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O POVO Cariri - março 2015

CONSIDERADA UMA DAS MAIORES EDUCADORAS DO CRATO E LEMBRADA POR SUAS AÇÕES DE CARIDADE, MADRE FEITOSA, AOS 93 ANOS, CONVERSA COM A O POVO CARIRI E CONTA UM POUCO DE SUA TRAJETÓRIA

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MÃE FEITOSA

Sabryna Esmeraldo

Ao vê-la andando pelo pátio do colégio, os alunos, dos mais velhos aos mais novos, param, simplesmente, para falar com ela, pedir a bênção, perguntar se está tudo bem e, talvez, dar notícias da própria família. Uma das alunas, que deve ter por volta dos dez anos, procura-a depois, em sua sala, para lhe dar uma flor. O mesmo carinho vem dos funcionários, que a abraçam nos corredores.

Não há como negar: madre Feitosa é mãe. Daquelas mães que se preocupam com o que aconteceu em sua vida, das que chamam para conversar se percebe que você tem um problema, das que fazem todo o possível pelo seu crescimento. É daquelas pessoas que você quer que tenha orgulho de você, das que você se sente em paz apenas por estar perto. Isso é o que se percebe ao ouvir as histórias de seus vários “filhos”, ex-alunos que trabalham na escola e pessoas que ela, literalmente, ajudou a criar.

Em setembro deste ano, a madre completa 94 anos, mas é bem possível esquecer, por alguns momentos, sua avançada idade ao vê-la recebendo os alunos na entrada do Colégio Pequeno Príncipe, quase todos os dias, ou acompanhando o recreio das crianças menores. Ela dirige a escola e recebe constantes visitas que procuram aconselhamento ou que querem apenas desabafar.

E foi com a mesma serenidade com que trata a todos que madre Feitosa recebeu a O POVO Cariri para uma entrevista. As lições aprendidas com seus pais, o início da vida como religiosa e educadora, o nascimento do Colégio Pequeno Príncipe e os diários aprendizados com seus alunos foram pontos abordados na conversa.

O POVO Cariri - A senhora nasceu em Tauá. Por quanto tempo morou lá? Só um mês. Aí fui para Arneiroz, onde morava toda a minha família, tanto que eu me considero de Arneiroz.

Madre Feitosa - Eu amo o local onde fui criada. Lá foi onde eu, realmente, cresci, estudei, me preparei, fiz até o 4º ano primário. Depois disso, eu vim para o Colégio Santa Teresa, no Crato. Eu tinha 14 anos. Eu repeti o 4º ano duas vezes para não ficar parada, porque em Arneiroz só tinha até o 4º ano.

EU NÃO ATINAVA PARA O QUE EU IA SER NA VIDA. EU ATINAVA PARA CRESCER NOS ESTUDOS.

MF - Meus pais eram simples, família humilde, trabalhadora. Meu pai era um pequeno comerciante. Minha mãe era muito trabalhadora, nunca nos deixou ociosos, sempre com muito trabalho dentro de casa, costurando. Ela abriu uma pequena padaria dentro da nossa casa, onde nós todos trabalhávamos. Éramos sete filhos, comigo. Hoje, só eu estou viva. A maior lição foi justamente a honestidade, a dignidade e, também, o valor ao trabalho.

OPC - Como era sua família? Qual foi a maior lição aprendida com seus pais?

OPC - Quando criança, a senhora foi aluna da professora Maria Dolores Petrola de Melo Jorge, quem considera um exemplo. Pode falar um pouco da importância da professora Dolores em sua educação?

MF - Foi uma segunda mãe para mim, essa senhora. Ela era minha prima legítima, foi minha primeira professora, da alfabetização ao 4º ano. Ela passou a ser professora do Estado, assumiu a escola e a gerenciava com uma boa formação cristã e pedagógica para todos nós. O exemplo foi de dignidade. Ela era uma pessoa muito digna, muito responsável, muito cristã, com muita vivência de fé. Foi esse o legado que eu recebi dela.

OPC - Vem dessa época o desejo de trabalhar com educação?

MF - O desejo de estudar. Eu não atinava para o que eu ia ser na vida. Eu atinava para crescer nos estudos.

OPC - A senhora entrou para a vida religiosa em 1938, aos 16 anos, e, posteriormente, se formou em pedagogia. Como foi esse início da vida profissional?

MF - Me formei em pedagogia pela Faculdade de Filosofia do Crato e fiz o curso de Orientação Educacional no Rio de Janeiro, já freira. A madre me mandou com outra irmã para o Rio, ficamos na Faculdade Santa Úrsula, em Botafogo. Foi o primeiro, que houve no Brasil.

OPC - Depois disso, a senhora foi diretora do Colégio Santa Teresa, correto?

MF - Sim. Por muitos anos. Fui também secretária geral da Congregação das Filhas de Santa Teresa de Jesus, fui tesoureira da Congregação e vice-supervisora. Fui transferida do Santa Teresa para a Casa de Caridade do Crato em 1961. Antes, eu tive uma pequena transferência temporária para o Icó, para prestar um serviço de quatro meses. Depois prorrogaram por mais quatro [meses] e eu adorei a experiência.

OPC - Em 1969, a senhora fundou o Colégio Pequeno Príncipe. Como surgiu a ideia de abrir a escola?

MF - Não houve um projeto para o colégio nascer. Só existiam os colégios Santa Teresa e o Diocesano. O Santa Teresa tinha o Jardim da Infância e houve carência de vaga. Uma senhora me procurou pedindo meu apoio para conseguir uma vaga lá. A irmã, que era diretora, “botou dificuldade”, mas me disse que, por atenção, abriria uma vaga. A primeira falou para outra e lá me vem uma segunda com o mesmo apelo e eu disse: ‘Minha filha, a irmã me pediu que não solicitasse mais’. Eu até sugeri que ela abrisse uma segunda turma, mas ela não aceitou’. Veio uma terceira mãe. Na conversa com ela, eu disse que, em 1961, um professor do colégio, o doutor Carlos Barreto, havia dito: ‘Madre, se a senhora abrir uma escola lá, meus filhos vão estudar com a senhora’. Eu disse: ‘Doutor, eu nem conheço a realidade de onde eu vou trabalhar, eu não posso abrir uma escola’. Naquela época, eu não dispunha de ambiente, não conhecia a realidade. Mas ela me perguntava: ‘Mas, madre, com quantos alunos a senhora abriria?’. Eu disse: ‘Com menos de 12 alunos eu não abriria’. Ela, na mesma tarde, arranjou os 12 alunos, acredita? Não foi brincadeira. Com poucos dias eu tinha 50 alunos. E a escola, de lá para cá, só fez crescer.

OPC - Qual foi o seu maior desafio profissional, nessa trajetória?

MF - A criação do colégio e "levar" o colégio. Não é brincadeira conduzir uma escola que, a cada ano, cresce. O maior desafio é continuar no trabalho com essa idade e ainda estar dando minha pequena parcela. Eu estou passando já muita coisa até para ex--alunos que, hoje, trabalham comigo. Mas o pouco que eu puder dar, eu quero contribuir.

OPC - O que mais encanta a senhora na área de educação?

MF - É, realmente, poder me dedicar às crianças e aos jovens. Eles me ensinam demais. A gente aprende com eles todos os dias. E sente o calor humano que vem da parte deles, como uma gratidão, tanta amizade. É uma semente plantada para germinar e crescer.

OPC - A senhora já teve seu trabalho reconhecido pela Universidade Regional do Cariri (Urca) em duas ocasiões, com a medalha Reitor Antônio Martins Filho, em 2007, e com o título de Doutor Honoris Causa, em 2014. O que essas homenagens significam para a senhora?

MF - Generosidade da parte deles (risos). Não me considero merecedora desses títulos não.

OPC - A senhora procura estudar até hoje?

MF - Eu leio muito e quem lê, estuda. Eu leio diariamente. Isso faz bem até para minha saúde, na minha idade. [Para] Não ficar tão às margens das coisas.

OPC - O que a senhora gosta de ler?

MF - Meu autor preferido é o Exupéry. Eu tenho todas as obras de Exupéry e o povo me traz muita coisa. O livro preferido é o Pequeno Príncipe. Exupéry é universal. O que mais gosto no livro é o humanismo, o sentimento humanitário dele, a construção do homem.

OPC - Qual a principal lição que a senhora quer sempre passar para aqueles que conhece? O que acha que todos devem aprender?

MF - Fazer o bem. Compensa fazer o bem. Viver a vida fazendo o bem. É gratificante e há um retorno do bem que se faz.

HISTÓRIA

Filha de Crispim Morais e Maria Josina Feitosa de Morais, Maria Carmelina Feitosa nasceu em Tauá no dia 13 de setembro de 1921. A infância passou em Arneiroz, indo para o Crato aos 14 anos, onde cursou o ensino secundário e o curso normal no Colégio Santa Teresa, ingressando, aos 16, na Congregação das Filhas de Santa Teresa de Jesus, onde iniciou sua vida religiosa e a prática do magistério.

Madre Feitosa se formou em pedagogia pela Faculdade de Filosofia do Crato e participou do primeiro curso de Orientação Educacional do Brasil, no Rio de Janeiro. Foi diretora do Colégio Santa Teresa de Jesus, secretária geral da Congregação, sendo eleita vice-supervisora geral da Ordem em três mandatos consecutivos, num total de 18 anos. Em 1961, assumiu a direção da Casa de Caridade de Crato, do Ginásio Madre Ana Couto e do Patronato Padre Ibiapina, três instituições da Fundação Padre Ibiapina, Diocese de Crato.

Em 1969, fundou o Colégio Pequeno Príncipe, o qual dirige até hoje, aos 93 anos. Em 2007, Madre Feitosa foi homenageada pela Urca com a medalha Reitor Antônio Martins Filho e, em 2014, com o título de Doutor Honoris Causa, como reconhecimento aos seus serviços à educação. Ainda hoje, a educadora mantém a Casa de Caridade de Crato, entidade concebida e criada no século XIX pelo Padre Ibiapina. Sua trajetória é permeada por histórias daqueles que tiveram suas vidas transformadas por sua ajuda.

QUEM CONHECE

“Eu estudei aqui [no Pequeno Príncipe]. Eu fiz fundamental I. Depois, meus dois filhos estudaram aqui da alfabetização até a faculdade e eu estou aqui, há 15 anos, como orientadora educacional e, agora, como coordenadora do ensino fundamental I. É uma história de muito afeto e ela [madre Feitosa] nem gosta de ouvir muito essas gratidões da gente não, porque ela tem a filosofia da simplicidade. Mas eu tenho a gratidão do quanto eu aprendi.”

Ana Cristina Coelho Bezerra

“A madre foi colega de minha mãe no Colégio Santa Teresa. Eu ia fazer o segundo grau no Crato. Eu tinha três tios aqui, mas minha mãe disse que eu ia ficar com outra mãe e me trouxe aqui para a Madre. Acabou que eu fiquei sendo filha mesmo. Eu vim com 14 anos e fiquei até os 17. Eu digo que foi o maior presente que minha mãe me deu. Eu conheci a caridade, a humildade. Aqui, eu aprendi as melhores coisas sobre fé, uma fé para a vida. Eu venho, anualmente, [no Colégio Pequeno Príncipe] e fico uma semana com ela. Aqui é o lugar de mais paz que eu encontrei na minha vida. Ela é considerada a maior educadora dos últimos tempos do Crato. É uma vida santa, é uma missão.”

Sônia Arraes

“Eu cheguei aqui há 30 anos, fazendo faculdade. Na época, já era difícil encontrar uma instituição que lhe desse a oportunidade do primeiro emprego. Quando eu cheguei para falar com a madre, ela já era aquele ídolo e muita gente já sonhava em trabalhar aqui. Ela disse: ‘Sala de aula eu não tenho, mas você aceita datilografar carnê?’. Com uma semana, eu já estava na Secretaria e já estava dando aula. Quando eu entrei, eu observei que não foi só comigo, ela sempre deu muita oportunidade a quem estava começando. Ela dizia: ‘Tenha muito cuidado com a disciplina, mas tenha muito cuidado com o respeito a essas crianças, ensine com amor, com cuidado’”.

Maria Irã Lobo Teles

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