades de crescimento daqueles que procuram

atingir um grau superior de conhecimento. O papel do professor não é falar ao povo sobre a nossa visão do mundo, ou tentar impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de estar convencidos de que a sua visão do mundo, que se manifesta nas várias formas de sua ação, reflete a sua situação no mundo, em que se constitui. A ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa situação, sob pena de se fazer “bancária” ou de pregar no deserto. (Freire, 2003, p. 87). Assim valorizar o modo de ver o mundo do outro é também saber respeitar seu modo de agir nele, e a ação conjunta com olhares diferentes sobre a ação/situação de mundo se torna mais valiosa havendo se houver mais diálogos. No modelo tradicional de ensino o qual predomina até hoje, a formação do indivíduo esta fragmenta em apenas saber fazer profissional, deixando seus aspectos sociais, políticos, éticos, espirituais como se não fizessem parte de um mesmo ser, o ser que busca o aprimoramento intelectual. Nicolescu (2005, p. 143). coloca que, as diferentes tensões – econômicas, culturais, espirituais – são inevitavelmente perpetuadas e aprofundadas por um sistema de educação baseado nos valores de outro século, cada vez mais defasado em relação às mutações contemporâneas. A guerra mais ou menos subterrânea das economias, das culturas e das civilizações faz com que a guerra quente brote por toda parte. No fundo, toda nossa vida individual e social é estruturada pela educação. A educação está no centro de nosso futuro. O futuro é estruturado pela educação que é dispensada no presente, aqui e agora.


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Outro fator importante é o do professor agir humildemente em sala de aula, porque dizer isso? Pelo fato de que todos os seres humanos vivem em sua totalidade, cada qual com seus valores, seus conhecimentos, e que se tiverem oportunidade de fazerem parte da construção do conhecimento em uma instituição de ensino superior a qualidade do ensino/aprendizagem se pautará na troca entre professor e aluno e não mais entre professor e professor. São muitas as dificuldades presente no ensino superior, à fragmentação do ensino em forma de disciplinas nos remete ao questionamento de como o aluno unificará os aprendizados posteriormente no seu agir profissional, já que foram ensinados a pensarem de forma separada, dividida. De acordo com Nicolescu (2005,p 145 e 146) a especialização excessiva e precoce tem que ser banida num mundo em rápida mutação. Se quisermos realmente conciliar a exigência da competição e o cuidado com a igualdade de possibilidades entre todos os seres humanos, toda profissão no futuro deveria ser uma verdadeira profissão a ser tecida, uma profissão que estaria ligada, no interior do ser humano, aos fios que a ligam a outras profissões. Não se trata, é claro, de adquirir várias profissões ao mesmo tempo, mas de construir interiormente um núcleo flexível que rapidamente daria acesso a outra profissão. O Ensino Superior transmite uma complexidade ainda maior, pois, tem como objetivo formar profissionais que estarão de alguma forma, inseridos na sociedade, nas suas mais diversas expressões. A que se pensar mais do que nunca nesse arranjo social

contemporâneo, na valorização do ser humano. Um indivíduo, graduado, capaz de pensar na realidade posta com criticidade reflexiva terá mais oportunidade de agir eticamente, com dignidade e respeito. Como vimos à arte de educar é uma troca entre docente e discente, o desafio está posto tanto para o educador quanto para o educando já que este foi conduzido até o ensino superior de forma tradicionalista, sem autonomia, sem possibilidade de questionamentos, totalmente dependentes do saber e do domínio do docente. 3 ALGUNS ASPECTOS TRANSDISCIPLINARIDADE

DA

Falar sobre a transdisciplinaridade implica em trazer temas como holística, complexidade e outros conceitos que englobam essa temática, porém como a intenção é trazer os aspectos mais relevantes no que se refere ao ensino superior de um assistente social, vamos aqui destacar de maneira possível essa interlocução entre a formação do profissional e a transdisciplinaridade nesse processo. De acordo com Weil (1924,p.38), de um lado holístico implica uma visão resultante de uma experiência, que, por sua vez, é geralmente o resultado de uma combinação de holopráxis ou prática experiencial com o estudo intelectual. Pensar em holística implica em pensar o homem como parte do universo, ou seja, uma unidade onde acontece a integração entre aspectos emocionais, físicos, mentais e espirituais. Na educação atualmente é raro ver a prática holística, pois, o foco é na evolução intelectual dos alunos com um distanciamento entre educador e


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educando, onde um sabe tudo e o outro quase nada. A cada tempo que se chega, ele vem acompanhado de mudanças, de exigências as quais os seres humanos são submetidos a práticas que de acordo com o sistema educacional atual fragmentam cada vez mais o conhecimento apreendido pelas diversas disciplinas. É essencial que todas as disciplinas, todas as profissões, todos os conhecimentos possam se integrar, se comunicar, só assim poderemos pensar em transdisciplinaridade. A transdisciplinaridade nos proporciona pensar em uma maior dimensão do ensino, conhecendo objetos de trabalho em seus múltiplos ângulos. Com consciência crítica da realidade e contextualização dos fatos, fica mais próxima a transformação esperada em cada sujeito em sala de aula, inclusive no educador. Fica evidente a necessidade equânime de consagrar o diálogo entre todas as disciplinas que consagram a graduação de Serviço Social, sem sobreposição entre elas. Crema (1993, p.131) diz que é “prioritário, portanto, entendermos a disciplinaridade moderna, sua origem, função e limitação diante dos novos desafios contemporâneos”. Para isso, a formação profissional deve buscar uma nova forma de cultura educacional e intelectual, acabando com as distâncias entre os homens, como também, com a natureza. Tempo em que precisamos solidarizar os conhecimentos adquiridos 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com toda a trajetória profissional do Serviço Social demonstrada neste

não somente como seres graduados, pós-graduados, mas como seres completos, seres com saberes individuais e universais. Trataremos então de superar e ultrapassar os limites através de exercícios críticos que perpassam pensamentos, ações, experiências e valores. Segundo Nicolescu, (2005, p.154) (...) qualquer sistema fechado de pensamento, não importa se de natureza ideológica, política ou religiosa, está fadado a ruir. Portanto, é importante identificar o constante movimento entre os diversos saberes e com isso compreender que a transdisciplinaridade nos oferece transformação do conhecimento adquirido a qualquer tempo. Essa transformação inicia através do próprio pensamento, do pensamento de todos os seres, pensamentos que trabalham em rede, uma rede que nos oferece a mesma realidade, nos proporcionando diferenças somente na questão cultural e conceitual de cada comunidade. Então a transdisciplinaridade pode ser contextualizada na relação de mãe e filho, já que a mãe é o alimento, o saber, a segurança, o carinho, a moral, etc., dos primeiros dias até muitos na vida da criança. A complexidade está presente nas relações dos seres humanos em seus diversos aspectos. Assim é necessária uma consciência humanizada para que haja de fato a inter-relação entre os mais diversos saberes. artigo, como também o modelo contemporâneo de Ensino Superior, essa pesquisa retrata de que forma acontecem as interações entre professor e aluno, seja na graduação do Serviço Social, como também, nas mais variadas


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formações profissionais, o fato é que o cunho tradicionalista de ensino está presente no dia a dia do ensino/aprendizagem do fazer profissional. Por isso a transdisciplinaridade é entendida como algo novo, que trás consigo desafios gerando muitas vezes insegurança, já que requer uma visão crítica da realidade, principalmente quando o uso desse conhecimento é usado para o ensino /aprendizagem. Uma das situações semelhantes entre a transdisciplinaridade e o assistente social é que o assistente social deve trabalhar com a visão de totalidade em que seus usuários se encontram, enquanto, a transdisciplinaridade trabalha com a possibilidade de alargar a compreensão do real, seja ele no âmbito pessoal, educacional, etc.

Como vimos o Curso de Serviço Social propõe teorias que proporcionam o entendimento do futuro profissional de olhar a realidade sem preconceitos, com criticidade, com reflexão, para que possa haver tomadas de decisão sobre os atendimentos que irão enfrentar no seu fazer profissional. Porém, quando se trabalha com indivíduos, com as expressões da questão social contemporânea, esses fatores devem transcender a visão dialética. Desta forma, é necessário então repensar e concretizar essas reflexões no fazer educacional dessa profissão, para que os futuros Assistentes Sociais possam agir em sua totalidade como seres humanos, passando então a exercer essa visão de mundo e não somente com seus usuários.


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REFERÊNCIAS FREIRE, Paulo. PEDAGOGIA DO OPRIMIDO, 36 ed., Rio de Janeiro, 2003. OLIVEIRA, Cirlene Aparecida Hilário Silva; SOUZA, Tatiana Machiavelli Carmo. Formação Profissional do Assistente Social na Contemporaneidade: Aspectos da Interdisciplinaridade. Disponível em: http://seer.fclar.unesp.br/index.php/iberoa mericana/article/viewFile/455/334, Acesso em: 11/12/2012. ____. Lei 8662/93. de 07 de Junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências, Brasília, 10 ed., CFESS. ____. Código de Ética do/a Assistente Social, de 13 de março de 1993. 10 ed., CFESS.

KRETZMANN, Caroline; ZATERA, Luciana Carolina; BEHRENS, Marilda Aparecida. A Educação Superior na Contemporaneidade: As abordagens inovadoras e o ensino com qualidade. Disponível em: <http://www.isad.br/eventos/educere/edu cere2006/anaisEvento/docs/CI-004TC.pdf>, Acesso em: 11/12/2012. NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. Trad. Lucia P. de Souza, 3 ed., São Paulo, Triom, 2005. YAZBEK, Maria Carmelita. Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília-DF, Editora CFESS e ABEPSS, 2009. WEIL, Pierre; D’AMBROSIO, Ubiratan; CREMA, Roberto. Rumo à Nova Transdisciplinaridade: sistemas abertos de conhecimento, 3 ed., São Paulo: Summuns, 1993.


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PROFESSOR PESQUISADOR Para tornar-se um deles Maria Francisca Carneiro Para minha filha Maria Fernanda Loureiro, professora pesquisadora. Apresentação Este pequeno ensaio foi escrito com simplicidade. Destina-se aos professores iniciantes, que almejam se tornar também pesquisadores, alcançando assim a função de professores pesquisadores. Em certos casos, tal posição é exigida em lei, conforme as características da contratação do docente. A linguagem que utilizamos é clara, fácil e acessível. Neste trabalho, não apresentamos modelos ou normas técnicas, pois tencionamos apenas comentar as etapas que devem existir na pesquisa, para que o professor saiba exatamente por onde começar, o que fazer e como fazer para realizar uma investigação científica. 1 Professor pesquisador A noção de “professor pesquisador” é relativamente nova no cenário mundial, tendo se consolidado, com efeito, por volta de 1999, nos Estados Unidos e, logo a seguir, em diversos outros países, inclusive no Brasil. O argumento que enfatiza a necessidade de se formar professores pesquisadores é a busca por um docente inquiridor, questionador, investigador, reflexivo e crítico, capaz de refletir sobre a realidade com a qual se defronta, tanto na sua atividade de magistério como também na sociedade em geral. A ideia de professor pesquisador coloca o docente como ator na cena pedagógica, e não mais como mero reprodutor do conhecimento. Antigamente, ao professor incumbia apenas a tarefa de ensinar, ou seja, de transmitir o conhecimento pronto e existente. Por outro lado, ao pesquisador, incumbia o desiderato de investigar, inovar, inventar e descobrir. Ora, tais

conceitos foram completamente alterados e renovados com a chegada e com a implantação da ideia de professor pesquisador, que reúne, a um só tempo, as atividades de ensinar e de investigar variados assuntos, mormente os que se relacionam ao cenário educacional, que é parte da sua realidade. No entanto, o assunto não é pacífico e vem confrontando opiniões, como também gerando várias controvérsias, a começar pelo acúmulo de funções e pela sobrecarga de afazeres acarretada ao docente, com o encargo de ser professor pesquisador; em não mais somente professor. Além de preparar aulas, lecionar, fazer avaliações, etc., agora incumbe-lhe também pesquisar, o que demanda tempo, denodo e aplicação. Além disso, discute-se a falta de articulação entre o ensino e a pesquisa, nas universidades. A noção de pesquisa científica surge na década de trinta e se consolida com a criação dos cursos de pósgraduação, nos quais a ênfase recai cada vez mais sobre a pesquisa. Possivelmente, é


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o próprio modo pelo qual as universidades se organizam que ocasiona a falta de articulação entre o ensino e a pesquisa, que não costumam ocorrer pari passu. O que acontece, de um modo geral, é que as universidades acabam somente dando valor à pesquisa em virtude dos investimentos, tanto públicos como privados; e os docentes, à posição de prestígio que ser pesquisador lhes proporciona. Vejamos, a seguir, a opinião de alguns autores sobre o tema: 1 - Foster: Defende a ideia de que mesmo os professores motivados encontram dificuldades em conduzir pesquisas de bom nível, pois, para ele, pesquisar e ensinar são atividades distintas, que dependem de diferentes tipos de conhecimento, habilidades de disposições; - Stenhouse e Donald Schon: Sustentam a ideia de que a pesquisa é um elemento essencial no trabalho docente e, sendo assim, os cursos de formação docente devem preparar os professores para essa prática; - Cochram e Lytle: Segundo as autoras, a pesquisa é de fundamental importância para a formação e desenvolvimento do professor, bem como para o desenvolvimento de teorias e projetos referentes à Educação; - Zeichner: Para esse autor, há uma dupla necessidade na relação ensino e pesquisa, pois os alunos-mestres atual como consumidores críticos das pesquisas produzidas no campo educacional e também como participantes dos projetos de pesquisa; - Perrenoud: Afirma que os benefícios da pesquisa para a formação docente estão relacionados ao tipo e à finalidade da pesquisa desenvolvida;

- Huberman: Defende a realização de um trabalho conjunto entre professores e pesquisadores; - Magda Soares: Entende que a importância da pesquisa não se resume apenas ao fato de o professor adquirir conhecimento mas, sobretudo, aprender novos processos de produção do conhecimento. Pode-se considerar que, nas universidades, ou a pesquisa é científica ou não é pesquisa. A pesquisa, assim sendo, considerada sinônimo de investigação científica, pode ser entendida como:2 i) uma produção de conhecimentos novos; ii) uma produção rigorosa de encaminhamento; iii) uma comunicação de resultados; iv) introdução de uma dimensão crítica de reflexão; v) coleta de dados; vi) elaboração de problemas e interpretação de resultados. Quanto às finalidades da pesquisa, existem aquelas que produzem conhecimentos novos e as que transformam ações em práticas.3 Fato é que não se pode ser científico sozinho; e um trabalho não é científico apenas porque seu autor assim o proclama, mas porque a comunidade acadêmica assim o reconhece. Há diferentes tipos de pesquisa, em variadas perspectivas, por exemplo: 4 - Perspectiva acadêmica: focaliza a formação do especialista em uma ou mais disciplinas, tendo como objetivo o domínio do conteúdo a ser ensinado; - Perspectiva da racionalidade técnica: forma o técnico capaz de agir de acordo com as regras ou técnicas, tendo como objetivo o conhecimento científico; - Perspectiva prática: fundamenta a formação do professor com e para a prática, tendo como objetivo um saber experiencial e criativo;

1 ANDRÉ, Marli (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos

2 Idem, ibidem.

professores. Campinas: Papirus, 2006.

3 Idem, ibidem. 4 Idem, ibidem.


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- Perspectiva da reconstrução social: propõe a formação do professor para tratar o ensino como atividade crítica, tendo como objetivo os princípios éticos, democráticos e favoráveis à justiça social; Já a pesquisa-ação, concebida por Kurt Lewin, argumenta que as pesquisas de natureza educacional devem produzir mudanças na realidade, de acordo com o modo como forem conduzidas.5 Para Vicente Fidelis da Ávila, “a pesquisa não é mito nem rito”.6 Diz o referido autor que, para entrar no seu mundo, basta que o professor ou o aluno se equipe de: i) hábito e cultivo da curiosidade; ii) disponibilidade para fundamentação e aprendizado permanentes; iii) exercício de capacidade dinamizador-criadora; iv) intenção de aprendizado cumulativo, pela conquista da paciência estratégica de se começar pelo começo ou de se preparar e ensaiar para produções sofisticadas a partir das mais simples e fáceis; v) gosto pelo desenvolvimento das habilidades de prospecção, programação, acuidade e controle de observações; e vi) condições mínimas de formulação de análises descritivo-interpretativas, principalmente por escrito.7 Podemos conceituar a pesquisa como a investigação racional rigorosa, controlada e metódica, visando produção de conhecimento. É o nosso entendimento a respeito do assunto. Enfim, a discussão coloca a pesquisa como instrumento de ensino e aprendizagem e, ao mesmo tempo, valoriza o papel da ciência e da pesquisa na formação do professor. A pesquisa científica faz com que o professor não seja 5 Idem, ibidem.

apenas reprodutor e consumidor do conhecimento, mas também produtor. Na atualidade, as universidades têm cada vez mais a função de facilitar aos docentes e aos alunos o acesso ao conhecimento, para a sua iniciação e prática progressiva, tornando factuais as propostas teóricas e intelectuais. Vejamos, a seguir, quais os passos que podem ser seguidos pelo professor que almeja tornar-se professor pesquisador. 2 Escolher um tema de pesquisa O primeiro passo que se deve dar, diante do desafio de realizar pesquisa, é escolher um tema. Mas essa escolha não deve ser casual, tampouco aleatória; e sim deve atender a alguns critérios elementares, que em muito contribuirão para o sucesso da empreitada. Para o eminente professor pesquisador Eduardo de Oliveira Leite, os critérios para a escolha do tema de pesquisa podem ser:8 - Vocação: é o primeiro critério a ser considerado pelo pesquisador. Não se relaciona à facilidade nem à simplicidade do tema, e sim à inclinação natural e irresistível do espírito, para uma determinada realidade; - Qualificação: refere-se à competência específica do pesquisador para uma determinada área do conhecimento ou à sua profissão, bem como às suas aptidões específicas; Objetivo profissional: Atualmente, não é conveniente cogitar-se de desenvolver uma pesquisa que não tenha reflexos positivos, diretos ou indiretos, na profissão do pesquisador e de sua carreira. Ainda que este tópico não seja

6 ÁVILA, Vicente Fidelis de. A pesquisa na dinâmica da vida e na essência da universidade – ensaio de curso para estudantes, professores e outros profissionais. Campo Grande: Editora da UFMS, 1995, p. 16. 7 Idem, ibidem.

8 LEITE, Eduardo de Oliveira. A monografia jurídica. 5ª. Ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 101-4.


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obrigatório, é de todo interessante e prático. A escolha do tema diz respeito à formulação do objeto da pesquisa e, portanto, constitui a sua base. A definição do tema e do seu objeto devem tornar clara a importância da escolha e o por que da realização da investigação, demonstrando a sua relevância social. Deve-se, em primeiro lugar, informar qual é o objetivo da pesquisa e o que ela visa, a que ela se propõe. No início, a definição do objeto da pesquisa e a delimitação do tema são muito gerais, mas aos poucos, vão tomando contornos definidos. Para isto, temos que explicitar o raciocínio que leva a definir a questão a ser estudada e quais suas variações. Quando se tentar formular de maneira clara o objeto da pesquisa, o pesquisador deve estar consciente das diferenças que existem entre os conhecimentos que um responsável pode desejar e, por outro lado, do que constitui um objeto da pesquisa.9 A formulação da questão a ser estudada incluirá o problema que se quer analisar, como também uma apresentação sumária das teorias já existentes sobre o assunto. 3 Características pesquisa

do

projeto

de

Em primeiro lugar, é importante deixar claro que não existe modelo rígido ou formato obrigatório para o projeto de pesquisa. A Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT – não determina quais devem os itens obrigatórios que devem contar no projeto. O que acontece, geralmente, é que as instituições ou universidades elaboram os modelos com os 9 CONTANDRIOPOULOS, André-Pierre; CHAMPAGNE, François; POTVIN, Louise

tópicos e as normas que julgam necessários, devendo então o pesquisador ficar atento a isto. Deve-se começar por fazer um préprojeto, que é o mesmo que anteprojeto, ou seja, é um esboço preliminar e simplificado do projeto a ser desenvolvido posteriormente. Um pré-projeto e, por conseguinte, um projeto, deve basicamente responder às seguintes perguntas: - O que é? (descrição do tema escolhido para a pesquisa); - Por que fazer? (justificativa da pesquisa); - Para que serve? (objetivos da pesquisa, sendo alguns gerais e outros específicos); - O que já se sabe sobre o tema? (revisão de literatura e marcos teóricos); - A quem se destina? (público alvo). A pesquisa, como atividade racional e sistemática, deve ser planejada. Por essa razão é que se deve fazer um projeto. A atual noção de planejamento, fundamentada na Teoria Geral dos Sistemas, envolve quatro elementos necessários à sua compreensão, quais sejam: processo, eficiência, prazos e metas.10 Embora um projeto de pesquisa diga respeito, principalmente, às tarefas acadêmicas, deve considerar, também, as questões administrativas de uma pesquisa, como por exemplo, a elaboração de um cronograma de atividades, que é a distribuição no tempo do que se vai fazer; os recursos financeiros; os materiais necessários ao trabalho a ser realizado, etc. Um projeto diz respeito a algo futuro, portanto, sempre tem o caráter de provisoriedade e de uma razoável incerteza. Em um projeto, nem tudo é definitivo. Desse modo, pode-se alterar o projeto, fazendo as modificações

et al. Saber preparar uma pesquisa – definição, estrutura, financiamento. (Trad. De Sílvia Ribeiro de Souza), São Paulo / Rio de Janeiro: Editora Hucitec /

10 GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 3ª. Ed., São Paulo:

Abrasco, 1994, p. 23.

Atlas, 1996, p. 21.


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necessárias à viabilidade da pesquisa. No entanto, na medida do possível, o projeto deve prever o máximo possível das situações que envolverão a investigação científica. Por que é importante fazer um projeto para a pesquisa? Um principiante poderia imaginar que a elaboração do projeto é perda de tempo e que seria melhor lançar-se diretamente à pesquisa definitiva.11 No entanto, isto seria lançar-se à improvisação, o que tornará o trabalho confuso e gerará insegurança do investigador e dos resultados da investigação.

O desenvolvimento de uma pesquisa é uma atividade que diz respeito ao funcionamento da inteligência, à organização das ideias e também à própria organização do tempo do professor pesquisador, disciplinando-se para tanto.

Não basta descobrir o tempo; é necessário também saber utilizá-lo e programá-lo.13 Só assim será possível tornar o tempo produtivo. Quanto menos tempo tivermos ao nosso dispor, mais motivados e entusiasmados deveremos estar, para aproveitá-lo ao máximo. Além do tempo, é preciso também considerar a questão dos materiais necessários à pesquisa e a questão do ambiente propício e adequado aos estudos. Esses são alguns dos aspectos materiais que envolvem a atividade do pesquisador. Passemos agora à temática da organização das ideias, examinando, primeiramente, como poderemos treinar e melhorar algumas funções da inteligência, necessárias e imprescindíveis ao estudo e à pesquisa, que são a atenção, a memória e a organização das ideias. Vejamos:14 Atenção: A grande sobrecarga de informações e tarefas variadas, que fazem parte do cotidiano moderno, ocasiona o fenômeno psíquico denominado “dispersão das ideias”, que é o oposto da atenção e da concentração. A dispersão não é a simples distração, mas sim o foco da atenção voltado para diversos objetos, ao mesmo tempo. A turbulência ambiental causa um grande dispêndio de energias, que ocasiona, dentre outros problemas – como, por exemplo, o stress físico e mental – o desvio da função intelectiva da atenção. Para recuperar e desenvolver ainda mais a referida função, devemos treinar a concentração, fixando a atenção em um determinado objeto; a intermitência, alternando o foco da atenção entre um objeto e outro; e o interesse, cabendo a cada indivíduo desenvolver o seu interesse e o gosto por um objeto de estudo. Por essa razão, é de fundamental importância a escolha do tema de pesquisa,

11 RUDIO, Franz Victor. Introdução ao projeto de pesquisa científica. 12ª. Ed.,

13 RUIZ, João Álvaro. Metodologia científica – guia para eficiência nos estudos.

Petrópolis: Vozes, 1978, p. 45. 12 BARROS, Aidil de Jesus; LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. Projeto de

São Paulo: Atlas, 1982, p. 22 et passim. 14 BASTOS, Cleverson; KELLER, Vicente. Introdução à metodologia científica. 8ª,

pesquisa: propostas metodológicas. 2ª. ed., Petrópolis: Vozes, 1991, p. 20.

Ed., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 19-32.

Aquele que se inicia no aprendizado e no treinamento da pesquisa científica deverá apoiar-se, num primeiro momento, na pesquisa de mais fácil condução para a coleta dos dados, sua mensuração e interpretação.12 Todo projeto de pesquisa é um esquema de coleta de dados, objetivos da investigação e formulação do problema a ser enfrentado, bem como da justificativa de sua realização. Aconselha-se iniciar a elaboração do projeto de pesquisa após a escolha do tema e após formulação do problema, o que auxiliará a delimitar o campo de estudos. Para tanto, um estudo exploratório deverá ser efetivado, por meio da observação assistemática da realidade e dos dados. 4 Organizando as ideias


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conforme já foi dito anteriormente, em um tópico precedente deste ensaio. Quanto à memória, cabe registrar que seu oposto é o esquecimento, de grande significado e riqueza para a Psicanálise, mas de repercussão nefasta e deletéria para o estudo e para a pesquisa. Primeiramente, é necessário levar em conta que a mente humana, em especial a consciência, é impossibilitada de reter todos os fatos e todas as informações que adquire ao longo da vida. Se tal ocorresse, a pessoa enlouqueceria. Portanto, é normal esquecer-se de algumas coisas. O problema se dá quando isso se relaciona ao estudo e à pesquisa. Existem vários tipos de memória, como por exemplo, visual, auditiva, motora, afetiva, locomotiva e nominativa.15 Para desenvolver esses tipos de memória, pode-se utilizar recursos como a repetição, a atenção, a emoção e sobretudo o interesse. Na área da Psicologia, existem diversos exercícios que podem ajudar nesse mister. Associação de ideias: consiste na capacidade do indivíduo de relacionar fatos, conceitos e ideias entre si. Alguns a possuem em maior e outros em menos grau. Pode-se desenvolver a capacidade de associação de ideias por meio da observação dos contrastes, das semelhanças e das relações de causa e efeito entre os objetos. Mas como o professor pesquisador poderá organizar todas as ideias, teorias e conceitos com os quais trabalha em sua pesquisa? Os modos poderão ser os mais diversos e variados, cabendo a cada um eleger o seu próprio estilo de organização. Todavia, à guisa de sugestão, indicamos que, primeiramente, o professor pesquisador faça a abstração 16 de tudo o que leu e pesquisou. Em seguida, verifique as definições desses conceitos e

teorias. O próximo passo é a comparação entre todos esses objetos, classificando-os e analisando-os primeiro individualmente, para logo após relacioná-los entre si. Por fim, é necessário elaborar uma síntese ou conclusão. Por derradeiro, é importante deixar claro que, na organização das ideias da pesquisa, nem tudo se resume às regras e aos passos lógicos, mas é necessário deixar sempre um espaço para a criatividade, sobretudo presentes nos juízos morais da história, nos juízos críticos da arte, nos juízos morais práticos e na ficção.17

15 Idem, ibidem. 16 HERRERA, Enrique. Práctica metodológica de la investigación jurídica.

completam. 35ª. ed., São Paulo: Cortez, 1997, p. 11. 19 SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. São Paulo: Martins

Buenos Aires: Editorial Astrea, 1998, p. 210-16.

Fontes, 1994, p. 48 et passim.

5 Lembretes sobre a leitura Paulo Freire já ressaltava a importância do ato de ler, afirmando que a leitura do mundo precede a leitura da palavra.18 Existem técnicas para tornar a leitura mais veloz e proveitosa, por exemplo, o treinamento da técnica de leitura oral; evitar movimentos labiais durante a leitura, bem como os movimentos da cabeça e evitar o percurso dos dedos nas linhas, dentre outros aspectos, como as condições físicas e psíquicas do leitor.19 Enfim, há várias maneiras de se aperfeiçoar a técnica e o aproveitamento da leitura, para que ela seja eficiente. O bom leitor capta conjuntos de ideias e a estrutura dos textos. Sabe distinguir entre textos técnicos e recreativos, compreendendo que a velocidade para lê-los é diferente uma da outra. O bom leitor sabe que sublinhar 17 COHEN, Morris; NAGEL, Ernst. Introducción a La lógica y al método científico. (Trad. De Néstor Míguez). 4ª. Ed., Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1977, p. 187-204. 18 FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler – em três artigos que se


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apenas não é realmente importante; pois o que releva é fixar as ideais principais do texto, seja anotando-as ou grifando, se for o caso. O bom leitor deve ser seletivo, entendendo que, em um texto, nem tudo tem a mesma importância para a sua investigação. É preciso fazer leituras variadas, em diferentes assuntos, para ampliar a visão de mundo, o vocabulário e a cultura geral. É necessário fazer resumos e esquemas dos livros e das ideias neles contidas, bem como os fichários de leituras, para reter os conhecimentos e fixá-los na memória. Podemos ler com distintas finalidades: para nos formar, para nos distrair ou para recolher informações. Em virtude dessas finalidades, pode-se classificar a leitura em três tipos, que são i)leitura formativa; ii) leitura de distração e iii) leitura informativa,20 sendo que esta última, feita com vistas à coleta de dados para a investigação científica, é a que mais interessa ao professor pesquisador, na sua atividade. Um leitor crítico deve determinar objetivos a serem alcançados pela leitura da obra. Por isso, os esquemas e resumos são fundamentais. Há ainda diferentes níveis de leitura, de acordo com a sua profundidade: i) leitura elementar, básica e inicial, apenas para tomar contato com a obra; ii) leitura inspecionou, que demanda mais tempo e se caracteriza por folhear todo o livro; e iii) leitura minuciosa, completa e em elevado grau de profundidade.21 Porém, não basta apenas ler e resumir. É preciso também problematizar e interpretar o texto lido.

6 Lembretes sobre a redação A linguagem científica deve ser técnica, acadêmica e didática, ou seja, visa a transmitir conhecimentos com a possível precisão e objetividade. A redação de um trabalho de pesquisa deve ser sóbrio, evitando-se adornos e efeitos retóricos. As frases devem ser simples e, por conseguinte, os parágrafos são construídos com simplicidade.22 É preciso lembrar que não se escreve um trabalho científico para si mesmo, mas para os outros. Portanto, a comunicabilidade da pesquisa é fator importante. A redação de um trabalho científico deve observar questões semânticas e gramaticais, além do estilo.23 O texto deverá ter uma forma lógica,24 com introdução, desenvolvimento e conclusão, contendo as comprovações ou negações das teses apresentadas. Um texto científico deve ter coesão e coerência. Um texto não é um aglomerado aleatório de palavras, no qual as frases estão soltas e desconectadas, ao léu, mas sim articuladas e entrelaçadas.25 Deve haver também a intertextualidade, quer dizer, os diversos textos utilizados na pesquisa devem dialogar entre si, relacionando-se uns com os outros. Em suma, vários elementos fazem parte da arquitetura da redação,26 que deve ser dirigida para a percepção da realidade, por parte do leitor.

22 SALVADOR, Ângelo Domingos. Métodos e técnicas da pesquisa bibliográfica. 6ª. ed., Porto Alegre: Sulina, 1977, p. 196. 23 VERA, Armando Asti. Metodologia da pesquisa científica. (trad. De Maria Helena Guedes Crespo e Beatriz Marques Magalhães). 5ª. ed., Porto Alegre:

20 CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino. Metodologia científica – para uso dos estudantes universitários. 3ª. ed., São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1983, p. 85. 21 HENRIQUES, Antonio; MEDEIROS, João Bosco. Monografia no curso de Direito – trabalho de conclusão de curso. São Paulo: Atlas, 1999, p. 75.

Globo, 1979, p. 174-83. 24 RIZZATO NUNES, Luiz Antonio. Manual da monografia jurídica – como se faz: uma monografia, uma dissertação, uma tese. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 79. 25 HENRIQUES et al, op. cit., p. 125 et passim. 26 MIRANDA, José Fernando. Arquitetura da redação. 5ª. ed., São Paulo: DISCUBRA, 1997.


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7 A inter, a multi e a transdisciplinaridade Em nossos tempos, torna-se cada vez mais importante realizar pesquisas inter e transdisciplinares, em virtude das conexões que existem entre os diferentes ramos do saber. Vejamos o que tais conceitos significam: Para Maury Rodrigues da Cruz, a transdisciplinaridade, “como o prefixo trans indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além das disciplinas. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento. É diferente da pluridisciplinaridade (ou multidisciplinaridade), que diz respeito ao estudo de um objeto, de uma questão, problema ou situação por várias disciplinas, ao mesmo tempo (...). É diferente da interdisciplinaridade, que diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina para outra. A interdisciplinaridade ultrapassa as disciplinas, mas a sua finalidade permanece inscrita na pesquisa disciplinar. (...). Transdisciplinaridade é a complexidade na transversalidade de tudo aquilo que se alcança”.27 Para Basarab Nicolescu, “a necessidade indispensável de laços entre as diferentes disciplinas traduziu-se pelo surgimento, na metade do século XX, da pluridisciplinaridade e da interdisciplinaridade. A pluridisciplinaridade diz respeito ao estudo de um objeto de uma única e mesma disciplina por várias disciplinas ao mesmo tempo (...). A interdisciplinaridade tem uma ambição diferente daquela da pluridisciplinaridade. Ela diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina

à outra (...). Podemos distinguir três graus de interdisciplinaridade: a) um grau de aplicação (...) b) um grau epistemológico (...) c) um grau de geração de novas disciplinas”.28 Tencionamos fixar-nos no grau epistemológico da transdisciplinaridade, que diz respeito à verdade; e também no grau de geração de novas disciplinas (que entendemos estar intrinsecamente relacionado ao grau epistemológico), que se faz pela transversalidade do conhecimento, ou seja, por meio de novos cortes na demarcação tradicional do saber em disciplinas, fazendo surgir, assim, novas áreas, novos campos do entendimento e, por conseguinte, uma nova compreensão da realidade, em uma visão da sua complexidade, que se dá não apenas por meio dos laços e dos nexos entre os saberes, mas também pelo surgimento de novas dimensões, novas perspectivas e novos ramos desses mesmos saberes.29 A interdisciplinaridade diz respeito, em última análise, ao uso dos conceitos. Os conceitos são construções lógicas, que adquirem significado dentro do esquema de pensamento no qual são colocados.30 Um conceito tem significado na medida em que ele retrata ou se refere à realidade e aos seus fenômenos. Cada ciência usa seus próprios conceitos para a comunicação dos seus conhecimentos e a interdisciplinaridade os perpassa e os une, formando novas sínteses e promovendo novos ângulos de visão. 8 Contra ou a favor do método?

28 NICOLESCU, Basarab. O manifesto da transdisciplinaridade. (Trad. De Lúcia Pereira de Souza). São Paulo: Triom, 1999, p. 44-5. 29 CARNEIRO, Maria Francisca. Pesquisa jurídica na complexidade e transdisciplinaridade – temas transversais, interfaces, glossário. 3ª. Ed.,

27 CRUZ, Maury Rodrigues da. Espiritismo, complexidade e hipercomplexidade –

Curitiba: Juruá, 2013. 30 MENDONÇA, Nadir Domingues. O uso dos conceitos – uma questão de

uma nova interpretação. Curitiba: Eslética Editora / SBEE, 2011, p. 254-5.

interdisciplinaridade. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 17 et passim.


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Uma das questões que poderia ser analisada até mesmo sob a ótica da Sociologia do Conhecimento, que entre outros aspectos, estuda a constatação entre a vinculação do pensamento com as condições gerais existenciais,31 é a resistência apresentada por alguns estudantes e pesquisadores à Metodologia Científica e ao emprego das normas técnicas nos trabalhos acadêmicos. Com efeito, a historicidade do conhecimento, as articulações entre as bases existenciais e o pensamento são alguns dos eixos que compõem o sentido da Sociologia do Conhecimento32 e a resistência acima apontada bem poderia ser tratada sob esse viés, pois é suficientemente frequente, clara e se expressa verbalmente por alguns estudantes de graduação e mesmo de graduação, que gostariam de se ver libertos das normas técnicas, que para eles soam como “grilhões” a impedir-lhes a liberdade e a soltura da escrita. Ledo engano. Porém, até mesmo grandes cientistas e teóricos de nomeada, como Paul Feyerabend, na sua famosa obra intitulada Contra o Método, também considera que as normas técnicas não são a garantida de um resultado eficiente para a pesquisa científica. Nesse livro, Feyerabend33 considera vários aspectos, alguns dos quais transcrevemos a seguir, para o debate: - “a ciência é um empreendimento essencialmente anárquico: o anarquismo teorético é mais humanitário e mais suscetível de estimular o progresso do que suas alternativas representadas por ordem e lei; - Isso é demonstrado seja pelo exame de episódios históricos, seja pela análise da

(Org). Sociologia do conhecimento. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1992,

relação entre ideia e ação. O único princípio que não inibe o progresso é: tudo vale; - Cabe, por exemplo, recorrer a hipóteses que contradizem teorias confirmadas e/ou resultados experimentais bem estabelecidos. É possível fazer avançar a ciência, procedendo contra-indutivamente; - A condição de coerência, por força da qual se exige que as hipóteses novas se ajustem a teorias aceitas, é desarrazoada, pois preserva a teoria mais antiga e não a melhor. Hipóteses que contradizem teorias bem assentadas proporcionam-nos evidência impossível de obter por outra forma. A proliferação de teorias é benéfica para a ciência, ao passo que a uniformidade lhe debilita o poder crítico. A uniformidade, além disso, ameaça o livre 34 desenvolvimento do indivíduo” . Concordamos com o que afirma Feyerabend e compreendemos o ponto de vista dos pesquisadores que, especialmente os mais jovens, nem sempre querem submeter-se ao cumprimento das normas da Metodologia Científica. No entanto, nosso parecer é que se inicie a atividade de pesquisador primeiro atendendo as referidas normas, para aprendê-las e dominá-las, para só depois então criticá-las, com fundamento e experiência. Não faz sentido criticar e refutar o que ainda não se conhece e sequer se experimentou. Além disso, as normas da Metodologia Científica têm como objetivo servir como um guia seguro para o iniciante na pesquisa – e mesmo para o veterano – evitando assim desvios de rota e surpresas desagradáveis do desenvolvimento da investigação, com prejuízo para a sua coerência e razoabilidade.35 É sempre oportuno lembrar Descartes, que preconizava a importância

p. 7. 32 Idem, ibidem, p. 11.

34 Idem, ibidem.

33 FEYERABEND, Paul. Contra o método. (Trad. de Octanny S. da Mota e

35 CARNEIRO, Maria Francisca. Pesquisa jurídica – metodologia da

Leônidas Hegenberg). Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1997, p. 9-15.

aprendizagem – aspectos, questões, aproximações. 7ª. ed., Curitiba: Juruá, 2013.

31 BERTELLI, Antonio R.; PALMEIRA, Moacir G. S.; VELHO, Otávio Guilherme


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das regras, do método e da dúvida, para se chegar à verdade. Descartes toma a precaução de esclarecer que a sua dúvida é metodológica e não cética. Os céticos só duvidam por duvidar, enquanto que os metodólogos duvidam para chegar a um resultado verdadeiro, em suas investigações científicas.36 Está aberta a discussão aos interessados.

36 DESCARTES, René. Discurso do método. (Trad. De Elza Moreira Marcelina), Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985, p. 53.


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MARIA FRANCISCA CARNEIRO Doutora em Direito pela UFPR, Pós-Doutora em Filosofia pela Universidade de Lisboa, Mestre em Educação pela PUC/PR, Bacharel em Filosofia pela UFPR, advogada (licenciada), Professora na UFPR, Corresponding Fellow status with the Faculty of Law, Governance and International Relations at London Metropolitan University (UK), Membro do Centro de Letras do Paraná, da Italian Society for Law and Literature, do Conselho Editorial de Núria Fabris Editora, da Revista Collatio (USP/FDUPorto/Portugal), da Revista Justiça do Direito (UPF), Editorial Board Member / Reviewer of the International Journal for Law, Language & Discourse (China) e do Scientific & Academic Publishing (USA). Autora de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior.


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