Experiência estética e arquitetura sagrada: Centro de Espiritualidade em Estreito-MA

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EXPANSÃO
CENTRO
CAMPOS FREITAS | ORIENTADOR: DIOGO CARVALHO | EPTC | 2022.2 Axis
DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ATRAVÉS DA ARQUITETURA SAGRADA:
DE ESPIRITUALIDADE EM ESTREITO - MA SABRINA
Mundi

ESTUDOS PREPARATÓRIOS PARA O TRABALHO DE CURSO PROFESSOR ORIENTADOR DIOGO RIBEIRO CARVALHO POR SABRINA CAMPOS FREITAS REVISTA DE APRESENTAÇÃO DEZEMBRO 2022

Sumário 4 Centro de Espiritualidade 6 Tema & Justificativa 12 Fundamentação teórica ARQUITETURA ENQUANTO LINGUAGEM E A FENOMENOLOGIA 13 PERCEPÇÃO (IN)CONSCIENTE DO ESPAÇO & ARQUÉTIPOS NA ARQUITETURA SAGRADA 15 22 Análise do Contexto ESTREITO - MARANHÃO 22 O RIO TOCANTINS E SUAS TRANSFORMAÇOES 26 ANÁLISE DE CONDICIONANTES 28 34 Estudos de caso BRUDER KLAUS FIELD CHAPEL 37 TEMPLO BAHÁ’Í 49 57 Minha proposta 58 Referências Bibliográficas

Centro de Espiritualidade

RESUMO

Este estudo de preparação para o Trabalho de Curso aborda a expansão da percepção corpórea e sensível dentro da arquitetura sagrada no contexto de desenvolvimento de um Centro de Espiritualidade na cidade de Estreito -Maranhão. Tem-se como objetivo analisar elementos arquitetônicos caracterizados como arquetípicos e o impacto que sua aplicação estratégica possui em despertar gatilhos emocionais nos usuários dentro do contexto da arquitetura sagrada. Metodologicamente , trata-se de uma revisão de bibliografia, seguindo a linha fenomenológica da arquitetura, análise e exploração de seus conceitos - como a análise dos arquétipos na arquitetura e em espaços sagrados - para determinar os fundamentos teóricos a serem aplicados no desenvolvimento do projeto do Centro de Espiritualidade. Esse trabalho tem motivação embasada no caráter genérico que grande parte da produção arquitetônica vem apresentando em plena era de mídia em massa. É notável o direcionamento do pensamento arquitetônico para atender um mercado cada vez mais global e rápido, aplicando fórmulas básicas e desprovidas de intencionalidade qualitativa. Nesse sentindo, intenta-se a apresentação de uma arquitetura enquanto linguagem, capaz de comunicar histórias e materialização da sacralidade intangível.

Centro de Espiritualidade
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Tema & Justificativa

O período pós-guerra da segunda metade do século 20 foi caracterizado por transformações intensas, economicamente e socialmente, a estrutura das cidades foram rapidamente destruídas e a nova produção arquitetônica passou a refletir essas mudanças. Visto que havia necessidade de uma arquitetura de fácil e rápida reprodução, a arquitetura moderna logo ganhou repercussão. Seus princípios sustentam-se na racionalidade e funcionalismo acima dos valores humanos.

Ademais, em plena era de mídia em massa, é notável como esse discurso foi se transformando em uma produção arquitetônica de caráter genérico .“[...] O mundo do olho está nos levando a viver cada vez mais em um presente perpétuo, achatado pela velocidade e simultaneidade”1 (PALLASMAA, 2012, p.24, tradução da autora). Em destaque, há um direcionamento do pensamento arquitetônico para 1 "[...] the world of the eye is causing is to live increasingly in a perpetual present, flattened by speed and simultaneity".

Tema & Justificativa

(PALLASMAA; JUHANI, 2012, P.21)

atender um mercado cada vez mais global e rápido. Produções rápidas e eficientes, desenvolver projetos sem consumir muito tempo ou energia, aplicando fórmulas básicas e reproduzindo-as genericamente nos mais diversos contextos.

“Qualquer projeto arquitetônico que fazemos leva pelo menos quatro ou cinco anos, então cada vez mais há uma discrepância entre a aceleração da cultura e a contínua lentidão da arquitetura.” 2

Nessa conjuntura, em meio à modernização global é inquestionável a presença de um paradoxo quanto às consequências do acesso instantâneo à informação. Em uma época em que é possível ter acesso à informação e cultura de todas as partes do mundo, é fácil tornar-se influenciado por todas essas referências e aplicá-las de forma genérica desassociadas de seu contexto original, reforçando uma ruptura entre geometrização e experiência

humana.

A arquitetura que sobrevive ao tempo deve apresentar em si uma verdade, mas como alcançar essa verdade? Qual a verdade?

Nesse contexto, proponho uma inquietação teórica sobre a retomada de estratégias de metodologia de projeto que privilegiem uma arquitetura mais sensível, com enfoque na arquitetura sagrada. A escolha da linha de pensamento fenomenológico deve-se ao seu caráter de abordagem contemporânea em se tratando do passado, da história, dos significados e da reconexão. Em especial, ao seu enfoque na discussão da relação entre corpo, percepção e memória para entender a experiência do espaço.

2 Fairs, Marcus. “Interview with Rem Koolhaas.” In Icon Magazine, Essex Media 10 Limited. Issue 13 June 2004. (tradução livre da autora)

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"A desumanização da arquitetura e das cidades contemporâneas pode ser entendida como consequência do descaso do corpo e dos sentidos, e um desequilíbrio em nosso sistema sensorial.”

Dentro desse contexto, a arquitetura sagrada corresponde à uma oportunidade tipológica de explorar esse tema, pois o espaço sagrado corresponde à uma hierofania, ou seja, uma manifestação do sagrado. Toda hierofania espacial corresponde à criação de um mundo sagrado, logo, é um espaço que se difere qualitativamente dos outros (Mircea, 1992). Nesse âmbito, há uma oportunidade de explorar o simbolismo cosmológico da arquitetura.

“A religiosidade é uma das características mais marcantes do povo brasileiro. Ela se manifesta de múltiplas maneiras como decorrência de um lado das diferentes religiões praticadas na sociedade brasileira e, de outro, como parte do modo de ser de muitos indivíduos ainda que não professem uma religião em especial.” 3

Nessa conjuntura, optou-se por desenvolver um projeto de um Centro de Espiritualidade, sem fazer alusão à alguma religião em específico. Segundo análise de dados do IBGE4 para entender o perfil dos grupos de religião no Brasil, percebeu-se que no decorrer dos séculos, a população passou a aderir progressivamente a outras devoções difundidas pelo território. Em contrapartida à hegemonia da religião católica apostólica romana (vale ressaltar há uma influência história do processo de colonização português, uma vez que o catolicismo era compulsório), o perfil dos grupos de religião no Brasil demonstra que o culto às diferentes crenças foi se afirmando cada vez mais na vida e cotidiano dos brasileiros [figura02].

No Censo de 2010 o índice populacional que não professava alguma religião em específica alcançou 8.04%, índice maior que o resultado da soma das demais principais religiões (Espiritismo, Umbanda e Candomblé, Judaísmo, Hinduísmo, Budismo e Islamismo) [figura 01]. É válido ressaltar que há uma distinção dessa porcentagem há uma diferenciação entre os indivíduos que se identificam como ateus ou agnósticos (0,39%), e aqueles que possuem algum tipo de espiritualidade, mas não possuem uma religião (7,65%).

3

CORRÊA, Rosa Lydia. Teixeira. Cultura e diversidade. Curitiba: IBPEX, 2008. (p.149) 4 Relatório apresentado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, apresentando notas técnicas referentes aos resultados obtidos pelo Censo Demográfico de 2010.

Tema & Justificativa

figura 01 - Tabela de População residente por religião, 2010

| Fonte: IBGE - Censo Demográfico 2010

figura 02 - Percentual da população residente, por grupos de religião – Brasil – 1872 a 1991

| Fonte: Directoria Geral de Estatística, Recenseamento do Brazil 1872/1890; e IBGE, Censo Demográfico 1940/1991.

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Quanto à escolha do lugar, primeiramente foi definido que o projeto seria desenvolvido na cidade de Estreito – Maranhão, local em que vivi por cerca de 16 anos, e gostaria de retornar os conhecimentos adquiridos ao longo da graduação aplicando a pesquisa desenvolvida nesse trabalho. Ademais, a cidade apresenta qualidades em sua paisagem que permitem explorar a relação entre a arquitetura, o sagrado e a natureza.

"Uma das mais fortes sensações provocadas pela arquitetura é a de solidão e silêncio, pois reforça o diálogo particular, a experiência pessoal da obra, eliminando as demais distrações".

(Pallasmaa, A geometria do sentimento, 1986). Da mesma forma, é de extrema importância que a obra provoque a sensação de ser um lugar único. O que seriam dos templos, igrejas e demais sem a sensação de conexão com o divino? Com aquilo que vai além de nossa existência humana?

Nesse contexto, foi escolhida a Ilha Cabral para o desenvolvimento da simulação projetual. A ilha está localizada no Rio Tocantins, na divisa entre os estados do Maranhão e Tocantins e é pertencente ao território estreitense. A escolha deu-se em função do distanciamento do terreno em relação à cidade, intenta-se provocar o movimento das pessoas para esse ambiente de silêncio e reconexão consigo mesmas. É importante destacar que a margem do rio e o banco de areia são separadas por menos de 800 metros, o que torna sua travessia rápida e simples, ao mesmo tempo em que se encontra afastada das distrações da cidade. Outrossim, a ilha apresenta uma grande mata de vegetação natural, elemento de grande interesse para a proposta.

Tema & Justificativa

Figura 03 - Entardecer às margens do Rio Tocantins. Principalmente durante a pandemia COVID-19, o Rio Tocantins serviu de válvula de escape para muitos moradores de Estreito e cidades vizinhas, que se dirigiam às suas margens para um momento de contemplação e contato com a natureza.

Fonte: foto tirada pela autora

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Figura 04 - Simulação de atmosfera sagrada articulada com arquitetura e natureza

Fonte: foto produzida pela autora através de Inteligência Artificial

Fundamentação teórica

Fundamentação teórica

ARQUITETURA

ENQUANTO LINGUAGEM E A FENOMENOLOGIA

A fenomenologia corresponde a uma corrente filosófica existencial, que vem da união entre a filosofia e a psicologia. O termo fenomenologia é apresentado primeiramente pelo filósofo alemão Friedrich Hegel na obra Fenomenologia do Espírito (1807) como uma “ciência da experiência da consciência”. Posteriormente, deu-se início à fenomenologia enquanto corrente filosófica com Edmund Husserl (1859-1939), filósofo alemão, que em 1913 apresentou a obra Ideias I: Introdução Geral à Fenomenologia, propondo uma interpretação do mundo a partir do sujeito. Ou seja, não há uma definição de leis, pois cada objeto possui uma essência, que é captada diretamente pela consciência e compreensão humana, partindo do princípio de mundo inteligível. Segundo sua visão, a fenomenologia seria uma investigação sistemática da consciência e seus objetos. Dessa forma, é proposto um retorno ao estado mais primitivo dos fenômenos, de forma a analisar a relação do ser humano e o mundo.

Merleau-Ponty, apresenta na sua obra Fenomenologia da Percepção (1945) o caráter ontológico da fenomenologia. Há destaque na relação sujeito-objeto (ou sujeito-mundo), ou seja, da inter-relação, a partir da qual o fenômeno teria sua origem. Promovendo um retorno ao estudo das essências do ser e do fenômeno.

“A sensação (isto é, a percepção sensorial) nos diz que alguma coisa existe, o pensamento mostranos o que é esta coisa, o sentimento revela se ela

é agradável ou não; e a intuição dirnos-á de onde vem e para onde vai” (JUNG, 2008, p.61)

Ou seja, o sujeito é o ponto de partida, e, através de sua consciência cria o mundo por meio da sua percepção e imaginação.

No contexto aplicado à arquitetura, a fenomenologia surgiu como uma resposta crítica ao funcionalismo do modernismo. Assim, propõe uma arquitetura mais humana e contextualizada, cujo objetivo é estabelecer uma relação com seu usuário, por meio da tradução do conteúdo intelectual em forma estética, proporcionando uma experiência sensorial.

Dentre os arquitetos que possuíam como objeto de estudo a fenomenologia, Juhani Pallasmaa teve grande destaque. O arquiteto finlandês desenvolveu grande pesquisa sobre a reconexão da arquitetura com atributos sensíveis que promovem uma conexão com o ser por meio da experiência do espaço.

“Em nosso tempo, a arquitetura está ameaçada por dois processos opostos: instrumentalização e estetização. Por um lado, nossa cultura secular, materialista e quase racional está transformando edifícios em meras estruturas instrumentais. Por outro lado, para chamar a atenção e facilitar a sedução instantânea, a arquitetura está cada vez mais se transformando na fabricação de imagens sedutoras estetizadas sem raízes em nossa experiência existencial e desprovidas de autêntico desejo de vida. Em vez de ser uma metáfora existencial vivida e incorporada, a arquitetura atual tende a projetar imagens puramente retinais, imagens arquitetônicas como eram, para a sedução do olho.”1

1 Pallasmaa, Ju.hani. The Embodied Image: Imagination and Imagery in Architecture. Chichester: John Wiley & Sons, 2011. p. 119. (tradução da autora).

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Segundo Pallasmaa (1986), a dimensão artística de uma obra não se limita a coisa física propriamente dita, mas sim na consciência da pessoa que passa pela experiência pessoal da obra, ou seja, a análise de uma obra é um ato de introspecção da consciência a ela submetida. Sendo assim, seus significados estão contidos nas imagens transmitidas pelas formas e na forma emocional que elas carregam e transmitem. O que a forma representa é aquilo que agirá sobre nossos sentimentos.

Ainda, uma das mais fortes sensações provocadas pela arquitetura é a de solidão e silêncio, pois reforça o diálogo particular, a experiência pessoal da obra, eliminando as demais distrações. Da mesma forma, é de extrema importância que a obra provoque a sensação de ser um lugar único. Nesse sentido, a atmosfera sagrada recebe destaque e é válido ressaltar como esse aspecto é fundamental para a arquitetura sagrada. “A arquitetura existe numa realidade diferente da nossa vida cotidiana e das nossas atividades’’ (PALLASMAA, 1986). Assim, o poder da arquitetura se encontra não na realidade pura, mas naquilo que ela desperta em nós e, principalmente, em nossa imaginação.

Mas o que compõe o ato de projetar? O surgimento da arquitetura, a origem do ato de pensar e conceber um espaço, está intrinsicamente atrelado ao pensamento em direção ao indivíduo e da experiência que se quer proporcionar. Seja essa experiência atender a necessidades puramente funcionalistas, ou potencializar a vivência de experiências ou situações, é impossível a desassociação desse caráter da arquitetura.

É um processo extremamente complexo em que vários fatores devem ser analisados a fim de criar-se uma boa arquitetura. Conforme o arquiteto e designer inglês Norman Foster2 (2015), é preciso uma busca por legibilidade, por uma experiência simples, em um mundo digital. Segundo o arquiteto, arquitetura é sobre legibilidade, valores humanos e o respeito a esses. Foster utiliza como exemplo tipos projetuais o aeroporto e o hospital. Ambos tratam de projetos extremamente complexos e que podem resultar em construções extremamente complexas. No meio desse processo é comum subestimar que a experiencia do hospital é complexa e assustadora, assim como a do aeroporto pode ser, mas que não necessariamente precisam ser. Nesse sentido, em qualquer projeto proposto, é preciso dentro dos processos complexos retirar sua essência. Ou seja, organizar toda essa complexidade para que as pessoas que realmente importam, o seu usuário, a menor escala, consiga vivenciar a melhor experiência possível.

Vale dizer que não dá como definir uma teoria específica em sua prática, devido ao caráter altamente subjetivo da fenomenologia. Entretanto, seu caráter de abordagem contemporânea em se tratando do passado, da história, dos significados e da reconexão estimulam uma produção arquitetônica que privilegia o retorno a sua essência pura. Em especial, ao seu enfoque na discussão da relação entre corpo, percepção e memória para entender a experiência do espaço. Assim, é reforçada a capacidade da arquitetura de atuar como uma linguagem, de forma a comunicar e materializar ideias espaciais.

2 É um dos arquitetos contemporâneos mais influentes atualmente. Seu trabalho já recebeu diversos reconhecimentos, como o Prêmio Pritzker (1999) e o Prêmio Stirling (1998 e 2004).

Fundamentação teórica

PERCEPÇÃO (IN)CONSCIENTE DO ESPAÇO & ARQUÉTIPOS NA ARQUITETURA SAGRADA

Como apresentado no capítulo anterior, parte-se do princípio de que a realidade nada mais é do que uma percepção individual, tudo o que vivenciamos com nossos sentidos é transmitido para nossa mente e por ela interpretado. Assim, a experiência do espaço está intrinsicamente relacionada à consciência individual do usuário.

Apesar de sermos influenciados por experiências privadas (atreladas às particularidades da vida do indivíduo) e sociais (o indivíduo enquanto ser inserido em uma sociedade composta por valores e cultura), os símbolos são percebidos de alguma medida de maneiras semelhantes por pessoas distintas, em locais distintos, em épocas distintas. Esse fenômeno diz respeito aos aspectos inconscientes da nossa percepção da realidade. E isso não seria possível se não houvesse algum tipo de receptor, consciência em comum entre as pessoas. Há algo dentro de nós que ressoa da mesma forma que ressoa dentro do outro. Isso diz respeito à uma das manifestações de uma consciência coletiva.

O conceito de arquétipos então, parte do princípio de que existem alguns elementos na nossa psique que são compartilhados com outras pessoas.

O termo foi aplicado de forma metódica ao campo da psique primeiramente pelo psiquiatra Carl Jung, em seu livro ‘O homem e seus símbolos, de 1964’. O psiquiatra e psicoterapeuta suíço foi responsável

por estudos de extrema influência que fundaram a psicologia analítica, e seu reconhecimento tem destaque dentro dos campos do simbolismo e análise de sonhos. A concepção de arquétipos, de acordo com o autor, parte do conceito de resíduos mentais , estabelecido por Sigmund Freud para se referir às imagens mentais que não foram originadas a partir de experiências pessoais do indivíduo, mas sim de algo transmitido inconscientemente através de gerações da humanidade.

Nesse cenário, é válido retornar à etimologia da palavra arquétipo: “ETIM gr. archétupon > lat. archety̆pum , i 'original, modelo, tipo primitivo'”3 São modelos primordiais criados a partir da repetição recorrente de certas experiências, que foram apreendidas e geraram imagens primordiais transmitidas por meio de uma herança espiritual decorrente da evolução da própria humanidade. Ou seja, podem ser entendidos como representações simbólicas que não podem ser atreladas ao espaço/ tempo, que associamos à nossa realidade e cuja origem ocorre por meio de uma consciência coletiva ancestral. A capacidade de compreensão simbólica e reconhecimento arquetípico são exemplos desses pontos de congruência que possibilitam essa consciência coletiva.

Ademais, é válido destacar que os símbolos e arquétipos de tocar propriedades do inconsciente.

3 ARQUÉTIPO. In: DICIONÁRIO Oxford Language. Oxford University Press, 2022. Acesso em: 5 nov. 2022.

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(Norberg-Schulz ,1999)

Para Jung, a representação do arquétipo é espontânea e pode ter configurações variadas, mas todas giram ao redor um mesmo tema/motivo.

“O arquétipo é, na realidade, uma tendência instintiva, tão marcada como o impulso das aves para fazer seu ninho ou o das formigas para se organizarem em colônias” (Jung, 2008).

Logo, não podem ser fabricados. Não devem ser confundidos com signos, que são desenvolvidos na psique do indivíduo segundo a cultura e o contexto em que está inserido. O símbolo está atrelado ao arquétipo como essa linguagem primordial que serve de base para os signos.

caráter universal, uma vez que há uma grande diversidade de gostos e expectativas quanto à configuração espacial e estética. Paralelamente, é preciso realizar uma produção que seja capaz de gerar algum tipo de ligação emocional ou de identificação pessoal para causar impacto e relevância nos seus usuários. Surge então o questionamento de quais estratégias devem ser aplicadas para alcançar esses objetivos.

Nessa conjuntura, a aplicação de arquétipos e símbolos tem especial importância para que o arquiteto consiga aplicar os efeitos desejados à sua arquitetura, alcançando a ‘universalidade’ ao mesmo tempo em que se conecta com o usuário.

arquitetura?

Ao iniciarmos o desenvolvimento de um projeto é comum nos vermos em uma contradição entre intencionalidades. Um projeto de uso público, ou dedicado à um grupo de pessoas deve atender um

No livro intitulado Arquétipos da Arquitetura, o arquiteto norueguês Thomas Thiis-Evensen (1989) discute a existência de uma linguagem comum da forma , que, inconscientemente, suscita impressões qualitativas à uma primeira impressão com o local. Sua teoria aplica o conceito de arquétipos apresentado por Jung e sistematiza a experiência do espaço. O autor tem como objetivo apresentar

Fundamentação teórica
Mas como isso se relaciona com a
“Os significados existenciais derivam do fenômeno natural [...] e são sentidos como ordem e caráter. A arquitetura traduz esses significados em formas espaciais”.
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A arquitetura é nosso instrumento primário para nos relacionar com o espaço e tempo, e dar a essas dimensões uma medida humana. Ela domestica o espaço ilimitado e o tempo ilimitado para ser tolerado, ocupado e entendido pela humanidade.4 4 “Architecture is our primary instrument in relating us with space and time, and giving these dimensions a human measure. It domesticates limitless space and endless time to be tolerated, inhabited and understood by humankind”. (Pallasmaa, 2012, p.19, tradução da autora) Figura 05 - Simulação de atmosfera sagrada articulada com arquitetura Fonte: foto produzida pela autora através de Inteligência Artificial
EPTC - Sabrina Campos Freitas

uma ‘gramática’ arquetípica para o arquiteto e conceituar as percepções qualitativamente, saindo da subjetividade do sujeito de ‘bom, ruim, bonito, feio...’.

Para o autor, é possível que o arquiteto consiga aplicar os efeitos desejados à sua arquitetura, independente do indivíduo e da cultura, por meio da aplicação de arquétipos. A apresentação da teoria desenvolvida pelo autor é de fundamental importância para o presente trabalho pois seus conceitos serão aplicados na análise dos estudos de caso em capítulo posterior.

A investigação define 3 elementos principais para a análise do fenômeno na arquitetura: paredes, teto e piso. Essa decisão é pautada pela afirmação de que todos possuem uma mesma essência: realizar uma delimitação entre o externo (mundo, não-arquitetura) e o interno (a arquitetura e seu invólucro).

Trata-se do princípio primordial da arquitetura a necessidade de delimitação de um espaço. Grande parte do trabalho do profissional da arquitetura é trabalhar com esse equilíbrio do externo e interno em suas composições, para ter espaços internos de qualidade e ao mesmo tempo uma boa leitura dentro do contexto externo na qual está inserida.

Partindo dessa premissa, são introduzidos 3 conceitos qualitativos. Estes, quando aplicados às 3 grandes categorias (paredes, piso e teto), permitem compreender suas qualidades expressivas, suas essências e relações com a estrutura inerente da arquitetura, e não das associações criadas.

Movimento: se o elemento enfatiza movimentos de expansão, contração ou equilíbrio;

• Peso: se o elemento induz imagens mentais de sobrecarga, leveza, elevação ou queda;

• Substância: o aspecto sensível da materialidade, como frio, quente, suave, áspero.

“[...] a expressão existencial tem um efeito fundamental em nossas experiências arquitetônicas, não como uma qualidade separada do significado simbólico, mas como parte integrada dela. [...] o estudo da expressão da forma em termos de movimento, peso e substância liga a arte da construção a qualidades universais e se manifesta como um fenômeno em relação às associações culturais e pessoais existentes.” (Thiis-Evensen, 1987, p.31)

Nessa conjuntura, tem-se então as categorias básicas para a comunicação do espaço, a partir das quais pode-se destrinchar inúmeras combinações e variações com efeitos arquetípicos diversos. A presente análise não irá avançar na especificação de todas as possibilidades. Exemplos serão apresentados ao longo da análise de estudo caso como exercício de identificação dos arquétipos em arquiteturas sagradas.

Vale destacar que os arquétipos na arquitetura possuem grande efeito nos usuários pois experienciamos o espaço antes que de fato realizemos essa vivência.

"Geralmente não temos noção de que uma experiência tátil inconsciente está inevitavelmente escondida até na visão. Quando vemos, o olho toca, e ainda antes de ver o objeto, já o temos tocado apreciando seu peso, temperatura e superfície externa. O tato é a inconsciência da visão, e esta experiência tátil escondida determina as qualidades sensíveis do objeto percebido". (PALLASMAA apud DIACONU, 2011, p. 56).

Fundamentação teórica

Dentro do contexto de discussão da relação entre corpo, percepção e memória como elementos essenciais para compreender a experiência do espaço, a arquitetura sagrada corresponde à uma oportunidade tipológica de melhor compreensão dos temas. Isso ocorre em função da natureza essencial do espaço sagrado de evocar a experiência primária do ser no espaço. Através do partido arquitetônico temos a tradução da espiritualidade em sua essência, a arquitetura que se carrega de intenções e sensações, e conduz o indivíduo a uma experiência com o sagrado existente.

Ao procurar entender a arquitetura sagrada é preciso compreender como ocorre a expressão arquitetônica da crença. Trata-se de espaços de prática espiritual, criados para estabelecer uma conexão com o divino e que permite aos seus usuários professarem a sua fé. As espacialidades apresentam diversas configurações e seus ritos podem se apresentar em construções (como templos, mesquitas e igrejas) ou até mesmo em espaços na natureza (como na Umbanda, Candomblé e Wicca). Mas todas apresentam uma essência, a concretização da emoção espiritual em um ambiente físico.

Para Mircea5 (1992) o espaço sagrado é definido como uma hierofania, ou seja, uma manifestação do divino, que torna o espaço diferente qualitativamente do mundo que o cerca. Segundo o autor esse fenômeno de consagração do espaço

ocorre em função do ‘homem religioso’, que percebe o mundo de forma heterogênea - há o espaço sagrado e tudo além dos seus limites é caracterizado como profano, amorfo e sem estrutura.

Para Jung (2008) a interpretação humana possui limitações e, assim como o divino recebe essa denominação para explicar aquilo que está além de nossa capacidade, os símbolos são utilizados para explicar aquilo vai além da nossa compreensão. Segundo o autor um elemento será simbólico ao implicar um significado além daquele imediato. “Esta é uma das razões por que todas as religiões empregam uma linguagem simbólica e se exprimem através de imagens” (JUNG, 2008, p.19).

No contexto da expressão arquitetônica da crença, identifica-se o uso de elementos simbólicos e arquetípicos de forma recorrente em religiões distintas, que serão o foco da análise.

O primeiro fenômeno corresponde ao simbolismo da verticalidade. Como foi dito anteriormente, o espaço sagrado apresenta um valor existencial pois é qualitativamente diferente do resto, o profano. Ao mesmo em que se estabelece essa diferenciação dos espaços, o espaço sagrado estabelece uma referência (pois aquilo que difere da referência assume o título de profano), e se torna um ponto fixo que assume uma posição central no mundo (MIRCEA, 1992). Essa referência estabelece uma conexão entre os mundos/planos espirituais (como por exemplo o inferno-Terra-Céu para a religião cristã), e pode ser

5 Filósofo e historiador romeno, considerado um dos mais importantes cientistas da religião contemporâneo. Sua obra propõe a compreensão do fenômeno sagrado relacionando-o com as diversas manifestações culturas e sociedade desde os primórdios da humanidade.

-019 EPTC - Sabrina Campos Freitas
Como os arquétipos são percebidos na arquitetura sagrada?

percebida sob duas esferas.

Na primeira esfera é apresentado o simbolismo da ‘porta’ como um veículo de passagem. Segundo Mircea a porta representa o limiar entre sagrado e profano, como uma conexão entre os dois espaços. Logo, sua passagem representa movimento ritualístico, “[...] ponto paradoxal de passagem de um modo

de ser a outro” (MIRCEA, 1992, p.19), físico (com o elemento arquitetônico da porta) como também através de rituais. O elemento da ‘porta’ sempre se fará presente, uma vez que o espaço sagrado envolve necessariamente uma cosmogonia que, portanto, se difere do mundo exterior.

A segunda esfera corresponde ao Axis Mundi , eixo vertical simbólico criado para comunicação com outras dimensões. Esse ‘pilar’ simbólico tem origem no centro eixo do universo (o espaço consagrado – a cosmogonia) e a partir dele estende-se o mundo dos Deuses. Nas diferentes espacialidades presentes em cada manifestação religiosa, essa representação é encontrada com diferentes simbolismos.

“[...] à comunicação com o Céu é expressa indiferentemente por certo número de imagens referentes todas elas ao Axis mundi: pilar (cf. a universalis columna), escada (cf. a escada de Jacó), montanha, árvore, cipós etc”. (MIRCEA, 1992, p.25). Nesses locais há uma ‘ruptura’entre o céu e a Terra que permite uma comunicação com o transcedente.

Fundamentação teórica
Figura 06 - Simulação de atmosfera sagrada e conexão do Axis Mundi com a arquitetura | Fonte: foto produzida pela autora através de Inteligência Artificial
-021 EPTC - Sabrina Campos Freitas

Análise do Contexto

ESTREITO - MARANHÃO

Para entender melhor as condicionantes do terreno escolhido, é importante destacar que influência da escala da cidade para a análise. Devido ao fato de ser uma cidade jovem e pequena, a investigação deve ser realizada em uma escala que compreenda um cenário maior que um bairro, pois a área de influência sobre o terreno compreende à dinâmica da própria cidade em si.

O município de Estreito está localizado na região centro-oeste do Maranhão e possui uma área territorial de 2.720,66m² (IBGE, 2021) e população de 35.835 pessoas de acordo com o último censo realizado pelo IBGE (2010).

Mapa da inserção do território de Estreito, a inserção da Ilha no contexto urbano e cidade vizinha
Análise do Contexto
| Fonte: Google Earth

Estreito teve origem em 1909 como um povoado estabelecido em área rural por fazendeiros que tinham interesse no pasto natural da região. Com o passar do tempo tornou-se rota comercial devido à localização próxima às margens do Rio Tocantins em ponto estratégico de afunilamento, que permitia melhor travessia. É então elevado à categoria de Vila em 1948, porém ainda submissa à cidade (atualmente

vizinha) de Carolina – MA, e recebe o nome de Paranaidji (que significa lugar de limo). Apenas em 1982 consegue a condição oficial de autonomia política, quando foi elevado à categoria de cidade, após plebiscito realizado com seus moradores e os moradores da cidade de Carolina. A partir desse momento, a cidade recebe seu nome atual, em homenagem à característica do Rio Tocantins.

1 Bibliografia Digital IBGE - Série: Acervo dos municípios brasileiros 2 Bibliografia Digital IBGE - Série: Acervo dos municípios brasileiros 3 IBGE - Diretoria de Geodésia e Cartografia | Primeira Edição - 1979 4 Bibliografia Digital IBGE - Série: Acervo dos municípios brasileiros

-023 EPTC - Sabrina Campos Freitas 7. 8. 9. 10.
7 - Igraja Matriz Nossa Senhora da Boa Viagem: Estreito, MA| Ano: [19--]1
- Rio Tocantins: Estreito, MA | Ano:
2
-
(MA-GO)3
Municipal:
| Ano:
Figura
Figura 8
[19--]
Figura 9
Mapa Paranaidji
Figura 10 - Prefeitura
Estreito, MA
[19--]4

Apesar de ser uma cidade jovem, sua localização estratégica permitiu um rápido crescimento e desenvolvimento. Como apontado no mapa abaixo, a localização da cidade possui 3 principais vantagens estratégicas: sua localização à margem do rio permitiu uma rota de mercadorias fluvial e desenvolvimento da população ribeirinha; o trecho do rio Tocantins apresenta

47°35′28 06″W

Mapa do Brasil com destaque colorido no estado do Maranhão

| Fonte: shape files - IBGE

| Elaboração: autoral

um afunilamento do rio, fator essencial para a travessia e tráfego de mercadorias; durante o período de desenvolvimento da política rodoviarista no Brasil houve a criação de inúmeras rodovias que pretendiam atravessar o país, dentre elas há destaque para a Rodovia Belém-Brasília, que atravessa a cidade, sendo o ‘portal de entrada’ para o estado do Maranhão.

47°26′30 98″W

Mapa da cidade de Estreito com destaque para as vias (em vermelho) e corpos d’água (em azul) | A legenda do mapa encontra-se na figura no canto inferior direito

|Fonte: IBGE

5 6 1 ″ S 6
5
° 4 2 ′ 4 8
3 ″ S 6 ° 3 3 ′ 5 1 4 6 ″ S
Análise do Contexto

Figura 11 - Vista aérea da cidade Estreito | A fotografia destaca as duas pontes de travessia da cidade de Aguiarnópolis(TO) para Estreito: a que está mais a esquerda corresponde ã fonte ferroviária, enquanto aquela localizada mais à direita é continuação da rodovia Belém-Brasília.

Figura 12 - Vista aérea da Ilha Cabral |

Figura 13 - Vista aérea da Ilha Cabral | | FONTES: fotografia realizada e fornecida pela empresa Estreito Online

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EPTC - Sabrina Campos Freitas
11.
12. 13.

O rio Tocantins faz parte da história, formação e delimitação da cidade. Em sua margem oeste está a cidade de Aguiarnópolis, no estado do Tocantins, e à leste, Estreito, no Maranhão.

O curso d’água apresenta papel importante para o município, sendo grande fonte de recursos, principalmente para a comunidade ribeirinha, cujo sustento provém das atividades desenvolvidas nas margens do Rio Tocantins. Além da pesca realizada ao longo do ano, a principal fonte de renda é proveniente do transporte de turistas na época de temporada da praia – junho a agosto – para a Ilha Cabral, além das atividades comerciais lá desenvolvidas com as barraquinhas de lanches.

Contudo, como fruto de uma política de expansão do setor elétrico do Brasil após a década de 50, houve o desenvolvimento de um plano de implantação de Usinas Hidrelétricas em todo o país. Dentro os locais escolhidos, está o trecho do Rio Tocantins que passa pela cidade de Estreito, que resultou na implantação e execução da Usina Hidrelétrica Estreito - UHE Estreito.

O longo processo teve início em 2001, quando a Eletronorte e a empresa Themag Engenharia definiram a localização e características do programa de funcionamento do empreendimento. Em 2002 a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL promoveu um leilão para a execução da obra, cujos vencedores foram as empresas Suez Energy South America Participações Ltda., BHP Billiton Metais, Vale, Alcoa Alumínio S.A. e Camargo Corrêa Energia, que passaram a compor o CESTE – Consórcio Estreito Energia.

O período de obras desenvolveu-se da metade de 2007 até julho de 2011, quando entrou em operação comercial. No entanto, sua inauguração ocorreu apenas em outubro do ano seguinte, e contou com a

participação da então presidente da República, Dilma Rousseff.

Apesar do plano inicial da hidrelétrica ser um suporte estruturante para o desenvolvimento da região e do país, a implantação de um empreendimento desse porte trouxe consequências negativas imensuráveis não apenas para Estreito e Aguiarnópolis, mas para inúmeras cidades que margeiam o rio.

Conforme dados disponibilizados no site oficial do empreendimento, o reservatório de água possui uma extensão de 260,23km e áreas inundáveis de 400km² e interferência em 12 municípios.

De acordo com relatos dos moradores, com o início das obras houve uma intensa migração de trabalhadores para os canteiros de obra, que a princípio foi positiva para a cidade, com um aumento na movimentação de comércio da cidade, além de alta procura para compra e aluguel de imóveis. Todavia, houve um aumento expressivo na criminalidade local, além da quantidade de imóveis que ficaram abandonados após a finalização das obras.

Segundo dados apresentados pelo ICICT/Fiocruz em Mapa de Conflitos (2022) outros impactos expressivos correspondem à alteração no regime tradicional de uso e ocupação do solo, mudanças climáticas, piora na qualidade de vida, interferência na fertilização natural da terra e reprodução dos peixes, por exemplo.

Com a alteração no regime das águas, a Ilha Cabral vem sofrendo processo de alteração em seu banco de areia. Por estar localizada no nível abaixo do reservatório o transporte de areia pelo rio é interrompido pela barragem, assim, a areia que é carregada naturalmente pela correnteza não é reposta. Logo, sua margem está ficando repleta de pedregulhos, que acabam por afastar os turistas que antes aproveitavam o espaço.

Análise do Contexto
O

Figura 14 - Vista aérea da UHE 2007 | A fotografia apresenta a obra de construção da Usina Hidrelétrica de Estreito e sua intervenção nas duas margens do rio (em marcação laranja).

É possível ver a Ilha Cabral ao fundo (em marcação amarela).

| fonte: Galeria de Fotos UHE Estreito.1

Figura 15 - Vista aérea da cidade Estreito | A fotografia mostra a relação de proximidade física entre a UHE e a cidade de Estreito.

| fonte: Estreito Online2

Figura 16 - Vista aérea do complexo UHE

| fonte: Galeria de Fotos UHE Estreito .3

1 Disponível em: https://www.uhe-estreito.com. br/o-empreendimento/fotos/356-usina-hidreletrica-estreito. html

2 F otografia realizada e fornecida pela empresa Estreito Online

3 Disponível em: https://www.uhe-estreito.com. br/o-empreendimento/fotos/356-usina-hidreletrica-estreito. html

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EPTC - Sabrina Campos Freitas

ANÁLISE DE CONDICIONANTES

INSERÇÃO URBANA | Localização dentro do território municipal e principais acessos

Mapa da inserção da ilha no território de Estreito | Fonte: shape files - IBGE Elaboração: autoral

Como apresentado no mapa, a área de estudo, denominada Ilha Cabral, possui dimensão aproximada de 2,3 km em direção de maior extensão e 1 km no outro sentido. Encontra-se nas coordenadas -6.5351477, -47.447902, na divisa entre os estados do Tocantins e Maranhão. Seu acesso, contudo, é realizado de forma oficial e regularizada no município de Estreito, na rua 9 do Bairro Alto Bonito, mais conhecida como Orla de Estreito. Na época de temporada, o município fornece infraestrutura para incentivo do lazer e comércio na ilha. O transporte é realizado em parceria com o sindicato dos barqueiros e por pequenas taxas é possível realizar a travessia. O transporte privado também é permitido, e aqueles que possuem barcos, jet-skis ou outros meios podem utilizá-los no mesmo trecho da margem, porém um pouco afastados do público geral.

Análise do Contexto
Rodovia Belém-Brasília, compoõe o principal eixo de divisão da cidade R. Nove | acesso principal que liga a rodovia à margem do rio onde é realizada a travessia Trajeto realizado comumente pelos barqueiros da margem do rio até o banco de areia Figura 17 - Vista do acesso principal | A fotografia destaca Rua 9 (em laranja) e a orla da cidade, inaugurada em 2018, que apresenta uma potencial centralidade pois está atraindo novas atividades de lazer, cultura e comércio. FONTE: fotografia realizada e fornecida pela empresa Estreito Online

CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO RESIDENTE

População estimada: 43.097 pessoas [2021]1

Densidade demográfica: 13,18 hab/km² [2010] 2 Escolarização 6 a 14 anos: 93,4% [2010] 3

IDHM (índice de desenvolvimento humano municipal): 0,659 [2010] 4

PIB per capita: R$ 22.463,64 [2019] 5

1 fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Estimativas da população residente com data de referência 1o de julho de 2020

2 fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010, Área territorial brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2011

3 fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010

4 fonte: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD

5 fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendência da Zona Franca de Manaus - SUFRAMA

Levantamento de dados demográficos, sociais e econômicos

Tabela de população residente por religião, 2010

RELIGIÃO

QUANTIDADE (PESSOAS) PERCENTUAL (%)

Total 35.836 100%

Sem religião 1.875 5.23% Católica Apostólica Romana 26.292 73.37%

Católica Ortodoxa 31 0.09% Espírita 317 0.88% Evangélica 6.874 19.18% Não determinada e múltiplo pertencimento 53 0.15% Testemunhas de Jeová 181 0.51% Outras religiosidade cristãs 176 0.49%

Não Sabe 37 0.10%

| Fonte: gerado pela autora através do Sistema IBGE de Recuperação Automática - SIDRA

ESTRUTURAÇÃO URBANA

As primeiras divisões territoriais ocorridas no processo de surgimento da cidade sofreram poucas modificações, apenas em questão de expansão da cidade e surgimento de novos bairros. Essa divisão não é clara, nem contempla no atual plano diretor, aprovado em dezembro de 2016.

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Figura 18 - Mapa de divisão informal dos bairros FONTE: produzido pela autora. Base cartográfica obtida pelo Google Earth. Sobreposição com dados obtidos por meio da coleta de depoimentos dos moradores.

SÍTIO NATURAL

Ainda segundo o relatório obtido pelo BDIA - Banco de Informações Ambientais - do IBGE, a área do terreno é caracterizada como parte da unidade Geomorfológica do patamar de Porto Franco. Asim, caracteriza-se por um "[...] domínio de formações superficiais argilosas localmente com pedregosidade, resultante da alteração dos basaltos e que geraram solos do tipo Terra Roxa Estruturada, Latossolos Vermelho-Escuro e Roxo e Podzólicos concrecionários. Nas áreas onde afloram os arenitos, há um predomínio da cobertura arenosa resultando em solos denominados Areias Quartzosas".

Unidades Geom orfo ógicas

Unidades Geom orfológicas

Chapadas e P anos do Rio Far nha (62 72%)

Patamar de Porto Franco Fortaleza dos Nogue ras 36 78%) Corpo d'água continental (0 50%)

C hapadas e Pl anos do Ri o Fari nha (62 72%)

Patamar de Porto Franco Fortal eza dos N oguei ras (36,78%)

C orpo d'água conti nental (0,50%)

Mapa das Unidades Geomorfológicas de Estreito

| Fonte: BDIA - IBGE

A região é categorizada como parte do bioma do Cerrado, porém a cobertura vegetal apresenta variações de acordo com o grau de intervenção antrópica e a proximidade aos cursos d'água. A vegetação do Cerrado apresenta vegetação rasteira e rala, de troncos retorcidos, com folhagem grossa e galhos pequenos e espaços. Todavia, na ilha, por tratar-se de vegetação à margem do rio, possui mata ciliar com uma densa floresta.

Segundo relatório mais detalhado obtido pelo BDIA - Banco de Informações Ambientais - do IBGE, a área do terreno é caracterizada como Vegetação Secundária, e parte da região fitoecológica de Floresta Estacional Semidecidual, características de regiões com dupla estacionalidade climática. É válido destacar a relação precária entre os moradores e a vegetação natural. Os dados obtidos pelo Censo 2010 do IBGE apontam que apenas 57,2% das vias públicas são arborizadas. Devido à ausência de uma legislação que defina uma taxa de permeabilidade mínima, grande parte dos moradores optam por pavimentar todo o terreno, retirando árvores ou qualquer vegetação, sob uma premissa de que a manutenção 'é muito trabalhosa'.

Mapa da cobertural vegetal de Estreito

| Fonte: BDIA - IBGE

Análise do Contexto
Gráf co
B DIA B
anco de
In
ormações Ambienta
s Documento obtido em 3 0 de Novembro de 2022 às 09 23 22 (Horár o de B ras ia
Unidades Geom orfológicas Est reit o Gráfico
IB GE Ins tituto B ras le ro de Geog rafia e Es tat s tica
embro de
às 09 : 23 : 22
B DIA B anco de nformações Ambientais
Documento obtido em 3 0 de Nov
2022

CONDIÇÕES BIOCLIMÁTICAS

É de fundamental importância para a proposta entender as condiçóes climáticas do local para desenvolver estratégias que sejam condizentes com as suas potencialidades e para aumentar o conforto dos usuários.

Os dados apresentados a seguir foram obtidos no site Projetee, que utiliza como base de dados os arquivos climáticos INMET 2016.

A radiação média apresenta valor mínimo de 755,61 Wh/m² no mês de janeiro e média máxima de 862,52 Wh/m² no mês de outubro. Os valores tem pouca variância ao longo do ano, mantendo-se extremamentes elevados. É também um indicativo de grande potencial de produção de energia solar.

Os dados apresentados demonstram uma predominância de ventos com velocidade 0-2m/s, apresentando uma média de velocidade baixa. Além disso a direção dominante é em sentido sudoeste.

Gráfico de umidade relativa

O município apresenta clima tropical com duas épocas bem definidas. O período de seca, dos meses de julho à dezembro, possui médias mensais abaixo de 100mm. Já o período de chuvas, equivalente ao período de janeiro a junho possui médias mensais de 200mm ou mais.

O município é caracterizado como tropical quente e semiúmido (AW). Assim, apesar do alto teor de umidade, característico do clima tropical, possui uma estação mais seca, bem definida.

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Meses
Prec de
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 0 100 200 300 400 500 Hi ghcharts com Meses W h / m ²
Gráfico de Chuva
chuva mensal (mm)
Rad
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 0 200 400 600 800 1000 Hi
com
Gráfico de radiação média mensal
global horizontal média mensal (Wh/m²)
ghcharts
Meses P e r c e n t u a l
Umidade
Umidade
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 55 60 65 70 75 80 85 90 Hi ghcharts com f r e q u e
%
10+ m/s 8 10 m/s 6 8
4 6
2 4 m/s 0 2
N NE E SE S SO O NO 0% 10% 20% Hi ghcharts com
relativa média Máx e Min (% )
relativa méd mensal (% )
n c i a (
) Gráfico Rosa dos Ventos
m/s
m/s
m/s

Gráfico das temperaturas

Gráfico de temperatura e zona de conforto

Zona de conforto (°C)

T emp bulbo seco méd mensal (°C)

T emp bulbo úmido méd mensal (°C)

O local apresenta uma média de temperatura mensal elevada ao longo de todo o ano, que, junto com a insolação média mensal extremamente elevada, resultam em grande desconforto por calor na maior parte do ano. Nesse sentido as estratégias projetuais devem incluir ventilação natural, sombreamento e inércia térmica para resfriamento de forma a promover melhor conforto térmico.

T emp média mensal (°C)

T emp média mensal Max e Min (°C)

de conforto (°C)

LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA

De acordo com pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE, 2009, o município apresenta em sua legislação apenas o Plano Diretor, enquanto um Plano Municipal de Habitação foi caracterizado como em desenvolvimento, porém nenhuma informação foi encontrada quanto à esse último. Não há Lei de

Análise das normas de uso e ocupação do solo vigentes na Lei Municipal 026/2007 e suas repercussões sobre a paisagem da área e sua estruturação.

Parcelamento do Solo, Código de Obras, Zoneamento ou ZEIS.

Quanto à análise da legislação urbanística do município no Plano Diretor, foram encontradas diretrizes com restrições de dimencionamento e divisão de áreas apenas quanto ao parcelamento do solo na criação de loteamentos.

Análise do Contexto
e r a t u
a
)
Meses T e m p
r
° C
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 18 20 22 24 26 28 30 32 H ghcharts com Meses T e m p e r a t u r a ° C )
Zona
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez 20 22 24 26 28 30 32 Hi ghcharts com
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Estudos de caso

Figura 19 - Simulação de atmosfera sagrada articulada com arquitetura e conexão com a natureza Fonte: foto produzida pela autora através de Inteligência Artificial

INTRODUÇÃO DA ANÁLISE

Foram escolhidos dois templos para realizar o estudo de caso. A análise será desenvolvida aplicando em sua maioria a teoria e categorização desenvolvidas por Thiis-Evensen (1987). Procura-se compreender a correspondência da arquitetura com a simbologia religiosa e como o espaço contribui para a percepção do sagrado pelo indivíduo. O primeiro projeto a ser analisado é a Capela de Campo Bruder Klaus, projetada pelo arquiteto Peter Zumthor em 2007 na Alemanha. O segundo projeto analisado é o Templo Bahá'í da América do Sul, projetado pelo escritório Hariri Pontarini Architects em 2016, no Chile.

A escoha dos projetos se deu por suas decisões projetuais que tiveram por metodologia o intuito de potencializar e materializar os sentidos humanos, promovendo uma relação recíproca entre humanos e o espaço, e reforçar a conexão com o intangível.

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Estudos de caso
Figura 20 - Vista interna do corredor de entrada da capela Fonte: ©COAST

01

BRUDER KLAUS FIELD CHAPEL

MECHERNICH, GERMANY

ARQUITETO: PETER ZUMTHOR

ANO: 2007

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APRESENTAÇÃO DO PROJETO

A Bruder Klaus Field Chapel corresponde à uma pequena capela feita na cidade de Mechernich, na Alemanha. O projeto foi criado pelo arquiteto Peter Zumthor após receber um pedido de um fazendeiro local e sua esposa, Hermann -Josef Scheidtweiler e Trudel, que gostariam de homenagear o padroeiro da suíça, Nicholas von der Flue , mais conhecido como Bruder Klaus (irmão Klaus).

O irmão Klaus foi um homem que abandonou tudo e viveu como um eremita por 20 anos, ao lado de sua família, sua esposa Dorothee Wyss e seus filhos. Era visto como um ‘santo vivo’, uma figura muito respeitada que agia como conselheiro e pacificador.

Sua vida era composta por oração, meditação e reflexão, em meio ao jejum e abdicação de bens materiais.

O projeto foi executado utilizando técnicas locais e teve uma caráter quase 'artesanal', sendo executado pela comunidade local. Consiste em um espaço único com torre de 12 m de altura, composta por 24 camadas de concreto de 50cm cada.

Seu projeto é reconhecido pelos inúmeros simbolismo presentes na arquitetura, cujo caráter sensível materializa a identidade e princípios do Santo.

Estudos de caso

Figura 21 - Vista da fachada frontal e entrada da capela Fonte: ©COAST

O primeiro elemento arquetípico analisado é o chão, cujos temas são: direção, delimitação e suporte (THIIS-EVENSEN,1987).

Dentro da categoria de direção a superfície apresenta regularidade, não há padrões que indiquem movimento. Todavia, é válido destacar a forma escolhida para o piso. O arquiteto optou por um piso em nível, sem variação da elevação da superfície ou criação de plataformas internas. Nessa conjuntura não ocorre uma hierarquização interna do espaço - como tem-se tradicionalmente nas igrejas e catedrais com os altares elevados. Opta-se por uma hierarquização entre o espaço interno vs. externo. Aplicando expressões formais diferentes, o arquiteto reforça o conceito apresentado anteriormente de diferenciação qualitativa entre o espaço sagrado e o profano (Mircea, 1992) através de duas atmosferas diferentes.

O ambiente externo é simples, sóbrio, como um grande bloco que foi posicionado sobre o campo. Ao mesmo tempo, o tom de sua materialidade faz referência aos tons encontrados na região, realizando uma mimese em certo nível. Ao adentrarmos em seu espaço único há uma mudança imediata na atmosfera, os planos simples, simples e claros dão lugar à um ambiente escuro como uma caverna, ou como se descendêssemos à uma cripta. O ambiente é aparentemente simples (espaço único, piso sem elevações ou adornos...), mas a escolha da técnica construtiva traz uma complexidade visual.

Quanto à delimitação, o piso parece estar conectado às paredes que o rodeiam, o que faz com que o volume esteja fechado e isolado dos seus arredores. Apesar da Bruder Klaus estar levemente acima nível do solo, ao adentrar o espaço com piso de chumbo rugoso, paredes altas e irregulares, com uma intensa luz vindo na abertura no teto, tem-se a sensação de “nos levar para o próprio mundo do solo”, como uma caverna ou cripta. "Em outras palavras, essa penetração é interpretada como um encontro com as forças primárias da Terra, com o rústico e natural, com a morte, água e fogo". (ThiisEvensen, 1987, p.77).

Figura 23 - Presentação em planta do projeto Disponível em: https://en.wikiarquitectura.com/ building/bruder-klaus-field-chapel/

Estudos de caso
Figura 22 - Vista posterior da capela Fonte: ©COAST

Ao avançarmos para a análise da escolha arquetípica do suporte do piso, ou seja, sua relação com o chão natural, foi escolhido o ‘piso anexado’ (Attached Floor – original). É uma categoria em que a relação do material é essencial. No caso do projeto foi adotado um piso feito (recoberto) de estanho de chumbo, mas com um certo brilho, que aparenta ser um bloco de pedra massivo e único. A firmeza e estabilidade do solo são as premissas básicas para nossa existência na Terra, e, devido à essa relação ancestral com o chão natural, atribuímos o sentimento de segurança, que é evocado pela ideia de peso firme

e sólido do bloco de ‘pedra’. A pedra é parte do próprio solo, uma continuidade. Seu caráter rústico não apenas apresenta o âmbito de conexão com a natureza como de permanência na própria natureza. "[...] Um piso anexado repousa pesadamente sobre o piso" (THIIS-EVENSEN, 1987, p.57).

É importante destacar que a escolha da materialidade não apenas relaciona-se com a reconstrução emocional como também pretende honrar o passado regional. A região de Mechernich pratica a mineração e extração de chumbo desde o século 14.

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EPTC - Sabrina Campos Freitas Figura 24 - Materialidade do piso interno Disponível em: https://en.wikiarquitectura.com/ building/bruder-klaus-field-chapel/ Figura 25 - Vista interna. É possível observar o corredor de entrada e a atmosfera de luz criada pela abertura no teto. Fonte: © RASMUS HJORTSHØJ - COAST
Estudos de caso
Figura 26 - Troncos de madeira posicionados como fôrma da construção para, posteriormente, serem queimados Disponível em: https://en.wikiarquitectura.com/building/bruder-klaus-field-chapel/

Dentro da análise das expressões existenciais, o arquiteto tem atenção especial na aplicação das materialidades. Para o arquiteto Peter Zumthor (2014), uma construção é bem-sucedida quando você percebe que o prédio entende do tempo anterior ao seu, e do tempo que virá. O projeto utiliza 112 troncos de madeira retirados da floresta local como um molde para a aplicação do concreto [figura 26]. Quanto à sua expressão existencial, a madeira representa uma ancestralidade, além de ser utilizada como sistema construtivo da capela original de Saint Klaus. Zumthor, ao utilizá-la como uma forma para o concreto ele promove uma conexão entre o passado e o presente, representados pelos dois materiais respectivamente. Seu diferencial se destaca por meio da aplicação desse material dentro uma técnica que incorpora suas características físicas pela sua ausência, os vestígios do vazio.

Ademais, a escolha da expressão formal externa remete à um monolito. A arquitetura nessa perspectiva expressa uma atemporalidade que

alcança a relação temporal desejada pelo arquiteto.

Ainda analisando a escolha da técnica construtiva escolhida, optou-se por queimar os troncos, ao inve's de retirá-los após seu uso como molde. A grande fogueira criada apresenta simbolismos interessantes. O processo remete também à Oração do irmão Nicolau de Flüe, que apresenta um caminho para a ‘perfeição humana’: a purificação como ponto de partida (“Tira tudo de mim”); a iluminação do ser em crescimento (“Dê tudo para mim”); a união (“leve-me de mim mesmo e me dê completamente a Você”) (site oficial Bruder Klaus). O fogo é apresentado na bíblia como um símbolo de transformação através da purificação.

Além disso, faz referência ao ‘Köhlern’1 , método de produção de carvão através da queima da madeira em fornos, parte da tradição suíça. Como resultado da cremação, as paredes internas adquirem uma coloração escura, além de ser relatado que é possível sentir o cheiro do queimado, acrescentando uma nova camada à experiência sensorial.

1 O processo consiste em organizar uma pilha piramidal de restos de madeira, de cerca de 4 metros de altura e 10 de largura. A pilha é então incendiada e permanece supervisionada enquanto queima por 2 semanas.

Oração do irmão Nicolau de Flüe : Meu Senhor e meu Deus tome tudo de mim, que me impeça ir a Você. Meu Senhor e meu Deus, dá-me tudo, que me leve a Você. Meu Senhor e meu Deus, leve-me de mim mesmo e me dê completamente a Você.

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EPTC - Sabrina Campos Freitas Figura 27 - pilha de madeira preparada para o Köhlern - fonte: Lebendige traditionen. Foto tirada em 2005 © Paul Duss, Romoos

Retomando o arquétipo do piso enquanto caminho, percebe-se que não há rampa, passarela ou padrão de desenho no piso que indiquem movimento. O arquiteto utiliza em sua composição formal as paredes e o teto para criar um corredor estreito, que convida o usuário à uma caminhada reflexiva da entrada da capela até seu final, quando o espaço único se alarga criando um espaço central. O teto da entrada é rebaixado e à medida que se adentra no interior assume uma verticalidade, unindose ao plano das paredes internas e criando uma abertura central no topo. O espaço central, simbolicamente, é

então banhado pela luz divina. Nesse contexto, apresenta-se 3 elementos são importantes para a análise: o rito de passagem na porta de entrada, o interior místico e o óculo no topo. Arquetipicamente, a entrada possui valor simbólico ritualístico, há uma descrição existencial da própria transição pois constitui uma delimitação entre o mundano e o espaço sagrado, representando a criação de um mundo sagrado (MIRCEA, 1992). Zumthor utiliza duas estratégias principais. A primeira, apresentada anteriormente é a criação do espaço transicional interno.

Estudos de caso
Figura 28 - Cortes esquemáticos. É possível visualizar o correddor de entrada estreito e a abertura central no teto. Disponível em: https://en.wikiarquitectura.com/building/bruder-klaus-field-chapel/

A segunda compete à forma escolhida para a entrada, o triângulo. A trindade é não apenas um elemento muito importante dentro da Igreja Católica, mas seu simbolismo está presente recorrentemente na história de Niklaus. São atrelados a ele 3 principais simbolismos: a oração de Niklaus von der Flüe, o Ranft (lugar espiritual de meditação e silêncio), além da própria visão da Visão da Trindade. O projeto tem a sensibilidade de esse simbolismo já na porta de entrada da capela, por meio de uma porta pivotante de aço inoxidável com forma triangular, cujo eixo maior do triângulo isósceles aponta para o topo em direção ao céu.

-045 EPTC - Sabrina Campos Freitas
Figura 29 - Porta de entrada da capela Disponível em: https://en.wikiarquitectura.com/building/bruder-klaus-field-chapel/ Figura 30 - Porta de entrada Fonte: © RASMUS HJORTSHØJ - COAST

Figura 31 - Óculo no topo Fonte: © RASMUS HJORTSHØJ - COAST

Outro elemento de destaque é o óculo no topo, ou seja, a abertura central na cobertura do projeto. Essa estratégia permite a entrada de uma luz difusa que se estende pelo plano das paredes. Assim, com a luz do sol, sua forma faz alusão à uma estrela, sendo referência à visão de Bruder Klaus. O santo afirma ter tido uma visão recorrente ao longo de sua vida, uma estrela que ofuscava todas as outras em brilho.

Estudos de caso

Essa referência é reforçada pelas pequenas aberturas esféricas ao longo das paredes. Como vestígios das conexões utilizadas para manter os troncos de madeira unidos, as aberturas foram seladas com 350 plugues de vidro soprados à mão. Nesse cenário, fazem um contraste com o ambiento escuro, e podem ser interpretadas como estrelas, enquanto o óculo corresponde à estrela ofuscante.

Conclui-se então que o arquiteto utiliza atributos sensíveis da memória para gerar um reconhecimento

no usuário, conduzindo-o à uma conexão com o mundo do sublime. É contemplada uma atmosfera de silêncio, meditação e reflexão. O interior da capela é intimista e místico, convidando à um diálogo com o Divino. Assim, honra a história de meditação e renúncia do irmão Klaus em sua busca de Deus e a liberdade absoluta em Deus. Logo, sintetiza a história, tradições e memória de seu contexto, comunicadas através de uma linguagem projetual.

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Figura 32 - Fechamentos em vidro Fonte: © RASMUS HJORTSHØJ - COAST
Estudos de caso
Figura 32 - Vista interior da cobertura do templo. Fonte: © Daniela Galdames

TEMPLO BAHÁ’Í

SANTIAGO, CHILE

ARQUITETOS: HARIRI PONTARINI ARCHITECTS

ÁREA: 1200M²

ANO: 2016

-049 EPTC - Sabrina Campos Freitas
02

APRESENTAÇÃO DO PROJETO

O projeto do Templo surgiu com a abertura de um concurso para a definição do desenho que definiria o último templo de referência continental da Fé Bahá'í, a ser executado na América Latina.

A Fé Bahá'í possui uma visão unificadora da sociedade, e acreditam em um culto universal em que todos, independentemente de raça, gênero, idade ou fé, são bem-vindos.

Segundo o site ofical da fé, eles não possuem rituais, clero ou imagens. Suas práticas são conduzidas por um conselho internacional, a Casa Universal de Justiça. Tratam-se de 9 membros no conselho, escolhidos por meio de uma votação a cada 5 anos. Nesse sentido, o edital possuia condicionantes simples, deveria ser um espaço circular, com 9 entradas, sem altar ou septo que refletisse os princípios espirituais da fé.

Estudos de caso
Figura 33 - Vista exterior do templo, com destaque para sua conexão com a natureza Fonte: © Justin Ford

Figura 34 - Templo Bahá'í visto de longe. É possível ver a integração entre a implantação do projeto com a natureza da base da montanha , e a cidade ao fundo Fonte: ©Hariri Pontarini Architects

Assim como no estudo de caso anterior, o primeiro elemento arquetípico analisado é o chão, cujos temas são: direção, delimitação e suporte (THIIS-EVENSEN,1987).

O piso, como estabelecido no edital, configura um espaço circular. O arquétipo do espaço cilíndrico tem delimitação centralizada e relaciona-se com a proposta da Fé Bahá’í de adoração universal, cujo templo deve ser local para todos se encontrem como iguais. Ademais, ainda em relação à delimitação do piso, não há uma delimitação de uma área especial com padrão diferente, reforçando a homogeneidade do espaço. Apesar do projeto possuir dois pisos, térreo e mezanino, o ambiente não é lido como dois níveis separados, portanto, não dá uma hierarquização interna do espaço - sem púlpitos ou altares.

Quanto ao direcionamento do piso a superfície posssui tábuas de madeira estreitas, que, segundo Thiis-Evensen (1987) realizam um direcionamento do olhar. Ademais, o autor argumenta sobre como a madeira é um material 'vivo'. Ela dilata e contrai, produz sons, reage ao contato e forá de nossos pés sobre ela. Além disso, é um material que remete à um ambiente caloroso e acolhedor. Assim, é um dos elementos escolhidos pelo arquiteto para conseguir materializar um edifício 'vivo', como argumenta em entrevista para o TED Talk.

O movimento do piso tem destaque com os 9 caminhos que estão localizados no entorno no templo conduzem, de forma espiral, os usuários para o centro, preparandoos para adentrar nesse espaço de igualdade. De acordo com a Fé Bahá'í o número nove replesenta a perfeição e completudide, e as nove entrdas para o templo faziam parte da exigência para o design.

Quanto ao suporte do piso pode ser entendido como Open Floor - Plano Aberto (tHIIS-EVENSEN, 1987). Essa leitura tem como base a relação estabelecida pela composição estética do piso e paredes dentro do equilíbrio do espaço interno e externo. No caso do projeto desenvolvido,o Templo utliza como estratégia projetual uma

Figura 35 - Presentação em planta do projeto Fonte: ©Hariri Pontarini Architects

Estudos de caso

envoltória em formato circular de forma ascendente, criando uma estrutura com nove pétalas que se unem no topo. Nesse sentido, não há uma divisão entre as paredes e a cobertura, há uma continuidade entre a forma, que se transforma. Contudo, apesar de utilizar essa mesma estratégia que a Bruder Klaus, a atmosfera desenvolvida é oposta. A envoltória se une ao plano do piso apenas em um pequeno ponto, com arcos criados para permitir a entrada dos usuários. O restante do fechamento é feito por panos de vidro, que permitem total integração entre o espaço

exterior e interior.

É válido destacar que o formato orgânico não apenas expressa o movimento, como também reflete uma conexão com a natureza, um dos princípios que guiam a Fé Bahá'í. O projeto é apresentado com a descrição de possuir 9 'pétalas', além de sua geometria apresentar a simetria e proporção divina (também encontrada na natureza).

Não obstante, a relação da arquitetura com a luz natural era de essencial importância para o arquiteto. Segundo o arquiteto Siamak Hariri, fundador do escritório Hariri Pontarini Architects, o grande desafio projetual foi a ausência de um

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EPTC - Sabrina Campos Freitas Figura 36 - Vista interna com destaque para o fechamento em vidro e a conexão do invólucro com o piso e o ambiente interno. Fonte: © Daniela Galdames Figura 37 - Vista interna. É possível observar o espaço interno homogêneo e a atmosfera de luz criada pela abertura no teto e pelos fechamentos em vidro. Fonte: © Guy Wenborne

padrão de referência para a forma do espaço sagrado. Assim, sua inspiração surgiu em um trecho dos escritos da Fé: “[...] se você estender a mão em oração e se sua oração for respondida [...] todos os pilares do seu coração se tornarão iluminados"1

A partir de então a luz tornou-se o objeto primário de estudo do espaço. Para conseguir capturar a luz natural externa o escritório realizou uma pesquisa intensa e após 2 anos de teste de materiais conseguiram produzir o efeito desejado com borossilicato. Assim, barras de vidro

de borossilicato foram quebradas e derretidas, criando um novo material com a qualidade translúcida desejada. Essa conexão com os céus é reforçada pelo óculo no topo, que além de apresentar o símbolo da Fé, é responsável pela união da estrutura das 9 pétalas. Como apresentado anteriormente, o óculo é uma das expressões físicas da comunicação com o plano celeste, uma canalização do Axis Mundi. Reforçando a sacralidade do espaço. Além disso, as pétalas apresentam um afastamento entre si que é fechado por painéis de vidro. Assim, a

1 “[…] if you reach out in prayer and if you prayer is answered […] all the pillars of your heart will become ashine". Trecho original extraído da entrevista para o TED Talk (2017

Estudos de caso
Figura 38 - Vista interna com destaque para o invólucro do espaço e suas qualidade trnaslúcida interagindo com a luz natural Fonte: © Daniela Galdames

40 - Emissão de luz que ocorre no edifício à noite.

entrada de luz ocorre tanto difusamente pelas propriedades do brissilicato, como também de forma direta pelo vidro, promovendo uma dança de luz e sombra ao longo do dia.

Segundo Harini havia uma motivaçao para o projeto: “Aspiramos a beleza, pela sensualidade, pela atmosfera, pela resposta emocional. Esse é o reino do inefável e do imensurável”2. Conclui-se que o objetivo foi alcançado, resultando em um ambiente caloroso, inclusivo e repleto de simbolismos que evocam a experiência primária do ser no espaço, representando o simbolismo cosmológico da arquitetura.

2 “You aspire for beauty, for sensuousness, for atmosphere, the emotional response. That’s the realm of the ineffable and the immeasurable.”

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EPTC - Sabrina Campos Freitas Figura 39 - Teto do templo, com destaque para o óculo no topo e o encontro das 9 'pétalas'. Fonte: ©Hariri Pontarini Architects Figura Fonte: ©Hariri Pontarini Architects Figura 41 - Vista aérea da Ilha Cabral | Fonte: Google Earth. Intervenção em laranja feita pela autora.

Minha proposta

Diante da fundamentação apresentada, proponho um Centro de Espiritualidade, sem alusão à alguma religião em específico. As escolhas projetuais terão como enfoque a relação entre corpo, percepção e memória para expandir a experiência do espaço. A definição programática irá depender do aprofundamento do estudo, mas intenta-se a criação de um espaço de congregação e espaço externo flexível, que permita o desenvolvimento de atividades sociais de apoio à comunidade também.

Foi elencado como local de implantação a clareira que já está presente na Ilha [destaque em laranja na figura 41], para evitar maiores interferências na vegetação natural. As demais informações específicas do espaço serão desenvolvidas na etapa posterior do Trabalho de Conclusão.

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