O controle da informação na china

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO CURSO DE JORNALISMO

SABRINA STRACK

O CONTROLE DA INFORMAÇÃO NA CHINA: As controvérsias do caso Google e as limitações impostas aos correspondentes internacionais

SÃO LEOPOLDO 2013


Sabrina Strack

O CONTROLE DA INFORMAÇÃO NA CHINA: As controvérsias do caso Google e as limitações impostas aos correspondentes internacionais

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo, pelo Curso de Comunicação Social - Habilitação Jornalismo da Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS. Orientador: Prof. Dr. Bruno Lima Rocha Beaklini

São Leopoldo 2013


AGRADECIMENTOS Para que mais essa etapa da minha vida pudesse ser muito bem concluída e esse trabalho de conclusão nascesse nesse último um ano e meio, período do projeto de pesquisa e do TCC1 e 2, depois de leituras, pesquisas e entrevistas, algumas pessoas foram fundamentais. Primeiramente agradeço ao orientador dessa monografia, professor Dr. Bruno Lima Rocha, que acreditou e acredita nessa pesquisa e me incentivou a cada capítulo finalizado e a cada prazo vencido; ao coordenador do curso de jornalismo da Unisinos, Edelberto Behs, pelas conversas, emails trocados e por estar sempre disposto a revisar comigo o currículo e a sugerir disciplinas; aos meus pais, Senio e Elisa Strack, pelo constante apoio, amor incondicional e por estarem sempre ao meu lado, mesmo eu estando bem longe; ao meu irmão, Rômulo, pelos contínuos lembretes de que a vida segue normalmente fora do meio acadêmico, independente dessa loucura que é a pesquisa e o envolvimento para um TCC; à minha amiga desde sempre, Munique Schneider Lipp, pelas palavras de incentivo, pelos momentos de descontração, e por ter permanecido comigo, inclusive enquanto eu estava do outro lado do mundo, literalmente; a cada um do grupo de jovens por terem orado por esse trabalho e pela minha sabedoria no desenvolvimento da pesquisa, especialmente à querida Fernanda Baum, cuja dica ajudou, e muito, na escrita da conclusão dessa monografia. À Carolina Costa e Carla Rammé, amigas amadas, cujas conversas e conselhos, antes e durante o tempo de China me incentivaram a aceitar o desafio e a continuar buscando o melhor; às queridas Claudia Blos e Jussara Kischner, pessoas especiais que me acolheram em suas famílias e se tornaram a minha família na China, além de amigas preocupadas, prontas para uma tarde de compras no Walmart, sempre dispostas a conversar, com palavras carinhosas e conselhos, que me estimularam a não desistir dos meus objetivos e a seguir sempre firme. À minha família no Brasil, tios, tias, primos e primas, especialmente à tia Cristina, que de alguma forma sempre me apoiaram e estiveram ao meu lado nessa caminhada. À querida Mariana Zimmer, minha mais nova amiga, pelo apoio e ajuda durante todo o processo do TCC, principalmente na revisão final.


“Nada há, de fato, que se compare à nova vida que a contemplação de uma terra estranha descortina ao homem afeito à reflexão. Embora eu siga sendo sempre a mesma pessoa, creio ter mudado até os ossos”. Johann Wolfgang von Goethe


RESUMO Essa monografia analisa o governo chinês e a censura aplicada aos meios de comunicação, tratando especificamente do ocorrido com o site de buscas Google, e as normas para os correspondentes estrangeiros. Mesmo com a abertura econômica, a partir de 1978, e com um novo nome assumindo o poder, Deng Xiaoping, a China manteve e ainda mantém um rígido controle sobre a imprensa e os meios de comunicação. O Partido Comunista Chinês (PCC) tem o monopólio do poder político e exerce um extensivo controle sobre a mídia através de propriedades governamentais dos canais e da censura. Massivos recursos financeiros e humanos são investidos para manter o controle sobre as notícias. Tamanho controle é também aplicado aos jornalistas estrangeiros que trabalham na China. Todos os correspondentes precisam seguir as diretrizes impostas pelo Partido para terem sua permanência no país garantida. O PCC, com todos os cuidados na divulgação de informação, busca a construção da imagem positiva do país perante a sua população e os demais países, desenvolvendo consequentemente a lealdade das pessoas para com o Partido. Palavras-chave: República Popular da China. Censura. Internet. Google. Correspondentes Internacionais. PCC.


ABSTRACT This monography analyzes the Chinese government and the censorship applied to the media, dealing specifically with the situation that happened with Google in China, and the rules applied for the international correspondents. Even with the economic opening, as of 1978, and with a new name taking on the power, Deng Xiaoping, China kept and still keeps a rigid control over the press and the media. The Chinese Communist Party (CCP) has the political power monopoly and uses of an extensive control over the media through government ownership of channels and censorship. Massive financial and personnel resources are invested to maintain the control over the news. Such a huge control is also applied to the international journalists who work in China. All the correspondents must follow the guidelines imposed by the Party to guarantee their stay in the country. The CCP, with all the care on information released to the public, seeks a positive image construction of the country before its own people and other countries, developing hence, in their people, a loyalty with the Party. Keywords: People’s Republic of China. Censorship. Internet. Google. Foreign Correspondents. PCC.


SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................7 1.1 Apresentação: como cheguei ao tema ..............................................................7 1.2 Tema e objeto de pesquisa ................................................................................11 1.3 Objetivos da pesquisa .......................................................................................11 1.4 Relevância e perguntas de pesquisa ...............................................................13 1.5 Metodologia da pesquisa ..................................................................................13 1.6 Hipótese ..............................................................................................................14 2 JORNALISMO E PLURALISMO: RELAÇÕES ENTRE LIBERDADES POLÍTICAS, LIBERDADE DE EXPRESSÃO E CENSURA ......................................15 2.1 Liberdades Políticas ..........................................................................................20 2.2 Liberdade de Expressão ....................................................................................25 2.3 Censura ...............................................................................................................28 3 CENSURA NA CHINA ............................................................................................33 3.1 Era Deng Xiaoping..............................................................................................39 3.1.1 Zonas de Processamento de Exportação .........................................................43 3.1.2 Os protestos de 1989 ........................................................................................52 3.2 Correspondentes Estrangeiros .........................................................................60 4 CASO GOOGLE .....................................................................................................72 5 CONCLUSÃO .........................................................................................................86 REFERÊNCIAS ..........................................................................................................93 APÊNDICE A - ENTREVISTA ROSANA PINHEIRO-MACHADO .............................99 APÊNDICE B - ENTREVISTA FABIANO MAISONNAVE........................................101 APÊNDICE C - ENTREVISTA MICHAEL ANTI .......................................................103 APÊNDICE D - ENTREVISTA HE MENG ................................................................105 ANEXO A - AUTORIZAÇÕES DE ENTREVISTAS..................................................107


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1 INTRODUÇÃO 1.1 Apresentação: como cheguei ao tema A opção pelo recurso metodológico deste subcapítulo foi tomada em comum acordo com o professor orientador dessa monografia, seguindo sugestão deste, para poder expor a dimensão pessoal do trabalho, que geralmente permanece oculta. Também o fiz por opção interdisciplinar, já que um texto como este é referencial em trabalhos de sinólogos, em especial da antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, cujo livro ‘China, passado e presente: um guia para compreender a sociedade chinesa’, (PINHEIRO-MACHADO, 2013), traz capítulos semelhantes a esta parte inicial do TCC. Essa forma de registro se utiliza da memória individual para a construção de um relato da própria vivência. Esse recurso foi também utilizado e justificado por Pinheiro-Machado (2013, p. 20): […] uma compilação de sentimentos pessoais, impressões comerciais, experiências de vida e inferências científicas de personalidades destacadas em suas áreas e que possuem profundo conhecimento no tópico sobre o qual estão escrevendo. […] Os depoimentos […] mostram que não existe um olhar brasileiro sobre a China, mas múltiplas percepções vindas de fontes e experiências diversas.

Fundamental para a escolha do Jornalismo como profissão, ainda durante o Ensino Médio, foi a vontade sempre presente que tinha de questionar, espalhar a verdade, desvendar problemas, desenvolver nas pessoas o senso crítico para melhor avaliarem aquilo que está acontecendo ao seu redor, e acima de tudo, poder ajudar aqueles que não têm esse entendimento. Certo idealismo que resolvi deixar um pouco adormecido entre 2009 e 2011, os três anos em que vivi e trabalhei na República Popular da China. Tremenda experiência que me fez crescer como ser humano e profissional, assim como me fez abrir os olhos para culturas e comportamentos diferentes, além de buscar compreender e aceitar, embora não a apoiar, situações que, muitas vezes, são contrárias àquilo que busco e acredito. No início de 2009 fui pega de surpresa com a proposta de, através da empresa calçadista - Strada Shoe - em que trabalhava na época, desde 2006, passar a atuar na China. Aceitei, após um prazo de apenas algumas horas para pensar, me mudar sozinha para o país asiático, deixar para trás amigos, família, cachorros, e trancar a faculdade de jornalismo. Lá atuei seguindo o que já fazia no


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Brasil, porém com responsabilidades muito maiores, como supervisora financeira no departamento administrativo financeiro dos escritórios da empresa no sul do país, cidade de Dongguan, na província de Guangdong, assim como em Hong Kong, zona administrativa especial chinesa. Durante esse período convivi e geri uma equipe de colaboradores chineses, além de trabalhar com demais colegas chineses e brasileiros. Voltei ao Brasil, por opção, no início de 2012, para retomar o curso de jornalismo e me recolocar no mercado de trabalho, dessa vez, no campo da comunicação social. Nos anos vivendo fora do país, retornava ao Brasil a cada seis meses para férias de 15 dias. Aprendi ainda mais e vivenciei a República Popular da China, um país, que em muitas de suas esferas é avesso a grande parte dos valores que tenho como base de caráter e comportamento. Um país com um capitalismo selvagem sob ditadura autodenominada de ‘comunista’ como forma de governo, um país em que a imprensa e os meios de comunicação são controlados e de propriedade do Partido Comunista Chinês (PCC), onde as redes sociais e portais como YouTube e Facebook são permanentemente bloqueados. Além das simples tentativas, fracassadas, de acessar a cada manhã, antes de seguir com a rotina de trabalho, uma mesma página de notícias internacionais, para saber o que estava acontecendo fora dessa grande muralha chinesa. No terceiro dia consecutivo tentando acessar o mesmo portal, o aviso de fora do ar aparecia. Dois ou três dias depois, tudo voltava ao normal. Enfim, um país em que falar mal do governo e seguir uma religião que não sejam as permitidas, leva, entre outras punições, à cadeia. Um país onde as pessoas são ensinadas a obedecer, não a pensar, em que ir contra qualquer autoridade governamental é considerado comportamento subversivo e onde as mulheres são tratadas, na grande maioria das famílias, como meras geradoras de filhos, sem valor algum, hostilizadas se, por azar, parirem uma menina, já que a política do filho único impede uma nova tentativa para casais que não tenham condições de pagar a multa exigida pelo governo, caso decidam ter mais do que um filho. Para que o respeito viesse junto à posição de liderança que assumi na empresa, tive que, aos poucos, conquistar a confiança de todos, mas principalmente, dos homens chineses que a mim deviam submissão e mostrar que


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eu, laowai (estrangeira) e mulher, não estava ali para brincar e sabia o que estava fazendo. Assim como reconhecemos, mesmo não gostando, a existência de relações informais de tipo brasileiras (coloquialmente conhecidas como ‘jeitinho brasileiro’), existe também o guanxi o modo peculiar chinês, de viver, trabalhar, se divertir, negociar, tentar enrolar e tirar vantagem quando pode. Aprendi isso depois de mais ou menos uns trinta dias no país e de alguns momentos tensos e estressantes. “O país tem notoriamente uma máquina burocrática baseada nas relações pessoais. Autoridades locais e empresários estão unidos uns aos outros por um nó górdio e compartilham dos frutos lucrativos do desenvolvimento”. (PINHEIRO-MACHADO, 2011, p. 139-140). Conviver com essa realidade foi um desafio. Mesmo já tendo conhecimento sobre as restrições e regras vigentes no país, foi chocante perceber a forma como esse controle governamental, sobre todos os aspectos da sociedade, reflete na forma de ser, agir e pensar dos chineses. Aos poucos fui me acostumando com as reações, aprendi que esse comportamento é introduzido nos indivíduos desde a escola infantil, já com os conceitos confucionistas como “[…] a meritocracia, a etiqueta e o cerimonial, o auto-respeito, o amor filial. O protocolo ritual de veneração da hierarquia começava na família, estendendo-se ao governo […]. O culto a tradição é um aspecto crucial”. (PINHEIRO-MACHADO, 2013, p. 33). Essas tradições aplicadas aos símbolos e hierarquias do PCC, assim como a adoração e o respeito incontestável aos ideais do partido, são inseridos nas mentes de toda a população desde muito cedo. Diariamente, presenciei conversas entre meus colegas de trabalho chineses e brasileiros, em que os últimos tentavam fazer com que os primeiros mudassem ou apenas refletissem sobre determinado comportamento. Incentivos frequentes, quase que diários ao pensamento crítico e a reflexão sobre o motivo de agir de certa forma. Tentativas que, ao menos no referido local de trabalho e círculo de relações sociais, resultaram todas inúteis, mesmo que em grande parte das vezes, nem eles mesmos sabiam expor as razões de pensarem ou agirem da forma como o fazem, continuam e – ao que me pareceu - continuarão fazendo por um bom tempo. Como me relataram, tradições milenares formalizaram estas mentalidades, que, somadas ao instinto de sobrevivência e a possibilidade sempre concreta de punição por parte do


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Estado, resultam na causa mais plausível para este comportamento. Para PinheiroMachado (2013, p. 34), Após a morte de Confúcio até os dias atuais, diversos governantes manipularam a retórica confucionista para exercer o seu mandato, uma vez que se trata de um aparato intelectual conveniente para manter o status quo no momento em que cultua a hierarquia. […]. A história da China, portanto, é constituída por um movimento dialético, constante e milenar, entre a releitura de Confúcio e a sua negação.

Finalmente, após três anos trabalhando na China, decidi voltar ao Brasil para, principalmente, dar continuidade ao curso de Jornalismo. Decisão difícil e que me custou algumas noites em claro, pensando e avaliando o futuro que me aguardava no Brasil, se estava ou não tomando a decisão correta. Afinal, na China, mesmo com todas as suas deficiências e discrepâncias, eu tinha, além, é claro, do salário superior ao padrão brasileiro, entre outras coisas, a liberdade de andar sozinha até em casa, sem medo, em qualquer horário do dia ou da noite, depois de horas repletas de atividades no escritório, com o computador numa mão e a bolsa na outra. Retornei com experiências até então desconhecidas, muitas histórias pra contar, e com um questionamento principal, cuja resposta busco responder nesse trabalho de conclusão. Como é possível um país tão grande e aberto economicamente, ser fechado ao extremo em seu sistema político, nos costumes societários e nos ambientes comunicacionais (tanto os de ‘livre’ acesso, como a internet, como nos meios profissionais), sem ter expressiva oposição por parte significativa da sociedade chinesa? E como que na era da comunicação e das incertezas, aquilo que é transmitido pelo governo é aceito - ao menos aparentemente - e posto em prática de forma tão passiva? A partir dessas inquietações foi que decidi aprofundar nessa monografia, as formas de censura, controle da imprensa nacional e as restrições e normas para a imprensa estrangeira, utilizadas pelo PCC na República Popular da China, para conseguir, de forma eficaz, submeter a sociedade chinesa à todas as regras estabelecidas e manter uma imagem de poder também diante do restante do mundo. Além disso, concordo com Pinheiro-Machado (2013, p. 19), quando diz que,


11 O motivo pelo qual nós, brasileiros, devemos entender a China não é apenas porque precisamos conhecer nosso maior parceiro comercial. Essa é a razão pela qual despertamos nosso interesse. Mas a verdade é que precisamos compreender essa civilização simplesmente pelo fato de ela ser milenar. A humanidade é una e todos nós pertencemos a uma única raça: a humana. Por isso, a história daquele país é também a nossa história. Compreender a China é, em grande medida, compreender a nós mesmos e ao nosso passado e futuro enquanto humanidade.

1.2 Tema e objeto de pesquisa A pesquisa tem como tema central a censura aplicada às buscas realizadas através do buscador Google ao entrar na China em 2006, o que acarretou na decisão da empresa de sair do país em 2010. A prestação de serviço aos chineses passou a ocorrer a partir da sua sede em Hong Kong. Além disso, o trabalho irá abordar a regulamentação aplicada ao exercício profissional dos jornalistas brasileiros que atuam como correspondentes na República Popular da China. Dito isso, o objeto pesquisado foi o site de buscas do Google naquele país, com o enfoque na forma como a censura chinesa foi, durante o período em que os servidores estavam sediados dentro das fronteiras chinesas, e ainda é, mesmo instalado em Hong Kong, aplicada a esse veículo. Com um aprofundamento sobre a forma como o governo atua para controlar todo o conteúdo veiculado, não apenas através do Google, mas em todos os demais meios de comunicação, sejam eles nacionais ou internacionais, mesmo com a abertura econômica do país ocorrida a partir da década de 1970. 1.3 Objetivos da pesquisa O objetivo da pesquisa é, portanto, apresentar o funcionamento da censura chinesa e a forma como foi estruturada em relação, especificamente, ao Google, para com isso compreender como esse controle tem o intuito de construir positivamente a imagem do país perante os chineses e dos demais países. Quando expostas a situação e as regras aplicadas ao buscador, surgem as regulamentações e limites impostos aos correspondentes estrangeiros, jornalistas internacionais que trabalham na China. O Escritório de Propaganda Estrangeira do país tem como função básica a de supervisionar as atividades desses profissionais, gerir as notícias sobre a China e agir como ligação com a mídia estrangeira.


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O objetivo geral dessa pesquisa é apresentar a forma com que o governo chinês se utiliza da censura para controlar as informações veiculadas sobre o país através do Google e como esse comportamento interfere no fluxo informacional que influencia as atitudes da população. A construção da identidade do povo chinês através da imprensa e do que é por ela veiculado pode ser definida, conforme Delgado (2010, p. 73), Como um exercício de construção de identidade, para ser comunicada implica um processo que inclui emissores e receptores. No caso chinês, o principal emissor é o Governo Central, através da elite no poder. Por sua vez, os dois principais receptores são o próprio povo chinês e a comunidade internacional. 1 2

O processo de construção e veiculação da informação na China tem o intuito de manter seu povo sobre rígido controle e com os ideais compatíveis com os do governo, repassando também à imprensa e comunidades internacionais uma imagem de poder e modernidade. Este ressurgimento político e econômico tem sido acompanhado de uma estratégia midiática para comunicar ao mundo e aos seus próprios cidadãos uma mensagem clara: a China é hoje um país que experimenta uma modernização impagável que conduzirá irremediavelmente a colocar-lhe como potência mundial. 3 (DELGADO, 2010, p. 52).

A internet e toda a imprensa na China são controladas pelo governo através do Departamento Central de Propaganda, que regulamenta todos os meios de comunicação chineses, tendo como papel guiar os jornalistas em favor da segurança do Partido Comunista da China. (BRADY, 2006, apud LIM, 2011). Explicar esse organizado sistema de censura e como isso foi aplicado ao Google é o objetivo principal desse trabalho. Como objetivo específico, esse estudo abordará a forma de trabalho e a regulamentação para os jornalistas internacionais que exercem a profissão na China. Para esse controle, o Departamento Central possui uma filial, o Escritório de

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Obs.: Essa tradução de citação, assim como todas as demais da língua inglesa ou espanhola, de autores não brasileiros, foram tradução nossa. Original em espanhol: Como el ejercicio de construcción de identidades para ser comunicadas implica un proceso que incluye emisores y receptores. En el caso chino el principal emisor es el Gobierno Central, a través de la élite en el poder. A su vez, los dos principales receptores son el propio pueblo chino y la comunidad internacional. Original em espanhol: Este resurgimiento político y económico ha sido acompañado de una estrategia mediática para comunicar al mundo y a sus propios ciudadanos un claro mensaje: China es hoy un país que experimenta una modernización imparable que conducirá irremediablemente a colocarlo como potencia mundial.


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Propaganda Estrangeira, que tem como função básica a de supervisionar as atividades dos jornalistas internacionais, gerir as notícias sobre a China e agir como ligação com a mídia internacional. (BRADY, 2006, apud LIM, 2011). 1.4 Relevância e perguntas de pesquisa A presente monografia é relevante porque busca responder e analisar questões ainda pouco discutidas no Brasil e América Latina sobre o tipo de censura e controle da informação que acontece na China. Com o crescimento econômico chinês e a migração de empresas brasileiras para a China em busca de preços mais competitivos, as relações econômicas entre ambos os países vem se estreitando a cada ano. Por isso é importante compreender como são estruturados os processos de manipulação e censura deste país, e o papel que ocupa na formação da identidade da sua população e de como esse rígido controle também afeta o exercício da profissão de jornalistas estrangeiros, nesse caso, os brasileiros que lá trabalham. A partir dessa realidade, surgiram os questionamentos abaixo listados. A estrutura da censura chinesa e a forma como manipulam a veiculação das informações e dos resultados das buscas no Google interferem na formação da imagem positiva do país perante a própria sociedade e o restante do mundo? O modelo de negócios do Google, originário de um país (EUA) com amplo uso da internet pela população civil, tendo à frente o lema de levar informação a todos, sem restrição, demonstra total incompatibilidade com a forma chinesa de governar e controlar as informações circulantes? Os jornalistas internacionais que trabalham na China precisam adequar-se nas rotinas não jornalísticas para poderem trabalhar no país. De que forma é estruturado o trabalho desses profissionais e como são supervisionados e limitados pelo governo chinês? 1.5 Metodologia da pesquisa A metodologia escolhida para o trabalho abrange pesquisa bibliográfica, que conforme Martins e Lintz (2000, p. 29), “[…] procura explicar e discutir um tema ou um problema com base em referências teóricas publicadas em livros, revistas, periódicos, etc.” e estudo de caso, cujo objetivo, de acordo com os autores (2000, p.


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36), “[…] é o estudo de uma unidade que se analisa profunda e intensamente […] com o objetivo de compreendê-lo em seu próprio termo”. Para a pesquisa bibliográfica, foi utilizada bibliografia teórica, com intuito de teorização e conceituação do assunto escolhido; factual-jornalística, para a narrativa dos fatos estudados; e histórica, para um aprofundamento na história e cultura chinesas. Também foram feitas entrevistas em profundidade com uma sinóloga e antropóloga, assim como com correspondentes estrangeiros brasileiros que trabalharam na China e com jornalistas chineses com acesso a Internet, buscando “[…] obter informações, dados e opiniões mais relevantes por meio de conversação objetiva”. (MARTINS; LINTZ, 2000, p. 54). A pesquisa e o estudo de caso concentram-se na situação do Google na China, à censura aplicada ao buscador no período em que se instalou no país, em 2006, e os motivos que o levaram a encerrar as atividades, em 2010. Também haverá pesquisa bibliográfica e a inclusão de um recorte históricoestrutural da China contemporânea para ajudar a compreender as rotinas jornalísticas dos profissionais que trabalham no país e das barreiras e formas de censura a eles aplicadas. 1.6 Hipótese O pleno poder que o Partido Comunista Chinês (PCC) exerce sobre a comunicação social do país – em especial no processo de produção jornalística – reflete-se na manipulação das informações veiculadas pelos meios de comunicação, assim como no ato de barrar qualquer manifestação que vise o desenvolvimento interno de conceitos como a liberdade de expressão e de imprensa. O Partido mantém rígido controle sobre todas as informações veiculadas pela imprensa nacional e estrangeira. Essa situação, indo de encontro com a liberdade econômica proporcionada a empresas estrangeiras, acostumadas em seu país de origem com um modelo de negócio aberto política e economicamente, resulta num ambiente desagradável aos profissionais ocidentais e em questionamentos éticos sobre a permanência no país?


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2 JORNALISMO E PLURALISMO: RELAÇÕES ENTRE LIBERDADES POLÍTICAS, LIBERDADE DE EXPRESSÃO E CENSURA A Teoria Pluralista da Democracia de Robert Dahl, segundo Costa (2007), um de seus comentaristas no Brasil, articula a idéia de que os elementos que ajudam na formação do poder existem não apenas em um, mas nos vários grupos políticos presentes em uma sociedade. Esses são então cobrados e questionados pelos demais grupos, com ênfase nos representantes do alto empresariado e por outros setores interessados – ou mesmo individuais - que, de alguma forma, exercem o seu próprio poder e buscam interferir naquilo que é estabelecido pelo grupo principal. […] os recursos que contribuem para o poder estão distribuídos entre diferentes grupos. O poder é partilhado entre grupos governamentais e interesses externos que exercem pressão sobre eles. É uma abordagem que fornece uma descrição detalhada dos processos de decisão e de análise das influências individuais de grupos e/ou organizações sobre os processos políticos. (COSTA, 2007, p. 220).

O sistema democrático cuja escolha dos representantes é realizada por meio de votação popular, segundo a Teoria Pluralista de Dahl, é “[…] a melhor forma de legitimar o poder político”. (COSTA, 2007, p. 222). Para que essa legitimação ocorra, de acordo com o autor (2007, p. 222), “[…] é fundamental, numa sociedade pluralista, assegurar a mais ampla liberdade de organização”. Ou seja, um governo inteiramente democrático pode ser considerado como tal apenas quando sua escolha for realizada livremente e de forma organizada através da eleição por meio dos votos de toda uma comunidade, para que a partir de então sejam reconhecidos como seus representantes em todas as esferas políticas e públicas. Também implica no exercício dos direitos básicos das liberdades políticas além do voto: a de manifestação; expressão; opinião e organização. A idealização, porém, de que o povo seria capaz de efetivamente decidir, por meio dos seus representantes, aquilo que realmente deseja, é algo que “nunca poderá ser realizada”. (GAMA NETO, 2011, p. 28). Essa constatação ocorreu no período entre as grandes guerras mundiais, iniciando esta formulação no final do século XIX, através dos estudos de Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels. Esses trabalhos trazem a definição, segundo Gama Neto (2011, p. 28), de que “Qualquer que seja o tipo de regime político, sempre uma minoria de pessoas


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realmente governa, detendo o poder político efetivo. Nesse sentido, todas as formas de governo são sempre oligarquias”.1 Ou seja, em uma sociedade pluralista “[…] o Estado deve ser neutro, seu comportamento deve ser resultado das escolhas do eleitorado que, por meio do voto, tomam decisões políticas que podem não refletir a posição da maioria”. (GAMA NETO, 2011, p. 32). A disputa em torno dos recursos coletivos e das capacidades de tomada de decisão implicam em um aumento da circulação de idéias e posições. Assim, o jornalismo surge nos tempos modernos como um difusor de informação, que de acordo com a definição de Marcondes Filho (2000, p. 19), “[…] é algo diferente do capital, que pode ficar armazenado à espera de uma rentabilidade ou valorização na razão direta da demanda, ela é, ao invés disso, uma mercadoria altamente perecível, que deve ser consumida rápida e integralmente”. As atividades jornalísticas também são vistas como um processo de defesa dos direitos dos cidadãos, investigação dos movimentos políticos e seus líderes, assim como o acompanhamento de qualquer situação que envolva a sociedade como um todo e os deveres dos seus governantes. Conforme o autor (2000, p. 9), O jornalismo é a síntese do espírito moderno: a razão (a ‘verdade’, a transparência) impondo-se diante da tradição obscurantista, o questionamento de todas as autoridades, a crítica da política e a confiança irrestrita no progresso, no aperfeiçoamento contínuo da espécie.

Depois dessa primeira fase de “[…] discussões político-literárias aquecidas, emocionais, relativamente anárquicas” (MARCONDES FILHO, 2000, p. 13), começa a surgir o jornalismo como negócio, como uma nova forma de faturar, a notícia se transforma em mercadoria. A atividade jornalística, segundo o autor (2000, p. 13), “[…] começava agora a se constituir como grande empresa capitalista: todo o romantismo da primeira fase será substituído por uma máquina de produção de notícias e de lucros […]”. O segundo jornalismo, o do jornal como grande empresa capitalista, surge a partir da inovação tecnológica da metade do século 19 nos processos de produção do jornal. A transformação tecnológica irá exigir da empresa jornalística a capacidade financeira de auto-sustentação, pesados 1

Vale observar que tais constatações formalizaram-se no conceito amplamente aceito na literatura de ciência política como ‘Lei de Ferro das Oligarquias’, como se a tendência ao governo de minorias e por minorias fosse algo inevitável. Não concordamos com o conceito em termos absolutos, embora reconheçamos que em boa parte dos regimes existentes isso tende a ocorrer.


17 pagamentos periódicos para amortizar a modernização de suas máquinas; irá transformar uma atividade praticamente livre de pensar e de fazer política em uma operação que precisará vender muito para se autofinanciar. (MARCONDES FILHO, 2000, p. 13).

A partir daí, o jornalismo passa a buscar o lucro empresarial, além da acurácia das informações transmitidas e a constante desconfiança, tão peculiar ao profissional. Esse comportamento facilita, portanto, o encontro de idéias entre empresariado, políticos e jornalistas. Então, seja qual for a forma de governo de um povo, conforme Traquina (2003, p. 24), “Um objetivo primordial da luta política consiste em fazer concordar as suas necessidades de acontecimento com as dos profissionais do campo jornalístico”. O autor (2003, p. 24) coloca que “[…] a concretização desse propósito é relativamente simples nas sociedades com censura”, já que nessas sociedades, aquilo que os jornalistas noticiam vão ao encontro dos objetivos governamentais, cujos interesses são atendidos pelas informações liberadas propositalmente e autorizadas para veiculação nos meios. Se há uma ‘essência’ do jornalista, originária no pacto democrático (tanto de tradição iluminista como na comercial inglesa) definida pelas ideologias justificativas, como a noção de imprensa livre e o jornalismo como Quarto Poder, é de acordo com Elliott (1978, apud TRAQUINA, 2003, p. 28), […] o de um comunicador desinteressado que não só serve à opinião pública e constitui uma arma imprescindível em democracia contra a tirania insensível ou quaisquer eventuais abusos de poder, mas também que se sente comprometido com a verdade.

Nos países ocidentais com visão democrática, o jornalismo, conforme Sousa (2002, p. 58), […] existe para informar, comunicar utilmente, analisar, explicar, contextualizar, educar, formar, etc., mas também existe para tornar transparente os poderes, para vigiar e controlar os poderes de indivíduos, instituições ou organizações, mesmo que se tratem de poderes legítimos, manifestados no sistema social.

Entretanto, o autor salienta que em determinados momentos de coberturas jornalísticas e construção da notícia, “[…] a idéia que fica é que a situação inversa é dominante, isto é, os poderes controlariam e influenciariam mais os meios jornalísticos do que o contrário”. (SOUSA, 2002, p. 58).


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Já em sociedades com censura, o papel do jornalismo como Quarto Poder se torna falho, pois tudo aquilo que o profissional acessa foi articulado previamente para veiculação de determinada maneira, para atender interesses individuais e governamentais. É possível então sustentar a importância que o jornalismo tem para uma sociedade, tamanha a preocupação dos governantes sobre a atuação desses profissionais. Conforme Traquina (2003, p. 46), “[…] torna-se insustentável negar o papel ativo que os jornalistas exercem na construção da realidade social”. Essa realidade se reflete perfeitamente nas teorias de ação política, em que de acordo com o autor (2003, p. 80-81), […] os mídia noticiosos são vistos de uma forma instrumentalista, isto é, servem objetivamente a certos interesses políticos: na versão de esquerda, os mídia noticiosos são vistos como instrumentos que ajudam a manter o sistema capitalista; na versão de direita, servem como instrumentos que põem em causa o capitalismo. Seja de esquerda ou de direita, estas teorias defendem a posição de que as notícias são distorções sistemáticas que servem aos interesses políticos de certos agentes sociais bem específicos, que utilizam as notícias na projeção da sua visão do mundo, da sociedade, etc.

Este ‘jornalismo’ 2 que, sob censura explícita ou prévia, deve sujeitar-se ao controle do Estado é chamado, segundo Sousa (2002, p. 29), de “Modelo Autoritário de jornalismo”, reconhecido quando O jornalismo não pode ser usado para promover mudanças, para criticar o governo, os governantes e o estado ou para minar as relações de poder e soberania. Assim, o jornalismo aparece subordinado aos interesses de uma classe dominante, aquela que governa o país, funcionando de cima para baixo: é o poder autoritário que decide, através dos organismos de censura e outros, o que deve e não deve e o que pode e não pode ser publicado. […] A estandardização e o consenso tornam-se, assim, metas do poder estatal adaptadas pelos meios jornalísticos. Os correspondentes estrangeiros são, deste modo, frequentemente vistos como uma ameaça. (SOUSA, 2002, p. 29).

Além do modelo autoritário, o autor acima citado classifica ainda outro modelo aplicável em países cujos governos possuem uma concepção comunista do jornalismo, como a República Popular da China, o Modelo Comunista de Jornalismo. Esse conceito aborda definições e orientações para a imprensa, assim como a formatação das notícias nesse país, cujo Estado, segundo Sousa (2002, p. 31),

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Por definição normativa nossa.


19 […] domina a imprensa e, normalmente, é igualmente o proprietário monopolista dos meios de comunicação. […]. A procura da ‘verdade’, um valor caro no Ocidente, torna-se, irrelevante se não contribuir para a construção do comunismo. A imprensa orienta-se, desta forma, por dois princípios: (1) há coisas que não se podem publicar; e (2) há coisas que se têm de publicar. Para a definição de notícia contribui uma outra categoria: deve ser informação que sirva aos interesses e objetivos do estado socialista e do partido comunista, o único partido consentido.

Mas, para além do controle dos processos de produção, emissão e circulação dos produtos noticiosos, com ou sem censura, através de distintas formas de controle, a notícia se dá quando impacta e toma outros significados com e entre os públicos. Nesse momento, faz-se necessária uma clara diferenciação entre notícia e verdade, já que a primeira não deve ser vista como consequência da seguinte. Conforme Lippmann (2008, p. 304), “A função das notícias é sinalizar um evento, a função da verdade é trazer luz aos fatos escondidos, pô-los em relação um com o outro e fazer uma imagem da realidade com base na qual os homens possam atuar”. As notícias, para Traquina (2003, p. 94), “[…] são o resultado de um processo de produção, definido como a percepção, seleção e transformação de uma matériaprima (principalmente os acontecimentos) num produto (as notícias)”. Em relação à construção efetiva da notícia, vários fatores se entrelaçam até que a informação chegue ao público alvo. Ainda segundo o autor (2003, p. 117), Para a teoria etnoconstrucionista (e a teoria estruturalista), as notícias são o resultado de processos de interação social não só entre jornalistas e as fontes, mas também entre os próprios jornalistas, vistos como membros de uma comunidade profissional.

Em determinadas situações a mensagem transmitida difere daquilo que é a realidade para grande parcela de receptores. (SOUSA, 2002). Conforme o autor (2002, p. 40), […] isso acontece menos ou tanto devido às pessoas que processam as notícias e mais ou tanto a fatores que, de certa forma, escapam ao controle dessas pessoas, como as organizações, o meio social e comunitário e as culturas e ideologias em que os jornalistas trabalham.

Ou seja, “[…] as notícias possuem sempre a marca da ação pessoal de quem as produz, embora temperada por outras forças conformadoras”. (SOUSA, 2002, p. 45). O jornalista irá, então, trabalhar dependendo das particularidades de cada fato ou situação cuja cobertura fará. Particularidades que, segundo o autor (2002, p. 53),


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“[…] remetem-nos para organizações e, por conseguinte, para uma ação sócioorganizacional de conformação da notícia”. Aquilo que torna uma mensagem ou um acontecimento noticiável, a noticiabilidade, é uma qualidade que, segundo me parece, encontra explicação na conjunção de vários fatores conformativos principais: a ação pessoal, ação social, a ação ideológica e ação cultural. Dentro destas forças, existirão, […], uma série de critérios que são empregues por jornalistas e outros potenciais participantes no processo produtivo de informação de atualidade para avaliar o que tem valor como notícia. (SOUSA, 2002, p. 95).

Além desses, outro ponto também interfere nos critérios de noticiabilidade de um fato. O governo de um Estado pode ditar, direta ou indiretamente, aquilo que um meio de comunicação deve veicular para seus receptores. Consegue com isso, manter determinada ordem, de acordo com os objetivos anteriormente planejados. Devido a sua transcendental importância prática, nenhum líder bemsucedido jamais esteve tão ocupado em cultivar os símbolos que organizam seus seguidores. O que o privilégio faz dentro da hierarquia, os símbolos fazem aos liderados. Eles conservam a unidade. Do totem à bandeira nacional, do ídolo de madeira ao Deus, o Invisível Rei, da palavra mágica a alguma versão adulterada de Adam Smith ou Bentham, símbolos têm sido apreciados pelos líderes, muitos dos quais foram eles próprios descrentes, porque eram pontos focais onde as diferenças se fundiam. (LIPPMANN, 2008, p. 208).

É possível, portanto, afirmar que os líderes políticos estão se conscientizando sobre o poder de informações noticiadas, cuja disseminação ajuda na formação da opinião dos indivíduos, seus liderados. A partir de então, surgem dúvidas e posicionamentos a respeito de qual seria o limite dessa interferência dos poderes dos agentes políticos à frente de governos ou de regimes sobre o processo de produção jornalística. 2.1 Liberdades Políticas O governo, para Rousseau (1954, apud NASCIMENTO, 1993, v.1, p. 230), “É um corpo intermediário estabelecido entre os súditos e o soberano para sua mútua correspondência, encarregado da execução das leis e da manutenção da liberdade, tanto civil como política”. De acordo com Gama Neto (2011, p. 31), “Não existem critérios ou linhas demarcartórias claras que determinem quais liberdades ou direitos políticos devem ser incluídos dentro do conceito de democracia”. Num sistema de


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governo democrático, para que existam liberdades políticas, segundo o autor (2011, p. 32), “[…] além de um sistema legal, necessitam que os indivíduos tenham atitudes compatíveis com um regime democrático”. Dessa forma, as liberdades políticas devem ser consentidas livremente pela sociedade aos seus governantes. Conforme Locke (1966 apud MELLO, 1993, v.1, p. 106), […] Nenhum governo pode ter direito à obediência de um povo que não a consentiu livremente (o que não se pode nunca supor que façam até que se encontrem em condições de inteira liberdade para escolher governo e governantes, ou pelo menos até que tenham tais leis promulgadas a que por si ou por intermédio de representantes deram seu livre assentimento, bem como até que lhes permitam a propriedade devida, que importa em ser de tal maneira proprietário do que lhes pertence que ninguém os possa privar de qualquer parte sem seu próprio consentimento, e, se assim não for, os homens sob qualquer governo não estarão no estado de homens livres, mas serão escravos diretos sob a força da guerra).

O fator que proporciona sustentação a democracia é, segundo Gama Neto (2011), a tolerância. Tendo eleito seus representantes, o povo deve, portanto, tolerar suas decisões, liberdades e possíveis falhas, visando, assim, atingir o objetivo pelo qual foram escolhidos. De acordo com o autor (2011, p. 32), É o aumento da tolerância política que vai propiciar o aumento das liberdades políticas que, incorporadas aos sistemas legais, transformam-se em direitos civis. […] que cria a possibilidade de proteção contra governos autoritários e permite a busca de novos direitos.

Tolerar significa “1. Ser indulgente para com. 2. Consentir tacitamente”. (TOLERAR…, 1993, p. 537). Diferente de obedecer, que significa “1. Sujeitar-se à vontade de outrem. 2. Estar sujeito. 3. Não resistir; ceder. 4. Cumprir, executar”. (OBEDECER…, 1993, p. 387). Então, “Se, pois, o povo promete simplesmente obedecer, ele se dissolve por esse ato, perde sua qualidade de povo - desde que há um senhor, não há mais soberano e, a partir de então, destrói-se o corpo político”. (ROUSSEAU, 1954, apud NASCIMENTO, 1993, v.1, p. 226). Dessa forma, […] só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado de acordo com a finalidade de sua instituição que é o bem comum. Pois, se a oposição dos interesses particulares tornou necessário o estabelecimento das sociedades, foi o acordo desses mesmos interesses que o possibilitou. É o que existe de comum a esses vários interesses que forma o vínculo social e, se não houvesse um ponto em que todos os interesses concordassem, nenhuma sociedade poderia existir. (ROUSSEAU, 1954 apud NASCIMENTO, 1993, v.1, p. 226).


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A forma com que o governo chinês atua difere desses conceitos de liberdades políticas conhecidas nos países ocidentais. Na China, o mercado econômico se abriu para grandes empresas estrangeiras, a partir de 1978 3, mas o controle sobre as transações financeiras, investimentos estrangeiros e estabelecimento de empresas ou iniciativas não-comerciais de comunicação social, permanece nas mãos do poder político do Partido Comunista Chinês (PCC), que tem a condição de interferir sobre as transações de qualquer natureza. Mas, conforme PinheiroMachado (2013, p. 240), Não é possível entender a China de hoje sem ter bastante claro o fato de que a presença estatal em diversas esferas não é um fato exclusivo do PCC, mas o PCC é fruto de um sistema milenar que não diz respeito apenas à organização social, mas à organização da mentalidade.

O que então acontece na China é que o PCC age visando manter os cidadãos convivendo de forma pacífica e unida. Para que essa estratégia funcione, o Partido trabalha e desenvolve o conceito de ‘sociedade harmoniosa’. Conforme Trevaskes (2012, p. 69-70), ‘Sociedade harmoniosa’ foi formulada para lidar de frente com o dramático aumento nas tensões sociais desencadeadas pelo inédito e desigual desenvolvimento econômico da China. Até meados de 2007, ano anterior as Olimpíadas de Pequim, a estratégia de 'sociedade harmoniosa' geralmente favorecia uma sutil aproximação as questões sociais, com o objetivo de garantir maior estabilidade social e harmonia pública e apresentar uma cara mais humana e acolhedora para o mundo exterior. 4

Para Bueno (2012, p. 132), “O modelo chinês […] desafia a compreensão ocidental pela sua capacidade de adaptar-se ao mercado mundial defendendo, contudo, uma intervenção severa do Estado em certos setores”. De acordo com Trevaskes (2012, p. 64), “A retórica política é muitas vezes usada para racionalizar as medidas de controle social, tais como operações de policiamento e regulamentações concebidas para moldar e manipular a conduta social”.5

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A abertura econômica chinesa será abordada de forma aprofundada e detalhada a partir do capítulo de número 3, intitulado Censura na China. Original em inglês: ‘Harmonious society’ was formulated to deal head-on with the dramatic rise in the social tensions triggered by China’s unprecedented and uneven economic development. Up until about 2007, the year prior to the Beijing olympics, the ‘harmonious society’ strategy generally favoured a kid-glove approach to social issues, aiming to ensure greater social stability and public harmony and to present a more humane and welcoming face to the outside world. Original em inglês: Political rhetoric is often used to rationalize measures of social control, such as policing operations and regulations designed to modulate and manipulate social conduct.


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Manter os subordinados ao governo central unidos e com ideais coerentes na China é, de certa forma, fundamental para que os trabalhos continuem e os objetivos maiores sejam alcançados através do PCC. Nada que possa intervir nessa liberdade de ação entre os detentores do poder de decisão terá permissão de penetrar livremente na sociedade, sem antes passar pelo rigoroso controle estatal. Para Tocqueville (1961 apud QUIRINO, 1989, v.2, p. 168), […] a centralização administrativa serve somente para enfraquecer os povos que a ela se submetem, pois ela tende, constantemente, a diminuir entre eles o espírito de cidadania. É verdade que a centralização administrativa consegue reunir em determinada época e em um dado lugar todas as forças disponíveis da nação, mas impede a reprodução destas forças. Ela faz a nação triunfar no dia do combate e diminui seu poder com o passar do tempo. Ela pode, portanto, contribuir admiravelmente para a grandeza efêmera de um homem, mas de forma alguma para a prosperidade permanente de um povo.

O modelo político chinês, de forma concomitante, abriu sua economia para grandes empresas e empreendedores do próprio país e fortaleceu o desenvolvimento de rígidos procedimentos para a manutenção do controle do partido único. Conforme Pinheiro-Machado (2011, p. 81), “Em apenas trinta anos, libera-se tudo completamente, mas o governo continua a dizer volatilmente o que é certo e o que é errado por meio da propaganda oficial”. E com as facilidades proporcionadas pelos serviços on-line e acesso agilizado à informação, a permanência no poder depende, a cada dia, da forma como são tratados os dados veiculados e obtidos através da Internet, sejam através dos meios de comunicação ou de simples conversas e troca de emails entre civis. Para Lage (1998, p. 226), “Volume e velocidade de fluxo das informações tornam evidente a prioridade dos discursos como instrumento das relações de poder”. O cuidado com a quantidade de notícias e a frequência com que essas informações circulam na rede, cientes de que tudo pode chegar aos olhos de todos em pouquíssimo tempo, reflete a modernização do Partido também em relação às novas tecnologias. Além da censura virtual, o contato pessoal, entre políticos e cidadãos que escrevam sobre assuntos sensíveis são constantes, sempre visando a manutenção da ordem. Conforme Trevaskes (2012, p. 77), A utilização da Internet por ativistas, incluindo sites bloqueados como o Twitter, enervou o governo, e não é incomum que proeminentes ativistas de


24 direitos sejam 'convidados a beber chá’, ou seja, para participar de uma reunião obrigatória com agentes de segurança para explicar postagens no Twitter ou outras atividades enquanto bebem um aparentemente inocente copo de chá.6

O jornalista chinês Michael Anti (2013) confirmou essa postura governamental durante entrevista para a autora. Anti teve seu blog deletado pela Microsoft a pedido do governo chinês em 2005 e ao ser questionado se além do incidente com o blog, já ocorreram outras situações, disse que muitas vezes ele mesmo e outros colegas foram convidados para beberem chá com algum político, exatamente para que conseguissem sondar sobre o que estão ou não escrevendo. “Eu sempre enfrento problemas. Por exemplo, sua mídia social é congelada, deletada, e também, existem lugares onde eles (pessoas do governo) procuram por você para beber um chá, é muito comum, com qualquer dos meus amigos”.7 (Michael Anti, jornalista chinês, 2013). Além dessa falta de liberdade para atuar, o jornalista também mencionou o que poderia acontecer com ele caso resolvesse escrever sobre assuntos sensíveis como Dalai Lama e o Tibete, além de destacar as diferentes consequências que um correspondente estrangeiro sofreria ao tentar escrever sobre o mesmo assunto. “É muito perigoso para mim, basicamente eu não escrevo artigos sobre os assuntos em debate, eu não toco no assunto. Se eu decidisse escrever sobre, eu perderia a capacidade de escrever artigos para a mídia chinesa, de conseguir sobreviver como um freelancer. Porque aqui, agora, eu posso escrever artigos sobre economia para a mídia chinesa. Mas escrever sobre coisas sensíveis, como Tibete, eu não acho que teria a chance de continuar escrevendo para a mídia chinesa. É mais seguro (para os jornalistas estrangeiros) do que para os chineses, obviamente, mas tivemos uma situação que um correspondente estrangeiro escreveu sobre o Tibete, o visto foi negado e foi rapidamente mandado embora da China, então, mesmo para os jornalistas estrangeiros, o debate é também

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Original em inglês: Use of the Internet, including blocked websites like Twitter, by activists has unnerved the government, and it is not unusual for prominent rights activists to be ‘invited to drink tea’, that is, to attend a compulsory meeting with security officers to explain postings on Twitter or other activities over a seemingly innocent cup of tea. Original em inglês: I always have problem. For example, your social media was frozen, deleted, and also, places where they are looking for you to have a tea with you, very common, with any of my friends.


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muito perigoso, pode custar o visto. Problema com visto é muito sério".8 (Michael Anti, jornalista chinês, 2013). 2.2 Liberdade de Expressão O indivíduo normalmente se expressa a respeito de determinado assunto a partir do momento em que possui uma opinião formada ou em formação sobre o mesmo. E essa formação da opinião se origina em dados e informações coletados no ambiente em que vive, nos relacionamentos interpessoais, assim como com os formadores de opinião, como políticos, comunicadores, empresários, etc. Conforme Lippmann (2008, p. 83), Inevitavelmente nossas opiniões cobrem um largo espectro, um longo período de tempo, um número maior de coisas que podemos diretamente observar. Elas têm, portanto, que ser formadas de pedaços juntados do que outros nos relataram e do que podemos imaginar.

As opiniões, portanto, estão diretamente relacionadas ao nível de liberdade de expressão que uma sociedade usufrui. Quando não existe a possibilidade de demonstrar a própria visão para os outros, seja por meio de pequenos jornais, e panfletos, seja através de um blog ou email, devido ao controle governamental, a falta de liberdade de expressão torna-se um ciclo em que os indivíduos se transformam em uma massa sem opinião formada a respeito de nenhum assunto vital para o desenvolvimento e consequente evolução do próprio meio em que vivem. Sem um pensamento mais aprofundado sobre fatos e comportamentos, a opinião que uma sociedade adota é aquela passada pelos seus governantes, tidos como entendedores de assuntos variados, cujas visões são absorvidas e disseminadas como únicas e verdadeiras. É somente quando temos o hábito de reconhecer nossas opiniões como uma experiência parcial vista através de nossos estereótipos que nos tornamos verdadeiramente tolerantes de um oponente. Sem aquele hábito, acreditamos no absolutismo de nossa visão, e consequentemente no caráter traiçoeiro de toda a oposição. (LIPPMANN, 2008, p. 120-121).

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Original em inglês: Is very dangerous for me, basically I did not write the issues about the debated, I did not touch the issue. If I decided to write about it I would lose the ability to write articles for chinese media, to make a living as a freelancer. Because here, now, I can write articles about the economics for the chinese media. But writing about sensitive things, like Tibet, I do not think I would have the chance to continue writing for the chinese media. Is safer than the chinese journalist (for the foreign journalist), of course, but we had a situation that a correspondent, a foreign correspondent write about Tibet, their visa was denied and quickly kick out from China, so even for the foreign journalist, the debate is also very dangerous issue, may cost their visa. Visa issue is very serious.


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Assim, toda a quantidade de informação despejada para ser absorvida pelos indivíduos, pode a partir de então, tomar formas diversas, formas que dependem das experiências anteriores de cada cidadão. O fundamental aqui é descobrir, segundo Lippmann (2008), de que forma uma única idéia, diante de tantas outras, se fixa na mente de uma pessoa. É plantado lá por outro ser humano que nós reconhecemos como peremptório. Se for plantado profundo o suficiente, pode ser que mais tarde possamos chamar aquele que abana aquele símbolo a nós de peremptório. Mas no início os símbolos são feitos congênitos e importantes porque são apresentados a nós por pessoas congênitas e importantes. (LIPPMANN, 2008, p. 198).

Mesmo tomando formas independentes, a manutenção de uma única opinião dentro de um mesmo grupo de indivíduos, principalmente em sociedades que não possuem liberdade total de expressão, resulta na realidade de que cada cidadão busca concordar com o todo e não discutir questões que julgue serem contraditórias, por recear que determinada forma de pensar esteja errada, ou ainda, temer perseguições e perda de visibilidade perante seus pares. Tal comportamento reflete a teoria da espiral do silêncio, de 1973, proposta pela socióloga alemã Elisabeth Noelle-Neumann (SOUSA, 2002). A constatação pressupõe que, conforme o autor (2002, p. 170), “[…] as pessoas temem o isolamento, buscam a integração social e gostam de ser populares; por isso, as pessoas têm de permanecer atentas às opiniões e aos comportamentos maioritários e procuram expressar-se dentro dos parâmetros da maioria”. Para Lage (1998, p. 209), Gente procura manter opiniões coerentes com as do grupo a que pertence, selecionando informações das mensagens (ou as próprias mensagens) a que se expõe; assim, dá atenção àquilo com o que previamente concorda e se priva do que a desagrada. […] a preservação das mesmas atitudes básicas é fonte de satisfação, serve para evitar e minimizar conflitos e desacordos com amigos, parentes ou colegas, preservando a identidade e auto-estima. É instrumento, assim, de garantia do sentimento de segurança individual.

Estratégias e processos que hoje se refletem na China, onde já se tornou normal, em especial nos cidadãos comuns, que não chegariam a dar-se conta da manipulação reiterada. O Estado define, de forma implícita, aquilo sobre o que as pessoas podem se manifestar.


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“Se a notícia se refere a algo distante deles (dos chineses) eles não têm capacidade de identificar o que é verdade, então eles tendem a acreditar que o que a agência oficial de notícias Xinhua disse é certo. Por exemplo, quando reportam sobre os Estados Unidos, eles não têm nenhum recurso para identificar se é ou não verdade, então eles acreditam, os leitores chineses, tendem a acreditar na mídia oficial, como a Xinhua e a CCTV”.9 (Michael Anti, jornalista chinês, 2013). Os dados divulgados, de qualquer natureza, tomam formas distintas dependendo de quem os organiza e dos interesses envolvidos nessa disposição. Conforme exposto por Lage (1998, p. 400), Informações precisam articular-se em sistemas, versões e teorias, que são suas vias de acesso; o que está em jogo é a pluralidade e a ideologia desses sistemas, que vão dos palácios, academias e fábricas até as redações dos jornais e os estúdio do show business. A quem, afinal, eles servem e o quanto estão conformes ou contrários às expectativas geradas pela História.

Mesmo depois de ter aberto a economia para investimentos internacionais, o controle que o governo chinês exerce sob a população e seus atos continua muito grande. Existe um tremendo cuidado a respeito do que é transmitido para a massa receptora chinesa, para que, assim, possam se expressar a respeito de determinado assunto, e difundir, através de opiniões ditas pessoais, aquilo que o próprio Estado já pré-definiu. […] a China passa por um período ainda considerado transitório, imparcial, incompleto na direção de uma economia de mercado. Há a coexistência de elementos da política socialista em pleno sistema capitalista, uma vez que o Estado tem grande controle não apenas sobre os indivíduos e suas ações, mas sobre os negócios, as terras e os lucros, inclusive privados. (PINHEIRO-MACHADO, 2011, p. 97).

O processo de controle da opinião pública e consequente falta de liberdade de expressão no país reflete no comportamento individual da população, que por não possuir o poder de se posicionar publicamente a respeito de seja qual for o assunto ou situação, perdem, de certa forma, a própria identidade. De acordo com Lage (1998, p. 379), “A ausência de vozes críticas é um sinal dramático de crise da inteligência”, pois a atitude de seguir o que lhes foi transmitido se torna mais fácil 9

Original em inglês: If the news is far away from them (chinese) they have no capacity to identify which is true, so they tend to believe what the Xinhua agency said is right. For example, when they report about America, they do not have any resources to identify which is true or not, so they tend, chinese people, readers, tend to believe chinese official media, like Xinhua agency and CCTV.


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com o passar do tempo. O fato de não precisar refletir e duvidar de determinada informação evita que os cidadãos, com certo grau de esclarecimento, tenham a intenção e a vontade de exigir explicações caso algum dado ou informação não estejam claras. Esta ausência de vozes pode ser contrabalançada, mesmo que de forma indireta, como no caso chinês. “Eu acho que as mídias sociais e a internet estão realmente ajudando os cidadãos chineses a entenderem o valor da liberdade de expressão e a abraçar isso, as pessoas estão cada vez mais perto de pensar que a liberdade de expressão é uma coisa boa, é muito bom para os chineses. Então, essa mudança já foi iniciada e é feita pela internet”.10 (Michael Anti, jornalista chinês, 2013). 2.3 Censura De acordo com Rousseau (1954, apud NASCIMENTO, 1993, v.1, p. 237), “A censura mantém os costumes, impedindo que as opiniões se corrompam, conservando a sua retidão por meio de aplicações sábias e até, algumas vezes, fixando-os, quando ainda se mostram incertos”. Nos tempos modernos, para que essa manutenção de costumes ocorra, é inevitável num Estado controlado, a atuação do governo sobre os meios de comunicação, com veiculações que influenciam as visões de mundo dos seus receptores. Traquina (2003, p. 187) define os meios que transmitem informações e notícias como um “Quarto Poder, que guarda os cidadãos dos eventuais abusos de poder por parte dos governantes”. Os mídia noticiosos foram e são definidos como um Quarto Poder. O termo foi forjado por um inglês em 1828, numa altura em que os primeiros teóricos de um novo sistema de governação chamado democracia argumentavam que os mídia noticiosos (nessa altura histórica apenas a imprensa) teriam um papel fundamental e dual. (TRAQUINA, 2003, p. 189).

Em sociedades com censura prévia (oficial-estatal), essa definição de jornalismo como Quarto Poder, cujo objetivo seria o de esclarecer o povo (pela tradição iluminista) e evitar que o poder político se beneficie de forma ilícita de informações veiculadas (a condição vigilante, oriunda da tradição liberal), não existe. De acordo com Sousa (2002, p. 122), “[…] os meios jornalísticos são o principal 10

Original em inglês: I think the social media and the internet is really helping the chinese citizens understand the value of the freedom of speech and embrace them, people are more and more likely to think that freedom of speech is a good, is very good for chinese people. So this change already made and it is made by the internet.


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veículo de comunicação pública através dos quais a estrutura de poder se comunica com a sociedade”. Assim, é perceptível que nesses países, a definição de Quarto Poder pode ser considerada como uma extensão do poder nas mãos do próprio Estado, operado e mimetizado por um regime coercitivo. Dessa forma, a censura já nasce inseparavelmente ligada as notícias e informações transmitidas aos cidadãos. Concordando com o autor acima citado, Traquina (2003, p. 188) constata que “Nenhuma democracia sobreviveu sem uma imprensa livre. Nenhuma ditadura pode permitir a existência de uma imprensa livre”. E para Lage (1998, p. 307), “O objetivo do controle de opinião pública é preservar ou instaurar estado de coisas em benefício de um sistema de poder”, ou seja, é de fundamental importância, para a manutenção de apenas um poder central, o controle e a manipulação das informações que chegam, principalmente através dos meios de comunicação, à sociedade, que é então, influenciada e controlada, de forma involuntária e inconsciente. Dialogando com Lage, Sousa (2002, p. 119) pontua que “As notícias, ao surgirem no tecido social por ação dos meios jornalísticos, participam na realidade social existente, configuram referentes coletivos e geram determinados processos modificadores dessa mesma realidade”. Para fazer com que as massas permaneçam sob controle por meio das informações veiculadas pela mídia, os governos se utilizam, além da censura prévia e constante, de símbolos que mantenham o pensamento dos indivíduos voltado para o todo, assim como para o bem maior à nação. A vontade individual é incentivada a ser deixada de lado para que a preocupação da massa pela massa tome uma proporção maior e mais importante. A partir do momento que um cidadão não se preocupa e busca soluções para os seus próprios problemas, ele não verá com nitidez as manipulações e suas críticas não serão contundentes ao ponto de fazê-lo raciocinar sobre as atitudes governamentais a respeito de problemas já existentes na sociedade da qual ele mesmo faz parte. Ao enxergar-se como parte de um grupo, buscará soluções simples para problemas cujas consequências afetam também o todo. Essas estratégias ocorrem, conforme Lippmann (2008, p. 211), […] onde as massas de pessoas precisam cooperar num ambiente incerto e eruptivo, é usualmente necessário assegurar a unidade e a flexibilidade sem consentimento real. O símbolo faz isso. Ele obscurece a intenção pessoal,


30 neutraliza a discriminação, e ofusca o propósito individual. Ele imobiliza a personalidade, enquanto ao mesmo tempo focaliza enormemente a intenção do grupo e unifica aquele grupo, como nenhuma outra coisa numa crise que pode unificá-lo, à ação com propósito. Ele torna a massa móvel, muito embora imobilize a personalidade.

O controle da opinião pública que é praticado principalmente através da censura aos meios de comunicação e as informações veiculadas pelos meios, e também àquelas que circulam entre os próprios indivíduos, se traduz em um processo composto por diversos elementos que tentam determinar a personalidade de cada cidadão. Para Lage (1998, p. 102-103), “É comum projetos de controle de opinião pública envolverem a censura de certas notícias, a produção de notícias falsas ou a deturpação fatual de notícias”. Ainda, de acordo com o autor (1998, p. 21), “Ficará evidente que todo enunciado organiza os fatos de dada forma, isto é, impõe uma compreensão do mundo, e que o controle de opinião é, assim, inevitável toda vez que se instaura uma relação de poder ou credibilidade”. Ou seja, estratégias são pensadas e colocadas em prática para que consigam limitar o pensar e o agir de toda uma sociedade. Ao contrário do que pensam, em geral, acadêmicos e outros ingênuos, não é a televisão (como antes não foram o rádio, o cinema, os jornais, os livros impressos) que engendra o controle de comportamentos, sentimentos e idéias socialmente expressáveis, mas estrutura complexa, contraditória, movida pelo instinto de sobrevivência dos grupos que detêm o poder. (LAGE, 1998, p. 16).

Não se pode relevar e nem esquecer, ou ainda, conforme Lage (1998), supor de forma ingênua, que a censura, na China, acontece apenas para controle e manipulação das grandes massas. Todo o processo se reflete também em uma disputa de interesses entre líderes do próprio PCC, que impõe as vontades e exigências aos diretores e fundadores de grandes corporações, tanto nacionais quanto internacionais, cuja atuação visa o lucro através das exportações de mercadorias, assim como venda para o mercado interno. Se o controle dentro de empresas comuns acontece, a censura e a imposição de normas são muito mais extremas para aqueles que dirigem uma empresa jornalística. O jornalismo é feito para impressionar a população a respeito das realizações governamentais, divulgação que somente é possível com o rígido controle do PCC dentro das redações, assim como a partir de relacionamentos


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pessoais entre políticos e donos dessas empresas. De acordo com Rocha (2003, p. 102), A produção do consentimento se dá também através do domínio dos meios que produzem grande parte da informação que circula e dos bens simbólicos. […] Ainda que não seja a causa única para todas as questões de censura e manipulação jornalística, o domínio e a crescente concentração dos meios de comunicação é essencial para o controle da opinião pública e a própria governabilidade.

Outro ponto que não se pode deixar de lado, de extrema importância para que essa submissão continue ocorrendo, é que os próprios jornalistas acabaram por desenvolver em si a noção daquilo que está de acordo com as normas invisíveis do governo central, e escrevem considerando essas regras. “E a censura depende na maioria das vezes do testado e aprovado estilo de coerção autoritária: a autocensura”.11 (GOLDKORN, 2012, p. 184). Conforme Trevisan (2006, p. 166), Grande parte dos jornais, revistas, canais de televisão e rádios é vinculada ao Estado ou ao Partido Comunista. Os que estão em mãos privadas convivem com censores em suas redações e temas políticos controvertidos costumam ficar distantes de suas páginas.

Ou seja, a autocensura se transformou em uma prática já intrínseca no comportamento do profissional, cujo trabalho ocorre dentro de uma empresa de comunicação chinesa ou estrangeira, localizada na China. O comportamento tornouse um instinto de sobrevivência do trabalhador jornalista. Não apenas para jornalistas, mas para qualquer outro cidadão que queira publicar conteúdo on-line. Mas como é que você sabe o que você não deve publicar? Na maior parte do tempo, você não sabe, e isso é parte da genialidade do sistema. A maioria das pessoas tem medo de cruzar a linha, mas o governo nem sempre é franco em explicar exatamente onde está a linha em determinado momento. Como resultado, os sites tendem a errar por cautela. 12 (GOLDKORN, 2012, p. 185).

Dentre as questões ainda não respondidas está, principalmente, se o controle e restrições impostas aos profissionais mudarão em algum momento. Ou ainda se os jornalistas passarão a buscar o esclarecimento de dados incoerentes com a 11

Original em inglês: And censorship relies for the most part relies on the tried-and-true style of authoritarian coercion: selfcensorship. 12 Original em inglês: But how do you know what you shouldn’t publish? A lot of the time, you don’t, and that’s part of the genius of the system. Most people are scared of crossing the line, but the government is not always forthright about explaining just where that line is at any given time. As a result, websites tend to err on the side of caution.


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realidade, refletindo, assim, na grande massa e em seu poder de pensar. Para Trevisan (2006, p. 236), A falta de liberdade e o forte espírito de hierarquia e obediência que dominam a China, por influência do partido e de Confúcio, formam a outra incógnita no caminho do país. Muitos se perguntam se um Estado policial, que pratica a censura e prende dissidentes e no qual funcionários de médio escalão não tomam decisões com medo de reprimendas será capaz de permitir o surgimento de uma sociedade na qual a iniciativa individual floresça e a criatividade seja uma marca.


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3 CENSURA NA CHINA Para uma plena compreensão sobre a forma com que o mecanismo de censura é operado na China, se faz necessária uma retomada histórica de alguns fatos importantes e que ainda influenciam o pensamento governamental, em particular o do Estado chinês, no que diz respeito, principalmente, ao temor em relação a questões que envolvam a liberdade de imprensa e a de expressão da população. De acordo com Lisheng (2004) o sistema de governo da China é a ditadura democrática popular, cuja estrutura resulta na Assembléia Popular Nacional (APN), assim chamada, pois, conforme Martins (apud BRIDI, 2008, p. 39), “[…] sendo unilateral, é uma assembléia e não um congresso”. A APN é constituída por quase três mil membros e funciona assim: O Legislativo chinês tem por base o sistema de assembléias populares. A Assembléia Popular Distrital resulta de eleições diretas. Os integrantes desta elegem os da Assembléia Popular Municipal, por eleição indireta; estes elegem entre si os da Assembléia Popular Provincial, os quais elegem entre si os membros da Assembléia Popular Nacional. Estes elegem o presidente da República, que indica o primeiro-ministro, ad referendum da APN. (MARTINS, apud BRIDI, 2008, p. 39).

A estrutura de poder na China funciona porque, segundo Bridi (2008, p. 55), existe uma “[…] declaração de poder da pequena autoridade. […] Toda estrutura de poder na China só se mantém porque o governo de Pequim dá autoridade absoluta aos líderes locais em troca de fidelidade”. Essa fidelidade é conhecida no país como guanxi, termo sem definição e tradução exata, mas que reflete o respeito cultivado por relacionamentos duradouros entre autoridades, empresariado, sociedade, originado em várias e diferentes situações, sejam elas trocas de favores, privilégios previamente concedidos, ou ainda reconhecimento de superioridade. “O guanxi é uma prática complexa e multifacetada. Impossível, sob o ponto de vista antropológico, ‘definir’ guanxi na China hoje. Guanxi pode ser desde corrupção até a relação de obediência entre mãe e filho. Por isso, existe guanxi bom e ruim, masculina ou feminina, rural ou urbana. É claro que guanxi tornou-se um conceito difundido no Ocidente em função de sua prática política e dos negócios. As relações são vitais e continuam vitais para as coisas acontecerem na China hoje. Mas essa é apenas uma variação do guanxi. Lembro que nem todo o guanxi, ajuda a relação ou se constitui corrupção no mundo nos negócios, afinal, reciprocidade e laços


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fortes também têm sido aspectos estruturantes das grandes empresas ocidentais”. (Rosana Pinheiro-Machado, antropóloga e sinóloga, 2013). Mesmo que esses líderes de províncias possuam autonomia para tomarem as decisões que acharem pertinentes, devem sempre respeitar as ordens básicas daquilo que o governo central determina, poder que não deve ser visto em momento algum como uma ameaça ao PCC. “O PCC é uma rede inteligente e interligada. A autonomia é sempre servil ao PCC central, não nos enganemos”. (Rosana Pinheiro-Machado, antropóloga e sinóloga, 2013). Além disso, muito do comportamento que os chineses apresentam hoje é uma soma de costumes e ensinamentos desenvolvidos e aprendidos durante os séculos de existência do país. Muitas das bases da ética, por exemplo, absorvidas pelas culturas dos povos asiáticos, inclusive pelos chineses, foram construídas já no século 6 a.C. pelo pensador chinês Confúcio: Em casa, um jovem deve respeitar seus pais; fora de casa, deve respeitar os mais velhos. Deve falar pouco, mas de boa fé; amar todas as pessoas, mas associar-se aos virtuosos. […]. Garante os direitos do povo; respeita espíritos e deuses; mas mantendo-os a distância - isso, na verdade, é sabedoria. […]. Um cavalheiro amplia a sua aprendizagem por meio da literatura e se refreia pelo ritual; por isso, é improvável que cometa erros. […]. Não discutas os assuntos políticos de um cargo que não seja o teu. […]. Coloca a lealdade e a fé acima de tudo, e segue a justiça. É assim que se acumula poder moral. Quando se ama alguém, deseja-se que viva; quando se odeia alguém, deseja-se que morra. Agora, se desejares simultaneamente que a pessoa viva e que morra, este é um exemplo de incoerência. […]. Um jovem que não respeita os mais velhos nada conquistará quando crescer e tentará até esquivar-se da morte quando alcançar a velhice: ele é um parasita. (CONFÚCIO, 1971).

Tal definição é compreendida de forma extremamente sucinta pelos jornalistas estrangeiros, cujo entendimento desse histórico cultural faz-se necessário para que o trabalho aconteça com qualidade no país. Para Bridi (2008, p. 20), Confúcio defendia uma sociedade baseada em ritos, venerando os ancestrais e prestando obediência dos filhos aos pais, das mulheres aos maridos e, na ausência deles, aos filhos. Quando estendida à sociedade, essa ética de obediência hierárquica legitimava a submissão do fraco ao forte. [...] Confúcio defendia um poder absolutista ao Imperador [...]. Ao mesmo tempo, desenvolveu toda uma teoria para justificar o tiranicídio, caso o poder fosse exercido injustamente.


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Desde a fundação da República Popular da China em 1949, ano em que o Partido Comunista Chinês assumiu o governo, o partido se posiciona contrário a questões que possam, de alguma forma, desafiar seu poder, como o Partido Democrático Chinês em 1998/99 e a organização religiosa Falun Gong, um movimento espiritual banido pelo governo desde 1999. De acordo com Nathan (2001, p. 9), […] a chave para o comportamento do partido nesses dois eventos foi o medo de organizações independentes, formadas por, desde seguidores religiosos ou estudantes, trabalhadores ou agricultores, com ou sem uma ampla base social, e que sejam ou não membros de partidos, como constituintes. 1

Não somente de organizações independentes, mas o medo provém de qualquer situação ou pessoa que possa de alguma forma intervir e questionar o amplo domínio do PCC dentro da China, seja em qual for o departamento. Conforme Glenny (2008, p. 377), […] o Partido mantém esse rígido controle sobre os cidadãos porque tem medo. Como seus antecessores imperialistas no poder, o Partido Comunista Chinês nutre um medo visceral do caos que poderia sobrevir caso sua autoridade seja enfraquecida.

Tamanhas restrições e controles, que ainda perduram mesmo depois da abertura econômica em 1978, contradizem diversos artigos presentes na constituição chinesa de 1982, no capítulo dois, sob ‘direitos e deveres fundamentais dos cidadãos’. O artigo 35, conforme China (1982), diz que “Os cidadãos da República Popular da China gozam de liberdade de expressão, de imprensa, de associação, de reunião, de desfile e de manifestação”. Já o artigo 41 da constituição do país afirma o seguinte: Os cidadãos da República Popular da China têm o direito de criticar e apresentar sugestões a qualquer órgão ou funcionário do Estado. Os cidadãos têm o direito de apresentar aos competentes órgãos de Estado queixas e acusações ou denúncias contra qualquer órgão e funcionário do Estado […]. (CHINA, 1982).

Ou seja, como afirmado por Dann e Haddow (2008, p. 221), 1

Original em inglês: […] the key to the party’s behavior was its fear of independent organizations, whether of religious followers or students, workers or farmers, with or without a broad social base, and with or without party members as constituents.


36 […] a constituição chinesa é cheia de palavras que encontramos na maioria das democracias liberais: ‘liberdade’, ‘democracia’, ‘direitos’ e ‘propriedade’. […] Na verdade, os artigos 33-56 estabelecem direitos que cidadãos encontrariam hoje em uma típica democracia liberal. 2

No setor de impressos, de acordo com Zhao (2004), existe um sistema de licenças estabelecido pelo SPPA, sigla em inglês para ‘Administração para Imprensa e Publicações’, que assegura o controle do Partido sobre toda a estrutura da imprensa, inclusive no que diz respeito ao estabelecimento e comercialização do negócio. O controle é tanto que nenhum jornal pode ser registrado como uma empresa independente. Todo futuro empreendimento jornalístico deve ser registrado sob uma editora institucional reconhecida ou responsável que inclua os comitês do Partido, burocracias governamentais, organizações de massa, e outras instituições que estejam niveladas acima da posição oficial.3 (ZHAO, 2004, p. 189).

Além disso, em 6 de dezembro de 2001, mais um passo foi dado para assegurar o pleno controle do Estado de toda e qualquer informação veiculada dentro e fora do país. Foi anunciada a nova empresa de mídia oficial, o Grupo Chinês de Rádio, Filme e Televisão que é, conforme Zhao (2004, p. 195, grifo nosso), […] um mega conglomerado de mídia estatal que reuniu os recursos da Central Chinesa de Televisão (CCTV), do Rádio Nacional Chinês, do Rádio Internacional Chinês, e do Grupo Cinematográfico Chinês, que é o maior produtor de filmes do país e detentor do monopólio na importação de filmes e afins da Internet e produções de radiodifusão e distribuição de operações. 4

A partir do estabelecimento do Grupo Chinês de Rádio, Filme e Televisão o governo passou a dispor de mais uma ferramenta de controle dos meios de comunicação, porém novas preocupações surgiram com o acelerado alcance e desenvolvimento da Internet. Tanto que os governantes chineses passaram a buscar novas maneiras de controlar o fluxo de informação disponibilizado nesse novo meio, 2! 3!

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Original em inglês: […] China’s constitution is filled with words we find in most liberal democracies: ‘freedom’, ‘democracy’, ‘rights’ and ‘property’. […] In fact, Articles 33–56 set out the rights citizens would find today in a typical liberal democracy. Original em inglês: All prospective newspaper enterprises must be registered under a recognized institutional publisher or sponsor that includes Party committees, government bureaucracies, mass organizations, and other institutions of above county- level official standing. Original em inglês: […] a mega state media conglomerate that combined the resources of China Central Television, the China National Radio, the China Radio International, and China Film Group Corporation, which is the country’s largest film producer and monopoly importer of films and related Internet and broadcasting production and distribution operations.


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dados, notícias, demandas, que se multiplicam muito rápido e tornam a questão ainda mais complexa. Para Goldkorn (2012, p. 180), “Existem dois aspectos na censura de internet da China: bloqueio de conteúdo de fora do país e controle do conteúdo hospedado em servidores internos”.5 Assim, para que tudo o que fosse publicado na rede também passasse pelos olhos atentos do governo, os mesmos investiram no desenvolvimento de um gigantesco sistema de filtros com a capacidade de controlar toda e qualquer postagem disponibilizada on-line. A censura pode ocorrer, por exemplo, através de bloqueio de determinados endereços ou filtro por palavras-chaves. Enquanto os censores do Estado eram rápidos para bloquear informações indesejáveis​ na internet, os internautas eram tão rápidos quanto em se desvencilhar dos bloqueios para divulgar suas causas e protestos. [...] Em resposta as autoridades investiram incontáveis (e não declaradas) somas no melhoramento do que chama de Projeto Escudo Dourado, o nome oficial do que é popularmente conhecido como ‘Grande Firewall’ da China.6 (DAVIES, 2012, p. 129).

De acordo com Goldkorn (2012, p. 175), “Sites globalmente populares e restringidos pelo Grande Firewall em 2011 incluía o Facebook, Twitter e YouTube, bem como os sites de vários grupos dissidentes e ativistas”.7 Essa realidade de bloqueios e interferências foi também descrita, em entrevista para a autora, pela jornalista chinesa He Meng (2013), que hoje trabalha no departamento de língua portuguesa da Agência de Notícias Oficial Chinesa, Xinhua. Sua fala ainda reflete e demonstra a precaução dos cidadãos chineses em relação aos bloqueios, quando relata não ver problema no controle governamental de sites de relacionamento, como o Facebook, pois na China, os indivíduos possuem alternativas chinesas. “Sobre o bloqueio de sites internacionais, acho também um saco, porque meu gmail não funciona direitinho e tenho de ‘refresh’ o site de vez em quando. Mas o problema não afeta nossos trabalhos. Há alguns sites bloqueados na China, como Twitter, Facebook, mas como os chineses têm suas versões dessas plataformas de comunicações sociais, como 5 6

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Original em inglês: There are two aspects to China’s internet censorship: blocking content from outside the country, and controlling content hosted on servers inside it. Original em inglês: While state censors were quick to block undesirable information from the internet, netizens were just as fast in getting around the blocks to publicize their causes and protests. […] in response the authorities have invested untold (and unreported) sums in improving what it calls the Golden Shield Project, the official name of what is colloquially known as China’s ‘Great Firewall’. Original em inglês:Popular global websites restricted by the Great Firewall in 2011 included Facebook, Twitter and YouTube, as well the websites of various dissident groups and activists.


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Weibo e Wechat, a ausência desses sites estrangeiros não faz muita diferença para os chineses. E na Xinhua, como existe acordos de troca de notícias, os funcionários autorizados têm acesso as imprensas que não circulam ou são bloqueados na China”.8 (He Meng, jornalista chinesa, 2013). Conforme Dann e Haddow (2008) a China passou a se utilizar desses diversos recursos, que incluem o policiamento da Internet, para conseguir manter sob controle tanto os usuários, aqueles que acessam a informação, quanto o próprio fluxo de informação que é transmitida e acessada através da rede. “A tarefa da polícia da internet é visualizar sites, email e discussões conduzidas na web, para garantir que as pessoas não usem palavras proibidas. Até mesmo universidades chinesas não estão imunes do policiamento da Internet”.9 (DANN; HADDOW, 2008, p. 220). De acordo com o Centro Oficial Chinês de Informação sobre Redes de Internet (CIIC), em 2011 o número de internautas chineses cresceu para mais de meio bilhão. Resta, no entanto, um espaço limitado e fortemente censurado faltando sites globais comuns como o Facebook e serviços como Twitter. 10 (GOLDKORN, 2012, p. 171).

Mesmo com o aumento do número de internautas, “Tanto o poder quanto a mídia continuam monopolizados nas mãos do PCC. Políticos, líderes comunitários e jornalistas que discordam das posições do governo costumam ser afastados de seus postos e não raro vão parar na cadeia”. (SCOFIELD JUNIOR, 2007, p. 180). Além das restrições às informações veiculadas e acessadas pela Internet, os processos implementados e seguidos pelo governo para censurar com eficiência já altera a informação na sua origem. A notícia previamente controlada será divulgada, na sequência, de forma oficial, através da agência de notícias Xinhua. Esse dado servirá então como fonte para grande parte dos meios de comunicação internacionais.

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He Meng é uma jornalista chinesa que trabalha na Agência Oficial de Notícias da China, Xinhua. Ela trabalha no departamento de língua portuguesa e fala português fluente. A entrevista foi em português e as respostas todas escritas em português, pela entrevistada. 9! Original em inglês: The task of Internet police is to view websites, email and web discussions to make sure people do not use prohibited words. Even Chinese universities are not immune from Internet policing. 10 Original em inglês: According to the official China Internet Network Information Center (CNNIC), in 2011 the number of Chinese Internet users grew to more than half a billion. It remains, however, a circumscribed and heavily censored space lacking such common global websites as Facebook and services such as Twitter.


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“No meu trabalho, admito que existe interferência, por exemplo, temos uma série de protocolos para seguir na cobertura de visitas de Estado dos altos líderes chineses ao exterior. Ou não podemos divulgar as notícias sobre as atividades do culto da Falun Gong, que é considerada como uma crença e prática ilegal e separatista na China. […] O Departamento de Comunicações do Comitê Central do Partido Comunista da China envia princípios de cobertura sobre esses assuntos, digamos ‘sensíveis’. E sob esses princípios, a Xinhua organiza coberturas”. (He Meng, jornalista chinesa, 2013). As preocupações com o controle da informação se intensificaram principalmente depois da abertura econômica do país, momento em que empresas estrangeiras foram autorizadas pelo governo de Deng Xiaoping a estabelecerem seus negócios, com diversos benefícios, dentro da China. A partir de então os chineses, pela primeira vez, começaram a ter contato com a cultura e com as pessoas de fora do país. A curiosidade do cidadão chinês foi instigada, ele passou a se interessar pela forma com que os estrangeiros viviam e sua cultura. Mas essa consequência não foi avaliada pelo partido à época, quando, para justificar as reformas, conforme Glenny (2008, p. 378), […] vale tudo. ‘Não importa se o gato é preto ou branco’, filosofou Deng ao explicar a necessidade de introduzir reformas econômicas nos anos 1980, ‘desde que ele pegue o rato’. Não importa como a China dirija a economia, desde que ela faça dinheiro.

3.1 Era Deng Xiaoping Deng Xiaoping iniciou o processo Chinês de Reforma e Abertura para o exterior em 1978, mas muito do que acontecia no país, em uma era pós-Mao Zedong, já fazia parte das orientações do Partido Comunista Chinês antes da proclamação da República Popular, em 1949. Em agosto de 1945 ocorreu uma reunião entre o Partido Comunista e o Guomintang (Partido Nacionalista), com a participação do embaixador norte-americano, Patrick Hurley. Nessa reunião, conforme Martins (2008), foi tomada a decisão de se formar um organismo de frente única, que depois viria a ser a Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, composta pelos dois maiores partidos e pelos outros sete partidos democráticos que existiam na época, além de representantes dos setores sociais, cujo apoio foi


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fundamental para a vitória de 1949. Após a reunião, as conclusões da Conferência tinham o intuito de servir de base para a formação de um governo aliado. De acordo com Martins (2008), Jian Jieshi, líder político e militar do Guomintang, declarou, logo depois, que um governo de coalizão democrático popular e também um governo democrático liberal, conforme o modelo ocidental, seriam impossíveis na China. O próprio embaixador Dean Acheson, que logo depois assumiria as funções de Secretário de Estado, reconhece em sua autobiografia que o Guomintang ‘revelava cada dia mais sua convicção de que, com a busca de uma China unificada e democrática, o Guomintang acabaria perdendo tudo’. (MARTINS, 2008, p. 66).

Mas nenhuma dessas considerações foi ouvida. O PCC continuou seguindo a orientação do governo de coalizão, tanto que, segundo Martins (2008), em 1949, se proclamou uma República Popular, ao invés de uma República Socialista, com o apoio de operários, camponeses, soldados e expressões da burguesia nacional. Após a proclamação da República Popular, a Conferência Consultiva funcionou como o Legislativo do País, tendo elaborado o projeto de Constituição Nacional, que seria aprovado pela Assembléia Popular Nacional […], da qual a Conferência Consultiva constitui, até hoje, um organismo anexo. (MARTINS, 2008, p. 66).

O início da República Popular refletiu em vários setores econômicos do país, tanto no rural, quanto no urbano. O novo plano governamental começou por tirar os meios de produção dos donos de grandes propriedades, os deixando com uma pequena parcela de terra e também com suas propriedades relacionadas a produção no comércio e na indústria. Já no meio urbano, empresas estrangeiras e a própria burguesia comercial e industrial tiveram seus meios de produção expropriados. Além disso, viraram companhias mistas (estatal-privada) as grandes indústrias de setores indispensáveis como o da siderurgia, energia e transporte. (MARTINS, 2008). Conforme Martins (2008, p. 68), “Tendo em vista antigo sonho nacional, […], de conquista do reino da harmonia em múltiplos aspectos […]”, a China, no final da década de 1970 passou por uma alteração ideológica muito similar a já anunciada pelo PCC antes da proclamação da República Popular em 1949, e que seguiu até o final de 1957 e início de 1958, momento em que ocorreu a transição do primeiro


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para o segundo Plano Quinquenal e que foi, de acordo com Martins (2008, p. 68), “[…] quando se adotou uma série de temerários projetos ‘esquerdistas’, como a Comuna Popular Rural (tornando-se esta a unidade administrativa básica do Estado chinês) e o chamado Grande Salto Adiante”. A Comuna Popular Rural alterou o projeto agrário do país, e o período conhecido como o Grande Salto Adiante ficou caracterizado como “[…] o sanguinário programa de reforma agrícola de Mao Tse-Tung” (GLENNY, 2008, p. 374), pelas devastações e desperdícios na indústria, agricultura e construção, as quais, segundo Martins (2008, p. 69), “[...] exigiram duros e árduos esforços para serem superados nos últimos dois anos do segundo Plano Quinquenal (1961-62) e uma série de reajustes até 1965”. Depois da morte de Mao Zedong (1976), do fim da Revolução Cultural (1966-76), da derrubada do “Bando de 4” (1977), da liderança meteórica de Hua Guofeng (1976-77) e da reabilitação de Deng Xiaoping (1977), a economia chinesa, que seguia uma orientação de planejamento burocrático altamente centralizado, tornou-se, passo a passo, uma economia de mercado socialista bastante descentralizada e desburocratizada, através do processo de Reforma e Abertura para o Exterior, a partir de 1978. (MARTINS, 2008, p. 68).

De acordo com Glenny (2008, p. 378), “Deng percebeu que, para fazer dinheiro, a China teria de jogar no lixo as tradições do planejamento econômico centralizado”. Por isso a adoção do sistema de Reforma e Abertura concentrou esforços na solidificação econômica. A partir deste momento, “[…] o governo concede às províncias autonomia considerável para conduzir suas políticas econômicas”. (GLENNY, 2008, p. 378). E também passa a ser permitido no país, além de empresas estatais, “[…] todas as formas de empreendedorismo: a privada, a coletiva, a mista […] e até a da iniciativa privada 100% estrangeira, desde que dedicada à obtenção de novas tecnologias e de divisas, através da exportação de sua produção”. (MARTINS, 2008, p. 73). Com isso, mais de 60% do PIB chinês, em 2008, já era originado na iniciativa privada. Entre os pesquisadores e estudiosos de China prevalece o entendimento de que, conforme Martins (2008, p. 69), […] a contradição principal nesta etapa inicial de uma sociedade socializante […] reside na discrepância entre as crescentes necessidades materiais e culturais do povo e o atraso da produção social, ou seja, o atraso especialmente em educação, ciência, tecnologia e capital.


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Em relação às contradições de classe, Deng Xiaoping disse em março de 1979 que “[…] a luta de classes na sociedade socialista é algo que existe objetivamente, e não devemos subestimá-la nem exagerá-la”. (XIAOPING apud MARTINS, 2008, p. 69). Dessa forma, passou a prevalecer a orientação do Partido de que esse tipo de discrepância deve ser resolvida conforme suas instruções, que buscariam sempre a situação de estabilidade, unidade e harmonia, características, para o Partido, indispensáveis ao processo de modernização chinês. (MARTINS, 2008). Em novembro de 1979, ao receber Massayoshi Ohira, então Primeiro Ministro do Japão, Deng Xiaoping referiu-se, pela primeira vez, à economia mercantil como “[…] uma conquista da civilização humana e que ela já florescia dentro mesmo da sociedade feudal”. (XIAOPING apud MARTINS, 2008, p. 70). Ainda por alguns anos, a concepção segundo a qual a economia de mercado seria própria, exclusiva, do capitalismo, continuou dificultando novos passos teóricos e práticos no sentido da modernização, devido à resistência ‘esquerdista’ dentro da direção chinesa. Contudo, o desenvolvimento econômico e a necessidade de aprofundar as reformas ajudaram a aclarar a questão, com o que alguns dirigentes e publicações passaram a falar em economia de mercado socialista. (MARTINS, 2008, p. 71).

Em outubro de 1993, o Congresso Nacional do PCC homologou o termo economia de mercado socialista, que foi depois confirmado pela Assembléia Popular Nacional, através de emenda constitucional, e confirmando como lei. Conforme afirmado por Deng Xiaoping (apud MARTINS, 2008, p.71), Em nossos dias, nenhum país adota de forma pura nem a economia de mercado, nem a economia planificada, pois, desta ou daquela forma, plano e mercado estão sempre combinados em qualquer país – uns acentuando o plano, outros enfatizando o mercado competitivo. A China adota oficialmente uma economia sujeita à regulamentação macroeconômica do Estado, mas atribui cada vez mais ao mercado o papel fundamental na distribuição dos recursos.

Para Kissinger (2011, p. 315), A China de hoje - com a segunda maior economia mundial e o mais amplo volume de reservas em moeda estrangeira, e com inúmeras cidades exibindo orgulhosos arranha-céus mais elevados que o Empire State Building - é um testemunho da visão, da tenacidade e do bom-senso de Deng.


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Mas toda essa abertura econômica na China exigiu dos chineses uma mudança drástica e rápida na forma de pensar e agir. A realidade de apenas alguns anos atrás deixou de existir e o objetivo agora era o de enriquecer e consumir. De acordo com Marti (2007, p. 273), “Marxismo estava fora de cogitação; agora era capitalismo com uma forte dose de controle estatal, capitalismo burocrático. Isso foi batizado de socialismo com características chinesas”. Conforme Trevisan (2006, p. 23-24), Mudanças que países desenvolvidos demoraram cem anos para experimentar, a China viveu em um quarto de século. A mesma geração que demonizou o Ocidente, a burguesia e o capitalismo durante a Revolução Cultural (1966-1967) abraçou com fervor a economia de mercado e o consumo, depois que o Partido Comunista decidiu iniciar reformas e se abrir ao exterior, em dezembro de 1978.

3.1.1 Zonas de Processamento de Exportação Mesmo a ditadura democrática popular sendo o sistema governamental da China, sua economia vem passando por transformações de abertura controlada desde a década de 1970, e isso, de acordo com Silva e Parente (2008, p. 111), “[…] tem gerado um crescimento econômico apreciável a todas as nações do mundo e uma maior integração deste país com o mercado global”. Conforme Kissinger (2011, p. 384), O que Deng rotulava de ‘Reforma e Abertura’ era uma empreitada não só econômica como também espiritual. Implicava, antes de mais nada, a estabilização de uma sociedade à beira do colapso econômico e, em seguida, uma busca da força interior para avançar por novos métodos para os quais não havia qualquer precedente, fosse na história comunista, fosse na chinesa.

A China passou a aplicar medidas e políticas para modernização em quatro áreas principais, conhecidas como ‘As quatro modernizações’, políticas que abrangem a indústria, agricultura, ciência e tecnologia e defesa nacional. No segmento industrial, aprovadas formalmente pelo Congresso Nacional do Povo em 1980 (MARTI, 2007), foram criadas as Zonas Econômicas Especiais (ZEE), também denominadas Zonas de Processamento de Exportação (ZPE), para incentivar a propriedade privada e se abrir para investimentos estrangeiros.


44 As ZEE têm carga tributária mais baixa e condições autônomas políticas e mercantis. O objetivo é atrair investimento externo, especialmente da população chinesa de ultramar, reconquistando a sino-riqueza anteriormente dispersa, também de Hong Kong que, antes de 1997, era colônia britânica. Além das taxas reduzidas, as ZEE têm orientação para exportação. (PINHEIRO-MACHADO, 2011, p. 100).

As ZPE também atraem esses investimentos para as cidades exportadoras do litoral que oferecem mão-de-obra, ajudam a aumentar as taxas de crescimento, e a vender produtos chineses por todo o mundo. (SILVA; PARENTE, 2008). “Em teoria, as ZEE dependeriam de capital estrangeiro. […] haveria tolerância com a prática limitada local de métodos econômicos capitalistas”. (MARTI, 2007, p. 9). Além disso, o objetivo da criação dessas zonas nas áreas costeiras do país foi, de acordo com Carvalho e Catermol (2009, p. 233), “[…] a produção voltada exclusivamente para a exportação e que foram importantes para a assimilação de tecnologias avançadas”. O processo de abertura econômica do mercado chinês iniciou com mudanças no cenário político definidas na Terceira Sessão Plenária do 11º Comitê Central do Partido Comunista da China em dezembro de 1978. Essa sessão marcou o início de uma nova etapa no desenvolvimento do país, com intuito de se distanciar das práticas da Revolução Cultural de Mao Zedong, de colocar os políticos antes da economia. O período da Revolução ficou, conforme Glenny (2008, p. 374), “[…] caracterizado por medo, intimidação, fome e genocídio. Entre 1959 e 1976, centenas de milhões de chineses partilharam um único objetivo: sobreviver”. Tal revolução, de acordo com Carvalho e Catermol (2009, p. 222), “[…] tinha como estratégia fundamental difundir os ideais do Partido Comunista e conter as forças de oposição tanto no partido quanto na população nacional”. A partir de então “[…] a China começou a se colocar na órbita da ‘modernização’ e da economia ‘globalizada’”. (SUKUP, 2002, p. 87). A política do Estado chinês concentrou esforços na formação e aplicação de uma reforma seguida de uma abertura econômica ao mundo exterior. A Terceira Sessão é também amplamente reconhecida como o momento da “[…] emergência de Deng Xiaoping como grande líder nacional”. (TREVISAN, 2006, p. 92). Deng propunha levar adiante as Quatro Modernizações por meio de uma postura mais aberta da China à absorção de conhecimentos e tecnologia


45 estrangeiros, mas fundamentada na intervenção do Estado como principal condutor dessa nova dinâmica política de desenvolvimento. (CARVALHO; CATERMOL, 2009, p. 232).

Dando continuidade às decisões tomadas no 11º Comitê Central do Partido, a China estabeleceu durante o ano de 1980, visando “[…] inspirar empreendedores locais a flexibilizar a economia solidamente congelada durante a Era do Gelo maoísta” (GLENNY, 2008, p. 374), as ZPE em Shenzhen, Zhuhai e Shantou na Província de Guangdong, Xiamen na província de Fujian, com o objetivo de aprofundar o processo de abertura da economia ao comércio internacional e estimular o desenvolvimento econômico dentro do país. Em 1984 foram possibilitadas a abertura de mais 14 cidades litorâneas aos investimentos internacionais. De acordo com Kissinger (2011, p. 389), Os resultados dessas mudanças foram espetaculares. Entre 1978 - ano em que as primeiras reformas econômicas foram promulgadas - e 1984, a renda dos camponeses chineses dobrou. O setor privado, impulsionado pela renovação de incentivos econômicos individuais, subiu para constituir cerca de 50% da produção industrial bruta em uma economia que havia sido comandada quase exclusivamente por ordem governamental. O Produto Interno Bruto chinês cresceu a uma taxa média de mais de 9% ao ano durante toda a década de 1980 - um período de crescimento econômico sem precedentes e quase ininterrupto que continua até o presente momento.

O Estado passa a favorecer ainda mais a entrada de empresas estrangeiras no país, ao estabelecer, a partir do final da década de 1980, novas zonas especiais, como as regiões de fronteira, áreas ao longo do Rio Yang-Tze, assim como as regiões do interior. O principal acréscimo à lista de ZPE foi a Ilha de Hainan, transformada na maior zona econômica especial da China, objetivando a continuação do desenvolvimento iniciado nas quatro primeiras. (SILVA; PARENTE, 2008). A abertura e incentivo dessas zonas formaram a base sólida para a condução do desenvolvimento econômico do país. As ZEEs tinham incentivos fiscais e isenção de taxas de importação para máquinas especiais. A China construía unidades industriais segundo as especificações dos investidores estrangeiros e fornecia mão de obra bem treinada, com salários competitivamente baixos, além de garantir infraestrutura. Também oferecia aos investidores taxas de impostos preferenciais e vários outros incentivos financeiros como forma de atrair os investidores estrangeiros. Esses benefícios concedidos pelo Estado chinês foram fundamentais para a crescente atração de empresas e investidores estrangeiros. As ZEEs eram as únicas com permissão para entrada de


46 investimentos externos diretos. (CARVALHO; CATERMOL, 2009, p. 233-234).

E como parte da reformulação e modernização do país, indo de encontro à abertura econômica e ao surgimento de novas tecnologias para difusão da informação, o controle da mídia e dos dados por ela veiculados também passou por novos procedimentos, que conforme Zhao (2004, p. 180), “[…] implicam na criação de novas instituições, regimes regulatórios, e desenvolvimento de práticas de gestão para as mídias modernas”.11 Dentre os órgãos criados após a abertura econômica estão instituições de gerenciamento de mídia e publicidade estatal, como o escritório de Administração para Imprensa e Publicações (SPPA), estabelecido em 1987, que “[…] é responsável por licenciamentos, sobretudo planejamento, regulamentação, e disciplina de mercado da mídia impressa chinesa”.12 (ZHAO, 2004, p. 180). Já o Escritório de Informação do Conselho de Estado, SCIO na sigla em inglês, é o órgão externo do Departamento de Propaganda do Partido e controla todo o material veiculado internacionalmente que aborde qualquer assunto relacionado a China. “Para coordenar o controle e fortalecer a direção do Estado sobre o conteúdo da Internet, uma nova unidade, o Escritório de Gerenciamento de Informação da Internet, foi acrescentado ao SCIO, no início de 2000”.13 (ZHAO, 2004, p. 180). Depois de instituídos todos os incentivos das ZPE nos anos 1980, como um resultado positivo dessas políticas implantadas, ocorreu na China, no final da década de 1990, o ponto alto das exportações, cujas taxas anuais de crescimento chegaram a registrar 40%. Esse número foi possível graças ao crescimento econômico interno, além da boa fase econômica dos países compradores da China, como Estados Unidos, Japão, União Europeia, e a própria Ásia Oriental. Esses fatores juntos levaram o país a crescimentos médios de 9,3% ao ano, entre 1993 e 2002. (SILVA; PARENTE, 2008). As ZPEs […] foram grandes propulsoras da abertura econômica de 1979, que é a base experimental para as reformas econômicas e a migração de 11! Original em inglês: […] involve the creation of new institutions, regulatory regimes, and deployment of modern media

management practices.

12! Original em inglês: […] is responsible for licensing, overall planning, regulation, and market discipline of the Chinese print

media.

13! Original em inglês: To coordinate control and strengthen state direction over the content of the Internet, a new unit, the

Internet Information Management Bureau, was added to the SCIO in early 2000.


47 uma economia socialista e fechada para uma mais aberta ao capitalismo. […]. Ao mesmo tempo em que as reformas tornaram as ZPEs carro chefe no processo de crescimento econômico chinês, elas voltavam o país para o mercado externo o que fazia da China após década de 80 diferente daquela antes das mudanças ocorridas a partir de 1979. (SILVA; PARENTE, 2008, p. 112-113).

Deng, a partir de 1985, mudou o rumo da política de abertura, ao perceber que, conforme Marti (2007, p. 19), “[…] commodities primárias como petróleo e carvão não conseguiam financiar a modernização”. As mercadorias exportadas pela China deixaram de ser uma equivalência entre matéria-prima e produtos manufaturados, e voltou-se principalmente para a exportação quase única dos manufaturados. (MARTI, 2007). […] os produtos primários caíram para aproximadamente um terço do total, ao passo que os produtos manufaturados pularam para dois terços. A mudança deveu-se ao rápido crescimento das exportações de tecidos e bens industrializados leves, embora só em 1987 o déficit tenha se transformado em superávit. (MARTI, 2007, p. 19).

Com isso, já em 1985, de acordo com Carvalho e Catermol (2009), as taxas de crescimento chinesas já haviam se elevado e desde então, até hoje, vem apresentando as mais altas taxas do mundo. “Em 2007, a China alcançou o segundo lugar no ranking de países exportadores, ao vender US$ 1,2 trilhão ao exterior; valor superado, por pouco, apenas pela Alemanha”. (CARVALHO; CATERMOL, 2009, p. 217). Exemplo desse desenvolvimento é a cidade de Xangai, que começou sua ascensão em 1985, quando foi aberta para investimentos estrangeiros. Conforme Trevisan (2006, p. 65), Até 1990, a região onde hoje está Pudong era totalmente agrícola, ocupada por plantações, mangues e criações de animais. A área ganhou o status de Zona Econômica Especial e se transformou em um dos mais poderosos imãs de atração de investimentos da China, especialmente em alta tecnologia.

A criação e adoção das ZEE como forma de desenvolvimento, permitiu à China “[…] o acúmulo e o intercâmbio de conhecimento entre as empresas, o que favoreceu a modernização industrial e tecnológica da China, ampliando a absorção de tecnologias modernas e know-how”. (CARVALHO; CATERMOL, 2009, p. 237). As zonas especiais foram fundamentais para o desenvolvimento econômico e comercial chinês, conforme Marti (2007, p.10):


48 […] as zonas econômicas especiais foram concebidas para atrair investidores estrangeiros que, em troca, introduziriam na China tecnologias e métodos modernos de administração, com o propósito de criar um fluxo de exportações gerador de divisas, encorajados por vendas sem impostos, taxas reduzidas, tarifas menores, infra-estrutura moderna, legislação trabalhista e salarial flexível e menos burocracia.

Os resultados positivos, alcançados após a abertura econômica, tanto financeiro quanto comercial, e tamanha quantidade de capital sendo injetada no país, além da geração de empregos e ascensão social para os empreendedores que aproveitaram os benefícios para produzir, exportar e faturar, não demoraram a refletir no grau de proximidade entre homens de negócios e políticos, cujo relacionamento se transformou em vastos esquemas de subornos. De acordo com Glenny (2008, p. 376), O casamento do incansável espírito empreendedor […] com os poderes […] foi feliz e produtivo. Deu origem a uma nova espécie - o Nexo PolíticoCriminal (NPC), um relacionamento profundamente corrupto entre os magnatas da região e os líderes locais do Partido. […] Pequim se sente ameaçada pelo NPC, ‘sobretudo porque ele está corroendo a autoridade do Partido Comunista Chinês (PCC)’, […]. ‘Em outras palavras, para o governo chinês, o NPC é primeiro um problema político e só depois uma questão criminal’. No entanto, é também uma questão econômica - os NPCs criam muita riqueza.

O Nexo Político-Criminal pode ser visto como uma variante, e não uma evolução do guanxi, prática comum no país e difícil de ser compreendida no Ocidente devido a complexidade do conceito. Mas não convém confundir ambas as práticas, pois são diferentes, considerando que o guanxi, também visto e abordado como algo negativo, nem sempre é necessariamente ligado aos subornos, como ocorre com o NPC. “O guanxi nasce no confucionismo, nas relações hierárquicas de fidelidade e respeito. Os laços particularistas se estenderam por séculos entre vizinhos que se ajudavam ou entre os próprios mandarins e suas tramas de poder. O guanxi ruim é um vício da revolução cultural. Embora o PCC combatesse os laços verticais em nome dos horizontais da camaradagem, o modus operandi do partido era de estimular trocas de favores e bens escassos entre membros do governo e as comunas. Havia um sentimento de estar trabalhando para a nação. A abertura econômica com modelo descentralizado de poder favoreceu a continuidade e maximização desse modelo, entre autoridades locais e empresários”. (Rosana Pinheiro-Machado, antropóloga e sinóloga, 2013).


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Com todas as facilidades, oficiais e não oficiais, encontradas pelos empresários dentro das províncias para dirigir e desenvolver seus negócios de forma independente da capital, todos os acordos eram mantidos para evitar que Pequim interviesse. Os empresários e governos das províncias, Sentem-se muito mais à vontade do que Pequim com o Nexo PolíticoCriminal, tanto como sistema de governo como estratégia econômica […]. As províncias podem ser tão corruptas quanto queiram para ganhar dinheiro, desde que Pequim não as apanhe em flagrante. (GLENNY, 2008, p. 378).

Esse distanciamento das autoridades locais em relação ao governo central em Pequim somente reflete um aumento considerável dos relacionamentos interpessoais, guanxi, além de subornos e favorecimentos. Práticas que visam reassegurar o contínuo crescimento econômico da nação e o enriquecimento de, em sua maioria, políticos e empresários. “A descentralização é uma tendência. Uma tendência que favorece o guanxi. No nível do discurso central, desde os anos 1950, há uma grande luta para combater o guanxi, mas na prática local sempre foi o oposto. A descentralização tira a responsabilidade do poder central - o que mantém ilesa a imagem das forças maiores do partido - e favorece a corrupção entre locais, que trabalham juntos para maximizar o PIB da nação. Assim ocorre um círculo vicioso, no qual, novamente não se enxerga corrupção, mas sim um sentimento de que todos estão contribuindo para o crescimento da China. Não é possível prever se vai diminuir ou não o guanxi. Esse é o debate de milhares de pesquisadores e as opiniões são muito divididas. Eu particularmente não sei do futuro, apenas vejo que ainda é muito forte e não está diminuindo”. (Rosana Pinheiro-Machado, antropóloga e sinóloga, 2013). De acordo com Spence (1995, p. 683), “Dados para 1987 […] mostravam que 150 mil membros do partido - de um total desconhecido de investigados ou acusados - foram punidos por corrupção ou abuso de poder”. Desse número, cerca de 25 mil foram expulsos do partido. Os esquemas de corrupção que surgiram após a nova fase da economia do país se mostraram […] uma versão realmente selvagem de capitalismo […]. Empresários podiam produzir e vender tudo o que quisessem, desde que houvesse mercado. Para isso, só precisavam encontrar seu baohussang, ou ‘guardachuva protetor’, cujas hastes eram burocratas locais do Partido capazes de


50 reduzir os riscos comerciais assinando licenças ou desviando a curiosidade de órgãos reguladores. (GLENNY, 2008, p. 378).

E essas relações corruptas aconteciam sem terem que “[…] prestar contas a um Judiciário independente, o Nexo Político-Criminal cria um ambiente em que flores e ervas daninhas podem igualmente florescer”. (GLENNY, 2008, p. 380). O NPC se tornou para o empresariado chinês a forma de crescer economicamente. (ROCHA, 2010). Ainda que a rede de subornos e benefícios se fez cada vez mais presente e se incorporou na estrutura das ZEE, foi inegável a evolução na esfera econômica, mas na área política a China permaneceu estagnada, conforme Dawn e Haddow (2008, p. 220), Enquanto a porta da economia foi amplamente aberta para o conceito de que ‘se tornar rico é glorioso’, a entrada pela porta política permaneceu fortemente controlada pelo governo. O resultado é que a maior liberdade econômica não foi traduzida nem como maior liberdade política, nem como uma maior dependência sobre o Estado de Direito em vez das regras das elites do Partido. 14

A decisão de manter a área política do país inalterada foi explicitado pelo próprio Deng, quando foram aprovadas as Quatro Modernizações, e deixou claro que não seria permitido qualquer tipo de liberalização política. Todas as aberturas econômicas deveriam estar de acordo com os Quatro Princípios Cardeais do partido, que são conforme Marti (2007, p. 25), “[…] de prosseguir na estrada do socialismo, preservar a ditadura popular democrática, sustentar a liderança do Partido Comunista e apoiar o marxismo-leninismo e as idéias de Mao Tse-Tung”. A realidade objetivada por Deng ao impor que os quatro princípios fossem cultivados e não esquecidos, conforme o país fosse se abrindo para o restante do mundo, foi se transformando e hoje não são mais seguidos em sua completude. “Os dois primeiros pontos sim. Os dois últimos, de forma alguma. Não há marxismo, nem leninismo, nem maoismo. Há economia de mercado e neoliberalismo em sua forma mais crua e perversa (perversa porque diferente dos estados capitalistas, na China não há uma base legal forte). Mas segue-se com um capitalismo ‘a la chinesa’, com um Estado forte e

14! Original em inglês: But while the economic door has been opened widely to the notion that ‘to become rich is glorious’, entry

through the political door has remained tightly controlled by the government. The result is that greater economic freedom has neither translated into greater political freedom, nor a greater dependence upon the rule of law instead of the rule of Party elites.


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ditadura, mas sem socialismo, pois tudo é privatizado”. (Rosana PinheiroMachado, antropóloga e sinóloga, 2013). Apesar dos números positivos nas exportações, resultado da abertura econômica proporcionada pelas ZEE, o mercado interno chinês não estava mais correspondendo da mesma forma positiva. Nos primeiros anos da reforma, com as facilidades e poder de compra elevado, havia, conforme Spence (1995, p. 682), “[…] uma demanda insaciável por bens de consumo e pela construção de novas moradias”. Esse alto nível de consumo proporcionou, de acordo com o autor (1995, p. 682), “[…] mais oportunidades de emprego e maiores opções para operários e camponeses; mas, ao mesmo tempo, empurrou a inflação […]”. Os preços no varejo, que haviam subido cerca de 7,4% por ano entre 1984 e 1987, cresceram em 18,5% em 1988. Investia-se pesadamente nas empresas estatais, crescia a emissão de moeda, e a inflação crescera de 10% no início do ano para um recorde de quase 30% no fim do ano. […] Por toda a China houve uma febre de compras. Os consumidores tiraram as economias da poupança e se apressaram em trocá-las por mercadoria. […] Os preços crescentes e a inflação provocaram o ressentimento do operariado e as acusações de corrupção. (MARTI, 2007, p. 30).

A situação se revelou preocupante visto que as economias mantidas na poupança, para a população chinesa, são fundamentais para a garantia de um envelhecimento seguro, pois a China não possui um bom plano de previdência social. “As aposentadorias são pequenas ou não existentes na China”. (PATIENCE, 2010). E com as políticas de controle da natalidade adotadas na década de 1980, os aposentados passam a depender dos recursos e cuidados de somente um filho, já que “[…] o dinheiro dado pelo governo é irrisório, além de estar diminuindo ano após ano, sob o argumento de ‘controlar os gastos’, enquanto os políticos chineses gastam desenfreadamente com futilidades”. (O DRAMA…, 2013). Cabe às famílias cuidarem dos seus entes idosos, não importa o quanto ele ou ela tenha contribuído para a riqueza da sociedade. Assim, os recursos do Estado podem ser gastos com as empresas de ponta que lá se instalam e mega obras de infra-estrutura. (ROCHA, 2008).

Mesmo com investimentos em empresas estrangeiras e melhoria nas infraestruturas, a situação da economia interna chinesa permaneceu em declínio no início de 1988.


52 […] os indicadores econômicos […] não eram encorajadores. Os preços continuavam a subir e a produção de alimentos básicos estava declinando uma vez mais, à medida que os camponeses iam trabalhar em fábricas ou plantavam produtos que rendiam mais dinheiro. (SPENCE, 1995, p. 677).

A partir dessa realidade, o governo, no final de 1988, tentou conter a situação econômica que se desenhava internamente, de inflação e crescimento descontrolado. Mas considerando que as províncias haviam sido autorizadas a tratarem dos negócios de forma independente de Pequim, os esforços do governo central para aumentar os repasses à Capital e voltar a centralizar as decisões, não tiveram bons resultados. (MARTI, 2007). De acordo com o autor (2007, p. 30-31), As taxas alfandegárias foram dobradas para máquinas de lavar roupa, rádios e toca-fitas; centralizou-se novamente o controle das importações de seda e pesticidas; pôs-se fim à importação de carros de luxo, cigarros e bebidas alcoólicas.

Com tais medidas foi possível controlar o problema, mas a economia continuava estagnada. Além dessas, outras ações, com o intuito de conter a inflação que havia chego a 30% nesse mesmo ano, foram adotadas em setembro de 1988. O investimento de capital foi reduzido em 20%, e o investimento estatal sofreu cortes para 1989. Restringiu-se o crédito; estabeleceram-se tetos para os limites de crédito em bancos nacionais, e os índices de juros foram aumentados para empréstimos bancários, a fim de desencorajar investimentos fora do planejamento estatal; e se ordenou a interrupção dos empréstimos a empresas rurais. Os juros foram aumentados para a poupança individual, porém havia restrições às quantias que podiam ser sacadas. (MARTI, 2007, p. 32).

Mesmo com as tentativas governamentais para impedir o alastramento da crise, “[…] o padrão de vida caiu para muita gente e o recuo em projetos capitais ordenado pelo governo deixou muitos sem trabalho. A compra e a acumulação provocadas pelo pânico afetaram uma ampla variedade de produtos”. (SPENCE, 1995, p. 682). Além disso, conforme Marti (2007, p. 31), “Centenas de milhares ficaram desempregados […]. Essas questões contribuíram, em grande medida, para os distúrbios em Tiananmen no verão de 1989.” 3.1.2 Os protestos de 1989 O movimento estudantil de maio de 1989 não foi algo que se desenvolveu repentinamente, foi um reflexo


53 […] de um processo de contestação com o apoio maciço da população das grandes cidades chinesas, e que teve suas origens nos diversos movimentos que sacudiram a sociedade chinesa depois da tomada do poder pelo Partido Comunista, em 1949. (ANDRADE; FAVRE, 1989, p. 101).

Somado à realidade negativa da economia interna do país, ao desemprego e a morte, em 15 de abril de 1989, de Hu Yaobang, líder comunista. Os estudantes tinham Hu, de acordo com Marti (2007, p. 33), “[…] como um aliado em prol da reforma política no interior do partido”, e foi para homenageá-lo que cerca de dez mil estudantes marcharam em direção a Praça da Paz Celestial em 16 de abril de 1989. (ANDRADE; FAVRE, 1989). E, conforme Kissinger (2011, p. 396), “[…] aproveitaram a oportunidade para verbalizar sua frustração com a corrupção, a inflação, o controle da imprensa, as condições nas universidades e a persistência dos ‘anciões’ do Partido em continuar governando por trás dos panos”. Além disso, Eles também aproveitaram a oportunidade para entregar aos altos chefes do partido […] uma petição que continha sete exigências: 1. considerar correto o entendimento de Hu Yaobang sobre democracia e liberdade; 2. reconhecimento de que as campanhas contra a poluição espiritual e a liberalização burguesa tinham sido equivocadas; 3. divulgação da renda dos líderes do estado e de suas famílias; 4. fim da proibição da imprensa privada e instituição da liberdade de expressão; 5. aumento das verbas para a educação e maiores salários para os intelectuais; 6. fim da restrição às manifestações em Pequim; e 7. realização de eleições democráticas para a substituição das autoridades governamentais que haviam tomado decisões políticas equivocadas. (ZHANG apud MARTI, 2007, p. 33-34).

Conforme Marti (2007, p. 34), “[…] quando o governo se recusou a receber os estudantes, muito menos a lhes aceitar a petição, estes iniciaram um protesto, sentando-se no chão da praça”. A primeira reação do governo foi a de aguardar, na esperança de que a manifestação terminasse por iniciativa dos próprios estudantes. Depois, optaram por diálogos limitados com alguns integrantes do movimento e então partiram para a última opção, emitiram ordens de remoção dos manifestantes da Praça. Dia 26 de abril Deng Xiaoping e os membros mais antigos do Partido “[…] concordaram com a publicação de um texto no People’s Daily, redigido em termos ásperos, que rotulava o protesto estudantil de ‘tumulto’, o que serviu apenas para agitar ainda mais os manifestantes”. (MARTI, 2007, p. 35). De acordo com Sukup (2002, p. 89), “[…] estudantes e intelectuais, em particular, reivindicavam uma ‘quinta modernização’, a da política”. Conforme Andrade e Favre (1989, p. 52), “No dia quatro de maio uma multidão de


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quatrocentas mil pessoas se reúne na Praça da Paz Celestial. Pela primeira vez participam cortejos organizados de outras categorias além dos estudantes”. Nesse mesmo dia, […] uma declaração dos estudantes foi lida na Praça Tiananmen (Praça da Paz Celestial), chamando o governo a acelerar reformas econômicas e políticas, garantindo liberdade constitucional, luta contra a corrupção, adoção de uma lei de imprensa, e permissão para o estabelecimento de jornais privados. A declaração disse que importantes primeiros passos incluiriam a institucionalização de práticas democráticas que os próprios estudantes haviam iniciado nos campus, conduzindo diálogos entre estudantes e o governo, promovendo reformas democráticas do sistema governamental, oposição a corrupção, e aceleração da adoção da lei de imprensa.15 (NATHAN, 2001, p. 3, grifo nosso).

Conforme Nathan (2001) no dia 10 de maio de 1989, todos os membros do comitê político do Partido Comunista se reuniram para discutir como lidar com o movimento estudantil. Depois de desentendimentos sobre qual ação tomar, entre o secretário geral, Zhao Ziyang, e o secretário do partido em Xangai, Jiang Zemin, a decisão passou para Deng Xiaoping, ainda o mais influente membro do partido e presidente da Comissão Central Militar, em conjunto com Yang Shangkun, então presidente do país. Ambos concluíram que a forma como a situação foi tratada por Jiang estava correta, balanceada entre a disciplina e a preocupação com a reforma do pensamento, assim, decidiram tentar o diálogo com os estudantes. Mas tais tentativas já haviam sido feitas anteriormente, em abril e maio, sem sucesso, devido ao fato de que – por exemplo - em abril, durante o funeral de Hu Yaobang, os manifestantes decidiram invadir e permanecer no prédio utilizado para atividades legislativas e cerimoniais, conhecido como o Great Hall of the People, localizado na Praça da Paz Celestial, e nenhuma autoridade se dispôs, diante das circunstâncias, a receber os representantes do grupo. (NATHAN, 2001). No dia 13 de maio, aqueles que estavam estabelecidos na Praça decretaram greve de fome, coincidindo com o período confirmado para a visita ao país do líder soviético de então, Mikhail Gorbachev, que estaria chegando em dois dias. 15! Original em inglês: […] a student declaration was read in Tiananmen Square calling on the government to accelerate

political and economic reform, guarantee constitutional freedoms, fight corruption, adopt a press law, and allow the establishment of privately run newspapers. The declaration said important first steps would include institutionalizing the democratic practices that the students themselves had begun to initiate on their campuses, conducting dialogue between students and the government, promoting democratic reforms of the government system, opposing corruption, and accelerating the adoption of a press law.


55 Durante os dias seguintes, intelectuais se juntaram aos estudantes, alguns incidentes nas províncias começaram a eclodir e o encontro que as autoridades chinesas haviam planejado como o ponto máximo de anos de diplomacia com a União Soviética foi posto de lado.16 (NATHAN, 2001, p. 4).

Conforme Nathan (2001), a imprensa internacional, que estava presente em grande número no país para a reunião, se voltou para o movimento estudantil. Durante as semanas seguintes, a greve de fome ganhou o apoio de dezenas de milhares de outros cidadãos que saíram às ruas em peso exigindo do governo algum posicionamento. Em 16 de maio os protestos ganham ainda mais força, com a adesão de membros da “[…] companhia de aviação do governo, os da siderúrgica de Pequim e até os guardas da Cidade Proibida. O movimento adquire, assim, um caráter mais amplo e popular […]”. (ANDRADE; FAVRE, 1989, p. 60). Quase um milhão de pessoas está reunido na praça e cerca de três mil manifestantes continuam em greve de fome. Dia 17 de maio, o seleto grupo de líderes do Comitê do Partido se reuniu na casa de Deng Xiaoping para decidir o que fazer em relação aos manifestantes estabelecidos na praça. Naquele momento, o mais importante era dissuadir os que estavam em greve de fome e todos os demais de suas demandas, e, principalmente, tirá-los da Praça. Deng Xiaoping se pronunciou já no final da reunião concluindo que a única forma de controlar os manifestantes seria através da convocação do exército e da lei marcial. (NATHAN, 2001). Pequim não pode continuar desse jeito. Nós primeiramente temos que resolver a instabilidade na cidade, porque se não fizermos isso, nós nunca seremos capazes de resolver nas outras províncias, regiões, e cidades. […] Depois de pensar árdua e longamente sobre isso, eu conclui que deveríamos trazer o Exército da Libertação Popular (PLA na sigla em inglês) e declarar lei marcial em Pequim - mais precisamente, nos distritos urbanos de Pequim. O objetivo da lei marcial será o de suprimir o tumulto de uma vez por todas e fazer com que as coisas voltam rapidamente ao normal. Esse é o inexorável dever do Partido e do governo. Eu estou solenemente propondo isso ao Comitê Permanente do Politburo e espero que vocês considerem. 17 (XIAOPING apud NATHAN, 2001, p. 20, grifo nosso).

16! Original em inglês: During the next few days, the intellectuals joined in, incidents in the provinces began to erupt, and the

summit that the authorities envisioned as a triumphant climax to years of diplomacy with the Soviet Union was thrown into the shadows. 17! Original em inglês: Beijing can’t keep going like this. We first have to settle the instability in Beijing, because if we don’t we’ll never be able to settle it in the other provinces, regions and cities. After thinking long and hard about this, I’ve concluded that we should bring the People’s Liberation Army (PLA) and declare martial law in Beijing - more precisely, in Beijing’s urban districts. The aim of martial law will be to suppress the turmoil once and for all and to return things quickly to normal. This is the unshakable duty of the Party and the government. I am solemnly proposing this today to the Standing Committee of the Politburo and hope that you will consider it.


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A sugestão de Deng entrou em votação dentre os cinco membros do Comitê Permanente. Zhao Ziyang foi contra, argumentando que a lei marcial não seria a única opção, que, com isso, poderiam ao invés de resolver o problema, torná-lo ainda maior, mas foi vencido pela maioria, cujas opiniões iam ao encontro à de Xiaoping. Li Peng e Yao Jilin votaram pela lei marcial, Zhao Ziyang e Hu Qili foram contra e Qiao Shi se absteve. Com o empate, a questão foi então submetida novamente à Deng Xiaoping, para que em conjunto com os demais membros veteranos do Partido, tomassem uma decisão final. Na manhã do dia 18 de maio, os oito veteranos se encontraram com os demais membros do Comitê e da Comissão de Assuntos Militares. Foi nesse momento que todos concordaram formalmente em declarar a lei marcial em Pequim, decretada no dia seguinte, 19 de maio. O general Zhao Ziyang, mantendo-se posicionado contra a decisão, não compareceu na reunião. (NATHAN, 2001). Mas essa decisão não intimidou os manifestantes, que em 23 de maio já somavam um milhão, “[…] inclusive professores de nível secundário, estudantes e funcionários dos setores jornalístico, cultural e industrial, bem como do governo […]”. (ANDRADE; FAVRE, 1989, p. 16). Mesmo com a decisão de permanecer na praça depois de decretado o estado de sítio, os líderes estudantis avaliaram o movimento e visualizaram problemas, como o de que a democratização deveria ser feita de forma gradual, e que grandes mudanças não seriam possíveis apenas com protestos de rua. (ANDRADE; FAVRE, 1989). Wang Dan, um dos principais líderes estudantis reconheceu que “[…] o movimento não é mais estudantil, mas tem um caráter popular e nacional. O fato de ser conduzido pelos estudantes o levará seguramente ao fracasso”. (ANDRADE; FRAVE, 1989, p. 72). À meia noite do dia 3 de junho surge no lado leste da Praça da Paz Celestial o primeiro tanque com o intuito de conter e dispersar os manifestantes. De acordo com Andrade e Favre (1989, p. 24), “Começa-se a ouvir o estalo surdo das bombas de gás lacrimogêneo, que explodem no lado oeste. O exército avança sobre as barricadas […]. Pequim caminha para a insurreição, e a China corre o risco de mergulhar na guerra civil”. Os confrontos continuaram no dia 4, com milhares de manifestantes ainda na praça enfrentando o exército, que avança com tanques, granadas e armas de fogo. As duas horas da manhã “Vindas do oeste, e protegidas por um anteparo de


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dezenas de tanques, as tropas começam a invadir a praça, em meio a uma nuvem de gás lacrimogêneo e disparos intermitentes”. (ANDRADE; FAVRE, 1989, p. 26). Às três horas da manhã, restam cinco mil estudantes sob a mira dos canhões, e os altofalantes da praça reiteram a posição do Estado, de não se responsabilizar pelas consequências, caso eles não retornem para suas casas. Às quatro horas da manhã as luminárias da praça se apagaram e relatos sobre os massacres não pararam de surgir, momento em que os líderes estudantis começaram a pedir que os manifestantes se retirassem para evitar um massacre ainda maior. (ANDRADE; FAVRE, 1989). E às cinco horas da manhã, As luminárias estão novamente acesas. Sob a luz amarela, em meio à neblina do gás lacrimogêneo, o primeiro contingente de estudantes, […], bate em retirada para o lado sudoeste da praça. Os últimos simpatizantes presentes os aplaudem. […] algumas centenas de manifestantes irredutíveis, em sua maioria operários, enfrentam ainda as tropas que avançam sobre a praça […]. Esses que ficaram, optaram pelo martírio. Não têm a menor chance de escapar vivos. (ANDRADE; FAVRE, 1989, p. 30-31).

Os confrontos seguem até as nove horas da noite, com soldados bloqueando os acessos à praça, estudantes sendo esmagados por tanques, que também atiram naqueles que permanecem nos arredores, grupos de pessoas são mortos por soldados e suas metralhadoras. Nem mesmo turistas, jornalistas e fotógrafos estrangeiros eram poupados. “No dia seguinte é desencadeada uma caça às bruxas. A população é solicitada a denunciar os fugitivos. A televisão transmite números de telefones para denúncias, e repete sem parar a versão oficial dos acontecimentos”. (ANDRADE; FAVRE, 1989, p. 39). Essa versão, divulgada pelo governo chinês, ignorou a brutalidade das ações e visou o rápido esquecimento do episódio por parte da população, dos jornalistas, nacionais e estrangeiros, assim como de toda a comunidade internacional: A ordem reina em Pequim. O pequeno grupo de contra-revolucionários que procuravam derrubar o governo e reintroduzir o capitalismo na China, com o apoio de governos estrangeiros, foi derrotado. O glorioso exército popular restabeleceu a normalidade quase sem derramamento de sangue, exceto o de soldados, heróis que pereceram em defesa da Mãe-Pátria. Um grupo de bandidos e marginais foi responsável pelas mortes, que não ultrapassaram a casa dos trezentos, em sua maioria soldados. (ANDRADE; FAVRE, 1989, p. 15).


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Tal versão serviu apenas para ratificar a posição do Estado chinês, de minimizar qualquer situação que possa prejudicar sua soberania, tanto internamente quanto externamente, perante seus parceiros comerciais. Depois, o Estado passa a abafar toda informação que esteja relacionada aos episódios. Visando o restabelecimento da ordem e voltando a atenção para evitar que comportamentos rebeldes possam se transformar em episódios como a manifestação dos estudantes. Zhao Ziyang, secretário-geral do Partido Comunista, é destituído e “[…] expulso do birô político e do próprio comitê central. […] Começa a ‘operação limpeza’ no partido. Os ‘elementos liberais e frouxos’ devem ser expulsos, proclama o comitê central”. (ANDRADE; FAVRE, 1989, p. 40). O ano de 1989 foi, desde então, a última data a entrar para a história chinesa devido a um protesto estudantil em busca de reformas políticas. Nenhum outro movimento do gênero, com as mesmas proporções voltou a ocorrer. Além disso, de acordo com Trevisan (2006, p. 182), “[…] é comum ouvir de estudantes de hoje a avaliação de que os manifestantes de 1989 puxaram demais a corda e exigiram reformas impossíveis de serem atendidas pelo governo”. Na imprensa oficial do país não surge mais qualquer menção ao massacre da Praça da Paz Celestial. Todos os anos, nos dias que antecedem e no dia do aniversário do episódio, 4 de junho, aumentam o controle e a censura sobre todos, principalmente aos meios de comunicação, nacionais e estrangeiros. Conforme Trevisan (2006, p. 183), Os dissidentes são colocados sob vigilância da polícia e é reforçada a segurança na praça e em seus arredores. O noticiário das redes internacionais de notícia, como CNN e BBC, sai do ar cada vez que há menção ao episódio e as autoridades comunistas se comportam como se Tiananmen não tivesse existido.

Mas, mesmo assim, novos movimentos sociais, físicos e virtuais, vêm surgindo a cada ano, buscando maior liberdade e mais direitos. E junto com os movimentos também cresce o controle e a censura governamental, cuja intenção é a de manter os descontentes invisíveis para a grande massa da população e evitar que gerem uma comoção ainda maior. “Em 2012, houve 100 mil protestos de massa no país. A população menos favorecida já está revoltada e já vem se manifestando nas ruas e nas


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redes sociais. E o governo segue patrulhando e censurando. Até quando irá resistir? Ninguém sabe. Também é notório que hoje os movimentos sociais chineses estão em sintonia com o partido, não querem a democracia ocidental, eles querem, em maioria, travar uma luta chinesa, dentro dos seus próprios moldes e mantendo a estrutura social. Acho que o governo tem o controle das populações há 4000 anos. Não penso que isso irá mudar. A dúvida que nos fica é o poder da internet e da comunicação jamais vista na história. Se algo mudar, será o poder da comunicação em escala global. Mas não acredito em grandes mudanças revolucionárias em nome da democracia, acredito em revoltas, como sempre ocorreram na China, que pouco a pouco estarão em sintonia com o status quo”. (Rosana Pinheiro-Machado, antropóloga e sinóloga, 2013). É preciso considerar a atual e nova realidade de protestos e movimentações de cidadãos em busca de melhores condições de trabalho, comunicação e liberdades de forma geral. Algo parecido com o massacre ocorrido na Praça da Paz Celestial não pode ser descartado de voltar a acontecer. “Claro que é possível. Infelizmente. Mas hoje a China tem uma posição no sistema mundial que precisa cuidar mais para manter e alcançar a hegemonia, mas penso que a violência desmedida é possível e imprevisível. Lamentavelmente acho que a população, em geral, não teme que isso ocorra, a maior parte desconhece o caso, e quem conhece não está preocupado. As preocupações dos chineses são outras. Eles são críticos com o PCC mas não querem mudar radicalmente”. (Rosana Pinheiro-Machado, antropóloga e sinóloga, 2013). Durante o período dos protestos de 1989, o papel dos profissionais de comunicação foi fundamental. Até mesmo a imprensa local mudou de comportamento ao perceber a dimensão das manifestações. “Tolhidos até então pelos controles governamentais, os jornalistas e editores de jornais e noticiários de televisão livraram-se das mordaças e começaram a cobrir os protestos da maneira mais honesta e abrangente possível”. (SPENCE, 1995, p. 688). O trabalho de difusão do episódio por todo o mundo foi feito pelos correspondentes estrangeiros presentes naqueles dias em Pequim. Foram eles que retrataram para o exterior, burlando as proibições governamentais, exatamente o que estavam vendo e presenciando. Esse movimento evitou a tentativa de alteração do episódio por parte do governo chinês, manipulação que se deu através da versão oficial divulgada, extremamente controversa e falsa, visando o rápido esquecimento dos acontecimentos e evitando a repercussão negativa.


60 Oficialmente, os jornalistas e diretores de emissoras estrangeiras também sofriam restrições. Eles não podiam entrevistar cidadãos chineses e estavam proibidos de coletar notícias na Praça da Paz Celestial e em outras áreas delicadas. No entanto, até aproximadamente 1º de junho, muitos correspondentes estrangeiros ignoraram as regras. Cidadãos chineses chegaram até a intervir para proteger jornalistas americanos e japoneses quando estes eram hostilizados pela polícia. (LULL, 1992, p. 142).

Nem mesmo as edições físicas de jornais e revistas internacionais foram mantidos no país durante o desenrolar dos acontecimentos na praça. Ambos os tipos “[…] foram retirados até mesmo de hotéis que atendem quase que exclusivamente a estrangeiros”. (LULL, 1992, p. 149). Além disso, alguns jornalistas internacionais foram extraditados da China, como por exemplo, “[…] um jornalista da Voz da América […] por ‘espalhar rumores e distorcer os fatos’”. (LULL, 1992, p. 149). Ainda na busca por impedir e dificultar o trabalho jornalístico, os profissionais também “[…] foram proibidos de fotografar […], e as ligações através de satélite com o exterior foram cortadas”. (SPENCE, 1995, p. 689). Mesmo assim, o trabalho continuava acontecendo, tanto que, transmissões ao vivo da praça foram mantidas “[…] pela Cable News Network, pela CBS, pela NHK japonesa e pela Eurovisão”. (FIORE, 1990, p. 216). 3.2 Correspondentes Estrangeiros O Partido Comunista mantém a postura de abafamento e controle em todos os departamentos do país, desde os assuntos relacionados à segurança nacional e comunicação interna e externa, até ao que os próprios cidadãos chineses devem pensar e interpretar a respeito de qualquer fato. A acachapante presença do PCC tem o efeito de homogeneizar o discurso dos chineses e reduzir as possibilidades de crítica. É comum escutar a mesma resposta de pessoas que não se conhecem à pergunta: ‘o que você acha de Mao Tsé-Tung?’: a de que foi um homem extraordinário, que cometeu alguns erros, como qualquer ser humano. (TREVISAN, 2006, p. 83).

Igualmente, em entrevista para a autora, o jornalista brasileiro Fabiano Maisonnave (2013), que atuou durante um ano como correspondente internacional do jornal Folha de São Paulo em Pequim, confirmou a eficácia do controle da informação refletida no comportamento dos chineses.


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“Principalmente em temas como relações com o Japão, o confronto na Praça da Paz Celestial e grandes tragédias promovidas pelo Partido Comunista. Em geral, são visões com forte viés nacionalista, embora haja sempre exceções, inclusive na imprensa, em livros de ficção e no cinema”. (Fabiano Maisonnave, jornalista, 2013). Para que esse controle e forma de atuação sejam possíveis, governos como o da China tem um funcionamento peculiar em se tratando de situações que envolvam a comunicação e distribuição de informação para seu próprio povo e para os outros países. Governos autoritários exercem uma variedade de mecanismos para pressionar, influenciar e, nos casos mais extremos, controlar as comunicações, ao mesmo tempo que demonstra intolerância a opiniões políticas alternativas, autônomas e espontâneas mobilizações populares, informação e canais de comunicação […].18 (RAWNSLEY, 2006, p. 6).

Para garantir a eficiência do sistema, o governo chinês mantém departamentos específicos com a finalidade de controlar toda informação produzida e disseminada dentro do país, tanto para veiculação interna quanto para externa, como no caso dos correspondentes estrangeiros. De acordo com Trevisan (2006, p. 165-166), O controle da informação na China é permanente e a censura é exercida sem pudor. Em seus documentos oficiais, o Partido Comunista afirma que é seu dever ‘guiar a opinião pública’ do país na direção correta. No exercício dessa missão, considera essencial a subordinação dos meios de comunicação às suas diretrizes.

Conforme Brady (2006, apud LIM, 2011, p. 116), “[…] o Partido Comunista da China (PCC) é encarregado da regulamentação da mídia chinesa através de uma das suas divisões internas, chamada de Departamento Central de Propaganda do PCC”.19 Já o Escritório de Propaganda Estrangeira funciona como uma filial do Departamento Central de Propaganda (DCP) e dentre as suas principais funções está a de supervisionar e controlar as atividades dos jornalistas estrangeiros que estiverem trabalhando no país.

18! Original em inglês: Authoritarian governments exercise a variety of mechanisms to pressure, influence and, in the most

extreme cases control communications, at the same time as demonstrating intolerance of alternative political opinions, autonomous and spontaneous popular mobilization, information and channels of communication […]. 19! Original em inglês: […] the Chinese Communist Party (CCP) is in charge of regulating the Chinese media through one of its internal divisions, called the Central Propaganda Department of CCP.


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“O principal problema é o medo generalizado de dizer o que pensa, principalmente em Pequim, a capital. Há também limitações geográficas, como o Tibete, onde só é possível visitar acompanhado do governo. Quando se trata de cobertura econômica, porém, as entrevistas e informações são mais fáceis”. (Fabiano Maisonnave, jornalista, 2013). Além disso, o escritório também gerencia as notícias internacionais sobre a China e age como ponto de ligação entre a mídia estrangeira e os demais órgãos e departamentos governamentais, ou seja, o objetivo principal do departamento é seguir as orientações do partido e proteger seus interesses. (BRADY, 2006, apud LIM, 2011). Consequentemente, quando o jornalista estrangeiro requer permissão de entrada na China para trabalhar numa reportagem de um telejornal, por exemplo, toda a produção precisa do apoio da CCTV, emissora oficial de televisão do país. Os contatos iniciais, de acordo com Bridi (2008), são feitos por meio da Câmara de Desenvolvimento Econômico Brasil-China, com sede em São Paulo. Enquanto isso, os jornalistas internacionais já se correspondem com os funcionários do Departamento Internacional da CCTV na China. A eles devem ser encaminhados todas as necessidades jornalísticas, como os lugares a serem visitados, quem querem entrevistar e o que irão gravar. Conforme Bridi (2008, p. 45), “As respostas que recebíamos […] eram sempre muito vagas, do tipo ‘não se preocupem’ ou ‘está tudo certo’. Não vinha organograma de gravação, nem nomes de entrevistados confirmados, roteiro de viagem, nada”. Cada uma dessas informações somente são descobertas aos poucos após a chegada da equipe de gravação ao país. Em 2007, algumas mudanças ocorreram nos procedimentos, de acordo com Campos e Garcia (2008), jornalistas que trabalharam em uma reportagem no país durante 22 dias no ano de 2008. Os contatos iniciais foram com o embaixador da China no Brasil, que facilitou e intermediou a negociação e os contatos com a Associação Chinesa para Intercâmbio de Rádio, Filme e TV - CARFTE 20. (A Associação) destacou uma equipe para nos assessorar antes e durante nossa estada na China. Por cerca de dois meses, houve uma intensa troca de faxes e e-mails entre nossa equipe e o pessoal da CARFTE. Através dessa associação, conseguimos autorização para filmar em lugares como a Cidade Proibida, a Grande Muralha e a Praça da Paz Celestial. Os pedidos de entrevistas com autoridades chinesas também foram encaminhados à 20! CARFTE: sigla em inglês para Chinese Association for Radio, Film and TV Exchange.


63 associação. […] A negociação para nossa ida à China foi longa e marcada por encontros, visitas e jantares. (CAMPOS; GARCIA, 2008, p. 403-404; 414, grifo nosso).

A burocracia muda quando os jornalistas estrangeiros, para que possam trabalhar como correspondentes internacionais, requerem residência permanente na China, situação relatada por Sonia Bridi, no livro de 2008, ‘Laowai - Histórias de uma repórter brasileira na China’, em que descreve com detalhes, baseada em sua própria experiência no país, entre 2005 e 2006, todos os procedimentos e regras as quais os jornalistas estrangeiros devem se submeter para conseguirem viver e trabalhar no país. A primeira providência, segundo instruções da embaixada da China no Brasil, é tirar a carteira de jornalista no Birô de Jornalistas Estrangeiros do Ministério das Relações Exteriores. Depois, passar por exame médico, alugar um apartamento para termos endereço fixo e, com tudo isso, ir ao setor de Imigração para trocar os vistos temporários por vistos de residentes, válidos por um ano. Com a carteira de jornalista e o passaporte, eu poderia retirar na alfândega o equipamento que estava sendo enviado em meu nome, pelo escritório de Londres. […] Temos de adotar nomes em chinês. […] Recebemos com as carteiras um livrinho - o livro de normas de comportamento dos jornalistas estrangeiros. (BRIDI, 2008, p. 19).

Esse livro é entregue a todo jornalista estrangeiro que tenha feito o registro para trabalho na China, e, conforme Bridi (2008), vem junto com a carteira do Centro Internacional de Imprensa do Ministério das Relações Exteriores, ICP, na sigla em inglês. O manual tem 74 páginas e lá estão relacionados todos os procedimentos para instruir o novo profissional em relação ao visto, pagamento de impostos, estudo do chinês, aluguel de apartamento e contratação de funcionários. As normas que estabelecem como fazer reportagens na China também são abordadas e ocupam a maior parte das páginas. Para entrevistar qualquer pessoa com cargo público, por exemplo, é preciso ter permissão da instituição a que ela está afiliada e do órgão superior que regulamenta tal instituição. Pode-se entrevistar altas autoridades, desde que o pedido seja encaminhado com pelo menos três semanas de antecedência e que as perguntas sejam feitas por escrito. Na prática, raramente os pedidos são atendidos. Um jornalista estrangeiro é proibido de ‘espalhar falsos rumores’, fazer reportagens mal intencionadas, etc. O pequeno e austero livro também discorre sobre a base legal para o controle dos repórteres. Ninguém pode deixar a cidade de residência sem antes avisar ao IPC e conseguir permissão da província e prefeitura que pretende visitar. […] as autoridades locais são avisadas com antecedência da nossa chegada. Além disso, sempre que algum estrangeiro com visto de jornalista se registra num hotel na China, a delegacia mais próxima é devidamente avisada. (BRIDI, 2008, p. 68).


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Conforme Scofield Junior (2007, p. 150), “[…] as entrevistas não são fáceis e muitos simplesmente se recusam a falar (o que, para mim, funciona como uma espécie de censura)”. Relatado também por Maisonnave (2013), a burocracia para entrevistas com qualquer membro do governo ou de grandes empresas estatais é muita extensa e as respostas normalmente seguem o padrão estabelecido e fogem de possíveis assuntos polêmicos. “Entrevistei apenas vice-ministros e presidentes de estatais. Sempre é preciso enviar as perguntas com antecedência, geralmente via fax. As respostas costumam ser protocolares”. (Fabiano Maisonnave, jornalista, 2013). O próximo passo para se estabelecer na China como correspondente é a abertura de uma conta bancária, estágio em que o jornalista se depara com o arcaísmo do sistema bancário chinês e dos chineses. Os guichês protegidos por vidro, um ao lado do outro, como em muitos bancos no Brasil, estão cercados por uma multidão que se acotovela para chegar à janelinha. Enquanto um cliente é atendido, outro enfia pela abertura um monte de papéis e grita em chinês alguma coisa para o caixa. (BRIDI, 2008, p. 20).

O sistema bancário do país é o ponto fraco da economia que mais cresce no mundo. Em 2006, o governo decidiu sanear os bancos, abrindo o capital de muitos deles, e permitiu, desde então, a concorrência estrangeira. Todos os procedimentos bancários, precisam ser feitos pessoalmente nas agências. “Para nós, uma perda de tempo inconcebível, mas ainda natural numa sociedade com excesso de gente e falta de ocupação”. (BRIDI, 2008, p. 22). Ainda cumprindo os requisitos para se conseguir o visto de jornalista na China, uma bateria de exames médicos deve ser feita, cujas análises são realizadas, desde o sangue coletado, passando pela urina e um simples exame de visão. Mas que, na verdade, são feitos com o intuito singular de saber se o candidato a residente no país é ou não portador do vírus HIV. Conforme Bridi (2008, p. 22), Esse é o único exame feito a sério. Vamos passando de sala em sala, com médicos fazendo de conta que nos examinam. O eletrocardiograma é patético. Eles botam os sensores, ligam e desligam a máquina e, em seguida, dão o teste como realizado. Não contaminados pelo vírus da AIDS,


65 saímos sem saber se corríamos o risco de ter um enfarte na próxima esquina.

Após encontrar um apartamento, finalizar a negociação e ter o contrato em mãos, leva-se esse e os demais documentos de todas as demais etapas finalizadas à Imigração. Lá, um oficial uniformizado entrega um formulário que deve ser preenchido com caneta preta. Além disso, o carimbo oficial da empresa, em mandarim, deve estar estampado no formulário, mesmo sendo uma empresa estrangeira, deve então confeccionar um para que seja utilizado nesse passo. Sem o carimbo oficial, o processo não é levado adiante. O facilitador é que na China, para se ter um carimbo, não é necessário abrir uma empresa no país, somente um formulário entregue pelo órgão que requere o carimbo, autorizando a confecção de um. O registro de residência e o de casamento, quando um casal requer o visto, também são exigidos para a emissão do visto de residência para jornalista estrangeiro. (BRIDI, 2008). Com o visto de residência em mãos, começam os desafios na produção das reportagens. Empecilhos e normas precisam ser vencidos e driblados a cada nova matéria, entrevista, captação de imagem. Em várias situações não é possível driblar as autoridades quando os acessos as fontes são negados ou as requisições para a realização de certas reportagens são conduzidas de acordo com a vontade dos líderes políticos. O controle é tanto que existem casos em que o profissional opta por mudar o foco da matéria ou até mesmo desistir de abordar determinado assunto. “Por exemplo: eu queria visitar a cidade natal de Chen Guangcheng, o ativista cego. Como houve vários incidentes com jornalistas, principalmente agressão, nenhum intérprete ou fotógrafo se dispôs a fazer a viagem comigo. Desisti. […] Fiz uma reportagem sobre tráfico de crianças em Hunan. Fui parado pela polícia, as entrevistas eram acompanhadas por membros locais do PCC. […] Fiz uma viagem ao Tibete a convite do governo. Foi bastante controlada, não dava para sair perguntando, visitar mosteiros”. (Fabiano Maisonnave, jornalista, 2013). Situação parecida também ocorreu com a jornalista Sônia Bridi e sua equipe quando viajaram para Fengdu, uma cidade com 400 mil habitantes, conhecida mundialmente pela realocação de moradores devido a construção de uma usina hidrelétrica. Esse foi o motivo da visita da equipe de reportagem, cujo intuito era mostrar a desapropriação, através das pessoas, das casas e de um templo histórico,


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todos deixados para trás, além da nova cidade construída para abrigar essa população. O problema para os jornalistas iniciou quando, de acordo com Bridi (2008), pediram permissão para mostrar a cidade velha e o templo, ambos abandonados. Esse pedido não foi atendido, somente estavam permitidas as entrevistas com os moradores realocados já nas suas novas moradias. O motivo da negativa foi mais tarde descoberto, quando a equipe burlou o esquema de segurança e captou algumas imagens do local. As instalações, supostamente abandonadas não estavam realmente vazias. “Acabamos entendendo. Não pudemos entrar porque ainda havia gente nas ruínas. Gente que não quis se mudar ou não recebeu a indenização, ou protestava contra a usina”. (BRIDI, 2008, p. 56). Depois da experiência frustrada de realizar a reportagem mostrando todos os lados da construção da usina, a conclusão da jornalista deixa clara as condições de trabalho no país: Foi um inferno manter o ritmo de gravação. Para onde quer que Paulo (cinegrafista) apontasse a câmera, lá estava um grupo dos nossos acompanhantes. De braços cruzados, olhando para a lente, eles estragavam qualquer cena. Nos dividimos para tirar a comitiva do caminho cada um puxava um grupinho para um lado, tentando limpar a imagem. Não havia possibilidade de realizar uma reportagem isenta. Todos os camponeses que dariam entrevista tinham sido escolhidos e orientados pelo partido. Ninguém iria falar - e nem falou - mal ou fazer denuncias. (BRIDI, 2008, p. 57, grifo nosso).

Assim como existe um controle em relação aos locais de gravação e ao que pode ou não ser filmado, os correspondentes estrangeiros também precisam tomar cuidado com os chineses que os ajudam na produção de determinadas reportagens, nas quais se arriscam infringindo normas estabelecidas. Conforme Bridi (2008), ao filmar um stand up rápido no portão da Cidade Proibida, sem autorização do governo, foi utilizada uma câmera pequena e um microfone escondido na roupa, para que ficasse fácil conseguir se passar por turista. O ponto mais importante desse tipo de decisão por parte de jornalistas estrangeiros é o de não levar junto, não contar para onde estão indo e nem o que irão fazer para os seus tradutores e motoristas chineses. Sabemos muito bem que para nós o máximo que pode acontecer são algumas horas trancafiados em uma cadeia, mais uma bronca. Em casos gravíssimos, a deportação. Entretanto, para os chineses que ajudam jornalistas estrangeiros a pena pode ser pesadíssima. (BRIDI, 2008, p. 73).


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Esse tipo de situação, de acordo com Bridi (2008), foi vivenciada pelo jornalista alemão Jochen Graebert, ao usar como fonte um chinês chamado Fu Xian Cai, militante contra as obras da usina hidrelétrica na cidade de Yichiang. Ele não havia, assim como outros agricultores da região, recebido a indenização do governo pelas terras que seriam alagadas. Após entregar uma petição, assinada por todos, estando em Pequim, reivindicando o valor, apanhou tanto que foi parar no hospital. Quando se recuperou, ligou para a imprensa estrangeira e contou o que havia acontecido, foi quando entrou em contato com Graebert e marcaram uma entrevista. O encontro foi marcado com cuidado para evitar que a polícia interviesse. […] Fu apresentava a Jochen as provas do desvio das indenizações de milhares de agricultores jogados na miséria. As terras foram inundadas e o dinheiro, desviado. De lá, o jornalista alemão pegou o vôo de volta para Pequim. Fu Xian Cai caminhava de volta para a casa quando foi interceptado, duramente espancado e largado na beira da estrada. Encontrado muitas horas depois, foi levado para o hospital, que se recusou a prestar atendimento se não recebesse pagamento adiantado. […] O contato de Jochen Graebert ligou para Pequim, e o jornalista acionou a embaixada alemã, que mandou um representante para lá com o dinheiro e supervisionou a internação de Fu. Tratado, ele sobreviveu. Mas ficou tetraplégico, incapaz sequer de respirar sem aparelhos. Expostas, as autoridades locais explicaram a Pequim - e as autoridades federais aceitaram o esclarecimento - que o agricultor se feriu sozinho, para chamar a atenção. Quando essa notícia chega à imprensa estrangeira, o governo chinês acredita que está nos dando uma lição - teoriza Jochen Graebert -. As autoridades parecem dizer: se insistirem em apresentar reportagens de denúncias, não vamos censurá-los, mas suas fontes serão punidas. Elas contam com nosso sentido de culpa, de responsabilidade, para nos calar. (BRIDI, 2008, p. 279-280).

Mesmo que a perseguição física aconteça principalmente, e com maior frequência, aos cidadãos chineses que ajudam os estrangeiros, a pressão psicológica aos profissionais internacionais também ocorre, através de detenções e seções de questionamentos sem fim, de acordo com a sensibilidade do assunto sobre o qual o profissional está escrevendo ou captando imagens. Conforme Scofield Junior (2007, p. 150), São muitos os casos de jornalistas estrangeiros detidos por cobrir assuntos que o governo não quer que outros países saibam. Ficam presos às vezes o dia inteiro, respondem a perguntas e são liberados. Às vezes, a própria população chinesa reage com violência aos repórteres, especialmente os mais velhos, que costumam alegar ‘desrespeito às tradições chinesas’ para impedir a imprensa estrangeira de trabalhar. Não é fácil ser jornalista na China. Muito menos jornalista estrangeiro.


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Além das limitações enfrentadas pelos jornalistas estrangeiros ao entrevistarem fontes chinesas, captarem imagens e em todo o processo de produção de uma reportagem, os problemas continuam depois de finalizada a matéria, quando é transmitida para o país sede, através da internet, que na China faz parte da lista de empecilhos para a agilidade exigida pelo trabalho do correspondente. O motivo dessa lentidão, um dos problemas que sempre se deparam os profissionais que lá trabalham, é a censura. Um estorvo nos acompanhou durante toda a nossa permanência de dois anos na China: a internet lenta. Quando chega a hora de transmitir a primeira reportagem, a velocidade de transmissão é apenas um quinto da que havíamos conseguido nos testes. […] Do jeito que está, precisamos cortar as reportagens em muitos pedaços de 10 a 15 segundos. É a única forma de garantir a chegada dos arquivos. […] Toda vez que desconfiamos que a censura está pegando pesado em nosso bairro, entramos no carro e ficamos dando voltas em busca de algum sinal de internet sem fio. […] Do nada, às vezes a internet melhora. Aproveitamos os acessos para ler jornais brasileiros ou acessar sites internacionais que exigem maior velocidade. Até o dia em que a gente acorda e sente na tela que a censura está de volta à nossa área. Quando produzimos uma matéria especial, com tempo maior e sem a urgência do factual, procuramos um passageiro que esteja indo para o Brasil. Ele leva o disco. (BRIDI, 2008, p. 69-70).

As dificuldades que surgem com as restrições de informações e sites que podem ser acessados através da internet, assim como a demora para o carregamento de dados são relatadas também por outros jornalistas com experiência profissional no país. “Além dos sites bloqueados, há o problema da lentidão, principalmente se hospedados fora da China. Há como driblar por meio de softwares de VPN, mas tudo fica muito lento”. (Fabiano Maisonnave, jornalista, 2013). Alguns sites são bloqueados e a conexão é simplesmente cortada, em determinados momentos, como forma de punição àqueles que tentam acessar páginas proibidas pela censura ou enviar e receber muitos dados através da rede. O acesso a alguns sites na Internet é bloqueado, como o da rede britânica de comunicação BBC e da enciclopédia eletrônica Wikipedia. Além disso, ouvimos relatos de jornalistas que tiveram a conexão à Internet suspensa, inexplicavelmente, em momentos de atividade profissional intensa. (CAMPOS; GARCIA, 2008, p. 419).

Segundo Scofield Junior (2007, p. 144),


69 Em ferramentas de busca, temas como ‘Massacre da Praça da Paz Celestial’, ‘Dalai Lama’, ‘independência do Taiwan’, ‘Falun Gong’, entre outros, resultam em listas de endereços bloqueados. Quando eles podem ser acessados, geralmente são sites que dividem com o governo da China (ou do próprio governo chinês) uma interpretação chapa branca sobre o assunto.

Os impedimentos seguem em relação às locações de filmagem. Muitos locais somente podem ser mostrados com autorização do governo em um processo repleto de burocracias, ou ainda, são simplesmente locais proibidos de serem temas de qualquer tipo de reportagem. “Em alguns lugares de Pequim, aparentemente abertos ao público, há um enorme controle sobre o trabalho da mídia. A Praça da Paz Celestial é a mais vigiada”. (BRIDI, 2008, p. 71). A praça se tornou alvo principal desse rigoroso controle devido aos acontecimentos de 1989, quando o local foi palco do massacre de milhares de estudantes que pediam, principalmente, por maior liberdade de expressão no país. Desde então, de acordo com Bridi (2008), o governo chinês permanece sempre atento a qualquer tipo de manifestação nesse cartão postal de Pequim, uma das maiores praças do mundo diante do portão da Cidade Proibida, com o famoso retrato de Mao Zedong sobre ele, e o prédio do Congresso, sede do governo, localizado no lado oeste. Na Praça da Paz Celestial é proibido fazer reportagem. Mas como eles distinguem um turista de um repórter cinematográfico? Imagino que cometam muitos erros de avaliação e tantas outras injustiças. Um profissional pode até carregar uma câmera típica de turista, nunca um equipamento profissional. Na única oportunidade em que conseguimos permissão por escrito para gravar na praça tivemos de assumir dois compromissos: não falar diretamente para a câmera; não entrevistar os transeuntes. Mesmo atendendo essas determinações, a cada dois passos aparecia um policial uniformizado. Queria conferir a autorização. (BRIDI, 2008, p. 71-72).

Em 2007, conforme Campos e Garcia (2008), procedimentos e burocracias semelhantes já existiam para a emissão das autorizações de gravação em locais símbolos do país. Tudo é combinado com antecedência, inclusive o valor das taxas a serem pagas para a liberação da documentação. Mesmo assim, imprevistos e mudanças de última hora são normais e acontecem frequentemente em relação aos valores que devem ser pagos pelas equipes. Assim como em vários países, o governo chinês cobra taxas de equipes de cinema e televisão para autorizar as filmagens em locais considerados patrimônios históricos. No nosso caso, os valores foram acertados com


70 antecedência e as gravações confirmadas por escrito. Mesmo assim, na véspera da gravação em alguns pontos turísticos fomos avisados por telefone que os preços haviam sido reajustados devido à proximidade dos Jogos Olímpicos. A explicação não nos convenceu, e, depois de uma longa renegociação, pagamos apenas o que havia sido previamente combinado. (CAMPOS; GARCIA, 2008, p. 416).

O governo introduziu ainda em 2007, já visando os Jogos Olímpicos de 2008, uma política amigável para correspondentes estrangeiros. O primeiro ministro chinês, Wen Jiabao, assinou um decreto que permitia aos jornalistas estrangeiros de reportarem sem permissões antes e durante os Jogos de Pequim. (LIM, 2011). O decreto, posto em prática a partir de 1º de janeiro de 2007 e com previsão de término para 27 de outubro de 2008, incluía: Livres entrevistas com qualquer indivíduo chinês e organização com o consenso dos entrevistados, significando que correspondentes estrangeiros, pela primeira vez na história chinesa, poderiam viajar para praticamente qualquer região - menos algumas áreas exclusivas como o Tibete - sem buscar por permissões de entrevista.21 (LIM, 2011, p. 118).

O decreto oficializou certa liberdade aos jornalistas estrangeiros, mas na prática, os profissionais ainda encontravam empecilhos até mesmo no momento de entrevistarem autoridades e ao visitarem determinados locais, conforme Campos e Garcia (2008, p. 418): Mesmo com o discurso oficial garantindo que a imprensa estrangeira é livre na China, nossa experiência mostrou que os trâmites são mais complicados. Nosso acesso direto a autoridades e a determinados locais era restrito e só foi possível com a ajuda da CARFTE, que cobra taxas para prestar serviços a órgãos de imprensa do mundo todo. Diferentemente do que acontece no Brasil, onde entrevistas e gravações são tratadas diretamente com as assessorias de imprensa ou com as próprias fontes, na China sempre há um intermediário.

De acordo com o U.S. Department of State (2009), o ano de 2008, após essas liberações, passou a ser lembrado como o ano do avanço na questão de liberdade de imprensa para jornalistas estrangeiros na China, já que o governo começou, aos poucos, a permitir que os correspondentes viajassem e que as entrevistas fossem feitas livremente sem a necessidade de permissões especiais, assim como um maior

21! Original em inglês: Free interview with any Chinese individual and organization with consent of the interviewees, meaning

that foreign correspondents for the first time in Chinese history could travel to nearly any region – despite some exclusive areas such as Tibet – without seeking interview permissions.


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número de dados oficiais passou a ser liberado, principalmente sobre questões ambientais, além de o acesso aos membros do governo ter sido facilitado. A partir de 2009, o governo manteve o controle sob os assuntos considerados fora dos limites, assim como continuou como a autoridade máxima para guiar todas as programações e conteúdos veiculados na mídia. Aqueles assuntos tabus estavam claramente iguais e intocáveis para repórteres estrangeiros e alguns outros requisitos foram acrescentados devido a atmosfera política, porque 2009 continha notáveis e delicados aniversários: o 60º aniversário de governo do Partido Comunista Chinês; o 20º aniversário da revolução/repressão na Praça da Paz Celestial; o 10º aniversário de supressão e banimento pelo partido do movimento espiritual/ rebelde Falun Gong; e o 50º aniversário de exílio/fuga do Dalai Lama do Tibete.22 (LIM, 2011, p. 118).

Com todas essas datas em vista o governo passou, desde então, a emitir, ocasionalmente, de acordo com a necessidade, diretivas guiando a cobertura de tópicos considerados sensíveis.

22! Original em inglês: Those taboo issues were clearly unchangeable and untouchable to foreign reporters and some more

requests were added with respect to the political atmosphere because 2009 contained salient and sensitive anniversaries: the 60th anniversary of Chinese Communist Party rule, the 20th anniversary of Tiananmen Square revolution/crackdown, the 10th anniversary of the party’s suppression/ban on the Falun Gong spiritual/rebellious movement, and the 50th anniversary of the Dalai Lama’s exile/flight from Tibet.


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4 CASO GOOGLE De acordo com Lum (2006), “[…] desde a fundação da República Popular da China em 1949, o país vem exercendo grande esforço em controlar o fluxo de informação […]”.1 Ainda mais com o surgimento da Internet em meados de 1990 que se apresentou como um grande problema para o governo. A informação que é considerada ‘politicamente sensível’ ou que transmite idéias de dissidentes organizados e críticas ao Partido Comunista não são toleradas. Além das reportagens que revelam críticas ao governo, as lideranças do país também suprimem ativamente a cobertura de eventos que consideram uma ameaça para a estabilidade social. Mesmo com a entrada da Internet e a reforma econômica ocorrida no país, com as empresas de comunicação começando a se preocupar com a publicidade e a renda obtida com os espaços publicitários, o governo não abre mão do controle sobre o conteúdo das informações veiculadas. Conforme Rawnsley (2006), Tong (2009) e Tong e Sparks (2009) (apud TANG; SAMPSON, 2012, p. 459), “[…] o controle e a censura permanecem fortes, a mídia é requisitada a seguir a linha do Partido e permanecer encarregada da direção correta da opinião pública”.2 A Agência Oficial de Notícias Xinhua, subordinada ao Poder Executivo, declarou, segundo Lum (2006, p. 3), que os objetivos da censura são “[…] superstições, pornografia, assuntos relacionados com violência, apostas, jogos de azar, e outras informações prejudiciais”.3 Em acréscimo à censura de reportagens noticiosas que possam apresentar o governo de forma negativa, a Internet é usada, de acordo com Lum (2006), para influenciar a opinião pública a pensarem conforme aquilo que o governo aprove, principalmente incentivando o sentimento nacionalista, de orgulho e respeito ao país. Para Tang e Sampson (2012, p. 457), “Na China, a mídia tem o papel de ‘direcionar’ a opinião pública ao invés de refletir, isso sugere que a interação entre as duas formas de comunicação sirvam para desafiar o controle do Estado sobre a mídia tradicional”.4 Delgado (2010, p. 52) ressalta que a

1! 2 3! 4!

Original em inglês: Since its founding in 1949, the People’s Republic of China (PRC) has exerted great effort in manipulating the flow of information […]. Original em inglês: […] control and censorship remain tight; the media are required to follow the Party line and remain charged with the proper direction of public opinion. Original em inglês: The PRC-sponsored news agency, Xinhua, stated that censorship targets “superstitious, pornographic, violence-related, gambling and other harmful information”. Original em inglês: In China, where the role of the media is to ‘direct’ public opinion rather than to reflect it, this suggests that the interaction between the two forms of communication serves to challenge state control over the traditional media.


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“[…] estratégia midiática para projetar uma imagem única e uniforme da China busca gerar uma nova identidade do povo chinês, que responda aos interesses nacionais determinados pela visão da elite governante”.5 O autor complementa a idéia de construção de identidade ao dizer que: Como um exercício de construção de identidade, para ser comunicada implica um processo que inclui emissores e receptores. No caso chinês, o principal emissor é o Governo Central, através da elite no poder. Por sua vez, os dois principais receptores são o próprio povo chinês e a comunidade internacional. 6 (DELGADO, 2010, p. 73).

No início dos anos 2000, cientes desse cenário, os engenheiros do Google, conforme Thompson (2006), criaram uma versão do mecanismo de busca que poderia compreender caracteres baseados nos idiomas asiáticos como chinês, japonês e coreano. “Até o final do ano, eles tinham montado uma desajeitada, mas útil versão da home page do Google em chinês”.7 (THOMPSON, 2006). Os usuários que fizessem buscas através do google.cn em 2001, teriam sua busca automaticamente detectada pelos servidores do Google, cujo sistema identificaria que o usuário estaria dentro do país e o direcionaria para a versão em chinês. Enquanto o Baidu, o mais conhecido mecanismo chinês de busca, dono de 48% do mercado, de acordo com O’Rourke, Harris e Ogilvy (2007, p. 14), “[…] tem sido ranqueado, pelos usuários chineses, como tendo a mais rápida capacidade de resposta”.8 Além disso, visou os jovens caçadores de MP3 e “[…] foi aceito como um claro líder no mercado, tanto em reconhecimento da marca quanto em avaliação dos usuários”.9 (O’ROURKE; HARRIS; OGILVY, 2007, p. 14). O Google se tornou popular com um conjunto diferente: profissionais urbanos de colarinho branco presentes nas maiores cidades chinesas, que conforme Thompson (2006), são “[…] tipos inspirados que seguem o estilo ocidental, cujas conversas são regadas por palavras em inglês, uma classe que se orgulha de ser cosmopolita em vez de

5!

6!

7! 8! 9!

Original em espanhol: […] la estrategia mediática para proyectar una imagen única y uniforme de China es un medio que busca generar una nueva identidad del pueblo chino que responda a los intereses nacionales determinados por la visión de la élite gobernante. Original em espanhol: Como el ejercicio de construcción de identidades para ser comunicadas implica un proceso que incluye emisores y receptores. En el caso chino el principal emisor es el Gobierno Central, a través de la elite en el poder. A su vez, los dos principales receptores son el proprio pueblo chino y la comunidad internacional. Original em inglês: By the end of the year, they had put up a clunky but serviceable Chinese-language version of Google's home page. Original em inglês: Baidu has been ranked with the fastest responsiveness rate by users in China. Original em inglês: The site is accepted as a clear leader in the market for both brand recognition and usage rates.


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nacionalista”10 , como a maioria da população chinesa. Focando nesse público, o Google, até o final de 2002, atingiu “[…] um número estimado em 25% de todo o tráfego de busca na China - e o fez funcionando inteiramente da California, bem longe da esfera de influência do governo chinês”.11

(THOMPSON, 2006). As

autoridades do país não tinham nenhuma autoridade legal sobre a empresa, não podendo demandar que o Google, voluntariamente, retese seus resultados de busca dos usuários chineses. Mas nesse caso, para websites que se originam em qualquer parte do mundo, que não a China, o governo tem um mecanismo de eficácia impressionante para controle, que os técnicos chamam de Grande Firewall da China, em alusão a Grande Muralha da China. Conforme Thompson (2006), no caso do Google, o firewall funcionava apenas pela metade, ele poderia bloquear sites que o Google relacionasse, mas em algumas situações deixaria passar uma lista de resultados de busca que incluíssem sites banidos. Então, se, por exemplo, o usuário estivesse em Xangai e procurasse por ‘direitos humanos na China’ no google.com, ele receberia uma lista de resultados de busca que incluiria Human Rights In China (hrichina.org), uma organização baseada em Nova Iorque, cujo website é banido pelo governo chinês. Caso o usuário tentasse seguir o link para hrichina.org, receberia apenas uma mensagem de erro; o firewall iria bloquear a página. Ou seja, o usuário poderia ver que os sites banidos existiam, mas não poderiam acessá-los. “As autoridades chinesas não gostaram da situação - os cidadãos chineses estavam recebendo constantes lembretes de que seus líderes se sentiam ameaçados por determinados assuntos […]”.12 (THOMPSON, 2006). Ainda em 2002, o governo chinês bloqueou por completo o acesso ao Google durante duas semanas, abruptamente, sem prévio aviso e sem explicações posteriores, tanto que a empresa nunca descobriu exatamente o motivo de terem sido postos offline. De acordo com Thompson (2006), mesmo depois de desbloqueado, o Google continuava tendo problemas porque o Grande Firewall tende a desacelerar todo o tráfego que vem para o país do mundo externo. 10! Original em inglês: […] aspirational types who follow Western styles and sprinkle English words into conversation, a class

that prides itself on being cosmopolitan rather than nationalistic.

11! Original em inglês: […] an estimated 25 percent of all search traffic in China — and it did so working entirely from California,

far outside the Chinese government's sphere of influence.

12! Original em inglês: Government officials didn't like this situation — Chinese citizens were receiving constant reminders that

their leaders felt threatened by certain subjects […].


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Conforme O’Rourke, Harris e Ogilvy (2007), quando qualquer usuário fizesse uma busca utilizando o google.com, essa busca seria filtrada pelo governo chinês, que iria então remover o material que fosse conflitante com os padrões por eles estabelecidos. “Esse processo retardava significativamente os resultados de busca do Google, tornado difícil para a empresa competir no mercado”.13 (O’Rourke; Harris; Ogilvy, 2007, p. 14). Cerca de 15% do tempo, de acordo com Thompson (2006), o Google estava simplesmente indisponível na China devido ao congestionamento de dados. Além disso, conforme Dann e Haddow (2008, p. 221), “Devido a ferramenta de busca do Google ser capaz de mostrar sites que continham questões de direitos humanos, o site estava sempre fortemente censurado e devagar para se acessar de dentro da China”.14 E o firewall também começou a punir os curiosos. Sempre que alguém buscasse por um termo banido, o filtro iria frequentemente retaliar mandando de volta um comando que induzia o computador do usuário a acreditar que o próprio Google teria ‘morrido’. (THOMPSON, 2006). Por vários minutos, o usuário ficaria incapacitado de acessar a página de busca do Google […]. Seu rival chinês, o Baidu, não enfrentava tal problema, porque seus servidores estavam localizados em solo chinês e, portanto, dentro do Grande Firewall. 15 (THOMPSON, 2006).

Tendo em mente a própria missão de, conforme o site oficial do Google [(2012?)], “[…] organizar as informações do mundo e torná-las mundialmente acessíveis e úteis.”, os executivos da empresa, já pensando na abertura de um escritório dentro do território chinês, começaram então a discutir exatamente quais compromissos eles poderiam tolerar em relação às regras da censura impostas pelo governo do país, que, segundo O’Rourke, Harris e Ogilvy (2007, p. 14), “[…] oferece a todos os provedores de busca na internet a difícil escolha: ou censurar os resultados ou não fazer negócios na China”.16

13! Original em inglês: This process slowed Google’s search results significantly, making it difficult for the company to compete

in the market.

14! Original em Inglês: Because Google’s search engine was able to bring up websites that contains issues on human rights,

the website was always heavily censored and slow to access inside China.

15! Original em inglês: For several minutes, the user would be unable to load Google's search page […]. Baidu, Google's chief

Chinese-language rival, had no such problem, because its servers were located on Chinese soil and thus inside the Great Firewall. 16! Original em inglês: The Chinese Government, however, offers all internet search providers a difficult choice: either censor results or do not do business in China.


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Eles decidiram que não iriam tirar do ar a existente, não filtrada, versão em chinês do mecanismo google.com. Em essência, passariam a oferecer dois mecanismos de busca em chinês. Os internautas chineses ainda poderiam acessar o anterior, google.com, que iria produzir resultados de busca não censurados, embora links controversos, conforme Thompson (2006), iriam ainda conduzir a becos sem saída, além de o site ficar mais devagar e ocasionalmente bloqueado por completo pelo firewall. A nova opção seria o google.cn, onde os resultados estariam censurados pelo Google - mas chegariam rapidamente, confiáveis e desimpedidos pelo firewall. Em setembro de 2005, de acordo com Wong (2005), o Google, lidando com esse cenário e já com as hipóteses de disponibilizar duas opções de mecanismos de busca, a empresa decidiu enviar o Dr. Kai-Fu Lee à China para trabalhar no novo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa em Pequim. Com isso, as pesquisas para a inserção do Google no mercado chinês se fortaleceram para que, ao serem finalizadas, a empresa deixasse de fornecer o serviço a partir dos Estados Unidos. Os diretores do Google assinaram a licença para se tornar um provedor de serviço de internet chinês em dezembro de 2005. E em 25 de janeiro de 2006, de acordo com O’Rourke, Harris e Ogilvy (2007, p. 12), “[…] o Google, Inc. anunciou que passaria a prover acesso a internet na China através de um novo portal: o Google.cn”.17 Mas, para cumprir com as leis do país, os executivos concordaram em censurar todos os resultados de buscas que incluíssem qualquer conteúdo considerado, pelo governo, desaprovado. Consequentemente, de acordo com Dann e Haddow (2008, p. 221), o “[…] Google.cn era mais rápido de acessar do que o Google.com porque ele filtrava o conteúdo dentro da China, contornando o Grande Firewall”.18

Esse filtro era

aplicado a situações, por exemplo, de busca por informações do atual Dalai Lama, líder espiritual do budismo tibetano, e também sobre a Praça da Paz Celestial em Pequim, conhecida como Tiananmen, local onde milhares de estudantes foram mortos pelas forças militares em 1989. Conforme abordado por Kahn (2006), 17! Original em inglês: Google, Inc. announced that it would provide access to the internet in China through a new portal:

Google.cn.

18! Original em inglês: […] Google.cn was more quickly accessed than Google.com because it filtered out content inside China,

bypassing the Great Firewall.


77 Apenas uma das 161 imagens geradas pela busca em chinês por Dalai Lama no Google.cn mostra o 14º Dalai Lama, o líder espiritual do Tibete desde 1940. Ele é retratado como um jovem se reunindo com líderes seniores chineses. Isso foi antes de 1959, quando o Exército de Libertação Popular da China invadiu o Tibete e o Dalai Lama foi para o exílio. Para as pessoas fora da China, ou chineses que consigam lograr o firewall da internet, as 2.030 imagens no não filtrado Google.com favorecem o Dalai Lama de hoje. Ele é o cara com a aparência genial na túnica cor vinho e cor de açafrão, aqui se reunindo com o presidente Bush, alí falando para 40 mil pessoas em Nova Jersey. […] Buscas por fotos da Praça Tiananmen no Google usual geram várias imagens de um homem bloqueando uma fila de tanques fora da praça, a imagem icônica do movimento democrático de 1989, seguida pela repressão. O Google.cn exibe soldados hasteando a bandeira nacional, turistas tirando fotos um do outro na praça, o sol brilhando num céu de safira.19

Esse controle da informação através do buscador faz com que aqueles chineses cujas buscas por dados são feitas pela Internet não encontrem o que retrate de forma verídica a realidade da história do próprio país, assim como de fatos diversos que de alguma forma não vão de encontro às regras impostas pelo governo. Conforme constatado por Dann e Haddow (2008, p. 221), “Se alguém viveu na China, pode até ser perdoado por pensar que muitos desses eventos históricos e pessoas nunca existiram”.20 Até a entrada oficial da empresa na China em 2005, o Google não interferia no controle dos resultados proporcionados pela ferramenta, essa função era do firewall chinês. Porém, no momento em que optaram por lançar o google.cn, seus executivos, acataram a ordem política de remover determinados resultados. Como destacado por O’Rourke, Harris e Ogilvy (2007, p. 14), “Embora os usuários chineses já haviam recebido previamente os mesmos resultados limitados, o Google não tinha nenhum papel na efetiva censura de informação até a estréia do Google.cn”.21 Essa realidade foi exemplificada pela jornalista Cláudia Trevisan (2006) no livro ‘China - o renascimento do Império’. Ela foi para o país em 2004 e trabalhou

19! Original em inglês: Only one of the 161 images produced by searching in Chinese for the Dalai Lama on Google.cn shows

the 14th Dalai Lama, the spiritual leader of Tibet since 1940. He is pictured as a young man meeting senior Chinese officials. That was before 1959, when China's People's Liberation Army invaded Tibet and the Dalai Lama fled into exile. For people outside China, or Chinese who can circumvent the Internet firewall, the 2,030 images on unfiltered Google.com favor the Dalai Lama of today. He is the genial-looking guy in the burgundy and saffron robe, here meeting President Bush, there speaking to 40,000 people in New Jersey. […] Searches for photos of Tiananmen Square on regular Google produce many shots of a man blocking a column of tanks outside the square, the iconic image of the 1989 democracy movement and the later crackdown. Google.cn features soldiers raising the national flag and tourists taking snapshots of each other in the square, the sun shining in a sapphire sky. 20 Original em inglês: If one lived in China it might be forgiven for thinking many of these historical events and persons never existed. 21! Original em inglês: Although Chinese users would have previously received the same limited results, Google had no role in the actual censorship of information until the debut of Google.cn.


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como correspondente durante um ano. Nesse período, as buscas efetuadas através do Google ainda eram recebidas pelos servidores dos Estados Unidos, que direcionavam para a versão em chinês, e os resultados sofriam interferência do Grande Firewall, por se tratar de um website não estabelecido dentro do território chinês. Na rede também há censura e inúmeras páginas com conteúdo ‘sensível’ não podem ser abertas na China. Temas como Falun Gong, direitos humanos, Dalai Lama, independência de Taiwan, e dissidentes chineses estão proibidos no país. Notícias específicas em sites de jornais estrangeiros também são bloqueadas quando desagradam aos censores. (TREVISAN, 2006, p. 167).

Trevisan (2006), além desse, também vivenciou o momento em que o Google se encontrava logo depois disso, com o google.cn, quando teve que admitir autocensurar determinados assuntos para conseguir entrar na China e disputar fatias do mercado com os buscadores chineses. A autocensura foi o caminho encontrado pelo Google para enfrentar a concorrência de sites de busca chineses, como Baidu, que atuam de acordo com as restrições impostas pelo governo. Sem a mudança, o Google estava sujeito a constantes bloqueios de seu próprio portal, que ficava inacessível por longos períodos aos usuários chineses. (TREVISAN, 2006, p. 171).

As tentativas frustadas de acessar determinados assuntos e de busca por informações através do Google foram também relatadas por Sonia Bridi (2008) no livro ‘Laowai - Histórias de uma repórter brasileira na China’. Se qualquer grande veículo apronta uma reportagem sobre a China, invariavelmente o link para a matéria não abre. Eu tenho de ligar para o Brasil e pedir que alguém me mande a matéria por e-mail, copiando do site e colando. O Google sai algumas vezes do ar. É a punição aplicada à imprensa por não estar filtrando algum conteúdo político. (BRIDI, 2008, p. 70).

Exemplos dessa censura foram constatados, da mesma forma, segundo Thompson (2006), por ativistas de direitos humanos, que imediatamente após a disponibilização do site, o acessaram para testar seu funcionamento. A censura foi bem abrangente: eles descobriram que a primeira página de resultados para ‘Falun Gong’ consistia somente de sites contrários a Falun Gong. O mecanismo de busca de imagens do Google - o qual busca por fotos - produziu igualmente resultados censurados. Uma pesquisa por ‘Praça Tiananmen’ omitiu várias fotos icônicas do protesto e da repressão.


79 Ao invés, trouxe fotos de turismo da praça, iluminada a noite e casais de chineses felizes posando em frente. 22 (THOMPSON, 2006).

A decisão do Google de acatar a censura não foi bem aceita nos EUA. “Dentro de alguns dias, manchetes por todo os Estados Unidos e ao redor do mundo acusaram o Google de abandonar seus princípios em busca do lucro”.23 (O’ROURKE; HARRIS e OGILVY, 2007, p. 12). Em fevereiro de 2006, conforme Thompson (2006), “[…] os executivos da empresa foram chamados numa audição do Congresso e comparados aos colaboradores nazistas”.24 As ações da empresa na bolsa de valores caíram, e manifestantes mostraram cartazes do lado de fora da sede da empresa, em Mountain View na California. Depois disso, durante o ano de 2009 o Google passou a sofrer regulares ataques cibernéticos, originados dos censores chineses. Em metade de dezembro foi postado no blog oficial do Google que havia sido “[…] detectado um ataque sofisticado que tinha como alvo a infra-estrutura corporativa, e que se originou a partir da China resultando no roubo de propriedades intelectuais do Google”.25 (DRUMMOND, 2010a). Ao iniciarem as investigações, a empresa descobriu primeiramente que isso não ocorreu somente no Google, mas que pelo menos vinte outras companhias de vários outros ramos sofreram ataques similares. A descoberta seguinte foi que o objetivo principal era acessar as contas do Gmail de ativistas chineses dos direitos humanos. Ataques esses que não foram bem sucedidos, pois apenas conseguiram as datas de criação das contas e os assuntos das mensagens, sem conteúdo. (DRUMMOND, 2010a). Além do que, contas do Gmail de usuários baseados nos Estados Unidos e Europa, mas que advogam pelos direitos humanos na China, vinham sendo acessadas rotineiramente por terceiros. Ao descobrir essas invasões, o Google, conforme Drummond (2010a), além de melhorar a segurança dos seus serviços e aconselhar os usuários a deixarem seus antivírus sempre atualizados, também divulgou o ocorrido ao público, pois, além de implicações de segurança e direitos 22! Original em inglês: The censorship was indeed comprehensive: the first page of results for "Falun Gong", they discovered,

consisted solely of anti-Falun Gong sites. Google's image-searching engine — which hunts for pictures — produced equally skewed results. A query for "Tiananmen Square" omitted many iconic photos of the protest and the crackdown. Instead, it produced tourism pictures of the square lighted up at night and happy Chinese couples posing before it. 23! Original em inglês: Within days, headlines across the USA and around the world accused Google of abandoning its principles in pursuit of profit. 24 Original em inglês: […] company executives were called into Congressional hearings and compared to Nazi collaborators. 25 Original em inglês: […] detected a highly sophisticated and targeted attack on our corporate infrastructure originating from China that resulted in the theft of intellectual property from Google.


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humanos, a situação também estava indo ao encontro dos debates globais sobre liberdade de expressão. Esses ataques e as constantes fiscalizações, em conjunto com as tentativas sofridas em 2009 de limitar a liberdade de expressão, levaram o Google a noticiar em janeiro de 2010, em seu blog oficial, através do pronunciamento do diretor jurídico, David Drummond, uma nova abordagem aos negócios da empresa na China. Nós decidimos que não estamos mais dispostos a continuar censurando nossos resultados no Google.cn, e assim, ao longo das próximas semanas nós estaremos discutindo com o governo chinês a base sobre a qual poderemos operar um mecanismo de busca sem filtro e dentro da lei, em sua totalidade. Nós reconhecemos que isso pode significar ter que fechar o Google.cn, e potencialmente nossos escritórios na China.26 (DRUMMOND, 2010a).

E em março do mesmo ano, a empresa deu continuidade ao anúncio feito em janeiro, e as pesquisas realizadas de dentro da China não seriam mais censuradas no google.cn, tanto a pesquisa do Google, como o Google notícias e as imagens do Google. Usuários visitando o Google.cn estão agora sendo redirecionados para o Google.com.hk, onde estamos oferecendo buscas não censuradas, em chinês simplificado, especialmente designado para os usuários da China e entregue via os nossos servidores em Hong Kong.[…] Descobrir como fazer valer a promessa de parar de censurar as buscas feitas no Google.cn tem sido difícil. Nós queremos que o maior número possível de pessoas no mundo tenha acesso aos nossos serviços, incluindo os usuários chineses, porém, o governo chinês vem sendo muito claro durante as nossas discussões de que autocensura é um requerimento legal não negociável. 27 (DRUMMOND, 2010b).

Ainda, conforme Drummond (2010b), o mecanismo de busca do Google baseado em Hong Kong provê aos usuários chineses resultados em sua própria língua e isso é ‘inteiramente legal’. Mesmo assim, a empresa sabia que o governo chinês tinha o poder de interferir quando quisessem. “[…] embora nós estejamos

26

Original em inglês: We have decided we are no longer willing to continue censoring our results on Google.cn, and so over the next few weeks we will be discussing with the Chinese government the basis on which we could operate an unfiltered search engine within the law, if at all. We recognize that this may well mean having to shut down Google.cn, and potentially our offices in China. 27! Original em inglês: Users visiting Google.cn are now being redirected to Google.com.hk, where we are offering uncensored search in simplified Chinese, specifically designed for users in mainland China and delivered via our servers in Hong Kong. […] Figuring out how to make good on our promise to stop censoring search on Google.cn has been hard. We want as many people in the world as possible to have access to our services, including users in mainland China, yet the Chinese government has been crystal clear throughout our discussions that self-censorship is a non-negotiable legal requirement.


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bem cientes de que eles podem, a qualquer momento, bloquear o acesso aos nossos serviços”.28 (DRUMMOND, 2010b). E foi devido a essa pressão do governo que o Google teve que novamente mudar de atitude. Mesmo que esse mecanismo viesse funcionando muito bem, tanto para o Google, quanto para os seus usuários, ficou claro para os executivos da empresa, após conversas tidas com as autoridades chinesas, que esse redirecionamento não seria aceito e que se continuassem dessa forma, a licença para prover conteúdo de internet na China com certeza não seria renovada. (DRUMMOND, 2010c). A partir de então, novas abordagens passaram a ser desenvolvidas e utilizadas na prestação de serviço do buscador dentro da China. […] ao invés de automaticamente redirecionar todos os nossos usuários, nós começamos levando uma pequena porcentagem deles para a página inicial do Google.cn linkada ao Google.com.hk - onde os usuários podem conduzir buscas na rede ou continuar a usar os serviços do Google.cn como música e o tradutor de texto, os quais podemos prover localmente sem filtro. Essa abordagem assegura que nós nos manteremos fiéis ao nosso compromisso de não censurar nossos resultados no Google.cn e dar acesso aos usuários à todos os nossos serviços através de uma página. […] Nos próximos dias nós iremos parar completamente de redirecionar, levando todos os nossos usuários chineses para a nossa nova página inicial […]. 29 (DRUMMOND, 2010c).

A decisão de entrar na China foi fortemente debatida dentro da empresa, e o Google foi, à época, alvo de críticas por cooperar com os censores chineses. Quando a empresa disse que não mais iria tolerar as regras chinesas de censura, grupos de direitos humanos saudaram o anúncio, dizendo que a posição do Google deveria servir de modelo para outras empresas norte-americanas. Conforme Davies (2012, p. 134), Os meios de comunicação na China e no exterior cobriram de perto a questão. A postura do Google levou a trocas hostis entre os governos norte -americano e chinês e foi assunto de quantidades grandes de comentário na China e internacionalmente sobre a liberdade na internet e o futuro da situação dos meios na China. Se os críticos internacionais da censura do governo chinês e dos abusos dos direitos saudaram a declaração do

28

Original em inglês: […] though we are well aware that it could at any time block access to our services.

29! Original em inglês: […] and instead of automatically redirecting all our users, we have started taking a small percentage of

them to a landing page on Google.cn that links to Google.com.hk—where users can conduct web search or continue to use Google.cn services like music and text translate, which we can provide locally without filtering. This approach ensures we stay true to our commitment not to censor our results on Google.cn and gives users access to all of our services from one page. […] Over the next few days we’ll end the redirect entirely, taking all our Chinese users to our new landing page […].


82 Google como uma afirmação tardia de seu lema ético ‘não seja mau’, os usuários chineses do Google.cn lamentaram o falecimento do portal. 30

O governo chinês, desde então, vem ameaçando estremecer a situação da empresa no país, alegando a recusa do buscador de censurar completamente os termos de busca e, em contrapartida, o Google continua afirmando que não irá parar de buscar maneiras de driblar a censura. A realidade das buscas realizadas através do Google até meados de 2012 era que quando um termo censurado fosse digitado, o serviço do Google seria ‘interrompido’ por até 90 segundos, tempo que o usuário deveria esperar antes que ele pudesse inserir um novo termo de pesquisa, e mesmo a abertura de uma nova aba não permitiria uma nova busca, até que o serviço fosse restabelecido. A situação foi comprovada por um audiovisual publicado pelo canal oficial do Google no site YouTube, o Google Vídeos (2012). No material, buscas são realizadas de dentro da China utilizando, em momentos diferentes, termos semelhantes, e logo na sequência o serviço é interrompido e a página sai do ar, ou seja, a situação demonstra claramente o mecanismo de controle utilizado pelos censores chineses. O Relatório de Transparência é um documento divulgado pelo Google ([2013?]) e que compreende o período de julho de 2009 à junho de 2010, e reflete dados sobre as solicitações de remoção de conteúdo feitos por vários países, entre eles, a China, cujas solicitações completas não puderam ser divulgadas por determinação do governo chinês. O buscador esclareceu a falta de dados em relação ao país com a seguinte declaração: Durante o período em que a joint venture do Google manteve google.cn, seus resultados de pesquisa estiveram sujeitos à censura por conta de solicitações feitas por agências governamentais responsáveis pela regulamentação da Internet. Como os oficiais chineses consideram as demandas de censura segredos de Estado, não podemos divulgar nenhuma informação sobre as solicitações de remoção do conteúdo referentes aos dois períodos de relatório entre julho de 2009 e junho de 2010. (GOOGLE, [2013?]).

Conforme o Google [(2013?)], dentre as informações que foram autorizadas para divulgação está o recebimento de uma solicitação de uma agência de terras 30

Original em inglês: The media in China and abroad closely covered the issue. Google’s stance led to hostile exchanges between the US and Chinese governments and was the subject of vast amounts of commentary in China and internationally about internet freedoms and the future of China’s media landscape. If critics of Chinese government censorship and rights abuses outside China welcomed Google’s statement as a belated affirmation of its ethical motto ‘don’t be evil’, mainland users of Google.cn mourned the portal’s demise.


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rurais para remover um resultado de pesquisa porque estava direcionando a um site que, supostamente, difamaria um funcionário do governo. O Google não removeu esse conteúdo. Durante o período do levantamento de dados para o relatório, de 2009 a 2010, o buscador também constatou que o Google Sites permaneceu inacessível durante o período, com início em 11 de outubro de 2009, e o YouTube ficou indisponível desde 23 de março de 2009, ou seja, durante todo o período do relatório. (GOOGLE, [2013?]). Ainda visando a diminuição do controle governamental em relação às informações disponibilizadas pelo buscador, o Google colocou no ar em 31 de maio de 2012 uma nova ferramenta, desenvolvida com o objetivo de terminar com as interrupções da censura chinesa. O novo sistema passou a mostrar um menu em forma de lista abaixo da caixa de busca, quando o termo buscado fosse identificado como ‘problemático’ e que pudesse fazer com que o buscador ficasse inacessível. Conforme publicado no blog oficial pelo vice-presidente sênior da empresa, Alan Eustace, […] iremos notificar usuários na China quando eles inserirem uma palavrachave que possa causar problemas de conexão. Ao alertar as pessoas a revisarem suas questões, nós esperamos reduzir essas interrupções e melhorar a experiência do nosso usuário da China.31 (EUSTACE, 2012).

A mensagem abaixo da caixa de busca diz o seguinte: “Nós notamos que a busca por [X] dentro da China deve pausar temporariamente a sua conexão com o Google. Essa interrupção está fora do controle do Google”.32 (EUSTACE, 2012). Os termos que podem engatilhar a derrubada incluem ‘rio’ e ‘McDonald’s’ dentre outros milhares, quando pesquisados continuamente. No momento em que a caixa amarela do Google aparece, os usuários podem tentar um novo termo sem, efetivamente, processarem a busca que causa a perda de sua conexão com a internet. O Google, dessa forma, reafirma a sua missão, de tornar as informações acessíveis para todos, ao surgir com novas formas e soluções de acessibilidade. De acordo com Eustace

31! Original em inglês: […] we’ll notify users in mainland China when they enter a keyword that may cause connection issues.

By prompting people to revise their queries, we hope to reduce these disruptions and improve our user experience from mainland China. 32! Original em inglês: We’ve observed that search for [X] in mainland China may temporarily break your connection to Google. This interruption is outside of Google’s control.


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(2012), “Nossa esperança é que essas notificações por escrito irão ajudar a melhorar a experiência de busca na China”.33 Figura 1 - Tela do Google Hong Kong com o aviso sobre a censura

Fonte: EUSTACE (2012).

As dificuldades enfrentadas e toda essa realidade chinesa, repleta de desafios que continuam surgindo a cada nova etapa percorrida pela empresa durante a sua trajetória no país já haviam sido expostas por Burgh em 2003, ano em que o Google ainda oferecia seu serviços à comunidade chinesa a partir dos Estados Unidos, uma conclusão que ainda hoje é verídica: O que o Estado está fazendo é mantendo o controle sobre a maioria dos assuntos políticos, mantendo suas posses com mão-de-ferro, emitindo códigos de conduta, e sediando reuniões de censura enquanto libera - ou sujeita - as operações midiáticas aos riscos de mercado e recompensas. 34 (BURGH, apud TANG; SAMPSON, 2012, p. 459).

Rawnsley (2006), igualmente, concluiu de forma pertinente que todo esse esquema de controle da internet no país se incorpora ao controle político também exercido pelo PCC nas demais áreas governamentais. Isso, de certa forma, contraria o discurso iniciado por Deng Xiaoping em 1978, de abertura econômica, com permissões e negociações muito semelhantes com as praticadas em países 33! Original em inglês: Our hope is that these written notifications will help improve the search experience in mainland China. 34! Original em inglês: What the state is doing is maintaining control over major political issues, keeping ownership under its

thumb, issuing codes of conduct, and holding censorship meetings while releasing – or subjecting – media operations to market risks and rewards


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capitalistas e democráticos, onde a população usufrui de liberdade de expressão e de acesso à informação. Somos confrontados na China por uma complexa rede de contradições: uma economia aberta; um sistema político fechado; um milagre econômico baseado nas forças de mercado que dependem do livre fluxo de informações, idéias e debate, mas um ambiente onde o fluxo de informação é duramente controlado; um governo compromissado com o potencial da internet como uma ferramenta governamental, mas também ansioso em restringir o uso da internet e conter seu poder. 35 (RAWNSLEY, 2006, p. 14).

O sistema político que rege hoje a China enfrenta novos questionamentos, originados em grupos individuais, tanto nos meios sociais, quanto nos políticos e nos intelectuais, todos surgidos da própria população. Conforme Brzezinski (1998, p. 163), “Eventualmente, os descontentes políticos e sociais na China irão provavelmente unir forças para demandar mais democracia, liberdade de expressão, e respeito aos direitos humanos”.36 O previsto na década de 1990 já está ocorrendo. O autor (1998) lembra o acontecido em 1989, quando os estudantes reunidos na praça da Paz Celestial também buscavam por maior liberdade de expressão quando sofreram duros ataques armados organizados pelo próprio governo. Movimento que evitou qualquer mudança na estrutura política do país. “Isso não aconteceu na Praça Tiananmen em 1989, mas pode muito bem acontecer da próxima vez”.37 (BRZEZINSKI, 1993, p. 163).

35! Original em inglês: We are faced in China by a complex network of contradictions: an open economy, a closed political

system; an economic miracle based on market forces that depend on the free flow of information, ideas and debate, but an environment where the flow of information is tightly controlled; a government committed to the potential of the internet as a tool of governance, but also anxious to restrain the use of the internet and contain its power. 36 Original em inglês: At some point, the politically and the social disaffected in China are likely to join forces in demanding more democracy, freedom of expression, and respect for human rights. 37 Original em inglês: That did not happen in Tiananmen Square in 1989, but it might well happen the next time.


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5 CONCLUSÃO Sabemos que a prática da censura - censura corporativa, autocensura e censura aos meios de comunicação - assim como o controle de toda informação que circula na República Popular da China tornaram-se comuns e naturais, algo que vai muito além da corriqueira manipulação da notícia que será veiculada no dia ou na hora seguinte em qualquer veículo de comunicação. Hoje estamos cientes de que todo o processo de controle e manipulação de pessoas através das informações faz parte de um gigantesco sistema de filtros, humanos e tecnológicos, que há muitos anos vem funcionando. Com o surgimento da Internet, com a abertura econômica do país e também a partir do contato pessoal e profissional entre estrangeiros e chineses, cujos relacionamentos despertam nos nativos curiosidades e questionamentos sobre aquilo que nunca antes puderam acessar ou se interessar. Essa nova China vem, a partir de então, enfrentando novos desafios para manter sua população sob rígido controle e submissão, sempre em busca do bem maior à nação. Conforme Brzezinski (1998, p. 158), “[…] o nacionalismo chinês é agora um fenômeno de massa, definindo a mentalidade do Estado mais populoso do mundo”.1 Trouxemos no capítulo inicial do trabalho alguns conceitos fundamentais para compreendermos o funcionamento de tal poder de censura no país e também a importância com que isso é tratado pelos líderes políticos. Iniciando pelos elementos formadores do poder, que conforme Costa (2007), um dos comentaristas de Dahl, não se encontram apenas nas mãos de um líder, mas se desenvolvem dentro de um grupo de pessoas, com confiança mútua, formando assim, redes de poder dentro do mesmo Partido, sendo no caso da China, o Partido Comunista Chinês. Mas, como no país não existe a liberdade de organização aos seus cidadãos, também a escolha dos representantes não ocorre, é imposta por esse grupo concentrador de poder, cujas ações são legitimadas sem a necessidade de aprovação popular. As decisões tomadas entre poucos são impostas para o todo, cuja função se limita em simplesmente acatar e seguir com a vida, como sempre ocorreu. Esses detalhes e informações têm como destino o esquecimento, mas, deveriam ser

1

Original em inglês: Chinese nationalism is a now a mass phenomenon, defining the mindset of the world’s most populous state.


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buscadas e difundidas através de um jornalismo feito de forma ética, cuja ideal função seria a de levar notícias e relatar a realidade para toda uma sociedade, independente da vontade dos poderosos. Atuar, conforme sintetizado por Marcondes Filho (2000), entre outras características, como o questionamento de todas as autoridades e como crítica da política. Entramos então no desenvolvimento do jornalismo para uma empresa capitalista com o objetivo principal de faturar para conseguir sobreviver. A partir disso o comportamento do jornalista passa a buscar a simpatia do empresariado e, principalmente, dos políticos, o que em países sem liberdade de imprensa, como a China, é ainda mais fácil, considerando que os meios de comunicação pertencem ao governo e a ele se submetem. Assim, conforme levantado no capítulo número 2 dessa monografia, os objetivos governamentais são, consequentemente, atendidos pelas informações liberadas e autorizadas para veiculação, que serão, então, prontamente absorvidas pela população. Dessa forma, acreditamos que a atividade jornalística perde o papel de Quarto Poder e se enquadra nos modelos Autoritário e Comunista de Jornalismo exposto por Sousa (2002), pois o governo exercido pelo PCC dentro da China dita, explícita e implicitamente, aquilo que o meio de comunicação deve mostrar para seus receptores, mantendo, dessa forma, uma visão homogeneizada do país perante os próprios cidadãos e os demais países com os quais mantém relações econômicas e políticas. Claro que existem pessoas, tanto os próprios chineses quanto estrangeiros, assim como organizações não governamentais, que lutam pela mudança no país, mas acreditamos que esse processo de abertura comunicacional ainda levará algumas décadas. Pensamos que para conseguirmos alcançar uma imprensa livre na China e também independente das vontades governamentais, precisamos, primeiramente, refletir sobre a liberdade de expressão no país. Pois sem isso, é muito difícil que os cidadãos consigam formar suas próprias opiniões sobre qualquer fato e, consequentemente, a própria imprensa, formada por esses cidadãos, desempenhará um papel falho no relato das informações. Pois não conseguirá transformar as notícias em algo que seus receptores entendam e reflitam a respeito, para que assim desenvolvam novos e diferentes pontos de vista. E mesmo que isso venha a ocorrer em algum momento da história da China, não podemos ser ingênuos em não


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concordar com Sousa (2002) quando diz que o espaço público jornalístico é, essencialmente, um espaço tendencialmente ocupado por meia dúzia de protagonistas - independente do país - em maior ou menor grau de influência. O resgate histórico que compôs parte dessa monografia foi de extrema importância para entendermos, além do sofisticado sistema de controle governamental, mesmo depois da abertura econômica iniciada em 1978, sobre empresas com a envergadura do Google, a postura do cidadão chinês em relação à censura e a falta de liberdade de expressão. Precisamos compreender que depois de históricas privações, abusos e ameaças, assim como falta de condições para aquisição do básico, mortes de cidadãos que decidiram protestar por algo que acreditavam e o desaparecimento de militantes em busca de liberdades democráticas, a grande massa da população chinesa, sente hoje, um alívio em apenas poder circular livremente e visitar mercados e lojas para gastar seus yuans e adquirir bens de consumo. Renda resultante de um emprego, muitas vezes, desumano e com baixíssima remuneração. Conforme trouxe Trevaskes (2012, p. 66), “[…] as pessoas geralmente vem se dispondo a desistir do engajamento político em troca de assegurados direitos sociais e econômicos”.2 Além disso, para um chinês trabalhador e não ligado a ricas e poderosas famílias - governamentais ou empresariais - que não tem condições financeiras para sair da China e conhecer o restante do mundo, a sua realidade é que conhece muito pouco ou absolutamente nada a respeito de outros países e seus costumes. Para esse cidadão, a China representa, depois de tantas mudanças, um lugar bom para se viver, com recursos e preocupações sobre a estrutura oferecida aos seus cidadãos. Esse indivíduo enxerga seus líderes como exemplos de superação, que foram reconhecidos pelo esforço de toda uma vida, não enxergam o controle exercido como algo errado ou feito para manipulação, mas como práticas comuns e corretas, que devem ocorrer para que se mantenha a ordem e o respeito entre as pessoas, para evitar tumultos e, acima de tudo, fortalecer o orgulho nacional. Assim, pensamos que qualquer transição para uma sociedade com maior liberdade de expressão e menos censura dependerá de uma completa mudança em todo o sistema político, educacional, comunicacional e econômico. Muitas práticas, 2

Original em inglês: people had generally been willing to forfeit political engagement in exchange for assured social and economic rights.


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principalmente culturais, ainda refletem conceitos intrínsecos nos cidadãos, frutos de séculos sendo controlados e educados conforme os princípios confucionistas e de acordo com as normas do PCC. Reconhecemos que as características do sistema de domínio chinês – partindo do poder do Estado em aliança com o grande empresariado - são de extrema complexidade e arraigadas entre as maiorias. Dificilmente veremos alguma mudança notável em pouco tempo. E, para que profissionais ocidentais saibam lidar com esse país, em qualquer forma ou tipos de relacionamentos, é necessário um mínimo de conhecimento etnográfico, pois devemos entender que o comportamento de um chinês - assim como a melhor forma de aproximação com este - será muito diferente das formas de relacionamento de trabalho com outro cidadão de qualquer país ocidentalizado. Buscamos, portanto, através dessa pesquisa, compreender esse esquema de censura na China, especificamente estudando o caso do Google e as regras aplicadas aos correspondentes internacionais que lá trabalham e vivem. A missão alegada do Google, conforme divulgado através do próprio site da empresa, é a de organizar as informações do mundo e torná-las mundialmente acessíveis e úteis. A partir disso, sabendo da atuação mundial da empresa e que é hoje o buscador mais utilizado na maioria dos países, podemos concluir que esta conseguiria suportar financeiramente - a segunda posição no mercado de buscadores chinês, ao concorrer com o buscador Baidu, que hoje é o preferido da maior parcela dos usuários daquele país. O que pensamos não ser suportável pelo Google seria a perda da própria reputação diante dos demais países, ao decidir censurar resultados da sua página de busca, conforme imposto pelo governo da China. Essa atitude iria, portanto, contra sua missão fundamental de informar sem restrições. Assim, o estabelecimento da empresa na China demonstraria total incompatibilidade com a forma chinesa de governar e controlar as informações circulantes, controle que permanece nas mãos do poder político do PCC e não iria ser diferente no caso do Google. Conforme defendido por Bueno (2012), a forma chinesa de relacionamento do governo e os agentes econômicos, atravessados pelo NPC e pela cultura do guanxi, desafia o entendimento ocidental. As corporações econômicas, as pessoas jurídicas, os empreendedores que buscam o reconhecimento e consequente lucro nesse mercado, devem se submeter ao controle estatal, ou seguir a atitude do Google, de se retirar e se eximir da


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contradição de ter que censurar informações, quando se tem como missão alegada a de difundir informação. Já para os jornalistas internacionais, a idéia de trabalhar com a divulgação de informação em um país onde essa não é considerada como invulnerável, torna-se algo difícil e leva a um caminho de submissão e impotência diante de tamanho controle e falta de esclarecimento sobre quaisquer fatos, sejam eles políticos, econômicos, culturais, religiosos, etc. Os profissionais precisam adequar-se as rotinas não jornalísticas para poderem trabalhar na China. Empecilhos como a censura (principal), e normas das mais variadas origens (por vezes não declaradas), precisam ser vencidos e driblados a cada nova matéria, entrevista, captação de imagem ou envio de arquivo, já que, conforme expomos no capítulo número 3 o governo chinês tem como dever, guiar a opinião pública. E a forma mais eficiente de fazer isso é através dos meios de comunicação. Sendo assim, o relacionamento com os profissionais internacionais não poderia ser diferente, considerando que a idéia é também manter a imagem positiva da China perante todos os demais países, além de manter o cuidado para que nada negativo produzido por correspondentes internacionais atinja em algum momento os receptores chineses. Conforme a nossa hipótese, o pleno poder que o Partido Comunista Chinês (PCC) exerce sobre a área comunicacional do país reflete-se no controle das informações veiculadas pelos meios de comunicação, assim como no ato de barrar qualquer manifestação que vise o desenvolvimento interno de conceitos como a liberdade de expressão e de imprensa. O Partido mantém rígido controle sobre todas as informações veiculadas pela imprensa nacional e estrangeira. Essa realidade difere daquela que os profissionais encontram em seu país de origem, trabalhando para empresas cujos modelos de negócio são relativamente mais abertos política e economicamente. Podemos então concluir, através de entrevistas e pesquisas bibliográficas, que essa situação reflete em um ambiente de trabalho desagradável aos profissionais ocidentais, assim como o surgimento de questionamentos éticos e culturais sobre a permanência ou não no país. Seria por isso que a grande parte dos correspondentes, por não querer, de certa forma, compactuar com os métodos governamentais e acabar por mudar o próprio fazer jornalístico, opta por deixar o país depois de certo tempo, normalmente dois ou três anos.


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Como expomos no capítulo número 3 sabemos que conforme o país se abriu economicamente, a partir da década de 1970, novas tecnologias e controle de mídia também passaram a existir com maior intensidade, como o sistema de licenças para toda empresa de imprensa e publicações que venha a se estabelecer na China, além de nenhum jornal poder ser registrado como uma empresa independente. Tudo ficou ainda mais controlado com o estabelecimento do Grupo Chinês de Rádio, Filme e Televisão, pois dessa forma, o governo tem pleno controle daquilo que é veiculado em qualquer dos meios. Além disso, existe o Escritório de Informação do Conselho de Estado, cuja função é controlar o material veiculado internacionalmente e que aborde assuntos relacionados ao país. Ou seja, podemos entender e concluir que todas as medidas são pensadas e esquematizadas para que os profissionais da comunicação, nacionais e internacionais, trabalhem com supervisão e limitações constantes. A intenção ao iniciar essa monografia foi a de trazer o conhecimento adquirido In loco para o meio acadêmico brasileiro, cuja noção e aprofundamento sobre o assunto ainda é insuficiente. Assim, foi possível estudar os sistemas com apoio teórico, através de extensa pesquisa bibliográfica e conversas aprofundadas com profissionais da comunicação, chineses e brasileiros, assim como da antropologia. A partir disso buscamos compreender a forma como a censura na China funciona e também como consegue controlar e desenvolver seu poder sob empresas e pessoas, mesmo em um ambiente cada vez mais globalizado e dominado pelas informações, redes sociais e novas tecnologias. Estamos cientes e não temos a pretensão de supor que essa monografia cobre todo o profundo, extenso e complexo sistema de censura na China. Mas temos a intenção de continuar com o trabalho assim como deixar uma opção de pesquisa para um novo e inédito caminho a outros pesquisadores com interesse no assunto e com a convicção de que devemos entender essa nova China que vem se revelando para o mundo. Um país com gigantescas taxas de crescimento anuais, com demonstrações de que estão dispostos a aceitar certos costumes e normas comportamentais do Ocidente, em determinadas áreas, mas que não cogitam o esquecimento ou inferioridade de suas próprias tradições e crenças. Uma China que, mesmo distante geograficamente, está muito próxima de nós, através da Internet; tanto nas notícias diárias, que nos trazem desde bizarrices até informações


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políticas e econômicas, fundamentais na tomada de decisões estratégicas para empresas de variados segmentos, industriais e comerciais, do nosso país.


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APÊNDICE A - ENTREVISTA ROSANA PINHEIRO-MACHADO Antropóloga e sinóloga brasileira. Doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pósdoutora pelo Fairbanks Centro de Estudos Chineses da Universidade de Harvard. Atualmente, é professora da Universidade de Oxford, na Inglaterra, onde pesquisa e leciona sobre desenvolvimento na China e no Brasil. De: Rosana Pinheiro Machado <rpinheiromachado@yahoo.com.br> Data: 23 de setembro de 2013 21:33 Assunto: Re: TCC China - Perguntas Para: Sabrina Strack <sabrinastrack@gmail.com seguinte sabrina, esta um caos, escrevi e nao revisei. por favor, edite o portugues à vontade e pode editar o texto de modo mais amplo tenho evitado ateh entrevista grande, querida. fugi ate da folha. mas nao pude negar ao teu pedido valorizo muito pessoas que como vc, pois vc se deslocou de sua cidade para me assistir, diferentemente da plateia apática e amorfa que estava naquele auditório. esse tipo de atitude que vc mostrou chama-se interesse. foi assim que me tornei uma profissional. batalhando pelas pequenas coisas. um abração e desculpa pelo portugues e demora. fiz o que pude

O incentivo, a partir de 1978, do empreendedorismo na China, tanto estrangeiro quanto local, gerou uma nova espécie de relacionamento, imensamente corrupto, entre empresariado e os governos locais - líderes do Partido. O autor Misha Glenny, no livro McMafia, traz o conceito de nexo político criminal (NPC) para isso. Mesmo o governo central em Pequim combatendo a prática, isso já se tornou algo comum, intrínseco no comportamento político. A prática, mesmo sendo ilegal, acaba trazendo muitos negócios para a China. Como tu defines o guanxi hoje na China? penso que o guanxi é uma prática complexa e multifacetada. Impossivel, sob o ponto de vista antropológico, "definir" gunaxi na China hoje. Guanxi pode ser desde corrupção até a relação de obediência entre mae e filho. Por isso, existe guanxi boa e ruim, masculina ou feminina, rural ou urbana. é claro que guanxi tornou-se um conceito difundido no ocidente em função de sua prática política e dos negócios. As relações sao vitais e continuam vitais para as coisas acontecerem na China hoje. mas essa é apenas uma variação do guanxi. Lembro que nem todo o guanxi, ajuda e relação, se constitui corrupção no mundo nos negócios, afinal, reciprocidade e laços fortes tem sido aspectos estruturantes das grandes empresas ocidentais. Podemos dizer que esse Nexo Político-Criminal é uma evolução do próprio guanxi, algo culturalmente chinês e que há muitos séculos acontece? Nao diria uma evolução, mas uma variante. o guanxi nasce no confucionismo, nas relações hierarquias de fidelidade e respeito. os laços particularistas se estenderam por séculos entre vizinhos que se ajudavam ou entre os próprios mandarim e suas tramas de poder. O guanxi ruim é um vicio da revolução cultural. embora o PCC combatesse os laços verticais em nome dos horizontais da camaradagem, o modus operandi do partido era de estimular trocas de favores e bens escassos entre membros do governo as comunas. havia um sentimento de estar trabalhando para a nação. a abertura economica com modelo descentralizado de poder favoreceu a continuidade e maximização desse modelo, entre autoridades locais e empresarios Tu vês a autonomia das províncias como uma ameaça ao PCC central? De forma alguma. O PCC é uma rede inteligente e interligada. a autonomia é sempre servil ao PCC central, nao nos enganemos. Considerando essa realidade, achas possível alguma mudança, que abranja a economia chinesa e que considere combater a prática do guanxi? a descentralização é uma tendencia. uma tendencia que favorece o guanxi. no nivel do discurso central, desde os anos 1950, ha uma grande lura para combater o guanxi, mas na prática local sempre foi o oposto. a descentralização tira a responsabilidade do poder central - o que mantem ilesa a imagem das forças maiores do aprtido - e favorece a corrupção entre locais, que trabalham juntos para maximizar o PIB da nação. assim ocorre um circulo vicioso, no qual, novamente nao se enxerga corrupção, mas sim um sentimento de que todos estao contribuindo para o crescimento da china. nao é possivel prever se vai diminuir ou nao o guanxi. esse eh o debate de milhares de pesquisadores e


100 as opinioes sao muito divididas. eu particularmente nao sei do futuro, apenas vejo que ainda é muito forte e nao esta diminuindo. Achas que os quatro princípios cardeais, estabelecidos por Deng, ainda se refletem na política chinesa? Até quando? (1prosseguir na estrada do socialismo / 2preservar a ditadura popular democrática / 3sustentar a liderança do Partido Comunista / 4apoiar o marxismo-leninismo e as idéias de Mao Tse-Tung) acho que os dois primeiros pontos sim. os dois ultimos, de forma alguma. nao ha marxismo, nem leninismo, nem maoismo. há economia de mercado e neoliberalismo em sua forma mais crua e perversa (perversa porque diferente dos estados capitalistas, na china nao ha uma base legal forte). mas segue-se com um capitalismo a la chinesa, com estado forte e ditadura, mas sem socialismo, pois tudo é privatizado. Em relação a população chinesa. Existe um grande abismo social na China, enquanto os políticos e empresários enriquecem, os operários vivem em condições, muitas vezes, desumanas e muito mal remunerados. Tu achas que os chineses irão, em algum momento, se unirem por melhores condições? Ou que o governo passe a, realmente, controlar essa parte e exigir isso dos grandes donos de fábricas? em 2012, houve 100 mil protestos de massa no país. a bibliografia sobre a ressurgência de movimentos sociais de revolta é imensa. a população menos favorecida ja esta revoltada e ja vem se manifestando nas ruas e nas redes sociais. e o governo segue patrolando e censurando. até quando irá resistir? ninguem sabe.... tb é notório que hoje os movimentos sociais chineses sao em sintonia com o partido, nao querem a democracia ocidental, eles querem, em maioria, travar uma luta chinesa, dentro do seus proprios moldes e mantendo a estrutura social. acho que o governo tem o controle das populações ha 4000 anos, desde Zhou. nao penso que isso irá mudar. A duvida que nos fica é o poder da internet e da comunicação jamais vista na historias. se algo mudar, sera o poder da comunicação em escala global. mas nao acredito em grandes mudanças revolucionarias em nome da democracia, acredito em revoltas, como sempre ocorreram na china, que pouco a pouco estarao em sintonia com o status quo. Possível, hoje, de acontecer um novo massacre, como em 1989? Achas que a população ainda tema que isso ocorra? claro que é possivel. infelizmente. mas hoje a china tem uma posição no sistema mundial que precisa cuidar mais para manter e alcançar a hegemonia, mas penso que a violencia desmedida é possivel e imprevisivel. lamentavelmente. acho que a população, em geral, nao teme que isso ocorra, a maior parte desconhece o caso, e quem conhece nao esta preocupado. a preocupação dos chineses sao outras. eles sao criticos com o PCC mas nao querem mudar radicalmente. Sabendo que a partir do momento que as condições melhorarem os custos de produção irão subir e consequentemente o preço de venda também, existe, por parte dos políticos, um receio de que as grandes empresas busquem o melhor preço em outros países asiáticos, o que pode fazer com que aumente o número de desempregados? --- nao tenho resposta para isso. nao necessariamente virá desemprego, pois haverá migração de empregos, a china abrira empresas noutros países, e outras no proprio país. ou seja, nao é possivel prever. como nao sou economista, nao posso responder a isso


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APÊNDICE B - ENTREVISTA FABIANO MAISONNAVE Jornalista brasileiro do jornal Folha de São Paulo. Trabalhou como correspondente internacional do veículo em Pequim, na China, durante o ano de 2012 e início de 2013. ---------- Mensagem encaminhada ---------De: Fabiano Maisonnave <fabiano.maisonnave@grupofolha.com.br> Data: 18 de outubro de 2013 21:22 Assunto: RES: Monografia sobre China - Unisinos/RS Para: Sabrina Strack <sabrinastrack@gmail.com> Aí vai, Sabrina! abs O governo chinês, considerando que a maior agência de notícias do país, a Xinhua, é veiculada ao governo central, tem enorme controle sobre as informações que circulam no país. Quais os métodos/formas que utilizam para censurar e que já interferiram no teu trabalho? O principal problema é o medo generalizado de dizer o que pensa, principalmente em Pequim, a capital. Há também limitações geográficas, como o Tibete, onde só é possível visitar acompanhado do governo. Quando se trata de cobertura econômica, porém, as entrevistas e informações são mais fáceis. Chegaste a sentir no comportamento dos chineses, em relação a algum caso específico, a eficácia da manipulação da informação? Sim, principalmente em temas como relações com o Japão, o confronto na praça da Paz Celestial e grandes tragédias promovidas pelo Partido Comunista como a Grande Fome (1958-61). Em geral, são visões com forte viés nacionalista, embora haja sempre exceções, inclusive na imprensa, em livros de ficção e no cinema. Como alterou tua rotina de trabalho para lidar com os constantes bloqueios na Internet, como YouTube, Facebook, o próprio Google, e links acessados com muita frequência? Além dos sites bloqueados, há o problema da lentidão, principalmente se hospedados fora da China. Há como driblar por meio de softwares de VPN, mas tudo fica muito lento. Teve algum momento em que precisou desistir ou mudar o foco da reportagem devido a censura ou barreiras impostas? Se sim, como foi? Sim, em várias histórias. Por exemplo: eu queria visitar a cidade natal de Chen Guangcheng, o ativista cego. Como houve vários incidentes com jornalistas, principalmente agressão, nenhum intérprete ou fotógrafo se dispôs a fazer a viagem comigo. Desisti. Qual a/as norma(s) que teve que acatar e que considerou desnecessária(s)? Vários pequenos incidentes, como proibição de tirar fotos de policiais durante uma partida de futebol (fui obrigado a apagá-las). Tu trabalhaste na China com a ajuda de tradutor/motorista chineses? Sim, sempre As autorizações para entrevistas/gravações eram enviadas para quem? Não é necessário. Os chineses que trabalharam contigo se envolviam nesse processo? Repito acima. Já conseguiu entrevistar altas autoridades do governo? Como foi a burocracia? Conseguiu as respostas que estava buscando? Entrevistei apenas vice-ministros e presidentes de estatais. Sempre é preciso enviar as perguntas com antecedência, geralmente via fax. As respostas costumam ser protocolares. Quais as diferenças culturais, relacionadas a essa falta de acesso à informação, que mais percebeu durante o tempo em que esteve na China? Eles submetem a política de jornalismo ao Departamento de Propaganda. Não é exatamente cultural, trata-se mais da natureza do regime. Algum chinês que ajudou em reportagens alguma vez sofreu represálias do governo? Até onde eu sei, não. Conseguiu realizar reportagens sobre os assuntos considerados "tabus" com fontes chinesas? Por exemplo, a Praça da Paz Celestial, Tibete/Dalai Lama, Falun Gong. Fiz uma viagem ao Tibete a convite do governo. Foi bastante controlada, não dava pra sair perguntando, visitar mosteiros, mas consegui fazer uma matéria crítica, com perguntas diretas sobre a questão tibetana.


102 Tratou em alguma reportagem de assuntos culturais como a preferência por meninos, o aborto como prática comum, os casamentos comprados, preconceito com pessoas de fora da província, bebês sendo jogados no lixo por serem meninas? Conseguiu falar com as fontes livremente? Existe censura/controle a respeito desses assuntos também? Fiz uma reportagem sobre tráfico de crianças em Hunan. Fui parado pela polícia, as entrevistas eram acompanhadas por membros locais do PCC, mas os pais puderam falar comigo. Algum outro detalhe/informação que julgues importante de mencionar. Apesar de todo o problema de censura, o tema é mais complexo do que parece. Há, na imprensa chinesa, algumas iniciativas ousadas, principalmente em meios impressos. Não deixe de pesquisar o caso da revista Caixin, fundada pela jornalista Hu Shuli. Fabiano Maisonnave Repórter Folha de S.Paulo +55 11 3224 -4846


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APÊNDICE C - ENTREVISTA MICHAEL ANTI Transcrição da entrevista feita via Skype, dia 11 de outubro de 2013, com o jornalista chinês Michael Anti, que teve seu blog deletado pela Microsoft em 2005, hoje atua em Pequim, na China, como jornalista freelancer para jornais e revistas chinesas. Tell me a little bit about the situation with Microsoft. Yes, that was on 2005, long time ago. And after that, do you have another blog, did you start over or you gave up? I just tend not to use blog, not blog, I use to twitt, the twitter, because whatever, where I post my blog, it would be removed, so, is more likely that I just use the twitter. Today, do you still live in China? Yes, I live in in Beijing, China. What is your main occupation? I’m a freelancer, I work for myself. I’m freelancing for newspapers and magazines, writing for different chinese magazines. Sometimes write for the overseas media, including english media, but major, I write for the mainland chinese magazines. The Chinese government, considering that the country`s biggest news agency, Xinhua, is connected to the central government, has huge control over all the information that circulate inside the country. Which methods/ways they use to censor and which ones already affected your work? This is the internet world, people stopped using, finding the news and information from Xinhua agency. Xinhua agency more and more likely become an official voice instead of a news agency. I do not see any chance that in my career life I should report at Xinhua news, it does not make sense for me. I did not trust it for the very beginning, I never quoted. So, you do not use Xinhua as a source? Yes, because the internet arrow is already losing the position as a mainstream news gathering, collector, news collector. Its already loosing the position, because of the internet. I never use Xinhua agency. I use other news agencies, or other newspapers, because there are so many chinese reporters in China, I do not think that Xinhua agency even matter for the most of the news market, because, without this official position I do not think that any newspaper has the need to care about that, especially like a freelancer reporter, I do not need any Xinhua thing, I do not need. Can you name some other news agency that you use? For example, the newspaper, Southern group, has many many good newspaper, and also the Caixin Group, which is exactly the two media group that I am writing for, I thing the news sources for this two groups. It is basically chinese, right. But also, I can read the foreign newspaper, New York time, Bloomberg, AP, any of them is much better than Xinhua. The third source is internet, so basically, because of the three sources, the chinese news, english news, foreign news, and the internet, I do not need anything from Xinhua. Can you, as a chinese journalist with international experience, feel something different on the chinese behavior, considering all the manipulation of information you have in Mainland China? I think when the news is more close to them, they are more easy to identify which is true or not. So, basically they did not trust CCTV or Xinhua agency report about domestic matters, because they can see by themselves which is not true, so they are more likely to trust the internet, rather than the official media. But if the news is far away from them they have no capacity to identify which is true, so they tend to believe what the Xinhua agency said is right. For example, when they report about America report you, they do not have any resources to identify which is true or not, so they tend, chinese people, readers, tend to believe chinese official media, like Xinhua agency and CCTV, coverages is right, so, thats the reason chinese official media are more successful to manipulate the international news, rather than domestic news. When working inside China, how do you deal with the frequent blocking of the Internet websites, like Youtube, Facebook, sometimes even Google, and frequent accessed links? Every blogger have different approaches to circumvent the internet. Me, just like, buy a commercial VPN, like USD100 a year, pay the money then get a free internet. With the commercial VPN. Its hard for them (normal people) to reach the internet. I have that because I have money to pay, is easy if you have money to pay. It does not matter if you are a chinese or not, you just need to have money. I you can pay USD100 a year, ok, you can have a free internet. Also need a credit card, so basically people in the city have the chance to do that. Besides the blog issue, did you suffer some other kind of retaliation from the government? If yes, why and how?


104 I always have problem. For example, your social media was frozen, deleted, and also, place where they are looking for you to have a tea with you, very common, with any of my friends. You mean people from the government look for you to talk and see what you are doing? Yes. Without the VPN you would have a problem, even if you want to use Gmail. Sometimes it is blocked, but not for me, because I always use the VPN. In 2008, during the Beijing Olympics, did something really changed regarding the press freedom in China? I wrote, I asked for interviews, I wrote columns for the olympics, I did write something. Not true, did not change the internet policy. Basically it was forbidden to interview there, I do not think that they are really releasing the policy toward the foreign correspondents, I did not see that, because quickly after the tibetan riots happened. It did not change. Have you ever tried to write about the "taboo" subjects, like Tiananmen Square, Tibet/Dalai Lama, Falun Gong? If yes, how was it? Were you able to talk with chinese sources? Is it easier for you, as a chinese, to talk about these, that it is for foreigners journalists? Or is it even harder? No, is very dangerous for me, basically I did not write the issues about the debated, I did not touch the issue. If I decided to write about it I would lose the ability to write articles for chinese media, to make a living as a freelancer. Because here, now, I can write articles about the economics for the chinese media. But writing about sensitive things, like tibet, I do not think I would have the chance to continue writing for the chinese media. Easier for the international journalists to write about it? Is safer than the chinese journalist, of course, but we kept a situation that a correspondent, a foreign correspondent write about Tibet, their visa was denied and quickly kick out from China, so even for the foreign journalist, the debate is also very dangerous issue, may cost their visa. Visa issue is very serious. Do you see any changes for the Chinese press and people, in regards freedom of speech and press freedom, in the near future? I think the social media and the internet is really helping the chinese citizens understand the value of the freedom of speech and embrace them, people are more and more likely to think that freedom of speech is a good, is very good for chinese people, so this change already made and it is made by the internet.


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APÊNDICE D - ENTREVISTA HE MENG Jornalista chinesa que trabalha na Agência Oficial de Notícias da China, Xinhua. He Meng trabalha no departamento de língua portuguesa e fala português fluente. De: 贺萌 <hemeng1979@gmail.com> Data: 10 de outubro de 2013 09:22 Assunto: Re: Monografia sobre China - Indicação Paula Coruja Para: Sabrina Strack <sabrinastrack@gmail.com> Oi, Sabrina Aqui vem as minhas respostas. Como funciona o processo editorial na Xinhua? A Xinhua é uma das maiores agências de notícias do mundo, por isso, tem um processo editorial, ou seja, um sistema de emissão de notícias, muito complicado e enorme. Os produtos da Xinhua são distribuídos com base em diferentes “linhas”, que são esquemas diferentes conforme necessidades de diferentes clientes. Por exemplo, linha de notícias gerais em chinês, linha de informações de finanças em inglês, linha de fotos, linha de notícias chinesas em português, etc. A Xinhua estabeleceu mais de 30 sucursais dentro da China, incluindo Hong Kong, Macau e Taiwan, e mais de 150 subagências no exterior. E os repórteres nessas instituições, também funcionários da Xinhua, vão acolher informações, em texto, foto, vídeo, todas as formas, e passar para as diferentes linhas. As redações de diferentes linhas, quando recebem as informações através do sistema específico da Xinhua, vão editar essas informações, e transmitem-nas aos clientes, como televisões, websites, rádios, jornais, revistas, institutos acadêmicos, empresas, bolsas de valores, etc. Qual o/os valor/es notícia/s utilizado/s como padrão? Sendo a agência de notícias oficial da China, a Xinhua prioriza a credibilidade, a verdade, a exclusividade como os valores principais das notícias. Como é o relacionamento com os correspondentes internacionais? A Xinhua tem algumas divisões que mantém relacionamento estreito com os correspondentes internacionais pelas naturezas dessas divisões. Por exemplo, temos o departamento de notícias internacionais, que mandam jornalistas para o exterior, e aí, esses jornalistas têm que conviver com os jornalistas internacionais. Temo o departamento de notícias chinesas para o exterior, e transmitem notícias em chinês, inglês, português, espanhol, francês, árabe, russo, e inevitavelmente precisa de cooperar com instituições de notícias internacionais. Temos acordos de troca de produtos jornalísticos com muitas imprensas mundiais. Temos centros de pesquisa do jornalismo internacional e fóruns de mídia mundial. Como é feita a apuração de notícias do exterior? Internet? E como lidam com o bloqueio de alguns sites internacionais? Como já disse, a Xinhua tem mais de 150 sucursais no resto do mundo. No Brasil, a Xinhua tem três sucursais, em Rio, Brasília e São Paulo. E a Internet é a última escolha da Xinhua para recolher notícias. Na maioria dos casos, a Xinhua tem capacidade de ter seus jornalistas no local. Sobre o bloqueio de sites internacionais, que acho também um saco, porque meu gmail não funciona diretinho e tenho de “refresh” o site de vez em quando, mas o problema não afeta nossos trabalhos. Pois, há alguns sites bloqueados na China, como Twitter, Facebook, mas como os chineses têm suas versões dessas plataformas de comunicações sociais, como Weibo e Wechat, a ausência desses sites estrangeiros não faz muita diferença para os chineses. E na Xinhua, como existe acordos de troca de notícias, a gente, quer dizer, funcionários autorizados, tem acesso às imprensas que não circulam ou são bloqueados na China. Considerando que a Xinhua é veiculada ao governo central, cujo controle sobre as informações que circulam no país é grande, quais as formas que tu já vivenciou ou sabe que existem para interferir no trabalho de apuração jornalística? Não sei se você tinha lido ou não o livro Bias do repórter e produtor da CBS News, EUA, Bernie Goldberg, o controle sobre as informações existe em todos os países. A diferença é métodos de controle, mas não é “graus”. A Xinhua é vinculada ao governo central, mas não faz parte do governo ou o Partido Comunista da China. Legalmente, é uma imprensa independente. E por isso, não sofre de controle tão grande como se imagina. Até a Xinhua tem algumas plataformas bem críticas. No meu trabalho, admito que existe interferência, por exemplo, temos uma série de protocolo para seguir na cobertura de visitas de Estado dos altos líderes chineses ao exterior. Ou não podemos divulgar as notícias sobre as atividades do culto de Falungong, que é considerado como uma crença e prática ilegal e separatista na China. A Xinhua está passando por uma etapa de reforma, e é cada vez mais


106 conscientizada de que o mundo está cada vez mais “plana”, e esconder algumas coisas é pior que esclarecer algumas coisas. Sob essa reforma, a Xinhua tem tornado muito mais aberta em comparação com 13 anos atrás quando eu comecei a trabalhar na Xinhua, dando mais liberdade a jornalistas e editores em termos de apuração de notícias. Quem decide as pautas a serem abordadas pela agência? Os repórteres devem seguir fielmente ou existe liberdade para buscar novos ângulos ou investigações? Quem decide as pautas são os próprios jornalistas. A verdade e a objetividade são sempre os princípios mais importantes para o jornalismo. Claro que também é assim na Xinhua. A Xinhua tem umas linhas de produto que envolvem exclusivamente investigações e reportagems profundas, por exemplo, Xinhua Shidian (Visão Xinhua). No mês passado, um jornalista da Xinhua reportou com nome real ao departamento de supervisão disciplinar do governo sobre um caso de corrupção com um alto funcionário envolvido. E o governo já estabeleceu uma equipe especial para investigar o caso. A Xinhua, por ser ligada ao próprio governo, tem maior acesso as altas autoridades? Conseguem entrevistas para tratar de assuntos pertinentes? Como funciona essa rotina? A Xinhua consegue entrevistas com as altas autoridades. A Xinhua tem uma redação intitulado “Centro de Notícias Centrais” que tratam das entrevistas com o governo central e os departamentos centrais, que é composta de jornalistas e editores veteranos que já são autoridados a ter acesso às altas autoridades. Como são tratados, dentro da Xinhua, assuntos tabus na China, como por exemplo, os protestos na Praça da Paz Celestial, Tibete/Dalai Lama, Falun Gong? O Departamento de Comunicações do Comitê Central do Partido Comunista da China envia princípios de cobertura sobre esses assuntos, digas “sensíveis”. E sob esses princípios, a Xinhua organiza coberturas.


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ANEXO A - AUTORIZAÇÕES DE ENTREVISTAS


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